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Aulas EBD – Pentateuco - DIZER

Aula 5 – A Torre de Babel


 Texto base: Gn 11.1-9

Parte 1
Introdução - Gênesis 10 traça o perfil da raça humana após o dilúvio. O futuro humano é garantido
pela aliança perpétua entre Deus, a família de Noé e os seres pós-diluvianos. A partir desse
momento se origina um verdadeiro povoamento da terra. A posteridade dos filhos de Noé faz certa
alusão à diversidade das línguas e culturas já em Gênesis 10 (versos 5, 20 e 31).

Mas em Gênesis 11.1-9 o evento da Torre de Babel marca uma interrupção desse povoamento por
uma recusa consciente e organizada concernente à dispersão. A fundação de Babel é frustrada pela
confusão de uma língua que se fraciona em muitas outras línguas particulares e o movimento de
povoamento é retomado.

A narrativa é imediatamente seguida pela longa posteridade de Sem até Abrão cujo capítulo 12
descreverá sua vocação, ocasionando o começo dos grandes eventos da história humana narrados,
a partir de então, da epopeia dos patriarcas.

Essa narrativa pode ser dividida em quatro pontos de reflexão:

1. Uma só língua
No início, os homens tinham uma só língua e se entendiam, moravam juntos, trabalhavam juntos. E,
juntos, chegaram a alcançar muita coisa. Juntos fizeram progresso e desenvolveram uma técnica
importante: na falta de pedras, aprenderam a queimar tijolos, e usavam betume como argamassa,
em suas construções. Aqueles homens souberam como desenvolver as capacidades que Deus lhes
tinha dado, como a suas criaturas.

2. O por quê da torre


Para que queriam esta torre? Qual era a sua intenção? O que pretendiam com ela?

• A torre deveria chegar até o céu, atingir as regiões (segundo os antigos) habitadas por Deus.
Queriam tornar-se vizinhos de Deus, de igual para igual.

• Com a torre queriam fazer para si um nome. Queriam erguer um monumento para si. Algo que
ficasse para atestar sua capacidade e glória para as gerações futuras. Algo que mostrasse que eles
foram alguém.

• A torre deveria evitar a dispersão deste povo. Deveria evitar que ele se espalhasse e se perdesse,
se extinguisse no individualismo anônimo. A torre seria o instrumento da sobrevivência. É para isso
que eles usam aquela técnica, aquelas capacidades recebidas: para evitar o esquecimento no
anonimato, para fazer um nome para si, para colocar-se ao lado do seu Criador. A torre, aquele
monumento fabuloso, é o símbolo do espírito de revolta do homem, que não se contenta com ser
mera criatura, que quer equiparar-se aquele que o criou.

3. A ação de Deus
E o que faz Deus? Primeiro ele desce (Parece dar a entender que aquela obra monumental,
fantástica no entender dos seus construtores, é tão minúscula, que Deus precisa descer, chegar
mais perto para enxergá-la).

Deus não deixa toda essa potência na mão dessa geração. Porque ao invés de aproveitar o que
Deus lhes deu para uma finalidade sensata, o que é que eles fazem?

• Resolvem se levantar contra Deus.

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• Pensam em fazer um nome para si.

Então Deus chega a conclusão que eles não conhecem limites.

4. Consequência
Deus confunde a língua do povo. A comunicação entre eles é interrompida, a união desfeita e o
povo, finalmente, se espalha.

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Parte 2

A leitura do texto permite desenvolver ao menos quatro temas principais, por vezes específicos e em
outras interdependentes:

• (1) A língua das origens


• (2) Desvio de objetivo
• (3) Idolatria
• (4) Relação do particular ao universal

1. A língua das origens

Até Gênesis 11, a questão da pluralidade de línguas não é abordada. A narrativa bíblica não
descreve qual língua falavam os ancestrais antediluvianos. Os comentários tradicionais supõem que
se tratava da língua pela qual o mundo foi criado – lembremo-nos, partindo desse ponto de vista, das
onze ocorrências “E Deus disse...” encontradas no primeiro capítulo de Gênesis: Deus fala e o
mundo passa a existir.

A questão sobre a origem da fala é considerada por alguns como uma falsa questão quando
analisada pela ciência e até mesmo pela filosofia. Primeiramente porque ela não é acessível a
nenhum domínio científico, e para filosofia o ser humano é considerado por essência como um ser
social e “falante”, e por isso a questão da origem da fala não é mais importante do que a própria
potência da linguagem que é idiossincrática do ser humano.

Afinal, qual seria essa língua única que falavam os homens antes da dispersão de Babel?

• Alguns acreditam que se trata de uma língua divina, aquela que Adão se comunicava com Deus.
Essa língua seria necessariamente perfeita: as palavras e as coisas estariam intrinsicamente
ligadas, os signos seriam naturais e não convencionais. A hipótese de que seria o hebraico essa
língua original, inspirada por Deus prevaleceu por muito tempo.

Alguns estudiosos da linguagem, não religiosos, também acreditam na existência de uma língua
universal que poderia unir todos os homens. Por exemplo, para o médico marroquino, Alain-A.
Abeshera, que acredita que alguns idiomas que existentes são matrizes dessa língua primeira: “Eu
creio que existe uma dimensão da linguagem onde todas as línguas se associam a uma dimensão
universal da língua primeira. Onde o chinês, o francês, o swahili são as expressões atuais dessa
língua universal”. Enquanto outros acreditam que as comunicações pré-históricas e tribais
testemunham de uma gramática universal de uma linguagem das origens, que poderia ser
reativada uma vez que se encontra a “chave”.

Deixando de lado as teorias, o texto bíblico mostra que essa língua universal era uma característica
importante da geração de Babel (Gn 11.1).

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A linguagem e a palavra constituem uma força e uma potência na relação do ser com o mundo.
Cada vez que eu falo, eu sou religado ao mistério da criação. O verso 6 parece afirmar que por essa
língua única, nada poderia deter o ser humano.

Mas para a Bíblia que não é um tratado linguístico, a língua é evidencia de um parentesco
entre a Criatura e seu criador. Um Deus que cria pela palavra e por ela se comunica com a
criação, talvez assinalando em nós traços dessa imagem de Deus que carregamos, narrada
em Gênesis 1.26.

Ainda hoje, mesmo não possuindo uma única língua parece expressar muito daquilo que
carregamos em nosso interior. Em Mateus 15.18-20 parece mostrar-nos um ensino interessante de
Jesus a esse respeito:
“Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração
procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e
blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem [...]”
(Ver também Tiago 3.5-10).

2. Desvio de objetivo
Qual é a intenção exata da geração de Babel?
Continuar unida (verso 4)!

Construir uma vila parece ser um desejo legítimo para uma população que depois de ter emigrado
quer se instalar.

Construir uma torre é compreensível para habitantes de uma planície, privados de uma dimensão
que talvez eles possuíam anteriormente nas montanhas. Entretanto a precisão “uma torre cujo cume
toque nos céus” (verso 4) anuncia uma intenção mais ousada, aquela de atingir o domínio de Deus.

O homem novamente, como no Éden caminho rumo ao seu desejo de poder, de querer alcançar o
conhecimento divino. Mas se trata de uma rebelião, de um contra-projeto.

Porque a dispersão dos seres humanos sobre a face da Terra faz parte do projeto divino para a
humanidade (Gn 1.10 e 9.1). A geração de Babel começa a desenvolver um contra-projeto que toma
a forma de uma ditadura.

Existe uma revolta contra Deus que se exprime pela união de todos em uma construção social que
torna o homem independente e autônomo. Assim, a linguagem universal (e um material diferenciado
– tijolos e piche) privilegiavam essa construção.

Essa torre era o símbolo da potência coletiva humana que se dirigia contra uma ordem divina, e um
povo que decidiu por si só o que quer fazer, sem primeiramente consultar Deus.

Por que o “castigo” dado a Babel é menos radical daquele que acabou com a geração do dilúvio?
Além da solene aliança estabelecida por Deus em Gn 8 e 9, alguns comentadores dizem que tudo
nem tudo era rejeitado na atitude da geração de Babel. Esses comentadores chegam a dizer que
Deus tinha consciência do espírito de fraternidade que os movia, razão pela qual eles não foram
exatamente punidos. Entre eles talvez existem uma forma de paz, um estado social desejável. As
palavras (“e de uma mesma fala” verso 1o) nos leva a entender que existia uma afinidade entre eles.
Eles desejavam comunhão, ajuntamento. Parecia algo positivo, mas na visão global o ato é
negativo, pois essa comunhão os afastava da missão original que era que enchessem a terra e se
espalhassem sobre ela.

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3. A Idolatria
A torre é a imagem de um orgulho desmensurado que crê poder acabar com os limites entre o
homem e Deus. Ela é descrita no verso 4 como uma “torre que alcance os céus”. Em seguida
disseram “assim o nosso nome será famoso”. Biblicamente o nome, como a palavra que dele
procede, está intrinsicamente ligado ao caráter da pessoa que o carrega. Ele não é escolhido ao
acaso. O nome indicava o estado de um ser e designava uma dimensão que por vezes precisava ser
desvelada. É por isso que em Isaías 45.4 Deus diz: “eu te chamei pelo teu nome”, o que indica que
Deus conhece intimamente Israel, bem como seu destino último. Porque os nomes identificavam
uma pessoa (forjavam sua identidade) assim como definiam o seu destino.

Essas torres que depois dominaram algumas cidades da antiga Mesopotâmia eram vistas como um
símbolo politeísta que o monoteísmo hebraico só poderia evidentemente condenar. Ironicamente,
uma das traduções para a palavra Babel é “porta de (os) Deus (es)”.

Tornar o “nome famoso” (ou” fazer um nome” em uma tradução mais literal) significa dominar em si
mesmo todas as dimensões do seu ser e traçar um destino que seja decidido ignorando os desejos e
intenções de Deus para a vida dessa humanidade.

A geração de Babel se fecha deliberadamente na imanência narcísica que olha somente para si não
levando mais em conta o plano de Deus para a humanidade, e fatalmente cai no erro da produção
para a contemplação de sua própria imagem. É na verdade, uma busca por uma divinização de si
mesmo, da própria humanidade que gostaria de alcançar um poder na Terra ao fazer a conexão
autonomamente desta com os céus. Tendo sua morada, tanto lá quanto cá. E, aquele que chega
ao topo pode crer-se como alguém que se tornou Deus.

Normalmente, no Antigo Testamento, se um ser humano se torna conhecido como Abraão (Gn12.2)
é sempre sobre a inciativa de Deus.

4. Do particular ao universal
O ensino dessa passagem traz também uma compreensão da dimensão daquilo que é o homem.
Validando a diversidade se traça o quadro da evolução civilizatória humana. Essa evolução começa
sempre com trocas de materiais e ideais. Nenhum grupo humano chegou a uma definição de si
mesmo sem que esta tenha sido também fornecida por outros, vizinhos e estrangeiros. A
multiplicidade, as diferenças, as estranhezas favorizam a compreensão de mundo e a interpretação
de si mesmo. Essa troca é incessante e permite a cultura humana avançar.

Deus é aquele da benção universal, que se manifesta em particular a cada indivíduo, ou povo, mas
que envia ao universal para que se estabeleça uma harmonia entre Deus e toda a humanidade, é
por isso que Jesus confirma a graça universal para a humanidade. Por isso, seria um erro de
perspectiva falar de maldição em relação à confusão de línguas.

Na narração bíblica, a torre de Babel é um prelúdio à eleição de Israel. O chamado de Abraão se faz
justamente depois da longa nomeação da descendência de Sem (Gn 12.3). Entre os grandes
mosaicos de povos humanos, é um modesto povo particular, Israel, que será encarregado de manter
um ponto fixo do Deus único e sua mensagem. Esse povo é escolhido para revelar continuamente, a
partir de seu testemunho, o único Deus para as outras nações. Assim, a dispersão e a confusão de
Babel constituem o pano de fundo da eleição, elas marcam o começo do processo de separação
entre Israel e as outras nações.

A missão de Israel será assumir, a partir de um destino particular, o Deus que as faz conhecer a
Moisés, no seio de uma humanidade global para quem Deus é desconhecido, mesmo que ele não
tenha sido ausente para outros como mostra o texto de Atos: “não se deixou a si mesmo sem
testemunho, beneficiando-vos lá do céu...” (At 14.17-18). Tal é a maneira bíblica de tratar as
relações entre o particular e o universal: o universal só pode ser atingindo através de um destino
particular.

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É necessário precisar que a eleição de Israel não é nem um privilégio nem demonstra qualquer
tipo de superioridade. A eleição compreende uma cultura de diferenças. Um dos princípios
fundamentais do judaísmo é a separação. O objetivo da separação é de desenvolver a
consciência de diferenças entre si e os outros, não por complexo de superioridade, mas para
preservar a originalidade da mensagem da qual se é portador. As diferenças são
particularidades, e não valores em si. É a partir do momento onde as diferenças são sacralizadas
como valores que se dá origem ao integrismo.

Na eleição se encontra uma lição para cada povo e cada indivíduo: o particular é sempre um meio
de partida.
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Contraponto neotestamentário: O Pentecostes é ante-Babel?
O redator de Atos dos apóstolos pode ter pensando em Gênesis 11.1-9 quando relatou a história do
evento de Pentecostes. Alguns estudiosos veem no evento do Pentecostes, quando as línguas de
fogo posam sobre os apóstolos, o símbolo da língua do Espírito tentando restabelecer a unidade em
um mundo dividido.

Entretanto é preciso salientar que as diferenças entre os idiomas humanos não são abolidas do
Pentecostes. O que ele facilita é a tradução entre essas línguas. Como se o Espírito falasse a língua
das origens, manifestada novamente não para recomeçar um projeto totalitário como o da torre de
Babel, mas para permitir uma comunhão e estreitar as diferenças, que foram mantidas conservando
sua legitimidade.

Logo, no Novo Testamento, o episódio do milagre do Pentecostes coloca fim na dificuldade dos
homes de se compreenderem; não existe um retorno à uma única língua, mas as diversas línguas
humanas se tornam compreensíveis para todos, simbolizando uma unidade que conserva as
diferenças.

Conclusão
“[...] e cessaram de edificar a cidade” (verso 8)

Babel não foi destruída, mas ficou inacabada, inabitada. Assim se termina a narrativa. Assim
também se termina a história de uma humanidade fechada em seu monólogo e em seu imobilismo.

A partir da dispersão uma nova história é possível. Ela começará com as migrações de Terá e Abrão
e se seguirá entre pontos de chegadas e pontos de partidas até chegada da Terra prometida.

A história bíblica pertence verdadeiramente aos nômades:

“Pela fé Abraão, sendo chamado, obedeceu, indo para um lugar que havia de receber por herança;
e saiu, sem saber para onde ia.
Pela fé habitou na terra da promessa, como em terra alheia, morando em cabanas com Isaque e
Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa.
Porque esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus.
Pela fé também a mesma Sara recebeu a virtude de conceber, e deu à luz já fora da idade;
porquanto teve por fiel aquele que lho tinha prometido.
Por isso também de um, e esse já amortecido, descenderam tantos, em multidão, como as estrelas
do céu, e como a areia inumerável que está na praia do mar.
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-
as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles,
de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade” (Hebreus 11:8-16).

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Para refletir: Em Babel, a comunhão era resultado do estreitamento da cosmovisão do povo.
Continuavam sendo povo de Deus, mas pensavam em sua causa própria; suas necessidades, seu
conforto, no suprimento dos seus desejos.
Se a igreja (povo de Deus) não está vivendo sua missão segundo a vontade de Deus, então ela
não é mais igreja.
Apostasia não é apenas o abandono da fé, mas o abandono da missão. Uma igreja não morre
quando para de se reunir, ela morre quando para de servir.

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