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Teorema de Laurent

José Carlos Santos

Sabe-se, pelo teorema da representação de Cauchy-Taylor, que, se z0 ∈


C, se r > 0 e se f : D(z0 , r) −→ C é uma função analítica, então existe alguma
série de potências centrada em z0 tal que

X
(∀z ∈ D(z0 , r)) : f (z) = an (z − z0 )n .
n=0

Aliás, isto continua a ser verdade mesmo que r = ∞ (ou seja, mesmo que o
domínio de f seja C). Vai-se ver como adaptar este teorema à situação na
qual o domínio de f é um conjunto da forma { z ∈ C | r < |z − z0 | < R }, com
r, R ∈ [0, ∞] (veja-se a figura 1).

z0 r

Figura 1: Coroa circular


Análise Complexa — Teorema de Laurent 2

Definição Sejam z0 ∈ C e r, R ∈ [0, ∞] tais que r < R. O conjunto


{ z ∈ C | r < |z − z0 | < R }
designa-se por coroa circular aberta de centro z0 e raios r e R e representa-se
por C(z0 , r, R).
Para lidar com esta situação, vai-se generalizar o conceito de série.
Definição Uma série de Laurent é uma expressão da forma

X
zn , (1)
n=−∞

onde cada zn (n ∈ Z)Pé um número


P∞ complexo. Diz-se que a série (1) converge

se ambas Pas séries n=0 zn e  n=1 z−n convergirem e, se for esse o caso, o
∞ ∞
+
 P
número z
n=0 n n=1 z−n representa-se por (1) e designa-se por soma
da série.
Por exemplo, seja z ∈ C∗ e seja, para cada n ∈ Z,

0
 se n > 0
zn = 

z n
 caso contrário.
P∞
É claro que a série n=0 zn converge (e a sua soma é 0). Quanto à série

 ∞  n 
X  X 1 
z−n =  ,
n=1 n=1
z 

esta é a série geométrica de razão 1/z, que converge se e só se |1/z| < 1( ⇐⇒


|z| > 1) e, quando converge, a sua soma é
1/z 
1

= .
1 − 1/z z−1
Como é natural, a série do exemplo anterior é usualmente representada
por
X−1
zn .
n=−∞
Por outro lado, resulta dos cálculos anterior e do que se sabe da série
geométrica que
P

  1  n=0 zn
 se |z| < 1
=

∀z ∈ C \ S1 : −1 (2)
1 − z  n=−∞ −zn se |z| > 1.
 P

Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto


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Então, se se considerar a função analítica


f: C \ {1} −→
C
1
z 7→ ,
1−z
as maiores coroas circulares centradas em 0 contidas no domínio de f são
C(0, 0, 1) e C(0, 1, ∞) e, em cada uma delas, é possível exprimir f como a
soma de uma série de potências centrada em 0. Como vamos ver, isto é
algo que acontece sempre.
Teorema 1 (Teorema de Laurent) Seja U um aberto de C, seja z0 ∈ C, sejam
r, R ∈]0, ∞[ tais que C(z0 , r, R) ⊂ U, seja γr0 , para cada r0 ∈ [r, R], o lacete
[0, 2π] −→ U
t 7→ z0 + r0 eit
e f : U −→ C uma função analítica. Então
Z Z
1 f (w) 1 f (w)
1. (∀z ∈ C(z0 , r, R)) : f (z) = dw − dw;
2πi γR w − z 2πi γr w − z
2. a família de números complexos (an )n∈Z dada por
Z
1 f (w)
(∀n ∈ Z) : an = dw
2πi γr0 (w − z0 )n+1
verifica as relações:
Z ∞
1 f (w) X
(a) (∀z ∈ D(z0 , R)) : dw = an (z − z0 )n
2πi γR w−z n=0
Z −1
1 f (w) X
(b) (∀z ∈ C(z0 , r, ∞)) : dw = − an (z − z0 )n
2πi γr w−z n=−∞

X
(c) (∀z ∈ C(z0 , r, R)) : f (z) = an (z − z0 )n
n=−∞
sup|w−z0 |=r0 | f (w)|
(d) (∀n ∈ Z)(∀r0 ∈ [r, R]) : |an | ≤
r0 n
3. a única família de números complexos (bn )n∈Z que verifica a condição
+∞
X
(∀z ∈ C(z0 , r, R)) : f (z) = bn (z − z0 )n
n=−∞

é a família (an )n∈Z caracterizada na alínea anterior;

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4. para qualquer lacete γ com valores em C(z0 , r, R) tem lugar a igualdade:


Z
1
f = a−1 . ind(z0 , γ).
2πi γ

Definição Sejam U um aberto de C, z0 ∈ C, r, R ∈ [0, ∞] tais que a coroa


circular aberta C(z0 , r, R) esteja contida em U, f : U −→ C uma função
analítica e (an )n∈Z a única família de números complexos tal que

X
(∀z ∈ C(z0 , r, R)) : f (z) = an (z − z0 )n .
n=−∞

O membro da direita da igualdade anterior designa-se por representação de


Laurent de f em C(z0 , r, R).

Por exemplo, a igualdade (2) mostra que a representação de Laurent de

C \ {1} −→ C
1
z 7→
1−z
nas coroas circulares C(0, 0, 1) e C(0, 1, ∞) é

X −1
X
n
z e −zn
n=0 n=−∞

respectivamente.
Considere-se agora a função

C∗ −→ C
z 7→ e1/z .
Uma vez que

X zn
(∀z ∈ C) : ez =
n=0
n!
tem-se
∞ 0
X (1/z)n X zn
(∀z ∈ C∗ ) : e1/z = = .
n=0
n! n=−∞
(−n)!
Agora, considere-se a função:

C \ {0, 1} −→ C
1
z 7→ ;
z2 − z

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 √ 
quer-se determinar a série de Laurent de f em C i, 1, 2 . Para cada z
naquela coroa circular, tem-se:
1 1
=
z2 − z z(z − 1)
1 1
=− +
z z−1
1 1
= −
−i − (z − i) 1 − i − (z − i)
1 1 1
=i − · z−i
1 − i(z − i) 1 − i 1 − 1−i
−1 ∞ 
z−i n
X X 
= −i (i(z − i))n − (1 − i)−1
n=−∞ n=0
1−i

z − i
(porque |i(z − i)| > 1 e < 1)
1 − i

X X−1
= −(1 − i)−n−1 (z − i)n + −in+1 (z − i)n .
n=0 n=−∞

Observe-se que em nenhum dos exemplos anteriores foi empregue a


fórmula Z
1 f (w)
(∀n ∈ Z) : an = dw
2πi γr0 (w − z0 )n+1
para calcular os coeficientes da série de Laurent.
Para terminar, vai-se voltar a enunciar o teorema de Laurent no caso
particular que é mais importante para o que se vai fazer a seguir, que é o
das coroas circulares abertas da forma D(z0 , r) \ {z0 }(= C(z0 , 0, r)):
Teorema 2 Sejam U um aberto de C, z0 um ponto isolado de C \ U, r ∈ R+∗ tal
que D(z0 , r) \ {z0 } ⊂ U, γr0 , para cada r0 ∈]0, r], o lacete

[0, 2π] −→ U
t 7→ z0 + r0 eit

e f : U −→ C uma função analítica. Então


1. a família de números complexos (an )n∈Z definida por
Z Z !
1 f (w) 1 f (w)
(∀n ∈ Z+ ) : an = dw = dw
2πi γr (w − z0 )n+1 2πi γr0 (w − z0 )n+1

verifica as condições:

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X
(a) (∀z ∈ D(z0 , r)\{z0 }) : f (z) = an (z−z0 )n (representação de Laurent
n=−∞
de f em D(z0 , r) \ {z0 })
sup|w−z0 |=r0 | f (w)|
(b) (∀n ∈ Z+ )(∀r0 ∈]0, r]) : |an | ≤
r0 n
2. para qualquer lacete γ com valores em D(z0 , r) \ {z0 } tem lugar a igualdade
Z
1
f = a−1 . ind(z0 , γ).
2πi γ

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