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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - PROPEC-UFS


DISCIPLINA: TÓPICOS ESPECIAIS E CULTURA E DESENVOLVIMENTO
DISCENTE: ELIZETE FERREIRA DOS SANTOS SANTANA

Desenvolvimentismo, a Construção do Conceito


Pedro Cézar Dutra Fonseca

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo delimitar o conceito de desenvolvimentismo desde a


realidade histórica latino-americana, qualificando distintos fenômenos, do passado e do presente,
sem que haja na literatura um esforço para delimitá-lo.
Com base na experiência histórica da América Latina – a industrialização por
substituição das importações - Sartori (1970; 1984) classifica-os de “viagem” dos conceitos ou a
vida própria que estes adquirem ao serem usados.
Segundo o autor, a conceituação de desenvolvimentismo vem sendo objeto de discussão
entre profissionais e pesquisadores da área de economia, pois reúnem em si a diversidade da
experiência histórica indispensáveis para nomear fatos ou fenômenos considerados relevantes,
principalmente na comunidade acadêmica, a qual cultiva a precisão e o rigor como virtudes
inerentes ao imaginário que faz de si mesma e colaboram para legitimá-la socialmente.
De acordo com Fonseca, desenvolvimentismo serve para designar alternativamente, duas
coisas por certo indissociáveis, mas que não são exatamente o mesmo, nem do ponto de vista
epistemológico, nem na prática cotidiana, valendo-se das seguintes definições: Pode ser visto
como:
 Fenômeno do mundo material;
 Fenômeno do mundo do pensamento;
 Discurso político;
 Para designar uma escola ou corrente do pensamento.

À seguir, o autor faz referências ao “trade off” citado por Sartori decorrendo em extensão x
intensão, pois o aumento da extensão do conceito implica que este perca em intensão, e sua
força explicativa diminui. Para fins desta análise, Fonseca fez uso das estratégias apontadas por
Sartori (1970;1984) semelhante a elaborada por Weyland (2001), que seguem;
A primeira Conceito por acumulação
- Pouca extensão
- Rico em intensão
- Resulta em: Intersecção estreita, pouco espaço para a pesquisa
A segunda Conceito por adição
- Ganha em extensão
- Perde em intensão
- Gera pseudoconsenso e vasto número de significados
A terceira Conceito por redefinição (Clássico)
- Equilíbrio entre extensão e intensão
- Descarta pesquisa por definição e por acumulação
- Avança em pesquisas empíricas
Elaborada pelo autor do resumo

Num contexto histórico complexo e diversificado, o conceito de desenvolvimentismo,


antes de tipo ideal, é destacado pelo autor como ponto de partida do uso feito dele e, portanto,
o(s) significado(s) que a comunidade que o utiliza lhe dá, e por meio dele designar sua dimensão
histórica – posto que é um fenômeno histórico -.
No texto o autor destaca os estudos de Schneider (1999, p. 38-39) onde este cita que a
primeira referência da expressão Estado Desenvolvimentista foi utilizada pelos autores que estão
elencados na tabela abaixo:
ANO AUTOR OBRA VARIÁVEIS INVESTIGADAS
1962 Hélio Jaguaribe Desenvolvimento Econômico e Desenvolvimento
Político
1963 Bresser Pereira Choque do Desenv. Intervencionista contra o
liberalismo econômico
1968 Bresser Pereira Por desenvolvimento entendemos uma ideologia...
1970 Cardoso e Faletto
1971 Cardoso Ideologia Nacional Desenvolvimentista
1988 Bielschowsky A quem deve-se a formulação mais precisa do conceito I-Desenvolvimentismo do Setor Privado
enquanto ideologia II-Desenvolvimentismo do Setor Público Não Nacionalista
III-Desenvolvimentismo do Setor Público Nacionalista
1980 Echevarría Políticas Desenvolvimentistas I - Atores, grupos sociais e organizações que os
(Gerrieri, 1980; representam, como empresários, intelectuais, burocracia
Rodriíguez, 2009) estatal, elite política, operários e classes médias, entre
outros;
II - Adoção por parte deles de comportamento ou conduta
voltados à racionalidade e à visão de mundo (“ideário do
desenvolvimento”) requeridas pelo processo de mudança;
III- A articulação para se expressarem por meio do
Estado, ou seja, com força política para canalizarem seus
anseios e os verem materializados como política
econômica, expressando-os como se fossem do conjunto
da nação.

1982 Johnson Estado Desenvolvimentista I - intervenção estatal por meio de políticas conscientes e
consistentes que consagram o desenvolvimento econômico
como primeira prioridade;
II - existência de uma burocracia estatal voltada a
escolher os setores a serem priorizados e a execução dos
programas de estímulo, com margem de atuação
assegurada pelo sistema político;
III - criação de instituições financeiras e outras voltadas a
viabilizar incentivos, como fiscais e orçamentários;
IV - criação de agência (como o Ministry of International
Trade and Industry – MITI, doJapão) para planejar e
implementar as políticas voltadas a incrementar a
industrialização acelerada
1990 Wade tipologia com vistas às tarefas ideais atinentes ao I - o nível da observação, com a combinação de
Estado desenvolvimentista investimentos produtivos, responsáveis pela transferência
de tecnologia para a produção, investimentos em
indústrias- chave e regulação da competição internacional;
II - o nível causal, em que se encontram a acumulação de
capital em setores estratégicos e os mecanismos que serão
utilizados para fomentá-la; e
III - o nível da explicação, em que aparecem as
características mais típicas do Estado desenvolvimentista,
como seu caráter corporativo e capacidade de orientar o
mercado.
1992 Evans tipologia na qual contrasta como extremos os Estados I - impulso à industrialização por meio de política
predatórios intervencionista deliberada;
II - burocracia forte e meritocrática, com força
implementar a estratégia de mudanças; e
III - canais institucionalizados para negociar metas e
políticas com atores privados e segmentos sociais
1999 Schneider Estado Desenvolvimentista (Industrialização) I-Capitalismo Político (Investimentos e lucros: decisão
estatal)
II-Discurso na defesa do Desenvolvimrnto e necessidade
do Estado para promovê-lo
III-Exclusão política da maioria da população adulta
IV-Burocracia fluida e fracamente institucionalizada
1999 Chang defende que o Estado desenvolvimentista deve cumprir I - coordenação, principalmente das ações dos agentes
quatro funções especiais privados, como para viabilizar financiamento e realizar
investimentos;
II - visão de futuro – ou estratégia de desenvolvimento
nacional –, a qual envolve atores, segmentos e classes que
se fazem representar no Estado para direcioná-lo nesse
sentido;
III - construção de instituições voltadas a fomentar um
ambiente propício ao desenvolvimento e a sua
continuidade
2001 Amsden assinala que dois princípios norteiam o I - criação de bancos de desenvolvimento;
desenvolvimentismo II - administração de conteúdo local;
III - “exclusão seletiva”, ou seja, abrir mercados para
alguns setores mantendo outros fechados; e
IV - formação de empresas nacionais, função frisada ao
longo de sua obra.
2006 Bresser Pereira com olhos mais voltados às experiências latino- I - o nacionalismo como ideologia, uma vez que a
americanas do século XX estratégia significa a afirmação do Estado nacional e de
suas instituições;
II - aglutinação em sua defesa de segmentos sociais, como
empresários, trabalhadores, classes médias e burocracia
estatal, esta última recrutada por critérios meritocráticos;
III - industrialização orientada pelo Estado mediante a
substituição de importações, que lançava mão de
instrumentos como poupança forçada para realizar
investimentos e de política industrial, muitas vezes com
caráter protecionista; e
IV - ambiguidade em relação aos deficit públicos e em
conta-corrente, bem como complacência em relação à
inflação.

Elaborada pelo autor do resumo com base em Schneider (1999)

Depreende-se do texto que o termo era pouco utilizado pelos teóricos precursores do
desenvolvimento Cepalino. De acordo com (Sá, apud Furtado 2009) o termo já desfrutava de
longo uso no Brasil na década de 1950.
O tema também é designado como objeto de pesquisa e o autor trata discorre sobre “Ciclo
Ideológico do Desenvolvimentismo” entre 1930 e 1964 arrolando atributos de política de
intervenção capitaneadas pelo Estado e criando conceitos radiais para captar a diversidade dentro
do mesmo conceito; o tema obteve os seguintes destaques:
I – Desenvolvimentismo do setor privado;
II – Desenvolvimentismo do setor público não nacionalista;
III - Desenvolvimentismo do setor público nacionalista.
Para fins do levantamento da tabela acima, de acordo com a literatura consultada pelo
autor, para subsidiar seu ponto de vista, constata-se que, apesar dos autores utilizarem-se de
diferentes aparatos teóricos e experiências empíricas, há uma presente convergência para “um
núcleo comum principal”, ou seja, aumento da produção ou da produtividade (modernização).
Outros atributos também foram destacados por seus formuladores como:
I – Burocracia ou grupo técnico recrutado por mérito para formular ou executar o projeto;
II – Planejamento econômico;
III – Redistribuição de renda;
IV - Reforma agrária;
V – Banco de Desenvolvimento ou Instituição de fomento.
De acordo com os dados apresentados pelo autor, estes pontos não integram o núcleo
comum do conceito, embora são considerados importantes para caracterizar casos específicos ou
subtipos.
Outra abordagem verificada no estudo de Fonseca é o desenvolvimentismo e a
consciência do subdesenvolvimento, termo de mesma origem que denotava o caráter progressivo
do sistema econômico sob os aspectos das Leis e tendências dos impulsos e barreiras à sua
expansão.
Para se afirmar como categoria teórica, o termo desenvolvimento presumia o seu inverso,
o não desenvolvimento com ênfase a interrupção do crescimento e a crises, passando a ser visto
como um problema associado a “atraso” e somente na década de 1950 no pensamento Cepalino,
o termo passa a ser visto como um fenômeno histórico e cultural: o subdesenvolvimento.
Dados registrados no estudo denotam que neste processo de construção social, coube a
Furtado (1961) formular o subdesenvolvimento como desenvolvimento capitalista, numa
primeira aproximação conceitual, desenvolvimentismo é uma resposta para superar o
subdesenvolvimento, associando à consciência à intencionalidade e a ação política (Prebisch,
1961; Furtado, 1978).
Desta forma, resta demonstrado no estudo de Fonseca que positivismo e
desenvolvimentismo são frutos de grande mudança histórica identificada na tradição hegeliana-
marxista. Já o pensamento de Max Weber (1999), desenvolvimentismo remete a “ação social
racional” consciente e orientada por objetivos.
Após o desfecho com a identificação do núcleo comum, Fonseca inicia as tratativas de
experiências históricas de desenvolvimentismo, segundo passo metodológico para construção do
conceito, com base numa diversidade que deve ser delimitada, remetendo à abordagem de
extensão e intensão. Para este estudo foram selecionados 34 governos de 8 países no período que
compreende os anos de 1930 a 1979, associado ao desenvolvimentismo e à substituição de
importações com as experiências de 5 governantes em cada país. Como parâmetro, foram
testadas as seguintes variáveis:
1. Projeto Nacional;
2. Intervenção Estatal;
3. Industrialização;
4. Socialismo;
5. Capital Estrangeiro;
6. Burocracia;
7. Reforma agrária;
8. Redistribuição de renda;
9. Planejamento;
10. Banco de Desenvolvimento, todas as perguntas com opções de resposta entre S=sim e
N=não.
Em cada país foi diferente a reação dos setores agrários, aos governos tidos como
desenvolvimentistas. Houveram várias diversificações entre os países, nos mais variados
atributos, através da investigação de um núcleo com seus atributos.
Para fins deste estudo e após inúmeras considerações baseadas na investigação, o autor
definiu o conceito de desenvolvimentismo como: a política econômica formulada e/ou executada, de
forma deliberada, por governos (nacionais ou subnacionais) para, através do crescimento da produção e
da produtividade, sob a liderança do setor industrial, transformar a sociedade com vistas a alcançar fins
desejáveis, destacadamente a superação de seus problemas econômicos e sociais, dentro dos marcos
institucionais do sistema capitalista.
Os termos utilizados foram assim esquematizados:
1. Política econômica;
2. Formulada ou executada;
3. Deliberada;
4. Governos;
5. Crescimento da produção e da produtividade;
6. Liderança do setor industrial;
7. Transformar a sociedade;
8. Fins desejáveis;
9. Problemas econômicos e sociais;
10. Sistema capitalista.
Após o conceito formulado, o autor retoma o dilema de extensão x intensão, dando
ênfase a dois subtipos do desenvolvimentismo:
- Nacional desenvolvimentista;
- Desenvolvimentismo dependente-associado.
Claramente, o autor destaca que convém observar que “nacional-desenvolvimentismo” e
“desenvolvimentismo dependente-associado” não são conceitos radiais e sim são subtipos de um
conceito clássico.
Em uma antinomia, ambos apontam para dois estilos de desenvolvimento. Mesmo com o
risco da simplificação demasiada diante da tentativa de sumariar um complexo de ideias em
poucas palavras, pode-se sintetizá-los apresentando duas estratégias ou estilos de
desenvolvimento:

NACIONAL DESENVOLVIMENTISMO DESENVOLVIMENTISMO DEPENDENTE-ASSOCIADO

Ideologia: Nacionalista Ideologia: Capitalista


Papel do realizar investimentos tidos como Investimentos Grandes empresas oligopolistas
Estado: prioritários externos: Subordinação ou dependência ao capital
estrangeiro
Produção: Bens de consumo populares Produção: Bens de consumo duráveis para as camadas de
rendas mais altas
Liderança: Setor privado nacional Liderança: Setor estrangeiro
Projeto: Avanço na industrialização de bens de Projeto: Industrialização restritiva: indústria pesada
capital intermediário Investimentos diretos ou de financiamento:
poupança externa
Politicamente: Aliança entre: Politicamente: Associação entre:
- Empresariado - Burguesias locais
- Segmentos das classes médias
- Trabalhadores urbanos
(incorporação das massas; populismo)

Elaborada pelo autor do resumo com base em Fonseca (2015)

Finalizando a conceituação, Fonseca assevera que nenhum conceito é definitivo, mas exige lastro
empírico, como é o caso de desenvolvimentismo que para conceituá-lo mostrou sua origem e
formação, seus usos na literatura experiencias históricas, até chegar a conceituação que exige
permanente reatualização.

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