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O que ler na

ciência social
brasileira
1970-2002
0 Q U E LER N A C IÊ N C IA S O C IA L B R A S IL E IR A

VO LU M E IV
EDITORA SUMARÉ

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Assistente Editorial Mirian da Silveira Pavaneli
Camilo Flamarion
Capa Germana Monte Mór
Composição Ana Novais
Revisão Marilena Vizentin
Fábio Duarte Joly
0 QUE LER NA C IÊ N C IA S O C I A L BRASILEIRA

V o lum e IV

S e r g io M ic e l i ( o r g .)

EDrrOBA SUMARÉ
ANPOCS C A P E S
Dados Internacionais dc Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

O Q ue ler na cicn cia socia l brasileira I S crgio M iceli, (org.).


- São Paulo : ANPOCS : Editora Sumaré ; Brasília, D F : CAPES, 2002.

Vários autores.
Conteúdo: V. 1. Antropologia - v. 2. Sociologia - v. 3. Ciência política.

Bibliografia.
ISBN: 85-85408-38-3
1. Ciências sociais - Brasil - Bibliografia I.
Miceli, Sergio.
02-5022 CDD-300.981

índices para catálogo sistemático:


1. Brasil: Ciências sociais : Bibliografia 300.981
S u m á rio

A p re se n ta ç ã o - S érgio M ic e li.................................................................................... 9

P a rte I - C u ltu r a

Ruben G eorge O liven


C ultura B rasileira e Id en tid ad e N acio nal (O E terno R e to rn o )............ 15

M aria A rm in d a do N ascim ento A rru d a


C ultura B rasileira e Iden tid ad e N acio nal (C om en tário C rític o )..........4 5

E sth er I. H am bu rger
In d ústria C u ltu ral B rasileira (V ista D aqui e de F o ra )................................ 53

L eopoldo W ai^bort
In fluên cias e In ven ção na Socio logia B rasileira
(D esigu ais p orém C o m b in ad o s)................................................................... 85

F ernando A . N ovais
In fluên cias e In ven ção na So cio logia B rasileira
(C om en tário C r ític o )....................................................................................... 175

E lide R u gai B a stos


Pensam ento So cial da E scola So cio lógica P aulista ..................................183
P a rte II - J u s tiç a e S e g u r a n ç a

M aria T eresa Sadek


E studo s so bre o S istem a d e J u s t iç a .................................................................. 233

S érgio A dorn o
M onopólio E statal da V io lên cia na So ciedade
B rasileira C o n te m p o râ n e a ............................................................................. 2 6 7

P a rte III - A g r ic u lt u r a

A jrâ n io G arcia Jr. & M ario G ryns^pan


V eredas d a Q uestão A grária e E nigm as do G rande S e r tã o ................311

P a rte IV - E ducação

C larissa E ck ert B aeta N eves


E studos S o cio ló gico s so bre E ducação no B r a s il ..................................... 351

C arlos B enedito M artins


E studos S o cio ló gico s sobre E ducação no B rasil
(C om en tário C r ític o )........................................................................................4 3 9
A pr e se n ta ç ã o

Os trabalhos reunidos nesta quarta coletânea da série “O


que Ler na Ciência Social B rasileira” suprem certas lacunas
temáticas dos volumes anteriores, respeitando, contudo, as idéias
norteadoras do projeto. M anteve-se a feição original da enco­
menda, qual seja, a feitura de um texto de balanço, com forte
lastro de perícia, opinião e voz autoral. Os participantes são
cientistas sociais especializados e reconhecidos, na comunidade
profissional, por sua contribuição competente ao entendimento
de seus objetos de estudo. Cada qual a seu feitio, todos tiveram
de elaborar análises reflexivas a respeito da produção intelectual
substantiva em áreas temáticas consideradas relevantes.
Também se tentou preservar o princípio de garantir uma
participação equilibrada, por gênero e por idade, na composição
da equipe responsável por esta segunda rodada. Subsiste, pois, a
teimosia em incentivar o acesso de pesquisadores qualificados
mais jovens aos riscos de uma opinião autoral abalizada e mesmo
controversa, dilatando as oportunidades de confronto entre pos­
turas empíricas e teóricas, cujas raízes remontam, em última aná-
10 A pr e se n ta ç ã o

lise, às condições mais gerais de trabalho em meio as quais foram


se formando as gerações mais recentes de cientistas sociais.
Com a única restrição de que não se furtassem a lidar com os
temas propostos, os cientistas sociais convocados poderiam levar a
frente o projeto da maneira que lhes conviesse, com sinal verde
para construir os recortes que lhes parecessem apropriados. Have­
ria, decerto, diversos formatos disponíveis para uma discussão
aprofundada, capazes de veicular os conteúdos intelectuais subs­
tantivos das áreas temáticas sob sua responsabilidade. Certos cola­
boradores preferiram a solução já testada do balanço bibliográfico
compreensivo, numa feição analítica consagrada na academia norte-
americana; outros buscaram flagrar o assunto por meio de uma
visada mais polêmica, tentando caracterizar seu objeto a partir de
questionamentos ou vertentes interpretativas pouco usuais nos ba­
lanços anteriores; por fim, cumpre registrar aqueles que optaram
pelo partido da exegese de obras e autores considerados seminais
numa dada tradição intelectual ou disciplinar.
Tal como se procedeu da vez anterior, a primeira versão
dos textos foi discutida por ocasião de um seminário restrito aos
autores e debatedores, que teve lugar na véspera do Encontro da
Anpocs, na cidade de Caxambu, em outubro de 2001. Em seguida
à breve exposição do autor, o trabalho mereceu um comentário
crítico circunstanciado de um colega da área, logo se incorporan­
do à conversa os demais participantes. Embora alguns com enta­
ristas não tenham podido modificar suas observações a partir da
versão final, ora publicada, consideramos pertinente divulgar es­
sas reflexões, tanto por seu interesse intrínseco, na m edida em
que revelam outras perspectivas concorrentes de análise, como
pelo fato de boa parte dessas propostas ter sido levada em conta
e, em alguma medida, deglutida pelo autor do balanço.
Os textos foram distribuídos no sumário em torno de qua­
tro eixos temáticos, nos quais se mesclam definições contrastan­
tes de objetos, orientações disciplinares, posturas teóricas, atitu­
A pr e se n t a ç ã o 11

des críticas, esdlos de trabalho, numa mostra representativa das


principais escolas de pensamento enraizadas no campo brasileiro
das ciências sociais.
Por fim, quero externar meus agradecim entos aos atuais
dirigentes da Anpocs - em especial, Roque Laraia e Maria Arminda
do Nascimento A rruda - por haverem dado continuidade ao
projeto, m antendo-se envolvidos em todas as etapas de sua reali­
zação. Fico-lhes grato pelas provas de incentivo e amizade. Es­
tendo minha dívida a todos os participantes —autores e debate-
dores - , bem como aos funcionários da Anpocs, Cristina Sevílio,
Mirian da Silveira Pavanelli, Berto de Carvalho, Tiago Aguiar,
Robson dos Santos Ferreira, Camilo Flamarion, e aos artistas
gráficos Ana Novais e Germana Monte-M ór, responsáveis, res­
pectivamente, pelo gerenciamento do projeto e pelo caprichado
acabamento do livro.
Cumpre ainda registrar a continuidade do apoio financeiro e
institucional prestado pela Capes, quer cm relação às iniciativas
da Anpocs em geral, quer no tocante a este projeto em particu­
lar. O diretor-geral da Capes, o cientista social Abílio Baeta
Neves, colega de geração e de profissão, mostrou-se, desde o
início, entusiasta pelo contributo que este projeto poderia trazer
aos programas de avaliação em vigor no âmbito do sistema de
pós-graduação no país. Agradeço-lhe pela confiança e pela sinto­
nia com os objetivos da proposta.

S e r g io M ic e l i
Parte I

C u ltu ra
C ultu ra B rasileira e Identidade N a c io n a l
(O Eterno R eto rn o )

K u b en G e o r g e O liv en

O propósito deste ensaio não é o de elaborar uma resenha


exaustiva dos autores que trataram da relação entre a cultura
brasileira e a identidade nacional. Os textos produzidos sobre o
tema são tantos que é im possível analisar a todos. Q ualquer
tentativa nesse sentido corre o risco de produzir omissões e
injustiças. O propósito é antes discutir por que o tema Cultura
Brasileira e Identidade Nacional é recorrente no Brasil e tentar
analisar como ele é constantemente reatualizado e reposto no
debate sobre a nossa sociedade. Ou seja, por que estamos sem­
pre discutindo quem somos, como somos e por que somos o que
somos? E também, por que a discussão do que somos passa
inexoravelmente pela discussão do que é a cultura brasileira, o
que a diferencia de outras culturas e a faz ser tão peculiar?
Se o tema Cultura Brasileira e Identidade Nacional é uma
constante no Brasil, ele necessita de intelectuais que o formulem.
Uma vez desenvolvidas, as diferentes formulações sobre o tema
16 R U B E N G E O R G E O L IV E N

freqüentemente acabam se transformando em senso comum. É


difícil determinar como se dá exatamente esse processo. Podemos
imaginar um intelectual que escreve um livro, que é lido por um
jornalista, que divulga as idéias centrais da obra, que acabam apare­
cendo no discurso de um político, que é noticiado em um jornal
etc. Para dar um exemplo: as idéias de Gilberto Freyre sobre a
“democracia racial brasileira” são senso comum entre amplas par­
celas de nossa população, sem que a maior parte delas tenha lido
Casa Grande e Sencçala.
Se esse é um exemplo de uma expressão cultural de origem
erudita que aos poucos vai se popularizando, muitas vezes a
circulação de idéias se dá num sentido inverso, isto é, de baixo
para cima, num processo em que representações que têm origem
na cultura popular recebem uma formulação mais elaborada e
acabam entrando num circuito erudito. O papel dos intelectuais
também é fundamental nesse processo de apropriação de m ani­
festações que têm origem nas classes populares e sua subse­
qüente transform ação em símbolos de identidade nacional. O
im portante a ressaltar é a interação entre cultura erudita e cultura
popular e a circulação de idéias (Oliven, 1989).

II

O tema da identidade está associado à formação da nação. Para


construir uma nação é preciso que haja uma cultura que lhe dê
suporte e, portanto, é preciso que haja intelectuais que ajudem a
formulá-la. Essa cultura, em geral, faz referência a um passado
comum e a um povo que seria a base e o portador da cultura e, por
conseguinte, da nação (Thiesse, 1999). A referência ao passado tem
sua contrapartida na modernidade. Quem fala em nação refere-se a
uma instituição relativamente nova, com pouco mais de dois sécu­
los de existência. Ela pressupõe a existência de cidadãos com direi­
tos iguais, de uma sociedade secularizada com instituições separa-
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C JO N A J- 17

das e desenvolvidas (Estado, sociedade civil, Igreja) etc. No Brasil,


como nos demais países da América Latina, em sua gênese, nação e
modernidade caminham juntas.
No Brasil, a modernidade, freqüentemente, é vista como
algo que vem de fora e que deve ou ser admirado e adotado, ou,
ao contrário, encarado com cautela tanto pelas elites como pelo
povo. A importação implica intelectuais que se inspiram no cen­
tro para buscar as idéias e os modelos lá vigentes; ela implica
igualm ente fazer aclim atar essas idéias num novo solo que é a
sociedade brasileira. A modernidade também se confunde, muitas
vezes, com a idéia de contemporaneidade, na m edida em que
aderir a tudo que está em voga nos lugares ditos adiantados é,
muitas vezes, visto como moderno. Trata-se de estar em dia com
o “mundo adiantado” , ou seja, a Europa e, posteriorm ente, os
Estados Unidos.
O pensamento da intelectualidade brasileira tem oscilado
no que diz respeito a essas questões. Assim , em certos momen­
tos, a cultura brasileira é profundamente desvalorizada pelas eli­
tes, tom ando-se em seu lugar a cultura européia (ou mais recen­
temente a norte-americana) como modelo de modernidade a ser
alcançada. Como reação, em outros momentos nota-se que certas
manifestações culturais brasileiras passam a ser profundamente
valorizadas, exaltando-se símbolos como M acunaím a —o herói
brasileiro sem nenhum caráter e preguiçoso de nascença, perso­
nagem do romance homônimo modernista (Mário de Andrade,
1993) - a figura do malandro, o carnaval, o samba, o futebol etc.
(Oliven, 1989).

lil

Em 1808, a fam ília real portuguesa, fugindo do cerco


napoleônico, transferiu-se para o Brasil, que de colônia se tor­
nou sede da monarquia e vice-reino. Os treze anos durante os
18 R U B E N G E O R G E O L IV E N

quais a corte perm aneceu no Rio de Janeiro foram de grande


im portância política e econômica e foram seguidos pela declara­
ção de independência do Brasil, em 1822. Analisando as peculia­
ridades da separação colônia-metrópole, Novais assinala “a inde­
pendência como momento de um longo processo de ruptura, ou
seja, a desagregação do sistema colonial e a montagem do Estado
nacional” (Novais, 1984: 3).
A abertura dos portos brasileiros ao comércio exterior pro­
moveu um grande fluxo de comerciantes e viajantes estrangeiros
para o país, e vários deles deixaram descrições muito interessan­
tes a respeito da vida e dos costumes do Brasil durante o século
XIX. Boa parte desses relatos diz respeito ao Rio de Janeiro,
onde a família real vivia. Exatamente por isso o Rio se tornou
uma cidade “cosm opolita”, em que as pessoas mais abastadas
tentavam se com portar de uma maneira que elas supunham ser a
européia. Lá, mais fortemente, a difusão cultural do gênero de
vida burguês, em inentem ente urbano, começou a se desenvolver
entres as elites. As demais cidades eram menores e a vida nelas
era bastante simples quando comparada com a capital (Pereira de
Queiroz, 1973).
Os gostos requintados da elite do Rio de Janeiro foram
observados por George Gardner, superintendente britânico dos
Jardins Botânicos Reais do Ceilão que percorreu o Brasil de
1836 a 1841:

O grande desejo dos habitantes da cidade parece que é dar-lhe ares


europeus, o que até certo ponto já acontece, em parte pelo influxo dos
próprios europeus, em parte pelos próprios brasileiros que têm visitado a
E uropa para se educarem ou para outros fins (Gardner, 1942: 5).

Mas não se deve generalizar esta situação, que ocorria no Rio


de Janeiro, para o resto do país. A “modernização” observada pelos
viajantes estava, de fato, limitada não somente à então capital do
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 19

Brasil, mas também à sua elite, com a qual eles estabeleciam conta­
to mais íntimo. Pereira de Queiroz formulou a hipótese de que a
difusão de um modo de vida burguês começou a ocorrer no Brasil
aproximadamente a partir de 1820, muito antes de o país começar a
se tornar industrializado. Este novo modo de vida promoveu tam­
bém uma diferenciação na população urbana não somente em ter­
mos econômicos, mas principalmente do ponto de vista cultural, já
que os estratos superiores adotaram o requinte e o arremedo de
vida intelectual como um símbolo de distinção. A partir desse perío­
do, a vida nas cidades mais ricas, quando comparada com a do campo,
começou a se tornar muito diferente em qualquer nível social (Perei­
ra de Queiroz, 1973: 210).
Um processo inverso ocorre quando os intelectuais e as
elites passam a valorizar o que consideravam mais “autentica­
mente brasileiro”. Essa tendência já aparece na segunda metade
do século XIX nos escritos dos representantes da escola indianista
da nossa literatura e atinge seu apogeu nos romances de José de
Alencar, nos quais se valorizam nossas raízes culturais, como o
índio e a vida rural. M as mesmo nesse caso, a form a com que a
questão é tratada possui um modelo europeu: o Romantismo
retrata-se um índio do tipo “bom selvagem”, quando na verdade
a população indígena brasileira já sofria há muito as conseqüên­
cias do contato com o homem branco. Temos assim uma aparente
defasagem entre o que ocorria no mundo real e no das idéias.
Bernd assinala que no Brasil o Romantismo operou uma revolu­
ção estética que, desejando imprimir à literatura brasileira o cará­
ter de literatura nacional, agiu como força sacralizante que seria
característica de uma consciência ainda ingênua (Bernd, 1992:
18). A tendência a exaltar as virtudes do caráter brasileiro tem
continuidade no século XX e também é uma constante em nossa
vida intelectual (Pereira de Queiroz, 1980).
No século X IX , M achado de Assis já havia se ocupado da
questão da nacionalidade na literatura brasileira. Em um ensaio,
20 R U B E N G E O R G E O I.IV E N

publicado em 1873, embora reconhecesse a legitimidade de um


“instinto de nacionalidade” por parte da literatura da então jovem
nação brasileira, ele argumentava que não se devia carregar no
uso do local sob o risco de restringir a compreensão das obras a
um grupo muito restrito. Para Machado, “um poeta não é nacio­
nal só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou
aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e
nada m ais”. Ele considerava errônea a posição “que só reconhe­
ce espírito nacional nas obras que tratam de assunto local, dou­
trina que, a ser exata, limitaria muito os cabedais de nossa litera­
tura”. Segundo Machado, “o que se deve exigir do escritor, antes
de tudo, é certo sentim ento íntimo, que o torne homem do seu
tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no
tempo e no espaço” (Machado de Assis, 1999: 30, 16-18).

IV

Analisando os primeiros romances de Machado de Assis,


Schwarz (1977) argumentou que a ideologia liberal estava “fora
do lugar” no Brasil Império. Embora a economia brasileira esti­
vesse, durante três séculos, baseada na exploração da mão-de-
obra escrava, parte das elites políticas do país da época aderiram
ao ideário liberal que fora criado na e se aplicava à Europa.
Todavia, o que prevalecia no Brasil não era a idéia dos direitos
humanos, mas a do favor paternalista para os brancos que não
possuíam terras e a opressão para os escravos.
Pode-se argum entar, entretanto, que do ponto de vista lógi­
co, a escravidão não era incompatível com o liberalismo, pois
para as elites brasileiras o escravo era uma mercadoria que estava
sujeita ao uso e à troca como qualquer outra.
A tese das “idéias fora do lugar” desvinculou-se da inten­
ção original de Schwarz, que era a análise da obra de M achado
de Assis, e acabou virando “senso comum”. Há um sentim ento
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 21

muito difundido de que no Brasil as idéias e práticas culturais


estariam, em geral, “fora do lugar”. A tal ponto é forte essa idéia
que o historiador inglês Peter Burke assinala que é difícil para
um intelectual estrangeiro entender por que os brasileiros estão
obcecados com a noção de em préstimo cultural:

Som os todos “em prestadores” — mesmo quando fazemos parte de


culturas “ financiadoras”, como a francesa, a italiana a norte-am ericana ou
a chinesa, j...] A idéia de um a cultura “pura” , não contam inada por in ­
fluências externas, é um mito. Como escreveu Fernand Braudel cm seu
famoso estudo do mundo contem porâneo, “para qualquer civilização, v i­
ver é ser capaz de dar, de receber, de em prestar” (Burke, 1997: 3).

A rigor, nada pertence a um único lugar, pois tudo é passível


de adaptação aos interesses de grupos e às circunstâncias cambian­
tes. Os empréstimos culturais são uma constante em qualquer cul­
tura. A dinâmica cultural implica um processo de desterritorialização
e de reterritorialização. Idéias e práticas que se originam num espa­
ço acabam migrando para outros. Lá elas encontram um ambiente
muitas vezes diferente daquele no qual se originaram, mas acabam
sendo adaptadas ao novo contexto e, por assim dizer, “entram no
novo lugar”. Urna das riquezas da dinâmica cultural brasileira é
justamente a capacidade de digerir criativamente o que vem de fora,
reelaborá-lo e dar-lhe um cunho próprio que o transforma em algo
diferente e novo (Oliven, 1989).
Há vários momentos em que esse processo pode ser obser­
vado no Brasil. Os militares e políticos brasileiros que proclam a­
ram a República em 1889 estavam fortemente imbuídos da ideo-
logia positivista. Apesar de ser uma Filosofia criada na França,
teve muito mais sucesso no Brasil do que no seu país de origem.
T ão forte foi o positivismo no Brasil que até hoje existe o que é
chamado de arquitetura positivista, referindo-se aos prédios que
foram construídos a mando daqueles que detinham o poder du­
rante a República Velha (1889-1930). Há mesmo cidades, como o
22 R U B E N G E O R G E O L IV E N

Rio de Janeiro e Porto Alegre, onde ainda existem templos positi­


vistas. O lem a “Ordem e Progresso”, que figura na bandeira
brasileira, mostra a centralidade de Auguste Comte em nossa
simbologia (Carvalho, 1990).
Para parte das elites brasileiras, o positivismo era uma ideo­
logia que vislumbrava a modernidade e que justificava os meios
autoritários de se alcançá-la. Foram militares positivistas os pri­
meiros a se preocuparem com a questão indígena. Um deles, o
marechal Rondon, dedicou sua vida aos índios, frisando que eles
deveriam ser respeitados e não mortos. Acreditava, no entanto,
que eles deveriam ser integrados à civilização e nao seguirem
seu modo de vida tradicional (Lima, 1995). O positivismo era
uma forma não só de o Brasil se modernizar em relação à Euro­
pa, mas de os índios se civilizarem em relação ao Brasil. Era uma
questão de estágios, numa linearidade evolucionista que se encai­
xava na idéia de progresso do positivismo.
E da época da República Velha a tendência de intelectuais
pensarem o Brasil e discutirem a viabilidade de haver uma civili­
zação nos trópicos. Dois seriam os obstáculos a este projeto: a
raça e o clima. Intelectuais como Silvio Romero, Euclides da
Cunha, Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e Arthur Ramos, preo­
cupados em explicar a sociedade brasileira por meio da interação
da raça com o meio geográfico, são profundamente pessimistas e
preconceituosos em relação ao brasileiro, caracterizado aqui como
apático e in d o le n te . Para eles ainda, a n o s s a vida intelectual era
destituída de filosofia e ciência e eivada de um lirismo subjetivista
e mórbido. A única solução aventada era o em branquecimento da
população através da vinda de imigrantes europeus.
E na década de 1930, com Gilberto Freyre, que se criará uma
nova visão racial do Brasil. De acordo com esta concepção, o país
passa a ser considerado uma civilização tropical de características
únicas, como a mestiçagem e a construção de uma democracia racial
(Araújo, 1994). N a visão de Freyre, a mistura racial nào é um pro­
C U I.T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 23

blema mas uma vantagem que o Brasil teria em relação às outras


nações. A ideologia da “democracia racial” é tão forte hoje no Brasil
que perm eia parte do pensamento sociológico e do senso comum
brasileiro (Ortiz, 1985).

IV

A semana modernista de 1922 (mesmo ano da fundação do


Partido Comunista do Brasil, da primeira revolta tenentista e do
centenário da Independência), com toda a sua complexidade e
diferenciação ideológica, representa um divisor de águas nesse
processo. O movimento modernista, por um lado, significa a
reatualização do Brasil em relação aos movimentos culturais e
artísticos que ocorrem no exterior; por outro, implica também a
busca de nossas raízes nacionais, valorizando o que haveria de
mais autêntico no Brasil.
Uma das contribuições do movimento consiste justamente
em ter colocado tanto a questão da atualização artístico-cultural
de uma sociedade subdesenvolvida, como a problemática da na­
cionalidade. Nesse sentido, a partir do segundo momento do
M odernismo (1924 em diante), as críticas ao passadismo são subs­
tituídas pela ênfase na elaboração de uma cultura nacional, ha­
vendo aí uma redescoberta do Brasil pelos brasileiros. Apesar de
um certo bairrismo paulista, os modernistas recusavam o regio­
nalismo, já que acreditavam que era por meio do nacionalismo
que se chegaria ao universal. Assim , “para os modernistas, a
operação que possibilita o acesso ao universal passa pela afirm a­
ção da b rasilid ad e” (M oraes, 1978: 105). E o que se pode
depreender de uma carta de Mário de Andrade, um dos princi­
pais expoentes do modernismo, a Sérgio Milliet:

Problem a atual. Problem a de ser algum a coisa. E só se pode ser,


sendo nacional. N ós temos o problem a atual, nacional, m oralizante, hu­
mano de brasileirar o Brasil. Problem a atual, m odernism o, repara bem
24 R Ü B E N G E O R G E O I.IV E N

porque hoje só valem artes nacionais [...]. E nós só seremos universais o


dia em que o coeficiente brasileiro nosso concorrer para riqueza universal
(apu d M oraes, 1978: 52).

Uma carta que Mário de Andrade escreveu em 1924 ao poeta


Carlos Drummond de Andrade aponta para a mesma direção:

Nós só serem os civilizados em relação às civilizações o dia em que


criarm os o ideal, a orientação brasileira. Então passarem os do m im etism o
pra fase da criação. E então seremos universais, porque nacionais (Mário
de Andrade, 1983a).

Coerente com esta postura, Mário transformou-se num auto­


denominado “turista aprendiz”, desenvolvendo uma in ten sa ativi­
dade de pesquisa e viagens, visando a estudar os elementos que
compõem a cultura brasileira (Mário de Andrade, 1983b).
Em 1928, Oswald de Andrade, um dos expoentes da Semana
Modernista, lançou o M anifesto Antropófago. O texto começa afir­
mando que “só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economica­
mente. Filosoficamente” (Oswald de Andrade, 1978: 13). No final,
o autor data o M anifesto como sendo do ano 374 da Deglutição do
Bispo Sardinha, numa referência ao prelado português que naufra­
gou na costa do Brasil e foi comido pelos indígenas em 1554.
O que está sendo proposto no M anifesto A ntropófago é uma
m odernidade brasileira que se caracteriza por saber ingerir e
digerir criativamente o que vem de fora. Mais do que isto, o que
Oswald argum enta é que os brasileiros se dedicaram a esta práti­
ca desde o começo de sua história. E de uma maneira alegre e
intuitiva: “Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil
tinha descoberto a felicidade [...]. A alegria é a prova dos nove”
(Oswald de Andrade, 1978: 18).
Segundo M oraes:

O instinto antropofágico, por um lado, destrói, pela deglutição, ele­


m entos de cultura im portados; por outro lado, assegura a sua m anutenção
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 25

em nossa realidade, através de um processo de transform ação/absorção


de certos elem entos alienígenas. Ou seja: antes do processo colonizador,
havia no país um a cultura na qual a antropofagia era praticada, e que
reagiu, sem pre antropofagicam ente m as com pesos diferentes, ao contato
dos diversos elem entos novos trazidos pelos povos europeus. É este ins­
tinto antropofágico que deve ser agora valorizado pelo projeto cultural
defendido por O swald de Andrade. Ele se caracteriza por defender ferre-
nham ente a intuição e pelo poder de sintetizar em si os traços marcantes
da nacionalidade que garantem a unidade da nação (M oraes, 1978: 144).

É significativo que, se o movimento modernista de 1922


surge em São Paulo, cidade que já despontava como futura m e­
trópole industrial, em 1926 teria sido lançado em Recife, na
época a capital mais desenvolvida do N ordeste, o M anifesto
Regionalista de Gilberto Freyre1. O movimento de 1926 tem um
sentido, de certa maneira, inverso ao de 1922. Trata-se de um
movimento que não atualiza a cultura brasileira em relação ao
exterior, mas que deseja, ao contrário, preservar não só a tradi­
ção em geral, mas especificam ente a de uma região econom ica­
mente atrasada. Isto não significa, entretanto, que Freyre não
tivesse com partilhado uma significativa parcela das preocupações
dos modernistas paulistas2.

1. Joaquim Inojosa afirma que o Manifesto Regionalista não foi publicado cm


1926, mas em 1952, data em que Gilberto Freyre provavelmente o teria
redigido (Inojosa, 1978). O autor do Manifesto afirma que o texto foi lido em
1926 no Primeiro Congresso Brasileiro de Regionalismo realizado em Recife
e publicado em primeira edição em 1952 (Freyre, 1976: 52).
2. Num documento elaborado para comemorar os cinqüenta anos do Manifes­
to, seu autor afirma que “enquanto a Semana de Arte de São Paulo e o
modernismo do Rio [...] se esmeraram [...] em renovações, aliás admiráveis,
em setores eruditos da cultura, [...] o Movimento do Recife, sem deixar de
incluir importações dessa espécie, empenhou-se também em, desde o seu
início, pesquisar, reinterpretar, valorizar inspirações vindas das raízes telúricas,
tradicionais, orais, populares, folclóricas, algumas como que antropologica-
26 R U BF.N G F .O R G F. O L IV E N

O M anifesto Regionalista desenvolve basicamente dois temas


interligados: a defesa da região como unidade de organização
nacional e a conservação dos valores regionais e tradicionais do
Brasil em geral e do Nordeste em particular. O M anifesto — que
cinqüenta anos mais tarde Freyre chamaria de “regionalista, tradi­
cionalista e a seu modo modernista” - faz a defesa do popular
que precisaria ser protegido do “mau cosmopolitismo e do falso
modernismo” (Freyre, 1976: 80).
A necessidade de se reorganizar o Brasil - primeiro tema
central do M anifesto e preocupação constante de pensadores do
fim do século XIX e começo do século XX —decorreria do fato
de ele sofrer, desde que é nação, as conseqüências maléficas de
modelos estrangeiros que lhe são impostos sem levar em consi­
deração suas peculiaridades e sua diversidade física e social.
A form ulação de um sistema alternativo de organização do
Brasil está ancorada na denúncia da importação de modelos
alienígenas considerados incompatíveis com nossas peculiarida­
des. A discussão sobre a conveniência ou não de im portar tais
modelos é um tema recorrente entre nossos intelectuais e dele
o M anifesto de 1926 tratará também ao analisar a questão da
tradição.
Ao enfatizar a necessidade de uma articulação inter-regío-
nal, Freyre toca num ponto importante e atual, ou seja, como
perm itir que as diferenças regionais convivam no seio da unida-

mente intuitivas, da mesma cultura. Coisas coddianas, espontâneas, rústicas


desprezadas pelos em arte ou em cultura sensíveis somente ao requintado e ao
erudito. Coisas tidas como desprezivelmente arcaicas em arte úteis, ao mesmo
tempo que decorativas, algumas delas, como a do móvel e a da arquitetura
domésdca, já adaptadas a ecologias e a tradições regionais. O caso também da
arte da renda, da do bordado, da talha e o - escândalo, repita-se, para a época
em que surgiu o movimento —da cozinha, da do bolo, da do doce, da bebida
com sucos de frutas nacionais e regionais, a das batidas: quase tudo ainda feito
em casa mas susceptível a industrializar-se sem perderem tais valores, até
então desprezados, seus toques ou sabores caseiros” (Freyre, 1976: 28).
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 27

de nacional em um país de dimensões continentais como o Bra­


sil. O que Freyre afirma é que o único modo de ser nacional no
Brasil é ser, primeiro, regional. Guardadas as devidas propor­
ções, é justam ente a uma conclusão semelhante que chegaram os
modernistas a partir da segunda fase do movimento quando se
deram conta de que a única maneira de ser universal é ser, antes
de tudo, nacional.
Mas seu modo de argum entar é, de certa maneira, contrário
ao dos modernistas, já que não está alicerçado numa atualização
cultural por meio de valores modernos vindos do exterior, mas
na crítica dos malefícios do progresso e da importação de costu­
mes e valores estrangeiros.
A conservação dos valores regionais e tradicionais do Bra­
sil em geral e do Nordeste em particular é o segundo grande
tema do M anifesto Regionalista. Freyre critica o hábito que nossas
elites têm de arrem edar os costumes que julgam modernos, ten­
dência já apontada por Pereira de Queiroz (1973) no que diz
respeito à cidade do Rio de Janeiro, por ocasião da vinda da
família real portuguesa, no começo do século XIX.
E significativo que, ao fazer a defesa intransigente dos va­
lores do Nordeste e da necessidade de preservá-los, Freyre es­
colha elementos do que é considerado atrasado e/ou símbolo da
pobreza. Assim , por exemplo, ele tece um elogio aos mocambos
como exemplo da contribuição do Nordeste à cultura brasileira,
no sentido de abrigo humano adaptado à natureza tropical e
como solução econômica do problema da casa pobre: “a máxima
utilização, pelo homem, da natureza regional, representada pela
madeira, pela palha, pelo cipó, pelo capim fácil e ao alcance dos
pobres” (Freyre, 1976: 59). Ele também faz a defesa das ruas
estreitas e critica a tendência já então existente de construir
grandes avenidas e a mania de se mudar nomes regionais de ruas
e lugares tradicionais para nomes de poderosos do dia, ou datas
politicamente insignificantes. Outro aspecto defendido por Freyre
28 RTJBEN G E O R G E O L IV E N

é a culinária do Nordeste. Depois de afirm ar que toda a tradição


da culinária nordestina está em crise e que o doce de lata e a
conserva im pera, Freyre vaticina que “um a cozinha em crise
significa uma civilização inteira em perigo: o perigo de descarac-
terizar-se” (Freyre, 1976: 72).
Ao se erigir em bastião da defesa do popular que precisa
ser protegido do “m au cosmopolitismo e do falso modernism o”
(1976: 80), o autor do M anifesto constrói uma oposição que, em
última análise, se resume a: popular e regional equivalem a tradi­
cional (e bom), ao passo que cosm opolitism o equivale a m oder­
nismo (e ruim ). Sua posição aproxima-se muito da visão dos
românticos que se ocuparam da cultura popular na Europa do
século XIX e para os quais a autenticidade contida nas m anifes­
tações populares constituiria a essência do nacional (Ortiz, 1992).
Poder-se-ia argum entar que há pelo menos duas leituras
que podem ser feitas do M anifesto Regionalista. A primeira perce­
beria nele um documento elaborado por um intelectual que re­
presenta uma aristocracia rural periférica e que vê a ordem social
passar por transform ações que colocam em xeque o padrão tra­
dicional de dominação. Sua reação é de cunho tradicionalista e
assem elha-se à reação aristocrática ante as mudanças decorrentes
da urbanização e da industrialização e que estavam vazadas numa
crítica à perda de valores comunitários e da pureza cultural que
supostamente teriam existido no passado.
Uma segunda leitura ressaltaria, entretanto, que por trás da
orientação conservadora do M anifesto estão temas que continuam
muito atuais no Brasil. E justamente na fusão de uma perspectiva
conservadora com o levantamento de questões ainda não resol­
vidas no Brasil que reside a originalidade do M anifesto Regionalista.
De fato, o M anifesto suscita uma série de questões que são
recorrentes em nossa história: Estado unitário versus federação,
nação versus região, unidade versus diversidade, nacional versus es­
trangeiro, popular versus erudito, tradição versus modernidade.
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 29

O Brasil continua discutindo a formulação de modelos para


organizar a nação e esse debate acaba inevitavelmente passando
pela discussão do que é nacional (e, portanto, autêntico para uns,
mas atrasado para outros) e o que é estrangeiro (e, portanto, espúrio
para uns, mas moderno para outros). Ou seja, o país continua
discutindo a questão da identidade nacional. Essa questão é reposta
e reatualizada à medida que novos contextos são criados.

VI

Durante muito tempo o Brasil apresentava uma população


m ajoritariamente rural. Isto fez com que vários pensadores achas­
sem que o país tivesse uma “vocação agrária”. Escrevendo no
começo do século XX, Oliveira Vianna sustentava que

D esde os prim eiros dias dc nossa história, temos sido um povo de


agricultores e pastores [...]. O urbanism o é condição m oderníssim a da
nossa evolução social. Toda a nossa história é a história de um povo
agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores. É no
campo que se form a a nossa raça e se elaboram as forças íntim as da nossa
civilização. O dinam ism o da nossa história, no período colonial, vem do
campo. Do cam po, as bases em que se assenta a estabilidade adm irável da
nossa sociedade no período im perial (O liveira Vianna, 1933: 49).

O quanto alguns políticos ainda acreditavam na “vocação


agrária” do Brasil nas primeiras décadas do século XX fica bem
caracterizado pela seguinte afirm ação de Júlio Prestes, o adversá­
rio de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais que acabaram
pretextando a Revolução de 1930:

[...] o fazendeiro é o tipo representativo da nacionalidade e a fazenda é


ainda o lar brasileiro por excelência, onde o trabalho se casa com a doçura
da vida e a honestidade dos costum es com pleta a felicidade. [...] O Brasil
repousa sobre o núcleo social expressado pelas fazendas (apud Pereira,
1965: 88-89).
30 R U B E N G E O R G E O L IV E N

Comparando-se este retrato bucólico com o apresentado por


Getúlio Vargas em um discurso em 1943, em Volta Redonda, onde a
primeira usina siderúrgica estatal brasileira foi construída, pode-se
constatar que ocorreu, pelo menos no âmbito do discurso, um
deslocamento de uma ideologia agrária para uma mais industrial:

O problem a básico da nossa econom ia estará, em breve, sob novo


signo. O País sem icoloniai, agrário, im portador de m anufaturas exportador
de m atérias-prim as, poderá arcar com as responsabilidades de uma vida
industrial autônom a, provendo as suas necessidades de defesa e aparelha-
mento. Já não é m ais adiável a solução. M esm o os mais em pedernidos
conservadores agraristas compreendem que não é possível depender da im ­
portação de máquinas e ferramentas, quando um a enxada, esse indispensá­
vel e primitivo instrumento agrário, custa ao lavrador 30 cruzeiros, ou seja,
na base do salário comum, uma sem ana de trabalho (apud Ianni, 1971: 63).

As mudanças sugeridas neste discurso têm, entretanto, raízes


mais profundas que precisam ser rastreadas na República Velha
(1889-1930). Naquele período, o Brasil experimentou importantes
transformações, que acabaram assumindo uma dimensão mais ampla
na República Nova (a partir de 1930).
Em poucas palavras, essas transformações envolvem a cria­
ção de uma indústria de substituição de bens não-duráveis, o
crescim ento das cidades que eram capitais de mercados regio­
nais, a crise do café, a crise do sistema baseado em combinações
políticas entre as oligarquias agrárias (a “política dos governado­
res”) e o surgimento de revoltas sociais e militares que com eça­
ram na década de 1920 e culminaram com a Revolução de 1930.
E a partir desse período que um aparelho de Estado mais
centralizado é criado e que o poder se desloca crescentemente
do âmbito regional para o nacional. Do ponto de vista econôm i­
co, por exemplo, o Estado abole impostos interestaduais e passa
a intervir mais na economia, ajudando a fazer com que parte do
excedente criado pelas oligarquias agrárias fosse usado para ini-
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 31

ciar um processo de industrialização, embora mantendo os privi­


légios dessas oligarquias sob uma forma diferenciada. No plano
social, o Estado regulam enta as relações entre o capital e o
trabalho, criando uma legislação trabalhista e um M inistério do
Trabalho. Cria-se também o M inistério da Educação, a quem
caberia um papel fundamental na constituição da nacionalidade,
o que deveria ser feito através da impressão de um conteúdo
nacional à educação veiculada pelas escolas, da padronização do
sistema educacional e do enfraquecimento da cultura das m inori­
as étnicas (Schwartzm an, Bomeny e Costa, 1984).
A partir dessa época é preciso repensar o país (M iceli,
1979), que experimenta um processo de consolidação política e
econômica e que terá de enfrentar as conseqüências da crise de
1929 e da Segunda Guerra M undial. O nacionalismo ganha ím pe­
to e o Estado se firma. De fato, é ele que toma a si a tarefa de
constituir a nação. Essa tendência acentua-se com a implantação
da ditadura do Estado Novo (1937-1945), ocasião em que os
governadores eleitos são substituídos por interventores e as mi­
lícias estaduais perdem força, medidas que aumentam a centrali­
zação política e administrativa. No plano da cultura e da ideolo­
gia, a proibição do ensino em línguas estrangeiras, a introdução
da disciplina de M oral e Cívica, a criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda (que tinha a seu cargo, além da censura,
a exaltação das virtudes do trabalho) ajudam a criar um modelo
de nacionalidade centralizado a partir do Estado.
De fato, as modificações que ocorrem no período de 1930 a
1945 são profundas. Assim, quando, no fim da Segunda Guerra
M undial, term ina o Estado Novo e é eleita uma Assem bléia
Nacional Constituinte com a tarefa de pensar um novo modelo
de organização administrativa e política, o Brasil já é um país
diferente. Os brasileiros começavam a perder sua vocação agrá­
ria, a m anufatura já sendo responsável por 20% do produto
doméstico bruto. A construção de rodovias e a abolição da auto-
32 R U B E N G E O R G E O L IV E N

nomia dos Estados ajudou a unificar o mercado interno bem


como a diminuir o poder das oligarquias locais. A m igração cam-
po-cidade acentuou-se e deu origem a um novo protagonista no
cenário político: as massas urbanas, que seriam interpeladas como
agentes sociais pelo populismo.

VII

A problemática do nacional versus estrangeiro tem sido uma


constante na vida política do Brasil. Assim, no pós-guerra, mais
especificam ente no período de 1946 a 1964, a questão nacional é
retom ada com intensos debates dos quais o ISEB (Instituto Su­
perior de Estudos Brasileiros) e o CPC (Centro Popular de Cul­
tura) seriam exemplos eloqüentes. Nessa época, uma das acusa­
ções que pairavam em relação aos intelectuais brasileiros era a
de que eles seriam colonizados e que contribuíam para criar uma
cultura alienada, resultado de nossa situação de dependência.
Daí a necessidade de uma vanguarda para ajudar a produzir uma
autêntica cultura nacional para o povo, categoria vaga e policlassista.
Os temas do progresso e da modernidade também eram can­
dentes nesse período. Tratava-se de vencer a condição de subde­
senvolvimento, batalha na qual a indústria era um elemento-chave.
Surgem indústrias de substituição de importação, dessa vez de bens
duráveis, gerando assim uma dependência maior em relação ao
capital estrangeiro. No mesmo período são criados órgãos como a
Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), cuja
finalidade explícita era reduzir as desigualdades regionais, das quais
o Nordeste era considerado o exemplo mais significativo.
A inauguração de Brasília em 1960, que iria propiciar uma
marcha para o Oeste e conseqüente integração territorial, suscita
debates acalorados que giram em torno da necessidade de gastar
tanto dinheiro em sua realização e do arrojo de sua arquitetura
considerada extrem amente moderna e avançada.
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 33

A partir de 1964, com a tomada do poder pelos militares, há


um a crescente centralização política, econômica e administrativa,
por meio da integração do mercado nacional, da implantação de
redes de estradas, de telefonia, de comunicação de massa, da
concentração de tributos no âm bito federal, do controle das
forças m ilitares estaduais pelo Exército e da ingerência na políti­
ca estadual. Todos esses processos diminuíram o poder dos Es­
tados substancialmente, de modo que se com pararmos a figura
dos presidentes estaduais da Primeira República com a dos go­
vernadores eleitos por via indireta depois de 1964 veremos que
esses últimos, em geral, não passaram de prepostos do Presiden­
te da República, numa situação semelhante à dos interventores
do Estado Novo, embora os prim eiros desfrutassem de uma
considerável autonomia.
O novo regime levou a acumulação de capital a patamares
mais elevados, o que foi feito em associação com o capital es­
trangeiro. Houve uma nova substituição de importações, de modo
que, atualm ente, são produzidos quase todos os bens de consu­
mo dentro das fronteiras nacionais, vários deles sendo, inclusive,
exportados. Entre esses bens estão os bens simbólicos. O Brasil
passou por um processo de desenvolvimento desigual e combi­
nado, criando um quadro em que há, simultaneamente, uma m isé­
ria extrem a e elementos de progresso técnico e de modernidade.
Configura-se uma nova situação do ponto de vista econômico,
político e cultural.
Hoje, aproximadamente 80% da população do Brasil é urba­
na, a maior parte dos produtos manufaturados nele consumidos é
produzida dentro das fronteiras nacionais e a m aioria de sua
força de trabalho urbana encontra-se no setor terciário. O país
possui uma sólida rede de transportes e um eficiente sistema de
comunicação, e o nível técnico das redes de comunicação de
m assa é comparável ao dos países mais adiantados. O Brasil tem
usinas nucleares, plataformas marítimas de petróleo, realiza trans-
34 R U B E N G E O R G E O L IV E N

plantes cardíacos e conta com mais de cem universidades, várias


delas ministrando ensino de pós-graduação.
E significativo que os criadores do Tropicalismo, m ovim en­
to artístico que teve início em 1968, tenham sido artistas do
Nordeste, região que continuava em seu processo de periferiza-
ção. O Tropicalism o mostrou, no plano do simbólico, que a
realidade brasileira tinha mudado muito. Liderado pelos com posi­
tores baianos Caetano Veloso e Gilberto Gií, o Tropicalismo se
propôs, por um lado, a ser uma ruptura estética e ideológica e,
por outro, uma retomada de temas levantados pelo movimento
m odernista de 1922. Do ponto de vista estético, a ruptura se deu
pela introdução de instrumentos como a guitarra e pela criação
de ritmos dissonantes. Do ponto de vista ideológico, pela valori­
zação da televisão como meio de expressão e pelo fato de as
letras cantarem um Brasil em que havia aviões no ar e crianças
descalças na terra, ou seja, uma música que expressava como o
m oderno se articulava cada vez mais com o atrasado.
A continuidade do Tropicalismo ocorreu por sua ligação
com o movimento modernista da década de 1920 e com os temas
que este suscitou, principalmente pelo criador do M anifesto A n ­
tropófago, Oswald de Andrade, pelo qual Caetano Veloso nutria
grande admiração (Veloso, 1997). A admiração provinha do fato
de Oswald ter pensado o Brasil de uma forma aberta e como
nação capaz de assim ilar diferentes influências, aparentemente
contraditórias.
Nesse período, o debate sobre o nacional e o regional conti­
nua, mas é recolocado em novos termos. Novamente, o Estado
avoca a si o papel de ser o criador e bastião da identidade nacio­
nal, responsável simultaneamente por promover o progresso e
manter acesa a memória nacional. O fato de esse mesmo Estado
ter propiciado uma intensa desnacionalização da economia não é
visto como contraditório, uma vez que essas duas questões são
tidas como desvinculadas. E significativo, nesse sentido, que jus-
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 35

tamente grandes empresas multinacionais, como a Shell e a Xe­


rox, são as que promovem a defesa do folclore brasileiro em
suas publicidades.

VIII

Com a luta pela redemocratização do país e com o processo


de abertura política que marcou o fim do ciclo militar (em 1985),
velhas questões começaram a vir à tona novamente. Assim , ape­
sar - ou talvez por causa — da crescente centralização, obser­
vam-se atualm ente tendências contrárias a ela, que se manifestam
através da ênfase da necessidade de um verdadeiro federalismo,
da proclamação das vantagens de uma descentralização adm inis­
trativa, do clam or por uma reforma tributária que entregue mais
recursos para os Estados e municípios, e da afirm ação de identi­
dades regionais que salientam suas diferenças em relação ao
resto do Brasil (Oliven, 1992).
A afirm ação de identidades regionais no Brasil pode ser
encarada como uma forma de salientar diferenças culturais e
como uma reação a uma tentativa de homogeneização cultural.
Esta redescoberta das diferenças e a atualidade da questão da
federação numa época em que o país se encontra bastante inte­
grado do ponto de vista político, econômico e cultural sugere
que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional.
E justamente com o processo de abertura política que a cultu­
ra passou a ganhar maior visibilidade no Brasil. Novas questões
começaram a vir à tona, e movimentos populares começaram a se
organizar. Vários desses movimentos estão mais preocupados com
questões freqüentemente consideradas locais e menores, não obs­
tante fundamentais, que com as grandes temáticas tradicionais.
O que se observou no Brasil a partir de sua redem ocratiza­
ção foi um intenso processo de constituição de novos atores
políticos e a construção de novas identidades sociais. Eles in-
36 R U B E N G E O R G E O L IV E N

chiem a identidade etária (representada, por exemplo, pelos jo­


vens como categoria social), a identidade de gênero (representa­
da, por exemplo, pelos movimentos feministas e pelos hom osse­
xuais), as identidades religiosas (representadas pelo crescimento
das chamadas religiões populares), as identidades regionais (re­
presentadas pelos renascimento das culturas regionais no Brasil),
as identidades étnicas (representadas pelos movimentos negros e
pela crescente organização das sociedades indígenas) etc.
Os movimentos negros colocam em discussão o fato de no
Brasil - país que projeta uma imagem de democracia racial - os
negros estarem sempre em condições de inferioridade no que diz
respeito à renda, ao emprego, à escolaridade, à saúde, à expecta­
tiva de vida etc. Esses movimentos também apontam para o fato
de o Brasil ser um país de uma im pressionante presença africana
e da necessidade de se valorizá-la. De fato, os negros têm uma
contribuição marcante nas principais manifestações culturais do
Brasil como o carnaval, a música popular, a dança, a culinária, o
futebol, as religiões populares etc.
Os movimentos indígenas, por sua vez, apontam para um
modelo alternativo de estilo de vida, na medida em que estabele­
cem uma relação mais integrada com a natureza. As sociedades
indígenas, nas quais os mitos e a magia são elementos centrais,
sugerem também que há outras formas de se pensar o mundo
que não seja só o da racionalidade técnica.

IX

O advento do fenômeno da globalização tornou a interação


do Brasil com o resto do mundo multifacetada. O padrão de trocas
entre diferentes países é desigual e depende de suas posições no
contexto econômico-político mundial. Existem produtos, principal­
mente culturais, que são exportados para todo o mundo em escala
crescente. Entre estes estão o fa stfo o d , certo tipo de música, canais
C U L T U R A B R A S IL E IR A F. ID E N T ID A D E N A C IO N A L 37

de televisão como a MTV e a CNN. Do mesmo modo, o cinema de


Hollywood continua sendo hegemônico em todo mundo. Isto faz
com que alguns autores vejam o Brasil como um país cada vez mais
influenciado pelo imperialismo cultural (Carvalho, 1996-1997). A
situação, entretanto, é mais complexa.
Se durante muito tempo o país recebeu imigrantes e importou
mercadorias manufaturadas e produtos da indústria cultural, a situa­
ção mudou. Existem atualmente cerca de dois milhões de brasilei­
ros vivendo no exterior, a maioria deles nos Estados Unidos, Euro­
pa e Japão. O Brasil, que tradicionalmente recebia imigrantes, passou,
com a globalização, a protagonizar o fluxo contrário.
A ida para o exterior não ocorre somente em termos de
migração humana, mas também no que diz respeito à exportação
de bens m ateriais e culturais. Durante séculos, o Brasil foi um
país exportador de produtos agrícolas e importador de bens ma­
nufaturados. Atualmente, o país exporta vários bens manufatura­
dos, incluindo aviões. Nesse sentido, a tese da “vocação rural”
do Brasil não se sustentou. O Brasil é atualmente um país urba­
no e industrializado, seus bens com petindo no mercado mundial.
Outra área em que o Brasil começou a se destacar na ex­
portação é a dos bens simbólicos. Se no passado o país era visto
como um constante im portador de idéias e modismos das metró­
poles, atualm ente a situação é outra. O Brasil continua receben­
do influências que vêm do exterior em áreas como o cinem a, a
música etc. Mas faz algum tempo cjue ele passou também a ser
um exportador de cultura. O fluxo de bens culturais para o
exterior é verificado sobretudo em relação à religião, à música, às
telenovelas etc.
A religião é uma das áreas em que isso ocorre de forma
notável. E impressionante a penetração das religiões afro-brasilei-
ras no Uruguai e na Argentina, países que, em geral, se vêem como
europeus e com pouca influência africana. Igualmente, cabe ressal­
tar que a Igreja Universal do Reino de Deus, uma religião pentecostal
38 R U B E N G E O R G E O L IV E N

criada em 1977 no Brasil, te m igrejas em mais de quarenta outros


países, incluindo a América do Norte e a União Européia, movi­
mentando milhões de fiéis e uma quantidade impressionante de
recursos financeiros (Oro, 1996).
No que diz respeito à música, além daquela que o Brasil
sempre exportou desde os tempos de Carmen Miranda e mais tarde
da Bossa Nova, atualmente existem grupos brasileiros que com­
põem canções em inglês que fazem sucesso nos Estados Unidos e
na Europa. A banda brasileira Sepultura lançou no começo de 1996
um disco chamado Roo/s. Para buscar suas raízes, os membros do
grupo visitaram uma aldeia xavante localizada no Mato Grosso. Em
apenas quinze dias, Roots estava entre os discos mais vendidos na
Europa, superando Michael Jackson e Madonna na Inglaterra, e
vendendo mais de 500 mil cópias nos meses de fevereiro e março
daquele ano.
A Rede G lobo, a m aior rede de televisão brasileira, há
muito tempo produz a maior parte dos programas que exibe no
Brasil. Ela também exporta suas telenovelas e seriados para paí­
ses como Portugal, França e China. Trata-se de uma multinacional
dos meios de comunicação.
Durante a fase populista da história do Brasil (1945-1964), o
que vinha de fora era freqüentem ente visto como im puro e,
portanto, perigoso. Assim , a Coca-Cola e o cinema de Hollywood
eram muitas vezes apontados como exemplos do imperialismo
cultural norte-am ericano, ao passo que o samba e o Cinema
N ovo (feito com “uma idéia na cabeça e uma câmara na mão”, de
acordo com Glauber Rocha) eram vistos como exemplos do que
havia de mais autenticamente nacional. Hoje a situação é mais
complexa: o logotipo da Coca-Cola está na camiseta de nossos
principais times de futebol brasileiros e Sting, roqueiro inglês,
patrocinado por essa companhia de refrigerantes, diz defender os
índios que vivem no Brasil. O filme A Grande A rte, apesar de ser
dirigido por um brasileiro e rodado no Brasil, é falado em inglês.
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 39

Filmes como O Q uatrilho e O que é isto Companheiro são estrelados


por ardstas da Rede Globo e concorrem ao Oscar, contratando
lobbies profissionais para que os filmes sejam premiados.

Um dos aspectos centrais do projeto da m odernidade sem ­


pre foi o da em ancipação humana. Se a m odernidade técnica não
estiver a serviço do bem -estar social e da conquista da cidadania
plena, ela perde o seu sentido. Ora, o que caracteriza o Brasil é
justamente uma contradição gritante entre uma crescente m oder­
nidade tecnológica e a não realização de mudanças sociais que
propiciem o acesso da maioria da população aos benefícios do
progresso material.
No Brasil não há uma tradição de valorização do trabalho,
especialm ente o trabalho manual. Trabalhar, em português, é
“mourejar”, algo que, de acordo com os portugueses, deveria ser
deixado aos mouros. No Brasil, uma expressão racista que se
refere a trabalho duro é “trabalho para negro”, uma referência
direta à escravidão. Mesmo depois da abolição da escravatura e
da introdução do trabalho assalariado em fábricas, o trabalho
nunca foi valorizado, porque a ordem social continuou sendo
extremamente excludente.
O Brasil é hoje uma sociedade de grandes desigualdades
sociais e econômicas e, de acordo com dados do Banco M undial,
tem uma das piores distribuições de renda do mundo, o salário
mínimo mensal sendo inferior a cem dólares. Ao contrário de
outros países que passaram por processos de urbanização e in­
dustrialização, o Brasil nunca alterou sua estrutura fundiária, em
que há enormes latifúndios freqüentemente improdutivos. Trata-
se de um país que experimentou uma modernização conservado­
ra em que o tradicional se combinou com o moderno, a mudança
se articulou com a continuidade, e o progresso vive com a miséria.
40 R U B E N G E O R G E O L IV E N

A construção da cidadania no Brasil é um processo que


ainda está por ser feito de forma mais plena. Por enquanto,
predominam relações sociais e políticas com fortes resquícios da
era colonial e do legado da escravidão.
Hoje, no Brasil, a questão central não é mais alcançar a
modernidade tecnológica, que já foi em grande parte atingida.
Atualmente, trata-se de saber que rumos o país vai seguir. Em
primeiro lugar, o que será feito com o progresso e a riqueza que
foram gerados? A renda e a terra continuarão concentradas na
mão de poucos, ou haverá alguma forma de redistribuição? Em
época de globalização esta questão torna-se mais crucial, já que
as políticas neoliberais implantadas em vários países, incluindo o
Brasil, tendem a gerar desemprego e exclusão social.

XI

A modernização está, em geral, associada ao individualismo,


que substituiria gradativamente as relações mais pessoais de socie­
dades tradicionais. O Brasil segue um caminho um pouco diverso.
Há uma ordem jurídica que coloca o Brasil ao lado de outras
nações que adotaram o ideário individualista e liberal, o que se
traduz inclusive no grande número de leis e regulamentos que
existem no país. Mas o Brasil é uma sociedade em que as relações
pessoais continuam sendo extremamente importantes (DaMatta,
1979) e, por conseguinte, uma organização burocrática, formal e
individualista da vida social combina-se com uma forma personali­
zada e informal de resolver os problemas que a própria m odernida­
de coloca no dia-a-dia. Isto pode significar tanto que as relações
pessoais sejam utilizadas para manter privilégios e demarcar frontei­
ras sociais, quanto que haja formas de se contrapor a uma excessiva
burocratização e formalismo da prática social.
Isto coloca a questão de como o Brasil vai conciliar as
características associadas à modernidade com aquilo que lhe é
C U I.T U R A B R A S IL E IR A E ID E N T ID A D E N A C IO N A L 41

peculiar. À sem elhança do que ocorreu em outros países latino-


americanos, os intelectuais brasileiros de diferentes gerações preo­
cuparam-se intensam ente em saber se nos trópicos as caracterís­
ticas de racionalidade associadas à modernidade teriam validade
ou se no seu país as coisas se dariam de uma forma menos
racional e mais afetiva e pessoal. Assim, heróis brasileiros osci­
lam entre o Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro,
símbolo da seriedade, e M acunaím a, herói sem nenhum caráter e
preguiçoso de nascença. A dificuldade sempre foi conciliar as
exigências da modernidade com o que há de peculiar ao Brasil.
Isto aponta para o caráter sincrético da modernidade brasilei­
ra. A ssim com o em term os populacionais houve um a certa
mestiçagem, às vezes negada (quando se aponta para o embraqueci-
mento do brasileiro) e outras vezes enaltecida (quando se afirma o
caráter “moreno” do brasileiro), a cultura brasileira é uma constru­
ção híbrida elaborada com diferentes apropriações criativas.
É provável que o que haja de peculiar à sociedade brasilei­
ra seja justam ente sua capacidade de assim ilar aqueles aspectos
da modernidade que lhe interessam e transformá-la em algo adap­
tado à sua própria realidade, em que o moderno se articula ao
tradicional, o racional ao afetivo e o individual ao pessoal.

R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

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C ultura B r asile ira e Identidade Na c io n a l
( C o m e n tá r io C r It ic o )

M aria A rm ináa do N ascimento A rruda

Talvez a melhor maneira de iniciar os meus comentários sobre


o texto “Cultura Brasileira e Identidade Nacional: O Eterno Retor­
no”, escrito pelo antropólogo Ruben George Oliven, seja rememo­
rando as frases lapidares do sociólogo Karl Mannheim (1963: 49):
“É, geralmente, sabido que, apesar do livro fluir das idéias sobre as
fronteiras políticas, determinados temas reaparecem só no pensa­
mento organizado de cada país”. E de fato, a reflexão proposta
enfrenta um assunto crucial do pensamento brasileiro, pois tem
sido marcante na produção intelectual do país a revivescência do
decantado problema de nossa identidade. Fundamentalmente, o
texto pretende “discutir por que o tema Cultura Brasileira e Identi­
dade Nacional é recorrente no Brasil”. A partir desta constatação, o
autor formula as perguntas de fundo que encaminharão a sua análi­
se: “Ou seja, por que estamos sempre discutindo quem somos e
por que somos o que somos? E também por que a discussão do que
somos passa inexoravelmente pela discussão do que é a cultura
brasileira, do que a diferencia de outras culturas e o que a faz ser
tão peculiar?”. Segundo os termos propostos, o autor desenvolve
46 M A R I A A R M 1N D A D O N A S C IM E N T O A R R U D A

uma perspectiva analítica urdida, simultaneamente, na discussão


desta característica inerente ao pensamento brasileiro e no reco­
nhecimento do caráter fecundo do problema, como construção
derivada da própria realidade. A reflexão em curso parece tributária
do mesmo veio intelectual.
Ruben Oliven reafirma a presença de uma relação indeclinável
entre a cultura brasileira e a identidade nacional que se manifesta
como problema central da nossa vida do espírito. D esse modo,
trata-se de questão de natureza intelectual, uma vez que a nação
pressupõe e exige conform ar a identidade coletiva, tarefa abraçada
por formuladores, os codificadores de uma tradição que se firma
no andamento da constituição mesma do pensamento. Os inte­
lectuais são, assim, atores centrais no processo, os grandes ani­
madores do problema moldado na forja do pensamento.
Alguns desdobram entos surgem como inevitáveis, tendo em
vista as iciéias acim a resumidas. A recorrência do problema da
identidade no universo da cultura brasileira deriva de uma histó­
ria singular, pois depende de certas combinações responsáveis
pela form ação de um a vida social distinta de outras. O argum en­
to de fundo, desenvolvido no andamento do texto, situa-se na
reflexão no campo da história intelectual, segue a periodização
assentada sobre a formação da sociedade brasileira, estendendo-
se desde a chegada da família real portuguesa aos dias atuais. O
tratamento oferecido ao tema, de acordo com a atitude adotada,
impõe o estabelecim ento de relações entre as particularidades
inerentes a cada momento e as formulações intelectuais - vistas
sob o prisma dos traços gerais - que acompanham os problemas
específicos aos diversos períodos.
Esclarece-se, nesse ponto, a orientação subjacente à análi­
se. Ao estabelecer o vínculo entre vida intelectual e história, a
abordagem afasta-se de perspectivas que se voltam para a seriação
das idéias, isto é, para a busca dos nexos internos entre as obras.
Em termos mais explícitos, o antropólogo não se detém na eluci-
C U L T U R A B R A S IL E IR A E ... (C O M E N T Á R IO C R ÍT IC O ) 47

dação das filiações intelectuais, pois ancora a sua visão nos desa­
fios suscitados pela história, capazes de provocar os nossos pen­
sadores. A construção da modernidade é o problema dominante
em cada mom ento, exibindo para a nossa intelectualidade os
dilemas do país, que se transformam, por sua vez, no drama dos
produtores culturais em países periféricos: a necessidade de con­
viver com idéias avançadas, mas externam ente concebidas; a
inescapabilidade de pensar sobre as nossas peculiaridades e im ­
passes no trânsito de realização do moderno. Já se disse que
“somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra” (Sérgio Buar-
que de Holanda, 1963: 3), maneira de sentenciar o sentimento de
mal-estar da intelectualidade cultivada.
Configura-se, então, o problema enfocado no texto, em bo­
ra não de forma plenam ente explicitada. Talvez, fosse necessá­
rio indagar mais profundam ente sobre a raiz desse drama inte­
lectual, revelando como se conecta aos “dilemas da nossa história”.
Nos term os do autor, a questão assim se apresenta: “No Brasil,
a m odernidade, freqüentem ente, é vista como algo que vem de
fora e que deve ou ser adm irado e adotado, ou, ao contrário,
encarado com cautela tanto pelas elites como pelo povo”. A
conseqüência inevitável de tal afirm ação expressa-se na assertiva
de que, no Brasil, “nação e m odernidade cam inham juntas”. No
âm bito do pensamento, assiste-se à oscilação entre absorver as
vagas construídas a partir de contextos forâneos, desvalorizan­
do-se, ipso fa cto , a cultura brasileira, ou afirm ar as suas dim en­
sões intrinsecam ente populares, numa atitude de louvor da sua
riqueza expressiva. O desdobram ento natural da idéia im plica
pensar as concepções do Brasil moderno segundo marcantes
antinomias, configuradas em concepções polares: do país atrasa­
do a ser abjurado e suplantado pelas form as contemporâneas de
vida, ou do país autêntico a ser valorizado, mesmo sob o risco
de se realizar um a modernidade hesitante. Não há dúvida sobre
a relevância e envergadura do problema em questão.
48 M A R IA A R M 1N D A D O N A S C IM E N T O A R R U D A

A estratégia reflexiva segue, como já se afirm ou, o critério


de periodizar a história da nação brasileira recortando as grandes
rupturas, resultando numa espécie de panoram a geral. A dificul­
dade do recorte advém do embaraço na seleção da bibliografia.
Algumas análises perm itiriam adensar o argumento. Refiro-me,
por exemplo, ao artigo do historiador Fernando Novais (1984: 7)
sobre o processo de Independência brasileira que se diferencia
das outras colônias americanas, pois “mantém a monarquia e
preserva a escravidão”. Segundo o autor, o senhoriato no Brasil
Colonial não consegue construir a sua própria identidade, evi­
dente na dificuldade de se autonomear, processo inverso ao dos
“criollos” na Am érica espanhola. A sugestão presente na refle­
xão de Fernando Novais desdobra-se na recorrência do trata­
mento da identidade por parte da intelectualidade brasileira, apon­
tando para as singularidades da nossa formação como povo, como
Estado, como nação. Na mesma linha, considero que a incorpo­
ração das reflexões de Antonio Cândido (1975), sobre o Roman­
tismo e sobre o modo como este movimento literário contorce-
se para exprimir o Brasil, ofereceria uma aproximação mais acabada
da dicção particular do problema no século XIX, momento de­
term inante da nossa constituição.
Em outro sentido, julgo que o tratamento oferecido à constru­
ção de Roberto Schwarz (1977) sobre as “idéias fora do lugar”, vista
como criação sem suporte, não levou em conta toda a densidade do
argumento. Considero, contrariamente, a análise de Roberto Schwarz
sobre a literatura machadiana, a partir da qual concebeu a sua visão
das formas dominantes da nossa sociabilidade, muito bem realizada,
presente no tratamento do “dilema brasileiro” que repercute na
vida cultural. Esta questão complexa, para o crítico, expressa-se na
inescapabilidade da importação de idéias, conferindo certo ar de
artificialidade e afetação à cultura. Em sentido semelhante, a posi­
ção de Gilberto Freyre a respeito da modernidade poderia ser
melhor matizada, sendo identificada, no texto, apenas por meio da
C U L T U R A B R A S I L E I R A E . . . (C O M E N T Á R IO C R ÍT IC O ) 49

dicotomia tradicional positivamente construída, em oposição ao


cosmopolitismo e modernismo negativamente valorados. Se há, na
obra freyriana, a presença de críticas à modernização e à moderni­
dade, também existem, nos seus escritos, posições de acolhimento
do moderno, revelando que as ressalvas do sociólogo pernambuca­
no sobre o processo de mudança no Brasil incidem sobre certas
expressões do movimento e não sobre o conjunto, como aponta a
excelente análise de Ricardo Benzaquen de Araújo (1994). O pró­
prio Gilberto Freyre, como sabemos, foi um modernista e um ino­
vador, quando afirm ou a necessidade de ruptura com a linguagem
do passado e enfrentou temas anatemizados até então. Na seqüên­
cia, o dilema de uma intelectualidade pressionada entre a absorção
das idéias estrangeiras e o reconhecimento da particularidade de
uma cultura que não foi contemplada pelos pensadores clássicos,
ao qual Ruben se refere implicitamente em passagens do seu texto,
está configurado nos livros dos chamados “intérpretes do Brasil”,
bem como nas páginas dedicadas às “idéias fora do lugar”.
Finalm ente, restam ainda dois comentários, de natureza di­
versa, suscitados pelo texto. O primeiro diz respeito ao anda­
mento da reflexão, pois tem-se a impressão de que a análise dos
períodos mais recentes com eça a ser urdida por critérios distin­
tos daquela levada a efeito nas partes iniciais. Refiro-me ao fato
de que a reflexão sobre a cultura brasileira e a identidade nacio­
nal, assumida corretam ente como problema de ordem intelectual,
perde força, secundada por princípios de ordem política e eco­
nômica. A sensação que perm anece é de certo desequilíbrio no
conjunto do texto e de hesitação no núcleo argumentativo. Quem
sabe, o dilema atual seja de natureza diversa, manifestando-se
numa intelectualidade acabrunhada e indecisa em retom ar a ques­
tão, até porque a m odernidade, mal ou bem, se constituiu.
O segundo aponta para o tratamento da modernidade brasi­
leira apreendida no bojo da particularidade da nossa cultura,
presente na “capacidade de digerir criativamente o que vem de
50 M A R IA A R M IN D A D O N A S C IM E N T O A R R U D A

fora, reelaborá-lo e dar-lhe cunho próprio que o transforma em


algo diferente e novo”. O argumento desenvolvido sobre a plas­
ticidade da cultura brasileira talvez não lhe seja exclusivo, visto
ser inerente a toda e qualquer sociedade, do mesmo modo como
a “construção híbrida da cultura brasileira” não se lhe afigura
qualidade singular. Resta, então, explorar a especificidade desse
atributo e o seu papel na conformação do “caráter conservador”
da nossa modernização, ainda marcada por “ fortes resquícios da
era colonial e do legado da escravidão”. Não tenho dúvida de
que a escravidão foi, possivelmente, a instituição mais funda­
mental na formação da sociedade brasileira. Penso, no entanto,
que as nossas barbaridades hodiernas —e que são muitas — são
modernas, de um tipo de modernidade ancorado na mais pura
realização dos preceitos capitalistas, responsável pelo feitio alta­
mente perverso da realidade atual. No conjunto, este movimento
avassalador é negador da herança colonial.
Até por isso, o tema da cultura brasileira e da identidade
nacional acaba sendo incessantemente retomado, tendo o condão
de responder a certas questões imediatas, por estar embebido nas
concepções normativas. Colocar em suspensão essas noções tal­
vez seja uma forma profícua de aproximação a um assunto tão
polêmico.

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In d ú st r ia C ultural B rasileira
(V ista Da q u i e de Fo r a )

E sther I. H am burger

É possível identificar, ao longo dos últim os trinta anos,


uma trajetória nos estudos sobre a cultura de massa em direção à
valorização do pólo “cultura” da expressão. A ênfase inicial no
outro pólo, o “de m assa”, salientou o caráter industrial da produ­
ção artística na era da reprodução mecânica e eletrônica, detec­
tando determ inações estruturais que até hoje enformam produ­
tos musicais, cinematográficos, televisivos etc., da indústria cultural.
No cenário contemporâneo, de globalização e de diversificação
de fluxos, essa ênfase estrutural continua presente nos estudos
que focalizam a concentração crescente de veículos de com uni­
cação em grandes conglomerados corporativos1. Porém, traba­
lhos recentes adotam denominações diversas como o “simbóli­
co” ou o “im aginário”, deslocando o foco do âmbito econômico,
político e/ou institucional para o âmbito da “cultura”.
O debate entre concepções frankfurtinianas de indústria
cultural, althuserianas de ideologia, bourdianas de bens simbóli-

1. Ver, por exemplo, os trabalhos de Bagdikian (1989) e H crbcrt Schillcr (1989).


54 E S T H E R I. H A M B U R G E R

cos, gram scinianas de cultura, inspiraram esses questionamentos.


A bibliografia sobre o caso brasileiro está sintonizada, e se insere
de maneira peculiar nesse universo intelectual.
Os estudos associados à Escola de Frankfurt permanecem a
referên cia p rim eira, enfatizando a transform ação estru tural
provocada pela extensão da lógica da produção capitalista ao domí­
nio da formação das consciências. Dos trabalhos pioneiros de pen­
sadores como Walter Benjamin (1968), em sua discussão da impos­
sibilidade da “aura” no produto reproduzido mecanicamente, ou em
sua sistematização do projeto de teatro épico de Bertold Brecht, ao
estudo de Adorno e Horkheimer (1972) que cunhou o conceito de
indústria cultural, há aqui um arcabouço conceituai que elabora a
extensão do fetichismo da mercadoria para o domínio da produção
de cultura. Adorno (1975) identifica e critica a interlocução que a
indústria pretende, e estabelece, com a massa de consumidores,
interlocutor diferente do cidadão, indivíduo ativo e distanciado, ima­
ginado nos marcos do Iluminismo. Em seu artigo sobre a indústria
cultural revisitada, Adorno capta de maneira especialmente acurada
o apelo às emoções, à catarse, a busca de relações de contigüidade e
o senso de co-participação - noções que regiam e regem os diver­
sos braços da indústria cultural até os dias de hoje.
Os estudos associados à escola de Frankfurt inspiraram
inúmeros trabalhos que focalizam as estruturas econômicas e
institucionais da indústria cultural, suas conexões políticas com
os grupos dominantes como determinantes do caráter essencial­
mente conservador da ideologia veiculada pelos diversos meios
de com unicação em sociedades capitalistas.
Ainda no campo marxista, os “estudos culturais”, inspirados
na leitura de Gramsci, desenvolvida inicialmente por estudiosos
ligados a Escola de Birmingham, na Inglaterra2, situam o espaço

2. Uma boa revisão dessa linha de pesquisa encontra-se em Graeme Turner


(1990).
I N D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 55

possível de resistência, organização e transformação social na cul­


tura, conforme concebida por Gramsci. A ação social ganha aqui
certa dose de indeterminação, na medida em que não é pensada
como conseqüência mecânica de definições da chamada infra-es-
trutura. Ao contrário, o esforço é situar a dimensão na qual seria
possível a necessária formação de uma vontade coletiva pautada
por critérios diferentes dos dominantes. Esses estudos têm o méri­
to de problematizar a constituição de subjetividades, abrindo a pos­
sibilidade de que estas não correspondam a identidades pressupostas
no âmbito da produção. No entanto, a indústria dos meios de comu­
nicação continua, nos marcos desses estudos, a ser vista como
essencialmente difusora de padrões hegemônicos, que não necessa­
riamente se reproduziriam, uma vez que poderiam encontrar resis­
tência no m o m e n t o da recepção.
O trabalho de Pierre Bourdieu com sua ênfase no capital
simbólico e nos mecanismos de diferenciação que atuam através
do gosto na formação do habitus, na indexação e reprodução de
estruturas sociais, estimulou o desenvolvimento e a diversifica­
ção da pesquisa em pírica, justificando o foco quantitativo e qua­
litativo em diversos ramos da indústria cultural. Há aqui um
deslocamento da abordagem presente nos diversos estudos de
inspiração marxista, que focaliza conteúdos ideológicos discursivos,
para uma ênfase no mapeamento das conexões sociológicas e
políticas de produtores e consumidores. Aqui o significado dos
diversos produtos culturais reside não em conteúdos discursivos
ou formais, mas na teia de relações que os manipula, forjando
hábitos e gostos que sinalizam pertencimento social.
Nos anos de 1970 e 1980, as indústrias —como a televisiva,
editorial, fonográfica, publicitária e de pesquisa de mercado -
consolidaram-se no Brasil, motivando estudos pioneiros. Situa­
dos na problem ática teórica da época, esses estudos debatem
questões como as relações entre infra e superestrutura, a possi­
bilidade de autonom ia da produção simbólica, as relações entre a
56 E S T H E R I. H A M B U R G E R

cham ada cultura popular e a cultural de massa, ou entre a cultura


popular e a indústria cultural, as possibilidades de resistência
cultural e política ou a reprodução de ideologias dominantes em
um a situação histórica marcada pelo autoritarismo militar, pela
censura, pela repressão. A coerência teórica de então dilui-se
nos estudos mais recentes que, no entanto, diversificam o esco­
po e o material em pírico examinado.
Investigam -se as relações entre o Estado brasileiro e os
diversos ramos de atividade da indústria cultural. Especificamen­
te no que se refere à televisão, pesquisa-se a viabilidade da
form ação de uma indústria televisiva nacional independente das
injunções do imperialismo internacional; o contraste entre o uni­
verso do consum o veiculado pela mídia e a pobreza que im pedi­
ria a m aior parte da população de desfrutar desses bens; o papel
de intelectuais de esquerda oriundos do teatro na configuração
de uma possível constelação crítica, capaz de realizar a agenda
nacional popular dos m ovimentos de esquerda da década de
1960, em um dos gêneros mais comerciais da televisão e em um
contexto político de ditadura militar.
A primeira parte deste trabalho é dedicada a estudos estran­
geiros sobre a indústria cultural brasileira. Estudiosos dos fluxos
internacionais de mídia, pesquisadores das relações entre m oder­
nidade, industrialização da cultura e cultura popular, ou mais
especificam ente da televisão, interessaram -se pelo caso brasileiro
na m edida em que ele sugere o questionamento dos limites dos
referenciais teóricos que preconizavam a separação entre esses
domínios e em detrimento da sobrevivência da cultura popular
associada a autenticidades calcadas na história de populações
enraizadas em determ inadas regiões geográficas. Dadas as suas
dimensões, os seus valores de produção originais e a sua perform ance
no mercado internacional, a indústria televisiva brasileira foi cita­
da como caso privilegiado no debate internacional, a forçar os
limites de paradigmas explicativos. Concentrados na identificação
IN D Ú S T R IA . C U L T U R A L B R A S IL E IR A 57

do conteúdo ideológico produzido pela televisão, em geral esses


estudos defendem um julgam ento positivo sobre a autonomia
ideológica da indústria brasileira.
Essas abordagens de autores estrangeiros contrastam com
os estudos locais, realizados também nas décadas de 1970 e 1980.
Trabalhando com referências teóricas semelhantes, pesquisado­
res brasileiros também debatem as relações entre o popular e o
industrial, ou de massa, mas em geral chegam a conclusões que
poderiam ser descritas como praticamente opostas às da literatu­
ra estrangeira. A segunda parte desse trabalho é dedicada aos
estudos brasileiros desse primeiro período, que se mostram pre­
ocupados com a inserção da indústria emergente em uma conjun­
tura histórica específica, m arcada pela ditadura militar, pela desi­
gualdade social, em um contexto de desenvolvimento capitalista
dependente. Esses estudos, em geral, com partilham com os estu­
dos tratados na primeira parte uma ênfase no conteúdo ideológi­
co difundido pela indústria cultural, embora valha destacar que
os trabalhos brasileiros contemplam vima preocupação precoce
com a recepção, que estudos estrangeiros viriam a problematizar
posteriorm ente, já em um contexto pós-estruturalista, que carac­
teriza os estudos, brasileiros e estrangeiros, na década de 1990,
abordados na terceira parte desse trabalho.
A profusão de trabalhos publicados na última década indica
uma diversificação do campo, que, de certa maneira, acompanha
a diversificação da sociedade e dos meios de com unicação em
curso no país, em meio às transformações em curso no âmbito
global. A dinâm ica paradoxal de forças locais e transnacionais em
diversos países do mundo leva ao questionamento e restruturação
de nações, Estados, formas de governo, e form as básicas da
organização social como a família. A tendência à homogeneização
e integração de processos sociais convive com uma vertente
oposta, à afirm ação de diferenças e subjetividades. Identidades
de gênero, étnicas e raciais insistem e persistem em um mundo
58 E S T H F .R I . H A M B U R G E R

em que os contornos dos domínios nacionais, público e privado,


político e doméstico, masculino e fe m in in o se redefinem, tornan­
do insatisfatórios também os contornos das disciplinas que v i­
nham dando conta de analisar os fenômenos sociais.
N esse contexto, a cultura assume novos significados, seja
na vida cotidiana de populações que se apropriam de suas “cul­
turas” tais como estudadas pelo legado antropológico para defi­
nir identidades distintivas, seja no âmbito das diversas disciplinas
que, de uma forma ou de outra, dedicaram-se a estudos “cultu­
rais”, onde se coloca o debate entre a cultura popular e/ou erudi­
ta. A antropologia, usualmente concentrada no tratamento de questões
discretas, reconhece o confronto entre fluxos transnacionais e
identidades locais persistentes, construídas através de idiom as
culturais particulares3. Estudos no âmbito da teoria literária e
cinem atográfica, da história, da filosofia e das ciências sociais,
buscam reunir instrum ental adequado para dar conta de um pa­
norama em rápida transformação. Em meio a esse movimento
teórico interdisciplinar múltiplo, alguns temas aparecem de ma­
neira recorrente, relacionados especificamente à problemática da
representação midiática. Entre eles, destacam -se a construção de
representações nacionais, as representações das relações de gê­
nero e raciais, e a redefinição dos contornos dos espaços públi­
cos e privados. Essas problemáticas são perpassadas pelos estu­
dos de recepção, que sob enfoques variados modificaram a ênfase
da pesquisa sobre a cultura de massa, transportando-a do âmbito
da produção, onde, em geral, se afirm a a dominação de modelos
hegemônicos, para o estudo de contextos de recepção, onde se
situaria o espaço da diversidade de interpretações possíveis para
os mesmos textos. O debate gerado pelas teorias da recepção
evoluiu recentem ente para o questionamento do pressuposto de

3. Ver, por exemplo, Marshall Sahlins (1995); Jean e John Comaroff (1992); e
Arjun Appadurai (1996).
I N D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 59

que a com unicação está baseada em três fases distintas - em is­


são, m ensagem e recepção, para form ulações que enfatizam re­
des, interações e interlocuções4.
Potencialm ente, os casos brasileiro e latino-am ericano podem
alim entar o debate teórico sobre a produção de significado no
m undo contem porâneo. N o Brasil, dentre os m eios de com unica­
ção, a televisão sintetiza os paradoxos e as características distintivas
da cu ltu ra de m assa. D ada a im p o rtân cia esp ecífica do m eio
televisivo, expressa inclusive no m aior núm ero de títulos sobre ele,
em bora não esteja lim itado aos estudos sobre televisão, esse texto
se concentra principalm ente neles.

A Televisão Brasileira V ista de Fora

A s características que distinguem a T V brasileira de outras


indústrias televisivas aparecem m encionadas de m aneira dispersa
em estudos estrangeiros, onde o exem plo brasileiro figura em geral
para sugerir lim itações teóricas de m odelos de explicação form ula­
dos em função de estruturas típicas da indústria ocidental. Nos
anos de 1980, o vigo r da T V brasileira alim entou um debate sobre a
possibilidade de autonom ia nacional televisiva no contexto do im ­
perialism o internacional. Autores com o Tapio Varis (1988) ressal­
tam que a indústria brasileira teria invertido a direção usual dos
fluxos transnacionais de m ídia, em geral voltados das m etrópoles
coloniais para as ex-colônias, já que o Brasil, a partir de m eados da
década de 1970 passou a exportar novelas televisivas para países
nos cinco continentes, incluindo vizinhos latino-am ericanos, países
governados por regim es socialistas e Portugal.
Os trabalhos d e jo se p h Straubhaar (1981, 1982, 1993, 1995)
sugerem a em ergência de um a indústria nacional autônom a, alim en­
tada por critérios de produção, gêneros e recursos locais. O pesqui­

4. Ver, por exem plo, o trabalho de V irgínia N ightingale (1996).


60 E S T H E R I. H A M B U R G E R

sador norte-am ericano trouxe à tona dados que dem onstravam que
a T V brasileira produzia a m aior parte da program ação exibida em
h orário nobre, ficando o produto im portado, sugestivam ente ap eli­
dado localm ente de “enlatado”, com horários m enos nobres, índi­
ces de audiência não tão significativos e, portanto, im portância fi­
nanceira secundária. E m bora a indústria de televisão brasileira tenha
surgido sobre a égide da indústria norte-am ericana, ela teria de­
m onstrado a possibilidade da autonom ia nacional.
O utros autores detectam em novelas de T V a persistência de
elem entos da cultura popular no interior m esm o da indústria cultu­
ral e constroem interpretações focadas no conteúdo ideológico da
program ação televisiva que, ao contrário dos trabalhos brasileiros,
tratados a seguir, salientam a existência de um a perspectiva crítica
no interio r m esm o da indústria. A presença de elem entos narrativos
originários em form as reconhecidas, com o a literatura de cordel,
evidenciaria que, ao m enos na A m érica Latina, a indústria cultural
não necessariam ente tenderia a pasteurizar repertórios a ponto de
colonizar consciências com conteúdos exógenos. W illiam Rowe e
V ivian Schelling (1991) dedicam um capítulo de seu livro Memory
an dModernity: Popular Culture in Latín America às telenovelas brasilei­
ras. A qui, elem entos autenticam ente locais, produzidos na base da
sociedade, encontrariam possibilidade d e se expressar em um gêne­
ro com ercial com o a novela. Textos de autores com o D ias G om es
servem com o evidência para essas interpretações, o que fez com
que o prem iado autor de roteiros de teatro e de cinem a se tornasse
com o que um troféu da R ede G lobo, dem onstração de que a em is­
sora foi capaz de produzir obras de prestígio reconhecido em cír­
culos acadêm icos de prim eiro mundo.
Há ainda autores que privilegiam a discussão do conteúdo
ideológico das novelas, salientando o caráter em ancipatório do fo­
lhetim eletrônico brasileiro5. N ico V ink aponta a habilidade das

5. Ver, por exemplo, N ico V in k (1988).


I N D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 61

novelas em com entar criticam ente eleições políticas durante os


anos de autoritarism o militar. M erece m enção sua observação pio­
neira de um certo apelo liberalizante nas representações sobre as
relações de gên ero nas novelas. O autor associa as referências
críticas à cena política e à liberação da m ulher, à conjuntura de
transição dem ocrática, m arcada pela presença de m ovim entos po­
pulares urbanos observados pelo autor e analisados na literatura
brasileira especializada, plenam ente contem plada em seu trabalho.
M ais um a evidência do interesse internacional pelo caso da
televisão b rasileira é o estudo de C onrad K otak, professor da
U n iversid ad e de M ichigan , que d irigiu um a p esquisa sobre a
recepção de televisão em diversas partes do país. A lém de seu
livro Prime Time Society , que com o o título sugere, defin e a so cie­
dade b rasileira com o a “sociedade do horário no bre”, essa p es­
quisa resultou, en tre outros trabalhos, na dissertação de m estrado
de R osane M anhães Prado, M ulher de Novela, M ulher de Verdade,
sobre a recepção de novelas en tre as m ulheres da cidade de
Cunha. C om parando suas relações com os habitantes da vila de
A baeté, em dois m om entos diferentes, um por ocasião de sua
prim eira p esquisa, quando não havia televisão ainda no local, e
outro por o casião de seu estudo específico sobre televisão, reali­
zado na d écada de 1980, o au to r nota que o repertório dos
habitantes locais se am pliou, com a aquisição de noções precisas
de geo grafia e de cultura planetária. A o lado dessa contribuição,
que considera positiva, o auto r arrisca tam bém o palpite de que,
a longo prazo, a T V teria contribuído para dim inu ir a so ciab ilida­
de local.
A televisão brasileira surge com o exem plo privilegiado tam ­
bém no contexto do debate francês da década de 1980, provocado
pela ruptura do m onopólio estatal da televisão que ocorreu em
diversos países da E uropa naquela época. A entrada do capital
privado no m eio televisivo, e de program as estrangeiros, especial­
m ente norte-am ericanos, gerou polêm ica em um a sociedade de bem-
62 E S T H E R I. H A M B U R G E R

estar social, acostum ada ao controle centralizado e m etropolitano


da cultura nacional. A ssum indo um a posição polêm ica, D om inique
W olton (1996) em O Elogio do Grande ~Público: Uma Teoria Crítica da
Televisão publicado em 1990 na França defende a televisão aberta,
em oposição à segm entação produzida prim eiro pelo advento da
T V a cabo, e, no futuro, pela dissem inação da internet, com o ele­
m ento dem ocratizador da sociedade. O autor salienta que a televi­
são difunde as m esm as inform ações para os segm entos m ais diver­
sos do público, superando autoridades discrim inatórias de outras
instituições. A televisão brasileira m erece um capítulo específico
no livro de W olton com o exem plo de sua tese de que sistem as
televisivos privados podem ser inteligentes e atender ao interesse
público e nacional. W olton trata com boa vontade as novelas b rasi­
leiras, m as adverte contra possíveis riscos da interpenetração ex­
cessiva entre realidade e ficção.
Talvez o livro que m elhor sintetize as m aneiras pelas quais o
exem plo brasileiro foi apropriado no contexto do debate teórico
internacional no sentido de relativizar concepções que associam a
televisão com ercial a ideologias dom inantes, em detrim ento da cul­
tura popular, seja O Carnaval das Imagens, de autoria de M ichelle e
A rm and M attelart. E scrito no m esm o contexto de privatização da
televisão francesa e européia, do debate sobre o papel do E stado na
proteção da cultura nacional e do tem or à am eaça estrangeira —
especificam ente norte-am ericana - à autonom ia cultural do velho
m undo, o livro tom a o caso brasileiro para recolocar essas questões.
R eforçando os argum entos e observações dos outros trabalhos
citados, os pesquisadores franceses vão m ais fundo nos questiona­
m entos teóricos que o caso coloca. A bandonando a perspectiva
m arxista ortodoxa com a qual se tornou conhecido na década de
1970 - expressa de m aneira contundente no livro Para Ler o Pato
Donald, escrito em co-autoria com A riel D orfm an, no qual denun­
ciava a colonização das consciências latino-am ericanas pelo im pe­
rialism o norte-am ericano através da indústria D isney da história em
IN D Ú S T R IA C U L T U R A I. B R A S IL E IR A 63

quadrinhos —no livro sobre a T V brasileira, escrito em autoria com


sua m ulher M ichèle, cerca de dez anos depois, A rm and M attelart
questiona a determ inação estrutural da econom ia e da política. Em
um trabalho que procura inscrever o im aginário com o dim ensão
essencial da prática social, os autores tom am o caso brasileiro para
pro blem atizar m odelos de articulação entre econom ia e ideologia,
sociedade civil e setor privado. E les o fazem a p artir do debate
francês sobre o papel e o lugar da televisão pública na sociedade de
m ercado, sobre as distinções entre program ações “educacionais”,
“inform ativas” e de “entretenim ento” , sobre program ação de “qua­
lidade” e program ação que visa som ente a difundir o “consum ism o”.
N esse contexto, o caso brasileiro dem onstraria que a associação
entre qualidade de program ação e televisão pública não é necessá­
ria, um a vez que um a em issora privada com o a Rede G lobo seria
capaz de produzir program ação de qualidade. O caso brasileiro
dem onstraria tam bém que a abertura para a im portação de progra­
mas não leva necessariam ente à colonização cultural, um a vez que
a produção local seria m ais popular e m elhor que a produção
estrangeira. D e m aneira rom ântica, de algum a form a herdeira da
adm iração m odernista pelo “exótico” e “selvagem ”, M attelart e
M attelart vêem esperança na “m agia polissêm ica” das culturas não
européias, cujas “narradvas televisivas [...] derivam parte de seu
p o der de sedução de seu aparente poder de resposta ao logos
desgastado da m odernidade ocidental” (p. 152). Para os autores, a
possibilidade e existência de um gênero específico com o as novelas
sinalizaria a possibilidade de um cam inho alternativo de transform a­
ção social, não autoritário, não estatal, com patível com o mercado,
calcado no potencial liberador da im aginação.
O trabalho de M ichèle e A rm and M attelart é sugestivo com o
sistem atização das m aneiras pelas quais o caso brasileiro questiona
paradigm as. N o lim ite entre questionam entos inspirados pela tradi­
ção m arxista e a literatura pós-estruturalista, os autores reconhecem
no caso brasileiro a dem onstração de possibilidades que não são
64 E S T H E R 1. H A M B U R G E R

óbvias no caso francês. A poiados na avaliação posidva de conteú­


dos ideológicos, apontam um a direção prom issora ao procurar inse­
rir o dom ínio do im aginário em seu m odelo de transform ação social
descentralizado. M as com o revela a com paração dessa literatura
com a literatura brasileira sobre o assunto produzida no m esm o
período, a avaliação do conteúdo ideológico em erge com o dim en­
são problem ática.

O B rasil V isto de Dentro : A nos de 1 9 7 0 e 1 9 8 0

Os estudos brasileiros sobre a cultura de m assa ainda são


incipientes, contrastando com a p ujança econôm ica e a presença
cotidiana da indústria cultural. Trabalhos pioneiros foram p u b li­
cados na década de 1970; contribuições significativas, que sinteti­
zam trabalhos anteriores, saíram na segunda m etade da década de
1980. L im itações econôm icas, dificu ldade de acesso a dados, já
que não existem arquivos públicos de im agens ou docum entos,
são elem entos que devem ser levados em conta, junto com o
pequeno interesse acadêm ico, quando se avalia essa b ibliografia.
Se os estudos estrangeiros do período apontam peculiarida­
des da indú stria cultural brasileira, interpretadas com o positivas,
estudos b rasileiro s chegam a co nclusõ es opostas, en fatizan do
conexões, tam bém m encionadas nos outros trabalhos, entre a
consolidação de um a indústria televisiva poderosa e o regim e
m ilitar que go vernou o país de 1964 a 1985. Para os brasileiros,
essas conexões dem onstrariam o erro de proposições que reco­
nheceram na ind ú stria brasileira algum espaço de transcendência
as barreiras entre cultura po pular e indústria cultural, ou algum
espaço de resistência a ideologias dom inantes. O regim e m ilitar
inscreveu en tre as suas p rioridades o desenvolvim ento de um a
política de “integração nacional”, que incluía o investim ento em
infra-estrutura tecnológica para a televisão, censura, e o investi­
m ento no m ercado publicitário na posição de anunciante. A lguns
IN D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 65

dos estudos abordados an teriorm ente debatem a proposição dos


in te le c tu a is d e esq u erd a que p assaram a a tu a r n a in d ú stria
televisiva, m as enquanto os p rim eiros concordam , os últim os
d em onstram a inviabilidade do projeto de realização do projeto
“nacional po pular” “por dentro” da indústria.
O co ntraste entre a sociedade de consum o que se desen ­
volveu nos anos de 1970 estim ulada pelo “m ilagre econ ô m ico” e
susten tada entre outros fatores pela introdução da venda a prazo,
o autoritarism o e a desigualdade social resistente, pautam a litera­
tura b rasileira sobre televisão. A ênfase dos estudos brasileiros
na id en tificação de conteúdos ideológico s dados de antem ão,
estabeleceu as bases do trabalho na área, em certa m edida lim i­
tando a problem atização dos achados em píricos levantados. A
pesquisa registrada nesses estudos oferece pistas valiosas para
um a reconstituição sistem ática da h istória e dos m ecanism os de
funcionam ento da indústria6.
O trabalho pioneiro de Sérgio M iceli, A Noite da Madrinha é
um dos poucos estudos sobre p rogram as de auditório, gênero
que até então atraía os m aio res índices de au d iên cia, e cuja
relevância se repõe na conjuntura atual. O trabalho detecta o
papel “p ed agó gico ” que a televisão estaria realizando em um
m om ento de m udanças que caracterizaria a constituição de uma
sociedade urbano-industrial dependente7. O livro descreve um
m om ento de inflexão n a história da televisão b rasileira, em que
alguns desses program as, que iam ao ar ao vivo, foram acusados
de degradar a “ cultura n acio nal” ao oferecer espaço à m anifesta-

6. Roberto M oreira (2000) propõe um a agenda de pesquisa da história da


televisão brasileira.
7. A idéia é sugestiva, como sugere o reaparecim ento do tema na década de
1990 cm estudos de recepção com o o de Clarice H erzog e Léa Chagas Cruz
(1993), em que os telespectadores reconhecem o papel “educacional” da
televisão. Tam bém é sugestiva a avaliação que o autor faz sobre a m etodolo­
g ia do Ibope, à qual voltarem os adiante.
66 E S T H E R I. H A M B U R G E R

ções “p op ulares” consideradas im próprias. A qui noções que as­


sociam o “p o p u lar” ao g o s t o das classes baixas, p o u c o ed u ca d a s
e, portanto, supostam ente m ais sensíveis a m anifestações esotéricas,
rejeitadas pela elite o ficial de então.
E n a qualidade, auto-atribuída, de guardião da “alta cultu­
ra”, que o governo autoritário m obiliza a distinção entre alta e
baixa cultura, dem onstrando, portanto, a relatividade dessas no­
ções. A ên fase da an álise recai sobre a função d istin tiva das
noções de cultura po p ular e erudita, na m edida em que o “p o pu­
lar” aparece n a cena política para indexar o gosto de determ in a­
do segm ento social a ser educado.
A análise é útil tam bém para entender as injunções que leva­
ram a desdobram entos posteriores, corno a dom inância das novelas,
característica que hoje aparece com o dado natural, e não com o
trajetória específica definida historicam ente. A censura que se se­
guiu, em consonância com a política cultura) e educacional do
regim e m ilitar, analisados em outros trabalhos, favoreceu o dom ínio
de program as pré-gravados, m ais facilm ente controláveis, em um
processo que dim inuiria tem porariam ente a atenção sobre o pro gra­
ma de auditório. Com as novelas, a televisão se consolidaria com o
m eio de com unicação capaz de catalisar o desenvolvim ento do
m ercado consum idor, processo estudado nos trabalhos que se se­
guem , publicados m ais de dez anos depois.
Em A M oderna Tradição Brasileira, Renato O rtiz realiza estu­
do ab ran gen te sobre a em ergência de um a indústria cultural no
B rasil das últim as décadas. Os dados apresentados sobre o de­
senvolvim ento de cad a um dos ram os dessa indú stria reforçam o
p eso da televisão, expresso, por exem plo, na concentração do
investim ento publicitário nesse m eio de com unicação, que é m aio r
no B rasil que em outros p aíses8. O desenvolvim ento da indústria

8. Esse dado é citado por outros autores como Fátim a Jordão (1982); ou ainda
Jo sé M ario O rtiz Ram os (1995).
IN D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 67

fonográfica, tam bém em larga m edida alim en tada p o r conexões


com a televisão, e especialm en te com as novelas, evidencia as
m aneiras pelas quais um ram o d a indú stria increm enta o desen­
volvim ento de outros. O m aterial em pírico apresentado sugere a
consolidação de um a sociedade de m assa em um país autoritário
e desigual. O p aradoxo é tratado no trabalho com um a com b ina­
ção heterodoxa de referências teóricas, que com binam a filiação
a B ourdieu - que inspira o am plo levantam ento de dados socio­
lógicos - com questionam entos sobre o conteúdo ideo ló gico da
program ação, região em que seu trabalho se alin ha ao trabalho de
outros autores.
A s conexões entre a Rede Globo de T elevisão, em issora
que conquista, na década de 1970, quase que o m onopólio da
audiência em um m odelo teoricam ente com ercial de m ercado, e
as políticas educacio nais e culturais do regim e m ilitar constituem
o tem a p rivilegiado por grande parte da literatu ra sobre a televi­
são brasileira.
O contraste entre o universo de classe m édia alta, pouco
num eroso, m as objeto privilegiado de exposição nos anúncios
com erciais, a parcialidade m orna e censurada dos telejornais, o
m undo glam uroso dos program as de ficção, e o universo das
classes populares, quantitativam ente dom inante, m as p raticam en ­
te ausente das im agens da televisão, é apontado pela bibliografia
que associa a racionalização d a adm inistração televisiva, a o rgani­
zação das grades de program ação, a profissionalização das rela­
ções entre em issoras e anunciantes e atores, o crescim ento do
núm ero de telesp ectad o res e a quase que m o n o p o lização da
audiência p o r um a em issora, a um a aliança po lítico -ideo lógica
que sintetizaria o significado da program ação televisiva do p erío ­
do. E ssa alian ça teria caráter essen cialm ente con servador, em
term os políticos, m orais, artísticos, estéticos e sociais. A aliança
teria p erm itido a realização da política de “integração nacional”
elaborada pelo regim e m ilitar, favorecendo a m anutenção de um
68 E S T H E R I. H A M B U R G E R

status quo baseado em autoritarism o e discrim inação social9. No


bojo dessas caracterizaçõ es, a autonom ia nacional da televisão
b rasileira em relação à televisão am ericana, apontada nos estudos
citados na prim eira sessão deste trabalho, tam bém é co n testad a10.
T rabalhos sobre a televisão b rasileira revelaram as co n e­
xõ es en tre essa in d ú stria em desenvo lvim en to e a p o lítica de
integração nacional form ulada pelo regim e m ilitar que governou
o país de 1964 a 1985. E sses trabalhos apontam tam bém as
co nexões entre a televisão e a dissem inação de um universo
co n su m ista, acessív el som ente à p equen a p arcela do público
telespectador. P resa da intenção autoritária dos m ilitares e da
lógica consum ista do m ercado, a program ação televisiva teria se
constituído em m ecanism o eficiente de alienação e legitim ação de
um a ordem social injusta, realizando no plano do im aginário um a
integração negada no plano da realidade. E stam os de vo lta a um a
relação pouco explicativa, onde o im aginário é visto com o d es­
colado do plano da realidade, um a sup er-estrutura que garan tiria
a unidade de um a sociedade cindida na base.
Se pensarm os o conjunto de intenções e projetos em jogo na
definição dos rum os da indústria de televisão verem os que eles não
necessariam ente se realizaram com o previsto. A pesar do investi­
m ento governam ental em tecnologia, é só na década de 1980, por­
tanto no final do regim e m ilitar, que sinais televisivos estarão d is­
poníveis na m aior parte do território nacional. A integração nacional,
objetivo estratégico do regim e m ilitar realizou-se com a ajuda da
televisão, m as em torno de conteúdos diferentes daqueles idealiza­
dos nas políticas oficiais. N ovelas interpretaram e reinterpretaram a

9. Ver, por exem plo,M aria Rita Kehl e/a/. (1979); Maria Rita Kehl (1986); Sérgio
M attos (1982 e 1990); Sérgio Caparelli (1982); Cam pedelli (1985); e Moniz
Sodré (1977 e 1984). Sobre a publicidade, um cam po subestudado, vale
m encionar o trabalho de M aria A rm inda N ascim ento A rruda (1985).
10. C acilda H erold (1988) nota a influência norte-am ericana nas convenções
adotadas pela T V brasileira.
IN D Ú S T R IA C U I.T U R A T . B R A S IL E IR A 69

nação, m as em term os adequados ao seu caráter de seriados com er­


ciais por excelência, m elodram as feitos para a m ulher, que proble-
m atizam tem as polêm icos com o a fragm entação da fam ília, o papel
da m ulher, a sexualidade etc. Q ue novelas tenham se tornado palco
privilegiado de problem atização da nação vai de encontro ao pro­
gram a crítico de intelectuais de esquerda que participam da criação
desses program as, m as que esses seriados se tenham tornado prin­
cipalm ente referenciais, não para o debate de m odelos políticos,
m as espaços de legitim ação de padrões de com portam ento, não
estava no program a.
Q ue esses folhetins eletrônicos tenham d issem inado p a­
drões de consum o, que ajudaram a im p ulsion ar o m ercado, está
de acordo com as intenções de anunciantes, publicitários e p es­
quisadores de m ercado, mas que telespectadores associem o co n ­
sum o com inclusão social e que não se lim item a sonhar, mas
com prem de fato, a com eçar pelo próprio aparelho televisivo,
gerando padrões de consum o inusitados, parece in d icar relações
m ais com plexas entre o que vai ao ar e o que fica na terra.
Vale m en cio n ar estudos de recepção que antecipam , em bo ­
ra de m aneira pouco pro blem atizada e ainda em núm ero in su fi­
ciente, as p reocupações com a recepção que m arcariam a b ib lio ­
grafia an glo-saxã da m etade dos anos de 1980 em diante. D esde o
estudo pioneiro sobre novelas, nunca publicado, de Sonia N ovinsky
M iceli, d efen dido com o dissertação de m estrado no D ep arta­
m ento de C iências Sociais da U niversidade de São Paulo, em
1972, a preocupação com o pólo da recepção está presente e se
m anifesta n a busca de dados quantitativos de audiência, m edidos
pelo Ibope, e na realização de entrevistas com telespectadores,
hom ens e m ulheres, pertencentes às classes populares p aulista­
nas. E tam bém de 1972 o estudo, tam bém pioneiro, de E cléia
Bosi, Cultura de Massa e Cultura Popular, em que a autora pesquisa
as interpretações que m ulheres operárias fazem de suas leituras.
Inserido no contexto dos estudos aqui abordados, a auto ra busca
70 F. STH E R I. H A M B U R G E R

estabelecer pontes entre a cultura de m assa e a cultura po pular,


afirm an do a interpen etrab ilidade entre am bas, um esforço com ­
partilhado por autores brasileiros que escreveram nos anos de
1990, e que resulta p o r exem plo n a noção de “p opular de m as­
sa”, cunhada p o r Jo sé M ário O rtiz R am os em seu trabalho de
1995, com o verem o s na terceira parte desse texto 11.
T al com o os outros estudos m en cion ados nesta seção, os
trab alh os sobre recep ção de novelas focalizaram o co nteúdo
ideo ló gico dos folhetins eletrônicos, com ênfase nas represen ta­
ções sobre as relaçõ es de gênero, com paran do textos de nove­
las pesquisadas com interpretações colhidas entre telespectadoras
de classes sociais diferentes. C erca de quinze anos depo is do
estudo de M iceli, ja n e Sarques e O ndin a Fachel Leal publicam
estudos elaborados a p artir de p ersp ectivas diferentes, co m p a­
rando as interp retações de novelas en tre m ulheres perten cen tes
às classes m édia e alta com as p ercep ções de m ulheres p erten ­
centes às classes p op ulares, das novelas Os Gigantes e S ol cle
Verão, em B rasília e Porto A legre respectivam ente. A s três au to ­
ras salientam o co nteúdo “co n servad o r” das novelas, que repro­
duziriam a ideo logia do m inante, exp ressan do os ideais da fam ília
n uclear o nde o m arido é o pro vedor e a m u lh er, resp on sável

11. C orrendo em paralelo, sem diálogo com essa bibliografia, na década de 1980
proliferam experiências de estím ulo à realização de vídeo popular, muitas
delas im pulsionadas p or com unidades eclesiais de base. O esforço de se
produzir vídeos populares pode ser associado a um projeto de estím ulo à
cultura popular, autêntica, possível somente na base da sociedade e entendida
como oposta à indústria cultural. Sobre essas experiências ver Marcelo Ridenti
(2000) e Patrícia Aufderheide (1993), entre outros. Vale notar que a associação
entre essas experiências de vídeo alternativo e a Igreja Católica ocorre em um
período que esta adotara um a política de perm anecer à m argem dos m eios
de com unicação de m assa, que seria alterada posteriorm ente ante o avanço
dos evangélicos e a sua agressiva apropriação da m ídia, especialm ente da
m ídia televisiva e radiofônica. Sobre a igreja católica à margem da m ídia
eletrônica ver Paula M ontero e Ralph D elia Cava (1989). Sobre os evangélicos
e a televisão, ver E ric K ram er (2001).
IN D Ú S T R IA C U I.T U R A L B R A S IL E IR A 71

pela união d a fam ília e restrita ao universo dom éstico. A s auto ­


ras ob servam tam bém a tim idez com que o am o r era rep resen ta­
do na tela. Em sua co m paração d a leitura de um a m esm a novela
por telespectadoras de segm entos sociais diferentes, Leal e Sarques
observam diferenças de interpretação que apontam para um m aior
co n serv ad o rism o entre telesp ectad o ras p erten cen tes aos seg­
m entos p o p ulares. P ublicados em um a conjuntura de ab ertura
dem o crática, em que se p ro curava v alo rizar a p articip ação p o lí­
tica, esp ecialm en te en tre trab alhado res m enos favorecidas, a as­
so ciação en tre classes p o p ulares e co n servad o rism o sugerida
por esses estudos o fusco u o achado no pólo oposto da escala
social: a vin cu lação entre telespectado ras de classe m édia alta,
tanto em B rasília, quanto em Porto A legre, e representações
lib erais da m ulher.
A in d a na lin h a dos estudos de recep ção, o trab alho de
R osane M anhães Prado, citado acim a, tam bém realizado entre
m ulheres, desta vez telespectadoras de um a pequena cidade do
interio r do E stado do R io de Janeiro, e no final da década de
1980, aponta as m aneiras pelas quais essas telespectadoras d ife­
renciam o seu universo local, onde im perariam relações de gên e­
ro que elas identificam com o desiguais em relação ao universo
que percebem com o m ais liberal, das m ulheres da cidade grande,
tal com o ele aparece retratado nas novelas.
V ale n o tar que esses estudos de recepção p rivilegiam a
abordagem das relações de gênero tal com o representadas nas
novelas estudadas. C om o os pesquisadores de m ercado, os pro­
dutores e os telespectadores m esm o, esses trabalhos tom am como
dado que a m ulher é a telespectadora privilegiada de novelas,
sem d iscutir o fato, tam bém conhecido, de que os hom ens tam ­
bém assistem . N o conjunto, esses trabalhos trazem registros h is­
tóricos im p ortantes, pois se o contexto que eles abordam sugeria
a estab ilidade das representações na novela, as m odificações sub­
seqü en tes, com o é de senso com um hoje, no tratam en to de
72 E ST H E R I. H A M B U R G E R

tem as com o a sexualidade, as relações de gênero e a estrutura


fam iliar, constitui m arca do gênero televisivo 12. A distância histó­
rica e as p ró p rias descriçõ es dos texto s das n o velas trazidas
nesses estudos p erm item detectar, já na época, o em brião de um a
lógica que se co n so lidaria ao longo dos anos de 1970 e 1980, e
que sugere conexões en tre m ecanism os institucionais, conteúdos
ideológicos e form ais e transform ações inesp erad as13.
Os estudos publicados na década de 1990, aos quais p assa­
m os agora, p rocuram , a p artir de perspectivas diferentes e fo cali­
zando fragm entos delim itados da cultura de m assa, levar adiante
as questões levan tadas na bibliografia aqui arrolada no sen tido de
con siderar o papel ativo, em bora não planejado ou intencional,
que os m eios de com unicação, e em especial a televisão, podem
exercer n a produção de sentido. Interessam particularm en te es­
tudos que, retirando o veículo da polaridade entre inocência e
culp a em que em geral é colocado, buscam entender as m aneiras
pelas quais p articip a da construção da cena pública. E ncarando
textos com o encarn ações de práticas e teorias com um a certa
autonom ia, ainda que indeterm inada e dificilm ente controlável,
esses estudos p arecem p artir da intenção de entender dinam is-
m os e ló gicas diversas que com põem p rocessos, gêneros, ou
discrim inações específicas.

12. Ver V ilm ar Faria (1989), “Políticas de G overno e Regulação da Fecundidade:


C onseqüências não A ntecipadas e Efeitos Perversos”, artigo que deu origem
a um amplo projeto de pesquisa internacional e interdisciplinar, no interior do
qual outros trabalhos pesquisaram essas representações. Ver, por exemplo,
Anamaria Fadul, Emile M cAnany e Ofélia M orales (1996); E sther Hamburger
(1998 e 2001).
13. A inda no campo da recepção televisiva, cabe citar o trabalho de Caríos
Eduardo Lins da Silva, Para A lém cio jardim Botânico, um estudo de recepção do
Jornal Nacional que, já em consonância com a literatura estrangeira sobre recep­
ção, considera a presença do telespectador com o ativo intérprete um fator
com plicador.
I N D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 73

E stu d o s B r a s il e ir o s e E s t r a n g e ir o s na D écad a de 1990:

D iv e r s if ic a ç ã o de Tem as e P e r s p e c t iv a s

A s pesquisas sobre produção, texto ou recepção discutidas


até aqui debateram a po ssibilidade de produção de m ensagens
críticas a p artir do cerne da indú stria cultural brasileira. A s con­
clusões opostas a que chegam autores que desenvolvem argu ­
m entos igualm ente legítim os sugere as lim itações do foco em
conteúdos ideológicos definidos a priori em term os da estrutura
social e/ou política. N a década de 1990, os referenciais teóricos
d iv e rsific am -se n a ten tativ a de b u sca r p istas q u e p erm itam
destrinch ar os significados que diversos segm entos da indústria
cultural, gêneros, ou veículos de com unicação de m assa assu ­
m em em co n te x to s históricos específicos. A o m esm o tem po em
que se valo riza a p esquisa em p írica do cu m en tad a, buscam -se
significados nos m ecanism os que articulam diversos m eios entre
si e com o público consum idor, m apeando interlocuções que se
estabelecem através deles. Tem as com o a representação dos ne­
gros o u dos japoneses na program ação televisiva ou na p ub lici­
d ad e14, a relação entre as representações do am or rom ântico, a
m ulher, o consum o e gêneros televisivo s15, os m ovim entos de
esquerda da década de 1960 e a televisão 16, representações da
v io lên cia17, a relação entre cam panha política na m ídia e resulta­
dos eleito rais18, a m obilização de convenções do m elodram a e

14. Ver Joel Zito Araújo (2000); Muniz Sodré (1999); Carmem Rial (1995); e Amélia
Simpson (1996). Ver também o trabalho de Lilia Moritz Schwarcz (1987).
15. Ver C ristiane Costa (2000) e E duardo Rios-N etto (2001).
16. Ridenti (2000).
17. Ver E lizabeth Rondelli (1997 e 1995); Ivana Bentes (1994); e Sérgio Adorno
(1995).
18. Ver, por exemplo, os artigos conflitantes de Venício Lim a (1989); Joseph
Straubhaar et al. (1989); e Carlos Eduardo Lins da Silva (1989), sobre as
eleições presidenciais de 1989 na coletânea organizada por Thomas Skidmore,
Telcvision, Politics, and the Transition to Democracy in Larin America.
74 12STH ER I. H A M B U R G E R

representação da h istó ria19, a audiência e o Ibope20 e recepção


são exem plos que expressam a diversificação em curso.
Os estudos m encionados traçam um painel fragm entado das
engrenagens que regem a produção de significado no B rasil con­
tem porâneo. A o abordar questões específicas com referência a ca­
sos, ou segm entos específicos da indústria cultural, alguns autores
às vezes reiteram as polaridades que dom inaram a literatura no
p eríodo anterior. O utras vezes sugerem novas questõ es, o u o
reposicionam ento de achados anteriores. A leitura de alguns desses
trabalhos, aberta a diferentes perspectivas, m as atenta a definições
conceituais, pode sugerir os m arcos da pesquisa contem porânea.
A literatu ra estran geira m ais recente encara especificidades
m enos adm iráveis d a televisão b rasileira. Jo h n Sinclair, co n h eci­
do professor de com unicações internacionais, sociologia e estu ­
dos culturais na A ustrália, especialista em A m érica L atina, por
exem plo, em seu livro 'Latiu American Television, a Global View,
traça um painel com parativo da indú stria televisiva no M éxico,
B rasil, V enezuela e A rgentina e suas relações com as ex-m etró­
poles coloniais, P ortugal e E spanha. A qui a televisão brasileira
p erde um po uco da sua esp ecialidade na m edida em que ela
passa a se constituir em um caso de um tipo m ais am plo, próprio
de um a “ região g eo lin gü ística”. Sinclair analisa os m odelos G lo­
bo e T elevisa com o paradigm áticos, na m edida em que “co m b i­
nam integração ho rizontal e vertical em conjunção com a tradi­
cional form a de pro p riedade fam iliar patrilin ear e auto crática,
form ando um tipo ideal do que pode ser cham ado de ‘m odelo
latin o -am erican o ’ de corporação de m ídia” (p. 77, tradução mi-

19. Sobre o m elodram a, ver Ismail X avier (1996 e 2000); e M onica A lm eida
K ornis (1994). Ver tam bém M arlyse M eyer (1996).
20. Ver Tirza A idar (1996); Jo sé Carlos Durand e Laerte Fernandes de O liveira
(1993); Sívia Borelli e Gabriel Priolli (orgs.) (2000); E sther H am burger (no
prelo); Laerte Fernandes de O liveira (1993); e Joseph E. Potter, R enato M.
Assuncao, Suzana M. Cavenaghi e A ndre J. Caetano (1998).
I N D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 75

nha). Sinclair, com o Sch iller e B agdikian , focaliza a estrutura


institucional das em presas de com unicação, em suas palavras, “a
propriedade, atividades em presariais/corporativas e integração de
co rpo rações de m ídia” (p. 27). M as ao co ntrário daqueles, e
apoiando-se na elaboração de autores latino-am ericanos com o
M artin B arbero e N estor G arcia C anclini, Sinclair busca “recon ­
ciliar a econom ia política da m ídia com as dim ensões “culturais”
da televisão com o in stituição ” (p. 27). E aqui surge um a co m p le­
xidade qtie busca apreender, ao m esm o tem po, a novidade do
gênero telenovela, responsável por um a econom ia local exp orta­
dora, e a o riginalidade perversa do sistem a que a produz. E xem ­
plo da ap rop riação de form as e tecnologia estrangeira de acordo
com estruturas hierárquicas locais, a indústria televisiva latino-
am ericana co nsolida-se sobre estruturas preexistentes. A com bi­
nação de integração vertical (em presas atuantes em diversos veí­
culos, com o rádio, TV, jornal e revista) e horizontal (em presas
que atuam sim ultan eam en te na produção e distribuição) co n figu­
ra um grau de concentração inusitado para os padrões dos países
ocidentais, especialm ente no que co ncerne ao controle de co n ­
cessões públicas de rádio e TV. A situação latin o-am ericana é
agravada por m ais um a característica desse m odelo: as em presas
são fam iliares.
O coronel, aquele patrão e padrinho, proprietário rural que
dom ina a vida p o lítica local, exercendo seu poder, a um só
tem po p essoal e político, sobre eleitores, d elegados, padres e
prefeitos, realizando a m ediação das relações entre a vida local e
as instituições regionais e nacionais, até certo ponto, ab so rve a
tecnologia da com unicação eletrônica. A s referências com p arati­
vas às estruturas de outros países, latino-am ericanos e não, que
esse livro traz, acrescenta um a com plexidade ao panoram a ap o n ­
tado pela b ib lio grafia brasileira, que tendia a explicar fenôm enos
locais com b ase em variáveis exclusivam ente locais e co njun tu­
rais. O trabalho de Sinclair recoloca as dim ensões econôm ica,
76 ESTH ER I. H AM BU RG ER

institucion al e política da indú stria cultural latin o-am ericana na


ordem do dia.
Por outro lado, tam bém na década de 1990, a dificuldade de
separação de esferas culturais erudita e popular, tem a presente e
citado anteriorm ente neste artigo, ressurge. Jo sé M ario O rtiz R a­
m os, em seu livro Televisão, Publicidade e Cultura de Massa, inova ao
focalizar as conexões em píricas sim bióticas entre cam pos diferen­
tes da produção do audiovisual no B rasil, o cinem a, a televisão e a
publicidade na tentativa de caracterizar o que cham a de “popular de
m assa” , reunindo na m esm a expressão os term os problem áticos.
Em sua contribuição recente à coletânea Brasil, um Século de
Transformações, R enato O rtiz, sistem atizando seus estudos anterio ­
res, afirm a a ausên cia de distinção entre as esferas de “bens
restritos” e “bens am p liados” , concluindo que a “interpenetração
de esferas, m esclando arte e m ercado, é um a característica da
sociedade b rasileira e latin o-am ericana, duran te todo o século
X X . A sim biose entre rádio e literatura, cinem a e teatro, teatro e
televisão é um a co n stan te”21.
A co n statação gen érica revela o estado das coisas n a área
dos estudos que fo calizam a indú stria cultural b rasileira e su sci­
ta o utros questio nam en to s. Por exem plo, a indiferen ciação de
esferas sugere que, ao contrário de p aíses em que essas esferas
estão fo ssilizadas e rigidam ente sep aradas, as diversas classes
sociais, as faixas etárias, os g ru p o s de gênero e as p opulações
regionais com p artilham repertórios. Isso co n trasta, no entanto,
com a d esigu ald ad e so cial secular e recorrente. O que significa
esse com p artilh ar repertó rio s entre g ru p o s tão d esiguais? Se os
cam pos se interp en etram , com o fun cio n aria a indexação de d is­
tinções sociais? C om o esse co m p artilh ar relacio na-se com a con­
cen tração eco n ô m ica, p o lítica e in stitu cio n al de poder descrita
p o r Sinclair?

21. R e n a to O rtiz (2001).


IN D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 77

C on exão , perform ance , p articip ação , ap ro p riação , em oção,


em patia, rom ance, interação, são elem entos que surgem na litera­
tura recente que, de m aneira ain da fragm entada, p rocura dar
conta dos p rocessos contem porâneos de produção de significa­
do22. O s elem entos não são novos. São elem entos descritos por
A dorno com o ferram entas intrín secas da indústria cultural, m e­
canism os em pregados para garan tir e sustentar a alien ação o p era­
da por ela; são elem entos aos quais B recht p rocura se contrapor
ao elaborar seu program a teatral.
Os estudos contem porâneos podem se beneficiar de releituras
do legado clássico, que em vez de reduzir m ecanism os e co n teú­
dos a rum os históricos determ inado s de antem ão, se dediquem a
pen sar com o esses elem entos engendram lógicas específicas, que
em conjunções históricas concretas vão produzindo significados
tam bém específicos, que ajudem a entender fenôm enos co ntem ­
porâneos, que de um a form a ou de outra envolvem representa­
ções m idiáticas. E nesse pro gram a, as especifidades do caso b ra­
sileiro, apontadas pela bibliografia provavelm ente serão sugestivas
para a com preensão de paradoxos que não se resolvem em âm b i­
tos locais, sejam eles em países “ centrais” ou “periférico s” .
E studo s de recepção de produtos gerado s p ela indústria
cultural avançaram a pesquisa dem onstrando o caráter polissêm ico
do sentido que as diferentes apropriações e interpretações dos
m esm os textos em contextos diferentes im plica. O escopo da
diversidade e as m aneiras pelas quais essa diversidade está rela­
cionada a ordens sociais resistentes e/ou m utantes e às d iferen ­

22. Ver, p or exem plo, Christine Gerathy, A. Kuhn, R. B runt, J. K itzinger, B.


Edginton e R. Silverstone (1998), o volum e especial da revista Screen dedicado
à m orte da princesa Diana. Ver tam bém Lynn Spiegel (1992); Lynn Spiegel e
D enise M ann (eds.) (1992). No Brasil, v er Folhetim, de M arlyse M eyer (1986),
que faz o paralelo entre o folhetim francês do século X IX e a telenovela
brasileira, tocando em tem as centrais para a com preensão da busca de intera­
ção em tem po real que rege a indústria hoje.
78 F .ST H E R 1. H A M B U R G E R

tes m aneiras pelas quais a cultura de m assa está situada no inte­


rio r de form ações específicas recoloca as questões levantadas ao
lon go desse trabalho.
O reconhecim ento de que textos produzidos e difundidos
em m eios de co m un icação de m assa p odem adquirir significados
diferentes, ou então que significados não são univocam ente defi­
nidos no m om ento d a produção, está relacionado a q uestio n a­
m entos pó s-estruturalistas sobre a m ultiplicidade do sentido. M as
o reconhecim ento dessa m ultiplicidade levo u, ao m enos em um
prim eiro m om ento, a que se reduzisse o significado a um a variá­
vel dependente p rin cip alm en te de contextos de recepção, que
p odem estar relacio n ad o s a variáveis geo gráficas, de classe e
gên ero, sua delim itação constituindo um a questão em si m esm a.
Pouco relevante em abordagens que consideram a sign ifica­
ção de produtos da indústria cultural dada ao nível da produção,
ou reduzida a índice de pertencim ento social em trabalhos que
relacionam os diversos ram os da indústria cultural a segm entos
da estrutura social, o texto p rop riam en te dito desses produtos
p erm an ece co m o d im en são p o uco relev an te nas ab o rd agen s
centradas em contextos.
M as é p o ssível p en sar que textos pro duzido s no âm bito
d a ind ú stria cu ltural d etêm algum a esp ecificid ad e, o u seja, fa­
zem d ife re n ç a . E ssa d ife re n ç a p o d e s e r in te n c io n a lm e n te
p ro vo cad a, com o foi o caso da ed ição do últim o d eb ate p resi­
d en cial em 1989, ou da p resen ça do “ M o vim ento dos Sem
T erra” n a n ovela das o ito , que deu v isib ilid ad e in u sitad a ao
m ovim ento, aum en tan d o seu peso p o lítico na co n ju n tu ra p o líti­
ca b rasileira de 1996-199723. O co n teúdo ideológico dessa d ife­
rença, com o su gerem esses exem plos, p ode variar, m esm o que
a em isso ra seja a m esm a.

23. Sobre a edição do últim o debate presidencial de 1989, ver Sergio Miceli
(1989). Sobre o M ST na novela O R«'do Gado , ver E sther H am burger (2000).
IN D Ú S T R IA C U L T U R A L B R A S IL E IR A 79

A d iferen ça que o texto faz p ode, tam bém , e na m aio r


p arte das vezes, ser im p rev ista e inusitada, d ifícil de ser isolada
ou dem on strada, provocada pela interação com p lexa de forças,
que incluem telesp ectadores o rgan izad o s o u não, que se m an i­
festam pub licam en te, ou não. O uso de m eias listradas com o as
da perso nagem de “D an cin ’ D ays” sign ificava estar por dentro,
ser in; exp ressav a o desejo de p articip ar do “B rasil do F uturo ”,
um país urbano, in d u strial, onde m uitos tipos de produtos ele­
trônicos estão dispo níveis nas prateleiras das lojas, para quem
puder com p rar à prestação. Faz diferença que a novela lan ce e
prom ova a m oda disco, que vende m ú sica e roupa, em vez de
apresentar sim p lesm en te dunas de A gadir, figurinos que não se
aplicam , cen ário s que não foram feitos para sugerir o turism o e
relações de gên ero m ais con vencio n ais do que as que vigoram
na sociedade. Jun to com m eias listadas, logo substituídas por
m ini-saias etc. e tal, legitim ou-se pedagogicam ente a liberação dos
costum es, a dissociação de sexo e casam ento, a possibilidade do
estabelecim ento sucessivo de várias relações am orosas, m udanças
com portam entais que ocorreram inicialm ente nas classes m édias
urbanas e que foram se difundindo com o m odelo legítim o para
toda a sociedade.
A história privada de personagens definidos nos m arcos do
m elodram a tornou-se referência para a definição de tipos ideais
nacionais de com portam ento. O significado de convenções de re­
presentação que supõem um a atualização constante de assuntos,
figurinos e cenários, dificilm ente cabe em esquem as de valoração
positiva ou negativa. Se a expansão do universo do que é perm itido
à m ulher nas novelas, por exem plo, é inegável, p o r outro, essa
expansão gera novos problem as, já que pouco toca nas relações de
gênero propriam ente ditas, valorizando positivam ente tipos ideais
de m ulher que acum ulam funções e responsabilidades.
A cessar significados im previstos, não planejados, mas que
de algum a fo rm a se inscrevem nos m eios de com unicação de
80 E S T H E R I. H A M B U R G E R

m assa, im plica levar em conta relações entre produtores, criado ­


res, governo, forças políticas, telespectadores, em m om entos h is­
tóricos específicos, em torno de textos. M ecanism os distorcidos
de in teração e pressão, perm eado s p o r relaçõ es d esiguais de
p o der estabelecem laços de cum plicidade entre consum idores e
p ro duto res que vão definindo e redefinindo significados.

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In f l u ê n c ia s e In v e n ç ã o na S o c io l o g ia B r a sil e ir a
(D e s ig u a is po rém C o m b in a d o s )

Leopoldo Wai^bort

[...] com os haveres cie uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum.
M a c h a d o df. A s s is

Iniciem os em tem po e lugar distantes, um a ode a um a am ante


esquiva: “Had w e but world enough and tim e...” . O verso, que
E rich A uerb ach tom ou com o ep ígrafe em Mim es is: Dargestellte
Wirklichkeit in der abendländische Literatur (1946), o m ais das vezes
passou despercebido por seus leitores, em bora seja pleno de senti­
do. N o poem a de A n d rew M arv ell, um dos assim cham ados
m etafísicos ingleses do século X VI I, o verso possui um sentido
bastante claro, a dizer que tem po e espaço são finitos e não os
temos ao nosso dispor; portanto, m inha querida, é m elhor nos
apressarm os e colherm os todos os prazeres que esta vida pode nos
dar, antes que tudo pereça e sejam os roídos pelos verm es. D esper­
cebido é o sentido que o verso possui em A uerbach, considerando-
se que o liv ro foi escrito p o r um filó lo go alem ão em exílio
involuntário na Turquia, durante a Segunda G rande G uerra, carente
de tem po e condições de pesquisa favoráveis. Fossem outras as
86 L E O P O I.D O W A 17 .B O R T

condições, e o livro não seria o que se apresenta agora e dessa


fo rm a1. Isto aponta para algo significativo na estrutura profunda e
superficial do livro. Vejamos.
Q uando o Fondo de C ultura resolveu, logo após a edição
suíça, traduzir a obra, A uerbach foi estim ulado a escrever um capí­
tulo sobre o rom ance de C ervantes, a fim de tornar o livro m ais
encantador ao leitor castelhano. A inserção de um capítulo em meio
ao livro indica a com plexa relação de todo e parte que o articula.
Posteriorm ente, já no final da década de 1950, A uerbach com entou
a estrutura de Mitnesis e alguns lapsos que lhe pareciam especial­
m ente significativos na obra, oferecendo m ais alguns estudos que
contem plassem algum as das lacunas2. Furtando-m e a enfrentar de
fato a questão, quero apenas indicar que a em preitada auerbachiana
possui um a dim ensão (que denom inarei aqui, para uso restrito)
“aberta”, a p erm itir outras investigações suplem entares, que indi­
cassem form as outras da apresentação da realidade via obra de arte
literária. O u seja, podem os entender Mitnesis com o um conjunto de
estudos, articulados (abstenho-m e de esm iuçar a natureza dessa
articulação), que indicam um a série variada e m uito rica de m odos
de exposição da realidade na literatura, que não se esgota no elenco
apresentado seja em 1946, seja em 1949 (ed. m exicana), seja em 1958
(os “suplem entos” possíveis3). H á uma concepção geral que dá

1. O fato de A uerbach, ao citar o verso, transform ar o “W orld” e “T im e”, com


m aiúsculas, em “w orld” e “tim e”, com m inúsculas, indica o sentido mais
concreto, im ediato e próxim o que pretende para os term os, despojando-os
de qualquer sentido transcendente possível. Cf. A. M arvcll, “To his Coy
M istress”, 1986, p. 250.
2. Erich Auerbach, Uteratursprache twdPi/b/iktmin d er b tem sch en Spàtantike u n d im
Mittelalter, 1958. E o próprio Auerbach quem fala das lacunas do livro: E.
Auerbach, Mimesis. Dargeste/lte Wirklichkeit in der abendlàndische U teratur , 1994,
p. 518; E. A uerbach, Vier Untersuchungen %ur Geschicbte derfran^osischen Bildung,
1951, p. 7; A uerbach, op. cit., 1958, pp. 22 e 24.
3. A constelação de M imesis com porta, ainda, estudos avulsos, alguns deles,
como o im portante ensaio sobre Baudelaire, reunidos em E. A uerbach,
Gesammelte Aufsàt^e yur romanischen Philologie, 1967 e em op. cit., 1951. Sobre a
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 87

substância ao pensam ento aJi exposto, mas que perm ite ainda o u ­
tros desdobram entos, que apenas as lim itações de tem po e lugar
im puseram ao seu autor (essas lim itações são ressaltadas pelo fato
de A uerbach firm ar, na abertura, o período de redação do livro:
“ E scrito entre m aio de 1942 e abril de 1945”4).
U m dos aspectos m ais intrigantes da fortuna do livro é
precisam ente o fato de que ele se acha, de certa form a, aberto
para outros m odos de exposição da realidade, de sorte que po de­
m o s ler outros esforços (sejam do próprio autor, sejam de o u ­
tros) no interio r dessa concepção geral. C om o se sabe, A uerbach
tece no livro um a com plexa e m uito m atizada concepção de
“ realism o” ; na verd ade indica um a pluralidade de “ realism os” ,
cada qual com sua p eculiaridade específica. O resultado é uma
tem atização que dissolve propriam ente um a idéia de “realism o ”
em um a série de “realism o s”. N ão cabe aqui esm iuçar este ver­
dadeiro problem a. Interessa apenas indicar um registro analítico
no qual vou vagar um pouco. Pois se as investigações de Auerbach
m apeiam um a am p la gam a de feições do “ realism o” , de m odo a
d isso lver um a definição m onolítica em um a série de co n figura­
ções próprias a períodos e obras literárias específicas, abre-se
então a p o ssibilidade de se pen sar outras configurações realistas
p articulares na perspectiva geral que o livro arm a. E isto que
pretendo indicar, inicialm ente.
Vou po ntuar o problem a em dois livros, publicados quase
sim ultan eam en te em 1974 e 1977: Machado de A ssis: A Pirâmide e o
Trapézio, de R aym undo Faoro, e A o Vencedor as Batatas: Forma
U terária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro , de Roberto
Schw arz — desconfiando que a faísca produzida pelo confronto
ilum in a algo significativo.

form a “aberta”, vcja-se a analogia que Auerbach aponta entre o “escritor


m oderno” e o “ filólogo m oderno”, isto é, ele mesmo: A uerbach, op. cif.,
1 9 4 6 , p p . 5 0 9 -5 1 0 .
4. A uerbach, op. cit., 1994, p. 4.
88 L E O P O L D O W A 17, B O RT

A um p rim eiro e até m esm o segundo o lhar, é surp reenden ­


te co nstatar que, um a vez firm ada a im po rtância de M achado de
A ssis em nossa literatura, há pouco (quantitativam ente falando)
esforço analítico e interpretativo gerado nas ciências sociais a
seu respeito; tanto m elh or e m ais surpreendente que o esforço
dos dois livro s alcance um a altura que é rara de se ver na nossa
p rodução ; e que tenha cabido à sociologia d a cultura a gló ria de
oferecer interpretações tão poderosas de tão grande autor.
E ntretanto, o im pacto dos dois livros nas ciências sociais
n ão poderia ser m ais diverso: um deles, p elo m enos em um de
seus capítulos, to rno u-se referência o brigatória e pau para m uitas
o bras em cursos, trabalhos, livros e teses, p ara m uito além de seu
nexo m achadiano; seu contem porâneo, entretanto, perm anece ainda
exilado nem se sab e bem onde, d esconh ecido até m esm o de
apreciadores daquela “ form ação do patronato político brasilei­
ro” . B oa desculp a para com eçar por ele.
N ão obstante, há um a m esm a questão que pode bem ser feita
aos dois, razão pela qual fornece o fio condutor inicial: qual o
“realism o” de M achado de A ssis? O que equivale dizer com o a
literatura de M achado expõe a realidade: se e com o a “ retrata”,
“espelh a”, “ilum ina”, “apresenta” e assim p o r diante. C om preender
o peculiar do realism o m a ch a d ia n o é explicar o nó de suas leituras
sociológicas; donde inclusive o cam inho inverso, que é reivindicar
para as ciências sociais o conceito/noção, e com isso incorporar um
elem ento que apenas a repartição disciplinar pretendeu, em algum a
vertente, situar para além daquelas ciências. Pois se a institucionali­
zação e especialização perm itiram que as obras fossem classificadas
em outras categorias, trata-se apenas de um critério possível, dentre
outros, que vale ser considerado em sua história5 (e contingência?6).

5. Ver sobre isso W. Lepenies, “Einleitung. Studien zur kognitiven, sozialen und
historischen Identität der Soziologie”, 1981, vol. 1, pp. I-XXXV.
6. Sobre história e contingência, ver G. V. G ravenitz e O. M arquard (orgs.),
K ontingent Poetik und H erm eneutik, 1998, vol. 17.
I N F L U Ê N C IA S F, IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 89

M as com o ia dizendo, fala-se de “ realism o”, e parece p ru ­


den te co nsiderar duas noções de realism o, extraídas dos nom ea­
dos esforços de análise de M achado de A ssis, talvez duplicando
m esm o a noção neste trabalho. Em am bos os casos, há um a
esp ecificidade da obra de M achado de A ssis, que faz sua gran de­
za e que po deria ser con siderada n a concepção auerbachiana,
isto é: com o um a otitra configuração histórica do “ realism o” ,
p ossuidora de especificidade própria, que m arca sua diferença
frente a v árias o utras feições suas. Faoro e Schw arz, cad a um ao
seu m odo, dialogam com A uerbach nesse sentido, oferecendo,
com tem po e labo r próprios, seus “suplem entos” .
Porém , n o te-se, há ainda aqui, operante, um a outra diversi­
dade: se há sem pre um realism o sendo nom eado, sua diferença
trai à influên cia estrangeira: um realism o da filologia rom ânica
gestada em G erm ân ia, um realism o extraído da leitura dialética
da transform ação do m undo. C oincidência, que am bos cutuquem
M achado com tal noção; dissidência, que trai o influxo in telec­
tual diverso; co incidên cia suplem en tar, que os perm ite ligar à
tradições diversas; coincidência final, que aproxim a d a sociologia
essa noção.
Vou co m eçar com os com eços; prim eiro o de Faoro:

D iscern ir o p erfil da h ora tran seu n te nos caracteres, d esv en d ar, atrás
do papel te a tra l, as fun çõ es so ciais e e sp iritu ais — este o cam in h o tentado,
p ara reco n q u istar, no M ach ad o de A ssis im p resso , não o h om em e a épo ca,
m as o h o m em e a ép o ca que se criaram na tin ta e não na v id a real7.

A tinta e a vida real, resfictae e resfactae , dois m om entos que se


quer separar e com preender: a realidade que se cria na literatura é o
prim eiro ponto que assinalo e que rem eto de im ediato à m atriz
auerbachiana8. O título m esm o do livro de A uerbach afirm a: como

7. Raym undo Faoro, Machado de A ssis: A Pirâmide e o Trapézio, 2001b, p. 13.


8. A uerbach, op. cit., 1946, p. 3.
90 L E O P O L D O W A IZ B O R T

“filólogo” , interessa-lhe a realidade que se apresenta na fo rm a de


literatura9; disto decorre a tarefa, que é m ostrar com o a literatura
apresenta um a realidade, vale dizer, a constitui com o tal. O pro ble­
ma de Faoro é precisam ente este: a realidade que a obra de M acha­
do expõe e, expondo, torna real. A figura do sociólogo é a encarre­
gada do discernim ento, desvendam ento e outros correlatos, pois
que há um a falha entre a realidade tal com o ela é - isto significa,
para Faoro: com o a história e a sociologia a constituem —e o m odo
com o ela aparece em M achado: o ficcionista “estiliza os fatos e os
hom ens”10.
D ois pontos, então. Primo, a realidade tal com o ela é: Faoro
entende M achado de A ssis interpondo à sua obra um a in terp reta­
ção do Segundo R einado e do início da R epública. C onsiderando
o “diálo go de surdos en tre h istória e so cio lo gia” 11, deixo em
aberto se essa interpretação é h istórica ou sociológica; diria que
se trata de um a so ciologia h istórica, que info rm a sua análise, um a
conjugação de evento e conceito so cio ló gico 12. O leito r percebe
isto facilm ente, pois que há extensas passagens do livro em que
M achado fica de lado p ara d ar lu g a r à info rm ação e an álise
h istórica; esta é, po r seu lado, sem pre inform ada pelo conceito
sociológico. A pro va dá-se passo a p asso, de m odo que sua

9. Em bora pedante, é preciso destacar a cuidadosa form ulação de Auerbach:


“dargestellte W irklichkeit”, “realidade exposta/apresentada”, e não “apresen­
tação da realidade”. O estatuto que se atribui à realidade é diferente conform e
a versão.
10. Faoro, op. cit., 2001b, pp. 14, 541-547.
11. Fernando N ovais, em palestra na FFLCH -USP em 29/9/2001. A proveito a
ocasião para m uito agradecer aos com entários seus e de Sergio M iceli, assim
com o os do(as) dem ais colegas, no sem inário preparatório da Anpocs. A gra­
deço tam bém aos am igos(as) que leram e discutiram a versão final. N atural­
mente, é minha a responsabilidade pelo texto.
12. O ponto é m uito espinhoso e não vou adentrar na questão; um léxico de
sociologia oferece, decerto, para quem quiser, definição; por exem plo, K. H.
H illm ann, Wôrterbuch der So^iologie, 1994, p. 282.
I N F L U Ê N C IA S F, IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 91

reprodução não v ale a pena, pois seria m uito em pobrecida; mas


pode ser dada in nuce no fulcro do argum ento, “a m udança de
um a estrutura. A velh a sociedade de estam entos cede lugar, dia a
dia, ã so ciedade de classes”. E ntretanto — e isto é tão ou m ais
im p ortante do que o que precede —“ a classe em ascensão co e­
xiste com o estam ento; m uitas vezes, a classe perde sua au to n o ­
m ia e d esv ia-se de seu destino para m ergu lh ar no estam ento
político, que orienta e com anda o Segundo R einado” 13.
E m m eio a isto, a posição de M achado de A ssis: “Perdido
na m udança, no fogo cruzado de con cepçõ es divergentes do
m undo, sem con seguir arm ar a teia d a sociedade e identificar-lhe
os fios, o autor estiliza os fatos e os hom ens, na arm adura de um
esquem a da própria transição” 14. E aqui chegam os, pelas costas,
ao segundo ponto, já indicado. U m a o b ra literária às voltas com
um a situação de com plicada transform ação.
T alvez a força do livro esteja no andam ento em paralelo de
um a h istória do Segundo R einado e início da R ep ública com a
ficção m achadiana, de sorte que um serve ao outro, a história
dando raiz à ficção, a ficção ilustrando e lustrando a história —
daí a estilização. D onde tam bém um a fraqueza do livro, um a
certa p erda de autonom ia d a obra, que só se deixa ler sob o
cenário da histó ria que a acom panha muito de perto (deveria dizer
imediatamente?). Isto se m o stra em um a altern ân cia que os leitores
podem perceber: ora Faoro in fo rm a por m eio da história - pen-
se-se n a discussão do E ncilham ento (cap. 3) —e a obra m achadiana
ap arece m ais distante; ora esta é cham ada ao prim eiro plano,
ilustran do a análise histórica. Seja dito, em favor de Faoro, que é
a história que bem nos perm ite co m preen der o que se n arra, no
sentido de que o au to r crê que o bom entendim ento da obra
literária exige o con hecer da história. A ficção nutre-se da reali-

13. Faoro, op. at., 2001b, pp. 15, 14.


14. Idem, p. 14.
92 L E O P O L D O W A IZ B O R T

dade h istórica; um a vez nutrida, p o de dela se afastar, n a direção


d a m encio n ada estilização.
O ra, se F ao ro p ode escrever sua so ciolo gia h istórica do
Segundo Reinado ilustrando-a com M achado de A ssis, isto é sinal
de que M achado de A ssis foi capaz, em registro próprio, de
retratá-la , vale d izer apresentar a realidade. T rata-se aqui, portanto, de
um a realização realista , que caberia qualificar.
Poderíam os dizer, um pouco provocativam ente, que Faoro
possui sua h istória já pronta de an tem ão 15. M achado a ilustra, m as
o sen tido d essa ilustração não é nem sim ples, nem banal: h á
m uito que escap a a M achado de A ssis, que seu in térp rete lhe
co ntrapõ e, a fim d e in d icar seus lim ites, vale d izer sua exata
posição. E tudo aquilo que en con tra em M achado, que lhe p er­
m ite com provar, enriquecer e lustrar sua análise, é trazido à tona.
A ssim com o “a po lítica dava lustro ao nom e hum ilde” 16, M ach a­
do de A ssis d á lu stro à h istória de Faoro.
A arm ação in terp retativa de Faoro repousa n a articulação
d e dois veto res, am bos já clássicos na exegese m achadiana: o
realismo e o moralismó'1. D ifícil, m esm o im possível tratá-los em
separado:

E le [o rom ancista} não ap ro v a o s v alo res in scrito s no cum e d a c a rre i­


ra p o lítica - m o stra-o , ao co n trário , ap en as u m feixe d e d ecep çõ es, de
am argas fru straçõ es. A ficção n ão reflete a realid ad e, n em a rep ro d u z no
esp elh o ; e la a c ritic a, a co m b ate, a d en ig re. O e sc rito r é, d iz ia S ch iller, o
v in g ad o r d a realid ad e — n u n ca a p alavra esteve m ais ad eq u ad am en te e m ­
p re g ad a d o q u e no caso. O e scrito r n ão p o d e m en tir; sua m en tira terá a

15. Inclusive em sentido literal: Raym undo Faoro, Os Donos do Poder: Formação do
Patronato Político Brasileiro, 2001 a.
16. Faoro, op. cit., 2001b, p. 126.
17. Em bora signifique parte im portante da discussão dos autores que trato, deixo
de lado, neste texto, os diálogos que estabelecem com a fortuna crítica e a
tradição de interpretação da obra de M achado de A ssis, para concentrar-m e
na questão de fundo proposta.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 93

fo rm a d e fu g a o u d e re tó ric a vazia. S e a realid ad e é frustração , n ão se d eve


o fato ao e sc rito r, m as à p ró p ria re alid ad e, em si c in z e n ta e d estitu íd a de
força d e fascínio. E sta a v erd ad eira p ersp ectiva: esta a filo so fia d a fru stra­
ção. O m in istério o u o título d e m arquês, com o qual so n h av am R u b ião e
V irg ília, são m era ap arên cia, algo d estitu íd o de v a lo r au tên tico [...]18.

H á pois um realism o específico que opera n a análise de Faoro,


e que a faz vibrar; mas no âm ago desse realism o pulsa o m oralism o;
e o inverso tam bém é verdadeiro e necessário: que na alm a desse
m oralism o vive o realism o. E é precisam ente neste ponto que ele
deve ao filólogo alem ão, assim com o está obrigado na em bocadura
geral do estudo. E preciso, pois, indicar com o um determ inado
realism o se constituiu precisam ente nesta articulação de realism o e
m oralism o, e precisam ente este ponto central, pivô sobre o qual
roda a interpretação de Faoro, foi posto a descoberto po r Auerbach.
Pois, para pensar M achado de Assis, Faoro precisa dar conta desta
dupla face: por um lado realista, p o r outro moralista:

T am bém p erte n ce a essa força d e u m a v isão sin tética d o m u nd o um a


co n sciên cia crítica só lid a, m as não o b stan te c lástica e p ersp ectiv ista, que
atribui ao s fen ô m en o s, sem um a m o ralização ab strata, o seu v alo r m oral
p ecu liar e m atizad o com p recisão , na v erd ad e d eix an d o -o b rilh ar d o s p ró ­

18. Faoro, op. d/., 2001b, pp. 128 e 536. A referência a Schiller é muito especial por
um a razão cifrada, que deixo de lado para não ter de interpor um excurso
sobre a questão. Seja dito apenas, para não fazer m istério, que Schiller não
disse ser o escritor o “vingador da realidade” , m as sim o “vingador da
natureza”. Q uem transform ou a expressão de “vingador da natureza” cm
“vingador da realidade” foi G eorg Lukács, que em seus escritos cita o passo
ora de um m odo, ora de outro. Que Faoro tenha citado a expressão em sua
forma adulterada indica, creio, que o fez através de Lukács. E isto leva-nos a
um outro auto r que está por detrás de sua análise, m as que por razões de
espaço deixei de lado. Ver Friedrich Schiller, “Über naive und sentimentalische
Dichtung”, 1997, vol. 5, p. 712; G eorg Lukács, “Aktualität und Flucht”, 1955,
p. 111; G eo rg Lukács, “M arx und das Problem des ideologischen Verfalls”,
1971, p. 278.
94 L E O P O L D O W A IZ B O R T

p rio s fen ô m eno s. [...] O m eio estilístico [...] em p re gad o fo i já n a A n tig u id a­


d e m u ito p rezad o e d en o m in ad o então “iro n ia” : tal fo rm a d isc u rsiv a in d i­
retam en te in sin u an te, m ed iad a, tem com o p ressu p o sto um sistem a co m ­
p lexo e m ú ltiplo de p o ssib ilid ad es d e v alo ração e tam b ém um a co n sciên cia
p ersp ee d v ista , q u e c o m o aco n tecim en to in sin u a ao m esm o tem p o sua
c o n se q u ê n c ia 19.

O passo de A uerbach condensa m uito: o estatuto do realism o


em pauta, sua relação com o m oralism o e o estatuto desse moralism o,
e o m eio estilístico m obilizado o m ais das vezes. E sintetiza a figura
do escritor, na consciência a um tem po crítica e perspectivista —por
exemplo, é a ela que se deve a célebre caracterização do cunhado
C otrim , no cap. C X X III das Memórias Póstumas, entre tantas outras
aparições. Isto para sublinhar que este passo de A uerbach é um a
chave de leitura privilegiada para a obra de M achado de A ssis —que
não cabe esm iuçar aqui, já que m eu problem a é de segunda ordem .
O que, decerto, não m e abstém do ônus da prova com relação à
im portância do m oralism o na visão de Faoro:

M ach ad o, p reso ao s p reco n ceito s de m o ralista, ain d a a lh eio à fo rm a ­


ção d e h isto riad o r d o século X IX , co n ceb eu as estru tu ras so ciais com o
m o vidas p o r se n tim en to s e p aixões ind ivid uais. N o jo g o das fo rças so ciais,
o co n cu rso d as circu n stân c ias exterio res tem in eg áv el p eso , m as o que
d ecid e é a fib ra d o h o m em , ro m p en d o c am in h o s à cu sta d e su a am b ição .
[...] A v isão d o m o ra lista p u n e a am b ição , e sm a g a a p aix ão q u e ard e
secretam en te na alm a, ao tisn á-la co m a fru stração 20.

A figura do m o ralista am olda o realism o m achadiano, assim


com o o realism o am o ld a o m o ralista — pois não se trata do

19. A uerbach, op. cit., 1994, pp. 211-212.


20. Faoro, op. cit., 2001b, pp. 18 e 125. A questão do m oralism o é constante, pelo
m enos desde Sílvio Rom ero, na literatura sobre M achado de Assis, de sorte
que m e abstenho de indicá-ia em detaihe. O tema aparece recorrentemente no
livro de Faoro.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 95

m o ralista que julga segundo um panteão de valores dados de


antem ão, senão que os deixa aflo rar no próprio d esen ro lar da
ação/pro b lem a. É isto que A uerbach tinha cm v ista, quando
distin guia a m o ralização abstrata de um valo r m oral que tinge os
fenôm enos no aco n tecer da pró pria situação. Isto em favor tanto
do M ach ado realista, com o m oralista — e sem d eixar p assar d es­
p ercebida a elevad a m aestria do rom ancista no sim plesm ente
deixar aflorar...
E is um único exem plo, que p erm ite avaliar o diálo go de
Faoro com a tradição e, nesse m esm o m ovim ento, aquilatar a
en o rm e força de sua análise. E ugênio G om es, em O Enigma de
Capitu , dedicou um parágrafo à velha sege de D. G lória, que
encan tava B entinho e de que sua m ãe não se desfazia por lem ­
brança do m arido. Segundo E ugênio G om es, B entinho aprecia a
sege com o objeto de prestígio, com o sím bolo de status. Ver-se na
sege era um afago em sua vaidade, don de G om es indica o traço
do M achado m o ralista presente no ep isó d io 21. Por sua vez M iécio
T áti, em O Mundo de Machado de Assis, arro lou extensivam ente os
diferentes m eios de transporte que aparecem na obra do ficcio-
nista22. Sem n egar am bas as interpretações, Faoro as potência:
m ostra-nos com o os m eios de transporte estão ligados a um a
com p lexa e fascinante topografia social, que vai decantando p as­
so a passo: carruagens, coches, tílburis, landaus, coupés, cabs,
cabriolets, bondes e sím iles indicam m om entos históricos esp e­
cíficos e p ossuem p ro p rietário s e usuários determ in ad o s, que
não se confundem jam ais na teia dos m ecanism os de prestígio e
de h ierarquia social.

D o co ch e ao b o n d e —é toda a so cied ad e d o Im p ério , so b retu d o a do


S eg u n d o R ein ad o , q u e se exp ressa e caracteriza. Pelo carro se co n h ece o
hom em : sím b o lo d e o p u lên cia, da m ed ian ia e da p ob reza. A carru agem

21. Eugênio G om es, 0 Enigma de Capitu: Ensaio de Interpretação, 1967, pp. 130-131.
22. M iécio T átí, O Mundo de Machado de Assis, 1961, pp. 67-75.
96 L E O P O L D O W A IZ B O R T

fazia su p o r as co ch eiras, o exército de criad o s e escravo s, tudo ard cu lad o


p ara o luxo o sten tató rio d a s ru as e praças. O b o n d e, n o o u tro extrem o , é a
so cied ad e d em o crática que se exp an d e e cre sc e — so cied ad e m al-ed u cad a,
qu e co sp e no ch ão e fala alto. O c arro esc o n d e e d issim u la cab e d ais; o
carro o sten ta e p õ e a nu o h o m em , co m seus v ício s e su a p o b reza. E les se
d iglad iam nas ru as, co m im p u lso s p ró p rio s, h o n ra e p restígio d erivad os das
p arelh as — num pain el autêntico do que vale cad a hom em no conceito de
outro h om em 23.

A s co isas, com o fantasm as, vivem e falam pelos hom ens,


q u e se v êem c o n d en ad o s a m ero s o b je to s n a re to m a d a do
fedchism o da m ercado ria por Faoro24. P or detrás deste m undo
dos coches, cupês, tílburis & cia. p ulsa tpda a tram a d a socieda­
de, vista sob as lentes do m oralism o: aqui, os hom ens valem
pelo que aparentam ser e valer. C o m p arar Faoro com G om es
(T áti é sim ples e co m p eten tem ente descritivo) é instrutivo para
aquilatar a distância que vai de um a interpretação im pressionista
a um a leitura sociológica: E ugênio G om es utiliza a sege para
m arcar a necessidade de distinção e prestígio, tingida contudo
pelo inusitado de um tipo de carruagem já antigo e difícil de se
ver trafegando. P ara B entinho, circular de sege era um m odo de
se fazer v isto e falado. J á F aoro, sem d isp en sar todos estes
elem entos, insere-os em um registro m ais am plo e significativo,
p orque extrapo la a dim ensão sim plesm ente p essoal envo lta na
sege: ela não é m ais apenas um m eio p ara Bentinho, m as sim
dep o sitária e reveladora de toda um a com plexa hierarquia social,
em processo ao lon go do século. É com parando a sege da Rua
de M ata C avalos com os outros tipos de carruagens que se pode
en tender p recisam ente o que é um a sege, e quando. E só então
se com p reende a sege de D. G lória com o verdadeira cifra de
p osição social e prestígio.

23. Faoro, op. cit., 2001b, pp. 65-66.


24. Idem, pp. 53-54, tb. 93, 194 e 526.
IN F L U Ê N C IA S F, IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 97

E ntretanto, é preciso ad en trar no m odo com o Faoro inco r­


pora a análise de A uerb ach com relação ao problem a da realida­
de apresentada, vale dizer, do próprio realism o. E m seu en ten d i­
m ento, a mimesis seria a “ponte” en tre a realidade e a obra literária25,
de m odo a co n ectar dom ínios diferentes, m as não incom unicá­
veis. C o m p reen der este m ecanism o é co m p reen der o que explica
e d á sub stân cia à sua em preitada histórico-sociológica.
C arece enten der, então, com o Faoro co m p reende estas duas
m argens, unidas pela ponte que aproxim a e separa. A história
revela um a realidade, que não se confunde com a realidade da
ficção26. A certa altu ra d e seu livro, ele afirm a: “A té aqui a ficção,
sistem atizada e reco n struíd a em sim etria com um m undo que
dela em erge, interio rm en te harm ônico. U m a pausa p ara a verd a­
de do sistem a político, tecido de docum entos e núm ero s”27. H á
um a “ verdade” que só se alcança pela história e sociologia, m as
não pela ficção. T rata o autor, então, de aban don ar esta últim a e
cercar-se dos “docum entos e núm ero s” , de m o do a que a verd a­
d e ap areça28. U m a vez visível, a ficção é ch am ada novam ente,
desta vez p ara o confronto: confronta-se a realidade social-histó-
rica e a ficção e a substância da idéia de mimesis é o que nasce
deste em bate: precisam ente o realism o peculiar de M achado, que
não é a realidade tal qual a h istória e a sociologia, boas irm ãs que
são, m as sim um a ilum inação dessa realidade: não o espelho que
sim plesm ente reflete, m as a lâm pada que d efo rm a29.

25. li/em, p. 526.


26. “M achado de A ssis aproxim a-se da realidade sem pre que lem bra o fato
anedóüco, ocasional, pitoresco. D ela se afasta ao tocar o travejam ento estru ­
tural, um tanto embaciado, na sua arquitetura, aos olhos do historiador m ora­
lista”. Idem, p. 154.
27. Idem, p. 143; ver tam bém pp. 234-235.
28. Onde Faoro vê a realidade verdadeira, é tributário de um a concepção de
mimesis-ve rdade, algo que existe independentemente de um sistema de codificações
que o codifica. V er N elson G oodmann, Wajs o f Wortdmaking, 1995.
29. Aqui sua outra inspiração, na exegese de Abram s da teoria da crítica literária
98 L E O P O L D O W A IZ B O R T

Faoro pro cura, então, alcançar a d iferen ça de n arrativa his-


tó rico-sociológica e narrativa ficcional. E m am bas, d etecta a sig ­
n ifica çã o cultural que se estabelece na relação de sujeito e o b je­
to; seguindo b em de perto o M ax W eber da Wissenschaftslehre,
entende que é um a valoração que atrib ui sentido ao real, seja no
h isto riador, seja no ficcionista: “o v alo r cultural relevante está
presen te n a configuração seletiva do h isto riado r com o na obra
literária”30. Isto significa que am bos refletem e ilum inam , p o r
co nta de sua perspectiva própria. A questão p assa a ser, pois,
qual a perspectiva q u e está operando. E p recisam ente aqui que
se insere a com preensão do realism o específico de M ach ado de
A ssis, que inco rpo ra seu m oralism o particular. Se há um realism o
próprio ao ficcionista, é porque este trabalha o real, destacando e
en laçan do ; “ a conexão entre a realidade e o valo r configura o
sentido da realidade, gerando o ponto d e vista que a torna p er­
ceptível, relevante” 31. N isto, não há propriam ente diferença en ­
tre os procedim entos do h isto riador e do ficcionista, estando a
divergência n aqueles valores que in fo rm am a seleção operada.

O co n fro n to e n tre a v isão de M ach ad o d e A ssis e a re alid ad e, ou


m ais co rretam en te, a realid ad e tal com o a p erceb e o h isto riad o r, in d ica
m u itas d iscrep ân cias d e d etalh e. [...] O u tras, m u itas o utras, seriam as in ­
co n g ru ê n cia s e n tre a p ersp ectiv a d o e scrito r e o p ain el reco n stru íd o do
passad o . A s d iferen ças d e p o rm e n o re s n ão m o stram , m esm o se arro lad as,
m ín u d en tem en te, a p ecu liarid ad e d o q u ad ro co n stru íd o p or M ach ad o de
A ssis so b re o S eg u n d o R einado. O s traços iso lad o s, as in d icaçõ es p articu -

do Rom andsm o: M. H. A bram s, The M irror and the Lamp: Komantic Theory and
the Criticai Tradition , 1971, em cujo prefácio se lê: “the title o f the book
ídentífies two com m on and antithetíc m etaphors o f mínd, one com paríng the
m ind to a reflector o f externai objects, the other to a radiant projector wich
makes a contribution to the objects it perceives”. Ver Faoro, op. cit., 2001b, pp.
143, 523, 527 e 529.
30. Faoro, op. cit., 2001b, p. 528.
31. Idem, ibidem.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 99

lares, as o b serv a çõ e s d e in tim id ad e e p ro fu n d id ad e são d e rara au ten tici­


d ad e. D eco rrem , to d av ia, d e um cen tro de filtragem e de seleção valo rativ a
q u e a c en tu a e d e sta c a o fen ô m en o sin gu lar em p reju ízo d a o rg an ização
so cial, da e stru tu ra p o lítica e das co o rd en ad as su p ra-in d iv id u ais. A h istó ­
ria — co n d icio n am en to d o d estin o da p erso n agem d e ficção — o b ed ece à
ativ id ad e co n scien te d o h o m em o u que é red u tív el à co n sciên cia. [...] N o
fundo, tod o s o s m ales da so cied ad e e tod o s os rem éd io s e stariam no co ra­
ção do h o m em , só e le resp o n sável p elo s aco n tecim en to s. N esse p o ço de
co n trad içõ es, o d estin o h u m an o e o d estin o d a s n açõ es têm sua m o la
ín tim a e ú ltim a d e decisõ es. T al con cep ção d o h om em e da histó ria é que
e x p lica os e x tra v io s, as in fid elid ad e s so ciais, a p ro jeção no cen ário dos
pequenos m otivos p ara exp licar gran d es acontecim entos. Fora da p ersp ecti­
va psico lógica, p en etrad a de m oralism o, há no g ran d e m undo, de cuja con s­
trução glo b al, em retrovisão, d eco rre outra im agem d o h om em , m esm o a
p eq uen a im agem o cu lta e íntim a que as virtud es e os v ício s m ascaram 32.

A d iferen ça cjue faz diferença diz respeito, portanto, àque­


las conexões de sentido que inform am as narrativas em pauta, e
aqui é po ssível p erceber os lim ites d a ficção m achadiana, pois
ela, no en ten d er de Faoro, gira so b re um pivô que n ão é a
estrutura social, glo b al, m as sim um ponto de vista particularista,
n om eadam ente “ singular”; isto é, com o se viu em passo já citado,
o m ovim ento das estruturas sociais é sem pre atribuído aos senti­
m entos, paixões e desejos dos indivíduos.
J á o m o vim ento do exegeta opera em seleção diferente e
alcança, ao que parece, a “verdade” (no passo m encionado, do
sistem a político). N esse ponto antevem os traços daquela outra
vertente, que in fo rm ará fortem ente a análise de R oberto Schw arz,
qual seja, a de que a p erspectiva da totalidade assegura a p ercep ­
ção da verdade. N o caso de Faoro, é isto que justifica, no final
das contas, um livro sobre M achado de A ssis, já que a realidade
que M achado apresen ta não é “real”, no sentido de “v erd ad eira”
em sentido enfático, m as “ estilizada” . A so cio lo gia da o b ra exp li­

32. Idem, pp. 180-181.


100 L E O P O L D O W A IZ B O R T

ca a estilização, p o r um lado, e po r outro m ostra o que é o real.


E ste d ep en d e d a estru tu ra social com o um todo e em m o v im en ­
to; estrutura esta que n unca aparece tal e qual em M achado de
A ssis: aparece sem pre desviada p ara as m otivações pessoais -
donde se com prova a indissociabilidade do m oralism o. Vale a
pen a citar:

O ficcio n ista, d o qu al não se d istan cia o cro n ista, v iveu c erca de


c in q ü en ta an o s d e h istó ria, d en tro d o S eg u n d o R einado. R etrato u e elab o ­
rou um a so cied ad e, d ecan tad a, filtrad a, c o n stru íd a a p artir d a co n d u ta de
p erso n agen s, tran sfo rm ad o s em h o m en s, escravo s e cap italistas, bach aréis
e d ep u tad o s, b an q u eiro s e p oetas. O p ad rão teó rico, co lh id o n os m o ralis­
tas e n o s s o c i ó l o g o s d e te rm in istas d o sécu lo X IX , subJim a-se c o m o p ro d u ­
to da in v estigação crítica, p ressu p o sto do o rd en am en to da realid ad e. [...]
O ro m an cista n ão se p reo cu p a com en tid ad es so ciais ou eco n ô m icas, m as
c o m situ açõ es c o n c re ta s, sig n ificativ as n a m ed id a em que os v a lo res d o m i­
n an tes lh es co n ferem cor, sen tid o e c o n sistên cia, p ro jetad o s d a estru tu ra
g lo b al. f...l H á, em to d o s os g esto s e ato s das p erso n ag en s, m o tiv an d o -as
ou d eterm in an d o -as, a m o la, secreta ou o sten siva, fo rjad a com o m aterial
d a o rd em so c ial, g lo b a lm e n te c o n sid e rad a. A lo n g a m ed itação do fato
literário , im p regn ad o d e realism o , dá a p ersp ectiva, sin gu lar e n tre os e scri­
tores b rasileiro s d o seu tem p o , d o co m p ro m isso do ato com o seu m eio. f...]
C om os fios da v id a e d a trad ição , d o p en sam en to e da exp eriên cia, p in ta
um q u ad ro acab ad o da so cied ad e b rasileira33.

O sociólogo, Faoro, tem em vista a estrutura glo b al que


foge ao escrito r flum inense; e vendo o que o outro não vê, é
capaz de assin alar a posição real da obra m achadiana. E is o traço
fundam ental da interpretação de R aym undo Faoro, que v ê o que
M achado não v ê34.
M as estou acelerando o andam ento da com posição. V olte­
m os então, tendo p assado pela lição w eberian a, ao m odo com o

33. Idem, pp. 383-384.


34. Isto se m ostra reiteradam ente no curso do livro; a título de exem plo cf. idem,
pp. 120, 252, 322, 351 e 389.
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 101

Faoro fo rm ula sua incorporação da mimesis auerbacbiana. O que


deve ser com preendido, vale ressaltar, com o um a possível con­
tribuição ao p ro blem a de A uerbach, tão parcim onioso n a fo rm u­
lação con ceituai explícita da questão, escolhendo deixá-la ir se
d esdobrando nas próprias análises. A ssim , o pro blem a daquela
an tiga ponte, filtrado pelas conexões de valo res, que indicam
sentido, desem boca na concepção de mimesis de Faoro:

A a rte d e fo rm a a realid ad e, na m im esis d ialética, n ão raro in ten cio ­


n alm en te, p o r o b ra de su a estru tu ra esp ec ífica. N a criação artística configu­
ra-se um a catego ria p ró pria dc história, recolhida da im agem q u eb rad a e
reconstruída, m ediante sim etria e desenho próprios. O processo deform ativo —
na realid ad e, p ro cesso de tran sm u tação — su p eran d o as v elh as d istin çõ es
en tre fo rm a e co n teú d o , ab ran ge o estilo c a p ró p ria re alid ad e so cial35.

A adjetivação insere algo novo, po is trata-se de um a mimesis


dialética. O sen tido desta dialética é p ossibilitar a “tran sm utação” ,
de sorte que a realidade da obra de arte não é m en or, nem pior,
do que a realidade info rm ad a pela estrutura social entendida em
sua totalidade — aquela que o soció lo go-h isto riador Faoro havia
co n fro ntado com a ficção. D uplo desvelam ento, da natureza da
obra m achadiana e do exegeta que a enfrenta. E , com essa exp li­
cação — é verd ad e que rápida — Faoro pode reen laçar o en qua­
dram ento auerbachiano, em dupla chave. Em prim eiro lugar, a
ficção m achadiana é um a ap resentação da realidade, de sorte a
co ntem plar um a das lacunas possíveis que m encionei de início.
Em segundo lugar, a catego ria de estilo, que em A uerbach é a
categoria o p erante, pois que é o estilo que “apresen ta a realida­
de”36 (o estilo com o que fo rm ata o m o do com o a realidade é
apresentada). H á, portanto, um a relação im po rtante entre estilo e
mimesis-, o estilo “ pauta” , “o rden a” a form a, a m o dalidade da

35. Idem, p. 529, tb. 526.


36. Auerbach, op. cit., 1994, pp. 62, 32-33, passim.
102 L E O P O L D O W A IZ B O R T

mimesis’1. E ntão, em bora Faoro ab stenh a-se ao lon go do liv ro de


d iscudr a fo rm a da narrativa m achadiana, ele está a in d icar que
isto p recisa ser pensado sob a catego ria do estilo, pois que, com o
se viu, a obra literária possui “estrutura esp ecífica”, que outros
p oderiam den o m in ar “ form a”. T alvez h aja aqui um a estrip ulia do
an alista, pois com o o livro é am plam ente sustentado por citações
de M achado, o estilo está dentro do livro de Faoro, com o m até­
ria b ru ta que seus leitores vão ab so rven do ao longo da leitura, e
com isso ele ab stém -se da tarefa de um a an álise “estilística”
(registro auerbachiano, d iga-se de p assagem ). A dem ais, com o o
estilo estaria co m preendido sob a égide daquela dialética m en ­
cionada, ele é tratado o tem po todo, sem o ser.
R ecupera-se aqui um ponto assinalado ao início, a estilização.
Se a realidade é apresentada m ediante o estilo, a idéia de estilização
dá o tom dessa realidade apresentada; tam bém neste ponto Faoro
segue A uerbach: um “ realista m oderno —e A uerbach refere-se ao
século X IX —im ita um am biente contem porâneo qualquer, cotidia­
no, com a sua infra-estrutura social, sem estilização”38. O ra, Faoro
entende que em M achado de A ssis h á estilização, e se isto o afasta
do m oderno realism o europeu, m arca a peculiaridade do seu realis­
mo. Q ue, nos term os de A uerbach, ao m esm o tem po estaria nas
proxim idades do realism o de um autor com o T hackeray que, “ em ­
bora desenvolva seu rom ance de m odo m ais m oralista do que
histórico, liga-o ao pano de fundo da época napoleônica e pós-
napoleônica”39; o leitor d e A Pirâmide e o Trapézio entenderia, nessa
altura, que M achado liga sua ficção à época do Segundo R einado e

37. E m bora Auerbach seja, com o sem pre, econôm ico, há um a gran d e proxim i­
dade entre o “D arstellungsw eise” e o “Stil”, que o leitor de Mimesis entende.
38. Auerbach, op. dt., 1994, p. 34.
39. Idem, p. 36. N o registro da influência, preciosa m as algo insuficiente para o
presente andam ento, E. G om es tentou aproxim ar Machado de Assis de
Thackeray; cf. E. Gom es, “ M achado de A ssis: Influências Inglesas” , s.d., pp.
59-65. Voltarei ao ponto.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O NA SO C IO LO G IA BRASILEIRA 103

início da R epública... N ote-se que perm anecem os sem pre na m en­


cionada e sublinhada sim biose de realism o e m oralism o, que de fato
indica algo com o um a posição interm ediária entre o realism o da
A ntigüidade e o realism o m oderno:

P ara a literatura realista an tiga, a sociedade n ão existe com o um p ro ­


blem a histórico, quando m uito com o um p ro blem a m oral, e de m ais a m ais o
m oralism o diz m ais resp eito aos indivíduos d o que à sociedade. A crítica dos
v ício s e excrescên cias [...] form ula o p ro blem a d e m odo individualista, de
m o d o que a crítica da so cied ad e n u n ca co n d u z a um d esv elam en to das
forças que a m ovem , f...] há aí não ap enas um lim ite de seu realism o, m as
tam bém , e, sobretudo, um lim ite de su a co n sciên cia histórica. Pois p recisa­
m en te n as relaçõ es eco n ô m icas e esp irituais da vida co tid ia n a revelam -se as
forças que estão na b ase d o s m o vim ento s h istó ricos f..]40.

São precisam ente a estas páginas que Faoro rem ete seus
leitores41, e de que precisam os nos aproxim ar se quiserm o s com ­
preender o verdadeiro estatuto dado ao realism o m achadiano; de
lam buja, aquilatam os o m on tante da dívida de Faoro p ara com
Mimesis. V ejam os então com o Faoro reescreve a análise e argum en­
tação de A uerbach, transposta para o caso M achado de Assis:

S u b stitu i M ach ad o a sim etria so cio ló gica, já in co rp o rad a p o r S ten d hal,


B alzac e Z o la, a u m a co n stru ção . É a estilização d a so cied ad e — red ução
da realid ad e e x terio r à vo n tad e h um an a, com form as e m o d elo s a rtific ia l­
m en te fixad os. [...] O q u e lh e faltava, e isto o en q u a d ra na lin h a dos
m o ralistas, era a c o m p reen são d a re alid ad e so cial, co m o to talid ad e, n asci­
d a das relaçõ es e x terio re s e im p re gn ad a na v id a interior. [...] A estilização
p artia, p o r co n seq ü ên cia, de fatos e realid ad es so ciais, ap u rad o s na o b ser­
v ação d a s c o isa s e na co n d uta dos h om en s. O q u e a d istin g u e da c o n stru ­
ção so cial, d eco rren te d e u m a co m p reen são glo b al, é a p red o m in ân cia dos
sen tim en to s e d as v irtu d es na ação co letiv a. P ersiste n ela - d iga-se ain d a
um a vez —o m o ralism o , m itig ad o em b o ra co m a so cied ad e sen tid a e p erce -

40. Auerbach, op. cit., 1994, pp. 35 e 37.


41. Faoro, op. cit., 2001b, p. 530, nota 10.
104- L E O P O L D O W A JZ B O R T

b id a com o resistên cia à v o n ta d e d o h o m em , o h o m em in g en u am en te v e s­


tid o d e rei d a criação 42.

E sta é a situação do realism o de M achado de A ssis. Q ue


n ão se con fun de absolutam ente com o que A uerbach atrib uía ao
realism o antigo, pois vivem aqui indivíduos que só gan h am carne
e o sso no âm bito da literatura européia; trata-se, com o se insistiu
m ais acim a, d e um a consciência crítica e perspectivista. E com o
tam bém m encionei an teriorm en te, é no teor dessa consciência
que F aoro e Sch w arz vão divergir; isto im p lica um co nceito de
realism o que entre eles se tran sform a e, conseqüentem ente, a
p ossibilidade de se con tin uar adm itindo um m oralism o, ou não,
em M achado de A ssis. E ste é o passo que nos conduz ao livro
de R oberto Schw arz.
M as tentem os ainda resum ir um pouco o argum ento. Faoro
form ula claram ente o problem a do realism o m achadiano e o resol­
v e em um a fó rm u la au erb ach ian a, a do realism o tin gid o de
moralism o. E evidente que essa solução não é prerrogativa exclusi­
va de A uerbach, m as apenas que Faoro a ele se refere. Sendo
m oralista - “m oralista decepcionado”43 —a sociedade não aparece
em seu m ovim ento real n a ficção m achadiana, donde um a espécie
de déficit de realidade - “no m esm o sécuio, Stendhal e Balzac
sobretudo, já haviam ultrapassado o m oralism o historicizante de um
V oltaire, apresentando a sociedade com o véu global”44 - sem que
isto signifique, claro está, literatura m enor. Indica tão-som ente a
natureza própria do realism o em questão. U m a vez destrinchado, o
realism o m achadiano p erm ite com preender sua posição no espec­
tro da literatura, nacional e m undial. Tanto quanto percebo, Faoro
im puta o caráter específico do realism o m achadiano à própria situa­

42. Idem, pp. 545-546, tb. 120, 537 e 540.


43. Idem, p. 541.
44. Idem, p. 540.
I N F L U Ê N C I A S E 5N V E N Ç À .O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 105

ção social do autor. A transição da sociedade estam ental p ara a


sociedade de classes, “transição de um a ordem solidária para outra,
a contratual”, o “desaparecim ento de um a estrutura social”45, tudo
isto atinge a ficção, tinge-a com as cores do m oralism o, no sentido
de que o m oralista, ligado aos mores, tem em um a situação de m u­
dança o m om ento do estranham ento, quiçá choque dos com p orta­
m entos, e com isso se surpreende, se distancia, se am argura, se
diverte, se decepciona, conform e o caso. N o caso de M achado,
decepciona-se.
Im agino que Faoro tinha, na form ulação do problem a do
m oralism o em M achado de A ssis, os olhos postos em um problem a
bem m ais am plo, que investigara em Os Donos do Poder. O m oralista
tem nos costum es a m edida com a qual contem pla o m undo. E ntre­
tanto, “os costum es se m ovem sobre a força das paixões e dos
sentim entos. Pisando nesse terreno fluido, não aceita o constrangi­
m ento da conduta por obra das relações sociais, das instituições e as
organizações”46. A sociedade brasileira, na interpretação oferecida
em Os Donos do Poder, caracteriza-se precisam ente por assentar-se
m ais nas paixões e sentim entos do que nos constrangim entos. Veja-
se o seguinte passo que, tratando de outro contexto e época, ilum i­
na o problem a do m oralism o m achadiano:

L o n g e e sta rá o d ire ito racio n al, racio n al no seu c o n teú d o e n ão


m eram en te com o fo rm a, calcu láv el nos seus efeito s, p revisív el n as c o n se ­
q ü ên cias d o s co n trato s p o r e le d iscip lin ad o s. E le só assen tará e m p re ssu ­
p o sto s alh e io s ao E stad o p atrim o n ial, n um a re alid ad e p o lítica q u e sep ara a
so cied ad e da o rg an ização d o p o d er, com o p red o m ín io e a in co lu m id ad e
d a s lib erd ad es. P ro vav elm en te [...] so m en te o n d e u m a co m u n id ad e , um
g ru p o , um a c lasse p ô d e su b sistir sem a in te rferên cia d o p rín c ip e se c o n so ­
lid o u o d ire ito co m o c ate g o ria inviofável ao arb ítrio do E stado. F o ra daí,
n um a estru tu ra de p red o m ín io ab so lu to d a s in terferên cias estatais, a re a li­
d a d e ju r íd ic a se rá se m p re u m a so m b ra d o p o d e r p o lític o , a lta n e iro ,

45. Idem, pp. 540-541, 543, Í4,passim.


46. Idem, p. 537.
106 L E O P O L D O W A IZ B O R T

in c o n tra stá v e l, a m eaçad o r. A s ativ id a d e s e co n ô m ic a s, o s in te re sse s, os


co n trato s n ão se red uzem , dentro d esse co n tex to so cial, ao g an h o , ao lucro
e às v an tag en s m ateriais. T u d o se su b o rd in a à g ló ria, à h o n ra, ao in c re m e n ­
to d o s v a lo res q u e o estam en to co rp o rifica [...]47.

E m Machado de A ssis: A Pirâmide e o Trapézio, o m esm o ponto


enco ntra expressão: a já m uito m encion ada transição im plica “o
desaparecim ento de um a estrutura social que m odela os valores
sociais p o r critérios de ho n ra e prestígio” 48. M achado de A ssis,
vivendo o m om ento da transição d a sociedade estam ental p ara a
sociedade de classes, contem plava o m undo com olhos criados e
educados no regim e do estam ento; os costum es que poderiam
m edir o curso das coisas encontravam -se, justam ente, em m o ­
m ento de ajtiste, quiçá tensão, ocasionalm ente até con fro nto 49.
A p esar de tudo, o estam ento perm an ece, ajusta-se m as p erm an e­
ce. A tensão entre as idéias e o m odo com o elas existem na
prática oferece, nesse am plo contexto, um a base para o moraüsm o.
M achado de A ssis p arece ter seguido esta sugestão. Os leitores
de M achado podem lem brar-se, certam ente, de m ais de um passo
em que se faz a apo lo gia da glória ou, seu negativo, o tem o r da
ob scuridade, m al m aio r50.
A lgo ainda sobre a mimesis. O tem a da mimesis, em Faoro,
provém direta e abertam ente de A uerbach51. E ntretanto, o seu
viés dialético, duas vezes sublinhado por Faoro52, não aparece —
ao m enos nessa adjetivação —em A uerbach. D e onde p rovém ? A
mimesis tran sfigura a realidade, mas esta não deixa de ser a reali-

47. Faoro, op. cil., 2001a, p. 87; tam bém a citação de Francisco R odrigues Lobo,
pp. 99-100. Passagens equivalentes encontram -se em Faoro, op. cit., 2001b, pp.
77 e 294.
48. Faoro, op. cit., 2001b, p. 543.
49. Pense-se na interpretação de laiá Garcia por R. Schw arz, cf. infra.
50. Faoro refresca a lem brança: op. cit., 2001b, pp. 541-542.
51. Cf. i/km, p . 526.
52. Idem, pp. 526 e 529.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 107

d ad e d a o b ra d e arte (Faoto ap u ra a verd ad e na atte e na realida­


de). A fantasia que altera os fatos em favor da realidade da obra
é o que p erm ite falar na verdade d a o b ra artística (já se viu, m ais
atrás, que a o b ra literária configura um a categoria própria de
história). Faoro cita M achado, em crítica a livro do Sr. Dr. M acedo:

O a u to r d irá que n ão p o d ia alterar a re alid ad e d o s fato s; m as esta


resp o sta é de p o eta, é d e artista? S e a m issão d o ro m an cista fosse c o p iar os
fato s, tais q u a is eles sc d ão na v id a, a arte era um a co isa in ú d l; a m em ó ria
su b stituiria a im ag in ação [...]. O p o eta d aria a d em issão e o cro n ista to m a ­
ria a d ireção do Parnaso. D em ais, o a u to r p o d ia, sem a lte ra r o s fato s, fa z e r
o b ra d e a rtista , c ria r e m v e z d e rep etir [...]53.

E ssa liberdade na figuração do real talvez indique a adjetivação


da mimesis, pois não sendo, é. C om o quer que seja, vale aqui a
“verdade estética” , a “verossim ilhança com unicativa”54. T udo isto
posto, passem os ao seguinte; m as, em vez de fazê-lo em um passo,
façam o-lo em um desvio, para facilitar um pouco as coisas.

C o n t in u a ç ã o de U m e C o m plem en to de O utro

Q uando Schw arz publicou A o Vencedor as Batatas (I), em


1977, o título continha esse (I), que era explicado logo ao início
em um a “E xplicação ao L eito r”, na qual se dizia ser o livro
som ente a m etade do estudo pretendido sobre M achado de A s­
sis, a que d everia se seguir, posteriorm ente, a outra m etade. Ao
final do livro, depois do últim o ponto final, vinha um “ (con ti­
n ua)”, em itálico, de sorte que ao iniciar e ao term in ar o autor
reiterava o caráter incom pleto do trab alh o55. Incom pleto, porém

53. M achado de A ssis, Obra Complela, 1986, vol. 3, p. 844; cf. Faoro, op. cit., 2001b,
pp. 531-532.
54. Faoro, op. cit., 2001b, p. 532.
55. Roberto Schw arz, A o Vencedor as Batatas (I). Forma U terária e Processo S ocial nos
Inícios do Romance Brasileiro , 1977, pp. 9 e 161 (1 ed.). N o curso deste texto,
108 L E O P O L D O W A IZ B O R T

com preensível e pleno de sentido em suas m etades separadas. A


segun da m etade foi pub licada em 1990, m as não ganh ou o título
A o Vencedor as Batatas (II), e sim, com o se sabe, título de rever­
beração benjam iniana, Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado
de Assis. N o prefácio à segunda m etade, o autor lem bra seus leito ­
res que o livro em m ãos é a co ntinuação do livro de 1977 e que,
em bora escritos de m odo a serem m etades autônom as, continuam
sendo m etades que form am um todo50,
O caso de R aym un do Faoro é bem diferente. Machado de Assis:
A Pirâmide e o Trapézio está visceralm ente ligado ao estudo sobre a
form ação do patronato político brasileiro, que Faoro publicou em
1958, intitulado Os Donos do Poder. N a verdade, o livro de 1958 foi
com pletam ente reescrito para a sua 2a. edição, de 1973, de sorte que
os dois livros foram com postos m ais ou m enos sim ultaneam ente e
de certo m odo com pletando-se. E m bora Faoro afirm e, sob os aus­
pícios de M ontaigne, que a idéia do livro de 1958 não se altera na
sua reedição, a leitura das duas versões não deixa m uitas dúvidas
sobre a extensão das m odificações. Os Donos do Poder, em suas duas
variantes, term ina com um a im agem m achadiana57, e estava aí indi-

citarei sem pre segundo a 5 ed.: Schwarz, A o Vencedor as Batatas. Forma Literária
e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro, 2000.
56. R oberto Schw arz, Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de A ssis, 1998,
p. 12. Com a publicação deste livro, Schw arz parece ter julgado m ais apro­
priado tirar o “ (I)” do U'tulo d e A o Vencedoras Batatas, assim como a m encio­
nada “Explicação ao leitor” e o “(continua)”. N o meu entender, isto tem sua
razão de ser: não obstante a continuidade, há alguns deslocam entos significa­
tivos entre as duas obras-m etades. E por isso, p or conta do sentido desses
deslocam entos, que a segunda m etade é deixada de lado neste texto.
57. A s referências são: Raym undo Faoro, Os Donos do Poder: Formação do Patronato
Político Brasileiro, 1958. A segunda edição, com o m esm o título e editora, é de
1973. A edição p o r m im utilizada é a 3 éd., Rio de Janeiro, Globo, 2001. A
im agem m achadiana m encionada aparece sem pre na últim a página: na 1 ed.
na p. 271; na 3 ed. na p. 838. A s outras referências a M achado de Assis em Os
Donos do Poder situam -se nas pp. 227, 254, 451, 753 e 793 (nesta, oferece sua
solução para o enigm a de Capitu...).
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 109

cado o próxim o passo: A. Pirâmide e o Trapézio desdobra esse M acha­


do que ficara apenas latente, entrevisto. O núcleo que une os dois
livros é a com preensão da dim ensão estam ental da sociedade b rasi­
leira, no caso de M achado, com o vim os, em m eio à passagem com ­
plicada para a sociedade de classes.
É n ’Os Donos do Poder que encontram os am plo uso e fu n d a­
m entação de categorias que serão basilares no estudo sobre M a­
chado de A ssis: classe, estam ento, capitalism o politicam ente orien­
tado, E stado patrim o nial-b urocrático, patrim onialism o. A dem ais,
o p ro b lem a d a tran sição com plexa, com o se viu cap ital para
com preender M achado, é am p lam en te discutido58. N esse sentido,
o livro anterior é m esm o um pressuposto do posterior, em bora a
auto nom ia de am bos não seja posta em dúvida59. N esse aspecto,

58. Faoro, op. cit., 2001a, pp. 237, 515, 567, 573, 579 (diretam ente significativa
para o caso M achado de A ssis, em se tratando do E ncilham ento), 591, 605,
676, 820, 823-824, 830 c 833. Para um a am ostra do enorm e poder de fogo
de Faoro, ver apenas a primeira das referências: "As classes, nas suas conexões
com o d o m ín io , o c o m a n d o c a política, ganham ascendência com a socieda­
de burguesa, c o m a R ev o lu ção In d ustrial. Num período pré-capitaiista —de
capitalism o com ercial ou de capitalism o politicam ente orientado - , elas se
acom odam e subordinam ao quadro diretor, de caráter estam ental. Suas
pretensões de se apropriar das decisões do Estado ou do seu m ecanism o se
perdem na m ediação de outras categorias, fortes para a ação im ediata som en­
te com o predom ínio da sociedade industrial. As form as sociais e jurídicas
assum em caráter constitutivo na estrutura global, estabilizando as m anifesta­
ções econôm icas, freando o dom ínio das classes. Essa posição subalterna das
classes caracteriza o período colonial, com o prolongam ento até os dias
recentes, sem que o industrialism o atual rompesse o quadro; industrialism o, na
verdade, estatalm ente evocado, incentivado e fomentado. N um a sociedade
desta sorte pré-capitalisticam ente sobrevivente, apesar de suas contínuas m o­
dernizações, a em ancipação das classes nunca ocorreu. Ao contrário, a ascen­
são social se desvia, no topo da pirâm ide, num processo desorientador, com
o ingresso no estam ento. A am bição do rico com erciante, do opulento pro­
prietário não será possuir mais bens, senão o afidalgam ento, com o engaste na
cam ada do estado-m aior de dom ínio político”. N oto som ente que esta últi­
m a frase não vale apenas para A gostinho Santos, aliás Barão de Santos.
59. U m a nota acerca do título do livro sobre M achado de A ssis: A Pirâmide e o
110 L E O P O L D O W A IZ B O R T

h á algo d e p ró xim o , em b o ra não coin ciden te, no m odo com o os


quatro livros dos dois autores se relacionam . Isto m ereceria um
exam e m ais detido; entretanto, vou in d icar apenas um ponto.
T rata-se de um a citação de Trotsky, na verd ad e de um a idéia, que
ap arece tanto em Um Mestre na Periferia do Capitalismo: Machado de
A ssis quanto em Os Donos do Poder, com o se pode sem m uito
esforço adivin h ar, a “lei do desenvo lvim en to desigual e co m b i­
nado” do capitalism o60. V am os retom ar os passos dos três au to ­
res. Leia-se inicialm ente a m atriz trotskiana:

U m p aís a trasad o assim ila as co n qu istas m ateriais e id eo ló g icas dos


p aíses ad iantad o s. [...1 O d esen vo lv im en to de u m a n ação h isto ricam en te
atrasad a co n d u z, n ecessariam en te, a u m a co m b in ação o rigin al d as d iv e r­
sas fases d o processu s h istó rico. A ó rb ita d e sc rita tom a, em seu co n ju n to ,
u m caráter irreg u lar, co m plexo , com bin ado. A p o ssib ilid ad e d e su p e ra r os
d egrau s in term ed iário s n ão é, está claro, ab so lu ta; realm ente, e stá lim itad a
p elas cap acid ad es eco n ô m icas e c u ltu rais d o país. U m p aís atrasad o fre­
q ü en tem en te reb aixa as realizaçõ es que to m a d e em p réstim o ao e x terio r
p ara ad ap tá-las à su a p ró p ria cu ltu ra p rim itiv a. O p ró p rio p ro cesso de
a ssim ilação ap resen ta, n este caso , um c a rá ter con trad itó rio . [..-1 A s leis da
H istó ria n ad a têm em co m u m com os sistem as p ed an tesco s. A d e sig u a ld a ­
d e d o ritm o, q u e é a lei m ais g eral d o processu s h istó rico , e v id en cia-se com
m aio r v ig o r e co m p le x id ad e nos d estin o s d o s p aíses atrasados. S o b o c h i­
co te d as n ecessid ad es extern as, a v id a retard atária v ê-se na co n tin gên cia
de av an çar ao s saltos. D esta lei un iversal da d e sigu ald ad e d o s ritm o s de-

Trapé^io. Uma das epígrafes do livro fala das pirâm ides do Egito, algo que é
im utável, m as m uda; e outra do trapézio na cabeça de Brás, no qual sc
dependurou a idéia fixa, algo que não muda, m antém -se, balançando. O ra, a
chave está dada em Os Donos do Poder, as pirâm ides do Egito são a sociedade,
que espera por sua salvação; a idéia fixa dependurada no trapézio é o estamento,
balançando nos seis séculos de história. Cf. Faoro, op. cit., 2001a, p. 828.
Referências explícitas a Os Donos do P od erem Machado de A ssis: A Pirâmide e o
Trapézio, op. cit., pp. 250, 294, 326 e 521.
60. Cf. Schwarz, op. cit., 1998, p. 38 e Faoro, op. cit., 1 ed. p. 266, 3 ed. p. 821.
A m bos fazendo referência, em rodapé, ao capítulo inicial da História da
Revolução Russa de Leon Trotsky.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 111

co rre o u tra lei qu e, p o r falta de d en o m in ação ap ro p riad a, ch am arem o s de


lei do desenvolvim ento combinado, que sig n ifica ap ro xim ação d as d iv ersas e ta ­
p as, co m b in ação d as fases d iferen ciad as, am álg am a d as fo rm as arcaicas
com as m ais m o d ern as. S em essa lei, tom ad a, b em en ten d id o , em todo o
seu c o n ju n to m a te ria l, é im p o ssív el co m p ree n d er a h istó ria d a R ú ssia,
com o em g eral a de tod o s os p aíses ch am ad o s à civilização em segun da,
terceira o u d é cim a lin h a61.

E m bora recortado do contexto, o passo é bastante claro e


evidente o seu nexo com a situação b rasileira, don de aliás sua
fortuna den tre nós. Faoro p rivilegia62, com o se sabe, o peso da
herança, do m o rto sobre o vivo. A ssim , não surp reen de que sua
retom ada, crítica, do m odo de desenvolvim ento com binado, te­
nha em vista o caráter contraditório dos em préstim os, que em perra
o desen volvim ento segundo o m odelo dos m ais adiantados.

D e D o m Jo ã o I a G etúlio V argas, n u m a v iag e m de seis século s, um a


e stru tu ra p o lítico -so c ial resistiu a to d as as tran sfo rm açõ es fun d am entais,
ao s d esafio s m ais p ro fu n d o s, à travessia d o o ce an o largo. O cap italism o
p o liticam en te o rien tad o — o cap italism o p olítico , ou o p ré-cap italism o —
c en tro d a a v e n tu ra , da c o n q u ista e da co lo n ização m o ld o u a realid ad e
estatal, so b rev iv en d o , e in co rp o ran d o na so b rev iv ên cia o cap italism o m o ­
d ern o , de ín d o le in d u stria l, racio n al na técn ica e fun dado na lib erd ad e do
in d iv íd u o [...]. A crítica iib eral e m arxista, ao ad m itirem a realid ad e h istó ri­
ca d o E sta d o p a trim o n ia l, com sua alm a no c ap italism o p o liticam en te
o rien tad o , p a rtem d o p ressu p o sto da tran sito ried ad e do fen ô m eno , qu er
com o resíd uo an acrô n ico , q u er com o fase de tran sição . A m bas, na verd a-

61. L eon Trotsky, A História da Revolução Russa, 1977, vol. 1, pp. 24-25.
62. Há, precisam ente neste ponto, um a m udança na interpretação de Faoro nas
duas versões de Os Donos do Poder. Em bora o prefácio da 2a. edição afirm e
que a tese central do livro perm anece, c isto é verdade, há m udanças conside­
ráveis entre as duas versões, que bem valem algum as horas de estudo. Aqui,
contudo, não é o lugar para tanto; fique o leitor apenas ciente que, no que
tange ao passo, contexto e utilização de Trotsky, parece haver m udanças nas
duas versões. C om o me interessa o livro sobre M achado de A ssis, vou m an­
ter-me estritam ente na versão que lhe é contem porânea.
112 L E O P O L D O W A IZ B O R T

d e, c o m p aram a e stá tu a im p erfe ita a um tip o id eal [...]. O pon to d e re ferên ­


cia é o cap italism o m o d ern o , tal com o d ecan tad o p o r A d am S m ith , M arx e
W eb er, tratad o s o s e stilo s d ivergen tes co m o se fossem d esv io s, atalh o s
so m b re ad o s, re v iv escên cias d efo rm ad o ras, v e stíg io s evan escen tes. S o b re
um m u n d o acabado , co m p leto , o u e m v ia d e a tin g ir sua p erfeição últim a e
p ró xim a, a v ista m e rg u lh a no passado , p ara reco n stitu í-lo , co n ferin d o -lh e
um sen tid o retro sp ectivo , n um a c o n cep ção lin e a r da h istó ria. O p assad o
tem , en tretan to , su as p ró p rias p autas, seu curso , em b o ra n ão cap rich o so ,
o b ra d o s h o m en s e de circu n stân cias n ão h om o gên eas. [...] A realid ad e
h is tó ric a b ra sile ira d e m o n s tro u [...] a p e rsistê n c ia se c u la r da e stru tu ra
p a trim o n ia l, re sistin d o g a lh a rd a m e n te , in v io la v e lm en te, à re p e tiç ã o , em
fase p ro gressiv a, d a e x p eriê n cia capitalista. A d o to u d o cap italism o a técn i­
ca, as m áq u in as, as em p resas, sem aceitar-lh e a alm a an sio sa d e tran sm igrar.
[...] A um co rp o ren o v ad o r, exp an siv o e c riad o r, se agregam , em c o n v iv ên ­
c ia relutan te, n açõ es m o d ern izad o ras, em co n stan te ad ap tação , m as d en ­
tro d e p ro jeçõ es d e seu p ró p rio p assad o , d e su a h istó ria, lan çad a em o utro
rum o. [...! E n q u an to o siste m a feu d al se p ara-se d o cap italism o , en rijecen d o -
se an tes de p artir-se, o p atrim o n ialism o se am o ld a às tran siçõ es, às m u d a n ­
ç a s, em caráter flexiv elm en te e stab iliz ad o r d o m o d elo extern o [...]63.

Faoro, digam os, lê Trotsky com o viés da conservação e atri­


buindo-lhe o direcionam ento teleológico d a form a m ais desenvol­
vida. E ntende-o com o subordinando a persistência ao m odelo aca­
bado e, por isso, roubando-lhe sua existência, seu estatuto próprio,
precisam ente o nosso caso, já que interessa m arcar a “peculiaridade
histórica brasileira”64, um “certo tipo de capitalism o” 65, que não se

63. Faoro, Os Donos do Poder, op. cit., pp. 819, 821-824; ver também p. 107. Trotsky
é citado em m eio ao trecho que citei e foi deixado de lado para evitar a
redundância do passo já citado.
64. Faoro, Os Donos do Poder, op. cit., p. 834. O leitor lem bra-se, decerto, que com
relação a M achado de Assis formula-se a questão da peculiaridade de seu modo
de apresentar a realidade; um passo citado anteriorm ente falava da “peculiari­
dade do quadro construído por M achado de Assis sobre o Segundo Reinado”.
65. “A ristocracia burocrática, estam ental no seu contexto, tocada pelos cabedais
de um certo tipo de capitalism o, pré-industrial, político nas suas conexões”.
Faoro, op. cit., 2001b, p. 23; ver ainda pp. 40-41 e 292. Tema e problem a,
evidentem ente, recorrentes em Os Donos do Poder.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 113

deixa confundir com o capitalism o central e m odelar que T rotsky


tinha sob os olhos. N ão obstante, h á um a coexistência com plexa,
dado que a ordem global articula o conjunto das relações que se
estabelecem entre as diferentes e divergentes partes. A lógica glo ­
bal realiza-se sobretudo no tráfico negreiro, que insere o Brasil na
ordem m undial, pois é o com ércio que articula a “totalidade da ordem
econôm ica” , tanto nacional com o internacionalm ente66. A lógica
particularista realiza-se no tipo próprio de capitalism o que persiste,
que Faoro, seguindo célebre denom inação w eberiana, nom eia “ ca­
pitalism o politicam ente orientado” . N ote-se o cerne da divergência
com Trotsky: o capitalism o político sobrevive e incorpora o capitalis­
mo m oderno, m as não se torna m oderno nem por via própria, nem
por saltos ou com o quer que seja. A m odernização é travada67;
persiste o capitalism o antigo, que apenas incorpora o m oderno, isto
é: m odela-o sob o seu m olde próprio (“a túnica rígida do passado
inexaurível, pesado, sufocante”, que excita os leitores de Os Donos
do Poder)', capitalism o político que coabita com o capitalism o m oder­
no dos países centrais. E ntendem os assim a rem odelação do argu­
m ento trotskiano em Faoro, que depende do peso específico que se
atribui aos term os da expressão; pesos que encontram outra m edida
em sua leitura po r Schw arz. A qui, o sistem a global do capitalism o
reproduz-se de m odo igualm ente desigual e com binado, de sorte
que - para m arcar a diferença com o desenvolvim ento de Faoro -
tornam o-nos m odernos, de certo m odo tão m odernos quanto os
outros (porque inscritos em um m esm o e único m ovim ento), só que
peculiarm ente m odernos. Precisam ente este aspecto é o núcleo da

66. Cf. Faoro, op. cit., 2001b, pp. 201-217, cit. p. 215. N o que diz respeito ao comércio
do tráfico negreiro, Faoro parece antecipar, no início dos anos de 1970, algo das
teses e análises de Fernando Novais e Luiz Felipe de Alencastro, autores que
informarão, logo depois, alguns desenvolvimentos de Roberto Schwarz.
67, A lém d’0.r Donos do Poder, o problem a é tratado por Faoro em Existe um
Pensamento Político Brasileiro?, 1994, especialm ente p arte II: “A M odernização
N acional”.
114 L E O P O L D O W A 1Z BO R T

referência de Schw arz. Seu argum ento é suficientem ente com plexo
e m atizado para ser exposto aqui com brevidade, sendo m ais prático
aferi-lo abruptam ente na fonte68:

A ssim , a lig a ç ã o d o p aís à o rd em rev o lu cio n ad a do c ap ital e das


lib erd ad es civ is n ão só m u d ava os m odos atrasados d e p ro d u zir, co m o os
c o n firm a v a e p ro m o v ia n a p rátic a, fu n d an d o n ele s um a ev o lu ção co m
pressupo sto s m odernos, o q u e n atu ralm en te m o strav a o p ro gresso p o r um
flan co in esp erad o . [...] C o n tu d o b asta co n sid e rar a n o v a d iv isão in te rn a ­
cio n al d o trab alh o , e m q u e às ex-co lô n ias co u b e o p ap el de co n su m id o res
d e m an u fatu rad o s e fo rn eced o res de p ro d uto s tro p icais, p ara en te n d e r que
o d e sen v o lv im en to m o d ern o do atraso só em p rim eira in stân cia e ra um a
ab erração b rasileira (ou latin o -am erican a). O fun d am en to e fe tiv o estava
no q u e a trad ição m arx ista id en tifica co m o o “d e sen v o lv im en to d esigu al e
co m b in ad o d o c ap italism o ” , exp ressão que d e sig n a a eq u an im id ad e so cio ­
ló g ica p a rtic u lar a esse m o d o de p ro d ução, o q u al realiza a su a fin alid ad e
eco n ô m ica, o lucro , seja a tr a v é s da ru ín a d e fo r m a s a n te r io r e s d e o pressão ,
seja atrav és da rep ro d u ção e do agrav am en to d elas. C o n trariam en te ao que
as ap arên cias d e atraso fazem supor, a c au sa ú ltim a d a ab su rd a fo rm ação
so cial b rasileira está n o s av an ço s do cap ital e na o rd em p lan etária criad a
p o r eles, d e cuja atualidade as con d utas d isp aratad as de n o ssa c lasse d o m i­
n ante são p arte tão leg ítim a q u an to o d eco ro v ito rian o. Isso p osto , d ig a ­
m o s q u e o B rasil se ab ria ao co m ércio d as n açõ es e v irtu alm en te à to talid a­
d e d a cu ltu ra co n tem p o rân ea m ed ian te a exp an são d e m o d alid ad es so ciais
qu e se estavam to rn an d o a execração d o m u n d o civilizado, f...] E m resu­
m o, o p aís c o n stitu íra-se n u m a form ação su i generis, com q u estõ es p ráticas
e id eo ló g ico -m o rais p ró p rias, d e im ensa relev ân cia, n as q u ais a atu alid ad e
m u n d ial ex p u n h a alg u n s de seus segred o s e se p o d ia p ro b lem atizar p o r sua
vez. E claro que n ão se tratou aq u i d e esc re v er u m a h istó ria d o B rasil, m as
d e e x p o r com b re v id ad e o travejam en to c o n trad itó rio da e x p eriê n cia que
seria figurad a e in v e stig ad a p ela literatura de um gran d e au to r69.

68. Excelente desenvolvim ento do ponto em Paulo E. A rantes, Sentimento da


Dialética na Experiência Intelectual Brasileira: Dialética e Dualidade Segundo Antonio
Cândido e Roberto Schwarv^ 1992, sobretudo segunda parte, pp. 46-107.
69. Schwarz, op. cit., 1998, pp. 37-40. Foram deixadas de lado as notas de rodapé
do autor. No “Prefácio”, pp. 12-13, lem os um passo sim ilar: “ [...] audaciosa
conclusão de que as m arcas clássicas do atraso brasileiro não deviam ser
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 115

N ão estam os lo n ge do capítulo inicial de A o Vencedor as


Batatas, de m odo a co m pro var o nexo que une as duas obras. M as
tem os um a form ulação bem defin id a da lógica de desenvolvi­
m ento do capital —v ale dizer, do m odo de existência e repro du­
ção da sociedade com o um todo —cujos segredos se revelam , ao
m enos em parte, nesse outro lado seu; e p ara tanto nada m ais
indicativo do que a o b ra de M achado. C aberia co njecturar se o
desenvo lvim en to desigual e com binado poderia ser pensado, li­
vrem en te, nos dom ínios do realism o; se aquilo que alguns não
hesitariam em co nden ar com o regressivo no realism o europeu
não significa aqui a po ssibilidade de revelar o segredo do m odo
das relações sociais; se o que passava po r inverdade no realism o
europeu não m ostrava seu teor de verdade p o r aqui. C om o quer
que seja, o nexo que pretendo assin alar agora é esse ponto de
encon tro dos dois autores, sem qtie isto signifique, claro está,
convergência de interp retação . M as para am bos a ponderação
co rreta d a o b ra de M achado de A ssis se faz por m eio de um
nexo de relações m uito am plo, im plicando avaliação do processo
de desen volvim en to do m undo m oderno e d a p eculiaridade da
form ação n acional70.
A qui as diferen ças, tanto com o nos livros sobre M achado,
são gran d es e im p ortan tes, m arcando posições. N ão obstante, há

consideradas com o arcaísm o residual, e sim com o parte integrante da repro­


dução da sociedade m oderna, ou seja, com o indicativo de uma form a per­
versa de progresso. Para o historiador da cultura e o crítico de arte em países
com o o nosso, antiga colônia, a tese tem potencial de estím ulo e desprovincia-
nização notáveis, pois perm ite inscrever na atualidade internacional, em forma
polêm ica, m uito daquilo que parecia nos afastar dela e nos confinar na
irrelevância”. Faoro discute o “atraso brasileiro” em Machado de A ssis: A
Pirâmide e o Trapézio, op. cit., pp. 213 e 433, sendo o tem a recorrente em Os
Donos do Poder.
70. Ver, para confronto com Os Donos do Poder, o rico e pequeno artigo de
Fernando N ovais, “Passagens para o Novo M undo”, 1984, pp. 2-8, em que
Schw arz reconhece fonte de inspiração e base histórica.
116 L E O P O L D O W A IZ B O R T

um fundo comum, que bem vale salientar: ambos vêem a neces­


sidade de com preender o processo social brasileiro em seu nexo
mundial, nexo este indissoluvelmente atado ao desenvolvimento
do capitalismo —embora, para Faoro, se trata de divergir. D onde
se pode concluir - deixando de lado o confronto das diferenças,
que certamente vale a pena - que, para se compreender M acha­
do de Assis, é preciso com preender esse nexo mais amplo; não
só o Rio de Janeiro do Império, mas o amplo nexo econômico,
político e cultural de que esta situação local era parte constituin­
te. Então, nessa altura, a sociologia m ostrou-se indispensável
para o conhecimento de Machado de Assis.

"E por que N ã o P o d e S e r B r a s il e ir a a Fo r m a d o R e a l i s m o E u r o p e u ? " 71

A passagem para o livro de 1977 está dada pelo seu subtítu­


lo: “form a literária e processo social nos inícios do romance
brasileiro”. Como nota o leitor, Faoro abstém-se de discutir a
form a da narrativa machadiana, lançando mão indistintamente, de
acordo com a necessidade, em sua análise, de poesia, conto,
romance, crônica, crítica. A empreitada de Schwarz, nesse aspec­
to, lhe é diam etralm ente oposta, cuidando atentam ente do pro­
blema da form a (embora isto não signifique, sem mais, gênero).
Com isto, adentramos diretamente no âm ago do problema, a có­
pula do subtítulo, e é preciso ir a G eorg Lukács para buscar as
formulações que inform am as análises de Roberto Schwarz.

A tom ada d e p osição teoricam ente co rreta com relação à fo rm a do


rom ance p ressu p õ e um a tom ad a de p osição teo ricam ente correta co m rela­
ção ao riesenyo lvim ento cheio de con trad içõ es da so cied ad e capitalista72.

71. Schw arz, op. rít., 2000, p. 51.


72. G eorg Lukács, “D er Rom an” (1934), 1981, p. 20. A seleção dos escritos de
Lukács citados neste texto lim ita-se aos citados p or Schw arz em ^4o Vencedor
as Batatas.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 117

N ote-se, com o perdão da reiteração: não há forma verda­


deira que não se faça senão por determ inação social; a com ­
preensão da form a exige a com preensão do processo social. No
romance do século X IX , isto significa necessariam ente a com ­
preensão da relação entre forma romanesca e desenvolvimento
do capitalismo. Ora, se temos, como indica o problema do desen­
volvimento desigual porém combinado, um certo capitalismo, sin­
gular73, está posta a questão acerca de um certo romance, tam­
bém ele sin gular, e de um certo realism o, p articu lar. P ela
argum entação lukacsiana, é preciso com preender a especificidade
do desenvolvim ento do capitalismo no Brasil, sem o que é im ­
possível com preender a forma do romance. No caso de Lukács,
isto foi pensado muito mais no contexto das peculiaridades do
desenvolvimento do capitalismo na Europa (França, Inglaterra,
Itália, Alem anha, Rússia), mas a questão perm anece de pé e
formulada potencialmente para outros casos; Schwarz tomou para
si a tarefa e desenrolou-a em A o Vencedor as batatas. A idéia
trotskiana do “desenvolvimento desigual e com binado” é, diga­
mos, como que potenciada: pode-se dizer que a form a do rom an­
ce também passa pelos dois momentos, da desigualdade — o
processo do romance brasileiro não se confunde com o processo
do rom ance europeu, a form a m achadiana não se confunde sem
mais com a form a do romance europeu, nem o processo de
form ação do romance brasileiro segue o ritmo e as etapas do
processo europeu — e da combinação — o desenvolvimento da
forma romance precisa ser considerado em sua totalidade, a for­
ma m achadiana se faz forma em diálogo com a form a da matriz e
com a história das form as na Europa e levando-as em considera­
ção. Este último ponto é atestado, facilmente, pela crítica literá­
ria de Machado, como por exem plo na já citada sobre um rom an­
ce de M acedo, na célebre acerca do “instinto de nacionalidade”,

73. Arantes, op. cif., 1992, p. 49. J á se viu a relevância do problem a para Faoro.
118 L E O P O L D O W A IZ B O R T

na crítica a O Primo Basílio e outras m ais74. Assim , torna-se essen­


cial estudar a posição relativa no sistem a solar do capitalismo
(das mercadorias e das idéias), pois que a forma romance que se
tem em vista pressupõe as contradições específicas dessa socie­
dade, que ele “retrata”75. Esta é um a das razões do célebre
capítulo inicial de A o Vencedor as Batatas e, de quebra, mostra
como a análise torna-se sociológica —e, com o em toda sociologia
que se preza, histórica76.
Portanto, estamos nos encalços de Lukács quando Schwarz
firm a posição pelos “pressupostos sociológicos das form as”77,
modo de retom ar o passo supracitado. Vale então ver de perto
como a lição lukacsiana vem formulada no sociólogo brasileiro:

E is o q u e in teressa: p assan d o a p ressu p o sto so cio ló gico u m a p arte


d as co n d içõ es h istó ricas o rigin ais reap arece, co m su a m esm a ló g ica, m as
a g o ra no p lan o da ficção e com o resu ltad o form al. N este sen tid o , fo rm as
são o ab strato d e relaçõ es so ciais d e te rm in ad as [...]78.

Quem objetar que há aqui tanto Antonio Cândido quanto


Lukács não deixa de ter razão, mas o caminho tem sua sutilidade.
Em seu estudo sobre o modo como seu mestre resolve o pro­
blema da relação de literatura e sociedade, desde o início o tema
está posto no program a que reaparece no subtítulo de A o Vence­
dor as Batatas-, “dialética de forma literária e processo social”79.
N esse estudo, Schwarz como que resum e o núcleo forte do
argum ento no seguinte passo:

74. Ver M achado de A ssis, op. cit., 1986, vol. 3, pp. 785 ss.
75. Cf. Lukács, op. cit., 1985, p. 26.
76. M ais sobre o ponto em A rantes, op. cit ., 1992, parte II.
77. Schwarz, op. cit., 2000, p. 51.
78. lelew, ibidem.
79. Roberto Schw arz, “Pressupostos, Salvo Engano, de ‘D ialéüca da M alandra­
gem ’”, 1979, p. 133.
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 119

A ssim , a ju n ção d e ro m an ce e so cied ad e se faz atrav és d a form a.


E sta é e n ten d id a co m o um p rin cíp io m ed iad o r q u e o rg an iza em p ro fu n d i­
dad e os d ad o s da ficção e os d a realid ad e, sen d o p a rte d o s d o is planos.
S em d e sc artar o asp ecto inven tivo, q u e existe, h á aqui u m a p resen ça da
re a lid a d e em se n tid o fo rte [...]. N o u tra s p a la v ra s, a n te s d e in tu íd a e
o b jetiv ad a p elo ro m an cista, a fo rm a q u e o crítico e stu d a foi p ro d u zid a
p elo p ro ce sso so cial, m esm o q u e n in gu ém saib a d ela. T rata-se d e um a
teo ria e n fática d o realism o literário e da realid ad e so cial enquanto form aclam .

O social tornado forma, “forma que se com preende em


term os do movim ento da sociedade global”81. Se este é o progra­
ma, sempre discreto, de Antonio Cândido82, ele não deixa de ser
inform ado tambcm pela leitura atenta de Lukács, que é o aspecto
que me interessa destacar83. Não apenas no passo já citado de
“Der Roman”, mas em toda uma série de estudos, em grande
parte escritos na década de 1930, Lukács form ula o problema da
dialética de forma e processo social. Assim , o capítulo inicial de
Schwarz sobre “as idéias fora de lugar” (assim como um passo
citado acima do livro de 1990) é pressuposto para a análise da
forma. Vejamos um passo importante:

80. Idem, p. 141.


81. Idem, p. 142.
82. Para não sobrecarregar o leitor c guardar assunto para um artigo próximo,
fica de lado um a discussão em detalhe de com o estes problem as todos
aparecem e vivem na obra de A ntonio Cândido.
83. “A h, eu confesso totalm ente a m inha dívida para com Lukács. N o meu
entender, ele é o m aior crítico do rom ance até o advento da literatura m oder­
na. O meu M achado de Assis depende inteiram ente de Lukács. N ão há a
m enor dúvida, porque a referência ao rom ance realista do século X IX é toda
fundada nele. A liás, eu o cito abundantemente, não escondo essa influência de
maneira nenhum a”. Roberto Schw arz em entrevista a G ildo M arçal Brandão
e O. C. Louzada Filho em Encontros com a Civilização brasileira, 15, 1979, p. 101
(agradeço a Carolina Pulici a indicação da entrevista). Ainda sobre isto algo no
prefácio de Schw arz, op. cit., 1998, p. 13; e tam bém em “Pressupostos, Salvo
Engano, de ‘D ialética da M alandragem ’”, op. cit., p. 141.
120 L E O P O L D O W A IZ B O R T

A o lon go d e su a rep ro d u ção so c ial, in can sav elm en te o B rasil p õ e e


rep õ e id éias eu ro p éias, sem p re em sen tid o im p ró p rio . E n esta q u alid ad e
q u e elas serão m a té ria e p ro b lem a p ara a literatu ra. [...] O ra, a g rav itação
c o tid ia n a d as id éia s e d as p ersp ec tiv as p rátic as é a m atéria im e d ia ta e
n atu ral d a literatu ra P o rtan to , é o p o n to d e p artid a tam b ém d o ro m a n ­
ce, qu anto m ais do ro m an ce realista. A ssim , o que esd v em o s d escrev en d o
é a feição e x a ta co m q u e a H istó ria m u n d ial, n a fo rm a e stru tu ra d a e
cifrad a d e seus resu ltad o s lo c ais, sem p re rep o sto s, p assa p ara d en tro da
e sc rita , em q u e ag o ra in flu i p ela v ia in te rn a [...]. N o utras p alav ras, d e fin i­
m o s um cam p o v a s t o e h etero gén eo , m as e stru tu rad o , q u e é restdtado h i s t ó ­
r ic o , e pode ser origem artística. [...] a m atéria d o artista m o stra assim não
ser in fo rm e: é h isto ric am e n te fo rm ad a, e re g istra d e algum m o d o o p ro c e s­
so social a q u e d eve a su a existên cia. A o form á-la, p o r sua vez, o escritor
sobrepõe um a form a a outra form a, e é da felicidade desta operação, desta
relação com a m atéria pré-form ada —em que im previsível d o rm ita a H istória -
que vão depender profundidade, força, com plexidade dos resultados84.

O passo é complexo e precisa ser escandido aos poucos. Em


primeiro ligar, note-se que se trata de passo conclusivo do m encio­
nado capítulo inicial do livro, capítulo este que pela sua posição e
pelo que se diz no trecho citado é a base sobre o qual assenta a
interpretação que lhe sucede - daí ter-lhe dito pressuposto, embora
seja um pressuposto posto85. Tendo discutido que, não obstante sua

84. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 29, 30-31.


85. U m a nota sobre a organização de A o Vencedor as Batatas. M esm o em sua
form a, o livro parece seguir um a inspiração lukacsiana. C om posto de três
capítulos, o prim eiro destaca os pressupostos históricos e ideológicos, arm an­
do a situação para a interpretação literária que vem a seguir; o segundo trata
dos precedentes, a im portação do rom ance com o form a e sua figuração por
A lencar; o terceiro, p or fim, trata de M achado, o verdadeiro objeto anuncia­
do, a form a que se quer entender. Com freqüência, Lukács inicia suas obras
com um capítuio sobre as condições históricas e sociais do surgim ento do
fenômeno em pauta, ou com as peculiaridades de um desenvolvim ento ou de
um a situação, p ara a seguir encam inhar o desenvolvim ento de seu terna e
problem a. Isto foi elucidado pelo próprio Schw arz em seu texto sobre Anto-
nio C ândido, já m encionado, onde se lê: “N estes casos, o crítico tem de
construir o processo social em teoria, tendo em m ente engendrar a generalida-
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 121

centralidade, a relação de escravidão não ocupa o centro da discus­


são ideológica no Brasil do século XIX (“Sendo embora a relação
produtiva fundamental, a escravidão não era o nexo efetivo da vida
ideológica”86), o salto de Rodhos do argumento de Schwarz é que,
sendo a v i d a ideológica lastreada nos í a t i f L i n d i á r i o s e homens livres,
e sendo a relação destes com aqueles ordenada pelo favor , este
último tom a-se o mecanismo que rege a vida ideológica:

0 fa v o r é a nossa m ediação quase universal — e sen d o m ais sim p ático d o


q u e o n ex o e sc ra v ista , a o utra relação q u e a co lô n ia n os leg ara, é c o m ­
p reen sív el q u e os escrito res ten h am b asead o nele a sua in terp retação d o
B ra sil, in v o lu n tariam en te d isfarçan d o a v io lên cia, que sem p re rein o u na
e sfera d a p ro d u ç ão 87.

A mediação lastreia formas concretas de vida, o processo


social, destinos individuais, arm ando-se dessa complexa maneira
o que será a m atéria para a elaboração literária do escritor brasi-

de capaz de unificar o universo rom anesco estudado, generalidade que antes


dele o rom ancista havia percebido e transform ado em princípio de constru­
ção artística”. Schw arz, op. cit., 1979, p. 140,
86. Schw arz, op. cit., 2000, p. 15. Lem bro o leitor de afirm ação anterior, acerca de
Faoro, da tensão existente entre as idéias e o m odo com o e)as existem na
prádea com o fundam ento do moralismo. Sobre o debate ideológico das
elites, Faoro, op. cit., 2001b, pp. 179, 187 e 196.
87. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 16-17. Cabe n o tar que a id éia do favor, calib ra­
do p elo arb ítrio , com o m ed iação universal na so cied ad e b rasileira e sua
figuração literária, isto é, a “adequação p erfeita en tre realid ad e social e
rep resen tação lite rária”, foi tem a de trabalho sem in al da so cio lo g ia b rasi­
leira no lim iar dos an o s de 1970: M aria Sylvia C. Franco M oreira, “R ealida­
de Social e Representação Literária: Um E xem plo Brasileiro (A Vontade
Santa)”, 1970, pp. 120-159, cit. p. 138. O texto indica, de m odo prim oroso,
até onde vam os em um a análise sim ilar a de Schwarz, que, no entanto, se
abstém de chegar aos problem as da form a literária. Com o não poderia
deixar de ser, tam bém Faoro percebe o problem a da “reciprocidade dos
favores” , reconhece a sua generalidade, mas não o torna estrutural nos term os
de Schw arz. Ver Faoro, op. cit., 2001b, p. 161.
122 L E O P O L D O W A IZ B O R T

leiro, do romance, de Machado de Assis. Dá corpo, ainda, à forma,


que por ela se pauta, por meio dela se figura. E a isto atrelada a
idéia do romance realista, ainda, a esta altura da argumentação, não
mais do que lembrada, para ser depois rigorosamente construída.
Compreendendo o processo do capitalismo como, vim os, um
processo m undial88, Schwarz pode entender o qüiproquó das
idéias —o que era ideologia e, na Europa, correspondia à aparên­
cia socialmente necessária, era justificação, aqui não corresponde
a aparência algum a e nada poderia justificar —como form a pró­
pria e necessária de participação no todo, de sorte que o rom an­
ce, tem atizando o local em sua form a quiproquosada (e vejo aqui
o “Umschlag” m arxista89), alcança o todo. Se o resultado históri­
co pode ser origem artística — precisam ente o que vai ocorrer,
no entender de Schwarz — vemos aqui ainda o pressuposto de
que a obra de arte é radicalmente (isto é: na sua raiz) histórica
(razão pela qual o grande Realismo europeu passa, inicialmente,
pela form a do rom ance histórico, no entender de Lukács). O
problema que se form ula é então precisam ente a indagação acer­
ca do modo como essa raiz histórica lastreia e está presente na
obra literária. Este o program a d c s l o Vencedor as Batatas. Note-se,
entretanto, que tratamos de formas, sem pre históricas. A situação
dependente do país colonizado engendra uma forma, a partir da
qual o romancista trabalha, isto é, cria sua form a literária. Assim
como o desenvolvimento histórico europeu engendra uma forma
própria para o romance realista, que depende desse processo his­
tórico no qual se inscreve, o mesmo precisa ser pensado para o
que ocorre na periferia: daí que a questão se torna perceber como
e em que consiste a forma própria do romance machadiano, e em
que medida essa forma trabalha a forma primeira, o que está “pré-

88. Cf. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 25 e 31.


89. Cf. respectivam ente K arl M arx, Das Kapital. Krítik der politischen Òkonomie,
1966, vol. 1, p. 86 (MEW, 23) e Ruy Fausto, Marx: Lógica e Política, 1983, tomo
1, cap. 1.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 123

formado”. Se não elabora uma forma própria, perde-se o nexo do


“desenvolvim ento desigual e com binado” e da situação histórica
particular90.
N ote-se que, em todo este desenvolvimento, estamos acom­
panhando Lukács bem de perto. Assim, pode-se ler em um texto
escrito quarenta anos antes (Schwarz poderia muito legitimamen­
te dizer: ‘“tis forty years since”): o “ponto de vista metodológico
decisivo é a investigação da interação [Wechselwirkung] entre o
desenvolvim ento econômico e social, e a visão de mundo que
dele brota, e a forma artística”91. Passo propositadam ente colhido
em D er historische Rornan, obra citada em A o Vencedor as batatas e
que se põe como problema exatamente a dialética de forma e
processo social. Daí o próximo passo:

[...] só e m teo ria d á-se o co n fro n to d ireto en tre u m a fo rm a literária c um a


estru tu ra so cial, já q u e esta, p o r ser ao m esm o tem p o im p alp áv el e real,
não co m p arece cm p esso a en tre as duas cap as d e um livro. O fato de
ex p eriê n cia, p ro p riam en te literário , é outro, e é a e le q u e a b oa teo ria deve
ch egar: está no aco rd o ou d esaco rd o en tre a fo rm a e a m atéria a q u e se
ap lica, m atéria que esta sim é m arcad a e fo rm ad a p ela so cied ad e real, de
c u ja ló g ica p assa a se r a re p re se n ta n te , m ais ou m en o s in c ô m o d a, no
in te rio r da lite ratu ra92.

Nossa m atéria, sendo histórica e tendo história própria, de­


manda form a própria. Aliás, acordo e desacordo entre forma e
matéria é o tema constante do Lukács citado, pois investigar o
romance histórico significa em preender um extenso estudo acer­
ca do modo como a matéria histórica aparece (e desaparece) no
romance europeu do século XIX. Exige rastrear o desenvolvi­
mento da form a desde seus antecedentes no século XVIII, pas­

90. Cf. Schw arz, op. cit., 2000, p. 36.


91. G eorg Lukács, D er historische Roman, 1965, pp. 19, tb. 21, 160, 343, 408, 422,
426,passim.
92. Schw arz, op. cit., 2000, p. 56.
124 I.E O P O L D O W A 1 Z B O R T

sando pela “form a clássica do rom ance histórico” em Scott &


Púchkin e chegando em Balzac, que a suprime, conservando-a,
ao fazer do rom ance a história do presente. Isto só para lem brar
que a form a está nessa relação com plicada - dialética —com a
matéria, que em última instância é histórica, no sentido de que é
resultante do movimento da sociedade como um todo. Acordo
ou desacordo significa: se o rom ance — a form a —é verdadeira
ou falsa: se consegue expor, artisticamente, a realidade em sua
com plexidade (o que significa: em suas determ inações sociais),
ou se a falsifica93.
Daí que “nossa matéria encontra densidade suficiente só quan­
do inclui, no próprio plano dos conteúdos, a falência da forma
européia, sem a qual não estamos com pletos”94. Assim, à matéria
que não pode ser a européia —já se viu que nossa mediação é o
favor e não o dinheiro, tal como no capitalismo da matriz —soma­
mos a impossibilidade de sua forma que se constitui em “interação”
com sua realidade, e a busca de forma própria.

N o utro s term o s, p ara c o n stru ir u m ro m an ce verd ad eiro é p reciso


q u e su a m atéria se ja v e rd ad e ira. Isto é, p ara n o s s o c a s o d e p aís d e p e n d en ­
te, que seja u m a sín te se em que figure co m reg u larid ad e a m arca d e n o ssa
p o sição d im in u íd a no sistem a n ascen te d o Im p erialism o . P or força d a im i­
tação , d a fid elid ad e ao “c u n h o n acio n al”, as id eo lo g ias d o fav o r e lib eral
e stão reu n id as em p erm an ên cia, fo rm an d o um q u eb ra-cab eças q u e ao ser
a rm a d o [...] irá d a r um a figura n ova e n ão -d im in u íd a da d im in u ição bur­
g u e sa , c u jo c ic lo a in d a hoje. n o s inte.ie.ssa, p o is n ã o se encerro u95.

Já no âmbito dos termos Schwarz indica a filiação lukacsiana:


esse “com regularidade” é a “Gesetzmässigkeit” de Lukács; o
“figurar” é o “gestalten”. O conteúdo do passo é - confira-se -
uma paráfrase da citação de Lukács com que iniciamos. M atéria

93. O ponto está desenvolvido em Lukács, op. cit., 1965.


94. Schwarz, op. dt., 2000, p. 74.
95. Idem, p. 75.
I N F L U Ê N C IA S E 1 N V E N Ç À O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 125

verdadeira, posição no sistem a, quebra-cabeça dizem respeito ao


desenvolvim ento contraditório da sociedade capitalista. Até este
p o n to , Schwarz está abordando o s in ício s d o ro m a n ce, o proble­
ma de sua importação, armando o quadro no qual M achado vai
adentrar. E note-se, de passagem, a confluência com o diagnósti­
co de Faoro, no que diz respeito à persistência, nos termos de
um, ciclo, no de outro96. Isto posto, vejamos o que há a dizer
acerca de M achado de Assis.
N a parte em que fala das “generalidades” acerca do rom an­
ce machadiano da prim eira fase, Roberto Schwarz avança sobre o
conformismo m arcante dos prim eiros romances, já resultado de
desilusão do jovem Machado de Assis com o ideário liberal. Isto
leva-o a com ungar com elem entos fortes do pensamento da rea­
ção, em sua defesa da família, da tradição, da honra e dignidade.
No caso de Machado, esta conversão dá-se pela via do paterna­
lismo ou, como diz o título do próprio Schwarz, “O paternalis­
mo e a sua racionalização nos primeiros romances de Machado
de A ssis”97. (Vale destacar a formulação: o paternalism o, nessa
altura histórica, já é objeto de racio n alização no rom ance
machadiano, donde se percebe o processo em curso, no qual o
paternalism o será crescentemente racionalizado por conta da ou­
tra, e nova, lógica que passa a imperar, embora sem jamais anular
por com pleto a anterior...) Que este processo cumula em contra­
dição, é evidente e amplamente exposto por Machado de Assis,
como, por exemplo, neste trecho de A M ão e a Luva, to m a à o por
Schwarz como epígrafe a um subcapítulo do livro: “um bom
cálculo, [...] todo filho do coração...98”.
Assim , superado um prim eiro momento de entusiasmo libe­
ral, M achado sustenta suas tramas romanescas em tópicos da

96. N este, decerto, tributário de Caio Prado Jr. e Celso Furtado.


97. Schwarz, op. cit., 2000, cap. 3, pp. 81-231.
98. Idem, p. 95.
126 L E O P O L D O W A IZ B O R T

“ideologia antiliberal”99. Quando se tem em mente que o capítu­


lo primeiro do livro de Schwarz dava notícia precisam ente dos
desencontros da ideologia liberal por estas bandas, já há por aí
algo a se esperar dessa reviravolta machadiana. Vejamos a passa­
gem a respeito:

R eto m an d o n o sso fio, d igam o s que a exclu são da re ferên c ia lib eral
e v itav a o d escen tram en to d as id eo lo g ias, d e q u e tanto falam o s, m as ao
p reço d e c o rta r as lig aç õ e s com o m u n d o con tem po rân eo . P ara a v a lia r as
am b igü id ad es d e sse p ercu rso , to m e-se a m ilitân cia an ti-realista d e M a c h a ­
d o d e A ssis, em c u jas p alav ras o R ealism o “é a n egação m esm a d o p rin c í­
p io d a a rte ”. S ão eco s d a d o u trin ação da R em e des D eux M ondes, p ara a qual
R ealism o, d em o cracia, p leb e, m aterialism o , g íria, su jeira e so cialism o eram
p a rte d e um m esm o e d etestável con tín uo . A n o rm a é an tim o d e rn a em
to d a a lin h a. A re c u sa d a m atéria baixa lev a à p ro cu ra d o a ssu n to elevado ,
q u e r d iz e r ex p u rg ad o d as fin alid ad es p ráticas da v id a co n tem p o rân ea. [...]
N o entanto, h avia da p arte de M ach ado um a intenção realista n este anti-
realism o con servado r, se o con sideram o s exp ressão de exp eriên cia e c eticis­
m o —o q u e não era na E urop a, onde rep resentava um recuo intelectual —em
face do cabim ento d as id éias lib erais no B rasil. D estin ad o a e sfu m a r os
an tag o n ism o s d o reg im e b u rg u ês, o an ti-realism o n ão os p o stu lav a, e nos
p ou pava da ilu são d e serm o s a F ran ça... M esm o a exclu são d o assun to
b aixo, em esp écie as m isérias m o d ern as, o casio n ad as pelo C ap ital, era p ara
n ós a exclu são de um a ssu n to com tro p ism o s frívolos. E n q u an to q u e a
e le ição d e assu n to s d eco ro so s — p atern alism o a n te s q u e d in h eiro — levava
p ara m ais p erto da v id a p o p u lar q u e a d ialé tic a do d ito C a p ita l100.

Esta já é um a solução que Schwarz oferece para o realismo de


M achado de Assis, para aquele certo realismo. Em primeiro lugar, sua
feição lukacsiana, que é seu âmago. Aqui, o critério está dado pela
“vida popular”: o que legitima e dá lastro ao realismo de Machado
(nos termos citados: “intenção realista do anti-realismo”) é o fato
de este apresentar elementos da vida popular, tal como Lukács

99. Idem, p. 85.


100. Idem, pp. 86-87. D eixei de lado duas notas de rodapé do texto original.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 127

discutiu extensamente em vários de seus escritos. Tendo Schwarz


tomado o critério da vida popular, pôde avaliar se a sua figuração no
romance realiza-se de modo mais verdadeiro através da regra dos
velhos tempos —o decoro —ou dos novos —o dinheiro. Ou seja, o
paternalismo é mais importante aqui do que o dinheiro, porque por
seu meio podemos chegar ao âmago do elemento realista do roman­
ce, a figuração da vida popular. Por meio do dinheiro, ao contrário,
isto não se realizaria de modo tão definido, pois que a sociedade
não se regulava apenas pelas maneiras do capital e, nesse domínio,
certamente o dinheiro definia menos intensamente do que as rela­
ções pessoais de dependência.
Tomemos D er historiche Woman, ao qual me limitarei por econo­
m ia (em se tratando, decerto, de uma obra importante para Schwarz).
Ali, o elemento popular, a “vida popular” (“Volksleben”) é o crité­
rio de verdade da forma sob a qual se discute o realismo, a saber, o
romance histórico. Scott, Balzac, Púchkin, Gogol, Manzoni, Tolstoi,
Cooper são autores que, precisamente, figuram a vida do povo em
suas obras, a cada vez, é claro, sob próprio matiz. Não obstante, o
critério de verdade está dado pelo caráter concreto, histórico do
romance, e Scott é exemplar ao figurar “as grandes transformações
da história como transformações da vida popular. [...] A vida real­
m ente viva da realidade histórica de W alter Scott é a vida do
próprio povo” 101. Em contraposição a isto, nos romantismos de

101. Lukács, op. cit ., 1965, pp. 59, 67; tb. 407. Saliente-se que “vida popular”, para
Lukács, c conseqüentem ente para Schwarz, não se refere absolutam ente ape­
nas aos “de baixo”, m as à totalidade. Este mom ento é essencial. Vale citar:
“O caráter popular da arte de Scott não consiste, portanto, em que ele figure
exclusivam ente a vida das classes oprimidas- e espoliadas. Isto seria uma
concepção restrita do caráter popular. C om o todo grande poeta, W alter
Scott objetiva figurar o conjunto da vida nacional em sua com plicada intera­
ção entre ‘em cim a’ e ‘em baixo’. A tendência muito enérgica ao caráter popular
m anifesta-se nele p or reconhecer no ‘em baixo’ a base m aterial c o funda­
mento da explicação literária da figuração do que ocorre ‘em cim a”’. Lukács,
op. cit., 1965, p. 59; tb. 254, 346 e 360. Com o se vê, o cam inho da totalidade.
228 L E O P O L D O W A fZ B O R T

variada lavra, assim como em geral no romance pós-1848, não há


“vida do povo”, a não ser como elemento acessório, não central:
mero “material ilustrativo abstrato” 102.
N ote então o leitor que Schwarz toma como critério de
julgamento - a presença e figuração da vida popular —o parâm e­
tro lukacsiano, donde a possibilidade de aquilatar o que há de
realismo no anti-realism o de Machado. Ou seja: embora crítico
de certo realismo, M achado figura um outro realismo, marcando
assim uma especificidade. Mas este outro realismo responde, ao
seu modo, ao critério supremo do realismo que Lukács detectara
na matriz. A ssim , o critério que na Europa se realizava sob viés
progressista, realiza-se na periferia sob bandeira tradicionalista.
U m qüiproquó, uma figura da dialética. M ovimento este que,
ademais, é o núcleo do argumento.
O recuo liberal é extensamente trabalhado por Lukács, sobre­
tudo tendo sob os olhos a literatura posterior a 1848. Dentre as
variadas implicações do massacre de junho, uma delas é a metamor­
fose no entendimento da história: se antes ela era compreendida
como um processo contraditório e o desenvolvimento considerado
prenhe de contradições, após 1848 a reviravolta burguesa passa a
com preender a história expurgada da contradição. E isto que
Schwarz tem em vista ao falar do esfumaçamento dos antagonis­
mos, objetivo da nova ideologia burguesa. Ora, tais antagonismos
são resultantes da contradição entre capital e trabalho, contradição
esta que não vale no regime local, escravista. Este o raciocínio do
autor. Mas com sua nota específica; por tudo isto, o anti-realismo é
a realização do realismo, entendido como figuração da vida popular.
Além disso, e retomando a menção anterior à teoria enfática do
realismo, fica então claro como não se trata de uma doutrinação
form alista do estilo, mas sim da figuração do desenvolvimento
social em sua dinâmica própria.

102. Lukács, op. cit., 1965, p. 82.


IN F L U Ê N C IA S E 1N V F .N Ç Â O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 129

Não seria exagero também entender, e ainda estamos nos


domínios daqueles primeiros romances, que esse modo de figura­
ção é a concretização de um certo instinto de nacionalidade, em que
se capacita a falar do que é especificamente nosso, inscrevendo-o
no mesmo movimento em âmbito geral. Que o tradicionalista apare­
ça como não-tradicionalista, que o não-moderno apareça como não-
não-moderno (isto é: como um moderno próprio), são formas
dialéticas da interversão, como ensinou Ruy Fausto, ou então um
quiproquó similar ao mencionado por Adorno103, leitura da predile­
ção do crítico em pauta. De tudo isto se depreende que Machado
percebe as condições de possibilidade de uma certa figuração rea­
lista em seus romances, extraindo da dupla delimitação —represen­
tada, por um lado, pelo romance de Alencar104, por outro pelo
romance europeu —um espaço próprio, um modo próprio de figura­
ção realista.
Com a figuração de um realismo específico, adentramos em
outro tópico lukacsiano, embora agora não mais exclusivo. Em
Lukács o problema é desenvolvido sobretudo visando a Tolstoi,
por conta precisam ente da “peculiaridade do desenvolvimento rus­
so”105. Embora este aspecto não apareça em primeiro plano, ele é
substancialmente constitutivo da teoria do Realismo. Ocorre, por
exemplo, quando Lukács percebe diferentes “tipos de realismo” ao
mostrar a diferença do romance de Rabelais frente a Defoe, e ao
indicar o romance in statu nascendi em contraposição ao romance mais

103. Cf. T h eodo r W. A dorno, “Über den Fetischcharakter in der M usik und die
Regression d es H òrens” (1938), 1982, p. 20.
104. Q ue, com o se sabe, o sociólogo exam ina no segundo capítulo do livro em
pauta: “A Im portação do Romance e suas Contradições em A lencar”, em
Schwarz, op. cit., 2000, pp. 33-79.
105. Lukács, op. cit., 1965, p. 256. E ste é um ponto m uito im portante; falta-me
fôlego e com petência para desenvolvê-lo. Rem eto às form ulações funda­
m entais de Auerbach, op. cit., 1994, pp. 483-487, esp. p. 486, que precisariam
ser confrontadas e relacionadas com os problemas postos porTrotsky, Lukács
e Schwarz.
130 L E O P O L D O W A IZ B O R T

moderno; usa, portanto, a expressão “tipo de realismo” para demar­


car um tipo dentre outros possíveis106. Corno não poderia deixar de
ser, isto tem um nexo essencial com a relação de forma literária e
processo social, de sorte que diferentes etapas do desenvolvimento
do capitalismo implicam diferentes possibilidades de figuração do
romance'07, tudo isto pensado, no caso de Schwarz, sob o viés do
desenvolvimento desigual e combinado108—e com tudo isto estamos
tão-somente no programa enunciado no subtítulo.
Mas neste ponto Schwarz também está a dialogar com Erich
Auerbach, embora “sem alarde de método ou term inologia”, a
esconder um a sua “inspiração essencial” 109. Pois neste caso, a
preocupação está em m ostrar como se trata menos de um realis­
mo, e mais de uma série ampla, no limite infindável, de realismos
específicos, entendidos como modos de apresentação da realida­
de na obra literária. D onde o resultado da análise de Schwarz
acrescenta mais um a possibilidade110. Dito em outra chave: ao

106. Lukács, “D er R om an”, 1981, p. 35.


107. Cf. a contraposição Inglaterra/França in Lukács, op. dt., p. 38; também as especi-
ficidades dos desenvolvimentos francês e alemão, cf. Lukács, op. cit., 1965, pp.
394, 395 e 411.
108. Lukács, op. cit., 1981, p. 40, aproxim a-se questão ao tratar do caso russso.
O bviam ente, seria im pensável para o húngaro refugiado em M oscou nos
anos de 1930 qualquer referência, por velada que fosse, a Trotsky, quanto
m ais não fosse as divergências ante um a “teoria literária trotskista” . Ricardo
M usse disse-m e que aqui a referência cm pauta, para Lukács, é antes Lcnin,
em sua obra de 1905, Programa A grário da S ocial Democracia.
109. Assim Schwarz sobre o marxismo de Antonio Cândido (Schwarz, op. cit., 1979,
p. 133), o que, creio, vale para si m esm o com o relação a Auerbach. Este é
citado apenas um a vez em A o Vencedoras batatas (op. cit, p. 203, rodapé), mas há
também referências não nominais (p. 86, já citada; tb. 145-146). N ão obstante,
ele é muito im portante para o andam ento de Schwarz, em bora em plano
diferente que Lukács. Neste ponto há, também, um nexo que passa p or A nto­
nio Cândido e que apenas assinalo, para desenvolver em um outro texto.
110. Q ue não se trata de um a possibilidade qualquer, o leitor vai percebendo passo
a passo, necessitando inclusive do passo que leva à m etade de 1990, por ora
fora de consideração.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 131

m ostrar como M achado de Assis apresenta a realidade, Schwarz


oferece mais um capítulo ao Mimesis. Isto Schwarz está a indicar
de maneira levem ente cifrada, ao retom ar o problema da separa­
ção e mescla de estilos, o ostinato que serve de parâmetro em
Auerbach. Então, como se vê no passo citado, estamos a falar de
“matéria baixa” e “assunto elevado”, “assunto baixo” e “assuntos
decorosos”. Vale uma amostra sucinta do problema na voz de
Auerbach:

[...] a v id a p o lítica, e co n ô m ica c so cial en tro u na literatu ra, em toda a sua


e xten são c co m tod o s os seu s p ro b lem as, so m en te a p artir d e Sten d hal e
B a lza c ; e tra ta -se da v id a c o n te m p o râ n e a e a tu a l, c o n sid e ra d a n ão na
fo rm a g en e ra liz a d o ra e estática d o s m o ralistas, m as com o um co n ju n to de
fen ô m en o s ap resen tad o s com suas cau sas p ro fu n d as, sua in terd ep en d ên ­
c ia , seu d in am ism o ; c o m p ro v a-se, o u tro ssim , que q u aisq u er p esso as, sem
d istin ç ão d e p o siç ão so cial, podem d esem p en h ar um papel trágico , e que
n ão é p reciso um m eio n o b re, real ou h eró ico p ara c en a d e u m a ação
trágica. F oram p o rtan to eles q u e realizaram p ela p rim eira vez na F rança
(p o d e-se m esm o d izer, com algu m as restriçõ es, na E uro p a) a m istu ra dos
g ên ero s na su a fo rm a m o d ern a. E ssa m istu ra, ch am ad a co m u m en te de
R ealism o, m e p arece a fo rm a m ais im p o rta n te e a m ais eficaz da literatura
m o d ern a; a co m p an h an d o de p erto as ráp id as tra n sfo rm a ç õ e s d e n ossa
vid a, a b ran gen d o cad a v e z m ais a to talid ade da v id a d o s h o m en s so b re a
T erra, p erm ite-lh es ter u m a v isão d e co n ju n to da realid ad e co n creta na
qu al v iv em [...]111.

111. Erich A uerbach, Introdução aos Estudos U terários, 1970, p. 243. Embora não
citado por Schw arz, o livro resum e o problem a desenvolvido em detalhe em
Mimesis, este sim citado em A o Vencedor as Batatas. Para o mesm o desenvolvi­
mento, em bora de m odo m ais elaborado, Auerbach, op. cit., 1994, pp. 34-35;
cap. 18, pp. 422-459, esp. pp. 431, 441, 447, 448, 458 e 515. Voltarei ao
ponto. N ota-se claram ente, além do problem a que estou discutindo, com o
estam os inteiram ente no âm bito da discussão de Faoro, conform e assinalei
anteriorm ente. Valeria a pena um a análise mais detelhada do entendim ento
de Stendhal por Auerbach, que talvez perm ita em alguns aspectos aproxim a­
ções com M achado de A ssis, m argeando Faoro e Schwarz.
132 L E O P O L D O W A 1Z BO R T

Não vou recolher por ora tudo o que o passo oferece;


fiquemos apenas com a questão que vinha destacando em Schwarz.
Isto significa que ele não se contenta com o enquadram ento
lukacsiano do problem a do realismo, senão que o incorpora por
dentro (isto é: mostrando como temos a vida popular figurada em
uma situação inversa) e o soma à formulação auerbachiana, no
s en tid o d e q u e, s e o rea lism o europeu do século XIX está a
enterrar a regra da separação de estilos, o nosso realismo opera
ainda com a evitação do baixo ou, mais precisamente, com a
eleição dos assuntos decorosos, e não obstante está precisam en­
te a rom per com a tal regra, na m edida em que fala da vida
popular. Talvez haja aqui novamente um movimento dialético.
Não obstante, o passo de Auerbach sugere a diferença do realis­
mo de Stendhal e Balzac frente a M achado de Assis —algo que
já vim os na pena de Faoro e a que ainda voltarei.
O que aparecia como assunto baixo no romance europeu, e
a que ele não podia se furtar, sob pena de sacrificar seu teor de
verdade (o que Lukács pretende dem onstrar extensam ente na
discussão do romance europeu pós-1848), depende precisam ente
de sua concretude histórica, do que Lukács denom inaria seu
“desenvolvimento histórico-social”, e que Schwarz indica pelas
“misérias m odernas” oriundas do capitalismo. Assim, temos o
enquadram ento de um tipo específico de realism o, segundo
Auerbach, ou do Realismo, segundo Lukács. Este último só pode
fazer sentido para nós por meio da desmontagem e remontagem
de Schwarz, pois a regra européia não vale sem mais por aqui.
Aquele primeiro, por seu lado, oferece um enquadramento su­
gestivo para o resultado da remontagem.
O passo em pauta é, como se vê, especialm ente sugestivo
por adensar três aspectos: a incorporação criativa das análises de
Lukács, de Auerbach, e a análise do que M achado faz, isto é , do
que é o romance de Machado. Continuemos, agora pelo núcleo
da interpretação de Schwarz, o romance de 1878:
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 133

E m la iá G arcia, d esd e as p rim eiras p ágin as, o leito r p erceb e a re a lid a ­


de m ais ab u n d an te, m en o s esq u em ática, e ain d a assim m elh o r un ificad a.
C om o era de e sp erar, a ap reciação realista d as relaçõ es so ciais é p ro pícia
tam b ém ao realism o literário , e se n ão asseg u ra o ân gu lo crítico rad icai,
p ois p o d e se a sso c ia r a u m a atitu d e co n fo rm ista, assegu ra a p ro p ried ad e e
a latitu d e n a in co rp o ração da em p iria. S e nos ro m an ces an terio res a e stre i­
teza do p o n to d e v ista acab av a p or d istan c iar o p atern alism o literário do
q u e se p ratic av a efetiv am en te, ag o ra M ach ad o está n u m a p o sição q u e os
ap ro xim a, e q u e p e rm ite a circu lação m ais d esafo g ad a en tre os esp aço s do
ro m an ce e da re a lid a d e 112.

A ênfase no paternalism o, em laiá Garcia , é de caráter realis­


ta, pois fala-se cada vez mais e melhor “do que se praticava
efetivam ente” e a questão do realismo é “ver e dizer as coisas
como são”, “transpor a ordem social” 113. E assim que a caracteri­
zação dos traços e atributos do romance realista, por Lukács, é
retom ada na caracterização do rom ance de Machado de Assis (no
caso: laiá Garcia), mostrando como elem entos centrais —no lim i­
te, o que Lukács desenvolve a respeito da “totalidade dos obje­
tos” —da configuração da forma romance aparecem estruturando
e dando forma a esse romance machadiano114.
Não obstante, o livro é de um “realismo limitado” 115, que é
um modo de form ular o problema seguinte: quais são os limites
desse realismo e o que significam? Retomando a referência à
guerra do Paraguai em laiá Garcia, segue Schwarz:

R esta q u e M ach ad o to rn av a co m en su ráv eis a literatu ra d e ficção, a


v id a c o tid ian a e u m ep isó d io d ecisivo da h istó ria n acio n al, o q u e é um
fe ito m u ito a p re c iá v e l, e re p re se n ta u m a a d a p ta ç ã o v e rd a d e ira m e n te

112. Schw arz, op. cit., 2000, p. 152.


113. ldem, p. 158, que transpõe quase que literalm ente Lukács, op. cit., 1965, p. 427.
114. Schwarz, op. cit., 2000, pp. 154-155.
115. ldem, p. 156.
134 L E O P O L D O W A IZ B O R T

c riterio sa de um dos g ran d es lugares-co m u n s do realism o literário à reali­


d ad e b ra sileira 116.

Esta trinca provém «diretamente de Lukáes, que a dem onstra


e explora exaustivam ente, na chave anunciada pelo subtítulo de
Schwarz, em D er historische Koman. Com isso, Schwarz retom a a
idéia lukacsiana, utilizando-a para pensar o romance de Machado.
Mais ainda: no subsolo, Schwarz vai montando uma argum enta­
ção que lhe perm ite convergir para Lukáes, para então também
marcar diferenças. M arcar diferenças é responder ao sentido do
“realismo lim itado” — de resto, algo que também está presente
em Lukáes, a seu m odo117 —; o limite é precisam ente “o clima
privado e paternalista do livro”118. Trata-se, por assim dizer, de
uma privatização, que impede de desdobrar por inteiro o realis­
mo, que supõe a “totalidade dos objetos” apresentada pelo filtro
da “vida do povo”. A privatização, como Lukáes mostrará, carac­
teriza já um desenvolvimento do romance europeu pós-1848 —
nos seus termos: decadente. No caso da interpretação de laiá
Garcia , há uma “dissolução” do elemento histórico concreto (no
caso, cumprindo um elemento da caracterização lukacsiana do
romance histórico, o episódio de crise da vida nacional), que na
“form a clássica do romance histórico”119 seria precisam ente o
chão sobre o qual se fundamenta a form a romanesca específica,
em “motivos privados” 120.

116. Idem, ibidem. C om o a questão da G uerra do Paraguai é discutida recorrente­


m ente na literatura sobre M achado de A ssis, tem os aqui um bom caso para
aquilatar o com portam ento de Schw arz diante dessa tradição, com a qual
dialoga constantem ente. Se apenas indico o ponto, é porque o foco deste
texto é outro.
117. Penso, para dar apenas um exemplo, na sua compreensão de Prosper M érimée
em Der historiebe Roman.
118. Schwarz, op. cit., 2000, p. 155.
119. Este o título do prim eiro capíftilo de D er historische Roman, op. cit., pp. 23-105.
120. Schwarz, op. cit., 2000, p. 156.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 135

Em diálogo refinado com Georg Lukács, Schwarz trata de


com preender a diferença da situação histórica e social que está
na base do romance machadiano, de maneira a m ostrar que, no
fundo, o limite do realismo de M achado deve-se à situação histó­
rica concreta na qual estava situado; o limite do realismo de
M achado não é propriamente um limite nem do escritor, nem de
sua obra, mas de sua situação histórica concreta, e assim sendo,
de ambos. A comparação feita com George Sand demonstra-o
claram ente'2'. Como resultado, temos uma com plementação da
discussão feita por Lukács - de fato, um dos objetivos do livro
de Schwarz —indicando como em uma outra situação histórica os
“mesmos” problemas encontram form a literária; naturalm ente,
forma literária própria. Donde se vê que A o Vencedor as Batatas
não é apenas um livro sobre Machado de Assis, assim como
tam bém não é apenas um livro sobre o Brasil, senão que é
também a contribuição local à compreensão dos problemas da
forma literária e de sua relação com a realidade. De quebra, uma
intromissão poderosa no debate sobre o(s) realismo(s) e contri­
buição a uma estética marxista.
Voltemos por um instante à com paração com o romance de
George Sand, Le Marquis de Vilkmer. Neste, por conta de um grau
mais avançado de consciência histórica (mais avançado: com pa­
rando França e Brasil), as figuras da fábula — fábula que seria
semelhante à de ï aia Garcia —historicizam -se, isto é, deixam para
trás de si o caráter puramente privado dos acontecim entos da
vida, enquanto no romance de M achado de Assis não há uma
historicização semelhante, e perm anecem os no registro do priva­
do. Como Schwarz repete e reitera, não se trata de insuficiência
do romancista, mas sim da sociedade. A expressão utilizada é
“falta de dimensão histórica”; “Entretanto, a falta de dimensão
histórica tem fundamento histórico ela mesma, na distância imen-

121. Idem, p. 157.


136 L E O P O L D O W A 1Z B O R T

sa entre a vida popular e a História que fazem as nossas eli­


tes” 122. V ida popular é a expressão de Lukács e já se pecebe com
facilidade que esta falta de dimensão histórica, a ser creditada ao
processo social, há de tornar-se ela própria forma literária. Quando
isto ocorrer de modo acabado, M achado terá atingido sua m aturi­
dade e já navegaremos nas águas dos romances da segunda fase123.
Note-se que a “vida cotidiana”, destacada recorrentem ente por
Lukács e retom ada por Schwarz no passo citado, não se confun­
de com o privado, muito ao contrário (basta lembrar a discussão
acerca do drama e sua “romanização” no século X IX 124).
H á pois uma espécie de m aterialism o n o p r o c e d im e n to de
Machado de Assis, que é enfrentar as relações sociais reais (daí
seu realismo), que são não as do individualismo burguês euro­
peu, mas a família e as relações de favor:

[...] trata-se d e u m a p o sição refletid a, em q u e se reivin d ica a realid ad e das


relaçõ es so ciais co n tra os sen tim en to s “literário s” v in d o s da E u ro p a. C om
o p erd ão d o an acro n ism o , um a esp écie d e q u in au da realid ad e na cultu ra
alien ad a, q u in au am b iv alen te, em q u e estão jun to s o ataq u e à ilu são e a
aq u ie sc ê n c ia à d e sig u ald ad e so c ia l125.

H á aqui, segundo Schwarz, a descoberta de “uma lógica real,


naturalmente sem reproduzir a realidade inteira”126. E isto em duplo
sentido: por um lado o romance sempre opera uma seleção, dado
que a realidade é infinita127. Por outro, porque há o que fica de fora:
tudo o que foge ao núcleo da família e do favor. A descoberta do

122. Idem, p. 158, rodapé. Este ponto tam bém é enfática e recorrentem ente desta­
cado por Faoro, Os D onos do Poder, op. cit., p. 835.
123. Isto é indicado no último parágrafo de A o Vencedor as Batatas e faz a transição,
assim , para Um M estre na Periferia do Capitalismo: Machado de Assis.
124. Cf. Lukács, op. cit., 1965, cap. 2.
125. Schwarz, op. cit., 2000, p. 98.
126. Idem, p. 100.
127. Cf. Lukács, op. cit., 1965, pp. 109 e 370.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 137

favor c o m o mediação sign ifica perceber nexos concretos entre as


camadas sociais em jogo, coeficiente, portanto, de verdade histórica,
que por sua vez é verdade da forma romanesca. Assim, a com ­
preensão deste complexo é a compreensão dos nexos que dão
fundamento ao movimento da sociedade: lastreia formas concretas
de vida. Ora, o passo seguinte - a ser testado no romance da
segunda fase —é o alcance da totalidade. M as para tanto há obstácu­
los e dificuldades consideráveis:

C om o se sab e, a h egem o n ia cu ltu ral d a E u ro p a n ão se lim itav a às


id éias. M a is q u e e las, rep o u sav a n o s o b jeto s de co n su m o , q u e im p o rtáv a­
m o s, e q u e à sua m an eira tam b ém são v eícu lo s d e id eo lo g ia, m ais d ifíceis
d e c ritic a r a liás, e im p o ssív eis d e d e sc a rta r, p o r se re m p arte do flu xo
eco n ô m ico n o rm al [...]. Sem d escanso, a rep ro d ução do sistem a e co n ô m i­
co in tern acio n al p ren d ia os o lh o s e d esejo s da elite b rasileira a co isas e
id éia s sem q u alq u er c o n tin u id ad e co m as n o ssas relaçõ es so ciais d e b ase,
q u e ficav am re la tiv a m e n te e m u d e c id a s, sem c o ro a m en to na c iv iliz a çã o
m aterial e id eo ló g ica, in c o n g ru ê n c ia de efeito s e n o rm es, d ifíceis d e m ed ir,
que era u m fato co tid ian o de n o ssa vid a, um sím b o lo ap ro p riad o de n ossa
p o sição na divisão in tern acio n al d o trab alh o , e o in so lú v el p ro b lem a id eo ­
ló gico d o s b en e ficia d o s d a ordem , b rasileira, que n aq u ele tem p o co m o hoje
p ro cu rav am g o z a r d as v an tag en s co m b in ad as d o atraso so cial e d o p ro ­
g re sso m aterial. R eto m an d o n o sso fio, co n ceb e-se que a p eq uen a h istó ria
d e G u io m ar reú n e m uito d estilad am en te os elem en to s d e to talid ad e n eces­
sário s a um a rep resen tação p ro b lem atizad a d a v id a do p aís [ - ] 128-

Como se vê, Schwarz adota o ponto de vista da reprodução do


sistema econômico mundial, o que tem como conseqüência que o
processo social (do subtítulo) é pensado nessa dimensão. Nisto,
opera a mencionada lógica do desenvolvimento desigual e combi­
nado (donde as “vantagens combinadas” do passo). Isto significa
que a totalidade aqui é mais complexa, pois exige a visada do

128. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 106-107. C om o não posso explorar, com pare-se
com Faoro, op. cit., 2001b, pp. 250-251.
138 L E O P O L D O W A I7 .B O R T

desenvolvimento como um todo (daí a referência a Celso Furtado


em uma importante nota de rodapé129), donde os entrelaçamentos
com a sociologia do desenvolvimento e da dependência: trata-se de
uma modernização truncada, prejudicada e complexa130, que M a­
chado de Assis, em registro próprio, vai pontuando. Guarde-se aqui
o problema da totalidade, que vou abordar logo à frente. Então,
resultando de tudo isto, a tal “representação problematizada da vida
do país”, que é outro modo de dizer “apresentação histórica da
realidade”131, realismo.

Q u an d o é ac ertad a, a a ssim ila ç ã o dc c o n tra d içõ es so c ia is no e s­


q u ele to ro m an esco c ria u m c o n tex to m ais e x ig e n te , d e que a ra c io n a lid a ­
d e d o p ro ce sso so c ia l é um ele m e n to — e le m e n to q u e lh e in fu n d e a
e sp ec ia l se rie d a d e , p a rtic u la r ao ro m an ce re a lista . In c o n sistê n c ia s p a s­
sam , n esse caso , a se r q u estõ e s d e ló g ica lite rá ria tan to q u an to so c ia l, e
n esta q u a lid a d e m e sc la d a elas v êm a se r in to leráv eis. A irrita ç ã o d e ix ad a
p elo s ro m an c es da p rim e ira fase m a c h a d ia n a é lig a d a a esta e sp éc ie m ais
su b sta n c io sa d e in c o n sistê n c ia , e a ssin a la , além d o d efeito , a c o n stitu i­
ção d e u m re a lism o b ra sile iro 132.

As inconsistências sociais, que são devidas ao mencionado


desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, migram
para dentro da obra literária ou, dito de outro modo, form am a

129. Schwarz, op. cit., 2000, pp. 106-107. Aqui é lugar para um ponto pouco desen­
volvido das análises de Lukács. Trata-se da idéia de que o desenvolvimento do
capitalismo oferece novas perspectivas de figuração da realidade, no sentido de
um a “ampliação do cam po de figuração”: disto se poderia sacar que o capita­
lismo com o sistema mundial inscreve o exótico e distante em um nexo históri­
co comum. Por outra via, um a possibilidade similar à explorada por Schwarz.
Ver Lukács, op. cit., 1965, p. 423, embora m uito rápido e parcial.
130. Este, como já se viu, um tema também faoriano por excelência. Especificamente
sobre o problema da dependência, ver Faoro, op. cit., 2001a, pp. 457-458.
131. N ote-se, m ais um a vez com pedantism o, a term inologia: “dargestellten
historichen W irklichkeit” (Lukács, op. cit., 165, p. 256) é a mesma expressão de
A uerbach, apenas enfatiz.ando o “histórico”.
132. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 101-102.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 139

forma. São aquela m atéria pré-form ada, com a qual a forma


ajusta suas contas. Por vezes melhor, por vezes pior. E note-se
que, aqui, trata-se de “realismo” com erre minúsculo, pois não
mais o “Realismo” tal como formado em sua dialédca européia,
como form a geral, mas sim um realismo específico, tingido por
nossa realidade que, sendo periférica, exige remodelação.
A questão é muito instrutiva. Lukács falava do Realismo
(que Schwarz escreve com maiúscula) europeu e o seu modelo
servia inclusive além-mar, em Cooper. O problema do choque
das civilizações indígena e européia, na Am érica do Norte, pode
ganhar form a em um realismo tal e qual o europeu (na forma
“romance histórico”) —o que não significa deixar de apontar suas
dificuldades e falhas. Schwarz nos diz que aqui as coisas são
diferentes. O nosso realismo exige repensar desde baixo, desde a
realidade social, desde as relações sociais em sua totalidade, de
modo a que a form a (literária) possa se constituir a partir desta
forma. Exemplo disto é que Schwarz identifica, no M achado de
A Mão e a Luva, o que denom ina um “realismo cínico”, porque
avança na reprodução da realidade, mas perm anece ideologica­
mente atrelado ao paternalism o'33.
E, entretanto, sobretudo em sua análise de laiá Garcia , que
Schwarz decanta o papel das relações entre estrutura social e
paternalismo. Há aqui um passo, creio, especialmente importante:

A ssim , o d in h e iro n este ro m an ce n ão tem existên cia au tô n o m a, e


ap arece d ire ta e “n atu ralm e n te ” v in cu lad o ao p o d e r p atern alista, do qu al é
um a p ên d ice n ão -co n trad itó rio . U m a so lução que tem a relativ a v erd ad e
que já v im o s, e q u e d o p o n to d e v ista da u n ificação lite rária é v an ta jo sa , —
m as ao p reço d e recu ar da so cied ad e co n tem p o rân ea [...].

Embora o fulcro do argumento, que é o recuo, já esteja dado,


vale continuar a citação, pois reitera e clarifica o argumento (obser-

133. Idem ., p. 108.


140 L E O P O L D O W A IZ B O R T

vo apenas que esse recuo da sociedade contemporânea é coetâneo


do já citado “corte das ligações com o mundo contemporâneo”):

P o r m ais rig o ro sa q u e seja a a n á lise d as relaçõ es p a te rn a lista s, a


e x clu são da esfera d o d in h eiro au tô n o m o tem um efeito id ealizad o r, e dá
ao s c o n flito s d este livro u m a d ign id ad e an tig a, que os o u tro s, m ais p erse ­
g u id o s p elo d in h eiro , n ão têm . Por o u tro lado, a idealização n ão p arece
fo rçad a, e talvez se p o ssa d izer que co n siste sim p lesm en te n um m o d o um
p ou co v elh o d e e n c a ra r a so cied ad e co n tem p o rân ea, n os term o s q u e foram
p ró p rio s à sua fase an terio r, qu an d o a p resen ça d o d in h eiro e da m e rc a d o ­
ria no relacio n am en to p esso al ain d a se ria m en o r, — um m o do d e v e r que
d ecerto con tin uava m u ito g en eralizad o e acatad o , em b o ra já n ão v iesse a
p ro p ó sito , e rep re se n tasse um a ren ún cia in te le c tu a l134.

Esse movimento de recuo e essencial, porque significa renun­


ciar a compreender a sociedade contemporânea em sua historicidade
radical, em favor de uma sociedade que já não é mais. Aqui estamos
no cerne de uma interpretação lukacsiana central, a passagem Walter
Scott - Balzac, um movimento que vale a pena caracterizar com a
célebre Aujhebung. Balzac, como é sabido, reconheceu em Scott um
predecessor importante, embora criticasse o fato de Scott, em seus
romances, perm anecer preso ao passado e de figurar de modo
pouco elaborado as paixões. Resolvendo estas duas deficiências do
romance histórico clássico, Balzac dava o passo decisivo para o seu
próprio modo de apresentação da realidade: “a passagem de Balzac
da figuração da história passada para a figuração do presente enquanto
história” 135. Em Balzac, a “concentração temporal” garante “a unida­

134. Idem, pp. 165-166.


135. Lukács, op. cit., 1965, p. 99. E xatam ente o m esm o ponto é desenvolvido por
Auerbach em Mimesis, em bora então a discussão não seja orientada pelo
rom ance histórico (o que, cm últim a instância, não é m uito im portante, pois
que o rom ance histórico é um a form a, histórica, de realism o). D e qualquer
modo, segundo A uerbach, em Balzac tem os “o presente com o história” —
“G egenw art ais G eschichte”, literalmente igual à formulação de Lukács —, “o
presente com o algo que acontece à p artir da história” e a “ligação orgânica
I N F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 1 41

de de concepção de sociedade e de história”136. Isto o recuo


machadiano deixa de lado, ou seja, torna-se impossível por conta do
recuo. Embora o romance de Machado não seja romance histórico,
a ele ainda falta enraizamento no tempo presente para apresentar o
presente como história, e a explicação para tanto é que não há, por
conta do recuo, a tal unidade de concepção de sociedade e história —
o recuo a dissocia. A este elemento —que, repito, é fundamental —
soma-se ainda um outro. “Balzac salientou o aspecto dramático [das
Dramatische] como uma característica distintiva do novo tipo de
romance, em oposição aos tipos anteriores” 137. Ora, se Balzac ope­
rou a virada da história passada para o presente como história,
conclui-se daí que perceber o presente como história implica incor­
porar a fundo o elemento dramático no romance. Tal “penetração
do elemento dramático no romance moderno” precisa ser com­
preendida em toda a sua amplitude e conseqüêncial3H.
Abordem os então o problema por parte,s. Inicialmente, esse
embate com plexo de temporalidades, verdadeiro anacronismo em
sentido forte (ato de pôr algo fora do tempo correspondente), é
desdobrado por Schwarz na idéia do “obséquio im pessoal”, en­
tendido, como não poderia deixar de ser, como contradição. Esta
figura, o obséquio impessoal, depende do recuo, sem o que ela
seria impossível:

[...] d o pon to d e v ista id eo ló g ico e ra u m a fina so lu ção , p o is co n ciliav a os


interesses dos d e p e n d en te s, d o s p ro p rietário s, e a in sp iração m o d ern a. D e

entre hom em e história”. O ponto bem vale um a discussão detalhada, que


deixo para outro momento. Com o quer que seja, o problem a está posto no
duplo registro dos dois autores, e com am bos se dialoga. Para o passo citado
ver A uerbach, op. cit., 1994, p. 447. O tem a e problem a, de fato, encontram -
se já form ulados no “Prefácio” v. A Comédia Humana; ver H onoré de Balzac,
A Comédia Humana, 1955, vol. 1, pp. 9-22, esp. 13-14.
136. Lukács, op. cit., 1965, p. 100.
137. Idem, p. 149.
138. ldem,ibiàem.
142 L E O P O L D O W A lZ I iO R T

fato, a im p esso alid ad e su p rim ia as d esv an tag en s m o rais da d ep en d ên cia,


m as n ão o seu fun d am en to , ao m esm o tem p o q u e rep resen tava a ap ro p ria­
ção , sem q u e b ra d e co n tex to , d o e sp írito d o tem p o : ap erfe iç o a v a -se o
o b séq uio , q u e se assim ilav a q u an to p o ssív el, p ela v ia d e su a e stilização , à
tro ca e ao serv iço im p esso ais, e o d ep en d en te se co n ceb ia com o um fun­
cio n ário d o flu xo d e fa v o res139.

Uma solução romanesca para o problem a, que não obstante


não deixa de ser contradição. São “acomodações modernizantes”,
que tentam resolver o anacronismo e que são possibilitadas pelo
recuo. Há pois uma reflexão de M achado na contemplação da
“sociedade contem porânea” e do “seu m undo”: por um lado
entende o domínio dos interesses e do dinheiro na Europa e sua
aclimatação por aqui; por outro, percebe o predomínio da relação
paternalista no seu m undo140. O que faz é mostrar como essa
tensão se resolve, ou melhor: se ajeita. Esta a sua compreensão
da em piria (mencionada anteriormente), da vida cotidiana, e por­
tanto teor de verdade de seu realismo.
Vejamos agora como se dá a questão do aspecto dram ádco,
tal como o form ulou Lukács com relação ao romance de Balzac,
relacionado que estava a passagem para a figuração do presente
como história. Será que “o aspecto formal onipresente e mais
importante do livro” —o fato de que “os conflitos que a fisionomia
moral das personagens faz esperar não desabrocham, e as várias
acom odações ligadas à com plem entaridade real dos interesses
não se com entam nem se explicitam ” 141 — não é decorrente de
uma espécie de não-dramadzação dos conflitos, não dramatização
esta decorrente daquele “recuo”? Como vim os no argum ento
lukacsiano acerca de Balzac, há um nexo muito forte entre “pre-

139. Schwarz, op. cit., 2000, pp. 174, tb. 173.


140. Faoro também aborda o tema: Machado de A ssis: A Pirâmide e o Trapézio, op. cit.,
2001b, p. 25; sobre o dinheiro em geral passim, por exem plo, pp. 126, 228,
2 4 7 e 251.
141. S ch vraz, op. cit., 2000, p. 176.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 143

sente como história” e “dramatização” dos conflitos no interior


da forma romance. Ora, se M achado suspende aqui um conflito
m ais-do-que-anunciado, está subtraindo a ênfase no elemento
dramático (possível), ao mesmo tempo em que recuara do con­
temporâneo. Os dois movimentos estão íntima e indissoluvelmente
ligados. Assim , guardadas as devidas proporções e contornos
específicos, o movimento que Lukács percebe em Balzac no
processo de desenvolvimento do romance está presente, em ne­
gativo, em M achado de Assis. Um movimento em sentido inver­
so foi o movimento que possibilitou a M achado figurar a socie­
dade como contradição, embora o custo tenha sido justam ente
perder a possibilidade de figurar o presente como história em
toda a sua concretude (e totalidade) e de poder desdobrar plena­
mente a dram atização do conflito —ambas conquistas já estabele­
cidas por Balzac. Não obstante, há elem entos que são fundamen­
tais em Balzac e que encontram correspondência em Machado,
como o do “tipo” e o modo de configuração do “processo real”
em M achado de Assis, indicado por Schwarz142.
E como não poderia deixar de ser, o problema da “vida do
povo”, que desem boca na Juta de ciasses, surge em meio ao
recuo. Assim, a form a própria daquele “conform ism o” que carac­
terizaria o M achado da primeira fase ganha contorno específico
em laiá Garcia: sua figura é o “im obilism o”,

[...] d c fato, é m e lh o r q u e fiquem tod o s em seu lu g a r e co n h eçam a sua


condição. N ão p o rq u e a d iferen ça so cial seja ju sta ou p o rque a trad ição a
ju stifiq u e, m as p o rq u e o s m ed iad o res do m o v im en to - o o b séq u io , b em
com o o d esejo d e su b ir — são ain d a m ais d egrad an tes. E ste o lad o c o n se r­
v ad o r d estas fig u ras, c u ja co n sciên cia da situ ação é ag u d a, sem q u e se
tran sfo rm e em co n sciên cia de classe. M ais exatam en te, p ela g en eralid ad e
e p ela recu sa da so lu ção p esso al a a n álise é de classe, sim . E n tretan to a sua
d im en são c o letiv a n ão tem seq ü ên cia, e seus resu ltad o s são v isto s na ótica

142. Idern, p. 158, tb. ro d ap é.


144 L E O P O L D O W A IZ B O R T

d o d eco ro e d a d ign id ad e da pesso a, o q u e os recu p era p ara a e sfera do


p a te rn a lis m o 143.

Seria este o limite do realismo deste M achado? Porque a


dimensão coletiva da consciência é travada? N ote-se que o argu­
mento, se correto, é bem lukacsiano... Mas Schwarz não pára por
aqui, senão que vai extrair mais:

D ig am o s qu e, p a ra se fo rm ularem , p ro b lem a e co n flito se alim en ta­


v am d e u m a v a g a ap ro p riação do igu alitarism o b u rg u ê s, ao p asso q u e sua
ev o lu ção “ re al”, isto é, a evo lu ção que lh es im p rim e o enredo , c o rre nos
trilh o s d a d e p e n d ên cia p esso al, cujas alte rn ad v as são o u tras. D aí a des-
c o n tin u id ad e e p erd a de ten são que assin alam o s, uma desarm onia que no
entanto é ela mesm o um a form a , a tran scrição fo rm al de relaçõ es reais, no caso
a p erm an en te fru stração das asp iraçõ es d e in d ep en d ên cia d a c lasse d e p e n ­
dente. N a p ersp ectiv a d e n o sso estudo , esta fo rm a d eve ser sau d ad a com o
o p rim e iro feito co n sid eráv el do ro m an ce b rasileiro [...]. U m a fo rm a m u ito
m e lh o r do que n o v a, o rigin al no sen tid o forte da p alav ra, cm que a o rigin a­
lid ad e do p ro cesso n acio nal v em a ser a p rem issa da fantasia ro m an esca,
qu e v a i se to rn an d o e x a ta 144.

Ora, como a expressão “fantasia exata” provém do texto de


Adorno sobre... Balzac145, o encaminhamento que venho destacan­
do não é totalmente amalucado: Schwarz está a dizer que, quando
esta fantasia se torna exata, chegamos ao ponto de Balzac, que
significa romance do presente como história. Ademais, a fantasia
exata indica que o escritor, embora figure com liberdade a realidade
na obra, é capaz de exprimir um nexo histórico decisivo e, assim,
retratar um movimento fundamental da sociedade146.

143. Ident, pp. 185-186.


144. Idem, p. 190, tb. 197.
145. T heodor W A dorno, “B alzac —L ektüre”, 1981, p. 139.
146. Esta também um a lição lukacsiana, cf. Der historische Rornan, op. cit., por exem­
plo, p. 335.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 145

Como se vê, o travamento mencionado torna-se forma. Tal


processo social tornado forma é realista, modo como a literatura
apresenta a realidade; assim, a forma literária de Machado de Assis
é também o realismo de Machado de Assis, que variará de acordo
com a variação da forma. Portanto, o realismo machadiano é dife­
renciado: ao longo da análise dos quatro romances da primeira fase,
em A o Vencedoras Batatas (expressão, note-se, que é osdnato de um
romance posterior...), vamos tateando a constituição de um realismo
próprio que desemboca, nos limites do livro em pauta, no realismo
de laiá Garcia —que, nota bene, é onde deságua o livro e o ápice de
sua argumentação e construção teórica; ambos apontam, claro está,
para o foco que está além do livro, para as Memórias Póstumas'47. O
realismo posterior está a um passo desse realismo - como indica o
parágrafo final de A o Vencedor, um passo em sentido bem definido.
Esse passo possui uma direção que é assinalada, a seu
modo, por Lukács. O qtie é comum a todos os grandes realistas,
figuradores da realidade, independentemente de local e época, é
seu “enraizam ento nos grandes problemas de seu tempo e a
figuração im piedosa da substância verdadeira da realidade”148.
Disto pode-se tirar o sentido da passagem para a segunda fase
machadiana, precisam ente na “figuração im piedosa”; o impiedoso
é o elem ento que se torna lacerante nas Memórias Póstumas, en­
quanto nos romances da primeira fase im pera a acomodação.
Tudo isto me leva para além dos meus limites neste texto,
de sorte que procede contabilizar: o problema do “realismo”,
que é o problem a dos autores com que dialoga, encontra uma
resposta própria, que perm ite aquilatar o diálogo: frente a
Auerbach, Schwarz oferece, tal como Faoro, um certo realismo,
que em seu colorido próprio oferece um capítulo nacional (mas

147. A qui, um sintom ático paralelo com o m estrc-açu A ce, que em sua história
literária ajusta o foco em uma figura que está para além dos limites propostos
para o estudo. Ver Schwarz, op. cit., 2000, p. 41, rodapé.
148. G eorg Lukács, B a leie und derfran^osischen Kealismus, op. cit., p. 443.
146 L E O P O L D O W A IZ B O R T

não só149) ao M imesis ampliado. Com relação a Georg Lukács, a


questão é um pouco mais complicada: responde à ampla discus­
são dos “problemas do realismo” (assim o título dos escritos
reunidos de Lukács sobre o realismo), mapeando e topografando
um realismo que não é levado em conta pelo húngaro, mas que
se alinha à sua teoria do realismo, na medida em que mostra
como a forma histórica do romance realista é dependente de um
desenvolvimento histórico e social e que, portanto, das especifi-
cidades desse desenvolvimento pode-se esperar especificidades
do realismo (basta lem brar o que se diz acerca de M anzoni e dos
russos em Lukács; os russos, ademais, por razões óbvias, espe­
cialmente importantes para Schwarz150).
Mas há mais. Schwarz elabora a fundo a questão da forma
literária (que não é tematizada nestes termos no livro de Faoro), na
exata medida em que mostra —no caso de laiá Gama —como a
forma é resultado da percepção do processo social: o “paternalis­
mo está, enfim, transformado em princípio formal” 151. Vinco funda­
mental do processo social brasileiro, lógica das relações sociais, é
converddo pelo escritor em forma literária (forma sobre o pré-
formado), um realismo muito profundo, de origem, muito mais do
que um mero espelhamento dos “acontecimentos da vida”. E tanto
mais cifrado, necessitado do sociólogo que o revela152.
Já vimos como Lukács form ula o problema da forma. Se­
gundo Schwarz, “a forma, em literatura, faz as vezes de realida­
de” 153. Para que a form a faça as vezes de realidade é preciso que

149. Ver Schwarz;, op. cit., 2000, p. 196, rodapé.


150. D esde seu prim eiro livro Roberto Schw arz dedica atenção e inteligência ao
russos; ver II. Schw arz, A Sereia e o Desconfiado, 1965.
151. Schw arz, op. cit., 2000, p. 197.
152. Sobre o ponto, vale a pena ver Bento Prado Jr., “A Sereia D esm istificada”,
1985, pp. 227-247.
153. Schw arz, op. cit., 2000, p. 198. E ainda: “relações de verossim ilhança entre a
form a literária e o processo social” ( idem); 203; 208: o narrador “assim ila e
transform a em regra subjetiva - e, portanto, em elem ento form al - o mo-
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 147

esteja investida de uma “força generalizante”154, que é precisa­


m ente o seu m odo de dizer o que dizia Lukács acerca da capaci­
dade de universalização, que é condição do realismo. Em prim ei­
ro lugar, a universalidade é concretizada nos tipos e na galeria
dos tipos, donde vale citar a formulação de Lukács a que Schwarz
remete seus leitores: “A categoria central e o critério da concep­
ção realista de literatura: o tipo, com relação ao carácter e situação,
é uma síntese peculiar que conjuga organicamente o universal e o
individual”155.
Assim , o realismo de M achado lança mão da figuração dos
tipos, como procedim ento de universalização, vale dizer de figu­
ração do processo social no interior do rom ance, vale dizer
forma. Com isso, equacionamos também abstração e concretude:
os tipos históricos sociais são encarnados, concretizados nas fi­
guras singulares, tudo convergindo para a apresentação da reali­
dade. Lembro, a propósito, o significado da “vida popular”, já
mencionado, que articula em si esse sentido de totalidade. Em
segundo lugar, e ligado a isto, é característica do próprio gênero
rom ance a figuração da totalidade, herdeiro que é da epopéia —
donde chegamos à célebre formulação de Hegel, retom ada por
Lukács, e por Schwarz, do romance como “m oderna epopéia
burguesa” 156. A questão, form ulada desde Flegel e incorporada

m ento de arbitrário que é parte de seu assunto, para infligi-lo ao leitor”.


N ote-se que aqui Schw arz insere o problem a do narrador, o m ais das vezes
deixado de lado por Lukács, indicando um a sensibilidade diversa, oriunda,
decerto, da leitura de Benjam in e A dorno (sobretudo “O N arrador” e “A
Posição do N arrador no R om ance C ontem porâneo”, respectivam ente).
154. Schw arz, op. cit., 2000, p. 198.
155. Lukács, Balzac und der f-an^ösichen Realismus, op. cit., p. 436, tb. pp. 469, 470-471
(quando se fala em “galeria” de tip o s), passim ; Schw arz rem ete ao texto em
A o Vencedor as Batatas, op. cit., 2000, p. 158, rodapé; ver tb. pp. 62, 48-49,107,
178 e 186. No mesm o senddo, Lukács, op. cit., 1965, pp. 42 e 400; “D er
Roman”, op. cit., 1981, pp. 26-31, 36-37 e 55.
156. G eorg W ilhelm Friedrich H egel, Vorlesungen über Ästhetik, 1986, vol. 15, p.
392; Lukács, op. cit., 1981, p. 19 ,passim; Lukács, op. cit., 1965, pp. 108-109, 152
148 L E O P O L D O W A IZ B O R T

por Lukács e Schw arz, é que a epopéia im plica totalidade (e


poupo o leitor a retomada e a reconstrução do tema e problema,
muito custoso para mim e que nos levaria longe demais). Veja­
mos apenas como Lukács equaciona a questão, pois que, creio, o
caminho de Schwarz é o mesmo:

A trag éd ia e a g ran d e épica p reten d em am b as a figuração da to talid a­


de do p ro cesso da vid a. É claro que isto, nos d o is caso s, só pode ser um a
co n seq ü ên cia d a estru tu ra artística, da co n cen tração form al na re p ro d u ­
ção artística d o s traço s essen ciais da realid ad e o b je tiv a 157.

Aqui tocamos o (já mencionado) problema da infinitude da


totalidade da vida, que exige uma espécie de redução, dialética,
aos seus traços essenciais. O nome dessa redução é forma literá­
ria, o modo como ela se realiza chama-se mediação —a figura da
dialética que perm ite que a universalidade alcançada não seja
abstrata, uma má universalidade158. M ediação é o nexo que articu­
la forma literária e form a social. A totalidade, como se vê, resol­
ve-se na forma literária, donde o program a do subtítulo, que de
fato esconde, sob a cópula, o problem a da totalidade. Com isto,
embora sem enfrentar bem de frente o problema, dá para enten­
der a afirm ação que nos interessa e d a qual parti, de que a form a
faz as vezes de realidade. Em Machado de Assis, temos figurada
uma universalidade concreta, porque m ediada, porque resolve
por dentro as “determ inações históricas” da vida cotidiana de
suas figuras. Resultado muito curioso e peculiar: a “relação com
o presente” não é abstrata, não obstante o “recuo” realizado. Por

e 167; Schw arz, op. cit., 2000, p. 203, inclusive rodapé. Ver ainda T h eodo r W
Adorno, “Standort des E rzáhlers im zeitgenõssischen Roman”, em Noten %ur
Literatur, op. cit., pp. 41-48; cf. Schwarz, op. cit., 2000, p. 94.
157. Lukács, op. cit., 1965, p. 109; tb. pp. 380, 406.
158. Ver Lukács, op. cit., 1965, p. 262, que traz inclusive citação de H egel a respeito
(proveniente do parágrafo 65 da E n^klopàdie derphilosophischen Wissenschaften
im Grundrissè).
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 149

aí se v ê a altura em que se coloca a discussão do rom ance


machadiano em Schwarz.
Ainda um outro aspecto no qual se desdobra essa questão.
Tendo em mente os desenvolvimentos de Lukács, a última frase
de A o Wmcedor as Batatas dá o que pensar. Lem brem o-nos de suas
análises do rom ance do período pós-1848 e do período im peria­
lista, aí incluído o romance humanista antifacista. A crítica a este
último é que, não obstante sua diferença frente ao rom ance da
decadência burguesa (Naturalismo e formalismos vários), ele não
vê a partir de baixo e suas ações estão centradas nas esferas
superiores da sociedade. Falta-lhes vida popular cotidiana, há
uma “excentricidade social dos destinos humanos” 159. D iferente­
mente de ambos, Púchkin e Thomas M ann, em situações muito
diferentes, também realizam obras que transcorrem em camadas
superiores; no entanto, os destinos são universais — de modo
mais imediato em Púchkin, de modo mais mediado em Mann. Ou
seja, se de cim a ou de baixo não é propriam ente a questão
(donde tam bém a crítica de Lukács ao rom ance da oposição
plebéia); a questão é se, tanto de cima como de baixo, há a visada
da totalidade, e mediação.
A questão é tão m atizada quanto provocativa, pois que
Schwarz indica dois momentos do problem a, nos primeiros ro­
mances e nos seguintes, de modo a que Memórias Póstumas —
assim term ina o livro —marca uma virada na obra. No âmbito dos
primeiros, os tratados no livro em pauta, o problema resolve-se
do modo seguinte: por conta de procedimento de desdramadzação,
há um estancam ento do movimento no romance (Schwarz de­
m onstra-o sobretudo em Iaiá Garcia), estancam ento que abre uma
vertente analídca importante. Por um lado, a form a incorpora a
descontinuidade, por outro o processo social é indicado em sua
incom pletude — retomando as idéias de Paulo Emílio Salles Go-

159. Lukács, op. cit., 1965, p. 347.


}50 L E O P O L D O WAIZBORT

mes acerca dos ciclos do cinema nacional, descontínuos160. Com


tudo isto em vista, pode-se ler o passo seguinte:

N o essen cial to d av ia a im p o sição da fo rm a d esco n tín ua e d o m etro


d a c o n tin u id ad e im p ed ia o ciclo p atern alista d e co m p letar o seu m o v im e n ­
to e a su a figura. E ste era um m o vim en to real, a que n atu ralm en te não
faltav a sen tid o , u m sen tid o q u e p ara a p a rte fraca n ão é glo rio so . N a
relação e n tre rico s e d ep en d en tes, d iv ersam en te do exem p lo clássico , a
classe totalizan te é a p rim eira. S ó d ep o is de v ira r a casaca M ach ad o ab ar­
caria o co n jun to d esse p ro ce sso 161.

As conseqüências do passo são terríveis, justamente porque,


como se viu (inclusive na interpretação de Faoro), permanecem
atuais. M as no âm bito do diálogo crítico com Lukács, temos
totalização porque a mediação universal em pauta (o favor) ordena
as relações entre os personagens; de sorte que se resolve, de modo
próprio, o problema da totalidade no romance no qual não figuram
os escravos. O resultado não é similar nem ao romance da oposição
plebéia pós-2848, nem ao romance burguês decadente, nem ao
romance do período imperialista, para falarmos como Lukács. E
similar a Púchkin - exemplo máximo do romance histórico - e a
Thomas Mann - exemplo honrado de romance burguês crítico.
A forma literária não se reduz nem equivale a pontos de
vista específicos de classes determinadas, ao contrário: a forma é
o modo como classes diferentes, com pontos de vista diferentes,
confluem em uma situação histórica concreta. Desta m aneira, a
form a não é som a das partes, m as totalidade que se faz no
movimento das partes em tensão e conflito, muita vez em con­
tradição162. Também neste aspecto é possível indicar a passagem

160. Cf. Paulo Emílio Salles G om es, Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, 1996,
esp. o capítulo final, que dá título ao volume.
161. Schwarz, op. cit., 2000, p. 212.
162. Idem, p. 190, já citado (“um a desarm onia que no entanto é ela m esm o um a
form a”), tb. 211. Cf. ainda Lukács, op. cit., 1965, pp. 406 e 380.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G I A B R A S IL E IR A 151

rum o à obra madura, na qual, segundo Schwarz163, investiga-se


com muito m aior desenvoltura o “movimento destas relações” —
a saber, dos diferentes pontos de vista, das diferentes posições
sociais —vale dizer, variedade dos arranjos, função das figuras, o
que, pelo que precede, afeta a fundo a forma.
Mas, voltando à questão da introdução do elemento dramá­
tico no rom ance pelas mãos de Balzac: Iaiá Garcia é caracterizado
por Schwarz como anddram ático164, possibilitando entender que
a ausência de dramatização, levada às suas conseqüências, indica
um a espécie de posição relativa do realism o de M achado de
Assis em face do “grande realismo europeu”. Não se trata, abso­
lutamente, de elaborar uma tipologia dos reaíismos, mas a com ­
paração é instrutiva, como se vê e como se verá novamente mais
à frente. De todo modo, mais uma vez, especificidade da forma e
do realismo. Im ediatam ente ligado a isto está o déficit de desdo­
bramento realista clássico de Iaiá Garcia-.

J...) p o r deco ro M ach ad o n ão trazia ao p rim eiro p lan o n em tratava n u am en te


o m o v im en to d as fortu nas e d a s c lasses sociais. P referia tratá-las com o
elem en to da im ag in ação in d ivid u al, o q u e an ula o m o v im en to o b jetiv o da
so cied ad e, m as m eló d ica a consideração de su a ex istência e eficá cia no p la n o
sim bólico. E m c o n se q ü ên c ia , a d e sp eito d o p ro p ó sito p an o râm ico e das
referên cias h istó ricas, faltam em Iaiá G arcia os g ran d es ritm o s da tran sfo r­
m ação so cial, cujo co n to rn o só o m o v im en to da p ro p ried ad e e d as classes
d e se n h a 165.

Este um resultado que poderia ser lido com o sim ilar à


compreensão de M achado como moralista, embora não seja esse
o aporte de Schwarz. Como quer que seja, nomeia-se aqui o que
se deixa de realizar em comparação com o realismo de Balzac e

163. Cf. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 191-192.


164. Idem, pp. 202, 206, 207, 209 e 214. E xem plos da desdram atização: “ausência
de conflito”; “ culm inação que na verdade é um deslise”.
165. Idem, p. 217.
152 L E O P O L D O W A IZ B O R T

Stendhal (para retom ar os autores nomeados por Faoro nesse


ponto de sua discussão). Se o movimento da sociedade como um
todo não aparece em suas determ inações coletivas e permanece
adstrito ao individual, isto está ainda ligado àquele “recuo” ope­
rado por M achado, pois o ritmo de que se fala aqui implica o
presente como história, nos term os Lukács-Balzac (e Auerbach).
No entremeio disto tudo, não se pode deixar escapar que,
como se viu m ais acim a, trata-se aqui do “prim eiro feito conside­
rável do rom ance brasileiro”, o que significa que o rom ance
torna-se, precisam ente, brasileiro. Origem do romance brasileiro,
im plica o específico da sociedade nacional figurado criativam en­
te na form a romance.
Tudo isto posto, vale uma interpolação que retoma e amarra
com mais um nó um problema já formulado. Trata-se deThackeray,
que recebe uma análise muito sugestiva por Lukács em D er historische
Roman , especialmente se dvermos em mente o presente andamento.
Thackeray, escrevendo por volta de 1848 ( Vanity Fair é de
1848, The History o f H enrj Esrnond, Esq., o rom ance histórico cie
Thackeray, é de 1852) filia-se ao realismo do século XVIII in ­
glês166, procurando continuidade m enos com a tradição do ro­
m ance histórico que lhe é mais imediata (Scott), do que se rem e­
tendo diretam ente aos romancistas do século XVIII. Esse traço
parece ser sugestivo para se pensar M achado de Assis. Em pri­
meiro lugar, porque instala um nexo com autores significativos
para M achado167. Em segundo lugar, porque assinala um a via
outra, que não a apresentada e defendida por Lukács como a
“grande” tradição realista, uma via em que encontramos uma
apresentação realista que se desvia do rom ance histórico (na sua
“form a clássica”), mas não obstante apresenta resultados: no

166. Lukács, op. cit., 1965, p. 244.


167. A pesquisa sobre M achado de A ssis, desde sem pre, pelo m enos desde Sílvio
Romero, vem apontando suas ligações com a literatura inglesa do século
X V III, sobretudo Sw ift e Sterne. Ver o já m encionado E. Gomes.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 153

Brasil e na Inglaterra... Isto não significa, absolutam ente, que


M achado não tenha lido muito bem e digerido seus predecesso­
res, a com eçar por Alencar (como muito bem o mostra Schwarz).
M as temos também nisto um traço próprio: em vez de atrelar seu
romance (e seu realismo) unicamente às formas nacionais que o
precedem imediatamente, teve também referências outras. No caso
de Thackeray, essa referência era-lhe, ainda, nacional; no caso de
Machado (firm ando o pé em uma com preensão muito acurada de
certo “instinto de nacionalidade”), nutriu-se de tradição rom a­
nesca vária, dentre outras coisas dos ingleses do século XVIII.
A sem elhança de resultados, guardadas as proproções e com ple­
xa especificidade, é a assinalada anteriormente (Auerbach e Faoro).
Vejamos então como Lukács entende Thackeray. Nos “realistas
do século X V III”,

[...] um a tal aproximação à historicidade b ro to u n atu ralm en te de su as ten d ên ­


cias realistas d e crític a à so cied ad e. E la é um d o s m u ito s p asso s rum o
aq u ela c o n c ep ção realista da h istó ria, d a v id a so cial, da v id a d o povo, que
alcan ça seu ap o g eu em S co tt o u P úch kin . E m T h a c k era y essa retom ada
[R ückm ndun g] d o e stilo e da estru tu ra d o s ro m an ces d o sécu lo XVI II o rigi­
n a-se de u m fu n d am en to id eo ló g ico co m p letam en te o utro : d e u m a d e silu ­
são p ro fu n d a, a m arg a, q u e se e xtern aliza p ela sátira, d ecep ção d o tip o de
p o lítica, d a relação en tre a v id a p o lítica e a v id a so cial d e seu p ró p rio
tem p o 168.

Thackeray não se atrela à linhagem do romance histórico


clássico, e por isso ele perm anece, para voltarm os ao term o de
Raymundo Faoro e Auerbach, moralista. A “ forma clássica” do
romance histórico im plica não o moralismo, mas a com preensão
do caráter histórico e concreto da vida popular, e por isso, por
causa do povo, alcança a totalidade, o movimento da sociedade
como um todo - que perm anece vedada ao moralismo. Aqui,

168. Lukács, op. cit., 1965, pp. 244-245.


154 L E O P O L D O W A IZ B O R T

estilo e estrutura são forma literária que remete a um processo


social que não é a totalidade, mas uma compreensão particular e
restrita, individualista, cuja experiência de base é a desilusão.
Como já o romance de Scott havia deixado para trás este tipo de
experiência como fundamento da forma literária, há em Thackeray
um recuo —para utilizar propositalmente um term o importante.
A seu tempo, Roberto Schwarz decifrou fenômeno análogo
em M achado de Assis: uma juventude liberal desiludida redunda
nos romances da prim eira fase, dessarte que estes são o resulta­
do de uma desilusão. Na década de 1850,

[...] M ach ad o h av ia ad o tad o id éias lib erais e assim ilara a retó rica d o p ro ­
g re sso e da igu ald ad e. [...] [segue-se um a p ro v a co m a citação de um tex to
d e 1859, LW ] A ilu são n ão d u ro u , e lo g o M ach ad o iria m u d ar d e co n v icção
[...]. M ais tard e, q u an d o vem a escrever seus p rim eiro s ro m an ces, estes se
alim en tam da id eo lo g ia an tilib eral. Para M ach ad o , p o rtan to , já n ão se tra­
tava aqu i d e um a p o sição in icial e irrefletíd a, m as do resu ltad o d a e x p e ­
riência, com a p arte de realism o - se n ão d e v erd ad e - que ac o m p an h a as
d e silu sõ e s169.

Note-se que o ponto de chegada é exatamente o m esm o


que o apontado por Lukács: um realismo que é resultado de
desilusão; e um realism o que, se não é regressivo (nem na Ingla­
terra, nem no Brasil), também não é progressivo. Ambos desve­
lam aspectos im portantes das contradições sociais, mas ainda
deixam algo de fora - e aqui as diferenças tomam rumos pró­
prios... Apenas não deixemos de observar que Schwarz, m ais à
frente, retom a o problema da desilusão para indicar a via que
leva aos romances da maturidade: “A Machado, já agora só falta­
va a desilusão da desilusão: desiludir-se também do conservan-
tismo paternalista170.

169. Schw arz, op. cit., 2000, pp. 84-85.


170. Idem, p. 87.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 155

Este mom ento interm ediário, da desilusão ainda-não-desilu-


dida, é a em bocadura na qual a leitura m oralista ganha pé: e
reencontramos o argumento que víramos, via Auerbach, em Faoro:
um realismo para o qual a sociedade não aparece como problema
propriam ente histórico, mas sim como problema moral; nele, a
crítica da sociedade perm anece adstrita aos indivíduos, mas não
às forças históricas que direcionam o seu movimento. Se ambos
destacavam a consciência crítica que aflorava nesse realism o
particular, Lukács não vai ficar atrás: Thackeray é um “realista
crítico” 171. Se a sua não-filiação à via clássica do rom ance históri­
co impede a apresentação do movimento da sociedade em sua
totalidade, não obstante figura um tipo próprio de realismo. A
argum entação de Lukács é previsível no seu próxim o passo, no
que falta ao inglês: “Thackeray não vê o povo”; “com isso, ele
suprime a objetividade histórica” 172.
Esta a razão da supremacia de Walter Scott, que já lhe ante­
cedera: “oferece uma pintura mais ampla e objetiva das forças histó­
ricas”, enquanto Thackeray oferece uma pintura subjetiva173 — o
que significa, esquematizando grosso modo: um realismo pleno/
universal versus um realismo fraco/particular (que não vai até o
fundo , que não retrata a totalidade). Este o resultado final, no
realismo crítico de Thackeray, para Lukács: “o dilema na apre­
sentação dos acontecim entos históricos reduz-se, para ele, na
escolha entre a glorificação patética da vida pública ou a retrata­
ção realista dos costumes da vida privada”174. O encaminhamento
machadiano está próximo disto - embora, é claro, não estejamos
falando, no caso de Machado, de romance histórico. Deixando de
lado o povo, Thackeray “suprime a objetividade histórica, e quanto
mais forçosam ente ele fundamenta psicologicam ente as ações

171. Lukács, op. cit., 1965, p. 244.


172. Idem, p. 247.
173. Idem, pp. 247 e 248.
174. Idem, p. 245.
156 L E O P O L D O W A IZ B O R T

singulares de seus personagens, quanto mais sutilmente ele con­


duz sua psicologia privada, tanto mais casualm ente aparece tudo,
visto de uma perspectiva histórica”175. Tudo isto, que é muito
semelhante ao que faz M achado de Assis —em perfeita sintonia
com a versão de Faoro176 e em significativas aproximações com a
interpretação de Schwarz - é devido ao mencionado recuo.
Não estou falando que M achado é um Thackeray dos trópi­
cos; digo que há um movimento sim ilar em ambos (que jamais
poderia ser igual, dada a posição relativa de Inglaterra e Brasil no
sistem a do capital), que resulta em um realismo específico (por­
tanto form a literária e processo social), que tem raiz em uma
experiência de decepção e que, não obstante, é crítico e desse
modo mostra traços determ inantes da vida social, daqui e de
lá 177. Entretanto, a ambos falta um movimento de universalização
mais amplo, problema este que Schwarz vai encarar na análise de
Memórias Póstumas de Brás Cubas, em seu livro de 1990.
No entendimento de Lukács, o resultado final no rom ancis­
ta inglês é o subjetivismo e correlata “deform ação da história,
seu rebaixamento ao nível do privado e pequeno”178. Se o argu­
mento faz senddo, pode-se então dizer que Schwarz está, tam­
bém, oferecendo uma crítica à análise lukacsiana, ao m ostrar a

175. Idem, p. 247, sendo que “casual” é acessório, supérfluo, o con trário de
“necessário”.
176. E se a análise de Thackeray por Lukács está em sintonia com a de Faoro sobre
Machado de Assis, talvez haja aí indício para a adjetivação “dialética” da mimesis.
177. Caso sem elhante é form ulado do seguinte m odo p or Schwartz, ao com entar
a existência de traços sim ilares em M achado e G eorge Sand: “A ssim , no
plano m uito abstrato c m que é possível a transposição de situações européias
para o Brasil [...], a sem elhança dos esquem as e da têm pera psicológica é um
fato”. (Schwarz, op. cit., 2000, p. 230, rodapé). M as, friso, o caso é apenas
sem elhante, pois que, no que estam os vendo em Thackeray, a sem elhança é
de um certo processo histórico da form a, na sua relação com presente e
passado; conseqüentem ente, da historicidade p ró pria de form as literárias
específicas.
178. Lukács, op. cit., 1965, p. 248.
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 157

densidade da “im agem ” da sociedade que aparece em Machado


de Assis. Seu alcance ultrapassa Lukács em um aspecto central e
preciso: o que Lukács não vê é que as “falhas” — resumindo
tudo: o subjetivismo, que é um parücularism o e portanto and-
universalism o — são elas mesm as históricas, em verdade não
sendo falhas nem do romance nem do romancista, mas da pró­
pria sociedade. Este o argum ento de Roberto Schwarz.
Quando M achado passa da desilusão para a desilusão da
desilusão, resolve-se o problem a, no entender de Schwarz —
resolve-se em sentido literal: uma solução possível, histórica,
concreta. A argum entação de Faoro, lembremos, pára neste pri­
meiro momento; falávamos então do “moralismo decepcionado”,
que era a form a como o realismo se configurava em M achado179.
No confronto com os grandes realistas europeus, Machado per­
manecia deficitário; já no entender de Schwarz, a forma se resol­
ve de outra maneira, mas a seu modo — pois se trata de um
realismo próprio —resolvia o problema da apresentação da reali­
dade em seu movim ento global. Assim , se antes afirm ei que
Faoro vê o que M achado não vê, vemos agora que Schwarz vê
que M achado vê.
Há mais. Em Thackeray, ensina-nos Lukács, trata-se de uma
“virada para trás”, visada para trás: ele está historicamente depois
de Scott e olha para o realismo do século XVIII, ignorando a via
do “romance histórico clássico” . Essa “Rückwendung” tem sa­
bor nostálgico, em bora desenganado, resultado que é da “decep­
ção” e resu lta d o q u e dá na “sátira”. Não é essa m esm a n ostalgia
que Schwarz atribui à compreensão de M achado de Assis por
Raymundo Faoro?

179. Um crítico literário, influenciado pela leitura dos livros de Faoro e Schwarz,
lançou m ão da fórm ula “deceptive realism ”: Jo h n G ledson, The Deceptive
Rea/ism o f Machado de A ssis, na sua versão nacionai com o títuio Machado de
Assis: Impostura e Realismo, 1991.
158 L E O P O L D O W A IZ B O R T

F ao ro co n ceb e a p ro sa m ach ad ian a co m o u m im enso m ar d e situ a ­


çõ es, an ed o tas e fo rm u laçõ es, cujo d ep o im en to h istó rico -so cio ló g ico p ro ­
c u ra co lh er, p o stas d e p a rte as fro nteiras en tre o b ras e e n tre gên ero s. O
p ro ced im en to tem seu p reço , p o is m argin aliza o sign ificad o d a s form as,
tácito e decisivo . P o r o u tro lad o , facu lta a lib e rd a d e de circu laç ão que
p erm itiu ao crítico refu tar de um a v e z p o r tod as a o p in ião co m um , seg u n ­
d o a qu al M ach ad o teria p o u co in teresse p elas coisas n acio n ais, em e sp e ­
cial p ela p o lítica. M o v e n d o -se no co n tín u o d o s assu n to s, o liv ro ev id en cia,
além d a q u alid ad e , a e n o rm e q u an tid ad e das o b serv açõ es feitas p elo ro ­
m an cista. E v id en c ia-lh e s tam b ém , d igam o s, o ân im o h istó rico d iferen cial:
as g ra n d es m u d an ças se lêem n os p o rm en o res. O q u e talvez se p o ssa
d iscu tir é a p ersp ectiv a g eral do ensaio, que faz d a o b ra m ach ad ian a um
pain el da transição d a so c ie d ad e estam en tal à d e c lasses, d a o rd em so lid ária
ã co n tratu al. A p en u m b ra m elan có lica da ficção seria d e v id a ao recuo
in ap eláv el d o m u n d o a n tig o , q u e o e scrito r ju igav a autêntico , e ao avan ço
d a o rd em b u rg u esa, q u e ele n ão en ten d ia e a que teria h orro r. A ser co rreta
a leitu ra d e Faoro, o sen tid o d o ro m an ce de M ach ad o seria elegíaco 18°.

Esta a tomada de posição de Sehwarz em seu livro de 1990 —


embora A Pirâmide e o Trapézio tenha sido publicado antes de Ao
Vencedor as Batatas, não há referências ao primeiro neste último, de
sorte que só na metade final é que se mostra o entendimento de
Sehwarz acerca de Faoro. Observemos inicialmente dois pontos.
Em primeiro lugar, por conta de argumento apontado anterior­
mente, uma correta avaliação do estatuto da transição exige a
retom ada em profundidade de Os Donos do Poder, pois que a
dinâmica desse processo é bem mais complexa do que a simples
passagem de um a outro, da sociedade estamental à sociedade de
classes (um passo já citado de Faoro tem atiza o ponto). Isto seria
simplificação e deform ação do argumento de Faoro; na verdade,
esta é a tese de A strojildo Pereira que, em “Rom ancista do
Segundo Reinado” (1939), afirm ara que M achado estava em meio
a uma época de transição, da sociedade patriarcal para a socieda-

180. Sehw arz, op. cit., 1998, rodapé.


I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S I L E I R A 159

de burguesa, da monarquia para a república, época caracterizada


pela “ascensão histórica de uma nova classe dirigente” 181. Na
verdade, poder-se-ia dizer que Faoro vai diretam ente contra a
interpretação de A stro jild o , p o is a co n sid era por dem ais
sim plificada182, algo bastante evidente para os leitores dos dois
livros de Faoro (o amplo e brilhante retrato da sociedade do
Segundo Reinado, que Faoro oferece por meio de Machado de
Assis, foi injustiçado pelo enfoque deste texto).
Em segundo lugar, o termo “recuo”, que aparece novamen­
te na pena de Schwarz. Ora, não fora ele mesmo quem destacara
o recuo no romance da primeira fase, e indicara como tal recuo
era essencial na figuração do realismo em pauta? Se esta pergun­
ta faz sentido, o argumento e desenvolvimento de Faoro, embora
muito diferente do de Schwarz, apresenta pontos de contato,
sobretudo no, digam os, “resultado”, o realismo específico de
Machado — em bora os caminhos adotados sejam diferentes, o
cjue exigiria apenas que se concedesse que resultados similares
atingidos por caminhos diferentes são de fato similares... Já no
que diz respeito ao segundo livro de Schwarz e às indicações
acerca dos romances da segunda fase em A o Vencedor as Batatas,
tudo muda de figura.
Isto posto, chegamos ao “elegíaco” c o m o sentido geral do
romance machadiano, se correta a leitura de Faoro. O termo refere-
se ao estudo de Schiller Über naive und sentimentalische Dichtung (1795):

Sc o p o e ta o p õ e a n atu reza à arte e o id eal à realid ad e, d e m o d o que


a ap resen tação d o s p rim eiro s p red o m in e e a satisfação com eles se torne
sen sação d o m in an te, denom ino-o elegíaco. E sse g ên e ro tam b ém co n tém ,
com o a sátira, d uas classes. O u a n atu reza e o ideal são um o b jeto de
tristeza, q u an d o se ap resen ta aq u ela com o p erd id a e este co m o in atin gível;
o u am b o s são um o bjeto d e aleg ria, n a m ed id a em que são rep resen tad o s

181. A strojildo Pereira, “Rom ancista do Segundo Reinado” (1939), 1991, pp. 11-
36, esp. pp. 15 e 21.
160 L E O P O L D O W A IZ B O R T

com o reais. O p rim eiro caso resu lta na elegia em sign ificad o m ais restrito , o
o utro no idílio em sig n ificad o m ais am p lo 183.

Evidentemente, não se trata de idílio, mas do elegíaco em,


digamos, sentido forte. Ora, isto im plica uma relação específica
com a realidade; teríamos de fato uma leitura de Machado de Assis
na qual o modo como a realidade é apresentada remonta a uma
perda, e a sensação resultante é a tristeza, mais precisamente,
talvez, um misto de decepção, nostalgia, tristeza e resignação184.
Noutros term os, o realismo, se tingido do elemento elegíaco,
assume um sabor muito próprio, e certam ente restrito, pois que a
realidade não é apresentada em sua plenitude, com o conjunto de
suas determ inações históricas e concretas, como diria Lukács.
Trocando em miúdos, Schwarz está a definir o teor do realismo
que Faoro detecta em Machado de Assis, e sua própria análise
está a m ostrar que, de fato, o realismo machadiano é outro —
digamos, de modo semelhante à sua superação da argumentação
lukacsiana com relação a Thackeray. Com isto em vista, vale a
pena ver qual a resposta de Schwarz às interpretações que term i­
nam no moralismo (muito correntes, como disse, na interpretação
de M achado de Assis):

D aí o en can to p ara m o d ern o s d esta m an eira n arrativa, em q u e os


A b so lu to s que ain d a h o je nos v am p irizam a e n e rg ia e o m o ral ap arecem
relativ izad o s, referid o s q u e estão ao fun d o m o v ed iço e h um an o - rep eti­
m o s q u e ilu só rio — d o s arran jo s pesso ais. P ara c o n ceb er enfim a d istân cia
id eo ló g ica tran sp o sta n esta m u d an ça d e registro, d igam o s q u e e la c o rta ou
d á circuito , com o u m co m u tad o r, nada m en o s que ao fetich ism o p ró p rio à
civ iliz ação do C ap ital; — fetich ism o que iso la e ab so lu tiza os ch am ad o s
“v a lo res” (A rte, M o ral, C iên cia, A m or, P ro p ried ad e etc., e so b retu d o o

182. Cf. Faoro, op. cit., 2001 b, passim, com referência na p. 547, rodapé.
183. Friedrich Schiller, op. cit., 1997, p. 728.
184. Isto ganha força, sobretudo, no subcapítuío intitulado “U m a Cam ada Social
que se A paga: Fim de um M undo” em Faoro, op. cit., 2001b, pp. 383-391.
I N F L U Ê N C IA S F. IN V F .N Ç A O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 1 61

p ró p rio v a lo r eco n ô m ico ), e q u e ao sep ará-lo s do co n jun to da v id a so cial


tan to os to rn a irracio n ais em su b stân cia, q u an to d e p o sitário s, p ara o in d i­
v íd uo , de toda a ra cio n alid ad e d isp o n ív el: um a esp éc ie d e fisco in saciável,
a qu em d ev em o s e p agam o s co n scien cio sam en te a e x istê n c ia 185.

Isto indica a crítica de Schwarz ao modo como Faoro vê


Machado, mas não propriamente ao modo como Faoro vê a realida­
de, visto que Faoro vê o que Machado não v ê186. Não obstante —e
isto dá enorme lastro à interpretação de Faoro, pois mostra como
ela preocupa-se em acompanhar as nuances de seu objeto —há um
momento em que Machado supera a posição moralista: quando trata
dos escravos. Há então,

[...] na v isão d o escrito r, p ro jetad a so b re o p ro b lem a se rv il, um p ro cesso


n o v o n a to m ad a d e co n sciên cia d a realid ad e. A o seu c u id ad o an tigo de
d e sc o b rir na ação o m ó vel ín tim o , q u e d esfig u ra o fato e x terio r [...] sobre-
p õ e-se a g o ra a p reo cup ação de ver, no aco n tecim en to p ú b lico, as razões,
n ão m ais d e o rd e m m o ral, m as o riu n d as da o rg an ização so c ial. [...] A
d en ú n cia, o d esm ascaram en to , em M ach ado de A ssis, n ão m o stra, no fu n ­
d o d as açõ es, o in co n scien te, os in teresses de c lasse e a lo n g a d isto rção do
tecid o h istó rico. Vai além , n a v erd ad e, do nariz de C leo p atra de seu lo u va­
d o P ascal, p ara d iscern ir u m a o rd em su b terrân ea, q u e e le supõ e o rg a n iza ­
da segun d o forças o b scu ras, em p en h ad as cm se alh ear d a p resun ção h u m a­
na. E le sab e q u e tud o o q u e se vê, na su p erfície da so c ie d ad e , n ão p assa de
falsid ad e e m istific ação . Ign o ra, ou ap en as p re sse n te , em a n cip a n d o -se ,
sem au d ácia, d o s m o ralistas, q u e as relaçõ es en tre os h om en s o b ed ecem a
outros im p erativ o s, talvez falso s e v ão s, com o os o sten sivo s. E n fim , na
qu estão se rv il, o e scrito r n ão q u er se r en gan ad o p elo s d iscu rso s e p elas
açõ es falsam en te gen ero sas. E le, q u a se so lita ria m e n te , v ê , a trá s d a lib e r­
d ad e , o fu n d am en to da lib e rd a d e , assen ta d o so b re a a u to n o m ia e c o n ô ­
m ic a. P e rc e b e q u e a lib e rta ç ã o d o esc rav o p o d e se r ap en as um b o m
n eg ó cio p a ra o b ra n co e o c am in h o da m iséria p ara o p reto . A lib e rd a d e
[...] tam b ém e la e sc o n d e a se rv id ã o . C ético c o m resp eito à a b o liçã o e às

185. Schwarz, op. cif., 2000, p. 59, dispensando comentários.


186. Lem bro o leito r da m e n ç ã o feita ao m odo c o m o F a o ro retom a o fetichism o
da m ercadoria, supra.
162 L E O P O L D O W A IZ B O R T

a lfo rria s, a e sc ra v id ã o e x iste , n a o bra d e M a c h a d o d e A ssis, in d e p e n d e n ­


te d o s s e n tim e n to s587.

Há pois um passo em direção ao conhecimento da realidade


como o do sociólogo e do historiador, a preocupação em des­
vendar aquela realidade que só a história e a sociologia, anterior­
mente, pareciam oferecer, passo que afasta Machado do moralismo.
Ultrapassando o lim iar daqtiela visada da realidade que, presa às
paixões e sentimentos, faz delas derivar os acontecimentos da
vida, despidos de qualquer nexo mais amplo, convertendo os
destinos pessoais em simples conseqüências das intermitências e
inconseqüências da interioridade, transform a-se neste ponto e
aspecto o realismo machadiano, procurando e revolvendo outras
terras. Agora, ao que parece, os problemas não são mais form u­
lados de maneira individualista, para retom arm os uma antiga for­
mulação de Auerbach (cf. supra); um véu que encobria é levado
pelos ventos. M as o que resta, o que aparece?

N a v isu a liz a ç ã o d o p ro b lem a so c ial, b em v e rd a d e , a n a tu re z a se


tra n sm u ta em so c ie d a d e ; h á um g ra n d e p ro g resso n a p e rsp ec tiv a d o m o ­
ra lista , a g o ra v iz in h o d o h isto ria d o r e d o so c ió lo g o . M as a e ssê n c ia é a
m e sm a , c o m p o sta d e fatalid ad e, sem q u e a m ão d o h o m em teç a a h istó ­
ria, e n tid a d e e stra n h a , d e v o ra d o ra , im p o n e n te. E sse p a sso — d a n a tu re z a
à h istó ria — so m e n te p o d ia ser in sp ira d o p o r q u em v iv e sse a tra g é d ia do
escrav o , a e le p ró x im o p elo san g u e, im p o te n te p a ra in te rv ir no seu d e sti­
no. H á, na su til m u d a n ç a d e â n gu lo , o ca la d o p ro te sto d as la m e n ta ç õ e s
in ú teis, refu g iad as no co n fo rm ism o , q u e se e x p rim e m n a d e sc riçã o m in u ­
c io sa d o so frim e n to do escravo , d e suas falsas a le g ria s, o n d e o le ito r
m en o s g e n e ro so p o d e rá v islu m b ra r a lgu m re talh o d e sad ism o . R e sid e aí,
n e sse se n tim e n to d e im p o tê n c ia e n a in e lu tá v e l av a la n c h e q u e d e sa b a
so b re o h o m em , o sen so trág ico d a e x istê n c ia , q u e im p re g n a a a rte de
M a c h a d o d e A s s is 188.

187. Faoro, op. cií., 2001b, pp. 361-362.


188. Idem, pp. 364-365.
I N F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 163

Há pouco a dizer aqui; a medida exata deste traço realista


outro é difícil de medir: a percepção das forças históricas, que
contudo aparecem como forças obscuras. O estudioso do século
X IX bem sabe que surge aqui um fenôm eno que não lhe é
estranho. No caso de M achado de Assis, visto por Faoro, soció­
logo, há uma explicação: a situação histórica concreta do escritor
que, vim os desde o início, está preso e perdido em meio a uma
situação de transição189. É este enraizam ento concreto na história
que lhe perm ite solucionar seu realism o próprio, e como se
acabou de ver vário, criando uma figura própria não só do realis­
mo, mas tam bém cio m oralista, em um nexo muito particular de
vínculo à tradição e resposta ao tem po presente. Uma vez
discernido o teor complexo do moralismo machadiano, Faoro o
form ula pela últim a vez:

O m o ralista, co m suas leis, seu s salto s e suas cab rio las, não era m ais
p o ssív el, co m o v e rd a d e e com o sonho. O m u nd o p e rte n ce às instituiçõ es,
à s estru tu ras so ciais, às classes —o hum our é ap en as o exp ed ien te en tre dois
m o m en to s, o q u e p asso u e o q u e não c h e g o u 190.

Neste ponto, mas somente agora, talvez se possa dizer que


Machado de Assis é, em sentido próprio, elegíaco191. Resta ainda a
questão da forma. Se voltarmos ao passo em que se fala da mimesis
dialética, veremos que o estilo aparece como resultado do processo
de apresentação literária da realidade. Ao mesmo tempo, a realidade

189. O ferece, portanto, a seu modo, um encam inham ento para um problem a que
perm anece, creio, irresoluto nas form ulações de Auerbach.
190. Faoro, op. cit., 2001b, p. 416.
191. H á um a nota do Stendhal analisado por Auerbach que reverbera em Machado
de Assis, m as um a nota de som próprio e difícil de definir. O “m al-estar” e
um a espécie de “resistência” com relação ao seu tem po — cf. A uerbach,
Mimesis, op. cit., 1994, pp. 428, 434 —aparecem transm utados em M achado, e
isto já pode ser percebido na leitura de A ugusto M eyer, um dos grandes
interlocutores de Faoro.
164 L E O P O L D O W A IZ B O R T

apresentada é resultado do estilo. Esse movimento seria dialético?


Sem responder, prossigo. Falei na ocasião da estripulia do intérpre­
te para se furtar da forma. Agora cabe dizer: o estilo é o equivalente
funcional, em Faoro (que se reporta a Auerbach), para o que em
Schwarz significa a forma. E a dimensão analítica, concreta, na qual
o processo social se cruza com a fatura literária. “O estilo reflete e
acentua o contexto social” —e já se viu porque, no caso de M acha­
do, é difícil falar em “processo”, no lugar de “contexto”; também já
se viu o nome desse interregno. “O estilo tem, nessa operação, seu
papel expressivo, ao refinar ou barbarizar a forma, eixo do m ovi­
mento integral de aproximação à realidade” 192. Não se trata de elidir
a distância considerável e o peso muito diferente da forma nos dois
intérpretes, mas apenas indicar que o problema não é simplesmente
deixado de lado por Faoro —e aqui a maior ou menor proximidade
de cada um às matrizes que revolvo é bem definida. Prova do que
digo é sua contribuição ao problema do humorismo machadiano,
quando lança mão do estudo do narrador193; contraprova de que a
forma, travestida em estilo, aparece em A Pirâmide e o Trapézio.
Para concluir, preciso recuperar o problem a da estilização,
que já apareceu na discussão do livro de Faoro. Retenho agora
duas ocorrências da estilização em A o Vencedor as Batatas-, quando
se discutiu o obséquio impessoal (suprci), mencionou-se a estilização:
“aperfeiçoava-se o obséquio pela via de sua estilização”. Estilização
significa aqui uma metamorfose da natureza mesma do obséquio,
rumo a uma acomodação. Uma situação cie alta tensão potencial
se resolve por essa metamorfose; como a acomodação é traço
geral do rom ance da prim eira fase, a estilização torna-se um
componente {mediação) fundamental (estrutural) da form a de apresenta­
ção da realidade. Em outra passagem, Schwarz volta a falar em
estilização, e o sentido é o m esm o194.

192. Faoro, op. cit., 2001b, p. 530.


193. Cf. Faoro, idem, p. 438.
194. “Esta presença objetiva e regular do arbítrio subjetivo no processo social está
IN F L U Ê N C IA S F. IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 165

O sentido de estilização em Faoro já foi melhor indicado,


mas retomemos. Também aqui trata-se de uma metamorfose, e
também aqui trata-se de um com ponente fundante do modo de
apresentação da realidade. Mas, note-se que divirjo proposital-
mente nos term os, agora modo , antes form a, pois como já indiquei
e Schwarz destacou em sua tomada de posição frente ao livro de
Faoro, não se trata, neste, de investigar a fundo a forma literária
(no sentido de Schwarz e Lukács) e, mais ainda, a form ação da
forma. Isto posto, temos elementos para aquilatar m elhor a pro­
ximidade e distância de ambos os sociólogos neste ponto, ponto
aliás capital para a argum entação dos dois e, se meu andamento é
correto, centro de suas interpretações. Centro porque, em diálo­
go com Auerbach, estão preocupados em com preender como se
apresenta a realidade na literatura, e a estilização é a mediação ou
o modo como isto se concretiza.
Em Lukács, estilização também é uma metamorfose e torna-
se essencial no romance moderno, embora não deixe de ser um
elem ento problem ático da épica moderna. Seu caráter problem á­
tico está ligado à apresentação da totalidade, pois que a estilização,
em Lukács, parece estar relacionada a uma espécie de “represen­
tação”, por meio da qual se realiza a passagem do particular para
o universal (o problema vale o estudo, mas não aqui)195.
Contudo, o problema da estilização é sua exata medida, pois
não pode haver estilização em excesso196, sob pena de se perder
o nexo com a realidade - quando a estilização é “artificial”. E
nesse sentido que a “estilização” vai aparecer na análise de

transcrita nos conflitos que analisamos. E talvez se possa dizer que mais tarde,
quando reduziria a vida social ao m ovimento caprichoso da vontade, M acha­
do estilizava em veia tam bém pessim ista, m as agora côm ica, esta m esm a
experiência”. Schwarz, op. cit., 2000, p. 131. J á mencionei a extração lukacsiana
do “ regular”.
195. Lukács, op. cit., 1965, pp. 56, 57, 124-125.
196. Idem, pp. 152, 288 e 343.
166 L E O P O L D O W A IZ B O R T

Thackeray, pois ela “traz à superfície, em cores vivas, as fraque­


zas de sua concepção geral da vida social”197; no M achado de
Assis de Raymundo Faoro, igualmente, a estilização im pede a
visada da realidade da sociedade, enquanto movimento do todo.
Se esta aproximação faz sentido, é preciso reconhecer a extração
lukacsiana do problema da estilização em Faoro, donde se con­
clui que, à diretriz auerbachiana, soma-se esta outra, ambas coe­
xistindo em paralelo ao curso da interpretação e encontrando-se,
como boas paralelas que são, no resultado final, na mtmesis dialé­
tica'98. Esta adjetivação, já ressaltada, pode ser agora m elhor com ­
preendida: com Merleau-Ponty, Faoro reivindicaria, ao que pare­
ce, uma autonom ia relativa para a obra de arte, cuja justificativa é
precisam ente a lei do desenvolvim ento desigual do capitalis­
m o199. Ressalte-se, então, que a solução de Schwarz vai em outra

197. Idem, p. 249.


198. Faoro cita o célebre texto de Lukács, sim ultâneo a Der historiscbe Roman,
“N arrar ou D escrever?” (1936), em Machado de A ssis: A Pirâmide e o Trapézio,
op. cit., 2001b, p. 533, embora para um a argum entação distinta. Cf. G eorg
Lukács, “Erzàhlen oder Beschreiben? Zur Diskussion über N aturalism us und
Form alism us”, 1948, pp. 115-179. R pois em um texto como este que vamos
encontrar as form ulações que servem de parâm etro para o juízo do déficit
realista de M achado de Assis. Por exemplo: “O conhecim ento real das forças
motoras do desenvolvim ento social, o espelham ento poético amplo, correto,
profundo e im parcial de sua atuação precisa aparecer na vida hum ana na
form a do m ovim ento Lukács, op. cit., 1948, p. 133. C om o se viu, falta
esse m ovim ento do todo e perm anecem os nos dom ínios do moralismo.
199. V er M aurice Merlau-Ponty, Les aventures de la dialectique, 1955, pp. 92-94, onde
estão em discussão os escritos de L ukács sobre literatura dos anos de 1930.
Merleau-Ponty não é mencionado em Machado de A ssis: A Pirâmide e o Trapézio,
m as em 0.f Donos do Poder (op. cit., pp. 897 e 822). D ois pontos a destacar,
portanto: em prim eiro lugar, M erleau-Ponty é citado em Os Donos do Poder
como elem ento de crítica ao m arxism o e justam ente por ocasião da discus­
são da lei do desenvolvim ento com binado, em passo citado anteriorm ente.
D onde a crítica de Faoro poderia ser rotulada sob inspiração do filósofo
francês, ou seja, em um a conjugação suigeneris de M arx e Weber. Em segundo
lugar, tem os aqui um reforço e reiteração do nexo entre os dois livros, pois
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 167

direção, pois que a esdlização é mediação na form a literária; em


outros termos, o social tornado forma.
Voltemos então a Auerbach e Schwarz, para ressaltar algo do
nexo que os une. O ponto é o que Auerbach denominou, em
Mimesis, “Stilmischung”, “m istura de estilos”. Não é o caso de
reconstituir o problema nos escritos de Auerbach, mas vale retomar
o passo citado a n terio rm en te de Introdução aos Estudos literários, em
que aparece a questão (na passagem, por problema de versão, fala-
se em “mistura de gêneros”, mas trata-se de fato de “mistura de
estilos”). O realismo moderno —Auerbach refere-se ao realismo
desde Balzac e Stendhal, como já se viu —realiza-se na mistura de
estilos, na dissolução da regra da separação de estilos e a possibili­
dade de livre ap resentação dos assunto s em vários níveis
(Hõhenlage), e isto resulta na possibilidade de apresentação da
realidade como totalidade em movimento200.
Esta possibilidade, Schwarz rapidamente a apanhou. Na aná­
lise de Helena, mas sugerindo uma certa generalidade da questão,
Schwarz aponta a “diversidade estilística” que caracteriza a prosa
machadiana, não deixando de sublinhar que se trata de “prosa
realista”: já aqui os leitores de Auerbach percebem com quem se
está dialogando... Schwarz vai, então, destacando a variedade
estilística da prosa, rum o à seguinte conclusão: “O que pensar
desta diversidade?” Ela é “dem onstração de força e recurso
literários”, o que significa, pelo que precede, processo social
mediado na form a literária. Resultado: realismo peculiar de Ma-

Faoro fundam entaria a adjetivação de mimesis com o dialética em um desen­


volvim ento —transposto, pressuposto e cifrado - indicado no outro livro. O
trilho da Wissenschaftslehre sobre o qual corre a intepretação de M achado de
Assis por Faoro já foi destacado.
200. Ver os precedentes de Shakespeare e C ervantes em Auerbach, op. cit., 1994,
pp. 301 ss., 336 e 338. Em Balzac temos, no entendim ento de Auerbach, uma
literatura na qual “são válidos todos os gêneros estilísticos e todos os níveis”
e cujo escopo é o todo, “um a apresentação total da sociedade francesa no
século X IX ” . Idem, pp. 444-445.
168 L E O P O L D O W A IZ B O R T

chado de Assis, pensado nos termos de Auerbach. Daí ao M a­


chado da segunda fase há apenas um passo, que Schwarz não
resiste indicar:

[...] lev ad a m ais lo n ge e tratad a em v e ia h u m o rística, algo com o um d e sn í­


v e l d e frase a fra?e, esta m e sm a d iv ersid ad e id eo ló g ica e retó rica será um
in g red ien te essen cial da p ro sa m ach ad ian a ulterio r, em que a frequen tação
a lex an d rin a e m e rcu rial d e todos os estilo s ac a b a sen do o n o sso único
estilo autêntico , um ach ad o literário em q u e a salad a in telectu al do país
e n c o n tra seu registro im o rtal. A co existên cia in d iscrim in ad a de m an eiras,
todas igu alm en te p re zad as, d esd e que tratad as co m p eten tem en te, é u m a
fatalid ad e de cu ltu ras d ep en d en tes com o a n o ssa f...]201.

Vale destacar, então, como Schwarz opera leves deslocamen­


tos nas formulações de Auerbach. Em primeiro lugar, trabalha
inclusive no registro estilístico do filólogo moderno, examinando a
composição de frase a frase. Em segundo lugar, a diversidade é
modo de retomar a “Stilmischung”, marcando que a possibilidade
de um estilo autêntico, isto é, a peculiaridade do realismo de M a­
chado, deriva do processo social; esta é a maneira como a leitura e
inspiração auerbachiana é convertida no problema da forma. Por
fim, e como outra face do precedente, a especificidade é relaciona­
da ao processo do desenvolvimento como um todo (desigual e
combinado), donde chegamos às “culturas dependentes”. O que
veio a significar uma outra via de desenvolvimento, pois que chega­
mos à mistura de estilos por desvio próprio202.
Certa vez se disse que a vida da dialética pulsa na unifica­
ção produtiva de m omentos antagônicos. A palavra e o julgam en­
to estão agora com o leitor.

201. Schwarz, op. cit., 2000, pp. 145, 146-147 para o passo e as expressões que o
precedem.
202. D e m odo m uito sutil, Schw arz oferece solução para um problem a radicado
no âm ago da em preitada auerbachiana, o problem a das “ forças históricas”.
Sobre isto um ard go próximo.
IN F L U Ê N C I A S E IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 169

PR O D O M O

Foi-me pedida uma ponderação acerca das influências estran­


geiras na sociologia brasileira no período de 1970-2000. Esperava-
se, decerto, um trabalho extensivo; no mínimo, uma coleção de
casos célebres. A primeira vista —mas a sociologia não é a ciência
da primeira vista —nada disso se realizou, sequer se esboçou, neste
texto. Um caminho muito divergente, talvez uma volta esquiva. A
desconfiança para com as totalizações, por um lado; a incredulidade
respeitosa no conhecimento das listagens de nomes, autores e obras,
por outro. Assim, uma solução diversa, proposital. Entenda-se, com
todas as palavras: os dois sociólogos que discud, com seus dois
livros da década de 1970, são, em minha avaliação, vértices da nossa
sociologia. Destarte, figuras exemplares para se pensar o problema
de fundo; tanto mais que neles, como espero ter indicado, há uma
rica e instigante reflexão que se apropria de tradições de além-mar,
aclimatando-as de modo original e provocativo e, por fim, ofere­
cendo, como contrapartida e bônus, elementos que as matizam,
problematizam e enriquecem. Um processo complexo, certamente
mais complexo do que foi possível indicar.
Ademais, alocados institucionalmente fora dos departamentos
costumeiros da disciplina e tratando de tema visto como marginal e
mais fraco, exigem reconfiguração dos parâmetros naturalizados:
pelo menos por isso, estão a nos provocar e testar até onde vai
nossa insensibilidade; desafiam, com acuidade e inteligência, a indo­
lência do pensamento. Isto mesmo um elemento significativo de
todo o complexo da nossa “vida cultural”, a sociologia aí inclusa.
A dupla leitura de Auerbach e Lukács é solução específica,
aproximando o divergente sem cair no ecletismo, realizando certo
enfoque integrativo: é na análise concreta das obras que se resol­
vem as tensões, sem que isso signifique atenuamento203. Este é o

203. A aproxim ação de Lukács e A uerbach foi indicada por K âte H am burger,
“Zwei Formen Literatursoziologischer Betrachtung. Zu Erich Auerbachs Mimesis
170 L E O P O L D O W A IZ B O R T

ponto forte, e talvez a nota específica, com que se apresenta essa


sociologia.
Ademais, evidentemente que não pretendi, em momento al­
gum, afirm ar que as análises e interpretações dos dois autores
limitam-se aos nexos e aspectos que procurei salientar. Estes foram
destacados em meio a uma teia bem mais emaranhada, tendo em
vista um problema proposto. Há muito mais nos dois livros do que
poderia deixar supor esta curta resenha.
Mas raro é encontrar uma incorporação como a que se suce­
deu nessa sociologia da literatura, que soube amalgamar, caso úni­
co, duas poderosas teorias do realismo, em muito diferentes, Lukács
e Auerbach, fazendo-as responder não a uma inquietação qualquer,
mas ao enigma que nossa literatura nos dá, Machado de Assis. E de
se crer que aqui se fez atuante aquele instinto de nacionalidade, que
soube decantar e aprimorar, sob seu próprio problema, as formula­
ções européias, verdadeiro acontecim ento daquela dialética de
localismo e cosmopolitismo204. Disto resulta o modo excepcional­
mente maduro com o qual a sociologia brasileira, em um setor margi­
nal mas não por isso menor, relacionou-se com a “influência” estran­
geira, transformando-a não mais em influência, mas sim em elemento
próprio, em diálogo de altura e intensidade equivalente, embora
formatado em tema e problema próprios e, ao mesmo tempo, gerais.

Foi, p o rtan to , p o r m eio de em p réstim o s in in terru p to s q u e n o s for­


m am o s, d efin im o s a n o ssa d iferen ça relativ a e co n q u istam o s co n sciên cia
p ró p ria. O s m ecan ism o s d e adap tação , as m a n eiras p elas quais as in flu ê n ­
cias foram d efin id as e in co rp o rad as é q u e co n stitu em a “o rig in alid ad e ”,
q u e no caso é a m an eira d e in c lu ir em co n tex to n ovo os elem en to s que
v ê m d e o u tro 205.

und G eorg Lukács Goethe und seine Z eit ” , 1949, vol. VII, nr. 1-2, pp. 142-160
e Pauío E. Arantes, Ressentimento da Dialética: Dialética e Experiência Intelectual em
H egel (Antigos Estudos sobre o A BC da M iséria A lemã), 1996, pp. 170-171.
204. Cf. A ntonio Cândido, Literatura e Sociedade, 2000, p. 101.
205. A ntonio C ândido, O Romantismo no Brasil, 2002, p. 101.
I N F L U Ê N C IA S 12 IN V E N Ç Ã O N A S O C IO L O G IA B R A S IL E IR A 171

O riginalidade que é aqui verdadeira “invenção”206, em que


as reflexões européias sobre o romance europeu são refletidas e
postas a trabalhar para um objeto próprio, reconfigurando criati­
vamente seus limites originais.
A soberania com que os autores foram lidos, para além das
restrições pontuais que se possa porventura fazer aos intérpretes de
Machado, conferiu aos livros de Faoro e Schwarz um alcance raro,
alocando-os entre as obras clássicas da sociologia brasileira, ainda
mais porque insistentes em repartição de menor prestígio, ainda mais
porque à margem do critério institucional. Entretanto, disto resulta
o ímpeto e a força ainda maiores com que estes trabalhos se im­
põem a todos os que pretendam, de algum modo, dar balanço no
livro dos teres e haveres de nossas ciências sociais.
Não obstante, aos que julgarem o percurso de todo equivoca­
do, resta-lhes o recurso do melhor consolo: “Nada se emenda bem
nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos.
Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O
que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as
coisas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então!
Que de reflexões profundas!”207.

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In flu ê n cia s e In v e n ç ã o na S o c io l o g ia B rasileira
( C o m e n tá r io C r ític o )

Fernando A. Novais

Acedi ao convite de Maria Arm inda para participar dessa


sessão, com entando o texto de Leopoldo, pois assim retom aría­
mos o diálogo com eçado num a exposição que fiz —meio pales­
tra, meio depoim ento de geração - no departam ento de sociolo­
gia da USP, à qual Leopoldo assistira e de que participara, e que
no texto ele cita.
N esta exposição eu me referia ao diálogo da história com a
sociologia como um diálogo de surdos. Assim sendo, entendi que
est:a seria uma boa oportunidade para retom ar a discussão. Trata-
se de um diálogo, a meu ver, que contém alguns equívocos e
não só com a sociologia, mas com as ciências sociais em geral, e
voltar a esse tema é, para m im , sem pre um desafio. Gostei,
evidentem ente, do texto do Leopoldo, mas há algum as dificulda­
des em com entá-lo, por dois motivos principais. Um ele já falou:
trata-se de texto incompleto; na realidade, é a metade do texto.
Eu até lhe disse que deveria com pletar o que não escreveu, pois
ele se ateve apenas à parte do Faoro. Na verdade, o que me
parece im portante no argum ento é a com paração estabelecida
176 F E R N A N D O A . N O V A IS

entre Faoro e Roberto Schwarz. Se não há comparação, a com ­


preensão fica prejudicada. E por isso que eu lhe disse que, na
apresentação oral, ele deveria avançar na parte que ainda não
tivera tempo de escrever.
Além disso, há uma outra dificuldade para mim: o Leopoldo
tem um estilo muito alusivo, excessivamente alusivo. Para se ter
uma idéia, o texto começa com uma citação de um verso de Marvell,
poeta metafísico do século XVII —muito importante; aliás, o verso
é muito bonito —, mas começar um texto de uma maneira assim tão
alusiva, torna difícil a compreensão do modo pelo qual o Leopoldo
entendeu a solicitação de Sergio Miceli para esse projeto. Este
caráter alusivo permite que eu faça então algumas sugestões, para
que certas coisas fiquem mais claramente expressas no texto, quan­
do for escrita a versão final. Porque, na realidade, Leopoldo deu
uma interpretação, digamos, peculiar à questão, que era o impacto
ou a recepção de teorias ou autores estrangeiros nas ciências sociais
brasileiras, especialmente na sociologia.
O que ele fez então? Tomou Auerbach (M mesis) e a noção de
“realismo” em literatura. Se é “representação” ou “apresentação”
(sabemos que Leopoldo é rigoroso no alemão, afirma que o certo
seria “apresentação da realidade”, e não, como normalmente se
traduz, “representação da realidade”). Eu sempre achei que era
representação, mas, enfim, quem deve ter razão é o Leopoldo.
Então, Auerbach está discutindo a questão do realismo na literatura,
desde os gregos até a modernidade. Leopoldo tomou dois autores
brasileiros, Raimundo Faoro e Roberto Schwarz, que utilizaram e se
inspiraram em Auerbach para analisar Machado de Assis.
Com isso, introduziu muitas variáveis na questão, que não
ficaram bem explicitadas. Como é então que procura responder à
solicitação por meio desse exemplo? Leopoldo afirm ou que não
poderia fazer um balanço da produção dos últimos trinta anos e
ver como um autor importante, uma linha interpretativa, incidiu
sobre toda essa produção; não seria possível num texto como o
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O ... (C O M E N T Á R IO C R ÍT IC O ) 177

que se propôs. Por isso optou por tom ar um caso. Acontece que
o caso em questão é muito específico e envolve muitas variáveis,
inclusive a literatura. É preciso que fique claro então, para que o
caso considerado não se relacione com a proposta original ape­
nas alusivamente. E preciso saber como essas variáveis estão
sendo vistas. Um mesmo autor, Machado, tratado por dois soció­
logos. A questão que se coloca então é: a pergunta dos dois é a
mesma?
O traço com um entre eles é a inspiração em Auerbach e o
tratamento dado a Machado. Mas Auerbach, que eu saiba, não é
sociólogo. Quando ele discute realismo, está pensando em teoria
e história literária. E em que medida a literatura expressa a reali­
dade social? O que foi exposto e o que está presente no texto é
como isso aparece em Faoro; a comparação com o Roberto ainda
não foi realizada.
No meu entender, a diferença entre os dois - que eu supo­
nho não coincida com a visão de Leopoldo — é a seguinte:
quando se toma a obra literária, a questão da realidade, conside­
ram-se dois autores que usam Auerbach. Mas me parece que
Auerbach elabora o conceito para poder avaliar a obra literária e
não para explicá-la. Sua preocupação, como teórico e historiador
da literatura, é explicitar a obra literária, e não usá-la como
documento. Ao contrário, é ter elementos para julgá-la. Parece-
me que não há dúvida alguma em relação a isso. Os bons, os
grandes autores são aqueles que são mais realistas; os que não o
são não conseguem perceber a realidade. Por isso eles são valori­
zados: Auerbach mostra como todos os grandes autores —muitos
dos quais não são considerados “realistas” (como Dante, por exem­
plo) —têm a capacidade de apreender a realidade. Ninguém está
dizendo que Dante é um autor “realista”. Ele vai argumentar que
realismo é outra coisa, é a capacidade de apreensão da história.
Então, essa é a razão dele. Porém, quando se está pensando numa
ciência - na sociologia ou, numa “menos” ciência, a história - está
178 F E R N A N D O A . N O V A IS

se querendo relacionar isso com a realidade não para julgá-la, mas


para dar uma explicação conceituai, para fazer uma reconstituição
conceitualizada da realidade. Há uma diferença de enfoque aí, que
é complicada, e reponta em Roberto e Faoro.
A postura do Roberto parece-me diferente da de Faoro. A
concepção de sociologia na literatura de Schwarz não é a de usar a
obra literária para observar o que se conhece da realidade social
por meio dos textos dos sociólogos. Eu acho que ele tem com
relação à obra de literatura a mesma postura que Francastel em
relação à pintura (Peinture et Société): a tarefa da sociologia da arte não
é conhecer a realidade social por meio da arte, que pode ser conhe­
cida através de outra documentação; é observar aqueles aspectos
da sociedade que só a arte revela. Esta é a função da sociologia da
arte. Eu acho que Roberto faz a mesma coisa com M achado: o que
se conhece da história do Brasil do Segundo Reinado e do começo
da República que só é possível conhecer por meio de M achado?
Ele vai enriquecer o conhecimento da história por meio de M acha­
do. E não comprovar —que é a postura inversa da de Faoro. O que
faz Faoro? Ele toma M achado e o contrapõe a Os Donos do Poder. Há
uma reconstituição histórico-sociológica, que ele chama de sociolo­
gia histórica. Vou term inar comentando essa sociologia histórica,
embora eu nunca tenha conseguido entender o que isto possa ser.
Ele comprova a sua análise, já realizada, por meio de Machado de
Assis. Ele diz: olha, eu analisei assim, a minha reconstituição do
Segundo Reinado é esta, está lá n’ O.r Donos do Poder. M uito boa,
brilhante —não há dúvida alguma. Independentemente de estarmos
de acordo ou não, sem dúvida este é um ponto alto de nossa
discussão. Ele diz: olha como isso aparece em Machado. E absolu­
tamente diverso daquilo que pensa Roberto. Faoro diz que é dialé­
tico. Mas Roberto diria que Faoro não é dialético. Como o texto de
Leopoldo acompanha Faoro, acho que na segunda parte haverá uma
contraposição a Roberto. Acho que Roberto diria que isso aqui não
tem nada a ver com dialética. De toda maneira, isso nos leva,
IN F L U Ê N C IA S E IN V E N Ç Ã O ... (C O M E N T Á R IO C R lT lC O ) 179

finalmente, à questão da sociologia e da história, do diálogo de


surdos entre a sociologia e a história.
Sou obrigado a dizer mais uma vez uma platitude: história
significa duas coisas —todo mundo sabe, mas nem sempre se levam
em conta as decorrências desse fato. História é o acontecer huma­
no, em todo o espaço e em qualquer tempo. E história é a narrativa
desse acontecer; é a história-discurso. As vezes não se levam em
conta as duas, por exemplo. O que é história do Segundo Reinado
para Faoro? Os Donos do Poder. Quer dizer, é a sua leitura da história.
Isso não está errado se se pensar a história na primeira acepção: o
acontecer humano. E a minha visão, a que eu tenho. E a visão dele,
cada um tem a sua visão. Se se pensar a história no sentido de
historiografia, ter-se-ia de considerar, de um lado, Machado e, de
outro, toda a produção historiográfica sobre o período para, final­
mente, distinguir o que só é cognoscível por meio de Machado.
Faoro refere-se a uma sociologia histórica. Em minha palestra pro­
curei indicar um a diferença entre sociologia retrospectiva e história
social, entre economia retrospectiva e história econômica, entre
antropologia retrospectiva e história da cultura e coisas assim. A pli­
car ao passado os conceitos sociológicos pressuporia a idéia de que
história é o estudo do passado e sociologia o estudo do presente -
o que evidentemente não é verdadeiro. Se história não é o passado,
sociologia não é o presente; se sociologia pode tratar do passado e
história pode tratar do presente, toda sociologia é histórica. Que
sociologia não é histórica? Só se um sociólogo escrevesse um
tratado sobre algum a coisa que ainda não aconteceu; seria
futurologia. Futurologia pode ser. Agora, então, a diferença à qual
eu queria me referir é a seguinte: o diálogo da história com as
ciências sociais, desde que nascem as ciências sociais —porque a
história é mais antiga, tão antiga que tem até uma musa, a Clio. As
ciências sociais não têm musa. A sociologia tem Augusto Comte,
que não se pode considerar também uma musa, a não ser que se
pense em Clotilde De Vaux... Então veja, tão antiga quanto a histó-
180 F E R N A N D O A . N O V A IS

ria são as artes, que também têm musas, e a filosofia. Isso significa
que a história é mais antiga do que as ciências sociais, até mesmo do
que a ciência em geral, do que a própria universidade. Isso aparece
em todos os trabalhos de história da historiografia. Só que não se
retiram as conseqüências disso, que são graves. Por exemplo, pode-
se estudar o impacto da universidade sobre a historiografia, o im ­
pacto da sociologia sobre a historiografia, da economia sobre a
historiografia, da psicologia sobre a historiografia - e não o contrá­
rio. Não existe o impacto da historiografia sobre a sociologia; não
existe isso. A historiografia já existia quando Durkheim e Weber
começaram a criar a sociologia. Desde os gregos, desde os cronistas
medievais; eles estão fazendo história. O que distingue, então, a
historiografia moderna da tradicional? É que a moderna mantém um
inevitável diálogo com as ciências sociais e que foi institucionaliza­
da a partir dos Annales. Este diálogo —que independe da vontade
das pessoas —existe em vários planos. Existe num plano acadêmico
e que são as pequenas vaidades: o que é mais importante, história é
mais importante, esse é meu campo, aquele campo tem mais vagas
etc. etc. Existe também um diálogo explícito; um diálogo mais
acadêmico —que é esse que nós estamos fazendo aqui; um diálogo
implícito nas obras. Se se tomar, por exemplo, um livro como o de
Burckhardt —para dar exemplos em alemão —sobre o Renascimento,
e compará-lo com o de Von Martin, vê-se que eles têm praticamente
a mesma visão, o material utilizado é praticamente o mesmo (Florença
no século XV), as idéias e as conclusões são muito semelhantes —e
não há a menor dúvida sobre qual é o livro do sociólogo e qual é o
livro do historiador. O historiador parte dos fatos para construir a sua
narrativa, enquanto o sociólogo parte dos conceitos. Em geral, os
historiadores conhecem menos conceitos do que os sociólogos e
os sociólogos conhecem menos história do que os historiadores.
Isto é evidente. O que eu quero dizer c o m is s o é que o diálogo da
história com as ciências sociais é específico. Não é como o diálogo
da economia com a sociologia, da sociologia com a psicologia, ou
IN F L U Ê N C IA S F. IN V E N Ç Ã O ... (C O M E N T Á R IO C R Í T I C O ) 181

com a antropologia. E de qualquer um a dessas com a história. Isso


não é querer dizer que história seja mais importante. Ao contrário, é
porque a história é menos científica que o diálogo com ela é dife­
rente do das outras entre si. O historiador procura reconstituir a
realidade, por isso a história como discurso é uma utopia. E a idéia
de que é possível recriar o mundo, no texto —o que, evidentemen­
te, talvez só seja possível na arte, ainda que de modo muito especí­
fico. Por isso que a história, até o começo do século XX, é parte da
literatura. Se se tomar as histórias da literatura até a Relle Époque,
todas têm capítulos referentes à historiografia. Os períodos são
marcados por estilos, e dentro de cada estilo estuda-se “poesia”,
“romance”, “teatro” (antigamente “oratória”), e “história”. A partir
do século XX sai a “história”. Por que ela foi excluída? Porque os
historiadores começaram a dizer que eram “cientistas”. As histórias
da literatura mencionam historiadores até o início do século XX.
Mas, esse fato expõe a ambigüidade da história. O que caracteriza a
h isto rio grafia m oderna é que ela quer usar os conceitos,
historicizando-os. Mas a reconstituição é o fim, é a finalidade. En­
quanto nas ciências sociais se reconstitui para conceitualizar, em
história, se conceitualiza para reconstituir. Subordina-se o conceito
à reconstituição; essa é a diferença. E isso o que distingue, a meu
ver, uma sociologia retrospectiva de uma história social (de uma
história da sociedade); uma economia retrospectiva de uma história
econômica. A distinção entre Burckardt e Von M artin é um bom
exemplo disso. Um outro exemplo seria a comparação entre a Histó­
ria Econômica do Brasil’ de Caio Prado J únior, e a Formação Econômica
do Brasil’ de Celso Furtado; não pode haver dúvida de que um é
escrito por um historiador e outro, por um economista. O que não
quer dizer, necessariamente, que o livro do historiador seja melhor.
A não com preensão dessas distinções é o que eu denominaria
diálogo de surdos. Aqui, no Brasil, esse diálogo parece-me mais
d ifícil por um m otivo m uito forte: por cau sa da presença
avassaladora, até recentemente, do marxismo nas ciências sociais
182 F E R N A N D O A . N O V A IS

brasileiras. Por quê? Porque o materialismo histórico é uma visão


que pretende resolver esse dilema, na medida em que se apresenta
como uma teoria da história. Observemos a coleção Grandes Cientis­
tas Sociais\ dirigida por Florestan Fernandes: Marx e Engels apare­
cem em volumes de sociologia, economia, política; finalmente, o
próprio Florestan organizou o volume Marx-Engels: História.
Aparentem ente saímos do assunto, levados pela obsessão
de caracterizar o discurso do historiador. Lembremos, contudo,
de que este discurso tem de comum com a arte a pretensão de
(mais do que explicar) reconstituir a realidade. E isto nos remete
ao ponto fulcral de Erich Auerbach na Mimesis.
P e n sa m e n to S o c ia l da Es c o l a
S o c io l ó g ic a Pa u list a

Elide Kugai Bastos

O trabalho na ciência enlaça as gerações sucessivas


num a colaboração in visível e ininterrupta.
F lo re sta n F e r n a n d e s, 1967, p. X IL.

Certa vez, ao lado de um colega, grande especialista em


pensamento brasileiro, ouvi de um sociólogo estrangeiro a per­
gunta: por que vocês, no BrasiJ, se preocupam tanto em estudar
seus próprios autores? Deixando de lado a sugestão, embutida no
questionamento, sobre a “fraqueza teórica” dos mesmos, o que
“explicaria” sua pouca im portância, tentamos explicar-lhe que
sem com preender tanto as idéias como o lugar social desses
intelectuais é impossível apreender o movimento geral da socie­
dade brasileira. Não sei se não nos explicamos bem, embora
carregássemos nos exemplos, ou se as razões requeressem em ba­
samento mais amplo, mas o fato é que ele continuou perplexo.
O certo é que a indagação tem me assombrado nos últimos
tempos. Fiquei aliviada quando Werneck Vianna, instigado pela
mesm a questão, respondeu: porque somos filhos do jacaré com a
184 E L ID E R U G A I B A S T O S

cobra d’água (Vianna, 2001). Isto é, de modo provocador, aponta


para nossa singularidade, o que nos obriga a pensar, sim ultanea­
mente, a sociedade e os problemas que a atravessam, uma vez
que essa reflexão ancora a própria institucionalização. Demons-
tra-se, assim, que coube às Ciências Sociais a produção de uma
narrativa e uma interpretação do país que forneceu diagnósticos
sobre essa situação tão particular, os quais ancoram m odos dife­
renciados para o encaminhamento dos problemas.
Este trabalho é uma abordagem bastante limitada da questão.
Busco mostrar como o estudo sobre os intelectuais e sua interpre­
tação do país é elemento constitutivo da reflexão sociológica brasi­
leira. E mais, como o diálogo entre as diferentes interpretações é
componente fundamental da busca de explicações sobre o Brasil.
Seria im possível, num texto limitado como este, dar conta
das diferentes tradições de pensamento social que se formaram
em torno do tema. Assim, opto por fixar-me em apenas uma
delas: a denom inada escola sociológica paulista. A escolha tem a
ver com algum a familiaridade com essa produção, o que perm ite
arriscar-m e a estabelecer conexões entre os trabalhos escritos
nos anos de 1950 e 1960 e aqueles de décadas posteriores. Esse
privilegiamento de m odo algum sugere que a Sociologia é um
“produto paulista”1. Sabemos que tanto a sistematização da So­
ciologia quanto sua institucionalização se dão simultaneamente
em diversas regiões do país, sendo que a autonom ização da
disciplina ocorre, nas diferentes tendências, a partir de um a dife­
renciação com o pensam ento social do passado, o que pressupõe
um diálogo com as tradições anteriores2.
Passo, então, a refletir sobre a Sociologia como um dos
veículos de interpretação do Brasil, a partir de um corte especí­

1. Uso a expressão de R enato O rtiz (2001: 177) que adverte sobre o equívoco
dessa atribuição.
2. J á tive a oportunidade de sugerir algum as vertentes desse processo em Elide
Rugai Bastos (1986).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A PA U L IST A 185

fico: a atualização do pensamento social elaborado pela chamada


escola sociológica paulista no pensamento sociológico contem ­
porâneo no B rasil. A tem ática desenvolvida por F lorestan
Fernandes e o grupo de seus assistentes, bem como a metodolo­
gia que ancora seu desenvolvimento, form am uma tradição no
pensamento sociológico que se irradia por uma pluralidade de
estudos atuais sobre a questão social3.

0 A traso co m o E ix o

As indagações sobre as razões e os efeitos do atraso do país


têm, de várias maneiras, centralizado as preocupações dos sociólo­
gos brasileiros. Eixo dos debates do final dos anos de 1950 e início
dos de 1960, opôs interpretações e definiu oposições que levaram
os intelectuais a enfrentamentos teóricos. Não se tratava, obvia­
mente, de discussões que se esgotavam no âmbito acadêmico, mas
que supunham tomada de posições políticas direcionadas ao mode­
lo de desenvolvimento em questão. Embora muitas vezes se afirme
que essa temática é datada e que tem pouco interesse para os
problemas que hoje nos afligem, quero mostrar sua atualidade,
indicando como continua presente nas indagações dos sociólogos
nacionais, em vários deles constituindo base interpretativa da socio­
logia que busca explicar o Brasil e dar conta de questões cruciais da
sociedade nacional.
A escola sociológica paulista, denominação que se atribui
ao grupo que tem como centro Florestan Fernandes e seus assis­
tentes4, apresenta como eixo de sua reflexão a pergunta sobre as

3. N a im possibilidade de abordar analiticam ente o grande núm ero de trabalhos


referentes à questão, lim itam o-nos a indicar grande parte deles em notas de
rodapé, com o o leitor perceberá ao longo do texto.
4. E im portante ressaltar que na definição da Sociologia como disciplina em São
Paulo, estão presentes vários outros intelectuais, tanto da Universidade de São
Paulo quanto da Escola de Sociologia e Política. No caso de Florestan Fernandes,
186 E I.1D E R U G A ! B A S T O S

razões, o perfil e os efeitos do atraso no Brasil. A especificidade


de seu caminho analítico é dada por um objetivo claro: a recusa
de uma visão dualista, comum à maioria dos intérpretes, e que
aparece nestes como um continuum onde o processo de mudança
social teria a função de superação desse retardo. Recusando essa
posição, o autor, acompanhado pelos pesquisadores que o cer­
cam ou que descendem dessa tradição de pensamento, tom a a
imagem e altera-lhe o sentido: em lugar de uma explicação linear,
opera como se as duas pontas do continuum se encontrassem e
esse encontro gerasse, simultaneamente, o objetivo, a unidade de
pesquisa, o desafio à compreensão, a busca de um suporte teóri­
co e o método de investigação. A expressão circuito fechado , que
mais tarde será utilizada como título de um dos livros de Florestan,
embora tenha um significado mais amplo, uma vez que retrataria
o próprio funcionamento da sociedade, simboliza muito bem o
ponto de partida e o resultado da interpretação.
Levando em consideração essa circularidade, perguntas di­
ferenciadas se comparadas às de intérpretes que o precederam,
acionam a reflexão. Correndo o risco de simplificação, creio po­
der reuni-las em três indagações: Como explicar o dinamismo da
econom ia brasileira em face dos outros países da Am érica Latina,
um dinamismo que, mesmo com a autonom ia da colônia, conti­
nua com seu centro definido externamente? Por que esse dina­
mismo, apesar de ter gerado uma base produtiva diversificada,
reitera a exclusão sociai, a pobreza e as disparidades regionais?

seus assistentes e alunos, acentuo o caráter coletivo da produção e influência


de suas idéias em textos posteriores. N ão se pode esquecer que com põem a
am biência da USP, nesse período, os professores M aria Isaura Pereira de
Q u eiroz , A n to n io C ândido, Aziz Sim ão e R u y C oelh o. Para uma m ais com ­
pleta visão da questão consultar M aria A rm inda do Nascimento A rruda
(2001). Nos períodos posteriores vale ressaltar não apenas a pesquisa realizada
n a universidade - Unesp, Unicamp, PUC-SP, aiém da U SP - m as tam bém os
institutos de pesquisa - Cebrap, Cedec, Idesp. C onsultar B ernardo Sorj e
M ilton Lahuerta (1999).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A PA U L IST A 187

Como com preender a presença de elementos arcaicos e m oder­


nos na estruturação da sociedade brasileira?
O utra vez sim plificando, creio ser possível dizer que a
busca das respostas a essas questões levou Florestan a desenhar
o ca m in h o de uma análise que tem c o m o re ferê n cia d o is e le m e n ­
to s com plementares: a história e a totalidade. Procura dar co n ta
das peculiaridades da formação social brasileira como uma forma
particular de realização do sistema capitalista, ante as experiên­
cias clássicas do capitalismo originário. Assim, o atraso é definido
a partir da constatação de que, embora a transição capitalista
tenha aqui se efetuado com um século de atraso em relação
àqueles países que conheceram as experiências clássicas, o siste­
ma teve um dinamismo que precisa ser explicado tendo em vista
a exclusão, a pobreza e a heterogeneidade.
Segundo o autor, no Brasil se produz uma relação suigeneris
entre opostos —arcaísmo e modernidade, riqueza e pobreza —, uma
relação que se assemelha a Janus: duas faces inseparáveis de uma
mesma figura. São elementos que, a princípio, se opõem, mas que
encontram unidade explicativa na totalidade do sistema e que aca­
bam por operar como estratégia de reprodução do mesmo5.

5. Essa circularidade r e fe r e n te ao alra.so aparece, n o p e n s a m e n to in tern acion al,


tanto na literatura como no ensaísmo. Os ensaios de G anivet e Unamuno, as
novelas de Pio Baroja, na Espanha do final do século X IX , giram cm torno
desse tema. Talvez o mais ilustrativo dos rom ances nessa direção seja O leop a r­
do, de Lampedusa, este já da década de í 950, embora referido a acontecimentos
italianos situados em 1860. Relata um a conversa entre o príncipe de Salina e
oficiais ingleses sobre a situação de desigualdade marcante que presenciaram em
Palermo: “Chegaram à minha casa, acom panhei-os lá acima; eram jovens ingê­
nuos, a despeito de bastas suíças avermelhadas. Ficaram extasiados, com o
panoram a, com a violência da luz; confessaram , porém , que tinham ficado
petrificados, de surpresa ao ver a desolação, a vetustez, a imundície das ruas que
davam acesso à minha casa. Não lhes expliquei que um a coisa derivava da
outra”. G iuseppeTom asi di Lam pedusa (1976:173). É im portante assinalar que
os dois autores citados escrevem sobre sociedades não apenas marcadas pelo
atraso em relação à transição capitalista, como se referem a um específico
188 E L ID E R U G A I B A S T O S

A referência à totalidade perm ite a irradiação da temática


desenvolvida pela escola em várias direções, com o objetivo de
conhecimento da realidade brasileira em suas múltiplas perspec­
tivas6. Portanto, esses temas estendem-se pela estrutura econô­
mica, construção e transformação do Estado, estrutura social,
produção cultural etc. Uma das maneiras de realização am pla
dessas intenções encontra-se na preocupação de estabelecer um
diálogo crítico com as grandes tradições do pensamento social e
político brasileiro. Embora o questionamento dessas interpreta­
ções possa ser visto como a busca de legitimação desses pesqui­
sadores no campo intelectual, ponto m uitas vezes acentuado pe­
los analistas, parece-m e que a avaliação dessas tradições de
pensamento tem um objetivo que se coloca além dessa intenção,
pois se trata de um elemento intrínseco à proposta analítica.
Sem me deter exclusivamente nas formulações de Florestan
Fernandes e seu grupo de assistentes, analisarei esses pontos,
brevemente colocados, como inspiradores de uma interpretação
da sociedade brasileira presente em vários analistas nas últimas
décadas e sobretudo nos anos recentes.

Pa d rão T eó r ic o - M e t o d o l ó g ic o

O objetivo colocado por aquele grupo de pesquisadores, de


percepção da singularidade da formação nacional superando a

modo de desenvolvimento dessa passagem: a ausência de rupturas revolucioná­


rias, isto é, à perm anência do padrão de organização social no quadro de um
processo de modernização. A este modo de transição os autores, sendo a
referência principal Gramsci, denominam revolução passiva. No referido romance
sobre a Itália, um a frase, relacionada à pardeipação da aristocracia no movimen­
to garibaldino, tornou-se famosa: “ Se nós não estivermos lá, eles fazem uma
república. Se queremos que tudofique como está, épreciso que tudo mude” (o grifo é meu).
6. G ildo Brandão (1999: 198) aponta com o um traço da tradição intelectual
uspiana “a recusa em tom ar a política separada da sociologia e da cultura e o
m odo de pen sar a relação entre os projetos intelectuais e a vida pública” .
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 189

visão dualista, im põe a busca de um novo padrão teórico-


metodológico. O desafio levou a um esforço coletivo que com ­
preende a docência —análise da grande tradição teórica da socio­
logia e estudo do ensaísm o de interpretação do país7 — e a
formulação de um ponto de partida para a pesquisa.
Creio ser possível apontar para uma afirm ação implícita na
análise, que parece ancorar a definição do objeto de investigação:
a partir da periferia percebe-se melhor o movimento da sociedade, possibili­
tando a verificação dos princípios que a estruturam 8. Aqui está a gênese
do método. Florestan explicita essas intenções levantando as
possibilidades da reflexão sociológica desenvolvida por seu gru ­
po inscrever-se no debate internacional.

O B rasil n ão é ap en a s, com o sc d iz, “ um c ad in h o d e raças e c u ltu ­


ra s” . A trav c s de esco lh as ju d icio sa s, o so ció lo g o b rasileiro p o d e c o n trib u ir
d e fo rm a o rigin al e criad o ra p ara o en riq u ecim en to de ram os da teo ria
so cio ló g ica que n ão p o d em se r cultiv ad o s com a m esm a facilid ad e p or
seus c o legas d o s “ p aíses d esen vo lvid o s” d o m esm o círcu lo civilizató rio.
A s so cied ad es que se afastam d o tip o “ n o rm al” , in eren te a d eterm in ad a
civ ilização , rep resen tam , em si m esm as, um p ro b lem a teó rico p a ra a c iên ­
cia. A s e x p lic açõ es válid as p ara o tip o “n o rm al” n em se m p re se ap licam às
suas o b jetivaçõ es em co n d içõ es esp eciais. E de en o rm e in teresse científico
não só in tro d u zir as retificações necessárias nessas exp lan ações, m as, p rin ci­
palm ente, c o n stru ir m o d elo s de exp licação con gruen tes com as flutuações

7. E conhecido o em penho de Florestan na organização do curso de Ciências


Sociais na USP. Ver, entre outros, Florestan Fernandes (1980a e 1976); Maria
Arminda do Nascimento Arj-uda (2001); José de Souza Martins (1998); Fernando
Lim ongi (1989); Sylvia G em ignani G arcia (2002); e M ilton Lahuerta (1999).
8. Nadia Urbinati (1996) sugere a presença do mesm o procedimento em Gramsci
que, ao debater a questão m eridional, busca apontar antes as fraquezas do
sistem a do que os problem as exclusivos da região sul da Itália. Penso que no
caso de G ram sci a referência m aior está na questão nacional. Assim , para esse
autor a proposta é pensar a em ancipação do Sul com o um m om ento necessá­
rio da em ancipação da Nação. N a proposição de Florestan Fernandes o
problem a está am pliado, abarcando a com preensão da dependência do país
ao centro hegem ônico da econom ia.
190 EI.ID E RUG AI BASTOS

d a realidade. N a v erd ad e, apenas a investigação intensiva e cuid ad osa de


caso s d essa n atureza p erm ite esten der a teo ria, de fo rm a co n sistente, ín tegra
e sistem ática, a tod as as m anifestações de um m esm o tipo social. D esse
ângulo, a p osição d o so ció lo go b rasileiro é quase privilegiada, pois pod erá
p ro po r-se tarefas d e g ran d e significação teó rica p ara a so cio logia9.

justifico a longa citação pela im portância da inform ação


sobre o modo como o autor encara as tarefas da sociologia no
Brasil, o papel dos sociólogos nesse processo, além de apontar
as discordâncias em relação a algumas interpretação sobre o país.
No texto A. Revolução Burguesa no Brasil (Florestan Fernandes,
1975), o desenvolvimento da relação periferia/centro está claro: o
estudo da revolução burguesa no Brasil só pode ser feito se referido
a uma configuração histórica mundial, levando-se em consideração
os aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais vistos de forma
articulada. Mais ainda, ao fazê-lo é possível demonstrar que os prin­
cípios que orientam o centro não se aplicam mecanicamente à
periferia. Nesse sentido, as explicações dadas pelos clássicos, se
aplicada diretamente, é insuficiente para a percepção do alcance do
problema, porque referida a sociedades que se desenvolvem se­
gundo outro padrão. Faz-se necessária, então, a busca de interpreta­
ção original que dê conta dessa formação singular. Penso que aqui
reside um ponto explicadvo para o muitas vezes apontado ecletismo
de Florestan Fernandes, tema que mereceria reflexão mais ampla,
mas que não enfrentarei neste texto10.

9, Florestan Fernandes (1976:19-20), a citação é do prefácio da 1 edição, de 1962.


10. Analisando Revolução Burguesa no Brasil, Maria A rm inda do Nascimento Arruda
(2001: 293-294) traz um a excelente contribuição ao debate, “[...] a tendência
cm acentuar, na terceira parte do livro, as contribuições do m arxism o não faz
da obra um modelo de análise m aterialista histórica. A grande originalidade
reside, penso, na com binação de tradições teórico-m etodológicas diversas,
que resultam num a interpretação densa, de grande m agnitude, tornando esse
texto altam ente fecundo e inovador à com preensão da sociedade brasileira.
Ou, em outros term os, não se trata de assim ilação indiferenciada dc con tri­
buições, m as do estabelecim ento de um a síntese própria capaz de render
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IS T A 191

A proposta m etodológica tem am pla aplicação, não se refe­


rindo apenas à m acrointerpretação, mas se estendendo à análise
das condutas individuais. Um exemplo im portante é a definição
do negro com o objeto de pesquisa, num program a de investiga­
ção proposto por Florestan a partir dos anos de 1950, cujo
resultado explicita-se em vários trabalhos". Veja-se A Integração
do Negro na Sociedade de Classes, em que o eixo da análise não se
lim ita à questão racial, equívoco com etido por vários leitores
dessa obra, em bora a proposta original do program a de investi­
gação junto a Roger Bastíde tenha sido “o conhecim ento socio­
lógico sobre o preconceito racial no Brasil” '2. Sem dúvida, na
definição da situação da população negra e m ulata, a raça é
elem ento dos mais im portantes, base para que Florestan avalie
os efeitos dos movimentos negros a partir dele13. Indo além do
debate sobre a raça, o negro, no livro em pauta, ilustra a forma
“com o o Povo em erge na história” (Fernandes, 1965: XI). Isto é,
ao ocupar um posto desprivilegiado na sociedade, resultado das
desvantagens históricas constituídas pela escravidão14, torna-se
objeto fundam ental para analisar a inserção do povo na socieda­
de brasileira, marcada pela ambigüidade. Indica que o negro, não
excluído totalm ente mas sem condições de incluir-se de modo
pleno na sociedade, figura um processo a que está condenada

frutos, no processo de interpretação, perm itindo ao autor chegar a conclusões


originais” .
11. R efiro-m e a vários trabalhos desenvolvidos por Florestan, seus assistentes e
alunos. D estaco alguns entre eles: Florestan Fernandes (1965); O ctavio Ianni
(1962); Fernando H enrique Cardoso (1991 [ 1962]).
12. Fernando H enrique Cardoso (1991: 21 [1962]). O autor m ostra o alargam en­
to da proposta )á p resente no protocolo de pesquisa que orientou os trab a­
lhos citados.
13. “E le [o negro] não conseguiu derrotar a assim etria nas relações raciais, as
iniquidades raciais e as desigualdades raciais que tentou destruir”, Florestan
Fernandes (1988: 15).
14. “A raça n ão era tomada como uma entidade social consistente e duradoura, como
se a escravidão se tivesse sustentado no ar”, Florestan Fernandes (1988: 15).
192 E L ID E R U G A I B A S T O S

grande parte da população brasileira. Seu lugar na periferia do


sistem a denuncia os lim ites de uma verdadeira participação de­
m ocrática do conjunto dos agentes sociais. Ao indagar sobre as
possibilidades e condições do negro tornar-se um agente histó­
rico, o autor não visa avaliar o voluntarism o presente nos g ru ­
pos ou m ovim entos sociais, e sim analisar os lim ites de consti­
tuição dos sujeitos políticos num a sociedade com heranças
fortemente autocráticas15.
A qui se coloca, novam ente, a relação centro/periferia
explicitada pela articulação parte/todo, que atinge igualmente o
negro e a sociedade. Em outros termos, a inclusão/exclusão do
negro opera como um “buraco negro” na sociedade brasileira, ca­
racterizando sua incompletude em relação a um projeto realmente
emancipatório. Nesse sentido, a análise funda uma crítica que se
direciona às interpretações então correntes e às categorias cunhadas
para dar conta da vivência da desigualdade. A posição desses agen­
tes sociais não pode ser vista em termos de marginali^ação, proposta
analítica presente em grande parte das discussões sobre a América
Latina e de sua situação de subdesenvolvimento. Ademais, aponta
para as restrições das análises fundadas apenas sobre a diversidade.
A indicação desses limites compõe um dos elementos presentes no
diálogo crítico com os autores do ISEB16. Por fim, questiona a tese
da existência de uma equilibrada interação social, apesar da exclu­

15. D ois trabalhos de G abriel Cohn (1999 e 2000) sum arizam e com entam , com
muita precisão e competência, os dois textos principais de Florestan Fernandes.
16. Tem sido ressaltada, nos balanços sobre a sociologia no Brasil, a oposição
G uerreiro Ram os —Florestan Fernandes. Todavia, as raízes da discussão, que
se encontram na definição de um a problem ática “verdadeiram ente nacional”,
tem sido, se não esquecida, pelo m enos pouco aprofundada. Aliás, o debate é
bem m ais antigo do que tem sido norm alm ente apontado, envolvendo Roger
Bastide. Ver G uerreiro Ram os (1953) e R oger Bastide (1953). Para um a visão
m ais geral do problem a consultar Lucia Lippi O liveira (1995), principalm ente
os capítulos 4 e 5, bem com o a entrevista com G uerreiro Ramos.
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 193

são econômica e política, o que o leva a debater o alcance da tese


da democracia racial17.
O livro de Octavio Ianni, A s Metamorfoses do Escravo, está na
mesma direção, mostrando como a relação parte/todo é central
para a reflexão. M omento de um projeto coletivo cujo desenvol­
vim ento iniciou-se em 1955, o texto é escrito entre 1960 e 1961,
sobre dados coletados anteriorm ente no Estado do Paraná. Apon­
tando o sentido da perm anência da herança escravista nas rela­
ções sociais, o autor busca as raízes desse processo nos centros
dominantes da economia:

O c o n h ecim en to d o n eg ro - cativo ou livre - em outras regiõ es do


p aís, in e g av elm e n te facilita a ap reen são da co n d ição escrav a em seus n í­
v eis e m an ifestaçõ es fun d am en tais, p o rq u an to em q u alq u e r lugar o regim e
escrav ista se funda num m o d o de u tilização d o trab alh o h um ano, d e te rm i­
n an d o um siste m a de relaçõ es so c iais (Ian n i, 1962: 269).

Em outros termos, a análise ao mesmo tempo dá conta das


condições de implantação/consolidação/desagregação do regime
escravista, tendo como base as ocorrências internas à região, e
busca naqueles centros a gênese do processo. Nesse sentido, é a
especificidade e não a marginalidade que compõe a cena explicativa
das diferentes transformações que sofre o negro, de escravo a
trabalhador livre.

17. A crítica dirige-se diretam ente à obra de Gilberto Freyre. Vários estudiosos
desse autor apontam para o fato da expressão não figurar em seus livros,
constatando, assim , um a “atribuição” de Florestan que não corresponderia à
posição daquele autor. N a verdade, aparece na obra de Gilberto inúmeras vezes
a expressão “dem ocracia étnica” associada à idéia de democracia social. O fato
de Florestan retomar o termo “racial” substituindo “étnico” tem embuüda uma
crítica a um a sociologia aparentemente esvaziada de conteúdo político. Absor­
vendo a argum entação dos movimentos negros que retomam politicam ente a
expressão “raça” como forma de conscientização sobre a situação social vivida
pelos seus membros, o trabalho recente de Antonio Sérgio Guimarães (2002)
reconstrói o percurso da expressão “democracia racial”.
194 F.I.ID F. R U G A I B A S T O S

Embora a brevidade da apresentação possa ter prejudicado


um a clara percepção do sentido da análise formulada pelo grupo
a partir da pesquisa coletiva, tentarei recuperá-lo por meio de
estudos que têm o mesmo ponto de partida e influenciados
direta ou indiretam ente por esse debate.
Ilustração clara da metodologia e do sentido da análise do
grupo uspiano é o livro de Brasílio Sallum Jr. sobre a transição
política brasileira ocorrida a partir de meados de 1974. Rem eten­
do a explicação da democratização política a um processo mais
amplo de dem ocratização da sociedade, o autor afirm a que

[...] o p ro cesso d e d em o cratização p o lítica, d o m in an te a p artir d e 1983,


tem com o co m p o n en te exp licativo essen cial as ru p tu ras o co rrid as n a e sfe ­
ra d o E stado , na e sfera d as relaçõ es de d o m ín io en tre segm en to s da so cie­
d ad e no seu con jun to . Q u er d izer, a m u d an ça p o lítica que levou à d erro ta
da c ú p u la g o v e rn am e n tal d o regim e na su cessão do p resid en te da R ep ú b li­
ca, em janeiro de 1 985, não p o d e ser exp licad a apenas p ela d in âm ic a da
“d ia rq u ia ” su rg id a a p artir d as eleiçõ es d e 1982, qu an d o o p o d er p o lítico
p asso u a ser p artilh ad o p elo regim e e os g o v ern an tes de o p o sição (Sallum
J r ., 1996: 43).

Esse é o eixo da análise que desenvolve buscando um a expli­


cação multidimensional para o processo. Aliás, a própria definição
de processo utilizada contém essa qualidade plural. Desse modo, o
autor percebe a transição como um processo que envolve todas as
esferas da sociedade — econômica, política, político-institucional,
social —embora se atenha às grandes linhas do mesmo. Este envol­
ve as crises econômicas e políticas, os novos caminhos e tentativas
de equacioná-las, a definição das forças sociais e políticas presen­
tes, as transformações ou permanência da estrutura social, a conse­
qüente distribuição do poder na sociedade e, principalmente, os
efeitos dessa dinâmica. Em outros termos, a reconstrução do proces­
so exige que se reconstrua, passo a passo, a constituição e os
efeitos dos diferentes arranjos, desde o primeiro momento de
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 195

liberalização até aquele em que se completa a passagem de uma


ordem política autocrática a uma ordem política mais democrática,
mesmo que esta ainda seja pouco definida. Não se detém apenas
nos resultados institucionais, mas examina, entre outros, os efeitos
psicossociais que acabam por possibilitar novos arranjos dos seg­
mentos sociais —mobilizações sociais, associações, novas práticas,
novos padrões de apresentação de reivindicações. Essas mudanças,
associadas aos movimentos da economia internacional, vão, pouco a
pouco, colocando limites tanto ao regime militar, quanto ao modelo
econômico adotado.
Ao reconstruir os passos da transição, mostra, também, que a
substituição do regime militar por um governo civil ocorreu sem
que houvesse uma ruptura da ordem institucional. Embora isso
aponte para o caráter conservador da transição, que mantém o apa­
rato legal, aqueles efeitos acima apontados atingem nuclearmente o
sistema político uma vez que, no processo, o caráter autoritário da
legalidade foi esvaziado até ser substituído pela nova Constituição.
A consideração da necessidade de um tratamento mais am ­
plo para a com preender a dem ocratização política o leva a dialo­
gar com a produção anterior e recente sobre o tema. Nessa
direção, questiona as análises que, estudando a transição, têm-se
concentrado apenas nos aspectos político-institucionais da m u­
dança, m inimizando na explicação a presença da economia e da
sociedade. Mas, de outro lado, embora aceitando os elementos
analíticos contidos na formulação que tem em Florestan Fernandes
um foco gerador, considera, diferentem ente dessa tradição, a
importância histórica de certas estruturas institucionais e, nesse
sentido, opera uma análise que as incorpora centralmente à expli­
cação. Essa posição o leva a dialogar positivamente com as pes­
quisas recentes incorporando seus dados como explicativos18.

18. Em outro texto, o autor m ostra o surgim ento tardio da sociologia política em
São Paulo, principalm ente quando com parada aos estudos desenvolvidos no
Rio de Janeiro (S allu m jr., 2002).
196 R U D E RU G A I BASTO S

Os textos de José de Souza Martins podem ser tomados como


exemplos do ponto de partida da escola uspiana e se estendem por
uma ampla temática que procura dar conta dos mecanismos de
funcionamento da sociedade brasileira. Em seu livro Florestan: Socio­
logia e Consciência Social no brasil 19, mostra os vários desdobramentos
do percurso da análise desse grupo de pesquisadores, pois a refle­
xão sobre Florestan acaba por se transformar numa avaliação da
tradição de pensamento que tem naquele professor da Universida­
de de São Paulo um de seus pilares.
Várias leituras dos textos de M artins situam seus objetivos
na “produção do conhecimento social sobre o mundo rural”,
embora reconhecendo a variedade temática estudada pelo autor20.
E certo que suas análises esclarecem, de forma original, vários
aspectos sobre a questão agrária e o mundo rural, mas, a meu
ver, não se restringem a isso. Não se trata de uma reflexão que
tem como objetivo exclusivo o mundo rural, mas, pelo contrário,
é o estudo do mundo rural que possibilita m ostrar o funciona­
mento da sociedade como um todo. O rural é “o ponto nevrálgico”
que perm ite perceber “o padrão de realização do capitalismo no
Brasil” (Mardns, 1973: 14). A recusa de um a visão dualista, preo­
cupação central nos diferentes textos desse pesquisador, está
diretam ente referida à relação todo/partes, periferia/centro. Por
exemplo, explicando as noções fundamentais que articulam seu
texto Capitalismo e Tradicionalismo, diz:

A m in h a in ten ção foi a d e lo caliz ar e situ ar as co n trad içõ es pelas


qu ais se d e te rm in a a d iversid ad e in tern a da n o ssa so cied ad e, seu s dilem as
e tensões. O tratam en to crítico q u e dei às m in h as p esquisas p erm itiram -
m e u ltrap assar o co n ceito lim itad o e lim itan te d e “ ru ral” , d e fo rm a q u e os

19. O autor comenta o ambiente institucional da USP nos anos 1960, principalmen­
te na entrevista concedida a Luiz Carlos Jackson (José de Souza Martins, 1998).
20. E ssa abordagem , que aparece em vários artigos, dissertações e teses, ganha
um tratam ento especial em W illiam H éctor G óm ez Soto (2002).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 197

p r o c e s s o s q u e in v e s tig o e s tã o s itu a d o s t a n t o n o m e io ru ra l q u a n to no
u r b a n o ( M a r t i n s , 1 9 7 5 : 1 ).

Creio que a citação ilustra por si o eixo que quero apontar.


Deixo para um outro momento a reflexão sobre o dualismo, pois
aqui quero acentuar a importância da definição do lugar em que o
analista se coloca para poder perceber, simultaneamente, os aspectos estáticos
e o dinamismo da sociedade. E ainda, a relação intrínseca entre ambos.
O método não se aplica apenas à compreensão da formação
econômico-social considerada como um todo, o que já seria bas­
tante. O estudo de um setor da população rural que foi penaliza­
do historicamente é um desdobram ento da preocupação. O tema
aparece nas pescjuisas de M artins sobre fronteiras, onde o foco
da análise está colocado nos aspectos dramáticos da expansão.
D esse avanço resulta a alteração da sociabilidade das populações
que ocuparam desde sempre o território, num espaço em que
persistem relações escravistas, sob novas formas (a escravidão
por dívida). E um lugar onde a lógica de com preensão das coisas
é mudada, pois a terra, que era uma só, transforma-se em duas
coisas diversas: terra para trabalhar e terra para cercar (Martins, 1997,
grifos do autor)21.
A recuperação do cotidiano da vida dessas populações
explicita o m odo de operar da sociedade. E esse esforço de
sobrevivência que investe esses grupos da qualidade de partici­
pação. Portanto, não cabe, para nomeá-las, a atribuição simplifica-
dora do termo marginal, nem o de excluídos, porque o processo
repete a circularidade já apontada em relação aos negros, inclu­
são/exclusão.

21. Sobre a questão da terra e sua definição, é im portante assinalar com o essas
expressões constituirão o léxico que ancorará, posteriorm ente, as discussões
não só no âm bito da análise, com o na própria luta pela terra em preendida
pelos m ovim entos sociais.
198 FXIDF, RUGAI BASTO S

R ig o ro sa m en te falan d o , não existe exclusão: existe contradição, existem


vítim as de processos sociais, políticos e econôm icos excludentes\ existe o co n flito
p elo qual a v ítim a dos p ro cesso s exclu d cn tes p ro clam a seu in co n fo rm ism o ,
seu m al-estar, sua rev o lta, sua esp eran ça, su a força reiv in d icativ a e sua
reivin d icação co rro siv a. E ssas reaçõ es, p o rq u e n ão se trata e stritam en te
de exclu são , não se dão fo r a d o s sistem as eco n ô m ico s e dos sistem as de
p oder. E las co n stitu em o im p on d erável d e tais sistem as, fa ^ em p a rte deles
ain d a q u e os n egan d o. A s reaçõ es n ão o co rrem de fora p ara d en tro ; elas
o co rrem no in te rio r da realid ad e p ro b lem ád ca, “d en tro ” da re alid ad e que
p ro d u ziu os p ro b lem as q u e as causam (M ard n s, 1997a, g rifo s d o auto r).

Outra vez, o ponto de partida metodológico obriga a repen­


sar a teoria, a atribuir precisão às categorias analíticas, a rever
grande tradição sociológica e a conferir o pensamento social e
político brasileiro.
Vale retomar, brevemente, este último ponto. Refletindo,
ora centralmente, ora de passagem, sobre os autores brasileiros,
M artins mostra como esse pensamento opera como força social
nos diferentes períodos em que emerge, o que explica o alcance
de sua crítica social, independentemente de suas posições políti­
cas. Em outros term os, o lugar em que se coloca o intérprete
define a qualidade de sua perspectiva. A o referir-se a Gilberto
Freyre, por exempJo, m ostra que sua obra

[...] é so b retu d o a ag u d a e o b jetiva co n sciên cia so cio ló gica de u m a elite


q u e tem clareza so b re os em b ates que a fragilizam e a tornam n ão m ais os
p ro tag o n istas ú n ico s d o cen ário p olítico , m as um entre o utro s, cujo s in te­
resses já não são o s in teresses d o m in an tes, o b rig a d a a d iv id ir p o d eres e
p riv ilégio s (M artins, 19 97 b )22.

22. É certo que só um a análise que se detivesse especificamente sobre Gilberto Freyre
permitiria avaliar os efeitos políticos de suas idéias. No caso desse autor, sugiro
que seu pensamento opera diretamente no sentido de minimizar essa fragilidade
fornecendo elementos que possibilitam um a conciliação entre interesses diversos,
aproximando-se de outros protagonistas do cenário político. Sua proposta confi-
gura-se, assim, como elemento importante da formação do bloco agrário-indus-
trial resultante do pacto de 1930. Ver Elide Rugai Bastos (1986).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 199

Os estudos de José César Gnaccarini também ilustram esses


pontos enunciados. Buscando explicar a diferenciação do prole­
tariado rural, o faz a partir da referência parte/todo. Mostrando
que essa diferenciação não pode ser explicada a partir das esco­
lhas individuais dos trabalhadores, mas referida à compreensão
do movimento geral da sociedade, diz:

A qu estão d e sa b e r o q u e rep resen tam as d iv ersas “o p çõ es” no cam ­


p o, o u as d istin tas fo rm as de en g ajam en to no trab alh o ag ríco la que a p artir
d e um a co n cep ção ab strata se p o d e ria p en sa r estarem ab ertas à p o p ulação
trab alh ad o ra ru ral, é na v erd ad e um a p ro b lem ática q u e só se p o d e reso lver
em term o s d e um m o d elo estru tu ral e ap an h an d o as d istin tas p o ssib ilid a­
d es p red eterm in ad as no q u e toca ao s m ecanism os d e rep ro d ução das p o si­
çõ es n as relaçõ es so ciais d e produção. N ão é, p o rtan to , um a qu estão que
se re so lv a n os e strito s te rm o s da c o n sc iê n c ia d o in d iv íd u o e d e su as
p re su m ív e is o rien taçõ es c o g n id v a s, afetiv a s ou v a lo ra tiv a s (G n accarin i,
1980: 10 5)23.

Essa proposta o leva a dialogar com várias interpretações


anteriores, opondo-se a aspectos daquelas visões. É o caso de
seu diálogo com Os Parceiros do Rio Bonito de Antonio Cândido.
Ainda a partir da interação velho/novo, como na tradição
uspiana, o autor enfoca a emergência da violência no mundo
rural e mostra as direções assumidas pelos movimentos sociais.
O livro Sentimento do Brasil ., de Rubem Murilo Leão Rêgo
(2000), representa um exemplo do método apontado. O trabalho,
embora tenha como objetivo fazer uma análise da obra de Caio
Prado Júnior, meta que realiza, acaba por configurar-se, também,
como uma reflexão sobre as raízes agrárias da formação nacio­
nal. Elege a questão agrária como ponto nevrálgico para a apreen­
são da visão caiopradiana, mostrando que, para desenvolvê-la,
esse pensador mobiliza um conjunto de elem entos que se refe-

23. As posições expressas contrapõem-se às de vários autores que analisaram o


tema; ressalte-se as considerações que faz a respeito de Antonio Cândido (1964).
200 E L ID E R U G A I B A S T O S

rem a uma interpretação mais geral do país: concepção do capita­


lism o brasileiro, estrutura fundiária, relações de produção no
campo, caráter desigual do desenvolvimento do capitalismo, rela­
ções entre agricultura e indústria, transformações na estrutura
produtiva, mudanças na sociedade brasileira. Em outros termos,
exatam ente porque o setor agrário representa o elo frágil na
estrutura social — pois, com binado ã questão regional, abriga
amplos setores populacionais que não encontram integração or­
gânica no sistem a produtivo — acaba por configurar-se como
“lugar” privilegiado para uma visão sobre a totalidade da socie­
dade brasileira, possibilitando uma macrointerpretação.
Leão Rêgo aponta para um duplo movimento na análise de
Caio Prado Júnior: de um lado, busca reconstruir o modo de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, que não se explica
dentro dos limites estritos da nação; e de outro, procura com pre­
ender porque esse processo é excludente e não dem ocrático.
Esses dois elementos aparecem imbricados, sempre com o objeti­
vo de exorcizar o dualismo presente em inúmeras interpretações
sobre o país. Em outros termos, mostra como o autor trabalha
esse hibridismo, não como dois elem entos que se superpõem,
mas como uma unidade que, a cada momento da história e a cada
perspectiva em que se coloca o analista, assume nova dimensão.
A exposição perm ite que se perceba o quanto as teses do histo­
riador paulista são fundamentais para o desenvolvimento da re­
flexão da escola sociológica paulista24.
Lembro ainda, para ilustrar o ponto de partida analítico, um
texto de Roberto Schwarz, bastante debatido e que tem servido
como apoio para várias pesquisas que refletem sobre o pensa­
mento social no Brasil. Sem desenvolver suas teses, muito co­
nhecidas, aponto para a frase final que resume o argumento:

24. Q uanto à im portância do pensam ento de C aio Prado Jú n io r na reflexão


sociológica em São Paulo, ver Bernardo Ricupero (2001), Mareia R. Victoriano
(2001) e M aria A ngela D ’incao (1989).
P E N S A M E N T O S O C JA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 201

E v ê -se , v a ria n d o -se ain d a um a v e z o m esm o tem a, q u e em b o ra


lid an d o com o m o d esto tic-tac d e n osso d ia-a-d ia, e sen tad o à e scriv an i­
nha n um p o n to q u alq u e r d o B rasil, o n o sso ro m an cista sem p re tev e com o
m atéria, q u e o rd en a co m o p o d e, q u estõ es da h istó ria m u n d ial; e q u e não
as trata, se as tratar d iretam en te (Sch w arz, 1981: 25 )25.

Penso ter exemplificado, apesar de analisar apenas alguns


autores, a p ro p o sta que in d iq u ei com o ponto de p artid a
metodológico im plícito nessa tradição de pensamento: a análise a
partir da periferia perm ite indagar sobre os princípios que articulam o
sistema. Passo, agora, a refletir sobre uma categoria que considero
central no pensamento desses autores.

Ten sã o co m o C o n st it u t iv a da S o c ied a d e

Diferentemente dos analistas que percebem a tensão como


quebra da ordem social, como anom ia, em Florestan ela tem
sentido heurístico. Primeiramente, porque aciona o conhecimen­
to: existe uma tensão constante na escolha dos instrumentos de
percepção da realidade, uma vez que esses instrumentos mudam
tanto pelo avanço da ciência como pela pressão dessa realidade.

E q u e todo p ro gresso real, no p lan o da p esq u isa em p írica ou no da


sistem atização teó rica, sem p re en vo lve a so lu ção d e p ro b lem as m eto d o ló ­
gico s cru ciais, de g ran d e sig n ificação e atualid ad e no m o m en to em que
p od em ser reso lvid o s. C om o tem po, as co n trib u içõ es to rn am -se obsoletas,
p erd en d o seu caráter con stru tivo . Q uando, p o rém , tal co isa c h eg a a aco n ­
tecer, d esd e q u e as co n trib u içõ es sejam p ertin en tes, elas já terão co n c o rri­
do para alterar o qu ad ro de co n h ecim en to s p o sitiv o s da p ró p ria ciên cia
(Fernandes, 1967: X V II).

25. Lem bro que R oberto participou, ainda com o aluno do curso de Ciências
Sociais da TJSP, do célebre sem inário de estudos de O Capital\ organizado
pelos professores assistentes da C adeira de Sociologia I, com a participação
de professores de outros departam entos: Fernando Novais, da H istória, Jo sé
A rthur G ianotti e Bento Prado Jr., da Filosofia.
202 ET.1DE RUGAI BASTOS

Mas, se ser sociólogo supõe sempre estar em uma situação


desconfortável, resultante da tensão apontada, no Brasil esse
desconforto é maior, não apenas pelas condições limitadas de
produção de conhecimento, mas pelo “reboliço” da realidade
que coloca “obrigações intelectuais desencontradas” im postas
pela inquietação que atravessa a sociedade. Essa tensão carrega
um duplo sinal: positivo e negativo. Se o sociólogo brasileiro

[...] n ão d isp õ e d e um “n ich o ” p ara ab rigar-se e p ro teg er-se, em co m p e n sa­


ção, p o d e receb er, em to d a a p len itud e, a luz d o sol, que cresta e c astig a,
m as ilu m in a , aq u ece e fecu n d a o cen ário d a v id a. E n fim , a so cied ad e, que
n ão lh e p o d e c o n ferir so ssego e segu ran ça, c o lo ca-o n um a p osição q u e o
p ro je ta no â m ag o d o s g ra n d e s p ro c e ss o s h istó ric o s em e fe rv e sc ê n c ia
(F ern an d es, 1976: 1 5 -1 6 )26.

A tensão pode detonar o conhecimento, ser instrumento de


desnudamento dos fenômenos sociais, porque fa^ parte da natureza da
sociedade. Assim, por exemplo, ao discutir a dependência, Florestan
mostra que na Am érica Latina essa tensão se expressa em vários
níveis. A própria organização da sociedade, pela concentração da
riqueza e do poder nas mãos de estratos privilegiados, leva a uma
institucionalização política excludente que sacrifica não só as possi­
bilidades de um estilo democrático de vida, como opera como
lim ite à p o ten cialid ad e p olítica dos setores que sofrem a
excludência. A integração nacional se dá sem transformações radi­
cais dessa situação. Os interesses particularistas se apresentam
como interesses gerais da nação (Fernandes, 1973)27.

26. N ote-se que o texto é do prefácio da prim eira edição de 1962. Já no prefácio
da segunda edição, escrito em 1976, o tom de esperança sobre as possibilida­
des de sua geração intervir na sociedade desaparece. Sem dúvida, com o
golpe de 1964 havia se apagado “o anseio de renovação e de grandes espe­
ranças” que atravessava a universidade brasileira anteriormente.
27. Os textos reunidos no livro foram produzidos entre 1969 e 1971.
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 203

A tensão atravessa a sociedade pois o capitalismo que se


desenvolve na Am érica Latina, e aqui expressa sua singularidade,
assenta-se em uma estrutura de mercado com duas dimensões: uma
heteronômica e outra com tendências dinâmicas autonômicas, di­
mensões coexistentes. “Por causa dessa dupla polarização, a esse
capitalismo se poderia aplicar a noção de ‘capitalismo dependente’”
(Fernandes, 1975: 90). Desse modo, a tensão caracteriza a depen­
dência e confere à categoria um significado bem mais amplo do que
subordinação externa , conceito que conferiria linearidade à relação.
Em outros termos, dependência propõe-se como categoria que dá
conta de uma realidade prismática, mas que possibilita perceber a
articulação entre as diferentes faces. Como se vê, outra vez se faz
presente o desafio de repensar a teoria! Mais ainda, im põe a
indissociação entre teoria e definição tanto do objeto de pesquisa
quanto da unidade empírica de análise.
A percepção da tensão como heurística atravessa também
textos do grupo de pesquisadores da USP que refletem sobre
situações localizadas. D iscu tin d o o s m o v im en to s socia is n o campo
do início dos anos 1960, Cardoso (1961) aponta para a necessidade
de inverter-se o ponto de partida de reflexão sobre a reforma agrária.
Para a compreensão da questão não basta realçar e analisar as propos­
tas de solução para o problema agrário brasileiro. O ponto central é

[...] a descrição d o p ro cesso de pen etração da o rganização capitalista de


produção no cam p o, com a co n seqü en te d iferenciação da an tig a estrutura
agrária d e b ase p atrim on ialista. N esta discussão, o problem a d as form as de
propriedade e d e exp lo ração eco n ô m ica prevalece com o decisivo. So m en te a
p artir d este ân gu lo será possível enten d er o que os diversos g ru p o s sociais
pretendem efetivam en te qu an d o falam em reform a agrária e quais os p o n t o s
de fricção existen tes na estrutura agrária brasileira (C ardoso, 1961: 8).

A partir dessa ótica torna-se possível compreender “por que


têm surgido propostas tão divergentes para resolver o problema
agrário e quais os interesses realmente em jogo” (idem, p. 11).
204 E L ID E R U G A I B A S T O S

Sujeitos Políticos/Sujeitos Sociais

Para Cardoso, é o reconhecimento das tensões que atraves­


sam a sociedade, e não apenas aquelas expressas a partir da
form ulação de soluções diferenciadas ou mesmo opostas que
aparecem no palco da política, que perm ite a definição dos sujei­
tos políticos do processo. Estes se diferenciam não em função
das mobilizações a que se ligam , mas segundo a diferente consti­
tuição da propriedade da terra e a diversa natureza da exploração
agrícola que os congrega. Isto é, a natureza da sociedade condiciona
a própria em ergência dos sujeitos políticos. Assim, partindo da
tensão constitutiva do mundo agrário, atravessado por profundas
diferenças que não podem ser captadas apenas pela via estatísti­
ca, o autor aponta para a falácia que funda a divisão política dos
movimentos sociais no campo, naquele momento, que se apre­
sentam como posições que se excluem.

D este ângulo, a o p ção e n tre refo rm a ag rá ria , entend id a co m o frag ­


m en tação d a p ro p ried ad e, e exten são da leg islação trab alh ista no cam p o,
to rn a-se um falso p ro b lem a. M u ito s p ro b lem as so ciais d o cam p o e m u itas
reivin d icaçõ es d o s trab alh ad o res ru rais só p o d em ser aten d id as, p o r en ­
q u a n to , c o m a cria çã o d e u m a leg isla çã o so c ia l ru cal e a c o n se q ü en te
sin d icalização , sen do in ú til p ara eles, q u an d o n ão im p ossível em term o s
d o s in teresses so ciais em jogo , o p arcelam en to da p ro pried ad e. O utros,
contudo, im p licam , desde já, na d esap ro priação e no incentivo à pequena
propriedade, m edidas estas que alteram a e stru tu ra ou a instituição da p ro ­
p ried ad e (tdem, p. 25).

Portanto, não são apenas as tensões expressas, que podem


se configurar em conflitos e, muitas vezes, emergir em term os
de mobilizações sociais, que se constituem como objeto de análi­
se. É a tensão constitutiva, no caso definida a partir da questão
agrária, que se tom a central para a com preensão do movimento
da sociedade.
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IS T A 20 5

Essa tensão se traduz, também, na configuração dos sujei­


tos sociais. Ianni (1962) mostra que no universo social marcado
pela escravidão, tanto o escravo como o negro acabam por assu­
mir um a configuração definida pelos contornos do sistema. Cris­
talizam-se, no sistema escravista, representações sociais que m an­
têm o negro na sujeição, não apenas como escravo mas até na
situação de liberto. “Na vigência da escravatura, o manumitido
será sempre identificado com o ex-cativo pela própria lei que o
liberta; a mesma lei que em ancipa deixa-lhe a marca de antigo
escravo, de negro que foi mancípio.” Exemplifica o procedim en­
to citando a lei de 1885: “Q ualquer liberto, encontrado sem
ocupação, será obrigado a em pregar-se ou a contratar seu s servi­
ços no prazo que lhe for estipulado pela polícia” (Ianni, 1962:
165). M esmo posteriorm ente ã abolição, essas representações
serão determ inantes na organização social, mantendo o negro em
situação de submissão.
M ostrando que a tensão constitui a natureza da construção
social, o autor coloca a reflexão em outro patam ar analítico.
Impõe à análise, para dar conta da tram a das relações sociais, não
apenas a figura do negro, escravo ou liberto, mas o conjunto de
personagens que atuam na sociedade. E essa visão mais ampla
que perm ite a Ianni apontar a construção recíproca dos dois
agentes sociais principais: escravo e senhor.

A elab o ração d o escrav o rep ro d u z, ao m esm o tem p o e n ecessaria­


m en te, o sen h o r, p ois q u e um in existe sem o outro. A c a sta d o s cativos e a
casta d o s sen h o res d efin em -se recip ro cam en te, e so m en te p o d em ser c o ­
nh ecid as d esse m o d o , já que am b as criaram -se h isto ricam en te um a à o u tra
( idetn , ibidem).

A construção simultânea dos sujeitos não garante, no en­


tanto, a elaboração de identidades participantes do mesmo cosmo
social. Ao serem elaboradas principalmente na área das ativida­
206 E L ID E R U G A I B A S T O S

des produtivas, essas identidades operam na direção de uma se­


paração intransponível entre o mundo social do escravo e aquele
do homem livre. Analisando o processo de socialização, o autor
m ostra como se m ultiplicam os ritos para o reforço da assim etria
social. Mais ainda, como o processo atualiza constantemente a
consciência social dos dois grupos, operando-se uma relação
siamesa entre exercício de poder e submissão, o primeiro engen­
drando a segunda e vice-versa. Essa socialização, que conecta
fortemente a condição escrava à pessoa do negro, ultrapassará os
limites da escravatura para m arcar as relações sociais do mundo
posterior à abolição. O utra vez aqui o questionamento das inter­
pretações anteriores sobre o Brasil. Trazendo à reflexão a tensão
constitutiva das relações sociais, o autor nega aquelas análises
que apontam para a existência de antagonism os em equilíbrio.
Essa argum entação está no centro da investigação sobre
escravidão e racismo que congrega o grupo, naquele momento —
fins de 1950 e início de 1960. A preocupação com as condições
da constituição dos sujeitos políticos é central porque a partir
dela são avaliados os rum os e o alcance das transform ações
sociais no Brasil28. Por isso, os estudos sobre o escravismo bus­
cam com preender não só a estrutura da sociedade brasileira, mas,
principalmente, a relação existente entre essa estrutura e a defi­
nição dos agentes sociais. A rigidez da mesma é impeditiva de
um relacionamento social fundado em direitos , resultado da pró­
pria forma como se constitui a sociedade. A pesquisa de Cardoso
(1991 [1962]) sobre a escravidão aponta para a raiz da questão:
“Era impossível, na estrutura patrimonialista, tentar definir nor­
mas que implicassem a idéia de um dever objetivo para reger a distri­
buição dos bens e dos direitos pertencentes à Coroa” (p. 100).

28. É importante assinalar que, nessa tradição de pensamento, as expressões sujei­


to, agente, portador (social ou político) têm sentido explicativo diferenciado
da noção ator social.
P E N S A M E N T O S O C IA I . D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 207

Dessa estrutura resulta a não-definição de uma esfera pública


diferenciada da esfera privada, configurando o exercício de um
poder fundado no arbítrio. Estudando a sociedade riograndense,
mostra que não se trata simplesmente da transferência de um
modo de organização social de origem portuguesa, mas de uma
forma singular de ordenação econômica, social, política e cultural,
que tem com o resultado a redefinição dos sujeitos sociais e
políticos (pp. 100-113).
A form ulação da tese sobre a escravidão como instituição
essencial, presente como um dos pontos de partida dos trabalhos
desses pesquisadores, leva, também, à mesma afirm ação sobre os
limites à em ergência dos sujeitos políticos no período escravista
e à investigação sobre os resultados dessa constrição sobre a
sociedade brasileira do século XX. É importante assinalar a in­
fluência decisiva do pensamento de Caio Prado Júnior em rela­
ção a este p o n to . A te.se da escravidão como instituição essen­
cial, de inspiração marxista, está presente na argum entação deste
autor desde o prim eiro livro, publicado em 193329. A questão,
que já aparece formulada por Florestan nos textos da pesquisa
sobre a questão racial patrocinada pela Unesco30, e desenvolvida
nos trabalhos posteriores, repousa na constatação de que uma
sociedade estratificada sobre o princípio da desigualdade não
oferece lugar a relações sociais fundadas em direitos. Embora
considere as especificidades da ordem social nos diferentes m o­
mentos - período colonial, século XIX, momento pós-abolição -
aponta para a permanência dos elementos que compõem a socie­
dade escravista e senhorial. Não desenvolverei aqui os pontos
sobre os quais repousa a argumentação; assinalo, porém, que a

29. Evolução Política do Brasil: Colônia e Império.


30. Ver R oger Bastide e Florestan Fernandes (1955). Para m aiores inform ações
sobre a pesquisa conferir Marcos Chor Maio (1997) e Fernanda Arêas Peixoto
(2000).
208 E L ID E R U G A I B A S T O S

existência de duas qualidades de legislação regendo a organiza­


ção da sociedade —o Código Negro, a Constituição e a Consoli­
dação das Leis Civis —, é uma explicitação da situação (Bastide e
Fernandes, 1955: 76-77)31. Cada uma delas se funda em princípios
opostos: o primeiro, no princípio da desigualdade, as outras no
da igualdade. A existência simultânea é, obviamente, ambígua,
perm idndo a vigência do arbítrio. Essa delimitação configura a
potencialidade política dos diferentes agentes sociais.

O n eg ro , com o escravo , lib e rto o u h o m em livre e sem ilivre, esteve


excluído , n a q u alid ad e de ag en te h istó rico, d o d esen cad eam en to da rev o ­
lução b u rg u esa; o m esm o não aco n tecia c o m a escrav id ão , q u e foi u m dos
eixo s em torno do q u al se p ro cesso u a acu m u lação do cap ital m ercan til.
Por isso , a p ro tag o n ização h istó rica d o p ro cesso ficou n as m ãos d o fa z en ­
deiro e do imigrante (F ernan d es, 1977: 3 0 )32.

Essa posição foi contestada por vários autores que visam


reinterpretar a ação dos escravos e ex-escravos a p artir do
privilegiamento de conflitos que se dão fora dos m omentos cole­
tivos de resistência política33. N ão reconstruo a polêmica, que,
sem dúvida, é muito importante, por não se tratar de elemento
central para o desenvolvimento do tema deste texto. No entanto,
lembro a centralidade da noção de projeto político na reflexão de
Florestan, pois, relacionada a esta categoria, o autor define a
potencialidade política de um agente social.

31. A rgum entação sem elhante é desenvolvida p o r Fernando H enrique Cardoso


(1991 [1962]), principalm ente no capítulo II, “A Sociedade Escravista (Reali­
dade e M ito)” .
32. Essa questão está fundam entada em argum entos em Florestan Fernandes
(1975a), principalm ente no capítulo III.
33. Assinalo alguns desses autores: Lilia M oritz Schwarcz (1987); Sidney Chalhoub
(1990); Silvia H. Lara (1988); Célia M. M arinho de Azevedo (1987). Consultar
tam bém Revista Brasileira de História, vol. 8, n. 16.
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 209

Crise

A consideração da tensão como parte da natureza da socie­


dade conduz ã centralidade da noção de crise, presente nessa
tradição de pensam ento. N ovam ente aponto para o sentido
heurístico da idéia. A crise assume a função de desvendamento,
de possibilidade de ver além da aparência. Lembro a formulação
de Lukács: “A autonom ia que assumem — um em relação ao
outro — momentos estritamente conexos e com plementares, a
crise a destrói violentamente. Por isso a crise revela a unidade
dos momentos que estavam reciprocamente isolados” (1965: 56)34.
A crise, tanto percebida a partir de seu caráter estrutural, como
decorrente de transformações sociais localizadas, perm ite ao ana­
lista colocar-se de uma nova perspectiva para perceber o m ovi­
mento da sociedade.
Florestan a concebe como móvel do pensamento sociológico
nas condições latino-americanas, onde o trabalho do sociólogo en­
contra senddo no esforço de projetar a sociologia no âmago dos
processos de crise.

T o m am o s à h istó ria os m ateriais que elu cid am as p ró p rias c rises e


■vivemos a s crises tam b ém ao n ív ei so cio ió gico , com o p ro ce sso s de sig n ifi­
c ação h eu rística. [...] P o d eríam o s d izer que a S o cio lo gia, co m o a H istó ria,
sai d e n ossas en tran h as e d e n o ssas ativid ades (F ernan des, 1973: 9).

A crise fundamental, como iluminadora da análise, aparece


nos textos de M artins como elemento explicativo para as crises
conjunturais que afetam a sociedade. Ou seja, as várias expres­
sões dessa crise, resultantes da polarização apontada anterior­
mente, não podem ser analisadas de modo independente. Por
exemplo, as transformações ocorridas no Brasil do século XIX,
que definem a propriedade da terra (Lei de Terras de 1850) e

34. N o caso, Lukács repete, no texto, a form ulação de Marx.


210 E L ID E R U G A I B A S T O S

aquelas que se referem a im plantação do trabalho livre (Leis


Abolicionistas), devem ser pensadas de forma articulada, não
apenas pela simultaneidade das medidas, mas pelo seu sentido
com um . A crise e suas diversas expressões são a referência
necessária tanto para pensar problemas específicos —os im igran­
tes italianos, a adoção de práticas agrícolas inovadoras, a reform a
agrária, a frente pioneira, os movimentos sociais —, como para
burilar categorias analíticas - exclusão integrativa, expropriação
sucessiva, dessociaíização, tradicíonaíismo, assimilação desiguaí
da cultura35.

Passado e Presente

As relações entre o velho e o novo e suas im bricações são


objeto im portante da análise da escola sociológica paulista. O
m odo pelo qual se processa a conciliação dos elem entos do
passado e os desafios do presente acabam por transformar-se em
reflexão central para a compreensão das alianças políticas que
ocorrem no país. Esse tema é objeto da análise de José de Souza
Martins em O Poder do Atraso (1999). São os arranjos singulares
entre o tradicional e o moderno que obrigam o sociólogo brasi­
leiro a “fazer uma leitura dos fatos e acontecimentos orientada
pela necessidade de distinguir no contemporâneo a presença viva
e ativa de estruturas fundamentais do passado” (1999: 14). Essa
especificidade, que se traduz em várias formas, tem como um de

35. Por ser central a noção de tensão, im põe-se a necessidade do estudioso


colocar-se em diferentes perspectivas para com preender as tensões, os confli­
tos e os m ovim entos sociais. Fazendo parte da natureza da sociedade, em
certos m om entos, essas tensões se explicitam em conflitos que, em determ i­
nadas circunstâncias, em ergem com o m ovim entos sociais. Ver Jo sé de Souza
M artins (1975, cap. “Frente Pioneira: C ontribuição para um a Caracterização
Sociológica”, pp. 43-50). A noção de crise é central para a definição do papel
das idéias em m eados do século X IX no texto de Angela M. Alonso (2000).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 211

seus efeitos a definição institucional viciosa do papel dos agen­


tes sociais. No Brasil, o Estado tem operado na direção de diluir
as demandas sociais, dando-lhes soluções muitas vezes opostas
às intenções das lutas sociais. Assim,

[...] o sistem a p o lítico tem d em o n strad o u m a n o tável c ap acid ad e d e c ap tu ­


ra d essas p ressõ es e p ro p ó sito s, assim ilan d o e in tegran d o o q u e é d isru ptivo
e o q u e cm o u tras so cied ad es foi fato r essen cial d e tran sfo rm açõ es sociais
e p o líticas até profundas. O s g ru p o s so ciais d esco n ten tes, m u itas vezes
co n sc ien te m e n te d e se jo so s de g ran d es m u d an ças h istó ricas, ao atu arem
no m arco d essas lim itaç õ e s, no m arco de u m a so cied ad e cujos m o v im en ­
tos so ciais e c u jas a sp iraçõ es se esgo tam p rim ariam en te na rep ro d ução de
um a m á q u in a in c iv ilis ta d e p o d e r, são na v e rd a d e , in v o lu n ta ria m e n te ,
agentes da história lenta (ide///, pp. 13-14).

Trata-se de um desdobram ento do debate* anteriormente


apontado, sobre a definição dos sujeitos políticos e sociais.
Levando em consideração não apenas o cenário da definição
dos agentes mas, também, os efeitos da ação dos mesmos, segundo
o autor, a sociologia brasileira tem a tarefa de dar conta de uma
sociedade que não se explica por processos políticos e históricos
dos modelos clássicos. Mais uma vez, é necessário repensar a
teoria. Sua proposta é adotar uma nova perspectiva, que denomina
sociologia da história lenta , para perceber o dinamismo da sociedade, o
que indiretamente estabelece um diálogo com as grandes tradições
do pensamento social e político brasileiro.
No livro Metrópole e Cultura: São Vaulo no Meio do Século XX,
de M aria A rm inda do Nascimento Arruda, a tensão assume fun­
ção heurística deflagrando a reflexão. Abordando mettopolizaçào
e modernização como um processo único, a pesquisa permite
percebê-lo em suas m últiplas facetas cuja articulação não se
entrega ao primeiro olhar. A tensão está, pois, presente na pró­
pria definição do objeto e a autora não se compraz em pensá-lo
com o dois processos sim ultâneos, mas busca a raiz de sua
212 E L ID E R U G A I B A S T O S

unicidade. A análise, centrada no movimento cultural da cidade


de São Paulo em torno dos anos 1950, constrói essa urdidura
com o objetivo de cercar o tema por vários flancos, captando o
sentido das obras culturais, do processo de mudanças, dos diálo­
gos entre os inovadores culturais, do entrelaçamento das dife­
rentes linguagens. O sentido que a autora confere a essa trama
está na questão que reputa como retrospectiva: “entender por que
as expressões dessa modernidade emergente não cumpriram todas
as virtuaüdades contidas em suas promessas” (Arruda, 2001: 12).
Por que retrospectiva? Poderia ser de outra maneira? Creio
que a retrospecção faz parte de uma forma de pensar que tem como
centro a idéia de tensão. Ao refletir sobre um processo social
recusando-se a pensá-lo de forma linear, define-se, simultaneamen­
te, o modo de abordagem e a forma de escritura. A própria “ram ifi­
cação do olhar”, contida nessa tomada de posição, faz com que a
explicação se coloque paulatinamente, pois a pergunta que a dirige
é: qual o efeito dessa prática, desse comportamento, dessa organiza­
ção ou relacionamento? Ora, a resposta depende da forma de orga­
nizar o pensamento e, naturalmente, expressá-lo. É claro que se
trata de uma posição negadora do positivismo. No texto, o procedi­
mento está claro e até mesmo explicitado na epígrafe do capítulo
referente à sociologia em São Paulo:

S ab e-se com c erteza ap en as o seguinte: u m certo n ú m ero d e objeto s


d eslo ca-se n um certo esp aço , o ra subm erso p o r u m a g ran d e q u an tid ad e de
n ovo s o bjeto s, ora c o n su m id o sem ser rep osto , a regra é sem p re m isturá-
lo s e ten ta r reco lo cá-lo s no lu g a r (A rrud a, 2 0 01: 189).

J á havia escrito a observação acim a quando li uma entrevis­


ta de Cláudio M agris que, indagado sobre o processo de escre­
ver, diz:

A penas qu an d o escrevi um terço, às vezes até um pouco m ais, de um


texto, sei o que estou escrevendo de verdade, ou seja, sei qual é o significado
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 213

do tem a exp lícito ou ap arente, d o q u e ele é u m a m etáfora. [...] T h o m as M an n


d isse, a p ro p ó sito d e sua o b ra-p rim a, Os Budclenbrook, q u e ap en as ao escrevê-
lo en ten d eu d e q u e livro se tratava. E ssa clarividência ch ega a um certo
ponto, com o um a ilum inação , com o o esclarecim ento rep en tin o de tantas
coisas q u e até aq u ele m om ento, na nossa alm a e na n ossa m en te, haviam se
m isturad o de fo rm a confusa, p ro m íscua, cad a um a d elas clara e n íd d a, m as
(que gan h am sentido) em con fro nto com as o utras (B rasil, 2002).

Em seu trabalho, Maria Arminda vai reconstruindo passo a


passo a im bricação entre o desenvolvim ento da cidade e a
com plexização da cultura, mostrando que o sentido dessa articu­
lação está dado tanto no processo de modernização como nas
promessas da modernidade. O período compreendido entre o
final dos anos de 1940 e o decênio de 1950, momento de atuação
das gerações analisadas, está prenhe de tensões, uma vez que se
entrelaçam propostas de renovação cultural e aquelas elaboradas
no passado:

[...] se em S ão P aulo d o s an o s 50 en g en d ravam -se ten d ên cias que im p ul­


sio navam as tran sfo rm açõ es, não se d ed u z ipso fa cto q u e o p assad o tivesse
sido su perad o , m as ap en as que a m aciça p resen ça d o s im igran tes e dos
seus d escen d en tes, aliad a à c rise d o s m o d o s d e vid a p ro v en ien tes da cafei­
c u ltu ra , c o n stru íra m fo rm as o u tra s de so c ia b ilid a d e q u e im p licav am a
su p eração d o s estran h am en to s (A rrud a, 2001: 69).

A nova sociabilidade, que ao m esm o tempo exige e tem


como resultado novas identidades sociais, impõe a necessidade
de novos padrões culturais36.
A pesquisa mostra que o momento não se explica por si,
estando fortemente referido a 1922, 1964, 1968. Esses marcos
não são vistos apenas como cenários onde se encaixam caracte­
rísticas ou aspectos diversos do movimento da cultura em São
Paulo. O tecido reconstruído tem entre os fios de sua trama a

36. A respeito dessa questão, consultar, também , H eloisa Pontes (1998).


214 E L ID E R U G A I B A S T O S

história, uma história que é parte integrante do processo. O utra


vez, a epígrafe esclarece a intenção: “A cidade não conta o seu
passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângu­
los das ruas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandei­
ras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes,
esfoladuras” (ítalo Calvino, apud Arruda, 2001: 51). Assim, retorna
a tensão, desta vez entre passado e presente, expressa no pro­
cesso de construção da sociabilidade, onde estão presentes aco­
modação, assimilação, adaptação e competição. A percepção des­
ses diferentes aspectos confere a dimensão da com plexidade da
cidade, mas também de uma modernização que mantém relações
ambíguas com as promessas da modernidade.
Aqui, novamente, percebemos o foco iluminador do méto­
do que permite ao pesquisador colocar-se em um lugar que o
torna apto a perceber tanto os aspectos estáticos quanto os dinâ­
micos da sociedade. Por exemplo, ao reconstruir os ritos que
cercam as com emorações do quarto centenário da cidade de São
Paulo, a autora mostra que essa ritualização, aparentemente peri­
férica em relação ao problema central, aponta para a própria
natureza do processo. O discurso que apresenta o plano de
urbanização para o evento, bem como os dois símbolos repre­
sentativos dos festejos, representam aquela fusão: o bandeirante
e a espiral desenhada por Niemeyer. “O primeiro remetia aos
primórdios e à tradição; o segundo emblemava o novo destino
comprometido com o moderno. A mescla representava uma fu­
são inusual, uma vez que o discurso da modernidade se cons­
truiu em oposição ao passado” (Arruda, 2001: 71).
Nesse processo, a produção cultura) de São Paulo, nos an os
de 1950, já não se bate com a tensão local/universal, característi­
ca dos anos de 1920 e 1930, uma vez que as linguagens tornam-
se internas aos objetos, havendo uma recusa a dimensões previa­
mente construídas. No que se refere à sociologia —sendo esse o
momento em que se estabelece a escola sociológica paulista —a
P E N S A M E N T O S O C A M . D A E S C O I.A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 215

questão é decisiva. N essa direção se coloca a afirm ação de


Florestan sobre o papel central das ciências sociais no forneci­
mento de recursos intelectuais não só para o reconhecimento das
forças que atuam no mundo social urbano e metropolitano, mas
também de sua influência na preservação ou alteração da ordem
social (Arruda, 2001: 37). Essa preocupação se encaminha à insti­
tucionalização de uma linguagem sociológica, característica da
produção acadêmica de São Paulo, processo em que Florestan
Fernandes se apresenta como figura de destaque, com a intenção
de pontuar as “diferenças entre reflexões consideradas rigorosas
e científicas e aquelas vistas como impressionistas e arbitrárias”
(idein, p. 206). Concordo com esse argumento, que explica a im ­
portância e a repercussão do pensamento do grupo uspiano. Mas,
ressaltando o conteúdo da proposta, a meu ver, o principal ele­
mento que ancora o novo discurso é aquele que se refere ao
ponto de partida metodológico, o qual obriga a repensar a teoria,
a atribuir precisão às categorias analíticas, a rever a grande tradi­
ção sociológica e o pensamento social e político brasileiro. Em
outras palavras, se pensarm os a produção de 1930 como um
momento importante da sistematização da sociologia, tendo como
figura central G ilberto Freyre, podemos reconhecer em 1950
uma nova etapa desse processo, fase que responde a um novo
contexto social e a um novo discurso marcadamente crítico. E m ­
bora a oposição em relação às idéias freyrianas esteja presente na
formulação uspiana, o debate nuclear dá-se com os intelectuais
nacionais-desenvolvimentistas37. D aí a discussão entre Florestan
e estes últimos sobre o lugar da teoria na análise.

37. Vale lem brar a colocação de Gabriel C ohn (2001: 387): “[...] G ilberto Freyre,
form a com Florestan o mais perfeito par de opostos que se possa imaginar.
Não pela tem ática, que é em m uitos pontos a mesma entre ambos. N em pela
form ação e pelas linhas de pesquisa, que em am bos percorre o arco que vai
da análise etnológica à reconstrução histórica em grande e pequena escala,
centrando, é claro, na análise sociológica. M as pelo contraste entre a perspec-
216 E L ID E R U G A I B A S T O S

Am bivalência

A tensão também se traduz em ambivalência. O tema da


ambigüidade dos intelectuais, que já ganhou formulações consa­
gradas e bastante debatidas38, reaparece em textos recentes.
W alquiria Leão Rêgo (1989), em trabalho sobre Tavares
Bastos, aborda a tensão existente entre as idéias e a prática
desse intelectual no contexto da sociedade brasileira do século
XIX m arcada pelo sistem a escravista. Partindo da mesm a consi­
deração sobre a escravidão como insdtuição essencial, já assina­
lada em relação à pesquisa do grupo uspiano, tese de origem
caiopradiana, aborda o percurso daquele liberal doutrinário bus­
cando “deslindar a natureza das inevitáveis dubiedades do per­
sonagem, como indivíduo, no enfrentam ento com uma socieda­
de e um tempo carregados com as misérias do sistema escravocrata,
e com as deform ações por este engendradas sobre tudo e to­
dos” (W. Rêgo, 1989: 2).
Recuperando a produção do autor —discursos, cartas, arti­
gos, pareceres — nas diferentes fases de sua atuação com o
publicista e político, mostra o perfil modernizador que o caracte­
riza, conformado pelas idéias liberais, mas do qual não está au­
sente a ambivalência:

Sem d ú v id a , e m su a p assag e m pela A c a d e m ia , T av ares B asto s p er­


c o rre u u m itin erá rio d e a tiv id a d e s p u b lic ista s o n d e já estão p re n u n c ia d o s
o s tem as e o “ e stilo ” q u e o to rn arão um im p o rta n te p ro p o n en te de m u ­
d an ças m o d e rn iz ad o ras. C o n tu d o , T av ares B asto s e su a g e ra ç ã o h e rd a ­
ram a v a c ila ç ã o — no p lan o d a p o lítica p rática e no n ív el da re la çã o com
a s id é ia s — c o n stitu tiv a d o a m b ie n te n a c io n a l d a q u e le s e d e “ o u tro s
tem p o s” (Idem , p. 52).

tiva [...]”. A questão das oposições com os intelectuais nacionais-desenvolvi-


m entistas tem um tratam ento aprofundado em M ilton Lahuerta (1999).
38. A título de ilustração, A ntonio Cândido (1981) c R oberto Schwarz (1981).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 217

As propostas do intelectual alagoano desenvolvem-se em


torno do diagnóstico dos “males do presente” indicando a expe­
riência colonial e escravista como balizadora dos problemas. So­
bre esse diagnóstico assenta as propostas reform istas referentes
a questões econômicas, sociais e políticas: escravidão, imigração,
propriedade da terra, impostos, educação, eleições, instituições
políticas, sistem a representativo. No entanto, jamais Tavares Bas­
tos reclama a ausência de rupturas revolucionárias.

O ethos conciliador sem p re falou m ais forte em suas av aliaçõ es, sem
lh e retirar co n tu d o a a rg ú c ia d o diagn ó stico . O au to r, m esm o re c o n h e ­
cen d o de fo rm a am b ígu a certo s v ício s p o lítico s ad v in d o s d o excessivo
fo rtale cim e n to d as in stitu içõ es p o líticas d o E stad o , saú d a a con ciliação
co n ferin d o -lh e v irtu d e s que se referiam à n ecessid ad e d o q u e c h am av a de
“ liberdades práticas ” (Idem, p. 66).

Servindo-se da tese todo/parte e periferia/centro, a autora


mostra que a ambivalência não pode ser explicada apenas a partir
dos traços pessoais de Tavares Bastos, sendo que os destinos
individuais participam do processo social, pagando a este seu
preço. Ademais, indaga qual o percurso das idéias modernizadoras
no país. Como o Brasil

[...] iria cam in h ar no sentido da m o d ern id ad e b urguesa m ergulhado pro fun ­


d am en te n os h orro res da escrav id ão ? C om o iria se ap resentar diante de um
m u nd o que “ falava a lin guagem dos direito s” [...]? C om o as idéias e a política
podiam ard cular-se n um conjunto tão con traditó rio?” (Idem, p. 34).

Por sua vez, analisando A través do Brasil, livro de Bilac e


Bom fim , aparentem ente escrito nos moldes dos romances de
form ação europeus, André Botelho (2002) mostra a função inver­
sa cum prida pelo livro. D iferentem ente daqueles que buscam
definir para o indivíduo os papéis sociais a serem desem penha­
dos na sociedade, no Brasil, o objeto é a nação, como sujeito do
218 E L ID E R U G A I B A S T O S

processo de formação. É por isso que, segundo o autor, se coloca


no país, em outros moldes, a função dos intelectuais. A análise
desmistifica, passo a passo, a crença de que os intelectuais de­
sempenham uma missão pedagógica de redenção do atraso brasi­
leiro. Nesse questionamento reside a tese principal de Aprendizado
do Brasil, pois ao apontar para as peculiaridades da formação social
brasileira, parte do princípio de que no país reproduz-se uma
relação simbiótica entre arcaísmo e modernidade, o que inviabiliza
aquela “solução” característica das formações clássicas, de edu­
car para a modernidade.
Inscrito em um projeto nacional sobre educação, Através do
Brasil colabora na construção de uma idéia de Nação firmada na
diversidade e riqueza do território, onde os conflitos resultantes
das desigualdades entre os grupos sociais deixam de ser tematizados.
A desigualdade social e econômica, claramente perceptível no modo
de vida dos personagens centrais do livro, é transfigurada pelos
autores em um problema de diversidade cultural. A ambivalência
aparece no embate entre a visão de missão formulada —de realização
de um diagnóstico realista sobre a situação do país —e o protagonismo
possível, dada a inserção de Bilac e Bomflm nos quadros institucio­
nais. Nesse sentido, estão muito bem situadas as epígrafes de M a­
chado, que apontam sempre para a dualidade, a ambivalência, o
hibridismo da sociedade brasileira, para as duas ordens —o arcaísmo
e a modernidade —que em Através do Brasil devem ser integradas,
processo que leva à atenuação dos conflitos. Exemplar é a imagem
do jogo de xadrez, onde se entrelaçam estática e dinâmica, m ovi­
mento das peças, imobilidade dos quadrados e fatalidade dos papéis
—“bispo é bispo, cavalo é cavalo”. Explicita muito bem a diferen­
ciação e a hierarquização social das personagens que têm o destino
atrelado a seu pertencimento social: ser sujeito do favor ou porta­
dor de direitos ou, mais ainda, de privilégios.
A m aneira pela qual Botelho en fren ta o estu d o p r e s s u p õ e o
estabelecimento das diferenças existentes entre uma análise centrada
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 219

no discurso e aquela focada na narrativa. Estudar o discurso perm i­


te perceber o significado do que é dito ou descrito, o que não é
pouco. Mas a narrativa, indo mais à frente, possibilita a percepção
do sentido que está além das palavras, que reside no movimento
social considerado como um todo. Assim, sua reflexão procura dar
conta do significado contido no discurso e do sentido implícito na
narrativa. A narrativa busca referir os fenômenos a uma totalidade
rica de significações ou, usando as palavras de Lukács, “a verdade do
processo social é também a verdade dos destinos individuais” (1965).
Novamente, aqui vemos a importância do método assinalado como
marca da tradição uspiana: a relação centro/periferia, parte/todo.

U m a A m b iê n c ia C r ia t iv a

Meu objetivo foi m ostrar que, no período compreendido


entre os anos de 1950 e í 960, a socioJogia na USP t e v e fo r te
peso na direção de ancorar debates, sugerir tem as e acionar
polêmicas. No entanto, seria injusto deixar de apontar que, em
várias outras áreas do conhecimento dentro da Faculdade de
Filosofia, a reflexão ganhou desdobram entos que ajudaram a fun­
damentar a temática e a desenvolver o método, seja na filosofia,
.na literatura, seja na história e na educação. Vários trabalhos
então desenvolvidos nesses departam entos explicitam essa
ambiência e influenciaram decisivamente os caminhos da socio­
logia. Sem me alongar no tema, aponto apenas um caso ilustrativo.
Apresentado primeiramente como tese de doutorado em
1973, o livro de Fernando Novais sobre a crise do sistema colo­
nial (1989 [1979]) é referência para a reflexão sociológica, figu­
rando na bibliografia da m aior parte dos estudos sobre o pensa­
m ento b rasileiro . D en tro do quadro da m esm a p esq u isa
desenvolvida para o livro, figura o artigo sobre o reformismo
ilustrado (1984), que tomarei como exemplo para apontar a pre­
sença daquelas teses anteriormente indicadas.
220 E L ID E R U G A I B A S T O S

O trabalho, que tem como pano de fundo uma investigação


sobre o mundo ibérico, é um dos mais importantes textos sobre
as raízes da ambivalência do pensamento brasileiro em relação às
práticas políticas, ou seja, o descompasso entre o pensamento e
sua aplicação. Enfocando a sociedade portuguesa de meados do
século XVIII, com desdobramentos posteriores na metrópole e
na colônia, chama a atenção para duas características aparente­
mente conflitantes: de um lado, a precocidade das reform as em ­
preendidas em direção à modernização; de outro, a importação
das idéias.
O Iluminismo português centrava-se no tema do atraso do
país em relação à moderna Europa, o que justificava a busca das
idéias naqueles “países adiantados” para a superação desse cons­
trangimento. Essa “necessidade” de aplicação imediata levou à
precocidade das reformas. Mas a importação das idéias indica,
senão a ausência, a exiguidade de portadores sociais para as
mesmas. Isto explica a resistência em relação a elas e a saída
conciliadora —o esforço de harmonização das inovações às tradi­
ções. Mas é exatamente o fato do projeto modernizador repousar
sobre um setor exíguo da população que acaba por conferir
legitim idade à intervenção polídca operada pelos intelectuais.
O autor aponta para o clim a presente no processo , caracteri­
zado mais pela continuidade do que pela ruptura com as tradi­
ções. A essa condição corresponde um pensamento eclético, isto é,
tratava-se do ajustamento dos “esquemas teóricos à conjuntura
específica, num ecletismo revelador de grande argúcia política”
(Novais, 1984: 109). Tomando as indagações sobre as razões da
decadência presentes nas memórias elaboradas no período, Novais
mostra a im portância dada ao conhecimento do passado nos diagnósti­
cos sobre aquela questão. Nessa reflexão, o autor se preocupa
menos com as razões da decadência, mas antes, com os efeitos de
sua percepção na form ulação de uma polídca colonial. A situa­
ção peculiar de Portugal comparada à das potências européias
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IS T A 221

exigia a busca de soluções especiais em relação às novas tensões, à


crise do sistema.

N a q u ad ra fin al d o A n tig o R egim e, a e m erg ên cia d o in d u strialism o


red efin ia as ten sõ es, o b rig an d o a ajustam en to s. A ju star-se, p recisam en te,
m o b ilizan d o o p en sam en to ilu strad o , m o d eran d o -o , ap lican d o à co n ju n tu ­
ra esp ec ífica — e is o q u e p ro cu rav am teó rico s e estad istas da Ilu stração
lu so -b rasileira (Idem , p. 110).

E a preocupação com a crise que embasa o discurso do colo­


nialismo ilustrado, percebendo-se nessas memcSrias a preocupação
de contornar a tensão entre a colônia e a metrópole. Nesse quadro,
o autor mostra como foram formuladas e implementadas as medi­
das reformistas, a partir de justificativas onde se percebe uma clara
“manipulação ideológica: apela-se para o princípio fisiocrático se­
gundo o qual a ‘verdadeira e sólida riqueza’ são ‘os frutos e produ­
ções da terra’. Isto quando se procurava por todos os modos
incrementar as manufaturas metropolitanas” (Idem, p. 116).
Assinale-se, ainda, que Novais, um dos construtores daque­
la tradição que tenho apontado, não busca as explicações do
processo somente nas relações metrópole-colônia e seus m eca­
nismos de regulação. Embora as medidas reform istas buscassem,
pelo abrandamento do sistema de exploração e pelo fomento do
progresso nos dois componentes do sistema, desviar as tensões,
estas provinham “de movimentos estruturais, advindos da em er­
gência do capitalismo industrial, e dificilmente poderiam ser con­
tidas pelo reform ism o”, “e as inconfidências foram assinalando o
inconformismo dos colonos” (Idem, p. 118).
Centrei~me em apenas algumas das linhas gerais da argu­
mentação do autor, procurando colocar em relevo as categorias
que retomam a reflexão da escola sociológica paulista.
Por fim, tomando como exemplo o livro Agricultura Ilustrada,
de Fernando A. Lourenço (2001), buscarei mostrar, brevemente,
como vários dos pontos apontados por Novais reaparecem na re-
222 E L ID E R U G A I B A S T O S

flexão sociológica. Enfocando a sociedade brasileira do século XIX


através da análise das reformas propostas ao setor agrícola, o autor
mostra a continuidade das idéias formuladas pelo reformismo por­
tuguês do final do século XVIII e início do seguinte. Mostra que as
proposições de reforma, muitas vezes se apresentando como for­
mulações de novas técnicas agrícolas, de fato pretendem um alcan­
ce mais amplo configurando-se como projeto político para o con­
junto da sociedade. Mais ainda, acabam por justificar a missão de
intervenção política dos intelectuais. E a situação de atraso e a
busca de solução “para superá-lo” que define seu papel face a uma
“populaça” ignorante e até ameaçadora.

A asso ciação en tre ag ricu ltu ra ex ten siv a [...] e b arb árie [...] fun d a­
m en tará, em d ife re n te s m o m en to s d a h istó ria d e n o ssa fo rm ação so cial,
u m a missão civili^adora, sem esq u ecer u m an te rio r em p en h o de ev an g elização
q u e as classes d o m in an tes atrib u irão p ara si m esm as. A o s p o lítico s, alto s
fu n cio n ário s, fazen d eiro s ilu strad o s e p u b licistas, n um n ível, e e d u c a d o ­
re s, e x te n sio n ista s e a s s is te n te s so c ia is, em o u tro , c a b e ria p ro je ta r e
o p e rac io n alizar a civ ilização d o s costu m es atrav és da m o d ern ização das
p rátic as d e cultiv o (L o uren ço, 2001: 13).

O projeto reform ista, resultado de um movimento intelec­


tual e de uma concepção de m undo presente na g e r a ç ã o da
independência, é devedor daquele dos ideólogos do Im pério
luso-brasileiro.

A n tie sc rav ism o , v alo riz ação d o trab alh o , ad u b ação , u so do arado,
p ro d ução c am p o n esa, en sin o agríco la: tod o s tó p ico s q u e se in au gu ram em
tem p o s co lo n iais e p ersistirão n as su cessivas p ro p o siçõ es dos p ro jeto s de
refo rm a da ag ricu ltu ra b rasileira (Idem, p. 15).

Como na Ilustração portuguesa, conforme aponta Novais, a


Ilustração brasileira, segundo Lourenço, caracteriza-se por uma am­
bivalência. Assim, em nome do progresso esses intelectuais, que
são ao mesmo tempo dirigentes políticos, “empenharam-se para
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 223

fazer da jovem nação um Império liberal, ainda que escravista, ora


justificando, ora criticando o direito de propriedade sobre os ho­
mens”. Mesmo em se tratando de trabalhadores livres, “comple­
mentares ou substitutos dos negros escravizados, os reformistas,
não sem diferenças, comungavam do mesm o ‘clima de opinião’ que
legitimava a sujeição e a privação dos direitos dos antigos e novos
trabalhadores” (Jdem, pp. 197-198). Na comprovação de suas teses,
Lourenço examina a correspondência de alguns desses “agriculto­
res ilustrados”, vários periódicos, muitas v ez es publicações oficiais
de associações de proprietários, como O Auxiliador da Indústria Na­
cional, Jornal do Agricultor, Revista Agrícola e o Boletim de Agricultura.
Neles analisa as soluções propostas para a superação do atraso
nacional, a forma pela quial concebem as tensões sociais, o papel
social e polídco que atribuem aos diferentes setores da população,
a concepção das raças e seu lugar na sociedade, a adequação de
visões, a princípio conflitantes, entre a aspiração a Lima sociedade
moderna —fundada em direitos —e uma realidade que os nega —
escravismo. Em resumo, a partir do exame das propostas de refor­
ma da agricultura, o autor faz um balanço de uma interpretação
sobre o país que nada tem de inocente porque funda e justifica uma
intervenção política excludente.

A C r is e da M o d e r n id a d e

Para finalizar, volto à questão colocada como fundamental por


Maria Arminda, ou seja, entender por que as expressões da moder­
nidade emergente não cumpriram todas as virtualidades contidas
em suas promessas. A autora aponta o golpe de 1964 e o endureci­
mento político de 1968 como momentos que manifestam, de forma
flagrante, os “limites da nossa modernidade dilacerada”.
Eis aqui um ponto que, a m eu ver, ilum ina o conjunto de
trabalhos a que venho me referindo. Em primeiro lugar, quais
são essas promessas? São aquelas referidas diretam ente à emanei-
224 E L ID E R U G A I B A S T O S

pação humana e é nesse sentido que o discurso da m odernidade se


construiu em oposição ao passado. As pesquisas referidas não
apontam apenas para o não cumprimento dessas promessas, o
que não seria original se considerada a reflexão sociológica con­
temporânea, mas voltam -se à indagação tanto sobre os limites
como sobre os efeitos dessa realização na sociedade brasileira.
Em outros termos, a essa tradição de pensamento não é suficien­
te a afirm ação da não realização das promessas e a indicação das
formas que assum e esse não cumprimento. E necessário indagar
o porquê dessa situação e apontar os limites que a sociedade
brasileira coloca a esse projeto. Em suma, quais os efeitos dessa
irrealização, ou seja, qual a sociedade resultante do processo?
É importante assinalar, embora sem desdobrar o tema, que
o grupo uspiano originário deixou de lado em sua reflexão al­
guns elementos importantes que perm itiriam examinar aspectos
elucidativos desses limites. Trata-se, por exemplo, da discussão
sobre os caminhos da institucionalização das idéias, da constitui­
ção dos grupos de intelectuais, escritores e artistas ou da form u­
lação do léxico que funda as instituições sociais e políticas.
Algumas pesquisas recentes incorporam essa temática por meio
do estudo de autores, da análise de grupos de intelectuais ou de
movimentos culturais, trazendo ao debate elementos originais
que perm item conhecer o diálogo entre autores, a formação indi­
vidual ou dos grupos, o processo de legitimação dos mesmos39, o
que direta ou indiretamente coloca críticas ao alcance da análise
daquele grupo de pesquisadores. Não enfrentarei aqui a polêm i­
ca, embora a considere de grande importância, pois coloca em
questão a tese mannheimiana que ancora a definição do papel cie
intelectual na sociedade, que está por trás da form ulação de
Sociologia proposta por Florestan Fernandes.

39. Ver, por exem plo, Sergio Miceli (2001); Fernanda Peixoto (2000); H eloisa
Pom es (1998)-, e Sylvia G em ignani G arcia (2002).
P E N S A M E N T O S O C IA L D A E S C O L A S O C IO L Ó G IC A P A U L IST A 225

Quero assinalar, por último, que este trabalho levanta hipóte­


ses que sequer tentou comprovar. Mesmo com esses limites, talvez
possa inscrever-se num quadro geral de reflexões que têm aciona­
do o pensamento social brasileiro nos últimos anos. Ilustração ex­
pressiva da preocupação, o número da revista L ua Nova, comemora­
tivo dos vinte e cinco anos do Cedec, traz o tema Pensar o Brasil. O
artigo de Gildo M arçal Brandão responde à pergunta colocada pelo
debate —Por que pensar o Brasil? —, mostrando que estamos condena­
dos a fazê-lo, pressionados por nossa história. “Não temos uma
história feliz e os países que não as têm costumam delegar muito a
seus intelectuais” (Brandão, 2001: 30). Essa resposta ajuda a com­
preender o protagonismo dos intelectuais brasileiros e a ambivalên­
cia que atravessa seu pensamento e sua ação. Fazer o balanço do
alcance e dos limites de suas idéias e de sua prática é tarefa que só
se pode lograr a partir de um conjunto de pesquisas. E certo que na
área de Ciências Sociais, nos últimos anos, a partir de várias tradi­
ções de pensamento, tem-se feito esse esforço.

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P arte II

J u st iç a e S egurança
Est u d o s so bre o S ist e m a de J u s t iç a 1

Maria Teresa Sadek

Desde as primeiras obras sobre o Estado Moderno, há rei­


teradas referências à existência de três poderes — Executivo,
Legislativo e Judiciário. M ontesquieu e Rousseau, apesar das apre­
ciáveis diferenças em seus modelos de análise, sintetizaram aquele
que seria o papel do Judiciário: um poder mudo, encarregado de
aplicar a lei, arbitrando conflitos. O Estado legítimo, fundado na
vontade popular e marcado pelo império da Lei, encontraria na
obediência aos preceitos legais e nos limites e equilíbrio entre os
poderes, a form a mais segura de defesa contra o arbítrio. A
despeito, contudo, do papel teoricamente central do Judiciário, os
recursos de poder à disposição de cada uma das instituições
alteraram os pesos em cada um dos três pratos da balança. Refle­
tindo esse desequilíbrio, o Executivo e o Legislativo praticam en­
te monopolizaram a atenção de analistas. O Judiciário, por sua
vez, quando muito, recebia menções reladvas à sua importância

1. Registro meus agradecimentos a Luiz W erneck Vianna e aos demais colegas que
discutiram um a versão preliminar deste texto na reunião da Anpocs, em 2001.
234 M A R IA T E R E Z A S A D E K

em um arranjo político-institucional que se pretendia legítimo.


Assim , quer por sua m udez, quer por dispor de recursos de
poder menos significativos, quer ainda por refletir de form a mais
indireta a “vontade popular”, ao Judiciário coube, durante um
longo período, o papel de coadjuvante, bastante secundário quando
comparado ao dos demais poderes.
Do ponto de vista de uma análise institucional, pode-se
sustentar que a prim eira obra que, de fato, converteu o Judiciário
em um ator político relevante foi A Democracia na América. Ali,
Tocqueville sublinha as potencialidades de interferência deste
poder no cotidiano, os efeitos de sua presença na arena pública,
sobretudo devido à sua capacidade de exercer o controle de
decisões emanadas do Executivo e do Legislativo. O alcance e
os limites do Judiciário constituíram -se em uns dos principais
itens na polêmica que colocou em lados opostos federalistas e
dem ocratas, na discussão sobre o modelo a ser adotado pela
nação norte-americana recém independente2. Os riscos de uma
possível ditadura da maioria encontraram na separação entre os
poderes —mas, principalmente, no fortalecimento do Judiciário —
um antídoto contra os efeitos vistos como indesejáveis da sobe­
rania popular. Em outras palavras, caberia ao Judiciário a defesa
do status quo, da liberdade e dos direitos individuais.
Este relevo dado ao Judiciário, contudo, ficou, de certa forma,
restrito à engenharia institucional norte-americana. A rigor, no m o­
delo parlamentarista adotado na Europa, o Judiciário não era pro-

2. D urante a convenção, realizada na Filadélfia, em 1787, os dem ocratas liberais


desejavam facilitar as reform as constitucionais, instituir apenas um parlam en­
to, possibilitar a interferência das m assas na política e estabelecer o direito de
voto para todos os hom ens. O pondo-se a estes objetivos, os federalistas
conseguiram aprovar um texto no qual foram dificultadas as reform as cons­
titucionais, instituídas duas casas no parlamento, restringida a cidadania políti­
ca e fortalecido o Judiciário. A Suprem a Corte, o órgão mais elevado do
Poder Judiciário, poderia vetar com o inconstitucionais as m edidas aprovadas
pela m aioria das duas casas do Congresso.
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D F, JU S T IÇ A 235

priamente um poder, mas um órgão estatal encarregado de dirimir


conflitos. As Cortes Constitucionais, por seu lado, não se confun­
diam com o Judiciário. O controle da constitucionalidade das leis e
dos atos normativos emprestava-lhes feição política, sem, no en­
tanto, garantir-lhes foros de poder e independência em relação aos
poderes Executivo e Legislativo.
A diferente potencialidade de ação do Judiciário nos siste­
mas presidencialistas e parlamentaristas poderia explicar, pelo
menos em parte, o pequeno espaço ocupado pelo ju d iciário na
tradição das Ciências Sociais produzida na Europa. Porém, mes­
mo nos Estados Unidos, berço do presidencialismo e de um Judi­
ciário com fortes atribuições políticas, são em número muito
menor os estudos sobre este poder quando contrastados com os
voltados para o Executivo e para o Legislativo até pelo menos a
segunda metade do século XX.
A Ciência Social que se desenvolveu no Brasil não diferia,
neste aspecto, do que se observava na Europa e durante um largo
período nos Estados Unidos. Também entre nós o sistema de justi­
ça, c o m o área temática, obedeceu a um ritm o m en o s v ig o r o s o que
os demais, reunindo, até os dias atuais, um número muito menor de
pesquisadores, de trabalhos, de áreas de concentração e de discipli­
nas optativas nos programas de pós-graduação.
Um primeiro exame dos estudos sobre o sistema de justiça no
Brasil revela, para além de seu pequeno tamanho, um paradoxo: ao
mesmo tempo em que esta foi uma das primeiras áreas a ser vislum ­
brada foi, sen ã o a última, uma das últimas a se constituir e a se
desenvolver. De fato, é possível considerar o início das Ciências
Sociais no Brasil centrado em temas que dão suporte e reconhecem
o sistema de justiça como fundamental em qualquer análise. O foco
na legalidade e em seus efeitos sobre a realidade estiveram presen­
tes na maior parte das interpretações desenvolvidas no início do
século XX. A oposição, que se tornou clássica, entre o “Brasil real”
e o “Brasil legal”, e a conseqüente crítica ao modelo liberal atestam
236 M A R IA T E R F .Z A S A D E K

a participação de temas relacionados ao sistema de justiça no reper­


tório inicial das Ciências Sociais. É bem verdade que se pode
argumentar que estes estudos eram marcados por uma orientação
essencialmente jurídica, refletindo supostos e concepções típicas
do mundo do Direito. D aí a valorização do sistema legal. Contudo,
ainda que, naquele momento, tenham sido pouco nítidas as frontei­
ras entre o Direito e as Ciências Sociais, parece inegável que a
legalidade se constituía em variável imprescindível em qualquer
estudo sobre a realidade. O arranjo formal era visto como peça
fundamental nos diferentes diagnósticos e merecia lugar de desta­
que nas diversas propostas de mudança.
Em bora não se possa confundir o sistem a legal com o
sistem a de justiça, a atenção privilegiada conferida à legalidade
constitui condição sine qua non - ainda que não suficiente - para
que o Judiciário e outras instituições diretam ente relacionadas às
leis adquiram importância. A valorização da legalidade, entretan­
to, não resulta apenas ou exclusivamente de opções teóricas. A
constituição e o desenvolvimento de uma área temática centrada
nas instituições que compõem o sistema de justiça correlacionam-
se fo r te m e n te c o m o Estado de Direito, com a dem ocracia for­
mal e sua consolidação. Provavelmente, esteja exatamente aí uma
das principais explicações para o caráter tardio, vagaroso e anê­
mico desta área tem ática entre nós. D este ponto de vista, o
balanço da produção acadêmica sobre o sistema de justiça é, em
boa medida, a história do não sido. A agenda da Ciência Política
como das demais Ciências Sociais só passou a incorporar estudos
sobre o Judiciário e sobre as outras instituições que com põem o
sistem a de justiça nos anos de 1990, quando o regime dem ocráti­
co passou a ser considerado um valor em si mesmo e quando os
efeitos da Constituição de 1988 tornaram-se visíveis3.
3. Lam ounier (1992) sublinha que a redem ocraüzação do país produziu efeitos
na estrutura insdtucional e “levou a Ciência Políúca a uma salutar reorientação”.
Salienta ele que pouco a pouco foi se “constituindo um a nova agenda intelee-
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E JU S T IÇ A 237

A estreita relação entre as leis e o sistema de justiça indica


os limites e o foco deste texto. Entendemos por sistem a de
jusdça o conjunto de instituições estatais encarregadas de garan­
tir os preceitos constitucionais, de aplicar a lei e de distribuir
justiça. Dessa forma, ainda que indiscutivelmente relevantes e
bastante próximos do recorte aqui proposto, não serão aprecia­
dos os estudos que têm por tema central questões relacionadas à
cidadania, à justiça como valor, à boa sociedade, aos direitos, à
violência etc. Essa delim itação não significa que estejamos diante
de um campo temático imune a outras indagações ou com fron­
teiras muito claras e rígidas. Ao contrário, sustentamos que o
sistem a de jusdça, ao se co n stitu ir c o m o uma área rela tiva m en te
autônoma, tem invocado e chamado para si questões anterior­
mente tratadas por outras sociologias especializadas e outras dis­
ciplinas, quer do Direito quer das Ciências Sociais e da História.
Mas, ao incorporar essas questões, transforma-as, examinando-as
sob uma ótica distinta. Isto é, propõe que as análises sobre
aqueles temas tenham por eixo ou fio condutor as instituições
judiciais. Distancia-se, por outro lado, dos estudos tipicamente
jurídicos ao acentuar traços sociológicos, antropológicos e políti­
cos das instituições judiciais e ao prestar atenção nos condicio­
nantes e nos reflexos provocados na realidade social pela atua­
ção das instituições com ponentes do sistema de justiça.

A s In s t i t u i ç õ e s de J u s t i ç a n a P e n u m b r a

Mesmo não existindo um consenso sobre os pais fundadores


das Ciências Sociais no Brasil, não há como ignorar a tradição
inaugurada por Rui Barbosa, ainda que contestada com a pecha de
“bacharelismo”, estranha à realidade da nação. Foi na interlocução

tual, tendo o funcionam ento das instituições políticas como foco analítico e a
consolidação do regim e dem ocrático com o parâmetro norm ativo” (p. 43).
238 M A R IA T F .R E Z A S A D E K

com esta forma de análise que se construiu uma reação “sociológi­


ca”, cujos expoentes —Alberto Torres, Oliveira Vianna, Francisco
Campos, Azevedo Amaral —tornaram-se referência para as inter­
pretações sobre o E stado e a sociedade4. Este pensam ento,
autodenominado “sociológico” e “realista”, apesar de se contrapor
ao que caracterizava como “idealismo utópico da Constituição de
1891”, convertia a legalidade em variável. Não se tratava de uma
discussão abstrata, centrada no mundo do Direito, mas baseada na
premissa de que o conhecimento da vida social não poderia ser
alcançado apenas pelo estudo das leis e das instituições formais. A
acirrada crítica ao “bacharelismo”, a despeito de seus traços autori­
tários e protofascistas, questionava a herança jurídica, mas não a
abandonava inteiramente. Ou seja, o universo legal era entendido
como uma peça na engenharia institucional capaz de provocar efei­
tos na realidade e, portanto, era imprescindível considerá-lo como
pertencente ao reino do “ser” e não do “dever ser”. Não era,
contudo, qualquer legalidade que serviria a qualquer realidade. O
liberalismo, por exemplo, para se efetivar —sustentavam os sociólo­
gos de então —dependia de condições reais que o país estava longe
de apresentar. Desta forma, urgia tanto adequar a legalidade à reali­
dade, como optar por uma legalidade que favorecesse a transforma­
ção da realidade.
Assim, quer por sua formação jurídica, quer por seu papel
ativo na vida pública, estes pensadores desenvolveram interpre­
tações e propuseram terapias que convertiam a legalidade em
atributo fundamental do sistema político. Propostas de reforma
do Estado e da sociedade passavam necessariamente por mudan­
ças no sistema legal — um sistem a legal ajustado à realidade e
com potencialidade de alterá-la.

4. São inúm eros hoje os trabalhos sobre estes autores. Para um a interpretação
global da ideologia autoritária ver especialm ente Lam ounier (1974) e W G.
Santos (1970).
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E JU S T IÇ A 239

Nesta fase, o argumento central girava em torno da necessidade


de se construir um Estado nacional. O estatismo, a rigor, era mais do
que um argumento, era um projeto, uma aspiração. Para a sua concre­
tização, a democracia política liberal era entendida como um empeci­
lho, já que identificada tanto com o liberalismo como com o domí­
nio oligárquico. A legalid ad e, contudo, não era totalm ente
descartada5. Mas, a legalidade que importava era aquela que fortale­
cesse os poderes do Executivo, do poder central, e não aquela que
limitasse sua margem de arbítrio e, conseqüentemente, implicasse a
formalização de mecanismos de controle por parte do Judiciário ou
de outras in stitu ições políticas.
M enos do que um poder político, o Judiciário era visto
como uma garantia da igualdade formal, sobretudo aquela rela­
cionada aos direitos civis. Oliveira Vianna, expoente dessa inter­
pretação, afirmava:

[...] os nossos reform ad o res con stitucion ais e os nossos sonhadores liberais
ainda n ão sc con venceram d e q u e nem a generalização d o sufrágio direto,
nem o self-government v alerão nada sem o p rim ado do P oder Judiciário - sem
que este p o d er ten h a p elo B rasil todo a penetração, a segurança, a acessibili­
dade que o pon h a a toda hora e a todo m om ento ao alcance do Je c a m ais
hum ilde e d esam p arad o , n ão precisan do ele —para tê-lo jun to a si - d e m ais
do que um g esto da sua m ão n um a p etição o u de um a p alavra de su a b oca
num apelo. Sufrágio d ireto o u su frágio universal, regalias de autonom ia,
federalism os, m unicip alism o s - d e nada valerão sem este prim ado do J u d i­
ciário, sem a g en eralid ad e d as garan tias trazidas por ele à liberdade civil do
cidadão, p rincipalm ente d o h om em -m assa d o interior” (V ianna, 1987).

Ou seja, a efetivação de direitos políticos dependia da efeti­


vação dos direitos civis. A form alização da igualdade política

5. E im portante ressaltar a im portância conferida à legalidade, ainda que usada


estrategicamente. Parece razoável sustentar a hipótese de que esta característica
se associava à form ação jurídica da m aior parte dos ideólogos do Estado
Novo, bem com o distingue o autoritarism o brasileiro daquele que se desen­
volveu em outros países latino-am ericanos.
240 M A R IA T E R E Z A S A D E K

sem a concretização dos direitos civis significaria apenas uma


igualdade de fachada. Os direitos civis formavam a base de toda
e qualquer igualdade. E caberia ao Judiciário a garantia destes
direitos. N esta interpretação, o Judiciário não se constituía pro­
priamente em um poder de Estado. Tratava-se, muito mais, de
um a instituição estatal encarregada de assegurar direitos civis e,
conseqüentem ente, de minar as bases das diferenças expressas
no domínio oligárquico.
Com a redem ocratização do país em 1945 não ocorreu,
como se poderia supor, uma reviravolta completa, capaz de pro­
vocar uma mudança radical nas instituições e nas temáticas de
pesquisa. O Estado autoritário e toda a ideologia que o havia
sustentado foram apenas parcialmente rejeitados6. A sobrevivên­
cia de traços do regim e anterior não se expressava somente na
organização estatal, mas igualm ente nas preocupações de pesqui­
sadores. A prioridade no debate acadêmico deixou de ser a cons­
trução do Estado, porém não foi abandonado o papel de relevo
atribuído ao poder Executivo. Ou seja, julgava-se que a m oder­
nização do país, a política de substituição de importações, enfim,
o processo de desenvolvimento deveriam ser capitaneados pelo
poder público central. Por outro lado, a hegemonia do marxismo,
como modelo de conhecimento da realidade, implicou uma sig­
nificativa transform ação na forma de apreender a legalidade e
todo o sistema de justiça. As leis e as instituições encarregadas
de sua aplicação foram entendidas como componentes da supe­
restrutura ou, como preferiam alguns, como epifenôm enos e,
portanto, como aspectos da realidade social sem vida autônoma.
Em conseqüência, o universo da legalidade e as instituições do
sistema de justiça pouca ou nenhum a atração intelectual exerciam
sobre os cientistas sociais mais engajados e formadores de opi­

6. Para um a discussão sobre as relações de continuidade entre o regime anterior e


o inaugurado em 1945, ver especialm ente W G. Santos (1978) e Sousa (1976).
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E JU S T I Ç A 241

nião. Saliente-se, inclusive, que mesmo nas interpretações que


fugiam dos temas infra-estruturais e de seu caráter dominante
(como por exemplo as elaboradas por Victor Nunes Leal, G uer­
reiro Ramos, Orlando de Carvalho) o espaço reservado para a
legalidade dem ocrádca e as instituições que a sustentavam não
era suficiente para redesenhar por completo a agenda de pesqui­
sas. A despeito da indiscutível importância desses autores, eles
não tiveram força para impor linhas de pesquisa que se confron­
tassem com as então dom inantes, contemplando minimamente as
leis e as organizações judiciais.
Ainda que sem possibilidade, naquele momento, de instituir
uma nova pauta de investigação, o trabalho de Victor Nunes Leal
merece destaque, já que apresenta as potencialidades de desenvol­
vimento de indagações que sustentariam, anos mais tarde, a área
temática centrada no sistema de justiça. Coronelismo, Enxada e Voto,
publicado em 1949, embora tenha como subtítulo “O Município e o
Regime Representativo no Brasil”, não se restringe à análise do
Executivo, do Legislativo e dos vínculos entre as bases sociais e os
poderes e as instituições políticas. O autor reserva um capítulo
especial para o estudo da organização judiciária. Autoridades judi­
ciais e policiais são distinguidas como integrantes do núcleo de
poder e, mais ainda, são examinadas as conseqüências do tipo de
organização judiciária que se desenvolveu durante o Império e
posteriormente nas constituições republicanas de 1891, 1934,1937
e 1946. O compromisso coronelista é entendido como o resultado e
também com potencialidade de provocar conseqüências nas rela­
ções entre a magistratura e a política.
A quebra da ordem dem ocrática, em 1964, além de suas
conseqüências nefastas para a vida social e política, deu mais
fôlego à velha tendência de desconsiderar as esferas institucional
e legal, apreendidas como reino dos meros formalismos. Em um
regime autoritário, de fato, pouco significado teriam o sistema de
justiça e a legalidade, tanto do ponto de vista intelectual como na
242 M A R IA T F.R F .Z A S A D E K

prática. É, entretanto, no centro das resistências ao autoritarismo


m ilitar que com eçam a se desenvolver os primeiros estudos que,
de alguma forma, tangenciam o sistema de justiça.

0 S is t e m a d e Ju s t iç a no H o r iz o n t e

A preocupação com os direitos humanos e com a redemo-


cratização do país impulsionaram os primeiros debates e estudos
que, de alguma forma, apontam para a importância do sistem a de
justiça. Trata-se de esforços que, embora não estejam centrados
ou tematizem o Judiciário e as demais instituições do sistema de
justiça, discutem a justiça como valor, a cidadania, a igualdade
perante a lei, a possibilidade de em ancipação dos setores popula­
res. Essas questões, de modo mais ou menos direto, atribuem
valor à legalidade e às instituições judiciais.
Nos anos de 1970, teve papel relevante o mestrado em socio­
logia da Universidade Federal de Pernambuco, que possuía uma
área de concentração em sociologia jurídica7. Ali, sob a orientação
de Joaquim Falcão, Cláudio Souto e Solange Souto, desenvolveram-
se pesquisas sobre o sentimento de justiça; sobre o ensino jurídico
no Brasil; conflitos entre posseiros e proprietários; direito informal;
sobre a polícia como espaço público para a solução de conflitos de
“pequenas causas” das classes populares. O denominador comum
dessas pesquisas era sublinhar a emergência e o significado de
conflitos coletivos, seu potencial transform ador da ordem e a
inadequação do direito liberal de cunho individualista para fornecer
respostas para esses tipos de disputas.
Paralelamente, no Rio de Janeiro, o Centro de Estudos Ju rí­
dicos (Cejur), dirigido pelo desembargador aposentado Miranda

7. A rigor, antes de ser absorvida pelo m estrado em sociologia, a D ivisão de


Ciência do D ireito, dirigida por Cláudio Souto, já desenvolvia pesquisas
sociojurídicas.
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 243

Rosa, patrocinava pesquisas sobre “mudança social e direito”,


em estreito diálogo com o grupo pernambucano. O livro Sociolo­
gia do Direito , de autoria de M iranda Rosa constituiu-se em m a­
nual nesta área de interesse e investigação, tendo sido, inclusive,
várias vezes reeditado.
No mesmo período, ainda no Rio de Janeiro, e também em São
Paulo e em Minas Gerais, um grupo de pesquisadores não direta­
mente ligados ao Direito começou a trabalhar com temas relaciona­
dos à violência e á criminalidade8. No Rio de Janeiro destacam-se as
pesquisas de Edmundo Campos Coelho, no luperj; em Minas Ge­
rais, as investigações de Antônio Luís Paixão, na UFMG; em São
Paulo, no Departamento de Ciências Sociais da USP, os estudos de
M aria Célia Paoli e Sér$o Adorno; e Paulo Sérgio Pinheiro, na
Unicamp. Embora em nenhum destes trabalhos o sistema de jusdça
fosse problematizado, o Judiciário, a polícia, o sistema prisional, o
tribunal do júri aparecem, não apenas como pano de fundo, mas
como referências.
Entre os temas relacionados à justiça e aos direitos, o que
atraiu o maior número de pesquisadores foi a ampliação do acesso à
justiça. Porém, como recorda Junqueira (1996), duas características
chamam especialmente a atenção. Em primeiro lugar, a constatação
de que o despertar do interesse dos pesquisadores brasileiros por
essa temádca não esteve vinculado ao movimento internacional
que, na esfera acadêmica, levou ao Florence Pro/ect, coordenado por
Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Por outro lado, é igualmente
notável o fato de o Brasil não constar dessa pesquisa. Sublinhe-se,
inclusive, que não se tratava de uma exclusão de países latino-
americanos, ou com baixo grau de desenvolvimento econômico,
social ou político, uma vez que participaram do referido projeto o
Chile, a Colômbia, o México e o Uruguai.

8. Para um balanço da violência e do crim e com o tem ádcas, consultar Zaluar


(1 9 9 9 ).
244 M A R IA T E R F .Z A S A D E K

Após fazer um balanço dos estudos desenvolvidos neste


período, Junqueira conclui:

[...] a an álise d as p rim e ira s p ro d u çõ es b rasileiras re v e la que a p rin cip al


qu estão n aq u ele m o m en to , d iferen tem en te do q u e o co rria nos d e m a is p a í­
ses, so b retu d o n os p aíses cen trais, não era a exp an são d o welfare state e a
n ecessid ad e de se to rn arem cfed vo s os n ovo s d ireito s co n qu istad o s, p rin c i­
p alm en te a p artir dos an o s de 1960, p elas “m in o rias” étnicas e sexu ais,
m as sim a p ró p ria n ecessid ad e de se exp an d irem p ara o con jun to d a p o p u ­
lação direito s b ásico s ao s quais a m aio ria n ão tin h a acesso tanto em fun­
ção da trad ição lib eral-in d ivid u alista do o rd en am en to jurídico b rasileiro ,
co m o em razão d a h istó rica m argin alização so cio eco n ô m íca dos setores
su b altern izad o s e da exclu são p o lítico -ju ríd ica p ro v o cad a pelo reg im e p ós-
64 (Jun qu eira, 1996: 390).

A preocupação com o alargamento do acesso à justiça du­


rante os anos de 1980 foi guiada predominantemente por uma
orientação antiliberal, que valorizava sobretudo os conflitos de
natureza coletiva, tendo por foco os direitos sociais, particular­
m ente aqueles relacionados à saúde e à moradia. E bastante
provável que o interesse pelos conflitos coletivos e pelos direi­
tos sociais e difusos tenham sido provocados pela força dos
chamados “novos movimentos sociais” e suas demandas coleti­
vas. A discussão sobre o acesso à justiça focalizava principal­
mente o acesso coletivo à justiça e o pluralism o jurídico, como
meios de em ancipação social.
A concepção tipicamente liberal de utilização dos canais
judiciais, como condição de realização de direitos, tal como pro­
posta, por exemplo, por Marshall, só aparece, entre nós, em um
segundo momento. De fato, a problemática clássica só passa a
orientar investigações quando os conflitos de natureza indivi­
dual, os direitos civis e sua importância na construção e efetivação
da cidadania são valorizados. Esta linha de pesquisa foi desen­
volvida pelos pesquisadores do CPDOC e contou com a partici­
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E JU S T IÇ A 245

pação fundamental de José M urilo de Carvalho, Maria Celina


D ’Araujo, entre outros.
Merece destaque especial entre os esforços acadêmicos de
resistência ao autoritarismo um seminário intitulado “Direito, Cida­
dania e Participação”, realizado em São Paulo, na Pontifícia Univer­
sidade Católica, de 22 a 26 de junho de 1979, organizado pelo Cedec
e pelo Cebrap, com o patrocínio da OAB e da Anpocs e o apoio da
Fundação Ford9. Neste evento, os organizadores propõem que se
faça uma reflexão sobre os caminhos para a democracia, selecio­
nando quatro grandes temas: Direito e Cultura, Direito e Economia,
Direitos Sociais e Participação e Direitos Políticos e Cidadania.
Apesar de constar de todos os temas a questão do direito, o sistema
de justiça como tal não chega a ser realçado entre os objetivos
propostos:

f...] a c o n so lid ação de um e sp aço p ara o d e b ate livre, n u m a sociedade na


qu al tem as co m o c o n tro le tia co erção legal, au to n o m ia sindical, rep resen ­
tação p artid ária e eleiçõ es d iretas, d esigu ald ad es regio n ais, sociais e eco ­
n ô m icas, n ão sejam ap en as retó rica n os m o ld es clássico s do lib eralism o
restrito, m as a e x p re ssão da c o n ju g ação c o n creta d a lib erd ad e e da igu ald a­
de, no e n tro sam en to d u rad o u ro do D ireito , d a C id ad an ia c da P articip ação
(L am ounier et al., 1981: X ).

O texto de Joaquim Falcão (1980), neste volume, descortina


perspectivas inéditas ao desenvolver um argumento que traz o
Judiciário para o centro dos debates. Vale a pena reproduzir suas
alegações:

[..•1 a tarefa d e ap erfeiço am en to d a rep resen tação co letiva tem focalizado


p riv ilegiad am en te ou o L egislad vo, d o n d e as d iscu ssõ es sobre g ru p o s de
pressão, re p resen tação setorial e in stitu c io n al, e so b re o processo decisó rio
d as p o líd eas p úb licas. Se, no entan to , en ten d erm o s, co m o o faz B olivar

9. O s trabalhos e os debates encontram -se publicados em Lamounier, W effort e


Benevides (1981).
246 M A R IA T F.R F .Z A S A D E K

L am o u n ier, q u e o p ro b lem a da rep resen tação en v o lv e toda co m u n icação


en tre so cied ad e civil e E stad o , tam b ém no Ju d ic iá rio se co lo ca, ou d everia
co lo car-se, a d isc u ssão so b re a rep resen tação c o letiv a (p. 3).

Em bora apenas marginalmente elabore uma discussão sobre


o Judiciário com funções características de um poder de Estado,
questiona e amplia o seu papel de organism o prestador de servi­
ços públicos. No exercício desta função, o autor dem onstra a
inadequação da cultura jurídica tradicional para lidar com confli­
tos coletivos. Isto é, toda a montagem do Judiciário e dos códi­
gos processuais baseiam-se em uma concepção liberal individua­
lista, enquanto seriam cada vez mais recorrentes os conflitos
mais complexos, envolvendo não indivíduos, mas segmentos da
sociedade. Ao redefinir os termos do problema sobre o acesso à
justiça, sugere linhas de investigação que seriam típicas de uma
área temática voltada para o sistema de justiça e que serão reto­
madas nos anos de 1990.
O ano de 1988 representa um marco do ponto de vista da
consolidação dos campos de pesquisa relacionados à violência, ao
acesso à justiça e, indiretamente, focados nas instituições de justiça.
Ainda que não se possa afirm ar que tenha sido uma resposta às
demandas geradas pelas investigações que vinham sendo desenvol­
vidas nestas áreas, o fato é que, pela prim eira vez, a Pesquisa
Nacional por Am ostra de Domiciliar (PNAD) incluiu entre suas
indagações questões sobre vitimização e canais de resolução de
conflitos. Gerou-se, dessa forma, um banco de dados e de inform a­
ções extremamente valioso, capaz de subsidiar hipóteses de pesqui­
sa e orientar políticas públicas10.

10. Lam entavelm ente, esse tipo de inform ação não apresentou continuidade. A
despeito da im portância desses dados para fundam entar políticas relaciona­
das à segurança pública —um a das questões centrais em nossos dias - dados
nacionais confiáveis sobre essas questões não foram produzidos durante os
anos de 1990.
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E JU S T I Ç A 247

0 S is t e m a d e J u s t iç a em Fo c o

Como se depreende da discussão anterior, a constituição


desta área temádca é muito recente. Fatores de ordem teórica e
histórica tolheram durante um longo período o seu desenvolvi­
mento. O fato de localizar-se em uma área de fronteira entre as
Ciências Sociais e as jurídicas provocou aquilo que Slotnick
(1991) denom ina de “esquizofrenia” deste campo de estudos. Os
estudiosos do Judiciário e das demais instituições do sistema de
justiça, além de serem forçados a possuir perspectiva multidisci-
plinar, vivem abundantes tensões internas, resultantes da falta de
consenso sobre a especificidade de seu trabalho. Além disso, a
legitimidade e as credenciais do cientista político são freqüente­
mente colocadas em xeque, uma vez que é obrigado a trabalhar
com o universo da legalidade, reinterpretando noções típicas e,
até poucos anos atrás, reservadas ao saber jurídico. Sendo levado
a falar sobre o mundo das leis e do direito sem ser um jurista,
quer por form ação ou vocação, o cientista político voltado para
esses temas cria e participa de um espaço de interconexão entre
áreas, no qual tanto juristas no sentido estrito como cientistas
sociais de formação tradicional sentem-se pouco confortáveis.
Além disso, os resultados de suas investigações, na maior parte
das vezes, transformam-se em achados de poucos interlocutores.
Um passo necessário para a constituição desta área temática —
tanto nas pesquisas e reflexões produzidas no Brasil como interna­
cionalmente —é o reconhecimento de um espaço de confluência
entre o Direito e as Ciências Sociais. Entre nós, os juristas foram
os primeiros a reconhecer este espaço. Coube a eles, e não aos
cientistas sociais, fincar as primeiras estacas que viriam a delim i­
tar um conjunto de problemas que não possuíam natureza estri­
tamente jurídica. D aí a necessidade de justificar a diferença entre
os estudos clássicos do Direito e os que exigiriam novas pers­
pectivas e abordagens. Esse tipo de preocupação pode ser obser-
248 M A R IA T E R E Z A S A D E K

vado nos argumentos desenvolvidos em um texto de autoria de


Jo sé Eduardo Faria, professor da Faculdade de Direito da U ni­
versidade de São Paulo, publicado em 1984. D izia ele, buscando
legitim ar seu ingresso em searas desconhecidas nas arcadas do
tradicional Largo de São Francisco:

[...] a p ro p o sta im p líc ita e m todos [os ensaios] é e stim u lar a C iên cia do
D ireito a sair d e su a lim itad a zo n a de c erteza trad icio n al, d e u m lad o
su jeitan d o -se ao p erig o d e c o n t o r n o s in d e fin id o s e d e n o çõ es equiv o cas,
m as, d e o utro , com a v an tag em de p o d er atu aliz ar-se e lib ertar-se d e seu
co n h ec id o ranço. E ssa é, n a verdade, a fun ção d a S o cio lo g ia d o D ireito [...]
um a ciên cia que so m en te g an h o u seu e statu to ep istem o ló gico à m ed id a
qu e saiu da d ep en d ên cia do d ireito p o sitiv o p ara ab o rd ar u m a realid ad e
m al ex p lo rad a e m al e n ten d id a p elo s ju ristas trad icio n ais, o u san d o ex p licitar
as relaçõ es de p o d e r q u e fo rm am os su jeito s e os do m ín io s do co n h eci­
m e n to no u n iverso ju ríd ico (F aria, 1984: IX).

Tratava-se, a seus olhos, de justificar para seus pares o estudo


das instituições reais e não como apareciam nos códigos —argumen­
tos, diga-se de passagem, que seriam absolutamente desnecessários
caso dirigidos para a comunidade de cientistas sociais.
Como conseqüência, alargava-se tanto o domínio como a
identidade do direito: “a Ciência do Direito não é, exclusivam en­
te, uma ciência da norm a, na perspectiva kelseniana, mas, isto
sim, uma ciência social, dado o caráter cultural das normas jurí­
dicas” (Faria, 1984: 27). O mesmo tipo de justificativa é desen­
volvido por Joaquim Falcão, que chama inclusive a atenção para
o fato de que, caso a Ciência Jurídica e seus profissionais perm a­
necessem nos limites do conhecimento lógico formal, perderiam
“poder, porque se afastam do Brasil real, em nome de um com ­
promisso com o Brasil form al” (Falcão, 1984a: 92).
O Direito concebido como Ciência Social retomou a velha
disjunção entre o “Brasil legal” e o “Brasil real”, tentando afir­
m ar a im portância de se apreender a legalidade com os olhos da
E ST U D O S SO B R E O SIST E M A D E JU ST IÇ A 249

realidade. Esta nova perspectiva propiciou uma notável am plia­


ção do campo do Direito e forneceu argumentos que legidm aram
interpretações de cunho sociológico por parte de juristas. D ife­
rentemente, contudo, do que ocorrera nos anos de 1920 e 1930, a
crítica ao liberalism o não se baseava em teorias “conservadoras”,
mas em “progressistas”. Isto é, os juristas-sociólogos dos anos
de 1980 e 1990 viam limites na concepção liberal individualista,
julgando-a incompatível com uma sociedade que se tornara com ­
plexa e que adotara os direitos coletivos. Se nas primeiras déca­
das do século XX propugnava-se por um Estado forte, os juris­
tas dos anos de 1980 localizavam as potencialidades salvadoras
nos movimentos sociais, particularm ente nos formados pelos ex­
cluídos ou marginalizados pelo capitalismo. Boaventura de Sousa
Santos11 e David Trubek12 tiveram influência decisiva junto a
estes “juristas — cientistas sociais”, não apenas na definição de
um novo campo de investigação, mas também sobre suas con­
cepções a respeito da Lei, do Direito, da sociedade, do papel dos
operadores do Direito.
A participação de profissionais do Direito em fóruns das
Ciências Sociais atesta este movimento dos juristas em busca de
uma nova identidade. Para ilustrar, bastaria citar o grupo de
trabalho “D ireito e Sociedade” na Anpocs, formado em 197913, a
partir de iniciativas de Cláudio M oura Castro, que então dirigia a

11. Boaventura de Sousa Santos era, na época, professor da London School o f


E conom ics and Poliücal Science c da Universidade de Coimbra. Além de seus
trabalhos, seu prestígio deveu-se a um a pesquisa que desenvolveu no início
dos anos de 1970, em um a A ssociação de M oradores de um a favela do Rio
de Janeiro, a que deu o nom e fictício de Pasárgada, m ostrando com o esta
associação funcionava como instância de resolução dos conflitos. Esta pesqui­
sa teve am pla divulgação nos anos de 1980.
12. D. Trubek, professor de D ireito cm Yale.
13. A A ssociação N acional de Pós-graduação e Pesquisa em C iências Sociais foi
criada em 1977. O G rupo de Trabalho “Direito e Sociedade” foi insdtuído
dois anos depois e esteve aüvo até 1989.
250 M A R IA T E R E Z A S A D E K

Capes, de Aurélio Wander Bastos, de M ário Brockmann Machado


e de Joaquim Falcão. A hegem onia dos juristas pode ser verifica­
da no expressivo número de profissionais do Direito em sua
composição. A rigor, este grupo de trabalho (GT) era constituído
basicam ente por intelectuais com form ação em Direito ou com
duplo bacharelado —Ciências Sociais e Direito. Os temas desen­
volvidos por este G T nos encontros patrocinados pela Anpocs
contemplavam, de fato, questões relacionadas ao sistema de jus­
tiça e salientavam aspectos que dificilm ente poderiam ser discu­
tidos em encontros compostos exclusivamente por juristas. Por
outro lado, este grupo foi pioneiro na discussão de questões que
os cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Sociais
estavam longe de enfrentar. Listemos alguns destes temas e seus
respectivos autores14: “cultura jurídica liberal e ordem política
autoritária” —Joaquim Falcão; “bibliografia selecionada sobre D i­
reito e sociedade” —M ario Brockmann M achado; “a ordem polí-
tico-jurídica no Estado de Direito” — Antônio Cláudio Nunes;
“fragmentos de um saber crítico sobre o Direito” - Leonel Se­
vero Rocha; “D ireito e conflito: novas reflexões” — Felipe Au­
gusto Rosa; “o quadro constitucional brasileiro pós-64” —José R.
Vieira; “os ministros do Supremo Tribunal, de 1828 a 1980” —
Mario B. Machado; “a ideologia na ordem econômica das consti­
tuições brasileiras” —Washington P. de Souza; “uma visão crítica
do D ireito constitucional” - José Ribas Vieira; “profissões à
margem da noção de atividade econômica no texto constitucio­
nal” — Eros Roberto; “uma etnografia do julgado pelo júri no
Brasil” — Roberto Kant de Lim a; “Direito processual policial e
D ireito penal oficial; relações in c o n g r u e n te s ” —L uciano Olivei­
ra; “uma revisão epistemológica da criminologia” - Wanda M aria
de L. Castro; “considerações sobre a igualdade jurídica do D irei­

14. E sta lista certam ente está bastante incom pleta. Trata-se, contudo, da relação
que foi possível obter nos atuais arquivos da Anpocs.
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 251

to penal” - Edna Del P. de Araújo; “ordem jurídica e ordem


psiquiátrica” —G isela Cittadino.
O liveira e A ldeodato (1996), referindo-se a este G T da
Anpocs, afirm am que naqueles encontros tinha-se “uma boa v i­
trine do que se fazia nesse campo no Brasil”. A í compareceram
tanto representantes da Associação Latino-am ericana de M etodo­
logia do Ensino do Direito (Alm ed)15 e da Nova Escola Jurídica
de Lyra F ilho16, como grupos da PUC-Rio, de Recife da UFPE e
da Fundação Joaquim Nabuco.
Outro importante fator na explicação dessa ampliação dos
limites do Direito e de sua incursão nas Ciências Sociais foi a
obrigatoriedade, a partir do final dos anos de 1970, de constar do
curriculum dos cursos de Direito a disciplina Sociologia Jurídica.
Esta decisão forçou a form ação de profissionais nesta área, bem
como legitimou postulações de juristas na sociologia.
Paralelamente, impulsionando estas mudanças, ocorreu um
movimento de aproximação entre juizes e profissionais do D irei­
to com prom etidos com essa nova concepção e engajados em um
projeto de mudança social. Os professores José Eduardo Faria e
Joaquim Falcão exerceram um papel de liderança na busca de
inserir o mundo jurídico brasileiro naquilo que havia de mais
adiantado na Europa, em termos de crítica ao positivismo jurídi­
co. Como parte dessa estratégia, fizeram um convite para que o
professor Boaventura de Sousa Santos viesse ao Brasil, tanto
para expor suas idéias como para desenvolver suas pesquisas.

15. C onform e consta no texto de O liveira e Adeodato (1996), a Almed foi criada
em 1974, sob a liderança do professor do m estrado em Ciências Ju ríd icas da
TJFSC, Luis W arat, tendo entre seus objetivôs a reform ulação das bases
epistem ológicas da produção do conhecim ento na área do D ireito, conside­
rado um fetiche.
16. Roberto L yra Filho, da UnB, defendia um a perspectiva crítica dialética sobre
o D ireito, fortem ente influenciada pelos trabalhos de M arx. Sua escola teve
considerável influência no m eio estudandl da época.
252 M A R IA T E R E Z A S A D E K

Restaria ainda lem brar que a criação dos Juizados Especiais


de Pequenas Causas, em 1984, também contribuiu para estimular
mudanças nas concepções mais rígidas do Direito aproximando-as
de questões das Ciências Sociais. Esta novidade institucional,
form alizada pelo M inistério da Desburocratização (e não da Ju s­
tiça), passou a exigir dos operadores do Direito conhecimentos
que iam além da form alidade estrita da lei e dos ritos típicos dos
processos normais, tornando menos rígida a separação entre os
paradigmas da civil e da common la w. Tratava-se, a rigor, da intro­
dução na ordem jurídica brasileira de uma forma de solucionar
conflitos distantes da tradição romana. Nesses novos tribunais
valoriza-se o acordo e a simplificação dos procedimentos, afas-
tando-se, assim, dos form alism os característicos da legalidade
própria ao positivismo jurídico.
No final dos anos de 1980 e início dos de 1990, esta nova área
temática estava pradcamente estabelecida. E bem verdade que in­
corporava um número ainda bastante reduzido de acadêmicos. A
alta produtividade desse grupo, contudo, tornava indiscutível a
existência de um conjunto de problemas originais e em expansão.
Entre os textos publicados na época sobressai-se um livro organi­
zado por Faria ([org.] 1989), reunindo parte dos interessados no
tema. Eram eles, além do próprio Jo sé Eduardo Faria: Celso
Campilongo, José Reinaldo de Lima Lopes, Joaquim Falcão, Shelma
Kato. Os títulos dos artigos atestam simultaneamente a distância em
relação ao positivismo jurídico e a preocupação com temas e ques­
tões típicas das Ciências Sociais: o modelo liberal de Direito e de
Estado; introdução à sociologia da administração da justiça; apare­
lho judicial, Estado e legitimação; ordem legal versus mudança so­
cial; a crise do Judiciário e a formação do magistrado; magistratura,
sistema jurídico e sistema político; a função política do poder Judi­
ciário; democratização e serviços legais; pela democratização do
judiciário; a crise do Direito e o compromisso da libertação; justiça
popular, dualidade de poderes e estratégia socialista. Como salienta
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 253

o organizador do volume, o reconhecimento do papel político e da


fu n çã o social dos Tribunais e magistrados “face ao amplo cenário
de tensões, antagonismos e contradições da sociedade capitalista
contemporânea, da qual se destaca o esvaziamento do modelo libe­
ral de organização e administração da justiça” (Faria [org.], 1989: 6)
respondem pela unidade entre os diferentes artigos.
Em resumo, afinidades com as Ciências Sociais levaram
juristas a instituir e a delimitar uma nova área tem ática que, na
confluência entre disciplinas da Ciência Jurídica e das Ciências
Sociais, tinha por objeto as instituições do sistema de justiça e
seus efeitos sobre a realidade.
O caminho dos cientistas sociais foi diferente e mais longo.
Os juristas descobriram a Ciência Política e as demais Ciências
Sociais antes que antropólogos, sociólogos e politicólogos des­
cobrissem e se aproximassem do Direito. Pode-se dizer que no
caso dos juristas ocorreu um movimento de expansão da discipli­
na, ao passo que com os cientistas sociais houve uma imposição
da realidade. Isto é, os efeitos da nova ordem constitucional
dem ocrática exigiram que os cientistas sociais se voltassem para
novos temas. Instituições judiciais e fenômenos relacionados à
legalidade passaram a despertar o interesse, transformando-se
em problema de investigação.
A Constituição de 1988 e os papéis atribuídos ao Judiciário,
ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à Procuradoria da
República, à Advocacia Geral da União, às polícias, aos advogados,
enfim, aos operadores do Direito, representaram uma mudança
radical, não apenas no perfil destas instituições e de seus integran­
tes, mas também em suas possibilidades de atuação na arena políti­
ca e de envolvimento com questões públicas. Com a vigência do
novo texto constitucional, estas instituições foram construindo
sua identidade, desenvolvendo as potencialidades contidas na
legislação, a ponto de poucos contestarem que foi construído
um outro cenário com protagonistas originais. Trata-se de novos
254 M A R IA T E R E Z A S A D E K

atores políticos, com capacidade de interferir ativamente na vida


pública —ainda que com papéis diferenciados e em alguns casos
mais do que em outros.
Para dim ensionar o significado desses fenômenos é útil fa­
zer um contraste entre a situação pós-1988 e aquela descrita com
acuidade por M achado (1981: 24) referindo-se não apenas ao
Judiciário do regime militar, mas de todo o passado:

[...] o m a io r p ro b lem a d o P o d er Ju d ic iário é q u e ele é m u ito ju d icio so e


p ou co poderoso. N a v erd ad e, o P o d er J ud iciário é m u ito m ais um a ficção
ju ríd ica d o q u e u m a re alid ad e p o lítica. [...] S u a au to n o m ia, com raríssim as
exceçõ es, é ap en as co n se n tid a e d ep en d e fun d am en talm en te das g raç as do
P o d er E xecutivo . S u a au to n o m ia, em ú ltim a an álise, é função d e su a ins-
tru m en talid ad e p ara a m an u ten ção da o rd em do m inan te e stab elecid a a tra ­
v és d o P o d er E xecutivo.

Esse Judiciário, com baixíssima realidade política, ganhou vi­


talidade na ordem democrática ou, ao menos, foram-lhe propiciadas
condições de romper com o encapsulamento em que vinha vivendo
desde suas origens. No que se refere às demais instituições do
sistema de justiça, a conversão foi ainda maior: conquistaram recur­
sos de poder e um espaço que extrapola (em excesso, diriam al­
guns) os limites de funções exclusivamente judiciais.
A nova legalidade trouxe consigo e forjou uma realidade para
a qual os cientistas sociais não estavam preparados, contando com
um instrumental teórico e metodológico bastante deficiente. Basta­
ria recordar que em nenhum dos bacharelados em Ciências Sociais
instalados no país havia disciplinas que minimamente enfrentassem
questões relativas ao mundo do Direito e das Leis. O Judiciário,
quando muito, continuava a ser lembrado como um dos três pode­
res do Estado; o Ministério Público e a Defensoria Pública sequer
eram citados; a legalidade e os formalismos democráticos consta­
vam de discursos genéricos e, na melhor das hipóteses, restringiam-
se ao Legislativo e às práticas eleitorais e partidárias.
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 255

Não se pense, contudo, que, nesse aspecto específico, as


faculdades de D ireito viviam ou experimentam uma situação mais
confortável. Na imensa maioria das vezes, a disciplina “Sociologia
do Direito” constante dos currículos desses cursos pouco tem a
ver quer com a so cio lo g ia quer com o D ireito. Seu c o n te ú d o n ão
vai muito além da repetição exaustiva de manuais, baseando-se
muito mais em textos discursivos do que em qualquer com pro­
misso efetivo com um saber científico17. Além disso - e este é o
ponto mais im portante—, os cursos jurídicos não possuíam (como
continuam não possuindo) nenhum a tradição em pesquisa
em pírica18. Ali, como apontamos, a conquista desta área temática
deu-se a partir da crítica à dogm ática própria do positivismo
jurídico.
Mas, a nova realidade acabou se impondo. Pesquisadores
foram instados a considerar as instituições do sistema de justiça.
Os primeiros esforços, saliente-se, pouco têm de uma análise
político-institucional ou se enquadrariam nas normas mas rígidas
da Ciência Política. Ao contrário, trazem para o estudo destas
instituições aprendizados característicos de outras áreas. Assim,
com eçam a se desenvolver e/ou a se expandir estudos bastantes
próximos de uma sociologia das profissões, de uma sociologia
das organizações, de uma a n tro p o lo gia urbana, de uma etnografia,
de uma historiografia. Em todos os casos, entretanto, foi neces­
sário familiarizar-se com um tema novo e enfrentar os desafios
de uma área ocupada e praticamente m onopolizada por juristas.

17. E m m uitas faculdades de D ireito, esta disciplina é m inistrada por sociólogos


de “segundo tim e”, ou seja, profissionais que não conseguiram ingressar em
cursos de Ciências Sociais.
18. É lugar com um a constatação que a m aior parte das faculdades de D ireito
instaladas no país são m eras fábricas de bacharéis. São cursos baseados em
aulas conferências, sem nenhum espaço quer para a pesquisa, quer para refle­
xões de m aior envergadura. M esm o nos cursos m ais tradicionais e de m elhor
nível - norm alm ente vinculados a universidades públicas —não existem disci­
plinas voltadas para a pesquisa empírica.
256 M A R IA T E R E Z A S A D E K

Nesta trajetória, foi muito importante o papel exercido por


profissionais com dupla formação acadêmica, como por exemplo
Roberto Kant de Lim a —bacharel em Direito que fez seus estu­
dos de pós-graduação em antropologia. Em seminário realizado
pela Fundação Joaquim Nabuco, com o apoio do CNPq e da OAB
em 1982, sobre Métodos e Temas da Pesquisa Jurídica (Falcão,
1983) era o único participante, de certa forma, fora dos quadros
estritos do Direito e que apresentou uma comunicação demons­
trando o tipo de contribuição que a antropologia poderia dar aos
estudos jurídicos.
Entre os cientistas políticos, os anos de 1990 representam o
início de um conjunto de esforços, abrangendo desde a construção
do perfil dos principais operadores do Direito até estudos sobre o
conteúdo das decisões dos tribunais, passando pelo tipo de presta­
ção jurisdicional. E necessário lembrar que neste período a expan­
são das instituições do sistema de justiça era notável, provocando,
inclusive, propostas por parte do Executivo e de lideranças gover­
namentais com a clara intenção de diminuir a margem de atuação
polídca de juizes e promotores e centralizar o poder nos órgãos de
cúpula do Judiciário e do Ministério Público.
De um ponto de vista mais geral, pode-se sustentar que
duas grandes linhas de investigação têm dominado os estudos
sobre temas relacionados ao sistem a de justiça. Há, de um lado,
investigações que acentuam o papel mais propriamente político
das instituições de justiça e, de outro, estudos que dirigem seu
foco para a função de prestação de serviços destas instituições.
No primeiro caso, importa discutir o exercício da jurisdição, es­
pecialmente a constitucional. A Constituição de 1988 conferiu ao
Poder Judiciário o direito de dizer o que é e o que não é consti­
tucional. Além disso, dotou este poder da possibilidade de suprir
as lacunas da lei, provocadas pela omissão do Legislativo19. E

19. É de m enor im portância para os objetivos deste artigo discutir se o Suprem o


E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 257

mais: houve um a considerável constitucionalização de temas e


direitos, o que tem gerado um apreciável aumento no número de
processos e, sobretudo, uma transformação da arena judicial em
arena política. Também em relação ao M inistério Público houve
uma dilatação de seu papel político, recebendo a atribuição de
defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses
sociais e individuais indisponíveis. Essas amplas prerrogativas,
somadas à autonomia funcional, possibilitaram que a instituição se
empenhasse em protagonizar um papel sem precedentes no passa­
do. A Advocacia Geral da União, por sua vez, representando a
União judicial e extrajudicialmente, foi em purrada para o centro
da vida política, sobretudo em conjunturas de constantes refor­
mas e de uso de medidas provisórias.
Duas orientações distintas fundamentam a avaliação da atua­
ção política do judiciário e das outras instituições do sistema de
justiça. Há, de um lado, todo um arsenal teórico que poderíamos
classificar como baseado no princípio “político-majoritário”20, que
vê com m uita desconfiança o ativismo judicial e de qualquer
outra instituição que não reflita de forma direta a vontade da
maioria do eleitorado. Em outro extremo, tem-se uma corrente
intelectual denom inada de “pragmática”, mais preocupada com
os resultados. Trata-se do contraste entre o procedimento e o
substantivo21, que tem colocado em lados opostos os defensores
de uma institucionalidade mais próxima da liberal clássica e os
partidários do ativismo judicial. A crítica ou a exegese ao que se

Tribunal Federal tem ou não desem penhado o m andado de injunção. Para os


propósitos deste levantam ento é suficiente sublinhar a existência desta possi­
bilidade, um a vez que ela lhe confere traços em inentem ente políticos.
20. Entenda-se por princípio político-m ajoritário a efetivação da regra dem ocrá­
tica segundo a qual deve prevalecer a vontade da m aioria, tal com o expressa
nas urnas. D esta form a, decisões do Executivo ou do Legislativo seriam
decisões políticas, legitim adas pelo voto da maioria.
21. Para um a excelente exposição dessas duas correntes, ver V ianna, 1999.
258 M A R IA T E R E Z A S A D E K

convencionou cham ar de “governo dos juizes” resume essa dife­


rente forma de apreender o papel político das instituições e dos
integrantes do sistem a de justiça.
Sem pretender esgotar a produção de Ciência Política sobre
o sistem a de justiça, pode-se apontar algumas pesquisas como
representativas do que vem ocorrendo no interior da disciplina.
O primeiro projeto de pesquisa voltado aos integrantes do Ju d i­
ciário desenvolveu-se em 1993 no Idesp, sob a coordenação de
Maria Tereza Sadek. Buscava-se elaborar um perfil da m agistra­
tura, respondendo às seguintes perguntas: quem eram os m agis­
trados, como avaliavam a chamada crise da justiça e como se
posicionavam face às propostas em discussão sobre a reform a do
Judiciário e do Estado (Sadek, 1995a e 1995b). Explorando esses
mesmos problemas, dois anos depois, foi feita uma ampla pesqui­
sa no Iuperj, coordenada por Luiz Werneck Vianna, com o apoio
da Associação dos M agistrados do Brasil (Vianna, 1996). A prin­
cipal diferença entre os dois estudos está menos no retrato do
juizes do que em seus supostos e implicações. Ou seja, o grupo
paulista não deriva do perfil demográfico da magistratura indícios
de mudanças na forma da atuação da instituição. Os pesquisado­
res do Iuperj sugerem que algumas tendências, como a feminidade
e a juvenilidade da magistratura, poderão vir a acelerar um pro­
cesso de mudança no Judiciário no sentido de ameaçar o positi­
vismo jurídico kelseniano.
Questões relacionadas ao novo perfil institucional do Ju d i­
ciário e à politização judicial foram pioneiramente discutidas por
Castro (1993; 1997a e 1997b) e também por Vieira (1994), Arantes
(1997) e L. W. V ianna (1999). A mais importante tentativa de
democratização do Judiciário, os Juizados Especiais, foram avalia­
dos por D ’Araujo (1996) e L. W. Vianna (1999). Quanto aos
demais operadores do Direito, há estudos sobre o M inistério
Público, discutindo quem são seus integrantes e o papel da insti­
tuição na nova ordem constitucional (Sadek, 1997 e 1999).
E S T U D O S S O B R E O S IS T E M A D E J U S T I Ç A 259

O papel mais especificam ente político do Judiciário, do M i­


nistério Público, da Advocacia Geral da União, das defensorias
públicas não esgota a pauta de problemas nessa área temática. As
instituições do sistema de justiça também têm sido apreendidas
em sua atribuição de realização de direitos e de arbitragem de
conflitos e disputas. Trata-se, aqui, menos de discutir as funções
mais propriam ente políticas destas instituições e sim de valorizar
suas atribuições relacionadas aos direitos individuais e coletivos,
bem como suas conseqüências para a vida social.
Apesar do sensível aumento do interesse da comunidade
acadêm ica pelas instituições do sistema de justiça, o Judiciário
perm anece sendo o menos estudado dos três poderes. O M inis­
tério Público com eça a ser descoberto. As defensorias públicas
são ainda um a realidade praticamente desconhecida. O papel e a
atuação da OAB na nova ordem constitucional continua um con­
vite à espera de respostas. Um levantamento das dissertações de
mestrado e teses de doutorado defendidas nos programas de pós-
graduação em Ciência Política mostra que é absolutamente irrisó­
rio o número de trabalhos nesta área temática. Na maior parte
dos programas não há título algum sobre o tema, e nos cursos
em que são encontrados (Iuperj, UnB, USP e UFPE) não che­
gam a 5% do total de teses defendidas nos últimos anos. Coeren­
temente com este levantamento, um exame dos artigos publica­
dos pela Revista Brasileira de Ciências Sociais , de 1986 a fevereiro de
2000, mostra que, de um total de 342 artigos, apenas três dizem
respeito às instituições do sistem a de justiça e oito estariam de
alguma form a relacionados ao tema, caso fossem incluídas ques­
tões como cidadania e direitos.
Uma conclusão salta aos olhos após esses levantamentos:
trata-se de uma área temática em construção à procura de mais
pesquisadores. Por outro lado, parece inquestionável que temos
assistido a uma mudança na identidade das instituições que com ­
põem o sistem a de justiça no sentido do aumento de sua presen-
260 M A R IA T E R E Z A S A D E K

ça na vida pública. Preparar-se para apreender esse fenômeno é


um desafio que os cursos de Ciências Sociais terão de necessa­
riamente enfrentar, chamando para si a liderança na elaboração
de um saber que não se confunde com aquele característico da
sociologia do direito.

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M o n o pó lio Estatal da V iolência na S ocied ade
B r asile ira C o n t e m po r â n e a

Sérgio Adorno

In t r o d u ç ã o

O crescim ento da violência urbana, em suas múltiplas m o­


dalidades —crime comum, crime organizado, violência doméstica,
violação de direitos humanos — vêm se constituindo uma das
maiores preocupações sociais da sociedade brasileira contem po­
rânea nas duas últimas décadas. O sentimento de medo e insegu­
rança diante do crime exacerbou-se entre os m ais distintos g ru ­
pos e classes sociais, como sugerem não poucas sondagens de
opinião pública. Trata-se de um problema social que, por um
Jado, promove ampla m obilização da opinião pública, o que se
pode observar por meio das sondagens de opinião, da insistente
atenção que lhe é conferida pela mídia im pressa e eletrônica e
pela multiplicação de fóruns locais, regionais e nacionais; por
outro lado, vem promovendo impacto sobre o sistema de justiça
criminal, influenciando a formulação e a implementação de polí­
ticas públicas de segurança e justiça (também chamadas de políti­
cas públicas penais). Neste domínio, o sistema de justiça criminal
268 S É R G IO A D O R N O

vem se mostrando com pletamente ineficaz na contenção da vio­


lência no contexto do Estado democrático de direito. Problemas
relacionados à lei e à ordem têm afetado a crença dos cidadãos
nas instituições de justiça, estimulando não raro soluções priva­
das para conflitos nascidos nas relações sociais e nas relações
intersubjetivas.
No Brasil, não há ainda uma tradição de estudos nesta área da
vida social, tal como já há nos Estados Unidos, Canadá e Europa
ocidental. Embora tenha despertado o interesse acadêmico e cientí­
fico por problemas relacionados ao crescimento dos crimes, à orga­
nização das agências encarregadas de exercer controle social, em
especial polícia e prisões, aos efeitos do crime organizado, sobretu­
do o narcotráfico, sobre as instituições da sociedade civil e da
sociedade política, o que se sabe ainda é pouco. De modo geral, as
políticas penais permanecem orientadas ao sabor do estoque de
conhecimento acumulado por intermédio de culturas organizacio­
nais que agenciam interesses corporativos os mais diversos e, não
raro, impedem que problemas reais possam ser efetivamente ataca­
dos a curto, médio e longo prazos. Fazer com que tais políticas
sejam minimamente orientadas por um conjunto de dados estatísti­
cos confiáveis e de informações qualitativas extraídas de pesquisas
realizadas no domínio das ciências sociais consiste certamente um
dos maiores desafios à construção de modelos de justiça e de
controle social não apenas eficientes e eficazes mas também ade­
quados ao Estado democrático de direito.
Em recente revisão da literatura, para este mesmo projeto,
Alba Zaluar (1999) demonstrou o quanto o tema da violência nesta
sociedade, a despeito de recente para as ciências sociais brasileiras,
já acumulou um apreciável acervo de informações, resultados de
pesquisas, perspectivas teórico-metodológicas e, inclusive, acirra­
das polêmicas e debates. Elevados à categoria de um dos mais
dramáticos problemas sociais nacionais, os fatos da violência têm
tido forte impacto no meio acadêmico. Para além de uma mera
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V IO L Ê N C IA . 269

preocupação para com a fenomenologia da violência —algo talvez


mais afinado com uma perspectiva que se poderia idendficar como
própria da tradição criminológica —, a pesquisa brasileira idendficou
neste campo um lugar para decifrar, em parte, os rum os contempo­
râneos desta sociedade. Em parte por que, neste campo, revelam-se
sensíveis tensões em múltiplos planos de análise social. Para indi­
car apenas três: primeiro, tensões nas relações entre indivíduos,
grupos e instituições sociais; segundo, tensões nas relações entre
sociedade civil, poder político e Estado; terceiro, tensões nas rela­
ções entre processos sociais, estilos de vida e o mundo das repre­
sentações simbólicas. Mas, em parte também, porque o tema da
violência, em suas conexões com direitos, jusdça, cidadania, Estado
de direito, direitos humanos coloca em evidência os rumos da
democracia brasileira, sua institucionalização e consolidação, seu
futuro e seus desafios.
Não se pretende, neste texto, realizar mais um balanço da
literatura especializada. Meu antigo ensaio, parcial é verdade,
publicado, no 73/73, no início da década passada (Adorno, 1993),
foi rapidamente superado, conforme o dem onstram os estudos
posteriores de Zaluar, já citado e outro, ainda mais recente, reali­
zado por Kant de Lim a e outros (2000). Em ambas as contribui­
ções, é possível percorrer os meandros da literatura especializa­
da, produzida por pesquisadores brasileiros, quer em termos
temáticos quer em term os teórico-metodológicos. Em particular,
Zaluar promoveu reconstrução densa dos term os do debate po­
lítico e acadêmico, perquirindo com rigor a constituição deste
campo científico no milieu acadêmico brasileiro, seus alcances,
impasses e paradoxos. K ant e colaboradores, por sua vez, pro­
moveram seu balanço com base nas inform ações disponíveis nos
Diretórios dos G rupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho N a­
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq.
Puderam avaliar a distribuição regional da produção; constaram a
m aior concentração no domínio das ciências sociais e identifica­
270 S É R G IO A D O R N O

ram os recortes temáticos de maior relevância1. Sob esta pers­


pectiva, talvez nada houvesse a ser acrescentado, pelo momento.
De qualquer form a, em toda essa literatura há referências
que não podem ser negligenciadas, como de resto ocorrem em
outros campos de saber. Compreendem referências produzidas
por scholars, na m edida em que firmam perspectivas e, de certo
modo, influenciam o debate acadêmico, inspiram a formulação de
modelos de análise e de interpretação que acabam orientando a
produção subseqüente de estudos empíricos, desde surveys até
estudos de caso. Intervêm com freqüência no debate público em
geral, alcançando não raro os formuladores de políticas públicas.
Em poucas palavras, estimularam a produção de um estilo pró­
prio de pensamento, representado não apenas por um ponto de
vista teórico determinado, mas sobretudo por um modo, igual­
m ente determ inado e próprio, de construir seus objetos.
Não cogitei produzir uma lista exaustiva desses scholars, o que
demandaria investigação mais aprofundada do que me propus, até
porque o campo recobre múltiplos recortes temáticos e perspecti­
vas que aqui não serão contemplados, como a violência nas rela­
ções de gênero, nas relações de classe, nas relações raciais e
étnicas, no mundo das relações agrárias. Concentro minhas preo­
cupações em torno de alguns estudiosos, em particular da violên­
cia urbana, cuja presença nos fóruns acadêmicos e não-acadêmicos
têm sido marcante e cuja pesquisa tem sido divulgada por publica­
ções regulares sob a form a de livros, capítulos de coletâneas, en­
saios, artigos veiculados em revistas especializadas no Brasil e no
exterior e inclusive memórias. Ademais, têm contribuído para a
formação de novos pesquisadores, constituindo pólos de referência
para a orientação de teses acadêmicas. Em particular, uma obra

1. Recentem ente, editei dossier sobre violência, no qual tive a oportunidade de


apresentar um breve balanço da literatura estrangeira. Ciência <&Cutura, 54 (1),
jul./set., 2002.
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C I A .. 271

recentemente publicada, conheceu ampla repercussão no debate


público e acadêmico: L. E. Soares, M eu Casaco de General. Nela, é
possível percorrer os meandros de um debate contemporâneo: o
impacto do crescimento e das novas modalidades de violência so­
bre o futuro da democracia brasileira. Em particular, ela explora um
dos objetos caros à sociologia política —o monopólio estatal da
violência física legítima, em tomo do qual gravitam outros temas
tais como: 1) soberania política e o futuro do Estado-nação; 2) lei e
ordem versus direitos humanos; e 3) legitimidade, autoridade e justiça
pública. Trata-se de temas que, em geral, comparecem correlacio­
nados no texto indicado.
Não pretendi inventariar idéias a respeito de cada um desses
temas, embora este ensaio não possa, mesmo indiretamente, abster-
se de fazê-lo. De modo geral, procurei situar a reflexão brasileira
no contexto das tradições que dominaram esses recortes temáticos
bem como de alguns de seus desdobramentos contemporâneos.
Resolvi colocá-los —reflexão brasileira e tradição estrangeira - em
confronto com o propósito de responder inquietações que povoam
nosso imaginário de cientistas sociais, tais como: aquelas tradições
fazem eco em nossas reflexões? Em qual direção e sentido? Nossas
singularidades contrastam com as heranças européias e norte-ame­
ricanas nas ciências sociais modernas, em especiai no campo da
sociologia política? Em que lugar nos colocamos face ao confron­
to: o debate avançou, permanece como estava há duas décadas
quando os problemas de violência e de direitos humanos com eça­
vam a inquietar os cientistas sociais brasileiros ou adentrou cami­
nhos próprios? Quais desafios se põem para o imaginário dos cien­
tistas sociais brasileiros?
Por certo, responder a esse conjunto de temas recom enda­
ria, como procedimento mais adequado, revisitar a literatura já
percorrida por Zaluar e Kant de Lima. Por mais atraente que
fosse fazê-lo, creio também que a obra selecionada, de algum
modo, é representativa da produção recente, atende aos objeti­
272 S É R G IO A D O R N O

vos a que m e propus e, mais do que isto, perm ite um diálogo


interessante com Zaluar e Kant de Lima. Enfim, procuro atender
aos propósitos deste projeto no sentido de prom over, mais do
que balanços e revisões de literatura2, ensaios com enfoque sin­
gular com vistas a proporcionar novos olhares, estimular a con­
traposição de idéias e enriquecer o debate teórico e metodológico.
O ensaio está organizado em três partes. Na prim eira, ex­
ploro o debate atual sobre violência legítim a. Em seguida, apre­
sento um breve resumo da obra enfocada. Finalm ente, exam ino
de form a um pouco mais detida alguns recortes temáticos que
perm item confrontar nossas reflexões sobre violência e dem o­
cracia na sociedade brasileira contemporânea.

0 M o n o p ó l io E s t a t a l d a V io l ê n c ia

A moderna sociedade e Estado dem ocrádcos floresceram,


como se sabe, no contexto da transição do feudalismo ao capita­
lismo, na Europa ocidental entre os séculos XV e XVIII3. No
curso desse processo, operaram-se transformações substanciais
na economia, na sociedade, no Estado e na cultura. A dissolução
do mundo social e intelectual da Idade M édia acelerou-se no
último quartel do século XVIII, conhecido como a “era das
revoluções” (LIobsbawn, 1977; Nisbet, 1977), convergindo para o
fenômeno que M ax Weber nomeou “desencantamento do m un­
do”. Foi no bojo desse processo de desencantamento das visões
mágicas do mundo e de laicização da cultura que se consolida­
ram as sociedades modernas, caracterizadas por acentuada e pro-

2. Creio que nesse dom ínio das revisões e balanços de literatura, a Revista do
Boletim Bibliográfico em Ciências Sociais - BIB, publicação tradicional da Anpocs,
tem se constituído um veículo privilegiado, p or excelência, além de repositó­
rio da m em ória nacional em ciências sociais.
3. A descrição do processo de construção do E stado m oderno e de pacificação
da sociedade foi extraída de texto anteriorm ente publicado (Adorno, 1998).
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V IO L Ê N C IA . 273

gressiva diferenciação de suas estruturas sociais e econômicas,


no interior das quais nasceram e se desenvolveram a empresa
capitalista e o Estado burocrático e se separaram da esfera reli­
giosa a ciência, a arte e a moral (Weber, 1981).
No curso desse processo, o Estado de Direito vem cum ­
prindo papel decisivo na pacificação da sociedade. O Estado
moderno constituiu-se como centro que detém o monopólio quer
da soberania jurídico-política quer da violência física legítima,
processo que resultou na progressiva extinção dos diversos nú­
cleos beligerantes que caracterizavam a fragmentação do poder
na Idade M édia (Weber, 1970; Bobbio, 1984). Porém, o simples
fato de os meios de realização da violência física legítima esta­
rem concentrados nas mãos do Estado não foi condição suficien­
te para assegurar a pacificação dos costumes e hábitos enraizados
na sociedade desde tempos imemoriais. Daí a necessidade de um
direito positivo, fr u to da v o n ta d e racional dos homens, voltado,
por um lado, para restringir e regular o uso dessa força e, por
outro lado, para m ediar os contenciosos dos indivíduos entre si.
A eficácia dessa pacificação relacionou-se, como dem onstrou
Elias (1990), com o grau de autocontenção dos indivíduos, ou
seja, sua obediência voluntária às normas de convivência, bem
como se relacionou com a capacidade coatora do Estado face
àqueles que descum prem o direito.
Na história do moderno pensamento ocidental, o conceito
de violência nasce atrelado ao pressuposto antropológico da ab­
soluta autonom ia do indivíduo. Tudo o que pudesse constrangê-
la ou restringi-la de alguma forma poderia ser então qualificado
de violência. Sob esta perspectiva, não havia como distinguir
poder, coação, violência; mais propriam ente, não havia como
diferenciar poder legítim o e ilegítimo, o justo e o injusto (Colliot-
Thélene, 1995). Foi preciso, portanto, uma complexa elaboração
intelectual que equacionasse essa ambivalência. Como se sabe, a
equação final foi alcançada com M ax Weber e sua célebre idend-
274 S É R G IO A D O R N O

ficação do Estado com o monopólio da violência, cujas raízes se


encontram na concepção kantiana de Estado.
Kant parte da distinção entre potestas e potentia , entre força e
potência. Kant recusa a identidade do Estado como pura potência;
do mesmo modo, recusa a identidade do Estado com o princípio da
força institucionalizada, isto é, como o aparato institucional para
realização da violência. Em Kant, o Estado é, por excelência, “a
unificação de um a multiplicidade de homens sob leis jurídicas”
(Doutrina do Direito, apud Colliot-Thélene, 1995). Do mesmo modo
que outros agrupamentos políticos, o Estado é um empresa de
dominação de uns sobre outros, por meio do recurso à violência ou
à ameaça de seu emprego. No entanto, trata-se de uma violência
legítima, porque autorizada pelo direito. E isto que faz com que lhe
seja possível diferenciar força coatora do Estado do puro e simples
r e c u r s o à violência para impor a vontade de uns sobre outros. Em
Kant, contudo, o direito aparece como o oposto da violência. Como
sublinha Bobbio (1984 [1969]), o início das monarquias modernas
foi caracterizado por um duplo processo de unificação: 1) a unifica­
ção de todas as fontes jurídicas na lei; 2) a ordenação de todos os
ordenamentos jurídicos superiores e inferiores no ordenamento
jurídico estatal. D esse modo, “não se reconhece mais outro
ordenamento jurídico que não seja o estatal, e outra fonte jurídica
do ordenamento estatal que não seja a lei” (p. 13). Em decorrência,
o poder estatal é um poder absoluto porque surge como o único
capaz de produzir o direito, vale dizer, produzir normas vinculató­
rias válidas para todos os membros de uma sociedade. D aí a identi­
dade entre Estado, poder e lei4.

4. C om o sugere C olliot-T hélene (citado), são m ais com plexas as reflexões de


Kant a respeito das relações entre Estado, direito e violência. Em particular, o
uso bastante restritivo do conceito de violência. Convém sublinhar todo o
esforço kantiano de dem onstrar que o oposto da violência —em particular
daquela que envolve a im posição da vontade de uns sobre outros em um
contexto pré-estatal —não é a ausência de violência, m as o direito.
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C IA .. 275

Guardadas suds diferenças, Weber perfila, nesta matéria, a


tradição kantiana ao afirmar:

[...] p o r E stad o d eve en ten d er-se um in stituto p o líd eo d e ativ id ad e c o n tí­


n u a, qu an d o e na m ed id a q u e seu qu ad ro a d m in istrativ o m an ten h a com
ê x ito a p reten são ao m o n o p ó lio legítim o da co ação física p ara a m a n u te n ­
ç ã o d a o rd em v igen te (W eber, 1974 [1921], v o l.l: 43-44).

No ensaio “A Política como Vocação” (1970 [1918-1919]),


ele complementa:

E m n o ssa é p o c a, en tretan to , d evem os c o n c eb er o E stado co n tem ­


p o rân eo co m o um a co m u n id ad e h u m an a qu e, d en tro dos lim ites d e d e te r­
m in ad o territó rio - a n oção de territó rio co rresp o n d e a um dos elem en to s
e ssen ciais d o E stad o — reiv in d ica o monopólio do uso lepílimo da violência física .
É , com efeito, próprio de n ossa ép o ca não reconhecer, em relação a qualquer
o u tro g ru p o o u aos indivíduos, o d ireito de fazer uso da violência, a não ser
e m casos em que o E stad o o tolere: o E stado se tran sform a, portanto, na
ún ica fonte d o “d ireito ” à vio lên cia (p. 56).

E continua,

[...] o E stado co n siste cm u m a relação de dominação d o h o m em so b re o


h o m em , fun d ad a no in stru m en to da v io lên cia leg ítim a (isto é, da v io lên cia
c o n sid e rad a com o leg ítim a), O E stad o só p o d e existir, p o rtan to , so b a
c o n d ição d e q u e o s h om en s d o m in ad o s se su b m etam à auto rid ad e c o n ti­
n u am en te reiv in d icad a p elo s d o m in ad o res (p. 57).

Daí, sua célebre tese dos três fundamentos legítim os da


dominação: a tradição, o carism a e a legalidade.
O conceito weberiano de Estado envolve, pelo menos, três
com ponentes essenciais: monopólio legítimo da violência, dom i­
nação e território. O Estado m oderno é justamente a comunidade
política que expropria dos particulares o direito de recorrer à
violência com o form a de resolução de seus conflitos (pouco
276 S É R G IO A D O R N O

im portando aqui a natureza ou o objeto que os constitui). Na


sociedade moderna, não há, por conseguinte, qualquer outro grupo
particular ou com unidade humana com “direito” ao recurso à
violência como form a de resolução de conflitos nas relações
interpessoais ou intersubjetivas, ou ainda nas relações entre os
cidadãos e o Estado. Sob esta perspectiva, é preciso considerar
que, quando Max Weber está falando em violência física legíti­
m a, ele não está, sob qualquer hipótese, sustentando que toda e
qualquer violência é justificável sempre que em nome do Esta­
do. Fosse assim, não haveria como diferenciar o Estado de direi­
to do poder estatal que se vale do uso abusivo e arbitrário da
força. Justam ente, por legitimidade, Weber está identificando li­
mites ao em prego da força. Esses limites estão, em parte, dados
pelos fins da ação política que dela se vale. São duas as situa­
ções “toleráveis”: por um lado, em prego de força física para
conter a agressão externa provocada por potência estrangeira e
assegurar a independência de Estado soberano; por outro, em ­
prego da força física para evitar o fracionamento interno de uma
comunidade política ameaçada por conflitos internos e pela guerra
civil. Em nenhum a dessas circunstâncias, porém, a violência to­
lerada desconhece limites.
Esses limites estão ditados pelos fu n d a m en tos que re g e m a
dominação. Na sociedade moderna, a violência legítima é justamen­
te aquela cujos fins - assegurar a soberania de um Estado-nação ou
a unidade ameaçada de uma sociedade —obedece aos ditames legais.
Portanto, o fundamento da legitimidade da violência, na sociedade
moderna, repousa na lei e em estatutos legais. Aqueles que estão
autorizados ao uso da violência o fazem em circunstâncias determ i­
nadas em obediência ao império da lei, isto é, aos constrangimentos
impostos pelo ordenamento jurídico. Legitimidade identifica-se, por
conseguinte, com legalidade. “Pode-se chamar de ‘legítima’ uma
decisão ou uma ação conformes a um valor ou a uma norm a”
(Troper, 1995: 37). Deste modo, o monopólio estatal da violência
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C IA .. 277

não significa apenas o exercício exclusivo da violência, porém o


monopólio exclusivo de prescrever e, por conseguinte, de interdi­
tar a violência (idem, p. 39). Conseqüentemente, há no pensamento
weberiano forte identidade entre poder, dominação e controle da
violência. A violência não é, como para Hannah Arendt, o oposto
do poder (Arendt, 1973 [1969]), porém um de seus fundamentos,
que inclusive conferem ao Estado sua capacidade de garantir as
liberdades públicas e civis.
Quero, ainda, concentrar minha intervenção em outro re­
quisito do Estado moderno: a noção de território. Posso enten­
der que a noção de território - e seu controle - constitui assim
Lim requisito do controle estatal da violência. Em outras pala­
vras, no lim ite de um território determinado, o recurso à violên­
cia, apropriado por particulares, não pode ser nem legítimo, nem
imperativo. Em resumo, o controle estatal do território é requisi­
to do controle estatal da violência. Isso leva a pensar na noção
de território. Não é o caso, neste momento, de promover um
extenso inventário sobre essa noção na tradição das ciências
sociais (certamente há uma rica reflexão em quaisquer dos três
domínios que a compõem). Sem pretender, portanto, sequer tentá-
lo, reporto-m e a Foucault e ao seu tema da governamentalidade.
Por governam entalidade, Foucault está entendendo duas
coisas: primeiramente, razão de Estado (matéria tratada m arginal­
mente em sua obra); em segundo lugar, as relações entre territó­
rio, população e segurança. G overnar significa sobretudo gerir
populações e vida. Significa que uma das tarefas do governo é
proteger populações e o que há de propriedade com um, isto é,
vida —conceito inventado na m odernidade (Foucault, 1966). Po­
pulações significam força viva que, uma vez cultivadas e protegi­
das, sustentam a força de uma nação no contexto de um conflito
beligerante entre nações. Proteger populações significa protegê-
las (contra tudo que possa enfraquecê-las) e alimentá-las (daí a
necessidade de riqueza como requisito do fortalecim ento das
278 S É R G IO A D O R N O

nações). O controle do território é, sob este particular, essencial,


pois ele assegura controle da riqueza. Em resumo, governar é
estabelecer uma certa relação entre as coisas e as pessoas, entre
as riquezas e as populações, entre o território e a proteção da
vida. Governar resulta de um tripé: território, população e segu­
rança (Foucault, 1989).
A recente literatura tem questionado a pertinência de pen­
sar o monopólio estatal da violência em nossa contempotaneida-
de nos term os em que foi proposto no clássico ensaio weberiano.
Segundo M ichel W ieviorka, o Estado revela-se cada vez mais
incapaz de controlar a economia, sendo forçado, por exemplo, a
recuar diante de circunstâncias determ inadas como as atividades
inform ais, o mercado negro, o trabalho clandestino, tudo contri­
buindo para reforçar solidariedades infra e transestatais, inscritas
ou não em territórios precisos que não mais são os espaços
estatais. Não raro, o Estado pode, por meio da ação de seus
agentes, praticar atos de violência ilegítima. Em decorrência,

[..■1 é cad a vez m ais d ifícil p ara os E stad o s assu m irem suas funções c lá ssi­
cas. O m o n o p ó lio leg ítim o da v io lê n c ia físic a p arece a to m iz a d a e, na
p rática, a céleb re fó rm u la w eb erian a p arece cad a v e z m en os ad ap tad a às
realid ad es c o n tem p o rân eas (W iev io rk a, 1997: 19).

W ieviorka está se referindo às sociedades ocidentais capitalis­


tas que compõem o chamado mundo desenvolvido. Não tem por
referência o Estado em sociedades que, embora sob a égide do
Ocidente moderno, não teriam ainda concluído —se é que deves­
sem fazê-lo ou vão ainda fazê-lo —suas tarefas de modernização
econômica e política, inclusive a consolidação da democracia so­
cial, como é o caso da sociedade brasileira. Se este argumento é
aceitável, então como se coloca o monopólio estatal da violência
em sociedades que jamais lograram, em sua história social e política,
alcançá-lo efetivamente e que certamente não o lograrão imersos
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C IA .. 279

que se encontram na avalanche do processo de globalização, seja lá


o que isto signifique? E, mais, se considerarmos as tradicionais
ausências de claras fronteiras entre o público e o privado, entre as
atribuições estatais de controle público da violência e o largo es­
pectro de recurso à violência privada como form a de resolução de
conflitos nas relações sociais e interpessoais? E, se ainda acrescen­
tarmos a esse quadro o rápido desenvolvimento do mercado privado
de segurança que acentua ainda mais os obstáculos para lograr o
monopólio estatal da violência?
Cada vez mais vêm se tornando comum, no debate acadê­
mico, os obituários do Estado-nação fundados no argumento,
entre outros, da perda do monopólio estatal da violência. Herbert
(1999), em r c c c n t c artigo, elabora um su m ário desse obituário com
vistas a demonstrar que tais avaliações e diagnósticos carecem de
fundamentação empírica, ao menos no que se refere ao controle
do crime nos Estados Unidos contemporâneo. Segundo esse su­
mário, forças externas e internas estariam comprometendo a legi­
timidade do Estado-nação contemporâneo. Externamente, pro­
cessos de globalização econômica e social estariam minando a
soberania do Estado. Compreendem processos de consumo e de
produção que reforçam o poder das grandes corporações econô­
micas e enfraquecem a capacidade do Estado de regulamentar,
de algum modo, o mercado de forma a evitar a potência abusiva
dos mais fortes contra os mais fracos. Ao mesmo tempo, com ­
preendem a rapidez das mudanças tecnológicas, em especial no
campo das telecomunicações, que altera, no tempo e no espaço,
o fluxo de pessoas, mercadorias e de capitais em ritmo e propor­
ções jam ais conhecidos anteriormente.
Internam ente, a legitim idade do Estado-nação viria perden­
do força face às políticas neo-liberais e às severas restrições ao
m lfare State cujo principal efeito consiste em reduzir ao mínimo o
provimento de significativos e necessários serviços sociais, com
repercussões inclusive no domínio da lei e da ordem. Políticas
280 S É R G IO A D O R N O

de segurança pública acabariam igualm ente tributárias de restri­


ções orçamentárias. Em conjunturas de crescim ento das distintas
modalidades de violência e de expansão, em bases internacionais
e empresariais, do crime organizado, sobretudo em torno do nar­
cotráfico, essas restrições comprometeriam a eficiência das agên­
cias encarregadas do controle repressivo da ordem pública, abrindo
espaço inclusive para que o crime organizado passasse a com pe­
tir com o Estado, no controle do território como espaço físico e
social de realização da dominação sob fundamentos outros que
não o da legalidade pública e oficial. Em outras palavras, a perda
do monopólio estatal da violência estaria minando os fundamentos
legítimos da soberania própria ao Estado-nação. Vejamos o argu­
mento um pouco mais de perto.
Garland (1996,2001) é seguramente um dos mais importantes
e sólidos analistas desse processo. Em suas obras, ele sustenta a
tese segundo a qual vem se observando, na contemporaneidade,
poderosos processos de transferência das responsabilidades públi­
cas e estatais de controle do crime para as esferas privadas, aliás
argumento já esboçado em outro importante analista do mesmo
campo (Shearing, 1992). Empiricamente, demonstra-se o argumento
apontando para a crescente intervenção de comunidades civis no
gerenciamento cotidiano da violência. A sociedade civil, por meio
de alguma de suas agências e, em especial, de associações de m ora­
dores, de vizinhanças e de corporações profissionais passam a de­
sempenhar o papel de parceiras na contenção do crime. Na mesma
direção, à medida que os problemas relacionados à vio lên cia e ao
crime vão se tornando mais densos e mais complexos, dificilmente
equacionáveis nos estritos termos propostos pelo direito liberal de
punir, fundado no princípio da responsabilidade individual, apela-
se progressivamente para a segurança privada, razão do rápido de­
senvolvimento de um mercado e indústria altamente sofisticados
do ponto de vista tecnológico. Ademais, as enormes potencialida­
des de intercâmbio e comunicação oferecidos pela cyber-sodety rom-
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C I A ... 281

pem com as fronteiras convencionais do Estado-nação, tanto no


que concerne às atividades do crime organizado quanto às de inteli­
gência policial capazes de combatê-lo. Em outras palavras, as novas
tecnologias de comunicação alteram sobremodo o controle estatal
do território, como sugere um dos elementos essenciais do concei­
to weberiano de Estado e de soberania estatal.
Garland resume nestes term os seu argumento: as tendên­
cias correntes sugerem a erosão de

[...] u m dos m itos fundadores da sociedade m oderna: n om ead am en te, o m ito


de q u e a so b erania do E stado é capaz de p ro ver segurança, lei e o rdem , e
controle d o crim e nas fronteiras de um território. E sse desafio para a m ito lo ­
g ia da lei e da o rdem e antes de tudo m ais efetivo e m ais inco ntestável
p orque o co rre no m o m en to em que a difundida n o ção de “soberania de
E stado” já está sob ataque em não pouco s fron ts (1996: 448).

Em particular, três são os fron ts de m aior impacto: a inven­


ção da polícia com unitária, a expansão dos serviços de segurança
privada e a internacionalização das operações policiais.
E forte o reconhecimento de que, na atualidade, os problemas
de segurança pública se tornaram de tal sorte complexos que as
agências públicas e estatais encarregadas de implementar lei e or­
dem se mostram insuficientes para fazê-lo. Para que essas agências,
em especial as policiais, se mostrem mais efetivas, apela-se com
mais e m aior freqüência para o concurso da comunidade, que assim
se converte em parceira na prestação de serviços de segurança. A
comunidade é co-responsabilizada na tarefa de exercer vigilância
local e de recolher informações, bem como apontar problemas de
desordem urbana, de deterioração de prédios residenciais e estabe­
lecimentos comerciais, de incivilidades praticadas por adolescentes
e por grupos não enraizados na vizinhança —orientações conheci­
das como broken m ndorn (Wilson e Keliing, 1982; Kelling e Coles,
1996). Em geral, tais orientações são reconhecidas, em não poucos
estudos e avaliações profissionais, como porta de entrada do crime
282 S É R G IO A D O R N O

violento e organizado, particularmente nas comunidades onde habi­


tam em sua m aioria cidadãos procedentes das classes urbanas
pauperizadas. Em cidades como Nova York, essas orientações fo­
ram radicalizadas conformando, na década passada, a chamada polí­
tica de “tolerância zero”. Análises sugerem, contudo, que as supos­
tas virtudes do policiamento comunitário - maior envolvimento de
policiais com problemas locais e maior participação e interesse dos
cidadãos nas atividades policiais —acabam, em verdade, enfraquecen­
do as tradicionais responsabilidades do poder público em suas atri­
buições exclusivas de executar policiamento preventivo e repressivo,
bem como investigar crimes e apontar seus possíveis autores. Em
outras palavras, o policiamento comunitário está longe de contribuir
para o reforço das agências encarregadas de lei e ordem e, por
conseguinte, para assegurar a soberania do Estado de direito.
N a m esm a direção, quanto às tendências de desenvolvi­
mento da segurança privada. O crescimento do mercado privado
de segurança é um a realidade que não pode mais ser negado. Por
um lado, vem atender aos sentimentos, sempre crescentes, de
que a vida urbana contemporânea vem se tornando mais e mais
insegura, o que alim enta o medo e a intranqüilidade dos cidadãos
ante o futuro de suas vidas, de seu patrimônio e m esm o dos
valores que julgam superiores. Contra isso é preciso se proteger,
daí a ampla oferta de serviços e equipamentos de proteção pes­
soal, visando a dificultar ou a im pedir ataques de qualquer espé­
cie, partam de onde possam partir. Por outro lado, reconhece-se
cada vez mais que os perigos se encontram difusos pelos mais
d istin to s espaços, c o m o sejam aeroportos, shoppings, parques
públicos, estádios esportivos, escolas e universidades, num a pa­
lavra, espaços por onde circulam multidões e onde o fluxo de
atividades é frenético, dificultando o policiamento e a vigilância
preventivos (O cqueteau, 1997).
A privatização dos serviços de segurança é apontada, por
inúmeros especialistas, c o m o uma fo r te ten d ên cia à er o s ã o da auto-
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V I O L Ê N C IA .. 283

ridade estatal de controle do crime e da violência (Shearing, 1992;


Christie, 1993; Garland, 2001). Isso se dá, ao menos, em virtude de
dois efeitos: primeiramente, à transferência da responsabilidade pú­
blica para a responsabilidade privada e individual. O propósito de
uma vida segura passa a ser visto como um problema de ordem
pessoal, não necessariamente afeito à órbita do poder público. Se as
autoridades públicas puderem prover eficientes serviços de segu­
rança pública, tanto melhor. Se não, algo esperado pelo público em
geral, não há outra alternativa senão recorrer aos serviços propor­
cionados pelo mercado privado de segurança. Em segundo lugar,
para serem eficientes junto aos consumidores, essas empresas pre­
cisam desenvolver seus próprios instrumentos de ação e sobretudo
seus sistemas privados de informação a respeito dos quais o poder
público não dispõe de qualquer controle, nem mesmo tem o direito
a fazê-lo. De algum modo, essas empresas devem também prever
e prover algum a modalidade de sanção, uma sorte de “política
retributiva” que ofereça aos consum idores a sensação de que
justiça foi aplicada, em curto espaço de tempo, sem os inconve­
nientes e sem os elevados custos judiciais. Por exemplo, é o que
se sucede com freqüência nos grandes estabelecim entos com er­
ciais, em que vigilantes privados exercem alguma form a de sanção
direta contra consum idores que praticam pequenos delitos de
apropriação de mercadorias e bens. E essa modalidade de política
retributiva, líquida e certa, que garante a crença junto aos cida­
dãos de que o mercado é mais eficiente do que o Estado na
prestação dos serviços de segurança. No limite, o poder estatal
abdica do monopólio na distribuição e aplicação de sanções, de
acordo com os princípios que regem o devido processo legal,
entre os quais direito amplo à defesa, direito de pronunciar-se
somente à frente da autoridade judiciária, direito de não ser sub­
metido a tratamento violento ou humilhante.
Por fim, a internacionalização das atividades policiais. E
flagrante a internacionalização do crime, em particular de suas
284 S É R G IO A D O R N O

form as em presariais e organizadas. Em virtude da extensão e


complexidade das operações bancárias, de transferência de networks
e dos mecanismos de telecomunicações, multiplicaram-se em curto
espaço de tempo atividades como fraudes, espionagem, tráfico de
armas e de drogas, terrorismo bem como outras atividades ilegais
que envolvem transações comerciais através de fronteiras nacio­
nais (Sheptycki, 1995). N a esteira desse processo, multiplicam-se
igualm ente as agências de regulação internacional, em particular
organism os da ONU e da Comunidade Européia, entre outros,
assim como se expandem os organismos policiais internacionais
com a Interpol (International Criminal Police Comission) e o
DEA (Drug Enforcem ent A gency)5. Para tanto, dois m ovimentos
vêm se consolidando: por um lado, cada vez mais, em matéria de
crime organizado, os diferentes países são como que constrangi­
dos a aceitarem as orientações dos organismos reguladores inter­
nacionais. Tornam-se signatários de convenções internacionais
que, não raro, fazem com que as legislações penais nacionais
tenham de ser m odificadas para atender às exigências e aos re­
quisitos firmados. Por outro, a inserção de qualquer país nesse
processo leva necessariamente aos acordos bilaterais entre Esta-
dos-nação que implicam intercâmbio de atividades policiais, in-
ciusíve troca de inform ações norm alm ente sigifosas. Com isso, a
repressão ao crime organizado acaba subm etida à autoridade
extrajurisdicional, o que se traduz em perda significativa do pa­
pel do Estado-nação em suas tarefas de controle social e de
aplicação de lei e ordem 6.
Herbert (1999) reúne uma série de argumentos para contestar
essas tendências. Embora reconheça que a maior parte desses fatos

5. Constatei esse processo, em estudo comparativo Brasil-Portugal no que concerne


às políticas de controle e repressão ao tráfico de drogas. É cada vez m aior o
com prom etim ento de am bas as sociedades com os m ecanism os reguladores
internacionais. Ver A dorno e Pedroso (2002).
6. E m seu sumário desse debate, H erbert (1999) ainda considera com o pressões
M O N O P Ó L IO E S T A T A L D A V IO L Ê N C I A .., 285

e processos esteja em curso - tais como policiamento comunitário,


privatização dos serviços de segurança, internacionalização das ati­
vidades policiais etc. —, nada disso contudo justifica falar em quebra
do monopólio estatal da violência física legítima e, menos ainda, de
enfraquecimento da soberania do Estado-nação. Ele sustenta que
as estatísticas disponíveis revelam extraordinária expansão do Esta­
do no controle do crime, nos termos que Gordon (1991) nomeou
de justice juggernaut. As despesas com polícia cresceram, durante os
anos de 1980, quer no âmbito federal, estadual ou local, do mesmo
modo que cresceram aquelas destinadas à expansão dos serviços
judiciais. A população encarcerada cresceu, entre 1980 e 1992, cerca
de 168%. A taxa de encarceramento saltou, no mesmo período, de
138 por 100 mil habitantes para 329, a mais elevada do mundo.
Nessa mesma direção, Wacquant (1999) demonstrou o quanto, em
diferentes sociedades do mundo ocidental — em particular nos
Estados Unidos —a retração do espaço anteriormente (isto é, até os
anos de 1970) ocupado pelo Estado-providência estimulou a rápida
expansão do Estado penal, mais propriamente das políticas de con­
tenção rigorosa de criminosos e de repressão a potenciais autores
de crimes.
Os argum entos de Herbert, contudo, são muito mais elabo­
rados. No tocante à polícia comunitária, eie sugere, com base em
estudos de caso, que a suposta co-responsabilização é, em ver­
dade, ilusória. A participação e a parceria da comunidade não são
efetivam ente levadas a sério pelos escalões superiores das agên-

de ordem externa o desenvolvim ento da cyber-soáety, os conflitos de jurisdição


nacional na aplicação das leis penais bem com o problem as relacionados à
definição das advidades propriam ente criminais. Em um a situação de rápida
m udança, e com um que as agências encarregadas da lei e da ordem revelem
conflitos de entendim ento sobre a efedva natureza dos crim es, o que contri­
bui para que m uitos crim es, socialm ente percebidos com o am eaças em
p otencial, perm aneçam im punes. Trata-se, aliás, de aspecto já anteriormente
apontado por D ahrendorf (1985) ao exam inar as “áreas de exclusão” de
aplicação de sanções penais.
286 S É R G IO A D O R N O

cias policiais que continuam insistindo no aperfeiçoamento dos


métodos de patrulham ento, na profissionalização das atividades
policiais e na implementação de meios técnicos cada vez mais
sofisticados e avanços, como o geo-referenciam ento de ocorrên­
cias policiais e o amplo recurso à inform atização das técnicas de
vigilância, repressão e investigação. N o que concerne à expansão
da segurança privada, H erbert lem bra que esse não é um fenô­
meno recente, pelo menos nos Estados Unidos. Desde há algu­
mas décadas, a privatização dos presídios é uma realidade por
todo aquele país. Em bora venham sendo, presentemente, aponta­
dos alguns problem as — tais como o interesse dos empresários
do setor pela expansão do encarceramento, de que resulta pres­
sões locais sobre as autoridades judiciais ou sobre as cortes de
justiça, a par de outros problem as relacionados a abusos de
poder cometidos por agentes penitenciários - as avaliações quanto
à eficiência dos serviços tendem a ser positivas. Em decorrência,
Herbert não acredita que a existência e mesmo a expansão dos
serviços de segurança privada comprometam o monopólio estatal
da violência. Ao contrário, o endurecimento das políticas pública
de controle do crime sugere tendências contrárias aos prognósti­
cos de vários analistas, entre os quais os já citados Garland e
Shearing. Finalmente, Herbert igualmente não acredita que a inter­
nacionalização das atividades policiais enfraqueça a soberania do
Estado-nação. Primeiramente, ele argumenta, a cooperação entre
polícias não passa de simples troca de informação visando à prisão
de suspeitos. Em decorrência, a cooperação não age no sentido de
enfraquecer o poder dos Estados nacionais, porém justamente de
reforçá-lo ao proporcionar mais e melhor informação para tornar
as agências nacionais de controle do crime mais eficientes e opera­
tivas. Ademais, a cooperação limita-se àquelas ações consideradas
crimes nas legislações penais nacionais. Assim, não há quaisquer
evidências de que a soberania dos Estados-nação esteja ameaçada.
Os obituários seriam prematuros, carecem de razão de ser.
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 287

O debate está apenas começando. As razões e os argum en­


tos a favor ou contra a tese da crise da soberania política do
Estado-nação dependem, é certo, do modo pelo qual distintos
analistas entendem as tradições kantianas e weberianas na consti­
tuição do Estado moderno. Sobretudo, se consideram que as
tarefas apontadas por Weber já se encontram esgotadas, ensejan­
do novos arranjos institucionais e políticos que proporcionem o
controle dos crimes nesta “era da globalização”. Se é assim, cabe
então indagar: no caso brasileiro, em que medida o crescimento
da violência — em suas múltiplas formas — é resultado de um
processo de perda do controle do território e, por conseguinte,
do monopólio estatal da violência física legítima? Em que m edi­
da as ações governamentais, em seu propósito de resgatar lei e
ordem e o m onopólio estatal da violência têm logrado ou não
avanços nessa direção? São essas questões que surgem a partir
do livro de Soares.

V io lên cia , P oder e D e m o c r a c ia

Inicialmente, um breve resumo7. M eu Casaco de General não é


apenas uma espécie de compte-rendu de uma experiência quase
bem sucedida à frente da política de segurança pública no Rio de
Janeiro, nos primeiros quinze meses do governo Garotinho. M e­
nos ainda uma sorte de adeus às arm as de quem estava em
campo, combatendo, há pelo menos quinze anos. E, antes de
tudo, resultado de uma reflexão madura e densa sobre uma opor­
tunidade ím par, histórica, de reverter o quadro de insegurança
coletiva, medo, violência e a persistência de graves violações dos
direitos hum anos que contaminam o cotidiano de cidadãos e
cidadãs na sociedade brasileira contemporânea.

7. O re su m o q u e se seg u e rep ro d u z um texto m eu o rig in alm en te p u b licad o no


Jo rn a l d e R esen h as, Folba de S. Paulo (A do rno , 2001).
288 SÉRG IO ADORNO

À primeira vista, poderia parecer que o livro não se distin-


gue de seus congêneres: um depoimento autobiográfico sob a
form a de ensaio sociológico que acresce algo mais ao conheci­
mento acumulado pelo saber acadêmico, nos últimos anos. Mas,
não é bem assim. Primeiramente, há que se reconhecer suas notó­
rias qualidades literárias que tornam a leitura do texto amena,
sobretudo diante de um objeto tão pouco sugestivo para os vôos
do imaginário. Em segundo lugar, não há como deixar de reconhe­
cer o métier refinado do antropólogo, sempre preocupado em en­
tender as razões do outro, em dissecar-lhe o vocabulário, em
transitar por mundos e submundos culturais, em decodificar mi­
tos e rituais, inclusive os corporativistas, em desautorizar visões
unívocas do com portam ento hum ano em realidades sociais
marcadas pelo jogo da diferença e da identidade. D aí as fortes
inclinações do texto para pintar múltiplas cenas como drama so­
c i a l no clássico sentido que emprestou ao termo Victor Turner,
em particular pormenorizados relatos das tensões políticas que
faziam a segurança pública do Rio de Janeiro ora pender em
direção à civilização ora em direção à barbárie.
O essencial do livro repousa em seu próprio objeto: a
intimidade da política de segurança do governo Garotinho. O
enredo tem início com a campanha do então candidato ao gover­
no do Estado do Rio de Janeiro. Estrategista político de primeira
hora, convencido em se apresentar como alternativa de centro às
candidaturas da direita e da esquerda, Garotinho, ex-prefeito de
Cam pos e radialista de sucesso, vislum brou no campo da segu­
rança uma das arenas de em bate político mais sensíveis e tam ­
bém mais perigosas. Propunha-se, neste domínio, m arcar dife­
rença face aos governos anteriores e sobretudo distanciar-se do
brízolísmo. Reconheceu em Luiz Eduardo Soares o protagonis­
ta exem plar de seus propósitos, nom eando-o subsecretário de
Segurança Pública para as áreas de segurança, justiça, defesa
civil e cidadania.
MO N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA .., 289

M ilitante da resistência política à ditadura, Luiz Eduardo


desde cedo se familiarizara com o tema dos direitos humanos.
Como muitos de nós, constatou que o fim do regim e autoritário
não significava —como de fato não significou —o fim das graves
violações de direitos humanos, sobretudo contra cidadãos co­
muns procedentes das classes populares que há muito, indepen­
dentemente da vigência ou não do Estado de direito, eram víti­
mas das arbitrariedades das agências encarregadas de implementar
lei e ordem. Igualm ente, como muitos de nós, foi constrangido a
ocupar-se de temas relacionados à segurança pública. Em parte
porque se acirravam , na conjuntura pós-ditadura, os conflitos
entre a defesa dos direitos humanos e as exigências de maior
rigor no controle da ordem, nascidas da exacerbação do senti­
mento de insegurança coletiva e da escalada da violência urbana.
Em parte porque o vazio de políticas governam entais conse­
qüentes no domínio da segurança pública ensejava intervenção
compatível com o Estado democrático de direito.
Instado a engajar-se na campanha e convencido das possibi­
lidades políticas oferecidas por Garotinho, Luiz Eduardo pôs-se
a trabalhar em equipe, de que resultou o program a de governo
para a área, cujo ponto de partida residiu em diagnósticos setoriais,
porém articulados entre si. Por um lado, análises detalhadas da
evolução da crim inalidade, em especial a de tipo violento, as
quais revelaram o peso e a importância dos conluios entre tráfico
de drogas, contrabando de arm as e corrupção policial principal­
mente na escalada das mortes violentas. Por outro, análises sofis­
ticadas da estrutura, funcionamento e desempenho dos órgãos
policiais que punham em relevo as razões da baixa eficiência do
trabalho policial: os conflitos entre as polícias civis e militares, a
fragmentação das orientações político-administrativas, a pobreza
de equipam entos e de recursos humanos, a carência de profissio­
nalização, a ênfase em atitudes reativas diante dos acontecim en­
tos em detrimento de posturas preventivas, a má qualidade das
290 SÉRG IO AD O RNO

investigações e dos serviços técnicos da polícia judiciária esti­


m ulando a im punidade e a descrença nas instituições públicas a
par da sistem ática arbitrariedade na contenção repressiva da or­
dem pública.
Para reverter esse quadro, foi formulado e estava sendo im ­
plementado considerável número de projetos cujo eixo residia no
tripé: diagnóstico, planejamento e reform a gerencial, algo inspirado
na reform a do Departamento de Polícia de Nova York, em meados
dos anos de 1990. EJaborou-se agenda positiva, pró-ativa, ambicio­
sa, de iniciativas que atacava de vez todas as frentes de batalha, não
deixando quaisquer flancos abertos. Tratava-se de um programa
que articulava múltiplas operações de policiamento, de prestação
de serviços de segurança e de proteção legal, materializadas em
projetos vários, o mais notável a Delegacia Legal, um modelo de
eficiência operativa a ser perseguido.
Por mais ambicioso que fosse o program a, não há como
deixar de reconhecer sua inventividade e ousadia. Tivesse pros­
perado, certam ente se constituiria em modelo de política nacio­
nal de segurança. Por que então abortou cedo?
Toda interpretação é sempre uma entre tantas possíveis. As
razões apresentadas por Luiz Eduardo podem ser confrontadas
com outras. E certo que sua demissão vinha sendo anunciada —
quando menos, urdida nos corredores das agências de controle
repressivo da ordem - desde os primórdios do governo Garotinho.
De fato, à medida em que os projetos iam sendo implementados,
ganhavam visibilidade pública e relativa aceitação junto à mídia,
poderosos interesses corporativos — desde negócios até concep­
ções distintas de lei e ordem, incrustados nas agências policiais —
iam sendo enfrentados e corriam o risco de amargar uma das mais
contundentes fraturas de alianças corporativas na história política
recente. E certo também que a ambição política do governador em
apresentar-se como candidato de centro esquerda às eleições presi­
denciais de 2002 desempenhou papel decisivo.
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 291

O cientista Luiz Eduardo estava convencido de que, para


fazer avançar a política de segurança, para im por sua “superiori­
dade civilizatória” era necessário um com bate destrutivo ao con­
servadorism o e tudo o que ele simbolizava. A proporção em que
im plem entava seus projetos e aumentava o alcance de suas ini­
ciativas, deixava-se contaminar por uma certa dose de “messianismo
reform ista”, nutrido por uma fé na missão civilizatória do progra­
ma de ação governam ental, de que sequer escaparam exageros
como a proposta de anistia penal para os jovens recém alçados
ao narcotráfico —o que certamente ensejaria anistia para os poli­
ciais corruptos —ou ainda a proposta de batalhões sociais, verda­
deiro estado social no interior do aparelho de Estado, o que
levaria a atrelar todas as políticas sociais à política de segurança,
instigando conflitos para além das fronteiras da lei e da ordem.
Esse não era necessariamente o horizonte político do go­
vernador Garotinho. D iz-se que a ambição política cega. Talvez
obscureça o cam inho em direção à verdade. Bem ou m al, o
governador pareceu mais adepto da “guerra de posições” do que
da reform a radical. O program a formulado e implementado por
Luiz Eduardo confrontava infindáveis interesses fragmentários,
dispersos no aparelho repressivo de Estado. Porém, como os
atacava de vez e todos na mesma sintonia, estim ulou reações em
cadeia, aqui e acolá, que enfraqueceram seu poder e sua ascen­
dência sobre o governador. Aliás, em não poucas oportunidades,
Garotinho o advertiu: vá com calma, evite introduzir todas as
reform as de um a só vez. Duas racionalidades em rota de colisão
resultaram no patético episódio da demissão “pública” anunciada
diretam ente pelas ondas da mídia eletrônica.

Lei e O rd e m Versus D ir e ito s H u m a n o s

O livro é, em grande parte, um inventário dos impasses, para­


doxos, das ambivalências, das vacilações, dos avanços e recuos na
292 SÉRG IO ADORNO

história das políticas públicas de segurança, não apenas no Estado


do Rio de Janeiro, mas certamente em todo o país, nos úldmos
quarenta ou cinqüenta anos. Um dos maiores desafios reside justa­
mente em compatibilizar o respeito aos direitos humanos e as de­
mandas por maior eficiência policial, uma das dimensões pelas quais
o problema da lei e da ordem se apresenta em nossa sociedade.
Segundo Soares, aqui se manifestam por excelência os em ba­
tes entre a direita e a esquerda brasileiras. Reportando-se ao estudo
anteriormente citado (Soares e outros, 1996), Soares agrupa o con­
junto de representações em dois pólos opostos: por um lado, ali-
nham-se representações populares que reputam ao crescimento da
violência e dos crimes origens religiosas ou morais. Supõem solu­
ções que contemplam desde a redenção messiânica diante da pala­
vra de Deus quanto esterilização de mulheres faveladas; fuzilamento
de bandidos, se possível sob transmissão direta pela TV; extinção
da Justiça e de seus morosos mecanismos de julgamento que deve­
riam ser substituídos por instrumentos rápidos, imediatos e de pre­
ferência que resultem na execução do réu. Por outro, alinham-se
representações que atribuem uma causalidade socioeconômico ao
crescimento dos crimes e da violência em geral.
Direita e esquerda movimentam-se entre esses estreitos li­
mites. A direita, procurando fazer eco às representações religio­
sas e morais, propõe um endurecimento na aplicação da lei e da
ordem, proposta que assimila, como sempre, velhas fórmulas já
desgastadas que incluem, entre outras medidas, contratação de
novos policiais e modernização de equipam entos, mediante com ­
pra de arm as estrangeiras, por exemplo. Se essas medidas têm
logrado estreitar os laços de segmentos conservadores com am ­
plas parcelas da sociedade brasileira, não têm logrado definir e
aplicar políticas conseqüentes, estáveis no tempo e eficientes.

N a p r á t ic a , a o lo n g o d a s d é c a d a s e m q u e v ê m e x e r c e n d o su a
h e g e m o n ia , tê m s e lim ita d o a c e r c a r o s b a irro s p o p u la re s c o m u m a e s p é c ie
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA VIO LÊ N CIA. 293

d e c o r d ã o s a n itá r io re p re s s iv o , la n ç a n d o a p o líc ia c o m o c ã e s s o b r e o s
p o b re s e p ro te g e n d o as á re a s n o b re s d a c id a d e (S o a re s , 2 0 0 0 : 45).

Em outras palavras, para a direita conservadora a reivindi­


cação de lei e ordem , na m elhor das hipóteses, não contempla os
direitos humanos.
Em contrapartida, a esquerda entende que o crescimento do
crime e da violência é efeito de grandes problemas econômicos e
sociais que, não resolvidos, contribuem para que as políticas de
segurança somente possam repetir as velhas fórmulas. Enquanto
não houver substantivas mudanças estruturais que afetem radical­
mente os tradicionais estrangulamentos no que concerne à distri­
buição das riquezas e à concentração das desigualdades sociais não
há muito o que fazer, exceto denunciar os abusos escandalosos. O
problema torna-se dramático justamente quando as esquerdas che­
gam ao poder e devem não apenas formular políticas de segurança,
mas sobretudo implementá-las. Neste caso, não basta subscreverem
compromissos com princípios universais pertinentes ao ideário dos
direitos humanos e do igualitarismo democrático. É preciso operar
leis e regulamentos, gerenciar conflitos institucionais locais, inves­
tir em recursos profissionais e materiais adequados à agenda de
demandas e ao program a de governo proposto. No entanto, como
fazê-lo se, para as esquerdas, o problema da lei e da ordem está
atrelado ã consolidação prévia de uma política de proteção aos
direitos humanos?
Como se sabe, esse argumento apóia-se sobretudo na expe­
riência histórica do Ocidente, cujas democracias foram erguidas em
torno de um modelo contratual que inicialmente privilegiava os
direitos individuais e políticos, os quais, uma vez conquistados,
serviram de alavanca para a conquista dos direitos económicos e
sociais e, mais recentemente, para a conquista dos direitos coleti­
vos, completando-se assim o ciclo contemporâneo dos direitos
humanos. Certo ou não, trata-se de uma questão em aberto cujo
294 SÉRG IO AD O RNO

peso não é desprezível, porém cujo alcance, desconhecido, certa­


mente não é suficiente para explicitar os dilemas e os impasses
suscitados pelas relações entre direitos humanos e segurança.
No campo da segurança pública, os governos de esquerda
tendem a priorizar um tema caro e vital para os direitos humanos.
Os abusos de poder cometidos por autoridades públicas no exer­
cício de suas atribuições legais de contenção do crim e e da
violência. N essa medida, a m aior parte das iniciativas procura
proteger o cid a d ã o c o m u m co n tra ev en tu a is arbitrariedades c o ­
m etid a s pelo poder público. Trata-se, evidentem ente, de uma
peça im portante no tabuleiro da segurança pública. Porém, não
suficiente. É certo que é desejável coibir as graves violações de
direitos humanos cometidas por agentes policiais como requisito
de pacificação social. No entanto, como fica o outro lado da
questão? Como enfrentar o crescimento da criminalidade? Como
enfrentar o envolvim ento crescente de jovens no tráfico de dro­
gas, constituindo precoces carreiras no mundo da delinqüência?
Enfim como deter a onda crescente de violência urbana, em
especial as taxas assustadoras de homicídios cujas vítim as prefe­
renciais são jovens?
Bem, esses são problemas que m elhor devem ser respondi­
dos pelas agências encarregadas de repressão do crime e de
contenção da ordem pública. Neste domínio, a tradição é outra,
o legado autoritário ainda é forte e presente, tudo se resume a
estratégias, táticas, equipamentos e knoip-how modernos. Neste
domínio, os lobbies constituídos em torno de representantes com
mandato legislativo são atuantes e evitam , o quanto podem , m u­
danças radicais que promovam um deslocamento acentuado do
eixo da segurança pública em direção ao efetivo controle do
governo civil sobre o aparato repressivo de Estado.
Em seu livro, Soares reputa ser possível com padbilizar o
respeito aos direitos humanos com lei e ordem. Ele acredita ser
possível construir uma “terceira via entre a truculência seletiva
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 295

da direita e o denuncism o abúJico da esquerda” (p. 48). Para


tanto, é preciso alcançar, entre outros objetivos, um modelo de
polícia que alie eficiência com o respeito às leis que protegem os
direitos do cidadão, em particular o direito à segurança. D aí o
imperativo de

1-..] v a lo r iz a ç ã o d a s in s titu iç õ e s p o lic ia is , c o m o p ro te to ra s d a v id a e d a


lib e rd a d e e p r o m o to r a s d o d ir e ito d e to d o s a u m a v id a p a c ífic a , q u e é,
a fin a l d e c o n ta s , o s ig n if ic a d o ú ltim o d a s e g u ra n ç a p ú b lic a n u m c o n te x to
v e r d a d e ira m e n te d e m o c rá tic o (p. 4 9 ).

Daí a necessidade de erradicar, da segurança pública, suas


heranças autoritárias e conservadoras. Em outras palavras, um pro­
pósito desta natureza requer um executivo estadual mais inclinado à
esquerda, mais comprometido com os ideais, as propostas e a agenda
da esquerda. Ora, considerando o feixe de forças e alianças que
sustentam o governo G arotinho, em especial suas bases no
legislativo estadual, caberia duvidar, desde o início, que a herança
autoritária e conservadora pudesse ser sepultada de vez das políti­
cas públicas de segurança no Estado do Rio de Janeiro.
O utra alternativa não restava senão investir todos os esfor­
ços em substantivos e radicais investimentos na modernização da
gestão administrativa, no aperfeiçoamento profissional e na racio­
nalização das rotinas policiais, tudo com o propósito de desesta-
bilizar as velhas fórmulas burocráticas e de policiamento, pertur­
bar a eficácia do saber organizacional e das culturas policiais,
desm ontar nichos descentralizados de poder que contribuem para
desgastar rapidamente propostas inovadoras. O ra, por mais dese­
jáveis que fossem essas diretrizes de modernização e aperfeiçoa­
mento, a política de segurança tout court acaba se limitando a um
problema de gestão adm inistrativa que pode avançar até onde
não altere as relações de forças constituídas, mais propriamente
as relações de identidade e solidariedade entre segm entos das
296 SÉRG IO AD O RNO

forças policiais e segmentos da classe política conservadora. O


resultado mais paradoxal é uma espécie de inversão não cogitada:
a busca de eficiência técnica e adm inistrativa acaba por priorizar
lei e ordem em detrimento de direitos humanos8. Repete-se, aqui,
uma vez mais, a velha fórm ula liberal: é preciso m udar para
conservar.

A S o cied ad e B rasile ira e o M ono pólio Estatal da V iolência

No contexto desse processo civilizatório ocidental, a socieda­


de brasileira também conheceu acentuada modernização de suas
estruturas sociais. D esde o último quartel do século XIX, os des­
dobramentos econômico-sociais da cafeicultura no Oeste paulista
já apontavam para decisivas transformações, quais sejam: superação
da propriedade escrava, formação do mercado de trabalho livre,
industrialização e urbanização, mudanças nas bases do poder políti­
co de que resultou a substituição da monarquia pela forma republi­
cana de governo, a instauração de um novo pacto constitucional
que formalmente consagrava direitos civis e políticos e instituía um
modelo liberal-democrático de poder político.
Esse conjunto de mudanças ocorreu em menos de um sé­
culo. Inspiradas pelo processo dem ocrático em curso em algu­
mas sociedades do mundo ocidental capitalista, essas transform a­
ções não foram assimiladas pelas práticas políticas e sequer pela
sociedade. As garantias constitucionais e os direitos civis e p o lí­
ticos perm aneceram , tal como na form a de governo m onárquica,
restritos à órbita das elites proprietárias. Estabeleceu-se uma sor­
te de “cidadania regulada” (Santos, 1979), que excluía dos d irei­
tos de participação e de representação políticas a m aior parte d a

8. D e ce rto m o d o , a p ercep ção d esses im p asses, sob a ó tica do lib e ra lism o


p o lítico , já h av ia sid o a n o ta d a p o r D ah re n d o rf, no cap ítulo 2 d e Law a n d
O rder( 1985).
MO N O PÓ LIO ESTATAL DA VIO LÊ N CIA .. 297

população brasileira, constituída de trabalhadores do campo e


das cidades, de baixa renda, situados nos estratos inferiores da
hierarquia ocupacional bem como carentes de direitos sociais.
Subjugado pela vontade das elites proprietárias, esse contingente
de “não-cidadãos” foi violentam ente reprimido todas as vezes
em que se rebelou e jam ais teve assegurados seus direitos hum a­
nos. A violência, seja com o repressão ou reação, m ediou a histó­
ria social e política desses sujeitos.
Certam ente, um dos maiores desafios do controle dem ocrá­
tico da violência e, por conseguinte, da instauração do Estado de
direito nesta sociedade reside no monopólio estatal de violência
física legítima. Esse desafio apresenta-se sob dupla tarefa: por
um lado, efetivo controle por parte quier da sociedade civil orga­
nizada quer do governo civil das forças repressivas de Estado.
Para o controle da ordem pública im põe-se certam ente lei e
ordem; porém, sem abdicar da responsabilidade pública e institu­
cional que recom enda sejam respeitados os direitos dos cidadãos
e não haja abusos de poder de qualquer espécie desencadeados
por quem quer que ocupe função pública, em especial agentes
encarregados de aplicar as leis penais. Por outro, efetivo controle
da violência endêm ica na sociedade civil que faz com que a
vontade do mais forte se imponha pelo recurso à força física, em
parücular com emprego de armas. Tem-se em vista notadamente
a guerra entre quadrilhas pelo controle do tráfico de drogas.
Em seu livro, Soares detém -se na análise de ambas as di­
mensões. Prim eiram ente, por meio de um detido relato das ten­
sões que marcavam o cotidiano de sua Subsecretaria de Pesquisa
e Cidadania, da Secretaria de Segurança Pública do Estado do
Rio de Janeiro. N esse relato, destacam -se sobretudo os embates
entre o com ando da Polícia M ilitar e as diretrizes civis que
estavam sendo implementadas, embates exacerbados por ocasião
da prom oção, pelo Secretário de Segurança, de um oficial cuja
presença no sta ff governamental com prom etia as políticas que
298 SÉRG IO ADORNO

Soares pretendia convencer ao governador im plem entar. Ao


enfrentá-los, Soares deu-se conta da existência de duas linhas de
oposição às suas propostas de m odernização tecnológica e
gerencial, de m oralização das atividades policiais e de participa-
ção comunitária.
Por um lado, uma linha mais ideológica que suspeitava da
legidm idade e alcance daquelas iniciativas. Reunia-se em torno
do Secretário de Segurança e seus auxiliares mais próximos. A rti­
culada com alguns setores “duros” quer da polícia militar quer
da civil bem como com deputados, em parte procedentes da
aliança de sustentação do governo estadual, procurava conquis­
tar ascendência sobre o governador e influenciar a nomeação de
oficiais e de delegados para postos chaves de comando. Como
tal, m anifestavam fortes traços de com portamento corporativo.
Por outro, um bloco, que Soares nomeia de “selvagem ”, que

[...] se o rg a n iz a v a à s o m b r a d as in s titu iç õ e s e u s a v a m é to d o s c rim in o s o s .


T in h a o o b je tiv o d e d e s e s ta b iliz a r n o s s a p o lític a d e s e g u ra n ç a , m a s e s ta v a
d is p o s ta a d e r r u b a r o q u e e s ta v a p e la fre n te , in c lu s iv e o s e c re tá r io e su a
e q u ip e p a ra im p e d ir a r e fo r m a d a s p o líc ia s (p. 2 0 2 ).

No relato minucioso, deixa-se entrever as vacilações do go ­


verno estadual em pender a balança ora do lado das propostas
inovadoras, ora do lado das demandas corporativas. Avanços con­
quistados de um lado eram neutralizados pelo outro, em momento
subseqüente. O modelo de gestão dos conflitos estava assentado
na permanente guerra de posições, a respeito do qual os opositores
eram sábios e experientes. Embora formalmente chefe das forças
repressivas a quem devem prestar obediência constitucional, desa­
venças sérias podem comprometer o equilíbrio formal entre gover­
no civil e policiais, desestabilizando politicamente o poder executi­
vo. Evitar chegar a esses limites foi tarefa a que se dedicou o chefe
do executivo. Não sem motivo, no calor das tensões, o governador
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA. 299

Garotinho recomendou a Soares que mantivesse paciência e aguar­


dasse os rumos da reform a do Estado, quando então um novo
desenho institucional estabeleceria uma nova divisão de trabalho e
poder entre as subsecretarias. Esses embates e seus desdobramen­
tos revelam que o governo civil não tinha, de fato, o monopólio de
poder estatal sobre as forças repressivas. Os inúmeros episódios de
desmandos policiais são bastante ilustrativos desse controle parcial.
Do lado da sociedade civil, a presença do tráfico de drogas
no cotidiano das classes populares é também outro elemento
dissuasivo do monopólio estatal da violência. Soares reconhece
que o tráfico de drogas e o tráfico de armas, interligados, prom o­
vem profundos desarranjos na sociedade brasileira. Daí que

[...] r e fo r m a n d o as p o líc ia s e c o n tro la n d o o c o m p o r ta m e n to d o s p o lic ia is ,


r e s o lv e -s e m e ta d e d o s p r o b le m a s d e s e g u r a n ç a d a s c o m u n id a d e s d a s c o ­
m u n id a d e s fa v e la d a s e d o s b a irro s p o b re s - to d a a q u e la p a r te q u e re su lta
d a c o rr u p ç ã o , d a c u m p lic id a d e c o m o c r im e e d a b r u ta lid a d e d o s p o lic ia is .
M as re sta a o u tr a m e ta d e : a tir a n ia d o trá fic o . N ã o b a s ta liv ra r a s c o m u n i­
d a d e s d o d e s p o tis m o d a p o líc ia . E u rg e n te liv rá -la s d a tira n ia d o s tr a fic a n ­
te s (p. 2 6 7 ).

Soares identifica treze razões pelas quais tráfico de armas e de


drogas constituem as mais perversas dinâmicas criminais no Brasil,
entre as quais: o elevado número de mortes; a desorganização da
vida associativa e política das comunidades; o regime despótico
imposto às favelas e aos bairros populares; o recrutamento de
crianças e adolescentes cuja vida é prematuramente comprometida;
a disseminação de valores belicistas contrários ao universalismo
democrático e do cidadão; a degradação da lealdade comunitária
tradicional; o fortalecimento do patriarcalismo, da homofobia e da
misoginia; o entrelaçamento com os crimes do “colarinho branco” e
com outras modalidades criminosas (pp. 267-277). Em uma palavra,
o tráfico de drogas substitui a autoridade moral das instituições
sociais regulares pelo caráter despótico e/ou tirânico das regras
300 SÉRG IO AD O RNO

ditadas pelos criminosos. Ao fazê-lo, im põe sérios obstáculos ao


monopólio estatal da violência.
Para Soares, uma política de segurança que se pretenda eficaz
deve enfrentar com competência a tirania do tráfico de drogas por
meio de uma abordagem consistente capaz de promover avanços
concretos. Essa abordagem supõe, por um lado, um esforço no
sentido de atendimento das principais demandas da população, por
meio da mobilização de articulação das políticas sociais, simboliza­
das, por exemplo, no programa “Mutirão pela Paz”. Por outro,
supõe o recurso às intervenções policiais repressivas. Neste dom í­
nio, Soares é bastante cauteloso. Examina com acuidade as distintas
modalidades de intervenção, seu alcance e eficácia, sua pertinência
ou oportunidade; enfim, os efeitos que podem produzir ações tão
distintas como sejam incursões para prisão de traficantes, incursões
para intervir em conflitos armados entre grupos de traficantes,
incursões para ocupação de territórios.
Aqui se situa justamente um dos mais sérios im passes ao
monopólio estatal da violência. Se, para conter a violência do
tráfico é preciso reprim i-lo, não raro com em prego de força
repressiva igualm ente violenta, como estabelecer os limites entre
o uso adequado e necessário para conter o crime organizado e o
uso abusivo? Como assegurar que, para resgatar o monopólio
estatal da violência fraturado pela ação dos grupos de traficantes
não se esteja, por essa via, abrindo mão do controle civil sobre
as forças repressivas, este igualm ente um requisito fundamental
do mesmo m onopólio? Se considerarmos, como o próprio Soares
aponta em seu livro, o círculo vicioso que alimenta reciproca­
mente crime, violência, repressão, segurança, corrupção, crime,
como fraturá-lo? Se considerarm os, dado o quadro político con­
siderado, que o governo civil revela dificuldades em se im por ao
corporativismo policial (quer civil, quer militar) e que evita en­
frentar as forças conservadoras, com receio inclusive de desesta-
bilizar as alianças políticas de sustentação a seu governo, como
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 301

conter efetivam ente as oportunidades de intervenção policial


abusiva? N unca é demais lem brar o caráter espetacular e o apelo
mediático dessas incursões policiais que estimulam desejos cole­
tivos de Estado forte e de governo enérgico no controle da
segurança pública.

0 P ro b le m a da L egitimidade

Por fim, o problema da legitimidade das instituições encar­


regadas de aplicação das leis penais. Uma série de problemas
relacionados ã form ulação e à im plem entação de políticas de
segurança e justiça afetam a eficiência das agências encarregadas
de conter a violência dentro dos marcos da legalidade dem ocráti­
ca. A baixa eficiência dessas agências — especialmente das polí­
cias militar e civis em prevenir crimes e investigar ocorrências, e
de todo o segmento judicial (ministério público e tribunais de
justiça) cm punir agressores —, associada aos tradicionais obstá­
culos enfrentados pelo cidadão comum no acesso à justiça aca­
bam estim u la n d o a a d o çã o d e s o lu ç õ e s privadas para conflitos de
ordem social (como os linchamentos e as execuções sumárias)
bem como contribuindo para a exacerbação do sentimento cie
medo e insegurança coletivos. A medida que esse circulo vicioso
é mais e mais alimentado, cresce a perda de confiança nessas
instituições de justiça e nos agentes responsáveis por sua distri­
buição e execução.
Paradoxalmente, parte dos cidadãos —especialmente proce­
dentes de setores conservadores das classes médias e altas como
também de segmentos das classes trabalhadoras - reage a estes
problemas recusando políticas públicas identificadas com a prote­
ção dos direitos humanos. Em contrapartida, reclama por mais e
maior punição, mesmo que, para garanti-la, seja necessário conferir
maior liberdade de ação às agências e aos agentes encarregados da
m a n u ten çã o da o r d e m pública, independentemente de constrangi­
302 SÉRG IO ADORNO

mentos legais. Não sem razão, vimos assistindo, nas duas últimas
décadas, a manifestações coletivas de obsessivo desejo punitivo
que contemplam punição sem julgamento, pena de morte, violência
institucional, leis draconianas de controle da violência e do crime.
Em outras palavras, em nome da lei e da ordem, propõe-se justa­
mente controle social carente de legalidade.
Soares aborda também esta questão em seu livro ao tratar
da violência policial e da corrupção.

[...] a s s im c o m o a c o r r u p ç ã o e a v io lê n c ia p o lic ia is d e g r a d a m a s in s titu i­


ç õ e s p ú b lic a s e s u b tra e m le g itim id a d e d a in s titu c io n a lid a d e p o lític a d e m o ­
c r á tic a , a re v e rs ã o d e e x p e c ta tiv a s re s titu iria r e s p e ito e le g itim id a d e . O s
fo rm a d o re s d e o p in iã o , a s c la s s e s m é d ia s e a s e lite s d is c u te m m u ito a
d e m o c ra c ia , s e u s lim ite s , a n e c e s s id a d e d e su a c o n s o lid a ç ã o e o a p r o fu n ­
d a m e n to a tra v é s d a e x te n s ã o d o s b e n e fíc io s d a c id a d a n ia a o s q u e p e r m a ­
n e c e m e x c lu íd o s , m a s te n d e m a d e s p re z a r a p o líc ia . C o m o se “ p o líc ia ” n ão
fo s s e te m a n o b re , d ig n o d e a te n ç ã o , c o m o s ã o a e c o n o m ia , a p o lític a o u as
re la ç õ e s in te rn a c io n a is (p. 2 4 3 ).

Como indica Soares, a experiência internacional indica que a


melhoria dos serviços policiais, bem como o controle rigoroso
da impunidade, quer nos casos de envolvimento de policiais com
o crim e, quer com a corrupção ou com o uso abusivo da força
física, contribuem para reduzir as taxas de subnotificação dos
registros de crime, para aproximar o cidadão das agências poli­
ciais e para agilizar as investigações. Esse círculo vicioso deve,
portanto, aumentar a confiança dos cidadãos na polícia e conferir
legitim idade às instituições de controle da ordem pública.
Soares indica, em decorrência, sua fórmula para atacar essa
questão, composta de três ingredientes: moralização institucional;
tecnologia e modernização do aparelho policial; e agilização das
investigações. Aparentemente simples, o programa envolve, em ver­
dade, o enfrentamento de fortes obstáculos políticos e administrati­
vos. Em primeiro lugar, a moralização institucional envolve uma
MO N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 303

política agressiva de com bate e de controle da corrupção que


contempla múltiplas medidas, desde a punição rigorosa dos agentes
envolvidos até o recrutamento de novos quadros de policiais, cuja
formação ética os torne quase imunes aos apelos financeiros ofere­
cidos pelo mercado ilegal de drogas, de arm as e do crime em geral.
Como se sabe, nenhum dos governos civis desde a redemocratiza-
ção do país se aventurou decisivamente nessa seara, mesmo porque
sabem que intervir nesse domínio é atravessar poderosos interes­
ses que, embora incrustados no aparelho policial, nele n ã o s e res­
tringem , abrangendo uma extensa e densa rede de atores sociais. As
recentes CPIs da corrupção e do tráfico de drogas revelaram o
quanto essa modalidade de crime organizado está enraizada de alto
a baixo na sociedade brasileira, alcançado de simples consumidores
e vendedores de drogas, a empresários e políticos profissionais.
Portanto, o próprio quadro político com suas redes e alianças pare­
ce poderoso dissuasor da moralização institucional.
Do mesmo modo, o processo de modernização e de aplica­
ção de tecnologia aos serviços e às rotinas policiais enseja inter­
venção governamental em área igualm ente sensível: a de produ­
ção de informações. Sabe-se o quanto policiais, quer civis quer
militares, são ciosos desse monopólio. Argumentam, com fre­
qüência, o caráter sigiloso das investigações para evitar transpa­
rência e acesso público. Em verdade, sabem também o quanto o
controle público das informações retira-lhes autonomia e se presta
a uma sorte de accountability da atividade policial, desestabilizando
as práticas convencionais de policiamento repressivo e das fun­
ções judiciais da atividade policial. No limite, esse controle pú­
blico afeta os interesses locais, em particular os negócios entre
policiais e bandidos.
justam ente, a melhoria das investigações esbarra no terreno da
autonomia dos agentes policiais. Como se sabe, policiais civis se
recusam consensualmente ao controle externo de suas atividades,
em particular por meio do acompanhamento dos inquéritos policiais
304 SÉRG IO ADORNO

por parte do Ministério Público. Essa recusa tem sido fundada no


peso histórico de nossa cultura jurídica, notadamente a influência
das tradições inquisitoriais que marcam o direito penal brasileiro.
Estudos demonstraram o quanto o inquérito policial é lugar de
arbítrio e de abuso de poder. A ausência de controles faculta às
autoridades policiais ampla discricionariedade na seleção das ocor­
rências que podem ser objeto dos mais distintos interesses. Por
conseguinte, aqui também, intervir nessa seara não é desafio de
somenos importância. As possibilidades de êxito são reduzidas,
porque também limitadas pelo quadro político que sustenta as polí­
ticas de segurança. A tarefa de aumentar a confiança das instituições
encarregadas de aplicar leis penais, sobretudo as agências policiais
e, conseqüentemente, conferir legitimidade à institucionalidade de­
mocrática, encontra poderosos óbices que não podem ser enfrenta­
dos tendo em vista as conexões políticas indicadas e, inclusive,
largamente reconhecidas por Soares.

* * *

Como se vê, parte da reflexão brasileira sobre o im pacto da


violência nesta sociedade é tributária das tradições ocidentais
que dominaram a sociologia política ao longo do século passado.
Na obra de Soares, o tema do monopólio estatal da violência é
central, pois que requisito não apenas da soberania do Estado de
direito; mais do que isto, exigência de consolidação do modelo
dem ocrático de sociedade e de poder político. Tal com o sugeri­
do na tradição weberiana, Soares tam bém estabelece relações
entre poder, legitim idade e dominação. Sugere o quanto as singu­
laridades da sociedade e da cultura no Brasil recortem o campo
da legitimidade política, em especial a crença dos cidadãos em
suas instituições encarregadas de promover direitos hum anos e
simultaneamente assegurar lei e ordem, difícil equação em uma
sociedade - como a brasileira - que desconfia de suas diferenças
M O N O PÓ LIO ESTATAL DA V IO LÊ N CIA ... 305

e lida, não raramente, de modo autoritário com os esforços de


m udança radical e conseqüente. Pode-se dizer que Soares reco­
nhece o peso da tradição ocidental sobre as instituições brasilei­
ras de controle social, porém reconhece igualm ente as alternati­
vas de mudança que se apresentam sempre que os conflitos se
tornam mais agudos e a violência aparece como imperativa.
Mas, aqui também reside um de seus paradoxos. Por um lado,
é preciso concluir as tarefas a que se propõe o Estado moderno,
qual seja, assegurar o monopólio estatal da violência. No Brasil,
esta tarefa está inconcíusa - tal como a democracia? — haja vista a
sobrevivência de traços tradicionais no desempenho das agências
encarregadas do controle repressivo dos crimes. Vide, a respeito, a
aguda análise do funcionamento regular das delegacias de polícia
civil —razão de sua proposta de criação da delegacia legal (nomea­
ção cuja ambigüidade tem sua razão de ser) — ou mesmo suas
apuradas observações sobre o comportamento corporativo da polí­
cia militar. Ao mesmo tempo, é preciso enfrentar as novas tarefas
propostas pelo crime organizado, estar à frente dos acontecimentos,
surpreender os delinqüentes, o que supõe antes de tudo compro­
misso inexorável com a coisa pública e uma boa dose de eficiência
administrativa. Contrapor o peso do passado com as tarefas do
futuro requer intervir no conflito de forças políticas, na rede de
relações que entrelaça empresários, políticos profissionais, mídia e
agentes da lei. Significa antes de tudo redesenhar o espectro de
relações sociais que sustém a vida democrática no Brasil. Certa­
mente, o livro de Soares indica que o monopólio estatal da violên­
cia continua sendo uma questão atual para a contemporaneidade
brasileira. No entanto, não há como enfrentá-lo nos termos do
passado. Aqui também a emergência do policiamento comunitário,
da expansão dos serviços de segurança pública e da internacionali­
zação das polícias conspiram secretamente contra o monopólio,
embora certamente os processos sociais guardem singularidades
ante o que se passa hoje na América do Norte e nos Estados
306 SÉRG IO ADORNO

Unidos, cujas democracias se encontram consolidadas há, pelo me­


nos, um século.

R e f e r ê n c ia s B ib l io g r á f ic a s

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Parte

A g r ic u l t u r a
V eredas da Q u e stã o A g r á r ia e En ig m a s
do G rande S ertão

Afrânio Garcia Jr. e Mario Gryns^pan

Os estudos sobre as relações sociais e o imaginário característi­


cos do mundo rural brasileiro constituem um excelente material para
se analisar tanto a evolução e a diversificação das ciências sociais no
Brasil como os laços que vinculam as questões abordadas, o trata­
mento que recebem ao serem investigadas, os modelos explicativos
elaborados e as retóricas de validação dos argumentos, às mudanças
do espaço político e intelectual onde surgiram, adquiriram sentido e
passaram a ordenar debates e pesquisas. É, sem sombra de dúvidas,
um terreno fértil para se refletir sobre o que se acumulou em termos
de formulação de problemáticas e métodos, propiciando novos es­
quemas conceituais. Ademais, é também um bom revelador dos im­
passes que tolhem os avanços das ciências sociais em nosso país,
sobretudo quando se considera o peso dos debates políticos sobre os
rumos da reflexão propriamente sociológica.

G r a n d e L a v o u r a : A M a t r iz da N a c io n a l id a d e

Nos anos de 1930, como salientou Antonio Cândido (1967),


312 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRYNSZPAN

em prefácio célebre a uma nova edição de Raízes do Brasil, as inter­


pretações do Brasil, vale dizer, as concepções mesmas que definem
os marcos em que passa a ser pensada a identidade nacional, são
renovadas a partir de livros de três autores se tornaram clássicos do
pensamento social brasileiro: Gilberto Freyre com Casa-grande e
Senzala (1933), Sérgio Buarque de Holanda com Rai\es do Brasil
(1936) e Caio Prado Jr. com Formação do Brasil Contemporâneo (1942)1.
Todos esses livros buscam investigar como as matrizes sociais
ordenadoras do mundo rural do Brasil colonial, especialmente a
grande lavoura (engenhos e fazendas), incidiam diretamente sobre os
rumos da modernização do Brasil, justamente à época em que se
aceleravam os processos de urbanização, de industrialização e de
construção do Estado federal capaz de gerir os destinos da coleti­
vidade nacional. O conhecimento das hierarquias sociais e das re­
presentações mentais e simbólicas herdadas do universo colonial
apareciam, então, como um passo fundamentai para a compreensão
do leque de possibilidades dos destinos da nação.
Para Gilberto Freyre, é a poligamia de patriarcas brancos ge­
rando filhos de esposas preferencialmente brancas, mas também de
mulheres negras, índias ou mestiças, em relações mais ou menos
estáveis e duradouras, que dá origem a vastas progenituras de mes­
tiços e imprime dessa form a um perfil muito particular à morfologia
social das plantations em terras brasileiras. Muito diferente é o que
se verifica nos padrões de sexualidade e de filiação de senhores e
de escravos nas plantations de colônias anglo-saxãs dominadas pela
ética protestante e puritana, como no sul dos Estados Unidos. A

1. N esse livro, Caio Prado desenvolve com um a docum entação m ais farta e
bem elaborada o esquem a analítico que já apresentara em Evolução Política do
Brasil, publicado em 1933. N ão seria portanto anacronism o considerar os três
autores como participantes de um m esm o momento do debate intelectual.
Fernando H enrique Cardoso, à época ministro das Relações Exteriores, profe­
riu conferência no Instituto Rio Branco, form ador de novos diplomatas, sobre
esses três autores e os “livros que inventaram o Brasil” (cf. Cardoso, 1993).
VEREDAS DA Q UESTÃO A G R Á R IA .. 313

escravidão na obra de Gilberto Freyre é estudada menos como uma


relação de trabaJho do que descrita como uma matriz que possibilita
que senhores brancos se apropriem dos serviços sexuais de suas
escravas negras e índias e controlem os destinos sociais das crian­
ças assim engendradas. A distância social dos padrões de sexualida­
de e de filiação empiricamente constatáveis2 ante as normas impos­
tas pela moral católica é nítida e tal fato serve de argumento para a
afirmação de Gilberto Freyre de que durante o Brasil colônia a
in stitu ição da casa-gmnde subordinava a hierarquia religiosa, assim
como o faria também com a administração colonial. De qualquer
forma, a especificidade dos padrões de domesticidade da grande
lavoura marcou de forma indelével as formas de reprodução cor­
rentes de amplos contingentes populacionais e, conseqüentemente,
a “psicologia íntima dos brasileiros”. Note-se também que a hierar­
quia instituída no binômio casa-grande/senzala n ão desapareceria, para
Gilberto Freyre, como um simples efeito da mestiçagem: a urbani­
zação que começava a se intensificar em todo o país foi pensada em
seguida pelo binômio sobradosImucambos, recriando-se assim as dis­
tâncias sociais e as subordinações de outrora sobre novas bases. A
perenidade da hierarquia socia l designada pela oposição casa-gran­
de e senzala é destacada por Gilberto Freyre ao anunciar que o
livro lançado em 1933 é apenas o primeiro de uma trilogia: após
Sobrados e Mucambos, daria a público Jazigos e Covas Rasas. Positiva­
mente, o interesse pela miscigenação não conduziu este autor a
negar o primado da hierarquia social para compreender as modali­
dades de evolução da sociedade brasileira (cf. o prefácio à primeira
edição).
Sérgio Buarque de Holanda também explora a gênese da
“psicologia íntim a dos brasileiros” por meio do estudo da híerar-

2. E notório o uso de m ateriais historiográficos inovadores para a época em que


a obra foi escrita, com o o estudo de testam entos, inventários, autos de p ro ­
cessos crim inais, a u to s de inquisição etc.
314 AFRÁN IO G ARCIA JR . E M ARIO GRYNSZPAN

quia escravista do grande domínio rural, mas a sua reflexão está


centrada sobre os dilem as enfrentados no processo de constru­
ção do Estado moderno. Os descendentes de senhores de escra­
vos pareciam estar submetidos apenas às suas próprias paixões,
suas vontades não tendo como freios norm as transcendentes
como as leis im pessoais características dos Estados m odernos3.
Assim, os homens cordiais constituem obstáculos para a im planta­
ção da dem ocracia como forma de institucionalização do espaço
público. Sérgio Buarque usou a expressão homem cordial em seu
sentido etimológico, homens de coração, dominados pelo órgão
que sediaria as paixões humanas. Em outros termos, são aqueles
que fazem predom inar a paixão sobre a razão. O primado da
razão, ao contrário, perm itiria integrar as vontades de outras pes­
soas como condicionantes de seus próprios atos; a razão faz uso
de normas transcendentes aos indivíduos e também das expecta­
tivas dos com portamentos prováveis dos outros parceiros nos
diversos jogos sociais. A construção do espaço público onde se

3. Estas observações de Sérgio Buarque de H olanda, diretam ente inspiradas na


obra dc M ax W cbcr, não deixam de guardar um a proxim idade surpreendente
com as análises feitas, m ais ou menos à m esm a época, por N orbert Elias
sobre o processo civilizatório e a relação entre o autocontrole das em oções e
a curialização dos guerreiros dentro da sociedade de corte (cf. Elias, 1987; 1993).
N ão há, porém , nenhum a evidência histórica de que Sérgio Buarque dvesse
conhecim ento da reflexão de discípulos de W eber que, com o ele, se preocu­
pavam com antídotos à ascensão do autoritarism o nazista que com eçava a
ganhar terreno. A viagem à Alem anha, em início dos anos de 1930, com o
correspondente de jornal, permitiu que Sérgio Buarque observasse a ascensão
dos nazistas ao poder através de mobilizações políticas e de vitórias eleitorais.
O Estado autoritário saía, então, das entranhas do Estado liberal. O bservou
que o caráter dem ocrádco do Estado m oderno depende tanto de insdtuições
assegurando liberdades públicas, quanto da com posição social c cultural das
lideranças políücas. D ecorre daí seu interesse profundo pelas origens históri­
cas dos padrões de sociabilidade e de com portam ento polídco, pois o passa­
do colonial ibérico não constituiria solo fértil onde a construção de um Brasil
dem ocrádco pudesse deitar raízes (cf. Barbosa, 1988).
VEREDAS DA Q U ESTÃO AG RÁRIA.. 315

forjam as decisões coledvas por meio de debates e confrontos


de pontos de vista exigiria o primado da razão. Foi Cassiano
Ricardo, para acalentar o nacionalismo cultural empreendido por
Vargas durante o Estado Novo, que tentou, com relativo suces­
so, como se percebe hoje, tomar o uso da expressão homem cordial
como prova de um temperamento cordato e avesso ao conflito4.
Para Sérgio Buarque é a dominância dos homens cordiais que impõe
que a construção do Estado moderno se faça sob a form a de
uma ruptura com o passado5. O entendimento das modalidades do
exercício do mando no passado perm ite vislum brar os desafios a
serem enfrentados no presente para a adoção da convivência
política democrática.
j á para Caio Prado Jr., a adoção de uma perspectiva marxista
implicou a análise dos movimentos da grande lavoura como ligados
fundamentalmente à exportação de bens agrícolas e matérias-pri­
mas coloniais para os centros europeus, e que constituíam, por
conseguinte, grandes obstáculos à industrialização do país e a todo
o processo de desenvolvimento econômico, social e político a ela
relacionado. A organização produtiva e os circuitos comerciais fo­
ram estruturados de modo que à formação social brasileira caberia
sempre um papel subordinado na divisão internacional do trabalho,
ou seja, a emancipação do Brasil contemporâneo encontrava o seu
limite na herança do Brasil colonial. A superação desse limite supu­
nha processos de tal magnitude que somente poderiam ser engen­
drados por uma revolução nacional, que teria na questão agrária um
dos eixos centrais6. A análise de Caio Prado Jr. desloca o foco de

4. Cf. capítulo V sobre o homem cordial e o apêndice à 3a edição, de 1956, revista


pelo autor, intitulado “Variações sobre o hom em cordial”.
5. Cf. capítulo V II, intitulado “N ossa Revolução”.
6. N ote-se que as m udanças políticas e culturais denom inadas de “revolução
nacional” de m odo algum são exclusivas da corrente m arxista, uma vez que
os tenentistas dela fizeram largo uso e, sem dúvida algum a, o prestígio desta
expressão desde os anos de 1920 e 1930 explica por que o golpe de 1964 foi
316 A FRÂ N IO G ARCIA JR . E M ARIO GRYNSZPAN

atenção dos padrões de sociabilidade na vida familiar (sexualidade,


alianças, filiação) e do exercício do mando no domínio público para
os circuitos especificamente econômicos, sobretudo nas esferas da
produção e da circulação de bens. A simples leitura da bibliografia
característica dos anos de 1950, 1960 e 1970 mostra como a pers­
pectiva econômica se tornou dominante para a análise do legado da
grande lavoura. A dominância do marxismo, a partir dos anos de 1950,
esteve intimamente relacionada à orientação metodológica de con­
siderar a infra-estrutura econômica um princípio “dominante em
última instância” . Não seria o caso aqui de desenvolver esta idéia,
mas cabe indicar que a hegemonia do pensamento marxista durante
essas três décadas se vincula à construção da economia nacional
como uma questão central dos debates intelectuais e ao surgimento
dos economistas como grupo profissional de destaque no seio das
elites dirigentes (Loureiro, 1997).
Verifica-se assim que, para esses três autores, a análise do
mundo rural de m odo algum encontra-se desligada dos proces­
sos que incidem sobre o conjunto da form ação social e particu­
larm ente sobre os modos de construção do espaço público. O
mundo rural é parte fundamental deste processo, mas seu co­
nhecimento por si só não dá a chave da mudança social por que
passa a coletividade nacional.
Além desses três autores, poderíamos verificar nos escritos
de outros contem porâneos a importância que assume a questão
dos padrões de autoridade herdados dos domínios rurais diante
do desafio para a implantação da República; tal é, seguramente, o
caso de Oliveira Viana. Como dem onstra Luiz de Castro Faria,
por meio da ação editorial de M onteiro Lobato e do grupo de O

nom eado por seus autores de revolução. N a década de 1930, o levante de


outubro tam bém foi assim batizado, da m esm a form a que o levante da frente
unificada de São Paulo, em 1932, com o seria utilizada ainda pela A liança
Libertadora N acional em 1935.
VERED AS DA QUESTÃO A G R Á R IA ... 317

Estado de São Paulo, Oliveira Viana torna-se sociólogo consagrado


desde os anos de 1920, chamando a atenção para os padrões do
jogo político no Brasil, onde a realidade brasileira moldaria as apro­
priações efedvas do arcabouço legal importado da Europa (cf.
Vianna, 1920, apud Faria, 2002). Tanto o clã como enddade políti­
ca, como o feudalismo como form a característica das interações
sociais entre participantes do universo da política, são noções
que só são especificadas pela referência constante ao mundo dos
engenhos e das fazendas de café ou de gado. O caso de Oliveira
Viana é tão m ais interessante porque constitui um mediador, por
assim dizer, entre os pensadores obcecados pela miscigenação
biológica como marco na corrida rumo à civilização e aqueles que
vão descartar a inferioridade racial do rol dos problemas perti­
nentes para a reflexão sociológica, debruçando-se unicamente
sobre os fundamentos sociais e históricos do atraso relativo do
Brasil. Ressalte-se, porém, que a preocupação de fundo socioló­
gico entre os escritores brasileiros chegou a im por a utilização
de novos materiais empíricos e a mobilização de novas referên­
cias bibliográficas internacionais, mas não alterou de forma radi­
cal o tom ensaístico das publicações dos anos de 1920 e 19307.

Q u e s t ã o A g r ã r ia e C o n stru ção do Estad o

Se as obras desses autores brasileiros representam marcos


para se pensar os destinos da nacionalidade, deve-se observar que
se intensifica nos anos de 1940 um debate, que atingirá o seu auge

7. A própria categoria pensamento social denota a diferença sintom ática ante a


expressão pensamento sociológico que passava a ser dom inante no contexto das
ciências sociais européias (cf. Karady, 1968, 1976, 1979 e 1982; Lepenies,
1990). A referência da prim eira expressão é a nação, é o conjunto de relações
sociais, de concepções, de com portam entos que estão delim itados pela
territoriaJidade do Estado. J á a segunda expressão volta-se nitidam ente para
processos universais, independentes de coordenadas de tem po e espaço.
318 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRYNSZPAN

nas décadas de 1950 e 1960, sobre o caráter feudal ou capitalista das


relações de produção no campo8. Discutir o campo, nesse contexto,
era discutir a própria formação do Estado e a capacidade deste de
influir no destino do país, sendo que a modificação da estrutura
agrária aparece como condição sine qua non para eliminar os obstá­
culos à industrialização e a toda modernização cultural e política a
ela associada. Os dramas das populações rurais, como miséria, fome,
isolamento, baixa instrução e um certo grau de passividade política,
passaram a ser lidos não mais como decorrentes de causas físicas
ou naturais, como a mestiçagem, as secas ou mesmo as doenças,
mas como questões sociais, cuja solução demandava uma interven­
ção política. O latifúndio estaria na raiz destes problemas. Muito mais
do que apenas uma grande propriedade, essa noção significava um
conjunto de relações de poder marcadas pela exploração, pela impo­
sição de uma vontade arbitrária, pela violência, pela ausência de
direitos, e que garantia às elites agrárias uma enorme influência nas
tomadas de decisão sobre os usos de recursos públicos e na im ple­
mentação de ações políticas. No título mesmo da obra que se
tornaria um clássico da ciência política, Coronelismo, Enxada e Voto,
de Victor Nunes Leal (1948), está sugerido o vínculo entre as
formas de dominação social sobre os grupos subalternos do campo
e os padrões clientelísticos de seleção dos representantes políticos.
A solução proposta passava, portanto, pela extinção do latifúndio
por meio da realização de uma reforma agrária que acarretaria,

8. M oacir Palm eira indica que a contestação da existência de relações feudais no


m undo rural brasileiro teria se iniciado com o livro de Roberto Sim onsen,
História Econômica do Brasil (1937). O debate entre historiadores ganha intensi­
dade ainda nos anos de 1940, m as, sem dúvida algum a, é nos anos de 1960
que as disputas políticas e intelectuais atingem o seu auge com o debate
sociológico, do qual os textos de A lberto Passos G uim arães, Q uatro Séculos de
Latifúndio (1963), de A ndrew G under Frank, Agricultura Brasileira e o M ito do
Feudalismo (1964), e de Caio Prado Jr., A Revolução Brasileira (1966), constituem
referências incontornáveis (cf. Palmeira, 1971, “ Introdução”).
VERED AS DA Q U ESTÃO A G RÁRIA.. 319

simultaneamente, os meios de se acelerar “o desenvolvimento das


forças produtivas” para consolidar um sistema de mercado nacio­
nal, assegurar a democratização do espaço público e afirm ar uma
cultura autenticamente nacional9.
E importante notar que praticam ente todos os autores com
obras de destaque no domínio da sociologia, da história e da
economia, durante as décadas de 1950 e 1960, tiveram ativa parti­
cipação no debate, tanto publicando trabalhos originais quanto
comentando ou discutindo teses de outros. Além dos autores já
citados, podem ser lembrados os nomes de Nelson Werneck
Sodré, Celso Furtado, Ruy Facó, Florestan Fernandes, Maria Isaura
Pereira de Queiroz, Octávio Ianni, Fernando Flenrique Cardoso,
Paul Singer, entre outros. O estudo minucioso e arguto de Moa-
cir Palmeira, em sua tese de doutorado Latijundium et capitalisme:
lecture critique d ’u n débat (1971), demonstra como os debates, tanto
histórico quanto sociológico, são muito mais informados por uma
perspectiva ideológica do que propriamente científica, pois cada
interrogação examinada não vem acompanhada das evidências
em píricas que fundamentam a resposta adotada e sim de afirm a­
ções que visam defender a todo custo uma determ inada estraté­
gia política. Do ponto de vista intelectual, M oacir Palmeira de­
monstra ainda que cada autor su sten ta um a das resp o sta s a cada
questão examinada, mas deixa sempre uma porta aberta para que
uma resposta antagônica possa ser percebida como igualm ente
válida. Por exemplo, discute-se se a parceria é ou não um a forma

9. A relação entre cultura caipira e a urbanização acelerada de São Paulo está no


centro da problem ática abordada por Antonio Cândido em Os Parceiros do Rio
Bonito. Com o explicita o prefácio ã prim eira edição, de 1964, esta m onografia
pretendia ser um a contribuição intelectual p ara a m aterialização da reform a
agrária. M arcelo llid en ti (2000) analisa a im portância dos temas ligados ao
campo e ao cam ponês no im aginário dos artistas e dos intelectuais dos anos
de 1960, pardcularm ente no tocante à afirm ação de um a cultura popular
brasileira.
320 AFRÂ N IO GARCIA J R . E M AR IO GRYNSZPAN

capitalista de produção, mas os adversários não se detêm na


explicitação do que consistem os direitos e obrigações de cada
um dos pólos desta relação contratual. M enos ainda apresentam
qualquer protocolo de observação de um caso empírico devida­
mente estudado. O que parece assim presidir a lógica da argu­
mentação é muito mais uma classificação dos contendores entre
aliados e adversários políticos, m edindo-se a qualidade de um
argum ento pela sua capacidade de indicar orientações para a
tomada de decisões políticas apresentadas como mais acertadas.
H á uma dupla construção política em jogo no debate: de um
lado, trata-se da construção do Estado como instrum ento da
vontade coletiva, de outro, trata-se de fundamentar a pertinência
da atuação do Estado para transform ar redes de sociabilidade e
poder no pólo tradicional da nação, ou seja, o mundo rural. O
atraso da coledvidade nacional, ante os padrões im postos pela
competição internacional em época de guerra fria , é atribuído,
assim, à estrutura agrária ultrapassada , herdada do período colonial.
Ao falarem de reform a agrária, os participantes do debate rem e­
tem -se a mudanças, ao mesmo tempo, nos mecanismos de tom a­
da de decisão sobre a ação do Estado, e também na distribuição
do patrimônio fundiário com efeitos sobre os vínculos sociais
que asseguram a sociabilidade em meio rural.
A reform a agrária foi percebida nos anos de 1950 e 1960
como instrum ento por excelência de prom oção da integração da
m aior parte da população brasileira10 ao mercado e à sociedade
política. Não foi obra do acaso se a reform a agrária esteve asso­
ciada ao alargamento do mercado interno e à expansão das bases
do crescimento industrial, pois a construção da economia nacio­
nal, que superasse as mazelas herdadas da economia colonial,
ganhou estatuto de problema-chave de 1945 até o golpe de 1964

10. 70% da população vivia no cam po em 1950, contra 30% em 1980 (cf. Sachs,
Pinheiro e W ilheim , 2001).
VEREDAS DA Q U ESTÃO AG RÁRIA. 321

(Furtado, 1959 e 1964), e prosseguiu sendo tema central até o fim


do regim e militar. Integrar populações rurais isoladas por força
das sobrevivências do latifúndio no sistem a de mercados form a­
dores de preço, para em pregar o conceito de Karl Polanyi (1980),
parecia significar à época romper com o assim chamado dualismo
estrutural que condenava parcela considerável da população na­
cional à marginalidade e ao atraso (cf. O liveira, 1972). São as
próprias categorias de percepção dos agentes do mundo rural
que mudam por essa época. A imagem do indolente Jeca Tatu é
eclipsada pela do camponês, do posseiro e do trabalhador rural.
O discurso sobre as transform ações em curso no mundo rural
estava, então, estreitam ente vinculado à fala sobre a evolução da
nação, como com unidade econôm ica e com unidade política. Po­
rém, o ensaísmo como gênero continuava a predominar.
O golpe de 1964 alterou radicalmente as condições do debate
e as relações entre produção intelectual c ação política. A quebra
do Estado de direito não só bloqueou as carreiras dos pretendentes
a formuladores de uma nova ideologia ou cultura nacional, reservando
tais funções para a concorrência restrita do reduzido círculo de
adeptos do binômio segurançaIdesenvolvimento polarizado pela Escola
Superior dc Guerra, como permitiu que grupos de militares de alta
patente destituíssem todos os rivais políticos c ideológicos dc car­
gos públicos (através dos atos institucionais e IPMs), afastou inte­
lectuais dos cargos de pesquisador, de docente ou de administração
científica e reprimiu duramente ou liquidou os representantes polí-
deos e sindicais de origens populares e camponesas. Grupos de
militares de alta patente das três armas impuseram-se como únicos
guardiões do sagrado nacional e reduziram todos os demais setores
da elite ao estatuto de forças auxiliares. Instituíram ainda mecanis­
mos de seleção para cargos acadêmicos ou de administração cientí­
fica exigindo afinidade de categorias de percepção e de expressão
do pensamento, como foi o caso da obrigatoriedade de fornecer
atestado ideológico atribuído pelo D O PS para a nom eação de
322 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M AR IO GRYNSZPAN

concursados, ou ainda da aquiescência do SNI —mediante as co­


nhecidas fichas — para o acesso a empregos públicos federais. O
crescimento constante dos diplomados pelas universidades choca-
va-se com as restrições crescentes impostas às modalidades de
exercício das diferentes competências intelectuais. Não seria de se
estranhar que, nos 21 anos de arbítrio, estratégias políticas e inte­
lectuais muito variadas e diversificadas tenham surgido no domínio
dos cientistas, mas o ânimo que predominou foi de revolta.
Os debates sobre a questão agrária politizaram -se fortemente,
por um lado, na tentativa de definir classes ou camadas revolu­
cionárias que pudessem ser mobilizadas contra o regime militar.
Por outro lado, a derrota de 1964 foi atribuída a erros de concep­
ção das forças atuantes no processo histórico e de alianças polí­
ticas frágeis construídas sobre tais bases, particularm ente no to­
cante ã posição de liderança da burguesia industrial para consolidar
um projeto nacional de desenvolvimento. Era como se apelar
para o enfrentamento direto entre os grupos subalternos e as
elites militares e seus aliados fosse suficiente para a derrubada
do regime de exceção. Muitas vezes foi a necessidade de enten­
der o fracasso dessas tentativas de m obilização das camadas
populares para a resistência ao modelo político e econômico que
motivou os investimentos profissionais e pessoais, necessários ao
trabalho em pírico monográfico da parte de jovens pesquisadores
em final dos anos de 1960 (Garcia Jr., 1994). A paixão científica
foi freqüentem ente reforçada como antídoto à frustração de ati­
vidade militante radical de experimentar a crítica das armas. De
qualquer forma, práticas políticas e práticas intelectuais deixaram
de ser percebidas, com o passar do tempo, como duas faces da
mesma moeda; em bora estreitamente relacionadas, afinidades de
um tipo não implicavam mais afinidades do outro. A argum enta­
ção com base em dados empiricamente construídos teve aí, cer­
tamente, um de seus fundamentos mais sólidos. A retórica da
persuasão científica, qualquer que fosse a composição do públi-
VEREDAS DA Q UESTÀO A G R Á R IA ... 323

co leitor das publicações em ciências sociais, conquistou adeptos


desde então refratários à retórica do apelo simples a afinidades
politicam ente construídas. E de se ressaltar que, fosse em virtu­
de do exílio forçado junto a países mais desenvolvidos cientifi­
cam ente, fosse para conquistar a convicção de seus pares inter­
nacionais quebrando o exílio interno , adotou-se em escala crescente
os padrões internacionais de investigação em ciências sociais.

0 D ese n ca n ta m en t o dos S ertões e a

P r o fissio n a liz a ç ã o dos C ientistas S o c ia is

Os anos de 1970 trouxeram mudanças de forma e de conteú­


do aos estudos sobre as transformações do meio rural, que são
correlativas de uma profissionalização crescente de seus autores,
graças à implantação de programas de pós-graduação e à divisão de
trabalho entre instituições de ensino e de pesquisa a exemplo da
criação de centros como Cebrap, Cedec e Idesp, em São Paulo, e
CPDOC e ISER, no Rio de Janeiro (cf. Miceli, 1995 e 2001; Sorj,
2001). Se, até 1966, só existia, basicamente, pós-graduação em ciên­
cias sociais na USP, já em 1990, segundo a Capes, o número chegava
a 52, distribuídos por doze Estados e pertencendo a 22 universida­
des ou centros isolados (apud Melo, 1999). Entre 1989 e 1993, 302
teses de ciências sociais foram defendidas em 33 instituições de
ensino pesquisadas por Melo (1999). Diferentes resenhas sobre os
estudos sociológicos do mundo rural apontam para a relação entre
pesquisa empírica desenvolvida a partir dos anos de 1970 e a diver­
sificação do quadro institucional com o surgimento das pós-gradua-
ções e dos diferentes centros de pesquisa (Gnaccarini e Moura, 1983;
Santos, 1988 e 1990; Sigaud, 1992; Musumeci, 1991; Love, 1996)11.

11. N ote-se que o texto de M oacir Palm eira (1971) é apresentado com o tese de
doutorado em Paris à época em que já havia sido recrutado com o pesquisa­
dor do recém -criado Program a de Pós-G raduação em A ntropologia Social
324 AFRÀN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRYNSZPAN

Mudaram os temas tratados, as interrogações consideradas perti­


nentes pela reflexão científica, os métodos e as técnicas utilizados
para a operacionalização empírica dos problemas definidos teorica­
mente, os procedimentos adotados para a análise do material coleta­
do e para a elaboração dos modelos explicativos e, finalmente, as
retóricas de validação.
Ao submeter as questões anteriormente abordadas ao crivo da
pesquisa empírica sistemática, alteram-se as interrogações pertinen­
tes e novos métodos e técnicas passam a ser utilizados para a
operacio n alização dos problem as selecio nados para exam e
aprofundado. Essas modificações observáveis por simples leitura
das publicações estão associadas às mudanças correlatas nos pa­
drões de profissionalização do especialista em estudos do meio
rural: todo colega pode acessar os curricula vitae estocados pelo
banco de dados Lattes do CNPq e verificar que, a partir dos anos
de 1970, observa-se a estruturação de carreiras consagradas quase
exclusivamente a este domínio do conhecimento. A condição de
especialista que contribui para o avanço do conhecimento científi­
co mediante a adoção de uma posição particular numa divisão social
do trabalho intelectual cada vez mais complexa é, desde então,
reivindicada, enquanto a distância em relação aos autores das gera­
ções precedentes, dedicados ao ensaísmo, é patente. Esses novos
padrões profissionais dependeram, em larga medida, dos esforços e
da tenacidade de jovens cientistas sociais, mas também da vasta
criação de programas de pós-graduação e de centros de pesquisa
que romperam, de forma duradoura, as limitações anteriormente
existentes à dedicação exclusiva à atividade intelectual especializa­
da. Novos estilos de produzir conhecimento estão, também nesse

do M useu N acional, sendo responsável pelas pesquisas desenvolvidas no


N ordeste nos quadros do Projeto de D esenvolvim ento Regional C om para­
do, criado p o r R oberto Cardoso de O liveira e D avid M aybury-Lew is, com o
apoio financeiro da Fundação Ford.
VEREDAS DA Q U ESTÃO A G RÁRIA.. 325

domínio, estreitamente associados a novas maneiras de pradcar,


conceber e poder subsistir do trabalho intelectual.
A pesquisa de campo ganha um prestígio que só conhecera no
passado em círculos restritos12: os autores reivindicam com orgulho
o caráter monográfico de suas reflexões em apoio da contribuição
teórica e metodológica de seus escritos. Isso seria sobretudo verda­
de para as análises antropológicas onde se poderia dizer “que sem
campo ninguém tem direito à palavra”. As primeiras dissertações de
mestrado do PPGAS do Museu Nacional no início dos anos de
197013, como Frentes de Expansão e Estrutura Agrária, de Otávio Gui­
lherm e Velho (1972), A Nação dos Homens, de Lygia Sigaud (1980), A
Colonização A lemã no Vale do Itajaí-Mirim, de Giralda Seyferth (1974),
constituem bons exemplos da ruptura introduzida pela valorização
da monografia como condição sine qua non da elaboração teórica.
Também nessa época há uma valorização da entrevista direta com
os agentes sociais para se captar as representações imediatas como
um instrumento indispensável de compreensão da realidade social;
o objetivismo cede terreno diante da percepção de que as catego­
rias de discurso e de pensamento não podem ser consideradas
como um mero reflexo das condições materiais de existência (teo­
rias da consciência reflexa), mas como signos arbitrários que contri­
buem à construção da materialidade mesma do mundo social. O

12. N ão é estranho que a m onografia d e A ntonio Cândido sobre Os Parceiros cio


Rio bonito (1964) e os trabalhos de M aria Isaura Pereira de Q ueiroz, com o
Bairros Rurais Paulistas (1973) e O Campesinato Brasileiro (1973a), fossem recor­
rentem ente citados com o referências passadas que com partilhavam a m esm a
valorização do rigor em pírico que os estudos dos anos de 1970. O bserve-se,
porém , que os estudos de com unidade realizados p or antropólogos e soció­
logos norte-am ericanos desde os anos de 1950, muitos deles inspirados dire­
tamente pela Escola de Chicago, não tiveram a m esm a receptividade. Só um a
história social m ais m inuciosa perm itiria entender os fundam entos desta re­
cepção diferencial.
13. A s referências aqui citadas são relativas às publicações dos trabalhos, que são
bem posteriores à sua defesa com o dissertação.
326 AFRÂN IO G ARCIA JR . E M AR IO GRYNSZPAN

crescimento da antropologia social a partir da institucionalização do


PPGAS/MN contribuiu para relativizar tanto o economicismo mar­
xista quanto a ortodoxia durkheimiana que se valia das regras do
método para tratar as categorias de pensamento como prenoções a
serem afastadas. As representações dos agentes passaram a ser
tratadas como partes do mundo social tão relevantes quanto qual­
quer interação observada pelo pesquisador. Para voltarm os ao
exemplo anterior, nenhum antropólogo ousaria desde então falar do
contrato de parceria sem saber com que categorias verbais tanto a
família de trabalhadores quanto o proprietário de terras nomeavam
as interações sociais para o estabelecimento daquela relação contra­
tual. Os temas dominantes passaram a ser o conhecimento das
categorias sociais sobretudo de grupos subalternos e sua forma
particular de conceberem a temporalidade em que estavam inseri­
dos (o que era para eles o mundo tradicional e o que era o mundo
presente) e o espaço físico em que se encontravam.
E nesse momento que ganham evidência os novos grupos
de assalariados rurais, como os bóias-frias, os clandestinos de ponta de
rua , os volantes, cuja existência só podia ser descrita com base em
uma operação de reconstrução das relações de recrutamento e
seleção de trabalhadores das grandes fazendas e dos engenhos
de açúcar sob a forma de colonos, moradores e agregadosH. Assim,
também foram estudadas as prádcas e as representações de no­
vos agentes sociais como o cam pesinato de fronteira (Velho,
1976 e M usumeci, 1988), operários do açúcar (Lopes, 1976), siti­
antes e pequenos proprietários (Santos, 1978; H eredia, 1979;
M ardns, 1979; G arcia Jr., 1983; M oura, 1988; Neves, 1981 e 1989)
e negociantes em feiras (Palmeira, 1970; G arcia, 1977), artesãos
(Alvim, 1972) e marginalizados urbanos de origem rural (Silva,

14. Para referências concretas de análises m onográficas sobre essas categorias


sociais, ver Sigaud (1979) e Stolke (1976). V indo da sociologia, o trabalho de
M aria da C onceição d ’Incao sobre os bóias-frias (1975) também contribuiu
para a legitim ação generalizada desta nom inação de um novo grupo social.
VEREDAS DA Q U ESTÄO A G RÁRIA.. 327

1971). Não é obra do acaso se diversidade e diferenciação social


eram tópicos recorrentes nos debates dos anos de 1970, momen­
to em que nenhum a homogeneidade aparecia como evidente quan­
do eram estudados de form a concreta os grupos subalternos no
campo. Logo, nenhum a ação de classe deduzida de uma análise
da posição ocupada na estrutura socia], e m e n o s ainda na econô­
mica, encontrava fundamento nos trabalhos monográficos. Efeti­
vamente, essas monografias m o stra va m a ex trem a im p ortâ n cia do
acesso à propriedade da terra na definição dos graus de liberdade
e de autonomia das famílias cie trabalhadores, tanto no que diz
respeito ao chão de casa quanto ao terreno do sítio ou do roçado,
mas não podiam ser usadas diretam ente como fundamentos de
um projeto específico de reform a agrária ou de novas definições
contratuais de assalariados agrícolas. A legitim idade intelectual,
nesse momento, não se confundia com a legitim idade política,
em bora isso se devesse tanto às restrições impostas pelo regime
militar quanto à elaboração progressiva de uma nova visão do
significado do trabalho intelectual entre cientistas sociais.
E interessante notar que se dedicar ao trabalho meticuloso de
pesquisa era, na ocasião, percebido como um a luta contra a censura
política e o silêncio forçado sobre temas tidos pelos déspotas como
delicados. A seqüência histórica m ostraria que essa dedicação
missionária ao trabalho empírico não chegou a explicitar o funda­
mento ético da nova postura profissional e, por conseguinte, não
fora m criadas barreiras livremente elaboradas pelos cientistas s o ­
ciais de regulação do trânsito entre carreiras de pesquisador e car­
reiras de poiíüco p rofission a l, ou d e titular d e ca r g o s da alta adm i­
nistração. Apenas as exigências do que passou a ser considerado um
trabalho científico convincente para os pares restringiram, de fato, a
eficácia das estratégias de político ou militante a tempo integral
associadas à condição de pesquisador amador em ciência sociais.
Contudo, a hom ologia de posições dominadas entre os pes­
quisadores em ciências sociais, no campo das elites dominantes,
328 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRYNSZPAN

e os grupos subalternos, dentro do espaço social, tanto na cidade


quanto no campo, não deixou de aproxim ar a relação entre os
pesquisadores e as representações dos grupos sociais, como sin­
dicalistas, membros de pastorais da terra e urbanas, associações
de moradores, entre outros. Contribuir para reintroduzir a “voz
dos que não tem voz” no espaço público foi, por um lado, uma
form a de forçar a atenção sobre facetas dos processos sociais
que os detentores do poder autoritário gostariam que fossem es­
quecidas, além de voltar a alargar o público destinatário da refle­
xão sociológica. Por outro lado, perm itiu também m odelar espa­
ços institucionais para indivíduos portadores de com petência
específica em observação sociológica e registro (escrito, arquiva­
do, gravado ou filmado) de atitudes e discursos de cam adas
desprovidas de recursos m ateriais e culturais para se fazerem
respeitar. Por vezes, autores se apresentaram como novos porta-
vozes dos desprovidos de recursos, namorando com a am biva­
lência do discurso no campo intelectual e no campo político; a
crítica de Luiz de Castro Faria (1988) aos usos de pesquisa partici­
pante é, sem dúvida, pertinente. A pesquisa em ciências sociais
fez também, em certo sentido, “uma opção preferencial pelos
pobres”, tom ando distância, como os sacerdotes católicos de
então, da prepotência arrogante das elites agrárias que viam seus
jagunços reforçados pela violência m ilitar e policial. Contudo, o
zelo em se distanciar das casas-grandes foi tal que a objetivação
dos estilos de vida das elites agrárias ficou a meio caminho, o
que fica nítido no contraste entre as categorias sociais escrutadas
por minuciosas m onografias quando se tratava de grupos subal­
ternos e o relativo abandono de pesquisas sobre as categorias
dominantes. Basta lem brar que os estudos sobre elites agrárias
feitos a partir dos anos de 1970 foram obra quase exclusiva de
historiadores americanos, conhecidos como brasilianistas, como foi
o caso dos livros sobre a Primeira República de Joseph Love
(1971 e 1982), John W irth (1982), Robert Levine (1980), Eul Soo-
VERED AS DA QUESTÃO AG RÁRIA.. 329

Pang (1979), Ralph D elia Cava (1970), Linda Lewin (1987), para
citar apenas alguns.
Também no campo da sociologia verifica-se que o s en sa ios
a b ra n gen tes sobre as form as de resolver a questão agrária im pri­
mindo um idnerário pardcular ao desenvolvimento do Estado e
da nação brasileiros foram sendo substituídos por monografias
dedicadas à análise de categorias particulares dos grupos subal­
ternos rurais, como os bóias-frias, no caso de M aria da Conceição
dTncao (1975), os colonos do café e os posseiros da Amazônia, no
caso de José de Souza M artins (1979 e 1980), os colonos do vinho,
no caso de José Vicente Tavares dos Santos (1978), ou ainda de
redes de sociabilidade, como no caso da família de sitiantes tradi­
cionais', de Lia Fukui (1979), sendo que na maior parte desses
casos as monografias correspondiam tam bém a teses de doutora­
do, ou seja, ao rito de passagem ao ofício do sociólogo. Efetiva­
mente, dentre os sociólogos da geração precedente, poucos fo­
ram os que, como O ctá v io lan n i (1976) e Maria Isaura Pereira de
Queiroz (1973), passaram a fazer do trabalho monográfico a for­
ma de desenvolvimento de suas obras e de suas reflexões. Tam­
bém no caso dos sociólogos a atenção mais acurada foi dispensa­
da às categorias de autoclassificação dos agentes sociais, embora
enco n tra-se f r e q ü e n t e m e n t e a n á lises d o s dados e s t a t ís t ic o s
censitários produzidos pelas agências oficiais, como o IBGE, ou
ainda utilização de questionário próprio. Em sociologia usou-se
mais freqüentem ente do que nas monografias antropológicas m é­
todos quantitativos, que perderam um pouco do prestígio nos
anos de 1970 por força da baixa confiabilidade dos dados oficiais,
manipulados freqüentem ente pelos tecnocratas ligados aos mili­
tares para im pedir toda constatação desfavorável aos rum os que
então tomava o desenvolvimento econômico do Brasil. Ressalte-
se ainda a colaboração entre sociólogos e econom istas rurais na
análise da modernização agrícola do país, em inentemente centrada
no perfil tecnológico dos produtores, na tipologia dos produtos
33Í) AFK ÂN IO G ARCIA J R . E M AR IO GRYNSZPAN

voltados para a exportação ou para o consumo interno, ou m es­


mo na capacidade de resposta aos estím ulos proporcionados pela
flutuação dos preços dos produtos.
A economia rural desenvolveu-se menos como um a especi­
alidade dentro dos program as de pós-graduação em economia
implantados a partir de 1966 (cf. Loureiro, 1997), onde primam
pela ausência dessa disciplina em seus cursos instituições como
PUC-RJ, EPGE e EAESP, da Fundação Getúlio Vargas, do que
no interior de universidades voltadas, fundamentalmente, para a
promoção de pesquisas agronômicas e veterinárias, como a UFRRJ,
UFV e Botucatu. Fato é que a economia rural foi freqüentem en­
te domínio de reconversão para engenheiros agrônomos, assim
como a econom ia financeira foi freqüentem ente dom ínio de
reconversão para egressos das dem ais escolas de engenharia.
José Graziano da Silva, que cursou essa trajetória, coordenou,
quando em Botucatu, um livro que ficou famoso por registrar a
contribuição significativa de pequenos produtores de base fam i­
liar no produto agrícola global, Estrutura Agrária e Produção de
Subsistência na Agricultura Brasileira (1978). A este livro se seguiu
um outro, após o ingresso do autor na Unicamp, que buscava
caracterizar a modernização dolorosa (1982). A Unicamp ocupa, do
ponto de vista da economia rural, um lugar de destaque, pois
Campinas era a antiga sede de centros importantes de pesquisa
agronômica, e conheceu, nos anos de 1970, a criação de uma
universidade estadual com pesquisa de ponta em moldes m oder­
nos e aberta ao ingresso da geração de universitários condenados
ao exílio durante a fase repressiva mais virulenta (1968-1975).
N ão é por acaso que está instalado na Unicamp um dos núcleos
mais diversificados e criativos de economia rural, aberto ao diá­
logo com seus colegas de ciências sociais. Uma discussão que
tomou vulto naquele momento foi a da subordinação dos dife­
rentes tipos de produtores rurais e mesmo da propriedade fundiária
aos movimentos de circulação do capital, análise que pode ser
VEREDAS DA Q U ESTÃO A G R Á R IA ...

apreciada através do livro Capital e Propriedade Fundiária , de Maria


de Nazareth W anderley (1979), e de Sérgio Silva, Expansão Cafeeira
e Origens da Indústria no Brasil (1976). Ressalte-se ainda o trabalho
de Tamas Szm recsanyi (1979) sobre a regulação estatal do m erca­
do de produtos derivados do açúcar pelo Instituto do Açúcar e
do Álcool, bem como seu estudo dos órgãos de pesquisa e de
extensão que modificaram profundamente a relação ensino-pes-
quisa-extensão no domínio agrícola.
Foi entre os economistas agrícolas que mais se desenvol­
veu a pesquisa sobre a mecanização do processo de trabalho e
sobre a introdução de sementes e matrizes selecionadas, adubos
químicos e fertilizantes, bem como defensivos químicos contra
pragas, reflexão que se fez sob a rubrica de modernização da
agricultura. Nitidamente alimentada pelo intercâmbio científico com
os Estados Unidos, sobretudo por docentes da Universidade de
Viçosa, funcionários da Embrapa, da Embrater (antiga Abcar) e
do Ipea, tal vertente encontrou em Ruy M uller Paiva (1968 e
1976), em trabalhos sobre os bloqueios à modernização agrícola
relacionados âs modalidades de funcionamento da plantation tra­
dicional, um dos teóricos mais instigantes. O campo de dispersão
dos temas abordados e dos métodos econométricos utilizados
tem na SOBER (Sociedade Brasileira de Economia Rural) sua
referência mais representativa. Os trabalhos dos anos de 1980
sobre as n o va s agroindústrias, sobretudo a de derivados de car­
ne, leite, frutas e cereais, na vertente que ficou conhecida por
CAI (Complexo Agro-industrial) se inscrevem como prolonga­
mentos dos estudos econômicos sobre a modernização da agricultu­
ra (W ilkinson, 1996). Assim, a divisão intelectual do trabalho de
análise das transform ações no m eio rural, nas duas últimas déca­
das, parece reservar aos economistas a análise dos modos de
funcionamento do pólo tecnicamente modernizado, enquanto os cien­
tistas sociais se dedicaram, basicamente, à análise das transform a­
ções do mundo das grandes plantações voltadas tradicionalmente
332 AFRÀN IO G ARCIA J R . E M AR IO GRYNSZPAN

para o mercado internacional (pólo tradicional) e do surgimento de


novos atores coletivos na cena política, social e cultural.
Das raras tentativas de sintetizar os debates e contribuições
tanto entre os economistas agrícolas sobre a evolução do comple­
xo agro-industrial, quanto entre os cientistas sociais e suas análises
sobre as modalidades de deslocamento rural-urbano e seus vín­
culos com as profundas mudanças das formas de recrutamento
dos grandes estabelecim entos agrícolas, destaca-se o artigo de
M oacir Palmeira e Sérgio Leite (1997). Estes autores demonstram
com o a liquidação da morada , do colonato , do agregado , foi acelerada
durante o regime m ilitar privilegiando o desenraizamento de fa­
mílias de trabalhadores residentes nos grandes domínios, o con­
seqüente crescim ento vertiginoso das periferias e favelas de pe­
quenas, médias e grandes cidades. A acumulação dos grandes
estabelecim entos agrícolas envolvidos com a tratorização e o
uso de insumos quím icos ou derivados da biotecnologia explica-
se por serem os maiores beneficiários das políticas públicas de
crédito subsidiado e de incentivos fiscais (Delgado, 1985). Partes
não negligenciáveis da dívida pública da União e da pauperização
de contingentes de antigos trabalhadores agrícolas, fenômenos
desde o início da N ova República denominados de dívida finan­
ceira e dívida social, tiveram nas políticas públicas de moderniza­
ção agrícola no pós-1964 sua origem insofismável. No caso brasi­
leiro torna-se evidente que as vias de transformação do mundo
rural não estavam restritas a um único caminho, um destino
inexorável de modernidade ; o itinerário objetivamente seguido foi
politicam ente construído, quer pela neutralização dos adversá­
rios, quer pelos usos do Tesouro Nacional, favorecendo subsí­
dios creditícios e fiscais. José Graziano da Silva (1982) nomeou
essa transição de modernização dolorosa. A clivagem entre aborda­
gens mais ou menos voltadas para a modernização da agricultura
seguiu também as acentuadas diferenças geográficas no território
brasileiro, a exem plo dos agricultores do Centro-sul, bem mais
VEREDAS DA QUESTÃO A G RÄRIA.. 333

escolarizados e tecnificados, e agricultores nordestinos, ainda afei­


tos a padrões técnicos seculares.
Se os program as de pós-graduação deram origem a novas
gerações de pesquisadores profissionalmente ligados a estudos
consagrados ao mundo rural, que se transform ou assim num
dom ínio especializado ante a diversificação das disciplinas e dos
temas que passaram então a ganhar relevância15, é essencial con­
siderar também a implantação de novas estruturas organizacio­
nais para propiciar a intensificação do debate intelectual, como
os encontros anuais organizados em Botucatu para a d iscu ssã o
sobre mão-de-obra volante, o Programa de Intercâmbio de Pes­
quisa Social em Agricultura (PIPSA), ou ainda a dinamização da
Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra) e de mesas-
redondas organizadas em torno dos encontros anuais patrocina­
dos pela SBPC. Destaque-se m esm o a criação de um curso de
pós-graduação de vocação m ultidisciplinar diretam ente voltado
para a análise do desenvolvimento agrícola, o Centro de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Agrícola (CPDA), da UFRRJ,
que passou a concentrar muitos dos pesquisadores de formação
recente oriundos de program as de outros Estados da federação.
Paradoxalmente, a multiplicação desses espaços abertos para a
reflexão sociológica não correspondeu a uma legitimação crescente
de análises mais autónomas frente às demandas do campo político,
ganhando destaque questões mais próximas das priorizadas pelas
agências financiadoras e passíveis de se transformar em políticas
públicas de atenuação da pobreza em meio rural ou de acelerar o
processo de modernização agrícola mediante insumos industrializa­
dos. O papel do intelectual continuou associado mais a quem se
consagra a indicar os caminhos da correta ação do Estado (os

15. Tem as com o as relações entre intelectuais e política, as relações de parentesco


e as cosm ologias de grupos tribais, os fundamentos sociais do perfil autoritá­
rio ou dem ocrático do Estado latino-am ericano, as relações entre sindicatos e
os interesses do operariado e do patronato industrial, entre outros.
334 A rR Â N IO G ARCIA JR . E M ARIO GRYNSZPAN

formuladores de políticas públicas) do que a pesquisadores que se


dedicam a examinar as questões sociologicamente pertinentes no
mundo rural, independentemente de seu interesse por serem obje­
to de ação política. Em suma, é mais corrente ver trabalhos preocu­
pados em mostrar sua contribuição para a formulação de políticas
públicas do que justificativas do interesse científico da questão
examinada para cobrir lacuna do conhecimento.

T e m a s P r iv i l e g i a d o s nas D u a s Ú l t im a s D é c a d a s

Após as greves do ABC (a partir de 1978) e do III Congres­


so da Contag (1979), cresceu a atenção para com as form as de
representação sindicais e políticas dos grupos dominados. E ver­
dade que durante os anos de 1970 era difícil centrar o trabalho
de pesquisa sobre a ação política destes grupos. Por exemplo, a
tese de doutorado de Aspásia Camargo, em 1973, Brésil nord-est:
mouvement paysan et crise populiste , sobre a gênese e o impacto das
Ligas Camponesas sobre o universo político brasileiro, e o depo­
im ento de Francisco Julião, de 1970, Cambão lejoug: la fa ce cachée du
Brésil, só puderam ser produzidos e publicados fora do país. Se
as ciências sociais pareciam particularm ente voltadas para o estu­
do de processos econômicos, isto não se deveu apenas a uma
p ersp ectiva m arxista dom inante que atribuía um a prim azia
ontológica à infra-estrutura, mas igualm ente às dificuldades polí­
ticas de privilegiar o estudo de ações e de representações ideo­
lógicas que pudessem prejudicar a todos aqueles que já eram
vítim as de brutal perseguição da ditadura militar. Não era só por
instinto de autopreservação dos pesquisadores, mas cabia igual­
mente preservar a integridade dos que aceitavam assumir a con­
dição de entrevistados sistemáticos. A m aterialidade da resistên­
cia política, a partir da mobilização dos metalúrgicos do ABC,
serviu de certa m aneira de sinal de que também era possível
contribuir para liquidar com a censura e a repressão dos militares
VEREDAS DA Q U ESTÃO AG RÃRIA.. 335

sobre o espaço público, por meio de uma análise meticulosa das


form as precedentes de representação dos interesses de classe e
da m obilização política de grupos dominados. A objetivação da
experiência política pregressa serviria de m arco para balizar os
passos possíveis nos anos de 1980 para a liquidação do autorita­
rismo e para am pliar o leque de transformações sociais menos
desfavoráveis às camadas populares. Estas análises tomaram a
form a tanto de reco n stitu içõ es h istó ricas da criação e da
legitimação de organizações camponesas, como os estudos de
Fernando Azevedo (1982) e Elide Rugai Bastos sobre as Ligas
Camponesas (1984), o de M ario Grynszpan sobre as ocupações
de terras no Estado do Rio de Janeiro (1987), o de Lygia Sigaud
sobre as greves dos canavieiros de Pernambuco (1980), o de
Regina Novaes sobre sindicalism o de trabalhadores rurais na
Paraíba (1987), quanto o exame dos efeitos sobre o campo políti­
co do surgimento e da legitimação de um novo agente social
como o campesinato, destacando-se o de Leonilde Medeiros (1989),
o de José de Souza M artins (1981), no tocante à ação política
camponesa, e o de Aspásia Camargo (1981) sobre o impacto nos
debates parlam entares ocorridos entre 1930 e 1964 sobre as pos­
sibilidades de regular institucionalm ente a reform a agrária. Res­
salte-se ainda a riqueza dos depoimentos de lideranças cam pone­
sas exemplares como Gregório Bezerra (1980), José Pureza da
Silva (1982), Josefa Pureza da Silva (1996) e M anoel da Concei­
ção (1980), colhidos por cientistas sociais e publicados sob a
form a de relatos autobiográficos.
Cabe, contudo, assinalar que também no estudo dos movi­
mentos sociais não houve sistemadeidade na consideração de todas
as correntes responsáveis pela gênese do campesinato como um
novo ator polídeo. Com exceção do trabalho de René Dreyfuss
(1981), que pretendia estudar a ação das forças que desencadearam
o golpe de 1964, pradeamente nenhum outro trabalho inovador, no
Brasil, veio contribuir para o conhecimento da corrente católica de
336 AFRÂ N IO G AR CIA JR . E M ARIO GRYNSZPAN

formação de lideranças camponesas16. É verdade também que os


estudos sobre a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas
do Brasil (ULTAB) e sua relação com o Partido Comunista em
momento algum conheceram o mesmo interesse com que foram
tratadas as Ligas Camponesas. Aparentemente, como ocorre hoje
ainda com o MST, apenas as correntes mais radicais atraem a aten­
ção dos estudiosos, talvez por julgarem que a novidade sociológica
se confunde com a magnitude das mudanças anunciadas verbal­
mente por lideranças ou por seu impacto na mídia. Verifica-se assim
que não se difundiu entre os pesquisadores em ciências sociais a
convicção de que a concorrência pela representação autorizada de
um novo grupo social seja o verdadeiro princípio de eficácia do
trabalho político e simbólico dos que disputam a condição de re­
presentantes legítimos. A prática de uma sociologia comparada de
mobilizações políticas de grupos dominados mostra bem que a
diversificação dos atores políticos em concorrência pelo m onopó­
lio da palavra autorizada sobre as classes despossuídas é um dos
fatores primordiais da promoção dos grupos subalternos, sejam os
movimentos sociais compostos por posseiros , camponeses, trabalhadores
rurais, proletários das cidades e dos campos, sem-terra ou qualquer outro
rótulo que consiga aglutinar ações coletivas visando ao incremento
do bem-estar dos grupos excluídos e sua participação nos proces­
sos decisórios (Moore Jr., 1975; Tilly, 1967, 1986 e 1995; Alavi,
1962; Bourdieu, 2002; Champagne, 2002).
A gradativa abertura do espaço político que se inicia em
1979 com a concessão da anistia aos antigos exilados e que tem
em 1982, nas eleições para governadores dos Estados, um de
seus marcos centrais, provocou a retomada de formas de m obili­
zação camponesa dos anos de 1960 como a ocupação de terras, o
que resultou na intensificação de desapropriações efetuadas pe-

16. O m ilitância política de católicos foi objeto de estudo de autores estrangeiros


com o Em anuel de K ad t (1970) no seu Catbolic Radicais in B ra sil
VEREDAS DA Q UESTÃO A G R Á R IA ... 337

los governos federal e estadual. Assim, a oferta de lotes para


construir casas e terra para plantio de grupos despossuídos se
amplia de maneira substancial. Se os estudos dos anos de 1970
haviam demonstrado a possibilidade de recriação de unidades de
produção camponesa, mesmo que à custa de muito sacrifício como
os exigidos por migrações para as grandes metrópoles industriais
(cf. Garcia J r., 1983), durante a vigência do regim e militar e sua
política sistem ática de privilegiar as reconversões de grandes
proprietários rurais, não deixando nem mesmo a fronteira agríco­
la da Amazônia Legal para o livre desenvolvimento do campesinato
(cf. Velho, 1972; Ianni, 1979; Almeida, 1980 e 1981; Musumeci,
1988; Soares, 1981; M artins, 1980), a eleição de governadores de
oposição favoreceu o processo de encampesinamento de grupos
desfavorecidos por meio da intervenção pública, com a desapro­
priação de terras e a organização de assentamentos. Dessa época
em diante, os assentamentos rurais passaram a ocupar um lugar
de destaque nas análises dos cientistas sociais, cabendo destacar
as coletâneas de Esterci (1984) sobre Cooperativismo e Coletiviyação
no Campo , de Leonilde M edeiros e Sérgio Leite (1999) sobre A
Formação dos Assentamentos Rurais no Brasil, entre os numerosos
trabalhos editados nas duas últimas décadas.
Mais recentemente, as políticas públicas beneficiando os di­
versos grupos camponeses não mais ficaram restritas a medidas de
políticas fundiárias, passando o crédito rural subsidiado, que havia
constituído o maior suporte da política de modernização agrícola
das grandes propriedades (cf. Delgado, 1985), a contemplar também
pequenos e médios proprietários, além dos assentados. E verdade
que estudos comparados das experiências internacionais de moderni­
zação agrícola contribuíram para demonstrar a falácia do pressuposto
da superioridade intrínseca dos grandes estabelecim entos (cf.
Abramovay, 1991; Sachs, 2000). Os anos de 1990 conheceram a
criação de linhas de crédito, como o Pronaf, diretamente consagra­
das aos deserdados das políticas do período 1964-1990, que passa-
338 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRVNSZPAN

ram a ser denominados de agricultores familiares. É surpreendente


constatar a moda entre economistas e ciendstas sociais de falarem
de agricultores familiares como um novo ator no cenário econômico,
político e cultural do país, como se toda uma diversidade de cate­
gorias sociais estudadas historicamente, como sitiantes, posseiros,peque­
nos proprietários, lavradores, parceiros , arrendatários etc. pudesse ser
subsumida a apenas uma. Além disso, o adjetivo fam iliar aparece
mais como designação de um agente outro que não os agricultores
patronais, não se tratando de um atributo especificador de uma
forma pardcular de vínculo social a ser tratada ela mesma sociolo­
gicamente. Como estudamos no início deste trabalho, tudo indica
que a rede familiar característica do universo rural brasileiro apre­
senta uma configuração própria de relações de aliança e de filiação
que, evidentemente, estão a exigir um detalhamento mediante análi­
ses sociológicas e antropológicas. É sabido também que a criação, a
manutenção e o desenvolvimento de redes familiares tem mais a
ver com a moral pregada por insdtuições religiosas e escolares do
que com políticas empreendidas pelo Estado. O reducionismo po­
lítico da categoria agricultores familiares demonstra ainda uma vez
como as análises sociológicas têm ficado subordinadas às demandas
do campo político.
N ada m ais revelador do que o docum ento proposta do
Pronaf, que diferia os agricultores fam iliares em três categorias, a
mais numerosa sendo estigmatizada como inviável. Resta saber,
de um ângulo menos economicista, se podemos considerar que
parte da população brasileira é composta por famílias inviáveis.
Uma das formas de tentar legitim ar a política de reform a agrária
dos últimos oito anos foi passar a idéia de que o predomínio da
agricultura fam iliar estaria estreitamente vinculado à em ergência de
um novo mundo rural. Tais expressões, exceto no caso da dem ons­
tração estatística da complexidade das configurações cidade/campo
no Brasil, têm um pequeno rendimento analítico, mas seu signifi­
cado sociológico é o de avalizar políticas públicas.
VEREDAS DA Q UESTÃO A G R Á R IA ... 339

A u t o n o m ia d o C a m p o In t e le c t u a l e C u m u l a t iv id a d e do C o n h e c im e n t o

U m dos antídotos mais eficazes para assegurar a autonomia


dos cientistas sociais frente às demandas de governantes ou de
diferentes atores políticos, como partidos, sindicatos, igrejas, or­
ganism os internacionais, agências financiadoras, ONGs, é, sem
dúvida, a preservação do diálogo constante com os temas, pro­
blemas, abordagens, retóricas de validação dos argumentos, usa­
dos em outras épocas no debate propriamente científico. Inver­
samente, a pouca cumulatividade de temas, problemas, métodos e
retóricas de dem onstração evidencia como o domínio dos estu­
dos em apreço é propício à imposição de critérios de legitim ida­
de que nada tem a ver com o debate propriam ente científico.
Fato é que a simples historiografia dos temas tratados desde a
criação dos cursos de pós-graduação e da divisão do trabalho
entre centros de ensino e de pesquisa já seria suficiente para
deixar patente a baixa cum ulatividade das análises produzidas
sobre as transformações do meio rural, o que está longe de ser
específico dessa área de conhecimento. Voltemos ao nosso exem ­
plo dos parceiros: por que o interesse que suscitam seria restrito
aos anos de 1960? Lembremo-nos do grande sucesso das ques­
tões sobre assalariados rurais nos anos de 1970, e tudo indica
que desde então os contingentes submetidos a um brutal proces­
so de proletarização, implicando mesmo uma pauperização abso­
luta que é empiricamente demonstrável (cf. D ’Incao, 1975; Sigaud,
1979; Stolke, 1986; Garcia Jr., 1990), só fizeram aumentar em
número e se espraiar ao longo de todo o território nacional. Por
que não seriam mais objetos de monografias tão minuciosas quanto
as que foram produzidas há três décadas?
A reconstrução das temáticas estudadas pelo que se con­
vencionou considerar como “questão agrária” durante o século
X X perm ite assinalar as lacunas evidentes para que se possa
elaborar uma visão sistemática dos processos sociais, econômi-
340 AFRÂN IO G ARCIA J R . E M ARIO GRYNSZPAN

cos, políticos e culturais responsáveis pela quebra dos mecanis­


mos centrais de poder do grande domínio rural e de sua proje­
ção na repartição do poder político no Estado nacional, bem
como dos itinerários possíveis de serem trilhados pelos diferen­
tes grupos sociais forçados a uma reconversão de suas práticas e
de suas concepções do mundo social. N ada parece mais propício
aos trabalhos sobre práticas de reconversão, sobre os fundam en­
tos sociais da desafiliação (Castel, 1995), sobre os desafios obje­
tivos e subjetivos à reconstrução dos laços sociais que o exame
das transformações sociais no campo brasileiro de uma perspec­
tiva histórica. Por outro lado, nada indica que os processos que
afetam as transform ações em curso no universo rural fiquem
restritos a este domínio, uma vez que o conhecimento e o inter­
câmbio constante com as temáticas abordadas por pesquisadores
dedicados à multiplicidade das interações que parecem ter no
mundo urbano o seu epicentro (como as decisões políticas, ceri­
mônias religiosas e culturais, as transações econômicas mais de­
cisivas etc.) perm itirão com parar a eficácia explicativa dos proce­
dimentos adotados no domínio de estudos aqui privilegiado. A
suposição de que o pólo rural constitui necessariamente o locus
do atraso ou do tradicional, por oposição à cidade, vista como
sede de vanguardas e do moderno, restaura a visão simplista e
dualista no que ela tem de mais pernicioso. Qualquer análise
sociológica digna do nome tem que especificar a dinâmica das
redes sociais que exam ina e as representações a elas associadas
sem tomar por pressuposto divisões espaciais pré-construídas e
tão polissêmicas quanto a oposição rural-urbano.
N a m edida em que as transform ações do mundo rural dei­
xaram de ser percebidas como matriz básica da definição da
identidade nacional, ou como um tema central para se especificar
a natureza do Estado, os estudos sobre a questão agrária pare­
cem ter ficado condenados a partilhar do m enosprezo a que
ficam relegados os grupos subalternos das regiões longínquas
VEREDAS DA Q UESTÃO A G R Á R IA ... 341

das grandes metrópoles. Como bem assinala o sociólogo Abelmalek


Sayad (2000) a propósito dos imigrantes dentro das nações euro­
péias, a hierarquia social dos objetos sociológicos guarda estrita
hom ologia com o prestígio desfrutado pelos grupos sociais, mas
nada pior para as ciências sociais do que submeter a escolha de
seus objetos de investigação à lógica dessa hierarquia. A relevân­
cia dos resultados científicos está diretam ente relacionada com a
contribuição para aprim orar as maneiras como o olhar sociológi­
co capta os determ inantes da ação humana e das representações
que os homens forjam para dar conta do universo em que estão
inseridos. A análise das transformações do espaço social do mundo
rural parece ter constituído um terreno fértil de elaboração de
questões sociologicam ente pertinentes e de rico confronto entre
métodos alternativos, originários seja da antropologia seja da so­
ciologia, da econom ia ou da ciência política, para tratá-los.
Temáticas internacionais tão recentes como a evolução com para­
da de sociedades pós-escravistas (Cooper, Holt e Scott, 2000) só
reavivam o interesse científico pelo caso brasileiro.
Há cem anos atrás, Euclides da Cunha rctraçava por meio
do relato da guerra de Canudos a tragédia causada pelo desco­
nhecimento dos modos de vida mais elem entares da população
brasileira e os efeitos da arrogância dos que supunham deter a
chave única dos paraísos da modernidade. A violência da ignorân­
cia, sem dúvida um a form a comum de violência simbólica, era
apresentada como diretamente relacionada à violência observada
entre parddários da República e seguidores do Conselheiro. Em
suas próprias palavras:

E q u a n d o p e la n o ssa im p re v id ê n c ia in eg áv el d e ix a m o s q u e en tre
eles se fo rm asse um n úcleo d e m an íaco s, n ão v im o s o traço su p erio r do
aco n tecim en to . A b reviam o s o esp írito ao co n ceito estreito de um a p reo ­
cu p a çã o p a rtid á ria . T iv e m o s u m e sp a n to c o m p ro m e te d o r an te aq u elas
ab erraçõ es m o n stru o sas e, com arro jo d igno d e m elh o res cau sas, b atem o -
n o s a c a rg a de b aio n etas, reed itan d o p o r n o ssa vez o p assad o , n um a entrada
342 AFRÂN IO G ARCIA JR . E M ARIO GRYNSZPAN

in g ló ria, reab rin d o n as p arag en s in felizes as trilh as ap agad as d as b an d ei­


ras... V im o s no ag itad o r sertan ejo , do q u al a rev o lta e ra u m asp ecto da
p ró p ria reb eld ia c o n tra a o rd em n atu ral, ad v ersário sério, estrén u o p a la d i­
n o d o extin to regim e, cap az d e d e rru ir as in stitu içõ es nascentes.
E C an u d o s e ra a V en d éia... (C unh a, 1966 [19021, p arte II, cap ítu lo
V, p. 231)

Sua epopéia tem o claro sabor de autocrítica. Talvez não tenha


sido à toa que a objetivação detalhada das violências cometidas
fosse também um apelo à compreensão dos processos que as en­
gendravam. O enigma dos sertões17 seria a relação entre o uso da
razão e a construção da liberdade frente a todas as violências?

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Parte IV

Ed u c a ç ã o
Es t u d o s S o c io l ó g ic o s so bre Ed u c a ç ã o no B rasil

Clarissa Eckert Baeta Neves

In t r o d u ç ã o

A serie de publicações sobre O que Ix rna Ciência Social Brasilei­


ra, ao incluir os estudos sobre educação, recupera um campo de
reflexão que remonta às origens dessa disciplina no Brasil, a qual
tem acumulado uma extraordinária quantidade de trabalhos de m ui­
to boa qualidade1.
É particularm ente notável como os estudos sobre educação
revelaram, de forma recorrente e sobretudo a partir da década de
1950, qualidade científica e engajam ento político, manifesto na
determ inação para a ação transform adora da realidade analisada.
A agenda desses estudos construiu-se, com efeito, em estreita
relação com a dinâmica mais ampla das transformações econôm i­
cas, sociais e políticas.
A amplitude dos interesses, a multiplicação de temas e de
linhas de pesquisa ao longo dos anos, realçam a vocação deste

1. A gradeço a leitura atenta e as sugestões feitas por A bílio A. Baeta Neves,


Cornélia E ckert e A rabela C. Oliven.
352 CLARISSA ECK ERT BAETA NEVES

campo de estudos para a composição de uma reflexão abrangente e


marcada por múltiplas interfaces com outros campos de preocupa­
ção das ciências sociais. Se nos anos iniciais foi possível registrar
uma razoável concentração temática e inspiração teórico-metodoló-
gica, a tendência e o cenário amais revelam a coexistência de dife­
rentes orientações na escolha dos objetos de estudo e das teorias.
A longa trajetória de estudos sobre a educação no âmbito
das ciências sociais foi objeto de inúm eras resenhas e balanços
desde meados da década de 19702. Este conjunto de trabalhos
constitui, indiscutivelmente, desde logo, referência para todos os
que se interessam pelo conhecimento da área, bem como ponto
de partida da análise da produção nas duas últimas décadas que
se quer desenvolver adiante.
O espírito desta coleção, à qual se incorpora o trabalho
aqui proposto, remete a algumas indagações básicas: primeiro,
como se apresenta, nos anos mais recentes, a produção de estu­
dos sobre educação nas ciências sociais e quais são seus eixos
estruturadores? Segundo, que obras ganham destaque no contex­
to desta produção?
As respostas serão enriquecidas com comentários sobre as
características da form ação deste campo de interesse nos estu­
dos s o c i o ló g ic o s ; a reiação desta reflexão com a feita em outros
países, com os quais o avanço de nossa Sociologia sempre esteve
em interlocução; e o efetivo processo cie institucionalização dos
estudos sobre educação que, sem dúvida, conformou cenários
com grande impacto sobre os rumos da pesquisa.
Se se com parar, em termos bastante amplos, a produção das
últimas duas décadas com a tradição na área, é possível afirm ar
que hoje há uma riqueza maior de linhas de pesquisa e de enfoques,

2. E stes balanços podem ser encontrados principalm ente em Cunha (1981),


G om es (1985), G ouveia (1 9 7 1 ,1 9 7 9 ,1 9 8 5 ,1 9 8 9 ), Liedke Filho (1992), Mello
(1983), W eber (1992) e Cam pos (1974).
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO B R A SIL 353

um volum e muito maior de produção, expressa predominante­


mente em artigos de periódicos e em coletâneas, uma dispersão
institucional no território nacional mais abrangente, mais intensa
interlocução com outras áreas de reflexão nas ciências sociais e
m aior independência com relação às tem á tica s q u e têm c o m o
núcleo a reflexão neste campo em outros países. Em comparação
com a produção de outros períodos, talvez não seja fácil desta­
car obras ou trabalhos que, isoladamente, ocupem lugar proemi­
nente na estruturação da reflexão. Não obstante, agrupando-se
os trabalhos em torno de com plexos temáticos mais homogê­
neos, tarefa que se im põe com vistas a uma visão mais com­
preensiva do campo geral, sobressaem trabalhos de referência
que merecem destaque no conjunto da produção.
O presente trabalho com põe-se de duas partes3. A primeira
refere-se à trajetória da produção de conhecimento sobre educa­
ção nas ciências sociais entre nós. A segunda parte, será dedicada
à análise do desenvolvimento recente desta produção4.

A Ed u c a ç ã o com o C am po de E stu d o s e

Pe s q u is a s S o c io l ó g ic a s no B r a s il

Os estudos sobre educação no Brasil e, particularm ente,


os de inspiração sociológica, com eçam a se configurar como
campo próprio a partir de 1930. E possível distinguir, claram en­
te, três fases neste processo: dos anos de 1930 aos de 1960; o

3. Este trabalho contou com a colaboração das bolsistas de IC /C N P q Lígia


Mori M adeira, C am ila C am pos Jaco b s e A nelise E stivalet.
4. Neste trabalho n ã o se está incluindo a vasta p r o d u çã o de conhecim ento sobre
educação realizada no âm bito dos program as de pós-graduação em Educa­
ção no Brasil. Em vários program as há linhas de pesquisa no campo da
sociologia da educação, com o tam bém na A ssociação N acional de Pesquisa
em Educação (Anped) há um debate sistem ático no G T Sociologia da Educação.
N o entanto, seguindo a orientação desta coleção, fez-se a opção pela análise
da produção sobre educação no cam po da sociologia.
354 CLA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

período dos governos militares e; de meados dos anos 1980 aos


dias de hoje.
O presente trabalho se concentrará na análise da produção da
última fase, mas é importante, ainda que sumariamente, reconstituir
o que foi mais marcante nas duas fases anteriores.
A mais importante característica da primeira fase foi, prova­
velmente, a orientação engajada da produção de conhecimento. As
transformações da sociedade brasileira a partir dos anos de 1930
trouxeram à tona o problema da educação. Esta passou a ser vista
como recurso privilegiado no processo de construção do novo
perfil de cidadão adequado ao Brasíí em mudança. A reforma da
educação ajudaria a construir a base para a transformação do país.
Tal compreensão do fenômeno educacional revelava, de um lado,
claro enraizamento na tradição da sociologia da educação e, de
outro, desconforto com a situação da educação do país e o com pro­
misso com sua superação (Azevedo, 1940; Moreira, 1959; Gomes,
1985). Esta era a atitude de círculos importantes da intelectualidade
e de parte da elite governamental. Disso foram exemplos contun­
dentes a luta dos intelectuais em to r n o da “Escola Nova”5, tanto
quanto a decisão governamental de se implantar o Instituto N acio­
nal de Pesquisas Educacionais (inep), em 1938, por iniciativa de
Anísio Teixeira. O Inep estimulou, de modo notável, o interesse
nos estudos sobre diferentes aspectos da questão educacional com
destaque para a administração dos sistemas educacionais e as ques­
tões curriculares, neste caso, com forte teor psico-pedagógico
(Gouveia, 1971: 2; Mello 1983: 68)6.
Os anos d e 1950 marcam o momento de mais intensa ação
governamental no tocante à construção de aparatos oficia is de estu­

5. O M anifesto dos Pioneiros da Educação N ova de 1932 proclam ava a educa­


ção como problem a nacional exigindo um am plo program a educacional para
o país (Fernandes, 1977).
6. Sobre o Inep, ver tam bém M ariani (1979).
E ST U D O S SO CIO LÓ G ICO S SOBRF. ED U CAÇÃO NO B R A SIL 355

dos e planejamento neste campo, bem como de envolvimento com


a temática da educação de parte importante da elite intelectual, em
especial, de uma geração de destacados cientistas sociais, com o
estudo da educação7.
A aceleração dos processos de industrialização e de urbaniza­
ção e o restabelecimento da democracia, no contexto pós-Segunda
Grande Guerra, trouxeram a educação para o centro das preocupa­
ções com o desenvolvimento nacional. Os governos nacional-de-
senvolvimentistas incorporaram o tema da educação à sua retórica
programática e empreenderam ações concretas que estimularam
estudos, análises e a elaboração de projetos de reform a da realidade
educacional. Além disso, o debate em torno da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, que ocupou toda a década de 1950 e início da
de 1960 mobilizou intensamente a intelectualidade nacional.
O Inep foi reforçado por Anísio Teixeira com a criação do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) em 1956,
que logo se desdobrou numa rede de centros regionais de pes­
quisas educacionais (CRPE) em São Paulo, Rio Grande do Sul,
M inas Gerais e Pernambuco, atuando, freqüentem ente, de modo
articulado com universidades. O CBPE m antinha o registro e a
sistem atização dos dados levantados em inquéritos, diagnósticos
e cursos e estimulava o desenvolvim ento de estudos e pesquisas
socioeducacionais8. A Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, criada
em 1944, assegurou instrum ento im portante de divulgação dos
estudos e trabalhos nesta nova fase, contribuindo, assim, para a

7. Cunha (1981) ressalta a im portância so cia l da educação para o s intelectuais


expresso em vários m om entos com o: nas lutas em torno da L D B (desde seu
anteprojeto em 1948); na criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(Iseb) em 1955, no M anifesto dos E ducadores pela defesa da escola pública
de 1959, com a atuação engajada de Florestan Fernandes.
8. Abreu (1968: 70) destaca que a “m aior peculiaridade destes centros foi trazer
ao estudo do fato social que é a educação, a contribuição das ciências sociais”.
V er tam bém X avier (1999) e G ouveia (1985).
356 CLA R ISSA E CK E R T BAETA N EVES

institucionalização de todos os esforços. Os centros regionais


revelavam a percepção de que a abordagem reform adora da edu­
cação no país precisava atentar para as peculiaridades regionais.
Duas outras instituições somaram-se, neste período, ao esforço
de com preender a realidade educacional brasileira e discutir al­
ternativas para a sua transformação: o Instituto Superior de Estu­
dos Brasileiros (Iseb)9 e a Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da U niversidade de São Paulo (USP), que já congrega­
va o grupo mais im portante de cientistas sociais do país10.
A reflexão de cunho sociológico sobre educação tornou-se, a
partir de então, ao mesmo tempo, mais sistemática, científica, abran­
gente e m ilitante". Antonio Cândido, em 1955, no I Congresso
Brasileiro da Sociedade Brasileira de Sociologia, apresentou o tra­
balho intitulado “O Papel do Estudo Sociológico da Escola na
Sociologia Educacional”, onde propõe a necessidade de se desen­
volver pesquisas com o devido rigor analítico sobre a estrutura
interna da escola e sua posição na estrutura da sociedade, destacan­
do a importância do estudo da educação como processo de sociali­
zação e da escola em sua função social, como processo complexo,
onde se refletem os valores e a estrutura da sociedade (Pereira e
Foracchi, 1971: 7-18).

9. O Iseb foi criado cm 1955 para ser um “centro perm anente de altos estudos
polídcos e sociais de nível pós-universitário, onde se aplicariam as categorias e
os dados das ciências sociais à com preensão crítica da realidade brasileira
visando à elaboração de instrum entos teóricos que perm itíssem o incentivo e
a prom oção do desenvolvim ento nacional” (Cunha, 1981: 8-9). Para os teóri­
cos do Iseb a educação era um instrum ento estratégico na ruptura com a
sociedade tradicional e para a form ação de hábitos e da aceitação dos valores
que acom panhariam o processo de desenvolvim ento nacional.
10. D estacam -se com o sociólogos preocupados com a questão educacional, em
especial Florestan Fernandes, Antonio Cândido, Luís Pereira e Marialice Foracchi.
11. M aria Isaura Pereira de Q ueiroz (1972: 522), na análise sobre o desenvo lvi­
m ento das pesquisas em píricas na sociologia, cham ava atenção que “dos
aspectos d o real nenhum parece ter inspirado tanto os pesquisadores quanto
os que tratam de sociologia educacional”.
E ST U D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO B R A SIL 357

O estudo sociológico da escola transform a-se em tendência


dom inante no desenvolvimento da sociologia da educação no
Brasil. Em outro texto, Antonio Cândido (1956) aponta que a
análise da estrutura interna da escola deveria abarcar: os subgrupos
sociais e os controles internos; a estrutura e o funcionamento da
escola inserida no sistema escolar mais amplo e diferenciado; a
com plexidade das tarefas administrativas impostas pela expansão
e diferenciação do sistem a escolar e seus componentes burocrá­
ticos (Pereira e Foracchi, 1971: 107-128),
Do mesmo modo, Luís A. Costa Pinto e Edison Carneiro
(1955: 7-18) destacam a importância da educação como tema de
pesquisa, o que para os autores derivava da tomada de posição
aberta de parte de administradores e cientistas no debate doutriná­
rio sobre a forma e o conteúdo do sistema educacional brasileiro e
sobre o sentido de sua reforma. Técnicos, administradores e cien­
dstas participavam no debate de idéias e no esforço de implementar
reform as e projetos consoantes com as idéias que defendiam. Essa
preocupação com a educação em geral e a insatisfação com as
condições educacionais do país resultou num esforço rigoroso de
investigação de corte propriamente sociológico12.
A especificidade do papel do cientista social no tratamento
das questões educacionais e seu com prom isso frente aos desafi­
os postos pela inevitável transform ação da realidade do país
foram objeto de reflexão e análise especialmente nos trabalhos
de Florestan Fernandes (1960) e M arialice Foracchi (1960)13. A

12. C om relação aos dilem as educacionais, Florestan Fernandes, em 1960, assu­


m ia que “os problem as educacionais brasileiros vistos de um a perspectiva
m acrosociológica apresentam -se, em grande parte, com o produtos de nossa
incapacidade de ajustar as instituições educacionais às diferentes funções
psicoculturais e socioeconôm icas que elas devem preencher e de criar um
sistem a educacional suficientem ente diferenciado e plástico para correspon­
d er ordenadam ente à variedade, ao volum e e ao rápido in c r e m e n t o das
necessidades escolares do país c o m o u m todo” (Fernandes, 1960:194).
13. M arialice Foracchi, em texto de 1960, esclarecia que “torna-se desta forma
358 C LA R ISSA E CK E R T BAE TA N EVES

influência de Karl M anheim era nítida14. N ele buscavam a refe­


rência para com preender a educação como uma conjugação har­
m ônica de técnicas sociais, em função das possibilidades que
oferecia à intervenção racional; e as responsabilidades intelec­
tuais do cientista social como agente dinâmico da mudança cons­
ciente do seu papel e da importância de sua participação.
Os eixos temáticos, em torno dos quais se organizavam a
pesquisa e a produção de conhecimento, começam a se diferen­
ciar15. A o lado das questões referentes à organização social da
escola, as relações entre educação e sociedade de um modo geral,
tendo como objeto os sistemas de ensino em suas articulações com
as demandas do desenvolvimento e com a estratificação social,
entre outros, enriqueciam a pauta dos estudos16. Difundiram-se as

imprescindível a participação ativa dos cientistas sociais nos problem as educa­


cionais do país, porque eles podem tanto com preendê-los adequada e objeti­
vam ente nas condições específicas em que se m anifestam , com o podem
tam bém orientar a intervenção visando objetivos que estejam autenticam ente
incorporadas ao processo dinâm ico de transform ação social” {apud Foracchi,
1982: 49). Tam bém Florestan Fernandes, em texto de 1960, ressalta a im por­
tância dos cientistas sociais com o agentes de m udança cultural que deveriam
oferecer sua contribuição m esm o nas fases técnicas dos processos de inter­
venção na situação educacional brasileira e de subordinarem suas investiga­
ções aos propósitos e aos modelos de raciocínio científico nas ciências sociais
aplicadas (Fernandes, 1960: 214).
14. Vanilda Paiva (1980) ressalta que a sociologia de M anheim tam bém foi a
catalizadora das várias tendências que atuaram no Iseb, fornecendo a perspec­
tiva iluminista para os intelectuais que queriam se ver com o inteligência social­
mente desvinculada.
15. Cunha (1981) destaca quatro linhas de estudo principais em torno dos quais se
dava a produção: escola para o desenvolvim ento; educação p ara a dem ocra­
cia; determ inantes da dem anda escolar; e a política educacional pós-1968.
16. A bibliografia sobre sociologia da educação analisada por Cam pos (1974)
revela um a ampla produção em torno de tem as com tendência pedagógico-
sociológica, com o trabalhos sobre sociologia educacional, problemas e defi­
ciências do ensino, os ensinos rural, municipal e regional, e as relações da escola
com a com unidade; e de tendência propriamente sociológica como as relações
da educação com a estrutura social, com o sistem a de estratificação social, as
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BRASIL 359

técnicas estatísticas de análise e a preocupação com as desigualda­


des educacionais17. Surgem as pesquisas de caráter sociodemográfico
que relacionam a origem fam iliar d o s alunos com repetência, evasão e
acesso diferenciado aos níveis de ensino (Gouveia, 1989: 73). Neste
campo, as pesquisas, segundo Maria Aparecida J. Gouveia (1989),
evidenciavam o caráter seledvo e antidemocrádco do sistem a esco­
lar, mas apenas tangenciavam os processos que produzem a
seletividade social observada, pois focalizavam a evasão, a repetência
e as desigualdades educacionais apenas em função da origem dos
alunos, não revelando os processos e situações escolares nos quais
a variável atua. A utilização de categorias' das ciências econômicas
dissemina-se à medida que ganha importância a aferição do impacto
da educação no desenvolvimento econômico. A guerra fria, a corrida
espacial e a rápida recuperação da Europa e do Japão destruídos na
Segunda Grande Guerra estimulam as reflexões no campo da mobili­
dade educacional e da economia da educação18.
O golpe m ilitar de 1964 frustrou o esforço de transform a­
ção da realidade educacional, que se forjava em estreito vínculo
com a produção de conhecimentos daqueles anos. Entra-se na
segunda fase caracterizada, segundo Cândido Gomes (1985: 15),
pelo “pessimismo pedagógico”. Não tendo a educação satisfeito
as elevadas expectativas em relação aos seus efeitos sociais, se-
guiu-se um período de desilusão e cinismo, quando a educação

funções do sistema educacional no processo de m udança social e cultural, o


sistema educacional e suas vinculações com os grupos raciais, culturais e outros
e as relações sociais na escola.
17. Gouveia (1985) cham a a atenção para a introdução do survey na pesquisa
sociológica a p artir dos trabalhos de H utchinson e colaboradores (1960) c
G ouveia (1965).
18. O trabalho de Fernanda Sobral sobre educação e m udança social (1980) é
um a crítica im portante sobre os estudos que trataram a educação como
agente de m udança social, seja p or meio de sua influência sobre a m obilidade
social, seja dentro do enfoque econôm ico e sua contribuição quanto à qualifi­
cação dos recursos hum anos, isto é, educação com o investimento.
360 CLA R ISSA ECK ERT BAE TA N EV ES

passou a ser vista, predominantemente, como um processo de


manutenção do poder estabelecido (Cunha, 1992).
Os governos militares mantiveram o discurso da im portân­
cia da educação para o desenvolvimento do país. Empreenderam
inúmeras reform as, com destaque para a Reform a Universitária
de 1968. Subjacente a essas iniciativas de reform a estavam as
análises desenvolvidas no contexto da nova economia da educa­
ção, que destacavam a escolarização com o instrum ento estratégi­
co da mobilidade social e do com bate à desigualdade econômica
e social19. A execução das reformas revelou as am bigüidades e
contradições dos projetos dos governos militares (Cunha, 1975b;
Freitag, 1977). Paralelamente, deu-se o esvaziamento da ação do
Inep e dos centros regionais. A base institucional sobre a qual se
construíram as primeiras redes de estudo sistemático da realida­
de educacional foi desestruturada (Cunha, 1992).
Na década de 1970, o foco dos estudos desviou-se da escola e
de suas relações com a dinâmica social para a política educacional.
M ultiplicaram-se os estudos sobre a legislação e os program as
governamentais.
As análises das iniciativas de reform a dos governos militares
e, sobretudo de seus fracassos e ambigüidades, ajudaram a difundir
a idéia de que as políticas e os sistemas educacionais simplesmente
reproduziam as estruturas de dominação, não alterando as condi­
ções de vida ou o sistema de poder na sociedade20. O descrédito
quanto à possibilidade de ocorrerem mudanças sociais significativas
a partir da multiplicação de escolas e reformas do sistema educacio­
nal foi reforçado pela am pla difusão das teorias da reprodução

19. Forte influência tiveram os estudos de Carlos Langoni (1976) sobre o investi-
m ento em educação no Brasil, publicados no início da década de 1970.
20. G ouveia (1985) ressalta que, com a teoria da dependência, a atenção dos
cientistas recai sobre os aspectos m acroestruturais do país e sua reíação com
os países de capitalism o avançado. O estudo de M anfredo B erger (1976)
sobre educação e dependência é representadvo desta m udança.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BR A SIL 361

como as de Louis Althusser, Pierre Bourdieu, S. Bowles e H.


Gintis. No Brasil ocorre um a grande aceitação teórica destes auto­
res, que privilegiam o papel reprodutor da educação como instru­
mento legitimador das desigualdades sociais. N esse sentido, as teo­
rias à s r e p r o d u çã o e a reflexão sobre a construção e o c o n flito
entre projetos sociais hegemônicos ganharam espaço influenciando
grande parte dos trabalhos realizados no período21.
Desde meados dos anos de 1980, com a redemocratização do
país, a educação vem ganhando nova evidência no quadro das
políticas sociais e das preocupações com o desenvolvimento eco­
nômico. A superação da pesada herança de descaso e do tratamento
populista das questões referentes à escolarização da população e da
relação entre educação e cidadania torna-se hoje um imperativo
dramático. Ademais, somam-se aos antigos e sempre protelados
problemas novos e complexos desafios derivados da globalização e
do próprio processo de transformação tecnológica acelerada. Estas
mudanças trazem novas preocupações com os sistemas e processos
form ais e inform ais de educação.
Na fase atuai, a agenda dos estudiosos das relações entre
educação e sociedade enriqueceu-se ainda mais. A dinâmica e a
conform ação de sistemas form ais de educação, os custos, a efi­
ciência e a flexibilização dos processos e dos sistem as educacio­
nais, o reconhecim ento das expectativas e dem andas sociais, a
em ergência de oportunidades de educação continuada, a diversi­
dade sociocultural, como desafio, ganham nova importância e
atualidade. O utra vez o debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação e sobre o Plano N acional de Educação e seus
desdobram entos e im plicações legais operaram como momento

21. N o final da década de 1970, a orientação teórica dos trabalhos sobre educa­
ção m uda especialm ente com a contribuição de Antônio G ram sci, que funda­
m enta o debate sobre teoria e prática e a figura do educador com o um
intelectual orgânico das classes subalternas. N esse sentido, um a contribuição
im portante foi a obra de Bárbara Freitag (1977).
362 CLA R ISSA F.CKF.RT BAETA N EVES

privilegiado, catalisando as atenções para as múltiplas facetas da


problemática educacional. A reorganização do Inep como Institu­
to Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais e a retomada
da produção de estatísticas sobre a educação e os sistemas edu­
cacionais e de inform ações sobre os principais programas gover­
namentais em im plantação ampliaram a base de referência para as
análises, revitalizando o debate e as pesquisas22.
As ciências sociais têm se mostrado sensíveis e atentas a
essas rápidas e multifacetadas transformações no campo da educa­
ção. O volume de trabalho sobre o tema cresce e se diversifica. A
base institucional para o desenvolvimento recente dos estudos
deslocou-se, fundamentalmente, para os program as de pós-gra­
duação em educação e para as várias disciplinas das ciências
sociais. Na análise que se segue será enfocada a produção oriun­
da dos program as e cursos de pós-graduação das ciências sociais,
especialmente da sociologia.

A S o c io l o g ia da E d u c a ç ã o : A l g u m a s T e n d ê n c ia s
de P e s q u is a no C e n á r io I n t e r n a c io n a l

Analisa-se, a seguir, sucintamente, as tendências de pesquisa


no campo da sociologia da educação na França, Inglaterra, Estados
Unidos e Alemanha, países que se destacam pela ampla produção
teórica e temática neste campo e que influenciaram a formação de
muitos sociólogos brasileiros que hoje produzem nesta área.

22. O Instituto N acional de Estudos e Pesquisas E ducacionais (Inep) é responsá­


vel pelo sistem a de avaliação nacional nos vários níveis, entre eles o Sistem a
Nacional de Avaliação da E ducação Básica (Saeb), o Exam e N acional do
E nsino M édio (Enem ), e o Exam e N acional do E nsino Superior (Provão).
Além disso, é responsável pela m anutenção do sistem a de inform ação e
dados, através da realização do Censo E scolar e do Censo de Educação
Superior, pela produção de estatísticas, para subsídio de políticas educacionais
(http://www.inep.gov.br).
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO NO BR A SIL 363

Os com entários sobre as tendências de pesquisa atendem à


intenção de oferecer um contraponto à apresentação dos estudos
recentes no Brasil. Cabe registrar que grande parte dos pesquisa­
dores das questões educacionais tem um a vinculação com o
debate acadêmico destes países, particularm ente com a academia
francesa. Não obstante, o desenvolvimento recente dos estudos
no Brasil segue como próprio e independente.

A Nova So cio lo gia da Educação na G rã-Bretanha

A sociologia britânica da educação dos anos de 1950 e 1960


estava interessada, sobretudo, nos problemas da desigualdade das
oportunidades, dos obstáculos à mobilidade, do desperdício dos
talentos e dos determinantes sociais ou socioculturais da educabili-
dade. Seu quadro conceituai principal era o funcionalismo. Como
disciplina de ensino vai se expandir notavelmente, nos anos de
1960, como parte importante dos programas de formação de profes­
sores. No entanto, essa sociologia tradicional da educação passou a
ser criticada, especialmente pelos partidários de uma nova sociolo­
gia da educação por concentrar-se excessivamente em

[...] c o n ta b iliz a r efetivos, d e sc re v er fluxo s e c a lc u la r r e n d i m e n t o s s e m p ro ­


p o r um q u ad ro teó rico rigo ro so , m arcad o p elo d iscu rso fun cio n alista ou
cu ltu ralista d o m in an te, com o revelam as teo rias d o handicap so cio cultu ral
e as p e d a g o g ia s c o m p e n sa tó ria s, su scetív el d e p erm itir u m a v e rd ad e ira
co m p reen são d o s fen ô m eno s (B ern stein , 1974 apu d F o rqu in , 1995: 15).

A nova sociologia da educação (.NSE ), na Grã-Bretanha,


surge com a publicação da obra Knowlegde and Control (Young,
1971), indicando uma pluralidade de novas direções para a socio­
logia da educação.
Segundo os partidários da NSE, a sociologia da educação
tradicional não conseguiu analisar o caráter “socialm ente cons­
truído” da educação escolar; não considerou a realidade dos
364 CLA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

processos e procedim entos propriam ente escolares e os pressu­


postos ideológico-intelectuais que lhe serviam de base; tendo
uma concepção ingênua, pré-crítica e de certa form a pré-socio-
lógica dos saberes transmitidos pela escola.
A NSE mostra interesse crescente pelos processos efetivos
que se desenvolvem nas escolas e salas de aula, pelos conteúdos
de saberes incorporados nos program as e estruturas curriculares
e pelas relações sociais que se estabelecem cotidianamente entre
os atores.
Foram duas as principais fontes de inspiração da NSE: o
interacionism o simbólico americano, originário de G. H. M ead,
que “concebe a sociedade como um a cena (ou uma arena), o
indivíduo como um ator social em com unicação com outros
atores e a educação como o desempenho de diferentes papéis
sem restrições e am plam ente im provisado”; e a fenomenologia
social de Alfred Schutz, referência teórica explícita que

[...] p artilh a os m esm o s p o stu lad o s “a n ü p o sitiv ista s” d o in te rac io n ism o


sim b ó lico , um a c o n cep ção d e h om em , m ais com o ato r do que co m o p ro ­
d u to e a p referên cia m e to d o ló g ica p elo s p ro ced im en to s d escritiv o s e inter-
p retativos, em v e z d as g ra n d es p esq u isas so ciais com en o rm e arcab o u ço
estatístico (F orquin , 1995: 151 e 152)23.

As principais contribuições da NSE dizem respeito a três


domínios: (a) a teoria do currículo, como forma de organização e
legitimação do saber; (b) a análise das representações e perspectivas
subjetivas dos professores, como profissionais do saber; (c) o estudo
do processo de interação pedagógica (Forquin, 1995:153).
Para Bernstein,

[...] a m an eira com o a so cied ad e selecio n a, c lassific a, d istrib u i, tran sm ite e


av alia o sab er e m in stitu içõ es de en sin o re fle te a d istrib u ição do p o d e r em

23. Ver tam bém M orrow e Torres (1997: 271-272).


ESTUD O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE EDUCAÇÃO NO B R A SIL 365

seu seio e a m an eira com o se en co n tra g aran tid o o co n tro le so cial dos
co m p o n en te s in d iv id u ais. E x iste m , a ssim , esq u em as o rg a n iz a d o re s (ou
c ó d ig o s) d o s sab eres esco lares q u e g o v e r n a m sim u ltan eam en te, seu m o d o
d e c o e x istê n c ia no âm b ito d o cu rrícu lo e as m o d alid ad es p ed ag ó gicas de
sua tran sm issão (B ern stein , 1971 apud F orquin, 1995: 153).

Também Young, em texto de 1971 (b), acreditava na possibili­


dade de renovar a sociologia da educação através da análise dos
currículos (saberes): “a educação administra e faz circular os sabe­
res e não somente as coortes de alunos”. De acordo com Young:

[...] a p a rtir do sa b e r d isp o n ív el em d eterm in ad o m o m en to em um a so cie­


d ad e, a e sco la o p era u m a seleção e im p õ e a esses elem en to s selecio n ad o s
u m a o rg an ização e fo rm as p ecu liares com b ase em esco lh as co n scien tes e
in c o n scien tes, cm fun ção d e certas características e stru tu rais d a so cied ad e
(Y oung, 1971b apud F o rqu in , 1995: 154).

Trata-se da hierarquização dos saberes escolares: os mais pres­


tigiosos e os mais rentáveis, clo ponto de vista social, são geralmen­
te os mais abstratos e mais desligados da vida cotidiana e revelam o
privilégio da cultura escrita e letrada, em relação às formas orais de
troca e comunicação. Uma tarefa essencial da sociologia seria expli­
car a razão pela qual isso estaria acontecendo atualmente dessa
forma. A sociologia da educação na Inglaterra passou a ser uma
“sociologia do currículo”, tratando do caráter socialmente cons­
truído dos saberes escolares.

A So cio lo gia da Educação na França

N a França, a sociologia da educação foi marcada, a partir dos


anos de 1960, por três grandes movimentos: (a) o empenho no
conhecimento do sistema escolar; (b) a discussão teórica em torno
da crise dos paradigmas das ciências sociais, que também marcou a
sociologia da educação; e (c) as novas tendências de pesquisa
(Forquin, 1995; M orrow e Torres, 1997; Van Haecht, 1992).
366 CLA R ISSA F.CKF.RT BAETA N EVES

Nos anos de 1960, a pressão dem ográfica e o prolongamen­


to da escolaridade obrigatória provocaram transformações quan­
titativas no aparelho escolar, que levaram ao desenvolvimento
de uma rede de coleta e análise de dados referentes não só aos
aspectos internos do sistem a educacional, mas também à sua
relação com o sistem a produtivo. As estatísticas produzidas ser­
viam para apoio da gestão de diferentes estabelecim entos e ela­
boração das políticas educacionais24.
Um tema dominante foi a desigualdade de acesso à educação e
seus efeitos sobre os processos da estratificação social25. A socio­
logia da educação, nesse período, era marcada por três correntes de
pensamento (funcionalismo, marxismo e estruturalismo) que busca­
vam explicar os determinantes estruturais do sistema de ensino.
Segundo Forquin, a análise destes determinantes estruturais teve o
mérito de colocar em evidência grandes linhas, em determinados
casos provocou, no entanto, uma certa rigidez das teses em pauta,
levando ao empobrecimento relativo do campo nos últimos anos.
Assim, o conhecimento macrosociológico da instituição escolar pa­
recia ter se esgotado, pois as abordagens globalizantes, que viam na
escola ora um instrumento de desenvolvimento econômico e social
(teorias do capital humano), ora uma instância de reprodução da

24. Eram estudos longitudinais, a partir de grupos bastante grandes, para acom ­
panhar o percurso dos alunos em quase todos os níveis de ensino, nos setores
público e privado: características sociodem ográficas; trajetórias escolares das
coortes em escala nacional; fluxos financeiros; conhecim ento quantitativo das
universidades; m ecanism os que regulam “a passagem ” de aparelho educativo
para o aparelho produtivo; inserção profissional; carreiras profissionais etc. A
sistematização e a abrangência desses dados perm itiu aos pesquisadores apoiar
suas próprias pesquisas em bases em píricas sólidas e avançar na direção de
análises mais qualitativas.
25. E specialm ente na França, m as tam bém na G rã-Bretanha, foram desenvolvi­
das inúm eras teorias explicativas sobre a questão da desigualdade, com o a
teoria culturalista, a conflitualista ou político-ideológica, o modelo fatorial e o
sistêmico (Forquin, 1995: 21-78).
ESTU D O S SO C IO LÓ G IC O S SO B R E ED U CAÇÃO NO BR ASIL 367

divisão da sociedade em classes e camadas sociais (teoria da repro­


dução) encontravam-se num impasse.
A partir da década de 1980, uma nova tendência de estudos
reintroduz a escola no sistem a mais com plexo de determinações
sociais a partir de uma nova concepção de socialização que dá
ênfase ao ator individual26. Também na França abordagens inter
ou pluridisciplinares, em vez de se fixarem exclusivamente nas
estruturas, passam a considerar os atores individuais no âmbito
da escola como elem entos ativos e centrais da explicação socio­
lógica no campo educacional (Van Haecht, 1992; Forquin, 1995).
A educação, objeto de natureza particularmente complexa, vai
se disseminar em diversas especialidades. Equipes de pesquisa pas­
sam a enriquecer suas análises com diferentes abordagens, seja a
utilização da história, introdução de narrativas e histórias de vida
como novos procedimentos sociológicos etc. As tendências recen­
tes da sociologia da educação na França revelam a preocupação
com uma concepção mais dinâmica da ação individual: o agente
transforma-se em ator; buscando uma síntese entre as dimensões
subjetivas e objetivas da realidade social.
O “retorno ao ator”, segundo a expressão utilizada pelo
sociólogo francês Alain Touraine, com porta várias dimensões
que não são plenam ente coincidentes: a busca dos determ inantes
sociais, que pesam sobre as ações e as práticas individuais no
interior das instituições escolares apresenta-se, de fato, como um
prolongamento dos estudos efetuados até meados da década; por
conseguinte, não constitui uma ruptura teórica; as pesquisas ba­
seadas na vivência dos atores suscitam problemas relativamente
novos. O indivíduo torna-se, ao mesmo tempo, objeto de conhe­
cimento (para o pesquisador) e sujeito de conhecimento, na me-

26. Van H aecht refere-se às reflexões de Bourdieu, Boudon, B ertellot e de


Perrenoud, na direção de um paradigm a estratégico, dando um estatuto im ­
portante ao ator individual (Van Haecht, 1992: 140).
368 CLARISSA ECK ERT BAETA N EVES

dida em que é ele m esm o quem “constrói” e “ fornece” o esque­


m a para a interpretação da realidade (Neves, Eidelman e Z agefka,
1995: 186). Para as autoras, o interesse pelo estudo das interações
e negociações entre atores sociais é conseqüência da percepção,
no campo da sociologia da educação, da com plexidade do seu
objeto, que não deve se lim itar unicam ente à escola e nem se
deixar confinar em um a única abordagem dominante.
Van Haecht (1992: 155) ressalta que, também na França,
constata-se uma preocupação crescente e renovada de “abrir a
caixa preta” que é a escola, com novas abordagens, novos obje­
tos e novos métodos, investigando também as estratégias educativas
e as práticas pedagógicas que influenciam o desempenho escolar.

So cio lo gia da Edu cação N orte-am ericana

A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, configura-


se a pedagogia crítica na teoria da educação, tendo como princi­
pais representantes Michel Apple, com as obras Ideology and
Curriculum , de 1979 e Education and Power, de 1985; e M ichel
Giroux, com o estudo intitulado Schooling and the Struggle f o r Public
Life: Criticai Pedagogy in the M odem A ge , de 1988.
Michel Apple traz à tona os estudos de Bowles e Gintis,
especificamente, o trabalho Schooling in Capitalist America (1976),
no qual os autores fazem uma análise que relaciona a reprodução
da divisão social do trabalho, a aceitação dessa relação e controle
por parte dos indivíduos e as relações entre a form ação de
classe, a dominação absoluta e a escolarização na Am érica (apud
M orrow e Torres, 1997: 285).
Michel G iroux, no entanto, terá um a relação crítica com o
estruturalism o de Bowles e Gintis. No seu trabalho, desde o
início, desenvolve elem entos de uma teoria da resistência e sua
relação com um a pedagogia crítica. Tenta, assim , conciliar as
teorias gram sciana e a de “Frankfurt”, reconhecendo afinidades
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BR A SIL 369

entre a teoria da hegem onia e as questões da dominação e da


legitimação da teoria crídca, estando sobre influência também de
Paulo Freire {apud M orrow e Torres, 1997: 287). J á Michel Apple
tem uma influência mais haberm asiana, invocando, juntamente,
os estudos culturais realizados pela escola de Frankfurt.
M ichel Apple e M ichel Giroux constroem os seus discur­
sos a partir de uma perspectiva de autonom ia relativa ao sugeri­
rem que os professores deveriam se tornar intelectuais transfor­
madores. Este é o m odo pelo qual eles descobriram como politizar
o currículo e form ar politicamente. Estes permanecem presos ao
discurso da escrita e alfabetização para poderem considerar de
uma forma global a crescente marginalidade da esfera educativa
ao lado dos professores como agentes de socialização e de re­
produção cultural {apud M orrow e Torres, 1997: 291).

So cio lo gia da Educação na A lem an ha

A sociologia da educação na Alemanha vai se desenvolver


na década de I96027 a partir de alguns importantes centros de
pesquisa, em estreita relação com a pesquisa educacional para
subsidiar as políticas educacionais. Especialmente relevantes neste
período foram os trabalhos desenvolvidos nos Institutos para
Pesquisa Educacionais da Sociedade M ax Planck, em Berlim,
dirigido por Helmut Becker (Sommerkorn, 1997: 37).
N este centro, nas sessões para Economia da Educação, sob
a direção de Friedrich Edding e na sessão para Sociologia da
Educação, sob a direção de Dietrich Goldschmidt vai ocorrer a
am pla interação entre a política educacional, o planejamento edu­
cacional e a pesquisa educacional nas décadas de 1960 e 1970.

27. Som ente em 1959 vai ocorrer a prim eira reunião de sociologia de educação
na Sociedade Alem ã para Sociologia. Tam bém é deste ano a prim eira coletâ­
nea sobre sociologia da educação publicada com o Caderno E special na Kölner
Z eitschriftfür Sociologie.
370 CLARISSA ECK ERT BAETA N EVES

A partir do final da década de 1970, esta estreita relação entre


a sociologia da educação e a política da educação vai se afrouxar.
Novos temas vão incorporar a agenda de pesquisa na Alemanha. O
enfoque americano da educação compensatória foi relevante para
as análises sobre a igualdade de chances e a superação de barreiras
sociais (Sommerkom, 1997: 39). Este enfoque foi importante na
discussão sobre a relevância da educação e da socialização no
contexto do desenvolvimento econômico, político e social. Educa­
ção para quê? Os trabalhos buscavam a relação entre educação e a
reconstrução da sociedade industrial democrática. O enfoque da
economia da educação serve de referência às análises. Contraponto
a este enfoque, no entanto, desenvolvem-se os trabalhos na base
microestrutural sobre a demanda individual por educação formal
como capital cultural.
Os principais trabalhos, segundo Ingrid Sommerkorn (1997),
buscavam analisar o papel da escola como sistema social para o
funcionamento de outros sistemas, como o ocupacional para qua­
lificação das novas gerações. M ultiplicam-se as análises relacio­
nando a posição de classe social, medido pelos status paterno
com o desempenho escolar.
A partir de meados da década de 1980 foram se intensifi­
cando os estudos que relacionavam a educação com as chances
no mercado de trabalho. Também na Alemanha, a partir da cons­
tatação da falta de em prego para os jovens, ocorre o descrédito
quanto às chances de que pela reform a educacional pudesse
ocorrer a reform a da sociedade. Difunde-se a tese da deteriora­
ção das chances sociais. Deste modo, o tema da reprodução das
desigualdades sociais se mantém como referência importante no
campo da sociologia da educação alemã. Diferentes análises, tam­
bém na década de 1990, confirm am a continuidade do velho
problem a da desigualdade social.
Em uma perspectiva microsociológica, a sociologia da edu­
cação vai tratar dos processos de socialização escolar como pro-
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO BRASIL 371

cessos de interação na escola, desenvolvendo um a sociologia da


escola. Neste contexto, também a form ação e a profissionaliza­
ção do professor passa a ser um im portante objeto de análise.
Outro tema que vem se destacando diz respeito às igualda­
des de chances de meninas e mulheres no sistem a educacional.
Também na Alemanha constata-se a pouca interação no tratamen­
to deste tema entre os sociólogos da educação e a pesquisa
sobre gênero. Foram principalm ente os pesquisadores sobre a
escola que desenvolveram este tema. Atualm ente, os dados con­
firmam a igualdade de chances educacionais para meninos e me­
ninas apontando, no entanto, para a discrepância que vai ocorrer
na distribuição desigual na hierarquia ocupacional.

Os E s t u d o s S o c i o l ó g i c o s s o b re E d u c a ç ã o n a A t u a lid a d e

Uma nova etapa de institucionalização da pesquisa sobre


educação no Brasil ocorre com a implantação da pós-graduação,
que se expande desde os anos de 1970. Silke W eber (1992)
cham a a atenção para o fato de que, naqueles anos, a pesquisa
ocorria em pequena escala e concentrada em poucos programas
de pós-graduação. Essa situação alterou-se nos anos mais recen­
tes. O cenário, desde os fins dos anos de 1980, revela a existên­
cia de um número m aior de pesquisadores e grupos envolvidos
com os estudos sobre educação nos programas de pós-graduação
em educação e ciências sociais.
O papel da pós-graduação pode ser bem estimado quando
se tem presente que o G T “Educação e Sociedade” criado na
Anpocs, em 1982, reuniu-se de modo ininterrupto até o ano 2000
como fórum de debates, de divulgação de trabalhos e de identifi­
cação de prioridades de pesquisa e reflexão sobre teorias e m é­
todos no campo educacional (Oliven, 1998)28.

28. N o balanço sobre as atividades do G T “E ducação e Sociedade”/Anpocs,


372 C LA R ISSA ECKERT BAE TA N EV ES

O foco deste trabalho recai na produção dos program as de


pós-graduação em sociologia. As áreas de concentração e as
linhas de pesquisa nos programas de pós-graduação em sociolo­
gia, bem como os dados do Diretório dos Grupos de Pesquisa
organizado pelo CNPq (versão 4.1), dão uma idéia clara da in ­
tensidade e diferenciação dos interesses de pesquisa29.
A análise dos grupos de pesquisa revelou que a área de
sociologia, no Diretório dos Grupos de Pesquisa30, é formada
por 187 grupos, dentre os quais 41 possuem alguma linha de
pesquisa ligada à tem ática da educação31.
Agrupando-se a informação disponível para os grupos, cons­
tata-se o desenvolvimento de pesquisas nos seguintes complexos
temáticos: Educação/Escola e Desigualdade (cinco GP), Escola e
Violência (dois GP), Educação e Gênero (quatro GP), Educação e

Arabela C. O liven (1998) reconstrói os temas fundamentais desenvolvidos nas


seções de apresentação c de debates. O tema da “Universidade” foi um dos
m ais expressivos, seguido da discussão sobre as condições sociais da produ­
ção em Sociologia da Educação no Brasil. O utros eixos tem áticos foram
“E ducação e T rabalho”; “Educação, E stado e Sociedade”; “Raça, G ênero e
Educação”.
29. Também foi consultada a produção recente sobre temas da educação brasilei­
ra na form a de livros, arügos, teses e dissertações registradas nas bibliotecas
universitárias. D a am pla bibliografia consultada, fez-se um a seleção dos traba­
lhos que constam no final do texto. D estes, foram selecionados para análise
algum as obras m ais significativas, que vêm indicando os rum os da pesquisa e
contribuindo para o aprofundam ento do debate sobre a questão educacional
na atualidade.
30. Para esta pesquisa foram consultados os dados do diretório dos grupos de
Pesquisa do CN Pq disponíveis na hom epage http://www.cnpq.br. Ver quadros
dos G rupos de Pesquisa em Sociologia, A ntropologia e Ciência Política, no
final do texto, que registraram algum a linha de pesquisa em Educação.
31. N a Antropologia, foram identificados nove grupos de pesquisa desenvolven­
do pesquisas sobre educação, dois sobre diversidade cultural, dois sobre
gênero, um sobre violência, um sobre trabalho e três sobre antropologia e
educação. N a Ciência Política, foram encontrados três grupos, os quais traba­
lham com ciência e tecnologia, dados socioeconôm icos sobre educação, e
educação e habitação, que não foram objeto de análise neste trabalho.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO NO BRASIL 373

Trabalho (cinco GP), Educação, Ecologia e Meio-Ambiente (três


GP), Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (sete GP), Educação e
Políticas Públicas (três GP), Educação, Infância e Juventude (cinco
GP) e Estudos em Educação (sete GP), estes abrangendo uma varie­
dade de temas como educação e nacionalismo, educação e movimen­
tos sociais, educação e migrações, formas de socialização, ensino
médio e educação nos assentamentos rurais32.
A m aioria dos grupos é ligada a program as de pós-gradua­
ção em sociologia ou ciências sociais, ou ainda a centros de
pesquisa universitários, com o o Centro de Estudos Rurais e U r­
banos (CERU/USP) ou não universitários como a Fundação João
Pinheiro (MG). A distribuição geográfica revela grupos em prati­
cam ente todos os Estados do Brasil.
Além dos grupos registrados no Diretório dos Grupos de Pes­
quisa do CNPq, há outros grupos trabalhando com temas do campo
da educação, cuja produção também foi analisada neste estudo33.
A am plitude dos interesses temáticos é uma característica
importante da produção recente. E exemplar a presteza com que a
comunidade de estudiosos reage aos novos aspectos e dimensões
que têm marcado o desenvolvimento do campo educacional em
suas múltiplas interfaces com o processo de transformação social.
Flá, assim, um enriquecimento constante da produção de conheci­
mento. Uma parte dela revela-se como esforço de caracterização e

32. Segundo o ano de criação, o gru p o m ais anügo é o CE RU (U SP), de 1964.


O utros três grupos foram criados no final da década de 1980. N a década de
1990, surgiram até 1995, doze grup o s, e entre 1996 e 1999, outros quinze
grupos. Sete grup o s foram criados no ano de 2000.
33. O Instituto de E studos da Cultura e E ducação C ontinuada (IEC) criado em
1993 no Rio de Janeiro é um a O N G que vem desenvolvendo im portantes
pesquisas sobre educação no contexto das transform ações da estrutura pro­
dutiva. Ligados a pesquisa sobre ensino superior destacam -se centros de estudo
e pesquisa com o o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Ensino Superior
(Nupes/USP); Núcleo de Estudos sobre a Universidade (Nesub/UnB); Pro­
gram a de Estudos e D ocum entação Educação e Sociedade (Proedes/UFRJ).
374 CLA R ISSA ECK ERT BAETA NEVES

informação do objeto estudado, mais do que, propriamente, análise


interpretadva apoiada em construções teóricas claramente explicita­
das. Igualmente importante é reconhecer que, do ponto de vista das
abordagens teóricas a fundamentar os estudos, assiste-se, hoje, a
um fenômeno peculiar de convivência pouco polêmica de variadas
correntes apresentadas em graus distintos de sistematização e com
dimensão interpretativa também diferenciada. Com efeito, repro-
duz-se, neste campo particular de produção de conhecimento, o
que já é a tônica de conhecimento nas ciências sociais nas últimas
décadas: a pluralidade de teorias e de métodos que não mais res­
pondem a paradigmas específicos.
A seguir, focaliza-se a produção em algumas áreas temáticas
que deram um novo impulso à pesquisa sobre educação na sociolo­
gia: a escola e sua relação com fenômenos sociais, como desigual­
dade; violência; trabalho e profissão do professor; as políticas edu­
cacionais; o ensino superior; e ainda alguns comentários sobre
educação e trabalho; educação e movimentos sociais; e educação e
gênero. A escolha destes eixos temáticos deve-se, antes de mais
nada, ao fato de que, em torno deles, dá-se a maior concentração de
trabalhos, mas, também, porque aí se revela a maior riqueza de
abordagens e de conteúdos na produção recente.

A Escola como Tema de Pesquisa

A escola voltou a ser tema de pesquisa, mas sob uma ótica


distinta da que caracterizou os estudos das fases anteriores. Pas­
sou a ser analisada em sua relação com os fenômenos sociais, em
um a nova perspectiva, tais como a desigualdade, a violência, o
trabalho e a profissão do professor.

Escolaridade e desigualdades sociais


O Brasil vem apresentando, nas últimas décadas, uma expan­
são educacional com uma m elhora sensível dos seus indicadores de
ESTUD O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO B R A SIL 375

inclusão social, aproximando-se da universalização do acesso ao


ensino fundamental. A taxa de escolarização da população entre
sete e quatorze anos de idade passou de 67% em 1970 para 80% em
1980, 86% em 1991 e 96,8% em 2000 (MEC/Inep, 2000).
Embora se constate este considerável aumento das oportu­
nidades de educação (também no nível médio e superior), per­
manecem ainda graves problemas de fluxo escolar, da qualidade
do ensino, repetência e evasão escolar, que dificultam a progres­
são educacional. Várias pesquisas têm analisado a relação entre as
oportunidades educacionais e a produção das desigualdades so­
ciais, especialmente suas causas e conseqüências, buscando relacioná-
las com os problemas sociais, étnicos, raciais e de gênero. Os
fatores que têm influenciado no desempenho escolar são enfocados
por m eio de indicadores referentes à família - capital econômico e
renda - mas, principalmente, por meio do capital social e cultural
— o clima educacional. A produção sobre este tema é bastante
extensa. A seleção de textos feita aqui procura destacar alguns
trabalhos que expressam as linhas de estudo mais promissoras no
contexto geral.
Nelson Valle e Silva e Carlos H asenbalg (2000) analisam a
evolução das desigualdades e as mudanças dos determ inantes
extra-escolares do desempenho da criança no ensino fundam en­
tal, distinguindo as influências das melhorias no sistem a educa­
cional daquelas produzidas pelas condições sociais da clientela
escolar. Para esta análise utilizaram os dados da Pesquisa Nacio­
nal de Am ostra D om iciliar (PNAD) de 1998 e ainda os dados de
1976 e de 1986.
A comparação dos dados nestas três décadas revelou que as
coortes de idades mais jovens têm se beneficiado da expansão
educacional, passando a escolaridade média de 3,8 anos de estudo
em 1976 para seis anos em 1998. Ocorreu também um aumento da
média de escolaridade de “não brancos”, passando de 59% em 1976
para 69% em 1998 do total da escolaridade dos brancos. Permane­
376 CLARISSA ECK ERT BAETA N EVES

cem, no entanto, acentuadas as diferenças entre brancos e não


brancos no níveí médio, em que apenas 34,9% dos brancos e 19,2%
dos não brancos cursavam o nível médio em 1998 e mais ainda no
nível superior, em que do grupo de 20-24 anos de idade, 12,2% dos
brancos e apenas 2,4% entre os não brancos tiveram acesso a este
nível de ensino em 1998. A escolaridade média das mulheres au­
mentou em 3,6% com relação a dos homens; e as diferenças regio­
nais na esfera educacional, embora ainda presentes, têm diminuído
especialmente pelo crescimento educacional da região Nordeste.
Por fim, apontam para uma significativa convergência educacional
entre as camadas de renda mais altas e mais baixas, caindo a diferen­
ça de 4,8 para 2,9 vezes entre 1976 e 1998.
Para analisar a mudança dos determ inantes extra-escolares
no desempenho escolar das crianças entre sete a catorze anos no
período analisado, foram consideradas as variáveis estrutura e
recursos familiares, por m eio de indicadores dom iciliares de bem-
estar m aterial e capital cultural, baseados no tempo de instrução
das m ães das crianças em idade de escolarização obrigatória. A
estrutura familiar e o bem -estar social foram aferidos pelo núm e­
ro de crianças de catorze anos ou menos nas famílias, proporção
de famílias chefiadas por m ulheres, percentual de mães e de
crianças de dez a catorze anos de idade que trabalham. A análise
das variáveis indicou uma melhoria nas condições de escolariza­
ção de crianças residentes em domicílios urbanos. Os indicado­
res domiciliares de bem -estar material também apresentaram evo­
lução positiva, bem como o númeiro de anos de estudo das mães
das crianças em idade escolar. Constataram a redução do tam a­
nho das famílias e o número de filh o s e os problemas que estão
afetando a escolarização que, segundo a pesquisa, são resultantes
da crescente instabilidade dos casamentos e uniões e o aumento
na proporção de famílias chefiadas por mulheres. A proporção
de crianças de dez a catorze anos de idade que trabalham caiu de
17,7% em 2976 para 13% em 1998.
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO BR A SIL 377

Para os autores, estes indicadores, com exceção da distribui­


ção regional e do aumento das famílias chefiadas por mulheres,
mostraram uma evolução positiva levando a condições de vida
mais favoráveis à escolarização das crianças. A reJação destas
variáveis com o desempenho escolar das crianças de sete a ca­
torze anos revela-se forte e positiva. Concluem que, em 59%
dos casos, as melhorias educacionais estão relacionadas com as
m elhores condições de origem fam iliar e o próprio nível de
escolaridade das m ães e que nos 41% restantes as m elhorias
intrínsecas do sistem a são o fator fundamental.
A discussão sobre a desigualdade social ligada à preocupação
em analisar a estratificação educacional no Brasil buscando com ­
preender os fatores que atuam sobre a demanda de escolaridade
vem sendo objeto de pesquisas, ainda que concentrados em poucos
pesquisadores. Cabe mencionar os trabalhos de Nelson Valle e Silva,
Carlos Halsenbalg e Maria Lígia Barbosa, representativos da discus­
são sobre a relação entre as desigualdades sociais e a educação.
Nelson Valle e Silva e Alberto M ello e Souza (1986) discu­
tiram a estratificação educacional no Brasil com base nos dados
da PNAD de 1976, propondo um modelo sociológico para análi­
se da progressão escolar. No período observado, verificaram que
a distribuição da escolaridade vinha melhorando ao longo do tem­
po, passando o nível de escolaridade média entre a coorte mais
velha e a coorte mais nova de indivíduos de 2,3 anos para mais ou
m enos cinco anos de escolaridade. Mesmo com este aumento da
escolaridade em geral e da melhoria relativa das chances educacio­
nais, concluem que o nível médio da escolarização ainda é muito
baixo e sua distribuição bastante assimétrica. No modelo de análise
utilizado, destacam a importância das variáveis de origem social,
em especial a educação paterna; e que o status ocupacional do pai
é mais importante para completar um ciclo educacional do que
para iniciá-lo, refletindo a relevância da renda familiar nas chances
para conclusão de um ciclo educacional.
378 CLARISSA ECK ERT I5AETA N EVES

Outra importante contribuição neste campo vem dos traba­


lhos de M aria Lígia Barbosa (1998, 2000a, 2000b e 2001)34. Neles,
a autora analisa o desempenho escolar e as desigualdades sociais
por referência a um conjunto de variáveis que dizem respeito
aos indivíduos examinados, as do contexto socioeconômico das
crianças e, ainda, a variáveis institucionais relativas às escolas.
Com relação aos fatores individuais foram analisados as variáveis
sexo, freqüência na pré-escola, ausência da escola e expectativa
dos pais. Os fatores sociofamiliares incluíram a renda familiar, a
escolaridade da mãe e do pai e o padrão de moradia. As variáveis
institucionais trataram da qualidade da escola.
Os seus estudos mostraram que há uma forte associação entre
a posição social da família (renda familiar e escolaridade da mãe e
do pai) a concepção da família sobre a escola (expectativa da mãe
sobre a escolaridade das crianças) e o desempenho escolar. Porém,
a dimensão institucional é, para Maria Lígia Barbosa, cada vez mais
importante para compreender o desempenho escolar:

[...] p assad as as d écad as d e p essim ism o em relação à esco la, esta in stitu i­
ção ap a re ce n o v am en te co m o o b jeto im p o rtan te da an álise so cio lógica.
T rata-se d e re lacio n ar o “efe ito estab elecim en to ” à eficácia d as escolas no
d e se m p en h o e sco lar (B arb o sa, 2 000a: 2).

Uma contribuição significativa do seu estudo, em com ple­


mento aos anteriorm ente comentados, é a tentativa de relacionar
o trabalho institucional —a partir do conjunto de características
da escola, como o grau de participação e controle das professo­
ras sobre o planejam ento curricular, o tempo que as professoras
dedicam ao ensino, a capacitação do corpo docente, a participa­
ção dos pais na gestão da escola, a disponibilidade de recursos

34. O s trabalhos são resultados de sua participação na pesquisa sobre as Polídcas


de Com bate à Repetência e Evasão na Am erica Latina: Argentina, Brasil, Chile
e M éxico.
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BRASIL 379

didáticos e equipam entos —com a redução dos efeitos negativos


das condições sociais. Os resultados encontrados apontam para a
im portância da qualidade da escola como uma variável significati­
va na m elhoria do desempenho escolar. Assim, crianças que têm
mães pouco escolarizadas melhoram, significativamente, o seu de­
sempenho se estudam numa boa escola. Também crianças em
melhores condições sociais têm melhor desempenho em boas es­
colas. Conclui que na luta por uma maior eqüidade, as boas esco­
las são mais capazes de reduzir os efeitos da desigualdade social e
destaca que o papel da escola tem de ser analisado em duas
dim ensões: seu trabalho de reprodução so ciíú e sua capacidade
de gerar m udanças (Barbosa, 2000a: 23-24).
Em outro trabalho, a autora trata especificamente do con­
ceito de capital social e analisa em que m edida os processos de
form ação/dissolução das fam ílias e m ais o com portam ento
reprodutivo das mesmas, expressos respectivamente pelo grau de
nuclearização, pelo grau de predomínio da chefia feminina e pelo
número de irm ãos influenciam o desempenho escolar das crian­
ças (Barbosa, 2001)35. Utiliza o conceito de “capital social” para
designar a dim ensão familiar que expressa o tempo e a atenção
que pais têm ou usam para interação com os filhos, monitorando
suas atividades, promovendo o seu bem -estar e o seu desem pe­
nho escolar. D iz respeito, assim, aos recursos de que dispõem os
pais no processo de socialização dos filhos. Como indicador, o
conceito de capital social, segundo Barbosa, perm ite associar a
dinâm ica dem ográfica e o desempenho escolar. O processo de
form ação e dissolução das famílias (relativo à estabilidade da
relação dos pais e à presença de adultos no lar) e o comporta-

35. Ver tam bém o estudo de M aria Alice N ogueira (1991: 89-112), sobre trajetó­
rias escolares, estratégias culturais e classes sociais, em cjue analisa as estratégias
e com portam entos das famílias pertencentes às diferentes classes e frações de
classes em matéria de escolaridade e de destino profissional de seus filhos.
380 CLARISSA ECK ERT BAETA N EVES

mento reprodutivo (medido pelo tamanho da família ou pelo


número de irmãos) configuram níveis distintos de capital social
para as crianças em cada família, ou seja, distintas quantidades de
tem po dos adultos com disponibilidade para dar atenção aos
membros mais jovens da casa.
As pesquisas sobre escola e desigualdade social também tra­
tam do componente racial revelando uma discriminação explícita,
como apontam as pesquisas de Halsenbalg (1987), Halsenbalg e
Valle e Silva (1990), Silva, N. V. (1994) e os trabalhos do grupo de
pesquisa ‘A Cor da Bahia” (2000 e 2001) vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Bahia36.
Destaca-se aqui o trabalho de Carlos flalsenbalg e Nelson do
Valle e Silva, intitulado Raça e Oportunidades Educacionais no Brasil,
realizado no início da década de 1990, no qual se faz uma crítica
à pesquisa sociológica sobre educação pela negligência com que
trata a dimensão racial e seus efeitos na distribuição de oportuni­
dades educacionais entre diferentes grupos da população. Neste
trabalho, os autores afirm am que “tudo se passa como se o
Brasil fosse uma sociedade racialmente homogênea ou igualitária,
onde os grandes vilões da história, em term os de acesso diferen­
cial à educação são as desigualdades de classe e status socioeco-
nômico” (Halsenbalg e Valle e Silva, 1990: 6). Utilizando dados
da PNAD de 1982, analisaram as desigualdades educacionais en­
tre brancos, pretos e pardos com pessoas de sete a 24 anos, com
ênfase no grupo de idade de sete a catorze anos, idade de esco­
larização obrigatória. Os dados revelaram que pretos e pardos
têm um a probabilidade três vezes maior que os brancos de con-

36. E ntre os trabalhos do grup o de pesquisa “A C or da Bahia” salientam os os


textos “Educação e os A fro-brasileiros: Trajetórias, Identidades e A lternati­
vas” (1998) e “E ducação, R acism o e A nti-racism o” (2000). Para este debate
ver tam bém o trabalho de A na Lúcia Valente, “P roposta M etodológica de
Com bate ao R acism o nas E scolas” (1995). Ver tam bém o estudo de Ana
M aria N iem eyer (2002) sobre o silenciam ento do “negro” entre adolescentes.
ESTUD O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO B R A SIL 381

tinuarem sem instrução ou sem com pletar a prim eira série de


ensino, enquanto mais da m etade dos brancos (52,8%) conse­
guem pelo menos com pletar os oito anos de estudo obrigatório,
já 71,6% de pretos e 68,7% de pardos ficam aquém deste nível
de ensino. O grau mais acentuado de desigualdade de oportuni­
dades se estabelece, entretanto, no nível de ensino superior,
onde 13,6% de brancos e apenas 1,6% de pretos e 2,8% de
pardos conseguem ingressar.
A análise sobre o acesso à escola revelou que m uitas crian­
ças não brancas ingressam tardiam ente na escola e a proporção
de pretos e pardos que não têm acesso algum à escola é três
vezes m aior que a dos brancos. Neste trabalho também foram
considerados os aspectos da trajetória e da situação escolar da­
queles que conseguiram ingressar na escola. Tomando por base
os dados sobre a repetência, foi observado que a experiência da
trajetória escolar entre crianças pretas e pardas é mais lenta e
descontínua e que freqüentam a escola com atraso de três ou
mais séries.

Escola e violência
O tema da violência “contra” e “na” escola é expressão das
novas e mais complexas condições de inserção dessa instituição na
sociedade contemporânea. A preocupação com a temática teve seu
início nos anos de 1980, com a elaboração de diagnósticos que
buscavam constatar tipos de violência praticados contra a institui­
ção escolar, especialmente nas zonas de periferia das grandes cida­
des. Muitos desses diagnósticos tiveram o apoio de organizações
não-governamentais, bem como de organismos públicos.
O fenômeno da violência escolar cresceu na década de
1990 quando, além da violência contra a escola, passa-se a o b '
servar a violência na escola. Constata-se, também, a partir desse
período, um aumento da pesquisa acadêm ica nas universidades,
especialm ente nos program as de pós-graduação, sobre o tema da
382 C L A R ISSA E CK E R T BAETA NEVES

violência escolar nas diferentes áreas das Ciências Sociais, como


também na Educação.
M arília Sposito (1994 e 1998), que já se preocupara com o
tema desde meados de 1990, realiza um consistente balanço da
pesquisa sobre a violência escolar no Brasil (2001). D estaca os
prim eiros estudos na década de 1980 (Guimarães, 1984 e 1990), e
analisa a contribuição dos estudos de cunho acadêmico da década
de 1990, que apontam para a influência do aumento da crim inali­
dade, da insegurança dos alunos e a deterioração do clima esco­
lar com o fatores essenciais na com preensão da relação entre
violência e escola.
O conjunto dos trabalhos analisados por Sposito revela um
quadro complexo, em que as form as de violência social se refle­
tem na instituição escolar, especialmente em regiões marcadas
pela presença do crime organizado e do narcotráfico. Os estudos
tratam das formas de violência contra a escola tais como agres­
sões ao patrimônio, roubos, furtos, depredações e violência con­
tra as pessoas, mas, cada vez mais, a violência na escola se
m ostra caracterizada por um padrão de sociabilidade entre os
alunos, marcada por práticas violentas (físicas e não físicas) ou,
como são definidas, por incivilidades, noção que encara a crise
de convivência e a dificuldade para socializar os jovens no m ar­
co dos valores que a escola tem por objetivo incutir (Viscardi,
1999; Laterm an, 2000; Sposito, 2001).
As análises sobre as formas de violência contra a escola dão
conta de que a crise da eficácia sociabilizadora da escola é da maior
gravidade. Essa visão está muito presente nos estudos de José
Vicente Tavares dos Santos (1995, 1999, 2001), ao constatar a fra­
gilidade da função socializadora da escola pela presença da violên­
cia no espaço escolar, que é caracterizada pelo autor como
“enclausurador do gesto e da palavra”. Para o autor, as relações de
sociabilidade estão passando por um processo de mutação mediante
processos simultâneos de integração comunitária e de fragmentação
E ST U D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO B RASIL 383

social, de massificação e de individualização, de seleção e de exclu­


são social (Tavares dos Santos, 2001: 107)37. Como efeito dos pro­
cessos de fragmentação social e de exclusão econômica e social,
surgem as prádcas de violência como norm a social particular de
amplos grupos da sociedade, presentes em múltiplas dimensões da
violência social e da política contemporânea. A interação social
passa a ser marcada por estilos violentos de sociabilidade, inverten­
do as expectativas do processo civilizatório.
José Vicente Tavares dos Santos (1999) em “A Palavra e o
Gesto Emparedados: A Violência na Escola” expõe a pesquisa
realizada sobre os fenômenos da violência na escola, verificados
no município de Porto Alegre, nos anos de 1989 a 1997, tendo
como objetivo perceber as ca u sa s e c o n ô m ic a s , socia is, políticas e
culturais desses fenômenos e construir juntam ente sugestões e
propostas de ações para com bater as manifestações de violência
contra e na escola, o que culm inou no projeto “Ação contra a
Violência na Escola”. A pesquisa trabalha com o conceito de
“cidadania dilacerada”, o qual considera que a violência na esco­
la é um discurso da recusa, pois ela nasce da palavra e do gesto
em paredados, procurando com preender as m ensagens contidas
nos atos de violência. A pesquisa ainda identificou a m aior inci­
dência de crimes contra o patrim ônio das escolas e contra as
pessoas que trabalham nas escolas.
Em outro estudo, José Vicente Tavares dos Santos (2001)
apresenta uma am pla cartografia dos atos de violência: violência
contra o patrimônio, contra a pessoa e o conflito de civilidades,
expresso no desencontro entre a instituição escolar e as particu­
laridades culturais das populações pobres, marcadas pela violên­
cia simbólica do saber escolar, encenada pelos hábitos sociais de

37. O autor apóia-se em intelectuais destacados da reflexão teórica contem porâ­


nea com o Castel (1998), G iddens (1996), Jam eson (1996) e Souza Santos
(1994) {apudTavares dos Santos, 2001).
384 CLARISSA ECK ERT BAETA N EVES

professores e funcionários da instituição escolar, através da rela­


ção de poder que im põe um conjunto de valores ã população
envolvida. Também constatou um crescimento das mobilizações
sociais contra a violência nas escolas, mediante grupos de refle-
xão-ação, campanhas internas em sala de aula, passeatas pelos
bairros, petições às autoridades municipais e estaduais, declara­
ções à im prensa e tentativa de construção de redes de relações
sociais c o m a coletividade local38.
O tema “educação e violência” já ganhava destaque na coletâ­
nea organizada por Alba Zaluar em 1992. N esta coletânea, seu
artigo denominado “Nem Líderes, nem Heróis” apresenta os resul­
tados de pesquisa realizada num bairro popular do Rio de Janeiro
onde aborda a relação entre a população e as quadrilhas de trafican­
tes e assaltantes no bairro. O texto seguinte traz as questões pre­
sentes na discussão sobre direitos de cidadania e da política social
brasileira. Em artigo mais recente intitulado “Desafios para o Ensi­
no Básico na Visão dos Vulneráveis”, publicado na revista Sociolo-
gias (1999), Alba Zaluar apresenta dados de pesquisa que se centrou
na relação que a escola tem com os pobres, no tipo de escola
oferecida a estes e no modo como crianças e adolescentes — in­
cluindo ex-alunos, alunos e evadidos — e adultos —responsáveis,
lideranças, professores e diretores —percebiam e avaliavam a escola
pública e a qualidade da educação que ela presta a quem a utiliza.
Outros trabalhos também exem plificam a im portância e a
am plitude desta tem ática de pesquisa na atualidade brasileira.
O estudo de Áurea Guimarães (1996) trata da problemática
“educação” e “violência” tendo por base o referencial teórico da

38. O utros trabalhos relevantes com o o de Viscardi (1999) e de Cam acho (2001)
investigam a vida escolar de adolescentes de classes m édias e de segmentos de
elites e os efeitos da prática de violência entre seus pares. Araújo (2001)
investiga as vivências escolares de jovens alunos m oradores da periferia de
Belo H orizonte, cujo coüdiano é m arcado pela violência, insegurança pública
e exclusão social.
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BRASIL 385

sociologia do cotidiano desenvolvida pelo francês Michel Mafessoli.


A partir deste referencial, analisa a violência como um dos ele­
mentos estruüurantes da “socialidade”, sendo uma herança comum
a todo e qualquer conjunto “civilizacional”. Nesse sentido, trata-se
de uma estrutura constante do fenômeno humano que, de forma
paradoxal, representa um certo papel na vida em sociedade. Com
esta perspectiva a autora estuda a violência em sua ambigüidade,
em suas singularidades e em seus modos específicos de m anifes­
tação, prestando atenção nas situações cotidianas em que se m a­
nifesta a violência, procurando desvelar o confronto entre o
poder representado pelas autoridades escolares e a ação dos
alunos, que pode ocorrer de forma branda ou explosiva, tentan­
do resistir às imposições.
Partindo de outra abordagem, Eloisa Guimarães (1998) ana­
lisa o envolvim ento da escola pública com três m ovim entos
distintos, que lhe são exteriores: o narcotráfico, as “galeras” —ou
gangues juvenis — e os movimentos juvenis em torno do qual se
aglutinam os jovens. A pesquisa consiste de um estudo etnográfico
realizado em uma escola pública de primeiro grau, localizado na
periferia urbana do Rio de Janeiro, entre 1991 e 1992, que foi
complementada pelo material obtido em pesquisa anterior, desen­
volvida em outra escola entre os anos de 1989 e 1990, com preen­
dendo a questão da violência como um elemento im portante que
afeta o cotidiano das escolas localizadas nas proxim idades de
áreas dominadas pelo narcotráfico.
A pesquisa de Marília Pontes Sposito (1998) aborda a ques­
tão da violência nas escolas públicas na região da grande São
Paulo. Esta pesquisa baseia-se em diversas fontes como notícias
da im prensa, índices de violência de órgãos públicos, registro de
iniciativas governamentais, entrevistas com vigias de escolas e,
ainda, estudos produzidos sobre o tema no Brasil e na França. A
partir destes instrumentos metodológicos a autora estabelece de­
finições teóricas em relação ao binômio violência-escola e exa­
386 C LARISSA ECKERT BAETA N EVES

mina algumas das ações governamentais mais significativas a par­


tir de 1980, encaminhando reflexões sobre o sentido da escola na
contem poraneidade e situando a violência no interior da estrutu­
ra social.
Por fim, cabe destacar o trabalho atual de M iriam Abramovay
e Maria das Graças Rua em Violências nas Escolas (2002), onde
apresentam o resultado de ampla pesquisa realizada em treze
capitais brasileiras e, ainda, no Distrito Federal. O trabalho, reali­
zado por meio de pesquisa tipo survej, entrevistas, grupos focais
e utilizando roteiros de observação, abordou alunos, pais, profes­
sores, diretores de escola, corpo técnico-pedagógico, policiais,
agentes de segurança, vigilantes e inspetores/coordenadores de
disciplina. Procurou situar o fenômeno das “violências nas esco­
las” não em um sistem a institucional, mas procurando contem ­
plar a especificidade espacial e temporal deste fenômeno. Traz
inúmeras conclusões tanto a respeito da localização das escolas,
policiamento, agressões, abuso sexual, brigas, armas, furtos e rou­
bos, assaltos, depredações, como dos procedim entos que são
tomados, da relação dos alunos com a escola, da prática docente
e, ainda, questões como violência simbólica, preconceitos e sen­
timentos que se revelam nas relações do am biente escolar.

Escola e professor: trabalho e profissão


Nas fases iniciais de consolidação dos estudos sobre edu­
cação, a categoria dos professores foi objeto de inúmeros traba­
lhos. De um lado, é possível identificar as análises sociológicas
do universo do magistério, sobretudo do ensino fundamental.
Luiz Pereira (1969) mostra que o magistério era tratado como o
am biente, por excelência, do trabalho feminino e do exercício da
“sagrada vocação” para a educação. D e outro lado, sob a influên­
cia das teorias de Louis Althusser e Pierre Bourdieu, produz-se
uma redução do sentido do magistério e do trabalho do profes­
sor, que passa a ser visto como momento privilegiado da repro-
E ST U D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO NO BR A SIL 387

dução social (Mello, 1982). Outros trabalhos mostram a ruptura


da concepção do m agistério com o vocação e sua luta como
movimento social em busca da profissionalização e da organiza­
ção política da categoria. Uma contribuição im portante neste sen­
tido foi o trabalho de M aria da Graça Bulhões e M ariza Abreu
(1992) sobre a luta dos professores gaúchos de 1979 a 1991.
A partir da década de 1990, os professores passam a ser
valorizados em relação à prática pedagógica desenvolvida no
interior da escola e por sua organização e lutas sindicais.
Representativo dessa com plexa reflexão é o trabalho de
SiJke Weber (1996), que aborda questões como a percepção dos
professores em discussões tanto relacionadas com a categoria
profissional quanto de ação pedagógica. Neste estudo, a autora
investiga como os professores participam destas discussões; como
percebem sua tarefa; como se constitui sua identidade profissio­
nal; que projetos são defendidos por eles e como se situam no
contexto atual da sociedade brasileira, quais suas bandeiras polí­
ticas e que ligação guardam com os grandes temas da educação.
O estudo das representações que os professores produzem
acerca de seu próprio trabalho é também o propósito do estudo
de Aparecida N eri de Souza (1996). N este trabalho a autora
busca com preender como os professores vivenciam e como pro-
duzem experiências significativas no universo profissional, e tam-
bém aborda as especificidades do trabalho docente, em que o
professor é visto como um sujeito político coletivo. Estuda ain­
da as condições do trabalho docente na década de 1980 e a
politização do espaço escolar que vem ocorrendo nos últimos
anos, ou seja, o que a escola representa na sociedade m oderna e
com o se desenvolvem as relações sociais entre professores e
alunos no processo de aprendizagem.
Na interface com outra categoria de estudo de grande rele­
vância nas últimas décadas —a noção de gênero —M arília Pinto
de Carvalho (1999) desenvolve sua pesquisa a partir de questões
388 CLARISSA ECKERT BAETA N EVES

igualm ente básicas para a profissional de ensino, como as indaga­


ções sobre o que é ser m ulher e o que é ser professora primária.
Analisa, nesse sentido, a questão da fem inilidade e a diferença
entre os sex os. Aborda, assim, o faze r das professoras e profes­
sores primários em term os das relações entre adultos e crianças,
das assimetrias relativas à idade centrada nas práticas escolares
de “cuidado”, que na maioria das vezes é associada à prática
feminina e, com isso, as práticas de “cuidado” dos professores e
professoras e suas articulações com o caráter elitista e excluden-
te da sociedade brasileira, bem como a necessidade de obtenção
de ordem e de disciplina no interior das salas de aula e sua
presença no trabalho docente.
N essa interface de temas multidisciplinares sobressai-sc tam­
bém o trabalho de Zeila Demartini (2001) intitulado “Magistério
Primário: Profissão Feminina, Carreira M asculina”. Neste trabalho,
a autora faz um a reconstituição do m agistério prim ário e da
feminização dessa profissão, alertando para o fato de que, desde
1830, a profissão do magistério primário é destinada às mulheres,
mascarada pela atribuição de vocação, induzindo as mulheres a
escolherem as profissões menos valorizadas socialmente, por meio
das quais estas poderiam conciliar atividades profissionais e domés­
ticas com o instinto materno e o cuidado com os filhos. Demartini
ressalta que, aliados ao caráter de discriminação a que estão subme­
tidas as mulheres ao longo dos tempos, estão os baixos salários que,
por sua vez, legitimam, com o passar dos anos, o empobrecimento
da categoria.
Com relação ao professor, dois novos aspectos vêm sendo
abordados pelas pesquisas: o da inform alidade praticada pelos
docentes, e o da aposentadoria. O texto de Elizabeth Paiva e
A nna Violeta Durão (1998), ambas pesquisadoras do Instituto de
Educação Continuada (IEC), analisam o processo de pauperiza-
ção do magistério e sua relação com as estratégias de comple-
m entação de renda acionadas pelos professores no mercado in-
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÀO NO BR A SIL 389

formal, bem como as qualificações necessárias para o desenvol­


vimento destas atividades. Este estudo foi baseado numa pesquisa
sobre qualificação, mudança de status e riscos pessoais na passa­
gem para formas alternativas de inserção no mundo do trabalho
(IEC, 1995-1997).
A aposentadoria docente foi tema de um estudo realizado
por Filippina Chinelli e Célia Junqueira (1998), no qual se analisa
a reinserção no mercado de trabalho de professores aposentados.
D iscutem -se ainda as questões de ruptura ou de continuidade na
atividade do magistério, à luz não só dos percursos anteriores,
mas também das razões e o impacto da aposentadoria na subjeti­
vidade docente.

Políticas E du cacio nais

As pesquisas desenvolvidas sobre as políticas educacionais


e os program as governam entais têm abordado uma gam a de te­
mas e problemas cobrindo a discussão sobre as concepções da
política educacional tanto quanto questões relativas a seus im ­
pactos sobre todos os níveis de ensino.
Os estudos sobre políticas educacionais vêm acom panhan­
do os movimentos de reform a da educação. Na década de 1970,
os estudos neste campo deram a tônica da pesquisa sociológica
na área. Objetos de análise preponderantes foram a reform a uni­
versitária de 1968, a reform a do ensino médio de 1971 e a im ­
plantação do M ovimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral).
N este período, a tem ática das políticas educacionais deu um
grande impulso à pesquisa sociológica no campo da educação.
Várias obras foram marcantes e serviram de referência para a
compreensão das mudanças no contexto educacional, como o
exem plificam o estudo de Luís Antônio Cunha, de 1973, intitula­
do Políticas Educacionais no Brasil: A Profissionalização do Ensino
Médio; de Bárbara Freitag, de 1977, denominado Escola , Estado e
390 C LA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

Sociedade-, e, mais uma vez, o de Luís Antônio Cunha, Educação e


Desenvolvimento Social no Brasil, de 1975a39.
N a década de 1990, desencadeia-se um novo debate sobre
as políticas públicas (ou ausência delas) para a área educacional,
que priorizam o ensino fundamental e propõem uma nova refe­
rência para o ensino médio e mudanças importantes para o ensi­
no superior. As medidas de política educacional estão acopladas
à nova LDB de 1996.
D e fato, é possível constatar, no contexto geral da produ­
ção, a ocorrência de estudos com forte caráter conjuntural e com
contribuição tópica ao debate. Do mesmo modo, não raro, traba­
lhos sobre outros eixos temáticos vinculados ã educação avan­
çam na análise de políticas que se propõem , ou deveriam se
propor, a enfrentar problemas identificados. Este é o caso, por
exemplo, de estudos sobre “educação” e “desigualdade social”.
As políticas e os program as para o ensino fundam ental
crescem em importância à medida que são encaradas como ins-

39. O s objetos de análise nestes estudos foram: a R eform a Universitária de 1968,


a R eform a do E nsino M édio de 1971 e o M ovim ento de Alfabetização. As
políticas educacionais faziam parte do projeto de desenvolvim ento econôm i­
co baseado na industrialização progressiva e na internacionalização da estrutu­
ra produtiva, em busca do “m ilagre econôm ico brasileiro” e deveriam susten­
tar o projeto de m odernização do país. N este ínterim , foi im portante levar em
consideração a política econôm ica e desenvolvim entista da RU, que propunha
a racionalização das atividades universitárias com o objetivo de alcançar m ais
eficiência e oportunidade; a criação da pós graduação - m odernização do
ensino superior por meio de recursos humanos altam ente qualificado, produ­
ção de conhecim ento cientifico e tecnológico com vistas a sustentar o projeto
de m odernização da indústria brasileira; a reform a do 2o grau —que propu­
nha a profissionalização universal e com pulsória do ensino de 2° grau estim u­
lando os alunos carentes para os serviços técnicos. E ste últim o aspecto é
considerado por Cunha com o um a política contenedora, para deslocar o
jovem estudante para o m ercado de trabalho profissional de nível m édio,
evitando a pressão so b ie o ensino superior. Em outro trabalho, Cunha (1975b)
analisa as reform as do ensino superior e médio com o efeito da “recom posi­
ção dos m ecanism os de discrim inação social via educação”.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BR A SIL , 391

trumento fundamental no esforço de redução de diferenças so­


ciais. Assim, há um conjunto de trabalhos que se ocupam da
educação básica analisando program as específicos, como o Pro­
gram a do Livro Didático e os Parâmetros Curriculares Nacionais,
expressando a preocupação dos pesquisadores em analisar as
políticas voltadas para a educação fundamental40.
As políticas educacionais são analisadas a partir de duas
dimensões básicas: a de eqüidade (justiça) e de eficiência (admi­
nistração de escassez). As estatísticas indicam importantes m u­
danças no processo de dem ocratização das oportunidades educa­
cionais, no entanto, os estudiosos apontam que, apesar dos avanços
expressivos, o sistema educacional como um todo continua sele­
tivo e excludente.
No estudo sobre os im pactos e os lim ites das políticas
educacionais, Laura da Veiga e Maria Lígia Barbosa (1997) cha­
mam a atenção para o fato de que, as pesquisas nos anos de 1960
e 1970, mesmo com as mais diferentes orientações teórico-meto-
dológicas, concordavam que a desigualdade entre os grupos no
acesso â educação era um fato estatístico irrefutável. Criou-se,
assim, um marco que orientou a produção teórica no período: as
desigualdades de acesso e de aproveitam ento escolar seriam tri­
butárias de diferenças entre grupos sociais, supondo-se, eviden­
temente, a abolição de discriminações legais e institucionais. A
partir da década de 1990, os estudos tomam como objeto de
análise, especialm ente, a eficiência do sistema educacional. N es­
te texto, as autoras enfatizam que as políticas educacionais são
avaliadas pelo grau de sucesso quanto à sua capacidade educativa.
Dois indicadores são usados para avaliar o sucesso: o índice de
retorno do investimento nacional e o índice de mobilidade geracional
nas ocupações. No primeiro caso trata-se de medir a proporção
entre o aumento dos anos de escolaridade e as disparidades cor­

40. Ver o trabalho de E loisa H õfling (1998).


392 CLA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

respondentes na renda pessoal. Já no segundo indicador, ava-


iia-se o grau de abertura da sociedade em termos da sua capaci­
dade em reduzir o peso da herança material na definição das
posições sociais. Para avaliar as condições socioculturais das fa­
mílias propõe-se a análise de variáveis como a escolaridade e a
ocupação dos pais, o tamanho da família e o número de membros
dela que completaram o primeiro e o segundo graus de estudo, o
acesso à inform ação e à religião.
No que tange aos im passes da política educacional por
meio das dimensões de eficiência e eqüidade, Veiga e Barbosa
(1998) aprofundam o debate. A política educacional enfrenta, no
mundo contemporâneo, uma questão dramática para as autoras:

[...] a ed u cação fun d am en tal in co rp o ro u v alo res tais co m o sua n atureza


p ú b lica asso ciad a à n ecessid ad e de o ferecer igu ald ad e de o p o rtu n id ad es a
to d o s e urna ed u cação de b o a q u alid ad e. T rata-se d e ro m p e r o círculo
v icio so no q u al a d esigu ald ad e d e ren d a afeta o acesso , a p erm an ên cia na
esco la e a qu alid ad e do en sin o o b tid o , com co n seq ü ên cias so b re o tip o de
in serção fu tu ra no m ercad o d e trab alh o e n o ren d im en to do trab alh o (V eiga
e B arb o sa, 1998: 214).

Os enfoques atuais do desenvolvimento atribuem à educação,


em termos mais amplos, ao investimento em capital humano um
papel fundamental para se alcançar maior eqüidade social. Assim,
são necessárias políticas que efetivamente democratizem as oportu­
nidades de escolarização, tornando-as menos dependentes da posi­
ção dos indivíduos na estrutura social. Mas, alertam as autoras, se é
relativamente fácil definir os patamares em termos quantitativos,
determinar a qualidade do ensino implica enfrentar as ambigüidades
decorrentes dos vários significados atribuídos à expressão, aparen­
temente simples, de “educação com qualidade”.
Os especialistas em avaliação educacional tendem a adotar
um a concepção profissional restrita, referida ao “pedagógico
curricular” para definir a qualidade na escola: o rendimento es­
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO MO B R A SIL 393

colar e o nível de domínio do conteúdo de parte do currículo


ensinado nas escolas em determinado nível de ensino (Veiga e
Barbosa, 1998: 215). Um exemplo é a aplicação de métodos e de
critérios de avaliação, com o os testes aplicados pelo Sacb —
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica — que têm
como objetivo introduzir um parâmetro de avaliação de desem ­
penho baseado em testes aplicados aos estudantes introduzidos
desde a década de 199041.
Ainda segundo Veiga e Barbosa (1998), duas outras dim en­
sões são importantes na análise da qualidade da escola: o arbitrá­
rio cultural e os padrões de sociabilidade. Ambas ajudam a reve­
lar a capacidade que a escola tem de preparar igualm ente sujeitos
desiguais, em term os de suas condições sociais e do capital
educacional de suas famílias. Este estudo teve por base uma
pesquisa realizada sobre as políticas educacionais do Estado de
Minas Gerais de 1991 a 1998 com destaque para alguns elemen­
tos importantes, bem como dilemas práticos a serem enfrentados.
Os aspectos positivos constatados foram: redução dos indicado­
res de repetência e evasão; m aior racionalização do uso dos
recursos públicos; aum ento da capacitação dos professores e sua
participação na gestão da escola; maior autonomia escolar. As
dúvidas, segundo as autoras, ficaram por conta da efetiva partici­
pação dos pais e da com unidade em geral na gestão escolar como
form a de produzir uma escola com m elhores resultados nos
conteúdos curriculares ou nos códigos culturais para o exercício
da cidadania.
As mudanças ocorridas na política educacional nos anos de
1990 são examinadas por Fernanda Sobral (2001). Vários elem en­
tos são ressaltados como consensos na agenda dos debates e na

41. As críticas ao Saeb estão relacionadas ao tipo de registro dos dados, dificul­
tando a associação entre os dados de m edidas das habilidades cognitivas e os
dad o s so cio p ed agó gico s e so cio eco nô m icos. O utra crític a refere-se à
confiabilidade e à com parabilidade das baterias de testes.
394 CLA.RISSA. ECK ERT BAETA NEVES

fo r m u la çã o d e políticas educacionais em âmbito internacional: a


idéia de educação para a com petitividade associada ao desenvol­
vim ento científico e tecnológico e a idéia de educação para a
cidadania social. Neste trabalho, a autora dem onstra que o ensino
fundamental tem sido pensado, principalmente, na perspectiva da
produção da cidadania social por meio da criação do Fundef
(Fundo de M anutenção de Desenvolvimento do Ensino Funda­
mental e de Valorização do M agistério)42.
Sobral aponta, além disso, que um dos maiores problemas do
ensino médio no Brasil a se refletir nas políticas é o da identidade
deste nível de ensino, oscilando entre o ensino propedêutico, cujo
objetivo é preparar o aluno para o ensino superior, e a formação
profissional, que tende a ser vinculada às necessidades do mercado
de trabalho.
Nesse sentido, a nova LDB introduziu mudança importante
ao preservar o caráter unitário da form ação da pessoa, partindo
da proposta de educação geral como eixo unificador e condicio­
nando a educação profissional à ampliação da duração daquela.
Para Sobral, entre as finalidades básicas do ensino superior
está a preparação e a qualificação para o trabalho profissional,
porém, o exercício da cidadania não é negligenciado. Reflete as
idéias de educação para a competitividade na medida em que há
uma ênfase na vinculação ao mundo do trabalho e no desenvol­
vim ento da ciência e tecnologia. A autora observa que as políti­
cas de ensino superior têm sido orientadas pela perspectiva da
com petitividade, sendo que três temas dominam as políticas des­
te setor: a diversificação, a redefinição de sua autonom ia e a
avaliação do desempenho.
A proposta de diversificação do ensino superior está baseada
no questionamento do modelo único de universidade implantado
em 1968. A redefinição da autonomia enquadra-se na intenção de

42. Sobre o Fundef, ver K oslinski (1999).


E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO NO BRASIL 395

diminuir os controles burocráticos e normativos, garantindo liber­


dade de organização dos serviços e das tarefas, estabelecendo um
controle na avaliação do desempenho. No setor público, a avaliação
influi na distribuição dos recursos, enquanto no setor privado im­
plica um processo de credenciamento e de recredenciamento dos
cursos. A autora chama a atenção para a ardculação dos três temas
predominantes na política de ensino superior.

Ensino Superior em Transform ação

Em meados dos anos de 1970, já se dispunha de importante


bibliografia de análises e reflexões conceituais sobre a idéia de
universidade, suas perspectivas, modelos e papéis no Brasil. Pro­
jetos de criação de universidades e estratégias para sua im ple­
mentação foram corolários importantes destas reflexões43.
Luiz Antônio Cunha, em resenha publicada em 1981, regis­
trou que o aumento do interesse na universidade como objeto de
estudo deveu-se à sua importância no contexto das políticas dos
governos militares. Posteriormente, este interesse manteve-se ante
o destaque recebido nos discursos oficiais sobre desenvolvim en­
to econômico, científico e tecnológico, simultaneamente à per­
cepção de uma continuada crise institucional provocada, mais
uma vez, pelas políticas (e “não-políticas”) governamentais. No
prim eiro momento, reagiu-se, como já se mencionou, às iniciati­
vas de reform a dos governos militares, suas concepções e seu
impacto sobre o processo de fo r m a çã o do sistem a de ensino
superior e sobre a vida das instituições universitárias44. No se-

43. O s prim eiros trabalhos sobre o ensino superior no Brasil trataram especial­
m ente da construção da “ideia” de universidade. V ários estudos im portantes
se destacam com o obras de referência: Teixeira (1968); A zevedo (1958);
Ribeiro (1969); Pinto (1962).
44. O s e s t a d o s realizaram um a crítica à R eform a U niversitária consentida, des­
tacando a sua funcionalidade pela m aior racionalização da un iversidade e
dos custos (V ieira, 1982; Fávero, 1994), analisando o im pacto da substitui-
396 CLA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

gundo momento, o próprio sistema de ensino superior e as insti­


tuições que o compõem se tornaram objeto de estudos45.
A partir daí, a produção de conhecimentos se diversifica46. O
significado e o alcance das políticas educacionais certamente conti­
nuam sendo temas de interesse dos estudiosos. Diversos estudos
recentes sobre a instituição universitária, em especial a pública,
continuam a enfatizar o quanto a dinâmica e as condições de exis­
tência dessas instituições são reflexos das políticas governamentais.
É possível distinguir, no contexto dos estudos sobre ensi­
no superior, pelo menos três recortes temáticos principais: as
instituições públicas, especialm ente as federais; o sistem a como
tal, sua expansão e suas especificidades, também em comparação
com outros sistemas nacionais e o segmento privado no ensino
superior que, hoje, é amplamente dominante.

ção da cátedra pelos departam entos (O liven, 1989), a introdução da pós-


graduação (D urham , 1996), além de apontarem os efeitos p erversos, espe­
cialm ente quanto à expansão do sistema que se deu pela rede privada (Freitag,
1977; C unha, 1975).
45. Ver, especialm ente, a trilogia elaborada por Luiz A ntônio C unha, em que
analisa o ensino superior: da Colônia à Era Vargas (Universidade Tem porã,
1980); na República Populista (U niversidade C rítica, 1983); e no período do
G olpe de 1964 e a m o d ern ização do E n sino S u p erio r (U niversidade
R eform anda, 1988).
46. D esde o final dos anos de 1980 foram criados vários núcleos de estudos
sobre o ensino superior. E special m enção m erecem , aqui, o N úcleo de Pes­
quisas sobre o Ensino Superior (N upes), da Universidade de São Paulo, o
G rupo de Estudos sobre Universidade (G E U ), da Universidade Federal do
Rio G rande do Sul, o N úcleo de Estudos sobre Universidade (N esub), da
U niversidade de Brasília, e o Program a de Estudos e D ocum entação Educa­
ção e Sociedade (Proedes), da Universidade Federal do Rio de janeiro. A
produção científica destes N úcleos reflete bem a am plitude de objetos a que a
pesquisa sobre o ensino superior tem atentado. A produção abrange questões
am plas com o organização e funcionam ento dos sistem as universitários públi­
co e privado, a problem ática do acesso ao ensino superior e ao m ercado de
trabalho, a pesquisa científica e acadêm ica, as políticas governam entais de
avaliação, o financiam ento público e privado, a autonom ia universitária etc.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE EDUCAÇÃO NO BRASIL 397

A universidade pública, tanto quanto o conjunto das institui­


ções públicas de ensino superior, mantém-se no centro das preocu­
pações de um número significativo de estudiosos. Três fontes bási­
cas de questionamentos e inspiração modelam, nos últimos anos, os
eixos em torno dos quais se desenvolvem os trabalhos e o debate
sobre essas instituições: a pretensão de compreender o que se
passa no interior dessas instituições e como elas são capazes cie
responder aos desafios postos por sua própria diferenciação e qua­
lificação internas, pela transformação da sociedade e pela necessi­
dade de legitimação no contexto de relações sociais democráticas e
de demandas crescentes e desagregadas de financiamento público;
o impacto das ações governamentais sobre estas instituições e as
lutas e bandeiras das organizações sindicais dos docentes47, funcio­
nários e, com menos força, das entidades representativas dos estu­
dantes. O debate em torno da situação das universidades públicas
tem refletido posições discrepantes que guardam forte proximidade
com posições doutrinárias e estratégias políticas divergentes, mais
do que representam análises baseadas na consideração objetiva da
realidade. Os estudos, no entanto, fornecem, cada vez mais, ele­
mentos para o tratamento sistemático das questões pertinentes a
esse segmento —o ensino superior.
Os estudos sobre as universidades públicas abordam diferentes
aspectos da estrutura e gestão, crise de identidade, autonomia, finan­
ciamento etc. As instituições de ensino superior (IES) públicas passa­
ram a ser questionadas e estudadas em aspectos tradicionalmente
negligenciados. Um deles diz respeito à equação de financiamento e à
otimização dos investimentos públicos. Indicadores de eficiência e
eficácia começaram a ser utilizados em análises sistemáticas tanto de
instituições como do sistema público de um modo geral48. Novas

47. Ver, por exem plo, a proposta “Por um a Universidade Pública” da Associação
N acional de D ocentes/A ndes, publicado em 1986 e reeditado em 1996.
48. A produção do N upes, em especial, incluiu vários estudos sobre a questão
398 C LA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

formas de gestão dos meios e de estruturação da vida acadêmica


são apreciadas como recurso para a ampliação do potencial de
resposta às demandas sociais e aos próprios desafios da qualificação
e diferenciação funcional internas. Retoma-se o debate da autono­
mia, que, por sua vez, reatualiza a discussão e os estudos sobre a
visão oficial do papel das instituições públicas na dinâmica de
crescimento do sistema de ensino superior e sobre os compromis­
sos dos governos com sua sustentação49.
Análises apontam para o alto grau de burocratização adm i­
nistrativa associado a uma enorm e descentralização e fragmenta­
ção da estrutura decisória. O modelo organizacional do início
dos anos de 1970, que representou um salto qualitativo de racio­
nalização em relação ao modelo patrimonial da cátedra, tornou-
se um a estrutura pesada e determ inada pelas rotinas burocráticas,
dificultando mudanças e produzindo o descom passo entre a es­
trutura organizacional das universidades federais e o ambiente de
produção acadêmica (Trigueiro, 1999). A postura corporativa das
organizações representativas de professores e funcionários e sua
influência na gestão das instituições transforma-se, igualmente,
em objeto de análises (M artins, 1990).
Um trabalho de referência sobre o sistema de instituições
públicas é o dossiê com textos de Eunice Durham sobre “O
Sistem a Federal de Ensino Superior. Problemas e Alternativas”
publicado na Revista Brasileira de Ciências Sociais (vol. 23, 1993), que
inclui com entários de Carlos Benedito M artins, sobre os cami­
nhos e descaminhos das universidades federais, e de Jorge G ui­
marães, que trata das perspectivas sobre as instituições federais

dos custos das universidades (f. Paul e E. W olynec, 1990; J. Schwartzm an,
1995; Penaloza, 1999), com o tam bém sobre a construção de indicadores de
produtividade para as universidades federais (F. G aetani e J. Schwartzm an,
1991; J. Schw artzm an, 1994).
49. Ver o trabalho de M aria Francisca Pinheiro (1998) sobre as polêm icas visões
da autonom ia universitária.
EST V D O S SO C IO LÓ G IC O S S O B R E ED U CAÇÃO NO BR A SIL 399

do ensino superior. Neste dossiê, a partir da análise dos dados


mais representativos do ensino superior, a autora discute as dife­
rentes funções assumidas pelas universidades federais e introduz
o conceito de universidade multifuncional, apontando como base
necessária para uma nova política educacional a autonomia, a
alocação de recursos por meio de indicadores de desempenho, a
diversificação do sistema e a avaliação.
Carlos Benedito M artins, ao estudar as universidades públi­
cas no contexto do ensino superior no Brasil, parte de alguns
pressupostos: da importância do sistema de ensino superior como
ator estratégico no processo de desenvolvimento socioeconômico
da sociedade brasileira e do papel central das universidades pú­
blicas no sistem a nacional pela qualidade dos seus indicadores
acadêmicos (M artins, 2000: 145). Não obstante, chama a atenção
para as mudanças significativas na morfologia do ensino superior
do país com um sistem a de ensino hoje extremamente complexo
e hierarquizado academ icam ente em função das posições ocupa­
das por essas instituições diante dos indicadores que tendem a
com andar o funcionam ento desse espaço social, tais como a
qualidade do ensino, a titulação do corpo docente, a capacidade
científica instalada, bem como em função do prestígio e do reco­
nhecimento social e sim bólico dos distintos estabelecim entos
que o integram (M artins, 2000: 150).
Com relação aos problemas que atorm entam as universida­
des públicas no contexto brasileiro, o estudo de M ichelângelo
Trigueiro (1999) situa e questiona como a cultura interna, os
valores, as atitudes e os padrões de com portamento nessas insti­
tuições são afetados por todo um conjunto de pressões e de
demandas sociais e econômicas. Discute o novo padrão de rela­
cionam ento entre o Estado e as universidades e o modo como as
universidades p úblicas deverão enfrentar os desafios trazidos
pelo quadro atual e pela dinâmica social contemporânea, em sua
estrutura, seus processos e sua gestão. No seu trabalho, analisa a
400 CLARISSA ECK ERT BAETA NEVES

estrutura da universidade, a inovação, as resistências —o corpo­


rativismo e o individualismo —, a comunicação interna, a autono­
m ia universitária, a captação de recursos e as parcerias, o proces­
so decisório, a prática acadêmica, a avaliação e o ambiente externo.
Por fim, o autor enfatiza a necessidade das mudanças organiza­
cionais e do papel do Estado em garantir as condições de m anu­
tenção e de investimentos mínimos, no ensino, na pesquisa e
extensão, como indutor de mudanças mais profundas.
A análise do impacto das ações governamentais sobre as insti­
tuições públicas de ensino superior e do que se considera armadi­
lhas da autonomia oferecida tem ganho divulgação em coletâneas
de textos, alguns com caráter mais ensaístico do que de análise
sociológica, que, com freqüência, no próprio título revelam a ten­
dência geral da crítica desenvolvida. Cabe destacar, entre outras,
Universidade em Ruínas na República dos Professores, de Hélgio Trindade
(1999); A Crise da Universidade, de Francisco Antônio Doria (1998);
Universidade Sitiada: A Ameaça de Liquidação da Universidade Brasileira,
de Luís Carlos de Menezes (1999) e Entre Escombros e Alternativas:
Ensino Superior na América Latina, de Benício Viero Schmidt, Renato
de Oliveira e Virgílio Alvarez Aragón (2000).
Não tem escapado aos estudiosos o fato de que o sistema
de ensino superior tornou-se bastante com plexo e que a proble­
mática da universidade pública, ainda que fundamental, é apenas
parte dos desafios que se impõem compreender. A própria ex­
pansão do sistem a de ensino superior tornou-se objeto de pes­
quisas. Diante dessa com plexidade crescente, atitudes analíticas
reducionistas pouco contribuem, seja para o avanço do conheci­
m ento, seja para o delineam ento de estratégias que possam
maxim izar os ganhos no esforço de superação dos problemas
diagnosticados.
O estudo de Arabela Oliven, realizado no início da década
de 1990, analisa os condicionantes históricos e o significado polí­
tico da expansão do ensino superior no Brasil durante o período
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO B RASIL 401

autoritário pós-1964. Neste trabalho, relaciona a grande expansão


das matrículas ocorridas com o mecanismo de pressão-cooptação
que tem caracterizado o relacionamento entre a classe média e o
Estado ao longo do desenvolvimento brasileiro naquele período.
Carlos Benedito Martins (2000) discute o sistema de ensino
superior a partir do crescimento e do processo de diferenciação
institucional. Os dados revelam, segundo o autor, uma primeira fase
de expansão durante os anos de 1970, a estagnação na década seguin­
te e a recuperação do crescimento da matrícula nos anos de 1990. O
autor chama a atenção para a dinâmica desse processo de expansão
do ensino superior que produziu um complexo e diversificado
sistema de instituições acadêmicas, com formatos institucionais e
práticas acadêmicas bastante diferenciadas.
O sistem a de ensino superior também foi objeto de ampla
discussão da perspectiva da política educacional na década de
1990. O texto de Eunice Durham (1993b), sobre uma política
para o ensino superior, parte de um amplo diagnóstico da reali­
dade deste nível de ensino, apontando para a grave crise desse
sistem a, dada a escassez de recursos, ante seu custo crescente.
Além disso, aponta como condição fundamental de uma nova
política para o ensino superior a autonomia administrativa e a
gestão financeira das universidades públicas, bem como a neces­
sidade de uma política nacional que considere o sistem a como
um todo50.
O processo de criação do M ercosul, que se fez acompa­
nhar da form ação de grupos de trabalho especialmente destina­
dos a discutir as perspectivas de integração também dos sistemas
educacionais dos países da região, ensejou o surgimento de no­
vas linhas de interesse para os estudiosos voltadas para a análise
comparativa da form ação e das características dos sistemas de
ensino superior na região. Neste particular, deve-se registrar a

50. Ver também J. Schwartzm an, 1996.


402 CLA R ISSA E CK E R T BAETA NEVES

produção de trabalhos dos pesquisadores do Grupo de Estudos


sobre Universidade (GEU-UFRGS)51.
A principal característica da expansão do ensino superior no
Brasil foi o crescimento da rede privada de ensino superior, predo­
m inante tanto com relação ao número de estabelecimentos, quanto
ao de matrículas. Desde os anos de 1960, o setor respondeu a duas
demandas complementares, a da clientela estudantil por ensino
superior e a do mercado ocupacional por pessoas portadores de
diploma universitário.
As conseqüências deste processo foram tema de vários es­
tudos, destacando-se o de Carlos B. M artins (1981), que dem ons­
tra que essas instituições, na sua maioria formadas por “estabele­
cim entos privados”, surgem num contexto de crise estudantil,
quando, entre outras coisas, os estudantes, em sua grande maioria
provenientes de setores das camadas médias urbanas, pressiona­
vam o Estado para a ampliação do sistem a educacional. Essa
ampliação, realizada basicam ente pela iniciativa privada, incorpo­
rou parte do público de classe média em condições de financiar
o custo dessa inclusão. O espaço que o Estado pós-1964 abre
para o ensino particular superior estava na sua lógica de “dem o­
cratizar” e de “modernizar” este sistem a de ensino sem ampliar
os investimentos públicos nessa área. Boa parte das instituições
surgem no final da década de 1960 e estruturam -se como “indús­
tria cultural”. Com esta expressão, M artins destaca que essas
instituições estão voltadas para a conquista crescente de alunos e
para a busca de rentabilidade dos investim entos alocados na
criação dos estabelecimentos.
O ensino superior privado, nas últimas décadas, no entanto,
vem sofrendo grandes transformações, como demonstram dois

51. Três obras destacam-se neste contexto ao analisarem os sistemas universitários


dos países que integram o Mercosul e os limites e as possibilidades da coopera­
ção acadêmica entre as universidades bem como as políticas e ações universitá­
rias necessárias para este intercâmbio. Ver Morosini (org.), 1992, 1994 e 1998.
E ST U D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO B R A SIL 403

estudos mais recentes que refletem sobre as mudanças ocorridas


neste setor: a tese de doutorado de Helena Sampaio (2000a) e o
estudo de M ichelângelo Trigueiro (2000)52.
Helena Sampaio traz um a nova interpretação sobre o “afas­
tam en to ” do E stado do ensino sup erio r, favorecendo sua
privatização. Em seu trabalho, mostra como os condicionantes
legais e os interesses dos diferentes sujeitos, que são o próprio
sistem a de ensino superior no país, somados a fatores de m erca­
do, podem direcionar o rumo das mudanças no sistema ou inibi-
las (Sampaio, 2000a: 19). Para a autora, as políticas de ensino
superior seguiram duas direções, nem sempre convergentes: a
primeira reflete a opção de preservar as universidades públicas
de uma estrutural m assificação do ensino superior, incompatível
com a vocação de universidade de pesquisa que a Reform a de
1968 lhes imputara; e a segunda trata da expansão do ensino
público em regiões menos favoráveis ao financiamento privado
do ensino superior (Sampaio, 2000a: 74). As transformações ocor­
ridas no setor foram: desenvolvimento regional; interiorização
dos estabelecimentos; aumento do número de universidades; frag­
mentação das carreiras oferecidas como estratégia da iniciativa
privada para atrair clientela, cobrindo novas ofertas no mercado.
O trabalho relaciona o funcionamento do ensino superior
com o com plexo processo de sua interação com o ensino públi­
co; a tendência do ensino superior privado de atender à dem an­
da de massa; a reação do ensino privado com a retração da
dem anda ocorrida entre 1980 e 1994 e a redução na participação
relativa das m atrículas; as estratégias de cooptação adotadas pelo
setor privado diante da estagnação da dem anda, através da
interiorização dos estabelecim entos, do aumento do núm ero de
universidades privadas e da diminuição do número de estabele-

52. Ver também o trabalho de Clarissa E. B. Neves (1995) sobre a experiência das
universidades com unitárias no Rio G rande do Sul.
404 C LARISSA ECK ERT BAETA N EVES

cím entos isolados; as mudanças institucionais, a ampliação e a


renovação do leque de cursos e carreiras oferecidas atendendo
às novas e diversificadas demandas de uma clientela estudantil
cada vez mais heterogênea e do mercado ocupacional cada vez
mais exigente.
Michelângelo Trigueiro (2000) realiza um amplo estudo so­
bre o ensino privado no Brasil, apresentando um perfil do setor,
a partir de uma análise de dados, destacando a complexidade e a
estrema diversidade de form as, estruturas e processos organiza­
cionais marcantes no conjunto das instituições particulares de
ensino superior. Aponta para as diferenças entre os sistemas
público e privado, como mundos próprios, com regras de condu­
ta, funcionamento e culturas distintas, porém inteiramente rela­
cionadas. No seu estudo, destaca especialmente as especificida-
des do setor entre elas: a flexibilidade das instituições privadas,
menos burocratizadas e com menor diferenciação interna; a dis­
persão espacial — o afastam ento geográfico entre as unidades
acadêmicas e administrativas na área física da instituição; a in ­
fluência da mantenedora, não apenas nos assuntos adm inistrati­
vos e financeiros mas também em decisões acadêmicas afetando
as atividades de ensino e de pesquisa como na criação de disci­
plinas, reformas curriculares, abertura e fechamento de cursos.
N este trabalho, ressalta também a existência de duas lógicas
distintas e nem sempre conciliáveis: a do lucro e do mercado e a
pedagógica e acadêmica. Segundo o autor, ainda é forte, em boa
parte das instituições, a marca individual dos “donos” dos esta­
belecimentos. No cotidiano dessas instituições verifica-se o pre­
domínio de um padrão familiar de gestão e de condução. Já come­
ça a ocorrer, no entanto, o confronto entre esse padrão familiar e
os novos padrões mais racionais e impessoais de gestão e de
condução dos negócios institucionais (Trigueiro, 2000: 59-60).
Novos temas ampliam , constantemente, a agenda de pesqui­
sa, dentre os quais m erecem destaque os efeitos da avaliação
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BRASIL 405

sobre o sistem a53, as novas modalidades de ensino superior como


o ensino à distância e os cursos seqüenciais e a função da exten­
são (Durham e Sampaio, 2001; Sampaio, 2000b).
Por iniciativa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Ensino Superior (CAPES), a pós-graduação tem sido estudada
por uma rede de pesquisadores de diferentes instituições universi­
tárias em todo o país. Resultados do trabalho desta rede são as
seguintes publicações: A Pós-graduação no Brasil: Formação e Trabalho
de Mestres e Doutores no País de Velloso e colaboradores (2002) e
Mestrandos e Doutorandos no País: Trajetórias de Formação, de Velloso e
Velho (2001). No primeiro estudo, Velloso e colaboradores tratam
da relação entre a formação acadêmica obtida nos programas de
pós-graduação nacional e o trabalho realizado pelos egressos. Bus­
cou-se responder a questões tais como: onde atuam os mestres e os
doutores formados no país e qual a relevância da formação que
receberam para o trabalho que desenvolvem. O estudo que trata
dos mestrandos e doutorandos no país pretendeu qualificá-los
quanto ao percurso acadêmico desde a graduação e o destino pro­
fissional almejado. Tratou, igualmente, do sistema de bolsas e sua
relevância nas trajetórias de formação.

O u tro s T e m as de Pe s q u is a

Além dos temas acima comentados, a agenda de pesquisa atual


inclui também temas interdisciplinares que relacionam a educação a
outros campos de conhecimento, tais como: “educação e trabalho”;
“educação e gênero”; “educação e movimentos sociais” etc.
Estes temas referem-se menos ao ensino como tradicional­
mente organizado nos sistemas form ais e mais à educação como

53. N esse sentido, ver a tese de doutorado de D aniel X im enes A quino (2001)
sobre a avaliação da universidade. R ecorrer igualm ente à discussão sobre este
tem a na coletânea organizada p or Sguissardi (1997).
406 C LA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

processo informal, com ênfase nas novas modalidades de educa­


ção continuada.
Neste texto são registrados apenas alguns trabalhos indicativos
dos rumos da pesquisa nestas áreas.

Educação e Trabalho

Os estudos sobre as relações entre educação e trabalho têm


por objeto central de pesquisa, principalmente, a form ação e a
qualificação profissional. O desafio deste tema é crescente e seu
desenvolvimento conflui com conjunturas histórico-econômicas
com plexas da realidade brasileira.
Os estudos de Vanilda Paiva, especialmente Educação e Mun­
do do Trabalho: N ota sobre Formas A lternativas de Inserção de Setores
Qualificados (1998) e O Mundo em Mudança: Deslocamento Temático no
Final do Século e Convivência co?n a Incerteza (1999) são uma im por­
tante contribuição para a compreensão das transformações que
vêm ocorrendo neste campo de pesquisa54. Em seus estudos
analisa as várias orientações teóricas que perm earam a discussão
entre os campos educacional e produtivo, tais como: o enfoque
da economia da educação baseado no conceito de capital hum a­
no, de grande prestígio nos anos de 1950-1970, que propagava os
métodos de medição do impacto econômico da educação e da
escola e os métodos de planejamento educacional, atendendo às
necessidades do capitalism o55; o enfoque da economia e da so­
ciologia marxista da educação, que rejeitava a idéia de capital
humano, mas vinculava o desenvolvimento da educação profis­
sional com o desenvolvimento industrial; a retomada dos pressu­
postos teóricos da econom ia da educação, tendo por referência
as transform ações ocorridas na produção e na sociedade nas

54. Ver a importante revisão da bibliografia internacional realizada por Paiva (1991).
55. Ver especialm ente a crítica realizada por Frigotto (1984).
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ED U CAÇÃO NO BR A SIL 407

últimas décadas, por meio dc conceitos como capital humano,


rentabilidade dos recursos investidos na educação, eficiência,
qualidade etc. Outro aspecto discutido refere-se ao fato de a
escolaridade, a qualificação, o status e a renda já não apresenta­
rem uma correlação linear e positiva, ao mesmo tempo em que
cresce a importância do capital cultural e social dos indivíduos
em suas tentativas de inserção no mercado de trabalho ou de
encontrar nichos alternativos. A autora destaca que se a educa­
ção já não assegura empregos nem renda, embora seja essencial
para que o indivíduo encontre espaço, seja no mercado formal
de em prego ou com binando atividades form ais e informais, há
consenso quanto aos seus benefícios sociais, isto é, a educação
só serve à vida econômica na medida em que serve mais ampla­
m ente à vida social e que m ais qualificação deve estar disponível
para que sejam enfrentados os desafios da vida contemporânea.
Outro enfoque de análise é apresentado por Vanilda Paiva
(1999), em seu estudo intitulado Nova Relafão entre Educação, Eco­
nomia e Sociedade (ver também Paiva, 1993). Desta vez é a relação
entre a inovação tecnológica e a qualificação da força de trabalho
que é enfocada. A autora afirm a, por exemplo, que até os anos
de 1980, a questão a ser superada era a de adequar a força de
trabalho à reestruturação da indústria no que concerne tanto à
tecnologia quanto à organização do trabalho, j á nos dias atuais, os
pesquisadores são confrontados com a nova realidade do m erca­
do de trabalho, crescentem ente excludente e segmentado, das
políticas estatais e com o deslocam ento do foco econôm ico-
social para atividades fora do setor industrial. As relações tradi­
cionais entre escolaridade, renda e status adquiriram nova confi­
guração, sofrendo também com a informalidade, o desemprego e
a reestruturação produtiva, pois cresce o núm ero de pessoas
mais qualificadas recebendo menos e tendo menos oportunida­
des. A partir disso, ressalta que a importância atribuída à qualifi­
cação da força de trabalho industrial é muito mais um fenômeno
408 C LA R ISSA ECK ERT BAETA N EVES

ligado à oferta do que à demanda e, portanto, as empresas utili­


zam -se do argum ento da qualificação por lucrarem com esta
situação, pois, com o alto nível de desemprego, as pessoas mais
qualificadas tendem a sujeitar-se, para conseguir um emprego, a
salários menores.
As transform ações que vêm ocorrendo na relação entre
educação e trabalho são tema também do estudo de Lucília M a­
chado (1998) em que dem onstra que os mecanism os de mercado
vêm se tornando mais sofisticados, o que afeta as motivações
intrínsecas do trabalho pedagógico escolar. Os conceitos de qua­
lidade e de com petência, os novos métodos de racionalização e
gestão dos processos de trabalho vêm tornando os processos de
integração e de exclusão cada vez mais seletivos, segregantes e
m arcados pela cooptação e manipulação. São estas mesmas refe­
rências que vêm buscando penetrar e atribuir significados às
práticas escolares. A adoção de paradigmas produtivos inovado­
res, orientados para as exigências da atual reestruturação capita­
lista e a mundialização do mercado, segundo a autora, fez susci­
tar a expectativa em diversas áreas sociais, inclusive na educacional,
de uma mudança substancial na natureza e nos princípios da
organização capitalista do trabalho. Mas são também elas que têm
contribuído para acentuar as diferenciações entre os segmentos
dos trabalhadores.
A autora destaca que estas expectativas se reforçam diante
das atuais recom endações feitas pelos analistas técnicos de se
buscar a melhoria da educação básica e da form ação profissional
dos trabalhadores com atividades perm anentes de aperfeiçoa­
mento, em correspondência com as demandas culturais e educa­
cionais dos em pregadores em relação à força de trabalho. A
autora constata que há muitas afirmações apressadas sobre as
“novas com petências” dos trabalhadores e pouca pesquisa sobre
sua real efetivação nos processos de trabalho. A acumulação
flexível tem implicado níveis relativamente altos de desemprego
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE ED U CAÇÃO NO BR A SIL 409

estrutural, questionando o valor das capacidades de trabalho dos


trabalhadores e acentuando a competição interclasse. Os diplo­
mas escolares representam apenas uma forma e um momento
deste reconhecimento e não com provam a capacidade dos indiví­
duos nos processos de trabalho. Para a autora, as novas dem an­
das de concorrência capitalista aumentarão a im portância da em ­
presa como espaço e agente de educação dos trabalhadores. A
em presa amplia e legitima sua disputa com a escola, pois inter­
preta m elhor as exigências de qualidade e de produtividade vin­
das do mercado. A visão pragm ática e utilitarista de competência
traz várias implicações para os objetivos educacionais, pois pres­
supõe a implementação da pedagogia da cooptação e do ajusta­
m ento à lógica mercantil.
Com relação à formação profissional e inserção no mercado
de trabalho, cabe destacar o estudo de Elida Liedke, Maria da
Graça Bulhões e Naira Franzói (2000), no qual se aponta para a
gradativa solidez alcançada pela política pública de educação pro­
fissional ao longo da década dc 1990, por meio da promoção de
program as de qualificação e requalificação da força de trabalho
fomentados por agências e órgãos governam entais (ver Paiva,
1998). Neste estudo, as autoras expõem os principais resultados
da pesquisa de acompanham ento dos egressos do Plano Estadual
de Qualificação, implementado no Rio Grande do Sul, em 1997.
A análise contribui para a compreensão dos processos de inter­
venção da política pública sobre os recursos de qualificação dos
segmentos menos privilegiados da força de trabalho.

M ovim entos Sociais e Educação

O debate sobre o tema está bem delineado no estudo de Maria


da Glória Gohn (1992). No livro intitulado Movimentos Sociais e
Educação, a autora apresenta um panorama das demandas, mobiliza­
ções, organizações e movimentos das camadas populares e médias
410 CLA R ISSA ECK ERT BAETA NEVES

da sociedade brasileira da década de 1980 e a ansiedade existente


em relação à década de 1990. O ponto principal abordado é que os
movimentos sociais possuem um caráter educadvo, que perpassa as
relações tanto dos que participam dos movimentos quanto da socie­
dade mais ampla, sendo resultado deste processo modos e formas
de construção da cidadania nos âmbitos político e social. Destaca
as práticas políticas v ig e n te s q u e irão influenciar os novos movi­
mentos sociais colocando, contudo, que práticas — muitas vezes
tradicionais —acabam alterando modos de agir, concepções, repre­
sentações e percepções na sociedade civil, mas salienta que muitas
políticas foram educativas e contribuíram na construção das con­
quistas em relação à cidadania da população brasileira.
Outro enfoque é o de Marília Pontes Sposito (2000), apresen­
tado no artigo “Algumas Hipóteses sobre as Relações entre M ovi­
mentos Sociais, Juventude e Educação”. A autora aborda a questão
da presença popular nas principais mudanças do sistema de ensino,
através da luta por oportunidades de acesso à escola pública, assim
como a democratização da gestão escolar e os mecanismos que
impedem as relações da comunidade com a escola. Sposito ressalta
também que os efeitos dos movimentos sociais sobre a educação
são difusos e de pouca visibilidade. Atém-se, ainda, à relação da
juventude com os movimentos sociais, considerando que no Brasil
o interesse dos jovens no campo político é pouco realizado, ocor­
rendo por meio de novas formas de participação como os punks,
darks, happers etc., mas considera que esses movimentos juvenis
podem figurar como importantes atores na inovação política e so­
cial da sociedade contemporânea.

E d u cação e Gênero

O tem a da Educação e Gênero vem chamando a atenção de


pesquisadores em diferentes países do mundo e no Brasil, mais
especificam ente a partir dos anos de 1990.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO B R A SIL 411

A produção sobre o tema no Brasil, no entanto, ainda está


lim itada a poucos estudos. Fúlvia Rosem berg e colaboradores
(2001a) apontam que a tematização se refere mais à educação da
m ulher e menos sobre a criança. N este trabalho, constatam a
dificuldade do movimento e das teorias feministas em enfrentar
o desafio de interpretar simultaneamente um modelo de domina­
ção de gênero e indicadores de escolaridade que apontam igual­
dade de acesso e perm anência no sistema escolar entre homens
e mulheres nos países ditos subdesenvolvidos. Os estudos sobre
mulheres e os estudos em educação pouco têm se beneficiado
dos conhecimentos acumulados em uma e outra área.
Uma outra importante contribuição para o debate atuai é o
dossiê Gênero e Educação, com contribuições de várias pesquisadoras,
publicado na revista Estudos Feministas (n. 2, vol. 9, 2001), que resga­
ta a temática da educação priorizando a crítica à educação formal,
discutindo os mecanismos de avaliação, o papel da orientação se­
xual nos currículos, a interferência da mídia na construção do
feminino, propondo uma política pós-identitária para a educação.
Fúlvia Rosemberg, no artigo “Educação Formal, M ulher e
Gênero no Brasil Contemporâneo”, apresenta dados de pesquisa
realizada envolvendo estatísticas educacionais, resoluções de con­
ferências internacionais da década de 1990 e docum entos de
instâncias m ukikterais, governamentais e não-governamentais ana­
lisando as oportunidades de gênero na educação, atentando para
a questão da discriminação contra as mulheres e para a atenção
que as m esm as vêm recebendo tanto no âmbito nacional como
internacional. A partir disso, critica o enfoque dado à discrimina­
ção contra as mulheres e a persistência de indicadores globais e
fragmentados, que não diferenciam região, com posição étnica/
racial, bi ou m ultilingüismo e idade, e que levam à adoção de
metas pouco eficientes, equivocadas quanto às políticas educa­
cionais e dominação de gênero. Apresenta dados quanto ao aces­
so e à perm anência de estudantes no sistem a educacional, entre
412 CLA R ISSA ECK ERT BAE TA N EVES

eles, o de que os homens estão em m aior número no sistema


escolar, porém, perm anecem mais tempo para percorrerem o
m esm o trajeto que as mulheres; quanto às disciplinas escolhidas
e/ou freqüentadas por estudantes, ressalta que a bipolarização
entre humanas e exatas quanto ao gênero persiste, e fala sobre a
situação do corpo docente, sendo que as mulheres continuam a
ocupar a m aior parte dos cargos relacionados à educação, apesar
de ocorrer um ligeiro aumento da participação dos homens entre
os profissionais da educação; o mercado de trabalho dos profes­
sores destaca-se pela proporção relativamente baixa de professo­
res não-brancos e que quase 60% não tem qualquer educação
superior; e, ainda, quanto à diferença salarial, som ente 13,7% das
mulheres professoras recebem mais de cinco salários mínimos,
ao passo que os homens representam 38,7%.
Delcele Queiroz (1987), em artigo intitulado “O Acesso ao
Ensino Superior: Gênero e Raça”, trata da associação entre gê­
nero e cor, no que concerne à inserção nas carreiras do ensino
superior. O estudo revela que as mulheres pretas estão em pior
situação quanto ao ingresso na universidade, pois apenas 26,8%
delas conseguem ingressar na primeira tentativa. Além disso, o
estudo aponta que as mulheres continuam a seguir as carreiras
consideradas como “femininas”, e que os homens estão, ainda,
em m aior número nas universidades (51,9%). A autora apresenta
também dados específicos dos diversos cursos universitários.

C o n c lu sã o

A produção recente de trabalhos de cunho sociológico so­


bre educação revela vigor e tem sido responsável por um quadro
rico e diversificado de questionamentos e resultados de pesqui­
sa. As pesquisas, ao destacarem eixos temáticos, anima, sim ulta­
neam ente, um amplo debate acadêmico e uma interlocução fran­
ca e construtiva com os atores centrais das ações governamentais
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E EDUCAÇÃO NO BRASIL 413

e da vida das instituições consdtutivas do sistema. Nesse sentido,


os estudiosos preservam e reafirm am o compromisso de engaja­
m ento social. Este engajamento não é, porém, faccioso.
E possível reconhecer, subjacente ao reflorescim ento dos
estudos sobre educação, a im portância que se volta a atribuir a
esta instituição como fator de impulso ou constrangimento no
processo de transformações sociais.
Ao enfocar a escola, por relação a um conjunto expressivo de
aspectos centrais da vida social contemporânea, os estudos reafir­
m am o lugar de destaque dessa instituição no processo de socializa­
ção e de formação do cidadão. Ao apontarem para a complexidade
própria do espaço social da escola, resultado da combinação de
aspectos dinâmicos internos e externos, como o acelerado avanço
tecnológico, a desigualdade e a violência, remetem à consideração
dos novos desafios que ela enfrenta como instituição socializadora
numa sociedade em profunda mudança.
O empenho na produção e no tratamento de conceitos e
categorias, no estabelecimento de relações entre os condicionantes
familiares, macrosociais e internos à escola no intuito de compreen­
são do que ocorre no processo educacional, sinaliza para a maturi­
dade da pesquisa sobre este campo. Do mesmo modo, como é o
caso nas análises de políticas educacionais, a preocupação com o
sistemático tratamento das estatísticas e informações na investiga­
ção dos impactos e resultados sociais pretendidos ou involuntários
marca um avanço em relação a uma certa tradição de estudos que
deduzia estes mesmos resultados do esclarecimento dos condicio­
nantes macroestruturais dessas políticas.
A análise do ensino superior, tomada no seu conjunto, leva à
construção de um cenário em que se revela toda a complexidade
deste nível de ensino. A investigação da dinâmica de transformações
das instituições que o compõem como organizações sociais moldadas
em permanente interação com o processo de desenvolvimento da
sociedade, do redesenho permanente do próprio sistema em sua
414 CLARISSA ECK ERT BAETA NEVES

funcionalidade social e demandas internas no contexto de uma socie­


dade que vive a democracia e a busca permanente de legitimação
dos investimentos públicos, implicam uma multiplicidade de esfor­
ços que tanto mais resultados produzirão quanto mais puderem se
desenvolver de modo articulado e compondo um debate rico,
multifacetado e coordenado.
O futuro deste am plo campo de estudos afígura-se muito
promissor. A quantidade de dados que se está produzindo, certa­
m ente, estimulará o aprofundamento de reflexões também no
plano da teoria. A realização de estudos com parados, neste con­
texto, enriqueceria muito o quadro geral da produção de conhe­
cimentos e precisa ser fortalecida. Isto realça a importância de se
intensificar a cooperação acadêmica internacional. Papel destaca­
do, para tanto, pode, m ais um a vez, ser cumprido pela Anpocs e
pelo Grupo de Trabalho Educação e Sociedade.

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A nexo - diretório dos grupos de pesquisa / CNP q , versão 4 .
(Linhas de pesquisa que abordam questões educacionais registradas no D iretório pelos grupos de pesquisa.)

GRUPOS DE PESQUISA EM SOCIOLOGIA

ESTUDOS
Ies G rupo de P esquisa L inhas de P esquisa A no

IUPERJ E strutura de Classes e D esigualdades D esigualdades e estratificação social 1993

SOCIOLÓGICOS
M obilidade ocupacional
UN IJUÍ Políticas Públicas e Exclusão Social Educação e organização solidária 2000
Políticas educacionais, exclusão e inclusão social

SOBRE
UFBA C or da B ahia - Program a de Pesquisa e Desigualdade e mecanism o de discrim inação na educação 1993
Form ação sobre Relações Raciais, Cultura form al

EDUCAÇÃO
e Identidade N egra na Bahia

UFS G rupo de E studos sobre Exclusão, C ida­ E ducação, espaço público e cidadania 2000
dania e D ireitos H umanos

NO
UFRGS Violência e Cidadania Violência contra e na escola 1997

BRASIL
UERJ N upevi —N úcleo de P esquisa sobre V io ­ Justiça, cidadania e políticas sociais 1997
lência

UCS N úcleo de Pesquisas de Trabalho e Políti­ E ducação e trabalho 1997


cas Sociais
432
Ies G rupo de P esquisa L inhas de P esquisa A no

UFRJ Reestruturação Produtiva e Trabalho Reestruturação produdva, trabalho e educação 1996

UEM M akários E ducação e adm inistração 2000

UFSC N úcleo de Estudos sobre as Transform a­ Trabalho e educação 1996


ções no M undo do Trabalho

CLARISSA
UNICAMP G rupo de Estudos M ultidisciplinar Traba­ Educação e trabalho 1997
lho, C ultura e Educação

ECKERT
UN ESP Centro de Pesquisas e Estudos Agrários A criança e o jovem nos assentam entos rurais 1987
Educação de jovens e adultos em assentam entos rurais

BAETA
UNEB G rupo de Estudos e D esenvolvim ento em Políticas públicas 2000
Política, Educação e Cultura

N EVES
UFRJ Estudos em Educação Caracterização do ensino m édio público e particular a 1997
p artir da separação Estado-Igreja
Depoimentos professores eméritos Universidade do Brasil
D esigualdade e escolaridade no ensino básico
Tendências do ensino superior brasileiro

UFG D ialética e prática de ensino de Ciências Sociologia do ensino médio 1995


Sociais Pesquisa em sala de aula
UFJF Centro de Pesquisas Sociais Fundam entos da educação 1986

U N ISU L Educação, Cultura e Sociedade N acionalism o e educação 1999

UNICAMP Grupo de Estudos sobre Movimentos, D e­ M ovim entos sociais e gestão da educação 1992

mandas Sociais na Educação e Cidadania

CERU CERU —Centro de Estudos Rurais e Urbanos Sociologia da educação 1964

UFPI Ifarada —N úcleo de Pesquisa sobre Afri- Educação 1995

canidades e Afrodescendência

UFPE Educação e Sociedade Avaliação institucional do Ensino Superior 1992

E gressos da pós-graduação
Form ação de docentes para a educação básica
tn
Profissão docente e cidadania o
c
n>
U niversidade e sociedade
>
o
E ducação superior 1996
FURG Estudos sociais de Ciência e Tecnologia, z
Sociedade, universidade e produção de conhecim ento c
Políticas Públicas e Educação Superior

Educacão 1992
UNB Ciência, Tecnologia e Educação na con-
tem poraneidade

UFRGS G EU —G rupo de E studos sobre U n iver­ Ciência, tecnologia e E nsino Superior


sidade E ducação superior: processo de internacionalização, in-
434
I es G rupo de P esquisa L inhas de P esquisa A no

tegração e experiências com paradas


Relações cruzadas: estrutura e gestão das universidades
contemporâneas

UFPE Ciência, Tecnologia e Sociedade Ciência e tecnologia 1999

CLARISSA
UNIR D esen volvim ento Sustentável e Sistem as Avaliação institucional em ciência e tecnologia 2000
S o c io c u ltu ra is: c a b o c lo s e c o lo n o s na Form ação de professores urbanos

ECKERT
A m azô nia

UFRGS Integração e M ercosul Integração e M ercosul 1995

BAETA
UNICAMP Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Política educacional 1996

N EVES
Públicas e Educação

FJP/M G Eqüidade, Financiam ento e D escentraliza­ Processos de descentralização de políticas públicas 1996
ção na Educação Pública

UN ESP Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre C ultura escolar, educação e gênero 1996
Cultura e D esenvolvim ento

UFS Grupo de E studos e Pesquisas sobre a G ênero e educação 1990


M ulher e Relações de Gênero G ênero e universidade
UFMS Grupo de E studos e Pesquisas de Gênero G ênero e educação 1993

UFPI Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a M u­ G ênero e educação 1996


lher e Relações de Gênero Trabalho e educação

ESTUDOS
UFRRJ Ciência, Form ação e Ecologia Ciência, técnica e formação 1995

UFSC N úcleo Interdisciplinar de Meio Am biente Educação ambiental 1991

SOCIOLÓGICOS
e D esenvolvim ento

FURG PPG em E ducação Am biental E ducação am biental e m anejo costeiro integrado 1994
E ducação am biental não-form al e inform al
Educação ambiental: currículo e formação de professores

SOBRE
Fundam entos da educação ambiental

EDUCAÇÃO
UFPI N upec —N úcleo de Pesquisa e Estudo so­ Estado, sociedade e políticas públicas 1992
bre Criança e Adolescente Infância, juventude e violência

UFSC P ro cesso s C u ltu rais Ju v e n is, G ênero e Políticas sociais, educação e saúde 2000

NO
Saúde

BRASIL
UN IFOR Estado, Sociedade e Educação Educação, ensino-aprendizagem e práticas educativas 2000

UFPI N ecapos Educação 1999 435

UESC Terceira Idade E ducação pela ótica do idoso 1998


GRUPOS DE PESQUISA EM ANTROPOLOGIA

I es G rupo de P esquisa L inhas de P esquisa A no

UPE G rupo de Estudos Socioantropológico Educação escolarizada 2000

U N O E SC C ultura e Identidade Regional Trabalho e educação 1999

U CG A ntropologia e M emória A ntropologia e educação 1982

CLARISSA
UFMS D iversidade, Cultura e Educação D iversidade cultural e educação em MS 1997

UNIT E studos Contem porâneos Educação 2000

ECKERT
UFPE LE CC —Laboratório de Estudos Avança­ Educação, instituição e violência 2000
dos de C ultura Contem porânea

BAETA
UFM A Estudo Multicultural e Políticas Públicas Políticas indigenistas da educação 2000

NEVES
UNICAMP Pagu - N úcleo de Estudos de Gênero Educação 1993

U CG N úcleo de Investigação de Gênero E ducação e gênero 1997


ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO BRE EDUCAÇÃO NO BRASIL 437

G R U P O S D E P E SQ U ISA EM C IÊ N C IA P O LÍTIC A

I es G r u p o d e P e s q u is a L in h a s d e P e s q u is a A no

UEM P ro g ram a de P esqu isas Educação e habitação 1997


Sociais

U N ICAM P C entro de E studos de Análise de dados socio- 1993


O pinião Pública econômicos em educação

U N IC A M P Estudos Sociais de Ciência A nálise de p olíticas de 1995


e Tecnologia ciência e tecnologia
Es t u d o s S o c i o l ó g i c o s s obre Ed u c a ç ã o no B rasi l
( C o me n t á r i o C rí ti co )

Carlos Benedito Martins

Não poderia deixar de assinalar a oportunidade da inclusão do


tema da educação no balanço das ciências sociais no Brasil promo­
vido pela Anpocs, uma vez que esse campo de investigação tem
ocupado uma presença relevante, tanto no plano internacional quan­
to nacional, nas discussões de suas complexas articulações com o
exercício da cidadania, com o processo de desenvolvimento econô­
mico, com a formação da identidade cultural e com as estratégias de
inovação tecnológica1. Após uma fase de acentuado recuo no inte­
rior das ciências sociais brasileiras, assiste-se a partir dos anos de
1980 a um acréscimo significativo no volume da produção a esse
respeito, o que reforça a justificativa do empreendimento de anali­
sar os resultados obtidos e os novos desafios e perspectivas de
investigação face às significativas transformações que vem ocor­
rendo nos mais diversos níveis da sociedade brasileira atualmente.

1. Ver a este respeito a relação estabelecida p or Castells (2000: 64-81) entre a


inovação dos conhecim entos tecnológicos e o sistema educacional no contex­
to da revolução da tecnologia da inform ação.
440 CA RLO S BE N E D ITO M ARTINS

O trabalho elaborado por Clarissa Baeta Neves possui o


mérito de estabelecer uma continuidade e um diálogo com os
balanços realizados anteriorm ente sobre essa área de estudos,
elaborados porL uis Cunha (1987), Aparecida Joly Gouveia (1989),
Silke Weber (1992) e Arabela Oliven (1996), atualizando-os e
sugerindo novas indagações para a reflexão. E sse trabalho possui
um a estrutura interna coerente e lida com os variados recortes
temáticos que vem sendo privilegiados pelos praticantes da área,
um a vez que o seu propósito não é realizar um balanço exausti­
vo da produção sociológica brasileira sobre os estudos de educa­
ção, mas destacar o lugar ocupado por determ inadas problem áti­
cas no interior dessa área.
O texto revela que a temática da educação não apenas tem
um a posição de destaque no âmbito das ciências sociais interna­
cional e brasileira —de modo especial na sociologia —mas tam ­
bém que a sua análise desem penhou, em diversos c o n te x to s
históricos, um papel im portante no processo de institucionaliza­
ção da atividade científica desse campo disciplinar. Nesse senti­
do, seria oportuno assinalar a destacada posição ocupada pela ejues-
tão educacional no conjunto da sociologia elaborada por Durkheim.
A exploração intelectual das dimensões da educação na Faculda­
de de Letras em Bourdeaux a partir d e 1887 constituiu um fato
significativo para a entrada da sociologia no sistema universitário
francês e para sua posterior institucionalização acadêm ica2. O
texto também evoca que a questão educacional encontra-se pre­
sente quer direta ou indiretam ente em uma pluralidade de auto­
res, tanto clássicos como contemporâneos das ciências sociais.
Os trabalhos de D urkheim (1969, 1992), Marx e Engels (1978),

2. A sociologia de D urkheim elegeu a questão educacional com o um elem ento


estruturador de seu arcabouço teórico-conceitual. A lguns de seus trabalhos
ilustram de forma significativa essa preocupação, tais com o Education et sociologie,
1992, pp. 41-68, e Leçons de sociologie , 1969, pp. 79-141. Ver a esse respeito
Steven Lukes (1973: 99-136) e V ictor K arady (1979).
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (CO M EN TÁRIO CR ÍTICO ) 441

Weber (1967, 1989, 1992), M annheim (1967, 1978), M ills (1969),


Parsons (1951, 1955, 1964,1970), Adorno (1995), Bourdieu (1964,
1970, 1984,1998, 1997), Eisenstadt (1976), Lasch (1983), e vários
outros atestam de form a inequívoca um tratamento destacado
conferido à temática da educação.
O texto de Clarissa Baeta N eves detecta um a tendência que
se encontra no âm ago de determ inados trabalhos clássicos e
contemporâneos e que, de certa forma, tem estruturado o perfil
intelectual dessa área, qual seja, uma incessante preocupação em
interligar de form a íntima conhecimento e ação. N esse sentido,
percebe-se uma busca de intervenção no próprio objeto de estudo, procu­
rando modificar as condições em que operam os sistemas educa­
cionais, com o propósito de tornar mais equânimes as chances de
acesso ao sistema de ensino. Busca-se também a intervenção nos
contextos societários a partir do aparelho escolar, tendo como meta, por
exemplo, a cria çã o d e um a s o c ie d a d e d e m o c r á tic a e de uma
organização mundial cooperativa que funcione sem recorrer à
violência física para resolver os conflitos entre as nações —
questões que foram am plam ente privilegiadas e exploradas na
sociologia de Karl M annheim. Nessa mesma direção, a educação
na perspectiva de Adorno constituía um fator relevante na pro­
dução de indivíduos autônomos, aptos a exercerem de form a
sistem ática a sua capacidade de reflexão e autodeterminação, ca­
pazes de se contrapor à identificação cega com o coletivo, tal
como ocorreu, em sua visão, na Alemanha nazista3. Já em outras
formulações, a educação deve constituir um instrum ento de in­
crem ento de form ação de recursos humanos, como enfatizaram
os adeptos da “teoria do capital humano”4. A sociologia de inspi­
ração weberiana adotou um a atitude mais recatada e distante

3. Ver a este respeito K arl M annheim (1978: 25-72) e T h eodo r A dorno (1995:
119-185).
4. Ver a esse respeito, por exem plo, Theodore Schultz (1971 e 1973).
442 C A R LO S BEN ED ITO M ARTINS

dessa disposição intervencionista, m antendo-se fiel ao seu pres­


suposto de estabelecer uma nítida separação epistemológica en­
tre conhecimento em pírico dos fenômenos sociais e os julga­
mentos de juízos de valores e/ou prescrições para a ação social5.
Certamente esse ímpeto intervencionista apresenta variações
empíricas que dependem dos contextos societários e acadêmicos.
Tudo leva a crer que a m aior ou menor intensidade de uma postura
de intervenção no próprio objeto educacional, bem como nos con­
textos societários a partir do aparelho escolar, tende a guardar uma
relação com o grau de autonomização cientifica alcançado pelos
estudos da área educacional, ou seja, pela sua capacidade de refratar
e/ou de retraduzir as demandas externas advindas do campo eco­
nômico ou político. O texto de Baeta Neves contribui para levantar
questões centrais sobre determinadas características marcantes des­
sa área de estudos: quais as raízes sociológicas que subjazem a essa
busca incessante de modificação do próprio objeto de estudo? Até
que ponto esse ímpeto intervencionista tem contribuído para uma
apreensão objetiva das relações entre educação e sociedade ou,
pelo contrário, tem obliterado a compreensão de sua complexida­
de? Creio que a leitura do texto suscita questões que merecem ser
exploradas a respeito das possíveis tensões e/ou conflitos existen­
tes no interior desse campo, resultantes de posturas e/ou ações
desencadeadas por determinados praticantes com vistas à aquisição
de uma relativa autonomização científica frente a pluralidade de
demandas externas.
As considerações tecidas pela autora sobre determinadas
tendências de pesquisa na área da sociologia da educação na
França, Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha são instigantes
uma vez que indicam que nesses países form aram-se tradições
intelectuais em torno de determinados problemas que foram pro­
clamados pelos pares como legítimos de serem investigados, de

5. A esse respeito ver os trabalhos de Max Weber (1967: 107-154, e 1992: 97-183).
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (CO M ENTÁRIO C R ÍT IC O ) 443

tal modo que se pode, até certo ponto, assinalar a existência de


uma verdadeira sociologia da educação nesses países. Na Ingla­
terra, por exemplo, privilegia-se os processos efetivos que se
desenrolam nas escolas e salas de aula, por meio de uma análise
sistem ática dos conteúdos e saberes transmitidos pelas estruturas
curriculares6. Nessa mesma direção, a França concentrou uma
parte significativa da sociologia educacional no conhecimento do
sistem a escolar e de suas relações com a produção/reprodução
das estruturas sociais bem como de sua articulação com os pro­
cessos de igualdade/desigualdade social7. Não deixam também
de ser significativos os caminhos percorridos na renovação teóri-
co-m etodológica em preendida na (re)definição de novos objetos
de estudos nesses países e cios procedimentos considerados le­
gítim os na sua análise. M ais uma vez, constata-se um esforço
convergente dos pesquisadores em incluir a utilização da história
e histórias de vida, enfim , a introdução de narrativas como pro­
cedim entos sociológicos. Por outro lado, percebe-se também uma
disposição em articular de forma mais matizada as complexas
relações entre ator e estrutura e, tendo em vista a recuperação
das tradições do interacionism o simbólico e da fenomenologia, a
atribuir uma m aior capacidade de iniciativa e de negociação dos
atores com os diversos níveis da estrutura social.
Ademais, as observações realizadas pela autora sobre a socio­
logia da educação nesses países permitem avaliar a trajetória da
temática da educação no âmbito das ciências sociais brasileiras. Em
um trabalho, publicado originalmente em 1957, Florestan Fernandes,
que desempenhou um papel fundamental não apenas no processo
de institucionalização da disciplina da sociologia no país, mas tam­
bém na configuração intelectual dos estudos sobre educação, mos-

6. A propósito ver o artigo de Jean-C laude Fouquin (1990: 103-123).


7. A esse respeito ver o trabalho de Jean Claude Passeron (1988: 133-143), de
M arie D uru-B ellat e A gnès H enriot van Zante (1992: 9-28, 63-76, 103-121) e
o estudo de R aym ond Boudon (1981).
444 C A R I.O S BENEDITO M ARTINS

trava-se francamente cético quanto à existência das chamadas “so-


ciologias especiais”, entre as quais estaria incluída a sociologia da
educação. No referido artigo, ao discutir o próprio objeto da ativida­
de sociológica e suas principais divisões e após refazer e ampliar a
classificação dos três planos m etodológicos sugeridos por
Mannheim (sociologia sistemática, sociologia comparada e sociolo­
gia estrutural), assinalava a insuficiência de fundamentos lógicos e
epistemológicos para subdividir de forma indefinida os campos da
sociologia. Nesse sentido, assinalava que

[...] com o aco n tece em q u a lq u e r ciên cia, os m éto d o s so cio ló gico s p od em


se r ap licad o s à in v estigação e à exp licação d e q u alq u e r fen ô m eno social
p articu lar, sem que p o r isso d eva-se ad m itir a ex istên cia d e um a d iscip lin a
esp ec ial com o bjeto e p ro b le m as p ró prio s (F ernan d es, 1971: 29).

Tudo leva a crer que apesar da predom inância da utilização


do enfoque sociológico, quando comparado com a antropologia e
a ciência política, no que se refere à sua aplicação aos estudos
de educação no país, não se constituiu na sociedade brasileira
uma sociologia da educação centrada em determinados objetos e
procedim entos m etodológicos estabelecidos pelos pares como
dignos de serem investigados, tal como tem ocorrido em outros
contextos societários. Não obstante a constatação da ausência de
um eixo estruturador capaz de fundar um subdisciplina específi­
ca no país, os balanços anteriormente realizados e o trabalho em
foco colocam em evidência a existência de uma parcela significa­
tiva de pesquisadores que abordam temas e questões cia educa­
ção a partir da sociologia e, em menor escala, de outras discipli­
nas que integram o campo das ciências sociais. Creio que seria
extrem amente profícuo exam inar de form a mais detalhada as cir­
cunstâncias sociais e, sobretudo, as condições acadêmico-institu-
cionais que contribuíram para que os estudos de educação to­
massem um rumo peculiar na sociedade brasileira.
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (C O M E N TÁRIO CRÍTICO ) 445

Seria oportuno também assinalar que desde a década de 1920 a


sociologia mantém uma forte afinidade com o campo educacional
brasileiro. A esse propósito, não se pode esquecer que as primeiras
tentativas de introduzir a sociologia no pais foram realizadas por
m eio de sua inserção nos currículos dos cursos secundários, como
ocorreu, por exemplo, no final dos anos de 1920, no Colégio Pedro
II no Rio de Janeiro, por influência de Delgado de Carvalho, na
Escola Normal de Recife por Gilberto Freyre e Carneiro Leão e,
pouco mais tarde, em São Paulo, com Fernando de Azevedo. O
ensino da sociologia era então entendido como um instrumento
estratégico para a compreensão da realidade social brasileira, sendo
que o seu ensino deveria propiciar a formação de agentes sociais
capazes de refletir sobre os problemas nacionais. Em 1931, a Refor­
ma Francisco Campos manteve o ensino da sociologia no curso
secundário e nos currículos dos cursos preparatórios para o acesso
ao ensino superior. Na metade da década de 1930 a sociologia foi
introduzida no ensino superior, inicialmente pela Escola Livre de
Sociologia e Política de São Paulo, depois na Faculdade de Filoso­
fia, Ciências e Letras, c finalmente na Universidade do Distrito
Federal, que teve uma efêmera vida institucional8.
Os balanços já realizados sobre essa área de estudo e o de
Baeta Neves indicam que até o início da década de 1960 o tema da
educação situou-se no campo da análise sociológica e passou a
ocupar um espaço privilegiado no interior dessa disciplina. Assim
como ocorreu em outros contextos societários, assiste-se aqui à
recorrência do entrelaçamento entre conhecimento e ação, uma vez
que determinados estudiosos e pesquisadores da área tiveram in­
tensa participação em movimentos reformistas do processo educa­
cional brasileiro e assumiram a liderança da criação de um conjunto
de instituições universitárias e de pesquisa científica que tiveram
impacto significativo no sistema educacional nacional.

8. Ver a este propósito A driano C arneiro G iglio (1999).


446 C A RLO S BENEDITO M ARTINS

Nesse sentido, as trajetórias de Fernando de Azevedo e de


Anísio Teixeira são emblemáticas. Ambos foram signatários do “M a­
nifesto dos Pioneiros da Educação”, lançado em 1932, clamando
por uma ampla renovação educacional no país. O primeiro deles
atuou de forma destacada na reforma do ensino secundário no
Distrito Federal, uma das inúmeras ocorridas na década de 1920,
tornando-se posteriormente professor de sociologia na antiga Es­
cola Normal da Praça (Caetano de Campos), em São Paulo, e inte­
grante da Comissão criada para elaborar o projeto da Universidade
de São Paulo, vindo a ocupar, logo em seguida, uma cátedra de
sociologia na Faculdade de Filosofia e Letras da USP, dedicando-se
a explorar temas relativos à sociologia da educação. O segundo,
além de empreender reformas no sistema educacional baiano, criou
em 1935 a Universidade do Distrito Federal que rompia com o
precário padrão de funcionamento das universidades então existen­
tes no país. Após participar da criação do INEP, em 1937, onde foi
seu diretor (1952/1964), na década de 1950 Teixeira assumiu a
liderança da criação de outras instituições voltadas para o incentivo
e renovação da pesquisa educacional, como o CBPE (Centro Brasi­
leiro de Pesquisas Educacionais), que respondia pela publicação da
revista Educação e Ciências Sociais, que desempenhou um papel impor­
tante na configuração do debate intelectual e teve 21 números
publicados no período compreendido entre março de 1956 e de­
zembro de 1962. Deve-se assinalar também que esse periódico
abrigou uma plêiade de cientistas sociais tais como Florestan
Fernandes, Darcy Ribeiro, Costa Pinto etc. Anísio Teixeira partici­
pou ainda da criação da Capes, vindo a ocupar a sua direção por um
extenso período (1951/1964) e no início da década de 1960 esteve à
frente da elaboração do projeto de criação da Universidade de
Brasília, tornando-se o seu primeiro reitor (1963)9.

9. E ntre os vários trabalhos dedicados à educação produzidos por Fernando de


Azevedo deve-se m encionar Sociologia Educacional, 1940. A nísio Teixeira publi-
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (CO M EN TÁRIO CRÍTICO ) 447

O texto elaborado por Baeta N eves estim ula o leitor a


refletir sobre o status dos estudos realizados sobre as diferentes
facetas do fenômeno educacional no contexto dos esforços de
interpretação da sociedade brasileira. Nesse sentido, é possível
perceber, a partir do levantamento realizado pela autora, que a
produção recente de trabalhos sobre educação expressa um qua­
dro rico e diversificado de temáticas —tais como o aumento da
escolaridade em seus diferentes níveis e persistência das desi­
gualdades sociais, escola e violência, produção social das políti­
cas educacionais, as transformações recentes do ensino superior
etc. — que abre perspectivas para a exploração do fenômeno
educacional como fator de impulso e/ou de constrangimento no
complexo processo de transformações vivenciadas pela atual so­
ciedade brasileira. Seu texto evidencia também que os trabalhos
e pesquisas realizadas têm propiciado um amplo debate acadêm i­
co e uma constante interlocução com os atores que ocupam
posições centrais na formulação de políticas educacionais para o
país, assim como com as instituições que compõem os diferentes
níveis de ensino do país.
Por outro lado, o texto possibilita uma reflexão sobre a
constelação de fatores que interferiram na visibilidade e no pres­
tígio acadêmico desfrutado pela área educacional no conjunto
das ciências sociais no Brasil. Creio que seria interessante explo­
rar as condições institucionais que contribuíram para a posição
destacada que a temática da educação ocupou nas ciências so­
ciais até o início dos anos de 1970 —quando esteve no mesmo
patamar de temas então consagrados, como urbanização, industri­
alização, mudança social, desenvolvimento etc. — bem como a

cou um a extensa obra dedicada a problem as da educação no país. E ntre elas,


vale a pena m encionar Educação e Universidade, 1998, e Ensino Superior no Brasil:
Análise e Interpretação de sua Evolução até 1969, 1989. Para um a apreciação crítica
da participação desses renovadores educacionais, consultar os trabalhos de
H elena Bom eny (1999 e 1993).
448 CA RLO S BENEDITO M ARTIN S

questão de seu recuo na década seguinte e a sua gradadva recu­


peração nos últimos vinte anos.
Nessa perspectiva, creio que valeria a pena examinar até
que ponto o prestigio acadêmico alcançado pela pesquisa em
educação nos anos de 1950 e 1960 não esteve fortemente asso­
ciado ao reconhecimento das instituições, à competência científi­
ca e à notoriedade intelectual atribuída pelos cientistas sociais
aos agentes e grupos de pesquisa que estiveram envolvidos nes­
se em preendimento científico. No caso específico da seção de
Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e,
sobretudo, em torno da Cadeira de Sociologia I, por exemplo,
pode-se perguntar em que medida esse reconhecimento não es­
teve relacionado, quer direta ou indiretamente, com a posição
científica ocupada pela liderança acadêmica de Florestan Fernandes,
que imprimiu uma sólida direção teórico-metodológíca a vários
trabalhos, recorrentem ente tomados como obras exemplares pe­
los pesquisadores dedicados aos estudos de educação10.
D iga-se de p assagem que a contribuição de F lorestan
Fernandes no campo dos estudos sobre educação também propi­
cia uma reflexão sobre as diferentes modalidades assumidas pela
articulação entre conhecimento e ação. Propositor de uma “so­

10. Ver, por exem plo, os próprios trabalhos de Florestan Fernandes, entre os
quais destacam -se Educação e Sociedade tio Brasil, 1966; Universidade Brasileira:
Reforma ou Revolução?, 1975; O Desafio Educacional, 1989. A lguns trabalhos que
foram elaborados por docentes da FFC I, da USP, sob forte influência de
Florestan Fernandes, são: Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni (1959);
M arialice Foracchi (1965 e 1972). Ver tam bém os trabalhos de Luis Pereira
(1967, 1969 e 1971). V ários outros trabalhos tam bém foram realizados no
interior da FFCL, tais com o: A parecida Joly G ouveia (s. d.) e Jo ão Batista
Pereira (1969). Entre os vários estudos consagrados ao papel central exercido
p or Florestan Fernandes na configuração da sociologia brasileira, ver Maria
A rm inda do N ascim ento A rrud a (1995) e D ébora M azza (1997). Com rela­
ção à discussão sobre as condições de prestígio acadêm ico no interior do
cam po científico, ver os trabalhos de Pierre Bourdieu (1980:113-121, e 1997).
Ver tam bém a este respeito o trabalho de T erry Shinn (1988).
ESTU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (C O M E N TÁRIO C R ÍT IC O ) 449

ciologia aplicada”, entendida como uma disciplina empírico-indutiva


voltada para a “intervenção racional sobre as condições sociais
da existência”, ardoroso defensor de uma sociologia crítica e
m ilitante, participante ativo de vários m ovimentos educacionais
voltados para a construção e a dem ocratização da escola pública,
Florestan Fernandes, transformou a sua prática social numa das
condições propiciadoras da própria construção do conhecimento
científico, im prim indo em suas pesquisas um elevado e rigoroso
padrão de exigência teórico-metodológica e transmitindo de for­
ma com petente esse ethos aos pesquisadores que trabalharam
direta ou indiretam ente sobre a sua influência intelectual11.
Além disso, penso que valeria a pena indagar até que ponto
a perda da visibilidade e do reconhecimento dos trabalhos sobre
educação, em meados dos anos de 1970, não coincidiu com o
deslocamento institucional do locus dessa produção que gradati-
vam ente com eçou a evadir dos centros de ensino e pesquisa em
ciências sociais para abrigar-se nas faculdades e nos cursos de
pós-graduação em educação, que, em larga medida, assumiram
por um bom período as tarefas de análise do fenômeno educa­
cional e de sua sociologização. Tudo leva a crer que por mais
prestígio e reconhecimento acadêmico que determinados pesqui­
sadores desses centros usufruíssem no interior de sua subárea,
nem sem pre ocorreu uma transferência líquida e certa dessa
notoriedade e dos trabalhos resultantes para o campo das ciên­
cias sociais. Ademais, deve-se observar que vários desses traba­
lhos, como, por exemplo, os consagrados à política educacional,
que vinham sendo empreendidos naquele período histórico pe­

11. Com relação à proposta de Florestan Fernandes da inclusão de um a “sociolo­


gia aplicada”, consultar Ensaios de Sociologia G eral e Aplicada, pp. 11-30. A sua
defesa de um a sociologia crítica e m ilitante, com o um a form a de contestação,
entre os seus vários trabalhos dedicados a essa tem ádea, c o n s u lta rá Sociologia
no Brasil, 1977, pp. 123-259. Q uanto às exigências científicas relativas ao p ro ­
cesso de explicação sociológica, ver Florestan Fernandes (1967).
450 CA RLO S BENEDITO M ARTINS

los educadores centraram a sua atenção em questões relativas ao


funcionamento do Estado, não obstante os seus autores, com
raras exceções, possuírem uma sólida form ação no campo da
ciência política, contribuindo dessa form a para uma acolhida fria
e duvidosa dos resultados dessas investigações no interior do
campo das ciências sociais.
Quanto ao resgate dos estudos sobre educação realizado
peias ciências sociais a partir de meados da década de 2980, o
texto sugere uma reflexão sobre a trajetória desse deslocamento.
As inform ações fornecidas pela autora indicam que a base insti­
tucional da produção dos estudos sobre educação realizados pe­
las ciências sociais no Brasil até os anos de 1960 estava em boa
medida localizada em centros patrocinados por organismos go­
vernamentais, tais como o INEP, CBPE, CRPE, ISEB, e em
poucas instituições de ensino como era o caso da USP. Com a
institucionalização dos program as de pós-graduação em sociolo­
gia, política e antropologia, ocorrida a partir dos anos de 1970,
gradativamente o essencial da produção passou a ser desenvolvi­
do nesses centros de ensino e pesquisa. M ais recentemente for­
maram -se núcleos de pesquisa que guardam relações diretas ou
indiretas com docentes e/ou pesquisadores que atuam nos cur­
sos de pós-graduação nas áreas de ciências sociais. Nesse senti-
do, não deixa de ser significativo um dado apresentado pela
autora: de 187 grupos de pesquisa existentes na área de sociolo­
gia, sendo que a m aioria deles são form ados por docentes de
pós-graduação, 41 grupos possuem algum a linha de pesquisa li­
gada à temática de educação. Por outro lado, não deixa de serem
pertinentes os com entários sobre o papel exercido pelo G rupo
de Trabalho “Educação e Sociedade” da Anpocs na trajetória
desse deslocamento. Considero também que, posteriormente, ao
exam inar as temáticas que vem sendo privilegiadas pelos prati­
cantes da área nesses últimos vinte anos, devemos aprofundar o
exame das condições sociais e acadêmico-institucionais que estão
E STU D O S SO CIO LÓ G ICO S SO B R E ... (CO M EN TÁRIO CRÍTICO ) 451

em sua gênese, bem como as (re)orientações teóricas mais gerais


que tem fornecido o substrato para a sua explicação.
Finalmente, gostaria de assinalar que os balanços realizados
anteriormente sobre essa área de estudo e reiterados pelo empreen­
dido por Baeta Neves colocam em evidência uma nítida predomi­
nância da sociologia, entre as ciências sociais, no tratamento das
questões educacionais. No entanto, tudo leva a crer que a com ­
preensão mais profunda das complexas articulações entre educação
e sociedade tende a extravasar as fronteiras disciplinares existentes
no interior das ciências sociais. Pode-se mencionar, a título de
exemplo, que Pierre Bourdieu não hesitou em transitar em suas
investigações teóricas e empíricas entre diferentes campos discipli­
nares, utilizando-se dos instrumentos da sociologia, ciência política
e antropologia12. No caso do contexto brasileiro, uma rigorosa com ­
preensão sobre os fenômenos educacionais seria enriquecida pela
presença e participação mais efetivas de antropólogos e de cientis­
tas políticos que, por meio de seus instrumentais teórico-metodo-
lógicos específicos, poderiam oferecer, ao lado da sociologia, uma
contribuição para o esclarecimento de uma série de dimensões que
perpassa a relação entre educação e sociedade. Deve-se também
mencionar que os resultados de um conjunto significativo de traba­
lhos realizados por antropólogos e cientistas políticos, que direta
ou indiretamente tratam de determinados aspectos educacionais em
suas investigações, tendem a ficar restritos à sua área disciplinar.
Acredito que seria bem-vinda uma maior interação desses trabalhos,

12. Com relação à disposição de Pierre Bourdieu de ultrapassar de form a delibe­


rada as diferentes fronteiras entre as ciências sociais, ver,Q uestions de sociologie,
pp. 10-121; Choses dites, 1987, pp. 13-71; Repónses:p ou r une anthropologie réflexive
(em colaboração com Loïc W acquant). Seria oportuno destacar que vários
trabalhos realizados no âm bito da antropologia têm elucidado questões rele­
vantes na relação entre educação e sociedade, ficando, no entanto, confinados
a essa área disciplinar. Ver, por exem plo, o trabalho de Celso Castro (1990) e
de C ristina P atriota de M oura (1999).
452 C A R LO S BENEDITO M ARTIN S

bem como de seus autores, com os pesquisadores que têm enfocado


a educação pela perspectiva da sociologia, para o desenvolvimento
da pesquisa sobre educação realizada no âmbito das ciências sociais.
Certamente, a implementação de um maior intercâmbio entre antro­
pólogos, cientistas políticos e sociólogos esbarraria com o processo
de relativa autonomização e especialização científica que tem per­
passado as ciências sociais no Brasil nas últimas décadas. Nesse
sentido, creio que o Grupo de Trabalho “Educação e Sociedade”
da Anpocs tem a responsabilidade não apenas de preservar o resga­
te da temática da educação no interior das ciências sociais, mas
deveria também enfrentar o árduo desafio de constituir um espaço
privilegiado nas discussões sobre uma agenda de investigações ca­
paz de atrair sociólogos, antropólogos e cientistas políticos para um
trabalho voltado para a elucidação dos processos educacionais.

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