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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0024.13.345529-5/001 Númeração 0147955-


Relator: Des.(a) Marcelo Rodrigues
Relator do Acordão: Des.(a) Marcelo Rodrigues
Data do Julgamento: 12/07/0016
Data da Publicação: 13/07/2016

Agravo de instrumento - Ação de cobrança de débitos - Irregularidade no


medidor - CEMIG - Denunciação da lide aos novos proprietários do imóvel -
Inadmissibilidade - Direito de regresso - Ação própria, mediante ampla
dilação probatória - Inversão do ônus da prova - Ausência dos requisitos do
art. 6º, do CDC - Recurso a que se nega provimento.

1. A denunciação da lide é uma forma de intervenção de terceiros fundada na


evicção (CPC, art. 77, I), na posse indireta ou propriedade do bem (inciso II)
ou no direito de regresso a ser exercido pelo que perder a demanda (III), de
modo que não havendo subsunção do caso a uma dessas hipóteses, ou se
esta colocar em risco os princípios da economia e da presteza na entrega da
prestação jurisdicional, não devendo ser prestigiada.

2. Os débitos decorrentes das obrigações pactuadas vinculam o beneficiário


cadastrado no sistema da prestadora de serviços, não podendo alcançar
terceiros, ainda que atuais proprietários da unidade consumidora,
notadamente quando o contrato de promessa de compra e venda não prevê
qualquer espécie de subrogação.

3. A inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa


do Consumidor, pressupõe a avaliação pelo julgador da existência da
verossimilhança da alegação e da hipossuficiência do consumidor, segundo
as regras ordinárias de experiência.

AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0024.13.345529-5/001 - COMARCA DE


BELO HORIZONTE - 5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA - AGRAVANTE(S):
MARIA DO CARMO ROCHA PINTO - AGRAVADO(A)(S): CEMIG

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DISTRIBUIÇÃO S.A

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

DES. MARCELO RODRIGUES

RELATOR.

Desembargador MARCELO RODRIGUES

Relator

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão vista


na cópia de ordem 4 do processo eletrônico em que, nos autos da ação de
cobrança ajuizada pela CEMIG Distribuição S.A. contra a ora agravante,
indeferiu o pleito de denunciação à lide do Sr. Ramon de Almeida Duarte e
sua esposa Valéria Oliveira Carvalho Duarte, diante da ausência de
subsunção do caso dos autos em qualquer das hipóteses previstas no art. 70
do CPC, bem como indeferiu a inversão do ônus da prova, tendo em vista
que a autora da demanda é a CEMIG, a quem incumbe o dever de
comprovar os fatos constitutivos de seu direito.

A agravante alega que o imóvel onde foi detectada a irregularidade,


objeto da ação de cobrança, foi alienado pela

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recorrente ao Sr. Ramon de Almeida Duarte e sua esposa Sra. Valéria


Oliveira Carvalho Duarte, em 10.9.2003, tendo ela desocupado o imóvel em
10.2.2006 e a escritura de compra e venda formalizada em 7.4.2006.

Aduz que o período em que foi constatada a irregularidade a


agravante não mais ocupava o imóvel, tanto que foi anotado pela agravada
como consumidor usuário o Sr. Andrey de Oliveira Carvalho Duarte,
provavelmente filho do Sr. Ramon.

Assevera que, embora tenha providenciado o cancelamento da fatura


em seu nome, por erro da empresa e inércia dos novos proprietários, esta
permaneceu cadastrada em seu nome, razão pela qual pretende a
denunciação à lide.

Requer a concessão do efeito suspensivo e, ao final, o provimento do


agravo.

Pela decisão de ordem 45 foi indeferido o efeito suspensivo ao


recurso.

Contraminuta à ordem 57.

Decido.

Em primeiro lugar, destaca-se que, embora já esteja em vigor, desde


18/3, o Código de Processo Civil de 2015 (Lei 13.105, de 2015), a decisão
agravada foi proferida em momento anterior à vigência da nova lei, de modo
que, no momento do nascedouro do direito de recorrer, vigiam as regras do
Código de Processo Civil de 1973 e, sob o manto destas, será analisado o
presente recurso.

Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade ou não de


denunciação à lide do Sr. Ramon de Almeida Duarte e sua esposa Valéria
Oliveira Carvalho Duarte, compradores do imóvel, objeto da ação de
cobrança ajuizada pela agravada, diante da constatação de fraude no
medidor de consumo de energia elétrica.

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Afirma a agravante que o período cuja irregularidade foi detectado é


de dezembro de 2006 a outubro de 2010, sendo que alienou o imóvel para o
casal supra mencionado em 10.2.2006.

O juiz de primeiro grau indeferiu o pleito de denunciação à lide por


não vislumbrar no caso dos autos nenhuma das hipóteses previstas no art.
70, do CPC de 1973.

Primeiramente, o instituto da denunciação da lide funda-se na evicção


(CPC, art. 77, I), na posse indireta ou propriedade do bem (inciso II) ou no
direito de regresso a ser exercido pelo que perder a demanda (III).

Dispõe o art. 70 do Código de Processo Civil de 1973 que:

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:

I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi


transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção
Ihe resulta;

II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou


direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário,
o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;

III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em
ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.

Tal modalidade de intervenção pressupõe a formação de uma lide


secundária, por meio da qual se veicula uma pretensão regressiva.

Sobre o instituto, ensinam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro


da Cunha:

O denunciante visa ao ressarcimento pelo denunciado de eventuais

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prejuízos que porventura venha a sofrer em razão do processo pendente.


Não há, portanto, qualquer afirmação de existência jurídica material entre o
denunciado e o adversário do denunciante. Afirma-se a existência de uma
relação jurídica entre o adversário do denunciante e o denunciante e entre o
denunciante e o denunciado.

(Curso de Direito Processual Civil 3. Vol. 1. Salvador: Podium, 2007, p. 318).

No caso em tela, a agravante pretende imputar ao denunciado a


responsabilidade pela irregularidade verificada no medidor do imóvel, sendo
que ela consta como responsável pela instalação, não havendo alteração em
todo o período de vigência do contrato.

Além disso, não há qualquer demonstração, nos autos do agravo, de


que o contrato de compra e venda prevê ou estabelece obrigações para as
partes nesse sentido.

A denunciação à lide no caso dos autos estabeleceria uma lide


paralela com base em fundamento novo, estranho à lide principal, o que é
vedado.

Neste sentido, vejam-se as seguintes ementas do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL


CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. AÇÃO DE BUSCA E
APREENSÃO CONVERTIDA EM AÇÃO DE DEPÓSITO. DENUNCIAÇÃO
DA LIDE. FUNDAMENTO NOVO. LIDE PARALELA. INADMISSIBILIDADE.
RECURSO DESPROVIDO. 1. Consoante jurisprudência consolidada nesta
Corte Superior, não é admissível a denunciação da lide embasada no art. 70,
III, do CPC quando introduzir fundamento novo à causa, estranho ao
processo principal, apto a provocar uma lide paralela, a exigir ampla dilação
probatória, o que tumultuaria a lide originária, indo de encontro aos princípios
da celeridade e economia processuais, os quais esta modalidade de
intervenção de terceiros busca atender. Ademais, eventual direito de
regresso não estará comprometido, pois poderá ser exercido em ação
autônoma. 2. Agravo regimental a que se

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nega provimento. (STJ, AgRg no REsp 821458/RJ, relator ministro Vasco


Della Giustina - Desembargador convocado do TJ/RS, publicado em
24.11.2010)

Some-se a isso que, em relação à exegese do art. 70, III, do CPC,


não se deve permitir a denunciação nos casos de alegado direito de
regresso, cujo reconhecimento requeira análise de fundamento novo, não
constante da lide originária.

A denunciação da lide, como modalidade de intervenção de terceiros,


busca atender os princípios da economia e da presteza na entrega da
prestação jurisdicional, não devendo ser prestigiada quando suscetível de,
justamente ao contrário, colocar em risco tais princípios.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO


AGRAVO (ARTIGO 544 DO CPC) - AUTOS DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO DIRIGIDO CONTRA O INDEFERIMENTO DE
DENUNCIAÇÃO DA LIDE SUSCITADA EM AÇÃO DE COBRANÇA -
DECISÃO MONOCRÁTICA CONHECENDO DO AGRAVO PARA, DE
PRONTO, NEGAR SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

INSURGÊNCIA DO RÉU/LITISDENUNCIANTE.

1. Alegada violação do artigo 535 do CPC não configurada. É clara e


suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde
da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um
dos argumentos declinados pela parte. Precedentes.

2. Denunciação da lide. 2.1. A par da dicção legal, a jurisprudência pacífica


desta Corte é no sentido de que a denunciação da lide somente se torna
obrigatória quando a omissão da parte implicar em perda do seu direito de
regresso, hipótese não retratada no artigo 70, inciso III, do CPC, na qual tal
direito permanece incólume.

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Precedentes. 2.2. Consoante cediço na origem, a autora ajuizou ação de


cobrança de produtos que constam de notas fiscais emitidas diretamente em
nome da parte ré, não sobressaindo qualquer elemento conducente a
configurar a responsabilidade de terceiro, o que motivou o indeferimento, de
plano, do processamento do incidente de denunciação da lide. 2.3. Uma vez
obstado o seguimento da ação incidental, não cabia ao magistrado
determinar a citação do denunciado, o que afasta a preliminar de nulidade do
feito suscitada pela recorrente. 2.4. Necessária incursão no acervo fático-
probatório dos autos para suplantar tal cognição. Incidência da Súmula
7/STJ.

3. Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no AREsp 368.212/PR,


relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26.5.2015, publicado
em 1º.6.2015).

PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO. FIADORES. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.


CPC, ART.

70, III. INTRODUÇÃO DE FUNDAMENTO NOVO. PRINCÍPIO DA


ECONOMIA PROCESSUAL. PROCRASTINAÇÃO DO FEITO.

1. Só deve haver denunciação à lide daquele que, em decorrência de


contrato ou de lei, estar obrigado a indenizar, em ação regressiva, os
prejuízos do que perder a demanda. Essa responsabilidade do denunciado
de compor o prejuízo, frise-se, seja legal ou contratual, deve ser comprovada
pelo denunciante de plano por provas necessárias à própria instrução da
ação principal; se assim não for, evidencia-se a introdução de fundamento
novo a afastar o instituto.

2. A denunciação da lide visa atender ao princípio da economia processual,


não devendo ser admissível quando requeira a introdução de fundamento
novo, a procrastinar ainda mais a solução da ação principal, e com prejuízos
ao autor.

3. Recurso Especial não provido. (REsp 351.808/MG, relator ministro Edson


Vidigal, Quinta Turma, julgado em 27.11.2001, publicado em 4.2.2002)

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Portanto, não havendo comprovação de que o caso dos autos se


enquadra em uma das hipóteses de denunciação à lide prevista no art. 70,
do CPC de 1973, bem como diante da ausência de demonstração de
prejuízo da parte em eventual ação de regresso, deve a decisão agravada,
que indeferiu tal modalidade de intervenção de terceiros, ser mantida.

Por fim, quanto ao pleito de inversão do ônus da prova, verifica-se


que à agravada incumbe a prova dos fatos constitutivos de seu direito. O que
pretende a agravante é a transferência para a recorrida, também, do ônus de
comprovar a ausência de fatos impeditivo, modificativo ou extintivo de seu
direito.

De fato, a inversão do ônus da prova prevista no art. 6º, VIII, do


Código de Defesa do Consumidor, pressupõe a avaliação pelo julgador da
existência da verossimilhança da alegação e da hipossuficiência do
consumidor, segundo as regras ordinárias de experiência.

No caso dos autos a agravada alega, em sua defesa, que não é


responsável pelo pagamento da dívida cobrada, eis que não mais ocupava o
imóvel, objeto da constatação da alegada irregularidade, diante de sua
alienação a terceiro.

Ora, a prova de sua alegação não pode ser transferida à agravada,


uma vez que não se comprovou a hipossuficiência probatória da agravante.
Ao contrário, estão em poder dela os elementos aptos a comprovar suas
assertivas.

Portanto, incabível a inversão do ônus da prova requerido neste


momento processual, devendo o julgador de primeiro grau avaliar a presença
ou não dos requisitos para sua concessão no momento oportuno.

À luz dessas considerações, nego provimento ao recurso.

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DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR - De acordo com o(a) Relator(a).

DESA. HILDA TEIXEIRA DA COSTA - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO"

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