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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

ETNOMATEMÁTICA E SUAS IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS:


EXPERIÊNCIAS DO GETUFF

Maria Cecilia Fantinato1


Adriano Vargas Freitas2
Andrea Thees3
Fabio Lennon Marchon4
Luiz Claudio da Silva5

Resumo:
Este minicurso tem por objetivo discutir possibilidades de práticas docentes na
perspectiva etnomatemática, com base nas investigações realizadas pelos integrantes do
Grupo de Etnomatemática da Universidade Federal Fluminense (Getuff). Serão
apresentadas situações oriundas de pesquisas realizadas ou em andamento, que
investigaram saberes e práticas de natureza matemática em contextos escolares.
Pretendemos estimular o debate entre os participantes, assim como a reflexão sobre os
desafios e as implicações pedagógicas do trabalho docente na perspectiva
etnomatemática. Esperamos que ao final do minicurso, os participantes possam pensar
em novas possibilidades de articulação entre as pesquisas em etnomatemática e as suas
práticas na educação básica.

Palavras-chave: etnomatemática; práticas pedagógicas; grupo de pesquisa em


etnomatemática.

1. Introdução

O principal teórico da etnomatemática é, sem dúvida alguma, o brasileiro


Ubiratan D´Ambrosio que, ao longo de trinta anos, tem enfatizado as relações entre
matemática e cultura, assim como o papel político da educação matemática. Suas
definições de etnomatemática têm sofrido transformações ao longo dos anos.
Particularmente na educação matemática, a influência histórica das ideias de D

1
Universidade Federal Fluminense, mcfantinato@gmail.com
2
Universidade Federal Fluminense, adrianovargas@id.uff.br
3
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, andreathees@gmail.com
4
Universidade Federal Fluminense, fabiolen@gmail.com
5
Universidade Federal Fluminense, silva.lc13@gmail.com
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´Ambrosio tem sido muito grande, chegando a estar presente nos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1997).

Em D´Ambrosio (2001), este autor apontou seis dimensões da etnomatemática:


conceitual, histórica, cognitiva, epistemológica, política e educacional, todas elas
interrelacionadas. Nosso destaque neste minicurso é a dimensão educacional. Este autor
chega a afirmar que a etnomatemática tem “óbvias” implicações pedagógicas. Apesar
de considerarmos que a etnomatemática pode trazer muitas contribuições para a escola,
trazendo a diversidade de saberes (matemáticos) e de formas de aprender, o currículo
escolar tende a ser homogeneizador, portanto, este diálogo não é simples. Como a
pesquisa em etnomatemática tem se relacionado com propostas educacionais?

Este minicurso tem por objetivo, portanto, debater as implicações pedagógicas


da perspectiva etnomatemática, apoiado em pesquisas de integrantes do Grupo de
Etnomatemática da UFF (Getuff), desenvolvidas em contexto escolar. Assim como
Sachs e Fernandes (2018), utilizamos a expressão "implicação pedagógica” utilizada por
D’Ambrosio (2008), ao "fazer referência às ações pedagógicas decorrentes das
pesquisas realizadas no âmbito da etnomatemática" (SACHS; FERNANDES, 2018, p.
248).

Ao analisar experiências em diversos países, Paulus Gerdes listou várias formas


de utilizar ideias etnomatemáticas em educação, tais como: incorporação, no currículo,
de elementos pertencentes ao ambiente sociocultural dos alunos e professores, como
ponto de partida para as atividades matemáticas na sala de aula, de modo a valorizar o
background cultural dos estudantes; incorporação na formação de professores de ideias
matemáticas de diversos grupos culturais/ linguísticos; introdução, nos livros didáticos,
de elementos culturais como facilitadores da aprendizagem, para serem reconhecidos e
apreciados pela maioria dos alunos como pertencentes à sua cultura; utilização de ideias
incorporadas nas atividades de certos grupos culturais e sociais (marginalizados) de uma
dada sociedade, para desenvolver um currículo matemático para e com/de este grupo
(GERDES, 2007).

Como pode ser observado, a etnomatemática tem sido relacionada à educação


por modos muito diversos, o que traz muitos desafios e “reivindica transformações que
superam aspectos metodológicos” (MONTEIRO; OREY; DOMITE, 2004, p.19), tais

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como a adaptação do currículo escolar e da formação dos professores de Matemática.
Esta requer também uma reflexão mais aprofundada sobre o que significa articular o
conhecimento do cotidiano e o conhecimento escolar, expressão muito recorrente entre
educadores. Com efeito, o “fazer a ponte” entre o conhecimento local e o conhecimento
escolar, tem sido um dos pontos críticos neste debate, segundo Alexandre Pais (2012).
Muitos trabalhos apenas realizam uma adaptação superficial para o currículo da
matemática escolar, por meio de exemplos descontextualizados, desconsiderando a
complexidade envolvida na forma como esses saberes foram produzidos
(FANTINATO, 2018).

Uma das principais contribuições da etnomatemática para a educação, e


particularmente para o ensino de matemática, tem sido a relativização do conhecimento
matemático escolar como forma única, universal e suficiente, de acordo com Monteiro e
Mendes (2014). O movimento da etnomatemática é de reverter esta visão totalitária do
saber por meio de um novo modelo de escola e currículo, que implica em pensar o
espaço escolar como um local de diálogo, de debate. Para tal, faz-se necessária a criação
de um espaço de troca no contexto escolar, para que os saberes e valores dos alunos
possam interagir:

[...] com os saberes escolares a partir de suas diversas formas de


pensar e suas relações com as diversas práticas sociais. Sem que haja
uma negação do saber escolar espera-se que ele (aluno) “aprenda” a
falar dentro do discurso do conhecimento escolar sem que para isso
seja necessário silenciar ou negar os valores e princípios aprendidos
para além dos muros da escola (MONTEIRO; MENDES, 2014, p.59).

Em nossas práticas pedagógicas docentes precisamos não só compreender os


modos de construção de conhecimentos dos educandos, seus processos cognitivos, mas
também, entender os significados a eles atribuídos, os valores implicados nessa
construção e até mesmo sua função social. Essa compreensão deve ocorrer procurando
vincular os saberes escolares e os saberes não escolares, adquiridos nas práticas
cotidianas, uma vez que esta integração possibilita a aprendizagem de novos saberes
matemáticos.

Nesta tentativa encontramos, na singularidade do Programa Etnomatemática,


pistas que nos auxiliaram a pensar sobre os saberes discentes e a cultura cotidiana nas
práticas pedagógicas docentes. De acordo com D’Ambrosio (2001, p. 60) a
Etnomatemática se expressa “na arte ou técnica de conhecer, entender, explicar,
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aprender para saber e fazer como resposta a necessidades de sobrevivência e de
transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais.” Portanto, nos
possibilita a aproximação entre os eixos instituídos pelos saberes discentes e estas
práticas a que estamos nos referindo. Estamos cientes, entretanto, de que trabalhar em
etnomatemática numa perspectiva educacional significa lidar com a contradição posta
entre a matemática escolar, homogênea, e a diversidade de saberes matemáticos
presentes nas salas de aula.

Sob esta perspectiva, pretendemos neste minicurso, desenvolvido por


componentes do Getuff, refletir sobre algumas possibilidades de estabelecer diálogos
entre essa diversidade de saberes matemáticos, mediados pela figura do professor. Por
meio de uma compreensão etnomatemática que “reclama por uma transformação na
organização escolar, nas relações tempo/espaço, na inclusão de espaços para a
diversidade, para a valorização do saber cotidiano” (MONTEIRO; RIBEIRO;
DOMITE, 2004, p.31), podemos integrar tanto os constructos populares docentes,
oriundos de um lado de suas relações sociais, do saber-fazer adquirido em seu percurso
de escolarização, bem como dos saberes adquiridos no contato com seu grupo de
alunos, com os seus saberes científicos, oriundos da formação acadêmica inicial e
continuada.

Os saberes do cotidiano podem contribuir e propiciar a contextualização dos


saberes escolares; assim, ambos devem estar a serviço de uma prática que propicie o
diálogo, bem como contribua para a valorização e ação sociocrítica de todos os
envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o professor poderia
elaborar e validar seus saberes dentro da própria situação de trabalho, no seu cotidiano
diário. Na concepção de Tardif (2002), os saberes docentes são fruto de uma construção
realizada durante a ação, uma vez que são fortemente contextualizados e enraízam-se na
situação em que agem.

Portanto, os saberes discentes intervém nas ações docentes. As práticas docentes


devem refletir e tomar como referencial também as cultura discentes, instituindo uma
dialogicidade (FREIRE, 1974) que interfira na forma de ensinar e apreender de alunos e
professores. Um trabalho na perspectiva etnomatemática propicia um processo de
legitimação em via de mão-dupla, ou seja, ao dar voz a seus alunos, os professores estão
sendo também legitimados em seus saberes docentes (FANTINATO; SANTOS, 2007).
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2. Objetivos e metodologia do minicurso

Pretendemos neste minicurso: a) apresentar um breve histórico da construção da


etnomatemática como proposta de pesquisa e como tendência em educação matemática;
b) discutir alguns princípios da perspectiva etnomatemática em suas implicações
pedagógicas; c) analisar algumas pesquisas na abordagem etnomatemática e suas
possibilidades pedagógicas para ensino de Matemática; d) refletir sobre a importância e
os desafios de articular os saberes discentes com os saberes escolares.

Para tal, elaboramos um roteiro que será desmembrado em dois momentos


complementares: i) iniciaremos propondo reflexões a respeito das possibilidades de se
trabalhar as implicações pedagógicas da abordagem etnomatemática, analisando-se
algumas definições de etnomatemática, assim como produções recentes da área e ii)
apresentaremos algumas situações problema investigadas pelos
professores/pesquisadores do Getuff, abrindo um espaço para análises e debates,
visando promover possíveis aproximações com as práticas pedagógicas docentes dos
participantes.

Dentre as atividades que irão compor este segundo momento do minicurso,


selecionaremos situações da dissertação de mestrado de Gils (2010), assim como de
Meira (2015), que trazem situações de sala de aula na EJA, em contextos diferenciados.
Também será projetado um trecho do vídeo "Una experiencia innovadora en Paropata,
Cuzco"6, com um exemplo de prática docente nas séries iniciais em diálogo com saberes
tradicionais de uma comunidade dos Andes, que foi apresentado e discutido em Thees e
Marchon (2014). Outras pesquisas ou experiências, vivenciadas por integrantes do
Getuff em suas práticas docentes, poderão também ser inseridas nas atividades do
minicurso.

3. Agradecimentos

Agradecemos a todos os integrantes do Getuff, atuais ou antigos que, de alguma


forma, contribuíram para a elaboração da proposta deste minicurso.

4. Referências

6
Disponível em: <https://youtu.be/bhLCD0eQw_c>. Acesso em: 10 abr 2019.

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BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: matemática.
Brasília: MEC/SEF, 1997.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade.


Coleção tendências em Educação Matemática, 4. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

______. O Programa Etnomatemática: uma síntese. Acta Scientiae, Canoas, v. 10, n. 1,


p. 7-16, jan./jun. 2008.

FANTINATO, Maria Cecilia. A abordagem etnomatemática no ensino: caminhos


possíveis. In: Anais da III Jornada de Alfabetização. Fundação Municipal de
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FANTINATO, Maria Cecilia; SANTOS, Rosana Kelly. Etnomatemática e prática


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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

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MEIRA, Claudia de Jesus. Os saberes das celas: um estudo etnomatemático com


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Educação) Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.

MONTEIRO Alexandrina; OREY, Daniel; DOMITE, Maria do Carmo Santos


Etnomatemática; papel, valor e significado. In: RIBEIRO, José Pedro; DOMITE, Maria
do Carmo Santos; FERREIRA, Rogério (orgs). Etnomatemática: papel, valor e
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Acesso em: 10 abr 2019.

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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 8ª ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2002.

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