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NOTAS DE VARIÁVEL COMPLEXA

JORGE MUJICA

IMECC-UNICAMP

SEGUNDO SEMESTRE DE 2008


SUMÁRIO

1. Funções holomorfas ..............................................................1


2. Séries de potências ...............................................................5
3. Integração sobre curvas.......................................................13
4. Teorema de Cauchy em abertos convexos ...........................21
5. Teorema de Liouville e teorema de Morera ........................30
6. Zeros de funções holomorfas ...............................................33
7. Teorema da aplicação aberta ..............................................41
8. Teorema do módulo máximo...............................................47
9. Singularidades isoladas .......................................................52
10. Residuos .............................................................................58
11. As equações de Cauchy-Riemann .......................................67
12. Funções harmônicas ............................................................71
13. O núcleo de Poisson e o problema de Dirichlet...................78
14. Espaços topológicos de funções contı́nuas ..........................83
15. Espaços topológicos de funções holomorfas ........................89
16. O plano estendido ...............................................................91
17. Transformações de Möbius .................................................95
18. Teorema de Runge ............................................................100
19. Teorema de Cauchy em abertos arbitrários ......................110
20. Série de Laurent................................................................116
21. Homotopia e homologia ....................................................124
22. Abertos simplesmente conexos .........................................128
23. Teorema da aplicação de Riemann ...................................132
Bibliografia .............................................................................137
1. Funções holomorfas
A menos que digamos o contrário, U e V denotarão subconjuntos abertos
não vazios de C. Dados a ∈ C e r > 0, denotaremos por D(a; r) o disco
aberto com centro a e raio r. Denotaremos por D(a; r) o disco fechado
correspondente. Ou seja

D(a; r) = {z ∈ C : |z − a| < r},

D(a; r) = {z ∈ C : |z − a| ≤ r}.
Denotaremos por D o disco aberto unitário, ou seja D = D(0; 1).

1.1. Definição. Seja f : U → C, e seja a ∈ U . O limite


f (z) − f (a)
f 0 (a) = lim ,
z→a z−a
se existir, é chamado de derivada de f em a. Diremos que f é holomorfa
ou analı́tica se existir a derivada f 0 (a) para cada a ∈ U . Denotaremos por
H(U ) o conjunto de todas as funções holomorfas f : U → C.

1.2. Proposição. Cada função holomorfa f : U → C é contı́nua.


Demonstração. Para cada a ∈ U tem-se que
 
f (z) − f (a)
lim [f (z) − f (a)] = lim (z − a) = f 0 (a) · 0 = 0.
z→a z→a z−a

Se X é um espaço topológico, denotaremos por C(X) o conjunto de todas


as funções contı́nuas f : X → C.
1.3. Proposição. Sejam f, g ∈ H(U ), e seja c ∈ C. Então f + g, cf e
f g pertencem a H(U ). Para cada z ∈ U tem-se que

(f + g)0 (z) = f 0 (z) + g 0 (z),

(cf )0 (z) = cf 0 (z),


(f g)0 (z) = f 0 (z)g(z) + f (z)g 0 (z).
Em particular H(U ) é uma álgebra, ou seja H(U ) é um espaço vetorial e um
anel, e a multiplicação do anel é uma aplicação bilinear.

1
A demonstração desta proposição é análoga ao caso de funções de variável
real, e é deixada como exercı́cio.
1.4. Teorema (regra da cadeia). Sejam f ∈ H(U ) e g ∈ H(V ), com
f (U ) ⊂ V . Então g ◦ f ∈ H(U ) e

(g ◦ f )0 (z) = g 0 (f (z))f 0 (z) para cada z ∈ U.

Primeira demonstração. Fixado a ∈ U , temos que


 
g(f (z)) − g(f (a)) g(f (z)) − g(f (a)) f (z) − f (a)
lim = lim ·
z→a z−a z→a f (z) − f (a) z−a

g(w) − g(f (a)) f (z) − f (a)


= lim · lim = g 0 (f (a))f 0 (a).
w→f (a) w − f (a) z→a z−a
Esta demonstração é muito natural, mas infelizmente não é válida em geral.
Ela só vale se soubermos que f (z) 6= f (a) quando z 6= a. Em particular
esta demonstração é válida se a função f for injetiva. Para demonstrar o
teorema em geral, ou seja sem qualquer restrição sobre f , precisamos ser
mais cuidadosos.
Segunda demonstração. Fixado a ∈ U , seja φ : U → C definida por

f (z) − f (a)
φ(z) = − f 0 (a) se z 6= a, φ(z) = 0 se z = a.
z−a
De maneira análoga, seja ψ : V → C definida por

g(w) − g(f (a))


ψ(w) = − g 0 (f (a)) se w 6= f (a), ψ(w) = 0 se w = f (a).
w − f (a)

Por definição de derivada,

lim φ(z) = 0 = φ(a), lim ψ(w) = 0 = ψ(f (a)).


z→a w→f (a)

Segue que

g(f (z)) − g(f (a)) = [g 0 (f (a)) + ψ(f (z))][f (z) − f (a)]

= [g 0 (f (a)) + ψ(f (z))][f 0 (a) + φ(z)](z − a),

2
e portanto
g(f (z)) − g(f (a))
lim = g 0 (f (a))f 0 (a).
z→a z−a

De maneira análoga podemos provar o teorema seguinte.


1.5. Teorema (regra da cadeia). Seja I um intervalo aberto em R, e
seja U aberto em C. Seja γ : I → C uma função derivável, e seja f : U → C
uma função holomorfa tais que γ(I) ⊂ U . Então f ◦ γ : I → C é derivável e

(f ◦ γ)0 (t) = f 0 (γ(t))γ 0 (t) para cada t ∈ I.

1.6. Teorema. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Se


0
f (z) = 0 para todo z ∈ U , então f é constante.
Demonstração. Fixemos a ∈ U , e seja

A = {z ∈ U : f (z) = f (a)}.

Basta provar que A é aberto e fechado em U .


Para provar que A é fechado em U , seja (bn ) uma seqüência em A que
converge a um ponto b ∈ U . Segue que f (b) = lim f (bn ) = f (a), e portanto
b ∈ A.
Para provar que A é aberto em U , seja b ∈ A, seja r > 0 tal que D(b; r) ⊂
U , e seja c ∈ D(b; r). Se definimos

γ(t) = b + t(c − b) se 0 ≤ t ≤ 1,

então segue do Teorema 1.5 que

(f ◦ γ)0 (t) = f 0 (γ(t))γ 0 (t) = f 0 (γ(t))(c − b) = 0 se 0 < t < 1.

Segue que f ◦ γ é constante, e portanto f (c) = f (γ(1)) = f (γ(0)) = f (b) =


f (a). Logo c ∈ A, e portanto D(b; r) ⊂ A.

Exercı́cios
1.A. Prove a Proposição 1.3.

3
1.B. Sejam f, g ∈ H(U ), e seja V = {z ∈ U : g(z) 6= 0}. Prove que o
quociente f /g pertence a H(V ) e que para cada z ∈ V tem-se que
 0
f f 0 (z)g(z) − f (z)g 0 (z)
(z) = .
g [g(z)]2

1.C. Prove que a função f (z) = z n é holomorfa em C para cada n =


0, 1, 2, .... Prove que f 0 (z) = 0 se n = 0, e f 0 (z) = nz n−1 se n = 1, 2, 3, ...
1.D. Prove que a funcão f (z) = 1/z n é holomorfa no aberto U = {z ∈
C : z 6= 0} e f 0 (z) = −n/z n+1 para cada n = 1, 2, 3, ...
1.E. Prove o Teorema 1.5.
1.F. Seja a ∈ D, seja U = {z ∈ C : z 6= 1/a}, e seja φa : U → C definida
por
z−a
φa (z) = .
1 − az
(a) Prove que D ⊂ U , φa ∈ H(U ), φa (0) = −a e φa (a) = 0.
(b) Prove que:
1
φ0a (0) = 1 − |a|2 , φ0a (a) = .
1 − |a|2

4
2. Séries de potências
P
2.1. Teorema de Abel. Para cada série de potências ∞ n=0 cn (z − a)
n

em C, existe R ∈ [0, ∞] tal que:


P
(a) A série ∞ n
n=0 cn (z − a) é absolutamente convergente se |z − a| < R.
A convergência é uniforme em cada disco D(a; r), com 0 < r < R.
P
(b) A série ∞ n
n=0 cn (z − a) é divergente se |z − a| > R.
Diremos que R é o raio de convergência da série.
Demonstração. Seja R ∈ [0, ∞] definido por
1 p
(1) = lim sup n |cn |.
R n→∞

Provaremos que este R verifica (a) e (b). A fórmula (1) é conhecida como
fórmula de Cauchy-Hadamard.
(a) Seja 0 < r < R, e seja r < s < R. Então
1 1 p
> = lim sup n |cn |.
s R m→∞ n≥m
p
m=0 é decrescente, existe m ∈ N tal que
Como a seqüência (supn≥m n |cn |)∞
p
n 1
sup |cn | < .
n≥m s

Para z ∈ D(a; r) tem-se que



X ∞  
X
n r n
|cn (z − a) | < < ∞.
n=m n=m
s
P∞
Logo a série n=0 cn (z − a)n converge absolutamente e uniformemente para
z ∈ D(a; r).
P
(b) Seja z ∈/ D(a; R), e suponhamos que a série ∞ n
n=0 cn (z − a) seja
convergente. Então a seqüência (cn (z − a)n )∞
n=0 converge a zero, e é portanto
limitada. Logo existe M > 0 tal que

|cn (z − a)n | ≤ M para todo n ≥ 0.

5
Segue que √
p
n
n
M
|cn | < para todo n ≥ 0,
|z − a|
e portanto
p
n 1 1
lim sup |cn | ≤ < ,
n→∞ |z − a| R
contradição.
2.2. Definição. Diremos que f : U → C é representável por séries de
se para cada a ∈ U existem um disco D(a; r) ⊂ U e uma série de
potências P
potências ∞ n
n=0 cn (z − a) tais que


X
f (z) = cn (z − a)n para cada z ∈ D(a; r).
n=0

2.3. Teorema. Se f : U → C é representável por séries de potências,


então f é holomorfa e f 0 também é representável por séries de potências. Se

X
(2) f (z) = cn (z − a)n para cada z ∈ D(a; r),
n=0

então

X
0
(3) f (z) = ncn (z − a)n−1 para cada z ∈ D(a; r).
n=1

As duas séries de potências tem o mesmo raio de convergência.


Demonstração. Sejam R e R0 os raios de convergência das séries em
(2) e (3), respectivamente. Para provar que R ≥ R0 , seja |z − a| < R0 . Pelo
Teorema de Abel ∞
X
|ncn (z − a)n−1 | < ∞,
n=1

e portanto

X ∞
X
n
|cn (z − a) | ≤ |z − a| |ncn (z − a)n−1 | < ∞.
n=1 n=1

6
Pelo Teorema de Abel R ≥ |z − a|, e portanto R ≥ R0 .
Para provar que R0 ≥ R, seja |z − a| < R. Pelo Teorema de Abel

X
|cn (z − a)n | < ∞.
n=0
P
Se |z − a| = 0, então é claro que ∞n=1 |ncn (z − a)
n−1
| < ∞. Suponhamos
que 0 < |z − a| < R, e sejam |z − a| < r < s < R. Como
1 1 p
> = lim sup n |cn |,
s R m→∞ n≥m

existe m ∈ N tal que


p
n 1
|cn | < para todo n ≥ m.
s

Como limn→∞ n
n = 1, sem perda de generalidade podemos supor que
√ s
n
n< para todo n ≥ m.
r
Segue que

X ∞  n
n−1 1 X |z − a|
|ncn (z − a) |≤ < ∞.
n=m
|z − a| n=m r

Pelo Teorema de Abel R0 ≥ |z − a|, e portanto R0 ≥ R.


Falta provar que f 0 ∈ H(U ) e que a série em (3) representa f 0 em D(a; r).
Seja
X∞
g(z) = ncn (z − a)n−1 para cada z ∈ D(a; r).
n=1

Para completar a demonstração provaremos que f 0 (b) = g(b) para cada b ∈


D(a; r). Sem perda de generalidade podemos supor que a = 0. Sejam z, b ∈
D(0; r), com z 6= b. Então

X ∞
X
f (z) − f (b) = cn (z n − bn ), g(b) = ncn bn−1 .
n=1 n=1

7
Logo
X ∞  
f (z) − f (b) z n − bn
− g(b) = cn − nbn−1
z−b n=2
z−b
Notemos que
z n − bn
− nbn−1 = [z n−1 + z n−2 b + z n−3 b2 + ... + z 2 bn−3 + zbn−2 + bn−1 ] − nbn−1
z−b

= (z n−1 − bn−1 ) + (z n−2 − bn−2 )b + ... + (z 2 − b2 )bn−3 + (z − b)bn−2


= (z − b)[z n−2 + z n−3 b + ... + zbn−3 + bn−2 ]
+(z − b)[z n−3 + z n−4 b + ... + zbn−4 + bn−3 ]b
+... + (z − b)(z + b)bn−3 + (z − b)bn−2
= (z − b)[z n−2 + 2z n−3 b + ... + (n − 2)zbn−3 + (n − 1)bn−2 ]
Seja |b| < s < r. Para |z| < s temos que
n
z − bn
− n−1 n−2
+ 2sn−2 + ... + (n − 1)sn−2 ]
z−b nb ≤ |z − b|[s

(n − 1)n n−2
= |z − b| s .
2
Segue que

f (z) − f (b) |z − b| X

− g(b) ≤ n(n − 1)|cn |sn−2 .
z−b 2 n=2

Como s < r ≤ R, segue da primeira parte da demonstração que



X ∞
X ∞
X
n n−1
|cn s | < ∞, |ncn s |<∞ e |n(n − 1)cn sn−2 | < ∞.
n=0 n=1 n=2

Segue que
f (z) − f (b)
lim − g(b) = 0,
z→b z−b
e portanto
f (z) − f (b)
f 0 (b) = lim = g(b).
z→b z−b

8
2.4. Corolário. Se f : U → C é representável por séries de potências,
então existem as derivadas f (k) (z) para cada k ∈ N e z ∈ U . Se

X
f (z) = cn (z − a)n
n=0

para cada z ∈ D(a; r), então



X
(k)
f (z) = n(n − 1)...(n − k + 1)cn (z − a)n−k
n=k

para cada k ∈ N e z ∈ D(a; r). Em particular

f (n) (a)
cn = para cada n ∈ N0 .
n!

Exercı́cios
2.A. Seja (zn )∞
n=0 uma seqüência de números complexos diferentes de
zero, e suponhamos que exista o limite

zn+1
L = lim .
n→∞ zn
P
Prove que a série ∞n=0 zn é absolutamente convergente se L < 1, e é diver-
gente se L > 1. Este é o teste da razão.

2.B. Seja (cn )∞


n=0 uma seqüência de números complexos diferentes de zero,
e suponhamos que exista o limite

cn+1
L = lim .
n→∞ cn
P
Prove que a série de potências ∞ n
n=0 cn (z −a) tem raio de convergência 1/L.

9
2.C. Seja (zn )∞
n=0 uma seqüência de números complexos, e suponhamos
que exista o limite p
L = lim n |zn |
n→∞
P∞
Prove que a série n=0 zn é absolutamente convergente se L < 1, e é diver-
gente se L > 1. Este é o teste da raiz.

2.D. Seja (cn )∞ n=0 uma seqüência de números complexos, e suponhamos


que exista o limite p
L = lim n |cn |.
n→∞
P∞
Prove que a série de potências n=0 cn (z −a)n tem raio de convergência 1/L.

2.E. Dada uma seqüência (an )∞ ∞


n=1 de números complexos, seja (bn )n=1
definida por
1
bn = (a1 + a2 + ...an ).
n
Se an → a, prove que bn → a.

2.F. Dada uma seqüência (an )∞ ∞


n=1 de números positivos, seja (bn )n=1
definida por

bn = n a1 a2 ...an .
Se an → a, prove que bn → a.

2.G. Seja (cn )∞ n=0 uma seqüência de números complexos diferentes de


zero. Se existir o limite
cn+1
lim = L,
n→∞ cn

prove que também p


n
lim |cn | = L.
n→∞

2.H. Determine os raios de convergência das seguintes séries de potências:



X ∞
X ∞
X
n p n zn
z , nz , ,
n=0 n=0 n=0
n!

10

X ∞
X ∞
X
n 2n
n!z , z , z n! .
n=0 n=0 n=0

2.I. Prove que



X 1
zn = se |z| < 1.
n=0
1−z

2.J. Seja ez definida por

z2
ez = 1 + z + + ...,
2!
(a) Prove que esta função está bem definida, e é holomorfa em C.
(b) Prove que (ez )0 = ez para todo z ∈ C.
(c) Prove que ea eb = ea+b para todo a, b ∈ C.
Sugestão: Para provar (c) calcule (ez ec−z )0 .

2.K. Sejam cos z e sin z definidas por

eiz + e−iz eiz − e−iz


cos z = , sin z = .
2 2i
(a) Prove que

z2 z4 z3 z5
cos z = 1 − + − ..., sin z = z − + − ....
2! 4! 3! 5!
(b) Prove que (sin z)0 = cos z e (cos z)0 = − sin z para todo z ∈ C.
(c) Prove que eiz = cos z + i sin z para todo z ∈ C.
(d) Prove que, para todo a, b ∈ C:

cos(a + b) = cos a cos b − sin a sin b,

sin(a + b) = sin a cos b + cos a sin b.


(e) Prove que ez = 1 se e só se z = 2πin, com n ∈ Z.

11
2.L. Seja log z definido por

(z − 1)2 (z − 1)3
log z = (z − 1) − + − +... se |z − 1| < 1.
2 3
(a) Prove que esta função está bem definida e é holomorfa no disco |z −
1| < 1.
(b) Prove que (log z)0 = 1/z sempre que |z − 1| < 1.
(c) Prove que elog z = z sempre que |z − 1| < 1.
Sugestão: Para provar (c) calcule (elog z )00 .

2.M. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ) tal que |f (z) − 1| < 1 para
todo z ∈ U . Prove que log f ∈ H(U ) e

f 0 (z)
(log f (z))0 = para todo z ∈ U.
f (z)

12
3. Integração sobre curvas
3.1. Definição. Um caminho em C é uma função contı́nua γ : [α, β] →
C, com α < β. Imγ denotará a imagem de γ, ou seja Imγ = γ([α, β]). Se
γ(α) = γ(β), diremos que γ é um caminho fechado.
Diremos que um caminho γ : [α, β] → C é de classe C 1 por partes se
existir uma partição α = t0 < t1 < ... < tn = β tal que a restrição γ|[tj−1 , tj ]
tem derivada contı́nua para cada j = 1, 2, ..., n. Diremos que γ é uma curva
se γ é um caminho de classe C 1 por partes.
Dadas uma curva γ : [α, β] → C e uma função contı́nua f : Imγ → C, a
integral de f sobre γ é definida por
Z Z Z β n Z
X tj
0
f= f (z)dz = f (γ(t))γ (t)dt = f (γ(t))γ 0 (t)dt.
γ γ α j=1 tj−1

3.2. Proposição. Seja γ : [α, β] → C uma curva. Seja φ : [α1 , β1 ] →


[α, β] uma função injetiva de classe C 1 tal que φ(α1 ) = α e φ(β1 ) = β. Seja
γ1 = γ ◦ φ : [α1 , β1 ] → C. Se f : Imγ → C é uma função contı́nua, então
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ
R
Ou seja a integral γ
f (z)dz é independente da parametrização.
Demonstração. Como φ é contı́nua e injetiva, não é difı́cil provar que
φ é estritamente crescente. Por hipótese existe uma partição α = t0 < t1 <
... < tn = β tal que a restrição γ|[tj−1 , tj ] tem derivada contı́nua para cada
j. Logo existe uma única partição α1 = s0 < s1 < ... < sn = β1 tal que
φ(sj ) = tj para cada j. Provaremos que
Z sj Z tj
f (γ1 (s))γ10 (s)ds = f (γ(t))γ 0 (t)dt para cada j,
sj−1 tj−1

para concluir que


Z Z β1 n Z
X sj
f (z)dz = f (γ1 (s))γ10 (s)ds = f (γ1 (s))γ10 (s)ds
γ1 α1 j=1 sj−1

13
n Z
X tj Z β Z
0 0
= f (γ(t))γ (t)dt = f (γ(t))γ (t)dt = f (z)dz.
j=1 tj−1 α γ

Definamos Z t
Fj (t) = f (γ(t))γ 0 (t)dt (tj−1 ≤ t ≤ tj ).
tj−1

Pelo Teorema Fundamental do Cálculo

Fj0 (t) = f (γ(t))γ 0 (t) (tj−1 ≤ t ≤ tj )

e Z tj
f (γ(t))γ 0 (t)dt = Fj (tj ) − Fj (tj−1 ).
tj−1

Definamos
Gj (s) = Fj (φ(s)) (sj−1 ≤ s ≤ sj ).
Pela regra da cadéia

G0j (s) = Fj0 (φ(s))φ0 (s) = f (γ(φ(s)))γ 0 (φ(s))φ0 (s) = f (γ1 (s))γ10 (s)

para sj−1 ≤ s ≤ sj , e portanto


Z sj
f (γ1 (s))γ10 (s)ds = Gj (sj ) − Gj (sj−1 )
sj−1

= Fj (φ(sj )) − Fj (φ(sj−1 ))
Z tj
= Fj (tj ) − Fj (tj−1 ) = f (γ(t))γ 0 (t)dt.
tj−1

3.3. Proposição. Seja γ : [0, 1] → C uma curva, e seja γ1 : [0, 1] → C


definida por
γ1 (t) = γ(1 − t) (0 ≤ t ≤ 1).
Se f : Imγ → C é uma função contı́nua, então
Z Z
f (z)dz = − f (z)dz.
γ1 γ

Diremos que γ1 é a curva oposta a γ.

14
Demonstração. Como γ10 (t) = −γ 0 (1 − t), segue que
Z Z 1
f (z)dz = f (γ1 (t))γ10 (t)dt
γ1 0
Z 1 Z 0
0
=− f (γ(1 − t))γ (1 − t)dt = f (γ(s))γ 0 (s)ds
0 1
Z 1 Z
0
=− f (γ(s))γ (s)ds = − f (z)dz.
0 γ

3.4. Exemplos. (a) Dados a ∈ C e r > 0, seja


γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π).
γ é o cı́rculo orientado com centro a e raio r. Se f : Imγ → C é uma função
contı́nua, então Z Z 2π
f (z)dz = ri f (a + reit )eit dt.
γ 0

(b) Dados a, b ∈ C, seja


γ(t) = a + t(b − a) (0 ≤ t ≤ 1).
γ é o segmento orientado [a, b]. Se f : [a, b] → C é uma função contı́nua,
então Z Z 1
f (z)dz = (b − a) f [a + t(b − a)]dt.
[a,b] 0

(c) Dados a, b, c ∈ C, seja 4 o triângulo com vértices a, b, c. Se f : 4 → C


é uma função contı́nua, definimos
Z Z Z Z
f (z)dz = f (z)dz + f (z)dz + f (z)dz.
∂4 [a,b] [b,c] [c,a]

3.5. Proposição. Seja γ : [α, β] → C uma curva, e seja f : Imγ → C


uma função contı́nua. Então
Z Z β

f (z)dz ≤ kf k∞ |γ 0 (t)|dt,

γ α

15
onde
kf k∞ = sup{|f (γ(t))| : α ≤ t ≤ β}.

Demonstração.
Z Z
β
f (z)dz = f (γ(t))(γ (t)dt
0

γ α

Z β Z β
0
≤ |f (γ(t)||γ (t)|dt ≤ kf k∞ |γ 0 (t)|dt.
α α

3.6. Proposição. Seja γ : [α, β] → C uma curva, e seja (fn ) uma


seqüência de funções contı́nuas de Imγ em C que converge uniformemente
sobre Imγ a uma função f . Então
Z Z
f (z)dz = lim fn (z)dz.
γ n→∞ γ

Demonstração. Pela proposição anterior


Z Z Z
β
fn (z)dz − f (z)dz ≤ kfn − f k∞ |γ 0 (t)|dt,

γ γ α

e a conclusão desejada segue.


P
3.7. Corolário. Seja γ : [α, β] → C uma curva, e seja ∞ n=0 fn uma
série de funções contı́nuas de Imγ em C que converge uniformemente sobre
Imγ a uma função f . Então
Z ∞ Z
X
f (z)dz = fn (z)dz.
γ n=0 γ

3.8. Teorema. Seja γ : [α, β] → C uma curva, e seja φ : Imγ → C uma


função contı́nua. Seja U = C \ Imγ, e seja f : U → C definida por
Z
φ(ζ)
f (z) = dζ para cada z ∈ U.
γ ζ −z

16
Então f é representável por séries de potências, e é portanto holomorfa. Para
cada disco D(a; r) ⊂ U tem-se que

X
f (z) = cn (z − a)n para cada z ∈ D(a; r),
n=0

onde Z
φ(ζ)
cn = dζ para cada n ∈ N0 .
γ (ζ − a)n+1

Demonstração. Seja D(a; r) ⊂ U . Para cada z ∈ D(a; r) e ζ ∈ Imγ


temos que
z − a |z − a|

ζ − a ≤ r
< 1,

e portanto
φ(ζ) φ(ζ) φ(ζ)
= =
ζ −z (ζ − a) − (z − a) (ζ − a)(1 − z−a
ζ−a
)
∞   ∞
φ(ζ) X z − a X
n
φ(ζ)(z − a)n
= = .
ζ − a n=0 ζ − a n=0
(ζ − a)n+1
Como esta série converge uniformemente para ζ ∈ Imγ, o Corolário 3.7
garante que
Z X∞ Z
φ(ζ) n φ(ζ)
f (z) = dζ = (z − a) n+1
dζ.
γ ζ −z n=0 γ (ζ − a)

Assim ∞
X
f (z) = cn (z − a)n para cada z ∈ D(a; r),
n=0

onde Z
φ(ζ)
cn = dζ para cada n ∈ N0 .
γ (ζ − a)n+1

3.9. Teorema. Seja γ : [α, β] → C uma curva fechada, e seja U =


C \ Imγ. Para cada z ∈ U o ı́ndice de z com relação a γ é definido por
Z
1 1
Ind(γ, z) = dζ.
2πi γ ζ − z

17
Então:
(a) Ind(γ, z) é uma função holomorfa em U .
(b) Ind(γ, z) é uma função com valores inteiros que é constante em cada
componente conexa de U . A função Ind(γ, z) é identicamente zero na com-
ponente não limitada de U .
Demonstração. (a) é conseqüência imediata do Teorema 3.8.
(b) Se z ∈ U podemos escrever
Z Z β
1 1 1 γ 0 (s)
Ind(γ, z) = dζ = ds.
2πi γ ζ − z 2πi α γ(s) − z

Seja φ definida por


Z t
1 γ 0 (s)
φ(t) = ds (α ≤ t ≤ β).
2πi α γ(s) − z

Então Ind(γ, z) = φ(β), e segue do Exercı́cio 2.K que Ind(γ, z) ∈ Z se e só


se e2πiφ(β) = 1. Seja ψ definida por

ψ(t) = e2πiφ(t) (α ≤ t ≤ β).

Assim, para provar que Ind(γ, z) ∈ Z basta provar que ψ(β) = 1. Usando a
regra da cadeia e o Teorema Fundamental do Cálculo segue que
γ 0 (t)
(1) ψ 0 (t) = e2πiφ(t) 2πiφ0 (t) = ψ(t)
γ(t) − z

para todo t ∈ [α, β] \ F , com F finito. Usando (1) segue que


 0
ψ(t) ψ 0 (t)(γ(t) − z) − ψ(t)γ 0 (t)
= =0
γ(t) − z (γ(t) − z)2

para todo t ∈ [α, β] \ F . Logo a função ψ(t)/(γ(t) − z) é constante em [α, β].


Como
ψ(α) = e2πiφ(α) = e0 = 1,
segue que
ψ(t) ψ(α) 1
= = (α ≤ t ≤ β).
γ(t) − z γ(α) − z γ(α) − z

18
Como γ(β) = γ(α), segue que ψ(β) = 1, e portanto Ind(γ, z) só toma
valores inteiros. Como a função Ind(γ, z) é holomorfa, e portanto contı́nua,
concluimos que Ind(γ, z) é constante em cada componente conexa de U .
Falta provar que Ind(γ, z) é identicamente zero na componente não
limitada de U . Imγ é um subconjunto compacto de C. Logo Imγ está
contido em um disco compacto D = D(0; r). O conjunto C \ D é conexo e
não limitado. Como
C \ D ⊂ C \ Imγ = U,
concluimos que C \ D está contido na componente não limitada de U . Seja
z ∈ C \ D, e seja R = d(z, Imγ). Então

R ≤ |z − γ(t)| (α ≤ t ≤ β),

e portanto
Z Z β
1 β
γ 0 (t) 1

|Ind(γ, z)| =
dt ≤ |γ 0 (t)|dt.
2πi α γ(t) − z 2πR α

Fazendo |z| → ∞, segue que R → ∞, e portanto |Ind(γ, z)| → 0. Logo


Ind(γ, z) = 0, completando a demonstração.

3.10. Corolário. Sejam a ∈ C, r > 0, e seja

γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π).

Então
Ind(γ, z) = 1 se |z − a| < r,
Ind(γ, z) = 0 se |z − a| > r.

Demonstração. Pelo teorema anterior basta calcular Ind(γ, a).


Z 2π Z 2π
1 γ 0 (t) 1 rieit
Ind(γ, a) = dt = dt = 1.
2πi 0 γ(t) − a 2πi 0 reit

19
Exercı́cios
3.A. Se γ é o segmento [0, 1 + i], calcule as integrais
Z Z Z
xdz, ydz, zdz.
γ γ γ

3.B. Se γ é o segmento [0, 1], seguido do segmento [1, 1 + i], calcule as


integrais Z Z Z
xdz, ydz, zdz.
γ γ γ

Compare as integrais nos Exercı́cios 3.A e 3.B.

3.C. Se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π), calcule as integrais


Z Z Z
(x + y)dz, |z|dz, zdz.
γ γ γ

3.D. Se γ(t) = 2eit (0 ≤ t ≤ 2π), calcule as integrais


Z Z Z
1 1 1
dz, 2
dz, 2
dz,
γ z γ z γ z −1
Z Z Z
1 1 1
2
dz, 2
dz 2
dz.
γ z +1 γ z −9 γ z + 2z − 3

20
4. Teorema de Cauchy em abertos convexos
4.1. Proposição. Seja F ∈ H(U ) uma função tal que F 0 ∈ C(U ).
Então Z
F 0 (z)dz = F (b) − F (a)
γ

para cada curva γ em U entre a e b.


Demonstração. Como (F ◦ γ)0 (t) = F 0 (γ(t))γ 0 (t), segue que
Z Z β
0
F (z)dz = F 0 (γ(t))γ 0 (t)dt = F ◦ γ(β) − F ◦ γ(α) = F (b) − F (a).
γ α

4.2. Corolário. Seja F ∈ H(U ) uma função tal que F 0 ∈ C(U ). Então
Z
F 0 (z)dz = 0
γ

para cada curva fechada γ em U .

4.3. Corolário. (a) Se n ∈ Z, n ≥ 0, então


Z
z n dz = 0
γ

para cada curva fechada γ em C.


(b) Se n ∈ Z, n ≤ −2, então
Z
z n dz = 0
γ

para cada curva fechada γ em C \ {0}.


Demonstração. z n é a derivada da função z n+1 /(n + 1).
4.4. Teorema de Cauchy para triângulos. Seja U aberto em C, seja
p ∈ U , e seja f : U → C uma função que é contı́nua em U e holomorfa em
U \ {p}. Então Z
(1) f (z)dz = 0
∂4

21
para cada triângulo fechado 4 ⊂ U .
Demonstração. Seja 4 o triângulo com vértices {a, b, c}. Se a, b, c são
colineares, então é claro que (1) vale para cada função contı́nua f : U → C.
Assim podemos supor que a, b, c não são colineares.
(a) Suponhamos primeiro que p ∈ / 4. Sejam a0 , b0 , c0 os pontos médios
dos segmentos [b, c], [c, a] e [a, b], respectivamente. Sejam 41 , 42 , 43 e
44 os triângulos com vértices {a, c0 , b0 }, {b, a0 , c0 , }, {c, b0 , a0 } e {a0 , b0 , c0 },
respectivamente. Então
Z 4 Z
X
I= f (z)dz = f (z)dz,
∂4 j=1 ∂4j

e portanto
4 Z
X


|I| ≤ f (z)dz .
j
j=1 ∂4

Logo Z

|I| ≤ 4 f (z)dz
∂4 j

para pelo menos um desses triângulos 4j . Denotemos por 41 um dos


triângulos 4j que verifica a desigualdade anterior. Podemos repetir o raciocı́nio
anterior com 41 em lugar de 4. Dessa maneira podemos obter uma seqüência
de triângulos
4 ⊃ 41 ⊃ 42 ⊃ ...
tais que Z

|I| ≤ 4
n
f (z)dz .
∂4n

Além disso, se LTé o perı́metro de 4, então o perı́metro de 4n é Ln = 2−n L.


É claro que ∞ n=1 4n contém um único ponto q. Como q ∈ 4 e p ∈ / 4,
0
existe f (q). Dado  > 0, existe δ > 0 tal que

f (z) − f (q)
− f 0
(q) <  sempre que 0 < |z − q| < δ.
z−q

Seja n ∈ N tal que

|z − q| < δ para todo z ∈ 4n .

22
É claro que
|z − q| ≤ Ln = 2−n L para todo z ∈ 4n .
Usando o Corolário 4.3 vemos que
Z Z
f (z)dz = [f (z) − f (q) − f 0 (q)(z − q)]dz
∂4n ∂4n
Z  
f (z) − f (q) 0
= − f (q) (z − q)dz,
∂4n z−q
e portanto Z

f (z)dz ≤ (2−n L)2 = L2 4−n .

∂4n

Logo Z

|I| ≤ 4 n
f (z)dz ≤ L2 .
∂4n

Como  > 0 é arbitrário, concluimos que I = 0.


(b) A seguir suponhamos que p seja um vértice de 4, digamos p = a.
Sejam x ∈ [a, b] e y ∈ [a, c], com x 6= a e y 6= a, e sejam 41 , 42 e 43 os
triângulos com vértices {a, x, y}, {x, b, y} e {b, c, y}, respectivamente. Então
Z Z Z Z Z
f= f+ f+ f= f,
∂4 ∂41 ∂42 ∂43 ∂41
R
/ 42 e p ∈
pois p ∈ / 43 . Se x → a e y → a, segue que ∂41
f → 0. Isto prova
R
que ∂4 f = 0.
(c) Finalmente suponhamos que p seja um ponto arbitrário de 4. Se-
jam 41 , 42 e 43 os triângulos com vértices {a, b, p}, {b, c, p} e {c, a, p},
respectivamente. Então
Z Z Z Z
f= f+ f+ f = 0,
∂4 ∂41 ∂42 ∂43

pelo resultado em (b). Isto completa a demonstração.


Lembremos que um conjunto A ⊂ C é dito convexo se dados a, b ∈ A, A
contém o segmento [a, b].

23
4.5. Teorema de Cauchy em abertos convexos. Seja U aberto e
convexo em C, seja p ∈ U , e seja f : U → C uma função que é contı́nua em
U e holomorfa em U \ {p}. Então
Z
f (z)dz = 0
γ

para cada curva fechada γ em U .


Demonstração. Para cada z ∈ U , U contém o segmento [p, z]. Seja
F : U → C definida por
Z
F (z) = f (ζ)dζ.
[p,z]

Provaremos que F 0 (a) = f (a) para cada a ∈ U .


Sejam a, z ∈ U , com a 6= z, e seja 4 o triângulo com vértices {p, a, z}.
Pelo Teorema 4.4
Z Z Z Z
f (ζ)dζ + f (ζ)dζ + f (ζ)dζ = f (ζ)dζ = 0.
[p,a] [a,z] [z,p] ∂4

Logo Z Z Z
F (z) − F (a) = f (ζ)dζ − f (ζ)dζ = f (ζ)dζ,
[p,z] [p,a] [a,z]
e portanto
Z
F (z) − F (a) 1
− f (a) = [f (ζ) − f (a)]dζ.
z−a z−a [a,z]

Como f é contı́nua em a, dado  > 0, existe δ > 0 tal que


|f (ζ) − f (a)| <  se |ζ − a| < δ.
Segue que
F (z) − F (a)
− f (a) <  se 0 < |z − a| < δ,
z−a
e portanto F 0 (a) = f (a).
Seja γ uma curva fechada em U . Como F 0 = f é contı́nua em U , o
Corolário 4.2 garante que
Z Z
f (z)dz = F 0 (z)dz = 0.
γ γ

24
4.6. Fórmula integral de Cauchy em abertos convexos. Seja U
aberto e convexo em C, e seja f ∈ H(U ). Seja γ uma curva fechada em U .
Então, para cada z ∈ U \ Imγ tem-se que
Z
1 f (ζ)
f (z)Ind(γ, z) = dζ.
2πi γ ζ − z

Demonstração. Seja g : U → C definida por


f (ζ) − f (z)
g(ζ) = se ζ 6= z,
ζ −z
g(ζ) = f 0 (z) se ζ = z.
Então g é contı́nua em U e holomorfa em U \ {z}. Pelo Teorema 4.5
Z
1
g(ζ)dζ = 0,
2πi γ
e portanto
Z Z
1 f (ζ) 1 f (z)
dζ = dζ = f (z)Ind(γ, z).
2πi γ ζ −z 2πi γ ζ −z
A seguir provaremos o recı́proco do Teorema 2.3.
4.7. Teorema. Seja U aberto em C. Então cada f ∈ H(U ) é repre-
sentável por séries de potências.
Demonstração. Seja D(a; r) ⊂ U e seja
γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π).
Existe R > r tal que D(a; R) ⊂ U . D(a; R) é aberto e convexo. Pela Teorema
4.6 e o Corolário 3.10
Z
1 f (ζ)
f (z) = dζ para cada z ∈ D(a; r).
2πi γ ζ − z
Pelo Teorema 3.8 f é representável por séries de potências. De fato

X
f (z) = cn (z − a)n para cada z ∈ D(a; r),
n=0

25
onde Z
1 f (ζ)
cn = dζ para cada n ∈ N0 .
2πi γ (ζ − a)n+1

4.8. Corolário. Seja U aberto em C. Se f ∈ H(U ), então f (n) ∈ H(U )


para cada n ∈ N. Se D(a; r) ⊂ U , e

γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π),

então f (n) (a) é dada por


Z
f (n) (a) 1 f (ζ)
= dζ para cada n ∈ N0 .
n! 2πi γ (ζ − a)n+1

Demonstração. Basta aplicar o Teorema 4.7 e o Corolário 2.4.


4.9. Desigualdades de Cauchy. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ).
Se D(a; r) ⊂ U , então

|f (n) (a)|
≤ r−n sup{|f (ζ)| : |ζ − a| = r} para cada n ∈ N0 .
n!

O Corolário 4.8 fornece uma fórmula para as derivadas de f no centro de


um disco. A seguir veremos uma fórmula bem mais geral.
4.10. Fórmula integral de Cauchy para as derivadas. Seja U
aberto e convexo em C, e seja f ∈ H(U ). Seja γ uma curva fechada em U .
Então, para cada n ∈ N0 e z ∈ U \ Imγ tem-se que
Z
f (n) (z) 1 f (ζ)
Ind(γ, z) = dζ.
n! 2πi γ (ζ − z)n+1

Para provar este teorema vamos precisar do lema seguinte.


4.11. Lema. Seja γ uma curva em C, e seja φ : Imγ → C uma função
contı́nua. Seja U = C \ Imγ, e seja Fn : U → C definida por
Z
φ(ζ)
Fn (z) = n
dζ (z ∈ U ).
γ (ζ − z)

26
Então Fn ∈ H(U ) e Fn0 (z) = nFn+1 (z) para todo n ∈ N e z ∈ U .
Demonstração. Demonstraremos o lema por indução em n. Segue do
Teorema 3.8 que F1 ∈ H(U ), mas não usaremos este fato.
Primeiro provaremos que F1 é contı́nua. Seja a ∈ U , e seja r > 0 tal que
D(a; 2r) ⊂ U . Para z ∈ D(a; r) tem-se que
Z   Z
φ(ζ) φ(ζ) φ(ζ)
F1 (z) − F1 (a) = − dζ = (z − a) dζ,
γ ζ −z ζ −a γ (ζ − z)(ζ − a)

e portanto
Z β
|z − a|
|F1 (z) − F1 (a)| ≤ |φ(γ(t))||γ 0 (t)|dt.
r2 α

Em particular segue que F1 é contı́nua em a. Por outro lado


Z
F1 (z) − F1 (a) φ(ζ)
= dζ.
z−a γ (ζ − z)(ζ − a)

Aplicando o que acabamos de provar, mas com a função φ(ζ)/(ζ − a) em


lugar da função φ(ζ), vemos que a integral do segundo membro define uma
função contı́nua de z. Segue que
F1 (z) − F1 (a)
F10 (a) = lim
z→a z−a
Z Z
φ(ζ) φ(ζ)
= lim dζ = 2
dζ = F2 (a).
z→a γ (ζ − z)(ζ − a) γ (ζ − a)

Seja n > 1. Supondo que a conclusão é válida para F1 , ..., Fn−1 , provare-
mos que Fn é contı́nua em a e que Fn0 (a) = nFn+1 (a).
Z  
φ(ζ) φ(ζ)
Fn (z) − Fn (a) = − dζ.
γ (ζ − z)n (ζ − a)n
Usando a identidade
 X
n−1
1 1 1 1 1
− = −
(ζ − z)n (ζ − a)n ζ −z ζ −a k=0
(ζ − z)n−1−k (ζ − a)k
n−1
X 1
= (z − a) ,
k=0
(ζ − z)n−k (ζ − a)k+1

27
segue que
n−1 Z
X φ(ζ)
Fn (z) − Fn (a) = (z − a) dζ,
k=0 γ (ζ − z)n−k (ζ − a)k+1

e portanto
Z β
|z − a|
|Fn (z) − Fn (a)| ≤ n+1 |φ(γ(t))||γ 0 (t)|dt.
r α

Em particular segue que Fn é contı́nua em a. Por outro lado


n−1 Z
Fn (z) − Fn (a) X φ(ζ)
= dζ.
z−a k=0 γ (ζ − z)n−k (ζ − a)k+1

Aplicando o que acabamos de provar, junto com a hipótese de indução, mas


com a função φ(ζ)/(ζ − a)k+1 em lugar da função φ(ζ), vemos que cada uma
das integrais do segundo membro define uma função contı́nua de z. Segue
que
Fn (z) − Fn (a)
Fn0 (a) = lim
z→a z−a
n−1
X Z
φ(ζ)
= lim n−k k+1

z→a γ (ζ − z) (ζ − a)
k=0
n−1 Z
X φ(ζ)
= = nFn+1 (a).
k=0 γ (ζ − a)n+1

Demonstração do Teorema 4.10. O Teorema 4.10 para n = 0 é o


Teorema 4.6. E o Teorema 4.10 para cada n ∈ N segue por indução do Lema
4.11.

Exercı́cios
R
4.A. Calcule γ
cos zdz se γ é uma curva em C entre 0 e π/2.
R
4.B. Calcule γ
eiz dz se γ é uma curva em C entre 0 e i.

28
4.C. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ) tal que |f (z) − 1| < 1 para
todo z ∈ U . Prove que Z 0
f (z)
dz = 0
γ f (z)

para cada curva fechada γ em U .

4.D. Calcule as seguintes integrais:


Z z
e +z
(a) dz, se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π),
γ z−2
Z
sin z
(b) 3
dz, se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π),
γ z
Z
cos z
(c) 4
dz, se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π),
γ (z − π)
Z
eiz
(d) 2
, se γ(t) = 2eit (0 ≤ t ≤ 2π).
γ (z − i)

4.E. Calcule as seguintes integrais, para cada n ∈ Z:


Z z
e
(a) n
dz, se γ(t) = 2eit (0 ≤ t ≤ 2π),
γ z
Z
(b) z n (1 − z)2 dz, se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π).
γ

4.F. Seja f ∈ H(D), e suponhamos que


1
|f (z)| ≤ para todo z ∈ D.
1 − |z|

Prove que
f (n) (0) (n + 1)n+1
≤ para todo n ∈ N.
n! nn
Sugestão: Use as desigualdades de Cauchy no disco D(0; r), com 0 < r <
1, e ache o r mais conveniente.

29
5. Teorema de Liouville e teorema de Morera
5.1. Teorema de Liouville. Se f ∈ H(C) é limitada, então f é cons-
tante.
Demonstração. Pelo Teorema 4.7 f é representável por séries de potências.
De fato, segue da demonstração do Teorema 4.7 que

X
f (z) = cn z n para todo z ∈ C.
n=0

Por hipótese existe c > 0 tal que

|f (z)| ≤ c para todo z ∈ C.

Pelas Desigualdades de Cauchy 4.9, para cada n ∈ N e cada r > 0 temos que
|f (n) (0)| c
|cn | = ≤ n.
n! r
Fazendo r → ∞ vemos que cn = 0 para cada n > 0. Logo f (z) = c0 para
cada z ∈ C.

5.2. Teorema Fundamental da Álgebra. Se P : C → C é um


polinômio não constante, então existe z ∈ C tal que P (z) = 0.
Demonstração. Suponhamos que P (z) 6= 0 para cada z ∈ C. Então a
função f (z) = 1/P (z) é holomorfa em C. Escrevamos

P (z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + ... + an z n ,

com n > 0 e an 6= 0. Então


a a1
0 n
lim |P (z)| = lim |z| n + n−1 + ... + an = ∞,
|z|→∞ |z|→∞ z z
e portanto lim|z|→∞ |f (z)| = 0. Segue que f é limitada em C. Pelo teorema
de Liouville f é constante. Logo P é constante, absurdo.

5.3. Teorema de Morera. Seja U aberto em C, e seja f : U → C uma


função contı́nua tal que Z
f (z)dz = 0
∂4

30
para cada triângulo fechado 4 ⊂ U . Então f ∈ H(U ).
Demonstração. Seja V um subconjunto aberto e convexo de U . Fixe-
mos p ∈ V , e definamos F : V → C por
Z
F (z) = f (ζ)dζ.
[p,z]

Então a demonstração do Teorema 4.5 prova que F 0 (z) = f (z) para cada z ∈
V , e em particular F ∈ H(V ). Segue do Corolário 4.8 que f = F 0 ∈ H(V ).
Como U é união de abertos convexos, concluimos que f ∈ H(U ).
5.4. Corolário. Seja U aberto em C, seja p ∈ U , e seja f : U → C uma
função que é contı́nua em U e holomorfa em U \ {p}. Então f ∈ H(U ).
Demonstração. Pelo Teorema 4.4
Z
f (z)dz = 0
∂4

para cada triângulo fechado 4 ⊂ U . Pelo teorema de Morera f ∈ H(U ).

5.5. Teorema de Weierstrass. Seja U aberto em C, e seja (fn )∞ n=1 uma


seqüência em H(U ) que converge a uma função f : U → C uniformemente
sobre cada compacto de U . Então:
(a) f ∈ H(U ).
(k)
(b) Para cada k ∈ N, a seqüência (fn )∞n=1 converge a f
(k)
uniformemente
sobre cada compacto de U .
Demonstração. (a) Seja 4 um triângulo fechado contido em U . Segue
da Proposição 3.6 e do Teorema 4.4 que
Z Z
f (z)dz = lim fn (z)dz = 0.
∂4 n→∞ ∂4

Pelo Teorema de Morera 5.3 f ∈ H(U ).


(b) Seja D(a; 2r) ⊂ U . Então D(z; r) ⊂ D(a; 2r) para cada z ∈ D(a; r).
Segue das Desigualdades de Cauchy 4.9 que
1 1
sup |fn(k) (z) − f (k) (z)| ≤ k sup |fn (z) − f (z)|
k! |z−a|≤r r |z−a|≤2r

31
(k)
para todo n, k ∈ N. Logo, para cada k, a seqüência (fn )∞ n=1 converge a
(k)
f uniformemente sobre o disco D(a; r). Como cada compacto K ⊂ U está
contido na união de um número finito de discos D(a; r) tais que D(a; 2r) ⊂ U ,
(k)
segue que (fn )∞ n=1 converge a f
(k)
uniformemente sobre K.

Exercı́cios
5.A. Seja f ∈ H(C), e suponhamos que

|f (z)| ≤ |ez | para todo z ∈ C.

Prove que existe c ∈ C tal que

f (z) = cez para todo z ∈ C.

5.B. Seja f ∈ H(C). Suponhamos que existam R > 0 e c > 0 tais que

|f (z)| ≤ c|z|n sempre que |z| ≥ R.

Prove que f é um polinômio de grau menor ou igual a n.

n=1 e (bn )n=1 seqüências em C que convergem a a e b,


5.C. Sejam (an )∞ ∞

respectivamente. Seja U um aberto em C que contém o segmento [a, b], e


seja f : U → C uma função contı́nua. Prove que:
(a) Existe n0 ∈ N tal que [an , bn ] ⊂ U para todo n ≥ n0 .
R R
(b) [a,b] f (z)dz = limn→∞ [an ,bn ] f (z)dz.

5.D. Seja f contı́nua em C e holomorfa em {z ∈ C : Imz 6= 0}. Prove


que f é holomorfa em C.
Sugestão: Use o teorema de Morera e o Exercı́cio 5.C.

32
6. Zeros de funções holomorfas
6.1. Teorema. Seja U aberto e conexo em C, seja f ∈ H(U ), e seja

Z(f ) = {z ∈ U : f (z) = 0}.

Então as seguintes condições são equivalentes:


(a) Z(f ) = U .
(b) Z(f ) tem pelo menos um ponto de acumulação em U .
(c) Existe a ∈ U tal que f (k) (a) = 0 para todo k ∈ N0 .
Demonstração. É óbvio que (a) ⇒ (b).
(b) ⇒ (c): Seja a um ponto de acumulação de Z(f ) em U , e seja D(a; r) ⊂
U . Como f é contı́nua, é claro que f (a) = 0. Suponhamos que exista k ∈ N
tal que f (a) = f 0 (a) = ... = f (k−1) (a) = 0 e f (k) (a) 6= 0. Pelo Teorema 4.7

X
f (z) = cn (z − a)n para todo z ∈ D(a; r).
n=k

Seja h definida por



X
h(z) = cn (z − a)n−k para todo z ∈ D(a; r).
n=k

Segue do Corolário 2.4 que h é holomorfa em D(a; r). É claro que h(a) =
ck = f (k) (a)/k! 6= 0 e

f (z) = (z − a)k h(z) para todo z ∈ D(a; r).

Como h é contı́nua e h(a) 6= 0, existe 0 < s < r tal que h(z) 6= 0 para todo
z ∈ D(a; s). Como a é ponto de acumulação de Z(f ), existe b ∈ D(a; s),
b 6= a, tal que f (b) = 0. Logo

0 = f (b) = (b − a)k h(b),

e portanto h(b) = 0, contradição. Isto prova que f (k) (a) = 0 para todo
k ∈ N0 .
(c) ⇒ (a): Seja

A = {z ∈ U : f (k) (z) = 0 para todo k ∈ N0 }.

33
Notemos que A ⊂ Z(f ) ⊂ U . Provaremos que A é aberto e fechado em
U . Como U é conexo, e (c) garante que A não é vazio, vamos concluir que
A = U , e portanto Z(f ) = U .
Para provar que A é aberto em U , seja a ∈ A, e seja D(a; r) ⊂ U . Pelo
Teorema 4.7

X
f (z) = cn (z − a)n para todo z ∈ D(a; r).
n=0

Como cn = f (n) (a)/n! = 0 para todo n ∈ N0 , segue que f (z) = 0 para todo
z ∈ D(a; r), e portanto D(a; r) ⊂ A.
Para provar que A é fechado em U , seja (an )∞
n=1 uma seqüência em A que
converge a um ponto a ∈ U . Como f é contı́nua, segue que f (k) (an ) →
(k)

f (k) (a) quando n → ∞, e portanto f (k) (a) = 0 para todo k ∈ N0 . Logo


a ∈ A.
6.2. Corolário (princı́pio de identidade). Seja U aberto e conexo
em C, e sejam f, g ∈ H(U ). Se o conjunto

{z ∈ U : f (z) = g(z)}

tem um ponto de acumulação em U , então f (z) = g(z) para todo z ∈ U .


6.3. Corolário. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ).
Se f não é identicamente zero, então para cada a ∈ Z(f ) existe um disco
D(a; r) ⊂ U tal que f (z) 6= 0 sempre que 0 < |z − a| < r. Ou seja os zeros
de f são pontos isolados.
6.4. Corolário. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Se f
não é identicamente zero, então o conjunto Z(f ) é finito ou enumerável.
Demostração. Para cada n ∈ N seja

Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U ) ≥ 1/n}.


S
Não é difı́cil ver que cada Kn é compacto e U = ∞ n=1 Kn .
Como f não é identicamente zero, o Teorema 6.1 garante que o conjunto
Z(f ) não tem nenhum ponto de acumulação emSU . Isto implica que Z(f ) ∩
Kn é finito para cada n. Segue que Z(f ) = ∞ n=1 Z(f ) ∩ Kn é finito ou
enumerável.

34
6.5. Corolário. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Se
f não é identicamente zero, então para cada a ∈ Z(f ) existem k ∈ N e
g ∈ H(U ) tais que g(a) 6= 0 e

f (z) = (z − a)k g(z) para todo z ∈ U.

Diremos que a é um zero de f de ordem k, ou multiplicidade k.


Demonstração. Pelo Teorema 6.1 existe k ∈ N tal que f (a) = f 0 (a) =
... = f k−1 (a) = 0 e f (k) (a) 6= 0. Seja g : U → C definida por

f (z) f (k) (a)


g(z) = se z 6= a, g(z) = se z = a.
(z − a)k k!
Claramente g é holomorfa em U \ {a}. Por outro lado, é claro que g coincide
em D(a; r) com a função h introduzida na demonstração da implicação (b) ⇒
(c) no Teorema 6.1. Em particular g está bem definida e é holomorfa em U .
E é claro que g(a) 6= 0 e f (z) = (z − a)k g(z) para todo z ∈ U .
6.6. Corolário. Seja U aberto em C, seja f ∈ H(U ), e seja a ∈ U .
Então a é um zero de f de ordem k se e só se f (j) (a) = 0 para 0 ≤ j ≤ k − 1
e f (k) (a) 6= 0.
Diremos que a ∈ U é um zero simples de f ∈ H(U ) se a é um zero de f
de ordem um, ou seja f (a) = 0 e f 0 (a) 6= 0.
6.7. Teorema. Seja U aberto e convexo em C, seja f ∈ H(U ), e
suponhamos que f não seja identicamente zero. Seja

Z(f ) = {aj : j ∈ N}

a seqüência de zeros distintos de f , sendo aj um zero de ordem kj de f , para


cada j. Seja γ uma curva fechada em U \ Z(f ). Então
Z 0 X
1 f (z)
dz = kj Ind(γ, aj ).
2πi γ f (z) j

A soma acima é finita, ou seja Ind(γ, aj ) 6= 0 para apenas um número finito


de ı́ndices.
Demonstração. Para cada n ∈ N seja

Un = {z ∈ U : |z| < n, d(z, C \ U ) > 1/n}.

35
S∞
Não é difı́cil ver que cada Un é aberto e U = n=1 Un .
Como Imγ é um subconjunto compacto de U , segue que Imγ ⊂ Un para
algum n. Segue da demonstração do Corolário 6.4 que Z(f ) ∩ Un é um
conjunto finito. Sem perda de generalidade podemos supor que

Z(f ) ∩ Un = {a1 , ..., am }.

Pelo Corolário 6.3 podemos escrever

f (z) = (z − a1 )k1 g1 (z) para todo z ∈ Un ,

onde g1 ∈ H(Un ) e g1 (a1 ) 6= 0. Logo

f 0 (z) = k1 (z − a)k1 −1 g1 (z) + (z − a)k1 g10 (z) para todo z ∈ Un ,

e portanto
f 0 (z) k1 g 0 (z)
= + 1 para todo z ∈ Un \ {a1 , ..., am }.
f (z) z − a1 g1 (z)
Aplicando repetidas vezes o mesmo raciocı́nio obtemos que
f 0 (z) k1 km g 0 (z)
= + ... + + para todo z ∈ Un \ {a1 , ..., am },
f (z) z − a1 z − am g(z)
onde g ∈ H(Un ) e g(z) 6= 0 para todo z ∈ Un . Logo
Z 0 X m Z Z 0
1 f (z) 1 kj 1 g (z)
dz = dz + dz.
2πi γ f (z) j=1
2πi γ z − aj 2πi γ g(z)

Como U é convexo, segue que Un é convexo também. Como g 0 /g ∈ H(Un ),


o teorema de Cauchy em abertos convexos garante que
Z 0
g (z)
dz = 0,
γ g(z)

e portanto
Z X m
1 f 0 (z)
dz = kj Ind(γ, aj ).
2πi γ f (z) j=1

Se j > m, então aj ∈ C \ Un ⊂ C \ Imγ. Como Un é convexo e limitado,


segue que C\Un é conexo e não limitado. Logo aj está contido na componente

36
não limitada de C \ Imγ. Segue do Teorema 3.9 que Ind(γ, aj ) = 0 para
todo j > m.
6.8. Observação. O caso de maior utilidade em aplicações do Teorema
6.7 é quando γ é um cı́rculo orientado com centro a e raio r. Neste caso
Z 0
1 f (z)
dz
2πi γ f (z)

é o número de zeros de f , contando as respectivas multiplicidades, que estão


no disco |z − a| < r.
O Teorema 6.7 tem o corolário seguinte.
6.9. Corolário. Seja U aberto e convexo em C, e seja f ∈ H(U ). Seja
b ∈ C, e suponhamos que f não seja identicamente igual a b. Seja

Z(f − b) = {aj : j ∈ N}

a seqüência de zeros distintos de f −b, sendo aj um zero de ordem kj de f −b,


para cada j. Seja γ uma curva fechada em U \ Z(f − b), e seja Γ = f ◦ γ.
Então X
Ind(Γ, b) = kj Ind(γ, aj ).
j

Demonstração. Segue dos Teoremas 3.9 e 6.7 que


Z Z β
1 1 1 Γ0 (t)
Ind(Γ, b) = dw = dt
2πi Γ w − b 2πi α Γ(t) − b
Z β 0 Z X
1 f (γ(t))γ 0 (t) 1 f 0 (z)
= dt = dz = kj Ind(γ, aj ).
2πi α f (γ(t)) − b 2πi γ f (z) − b j

6.10. Teorema de Hurwitz. Seja U aberto e conexo em C. Seja


(fn )∞
n=1 uma seqüência em H(U ) que converge a uma função f uniforme-
mente sobre cada compacto de U . Suponhamos que fn (z) 6= 0 para todo
n ∈ N e z ∈ U . Então, ou f (z) 6= 0 para todo z ∈ U , ou f (z) = 0 para todo
z ∈ U.
Demonstração. Pelo Teorema de Weierstrass 5.5 f ∈ H(U ) e a seqüência
(fn0 )converge à função f 0 uniformemente sobre cada compacto de U .

37
Suponhamos que f não seja identicamente zero, mas f (a) = 0 para algum
a ∈ U . Pelo Corolário 6.3 existe um disco D(a; R) ⊂ U tal que

f (z) 6= 0 se 0 < |z − a| < R.

Seja 0 < r < R, e seja

γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π).

Então
min{|f (z)| : z ∈ Imγ} = 2 > 0.
Seja n0 ∈ N tal que

|fn (z) − f (z)| ≤  para todo z ∈ Imγ, n ≥ n0 .

Se z ∈ Imγ e n ≥ n0 , segue que

|fn (z)| ≥ |f (z)| − |f (z) − fn (z)| ≥ 

e
1 1 |f (z) − fn (z)| |f (z) − fn (z)|

fn (z) f (z) = |fn (z)f (z)| ≤

22
.

Segue que a seqüência (1/fn )∞n=1 converge à função 1/f uniformemente sobre
Imγ. Como a seqüência (fn )n=1 converge a f 0 uniformemente sobre Imγ,
0 ∞

segue que a seqüência (fn0 /fn )∞ 0


n=1 converge à função f /f uniformemente
sobre Imγ. Pela Proposição 3.6
Z 0 Z 0
1 f (z) 1 fn (z)
dz = lim dz.
2πi γ f (z) n→∞ 2πi γ fn (z)
Aplicando o Teorema 6.7 e a Observação 6.8 ao aberto convexo D(a; R) vemos
que as integrais da direita são todas iguais a zero, e portanto a integral da
esquerda é zero também. Aplicando de novo o Teorema 6.7 e a Observação 6.8
concluimos que f (z) 6= 0 sempre que |z − a| < r, contradizendo a suposição
f (a) = 0.

Exercı́cios
6.A. Seja U aberto e conexo em C, e sejam f, g ∈ H(U ). Se existir um
aberto não vazio V ⊂ U tal que f (z) = g(z) para todo z ∈ V , prove que
f (z) = g(z) para todo z ∈ U .

38
6.B. Um anel A é dito integral se dados x, y ∈ A tais que xy = 0, tem-se
que x = 0 ou y = 0. Se U é aberto em C, prove que o anel H(U ) é integral
se e só se o aberto U é conexo.

6.C. Seja A um subconjunto não vazio de C, e seja

d(z, A) = inf{|z − a| : a ∈ A} para cada z ∈ C.

(a) Prove d(z, A) = 0 se e só se z ∈ A.


(b) Prove que

|d(z, A) − d(w, A)| ≤ |z − w| para todo z, w ∈ C.

Em particular d(z, A) é uma função contı́nua de z.

6.D. Seja U aberto em C, e sejam (Kn )∞ ∞


n=1 e (Un )n=1 definidos por

Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U ) ≥ 1/n},

Un = {z ∈ U : |z| < n, d(z, C \ U ) > 1/n}.


(a) Prove que (Kn )∞
n=1 é uma seqüência crescente de subconjuntos com-
pactos de U .
(b) Prove que (Un )∞
n=1 é uma seqüência crescente de subconjuntos abertos
de U .
S S∞
(c) Prove que U = ∞ n=1 Kn = n=1 Un .

6.E. Seja U aberto em C, seja z ∈ U , e seja r > 0.


(a) Prove que d(z, C \ U ) ≥ r se e só se D(z; r) ⊂ U .
(b) Prove que d(z, C \ U ) >  se e só se D(z; r) ⊂ U .
(c) Se U é convexo, prove que os conjuntos Kn e os conjuntos Un do
exercı́cio anterior são convexos também.

6.F. (a) Determine os zeros da função f (z) = z 3 − 1.


(b) Calcule a integral
Z
3z 2
3
dz, se γ(t) = 3eit (0 ≤ t ≤ 2π).
γ z −1

39
6.G. Seja f ∈ H(C), e suponhamos que exista um polinômio P : C → C
tal que
|f (z)| ≤ |P (z)| para todo z ∈ C.
Prove que existe c ∈ C tal que

f (z) = cP (z) para todo z ∈ C.

Sugestão: Prove que cada zero de P é um zero de f , com pelo menos a


mesma multiplicidade.

6.H. Seja U aberto e conexo em C. Seja (fn )∞ n=1 uma seqüência em


H(U ) que converge a uma função f uniformemente sobre cada compacto de
U . Suponhamos que exista k ∈ N tal que cada fn tem no máximo k zeros em
U , contando as respectivas multiplicidades. Prove que, ou f é identicamente
zero em U , ou f tem no máximo k zeros em U , contando as respectivas
multiplicidades.

40
7. Teorema da aplicação aberta
7.1. Teorema. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ). Seja a ∈ U , seja
b = f (a), e suponhamos que a seja um zero de orden k ∈ N da função f − b.
Então existem abertos Ua e Vb em C tais que:
(a) a ∈ Ua ⊂ U e b ∈ Vb = f (Ua ).
(b) Para cada w ∈ Vb \ {b}, a função f − w tem exatamente k zeros
simples distintos em Ua .
Demonstração. Segue da hipótese que, nem f − b nem f 0 são identica-
mente nulas. Pelo Corolário 6.3 existe D(a; R) ⊂ U tal que

(1) f (z) − b 6= 0 se 0 < |z − a| < R,

e
(2) f 0 (z) 6= 0 se 0 < |z − a| < R.
Consideremos a restrição de f ao disco D(a; R), que é convexo. Seja 0 < r <
R, seja
γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π),
e seja Γ = f ◦ γ. Segue de (1) que b ∈
/ ImΓ. Seja Vb a componente conexa
de C \ ImΓ que contém b, e seja

Ua = D(a; r) ∩ f −1 (Vb ).

É claro que f (Ua ) ⊂ Vb . Segue de (1) que Z(f − b) = {a}, e a é um zero de


ordem k de f − b. Pelo Corolário 6.9

Ind(Γ, b) = kInd(γ, a) = k.

Fixemos w ∈ Vb \{b}, e sejam z1 , ..., zn os zeros distintos de f −w em D(a; r).


Sejam k1 , ..., kn as ordens dos zeros z1 , ..., zn , respectivamente. Pelo Corolário
6.9 n n
X X
Ind(Γ, w) = kj Ind(γ, zj ) = kj .
j=1 j=1
Pn
Pelo Teorema 3.9 Ind(Γ, w) = Ind(Γ, b). Logo j=1 kj = k. É claro que
z1 , ..., zn ∈ Ua e portanto f (Ua ) = Vb . Segue de (2) que f 0 (zj ) 6= 0 para cada
j, ou seja cada zj é um zero simples de f − w. Segue que e n = k.

41
7.2. Corolário. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ). Se f é injetiva,
então f 0 (z) 6= 0 para todo z ∈ U .
Demonstração. Suponhamos que f 0 (a) = 0 para algum a ∈ U . Seja
b = f (a). Então a é um zero de ordem k > 1 da função f − b. Pelo Teorema
7.1 existem abertos Ua e Vb em C, com a ∈ Ua ⊂ U e b ∈ Vb = f (Ua ), tais
que, para cada w ∈ Vb \ {b}, a função f − w tem exatamente k zeros distintos
em Ua . Logo f não seria injetiva em Ua , contradição.
O recı́proco deste corolário não é verdadeiro. Nos exercı́cios veremos que
existe f ∈ H(C) tal que f 0 (z) 6= 0 para cada z ∈ C, mas f não é injetiva.
7.3. Teorema da aplicação aberta. Seja U aberto e conexo em C,
seja f ∈ H(U ), e suponhamos que f não seja constante. Então f é aberta,
ou seja f (U 0 ) é aberto em C para cada aberto U 0 ⊂ U .
Demonstração. Seja a ∈ U 0 e seja b = f (a). Pelo Teorema 7.1 existem
abertos Ua e Vb em C tais que a ∈ Ua ⊂ U 0 e b ∈ Vb = f (Ua ) ⊂ f (U 0 ). Logo
f (U 0 ) é aberto em C.

7.4. Corolário. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ) uma


função injetiva. Seja V = f (U ), e seja g : V → U a função inversa. Então
V é aberto em C, e g ∈ H(V ). Além disso,
1
g 0 (w) = 0 para cada w ∈ V.
f (g(w))

Demonstração. Pelo teorema da aplicação aberta f é aberta. Em


particular segue que V é aberto em C, e g é contı́nua. Para provar que g é
holomorfa, sejam w0 , w ∈ V , e sejam z0 = g(w0 ), z = g(w) ∈ U . O Corolário
7.2 garante que f 0 (z) 6= 0 para cada z ∈ U . Segue que
g(w) − g(w0 ) z − z0 1
g 0 (w0 ) = lim = lim = 0 .
w→w0 w − w0 z→z0 f (z) − f (z0 ) f (z0 )

O próximo teorema nos diz que, se f ∈ H(U ) e f 0 (a) 6= 0 para algum


a ∈ U , então f é injetiva em alguma vizinhança de a.
7.5. Teorema da aplicação inversa. Seja U aberto em C, e seja
f ∈ H(U ). Seja a ∈ U , seja b = f (a), e suponhamos que f 0 (a) 6= 0. Então
existem abertos Ua e Vb em C tais que:

42
(a) a ∈ Ua e b ∈ Vb = f (Ua ).
(b) A restrição f : Ua → Vb é bijetiva.
(c) A aplicação inversa g : Vb → Ua é holomorfa.
Demonstração. Sem perda de generalidade podemos supor que U é
conexo. Caso contrário basta substituir U pela componente conexa de U que
contém a. Como f 0 (a) 6= 0, a é um zero simples da função f −b. Pelo Teorema
7.1 existem abertos Ua e Vb em C, com a ∈ Ua ⊂ U , e b ∈ Vb = f (Ua ), tais
que a restrição f : Ua → Vb é bijetiva. Seja g : Vb → Ua a função inversa.
Pelo corolário anterior g é holomorfa.

7.6. Teorema. Sejam γ1 : [α, β] → C e γ2 : [α, β] → C duas curvas


fechadas tais que

|γ1 (t) + γ2 (t)| < |γ1 (t)| + |γ2 (t)| (α ≤ t ≤ β).

Então Ind(γ1 , 0) = Ind(γ2 , 0).


Demonstração. Segue da hipótese que 0 6∈ Imγ1 e 0 6∈ Imγ2 . Definamos
γ1 (t)
γ(t) = (α ≤ t ≤ β).
γ2 (t)

É fácil verificar que


γ 0 (t) γ 0 (t) γ 0 (t)
= 1 − 2 (α ≤ t ≤ β).
γ(t) γ1 (t) γ2 (t)
Segue da hipótese que

|γ(t) + 1| < |γ(t)| + 1 (α ≤ t ≤ β),

e portanto Imγ ∩ [0, ∞) = ∅. Logo

0 ∈ [0, ∞) ⊂ C \ Imγ,

e portanto a origem está na componente conexa não limitada de C \ Imγ.


Logo Ind(γ, 0) = 0. Segue que
Z β 0
1 γ (t)
0 = Ind(γ, 0) = dt
2πi α γ(t)

43
Z β Z β
1 γ10 (t) 1 γ20 (t)
= dt − dt = Ind(γ1 , 0) − Ind(γ2 , 0).
2πi α γ1 (t) 2πi α γ2 (t)

7.7. Teorema de Rouché. Seja U aberto em C, e sejam f, g ∈ H(U ).


Seja D(a; r) ⊂ U , e suponhamos que

|f (z) + g(z)| < |f (z)| + |g(z)| se |z − a| = r.

Então f e g tem o mesmo número de zeros em D(a; r), contando as respec-


tivas multiplicidades.
Demonstração. É claro que nem f nem g tem zeros no cı́rculo |z − a| =
r. Como D(a; r) ⊂ U , existe R > r tal que D(a; R) ⊂ U . Seja

γ(t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π),

e sejam Γ1 = f ◦ γ, Γ2 = g ◦ γ. Sejam N1 e N2 os números de zeros de f e g


em D(a; r), respectivamente. Segue da hipótese que

|Γ1 (t) + Γ2 (t)| < |Γ1 (t)| + |Γ2 (t)| se 0 ≤ t ≤ 2π.

Aplicando o Corolário 6.9 (no aberto D(a; R)) e o Teorema 7.6 segue que

N1 = Ind(Γ1 , 0) = Ind(Γ2 , 0) = N2 .

Esta versão do Teorema de Rouché se deve a Irving Glicksberg (American


Mathematical Monthly 83 (1976), 186-187). Como corolário obtemos a versão
clássica.
7.8. Corolário. Seja U aberto em C, e sejam f, g ∈ H(U ). Seja
D(a; r) ⊂ U , e suponhamos que

|f (z) + g(z)| < |f (z)| se |z − a| = r.

Então f e g tem o mesmo número de zeros em D(a; r), contando as respec-


tivas multiplicidades.
7.9. Corolário. Cada polinômio P : C → C de grau n tem exatamente
n zeros em C, contando as respectivas multiplicidades.
Demonstração. Seja

P (z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + ... + an z n ,

44
com n ≥ 1 e an 6= 0, e seja

Q(z) = −an z n .

É fácil ver que


|P (z) + Q(z)|
lim = 0,
|z|→∞ |Q(z)|
e portanto existe R > 0 tal que

|P (z) + Q(z)| < |Q(z)| se |z| = R.

Pelo teorema de Rouché os polinômios P e Q tem o mesmo número de zeros


no disco D(0; R). Como Q tem um único zero, de ordem n, em 0, a conclusão
desejada segue.

Exercı́cios
7.A. Seja f (z) = z 2 + 1 para cada z ∈ C. Existe r > 0 tal que a restrição
f |D(0; r) seja injetiva?
7.B. Seja f (z) = z 2 + z para cada z ∈ C. Determine o maior r > 0 tal
que a restrição f |D(0; r) seja injetiva.
7.C. Dê um exemplo de uma função f ∈ H(C) tal que f 0 (z) 6= 0 para
todo z ∈ C, mas f não seja injetiva.
7.D. Seja f (z) = ez para cada z ∈ C. Determine o maior r > 0 tal que a
restrição f |D(0; r) seja injetiva.
7.E. Seja U e V os abertos de C definidos por

U = {z = x + iy : x ∈ R, −π < y < π},

V = {w = reiθ : r > 0, −π < θ < π}.


Sejam f : U → C e g : V → C definidas por

f (z) = ez = ex eiy para todo z = x + iy ∈ U,

g(w) = log r + iθ para todo w = reiθ ∈ V.


(a) Prove que f (U ) ⊂ V e g(f (z)) = z para todo z ∈ U .

45
(b) Prove que g(V ) ⊂ U e f (g(w)) = w para todo w ∈ V .
(c) Prove que f : U → V e g : V → U são injetivas.
(d) Prove que g ∈ H(V ) e g(w) = log w para todo w ∈ D(1; 1).

7.F. (a) Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ). Suponhamos que D ⊂ U


e
(3) |f (z)| < 1 se |z| = 1.
Prove que existe um único z ∈ D tal que f (z) = z.
(b) Vale a mesma conclusão se a hipótese (3) é substituida pela hipótese

(4) |f (z)| ≤ 1 se |z| = 1?

7.G. Seja U aberto em C, seja f ∈ H(U ), e seja n ∈ N. Suponhamos que


D⊂U e
|f (z)| < 1 se |z| = 1.
(a) Determine o número de zeros da função g(z) = f (z) − z n em D,
contando as respectivas multiplicidades.
(b) Calcule a integral
Z 0
f (z) − nz n−1
dz se γ(t) = eit (0 ≤ t ≤ 2π).
γ f (z) − z n

7.H. Seja P : C → C um polinômio de grau n ≥ 1.


(a) Prove que, para cada b ∈ C, o polinômio P (z) − b tem exatamente n
zeros, contando as respectivas multiplicidades.
(b) Se n ≥ 2, prove que há m números distintos b1 , ..., bm ∈ C, com
1 ≤ m ≤ n − 1, tais que o polinômio P (z) − b tem n zeros simples distintos
se e só se b ∈ C \ {b1 , ..., bm }.
Sugestão: Sejam a1 , ..., ap os elementos distintos de Z(P 0 ), e sejam b1 , ..., bm
os elementos distintos do conjunto {P (a1 ), ..., P (ap )}.

46
8. Teorema do módulo máximo
8.1. Teorema do módulo máximo. Seja U aberto e conexo em C, e
seja f ∈ H(U ). Se existir D(a; r) ⊂ U tal que

(1) |f (z)| ≤ |f (a)| para todo z ∈ D(a; r),

então f é constante.
Demonstração. Provaremos que f é constante em D(a; r). Como U é
conexo, o princı́pio de identidade (Corolário 6.2) vai garantir que f é con-
stante em U .
Suponhamos que f não seja constante em D(a; r). Pelo teorema da
aplicação aberta (Teorema 7.3) f (D(a; r)) é aberto em C. Logo existe δ > 0
tal que D(f (a); δ) ⊂ f (D(a; r)). Seja w ∈ D(f (a); δ) tal que |w| > |f (a)|.
Seja z ∈ D(a; r)) tal que f (z) = w. Então |f (z)| > |f (a)|, contradizendo (1).
Logo f é constante em D(a; r), como queriamos.
8.2. Corolário. Seja U aberto e limitado em C, e seja f : U → C
contı́nua em U e holomorfa em U . Então

max{|f (z)| : z ∈ U } = max{|f (z)| : z ∈ ∂U }.

Demonstração. Como U é compacto, existe a ∈ U tal que

|f (z)| ≤ |f (a)| para todo z ∈ U .

Se a ∈ ∂U , não precisamos provar mais nada. Se a ∈ U , então, pelo teorema


do módulo máximo, f é constante em Ua , a componente conexa de U que
contém a. Seja b ∈ ∂Ua . Então é fácil ver que b ∈ ∂U e

|f (z)| ≤ |f (a)| = |f (b)| para todo z ∈ U .

8.3. Lema de Schwarz. Seja f ∈ H(D), e suponhamos que f (0) = 0 e


|f (z)| ≤ 1 para todo z ∈ D. Então:
(a) |f 0 (0)| ≤ 1 e |f (z)| ≤ |z| para todo z ∈ D.
(b) Se |f 0 (0)| = 1, ou se |f (z)| = |z| para algum z ∈ D, com z 6= 0, então
existe c ∈ C, com |c| = 1, tal que f (z) = cz para todo z ∈ D.

47
Demonstração. (a) Como f (0) = 0, podemos escrever

X
f (z) = cn z n para todo z ∈ D.
n=1

Seja g definida por



X
g(z) = cn z n−1 para todo z ∈ D.
n=1

Então g ∈ H(D), g(0) = c1 = f 0 (0) e

f (z)
g(z) = para todo z ∈ D, z 6= 0.
z
Se 0 < r < 1, então segue da hipótese que
|f (z)| 1
|g(z)| = ≤ se |z| = r,
|z| r
e portanto
1
|g(z)| ≤ se |z| ≤ r,
r
pelo Corolário 8.2. Logo

|g(z)| ≤ 1 se |z| < 1.

Segue que
|f (z)| ≤ |z| para todo z ∈ D,
e |f 0 (0)| = |g(0)| ≤ 1.
(b) Se |f 0 (0)| = 1, ou se |f (z)| = |z| para algum z ∈ D, z 6= 0, vemos
que a função |g| atinge seu valor máximo em 0, e é portanto constante. Logo
existe c ∈ C, com |c| = 1, tal que g(z) = c para todo z ∈ D, ou seja f (z) = cz
para todo z ∈ D.
8.4. Proposição. Seja a ∈ D, seja U = {z ∈ C : z 6= 1/a}, e seja
φa : U → C definida por
z−a
φa (z) = .
1 − az
Então:

48
(a) D ⊂ U , φa ∈ H(U ), φa (0) = −a e φa (a) = 0.
(b) φ0a (0) = 1 − |a|2 , φ0a (a) = 1/(1 − |a|2 ).
(c) φa : D → D é bijetiva, e sua inversa é a função φ−a .
(d) φa (D) = D e φa (∂D) = ∂D.
Demonstração. Já vimos (a) e (b) no Exercı́cio 1.F.
(c) Como it
e − a eit − a
|φa (e )| =
it = = 1,
1 − aeit e−it − a
vemos que φa (∂D) ⊂ ∂D, e segue do Corolário 8.2 que φa (D) ⊂ D.
É fácil verificar que φ−a (φa (z)) = z para todo z ∈ D. Segue que φa : D →
D é bijetiva, e sua inversa é a função φ−a .
(d) Agora segue facilmente que φa (∂D) = ∂D e φa (D) = D.

8.5. Teorema. Seja f : D → D holomorfa e bijetiva, com f (a) = 0.


Então existe c ∈ C, com |c| = 1, tal que f = cφa .
Demonstração. Seja g : D → D a inversa de f . Pelo Corolário 7.4 g é
holomorfa.
Seja F = f ◦ φ−a . Então F é holomorfa, F (D) ⊂ D e F (0) = 0. Pelo
lema de Schwarz, |F 0 (0)| ≤ 1. Como

F 0 (0) = f 0 (a)φ0−a (0) = f 0 (a)(1 − |a|2 ),

segue que
1
(2) |f 0 (a)| ≤ .
1 − |a|2
Seja G = φa ◦ g. Então G é holomorfa, G(D) ⊂ D e G(0) = 0. Pelo lema
de Schwarz, |G0 (0)| ≤ 1. Como

g 0 (0)
G0 (0) = φ0a (a)g 0 (0) = ,
1 − |a|2
segue que
(3) |g 0 (0)| ≤ 1 − |a|2 .

49
Por outro lado, como g ◦ f (z) = z para cada z ∈ D, segue que
(4) g 0 (0)f 0 (a) = 1.
De (2), (3) e (4) segue que
1
1 = |g 0 (0)||f 0 (a)| ≤ (1 − |a|2 ) = 1.
1 − |a|2
Logo
1
|g 0 (0)| = 1 − |a|2 , |f 0 (a)| = .
1 − |a|2
Segue que
|F 0 (0)| = |f 0 (a)|(1 − |a|2 ) = 1,
e o lema de Schwarz garante que F (z) = cz para algum c ∈ C, com |c| = 1.
Segue que
cz = F (z) = f (φ−a (z)) para todo z ∈ D,
e portanto
cφa (w) = f (w) para todo w ∈ D.

Exercı́cios
8.A. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Suponhamos que
exista um disco D(a; r) ⊂ U tal que
|f (a)| ≤ |f (z)| para todo z ∈ D(a; r).
Prove que f (a) = 0 ou f é constante.

8.B. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ).


(a) Se Ref tem um máximo local ou um mı́nimo local em algum ponto
de U , prove que f é constante.
(b) Se Imf tem um máximo local ou um mı́nimo local em algum ponto
de U , prove que f é constante.

8.C. Seja U aberto, conexo e limitado em C, e seja f : U → C uma função


que é contı́nua em U e holomorfa em U . Suponhamos que exista c ≥ 0 tal
que |f (z)| = c para todo z ∈ ∂U . Prove que Z(f ) 6= ∅ ou f é constante.

50
8.D. Seja U aberto e limitado em C, e seja (fn )∞ n=1 uma seqüência de
funções que são contı́nuas em U e holomorfas em U . Se (fn )∞
n=1 converge
uniformemente em ∂U , prove que (fn ) converge uniformemente em U .

8.E. Seja f ∈ H(D) tal que |f (z)| < 1 para todo z ∈ D. Prove que:

f (z) − f (0)

(a) ≤ |z| para todo z ∈ D,
1 − f (0)f (z)

|z| + |f (0)|
(b) |f (z)| ≤ para todo z ∈ D.
1 − |f (0)||z|

51
9. Singularidades isoladas
9.1. Definição. Diremos que a é uma singularidade isolada de f se
f ∈ H(U \ {a}), sendo U aberto e conexo em C, e a ∈ U . Vamos distinguir
três tipos de singularidades isoladas.
(a) Diremos que a é uma singularidade removı́vel de f se existir F ∈ H(U )
tal que F (z) = f (z) para todo z ∈ U \ {a}.
(b) Diremos que a é um polo de f se a não é uma singularidade removı́vel
de f , mas a é uma singularidade removı́vel de (z−a)k f (z), para algum k ∈ N.
O menor k com essa propriedade é chamado de ordem do polo. Diremos que
a é um polo simples de f se a é um polo de f de ordem um.
(c) Diremos que a é uma singularidade essencial de f se a não é uma
singularidade removı́vel de (z − a)k f (z), para cada k ∈ N0 .
9.2. Proposição. Seja a uma singularidade isolada de f . Então as
seguintes condições são equivalentes:
(a) a é uma singularidade removı́vel de f .
(b) Existem r > 0 e c > 0 tais que

|f (z)| ≤ c se 0 < |z − a| < r.

(c) Tem-se que


lim (z − a)f (z) = 0.
z→a

Demonstração. (a) ⇒ (b): Por hipótese a é uma singularidade re-


movı́vel de f , ou seja existe F ∈ H(U ) tal que F (z) = f (z) para todo
z ∈ U \ {a}. Como F é contı́nua em a, existem r > 0 e c > 0 tais que
|F (z)| ≤ c se |z − a| < r. Segue que |f (z)| ≤ c se 0 < |z − a| < r.
(b) ⇒ (c): Por hipótese existem r > 0 e c > 0 tais que |f (z| ≤ c se
0 < |z − a| < r. Segue que

lim |(z − a)f (z)| ≤ lim |z − a|c = 0.


z→a z→a

(c) ⇒ (a): Seja g : U → C definida por

g(z) = (z − a)f (z) se z 6= a, g(z) = 0 se z = a.

52
Segue de (c) que g é contı́nua em a. Logo g é contı́nua em U e holomorfa em
U \ {a}. Pelo Corolário 5.4 g ∈ H(U ).
Se g é identicamente zero em U , então f é identicamente zero em U \ {a}.
Se definimos F (z) = 0 para cada z ∈ U , então F ∈ H(U ) e F (z) = f (z) para
todo z ∈ U \ {a}. Logo a é uma singularidade removı́vel de f .
Se g não é identicamente zero, então pelo Corolário 6.5 existe F ∈ H(U )
tal que
g(z) = (z − a)F (z) se z ∈ U \ {a}.
É claro que F (z) = f (z) para todo z ∈ U \ {a}, e portanto a é uma singu-
laridade removı́vel de f .

9.3. Teorema. Seja a uma singularidade isolada de f . Então as


seguintes condições são equivalentes:
(a) a é um polo de f .
(b) Existem g ∈ H(U ) e k ∈ N tais que g(a) 6= 0 e

g(z)
(1) f (z) = se z ∈ U \ {a}.
(z − a)k

k é a ordem do polo a.
(c) Existem h ∈ H(U ) e b1 , ..., bk ∈ C tais que bk 6= 0 e
k
X bj
(2) f (z) = h(z) + se z ∈ U \ {a}.
j=1
(z − a)j
Pk
k é a ordem do polo a. Diremos que j=1 bj (z − a)−j é a parte singular de
f em a.
(d) limz→a |f (z)| = ∞.
Demonstração. (a) ⇒ (b): Como a é um polo de f , existem φ ∈ H(U )
e n ∈ N e tais que

(z − a)n f (z) = φ(z) se z ∈ U \ {a}.

Se φ(a) 6= 0, então g = φ verifica (b). Suponhamos que φ(a) = 0. É claro que


φ não é identicamente zero em U , pois caso contrário f seria identicamente

53
em U \ {a}, e a seria uma singularidade removı́vel de f . Logo, pelo Corolário
6.5, existem g ∈ H(U ) e j ∈ N tais que g(a) 6= 0 e

φ(z) = (z − a)j g(z) se z ∈ U,

e portanto
(z − a)n f (z) = (z − a)j g(z) se z ∈ U \ {a}.
Como a não é uma singularidade removı́vel de f , segue que n > j, e portanto

(z − a)n−j f (z) = g(z) se z ∈ U \ {a}.

Logo g verifica (1), com k = n − j. Para provar que k é a ordem do polo a,


suponhamos que existam g1 ∈ H(U ) e k1 ∈ N, com k1 < k, tais que

(z − a)k1 f (z) = g1 (z) para todo z ∈ U \ {a}.

Então
g(z) g(a)
0 = lim (z − a)k−k1 = lim = 6= 0,
z→a z→a g1 (z) g1 (a)
absurdo. Logo k ≤ k1 , e portanto k é a ordem do polo a.
(b) ⇒ (a): Esta implicação é óbvia.
(b) ⇒ (c): Se D(a; r) ⊂ U , podemos escrever

X
(3) g(z) = ai (z − a)i se z ∈ D(a; r).
i=0

Segue de (1) e (3) que


k−1
X ∞
X
(4) f (z) = ai (z − a)i−k + ai (z − a)i−k se 0 < |z − a| < r.
i=0 i=k

Seja h : U → C definida por


k−1
X
h(z) = f (z) − ai (z − a)i−k se z ∈ U \ {a},
i=0


X
h(z) = ai (z − a)i−k se z ∈ D(a; r).
i=k

54
Segue de (4) que h está bem definida. É claro que h ∈ H(U ) e que
k
X
f (z) = h(z) + bj (z − a)−j se z ∈ U \ {a},
j=1

onde bj = ak−j se 1 ≤ j ≤ k. Notemos que bk = a0 = g(a) 6= 0.


(c) ⇒ (b): Se f verifica (2), definamos
k
X
k
g(z) = (z − a) h(z) + bj (z − a)k−j se z ∈ U.
j=1

Segue que f verifica (1). Além disso, g(a) = bk 6= 0.


Temos provado que (b) e (c) são equivalentes, com o mesmo k. Segue que
o k dado por (3) é a ordem do polo a.
(b) ⇒ (d): Esta implicação é óbvia.
(d) ⇒ (b): Por hipótese limz→a |f (z)| = ∞. Logo existe D(a; r) ⊂ U tal
que
|f (z)| > 1 se 0 < |z − a| < r,
e portanto
1
se 0 < |z − a| < r.
f (z) < 1
Logo a função 1/f é holomorfa em D(a; r) \ {a}, e a é uma singularidade
removı́vel de 1/f , pela proposição anterior. Logo existe φ ∈ H(D(a; r)) tal
que
1
(5) φ(z) = se 0 < |z − a| < r.
f (z)
Como limz→a |f (z)| = ∞, segue que φ(a) = 0. E segue de (5) que φ(z) 6= 0
se 0 < |z − a| < r. Sejam ψ ∈ H(D(a; r)) e k ∈ N tais que ψ(a) =
6 0e

(6) φ(z) = (z − a)k ψ(z) se |z − a| < r.

É claro que ψ(z) 6= 0 se |z − a| < r. Seja g : U → C definida por

g(z) = (z − a)k f (z) se z ∈ U \ {a},

55
1
g(z) = se |z − a| < s.
ψ(z)
Segue de (5) e (6) que g está bem definida. É claro que g ∈ H(U ) e

g(z)
f (z) = se z ∈ U \ {a}.
(z − a)k

Além disso g(a) = 1/ψ(a) 6= 0.

9.4. Teorema de Casorati-Weierstrass. Seja a uma singularidade


isolada de f . Então a é uma singularidade essencial de f se e só se, para
cada disco D(a; r) ⊂ U , o conjunto f (D(a; r) \ {a}) é denso em C.
Demonstração. (⇒) Suponhamos que exista um disco D(a; r) ⊂ U tal
que o conjunto f (D(a; r) \ {a}) não seja denso em C. Então existem w ∈ C
e  > 0 tais que

|f (z) − w| >  para todo z ∈ D(a; r) \ {a}.

Segue que
|f (z) − w|
lim = ∞,
z→a |z − a|
e portanto a é um polo da função (f (z) − w)/(z − a), pelo Teorema 9.3.
Então existe k ∈ N tal que a é uma singularidade removı́vel da função

f (z) − w
(z − a)k = (z − a)k−1 (f (z) − w).
z−a
Suponhamos k = 1. Neste caso a é uma singularidade removı́vel de
f (z) − w, e é portanto uma singularidade removı́vel de f .
Suponhamos k > 1. Segue da Proposição 9.2 que

lim (z − a)k (f (z) − w) = 0.


z→a

Como
(z − a)k f (z) = (z − a)k (f (z) − w) + (z − a)k w,
segue que
lim (z − a)k f (z) = 0.
z→a

56
Pela Proposição 9.2 a é uma singularidade removı́vel de (z − a)k−1 f (z), ou
seja a é um polo de f .
Em ambos casos a não é uma singularidade essencial de f .
(⇐) Suponhamos primeiro que a seja uma singularidade removı́vel de f .
Seja F ∈ H(U ) tal que F (z) = f (z) se z ∈ U \ {a}. Então

lim f (z) = F (a).


z→a

Assim, dado  > 0, existe D(a; r) ⊂ U tal que

f (D(a; r) \ {a}) ⊂ D(F (a); ).

A seguir suponhamos que a seja um polo de f . Então

lim |f (z)| = ∞.
z→a

Assim, dado R > 0, existe D(a; r) ⊂ U tal que

f (D(a; r) \ {a}) ⊂ C \ D(0; R).

Em ambos casos f (D(a; r) \ {a}) não é denso em C.

Exercı́cios
9.A. Cada uma das funções seguintes tem uma singularidade isolada em
a = 0. Classifique essas singularidades. Quando a = 0 for uma singularidade
removı́vel, defina f (0) de maneira que f seja holomorfa em a = 0. Quando
a = 0 for um polo, determine a parte singular de f em a = 0.
sin z cos z cos z − 1
(a) f (z) = ; (b) f (z) = ; (c) f (z) = ;
z z z
z2 + 1 1
(d) f (z) = ; (e) f (z) = e1/z ; (f ) f (z) = z sin .
z(z − 1) z

57
10. Residuos
10.1. Definição. Seja a um polo de f , e seja
k
X bi
Q(z) =
i=1
(z − a)i

a parte singular de f em a. O coeficiente b1 é chamado de residuo de f em


a, e é denotado por Res(f, a).
10.2. Proposição. Seja a um polo de f de ordem k. Seja g ∈ H(U ) tal
que g(a) 6= 0 e
g(z)
f (z) = se z ∈ U \ {a}.
(z − a)k
Então
g (k−1) (a)
Res(f, a) = .
(k − 1)!

Demonstração. Se D(a; r) ⊂ U , podemos escrever



X
g(z) = ai (z − a)i se z ∈ D(a; r).
i=0

A demonstração da implicação (b) ⇒ (c) no Teorema 9.3 prova que existe


h ∈ H(U ) tal que
a0 ak−1
f (z) = k
+ ... + + h(z) se z ∈ U \ {a}.
(z − a) z−a
Logo
g (k−1) (a)
Res(f, a) = ak−1 = .
(k − 1)!

10.3. Corolário. Se a é um polo simples de f , então


Res(f, a) = lim (z − a)f (z).
z→a

Demonstração. Existe g ∈ H(U ) tal que g(a) 6= 0 e


g(z)
f (z) = se z ∈ U \ {a}.
z−a

58
Pela proposição anterior
Res(f, a) = g(a) = lim g(z) = lim (z − a)f (z).
z→a z→a

10.4. Teorema dos residuos. Seja U aberto e convexo em C, e sejam


a1 , ..., an pontos distintos de U . Seja f ∈ H(U \ {a1 , ..., an }), e suponhamos
que cada aj seja um polo de f . Seja γ uma curva fechada em U \ {a1 , ..., an }.
Então Z n
1 X
f (z)dz = Res(f, aj )Ind(γ, aj ).
2πi γ j=1

Demonstração. Seja Qj a parte singular de f em aj , para cada j. Pelo


Teorema 9.3 existe h1 ∈ H(U \ {a2 , ..., an }) tal que
f (z) − Q1 (z) = h1 (z)
para todo z ∈ U \ {a1 , ..., an }. Como Q1 é holomorfa numa vizinhaça de a2 ,
é claro que a parte singular de h1 em a2 coincide com a parte singular Q2 de
f em a2 . Logo existe h2 ∈ H(U \ {a3 , ..., an }) tal que
f (z) − Q1 (z) − Q2 (z) = h1 (z) − Q2 (z) = h2 (z)
para todo z ∈ U \ {a1 , ..., an }. Procedendo de maneira indutiva podemos
achar hn ∈ H(U ) tal que
n
X
f (z) − Qj (z) = hn (z)
j=1

para todo z ∈ U \ {a1 , ...an }. Pelo teorema de Cauchy em abertos convexos


Z Xn Z Z
f (z)dz − Qj (z)dz = hn (z)dz = 0.
γ j=1 γ γ

Segue do Corolário 4.3 que


Z
1
dz = 0
γ (z − aj )i
para cada j = 1, ..., n e cada i 6= 1. Logo
Z Z
1 1 1
Qj (z)dz = Res(f, aj ) dz = Res(f, aj )Ind(γ, aj )
2πi γ 2πi γ z − aj

59
para cada j, e a conclusão desejada segue.
O teorema dos residuos é muito útil no cálculo de certas integrais. Antes
de ver alguns exemplos, vamos precisar do lema seguinte.
10.5. Lema. Seja R > 0, e seja γR a curva fechada que é a fronteira da
metade superior do disco D(0; R), percorrida no sentido anti-horário. Então
Ind(γR , z) = 1 se |z| < R e Imz > 0,
Ind(γR , z) = 0 se |z| > R ou Imz < 0.

Demonstração. A segunda afirmação segue do Teorema 3.9. Para


provar a primeira afirmação seja ΓR a fronteira do disco D(0; R), percor-
rida no sentido anti-horário, e seja δR a fronteira da metade inferior do disco
D(0; R), também percorrida no sentido anti-horário. É claro que
Ind(ΓR , z) = Ind(γR , z) + Ind(δR , z)
S
para cada z ∈ C \ (ImγR ImδR ). Se |z| < R e Imz > 0, então Ind(δR , z) =
0, pelo Teorema 3.9. Segue que
Ind(γR , z) = Ind(ΓR , z) = 1,
pelo Corolário 3.10.
10.6. Exemplo. Calcule a integral imprópria
Z ∞
x2
dx.
0 x4 + 1
Consideremos a função
z2
f (z) = .
z4 + 1
Os polos de f são as raizes quartas de −1, ou seja
π + 2jπ
aj = eiθj , onde θj = (j = 0, 1, 2, 3).
4
Logo
1+i −1 + i −1 − i 1−i
a0 = √ , a1 = √ , a2 = √ , a3 = √ .
2 2 2 2

60
É fácil ver cada aj é um polo simples de f . Usando o Corolário 10.3 vemos
que

a20 1−i
Res(f, a0 ) = lim (z − a0 )f (z) = = √ ,
z→a0 (a0 − a1 )(a0 − a2 )(a0 − a3 ) 4 2

a21 −1 − i
Res(f, a1 ) = lim (z − a1 )f (z) = = √ .
z→a1 (a1 − a0 )(a1 − a2 )(a1 − a3 ) 4 2
Seja R > 1, e seja γR a curva fechada do lema anterior. Pelo teorema dos
residuos Z
1 −i
f (z)dz = Res(f, a0 ) + Res(f, a1 ) = √ .
2πi γR 2 2
Por outro lado
Z Z R Z π
x2 R3 ie3it
f (z)dz = dx + dt,
γR −R x4 + 1 0 R4 e4it + 1

e portanto Z Z
R π
x2 π R3 ie3it
dx = √ − dt.
−R x4 + 1 2 0 R4 e4it + 1
4 4it 4
Como |R e + 1| ≥ R − 1, segue que
Z π Z π
R3 ie3it R3 R3 π
dt ≤ dt = ,
4 4it + 1 4 R4 − 1
0 R e 0 R −1

e portanto Z R
x2 π
lim dx = √ .
R→∞ −R x4 + 1 2
Logo
Z ∞ Z R Z R
x2 x2 1 x2 π
dx = lim dx = lim dx = √ .
0 x4 + 1 R→∞ 0
4
x +1 2 R→∞ −R
4
x +1 2 2

10.7. Exemplo. Calcule a integral imprópria


Z ∞
cos x
dx.
0 x2 + 1

61
Consideremos a função

eiz
f (z) = .
z2 + 1

É claro que f tem polos simples nos pontos i e −i. Além disso
1
Res(f, i) = lim(z − i)f (z) = .
z→i 2ei
Seja R > 1, e seja γR a curva fechada do Lema 10.5. Pelo teorema dos
residuos Z
1 1
f (z)dz = Res(f, i) = .
2πi γR 2ei
Por outro lado
Z Z R Z π
eix e−R sin t+iR cos t Rieit
f (z)dz = dx + dt,
γR −R x2 + 1 0 R2 e2it + 1

e portanto
Z R Z π
eix π e−R sin t+iR cos t Rieit
2
dx = − dt.
−R x +1 e 0 R2 e2it + 1

Se 0 ≤ t ≤ π, então sin t ≥ 0, e portanto e−R sin t ≤ 1. Segue que


Z π −R sin t+iR cos t Z π
e Rieit R Rπ
dt ≤ dt = 2 ,
2 2it 2
0 R e +1 0 R −1 R −1
e portanto Z R
eix π
lim 2
dx = .
R→∞ −R x +1 e
ix
Como e = cos x + i sin x, segue que
Z R
cos x π
lim 2
dx = .
R→∞ −R x + 1 e

Logo
Z ∞ Z R Z R
cos x cos x 1 cosx π
dx = lim dx = lim dx = .
0 x2 + 1 R→∞ 0
2
x +1 2 R→∞ −R
2
x +1 2e

62
10.8. Exemplo. Calcule a integral imprópria
Z ∞
sin x
dx.
0 x
Consideremos a função
eiz
. f (z) =
z
A função f tem um único polo simples em z = 0. Seja 0 < r < R, e seja
γ a curva fechada formada pelo semicı́rculo γR com centro 0, entre R e −R,
percorrido no sentido anti-horário, seguido do segmento [−R, −r], seguido
do semicı́rculo γr com centro 0, entre −r e r, percorrido no sentido horário,
e seguido finalmente pelo segmento [r, R]. Como Ind(γ, 0) = 0, segue do
teorema dos residuos que Z
f (z)dz = 0,
γ
ou seja Z Z Z Z
−r R
eiz eix eiz eix
dz + dx + dz + dx = 0.
γR z −R x γr z r x
Notemos que
Z R Z R ix Z Z
sin x e − e−ix 1 R eix 1 −r eix
dx = dx = dx + dx,
r x r 2ix 2i r x 2i −R x
e portanto Z Z Z
R
sin x 1 eiz 1 eiz
dx = − dz − dz.
r x 2i γR z 2i γr z
Por um lado
Z Z π Z π
eiz iReit
dz = e idt = eiR cos t−R sin t idt,
γR z 0 0

e portanto Z Z π
eiz
dz ≤ e−R sin t dt.
z
γR 0

Se 0 < δ < π/2, podemos escrever


Z π Z δ Z π−δ Z π
−R sin t −R sin t −R sin t
e dt = e dt + e dt + e−R sin t dt
0 0 δ π−δ

63
Z π−δ
≤ 2δ + e−R sin t dt.
δ
Não é difı́cil provar que
e−R sin t ≤ e−R sin δ se δ ≤ t ≤ π − δ,
e portanto Z π
e−R sin t dt ≤ 2δ + πe−R sin δ .
0
Segue que Z π
lim e−R sin t dt = 0,
R→∞ 0
e portanto Z
eiz
lim dz = 0.
R→∞ γR z
Por outro lado
Z iz Z iz Z Z iz
e e −1 1 e −1
dz = dz + dz = dz − πi.
γr z γr z γr z γr z
iz
A função e z−1 tem uma singularidade removı́vel em z = 0. Logo existe uma
constante c > 0 tal que
eiz − 1
| |≤c se |z| ≤ 1,
z
e portanto Z
eiz − 1
dz ≤ cπr.
z
γr
Segue que Z
eiz
lim dz = −πi.
r→0 γr z
Segue que Z ∞
sin x π
dx = .
0 x 2

10.9. Exemplo. Calcule a integral


Z π
1
dt.
0 2 + cos t

64
Se z = eit , então

eit + e−it 4eit + e2it + 1


2 + cost = 2 + = .
2 2eit
Consideremos a função
1
f (z) = ,
z2 + 4z + 1
e a curva fechada
γ(t) = eit (−π ≤ t ≤ π).
Então
Z Z π Z π Z π
ieit i 1 1
f (z)dz = 2it it
dt = dt = i dt.
γ −π e + 4e + 1 2 −π 2 + cos t 0 2 + cos t

A função f tem polos simples nos pontos


√ √
a = −2 + 3, b = −2 − 3.

É claro que |a| < 1, |b| > 1 e


1 1
Res(f, a) = lim (z − a)f (z) = = √ .
z→a a−b 2 3
Pelo teorema dos residuos
Z
1 1
f (z)dz = √ .
2πi γ 2 3

Logo Z Z
π
1 1 π
dt = f (z)dz = √ .
0 2 + cost i γ 3

Exercı́cios
10.A. Prove que, se w = reiθ , então as raizes n-ésimas de w são os
números z0 , ..., zn−1 dados por
θ + 2jπ
zj = r1/n eiθj , onde θj = (j = 0, 1, 2, ..., n − 1).
n

65
10.B. Calcule as integrais impróprias
Z ∞ Z ∞
x2 1
(a) dx; (b) dx.
0 x6 + 1 0 (x2 + 1)2

10.C. Calcule as integrais impróprias


Z ∞ Z ∞
cos x x sin x
(a) dx; (b) dx
0 x 2 + a2 0 x 4 + a4
para cada a > 0.
10.D. Calcule as integrais
Z 2π Z 2π
1 1
(a) dt; (b) dt
0 a + sin t 0 (a + cos t)2

para cada a > 1.


10.E. Calcule as integrais impróprias
Z ∞
1
dx para n = 2, 3, 4, 5, ...
0 xn + 1

usando a curva fechada seguinte: o segmento [0, R], seguido do arco de cı́rculo
de R a Re2πi/n , seguido do segmento [Re2πi/n , 0].
Sugestão: Prove um lema análogo ao Lema 10.5 para essa curva.
10.F. Sejam P e Q dois polinômios tais que grauQ − grauP ≥ 2. Supo-
nhamos que a função f (z) = P (z)/Q(z) não tenha nenhum polo no eixo x.
Sejam a1 , ..., am o polos de f no semiplano y > 0. Usando o teorema dos
residuos, com a curva fechada do Lema 10.5, prove que
Z R m
X
lim f (x)dx = 2πi Res(f, aj ).
R→∞ −R j=1

66
11. As equações de Cauchy-Riemann
11.1. Teorema. Seja U aberto em C, seja f : U → C, e sejam u = Ref
e v = Imf . Então f é holomorfa se e só se u e v são funções de classe C 1
que satisfazem as equações de Cauchy-Riemann, ou seja
∂u ∂v ∂v ∂u
(1) = , =− .
∂x ∂y ∂x ∂y

Nesse caso f 0 (z) vem dada por

∂u ∂v
(2) f 0 (z) = (x, y) + i (x, y).
∂x ∂x

Demonstração. (⇒) Suponhamos que f seja holomorfa. Então existe


o limite
f (z + h) − f (z)
f 0 (z) = lim .
h→0 h
Calculemos esse limite de duas maneiras diferentes. Por um lado, se h = s,
com s ∈ R, temos que

f (z + s) − f (z) u(x + s, y) − u(x, y) iv(x + s, y) − iv(x, y)


= + .
s s s
Fazendo s → 0 obtemos (2). Por outro lado, se h = it, com t ∈ R, temos que

f (z + it) − f (z) u(x, y + t) − u(x, y) iv(x, y + t) − iv(x, y)


= + .
it it it
Fazendo t → 0, segue que
∂u ∂v
(3) f 0 (z) = −i (x, y) + (x, y).
∂y ∂y

(1) segue de (2) e (3). Como f 0 é holomorfa, e portanto contı́nua, segue que
u e v são funções de classe C 1 .
(⇐) Reciprocamente suponhamos que u e v sejam duas funções de classe
1
C que verificam as equações de Cauchy-Riemann. Queremos provar que

f (z + h) − f (z) ∂u ∂v
lim = (x, y) + i (x, y).
h→0 h ∂x ∂x

67
Fixemos z = x + iy. Se h = s + it, temos que

 
f (z + h) − f (z) ∂u ∂v u(x + s, y + t) − u(x, y)
− (x, y) + i (x, y) =
h ∂x ∂x s + it
 
iv(x + s, y + t) − iv(x, y) ∂u ∂v
+ − (x, y) + i (x, y) .
s + it ∂x ∂x
Logo
 
f (z + h) − f (z) ∂u ∂v φ(s, t) + iψ(s, t)
− (x, y) + i (x, y) = ,
h ∂x ∂x s + it

onde
∂u ∂v
φ(s, t) = u(x + s, y + t) − u(x, y) − s (x, y) + t (x, y),
∂x ∂x
∂v ∂u
ψ(s, t) = v(x + s, y + t) − v(x, y) − s (x, y) − t (x, y).
∂x ∂x
Escrevamos

φ(s, t) = [u(x + s, y + t) − u(x, y + t)] + [u(x, y + t) − u(x, y)]

∂u ∂v
−s
(x, y) + t (x, y).
∂x ∂x
Pelo teorema do valor médio, existem s1 e t1 , com |s1 | < |s| e |t1 | < |t|, tais
que
∂u ∂u ∂u ∂v
φ(s, t) = s (x + s1 , y + t) + t (x, y + t1 ) − s (x, y) + t (x, y).
∂x ∂y ∂x ∂x
∂v
Como ∂x
= − ∂u
∂y
, podemos escrever
   
∂u ∂u ∂u ∂u
φ(s, t) = s (x + s1 , y + t) − (x, y) + t (x, y + t1 ) − (x, y) .
∂x ∂x ∂y ∂y

Segue que
φ(s, t)
lim = 0.
s+it→0 s + it

68
De maneira análoga podemos provar que
ψ(s, t)
lim = 0,
s+it→0 s + it
completando a demonstração.
11.2. Corolário. Seja U aberto em C, seja f ∈ H(U ), e sejam u = Ref
e v = Imf . Então u e v são funções de classe C 2 que satisfazem a equação
de Laplace, ou seja
∂2u ∂2u ∂2v ∂2v
+ = 0, + = 0.
∂x2 ∂y 2 ∂x2 ∂y 2

Demonstração. Pelo teorema anterior u e v são funções de classe C 1


que satisfazem as equações de Cauchy-Riemann
∂u ∂v ∂v ∂u
= , =− .
∂x ∂y ∂x ∂y
Além disso f 0 admite as representações
∂u ∂v ∂v ∂u
f 0 (z) = (x, y) + i (x, y) = (x, y) − i (x, y).
∂x ∂x ∂y ∂y
Aplicando o teorema anterior a ambas representações de f 0 , que também é
holomorfa, segue que
∂2u ∂2v ∂2v ∂2u
= , = − ,
∂x2 ∂y∂x ∂x2 ∂y∂x
∂2v ∂2u ∂2u ∂2v
= − 2, − = − 2.
∂x∂y ∂y ∂x∂y ∂y
Além disso,

00 ∂2u ∂2v ∂2v ∂2u


f (z) = (x, y) + i 2 (x, y) = (x, y) − (x, y).
∂x2 ∂x ∂x∂y ∂x∂y
Como f 00 é holomorfa, e portanto contı́nua, segue que u e v são funções de
classe C 2 . Além disso, usando o teorema de Schwarz vemos que
∂2u ∂2u ∂2v ∂2v
+ = − = 0,
∂x2 ∂y 2 ∂y∂x ∂x∂y

69
∂2v ∂2v ∂2u ∂2u
+ = − + = 0,
∂x2 ∂y 2 ∂y∂x ∂x∂y
completando a demonstração.

Exercı́cios
11.A. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Se Ref é constante,
ou se Imf é constante, prove que f é constante.

11.B. Seja U aberto e conexo em C, e seja f ∈ H(U ). Se f (z) é real para


cada z ∈ U , prove que f é constante.

11.C. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ). Seja

U ∗ = {z ∈ C : z ∈ U },

e seja f ∗ : U ∗ → C definida por

f ∗ (z) = f (z) para cada z ∈ U ∗ .

Prove que f ∗ ∈ H(U ∗ ).

70
12. Funções harmônicas
12.1. Definição. Seja U aberto em C.
(a) Diremos que u : U → R é uma função harmônica se u é uma função
de classe C 2 que satisfaz a equação de Laplace, ou seja
∂2u ∂2u
+ = 0.
∂x2 ∂y 2
(b) Diremos que u : U → R e v : U → R são funções harmônicas
conjugadas se u e v são funções harmônicas que satisfazem as equações de
Cauchy-Riemann, ou seja
∂u ∂v ∂v ∂u
= , =− .
∂x ∂y ∂x ∂y
Neste caso a função f = u + iv é holomorfa.
O Teorema 11.1 e o Corolário 11.2 podem ser reformulados da maneira
seguinte.
12.2. Teorema. Seja U aberto em C, seja f : U → C, e sejam u = Ref
e v = Imf . Então f ∈ H(U ) se e só se u e v são funções harmônicas
conjugadas.
Logo provaremos que toda função harmônica em um disco admite uma
função harmônica conjugada. Mas para provar esse teorema vamos precisar
do resultado seguinte.
12.3. Regra de Leibniz. Seja f : [a, b] × [c, d] → C uma função
contı́nua, e seja F : [a, b] → C definida por
Z d
F (x) = f (x, y)dy.
c

Então:
(a) F é contı́nua.
(b) Se a função ∂f /∂x existe e é contı́nua em [a, b] × [c, d], então F é
uma função de classe C 1 e
Z d
0 ∂f
F (x) = (x, y)dy.
c ∂x

71
Demonstração. (a) Para x0 , x ∈ [a, b] temos que
Z d
F (x) − F (x0 ) = [f (x, y) − f (x0 , y)]dy.
c

Como f é uniformemente contı́nua em [a, b] × [c, d], dado  > 0, existe δ > 0
tal que
|f (x, y) − f (x0 , y0 )| < 
p
para todo (x, y), (x0 , y0 ) ∈ [a, b] × [c, d] tais que (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ.
Segue que
Z d
|F (x) − F (x0 )| ≤ |f (x, y) − f (x0 , y)| < (d − c)
c

para todo x0 , x ∈ [a, b] tais que |x − x0 | < δ. Logo F é uniformemente


contı́nua em [a, b].
(b) Sejam x0 , x ∈ [a, b]. Pelo teorema do valor médio, para cada y ∈ [c, d]
existe um ponto xy entre x0 e x tal que
∂f
f (x, y) − f (x0 , y) = (x − x0 ) (xy , y).
∂x
Segue que Z d
F (x) − F (x0 ) ∂f
= (xy , y)dy,
x − x0 c ∂x
e portanto
Z d Z d  
F (x) − F (x0 ) ∂f ∂f ∂f
− (x0 , y)dy = (xy , y) − (x0 , y) dy.
x − x0 c ∂x c ∂x ∂x
Como ∂f /∂x é uniformemente contı́nua em [a, b] × [c, d], dado  > 0, existe
δ > 0 tal que
∂f ∂f
(x, y) − (x , y ) <
∂x ∂x
0 0
p
para todo (x, y), (x0 , y0 ) ∈ [a, b] × [c, d] tais que (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ.
Como |xy − x0 | < |x − x0 |, segue que
Z d
F (x) − F (x0 ) ∂f
− (x0 , y)dy < (d − c)
x − x0 c ∂x

72
para todo x0 , x ∈ [a, b] tais que |x − x0 | < δ, e portanto
Z d
0 ∂f
F (x0 ) = (x0 , y)dy.
c ∂x

Segue da parte (a) que a função F 0 é contı́nua.


12.4. Teorema. Seja D um disco aberto em C. Então cada função
harmônica u : D → R admite uma função harmônica conjugada v : D → R.

Demonstração. Seja D um disco aberto em C, con centro c = a + ib.


Seja v : D → R definida por
Z y
∂u
v(x, y) = (x, t)dt + φ(x),
b ∂x

onde φ é uma função derivável que será escolhida mais tarde. Por um lado,
segue do teorema fundamental do cálculo que
∂v ∂u
(x, y) = (x, y).
∂y ∂x
Por outro lado, usando a regra de Leibniz e o fato de u ser harmônica, segue
que Z y 2
∂v ∂ u
(x, y) = 2
(x, t)dt + φ0 (x)
∂x b ∂x
Z y 2
∂ u
=− 2
(x, t)dt + φ0 (x)
b ∂y
∂u ∂u
=− (x, y) + (x, b) + φ0 (x).
∂y ∂y
∂v
Para ter ∂x (x, y) = − ∂u
∂y
(x, y), basta ter φ0 (x) = − ∂u
∂y
(x, b). Pelo teorema
fundamental do cálculo basta tomar
Z x
∂u
φ(x) = − (s, b)ds
a ∂y

e Z y Z x
∂u ∂u
v(x, y) = (x, t)dt − (s, b)ds.
b ∂x a ∂y

73
12.5. Corolário. Seja D um disco aberto em C. Então cada função
harmônica u : D → R é a parte real de uma função holomorfa f : D → C.
12.6. Corolário. Seja U aberto em C. Então cada função harmônica
u : U → R é uma função de classe C ∞ .

12.7. Teorema do valor médio. Seja U aberto em C, seja u : U → R


uma função harmônica, e seja D(a, r) ⊂ U . Então
Z 2π
1
u(a) = u(a + reit )dt.
2π 0

Demonstração. Seja R > r tal que D(a; R) ⊂ U . Pelo Corolário 12.5 u


é a parte real de uma função holomorfa f no disco D(a; R). Se γ(t) = a + reit
(0 ≤ t ≤ 2π), então, pela fórmula integral de Cauchy
Z Z 2π
1 f (ζ) 1
f (a) = dζ = f (a + reit )dt.
2πi γ ζ − a 2π 0
Tomando a parte real de ambos lados, obtemos a conclusão desejada.
12.8. Teorema (princı́pio do máximo). Seja U aberto e conexo em
C, e seja u : U → R uma função harmônica. Se existir a ∈ U tal que

u(z) ≤ u(a) para todo z ∈ U,

então u é constante.
Demonstração. Seja

A = {z ∈ U : u(z) = u(a)}.

Como u é contı́nua, é claro que A é fechado em U . A seguir provaremos


que A é aberto em U . Seja b ∈ A, e seja D(b; r) ⊂ U . Provaremos que
D(b; r) ⊂ A. Caso contrário existiria c ∈ D(b; r) tal que u(c) < u(a). Seja
c = b + seit0 , e seja 2 = u(a) − u(c). Como u é contı́nua, existe δ > 0 tal que

u(c) −  < u(b + seit ) < u(c) +  se t0 − δ < t < t0 + δ,

e portanto

u(b + seit ) < u(c) +  = u(a) −  se t0 − δ < t < t0 + δ.

74
Pelo teorema anterior
Z 2π
2πu(a) = 2πu(b) = u(b + seit )dt
0
Z t0 −δ Z t0 +δ Z 2π
it it
= u(b + se )dt + u(b + se )dt + u(b + seit )dt
0 t0 −δ t0 +δ
Z t0 −δ Z t0 +δ Z 2π
≤ u(a)dt + [u(a) − ]dt + u(a)dt = 2πu(a) − 2δ,
0 t0 −δ t0 +δ

absurdo. Assim A é aberto e fechado em U , e é não vazio. Como U é conexo,


segue que A = U . Logo u é constante.
12.9. Corolário (princı́pio do mı́nimo). Seja U aberto e conexo em
C, e seja u : U → R uma função harmônica. Se existir a ∈ U tal que

u(a) ≤ u(z) para todo z ∈ U,

então u é constante.
Demonstração. Basta aplicar o teorema anterior à função −u, que
também é harmônica.
12.10. Teorema. Seja U aberto, conexo e limitado em C. Seja u :
U → R uma função harmônica. Suponhamos que exista c ∈ R tal que, dados
b ∈ ∂U e  > 0, exista δ > 0 tal que

(1) u(z) < c +  para todo z ∈ U ∩ D(b; δ).

Então:
(a) u(z) ≤ c para todo z ∈ U .
(b) Ou u(z) < c para todo z ∈ U , ou u(z) = c para todo z ∈ U .
Demonstração. Basta provar (a), pois (b) segue de (a) pelo princı́pio do
máximo. Se (a) não for verdadeiro existiria z0 ∈ U tal que u(z0 ) − c =  > 0.
Seja
A = {z ∈ U : u(z) ≥ c + }.
Claramente z0 ∈ A, e em particular A é não vazio. Claramente A é fechado
em U . Provaremos que d(A, ∂U ) > 0, e portanto A é compacto.

75
Por hipótese, para cada b ∈ ∂U existe δ > 0 tal que

u(z) < c +  para todo z ∈ U ∩ D(b; 2δ),

ou seja A ∩ D(b; 2δ) = ∅. Como ∂U é compacto, existem b1 , ..., bn ∈ ∂U e


δ1 > 0, ..., δn > 0 tais que

A ∩ D(bj ; 2δj ) = ∅ para 1 ≤ j ≤ n, e


n
[
∂U ⊂ D(bj ; δj ).
j=1

Seja δ = min{δj : 1 ≤ j ≤ n}. Afirmamos que

(2) |a − b| ≥ δ para todo a ∈ A, b ∈ ∂U.

De fato, dados a ∈ A e b ∈ ∂U , existe j tal que b ∈ D(bj ; δj ). Logo

|a − b| = |(a − bj ) − (b − bj )|

≥ |a − bj | − |b − bj | ≥ 2δj − δj = δj ≥ δ.
Segue de (2) que A é um subconjunto compacto de U . Logo existe a ∈ A tal
que
u(a) ≥ u(z) ≥ c +  para todo z ∈ A.
Como u(z) < c +  ≤ u(a) para todo z ∈ U \ A, segue que

u(z) ≤ u(a) para todo z ∈ U.

Pelo princı́pio do máximo u é constante. Logo u(z) = u(a) ≥ c +  para todo


z ∈ U . Isto contradiz (1), e prova (a).
12.11. Corolário. Seja U aberto, conexo e limitado em C. Seja u :
U → R uma função contı́nua em U e harmônica em U . Se u(z) = 0 para
todo z ∈ ∂U , então u(z) = 0 para todo z ∈ U .
Demonstração. Como u é contı́nua, dados b ∈ ∂U e  > 0, existe δ > 0
tal que
|u(z)| <  para todo z ∈ U ∩ D(b, δ).
Ou seja as funções u e −u satisfazem as hipóteses do teorema anterior, com
c = 0. Assim, por um lado temos que u(z) ≤ 0 para todo z ∈ U . E por

76
outro lado temos que −u(z) ≤ 0 para todo z ∈ U . Ou seja u(z) = 0 para
todo z ∈ U .

Exercı́cios
12.A. Seja U aberto em C, e sejam u e v funções harmônicas em U .
(a) Prove que u + v é uma função harmônica.
(b) Prove que cu é uma função harmônica para cada c ∈ R.
(c) Prove que uv é uma função harmônica se e só se u e v satisfazem a
equação
∂u ∂v ∂u ∂v
+ = 0.
∂x ∂x ∂y ∂y

12.B. Seja U aberto e conexo em C, e seja u uma função harmônica em


U . Prove que u2 é uma função harmônica se e só se u é constante.

12.C. Seja U aberto em C, e seja u uma função harmônica em U . Prove


que as derivadas ∂u/∂x e ∂u/∂y também são funções harmônicas.

12.D. Seja u : D(a; R) → R uma função harmônica. Prove que, ou u é


constante, ou u é aberta.

12.E. Seja U aberto e conexo em C, e seja u : U → R uma função


harmônica. Prove que, ou u é constante, ou u é aberta.

77
13. O núcleo de Poisson e o problema de Dirichlet
13.1. Definição. Chamaremos de núcleo de Poisson a função

X
(1) Pr (t) = r|n| eint (0 ≤ r < 1, t ∈ R).
n=−∞

Se z = reit , podemos escrever


X∞ X∞ X∞
1 + reit 1+z n n
= = (1 + z) z = 1 + 2 z = 1 + 2 rn eint .
1 − reit 1−z n=0 n=1 n=1

Logo
  ∞
X ∞
X
1 + reit
Re =1+2 n
r cos nt = 1 + rn (eint + e−int ) = Pr (t).
1 − reit n=1 n=1

Por outro lado


1 + reit 1 + reit − re−it − r2 (1 − r2 ) + 2ri sin t
= = .
1 − reit |1 − reit |2 |1 − reit |2

Logo
 
1 + reit 1 − r2 1 − r2
(2) Pr (t) = Re = = .
1 − reit |1 − reit |2 1 − 2r cos t + r2

13.2. Proposição. O núcleo de Poisson tem as seguintes proprieda-


des:
(a) Tem-se que Z π
1
Pr (t)dt = 1.
2π −π

(b) Para cada r, Pr (t) é uma função par, positiva e periódica de t, com
perı́odo 2π.
(c) Para cada r, Pr (t) é uma função estritamente decrescente de t no
intervalo [0, π].
(d) Para cada t ∈ (0, π), limr→1 Pr (t) = 0.

78
Demonstração. (a) Para cada r, a série em (1) converge uniformemente
em t. Logo
Z π X∞ Z π
|n|
Pr (t)dt = r eint dt = 2π.
−π n=−∞ −π

(b) é conseqüência imediata de (2).


(c) Fixado r, seja φ(t) = Pr (t). Segue de (2) que φ0 (t) < 0 se 0 < t < π,
e (c) segue de imediato.
(d) também é conseqüência imediata de (2).

O problema de Dirichlet num aberto U ⊂ C consiste em determinar se


existe uma função contı́nua u : U → R, que seja harmônica em U e que
coincida em ∂U com uma função contı́nua dada. O próximo teorema resolve
o problema de Dirichlet no disco unitário.

13.3. Teorema. Seja φ : ∂D → R uma função contı́nua. Então existe


uma única função contı́nua u : D → R tal que:
(i) u(z) = φ(z) para cada z ∈ ∂D;
(ii) u é harmônica em D.
A função u é dada pela fórmula
Z π
iθ 1
(3) u(re ) = Pr (θ − t)φ(eit )dt se 0 ≤ r < 1, −π ≤ θ ≤ π.
2π −π

Demonstração. Seja u : D → R definida por u(z) = φ(z) se z ∈ ∂D, e


por (3) se z ∈ D. Por definição u verifica (i).
Para provar que u é harmônica em D, seja 0 ≤ r < 1. Então
Z π  
iθ 1 1 + rei(θ−t)
u(re ) = Re i(θ−t)
φ(eit )dt
2π −π 1 − re
 Z π   Z π it 
1 1 + rei(θ−t) it 1 e + reiθ it
= Re φ(e )dt = Re φ(e )dt
2π −π 1 − rei(θ−t) 2π −π eit − reiθ
Assim u = Ref , onde f : D → C é definida por
Z π it
1 e +z
f (z) = φ(eit )dt.
2π −π eit − z

79
Escrevamos
Z π Z π
1 φ(eit ) it z e−it φ(eit ) it
f (z) = it
ie dt + ie dt.
2πi −π e −z 2πi −π eit − z

Pelo Teorema 3.8 f é holomorfa em D, e portanto u é harmônica em D.


Para provar que u é contı́nua em D, basta provar que u é contı́nua em
cada ponto de ∂D. Fixemos θ0 ∈ [−π, π] e  > 0. Como φ é contı́nua em eiθ0 ,
existe δ > 0 tal que

(4) |φ(eit ) − φ(eiθ0 )| < se |t − θ0 | < δ.
3
Seja
(5) c = max{|φ(eit )| : −π ≤ t ≤ π}.
Como limr→1 Pr (t) = 0 para cada 0 < t < π, existe 0 < r0 < 1 tal que
 
δ 
Pr < se r0 < r < 1,
2 3c
e portanto
 δ
(6) Pr (t) < se r0 < r < 1, |t| ≥ .
3c 2
Para 0 ≤ r < 1 temos que
Z π
iθ 1
iθ0
u(re ) − u(e ) = Pr (θ − t)φ(eit )dt − φ(eiθ0 )
2π −π
Z π
1
= Pr (θ − t)[φ(eit ) − φ(eiθ0 )]dt
2π −π
Z
1
= Pr (θ − t)[φ(eit ) − φ(eiθ0 )]dt
2π |t−θ0 |<δ
Z
1
+ Pr (θ − t)[φ(eit ) − φ(eiθ0 )]dt.
2π |t−θ0 |≥δ
Sejam r0 < r < 1 e |θ − θ0 | < δ/2. Se |t − θ0 | ≥ δ, então

δ δ
|t − θ| = |(t − θ0 ) − (θ − θ0 )| ≥ |t − θ0 | − |θ − θ0 | > δ − = .
2 2

80
Usando (4), (5) e (6) segue que
Z
iθ iθ0 1 
|u(re ) − u(e )| ≤ Pr (θ − t) dt
2π |t−θ0 |<δ 3
Z
1   2
+ 2cdt ≤ + = .
2π |t−θ0 |≥δ 3c 3 3
Para provar que u é única, suponhamos que exista uma função contı́nua
v : D → R, que é harmônica em D e coincide com φ em ∂D. Então u − v é
contı́nua em D, harmônica em D, e identicamente zero em ∂D. Pelo Corolário
12.5 u − v é identicamente zero em D.
13.4. Corolário. Seja u : D → R uma função contı́nua, que é harmônica
em D. Então:
(a) u é dada por
Z π
iθ 1
u(re ) = Pr (θ − t)u(eit )dt se 0 ≤ r < 1, −π ≤ θ ≤ π.
2π −π

(b) u = Ref , onde f ∈ H(D) é definida por


Z π it
1 e +z
f (z) = u(eit )dt (z ∈ D).
2π −π eit − z

Exercı́cios
13.A Seja (rk ) uma seqüência no intervalo (0, 1) que converge a um.
Consideremos as curvas

γ(t) = eit (−π ≤ t ≤ π), γk (t) = rk eit (−π ≤ t ≤ π).

Se f : D → C é uma função contı́nua, prove que


Z Z
f (z)dz = lim f (z)dz.
γ k→∞ γk

Sugestão: Defina fk : D → C por fk (z) = f (rk z), e prove que (fk )


converge a f uniformemente em D.

81
13.B. Seja f : D → C contı́nua em D e holomorfa em D. Prove que
Z π
f (eit )eint dt = 0 para cada n ≥ 1.
−π

13.C. Seja f : D → C uma função contı́nua tal que Ref e Imf são
harmônicas em D.
(a) Prove que
Z π
1

f (re ) = Pr (θ − t)f (eit )dt para todo reiθ ∈ D.
2π −π

(b) Prove que f ∈ H(D) se e só se


Z π
f (eit )eint = 0 para cada n ≥ 1.
−π

13.D. Prove as desigualdades


1−r 1+r
≤ Pr (t) ≤ (0 ≤ r < 1, −π ≤ t ≤ π).
1+r 1−r

13.E. Seja u contı́nua em D e harmônica em D. Se u(eit ) ≥ 0 para cada


t, prove a desigualdade de Harnack:
1−r 1+r
u(0) ≤ u(reiθ ) ≤ u(0) (0 ≤ r < 1, −π ≤ θ ≤ π).
1+r 1−r

13.F. Seja (un ) uma seqüência de funções contı́nuas em D e harmônicas


em D tais que

0 ≤ u1 (z) ≤ u2 (z) ≤ u3 (z) ≤ ... para cada z ∈ D.

Prove que, ou (un (z)) é convergente para cada z ∈ D, ou (un (z)) tende a
infinito para cada z ∈ D.

82
14. Espaços topológicos de funções contı́nuas
14.1. Definição. Seja U aberto em C, e seja C(U ) o conjunto de todas
as funções contı́nuas f : U → C. Dados f ∈ C(U ), K ⊂ U compacto, e
 > 0, seja

U(f, K, ) = {g ∈ C(U ) : sup |g(x) − f (x)| < }.


x∈K

Seja τc a famı́lia de todos os conjuntos U ⊂ C(U ) tais que, para cada f ∈ U,


existem K ⊂ U compacto e  > 0 tais que U(f, K, ) ⊂ U. Então τc é
uma topologia em C(U ), que chamaremos de topologia compacto-aberta ou
topologia da convergência compacta.
É fácil ver que uma seqüência (fn ) converge a f em (C(U ), τc ) se e só se
(fn ) converge a f uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U .
14.2. Proposição. Seja U aberto em C, e seja (Kn )∞
n=1 definida por

Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U ) ≥ 1/n}.

Então:
(a) Cada Kn é um subconjunto compacto de U .
(b) Cada subconjunto compacto de U está contido em algum Kn .
(c) Kn ⊂ intKn+1 para cada n.
Demonstração. As afirmações (a) e (b) são claras, e já foram vistas na
demonstração do Corolário 6.6. Para provar (c) consideremos os conjuntos

Un = {z ∈ U : |z| < n, d(z, C \ U ) > 1/n},

com n ∈ N. É claro que cada Un é aberto e Kn ⊂ Un+1 ⊂ Kn+1 .


14.3. Proposição. Seja U aberto em C, e seja (Kn )∞ n=1 a seqüência de
compactos da proposição anterior. Dados f, g ∈ C(U ) e n ∈ N, definamos

dn (f, g) = sup |f (x) − g(x)|,


x∈Kn


X dn (f, g)
d(f, g) = 2−n .
n=1
1 + dn (f, g)

83
Então d é uma métrica em C(U ) que define a topologia τc . Em particular
(C(U ), τc ) é um espaço topológico metrizável.
Demonstração. Provaremos que d satisfaz a desigualdade triangular.
As outras propriedades são claras.
É claro que cada dn satisfaz a desigualdade triangular. Para provar que
d satisfaz a desigualdade triangular, notemos que a função φ(t) = t/(1 + t) é
crescente. Usando isso, segue que

dn (f, h) dn (f, g) + dn (g, h)



1 + dn (f, h) 1 + dn (f, g) + dn (g, h)

dn (f, g) dn (g, h)
≤ +
1 + dn (f, g) + dn (g, h) 1 + dn (f, g) + dn (g, h)
dn (f, g) dn (g, h)
≤ + .
1 + dn (f, g) 1 + dn (g, h)
Multiplicando por 2−n e somando sobre n segue que

d(f, h) ≤ d(f, g) + d(g, h).

A seguir provaremos que a topologia compacto-aberta τc coincide com a


topologia τd definida pela métrica d. Denotaremos por B(f, ) as bolas no
espaço métrico (C(U ), d).
Primeiro provaremos que, dados f ∈ C(U ) e  > 0, existem K ⊂ U
compacto e δ > 0 tais que

(1) U(f, K, δ) ⊂ B(f, ).

Seja n ∈ N tal que



X
2−k < /2.
k=n+1

Se g ∈ U(f, Kn , /2), então dn (f, g) < /2, e é claro que

dk (f, g) < /2 para 1 ≤ k ≤ n.

Segue que
n
X  
d(f, g) ≤ 2−k + < ,
k=1
2 2

84
provando (1) com K = Kn e δ = /2.
Finalmente provaremos que, dados f ∈ C(U ), K ⊂ U compacto e  > 0,
existe δ > 0 tal que
(2) B(f, δ) ⊂ U(f, K, ).
Pela proposição anterior existe n ∈ N tal que K ⊂ Kn . Seja g ∈ B(f, δ),
onde δ > 0 será escolhido mais adiante. Então d(f, g) < δ, e portanto
dn (f, g)
2−n < δ.
1 + dn (f, g)
Segue que
dn (f, g) < 2n δ + 2n δdn (f, g).
Se 2n δ < 1, então
2n δ
dn (f, g) < .
1 − 2n δ
Como
2n δ
lim = 0,
δ→0 1 − 2n δ

existe δ > 0 tal que


2n δ
< .
1 − 2n δ
Logo
g ∈ U(f, Kn , ) ⊂ U(f, K, ),
provando (2).
A seguir considerarenos outra topologia, muito útil, em C(U ).
14.4. Definição. Seja U aberto em C, e seja τp a famı́lia de todos os
conjuntos U ⊂ C(U ) tais que, para cada f ∈ U, existem A ⊂ U finito e  > 0
tais que U(f, A, ) ⊂ U. Então τp é uma topologia em C(U ), que chamaremos
de topologia da convergência pontual.
É claro que τp ≤ τc . É fácil ver que uma seqüência (fn ) converge a f
em (C(U ), τp ) se e só se fn (z) → f (z) para cada z ∈ U . É fácil ver que a
topologia produto em CU induz a topologia τp em C(U ).
14.5. Definição. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ CU . Diremos que F
é equicontı́nua se, dados a ∈ U e  > 0, existe δ > 0 tal que

|f (z) − f (a)| <  sempre que f ∈ F, |z − a| < δ.

85
Se F ⊂ CU é equicontı́nua, é claro que F ⊂ C(U ).
14.6. Proposição. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ C(U ) uma famı́lia
equicontı́nua. Então τc e τp induzem a mesma topologia em F.
Demonstração. Para provar que τc ≤ τp em F, sejam f0 ∈ F, K ⊂ U
compacto, e  > 0 dados. Logo, para cada a ∈ K existe δa > 0 tal que

|f (z) − f (a)| < sempre que f ∈ F, |z − a| < δa .
4
Segue que

|f (z) − f0 (z) − f (a) + f0 (a)| < sempre que f ∈ F, |z − a| < δa ,
2
e portanto

|f (z) − f0 (z)| < |f (a) − f0 (a)| + sempre que f ∈ F, |z − a| < δa .
2
Como K é compacto, existem a1 , ..., an ∈ K e δ1 > 0, ..., δn > 0 tais que
n
[
K⊂ D(aj ; δj )
j=1

e

|f (z) − f0 (z)| < |f (aj ) − f0 (aj )| + sempre que f ∈ F, |z − aj | < δj .
2
Se A = {a1 , ..., an }, segue em particular que

sup |f (z) − f0 (z)| < sup |f (a) − f0 (a)| + para todo f ∈ F.
z∈K a∈A 2

Segue que

F ∩ U(f0 , A, ) ⊂ F ∩ U(f0 , K, ),
2
completando a demonstração.
14.7. Definição. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ C(U ).
(a) Diremos que F é τc -limitada se

sup{|f (z)| : f ∈ F, z ∈ K} < ∞ para cada compacto K ⊂ U.

86
(b) Diremos que F é τp -limitada se

sup{|f (z)| : f ∈ F} < ∞ para cada z ∈ U.

14.8. Teorema de Arzela-Ascoli. Seja U aberto em C, e seja F ⊂


C(U ) uma famı́lia equicontı́nua e τp -limitada. Então F é relativamente com-
pacta em (C(U ), τc ).
Demonstração. Seja F a aderência de F no espaço produto CU . Como
F é equicontı́nua e τp -limitada, segue que F é equicontı́nua e τp -limitada.
Como F é τp -limitada, para cada z ∈ U , existe rz > 0 tal que
Y
F⊂ D(z; rz ).
z∈U

Segue do teorema de Tychonoff que F é um subconjunto compacto de (C(U ), τp ).


Pela Proposição 14.6 F é um subconjunto compacto de (C(U ), τc ).

Exercı́cios
14.A. Seja U aberto em C.
(a) Prove que τc é uma topologia em C(U ).
(b) Prove que (fn ) converge a f em (C(U ), τc ) se e só se (fn ) converge a
f uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U .

14.B. Seja U aberto em C. Suponhamos que (fn ) converge a f e (gn )


converge a g em (C(U ), τc ). Prove que:
(a) (fn + gn ) converge a f + g em (C(U ), τc ).
(b) (cfn ) converge a cf em (C(U ), τc ) para cada c ∈ C.
(c) (fn gn ) converge a f g em (C(U ), τc ).

14.C. Seja U aberto em C.


(a) Prove que τp é uma topologia em C(U ).
(b) Prove que (fn ) converge a f em (C(U ), τp ) se e só se (fn (z)) converge
a f (z) para cada z ∈ U .
(c) Prove que a topologia produto em CU induz em C(U ) a topologia
τp .

87
14.D. Seja U aberto em C. Suponhamos que (fn ) converge a f e (gn )
converge a g em (C(U ), τp ). Prove que:
(a) (fn + gn ) converge a f + g em (C(U ), τp ).
(b) (cfn ) converge a cf em (C(U ), τp ) para cada c ∈ C.
(c) (fn gn ) converge a f g em (C(U ), τp ).

14.E. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ C(U ). Prove que:


(a) Se F é equicontı́nua, então F − F é equicontı́nua também.
τp
(b) Se F é equicontı́nua, então F é equicontı́nua também.
τp
(c) Se F é τp -limitada, então F é τp -limitada também.

14.F. Seja U aberto em C. Seja (fn ) uma seqüência que converge a f em


(C(U ), τc ), e seja (zn ) uma seqüência em U que converge a z ∈ U . Prove que
(fn (zn )) converge a f (z).

88
15. Espaços topológicos de funções holomorfas
15.1. Proposição. Seja U aberto em C. Então H(U ) é um subconjunto
fechado de (C(U ), τc ).
Demonstração. Seja (fn ) uma seqüência em H(U ) que converge a f
em (C(U ), τc ). Então (fn ) converge a f uniformemente sobre cada compacto
K ⊂ U . Pelo Teorema de Weierstrass 5.5 f ∈ H(U ).
15.2. Proposição. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ H(U ). Então F é
τc -limitada se e só se F é equicontı́nua e τp -limitada.
Demonstração. (⇒) Suponhamos que F seja τc -limitada. Claramente
F é τp -limitada. Para provar que F é equicontı́nua, sejam a ∈ U e  > 0
dados. Seja D(a; r) ⊂ U , e seja

c = sup{|f (z)| : f ∈ F, z ∈ D(a; r)}.

Para f ∈ F e z ∈ D(a; r/2) temos que



X f (n) (a)
f (z) = (z − a)n .
n=0
n!

Usando as desigualdades de Cauchy segue que



X X∞
|f (n) (a)| n c
|f (z) − f (a)| ≤ |z − a| ≤ n
|z − a|n
n=1
n! n=1
r
∞  n−1
|z − a| X |z − a| 2c
=c ≤ |z − a|.
r n=1
r r
Logo existe 0 < δ < r/2 tal que

|f (z) − f (a)| <  sempre que f ∈ F, |z − a| < δ.

(⇐) Suponhamos que F seja equicontı́nua e τp -limitada. Seja a ∈ U .


Como F é τp -limitada, existe c > 0 tal que

|f (a)| ≤ c para todo f ∈ F.

Como F é equicontı́nua, existe δ > 0 tal que

|f (z) − f (a)| < 1 para todo f ∈ F, z ∈ D(a; δ).

89
Segue que
|f (z)| ≤ c + 1 para todo f ∈ F, z ∈ D(a; δ).
Como cada compacto K ⊂ U está contido numa união finita de discos, segue
que F é τc -limitada.
15.3. Teorema de Montel. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ H(U )
uma famı́lia τc -limitada. Então F é relativamente compacta em (H(U ), τc ).
Demonstração. Pela proposição anterior F é equicontı́nua e τp -limitada.
Pelo teorema de Arzela-Ascoli, F é relativamente compacta em (C(U ), τc ).
Como H(U ) é um subconjunto fechado de (C(U ), τc ), segue que F é relati-
vamente compacta em (H(U ), τc ).
15.4. Corolário. Seja U aberto em C, e seja F ⊂ H(U ) uma famı́lia τc -
limitada. Então cada seqüência em F admite uma subseqüência convergente
em (H(U ), τc ).

Exercı́cios
15.A. Seja X um espaço métrico, e seja (xn ) uma seqüência em X.
Suponhamos que exista x ∈ X tal que cada subseqüência de (xn ) admita
uma subseqüência que converge a x. Prove que (xn ) converge a x.
15.B. Seja U aberto e conexo em C, e seja (fn ) uma seqüência τc -limitada
em H(U ). Suponhamos que exista um conjunto aberto não vazio V ⊂ U tal
que a seqüência (fn (z) é convergente para cada z ∈ V . Prove que a seqüência
(fn ) converge a uma função f em (H(U ), τc ).
15.C. Seja U aberto e conexo em C, e seja F ⊂ H(U ). Suponhamos que
para cada compacto K ⊂ U exista  > 0 tal que

|f (z)| ≥  para cada f ∈ F, z ∈ K.

Prove que cada seqüência (fn ) ⊂ F admite uma subseqüência (fnk ) que
verifica uma e apenas uma das condições seguintes:
(i) (fnk ) converge a uma função f em (H(U ), τc ).
(ii) (fnk ) tende a infinito uniformemente sobre cada compacto de U .

90
16. O plano estendido
16.1. Definição. Chamaremos de plano estendido a compactificação de
Alexandroff de C, que será denotada por C∞ . Ou seja C∞ denota o conjunto
C∞ = C ∪ {∞}, munido da única topologia tal que:
(a) Para cada a ∈ C, os discos D(a; r), com r > 0, formam uma base de
vizinhanças abertas de a.
(b) Os conjuntos

D(∞; r) = {∞} ∪ {z ∈ C : |z| > r},

com r > 0, formam uma base de vizinhanças abertas de ∞.


Com esta topologia C∞ é um espaço de Hausdorff compacto, e C é um
subconjunto aberto e denso de C∞ . O plano estendido C∞ é homeomorfo à
esfera unitária S 2 de R3 .
16.2. Proposição. Seja U aberto em C, e seja (Kn )∞
n=1 a seqüência de
compactos definida por

Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U ) ≥ 1/n}.

Então cada componente conexa de C∞ \ Kn contém uma componente conexa


de C∞ \ U .
Demonstração. Já estudamos estes compactos na Proposição 14.2.
Notemos que
[
(1) C∞ \ Kn = D(∞; n) ∪ {D(w; 1/n) : w ∈ C \ U }

para cada n. É claro que

(C∞ \ U ) ∩ D(∞; n) 6= ∅

e
(C∞ \ U ) ∩ D(w; 1/n) 6= ∅ para cada w ∈ C \ U.
Seja C uma componente conexa de C∞ \ Kn . Segue de (1) que C ⊃ D(∞; n)
ou C ⊃ D(w; 1/n) para algum w ∈ C \ U . Segue que C ∩ (C∞ \ U ) 6= ∅. Seja
c ∈ C ∩ (C∞ \ U ), e seja D a componente conexa de C∞ \ U que contém c.
Então
c ∈ D ⊂ C ∞ \ U ⊂ C ∞ \ Kn ,

91
e portanto D ⊂ C, completando a demonstração.
Notemos que as componentes limitadas de C∞ \ U são os ”buracos” de U .
De maneira análoga, as componentes limitadas de C∞ \ Kn são os ”buracos”
de Kn . Em particular a proposição afirma que cada ”buraco” de Kn contém
um ”buraco” de U .
16.3. Definição. Diremos que ∞ é uma singularidade isolada de f se
f é holomorfa no aberto {z ∈ C : |z| > r}, para algum r > 0.
Definamos

f˜(w) = f (1/w) para todo 0 < |w| < 1/r.

Há três tipos de singularidades isoladas no infinito.


(a) Diremos que ∞ é uma singularidade removı́vel de f se 0 é uma singula-
ridade removı́vel de f˜.
(b) Diremos que ∞ é um polo de ordem k de f se 0 é um polo de ordem
k de f˜.
(c) Diremos que ∞ é uma singularidade essencial de f se 0 é uma singu-
laridade essencial de f˜.
Nos exercı́cios veremos que uma função inteira f tem uma singularidade
removı́vel no infinito se e só se f é constante, f tem um polo de orden k no
infinito se e só se f é um polinômio, e f tem uma singularidade essencial no
infinito se e só se f não é um polinômio.
Seja f uma função racional, ou seja f = P/Q, sendo P um polinômio de
grau m, e Q um polinômio de grau n. Pelo Corolário 6.5 podemos escrever

P (z) = a(z − a1 )...(z − am ), Q(z) = b(z − b1 )...(z − bn ).

Sem perda de generalidade podemos supor que P e Q não tem zeros comuns,
ou seja
{a1 , ..., am } ∩ {b1 , ..., bn } = ∅.
Neste caso é claro que os zeros de Q são os polos de f em C. Nos exercı́cios
veremos que f tem um polo no infinito se e só se m > n. Veremos também
que se f tem apenas um polo no infinito, então f é um polinômio.
16.4. Definição. Seja U aberto em C. Diremos que f é meromorfa em
U se existir um conjunto A ⊂ U , sem pontos de acumulação em U , tal que f

92
é holomorfa em U \ A, e cada a ∈ A é um polo de f . Se definimos f (a) = ∞
para cada a ∈ A, é claro que a função f : U → C∞ é contı́nua. Denotaremos
por M (U ) o conjunto de todas as funções meromorfas em U .

Exercı́cios
16.A. Seja τ a famı́lia de todos os conjuntos A ⊂ C∞ tais que, para cada
a ∈ A existe r > 0 tal que D(a; r) ⊂ A. Prove que:
(a) τ é uma topologia em C∞ .
(b) C∞ induz em C a topologia usual.
(c) C∞ é um espaço de Hausdorff compacto.
(d) C é um subconjunto aberto e denso de C∞ .
(e) D(a; r) é conexo por caminhos para cada a ∈ C∞ e r > 0.

16.B. Sejam f : C∞ → R3 e g : R3 → C∞ definidas por


 
iθ 2r cos θ 2r sin θ r2 − 1
f (re ) = , , , f (∞) = (0, 0, 1),
r2 + 1 r2 + 1 r2 + 1
x y
g(x, y, z) = +i se z 6= 1, g(x, y, 1) = ∞.
1−z 1−z
Prove que:
(a) f (reiθ ) ∈ S 2 para cada reiθ ∈ C.
(b) g ◦ f (z) = z para cada z ∈ C∞ .
(c) f ◦ g(x, y, z) = (x, y, z) para cada (x, y, z) ∈ S 2 , a esfera unitária de
R3 .
(d) f é um homeomorfismo entre C∞ e S 2 .
(e) Interprete f geometricamente.
Sugestão: Para provar (c) use coordenadas esféricas.

16.C. Seja f ∈ H(C). Prove que:


(a) ∞ é uma singularidade removı́vel de f se e só se f é constante.
(b) ∞ é um polo de ordem k de f se e só se f é um polinômio de ordem
k.

93
(c) ∞ é uma singularidade essencial de f se e só se f não é um polinô-
mio.

16.D. Seja f = P/Q, sendo P e Q polinômios de graus m e n rspectiva-


mente. Prove que f tem um polo no infinito se e só se m > n.

16.E. Prove que, se uma função racional f tem apenas um polo no in-
finito, então f é um polinômio.

94
17. Transformações de Möbius
17.1. Proposição. A função racional
az + b
f (z) =
cz + d
é injetiva se e só se ad − bc 6= 0.
Demonstração. Se c = 0 e d 6= 0, então podemos escrever
a b
f (z) = z + .
d d
Neste caso é claro que f é injetiva se e só se a 6= 0, ou seja se e só se
ad − bc 6= 0.
Se c 6= 0, podemos escrever
a
c
+ cb
z a
c
(z + dc ) − ad
c2
+ cb
f (z) = = ,
z + dc z + dc

ou seja
a ad − bc 1
f (z) = − .
c c2 z + dc
Claramente f é injetiva se e só se ad − bc 6= 0.
17.2. Definição. Toda transformação da forma
az + b
f (z) = ,
cz + d
com ad − bc 6= 0, é chamada de transformação de Möbius.
Segue da demonstração da proposição anterior que cada transformação de
Möbius pode ser obtida através da composição de transformações de Möbius
dos seguintes tipos:
(a) translações, ou seja transformações da forma f (z) = z + b, com b ∈
C;
(b) rotações, ou seja transformações da forma f (z) = az, com a ∈ C,
|a| = 1;
(c) homotetias, ou seja transformações da forma f (z) = az, com a > 0;

95
(d) inversão, ou seja a transformação da forma f (z) = 1/z.
Na seção 8 nós estudamos um tipo especial de transformações de Möbius,
a saber as transformações da forma
z−a
φa (z) = , com a ∈ D.
1 − az
Sempre consideraremos uma transformação de Möbius como uma aplicação
de C∞ em C∞ .
17.3. Proposição. As transformações de Möbius formam um grupo sob
composição. Se f1 e f2 são dadas por
a1 z + b 1 a2 z + b 2
f1 (z) = , f2 (z) = ,
c1 z + d1 c2 z + d2
então a composta f = f2 ◦ f1 é dada por
az + b
f (z) = ,
cz + d
onde a, b, c, d são dadas pelo produto de matrizes
    
a b a2 b 2 a1 b 1
= .
c d c2 d2 c1 d1

A demonstração desta proposição é deixada como exercı́cio. É fácil ver


que a inversa da transformação de Möbius w = (az + b)/(cz + d) é dada por
z = (−dw + b)/(cw − a).
17.4. Teorema. Cada transformação de Möbius transforma cada reta
ou cı́rculo em uma reta ou um cı́rculo.
Demonstração. É claro que cada translação, cada rotação, e cada ho-
motetia transforma retas em retas e cı́rculos em cı́rculos. Para provar o
teorema basta estudar o comportamento da inversão w = 1/z. Escrevamos
z = x + iy, w = u + iv. Cada reta ou cı́rculo no plano xy satisfaz uma
equação da forma

C(x2 + y 2 ) − 2Ax − 2By + D = 0, com CD ≤ A2 + B 2 .

96
Logo
z−z
C|z|2 − A(z + z) − B + D = 0.
i
Se w = 1/z, então
   
1 1 1 B 1 1
C 2 −A + − − + D = 0.
|w| w w i w w

Multiplicando por ww = |w|2 obtemos

B
C − A(w + w) − (w − w) + D|w|2 = 0.
i
Segue que
D(u2 + v 2 ) − 2Au + 2Bv + C = 0.
Esta equação representa uma reta ou um cı́rculo no plano uv.
17.5. Teorema. Dados dois trios ordenados (z1 , z2 , z3 ) e (w1 , w2 , w3 ) de
pontos distintos em C∞ , existe uma única transformação de Möbius f tal que
f (zj ) = wj para j = 1, 2, 3. A transformação w = f (z) satisfaz a equação
w2 − w3 w − w1 z2 − z3 z − z1
(1) = .
w2 − w1 w − w3 z2 − z1 z − z3
Se um dos pontos dados é ∞, as diferenças correspondentes devem ser
substituidas por 1.
A demonstração do teorema está baseada no lema seguinte.
17.6. Lema. Dado um trio ordenado (z1 , z2 , z3 ) de pontos distintos
em C∞ , existe uma única transformação de Möbius φ tal que φ(z1 ) = 0,
φ(z2 ) = 1 e φ(z3 ) = ∞. A transformação φ é dada por
z2 − z3 z − z1
(2) φ(z) = .
z2 − z1 z − z3

Demonstração. Provaremos o lema quando z1 , z2 , z3 ∈ C. O caso em


que um dos pontos dados é ∞ é deixado como exercı́cio.
Se definimos φ por (2), é claro que φ(z1 ) = 0, φ(z2 ) = 1 e φ(z3 ) = ∞.

97
Para provar unicidade, suponhamos que a transformação
az + b
ψ(z) =
cz + d
leve z1 , z2 e z3 em 0, 1 e ∞, respectivamente. Como ψ(z1 ) = 0, o fator z − z1
deve aparecer no numerador. Como ψ(z3 ) = ∞, o fator z − z3 deve aparecer
no denominador. Assim
a(z − z1 )
ψ(z) = .
c(z − z3 )
Como ψ(z2 ) = 1, segue que

a(z2 − z1 )
1 = ψ(z2 ) = ,
c(z2 − z3 )
e portanto
z2 − z3 z − z1
ψ(z) = = φ(z).
z2 − z1 z − z3

Demonstração do Teorema 17.5. Pelo Lema 17.6 existem trans-


formações de Möbius φ e ψ tais que

φ(z1 ) = 0, φ(z2 ) = 1, φ(z3 ) = ∞;

ψ(w1 ) = 0, ψ(w2 ) = 1, ψ(w3 ) = ∞.


Se definimos f = ψ −1 ◦ φ, é claro que f (zj ) = wj para j = 1, 2, 3. Além disso,
se w = f (z) = ψ −1 ◦ φ(z), então ψ(w) = φ(z), ou seja w = f (z) satisfaz (1).
Para provar unicidade, seja g uma transformação de Möbius tal que
g(zj ) = wj para j = 1, 2, 3. Segue que a transformação ψ ◦ g leva os pontos
z1 , z2 e z3 em 0, 1 e ∞, respectivamente. Pela unicidade do Lema 17.6,
ψ ◦ g = φ. Logo g = ψ −1 ◦ φ = f .

17.7. Corolário. Sejam L1 e L2 retas ou cı́rculos. Então existe uma


transformação de Möbius f que leva L1 em L2 .
Demonstração. Sejam z1 , z2 e z3 pontos distintos em L1 , e sejam w1 ,
w2 e w3 pontos distintos em L2 . Pelo Teorema 17.5 existe uma transformação
de Möbius f tal que f (zj ) = wj para j = 1, 2, 3. Logo f (L1 ) = L2 .

98
Exercı́cios
17.A. Prove a Proposição 17.3.
17.B. Prove que a inversa da transformação de Möbius w = (az+b)/(cz+
d) é dada por z = (−dw + b)/(cw − a).

17.C. (a) Prove que cada reta ou cı́rculo no plano xy pode ser represen-
tado por uma equação da forma

C(x2 + y 2 ) − 2Ax − 2By + D = 0, com CD ≤ A2 + B 2 .

(b) Reciprocamente, prove que cada equação desta forma representa uma
reta ou um cı́rculo no plano xy.

17.D. Determine os pontos fixos em C∞ das seguintes transformações:


(a) f (z) = z + b, com b ∈ C.
(b) f (z) = az, com a ∈ C, |a| = 1.
(c) f (z) = az, com a > 0.
(d) f (z) = 1/z.

17.E. Encontre uma transformação de Möbius f que leve o disco unitário


D no semiplano superior. Determine a inversa de f .

99
18. Teorema de Runge
Dado um compacto K ⊂ C, denotaremos por H(K) a famı́lia de todas
as funções que são holomorfas em alguma vizinhança aberta de K.
18.1. Teorema de Runge. Seja K compacto em C, e seja A um
subconjunto de C∞ \ K que intercepta cada componente conexa de C∞ \ K.
Então, dada f ∈ H(K), existe uma seqüência (Rn ) de funções racionais,
com todos seus polos em A, que converge a f uniformemente sobre K.
Para provar este teorema vamos precisar de vários resultados auxiliares.
18.2. Lema. Sejam a, b ∈ C, com b 6= 0. Seja γ a curva fechada
formado pelos segmentos orientados

γk = [a + ik b, a + ik+1 b] (k = 0, 1, 2, 3).

Então Ind(γ, z) = 1 para cada z no interior do quadrado com vértices a + ik b


(k = 0, 1, 2, 3).
Demonstração. Para cada k = 0, 1, 2, 3, seja

Γk (t) = a + ik beit (0 ≤ t ≤ π/2),

e seja Γ a curva fechada formada pelas curvas Γ0 , Γ1 , Γ2 e Γ3 . Então Γ é o


cı́rculo orientado com centro a e raio |b|.
Seja z um ponto no interior do quadrado. Aplicando o Teorema de Cauchy
4.5 a um aberto convexo que contenha Imγk ∪ ImΓk , mas que não contenha
z, vemos que Z Z
1 1
dζ = dζ
γk ζ − z Γk ζ − z

para cada k. Segue que


3 Z 3 Z
1 X 1 1 X 1
Ind(γ, z) = dζ = dζ = Ind(Γ, z) = 1.
2πi k=0 γk ζ − z 2πi k=0 Γk ζ − z

18.3. Lema. Seja U aberto em C, e seja K um subconjunto compacto


de U . Então existem segmentos orientados γ1 , ..., γn em U \ K tais que a
fórmula
n Z
1 X f (ζ)
(1) f (z) = dζ
2πi k=1 γk ζ − z

100
vale para cada f ∈ H(U ) e z ∈ K. Os segmentos γ1 ,...,γn formam um
número finito de polı́gonos fechados.
Demonstração. Seja 2δ = d(K, C \ U ). Consideremos uma grade de
retas horizontais e verticais em C tal que a distância entre duas retas hori-
zontais ou verticais consecutivas seja δ. Sejam Q1 , ..., Qm os quadrados cor-
respondentes,
S com aresta δ, que interceptam K. Segue da definição de δ que
K⊂ m Q
j=1 j ⊂ U.
A fronteira ∂Qj de cada quadrado consiste de quatro segmentos orienta-
dos. Alguns desses segmentos aparecem duas vezes, com orientações opostas,
quando dois quadrados tem uma aresta em comum. Descartemos
Sm esses, e de-
notemos por γ1 , ..., γn os segmentos restantes. Se φ : j=1 ∂Qj → C é uma
função contı́nua, é claro que
m Z
X Xn Z
(2) φ(ζ)dζ = φ(ζ)dζ.
j=1 ∂Qj k=1 γk

Notemos que Imγk ⊂ U \ K para cada k. De fato, seja γ uma aresta


de um quadrado Qj tal que Imγ intercepta K. Então γ é necessariamente
aresta de dois quadrados adjacentes que interceptam K, e γ deve portanto
ser descartado.
Seja f ∈ H(U ), seja z ∈ U , e seja ψ : U → C definida por
f (ζ) − f (z)
ψ(ζ) = se ζ 6= z, ψ(ζ) = f 0 (z) se ζ = z.
ζ −z
Então ψ é contı́nua em U e holomorfa em U \ {z}. Aplicando o teorema de
Cauchy para triângulos segue que
Z
f (ζ) − f (z)
dζ = 0 para cada j,
∂Qj ζ −z
e portanto
Z Z
f (ζ) 1
(3) dζ = f (z) dζ para cada j.
∂Qj ζ −z ∂Qj ζ −z
De (2) e (3) segue que
Xn Z Xm Z Xm Z
f (ζ) f (ζ) 1
dζ = dζ = f (z) dζ.
k=1 γk
ζ −z j=1 ∂Qj
ζ −z j=1 ∂Qj
ζ −z

101
Seja z ∈ K. Se z está no interior de algum Qk , então Ind(∂Qk , z) = 1,
pelo Lema 18.2, e Ind(∂Qj , z) = 0 para cada j 6= k, pelo Teorema 3.9. Logo
X n Z
f (ζ)
dζ = 2πif (z).
k=1 γ k
ζ − z

Ou seja (1) vale quando z está no interior de algum Qk . Se z não está no


interior de algum Qk , então z é o limite de uma seqüência de pontos no
interior de algum Qk , e (1) vale para z por continuidade.
18.4. Lema. Seja K compacto em C, seja γ : [0, 1] → C \ K uma curva,
e seja φ : Imγ → C uma função contı́nua. Então para cada  > 0 existe uma
função racional R, com todos seus polos em Imγ, tal que
Z
φ(z)
R(z) − dζ <  para todo z ∈ K.

γ ζ −z

Demonstração. Seja ρ = d(K, Imγ). Para cada z ∈ K e s, t ∈ [0, 1]


temos que

φ(γ(s)) φ(γ(t)) |φ(γ(s))(γ(t) − z) − φ(γ(t))(γ(s) − z)|

γ(s) − z γ(t) − z = |γ(s) − z||γ(t) − z|
|φ(γ(s))γ(t) − φ(γ(t))γ(s) − z[φ(γ(s)) − φ(γ(t))]|

ρ2
|φ(γ(s))[γ(t) − γ(s)] + γ(s)[φ(γ(s)) − φ(γ(t))] − z[φ(γ(s)) − φ(γ(t))]|
=
ρ2
|φ(γ(s))||γ(t) − γ(s)| + |γ(s)||φ(γ(s)) − φ(γ(t))| + |z||φ(γ(s)) − φ(γ(t))|
≤ .
ρ2
Seja c > 0 tal que |z| ≤ c para todo z ∈ K, |γ(s)| ≤ c para todo s ∈ [0, 1], e
|φ(γ(s))| ≤ c para todo s ∈ [0, 1]. Então

φ(γ(s)) φ(γ(t)) c|γ(s) − γ(t)| + 2c|φ(γ(s)) − φ(γ(t))|

γ(s) − z γ(t) − z ≤

ρ2
.

Como γ e φ ◦ γ são uniformemente contı́nuas em [0, 1], existe δ > 0 tal que

φ(γ(s)) φ(γ(t)) 

(4) γ(s) − z − γ(t) − z < R 1 0
|γ (t)|dt
0

102
sempre que z ∈ K e s, t ∈ [0, 1], com |s − t| < δ. Seja 0 = t0 < t1 < ... <
tn = 1 uma partição de [0, 1] tal que tj − tj−1 < δ para cada j. Seja R(z) a
função racional definida por
Xn
φ(γ(tj ))
(5) R(z) = [γ(tj ) − γ(tj−1 )].
j=1
γ(tj ) − z

Os polos de R são os pontos γ(t1 ), ..., γ(tn ). Se z ∈ K, segue de (4) e (5) que
Z
φ(ζ)
R(z) − dζ

γ ζ −z

X n Xn Z tj
φ(γ(t j )) φ(γ(t))
= [γ(tj ) − γ(tj−1 )] − γ 0 (t)dt
γ(tj ) − z γ(t) − z
j=1 j=1 tj−1
n Z
X tj  φ(γ(t )) φ(γ(t))

j 0
= − γ (t)dt
γ(tj ) − z γ(t) − z
j=1 tj−1
n Z
X tj φ(γ(tj ) φ(γ(t)) 0

γ(tj ) − z − γ(t) − z |γ (t)|dt
j=1 tj−1

n Z
X tj

< R1 |γ 0 (t)|dt = .
0
|γ 0 (t)|dt j=1 tj−1

18.5. Lema. Sejam U e V abertos em C tais que V ⊂ U e ∂V ∩ U = ∅.


Seja U0 uma componente conexa de U tal que U0 ∩ V 6= ∅. Então U0 ⊂ V .
Demonstração. Seja a ∈ U0 ∩ V , e seja V0 a componente conexa de V
que contém a. Como a ∈ V0 ⊂ V ⊂ U , segue que V0 ⊂ U0 . Para completar
a demonstração, provaremos que V0 = U0 .
Afirmamos que ∂V0 ⊂ ∂V . De fato seja z ∈ ∂V0 . Como é claro que
z ∈ V0 ⊂ V , basta provar que z ∈
/ V . Suponhamos que z ∈ V . Então existe
um disco D(z; r) ⊂ V , e portanto

a ∈ V0 ⊂ V0 ∪ D(z; r) ⊂ V.

Como z ∈ ∂V0 , segue que z ∈ / V0 e V0 ∩ D(z; r) 6= ∅. Segue que V0 6=


V0 ∪ D(z; r) e V0 ∪ D(z; r) é conexo, absurdo.

103
Notemos que ∂V0 ∩ U0 = ∅, e portanto U0 ⊂ C \ ∂V0 . De fato ∂V0 ∩ U0 ⊂
∂V ∩ U = ∅.
Como V0 = V0 ∪ ∂V0 , segue que

C \ V0 = (C \ V0 ) ∩ (C \ ∂V0 ).

Como U0 ⊂ C \ ∂V0 , segue que

U0 ∩ (C \ V0 ) = U0 ∩ [C \ V0 ) ∩ (C \ ∂V0 ] = U0 ∩ (C \ V0 ) = U0 \ V0 .

Segue das igualdades anteriores que U0 \ V0 é aberto e fechado em U0 . Como


U0 é conexo, segue que U0 \ V0 = U0 ou U0 \ V0 = ∅. Como a ∈ V0 ⊂ U0 ,
segue que a ∈/ U0 \ V0 . Logo U0 \ V0 6= U0 , e portanto U0 \ V0 = ∅. Segue que
V0 = U0 , completando a demonstração.
18.6. Definição. Seja E um espaço vetorial sobre C. Uma função
x ∈ E → kxk ∈ R é chamada de norma se verifica as seguintes proprieda-
des:
(a) kxk ≥ 0 para todo x ∈ E;
(b) kxk = 0 se e só se x = 0;
(c) kλxk = |λ|kxk para todo x ∈ E, λ ∈ C;
(d) kx + yk ≤ kxk + kyk para todo x, y ∈ E.
O espaço vetorial E, junto com a norma k.k, é chamado de espaço nor-
mado. Diremos que E é um espaço de Banach se E é um espaço normado
que é completo com relação à métrica natural d(x, y) = kx − yk.
18.7. Definição. Diremos que E é uma álgebra sobre C se E for um
espaço vetorial sobre C, e um anel, tal que a multiplicação do anel é uma
aplicação bilinear. Diremos que E é uma álgebra normada se E for um espaço
normado, e uma álgebra sobre C, com a propriedade adicional
(e) kxyk ≤ kxkkyk para todo x, y ∈ E.
Diremos que E é uma álgebra de Banach se E for uma álgebra normada
que é completa.
18.8. Exemplo. Se K é compacto em C, então C(K), com a norma

kf k = sup{|f (z)| : z ∈ K},

é uma álgebra de Banach.

104
18.9. Lema. Seja K compacto em C, e seja A um subconjunto de C∞ \K
que intercepta cada componente conexa de C∞ \ K. Seja RA (K) a famı́lia de
todas as funções f ∈ C(K) que são limites uniformes sobre K de seqüências
de funções racionais, com todos seus polos em A. Então:
(a) RA (K) é uma subalgebra fechada de C(K).
(b) A função 1/(z − a) pertence a RA (K) para cada a ∈ C \ K.
Demonstração. (a) é fácil, e é deixada como exercı́cio. Para provar (b),
distinguiremos dois casos.
/ A. Seja U = C \ K, e seja
(i) Suponhamos que ∞ ∈

V = {a ∈ U : 1/(z − a) ∈ RA (K)}.

Claramente A ⊂ V ⊂ U . Afirmamos que

(6) a ∈ V, |b − a| < d(a, K) implica b ∈ V.

De fato, para z ∈ K,

1 1 1/(z − a)
= =
z−b (z − a) − (b − a) 1 − (b − a)/(z − a)
∞  k ∞
1 X b−a X (b − a)k
= = .
z − a k=0 z−a k=0
(z − a)k+1
Segue da hipótese que a série acima converge uniformemente para z ∈ K.
Como 1/(z − a) ∈ RA (K), segue que 1/(z − b) ∈ RA (K).
Segue de (6) que V é aberto.
Afirmamos que U ∩ ∂V = ∅. De fato, seja b ∈ ∂V , e seja (an ) ⊂ V tal
que an → b. Como b ∈ / V , (6) implica que |b − an | ≥ d(an , K) para todo n.
Segue que d(b, K) = 0, ou seja b ∈ K, ou seja b ∈
/ U.
Seja U0 uma componente conexa de U = C \ K. Notemos que, se U0
é limitada, então U0 é uma componente conexa de C∞ \ K, e se U0 não é
limitada, então U0 ∪ {∞} é uma componente conexa de C∞ \ K.
Como A intercepta cada componente conexa de C∞ \ K, e ∞ ∈ / A, segue
que U0 ∩ A 6= ∅, e portanto U0 ∩ V 6= ∅. Pelo lema anterior U0 ⊂ V . Como
U0 é uma componente conexa arbitrária de U , segue que U ⊂ V . Isto prova
(b), quando ∞ ∈/ A.

105
(ii) Suponhamos que ∞ ∈ A. Seja R > 0 tal que K ⊂ D(0; R), seja
b ∈ C \ D(0; 2R), e seja

B = (A \ {∞}) ∪ {b}.

É claro que ∞ ∈ / B, e B intercepta cada componente conexa de C∞ \ K.


Pelo caso (i), 1/(z − a) ∈ RB (K) para todo a ∈ C \ K. Para completar a
demonstração do lema basta provar que RB (K) ⊂ RA (K).
Primeiro notemos que 1/(z − b) ∈ RA (K). De fato

1 X  z k

1 −1/b
= =− .
z−b 1 − (z/b) b k=0 b

Sendo um limite uniforme de polinômios, 1/(z − b) pertence a RA (K).


Finalmente provaremos que RB (K) ⊂ RA (K). Seja f ∈ RB (K). Então f
é o limite uniforme sobre K de uma seqüência (Rn ) de funções racionais, com
todos seus polos em B. Fixemos n. Se os polos de Rn estão todos em A, é
claro que Rn ∈ RA (K). Se Rn tem um polo em b, então existe um polinômio
Qn tal que a função  
1
Rn (z) − Qn
z−b
tem todos seus polos em A. Logo a função
    
1 1
Rn (z) = Rn (z) − Qn + Qn ∈ RA (K).
z−b z−b
Segue que Rn ∈ RA (K) para cada n, e portanto f ∈ RA (K).
Demonstração do Teorema de Runge 18.1. Dada f ∈ H(K), existe
uma vizinhança aberta U de K tal que f ∈ H(U ). Pelo Lema 18.3 existem
segmentos orientados γ1 , ..., γn em U \ K tais que a fórmula
n Z
1 X f (ζ)
f (z) = dζ.
2πi k=1 γk ζ − z

vale para cada z ∈ K. Seja  > 0 dado. Pelo Lema 18.4 para cada k existe
uma função racional Rk , com todos seus polos em Imγk , tal que
Z
f (ζ)
Rk (z) − 1 dζ < /n para todo z ∈ K.
2πi γk ζ − z

106
Pn
Seja R = Rk . Então para cada z ∈ K tem-se que
k=1
Z
Xn n
X 1 f (ζ)

|R(z) − f (z)| = Rk (z) − dζ < .
2πi γk ζ − z
k=1 k=1

Para completar a demonstração do teorema provaremos que R ∈ RA (K). De


fato sejam a1 , ..., am os polos de R. Então existem polinômios Q1 , ..., Qm tais
que a função
Xm  
1
R(z) − Qj
j=1
z − aj
é um polinômio. Como aj ∈ C \ K, o lema anterior garante que a função
1/(z − aj ) pertence a RA (K), para cada j. Segue que
" m  # X m  
X 1 1
R(z) = R(z) − Qj + Qj ∈ RA (K),
j=1
z − a j j=1
z − a j

como queriamos.
Denotaremos por P (C) a famı́lia de todos os polinômios P : C → C. O
teorema de Runge tem importantes conseqüências.
18.10. Corolário. Seja K um compacto de C tal que C∞ \ K é conexo.
Então, dada f ∈ H(K), existe uma seqüẽncia (Pn ) ⊂ P (C) que converge a
f uniformemente sobre K.
Demonstração. Basta aplicar o teorema de Runge com A = {∞}.
18.11. Corolário. Seja U aberto em C, e seja A um subconjunto de
C∞ \ U que intercepta cada componente conexa de C∞ \ U . Então, dada
f ∈ H(U ), existe uma seqüência (Rn ) de funções racionais, com todos seus
polos em A, que converge a f uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U .
Demonstração. Seja (Kn ) a seqüência de compactos definida por
Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U } ≥ 1/n}.
Pela Proposição 16.2 cada componente conexa de C∞ \ Kn contém uma com-
ponente conexa de C∞ \ U . Segue que A intercepta cada componente conexa
de C∞ \ Kn , para cada n. Pelo teorema de Runge, para cada n ∈ N existe
uma função racional Rn , com todos seus polos em A, tal que
sup |Rn (z) − f (z)| < 1/n.
z∈Kn

107
Pela Proposição 14.2 cada compacto K ⊂ U está contido em algum Kn .
Segue que (Rn ) converge a f uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U .
18.12. Corolário. Seja U um aberto de C tal que C∞ \ U é conexo.
Então, dada f ∈ H(U ), existe uma seqüência (Pn ) ⊂ P (C) que converge a f
uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U .
Demonstração. Basta aplicar o corolário anterior com A = {∞}.

Exercı́cios
18.A. Seja K compacto em C. Prove que C∞ \ K é conexo se e só se
C \ K é conexo.
18.B. Seja U aberto e limitado em C. Prove que C∞ \ U é conexo se e
só se C \ U é conexo.
18.C. Seja U = {z ∈ C : |z| > 1}. Prove que C \ U é conexo, mas C∞ \ U
não é conexo.
18.D. Seja U = {z ∈ C : 0 < Rez < 1}. Prove que C∞ \ U é conexo,
mas C \ U não é conexo.
18.E. Seja K compacto em C. Diremos que K é polinomialmente convexo
se para cada a ∈ C \ K existe P ∈ P (C) tal que |P (a)| > supK |P |. Prove
que K é polinomialmente convexo se e só se C \ K é conexo.
Sugestões: Para provar a implicação ⇒ suponha que C \ K não seja
conexo, tome um ponto a em uma componente conexa limitada de C \ K, e
utilize o corolário do teorema do módulo máximo. Para provar a implicação
oposta seja a ∈ C\K, seja (an ) uma seqüência em C\K que converge a a, com
an 6= a para cada n, e aplique o Corolário 18.10 à função fn (z) = (z − an )−1 ,
que pertence a H(K ∪ {a}).
18.F. Dado um compacto K ⊂ C, seja K̂P (C) definido por

K̂P (C) = {z ∈ C : |P (z)| ≤ sup |P | para cada P ∈ P (C)}.


K

Prove que:
(a) K̂P (C) é um compacto polinomialmente convexo.
(b) K é polinomialmente convexo se e só se K = K̂P (C) .

108
18.G. Prove que cada disco fechado D(a; r) em C é um compacto poli-
nomialmente convexo.
18.H. Prove que cada conjunto finito em C é um compacto polinomial-
mente convexo.
18.I. Seja (aj ) uma seqüência em C que converge a um ponto a. Prove
que o compacto K = {aj : j ∈ N} ∪ {a} é polinomialmente convexo.
Sugestão: Seja D = sup{|z − w| : z, w ∈ K}. Dado b ∈ C \ K, seja
d = d(b, K), e seja n0 ∈ N tal que |aj −Qak | < d/2 para todo j, k ≥ n0 . Para
n > n0 considere o polinômio Pn (z) = nk=1 (z − ak ).
18.J. Se U é aberto em C, prove que as seguintes condições são equiva-
lentes:
(a) K̂P (C) ⊂ U para cada compacto K ⊂ U .
(b) d(K̂P (C) ∩ U, C \ U ) > 0 para cada compacto K ⊂ U .
Se U verifica (a) ou (b), diremos que U é um aberto polinomialmente
convexo.
Sugestão: Para provar a implicação (b) ⇒ (a), suponha que exista um
compacto K ⊂ U tal que K̂P (C) 6⊂ U . Escreva K̂P (C) = A ∪ B, onde A =
K̂P (C) ∩ U e B = K̂P (C) \ U . Seja f igual a zero em uma vizinhança de A, e
igual a um em uma vizinhança de B. Aplique o Corolário 18.10, junto com
os Exercı́cios 18.A, 18.E e 18.F, à função f .
18.K. Seja U aberto em C, e seja (Kn ) a seqüência de compactos definida
por
Kn = {z ∈ U : |z| ≤ n, d(z, C \ U ) ≥ 1/n}.
Consideremos as seguintes condições:
(a) C∞ \ U é conexo.
(b) C∞ \ Kn é conexo para cada n ∈ N.
(c) U é polinomialmente convexo.
(d) Para cada f ∈ H(U ) existe uma seqüência (Pn ) ⊂ P (C) que converge
a f uniformemente sobre cada compacto de U .
Prove que (a) ⇒ (b) ⇒ (c) ⇒ (d). Na Seção 23 veremos que de fato estas
condições são equivalentes.
Sugestão: Para provar a implicação (a) ⇒ (b) use a Proposição 16.2.

109
19. Teorema de Cauchy em abertos arbitrários
Se γ é uma curva fechada em C, o ı́ndice Ind(γ, z) foi definido na Seção
3 para cada z ∈ C. Se definimos Ind(γ, ∞) = 0, então segue do Teorema 3.9
que Ind(γ, z) é uma função contı́nua em C∞ . Primeiro vamos generalizar o
Teorema de Cauchy 4.5.
19.1. Teorema de Cauchy. Seja U aberto em C, e seja f ∈ H(U ).
(a) Se γ é uma curva fechada em U tal que Ind(γ, a) = 0 para cada
a ∈ C∞ \ U , então Z
f (z)dz = 0.
γ

(b) Se γ0 e γ1 são duas curvas fechadas em U tais que Ind(γ0 , a) =


Ind(γ1 , a) para cada a ∈ C∞ \ U , então
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
γ0 γ1

Demonstração. (a) Seja A um conjunto com um ponto em cada com-


ponente conexa de C∞ \ U . Pelo teorema de Runge existe uma seqüência
(Rn ) de funções racionais, com todos seus polos em A, que converge a f
uniformemente sobre cada compacto K ⊂ U . Pela Proposição 3.6
Z Z
f (z)dz = lim Rn (z)dz.
γ n→∞ γ

Fixemos n, e sejam a1 , ..., ar os polos de Rn . Aplicando o Teorema dos


Residuos 10.4 com o aberto C e a função Rn , segue que
Z Xr
Rn (z)dz = 2πi Res(Rn , aj )Ind(γ, aj ) = 0,
γ j=1
R
e portanto γ
f (z)dz = 0.
A demonstração de (b) é análoga.
19.2. Corolário. Seja U aberto em C tal que C∞ \ U é conexo. Se
f ∈ H(U ) e γ é uma curva fechada em U , então
Z
f (z)dz = 0.
γ

110
Demonstração. Como C∞ \ U ⊂ C∞ \ Imγ, vemos que C∞ \ U está
contido na componente conexa não limitada de C∞ \Imγ. Segue do Teorema
3.9 que Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ C∞ \ U . A conclusão desejada segue do
teorema anterior.
A seguir vamos generalizar o Teorema dos Residuos 10.4.
19.3. Teorema dos residuos. Seja U aberto em C, seja f ∈ M (U ), e
seja P (f ) o conjunto dos polos de f . Seja γ uma curva fechada em U \ P (f )
tal que Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ C∞ \ U . Então
Z X
1
f (z)dz = Res(f, a)Ind(γ, a).
2πi γ
a∈P (f )

Demonstração. Seja
A = {a ∈ P (f ) : Ind(γ, a) 6= 0}.
Pelo Teorema 3.9 cada a ∈ A pertence a uma componente conexa limitada
Va de C∞ \ Imγ tal que Va ⊂ U . Seja V a união das componentes conexas
limitadas de C∞ \ Imγ que estão contidas em U . Assim
A ⊂ P (f ) ∩ V ⊂ V ∪ Imγ ⊂ U,
e V ∪ Imγ é um subconjunto compacto de U . Como P (f ) não tem pontos
de acumulação em U , segue que P (f ) ∩ V é um conjunto finito, digamos
P (f ) ∩ V = {a1 , ..., ar }.
A partir deste ponto vamos repetir o argumento da demonstração do Teo-
rema dos Residuos 10.4, mas usando o Teorema de Cauchy 19.1 em lugar do
Teorema de Cauchy 4.5. De fato, se PQj é a parte singular de f em aj , para
cada j, segue que a função g = f − rj=1 Qj tem singularidades removı́veis
nos pontos a1 , ..., ar . Seja
W = U \ [P (f ) \ V ].
Segue que g ∈ H(W ) e Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ C∞ \ W . Aplicando o
Teorema de Cauchy 19.1 com o aberto W e a função g, segue que
Z Xr Z Z Xr
0 = f (z)dz − Qj (z)dz = f (z)dz − 2πiRes(f, aj )Ind(γ, aj ),
γ j=1 γ γ j=1

111
ou seja Z X
f (z)dz = 2πi Res(f, a)Ind(γ, a).
γ a∈P (f )∩V

Como Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ P (f ) \ V , segue que


Z X
f (z)dz = 2πi Res(f, a)Ind(γ, a).
γ a∈P (f )

19.4. Corolário. Seja U aberto em C tal que C∞ \ U é conexo. Seja


f ∈ M (U ), e seja γ uma curva fechada em U \ P (f ). Então
Z X
1
f (z)dz = Res(f, a)Ind(γ, a).
2πi γ
a∈P (f )

Demonstração. Basta repetir o argumento da demonstração do Corolário


19.2.
A seguir vamos generalizar o Teorema 6.7 e o Corolário 6.9 ao mesmo
tempo.
19.5. Teorema. Seja U aberto em C. Seja f ∈ M (U ), suponhamos que
f não seja identicamente zero, e sejam

Z(f ) = {aj : j ∈ N} e P (f ) = {bk : k ∈ N}

as seqüências de zeros distintos e polos distintos de f , respectivamente. Supo-


nhamos que aj seja um zero de f de ordem mj , para cada j, e que bk seja
um polo de f de ordem nk , para cada k. Seja γ uma curva fechada em
U \ [Z(f ) ∪ P (f )] tal que Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ C∞ \ U . Seja Γ = f ◦ γ.
Então
Z 0 X X
1 f (z)
Ind(Γ, 0) = dz = mj Ind(γ, aj ) − nk Ind(γ, bk ).
2πi γ f (z) j k

Demonstração. É claro que


Z Z β
1 1 1 Γ0 (t)
Ind(Γ, 0) = dw = dt
2πi Γ w 2πi α Γ(t)

112
Z β Z
1 f 0 (γ(t))γ 0 (t) 1 f 0 (z)
= dt = dz.
2πi α f (γ(t)) 2πi γ f (z)
Isto prova a primeira igualdade. Para provar a segunda igualdade conside-
remos os conjuntos

A = {a ∈ Z(f ) : Ind(γ, a) 6= 0}, B = {b ∈ P (f ) : Ind(γ, b) 6= 0}.

Seja V a união das componentes conexas limitadas de C \ Imγ que estão


contidas em U . O argumento da demonstração do Teorema dos Residuos
19.3 mostra que

A ⊂ Z(f ) ∩ V ⊂ V ∪ Imγ ⊂ U, B ⊂ P (f ) ∩ V ⊂ V ∪ Imγ ⊂ U,

e V ∪ Imγ é um subconjunto compacto de U . Como Z(f ) e P (f ) não tem


pontos de acumulação em U , segue que Z(f ) ∩ V e P (f ) ∩ V são conjuntos
finitos. Sem perda de generalidade podemos supor que

Z(f ) ∩ V = {a1 , ..., ar }, P (f ) ∩ V = {b1 , ..., bs }.

O argumento da demonstração do Teorema 6.7 mostra que podemos escrever


r
f 0 (z) X mj g 0 (z)
= +
f (z) j=1
z − aj g(z)

para todo z ∈ U \ [Z(f ) ∪ P (f )], onde g ∈ M (U ) é tal que

Z(g) ∩ V = ∅, Z(g) \ V = Z(f ) \ V, P (g) = P (f ).

Um argumento análogo nos permite escrever


s
g 0 (z) X −nk h0 (z)
= +
g(z) k=1
z − bk h(z)

para todo z ∈ U \ [Z(g) ∪ P (g)], onde h ∈ M (U ) é tal que

Z(h) = Z(g), P (h) ∩ V = ∅, P (h) \ V = P (g) \ V.

Segue que
r s
f 0 (z) X mj X nk h0 (z)
= − +
f (z) j=1
z − aj k=1 z − bk h(z)

113
para todo z ∈ U \ [Z(f ) ∪ P (f )], onde h ∈ M (U ) é tal que

Z(h) ∩ V = ∅, Z(h) \ V = Z(f ) \ V,

P (h) ∩ V = ∅, P (h) \ V = P (f ) \ V.
Notemos que h0 /h ∈ M (U ) e

P (h0 /h) = Z(h) ∪ P (h) = [Z(f ) ∪ P (f )] \ V.

Segue que Ind(γ, a) = 0 para cada a ∈ P (h0 /h). Aplicando o Teorema dos
Residuos 19.3 com o aberto U e a função h0 /h, segue que
Z 0 X
1 h (z)
dz = Res(h0 /h, a)Ind(γ, a) = 0,
2πi γ h(z) 0 a∈P (h /h)

e portanto
Z Xr Xs
1 f 0 (z)
dz = mj Ind(γ, aj ) − nk Ind(γ, bk ).
2πi γ f (z) j=1 k=1

Como Ind(γ, aj ) = 0 para j > r, e Ind(γ, bk ) = 0 para k > s, segue que


Z 0 X X
1 f (z)
dz = mj Iγ (aj ) − nk Iγ (bk ),
2πi γ f (z) j k

completando a demonstração.
Finalmente vamos generalizar o Teorema de Rouché 7.7.
19.6. Teorema de Rouché. Seja U aberto em C, e sejam f, g ∈ M (U ).
Seja D(a; r) ⊂ U , e sejam Zf , Pf , Zg e Pg os números de zeros e polos de
f e g em D(a; r), contados de acordo com suas respectivas ordens. Seja
γ(t) = a + reit para 0 ≤ t ≤ 2π, e suponhamos que nem f nem g tenham
polos em Imγ. Se

(1) |f (z) + g(z)| < |f (z)| + |g(z)| para todo |z − a| = r,

então
Z f − Pf = Z g − Pg .

114
Demonstração. Segue de (1) que nem f nem g tem zeros em Imγ.
Sejam Γ1 = f ◦ γ e Γ2 = g ◦ γ. Segue de (1) que
|Γ1 (t) + Γ2 (t)| < |Γ1 (t)| + |Γ2 (t)| para todo 0 ≤ t ≤ 2π.
Usando os Teoremas 19.5 e 7.6 segue que
Zf − Pf = Ind(Γ1 , 0) = Ind(Γ2 , 0) = Zg − Pg .

Exercı́cios
19.A. Seja
U = {z ∈ C : |z| < 1, |2z − 1| > 1}.
R
(a) Dada f ∈ H(U ), prove que γ f (z)dz = 0 para cada curva fechada γ
em U .
(b) Dada f ∈ M (U ), prove que
Z X
1
f (z)dz = Res(f, a)Ind(γ, a)
2πi γ
a∈P (f )

para cada curva fechada γ em U \ P (f ).

19.B. Sejam 0 ≤ R1 < R2 ≤ ∞, e seja U o aberto


U = {z ∈ C : R1 < |z| < R2 }.
(a) Dê exemplo de uma curva fechada γ em U tal que Ind(γ, 0) 6= 0.
(b) Dê Rexemplo de uma função f ∈ H(U ) e de uma curva fechada γ em
U tal que γ f (z)dz 6= 0.

19.C. Sejam 0 ≤ R1 < R2 ≤ ∞, e seja U o aberto


U = {z ∈ C : R1 < |z| < R2 }.
Sejam R1 < r1 < r2 < R2 , e sejam γ1 e γ2 as curvas
γ1 (t) = r1 eit , γ2 (t) = r2 eit (0 ≤ t ≤ 2π).
Se f ∈ H(U ), prove que
Z Z
f (z)dz = f (z)dz.
γ1 γ2

115
20. Série de Laurent
20.1. Definição. Seja zn ∈ C para cada n ∈ Z. Diremos que uma série
da forma ∞
X
zn
n=−∞
P∞ P∞
é convergente se cada uma das séries n=0 zn e n=1 z−n é convergente.
Neste caso definimos

X ∞
X ∞
X
zn = zn + z−n .
n=−∞ n=0 n=1
P∞
Caso contrário, diremos que a série n=−∞ zn é divergente.
20.2. Definição. Sejam a ∈ C e cn ∈ C para cada n ∈ Z. Cada série da
forma ∞
X
cn (z − a)n
n=−∞

é chamada de série de Laurent.


20.3. Proposição. Consideremos a série de Laurent

X
cn (z − a)n .
n=−∞

Então existem R1 , R2 ∈ [0, ∞] tais que:


(a) A série converge absolutamente para todo z tal que R1 < |z − a| <
R2 .
(b) A série diverge para todo z tal que |z − a| < R1 ou |z − a| > R2 .
(c) Se R1 < r1 ≤ r2 < R2 , então a série converge uniformemente para
r1 ≤ |z − a| ≤ r2 .
Demonstração. Pelo Teorema de Abel 2.1 existe R2 ∈ [0, ∞] tal que a
série ∞
X
cn (z − a)n
n=0

converge absolutamente para todo z tal que |z − a| < R2 , e diverge para todo
z tal que |z − a| > R2 .

116
Também pelo Teorema de Abel existe ρ1 ∈ [0, ∞] tal que a série

X
c−n (z − a)−n
n=1

converge absolutamente para todo z tal que |1/(z − a)| < ρ1 , e diverge para
todo z tal que |1/(z − a)| > ρ1 . Tomando R1 = 1/ρ1 , obtemos (a), (b), (c).

20.4. Proposição. Sejam 0 ≤ R1 < R2 ≤ ∞. Se a série de Laurent



X
cn (z − a)n
n=−∞

converge no anel
A(a, R1 , R2 ) = {z ∈ C : R1 < |z − a| < R2 }
a uma função f , então:
(a) f é holomorfa no anel A(a, R1 , R2 ).
(b) Os coeficientes cn são dados pela fórmula
Z
1 f (ζ)
cn = dζ,
2πi γr (ζ − a)n+1
onde γr (t) = a + reit (0 ≤ t ≤ 2π), com R1 < r < R2 . A integral que define
cn é independente do valor de r, desde que R1 < r < R2 .
Demonstração. (a) Se definimos

X ∞
X
f2 (z) = n
cn (z − a) , f1 (z) = c−n (z − a)−n ,
n=0 n=1

então segue da demonstração da proposição anterior que f2 (z) é holomorfa


para |z − a| < R2 , e f1 (z) é holomorfa para |z − a| > R1 . Assim f (z) =
f2 (z) + f1 (z) é holomorfa para R1 < |z − a| < R2 .
(b) Seja γr (t)P= a + reit (0 ≤ t ≤ 2π), com R1 < r < R2 . Pela proposição
anterior a série ∞ k
k=−∞ ck (ζ − a) converge uniformemente a f (ζ) sobre o
cı́rculo γr . Segue que
Z Z ∞
!
f (ζ) X
n+1
dζ = ck (ζ − a)k−n−1 dζ
γr (ζ − a) γr k=−∞

117

X Z
= ck (ζ − a)k−n−1 dζ = 2πicn .
k=−∞ γr

Logo Z
1 f (ζ)
cn =
2πi γr (ζ − a)n+1
para cada n ∈ Z, e a integral é independente do valor de r.

20.5. Proposição. Sejam 0 ≤ R1 < R2 ≤ ∞, e seja f uma função


holomorfa no anel A(a, R1 , R2 ). Então, dado z ∈ A(a, R1 , R2 ), e dados R1 <
r1 < |z − a| < r2 < R2 , f (z) é dado pela fórmula
Z Z
1 f (ζ) 1 f (ζ)
f (z) = dζ − dζ,
2πi γ2 ζ − z 2πi γ1 ζ − z

onde γ1 (t) = a + r1 eit e γ2 (t) = a + r2 eit (0 ≤ t ≤ 2π).


Demonstração. Seja z ∈ A(a, R1 , R2 ) dado, e seja g : A(a, R1 , R2 ) → C
definida por

f (ζ) − f (z)
g(ζ) = se ζ 6= z, g(ζ) = f 0 (z) se ζ = z.
ζ −z
Claramente g é holomorfa para ζ 6= z, e ζ = z é uma singularidade removı́vel
de g. Logo g é holomorfa no anel A(a, R1 , R2 ).
Sejam R1 < r1 < r2 < R2 , e sejam γ1 (t) = a + r1 eit , γ2 (t) = a + r2 eit
(0 ≤ t ≤ 2π). Seja Γ a curva fechada que começa com γ2 , seguida do
segmento [r2 , r1 ], seguida da curva −γ1 , e seguida do segmento [r1 , r2 ]. Se
b ∈ C \ A(a, R1 , R2 ), é claro que Ind(γ2 , b) = Ind(γ1 , b), e dai segue que
Ind(Γ, b) = 0. Usando o Teorema de Cauchy 19.1 segue que
Z Z Z
0 = g(ζ) = g(ζ)dζ − g(ζ)dζ
Γ γ2 γ1
Z Z
f (ζ) − f (z) f (ζ) − f (z)
= dζ − dζ
γ2 ζ −z γ1 ζ −z
Z Z Z Z
f (ζ) 1 f (ζ) 1
= dζ − f (z) dζ − dζ + f (z) dζ.
γ2 ζ −z γ2 ζ − z γ1 ζ − z γ1 ζ − z

118
Como Z Z
1 1
dζ = 2πi e dζ = 0,
γ2 ζ −z γ1 ζ −z
segue que Z Z
f (ζ) f (ζ)
2πif (z) = dζ − dζ.
γ2 ζ −z γ1 ζ −z

20.6. Teorema. Sejam 0 ≤ R1 < R2 ≤ ∞, e seja f uma função


holomorfa no anel A(a, R1 , R2 ). Então:
(a) Para cada z ∈ A(a, R1 , R2 ), f (z) é dado pela série de Laurent

X
f (z) = cn (z − a)n ,
n=−∞

cujos coeficientes cn são dados pela fórmula


Z
1 f (ζ)
cn = dζ,
2πi γr (ζ − a)n+1
onde γr (t) = a + reit , com R1 < r < R2 .
(b) Se R1 < r1 ≤ r2 < R2 , a série converge uniformemente para r1 ≤
|z − a| ≤ r2 .
Demonstração. Seja z ∈ A(a, R1 , R2 ) fixo, e sejam R1 < r1 < |z − a| <
r2 < R2 . Pela proposição anterior f (z) é dada por
Z Z
1 f (ζ) 1 f (ζ)
f (z) = dζ − dζ,
2πi γ2 ζ − z 2πi γ1 ζ − z
onde γ1 (t) = a + r1 eit e γ2 (t) = a + r2 eit (0 ≤ t ≤ 2π). Para ζ ∈ Imγ2 temos
que
1 1 1/(ζ − a)
= =
ζ −z (ζ − a) − (z − a) 1 − (z − a)/(ζ − a)
∞   ∞
1 X z−a X
n
(z − a)n
= = n+1
.
ζ − a n=0 ζ − a n=0
(ζ − a)
Segue que
Z X∞ Z X∞
1 f (ζ) n 1 f (ζ)
dζ = (z − a) n+1
dζ = cn (z − a)n ,
2πi γ2 ζ − z n=0
2πi γ2 (ζ − a) n=0

119
onde Z
1 f (ζ)
cn = dζ para n = 0, 1, 2, ...
2πi γ2 (ζ − a)n+1
De maneira análoga, para ζ ∈ Imγ1 temos que

1 1 −1/(z − a)
= =
ζ −z (ζ − a) − (z − a) 1 − (ζ − a)/(z − a)
∞  k ∞
1 X ζ −a X (ζ − a)k
=− =− .
z − a k=0 z−a k=0
(z − a)k+1
Segue que
Z X ∞ Z −∞
X
1 f (ζ) 1
− dζ = (z − a)−k−1 f (ζ)(ζ − a)k dζ = cn (z − a)n ,
2πi γ1 ζ −z k=0
2πi γ1 n=−1

onde Z
1 f (ζ)
cn = dζ para n = −1, −2, −3, ...
2πi γ1 (ζ − a)n+1
Assim ∞
X
f (z) = cn (z − a)n para todo z ∈ A(a, R1 , R2 ),
n=−∞

e os coeficientes cn são dados por


Z
1 f (ζ)
cn = dζ,
2πi γr (ζ − a)n+1

onde γr (t) = a+reit (0 ≤ t ≤ 2π), com R1 < r < R2 . Notemos que a integral
acima é independente do valor de r. A última afirmação do teorema segue
da Proposição 20.3.

20.7. Teorema. Seja a uma singularidade isolada de f , e seja



X
f (z) = cn (z − a)n
n=−∞

a representação de f em série de Laurent no anel A(a, 0, R). Então:

120
(a) a é uma singulariade removı́vel de f se e só se cn = 0 para todo
n < 0.
(b) a é um polo de ordem k de f se e só se c−k 6= 0 e cn = 0 para todo
n < −k.
(c) a é uma singularidade essencial de f se e só se cn 6= 0 para uma
infinidade de valores negativos de n.
Demonstração. Como na demonstração da Proposição 20.4 escrevamos

f (z) = f2 (z) + f1 (z),

onde ∞ ∞
X X
f2 (z) = n
cn (z − a) , f1 (z) = c−n (z − a)−n .
n=0 n=1

Então f2 (z) é holomorfa para |z − a| < R, e f1 (z) é holomorfa para |z − a|


> 0.
(a) Se cn = 0 para todo n < 0, então f (z) = f2 (z) é holomorfa para
|z − a| < R, ou seja a é uma singularidade removı́vel de f .
Reciprocamente, se a é uma singularidade removı́vel de f , então f é
holomorfa num disco com centro a. Segue que f1 = f − f2 é holomorfa num
disco com centro a. Mas neste caso f1 só pode ser zero, ou seja cn = 0 para
todo n < 0.
(b) Se c−k 6= 0 e cn = 0 para todo n < −k, então
k
X
f (z) = f2 (z) + c−n (z − a)−n .
n=1

Pelo Teorema 9.3 a é um polo de f de ordem k.


Reciprocamente, suponhamos que a seja um polo de f de ordem k. Pelo
Teorema 9.3 podemos escrever
k
X bn
f (z) = h(z) + .
n=1
(z − a)n

Pela unicidade da série de Laurent, temos que f2 (z) = h(z), cn = bn para


−1 ≥ n ≥ −k, cn = 0 para n < −k.
É claro que (c) segue de (a) e (b).

121
20.8. Teorema (decomposição em frações parciais). Seja f (z) =
P (z)/Q(z) uma função racional, com grauP < grauQ. Suponhamos que
P e Q não tenham zeros comuns, e sejam b1 , ..., bn os polos distintos de f ,
ou seja os zeros distintos de Q. Então existem polinômios R1 , ..., Rn , sem
termos constantes, tais que
Xn  
1
f (z) = Rj .
j=1
z − bj

Demonstração. Seja R1 (1/(z − b1 )) a parte singular de f em b1 . Então


b1 é uma singularidade removı́vel da função
 
1
f1 (z) = f (z) − R1 .
z − b1
Então f1 é uma função racional, com polos b2 , ..., bn . Seja R2 (1/(z − b2 )) a
parte singular de f1 em b2 . Então b2 é uma singularidade removı́vel da função
   
1 1
f2 (z) = f (z) − R1 − R2 .
z − b1 z − b2
Procedendo de maneira indutiva obtemos polinômios R1 , ..., Rn , sem termos
constantes, tais que a função
Xn  
1
fn (z) = f (z) − Rj
j=1
z − bj

é holomorfa em todo C. Como grauP < grauQ, segue que

lim |fn (z)| = 0,


|z|→∞

e em particular fn é limitada em C. Segue do teorema de Liouville que


fn (z) = 0 para todo z. Isto prova o teorema.

Exercı́cios
20.A. Determine as séries de Laurent das seguintes funções:
(z + 1)2
(a) f (z) = , no anel A(0, 0, ∞);
z
122
1
(b) f (z) = , no anel A(0, 0, 1);
z 2 (1− z)
1
(c) f (z) = , no anel A(1, 0, 1);
z 2 (1 − z)
(d) f (z) = exp(1/z), no anel A(0, 0, ∞);
exp(1/z)
(e) f (z) = , no anel A(0, 0, 1).
z−1

20.B. Classifique as singularidades isoladas das seguintes funções:

1 exp(1/z 2 )
(a) f (z) = ; (b) f (z) = cot z; (c) f (z) = .
z + z2
4 z−1

20.C. Encontre decomposições em frações parciais das seguintes funções


racionais:
1 1
(a) f (z) = ; (b) f (z) = .
z2 +1 z4 + z2

123
21. Homotopia e homologia
Lembremos que um caminho em C é uma função contı́nua γ : [α, β] → C,
e que uma curva em C é um caminho em C de classe C 1 por partes. Se γ
é uma curva em C e φ : Imγ → C é uma função contı́nua, nós definimos a
integral Z Z β
φ(z)dz = φ(γ(t))γ 0 (t)dt.
γ α

Até agora nós só consideramos curvas em C, mas nesta seção será necessário
distinguir cuidadosamente entre caminhos e curvas em C.

21.1. Definição. Seja U aberto em C, e sejam γ0 : [0, 1] → U e


γ1 : [0, 1] → U dois caminhos fechados em U .
(a) Diremos que γ0 e γ1 são homotópicos em U se existir uma função
contı́nua h : [0, 1] × [0, 1] → U tal que

h(0, t) = γ0 (t), h(1, t) = γ1 (t), h(s, 0) = h(s, 1)

para todo s, t ∈ [0, 1].


(b) Diremos que γ0 é homotópico a zero em U se γ0 for homotópico em
U a um caminho constante.

21.2. Definição. Seja U aberto em C, e sejam γ0 : [0, 1] → U e


γ1 : [0, 1] → U duas curvas fechados em U .
(b) Diremos que γ0 e γ1 são homólogas em U se

Ind(γ0 , a) = Ind(γ1 , a) para todo a ∈ C∞ \ U.

(b) Diremos que γ0 é homóloga a zero em U se

Ind(γ0 , a) = 0 para todo a ∈ C∞ \ U.

21.3. Teorema. Seja U aberto em C, e sejam γ0 : [0, 1] → U e γ1 :


[0, 1] → U duas curvas fechadas em U .
(a) Se γ0 e γ1 são homotópicas em U , então γ0 e γ1 são homólogas em
U.
(b) Se γ0 é homotópica a zero em U , então γ0 é homóloga a zero em U .

124
Demonstração. Basta provar (a), pois (b) é conseqüência imediata de
(a). Seja h : [0, 1] × [0, 1] → U uma função contı́nua tal que

h(0, t) = γ0 (t), h(1, t) = γ1 (t), h(s, 0) = h(s, 1)

para todo s, t ∈ [0, 1]. Seja ρ = d(Imh, C \ U ), e seja  = ρ/5. Como h é


uniformemente contı́nua em [0, 1] × [0, 1], existe δ > 0 tal que

(1) |h(s1 , t1 ) − h(s2 , t2 )| <  se |s1 − s2 | < δ, |t1 − t2 | < δ.

Sejam 0 = s0 < s1 < ... < sn = 1 e 0 = t0 < t1 < ... < tn = 1 partições de
[0, 1] tais que sj − sj−1 < δ para todo j e tk − tk−1 < δ para todo k.
Para cada j = 0, 1, ..., n seja Γj : [0, 1] → U a poligonal fechada que une
os pontos h(sj , t0 ), h(sj , t1 ),...,h(sj , tn ), ou seja
tk − t t − tk−1
Γj (t) = h(sj , tk−1 ) + h(sj , tk ) se tk−1 ≤ t ≤ tk .
tk − tk−1 tk − tk−1
Afirmamos que

(2) |Γj (t) − h(sj , t)| <  se t ∈ [0, 1], j = 0, 1, ..., n.

De fato, se tk−1 ≤ t ≤ tk temos que

|Γj (t) − h(sj , t)|



tk − t t − tk−1
= [h(sj , tk−1 ) − h(sj , t)] + [h(sj , tk ) − h(sj , t)]
tk − tk−1 tk − tk−1
tk − t t − tk−1
< +  = .
tk − tk−1 tk − tk−1
Como  < ρ, (2) implica que ImΓj ⊂ U para cada j. Segue também de (2)
que
(3) |Γ0 (t) − γ0 (t)| <  se t ∈ [0, 1],
(4) |Γn (t) − γ1 (t)| <  se t ∈ [0, 1].
Segue de (1) e (2) que

(5) |Γj−1 (t) − Γj (t)| < 3 se t ∈ [0, 1], j = 1, ..., n.

De fato
|Γj−1 (t) − Γj (t)| ≤ |Γj−1 (t) − h(sj−1 , t)|

125
+|h(sj−1 , t) − h(sj , t)| + |h(sj , t) − Γj (t)| < 3.
Se a ∈ C \ U provaremos que

(6) |(γ0 (t) − a) − (Γ0 (t) − a)| < |γ0 (t) − a| se t ∈ [0, 1],

(7) |(γ1 (t) − a) − (Γn (t) − a)| < |γ1 (t) − a| se t ∈ [0, 1],
(8) |(Γj−1 (t) − a) − (Γj (t) − a)| < |Γj (t) − a| se t ∈ [0.1], j = 1, ..., n.
Se a ∈ C \ U , é claro que

|a − γ0 (t)| ≥ d(a, Imh) ≥ d(C \ U, Imh) = ρ = 5.

Combinando esta desigualdade com (3), obtemos (6). A demonstração de


(7) é análoga. Por outro lado, usando (2) vemos que

|a − Γj (t)| ≥ |a − h(sj , t)| − |Γj (t) − h(sj , t)| ≥ ρ −  = 4.

Combinando esta desigualdade com (5), obtemos (8).


As desigualdades (6), (7) e (8) nos permitem aplicar o Teorema 7.6 para
concluir que:

Ind(γ0 , a) = Ind(γ0 − a, 0) = Ind(Γ0 − a, 0) = Ind(Γ0 , a),

Ind(γ1 , a) = Ind(γ1 − a, 0) = Ind(Γn − a, 0) = Ind(Γn , a),


Ind(Γj−1 , a) = Ind(Γj−1 − a, 0) = Ind(Γj − a, 0) = Ind(Γj , a)
para j = 1, ..., n. Segue que

Ind(γ0 , a) = Ind(Γ0 , a) = Ind(Γ1 , a) = ... = Ind(Γn , a) = Ind(γ1 , a),

completando a demonstração.

Exercı́cios
21.A. Seja γ uma curva fechada em C. Prove que:
(a) Ind(γ, a) = Ind(γ − a, 0) para cada a ∈ C \ Imγ.
(b) Ind(γ, 0) = Ind(−γ, 0).
Usamos este exercı́cio no final da demonstração do Teorema 21.3.

126
21.B. Se U é aberto e convexo em C, prove que cada caminho fechado
em U é homotópico a zero em U .
21.C. Um aberto U ⊂ C é dito a-estrelado se [a, z] ⊂ U para cada z ∈ U .
Prove que um aberto convexo U ⊂ C é a-estrelado para cada a ∈ U .
21.D. Se U é um aberto a-estrelado de C, prove que cada caminho fechado
em U é homotópico a zero em U .
21.E. Sejam U e V abertos em C. Se cada caminho fechado em V é
homotópico a zero em V , e se U é homeomorfo a V , prove que cada caminho
fechado em U é homotópico a zero em U .

21.F. Seja U aberto em C, e sejam γ0 : [0, 1] → U e γ1 : [0, 1] → U dois


caminhos fechados com os mesmos extremos, ou seja γ0 (0) = γ0 (1) = γ1 (0) =
γ1 (1) = z0 .
Diremos que γ0 e γ1 são homotópicos em U com extremos fixos se existir
uma função contı́nua h : [0, 1] × [0, 1] → U tal que

h(0, t) = γ0 (t), h(1, t) = γ1 (t), h(s, 0) = h(s, 1) = z0

para todo s, t ∈ [0, 1].


Diremos que γ0 é homotópico a zero em U com extremos fixos se γ0 for
homotópico em U com extremos fixos ao caminho constante γ(t) = z0 .
Se γ0 e γ1 são homotópicos em U com extremos fixos, é claro que γ0 e γ1
são homotópicos em U .
Se U é aberto e convexo em C, prove que cada caminho fechado em U é
homotópico a zero em U com extremos fixos.
Se U é um aberto a-estrelado de C, você consegue provar que cada ca-
minho fechado em U é homotópico a zero em U com extremos fixos?

21.G. Seja U aberto em C. Se U é homeomorfo a um aberto convexo


V ⊂ C, prove que cada caminho fechado em U é homotópico a zero em U
com extremos fixos.
21.H. Seja U aberto em C. Se C∞ \ U é conexo, prove que cada curva
fechada em U é homóloga a zero em U .

127
22. Abertos simplesmente conexos
22.1. Definição. Seja U aberto e conexo em C. Diremos que U é
simplesmente conexo se cada caminho fechado em U é homotópico a zero em
U.
Segue do Exercı́cio 21.B que cada aberto convexo em C é simplesmente
conexo. Segue do Exercı́cio 21.D que cada aberto a-estrelado de C é simples-
mente conexo.
22.2. Proposição. Seja U aberto e conexo em C. Consideremos as
seguintes condições:
(a) U é simplesmente conexo.
(b) Cada curva fechada em U é homóloga a zero em U .
(c) C∞ \ U é conexo.
(d) Para cada f ∈ H(U ) existe uma seqüência (Pn ) ⊂ P (C) que converge
a f uniformemente sobre cada compacto de U .
R
(e) γ f (z)dz = 0 para cada f ∈ H(U ) e cada curva fechada γ em U .
(f ) Para cada f ∈ H(U ) existe F ∈ H(U ) tal que f (z) = F 0 (z) para todo
z ∈ U.
(g) Para cada f ∈ H(U ) tal que f (z) 6= 0 para todo z ∈ U , existe
g ∈ H(U ) tal que f (z) = eg(z) para todo z ∈ U .
(h) Para cada f ∈ H(U ) tal que f (z) 6= 0 para todo z ∈ U , existe
g ∈ H(U ) tal que f (z) = [g(z)]2 para todo z ∈ U .
Então (a) ⇒ (b) ⇒ (c) ⇒ (d) ⇒ (e) ⇒ (f ) ⇒ (g) ⇒ (h).
Demonstração. (a) ⇒ (b): Isto segue do Teorema 21.3.
(b) ⇒ (c): Suponhamos que C∞ \ U não seja conexo. Então C∞ \ U é a
união de dois subconjuntos fechados disjuntos não vazios A e B (fechados em
C∞ ). Sem perda de generalidade podemos supor que ∞ ∈ B. Como C∞ \ A
é aberto em C∞ , existe r > 0 tal que
D(∞; r) = {∞} ∪ {z ∈ C : |z| > r} ⊂ C∞ \ A.
Segue que |z| ≤ r para todo z ∈ A, e portanto A é um subconjunto compacto
de C. Notemos que
C∞ = U ∪ (C∞ \ U ) = U ∪ (A ∪ B) = (U ∪ A) ∪ B,

128
e os conjuntos U , A e B são disjuntos. Segue que o conjunto V = U ∪ A
é um subconjunto aberto de C que contém o compacto A. Pelo Lema 18.3
existem segmentos orientados γ1 , ..., γn em V \ A = U tais que a fórmula
n Z
1 X f (ζ)
f (a) = dζ
2πi k=1 γk ζ − a

vale para cada f ∈ H(V ) e a ∈ A. Em particular


n Z
1 X 1
1= dζ para cada a ∈ A.
2πi k=1 γk ζ − a
Os segmentos orientados γ1 , ..., γn formam um número finito de poligonais
fechadas em U . Assim, para cada a ∈ A existe pelo menos uma poligonal
fechada γ em U tal que
Z
1 1
Ind(γ, a) = dζ 6= 0.
2πi γ ζ − a
Como A ⊂ C∞ \ U , isto contradiz (b).
(c) ⇒ (d): Isto segue do Corolário 18.12.
(d) ⇒ (e): Segue de (d) que
Z Z
f (z)dz = lim Pn (z)dz.
γ n→∞ γ

Como Pn ∈ H(C) o Teorema de Cauchy 4.5 garante que


Z
Pn (z)dz = 0 para cada n,
γ

e a conclusão desejada segue.


(e) ⇒ (f ): Fixemos p ∈ U e definamos F : U → C por
Z
F (z) = f (ζ)dζ,
γ

sendo γ uma curva em U entre p e z. Segue de (e) que a integral que define
F (z) é independente da escolha da curva γ. De fato, se γ1 e γ2 são duas
curvas em U entre p e z, segue de (e) que
Z Z
f (ζ)dζ − f (ζ)dζ = 0.
γ1 γ2

129
Afirmamos que

(1) F 0 (a) = f (a) para cada a ∈ U.

Seja a ∈ U , seja D(a; r) ⊂ U , e seja z ∈ D(a; r), z 6= a. Seja γ uma curva


entre p e a, e seja γz = γ + [a, z]. É claro que
Z
F (z) − F (a) = f (ζ)dζ.
[a,z]

Agora podemos provar (1) como na demonstração do Teorema de Cauchy


4.5.
(f ) ⇒ (g): É claro que f 0 /f ∈ H(U ). Por (f) existe F ∈ H(U ) tal que
f 0 (z)
= F 0 (z) para cada z ∈ U.
f (z)

Seja G(z) = eF (z) para cada z ∈ U . Então


f 0 (z)
G0 (z) = eF (z) F 0 (z) = G(z) para cada z ∈ U,
f (z)
e portanto
f 0 (z)G(z) − f (z)G0 (z) = 0 para cada z ∈ U.
Segue que f /G ∈ H(U ) e
 0
f f 0 (z)G(z) − f (z)G0 (z)
(z) = = 0 para cada z ∈ U.
G [G(z)]2
Pelo Teorema 1.6 f /G é constante. Logo existe c ∈ C, c 6= 0, tal que

f (z) = cG(z) = ceF (z) para cada z ∈ U.

Logo existe d ∈ C tal que f (z) = eF (z)+d para cada z ∈ U . Assim basta
tomar g(z) = F (z) + d para concluir que f (z) = eg(z) para cada z ∈ U .
(g) ⇒ (h): Por (g) existe h ∈ H(U ) tal que

f (z) = eh(z) para cada z ∈ U.

Assim basta tomar g(z) = eh(z)/2 para concluir que [g(z)]2 = eh(z) = f (z)
para cada z ∈ U .

130
Na próxima seção veremos que de fato todas as condições na proposição
anterior são equivalentes entre si.

Exercı́cios
22.A. Na demonstração da Proposição 22.2 usamos o fato que cada aberto
conexo em C é conexo por curvas. Prove que de fato cada aberto conexo em
C é conexo por poligonais, ou seja uniões finitas de segmentos orientados.

22.B. Seja U um aberto simplesmente conexo em C, e seja n ∈ N. Dada


f ∈ H(U ) tal que f (z) 6= 0 para cada z ∈ U , prove que existe g ∈ H(U ) tal
que f (z) = [g(z)]n para cada z ∈ U .

131
23. Teorema da aplicação de Riemann
23.1. Teorema da aplicação de Riemann. Seja U um aberto sim-
plesmente conexo de C, com U 6= C. Então existe uma função holomorfa e
bijetiva f : U → D.
Pelo Corolário 7.4 a inversa de f é holomorfa também. Em particular f
é um homeomorfismo. O teorema é conseqüência do lema seguinte.
23.2. Lema. Seja U um subconjunto aberto e conexo de C, com U 6= C,
tal que para cada φ ∈ H(U ) tal que φ(z) 6= 0 para todo z ∈ U , existe
ψ ∈ H(U ) tal que φ(z) = [ψ(z)]2 para todo z ∈ U . Então, para cada a ∈ U
existe f ∈ H(U ) tal que:
(a) f é injetiva;
(b) f (U ) = D;
(c) f (a) = 0 e f 0 (a) > 0.
Demonstração. Consideremos o conjunto

F = {f ∈ H(U ) : f é injetiva, f (U ) ⊂ D, f (a) = 0, f 0 (a) > 0}.

Nosso primeiro objetivo é provar que F não é vazio. Seja b ∈ C \ U . Por


hipótese existe g ∈ H(U ) tal que

(1) z − b = [g(z)]2 para todo z ∈ U.

Segue de (1) que g é injetiva. Pelo teorema da aplicação aberta g(U ) é aberto
em C. Logo existe r > 0 tal que

(2) D(g(a); r) ⊂ g(U ).

Afirmamos que
(3) g(U ) ∩ D(−g(a); r) = ∅.
De fato, suponhamos que exista z ∈ U tal que g(z) ∈ D(−g(a); r). Então

r ≥ |g(z) + g(a)| = | − g(z) − g(a)|,

e portanto
−g(z) ∈ D(g(a); r) ⊂ g(U ).

132
Logo existe w ∈ U tal que −g(z) = g(w). Segue de (1) que z = w, e portanto
g(z) = 0. Segue de (1) que z = b, absurdo, pois z ∈ U e b ∈/ U . Isto prova
(3). Segue de (3) que

(4) g(U ) ⊂ C∞ \ D(−g(a); r).

Se φ(z) = (z + g(a))/r, é claro que

φ(D(−g(a); r)) = D,

e portanto
φ(C∞ \ D(−g(a); r)) = C∞ \ D.
Se ψ(z) = 1/φ(z), segue que que

(5) ψ(C∞ \ D(−g(a); r)) = D.

Seja g1 = ψ ◦ g. Então g1 ∈ H(U ), g1 é injetiva, e g1 (U ) ⊂ D, por (4) e


(5).
Seja g2 ∈ H(U ) definida por

g1 (z) − g1 (a)
g2 (z) = = φg1 (a) ◦ g1 (z).
1 − g1 (a)g1 (z)

Então g2 é injetiva, g2 (U ) ⊂ D e g2 (a) = 0.


Seja c ∈ C, com |c| = 1, e seja g3 (z) = cg2 (z). Então g3 ∈ H(U ), g3 é
injetiva, g3 (U ) ⊂ D e g3 (a) = 0. Como g2 é injetiva, g20 (a) 6= 0, pelo Corolário
7.2. E como g30 (a) = cg20 (a), é fácil achar c tal que g30 (a) > 0. Logo g3 ∈ F, e
F não é vazio.
A seguir provaremos que

(6) F ⊂ F ∪ {0}.

De fato seja (fn ) ⊂ F tal que fn → f em (H(U ), τc ). É claro que f (U ) ⊂


D, f (a) = 0 e f 0 (a) ≥ 0. Seja w ∈ U , e seja Uw = U \ {w}. Então
fn − fn (w) → f − f (w) em (H(Uw ), τc ). Além disso, fn (z) − fn (w) 6= 0
para todo z ∈ Uw , pois fn é injetiva em U . Pelo teorema de Hurwitz tem-se
que, ou f (z) − f (w) 6= 0 para todo z ∈ Uw , ou f (z) − f (w) = 0 para todo
z ∈ Uw . Se para cada w ∈ U temos a primeira alternativa, segue que f é
injetiva. Neste caso f 0 (a) > 0, pelo Corolário 7.2. Além disso, f (U ) ⊂ D,

133
pelo teorema do módulo máximo. Logo f ∈ F. Se para algum w ∈ U temos
a segunda alternativa, segue que f é constante em U . Como f (a) = 0, segue
que f = 0. Isto prova (6).
Como f (U ) ⊂ D para cada f ∈ F, o teorema de Montel garante que F é
compacto em (H(U ), τc ). Como a função

f ∈ F → f 0 (a) ∈ R

é contı́nua, existe f ∈ F tal que

(7) f 0 (a) ≥ g 0 (a) para todo g ∈ F.

Como g 0 (a) > 0 para todo g ∈ F, segue que f 0 (a) > 0, ou seja f ∈ F.
Para completar a demonstração do lema provaremos que

(8) f (U ) = D.

Suponhamos que exista w ∈ D tal que w ∈


/ f (U ). Por hipótese existe h ∈
H(U ) tal que
f (z) − w
(9) = φw ◦ f (z) = [h(z)]2 para todo z ∈ U.
1 − wf (z)
Então h é injetiva e h(U ) ⊂ D. Em particular h0 (z) 6= 0 para todo z ∈ U .
Seja h1 ∈ H(U ) definida por
|h0 (a)| h(z) − h(a) |h0 (a)|
h1 (z) = = φh(a) ◦ h(z).
h0 (a) 1 − h(a)h(z) h0 (a)

Então h1 é injetiva, h1 (U ) ⊂ D, e h1 (a) = 0. Além disso, segue da Proposição


8.4 que
|h0 (a)| 0 |h0 (a)| 1 |h0 (a)|
h01 (a) = φ (h(a))h0
(a) = h0
(a) = .
h0 (a) h(a) h0 (a) 1 − |h(a)|2 1 − |h(a)|2
Derivando (9) segue que

2h(a)h0 (a) = φ0w (0)f 0 (a) = (1 − |w|2 )f 0 (a),

e portanto
(1 − |w|2 )f 0 (a)
h01 (a) = .
2|h(a)|(1 − |h(a)|2 )

134
Em particular h01 (a) > 0, e portanto h1 ∈ F. Por outro lado, segue também
de (9) que |w| = |h(a)|2 , e portanto

(1 − |h(a)|4 )f 0 (a) 1 + |h(a)|2 0


h01 (a) = = f (a) > f 0 (a).
2|h(a)|(1 − |h(a)|2 ) 2|h(a)|

Isto contradiz (5), e completa a demonstração.


Demonstração do Teorema 23.1. Seja U um aberto simplesmente
conexo de C, com U 6= C. Pela Proposição 22.2, para cada φ ∈ H(U ) tal que
φ(z) 6= 0 para todo z ∈ U , existe ψ ∈ H(U ) tal que φ(z) = [ψ(z)]2 para todo
z ∈ U . Pelo Lema 23.2 existe uma função holomorfa e bijetiva f : U → C.
Agora podemos provar o teorema seguinte, que completa a Proposição
22.2.
23.3. Teorema. Seja U aberto e conexo em C. Então as seguintes
condições são equivalentes:
(a) U é simplesmente conexo.
(b) Cada curva fechada em U é homóloga a zero em U .
(c) C∞ \ U é conexo.
(d) Para cada f ∈ H(U ) existe uma seqüência (Pn ) ⊂ P (C) que converge
a f uniformemente sobre cada compacto de U .
R
(e) γ f (z)dz = 0 para cada f ∈ H(U ) e cada curva fechada γ em U .
(f ) Para cada f ∈ H(U ), existe F ∈ H(U ) tal que f (z) = F 0 (z) para todo
z ∈ U.
(g) Para cada f ∈ H(U ) tal que f (z) 6= 0 para todo z ∈ U , existe
g ∈ H(U ) tal que f (z) = eg(z) para todo z ∈ U .
(h) Para cada f ∈ H(U ) tal que f (z) 6= 0 pra todo z ∈ U , existe g ∈ H(U )
tal que f (z) = [g(z)]2 para todo z ∈ U .
(i) U é homeomorfo a D.
Demonstração. As implicações (a) ⇒ (b) ⇒ (c) ⇒ (d) ⇒ (e) ⇒ (f ) ⇒
(g) ⇒ (h) seguem da Proposição 22.2.
(h) ⇒ (i): Se U = C, então é fácil ver que a aplicação
z
f :z∈C→ ∈D
1 + |z|

135
é um homeomorfismo.
Se U 6= C, então pelo Lema 23.2 existe uma função holomorfa e bijetiva
f : U → D. Pelo Corolário 7.4 f é um homeomorfismo.
(i) ⇒ (a): Seja f : U → D um homeomorfismo. Seja γ : [0, 1] → U um
caminho fechado, e seja h : [0, 1] × [0, 1] → U definida por
h(s, t) = f −1 (sf (γ(t)).
É claro que h é contı́nua. Além disso:
h(0, t) = f −1 (0), h(1, t) = γ(t),
h(s, 0) = f −1 (sf (γ(0))) = f −1 (sf (γ(1))) = h(s, 1).
Isto prova que γ é homotópico a zero em U , e portanto U é simplesmente
conexo.

Exercı́cios
23.A. Sejam f : C → D e g : D → C definidas por
z w
f (z) = , g(w) = .
1 + |z| 1 − |w|
Prove que g ◦ f (z) = z para todo z ∈ C e f ◦ g(w) = w para todo w ∈ D.
Em particular f é um homeomorfismo.
23.B. Seja U aberto e conexo em C. Prove que U é simplesmente conexo
se e só se U é polinomialmente convexo. Em particular as quatro condições
do Exercı́cio 18.K são equivalentes entre si.
23.C. Seja U aberto e conexo em C. Prove que as seguintes condições
são equivalentes:
(a) Cada caminho fechado em U é homotópico a zero em U .
(b) Cada caminho fechado em U é homotópico a zero em U com extremos
fixos.
Nós usamos (a) para definir abertos simplesmente conexos em C. Al-
guns livros usam (b) para definir abertos simplesmente conexos em C. (b) é
equivalente a dizer que o grupo fundamental de U em cada ponto é trivial.
Sugestão: Para provar a implicação não trivial (a) ⇒ (b), use o Teorema
23.3 e o Exercı́cio 21.G.

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BIBLIOGRAFIA

[1] Lars Ahlfors, Complex Analysis, McGraw-Hill, 1966.

[2] John Conway, Functions of One Complex Variable I, second


edition, Springer, 1978.

[3] Walter Rudin, Real and Complex Analysis, McGraw-Hill, 1966.

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