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O Teorema dos resı́duos e aplicações

SMA-Funções de uma variável complexa

ICMC-USP
Verão de 2021

December 23, 2021

SMA-Funções de uma variável complexa (ICMC-USP)


O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 1 / 26
Resı́duo de uma função em uma singularidade isolada

Seja f : U → C uma função holomorfa em um subconjunto aberto U,


exceto em uma singularidade isolada z0 ∈ U.

Podemos então representar f em um disco perfurado A = D \ {z0 } ⊂ U


por uma série de Laurent

X
f (z) = an (z − z0 )n .
n=−∞

O resı́duo de f em z0 é o número complexo


Z
1
Res(f ; z0 ) = a−1 = f (z) dz,
2πi γ

em que γ(θ) = z0 + re iθ é um cı́rculo de raio r > 0 contido em A.

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O cálculo de resı́duos em polos simples

Proposição: Se z0 é um polo simples de f , então

Res(f ; z0 ) = lim (z − z0 )f (z).


z→z0

Demonstração: Como z0 é um polo simples de f , podemos representar f


em uma vizinhança de z0 por f (z) = h(z)/(z − z0 ), em que h é uma
função holomorfa tal que h(z0 ) 6= 0.

A série de Laurent de f em z0 é portanto

h(z0 ) 1
f (z) = + h0 (z0 ) + h00 (z0 )(z − z0 ) + · · · ,
z − z0 2
logo
Res(f ; z0 ) = h(z0 ) = lim (z − z0 )f (z).
z→z0

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Corolário: Se g , h : U → C são funções holomorfas em um subconjunto
aberto U, e z0 ∈ U são tais que h(z0 ) 6= 0, g (z0 ) = 0 e g 0 (z0 ) 6= 0, então
f = h/g tem um polo simples em z0 e

h(z0 )
Res(f ; z0 ) = .
g 0 (z0 )

Demonstração: Pela proposição anterior,

Res(f ; z0 ) = lim (z − z0 )f (z)


z→z0
h(z)
= lim (z − z0 )
z→z0 g (z)
h(z)
= lim
z→z0 (g (z) − g (z0 ))/(z − z0 )
h(z0 )
= .
g 0 (z0 )

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O caso de polos não simples

Proposição: Se z0 é um polo de ordem n > 1 de f , então


 n−1
d
Res(f ; z0 ) = lim (z − z0 )n f (z).
z→z0 dz

Demonstração: Como z0 é um polo de ordem n > 1 de f , podemos


escrever
f (z) = (z − z0 )−n ϕ(z),
em que ϕ(z) é holomorfa e ϕ(z0 ) 6= 0.
Portanto o resı́duo de f em z0 é
Z
1 ϕ(z) 1
dz = ϕ(n−1) (z0 ).
2πi C (z − z0 )n (n − 1)!

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ez
Exemplo Calcule o resı́duo de f (z) = em z = 0.
sin2 z

Solução: Observe que z = 0 é um zero de ordem 2 de sin2 z.

Portanto, o desenvolvimento em série de Laurent de f em z = 0 tem a


forma
a−2 a−1
f (z) = 2 + + a0 + o(z).
z z
É claro que

z 2e z ez
a−2 = lim z 2 f (z) = lim = lim = 1.
z→0 z→0 sin2 z z→0 (sin z/z)2

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Logo
a  
−1
 1
a−1 = lim z + a0 + · · · = lim z f (z) − 2
z→0 z z→0 z
z 2 e z − sin2 z
= lim .
z→0 z sin2 z
Como

z 2 e z − sin2 z = z 3 + o(z 4 ) e z sin2 z = z 3 + o(z 3 ),

concluı́mos que
ez
Res = 1.
sin2 z

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O Teorema dos resı́duos (primeira versão)

Teorema: Sejam γ : I → U um caminho simples fechado e R a região


interior a γ(I ).
Suponhamos que γ esteja orientada positivamente com respeito a R.
Seja f : U → C uma função holomorfa que possui um número finito de
singularidades isoladas em R, digamos z1 , . . . , zn .
Suponhamos que U ⊃ R̄ \ {z1 , . . . , zn }. Então
Z n
X
f (z) dz = 2πi Res(f ; zj ).
γ j=1

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Demonstração: Sejam D̄1 , . . . , D̄n discos contidos em R com centros em
z1 , . . . , zn e tais que D̄j ∩ D̄k = ∅ se j 6= k.

Aplicando-se o Teorema de Green à região R̄ \ ∪nj=1 Dj , obtemos


Z n Z
X
f (z) dz = f (z) dz,
γ j=1 ∂Dj

já que a forma f (z)dz é fechada em U.

Por outro lado,


Z
f (z) dz = Res(f ; zj ), 1 ≤ j ≤ n.
∂Dj

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Corolário: Sejam U ⊂ C um aberto simplesmente conexo e g uma função
holomorfa que possui um número finito de singularidades isoladas em U,
digamos z1 , . . . , zn .

Se os resı́duos de g em z1 , . . . , zn são todos nulos, então g (z)dz é uma


1-forma exata em U \ {z1 , . . . , zn }, isto é, possui primitiva em
U \ {z1 , . . . , zn }.

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Demonstração: É suficiente R mostrar que, se γ é um caminho fechado em
U \ {z1 , . . . , zn }, então γ g (z) dz = 0.

Faremos a demonstração no caso em que γ é simples.


R
Neste caso, o fato de que γ g (z) dz = 0 decorre do Teorema dos resı́duos,
desde que mostremos que a região R interior a γ está necessariamente
contida em U.

Para ver isto, suponhamos que exista z0 ∈ R \ U e consideremos a forma


dz/(z − z0 ).

Como z0 ∈ R, temos
Z
dz
dz = 2πiI (γ, z0 ) = 2πi 6= 0,
γ z − z0

logo dz/(z − z0 ) não possui primitiva em U, o que contradiz a hipótese de


que U é simplesmente conexo.

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Teorema dos resı́duos (segunda versão): Sejam U ⊂ C um aberto
simplesmente conexo e g uma função holomorfa que possui um número
finito de singularidades isoladas em U, digamos z1 , . . . , zk , e cujo domı́nio
contenha U \ {z1 , . . . , zk }.

Se γ : I → U é um caminho fechado, então


Z k
X
f (z) dz = 2πi I (γ, zj )Res(f ; zj ).
γ j=1

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Demonstração: Seja aj = Res(f ; zj ), 1 ≤ j ≤ k.
Observe inicialmente que
 
Z k k Z k
X aj  X dz X
 = aj = 2πi aj I (γ, zj ).
γ z − zj γ z − zj
j=1 j=1 j=1

P 
k aj
Seja g (z) = f (z) − j=1 z−zj .
Pelo corolário anterior, g (z)dz possui uma primitiva em U \ {z1 , . . . , zk }.
Portanto,
 
Z Z Z k k
X aj  X
f (z) dz = g (z) dz +  = 2πi aj I (γ, zj ).
γ γ γ z − zj
j=1 j=1

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Polos e zeros de funções meromorfas

Definição: Uma função f : U → C, em que U ⊂ C é um subconjunto


aberto, é meromorfa em U se existe um conjunto discreto Γ ⊂ U tal que f
é holomorfa em U \ Γ e os pontos de Γ são polos de f .

Dada uma função meromorfa f : U → C, sua derivada logarı́tmica é a


função g : U \ Γ → C dada por

f 0 (z)
g (z) =
f (z)

para todo z ∈ U \ Γ.

Afirmamos que g é meromorfa em U e que os polos de ordem 1 de g


correspondem aos zeros e polos de f .

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Com efeito, se z0 ∈ U é tal que f (z0 ) 6= 0, então g é analı́tica em uma
vizinhança de z0 .

Por outro lado, se z0 é um zero de ordem n de f , em uma vizinhança V de


z0 podemos escrever f (z) = (z − z0 )n h(z), em que h(z0 ) 6= 0.

Como
f 0 (z) n h0 (z)
= +
f (z) z − z0 h(z)
e h(z0 ) 6= 0, vemos que g = f 0 /f tem um polo de de ordem 1 em z0 .

Analogamente, se z0 é um polo de ordem n de f , em uma vizinhança


perfurada V de z0 podemos escrever f (z) = (z − z0 )−n h(z), em que h é
analı́tica em V e h(z0 ) 6= 0.

Como
f 0 (z) −n h0 (z)
= +
f (z) z − z0 h(z)
e h(z0 ) 6= 0, vemos que g = f 0 /f tem um polo de de ordem 1 em z0 .
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Além disso, vemos que

 0, se f é holomorfa em z0 e f (z0 ) 6= 0;
Res(g ; z0 ) = n > 0, se f tem um zero de ordem n em z0 ;
n < 0, se f tem um polo de ordem n em z0 .

Definimos o(f ; z0 ) = Res(g ; z0 ). Observamos que o(f ; z0 ) = n ∈ Z se, e


somente se, o desenvolvimento de Laurent de f em z0 é
X
f (z) = an (z − z0 )n + · · · = aj (z − z0 )j , an 6= 0.
j≥n

Podemos também escrever f (z) = (z − z0 )n h(z), em que h é holomorfa


em um disco D com centro em z0 e h(z0 ) = an 6= 0.

Sejam Z , P ⊂ U os conjuntos de zeros e polos de f em U,


respectivamente.
Dado A ⊂ U, os números de zeros e polos de f em A são, respectivamente,
X X
Z (f , A) = o(f , z) e P(f , A) = |o(f , z)|.
z∈A∩Z z∈A∩P

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O princı́pio do argumento

Teorema: Sejam f : U → C uma função meromorfa, γ : I → U um


caminho simples fechado e R a região interior a γ(I ).
Suponhamos que γ esteja orientada positivamente com respeito a R e que
R̄ ⊂ U.
Suponhamos também que f não possua polos ou zeros em γ(I ). Então
Z 0
1 f (z)
dz = Z (f , R) − P(f , R) = I (f ◦ γ, 0),
2πi γ f (z)

em que I (f ◦ γ, 0) é o ı́ndice do caminho f ◦ γ com respeito a 0.

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 17 / 26
Demonstração: Do Teorema dos resı́duos (primeira versão), segue que
Z 0  0 
f (z) X f
dz = 2πi Res ; z0 .
γ f (z) f
z0 ∈R

f0
Por outro lado, vimos que os polos de ordem 1 de f são os polos e zeros
de f em R. Além disso,
 0 
f
Res ; z0 = o(f , z0 ).
f

Logo
f 0 (z)
Z
1
dz = Z (f , R) − P(f , R).
2πi γ f (z)
Por outro lado,
f 0 (z)
Z Z
1 1 dw
dz = = I (f ◦ γ, 0).
2πi γ f (z) 2πi f ◦γ w

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 18 / 26
O Teorema de Rouché

Corolário: Sejam f , g : U → C funções meromorfas e γ : I → U um


caminho simples fechado cujo interior R está contido em U.
Suponhamos que γ(I ) não contenha polos de f nem zeros de g , e que
|f (z)| > |g (z)| para todo z ∈ γ(I ). Então

Z (f + g , R) − P(f + g , R) = Z (f , R) − P(f , R).

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 19 / 26
Demonstração: Como |f (z)| > |g (z)| > 0 para todo z ∈ γ(I ), é claro que
f não se anula e g não tem polos em γ(I ).

Seja h = f + g e consideremos os caminhos f ◦ γ e h ◦ γ.

Pelo Princı́pio do argumento, é suficiente provar que f ◦ γ e h ◦ γ são


livremente homotópicos em C \ {0}.

Consideremos a aplicação F : [0, 1] × I → C definida por

F (s, t) = f (γ(t)) + sg (γ(t)), s ∈ [0, 1], t ∈ I .

Como

|F (s, t)| ≥ |f (γ(t))| − s|g (γ(t))| ≥ |f (γ(t))| − |g (γ(t))| > 0

para todo s ∈ [0, 1], vemos que F é uma homotopia livre em C \ {0} entre
os caminhos fechados f ◦ γ e h ◦ γ.

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 20 / 26
Corolário: Sejam f , g : U → C funções holomorfas e γ : I → U um
caminho simples fechado cujo interior R está contido em U.
Se f não zeros em γ(I ) e |f (z) − g (z)| < |f (z)| para todo z ∈ γ(I ), então
Z (f , R) = Z (g , R).

Assim, duas funções holomorfas têm o mesmo número de zeros em um


aberto conexo, se são suficientemente próximas em seu bordo.

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O Teorema Fundamental da Álgebra
Teorema: Um polinômio de grau n possui n raı́zes complexas, contadas
com suas multiplicidades.

Demonstração: Seja P(z) = an z n + an−1 z n−1 + · · · a0 , com an 6= 0.


Ponhamos f (z) = an z n e g (z) = an−1 z n−1 + · · · a0 = P(z) − f (z).
É fácil ver que
lim (|f (z)| − |g (z)|) = +∞.
z→∞
Portanto, existe ρ > 0 tal que, se |z| > ρ, então |f (z)| − |g (z)| > 0.
Isto implica que, se r ≥ ρ e |z| = r então |P(z) − f (z)| = |g (z)| < |f (z)|.
Do corolário anterior do Teorema de Rouché concluı́mos que, para
qualquer r ≥ ρ,
Z (P, D(0, r )) = Z (f , D(0, r )) = n,
uma vez que a equação f (z) = z n = 0 possui uma única raiz em D(0, r ), a
saber, z = 0, a qual tem multiplicidade n.
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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 22 / 26
Em particular, todas as raı́zes de P estão contidas em D(0, ρ), logo

Vemos também que

Z (P, C) = Z (P, D(0, ρ)) = n.

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 23 / 26
O número de soluções da equação f (z) = w0 .

Dada uma função holomorfa f : U ⊂ C → C, denotamos por

m(f , A, w0 ) = Z (f − w0 , A)

o número de soluções da equação f (z) = w0 , contadas com multiplicidade.

Teorema: Seja f : U ⊂ C → C uma função holomorfa e γ : I → U um


caminho simples fechado, cujo interior R está contido em U.
Seja w0 ∈ C \ f (γ(I )). Então

f 0 (z)
Z
m(f , R, w0 ) = dz = I (f ◦ γ, w0 ). (1)
γ f (z) − w0

Em partiular, se w1 e w2 estão na mesma componente conexa de


C \ f (γ(I )), então m(f , R, w1 ) = m(f , R, w2 ).

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 24 / 26
Demonstração: A fórmula (1) decorre do Princı́pio do Argumento aplicado
à função g (z) = f (z) − w0 .

Por outro lado, se w1 e w2 estão na mesma componente conexa de


C \ f (γ(I )), então I (f ◦ γ, w1 ) = I (f ◦ γ, w2 ), logo
m(f , R, w1 ) = m(f , R, w2 ).

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O Teorema dos resı́duos e aplicações December 23, 2021 25 / 26
Exercı́cios: Resolva os Exs. 1), 3) 5), 6), 7), 8) e 11) do parágrafo 4 do
Cap. 4 do livro texto.

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