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EFEITO DE ALTAS TEMPERATURAS NO CONCRETO

R. C. A. LIMA1, L.D. KIRCHHOF2, C.A. CASONATO3, L. C. P. SILVA FILHO4


(1)
antocheves@ppgec.ufrgs.br
Doutorando / Pesquisador / LEME / UFRGS
(2)
lari.dk@terra.com.br
Doutoranda / Pesquisadora / LEME / UFRGS
(3)
cacasonato@ppgec.ufrgs.Br
Pesquisador / LEME / UFRGS
(4)
lcarlos@ppgec.ufrgs.Br
Professor Ph.D. / Pesquisador / LEME / UFRGS

Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais


Osvaldo Aranha, 99 – Térreo, CEP 90035-190, Centro
Porto Alegre, RS, Brasil - Fone/Fax: +55 51 3316 3333

Resumo

O comportamento do concreto frente a temperaturas elevadas vem se tornando


um tópico de interesse nos últimos anos. Esta preocupação justifica-se pela
crescente demanda de concretos cada vez mais resistentes e mais duráveis,
caracterizados por uma alta densidade e um baixo volume de vazios. A matriz
densificada tende a contribuir para o aumento da sensibilidade do material a
condições térmicas extremas, tais como as prevalentes durante o rápido
processo de aquecimento que ocorre em incêndios. A justificativa para este
comportamento se encontra no acréscimo de pressão que ocorre nos poros do
concreto, decorrente da evaporação da água presente na matriz cimentícia,
associada às tensões geradas pelos gradientes de deformações térmicas.
Sabe-se que os efeitos dessas pressões são intensos, podendo provocar
desplacamentos. Cabe salientar que as alterações não se restringem a
fenômenos físicos, ocorrendo também transformações químicas importantes
dos componentes responsáveis pelas características do concreto endurecido.
O efeito combinado pode causar perdas significativas da capacidade portante
das estruturas de concreto. Publicações relacionadas ao assunto indicam que a
presença de fibras de polipropileno, em concretos de alta densidade, contribui
para minimizar os danos físicos causados por temperaturas elevadas. As fibras
derretem com o calor, criando poros adicionais, que podem ser preenchidos
pelo vapor d’água, reduzindo desta forma a poro-pressão e os
desplacamentos. O LEME desenvolve, há vários anos, pesquisas voltadas à
análise deste comportamento e ao desenvolvimento de tecnologias que
possam vir a minimizar ou evitar a degradação estrutural de concretos em altas
temperaturas, buscando contribuir para o desenvolvimento de especificações
de projeto e execução que tornem nossas estruturas mais seguras e duráveis.
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II Seminário de Patologia das Edificações - Novos Materiais e Tecnologias Emergentes
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1 Considerações Iniciais

Ao longo da história da humanidade, a preocupação e o temor frente a


fenômenos desconhecidos quase sempre caminharam paralelamente ao
desejo de decifrá-los e dominá-los. Um exemplo típico é o fogo, originalmente
fonte de destruição mas progressivamente transformado em manancial de calor
e ferramenta de ampla utilização. Ainda hoje, entretanto, quando este fator se
descontrola - tomando a forma de um “incêndio”, causa pânico e assombro a
qualquer pessoa. Tais sentimentos de insegurança são acentuados pelo fato
de os incêndios serem fenômenos influenciados por um grande número de
parâmetros, muitos destes aleatórios, o que faz com que cada ocorrência seja
um fenômeno único. Desta maneira, não é possível determinar como, onde ou
com que severidade os incêndios ocorrerão [GOUVEIA, 2001].
Quando uma edificação é atingida por um incêndio, os seus usuários ficam
sujeitos a um elevado risco de vida, e a construção pode sofrer danos
estruturais consideráveis. Pesquisas referentes à exposição de elementos de
concreto a altas temperaturas conduzem a resultados muito variáveis, o que
dificulta a generalização dos conhecimentos a respeito do assunto. Sabe-se
que a composição do concreto é um dos fatores que deve ser levado em
consideração, uma vez que tanto a pasta de cimento quanto o agregado são
constituídos de componentes que se alteram e se decompõem, em maior ou
menor grau, com a exposição ao calor. A umidade inicial, o tamanho da peça e
a taxa de crescimento da temperatura também são fatores influentes, uma vez
que governam o desenvolvimento das pressões internas dos produtos gasosos
de decomposição [MEHTA & MONTEIRO, 1994]. É particularmente importante,
para o fenômeno de desplacamento, a estrutura dos poros existente no
material. A estrutura típica de concretos de baixa resistência, caracterizada por
uma rede ampla de poros, com diâmetros maiores, facilita o escape do vapor
de água, reduzindo a poro-pressão. Microestruturas mais densas, ou com
poros mais finos, dificultam a movimentação do vapor, agravando o fenômeno.
Para entender a degradação, é necessário primeiro compreender a estrutura
do concreto, como segue.

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2 Micro-estrutura do Concreto em Temperatura Ambiente

A estrutura do concreto é altamente heterogênea e complexa, dificultando o


estabelecimento de modelos exatos que permitam estimar, com segurança,
como será o seu comportamento frente a algumas ações. No entanto, pode-se
obter uma noção destes comportamentos através da análise da estrutura e das
propriedades dos seus constituintes, bem como da relação entre eles. Em
termos visuais, uma amostra de concreto pode ser identificada como sendo
composta por partículas de rocha com formas e tamanhos variados,
distribuídas em um meio ligante, constituído de uma massa contínua de pasta
endurecida. Ou seja, pode-se considerar o concreto como um material bifásico,
formado por partículas de agregados dispersas em uma matriz cimentícia
[MEHTA & MONTEIRO, 1994].
Em termos microscópicos, a estrutura do concreto é mais complexa, visto que
as duas fases da estrutura não estão distribuídas homogeneamente, uma em
relação à outra, nem são em si mesmas homogêneas. Podem ocorrer
situações onde a pasta é extremamente densa, comparável ao agregado
graúdo, e outras, onde a pasta é extremamente porosa, prevalecendo uma
estrutura com vazios capilares. Concretos feitos com uma mesma quantidade
de cimento, mas com diferentes teores de água, apresentam uma estrutura
completamente diferente. Em geral, o volume de vazios capilares na pasta
decresce com a redução da relação água/cimento e com a idade. A presença
de agregado graúdo gera uma descontinuidade na pasta, provocando
diferenças significativas na sua estrutura em regiões próximas ao mesmo. Esta
interface entre a pasta de cimento e as partículas de agregado apresenta-se
como uma camada delgada e é denominada de zona de transição. Geralmente,
a zona de transição, por sofrer acúmulo de água, é menos resistente que as
demais fases do concreto. Assim sendo, inúmeros aspectos relacionados ao
comportamento do material só podem ser entendidos e explicados quando as
propriedades desta região são analisadas [MEHTA & MONTEIRO, 1994].
Em nível ainda mais profundo, cada uma das fases é subdividida em elementos
com natureza diversa. As partículas de agregado são formadas por inúmeros

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minerais, além de microfissuras e vazios. A matriz da pasta e a zona de
transição contêm, geralmente, uma distribuição heterogênea de cristais, com
diferentes tipos e quantidades de fases sólidas, poros e microfissuras. Além
disto, a estrutura do concreto não permanece estável ao longo dos anos, pois
tanto a pasta de cimento quanto a zona de transição sofrem alterações em
função da umidade ambiente, da temperatura e da idade [MEHTA &
MONTEIRO, 1994].
Os principais cristais que formam a pasta endurecida são os silicatos
hidratados de cálcio (genericamente denominados de C-S-H), responsáveis
pela resistência do material, o hidróxido de cálcio (CH) e os compostos
menores, que contém aluminatos e/ou sulfato. Todos sofrem transformações
com a perda de umidade decorrente da ação das altas temperaturas, como
explicado a seguir.

3 Comportamento do Concreto em Altas Temperaturas

Pode ser considerada como consensual a noção de que a elevada resistência


ao fogo é uma das vantagens primordiais dos elementos em concreto, quando
comparados aos demais elementos estruturais, principalmente os fabricados
em aço. Inclusive, em muitos projetos, o concreto é indicado para utilização
como proteção passiva das próprias estruturas em aço.
Convém salientar que, embora o concreto apresente uma redução de sua
capacidade estrutural quando da exposição a temperaturas elevadas, o mesmo
normalmente resiste à ação do calor, por um tempo considerável, sem chegar
ao colapso.
As alterações de comportamento são resultantes da evaporação da água
presente na matriz cimentícia, sob forma livre ou combinada, durante o
processo aquecimento. Quando a estrutura de poros é aberta, o vapor liberado
pode escapar facilmente, resultando num alívio de parte das tensões geradas
com o calor [KÜTZING, 2002]. No entanto, pesquisas realizadas em concretos
de alta resistência, expostos a temperaturas elevadas, têm demonstrado que
existem substanciais diferenças de comportamento frente ao calor quando se

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lida com concretos de mais alta densidade [PHAN & CARINO, 1998; KODUR,
1997]. Evidências empíricas mostraram que, durante um incêndio, em um
concreto com um certo grau de umidade, exposto a um elevado gradiente de
temperatura, pode ocorrer o desplacamento das camadas superficiais quentes
das camadas interiores mais frias. Este fenômeno é comumente denominado
spalling e pode ser visualizado nas figuras 3.1 (a) e 3.1 (b), as quais que
ilustram como ficou a estrutura de concreto remanescente do túnel Great Belt e
da laje do Cinema Cacique em decorrência de incêndio.

Figura 3.1 Spalling (a) Túnel Great Belt (1994); (b) Cinema Cacique (1996).

O grau de fissuração intensifica-se nas juntas, nas regiões mal adensadas e


nos planos de barras de armadura, havendo uma perda significativa de material
nestes locais, que pode levar ao desaparecimento da camada de cobrimento.
Quando o aquecimento alcança o nível da armadura, a mesma passa a
conduzir calor, acelerando o processo de aquecimento [NEVILLE, 1997; LIMA,
SILVA FILHO & CASONATO 2003].
Muitas pesquisas estão relacionadas ao monitoramento das alterações
aparentes na macroestrutura do concreto aquecido, tais como o aparecimento
de micro-fissuras, desplacamentos e perda na capacidade de carga. No
entanto, as alterações cristalinas sofridas pela microestrutura, razão primária
da degradação do concreto, ainda são pouco enfocadas em trabalhos na área.
Este trabalho adota a posição defendida por AÏTCIN [2000], de que a análise
dos danos causados numa edificação em concreto armado, devido à sua
exposição a elevadas temperaturas, deve ser feita considerando tanto os
efeitos em nível macroestrutural quanto os em nível microestrutural.

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3.1 Análise da Degradação do Concreto em Nível Macroestrutural

Os desplacamentos mencionados anteriormente resultam em danos


consideráveis a estrutura, pois ocorrem perdas bruscas na resistência do
concreto que podem levar, até mesmo, ao colapso dos elementos estruturais
aquecidos [PHAN & CARINO, 1998]. Para prevenir estas conseqüências, torna-
se importante entender os mecanismos que levam à sua ocorrência.
Como já mencionado, o fenômeno tem origem no acréscimo de pressão nos
poros do concreto devido à evaporação de água, agravado pelas tensões
geradas pelos gradientes de deformações térmicas.
Nos concretos de densidade normal, a quantidade de poros existente permite a
migração do vapor para a superfície com relativa facilidade e, da mesma forma,
a migração da umidade para as camadas mais internas. A baixa
permeabilidade do concreto de alta densidade faz com que o vapor gerado
durante o aquecimento não encontre porosidade suficiente na matriz para
atingir a superfície, ocasionando a saturação dos poros existentes e elevando
as pressões internas [ANDERBERG, 1997; KODUR, 1997].
Desta forma, a sanidade de edificações em concreto de alta densidade durante
incêndios passa a constituir um problema potencial que necessita ser
solucionado, dado o risco de rompimento repentino que estes materiais estão
sujeitos nesta situação. Nestes concretos torna-se fundamental buscar
mecanismos que possam vir a reduzir a tendência a desplacamentos e garantir
a confiabilidade da estrutura.
A seguir são apresentadas alternativas técnicas que vem sendo analisadas
com o objetivo de minimizar ou eliminar a tendência ao desplacamento
explosivo.
Uma das alternativas consideradas para controlar o problema consiste no uso
de aditivos incorporadores de ar. No entanto, deve-se ter consciência que a
incorporação de ar ao concreto é vantajosa para minimizar a tendência ao
desplacamento mas ocasiona a redução da capacidade portante pela elevação
do volume de vazios [ANDERBERG, 1997].

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Recentemente, alguns pesquisadores constataram que a adição de fibras de
polipropileno poderia contribuir para evitar os desplacamentos explosivos. O
embasamento técnico para esta hipótese está fundamentado no fato de que as
fibras derretem com a elevação da temperatura, criando poros adicionais que
podem ser preenchidos pela água evaporada ou criando caminhos para a
migração dos gases quentes para a superfície da matriz cimentícia [BONOMI et
al, 2001; KALIFA, CHÉNÉ & GALLÉ, 2001; TAKANO, 2001; KÜTZING, 2002].
Na temperatura de 160oC, as fibras de polipropileno começam a derreter, com
grande redução do volume inicial ocupado. À medida que a temperatura vai
aumentando, os filamentos vão se degradando. Em torno de 360oC eles entram
em ignição. O produto remanescente da combustão ocupa aproximadamente
5% do volume inicial [KITCHEN, 2001].
Os vazios deixados na matriz cimentícia do concreto de alta densidade pelo
derretimento das fibras tornam o comportamento deste material frente ao calor
mais semelhante ao do concreto de densidade convencional. Mesmo assim, a
resistência de concretos após o aquecimento deve ser analisada, pois as
alterações cristalinas podem alterar a sanidade do material, sendo necessário
verificar a necessidade de reparar ou reforçar os elementos afetados pelo calor
antes de voltar a utilizá-los [SUN, LUO & CHAN, 2001].
Na figura 3.2, LIMA, SILVA FILHO & CASONATO [2003] apresentam valores
de resistência à compressão axial para corpos de prova em concreto de alta
densidade. Analisando a parte esquerda da mesma, onde apenas fibras de
polipropileno foram adicionadas ao concreto, observa-se que as vantagens
decorrentes da presença das fibras são bastante positivas, resultando em um
considerável aumento (19%) na resistência à compressão. No entanto, para os
corpos de prova sujeitos a aquecimento, os resultados obtidos registraram a
perda de resistência resultante das alterações decorrentes da baixa porosidade
do material. O concreto de alta densidade sem a adição de fibras teve, a
400°C, a sua resistência a compressão reduzida de 40 MPa para 11 MPa,
correspondente a um decréscimo de 90%. Esta resistência residual foi a
mesma na temperatura de 800°C, indicando ser esta a máxima perda de
resistência que este concreto fica sujeito com o aquecimento.

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55
Polypropylene fibre absent
50
Polypropylene fibre present

45

40

35
FCJ [MPa]
30

25

20

15

10

5
o o o o
23 C 400 C 800C 23 C 400 C 800C
Steel fibre absent Steel fibre present

Figura 3.2 Resistência à compressão residual para concreto de alta densidade.

Os resultados obtidos para concretos com fibra de polipropileno foram


condizentes com a revisão bibliográfica, indicando ser esta uma alternativa
viável para minimizar os danos ao material provocados pelo aquecimento. De
acordo com a figura 3.2, a 400°C, a resistência à compressão dos corpos de
prova foi reduzida em apenas 13%, sendo que o valor residual ficou bastante
próximo à resistência dos concretos sem adição de fibras, a temperatura
ambiente. A 800°C, a resistência dos concretos com fibra de polipropileno teve
um decréscimo de 33%, caindo para um valor de aproximadamente 32 MPa, ou
80% da resistência dos concretos simples a temperatura ambiente.
Neste caso, também foi analisados concretos com a adição de fibras de aço,
sendo que a resistência à compressão dos corpos de prova não aquecidos foi
ligeiramente inferior à resistência dos corpos de prova sem a adição de fibras.
Este fato pode ser atribuído aos efeitos negativos da presença da fibra de aço
na trabalhabilidade da mistura. Embora tenha sido utilizado maior quantidade
de superplastificante para corrigir o abatimento, os resultados parecem indicar
que a adição de fibras de aço acaba incorporando ar à mistura. A 400°C, as
fibras de aço tiveram um efeito positivo, visto que foi mantida 65% da
resistência original do concreto, enquanto que os corpos de prova sem a
adição de fibras, a esta temperatura, estavam totalmente comprometidos, com
resistência 90% inferir a resistência original, conforme discutido anteriormente.
No entanto, a 800°C, as fibras de aço não foram eficientes, pois a resistência

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residual do concreto ficou aproximadamente igual à do concreto sem fibras
nesta temperatura. Admite-se que este comportamento pode ser decorrente
das variações dimensionais sofridas pelas fibras de aço com o aquecimento, o
que pode prejudicar a ligação das mesmas com a matriz cimentícia e gerar o
aparecimento de tensões adicionais no material.
Os efeitos negativos da adição de fibras de aço em temperaturas muito
elevadas também se manifestaram nos concretos onde foram adicionadas
fibras de aço e polipropileno. A 400°C, a resistência à compressão residual dos
concretos contendo a combinação das fibras foi aproximadamente igual à
obtida quando apenas fibra de polipropileno foi adicionada para a mesma
temperatura. No entanto, a 800°C a queda na resistência foi muito mais intensa
quando fibras de aço foram também adicionadas. Mesmo assim, a adição das
fibras de polipropileno parece minimizar os efeitos negativos do aquecimento
do material a esta temperatura. Este fato fica demonstrado pelo valor da
resistência residual ser, aproximadamente, 17 MPa, valor 55% superior em
relação à resistência residual para concretos sem a adição de fibras ou com a
adição de apenas fibra de aço (11 MPa).

3.2 Análise da Degradação do Concreto em Nível Microestrutural

Os componentes da pasta de cimento, em temperaturas elevadas, ficam


sujeitos a transformações físicas e químicas [ALONSO et al, 2003]. A seguir,
apresentam-se algumas das alterações microestruturais sofridas pelas pastas
de cimento e pelos agregados, em virtude do aquecimento.
A pasta de cimento Portland hidratada é formada basicamente de silicato de
cálcio hidratado, hidróxido de cálcio e sulfoaluminato de cálcio hidratado. Em
estado natural, possui em sua composição grande quantidade de água livre e
água capilar, além de água adsorvida.
Quando exposta ao fogo, a temperatura do concreto não se elevará até que
toda a água evaporável tenha sido removida, sendo necessário um
considerável calor de vaporização para a conversão de água em vapor
[MEHTA & MONTEIRO, 1994].

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As águas livre e capilar presentes na pasta de cimento começam a evaporar
após a temperatura de 100°C, retardando o aquecimento do concreto. A
evaporação total da água capilar ocorre entre 200°C e 300°C, mas neste
patamar ainda não são significativas as alterações na estrutura do cimento
hidratado, bem como seu reflexo na resistência do concreto.
O gel do C-S-H sofre um processo de desidratação durante o aquecimento,
que inicia em 100°C, se intensifica aos 300oC e termina próximo aos 400°C.
Neste período ocorre uma redução progressiva da água de gel, com formação
de silicatos anidros e Cão. Isto resulta em um considerável decréscimo na
resistência e causa o aparecimento de fissuras superficiais [CÁNOVAS, 1998].
As partículas anidras da pasta não são afetadas pela variação de temperatura.
No entanto, a maneira como elas estão ligadas ao restante da pasta pode ser
alterada, visto que a zona de transição entre os agregados e a pasta consiste
em uma região mais fraca, que desidrata com maior facilidade e,
conseqüentemente, é mais suscetível a fissuração.
A quantidade de portlandita decresce até 100°C, devido à desidratação e à
carbonatação, que se acelera em atmosferas ricas em CO2, como é o caso de
muitos incêndios. Na temperatura de 530°C, a portlandita rapidamente se
decompõe e é transformada em óxido de cálcio (CaO). Durante o processo de
resfriamento, este óxido pode se re-hidratar, formando novamente a
portlandita, o que causa expansões que acabam por contribuir para o
aparecimento de fissuras no concreto. A portlandita assim formada apresenta
um arranjo cristalino menos estável e sofre processo de decomposição a
temperaturas mais baixas que a original [ALONSO et al, 2003].
Os agregados ocupam de 60 a 80% do volume do concreto e, portanto, a
variação de suas propriedades durante o aquecimento pode influenciar
significativamente as características do material. Em primeiro lugar, cabe
lembrar que os diferentes agregados adicionados à mistura não apresentam o
mesmo coeficiente de dilatação térmica, levando ao aparecimento de
expansões internas com diferentes intensidades. Muitas vezes estas
expansões são aumentadas por transformações estruturais ocorridas na
estrutura interna de certos agregados, como é o caso dos silicosos contendo

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quartzo (granito, arenito e gnaisse), que sofrem expansão súbita e,
conseqüentemente, causam o fissuramento da matriz cimentícia, em
temperaturas próximas à 573ºC. Este fato é decorrente da transformação
cristalina do quartzo da forma α para β.
As rochas carbonáticas são estáveis até 700°C, quando o CaCO3 começa a se
transformar em CaO e liberar CO2. Durante o resfriamento, o CaO pode se re-
hidratar, apresentando uma expansão de 40%. Os agregados calcários e os
leves são os menos afetados pelo calor. Este desempenho favorável ocorre
devido aos baixos coeficientes de dilatação térmica, às reações endotérmicas
que se produzem ao elevar-se a temperatura e à criação de uma película
superficial de CO2 que atua como isolante térmico [CÁNOVAS, 1998].
A aderência entre a pasta de cimento e o agregado graúdo também pode ser
seriamente alterada pelo aquecimento a altas temperaturas. A elevação da
temperatura pode até ser benéfica, dependendo da natureza das
transformações químicas que ocorrem. Normalmente, entretanto, as
deformações diferenciadas e as tensões internas transformam a zona de
transição em um local repleto de microfissuras e vazios [ALONSO et al, 2003].

4 Atuação do Grupo de Pesquisa LEME na Área de Incêndios

O Laboratório de Ensaios e Modelos Estruturais (LEME) vem se consolidando


como um centro de referência, na região sul do Brasil, na área de incêndios. Os
membros de sua equipe já atuaram em perícias de prédios sinistrados e
proferiram cursos relacionados ao tema a alunos de pós-graduação, a oficiais
integrantes do Corpo de Bombeiros, e a profissionais do Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA/RS). Aliado a estas atividades de
extensão, o LEME vem abrigando pesquisas acadêmicas relacionadas a este
assunto, em nível de graduação e pós-graduação.
Dentre as atividades de divulgação, destaca-se a criação e publicação de uma
Metodologia para a Análise do Estado de Degradação de Prédios Estruturados
Submetidos à Ação do Fogo [KLEIN & CAMPAGNOLO, 2001]. A mesma
evoluiu de um estudo realizado para elucidar as causas do sinistro de um

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edifício, construído em concreto armado, com 26 pavimentos, destinado a uso
residencial e comercial, localizado na cidade de Porto Alegre, RS. Esta
metodologia foi utilizada com sucesso para sistematizar os serviços de análise
das causas do sinistro, bem como serviu de base para o diagnóstico e o projeto
de recuperação do local. A análise deste sinistro serviu ainda para a coleta de
dados práticos referentes aos efeitos do fogo sobre materiais como o concreto,
o aço e a alvenaria de blocos cerâmicos furados, utilizados na execução de
elementos estruturais (vigas, lajes e pilares) e de vedação, respectivamente.
O Curso de Especialização em Prevenção e Controle de Sinistros, ministrado
na Escola de Engenharia da UFRGS, sob coordenação do professor Dario
Lauro Klein, foi destinado a oficiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e
teve como objetivo o aperfeiçoamento dos integrantes da corporação, no que
se refere ao conhecimento em prevenção e controle de sinistros, através de
uma análise interdisciplinar visando o exercício das atividades de proteção da
população e do patrimônio. Serviu ainda para a preparação e/ou
aperfeiçoamento de especialistas qualificados para analisar e avaliar projetos
de construção civil quanto aos aspectos de condições mínimas de segurança e
proteção contra incêndios.
O Curso sobre Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio, ministrado pelo
professor Dario Lauro Klein nas inspetorias do CREA/RS das cidades de Santa
Cruz do Sul, Santa Rosa, São Leopoldo, São Luiz Gonzaga e Torres teve como
objetivo promover uma atualização dos profissionais quanto à segurança
estrutural em situação de incêndio, dadas as exigências crescentes das leis e
decretos estaduais e dos códigos municipais no que se refere a este assunto.
Na pesquisa acadêmica Investigação dos Efeitos de Temperaturas Elevadas
sobre Reforços Estruturais com Tecidos de Fibra de Carbono, LIMA [2001]
realizou um estudo pioneiro voltado para a investigação de formas de manter a
sanidade de reforços estruturais com tecidos de fibra de carbono submetidos a
elevadas temperaturas. O risco de perda da integridade durante um incêndio
constitui uma das principais preocupações no que se refere a esta técnica,
visto que a aderência do tecido utilizado para o reforço ao substrato é realizada
com adesivo epóxi, altamente vulnerável ao calor. A pesquisa se justifica pelo

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grande interesse dispensado pelos meios científico e profissional à utilização
de compósitos à base de tecidos de fibra de carbono para reabilitação ou
reforço de estruturas de concreto armado.
Atualmente, os pesquisadores do LEME estão concentrados na análise das
alterações provocadas pelo aquecimento nas propriedades macro e
microestruturais de concretos, especialmente os de alta densidade. O interesse
é investigar os fatores que contribuem para a ocorrência dos desplacamentos
explosivos, a fim de encontrar alternativas tecnológicas viáveis para minimizar
os efeitos nocivos das altas temperaturas, bem como estabelecer correlações
entre os fenômenos envolvidos na deterioração térmica do concreto.
Uma vez atingido os objetivos, com os dados coletados e resultados numéricos
obtidos, será possível indicar procedimentos a serem adotados durante a
execução que permitam construir estruturas seguras em condições reais de
incêndio e propor um método consistente para a avaliação de estruturas
degradadas por incêndios através de técnicas que não agridam a integridade
da estrutura.

5 Considerações Finais

As normas recentemente publicadas ou em processo de revisão, relacionadas


à segurança de elementos estruturais em situações de incêndio, têm
desencadeado o amadurecimento e a conscientização dos profissionais
brasileiros ligados à construção civil sobre o tema.
A consciência de que os danos causados a uma edificação durante um
incêndio podem ser irreversíveis motiva o desenvolvimento de pesquisas
relacionadas aos efeitos do calor em elementos estruturais que determinam a
integridade de uma edificação e podem conduzir à descoberta e validação de
materiais e técnicas que retardem ou reduzam a deterioração de uma estrutura.
Os resultados obtidos podem ser uma ferramenta importante na etapa de
projeto e execução de um empreendimento, pois a correta seleção dos
materiais constituintes de uma edificação para determinada circunstância pode
garantir que a estrutura apresente segurança em condições reais de incêndio.

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6 Referências Bibliográficas

AÏTCIN, P.C. Concreto de alto desempenho. Trad. de Geraldo G. Serra. São Paulo:
Pini, 2000.

ALONSO, C. et al. Microstructure – solid phases. In: Course on Effect of Heat on


Concrete, 2003, Udine, Itália. Notas de Aula... Udine: International Centre for
Mechanical Sciences (CISM), 2003.

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II Seminário de Patologia das Edificações - Novos Materiais e Tecnologias Emergentes
18 a 19 de novembro de 2004 - Salão de Atos II - UFRGS - Porto Alegre - RS
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18 a 19 de novembro de 2004 - Salão de Atos II - UFRGS - Porto Alegre - RS

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