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A Tecnologia e o Trabalho

na História

LEIA I UM PAis SE FAZ COM HOMENS E LIVROS.


Coordenação Editorial;
Carla Milano Benclowicz
Equipe de produção:
Maria Celina Jurado
José Antonino de Andrade
Eunice Tamashiro

Obra publicada
em co-edição com a

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor: José Goldemberg


Vice-Reitor: Roberto Leal Lobo e Silva Filho

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional Presidente: José Carneiro


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Comissão Editorial:
Gama, Ruy, 1928-
G 178t A tecnologia e o trabalho na história / Ruy Gama.
Presidente: José Carneiro. Membros: Alfredo Bosi, Antonio Brito da
- São Paulo: Nobel ; Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
Cunha, José E. Mindlin e Oswaldo Paulo Forattini.
Originalmente apresentada como tese do autor (livre-decência -
Universidade de São Paulo).
Bibliografia.
ISBN 85-213-0434-X

I. Tecnologia ._- História L Título.

86-1744 CDD-609

índices para catálogo sistemático:


I. Tecnologia: História 609
RUY GAMA

A Tecnologia e o Tra alho


na História

1987

l\tl:>eI /EDUSP
© 1986 Livraria Nobel S. A.

Livraria Nobel S. A.
Rua da Balsa, 559
02910 - São Paulo - SP

.I! PROIBIDA A REPRODUÇÃO

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida sem a permissão por
escrito dos editores através de qualquer meio: xerox, fotocópia, fotográ-
fico, fotomecânico. Tampouco poderá ser copiada ou transcrita, nem
mesmo transmitida através de meios eletrônicos ou gravações. Os infra-
tores serão punidos através da Lei 5.988, de 14 de dezembro de 1973,
artigos 122-130.

Impresso no Brasil / Prínted in Brazil

À memória de J. B. Y illanova Artigas.


Mestre, amigo e companheiro de tantas lutas.

VII
APRESENTAÇÃO

History is not an exact A redação deste texto, sob forma de tese, foi concluída
science (many would say that em julho de 1984 e apresentada em concurso à Livre Docên-
is not a science at alI, and cia no Departamento de História da Arquitetura e Estética
even if we had alI the data do Projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
desirable, there would be U .S.P. em janeiro de 1985. Aprovada no concurso, decidi
disagreement on their procurar meios de publicá-Ia como livro, já que sua finalidade
interpretation. But we do not não se esgota com a avaliação honrosa que então recebeu.
have alI the data, so that alI Ao contrário, desde o começo pensei que ao aval do julga-
that one can do in a rapid mento em concurso deveria seguir-se a divulgação de um tex-
analysis of this kind is to destinado a servir de referência para as disciplinas de His-
review what seem to be the tória da Técnica e para outras disciplinas dos cursos da
relevant considerations and FAUUSP, que é, diga-se de passagem, uma das únicas, senão
see, where they lead. .a única, faculdade que mantém disciplinas sobre esta matéria.
Haveria que submetê-lo porém a algumas alterações,
The Unbound Prometheus boa parte delas resultado de um balanço crítico no qual pe-
David S. Landes saram as opiniões da banca examinadora e as de diversos
colegas que o leram' e gentilmente apresentaram sugestões.
Várias delas foram por mim aceitas, ainda que parcialmente.
Agradeço as contribuições recebidas e excuso-me por não ci-
tar nominalmente seus autores para não trair, por omissão, a
gentileza de colegas.
Uma das alterações propostas referia-se à adaptação for-
mal necessária, na opinião de muitos, da tese para o livro,
despindo-se este das características acadêmicas em que neces-
sariamente se codifica aquela.
Aceitei em parte essas sugestões. O texto inicial se de-
senvolvia em duas linhas: uma cronológica e factuaL e outra
opinativa, que incluía obviamente a própria seleção Iactual.
Pretendia ajustá-Ias numa seqüência em contraponto. Não
deu certo, e o resultado, medido por várias opiniões, foi a

VIII IX
perda de continuidade. Alterei por isso a sequencia dos ca- momentos em que se deve encerrar uma etapa. E o caso da
pítulos e fundi alguns deles. A cronologia e a lógica do texto História da Engenharia no Brasil, de Pedro C. da Silva Teles,
ficaram mais claras, e do esquema inicial restaram apenas da obra de Maria Cecília Loschiavo dos Santos: Escola Poli-
alguns interlúdios. A linguagem, a abundância e extensão das técnica - 1984-1984 (São Paulo, EDUSP, 1985), do livro de
citações, em que alguns colegas viram a marca de um trabalho Augusto C. de Vasconcelos: O Concreto Armado no Brasil
acadêmico, ficaram como estavam. Não me parece correto dar (São Paulo, 1985), do de Milton Vargas: Metodologia da Pes-
a este texto o caráter de material de divulgação distanciado quisa Tecnológica (Rio, Editora Globo, 1985), e a publicação
da forma acadêmica. Antes, creio conveniente o esforço no dos textos e debates dos Seminários Sociedade, Cultura e Tec-
sentido de não trabalhar, com duas linguagens, um texto que nologia, pela Fundação João Pinheiro (Belo Horizonte, 1985).
não me parece hermético ou especializado em termos de sim-
Na bibliografia estrangeira saliento a obra coletiva edi-
bologia lógica ou matemática, a ponto de exigir uma adapta- tada por George Bugliarello e Dean B. Doner, The History
ção depreciativa em relação aos leitores não-acadêmicos. and Philosophy oi Technology. Nela estão reunidos textos
Além disso, as longas e documentadas citações são recurso apresentados num simpósio realizado na Universidade de
bastante utilizados pela historiografia da técnica, como o ates- Illinois. Ao lado de autores já citados neste trabalho, como
ta o livro de F. Klemm, A History of Western Technology, que M. Kranzberg, J. C. Beaune e Cyril S. Smith, aparecem Mário
é uma verdadeira colagem de trechos originais, colocando o Bunge e, o que vale a pena destacar, os informes de Carl
leitor face a textos de difícil acesso. Isto me parece convenien- Mitcham e de Peter Caws. Ambos tecem considerações de
te dado que não é vasta a bibliografia de história da técnica ordem semântico-históricas sobre a palavra "Technology"
e da tecnologia no Brasil, o que empresta a este trabalho a que têm pontos de contato - de acordo e desacordo - com
responsabilidade maior de servir, bem ou mal, de material de a pesquisa que aqui desenvolvo a partir de fontes em parte
consulta para quem se interesse em entrar neste campo do coincidentes. Não conhecia esse livro editado por G. Buglia-
conhecimento com informação rigorosamente documentada. relI o até os primeiros meses deste ano, quando tive a ele acesso
Comentários do mesmo tipo poderiam ser feitos em re- graças à cortesia do Prof. José Reis. Tratando-se de obra im-
lação à bibliografia apresentada. Dela constam obras utiliza- portante, que marca a preocupação de autores, principalmente
das na elaboracão do texto e como fontes das citações, e tam- americanos, com a discussão de conceitos, não poderia deixar
bém outras que interessam a quem queira prosseguir nas pes- de registrá-Ia, embora não a tenha conhecido durante a elabo-
quisas aqui iniciadas. A historiografia da técnica e da tec- ração deste trabalho.
nologia é constituída quase que exclusivamente de obras re-
centes: poucas têm mais de meio século e pouquíssimas são No mesmo caso estão os livros de Theotonio dos Santos,
Revolução Científico-Técnica e Capitalismo Contemporâneo
de autores brasileiros ou aparecem em traduções. Mas nos
- 1983 e Forças Produtivas & Relações de Produção -
últimos anos a história da ciência e da técnica tem despertado
1984, ambos editados pela Vozes.
interesse no Brasil, disso resultando artigos em revistas e di-
versos livros, boa parte deles incluídos na bibliografia desta Para finalizar, saliento que este texto já é diferente da-
obra. quele sobre o qual recebi opiniões e comentários. Pelo que
Nos últimos meses, de julho de 1984 até hoje, várias deles resultou em melhoria do original sou grato, e pelo que
obras publicadas entre nós devem ser assinaladas nesta apre- não aceitei e erros que tenham persistido assumo total respon-
sentação, ainda que delas não me tenha utilizado, pois há sabilidade.

x XI
Quero deixar registrados meus agradecimentos ao Adil- SUMÁRIO
son Pereira e à Eliane de Fátima Fermoselle, que o datilo-
grafaram. Ao Armando Espinosa e à Marcia Maria Sig-
norini pela organização e apresentação gráfica do texto dati-
lografado e à Suzana Aléssio de Toledo pela assistência na
organização da bibliografia.
Mas este trabalho não teria sido possível sem o apoio
moral e material de minha esposa, Maria Lúcia, que me enco-
rajou e colaborou na sua organização final. A ela renovo des-
tacadamente meus agradecimentos. UMA DECLARAÇÃO DE INTENÇÕES: O MITO DE
PROMETEU .

São Paulo, novembro de 1985 OBJETIVO E MÉTODOS. ............................... 8

O QUE É TECNOLOGIA? 36
1. A Tecnologia na língua portuguesa 39
2. A Tecnologia na língua inglesa . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 4.,
3. A Tecnologia na língua francesa. Artes liberais e artes
mecânicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 56
4 A Tecnologia na língua alemã 71

O TRABALHO NAS CIDADES MEDIEVAIS 83


1. As Corporações na Europa 83
2. As Corporações em Portugal e no Brasil 103
O ESPAÇO DO DESENHO E O DESENHO DO ESPAÇO 110
O ENSINO TÉCNICO· PROFISSIONAL 120
ARTES LIBERAIS E ARTES MECÂNICAS:

DO DOMÍNIO DA TÉCNICA AO DOM1NIO DOS HOMENS.


DO VERBO À TELEMÁTICA 168

TECNOLOGIA E TRABALHO 181


1. Tecnologia do trabalho 187
2. Tecnologia dos materiais 193
3. Tecnologia dos meios 197
4. Tecnologia básica ou praxiologia 199

A TECNOLOGIA E A PERIODIZAÇÃO DA HISTORIA 208

lNDICE ONOMÁSTICO 214

BIBLIOGRAFIA 224

XII XIII
UMA DECLARAÇÃO DE INTENÇÕES:
O MITO DE PROMETEU

o Titã Prometeu roubou dos deuses o segredo do fogo


e o revelou aos homens. Zeus castigou-o, mandando Hefaístos
acorrentá-Io a uma montanha no Cáucaso, onde uma águia de-
vorava continuamente seu fígado. Como castigo aos homens,
os deuses criaram a mulher: Pandora - presente de todos os
deuses -, com uma caixa que, aberta, espalhou entre os ho-
mens todos os sofrimentos. Prometeu foi depois libertado por
Hércules. Prometeu - personagem da antiga mitologia grega
- reaparece freqüentemente como símbolo na literatura oci-
dental:

"Desde Hesíodo até André Gide, o mito de Prometeu acompa-


nhou constantemente o desenvolvimento da consciência cultural do
Ocidente" 1.

Poderíamos acrescentar aos nomes lembrados por Rossi


os de Bacon, de Benjamin Farrington, de Bertrand Gille 2 e de
David Landes. Rossi localiza na obra de Esquilo, Prometeu
Acorrentado, a emergência do ladrão do fogo como o rebelde
que se opõe à injustiça e ao domínio tirânico dos deuses.

I. Paolo Rossi. Los Filosofas y Ias Máquinas (1400-1700). Barcelona. Edit.


Labor. 1960. p. 166.
2. B. Farrington. Ciencia y Política en el Mundo Antiguo, Madrid, Ayuso/Pluma,
1979. p. 61; Bertrand Gille. Histoire des Techniques. Paris. Gallimard, 1978.
p. 125.

1
"Com Prometeu os homens aprenderam a construir suas moradas, trando as semelhanças e as diferenças entre esses autores nas
a regular sua vida pelo ritmo dos céus; dele aprenderam as matemáti- versões do mito.
cas, o alfabeto, a arte de domar os cavalos e de navegar nos oceanos;
de seus ensinamentos deduziram a medicina, as artes da predição e a Gramsci também aborda o tema:
extração dos metais preciosos escondidos nas entranhas da terra" 3.
"Poder-se-ia fazer uma exposição da fortuna literária, artística e
Na cultura medieval, Prometeu perde seu caráter de re- ideológica do mito de Prometeu, estudando sua presença em diversas
belde criador e é interpretado como símbolo da potência divi- épocas e verificando a que conjunto de sentimentos e idéias ele contri-
bui, como expressão sintética, em cada uma dessas ocasiões" s.
na. Foi dessa maneira freqüentemente cooptado pela religião.
Para muitos autores do Renascimento, Prometeu passa
a ser símbolo da capacidade criadora que só o homem possui.
o autor citado lembra alguns aspectos da retomada do
mito do século XVIII, desde Shaftesbury e dos Stiirmer und
Ernst Bloch atribui a Francis Bacon papel importante Driiger 6 até Goethe e Beethoven. E é na obra do poeta alemão
na recuperação de Prometeu: que se vê a expressão do aspecto "construtivo" da rebelião
"Bacon é o primeiro a falar de Prometeu como um rebelde técnico do Titã:
audacioso a ponto de se imiscuir nos assuntos do mestre; ou melhor,
de refazer a obra do mestre com mais competência e genialidade, ativi- "Prometeu aparece, não apenas sob o aspecto do Titã revoltado,
dade que alimenta seu orgulho. Os homens formados por Prometeu são mas, especialmente, como homo [aber, consciente de si mesmo e do
superiores às criações de Zeus. Bacon, portanto, utiliza-se, para situar a significado de sua obra" 7.
técnica, da alegoria ou do arquétipo de Prometeu. 'Prometeu', escreve
ele 'é o espírito inventivo dos homens que funda o reino humano, que Para [ean Pierre Vernant; no mito de Prometeu se en-
multiplica ao infinito a potência humana e a dirige contra os deuses'.
Ninguém porá em dúvida a força e a consciência revolucionária dessa
contra já um problema técnico. O trabalho aparece como con-
frase. Bacon se colocava como precursor, ainda que tateando, de em- seqüência do conflito entre Zeus e Prometeu: o fogo roubado
presas extremamente ousadas". deverá ser pago. A partir daí toda riqueza estará condicionada
ao trabalho 8.
Referindo-se a Bacon, Ernst Bloch escreve as palavras Continuemos no caminho de Prometeu. No século XIX
seguintes, que aproximam de Prometeu a imagem do filósofo o mito retorna às letras inglesas nas obras do casal Shelley.
inglês: Percy B. Shelley, poeta romântico, amigo de Byron, escreveu
o drama lírico Prometeu Libertado (Prometheus Unbound),
"Ele é um planejador de grande alento, como foram tantos outros
produzidos pela época barroca: dizer que alguém 'fazia projetos' não onde O' Titã simboliza a humanidade. Byron iniciara a tradução
era um insulto; só mais tarde é que se fala mal dos 'fazedores de pro- do Prometeu Acorrentado de Esquilo, e Mary Wollstonecraft
jetos'. Na época de Bacon, um 'Iazedor de projetos' era um homem en- Shelley escreveu Frankenstein, or the Modern Prometheus.
genhoso, preocupado com a adaptação do mundo às nossas necessidades
através de invenções" 4.
5. Antonio Gramsci. El Materialismo Histórico y Ia Filosofia de Benedetto Croce.
Buenos Aires, Ed. Nueva Visión, 1973. p. 177.
Paolo Rossi faz referência a Pomponazzi, a Boccaccio, a 6. Sturm und Drang. (lmpeto e Assalto) título de um drama de Klinger e que
passou a designar um período da história da literatura alemã, caracterizado por
Bovillus e à fábula de Prometeu, interpretada por Bacon, mos- uma valorização dos elementos emocionais em oposição ao racionalismo i1umi-
nístico.
3. Pao10 Rossi. idem, ibidem. 7. A. Gramsci. Op. cit., p. 179.
4. Ernst Bloch. La Philosophie de Ia Renaissance. Paris, Payot, s.d. p. 126/127. 8. cr, B. Gille. Op. cit., p. 125.

2 3
Mary Shelley era filha da escritora Mary Wollstonecraft sas experiências mal sucedidas trabalhou com o naturalista
Godwin, a primeira feminista inglesa, e de William Godwin, Charles Bonnet (1720-1793), também de Genebra 12.
filósofo e autor de obras políticas a quem J. Bury se refere
com destaque quando trata da teoria do progresso na Inglater- Também.~ão.do final,d? século XVIII e do começo do
XIX as expenencias dos ftSICOSrelativas à eletricidade e à
ra no século XIX 9. Em Godwin se encontram as idéias de J.
~ida. Galvani, Volta e Benjamin Franklin, Davy e Darwin
T. Rousseau e a convivência com cientistas do porte de Eras- Interessaram-se pelas possibilidades do emprego da eletricida-
mus Darwin e Humphry Davy, e poetas como Coleridge e
de na cura de certas doenças e em sua ação sobre os ~úsculos
Wordsworth.
n.os cas~s de paralisia. E. Darwin acreditava que com ela se-
Mary e Percy B. Shelley conviveram com as idéias cien- na possível reanimar organismos mortos. Andrew Ure, a quem
tíficas e com os primeiros passos da tecnologia. Shelley e vou referir várias vezes, participou, juntamente com Ieffrey,
Byron interessavam-se pelos autômatos, e o entusiasmo que também professor na Universidade de Glasgow, de uma ex-
tinham pelos barcos a vela desdobrou-se no interesse pela apli- periência nesse senti~o:. tendo obtido autorização para dispor
cação do motor a vapor à navegação. do cadaver de um CrImInOSOcondenado à forca, submeteram-
Foi na Suíça que Mary escreveu a história do doutor -no a .descargas elét.ricas. O resultado foi terrível, pois o corpo
Victor Frankenstein, que reunindo pedaços de cadáveres Cons- parecia ter se reanimado, assustando os presentes àquele ato
truiu o monstro ao qual imprimiu a vida. À beira do lago Le- público de investigação científica e levando os cientistas a cor-
mano, perto de Genebra, no verão de 1816, a novela foi pra- tarem a jugular do cadáver! Isso aconteceu por coincidência,
ticamente concluída 10. A Suíça não está presente na história em 1~1~, ~3noem que o livro de Mary Shelley teve sua primei-
apenas como paisagem. Há mais coisas suíças no monstro. ra edição '. Embora não se possa estabelecer uma relacão
Máquina montada com peças de diversas origens - o que o causal entre a experiência de A. Ure e o monstro do doutor
aproxima dos mecanismos da relojoaria dos autômatos - é Frankenstein, pode-se ver, pela coincidência, que essas idéias
também um ser artificial, o que lembra as idéias de um outro estavam no ar.
suíço, como Frankenstein, Paracelso (1493-1541). Para ele Tal é o mito de Prometeu na versão de Mary Shelley:
seria possível criar um "homúnculo", sem mãe, oriundo ape- um pouco de ficção científica, um pouco da novela de terror
nas do esperma. Mais um cientista de Genebra, Horace Be- medieval. Mistura de Golem com magia negra. O moderno
nedict de Saussure 11 (1740-1799), deve ser citado. Ele desco- ~r?meteu .apresent.a~se como antevisão de um apocalipse cien-
briu em 1770 que os infusórios se reproduzem por cissipari- tIf1CO,muito do feitio da autora, que se considerava capaz de
dade, assexuadamente. Poucos anos depois o italiano Lazzaro prever .0 futuro. O moderno Prometeu de Mary Shelley é o
Spallanzani demonstrou experimentalmente a descoberta de castigo ao homem por sua pretensão de desvendar o segredo
Saussure e, estendendo suas experiências sobre a geração, con- ~a vida. E é também a versão (ou contrafacção?) mais vulga-
seguiu fecundar artificialmente uma cadela, em 1776, depois rizada do mito, através de livros e de filmes, embora o nome
de ter tentado cruzar gatos com lebres e cães com gatos. Nes- de Prometeu tenha sido praticamente suprimido das versões
cinematográficas. A única coisa que certamente supera a no-
9. John Bury. Storia d cll'l dea di Progresso. Milão, Feltrinelli, 1964. p. 159. vela na difusão do nome do herói mitológico, na Inglaterra,
10. Radu Florescu. ln Scarch of Frank enstein. New York, Warner Books. 1976.
Passim.
11. Siegfried Giedion. Lu Mecunitucián Toma c! vtu n.lo Harcelona, Ed. Gustavo 12. Radu Florescu. Op. cit., p. 322.
Gili, 1978. p. 266. 13. Robert Lenoble. Histoire de l'Idée de Nature, Paris, Albin Michel. 1969.
p. 408.

4
5
foi a denominação de um tipo de palito de fósforo: "Preme- saram de muito o conhecimento de si mesmo. Contudo, podemos estar
thean Lucifer match", muito usado naquele país entre 1830 ce~tos.de que o homem tomará esse caminho e que não o abandonará,
pors ainda que tenha seus temores, tem também uma esperança eterna.
e 186014• Esta, é preciso lembrar, foi o último presente contido na caixa de Pan-
Para o filósofo Gaston Bachelard existe no homem um dora" 16,
desejo de intelectualidade que nos leva a querer saber tanto
como nossos pais e ainda mais do que eles; tanto como nossos Esta é a declaração de intenções que quero fazer: opo-
mestres e mais do que eles também. A essas tendências Ba- nho-me ao fatalismo e ao pessimismo associados à figura ter-
chelard dá o nome de Complexo de Prometeu, o Complexo de rível do monstro criado pelo doutor Frankenstein. Oponho-me
Edipo da vida intelectual 15. sem deixar de ter medo dele. A existência dos campos de ex-
Para encerrar estas menções não seria possível omitir a termínio nazistas não é decorrência da tecnologia ligada à
lembrança da obra de David S. Landes, professor de História produção de gases, assim como as bombas atômicas lança das
na Universidade de Harvard, publicada em 1969 e reimpressa sobre o Japão não foram conseqüência inevitáveldo desen-
desde então oito vezes: trata-se do livro The Unbound Prome- volvimento da física. Há, em ambos os episódios trágicos, de-
theus, já citado neste trabalho. cisões políticas, calcadas em posições ideológicas, que devem
ser apontadas. As maçãs maduras caíram desde sempre, até
Dele é o trecho abaixo transcrito, que são as palavras
que uma delas caiu aos pés de Isaac Newton; não foram elas
finais do livro: que revelaram a gravitação universal.
Goethe volta à memória, e dele são os versos finais do
"Adão e Eva perderam o paraíso por terem comido o fruto da poema Prometeu, que canta a revolta do Titã contra Zeus 17:
Árvore da Sabedoria: mas não perderam a Sabedoria. Prometeu foi pu-
nido, e por isso, toda a. humanidade, pois Zeus mandou aos homens
"Pensaste tu talvez
Pandora, com a caixa dos males, para anular as vantagens do fogo;
que poderia desprezar a vida
mas Zeus nunca obteve o fogo de volta. Dédalo perdeu o filho, mas
e ao deserto fugir
fundou uma escola de escultores e artesões e legou à posteridade a
porque nem todos
maior parte de sua habilidade. Em suma, 0& mitos nos advertem de que
os meus -sonhos floriram?
arrebatar e explorar o conhecimento são atos perigosos, mas que o ho-
mem precisa saber e saberá, e que, sabendo uma vez, não esquecerá.
Aqui estou.
Dificilmente alguém poderá apoiar um prognóstico sério em sím- Homens faço segundo a minha imagem,
bolos e lendas. Há, entretanto, uma certa sabedoria nestes velhos con- homens que serão logo iguais a mim.
tos que não tem sido desmentida pela experiência dos dois últimos sé- Divertem-se e padecem,
culos. A revolução industrial e o subseqüente casamento da ciência e gozam e choram,
da tecnologia são o clímax de milênios de avanço intelectual. Elas têm mas não se renderão aos poderosos,
sido também uma enorme força, para o bem e para o mal, e tem havido como também eu nunca me rendi!"
momentos em que o mal tem pesado muito mais do que o bem. Ainda
assim, a marcha do conhecimento e da técnica continua, e com ela um
penoso esforço social e moral. Ninguém pode ter certeza de que a hu-
manidade venha a sobreviver desse penoso curso, especialmente numa
época em que os conhecimentos do homem sobre a natureza ultrapas-
16. David S. Landes. The Unbound Prometheus. New York, Cambridge Univ.
Press, 1979. p. 555.
14. The Oxjord Dictionary 01 English Etymology. Oxford, Clarendon Press, 1969. 17. In: MONIZ, Edmundo. Poemas da Liberdade. Rio, Civilização Brasileira
15. G. Bachelard. A Psicanálise do Fogo. Lisboa, Edit. Estudios Cor, 1972. p. 28. 1967. '

6 7
OBJETIVO E MÉTODO Mas, ao formularmos desta maneira a questão já enfren-
tamos um problema: por que falar em história da tecnologia
e também em história da técnica? Técnica e tecnologia não
são a mesma coisa?
A resposta a estas perguntas exige uma definição prévia,
um ponto de partida teórico que estabeleça os critérios de va-
lorização dos fatos a serem levantados pela pesquisa. Vale
dizer que os fatos vão dar respostas às perguntas que souber-
mos formular e que por si só não revelam as essências escon-
didas nos fenômenos. É a partir de uma hipótese inicial que
a pesquisa se orienta em busca de comprovação fatual.
A pesquisa a ser desenvolvida neste texto é num certo
Neste capítulo vou proceder, inicialmente, ainda que sentido uma pesquisa arqueológica. Pode-se compará-Ia à iden-
sem esgotar o assunto, ao exame do estado atual da questão, tificação de estratos, em que se vão superpondo acepções vin-
através das noções, conceitos e definições de tecnologia vei- culadas às condicões de trabalho nas sociedades neles teste-
culados por historiadores, ensaístas e engenheiros. A partir munhadas, à situação das forças produtivas e das relações de
daí, faço algumas considerações sobre o método no qual me produção e do pensamento a elas contemporâneo. Mas a ana-
apoio neste trabalho e passo ao enunciado da tese. logia estratigráfica não é tão correta. No caso, deve-se consta-
Considerando que a aparência (fenômeno, em grego) es- tar, ocorrem algumas erupções que trazem à tona elementos
conde a essência e que, no caso, a mesma aparência - a pa- presentes nos estratos mais profundos.
lavra tecnologia - recobre ou encobre essências diferentes, Os exemplos e as analogias oferecem sempre o risco da
é a pesquisa da história, da gênese da palavra e de suas diver- reificação, para o qual é preciso estar atento, mas a visualiza-
sas acepções que vai, a meu ver, permitir desvendar esse "mis- ção é um recurso didático importante. Recorrer aos mitos tal-
tério moderno" da tecnologia. Esta é também uma forma de vez seja mais fecundo porque eles são, ainda que dogmáticos,
responder, ainda que parcialmente, à velha pergunta sobre a a sabedoria da imaginação.
utilidade da história. O exame do estado atual da questão vai nos permitir dar
Não se trata de procurar nela receitas, analogias ou re- alguns passos no sentido de adotar uma acepção básica para
petições e regularidades que a parte mais significativa dos his- esta investigação.
toriadores contemporâneos há muito desistiu de procurar. Muitos dos historiadores contemporâneos da tecnologia
Mas o rastreamento da palavra tecnologia é difícil, pois ou da técnica (não convém por enquanto comprometer-se
a ela se associam ao longo de sua história contextos sociais com uma ou outra das palavras) já reconhecem que há um
extremamente diferentes. Ao percorrer diversas formações intrincado cipoal semântico envolvendo essas palavras e que,
econômico-sociais, o conceito de tecnologia foi se alterando, em conseqüência, a própria história da tecnologia e a da téc-
alargando-se às vezes, restringindo-se outras vezes, de modo a nica tem seus campos embaralhados e sua periodização extre-
deixar registrada, de várias maneiras, a própria história das mamente dificultada. Desses historiadores interessam parti-
técnicas, vale dizer a história do trabalho, da indústria e da cularmente os de língua inglesa, porque, como veremos mais
produção. além, a palavra technology tem uma longa história no inglês.

8 9
I'alvez isso se deva à minúcia dos registros do Dicionário Eti- Seguindo a indicação do editor vamos ao texto de Gor-
mológico de Oxford, mas o certo é que há nele registro do don Childe:
uso de "technology" desde o século XVI I.
"Technology deveria significar o estudo daquelas atividades diri-
Assim é que, como primeira citação, vou me reportar a gidas para a satisfação das necessidades humanas, que produzem alte-
Lynn White [r., em artigo publicado em 19401, para quem ração no mundo material. Nesta obra o significado do termo se estende
"technology" se define nos seguintes termos: para incluir os resultados de tais ativídades'". (Grifas meus - R. G.)

"De modo amplo, podemos dizer que technology é a maneira pela Já nessas primeiras definições aparece uma divergência
qual as pessoas fazem coisas (em um certo sentido existe até uma tecno- básica que caracteriza as duas vertentes principais na con-
logia da prece)". ceituação da tecnologia: a de L. White [r. refere-se ao próprio
fazer (aquilo que correntemente chamaríamos de técnicas) e
Essa definição é tão ampla que nada delimita; não per- a de G. Childe refere-se ao estudo daquelas atividades dirigi-
mite excluir coisas como jogar tênis, fazer a barba ou jogar das à satisfação das necessidades humanas.
futebol, escrever um artigo de jornal ou dirigir um caminhão. Na vertente de L. White está, com precedência a ele, o
E essas coisas não são usualmente enquadradas como tecnolo- conceito implícito no trecho abaixo transcrito, de M. J.
gia. Fala-se usualmente do técnico da seleção brasileira de fu- Herskovitz:
tebol (fala-se sempre mal), mas ninguém que eu saiba o clas-
sifica como tecnólogo. Ela também não faz distinção entre "Os homens extraem do seu habitat, por meio de sua tecnologia,
técnica e tecnologia, o que é urnacaracterística da língua in- os alimentos, o abrigo, as roupas e as ferramentas de que necessitam
glesa, como veremos. para sobreviver. Os objetos que fazem e usam para esses fins classifi-
cam-se em geral sob a rubrica de cultura material'".
Alguns anos depois de Lynn White, há uma outra defi-
nição que correu mundo, assinada pelo prestigiado cientista Outro autor, bastante conhecido e prestigiado, que po-
Gordon Childe e publicada na História da Tecnologia de deríamos colocar na mesma verten te é R. J. Forbes, nara
Oxford 2. quem "A tecnologia é tão antiga como o próprio homem" 5.
Charles Singer, editor da obra, faz a colocação inicial: Ainda na mesma obra coletiva em que Forbes expõe seu
conceito, Melvin Kranzberg escreve:
"Etimologicamente, technology deveria designar o tratamento sis-
temático de qualquer coisa ou assunto. Em inglês ela é de formação "Na mentalidade popular, tecnologia é sinônimo de máquinas de
moderna (século XVII) e artificial, inventada para designar o discurso diversas classes - a máquina a vapor, a locomotiva e o automóvel, assim
sistemático sobre as artes (utilitárias). Até o século XIX o termo não como invenções tais como a imprensa, a fotografia, o rádio e a televisão.
tinha adquirido conteúdo científico e passou a ser posteriormente con- Portanto, a história da tecnologia é considerada simplesmente como uma
siderado como sinônimo de ciência aplicada. O professor Gordon Childe narrativa cronológica dos inventores e de seus aparelhos. E claro que
dedicou sua atenção aos objetivos da tecnologia (p. 38). Os editores eles constituem parte da história da tecnologia tal como a cronologia
consideram que ela abrange as maneiras como são feitas e fabricadas
as coisas". 3. Gordon Childe. Early Forms oi Societv, In: Singer, Charles et alii. A Hist ory
of Technology . 1.0 vol. p. 38.
4. M. J. Herskovitz. Antropologia Cultural. São Paulo, dois vol., Mestre Jou,
1. L. White Ir. Tecnologia e Invenções na Idade Média. ln: GAMA, Ruy (organ.), 1978. Tomo lI. p. 23.
História da Técnica e da Tecnologia. São Paulo, T. A. Queiroz/EDUSP, 1985. 5. R. J. Forbes. Los Inicios de Ia Tecnologia y el Hombre. In: Kranzberg, Melvin
2. Charles Singer et alii. A History 01 Technology. Oxford, Clarendon Press, et alii. Historia de Ia Tecnologia, Vol. 2., Barcelona. Edit. Gustavo Gili. 19RI.
1954. 1.0 vol. 1.0 vol. p. 21.

10 11
das batalhas, os tratados e as eleições constituem parte da história mi- tas, vimos, eram imposições da natureza ao homem. O homem responde
litar e política, mas a tecnologia e sua história abrangem muito mais do impondo, por sua vez, uma mudança à natureza. e
pois, a técnica, a
que os 'dispositivos e processos técnicos que atuam nos seus âmbitos. reação enérgica contra a natureza em circunstância que leve a criar entre
esta e o homem uma nova natureza posta sobre aquela, uma sobrenatu-
Mas, apesar de criticar as definições anteriormente aqui reza. Anote-se, portanto: a técnica não é o que o homem faz para sa-
citadas, Kranzberg formula uma conceituação extremamente tisfazer suas necessidades. Esta expressão é equívoca e valeria também
para o repertório biológico dos atos animais" 7.
vaga, que ainda se aproxima da vertente de L. White, confor-
me se constata no trecho abaixo transcrito:
Ortega y Gasset, no enorme leque que abre sobre a téc-
"Como explicação mais simples, a tecnologia consiste nos esforços nica, aborda também a questão da História e o faz de modo
do homem para enfrentar seu entorno físico - tanto naquilo que diz poético:
respeito à natureza quanto no que foi criado pelas próprias conquistas
tecnológicas do homem, como por exemplo as cidades - e suas tenta-
"A meu entender, um principio fundamental para penooizar a
tivas de dominar ou controlar esse entorno por meio de sua imaginação
evolução da técnica é atender à própria relação entre o homem e sua
e engenho na utilização dos recursos disponíveis" 6.
técnica ou, em outras palavras, à idéia que o homem foi tendo de sua
técnica, não desta ou doutra determinada, mas da função técnica em
Mas Kranzberg aproxima-se de um ponto muito impor- geral. Vejamos como este princípio não somente esclarece o passado,
tante da questão, ao qual voltarei mais adiante, quando es- senão que de um golpe ilumina as duas questões enunciadas por mim:
creve: a mudança substantiva que engendrou nossa técnica atual e por que
ocupa esta na vida humana um papel ímpar ao representado em nenhum
"A tecnologia é, portanto, muito mais do que ferramentas e ar us- outro tempo.
tas, máquinas e processos. Ela. põe em evidênci~ o trab.alho huma..no, as Partindo deste princípio podemos distinguir três enormes estádios
tentativas do homem para satisfazer seus desejos mediante a açao hu- na evolução da' técnica:
mana sobre os objetos físicos". 1.0 A técnica do acaso.
2.° A técnica do artesão.
"Devemos utilizar o termo desejos em vez de necessidades huma- 3.° A técnica do técnico" 8.

nas, porque os desejos humanos vão muito além das necessidades hu-
manas, especialmente aquelas necessidades básicas de alimentação, ves- Não vou me deter mais demoradamente nos "estádios"
tuário e habitação."
da história a que se refere o autor citado. Mas o terceiro deles
merece destaque porque é possível estendê-lo como tecnolo-
Quero fazer dois destaques: um deles, para discutir de-
gia, tal 'como o fazem diversos outros autores a que vou me
pois, refere-se à presença da palavra trabalho, o que é rara nos
referir. E ainda Ortega y Gasset quem escreve:
autores de língua inglesa que escrevem sobre tecnologia; o
outro é uma comparação do texto acima transcrito com aque-
"O tecnicismo da técnica moderna se diferencia fundamentalmen-
le em que José Ortega y Gasset define técnica: te daquele que inspirou todas as anteriores. Surge nas mesmas datas que
a ciência física e é filho da mesma matriz histórica" 9.
" ... estes são os atos técnicos, específicos do homem. O conjunto deles
é a técnica, que podemos desde logo definir como a reforma que o ho- 7. José Ortega y Gasset. Meditação da Técnica. Trad. de Luís Washington Vila.
mem impõe à natureza em vista da satisfação de suas necessidades. Es- Rio de Janeiro, Livro Ibero-Americano Ltda., 1963. p. 14.
8. J. Ortega y Gasset. Op. cit., p. 74.
6. M. Kranzberg, Op. cit., p. 13. 9. Idem, ibidem, p. 93.

12 13
E ainda: Estamos já em presença de superposição que vale a pena
destacar: o que Lynn White, Kranzberg e Usher chamam de
"A técnica moderna enlaça-se com Galileu, Descartes, Huygens; technology é para Ortega y Gasset mais simplesmente técnica.
em suma, com os criadores da interpretação mecânica do Universo" 10. Mas não é apenas com relação a este último autor que se nota
a superposição: ela está presente também no confronto com
Pois outros autores europeus: filósofos, ensaístas e historiadores.
Poderíamos lembrar alguns deles, mais conhecidos. Para Fre-
"Todos os criadores da nova ciência se deram conta de sua con-
substancialidade com a técnica. Tanto Bacon como Galileu, Gilbert derico Dessauer:
quanto Descartes, Huygens quanto Hooke ou Newton" 11.
•.A análise do conceito de técnica leva à conclusão de que ela con-
Estas citações, colocadas ao lado das anteriores, de ou- siste na realização de certas idéias, precisamente daquelas que são rea-
trr s autores, permitem confrontos e especulações sobre possí- lizáveis com as leis naturais" 14.
veis traduções. R. J. Forbes, por exemplo, afirma que a "tec-
nologia é tão antiga quanto o próprio homem" 12, tese que em Para Oswald Spengler a técnica é "a tática da vida" que
Ortega y Gasset assume a forma: "O homem começa quando o homem, animal de rapina, elabora individualmente e inde-
começa a técnica". pende da coação da espécie. Ele cria sua tática vital. A técnica
Tomemos mais um exemplo na historiografia americana é a cultura, e em nenhum instante no seu ensaio Spengler faz
da técnica. uso da palavra tecnologia 15.
Abbott Payson Usher, na sua célebre História das Inven- Egmont Hiller, na obra intitulada Humanismo e Técni-
ções Mecânicas, escreve: ca; já na primeira página conceitua:

"As sociedades humanas não só selecionam um meio, como tam- "Por técnica entendemos o esforço do homem que emprega as
bém fazem o seu meio. Os processos pelos quais 'o homem se faz a si faculdades mentais para dominar e tornar utilizáveis a matéria e suas
próprio' incluem os métodos empregados pelo homem para transformar forças, ou seja, o que se encontra na natureza".
o seu meio. A evolução humana é duplamente dinâmica; o homem e o
meio geográfico reagem um com o outro e ambos os termos se trans- Mas o que chama a atenção é o destaque que o autor dá
formam.
Amplamente concebida, a tecnologia é uma parte do núcleo cen- ao trabalho humano. Hiller também não emprega a palavra
tral evolucionário. E um aspecto essencial da acumulação de conheci- tecnologia 16.
mentos e do desenvolvimento das aptidões. Não esgota o campo do de- Isso parece ser uma constante entre os autores europeus,
senvolvimento do espírito, mas é um segmento característico do todo.
que se distinguem nesse particular dos americanos. Há exce-
ções, é claro: o holandês R. J. Forbes 17, já citado, e Alfred
A importância central da tecnologia será compreendida com mais Espinas, em obra publicada em 1897, a que deu o título Les
exatidão se considerarmos em traços largos a relação da alteração téc-
nica com o meio geográfico" 13. 14. Frederico Dessauer. Filosofia della Técnica. 2.a edição Brescia MorcelIiana,
1955. p. 12.
15. O. Spengler. EI Hombre y Ia Técnica. Madrid, Espasa Calpe S.A., 1934.
10. Idem, ibidem, p. 45.
16. Egrnont Hiller. Humanismo e Técnica. Trad. de Carlos Lopes de Mattos.
11. Idem, ibidem, p. 97.
12. Vide p, 19. São Paulo, E.P.D., 1973.
17. R. J. Forbes. Studies in Ancient Technology, Seis vols. Leiden, E. J. Brill.
13. A. P. Usher. História das Invenções Mecânicas. Lisboa, Edições Cosmos,
1973. 2 vol., 1.0 vol. p. 18. 1955.

14 15
Origines de Ia Technologie. Também é exceção a obra famosa Podemos dizer que ambos levam suas águas para a vertente
do americano Lewis Mumford, intitulada Technics and Ci- de Gordon Childe.
vilization. Mumford nessa obra escreve uma história da téc- André Haudricourt, em artigo publicado na revista La
nica, e tecnolôgico aparece no texto como adjetivo relaciona- Pensée refere-se à tecnologia como ". .. ciência das forças
do com a técnica. produtivas ... embora, longe de ser reconhecida como ciência
Estamos determinando assim, passo a passo, e sem muita autônoma, ainda não ocupe o lugar que merece". Lembra o
precisão, os contornos de nosso conceito básico. Prossigamos. autor que, de acordo com as definições usuais, presentes nos
Ramón Sánchez Flores reconhece a confusão que se estabe- dicionários, ela não seria uma ciência propriamente dita, mas
lece entre os conceitos de técnica e tecnologia. Para a pri- sim uma aplicação das ciências às atividades industriais.
meira admite o enunciado de inspiração socrática: conheci- O autor lembra que, numa primeira aproximação, uma
mento, habilidade e adequação daquilo que se executa. Con- ciência se define pelos objetos que estuda, mas logo nos aper-
sidera-a porém genérica demais e se apóia no conceito de tec- cebemos de que o que a caracteriza é o seu ponto de vista e
nologia como não seu objeto. A partir daí diz que no exame dos objetos fa-
bricados pelo homem, o que interessa no caso é a sua fabri-
" . .. conjunto de conhecimentos e objetos próprios do ofício mecânico cação e sua utilização pelo homem. Por isso, a tecnologia
ou da arte industrial" 18.
como ciência deve ser ciência das atividades bumanas. Para
ele, a introdução desse ponto de vista na tecnologia foi difi-
Acrescenta que do ponto de vista literário a tecnologia
cultada pela tendência dominante no século XIX, que privi-
poderia ser tida como a cronologia das artes, das ciências e
legiava a história dos modos de produção em detrimento da
das invenções "mecânicas em seus ambientes.
história das forças produtivas. Esse desvio só foi superado,
Em obra recentemente publicada em Moscou encontra-
segundo de, no começo deste século e, particularmente, na
mos as seguintes acepções:
França, por Marc Bloch. Há nessa afirmativa uma injustiça
"A técnica pode ser definida, de um modo geral, como conjunto em relação a pelo menos um autor, alemão, do século XVIII,
de instrumentos e hábitos que viabilizam a produção. [ohan Beckmann, de quem falaremos mais adiante, várias
. vezes.
No sentido mais estrito o termo técnica utiliza-se para designar Haudricourt, como etnólogo, parece centrar o interesse
os instrumentos de trabalho. O conceito de tecnologia é contíguo ao de
técnica, por isso referindo-se ao segundo tem-se às vezes presente o da tecnologia na "civilização material", nos objetos e artefa-
primeiro. tos, mas sua condição de lingüista o faz introduzir a lingua-
A tecnologia (do grego techné e logos - conceito, doutrina) não gem e os gestos no campo dos estudos tecnológicos. Para ele,
é senão o conjunto dos conhecimentos sobre os processos e meios de a tecnologia está intimamente relacionada com a história, e é
transformação dos objetos de trabalho" 19. quase sinônima, eu diria, da história das técnicas 20.
Quanto às vantagens do ensino da tecnologia nos cursos
Apesar da longa distância que separa os dois últimos
superiores, ele aponta a inserção das técnicas particulares na
autores citados, a semelhança de seus conceitos é evidente.
história geral do progresso humano, superando a aparente
18. R. S. Flores. Historia de Ia Tecnologia y Ia lnvenciôn en México. México, antinomia entre o maquinismo e o humanismo. Também lhe
F. C. Banamex A. c.. 1980. p. 10.
19. V. Gromeka et alii. Capitalismo, Socialismo e Revolução Técnico-Científica. 20. André Haudricourt. La Technologie, Science Humaine, In: LlI Pensée n."
Moscou, Edições Progresso, 1982. p. 6. 115, junho de 1964. p. 28 et seqs.

16 17
parece importante na superação do racismo .d~~ eur.5>peu~,que Na mesma obra, encontramos uma reafirmacão enfática
tentam atribuir o atraso técnico das outras civilizações nao-eu- do conceito de tecnologia como modo de produção:
ropéias à falta de inteligência e de invenções.
Ao final do artigo lê-se uma advertência que me parece "A tecnologia moderna, como modo de produção específico do
importante reproduzir aqui: capitalismo industrial avançado, foi, ao mesmo tempo, um produto e um
meio do desenvolvimento capitalista" 22.
"Não se deveria por isso atribuir à tecnologia e .em .?eral. às, f?rças
produtivas uma importância exclusiva para a exph~açao _hlstonca e Colocada a questão em termos marcusianos, a crítica da
considerar as inovações técnicas, as descobert~s e as Invenç~e~, como o sociedade burguesa cede seu lugar à crítica da tecnologia e
único motor da história, separadas das relaçoes de produçao . da ciência; o responsável historicamente não é o capitalismo,
A esse respeito julgo oportuno comentar que o autor, ao mas a máquina, a tecnologia, a ciência. É fácil constatar a fre-
qüência com que essa formulação aparece, explícita 9U impli-
que parece, acaba mudando de vertente: se inici~lmente fala-
va da tecnologia como ciência das forças produttvas, passa a citamente nos discursos antitecnológicos de diversos matizes.
adotar as acepções de Lynn White e de Fo!bes, que de ~erto Vemos portanto que, nos textos de língua inglesa, tecno-
logia aparece, ora como simplesmente sinônimo de técnica ou
modo assimilam tecnologia a forças produttvas. Isso equ~vale
de conjunto de técnicas, alarga-se às vezes para incluir o pro-
a confundir a ciência com o objeto de seu estudo, o que e, no
duto material das técnicas, e outras vezes, menos freqüentes,
mínimo, um problema epistemológico.
é usada como sinônimo de saber associado às técnicas ou co-
Seria fatigante prosseguir num levantamen~o comp~e~o
mo estudo das técnicas. Constitui outras vezes um vasto cam-
das acepções correntes de tecnologia nesta fase introdutória
.po em que se situam as invenções, aparelhos. instrumentos e
do texto. Voltaremos a elas nos capítulos subseqüentes. Antes
máquinas primitivas ou modernas e se desloca nitidamente pa-
porém vamos prestar alguma atenção em mais uma acepção
ra outro campo, mais teórico, quando é definida como Modo
veiculada em língua inglesa e no emprego da palavra tecnolo- de Produção.
gia por alguns autores brasileiros. Já vimos, linhas ~trás, co-
Vejamos o que se passa com os autores brasileiros que
mo A. Haudricourt chama a atenção para a necessidade de
têm examinado o assunto. Do engenheiro Waldimir Pirró e
não atribuir às forças produtivas (das ql!ais faz ~a:t~, segun-
Longo, que tem dedicado inúmeros trabalhos de grande atua-
do ele, a tecnologia) importância exclusiva na hIsto.na, sepa-
lidade e importância à questão da transferência de tecnologia
radas das relações de produção. Ora, forças produtivas e re-
e à tecnologia nacional, é a definição que segue:
lações de produção constituem, conjuntamente, os modos de
produção. Isso posto, adquire interesse a acepção adotada pe- "Tecnologia é o conjunto ordenado de todos os conhecimentos _
lo americano David Noble, apoiada em Herbert Marcuse: científicos, empíricos ou intuitivos - empregados na produção e co-
mercialização de bens e serviço" 23.
"A tecnologia, como um modo de produção, como a totali?ade
dos instrumentos, dispositivos, invenções e artifícios que ~aractenzam
a idade da máquina, é, assim, ao mesmo tempo, urna maneira .de org_a- A abertura do conceito é tão grande que não permite, a
nizar e perpetuar (ou de mudar) as relações sociais, uma ma01festa~ao meu ver excluir quase nada da tecnologia, não distingue as
do pensamento dominante e dos padrões de comportamento e um ms-
trumento de controle e dominação" 21. 22. D. Noble. Op. cit., p. 33.
23. Tte. Cel. W. P. Longo. Tecnologia (' Transferência de Tecnologia. In:
21. Davíd Noble. America by Design, New York, Oxford University Press, 1980. Cadernos de Tecnologia e Ciência. n.? 2. ago/set. 1971l. Rio de Janeiro. Ed.
p. XXII. Tama.

18
19
técnicas da tecnologia e parece indicar que esta abrange aque- tremamente polêmico na medida em que supõe uma prece
las. Coloca-se desta forma ao lado das formulações de Lynn dência da ciência em relação à técnica. Bastaria lembrar, para
enriquecer uma polêmica nesse sentido, o caso da Termodinâ-
White Jr. e de R. J. Forbes.
Mas apesar dessa imprecisão resultante do alarg~mento mica, ramo da Física, de largo emprego nas máquinas e mo-
excessivo do campo, W. Pirró e Longo chama a atençao p~ra tores, mas que somente se estruturou como ciência no final do
alguns aspectos de uso inconveniente da palavra tecnologia: século XVIII, quando as bombas e motores a vapor já eram
uma realidade "técnica". A segunda parte da definição acima
"O domínio do conjunto ordenado d.e conh_ecimentos ,q~e :onsti- transcrita é também imprecisa, pois leva a uma ampliação do
tui a tecnologia permite a elaboração das mstruçoes nece~sanas a pro- campo semântico ao invés de uma delimitação, que é o que
dução de bens e serviços. Ocorre que a palavra tecnologia vem sendo normalmente se espera de uma definição. Igualmente polêmi-
empregada para designar tais instruções ~ .não os c?~heclmentos .que as
geraram. Confundem-se expressões matenars e parcl~ls .do conhe~lmento
ca é a ampliação da definição para os serviços, território de
(plantas, manuais, especificações etc.) com o propno conhecImento. sonhos, em que a lavadeira, como a Cinderela anda de bracos
Chega-se ao cúmulo de ainda se acreditar ~ue ,q~ando uma empres,a com o presidente do banco! ' >

multinacional coloca em funcionamento aqui o último modelo de ma- Em artigo recentemente traduzido para o português, o
quina (importada) de fazer pregos, o país está dotado da mais alta te c-
Prof. Rabah Benakouche, da Universidade Federal de Santa
nologia de fazer pregos" 24.
Catarina, apresenta uma proposta para debate que começa as-
o autor citado partilha de certa forma da advertência, sinalando a "anarquia semântica" que cerca as palavras como
já registrada aqui, contra o uso ~a palavra recnologia na. li~- técnica, progresso técnico, inovação, invencão
>' ciência , tecno-
guagern internacional de marketing. Uso abUSlVO,Tas Sl?n!- logia etc. Assinala o uso indiscriminado de uma noção por
ficativo, como o que aconteceu com as palavras aerodma- outra e a designação de uma realidade por um termo, elevan-
mico" "futurista" "modernista", "clássico" ou "mediterrâneo" do-o ao estatuto de conceito ao apresentá-lo como uma expli-
na arquitetura e no desenho industrial, e com as palavras "ci- cação do real. Ainda mais, lembra que o uso de um mesmo
dade-jardim", "vila" e "parque" no mercado. imobiliário. termo para designar realidades diferentes gera uma confusão
Outro autor brasileiro que tem se dedicado ao estudo desalentadora 26. .

destas questões é o engenheiro e professor Mário da Silva O artigo é longo, fartamente documentado e rico de crí-
Pinto, que assim aborda o problema: ticas, o que o recomenda como leitura essencial no gênero.
Não vou examiná-lo mais profundamente mas apenas dele
"Tecnologia é ciência aplicada, é ~ .conjunto ~e ?pe~ações q~e colher alguns argumentos para discussão dos conceitos e defi-
levam uma indústria ou qualquer outra atividade economlca a obtençao nições 'de outros autores já alinhados neste texto. O primeiro
de bens com produtividade aceitável para as conquistas de qualqu~r
deles refere-se à tecnologia como mercadoria. R. Benakouche
época. Esta definição, no que se aplicar, vale também para a produçao
icid a d e " 25 .
de serviços, a exemplo da termoe Ietnct
refuta essa identificação e cita os argumentos de que se ser-
vem os defensores desse ponto de vista:
Esta definição transfere, em parte, o problema sem re-
a tecnologia não é mais do que um estoque de técnicas sua
solvê-lo: exigiria a definição de ciência aplicada, o que é ex- H_

cetível de ser adquirido no mercado. Decorre daí. conseqüentemente,


24. W. P. e Longo. Idem. 26. R. Benakouche. A Tecnologia Enquanto Forma de Acumulação. São Paulo.
25. M. S. Pinto. Brasil: a busca de tecnologia nu passado e rIO presente. In:
In: Revista Economia e Desenvolvimento, n.? 2. Cortez Edit., fev. 1982. p. J J
Carta Mensal. Rio de Janeiro. Confederação Nacional do Comércio, n.? 297,
et seqs.
p. 41.

21
20
que a técnica é uma mercadoria que pode ser comprada em diversos
de relações subjetivas e objetivas das individualidades; ela é a-histórica
tipos de mercado: aquele das patentes, da assistência técnica, dos bens
por~ue se. refere a ép.oca.s tão diferentes quanto a idade da pedra, o
de equipamento, da indústria montada (c/é en main) etc." 27.
penedo tnbal e o capitalismo. ~SSII?' sua utilização enquanto noção é
desprovida de todo poder explicativo (no sentido epistemológico do
o autor, prosseguindo, conclui que: termo). Por todas essas razões a posição antitecnologista é também in-
sustentável" 29.
"Em outras palavras, admitir a tecnologia como mercadoria é,
simplesmente, aderir à ideologia difusa das grandes firmas. Para essa Benakouche examina também a questão atual e relevan-
ideologia, a presença de tais firmas não traz efeitos nocivos; pelo con-
trário, elas propagam o progresso técnico aos diversos ramos da pro-
te da transferência de tecnologia e da conceituacão desta últi-
dução" 28. ma como "serviço", o que a meu ver é uma d~s explicacões
pouco claras do texto citado. >

Estas citações já possibilitam uma comparação com o Mas não apenas os engenheiros e economistas no Brasil
que escreve M. Kranzberg acerca da imagem corrente de tec- têm escrito sobre a tecnologia. Alguns filósofos ta~bém com~
nologia como sinônimo de máquinas de diversas classes - a parecem ao debate. Sem que isto signifique deixar de lado
máquina a vapor, a locomotiva e o automóvel, assim como as outras contribuições, vou me deter um pouco no exame da tese
invenções: a imprensa, o rádio, a televisão, o computador etc. apresentada pelo filósofo Euryalo Cannabrava ao 11I Con-
B claro que cada uma dessas classes se compõe de objetos que gresso Brasileiro de Língua e Literatura, sob o título Tecnolo-
são mercadorias, mas identificá-Ios com a tecnologia significa gia e Estética 30. Trata-se de texto que se presta muito bem a
retificá-Ia no mesmo sentido em que a mercadoria se reifica e um confronto com os outros já aqui citados, e que não pode-
aparece numa visão especular invertida que esconde sua es- ria deixar de aparecer numa análise do estado da questão.
sência. Vamos a ele:
Outra das críticas bastante oportunas que o autor citado
apresenta é aquela que se refere à tecnologia não apenas co- . "O conceito de civilização está inextricavelmente associado ao
mo "exigência econômica", mas também como luta pelo poder: conjunto de técnicas, desde o artesanato nas artes e ofícios até as ope-
rações binárias da computação eletrônica. E a esse conjunto de técnicas
,.... a tecnologia, mantidas as devidas proporções, resolve os proble- que se dá modernamente o nome de tecnologia. Há diversas outras
mas que se quer que ela resolva. Por enquanto, os decisores lhe formu- acepções desta palavra-chave que examinaremos posteriormente. Basta
laram um certo número de problemas, e ela lhes deu solução. Isto signi- assinalar, por enquanto, o predomínio, mesmo nos meios universitários,
fica que ela poderá oferecer outras soluções, se lhe forem colocados de certo sentido, atribuído à tecnologia, que exorbita de seu domínio
outros problemas, principalmente aqueles que interessam ao fator tra- significativo. Tecnologia não quer dizer aplicações científicas: os vín-
balho. Como a questão ainda não se colocou, a tecnologia desenvolveu- culo' entre Ciência e Tecnologia são superficiais ou, mesmo, de oposição
se respondendo aos imperativos industriais, que lhe têm comandado até e contraste. Em primeiro lugar, a tecnologia, abrangendo a totalidade
agora. das invenções e descobertas, nunca pôde ser derivada dos conhecimen-
Isto posto, a assimilação da tecnologia à dominação - como feita tos cie~~ífi~os numa determinada época. Se a invenção fosse simples
Rrincipalmente por Habermas e Marcuse - é insustentável. Primeiro, consequencla de princípios ou leis já conhecidos, então o progresso tec-
porque a noção (e não o conceito) de dominação é ampla, ambígua e nológic.o teria o seu curso, em qualquer de suas fases, necessariamente
determinado pela evolução das teorias científicas".
a-histórica: ela é ampla e ambígua porque envolve todas as formas
29. Idem, ibidern, p. J5.
27. Idem, ibidem, p. 21.
211. Idem, ibidem, p. 24. 3~. In: Anais do 111 ConRT('s.1O Brasileiro de Língua (' Literatura. Rio de Janeiro,
Editora Ger nasa, 11) 72. p. J 43 et seqs.

22
23
Esta transcrição já permite um confronto: E. Cannabra- a criação de novos ramos da ciência, como é o caso da termo-
va adota a acepção explícita em Lynn White Jr. e implíci- dinâmica, respondendo cientificamente aos problemas coloca-
ta em R. J. Forbes, para quem "a tecnologia é tão antiga dos pelo uso do vapor nas bombas e nos motores.
como o próprio homem" e com a associação feita por M. ,. Mas, não se pode por isso desprezar fatos como a desco-
Herskovitz entre tecnologia e cultura material. Outra das for- berta do planeta Netuno, cuja posição no sistema solar havia
mulações do autor que merece atenção é aquela em que nega sido calculada, teoricamente, por [ohn Couch Adams e por
a identificação da tecnologia com aplicação da ciência. Pare- Leverrier, e só posteriormente foi observado pelo astrônomo
ce-me que ele tem razão, em parte; seria porém necessário Galle 32.
admitir que a categoria fundamental é a da técnica com a Resumindo, o que se nota no texto em exame é a nega-
qual a tecnologia tem relações históricas, mas que com ela não tiva do reconhecimento de uma relação dialética entre a teo-
se confunde. O uso de tecnologia com o significado de técni- ria e a prática, colocando-se o autor, como reação à visão que
ca é, como veremos mais adiante, uma característica da língua
privilegia a teoria, numa posição francamente empirista. Isto
inglesa que se deve, provavelmente, ao peso da herança no-
se revela, a meu ver, no conceito de "operador tecnológico"
minalista e empirista incorporada àquela língua.
que o autor introduz no seu texto e que parece destinado a
Mas, seria de se esperar que E. Cannabrava fizesse entre
conciliar duas correntes de pensamento: empirismo lógico e
técnica e tecnologia a mesma distinção que faz entre práxis e
marxismo ou mesmo o pragmatismo de Dewey e o marxis-
praxiologia. Lembre-se, a propósito, que praxiologia é a pa-
mo 33. Isto explica, a meu ver, as palavras finais do autor no
lavra usada pela primeira vez por Espinas na obra Origines
texto considerado:
de Ia Technologie, em 1890, para designar a ciência da ação,
a ciência da prática. Só mais tarde é que T. Kotarbinski pro- . "É possível que algumas pessoas presentes encontrem nesta valo-
põe a praxiologia como ciência da eficácia 31. rização d.o mo?elo pra,x~ológico de todas as atividades exerci das pelo
Feitas estas ressalvas poderíamos concordar com E. homem, inclusive a teonca, qualquer vestígio de influência das idéias
Cannabrava quando se nega a colocar a técnica em posição marxistas. A interpretação aludida seria falsa sob vários aspectos ... " 34.
subalterna à da ciência; mas o autor cai no exagero oposto.
Ninguém pode negar que certos instrumentos, aparelhos Pode-se dizer que ao autor caberia aplicar a advertência
e armas foram pensados e construídos antes que existisse a que faz André Haudricourt sobre a importância exclusiva que
ciência na qual sua ação está hoje enquadrada. Vários são os s:. atr~b~i .à tecnolog.ia e às forças produtivas para a explica-
fatos que podem ser lembrados: o boomerang australiano, çao histórica, e considerar as inovações técnicas, as descober-
como seu similar egípcio, são anteriores a qualquer Iorrnali- tas e as invenções como o único motor da história, separadas
zação científica dos conhecimentos físicos; os maravilhosos das relações de produção. Isto pode parecer impertinente. já
cascos noruegueses, como o do barco Gokstad, datado prova- que o autor não se propõe a escrever uma história da tecno-
velmente do século I X, antecedem a qualquer dos ramos da logia, mas a proposta de periodização por ele apresentada en-
ciência a que o problema seria hoje encaminhado. Pode-se tra no campo da história:
dizer que a atividade prática, a técnica, tem solicitado e
32 .. Wi.lliam C. Dampier. A History of Science. 3." ed. New York, Carnbridge
provocado a ciência com problemas novos e até motivado Universuy Press 1942. p. 134.
33. Tomás Maldonado. Cf. Ruy Gama, Glossário. p. 132.
31. V. Ruy Gama. Glossário, São Paulo, FUPAM/FAUUSPíCNPq, 1982. p. 13\. 34. E. Cannabrava. Op. cit., p. 163.

24 25
"A liberação da energia atômica inaugurou a Idade Tecnológica, dentro de cem anos o homem poria em órbita o primeiro sa-
assim como a orbitação do primeiro satétite artificial, o Sputnik, deu télite artificial. Ora, dois anos depois foi lançado o primeiro
início à Idade Megatecnológica. Existiu uma fase tecnológica na civili-
Sputnik, o que para E. Cannabrava significou a precedência
zação material do período geocêntrico, em que o homem, tendo a Terra
como centro do Universo, ficou confinado à técnica de observação as- da tecnologia sobre a previsão científica. Pedro Pinho rebate
tronômica que não ultrapassava o seu raio visual" 35. essa interpretação de modo correto quando admite que a pre-
visão de Fred Hoyle era o ponto de vista de um cientista e
Vamos deixar para o final deste texto o exame das pro- não o da ciência. Pena porém que ele não tenha lembrado das
postas de periodização da história com base na tecnologia. palavras de Ortega y Gasset, autor em que se apóia, como
A tese de E. Cannabrava despertou controvérsias, uma vimos. Em texto publicado no jornal El Sol, de Madri, em
delas levantada por Pedro Pinho em estudo publicado pela 9 de março de 1930, o filósofo espanhol (não era cientista
Universidade Federal do Pará. Ele critica, já de início, o con- nem tecnólogo) dizia:
ceito de tecnologia esposado pelo autor anteriormente citado:
"Mas a idéia que hoje temos da técnica reavive agora em cada
"Voltando ao conceito de tecnologia adotado pelo Prof. Canna- um dos senhores essa idéia que nos tem colocado na situação quase trá-
brava, podemos notar que ele é excessivamente amplo, por isso mesmo gico-cômica - isto é, cômica mas também trágica - de que quando
vago e confuso. Em última análise, ele identifica a tecnologia com qual-' somos brindados com a coisa mais extravagante nos surpreendemos
quer técnica em sentido lato, donde o seu empenho em separar o pro- atordoados porque em nossa última sinceridade não nos atrevemos a
gresso tecnológico do conhecimento científico. Pensamos, ao contrário, assegurar que essa extravagância - a viagem aos astros, por exemplo
que é indispensável distinguir os vários estágios históricos, os vários ti- - é impossível de realizar. Tememos que,' assim, no momento de di-
pos de técnica, que aparecem desde o instrumento primitivo até o ad- zer isso, chegasse um jornal e nos comunicasse que, tendo-se conseguido
vento da tecnologia moderna. na qual 'é decisiva a contribuição da proporcionar a um projétil uma velocidade de saída superior à força
ciência" 36. da gravidade, se havia colocado um objeto terrestre nas imediações da
Lua" 38.
Pedro Pinho opõe ao autor que comenta o conceito de
técnica científica que faz corresponder ao conceito de tecno- Para finalizar este exame do estado da questão vou me
logia, dotada de estatuto próprio que não se pode generalizar referir a dois autores brasileiros. Um deles é Francisco Iglé-
a qualquer momento e espécie de técnica. sias, historiador que dispensa apresentação. Para ele
Seguindo esse raciocínio, Pedro Pinho vai se apoiar em
Ortega y Gasset e identificar a tecnologia com a técnica do "A tecnologia vem a ser, portanto, não só o meio de dominar a
natureza, adaptando-a, como a principal afirmação do homem, uma vez
técnico, com o tecnicismo de fundamento científico 37. O es- que é por ela que ele se sobrepõe à paisagem, pela inteligência e pela
tudo mencionado é extenso e o autor nele faz também a defe- vontade" 31).
sa de Martim Heidegger das críticas de E. Cannabrava. Não
vou me deter mais no seu exame, senão para chamar a aten- Vê-se portanto que Iglésias amplia extraordinariamente
ção para um aspecto das relações entre ciência e técnica; o conceito de tecnologia. Poderíamos aproximá-Io de Hersko-
episódio secundário, talvez, mas sem dúvida pitoresco. Trata- vitz (v. p. 11), de R. J. Forbes (v. p. 11) e de Melvin Kranzberg
-se da referência que E. Cannabrava faz à previsão do astrô- (v. p. 12). Iglésias também não deixa margem para nenhuma
nomo inglês Fred Hoyle, publicada em 1955, segundo a qual. distinção entre tecnologia, técnica e trabalho. Note-se a pro-
35. Idem. ibidem. 38. J. Ortega y Gasset. Op. cit., p. R4.
36. Pedro Pinho. Op. cit. 39. F. Iglésias. Comunicação ... In: Anais do III Simpósio de Projessorcs Uni-
37. J. Ortega y Gasset. Op. cit., passirn. versitários de História. 1966. p. 505.

26 27
pósito que se no trecho de Iglésias citado substituíssemos a Cabem aqui diversos comentários. Em primeiro lugar,
palavra tecnologia pela palavra trabalho, a formulação seria, mantém o par de conceitos técnicas e tecnologia, não confun-
a meu ver, mais correta, pois a categoria fundamental a ser dindo as duas. Isso permite ao autor historicizar a tecnologia,
considerada é o trabalho e não a técnica ou a tecnologia. dando a ela uma data (ou uma época) de nascimento. Pode-se
dizer qué Milton Vargas aceita parcialmente os estádios de
"Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o
homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria evolução da técnica propostos por Ortega y Gasset, identifi-
ação impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a cando a tecnologia como a técnica do técnico, o que permite
natureza" 40. um exame à luz de novas formas de divisão do trabalho, de
formação profissional e de formas de aquisição da mercado-
Milton Vargas, engenheiro, professor da Escola Politéc- ria trabalho. Mas isto tudo são ilações minhas, não está no
nica da Universidade de São Paulo, nome que também dis- texto em exame.
pensa apresentação, é o último dos autores que vou citar. Co- Caberia também fazer algumas observações acerca da
laborando na obra coletiva organizada por Shozo Motoyama afirmativa do autor de que
e Mário Guimarães Ferri, no capítulo História da Tecnologia
no Brasil, escreve: "A tecnologia só veio a existir depois do estabelecimento da
ciência moderna, no século XVII".
"Neste capítulo entender-se-á por tecnologia o estudo ou
tratado das aplicações, teorias, experiências e conclusões das ciências
ao conhecimento dos materiais e processos utilizados pelas técnicas. E.
A afirmativa me parece muito categórica e contém im-
verdade que, no mundo moderno, essa é também a função da engenha- plícita a idéia de precedência da ciência em relação à técnica,
ria, da arquitetura e da agronomia. Porém, nestas últimas, além das pois a ciência teria assim dado o impulso que transformou a
aplicações científicas, comparece também a arte de construir obras e técnica em tecnologia. Permanece nela, de alguma forma, a
fabricar produto, com suas particularidades individuais e circunstâncias
próprias. Há nessas últimas atividades, portanto, uma intencionalidade idéia de ciência aplicada. Prefiro ainda a formulação de Or-
e valorização de uma determinada obra ou um determinado produto. tega y Gasset, já citada, mas que convém repetir:
ausente na tecnologia. Por outro lado, a tecnologia difere da técnica,
pois essa última é um conhecimento prático que não envolve, neces- "O tecnicismo da técnica moderna se diferencia fundamentalmen-
sariamente, teoria alguma. A técnica é tão antiga quanto a humanidade; te daquele que inspirou todas as anteriores. Surge nas mesmas datas
porém a tecnologia só veio a existir depois do estabelecimento da ciên- que a ciência física e é filho da mesma matriz histórica".
cia moderna, no século XVII, quando se percebeu que tudo o que o
homem construía era regido por leis científicas.
Outra observação que não pode faltar refere-se à super-
A tecnologia aparece implicitamente no Brasil no fim do século posição que Milton Vargas aponta quando se refere à enge-
passado, nos ensinamentos das disciplinas de aplicação das nossas três nharia, à arquitetura, à indústria e à agronomia em relação
primeiras escolas de engenharia: a Politécnica do Rio de Janeiro, em à tecnologia. O autor resolve a questão, a meu ver, quando
1874; depois a Escola de Minas de Ouro Preto, em 1875, e finalmente diz que
a Politécnica de São Paulo, em 1894" 41.

40. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. I. p. 202. "Há nessas últimas atividades, portanto, uma intencionalidade e
41. M. Vargas. A Tecnologia no Brasil. In: MOTOYAMA, S. & FERRI, M. G. valorização de uma determinada obra ou um determinado produto,
História das Ciências no Brasil. São Paulo, EDUSP/E.P.U./CNPq, 1979. 1.0 vol. ausente na tecnologia".

28
Esta última observação parece pertinente e tem ainda o das ciências físicas e naturais e, como assinala (com propriedade mas
mérito de desfazer em parte o equívoco que parecia aflorar não com primazia) Alain Birou, também na comunicacão desses conhe-
no conceito de arte de construir aplicado à arquitetura, con- cimentos pelo ensino técnico 42. >

ceito que ignora o fundamento da obra construída, que são o


projeto, a prefiguração e a criação. E: evidente que técnica e tecnologia não se referem espe-
Encerro aqui este giro de horizonte sobre a questão. Não cificamente à produção industrial, mas se estendem a outros
o faço por simples acaso, e nem por critério meramente cro- setores da atividade econômica.
nológico, com a transcrição e com comentários sobre os con- Assim sendo, a técnica é tão antiga quanto o homem,
ceitos expendidos por Milton Vargas. Além do seu papel na ou o homem começa quando começa a técnica. Mas a tecno-
engenharia nacional e no ensino, numa das escolas de enge- logia tem história mais recente: pode-se talvez localizá-Ia na
nharia mais importantes do país, a conceituação por ele apre- Grecia jônica (século VI a.Ci), onde recebeu seu nome, sendo
sentada constitui um apoio importante para a proposta de portanto coetânea da ciência grega. A tecnologia moderna foi
historização da tecnologia que vou expor, na seguinte Tese: batizada, por inspiração grega, apenas no século XVIII. Chris-
A tecnologia moderna foi se constituindo a partir do sé- tian Wolff, filósofo e matemático, seguidor de Leibniz, foi
culo XVII, pari passu ao desenvolvimento do capitalismo e à seu padrinho em meados daquele século. E no fim dele [ohan
Beckmann institucionaliza a disciplina tecnologia na Univer-
substituição do modo de produção feudal/ corporativo, e do
sistema de transmissão do conhecimento apoiado na aprendi- sidade de Gôtingen.
zagem, pelo emprego do trabalho assalariado e o sistema esco- A formulação desta tese e a sua demonstração se apóiam
larizado de transmissão do conhecimento. nos conceitos básicos de forças produtivas e relações de pro-
dução que, conjuntamente, constituem os modos de produção.
Há algumas questões a serem esclarecidas: em primeiro
Não me parece necessário aprofundar aqui e agora discussões
lugar devo dizer que considero técnica e tecnologia como cate-
sobre essas categorias. O assunto é por demais conhecido e
gorias distintas e que, portanto, a história da técnica não coin-
discutido, e a ele já me referi diversas vezes. Mas, além dessas
cide com a história da tecnologia., Em segundo lugar adoto
categorias, apóio-me também na de formação econômico-so-
como ponto de partida, aceitando, no todo ou em parte, ou
cial.
às vezes discordando dos autores citados, os seguintes con-
ceitos: Agora o caso se complica. O conceito vem sendo polemi-
zado e vale a pena entrar um pouco mais a fundo na questão.
'Técnica: conjunto de regras práticas para fazer coisas determina- Vejamos o que escreve o historiador Ciro Flamarion S. Car-
das, envolvendo a habilidade do executor e transmitidas, verbalmente, doso:
pelo exemplo, no uso das mãos, dos instrumentos e ferramentas e das
máquinas. Alarga-se freqüentemente o conceito para nele incluir o con-
"Formação econômico-social - Ou formação social. Conceito
junto dos processos de uma ciência, arte ou ofício, para obtenção de
marxista bastante polêmico, usado principalmente numa das três acep-
um resultado determinado com o melhor rendimento possível.
ções: I. como modo de produção acompanhado da superestrutura que
Tecnologia: estudo e conhecimento científico das operações técni- lhe corresponde; 2. como uma sociedade concreta (localizada no
cas ou da técnica. Compreende o estudo sistemático dos instrumentos, tempo e no espaço) definida pela articulação de diversos modos de pro-
d~s .ferramentas e das máquinas empregadas nos diversos ramos da dução - sendo um deles dominante - e das superestruturas correspon-
técnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais
e da energia empregada. A tecnologia implica na aplicação dos métodos 42. Alain Birou, Dicionário das C,;/Icia.1 Sociais. Lisboa, Ed. D. Quixote, t 966.

30 31
dentes; 3. como noção empmca equivalente à idéia de 'sociedade Ciro F. S. Cardoso, no trecho já citado, refere-se ao ca-
designando portanto um caso a estudar' " 43. ráter polêmico do conceito de formação sócio-econômica, as-
sunto que é também abordado pelo filósofo [áchik N. Momdz-
o historiador soviético E. Zhúkov, a respeito desse con- hián, que defende a teoria da formação sócio-econômica tanto
ceito, escreve: da crítica de origem não-marxista como da crítica marxista,
como por exemplo a que aflorou nas discussões havidas no
"O conceito de 'formação sócio-econômica' distingue-se por seu
conteúdo extremamente rico. Inclui, antes de mais nada, a definição do
Centro de Investigação Científica do Pensamento Marxista do
degrau alcançado pela humanidade no desenvolvimento econômico. A Partido Comunista Francês 46.
medula do conceito é constituída pela categoria de modo de produção, Outra opção metodológica que se evidencia neste traba-
que expressa um determinado grau de correspondência (unidade) entre lho refere-se à pesquisa semântica, à qual já foi feita referên-
as relações de produção dominantes e o nível das forças produtivas
cia nas primeiras páginas deste capítulo, mas convém retomar.
existentes e em constante desenvolvimento. Ao mesmo tempo este con-
ceito engloba, além da base econômica de uma dada sociedade, a cate- Ao se encetar tal tipo de pesquisa aparecem problemas em
goria complexíssima da superestrutura. Por conseguinte, a formação só- dois níveis: no nível da prática, em que sobressaem aqueles
cio-econômica é a unidade dos três elementos principais que a integram: relativos à escassez de informações em português e a dificul-
1. Os forças produtivas; dade de acesso e de trabalho com fontes e línguas estrangei-
2. As relações de produção, que correspondem às primeiras e que for- ras; no nível teórico, as dificuldades começam na própria con-
mam o regime econômico; ceituação da semântica e da questão dos significados.
3. A superestrutura que surge sobre sua base" 44.
Quando se trata, como aqui, de pesquisa em torno dos
Para o autor citado significados de uma só palavra - tecnologia -, a questão
das fontes se simplifica, mas a questão teórica se complica.
.•A teoria das formações socio-economicas é a pedra angular da Isto por que, os lingüistas modernos o admitem, os significa-
concepção materialista da história" 45. dos se vinculam ao sistema geral da linguagem onde se esta-
belecem múltiplas relações.
E, mais além, na mesma obra escreve: Porém, mesmo reconhecendo que as palavras não podem
"As relações econômicas desempenham o papel determinante e, ser tomadas de per si mas que devem ser recolocadas no nível
por conseguinte, o mais constante e estável no surgimento e no desen- de seu uso, geral e relacional, no sistema de que são partes, é
volvimento de qualquer formação sócio-econômica. legítimo destacar uma palavra problemática e considerá-Ia em
sua estrutura interna. B mesmo um caminho necessário para
Todavia, é preciso levar em conta o fato de que a mesma base chegar à compreensão do relacionamento ativo das palavras
econômica (a mesma no que se refere a suas. condições fundamentais)
apresente, sob a influência de inúmeras condições empíricas distintas,
nas sentenças e no sistema maior da própria linguagem.
de condições naturais, relações raciais, influências históricas exteriores, Por isso, como método, optei pelo estudo da História da
infinitas variações e matizes, o que somente pode ser esclarecido por Tecnologia a partir dos significados que diferentes autores,
uma análise dessas circunstâncias empíricas". em diferentes discursos e em diferentes épocas, vêm empres-
43. Ciro F. S. Cardoso. Uma Introdução à História.
tando à palavra tecnologia.
44. Eugênio Zhúkov. Metodologia de Ia Historia. Moscou, Academia de Ciencias
de Ia V.R.S.S., 1982. p. 39. 46. J. N. Momdzhián. Etapas de Ia Historia. Moscou, Editorial Progresso, 1978.
45. Idem, ibidem. p. 88. p. 223 et seqs.

32 33
Lembro aqui o que escreve Raymond Williams na intro- tico, bem como para o ensino da arquitetura globalmente con-
dução ao seu ensaio intitulado Keywords, pois as semelhanças siderado. A importância da tecnologia na arquitetura e na
de objetivos e de método com este trabalho justificam a ci- formação dos arquitetos não permite deixar de lado a dis-
tação: cussão conceitual que aqui se propõe, e que não se pretende
contribua apenas para o aguçamento do senso crítico, ao ní-
"Um dos tipos de semântica é o que estuda os significados em vel da teoria, afastada da atividade criativa.
si; outro é o que estuda os sistemas formais de significação. O tipo de
semântica ao qual pertencem estas notas e ensaios está compreendido
na tendência da semântica histórica, ...

Enfatizar a história como caminho para o entendimento dos pro-


blemas contemporâneos da significação e da estrutura da significação
é uma opção básica que decorre de uma posição ao lado do materialis-
mo histórico mais do que das posições, hoje mais fortes, do idealismo
objetivo ou do anistórico (sincrônico) estruturalismo" 47.

o autor citado deixa claro também que não compartilha


do otimismo, difundido no período que medeia as duas gran-
des guerras, para o qual o esclarecimento das palavras difí-
ceis ajudaria na solução dos problemas em cuja formulação
entram essas palavras e que, por isso mesmo, tornam-se con-
fusos. Para ele, a compreensão do significado complexo da
palavra classe não contribui em quase nada para a solução
das disputas e da luta de classes.
Os pressupostos teóricos de Williams, e o que decorre
como orientação metodológica, são plenamente aceitáveis. O
mesmo não ocorre com o pessimismo que ele opõe ao otimis-
mo semântico. Ao reduzir a contribuição que se pode esperar
da compreensão dos significados ao "aguçamento da consciên-
cia", o autor vai além do pessimismo. Na verdade, subestima
o papel da ideologia e do debate ideológico.
Por tudo isso cabe apresentar mais um esclarecimento
final referente aos objetivos deste trabalho. Ao elaborá-lo te-
nho em mente oferecer aos estudantes e colegas da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, nos diversos níveis de curso, ma-
terial de estudo e de crítica -- que deve ser profunda - para
as diversas disciplinas com as quais tenho compromisso didá-

47. R. WiIliams. Keywords. A Vocabutary 01 eu/fure and Society . New York,


Oxford University Press, 1976. p. 20.

34 35
o QUE É TECNOLOGIA? Neste capítulo vou reunir diversas definições de tecno-
logia, complementando o que já foi feito no primeiro capítulo,
agora porém tentando amarrar estas definições com as condi-
ções históricas em que se apresentaram. No último capítulo
vou apresentar uma definição normativa, apoiada em princí-
pios gerais teóricos.
Já me referi ao ingresso da tecnologia nas escolas profis-
sionais, assunto de que tratarei no capítulo VI, assim como da
proposta de Christian Wolff, que apresentava a tecnologia co-
mo "ciência das artes e das obras de artes"; com ela a tecno-
logia volta à oficina e começa a ser articulado seu ingresso
na escola. E justo falar de uma volta, de um retorno à oficina
QUID EST TECHNOLOGIA? e à escola? Não seria mais correto simplesmente reconhecer
Est doctrina praecognoscenda de aitectionibus, ordine & divisione a origem grega evidente da palavra e a partir daí estruturar
disciplinarum. sua história? A solução não é tão simples assim porque há
Johannis- Henrici AIstedi i Encyclopediae uma descontinuidade, um hiato de séculos, separando a tec-
Herborn, 1630 nologia grega (jônica), vinculada ao trabalho e às artes mecâ-
nicas, da tecnologia retomada por Christian Wolff e depois
o QUE E TECNOLOGIA? por Iohan Beckmann no século XVIII. Nesse longo interregno
E doutrina fundamental para o conhecimento das relações, da or- a tecnologia envereda pela metalinguagem, pelos caminhos do
dem e da divisão das disciplinas. discurso e, portanto, das artes liberais.
Da Enciclopédia de João Henrique AIsted E nesse percurso que pretendo acompanhá-Ia através das
Herborn, 1630
transformações semânticas pelas quais passou em diversas lín-
guas ocidentais. Vou tentar identificar nessas alterações no
When dealing with ambiguous terms, the [irst duty of a writer
is deiinition. campo semântico da tecnologia as alterações correspondentes
The Unbound Prometheus na prática das artes e dos ofícios, nas transformações do modo
David S. Landes de produção e nas relações entre teoria e prática, o que im-
plica na história do pensamento nessas diferentes formações
Existem, segundo Witold Kula, dois caminhos possíveis para de- econômico-sociais. Resumindo: a semântica, entendida como
finir o objeto e o campo de qualquer ciência ou disciplina. Em primei- o estudo das mudanças de significado das palavras 1, pode nos
ro lugar, podemos proceder empiricamente, examinando a problemática mostrar os compromissos da tecnologia com a história do tra-
pesquisada, de fato, pelos especialistas que a praticam. De maneira al- balho e do pensamento.
ternativa, podemos procurar uma definição normativa ao deduzir, de Não trato, portanto, da semântica tal como o fazem di-
certos princípios gerais de tipo teórico, que conteúdo deve ter a disci-
plina em questão. versas correntes do pensamento contemporâneo, mais ou me-
Agricultura, Escravidão e Capitalismo 1. J. Ferrater Mora. Diccionario de Filosofia. Buenos Aires, Ed. Sudamericana,
Ciro Flamarion S. Cardoso 1971, 2 V., p. 634.

36 37
nos ligados ao positivismo. E nem da semântica entendida co- "Seria temeridade querer fundamentar a história de uma noção
mo uma "concepção geral do mundo e base para uma reforma demarcando passo a passo as vicissitudes de um termo. O destino lexi-
cográfico da tecnologia é inseparável do nomadismo da moda.
da sociedade e do homem" 2, a que já me referi no primeiro
capítulo. É preciso levar em conta o envelhecimento dos neologismos" 5.

Sempre que se abordam questões de semântica passa-se


muito perto do que se denomina "Filosofia analítica" 3. Nosso Além disso há os problemas da polissemia, da sinonímia
interesse, porém, não está voltado para a "Filosofia como aná- e, de acordo com alguns lingüistas modernos, o das oposições,
lise conceptual", mas para a história da tecnologia. isto é,_o significado de um termo se define em oposição a ou-
tros. E extremamente difícil por isso tudo basear uma investi-
Para quem está ligado à tecnologia como atividade prá-
gação semântica no rastreamento de uma única palavra. Mas
tica profissional, a preocupação semântica pode parecer inútil:
é um risco a ser enfrentado e para alguma coisa há de servir.
um pseudoproblema. Que diferença faz tomar uma ou outra
das definições de tecnologia? Não dá na mesma, desde que
se faça aquilo que é entendido, geralmente, como tecnologia?
Não será suficiente para tanto seguir a regra pragmática de r. A TECNOLOGIA NA LíNGUA PORTUGUESA
.. . .. tentar interpretar cada noção traçando suas conseqüências práti-
cas"? 4. A palavra tecnologia, como veremos, não é nova na lín-
gua portuguesa. Mas chega até nós, hoje em dia, com maior
Isto vem sendo feito com bastante freqüência. E grande .freqüência, através do inglês technology, cuja tradução é pro-
o número de autores contemporâneos que evitam definir tec- blemática, já que ela tem naquela língua um número muito
nologia, alegando que se trata de questão semântica estéril. grande de significados. Ao traduzi-Ia corremos o risco de im-
Mesmo assim é interessante procurar nesses autores os con- portar idiotismos ingleses. Na historiografia e na ensaística
ceitos implícitos que nos indiquem as mudanças de signifi- francesa a palavra technologie é usada com parcimônia, em-
cação. bora na linguagem dos negócios e da indústria seja muito
A maior parte das perguntas que formulamos acima re- usada, talvez até pelas "conseqüências práticas" em termos de
competição comercial. Porém o uso de technologie como ver-
fere-se a "conseqüências práticas" e servem para delimitar al-
são francesa de technology encontra resistência pelo lado fran-
guns contornos da tecnologia. Mas esses contornos mudam e
cês, pois trata-se de histórias diferentes que se cruzam num
essas mudanças têm interesse histórico.
conceito que é apenas aparentemente o mesmo.
O caminho dessa pesquisa semântica 'não está isento de Seria mais correto, cronologicamente, começar exami-
riscos. J. Guillerme chama a atenção, de modo prudente, pa- nando os conceitos grego e greco-rornano de tecnologia, e en-
ra esses riscos: tão examinar o estado da questão nas línguas modernas. Vou
seguir o caminho inverso e, a partir do estado atual, pesq ui-
2. Idem, ibidern.
sar o percurso anterior.
3. William P. Alston. Filosofia da Linguagem, Rio. Zahar. 1972. Trad. Álvaro
Cabral.
4. William Jarnes. Cf. O. Silveira da Mota e L. Hegenherg. Semioticu e Filosoí ia. 5. Cf. J. Guillerme e J. Sebestik '. Lcs Commencements di' Ia Tech nologie. In:
São Paulo, Cultr ix, 1972. p. 21. Revista Thàles, 1966. p. 48.

39
Na língua portuguesa, a palavra aparece na obra do Pe. He certo que nas artes a experiência he a mãi da verdadeira
Rafael Bluteau 6, que, no prólogo, qualifica seu Vocabulário tehorica mas he certo também que huma sãa theorica he a mestra da
genuína práctica" 10.
de Technológico (de Techni, arte, porque trata de todas as
artes liberais e mechanicas). O sentido com que Bluteau em-
José Bonifácio havia permanecido em Paris em 1790 e
prega o termo aproxima-se daqueles registrados no inglês seis-
1791. Estudou química e mineralogia com A. F. Fourcroy.
centista, o que não é de estranhar, pois Bluteau estava a par
da produção intelectual européia, e, particularmente, das ati- Em 1791 foi feito membro da Sociedade da História Natural
vidades da Sociedade Real dos Físicos de Inglaterra 7. de Paris para a qual escreveu uma Memória sobre os Diaman-
tes do Brasil, então publicada. Da Sociedade faziam parte
Dentre os autores brasileiros talvez tenha sido José Bo- cientistas famosos na época, entre os quais os citados Four-
nifácio de Andrada e Silva o primeiro a empregar a palavra croy e Hassenfratz. Este último, químico, mineralogista e es-
tecnologia, que Bluteau não registra em seu Vocabulário e pecialista em siderurgia, como já mencionei, dava curso de
nem tampouco o faz Antônio de Moraes e Silva no seu dicio- technologie desde 1786 no Licée des Arts e depois também na
nário de 1813, talvez por considerá-Ia neologismo. É verdade École Polytechnique. É de se supor que José Bonifácio estives-
que Silvestre Pinheiro Ferreira, em carta datada de 1806, re- se a par disso e tenha tido então seus primeiros contactos com
fere-se a uma obra que seria publicada, "sobre a tecnologia", a nova disciplina.
cujo autor pedia divulgação em Portugal 8. Mas é José Boni- Esses fatos me obrigam a alterar a hipótese que apresen-
fácio, em discurso feito à Academia Real de Sciencias de Lis- tei em Engenho & Tecnologia, admitindo que esses primeiros
boa - da qual era secretário - quem diz, em 1815: contactos tivessem ocorrido quando José Bonifácio estava em
Freiberg.
"A Sciencia da Natureza, e suas vastas applicações à Agricultura, Na Escola Politécnica de São Paulo, já no final do sé-
à Technologia e à Economia, em cujos estudos tanto se esmerão as Na- culo XIX, aparecem cadeiras de tecnologia. O Diário Oficial
ções cultas da Europa, ainda estão pouco correntes entre nós" 9. do Estado publica, em 7 de novembro de 1895, os programas
da 2.a cadeira do 1.° 'ano dos cursos de engenheiros civis e do
Noutra obra quase no mesmo ano ele volta ao tema, não curso de mecânica, intitulada Tecnologia das Profissões Ele-
falando explicitamente de tecnologia, mas deixando claras mentares. A matéria se distribuía em dois grandes itens: O
suas idéias sobre as relações entre a teoria e a prática: Conhecimento dos Materiais - pedras, argilas, areias, cal,
cimento, madeiras, ferro etc. - e o Emprego dos Materiais,
"Quando findará de huma vez entre nós a disputa renhida e futil que se desdobra em materiais pedregosos, materiais lenhosos
entre Theoricos e Practicos? e materiais metálicos. Neste segundo grande item a entrada
se dá pelo trabalho profissional, que empresta os títulos aos
6. R. Bluteau. Vocabulário Português & Latino. Lisboa, Pascoal da Silva, 1716. pontos da matéria: trabalhos do cavoqueiro, trabalhos do
7. Hernani Cidade. Lições de Cultura e Literatura Portuguesas. Coimbra, Editora canteiro, trabalhos do pedreiro, trabalhos do estucador, do
Limitada, 1959. 2° vol. p. 41. vidraceiro, do pintor etc. Esse critério de entrada e classifica-
R. Maria Beatriz Nizza da Silva. Silvestre Pinheiro Ferreiro: l deologia e Teoria.
Lisboa. Livraria Sá da Costa. 1975. p. 26.
10. José B. A. e Silva. Memória sobre a Necessidade e Utilidade do Plantio de
9. In: Obras Cientijicas. Politicas e Sociais de José Bonii ácio de Andradu e Novos Bosques em Portugal. Rio de Janeiro, Ministério da Agricultura, 1925.
Silva. São Paulo, Ed. E. C. Falcão, 1973. Ed. Monumental Comemorativa. p. 16. A primeira edição é de I R 16.

40 41
ção persiste até hoje nos memoriais descritivos e nos orçamen- construção, o laboratório de physiologia applicada ao trabalho animal,
tos de obras. e finalmente o que modernamente tem sido denominado organização
das actividades"!', (Grifas meus - R.G.)
A idéia que aparece implícita nas disciplinas (cadeiras)
acima mencionadas é a de vinculação estreita entre tecnologia
e trabalho: o trabalho em si mesmo, componente primordial
do processo de trabalho, os materiais que constituem o objeto
do trabalho humano e os meios de trabalho, que no programa 2. A TECNOLOGIA NA LÍNGUA INGLESA
citado aparecem incluídos nos subitens, como por exemplo:
A importância do inglês no mundo moderno e a farta
"Trabalho do latoeiro e do funileiro - instrumentos, utensílios, documentação reunida em seus dicionários recomendam co-
ferramentas - Trabalho em folha de ferro e zinco - Machinas", meçar a pesquisa semântica por essa língua.
A primeira fonte consultada é The Oxford English Dic-
Esses programas aprovados em 1895 vinham com a as-
tionary 12, onde encontramos a seguinte etimologia.
sinatura do "lente catedrático" João Pereira Ferraz.
Em 1924, o número 77 da Revista Politécnica publica 1. Tecnologia - discurso ou tratado sobre uma arte ou sobre as artes:
artigo do engenheiro e professor Victor da Silva Freire, intitu- usada desde 1615.
lado A Tecnologia Geral no Século XX. O autor conceitua Conjunto das artes práticas: usada desde 1859.
tecnologia como "doutrina" ou "ciência industrial", que fun- 2. Terminologia específica de uma arte ou de um assunto; nomencla-
damente o exercício da engenharia. Dele são as palavras tura técnica; uso registrado em 1658.
abaixo transcritas, particularmente interessantes pela aprecia- 3. O sentido que se aproxima do grego 't'EXVOÀO"(La. registrado em 1683
é dado como obsoleto, em desuso no inglês moderno.
ção histórica do tema:

"Como corpo de doutrina á parte foi a technologia geral a última A terceira das acepções merece atenção especial: o di-
a insinuar-se na educação profissional. Explica-se. Desde os tempos cionário citado registra-a como tratamento sistemático, dando
immemoriaes, antes de se constituirem isoladamente os vários ramos da como exemplo a gramática. Voltarei ao assunto.
arte, o emprego dos materiaes, da mão de obra, dos mestres artífices,
pertencia á prática corrente. A experiência accumulada, de gerações so-
Mas a Encyclopaedia Universalis 13 acrescenta algumas
bre gerações, foi dando lagar a regras, a normas, a praxes que se trans- informações relativas à língua inglesa. Assim, a Encyclopae-
mittiam de pae a filho, de offi ciai a aprendiz. E com ellas se satisfize- dia de H. Alsted, publicada em 1630, designa com esse termo
ram durante dilatado periodo todos os constructores. um discurso. sobre a classificação das disciplinas; na Glos-
Foi preciso que as necessidades da indústria fizessem surgir de sographia de T. Blount, publicada em 1670, technology é
subito novos materiaes, novos processos, e provocassem relações entre
definida como descrição "o] crafts, arts or workmanship",
cooperadores, de natureza desconhecida até então, para que o arsenal
da rotina entrasse a mostrar-se pobre e defeituoso. Impoz-se n'essa altu- Christian Wolff (1679-1754), discípulo de Leibniz, na sua
ra a pesquisa directa, para poder responder ás questões, perante as quais Lógica, define tecnologia como scientia artium et operum
emudecia a tradição. Iniciou-se o estudo experimental. Dos materiais artis, quer dizer, conhecimento científico das artes e das obras
em primeiro lugar;' dos motores animados e do motor humano muito
mais tarde; surge por último a consideração do trabalho intellectual.
11. V. S. Freire, artigo citado p. 374. Cf. pesquisa da arquiteta Sylvia Ficher.
D'essa evolução resulta que a technologia geral se vê obrigada a 12. The Ox jord English Dictionary, Oxford, The Clarendon Press, 1933.
lançar hoje em dias as suas raizes n'um terreno sedimentar em cujos 13. Encyclopaedia Universalis. Paris, Enc. Univ. France. Edition 1976. V. 15,
estratos successivos se encontra o gabinete de ensaios dos materiais de verbete Technologie.

42 43
de arte, inaugurando assim um novo significado para a tec- Os dados acima permitem avançar uma conjetura so-
nologia. bre os vínculos entre as acepções em uso no inglês daquela
Mas a língua inglesa dispõe de mais algumas palavras época e o interesse dos dou tos acerca das técnicas e de sua
parecidas com technology , o que aumenta as dificuldades de terminologia. Comecemos por Francis Bacon (1561-1626). Do
tradução. Novum Organum 15 destacamos alguns aforismos. Assim é
Technique refere-se à habilidade mecânica no trabalho que no de número XLIII ele escreve:
artístico. É usada principalmente quando se trata da execução
de peças musicais e da pintura, em seus aspectos de confecção. "Há também os ídolos provenientes, de certa forma, do intercurso
Technic, no singular, tem sentidos que se aproximam de e da ação recíproca dos indivíduos do gênero humano entre si, a que
técnica em português. No plural technics pode ser entendido chamamos de ídolos do foro devido ao comércio e consórcio entre os
homens. Com efeito, os homens se associam graças ao discurso (sermo-
como as técnicas. Este é o sentido com que Lewis Mumford a
nes, no original, N.T.) e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as pa-
emprega em sua obra Technics and Civilization, Mas no plu-
lavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosa-
ral tem também sentido que se aproxima do de technology: a mente o intelecto. Nem as definições, nem as explicações com que os
ciência ou o estudo de uma arte ou das artes, especialmente homens doutos se munem e se defendem, em certos domínios, restituem
das artes mecânicas e industriais 14. as coisas ao seu lugar. Ao contrário, as palavras forçam o intelecto e
Além dessas palavras há outras de uso corrente q o perturbam por completo. E os homens são, assim, arrastados a inú-
relacionam mais de perto com técnica: meras e inúteis controvérsias e fantasias".

Skill: com os significados de Prosseguindo na sua explicação dos efeitos nocivos do


que chama ídolos do Foro, Bacon escreve, no aforismo LIX:
1 grande habilidade ou proficiência;
2 uma arte, ofício ou ciência, especialmente quando envolve o
"Os ídolos do foro são de todos os mais perturbadores: insi-
uso da mão ou do corpo;
nuam-se no intelecto graças ao pacto de palavras e de nomes. Os ho-
3 habilidade em tais artes, ofícios ou ciências;
mens, com efeito, crêem que a sua razão governa as palavras. Mas su-
4 conhecimento; compreensão; julgamento.
cede também que as palavras volvem e refletem suas forças sobre o
intelecto, o que torna a filosofia e as ciências sofísticas e inativas. A
erafl:
palavra, tomando quase sempre o sentido que lhe inculca o vulgo, segue
força; também qualquer artifício ou ardil, estratagema ou inven- a linha de divisão das coisas que são mais potentes ao intelecto vulgar.
ção; Contudo, quando o intelecto mais agudo e a observação mais diligente
2 hábil, destro, apto, dissimulado, astuto, intrigante, sagaz, arte ou querem transferir essas linhas para que coincidam mais adequadamente
skill, aplicada com maus propósitos, fraude; habilidade ou des- com a natureza, as palavras se opõem. Daí suceder que as magnas e
treza aplicada enganosamente; solenes disputas entre os homens doutos, com freqüência, acabam em
3 - uma arte ou habilidade específica, destreza numa ocupação ma- controvérsias em torno de palavras e nomes, caso em que melhor seria
nual em particular e conseqüentemente a ocupação ou o emprego (conforme o uso e a sabedoria dos matemáticos) restaurar a ordem,
em si mesmo; arte manual; ofício; começando pelas definições. E mesmo as definições não podem remediar
4 - os membros de um ofício, no qual se exige grande habilidade, co- totalmente esse mal, tratando-se de coisas naturais e materiais, posto
letivamente; que as próprias definições constam de palavras e as palavras engendram
5 - um bote, navio ou avião; também usado, coletivamente, para bar- palavras. Donde ser necessário o recurso aos fatos particulares e às suas
cos e aviões de qualquer tipo.
15. F. Bacon. Novum Organum. Trad. de J. A. Reis de Andrade. São Paulo,
14. Tlie Ox jord English Dictionary, Oxford, The Clarendon Press, 1933. Abril Cultural, 1973. p. 28.

44 45
ordens e séries, como depois vamos enunciar, quando se expuser o mé- ou de instrumentos, como são a arte de tecer, a fabricação de moinhos,
todo e o modo de constituição das noções e dos axiomas" 16. de relógios e outras semelhantes.

Logo depois de Bacon, o filósofo Iohn Locke (1632-


o progresso da ciência, a melhoria das condições do homem re-
1704) também manifesta sua atenção em relação às palavras: querem. pois, segundo Bacon, que o saber dos técnicos se insira no
campo - que Ihes tem sido vedado por uma tradição multissecular -
" ... como as idéias são exprimíveis mediante palavras, é preciso exa- da ciência e da filosofia natural. Os métodos. L), procedimentos. as
minar os nomes das idéias para ver se são nomes adequados a encon- operações. a linguagem das artes mecânicas iam se afirmando e aycr-
trar remédio para evitar confusões e abusos nas denominações" 17. feicoando fora do mundo da ciência oficial. no mundo dos engenheiros,
du; arquitetos, dos artesãos qualificados, dos construtores de máquinas
Essas preocupações de Bacon e Locke quanto às pala- e de instrumentos. Esses métodos, esses procedimentos e essa, linguagens
devem passar agora a ser objeto de exame, de reflexão e de estudo" IY.
vras e sua correspondência com as idéias podem ser com-
preendidas na função metalingüística da tecnologia - enten- Depois da morte de Bacon, e como que seguindo o ca-
dida esta como tratamento sistemático das técnicas - uma minho por ele indicado, diversos grupos de "filósofos", a par-
espécie de gramática das técnicas. Mas Bacon, em outras obras, tir de 1640, tomaram várias iniciativas que culminaram com
volta sua atenção para a história das artes, de seus métodos e a fundação da Royal Society (Sociedade Real dos Físicos da
de sua linguagem, embora - o que é muito significativo - Inglaterra) em 1660/63, Ela se propõe, desde o início de suas
não empregue nem uma vez a palavra technologia no Novum atividades, a compilar relatos fieis (records) sobre todas as
Organum. obras da Natureza e da arte, No âmbito interno, exigia-se de
Vejamos o que escreve Paolo Rossi. todos os membros da Sociedade:
.•É sabido que Bacon, no último período de sua vida, subordinou " ... uma maneira discreta no falar, desnuda, natural; que suas ex-
inclusive o projeto de uma nova lógica à história da natureza livre e à pressões fossem positivas, de sentido claro, que fossem adequadas para
história da mecânica, isto é, à história da natureza modificada pela mão levar qualquer assunto o mais próximo possível da clareza própria das
do homem" IR. matemáticas; que dessem preferência à linguagem dos artesãos, dos cam-
poneses, dos mercadores, - e não à dos filósofos" 20, (Grifas meus -
Uma tal história, empresa de grande vulto, exigindo R,G,)
grandes gastos e fadigas, tornaria necessário É então que, a partir de 1630, começam a aparecer dicio-
" . .. renunciar a todas as delicadezas e à elegância para concentrar-se nários e enciclopédias que se dedicam ao levantamento da ter-
sobre a história das artes, por mais que estas possam parecer mecânicas minologia das diversas artes, das nomenclaturas técnicas e da
e não-liberais. As técnicas que, segundo ele, seria mais proveitoso sub- descrição dos processos e dos métodos das artes mecânicas. O
meter a exame, são aquelas que alteram e transformam os objetos ma- primeiro deles é a Enciclopédia de Henrich Alsted (1630), que,
teriais, como o são a agricultura, a culinária, a química, a tinturaria e além da preocupação com o léxico, avança no sentido histó-
a elaboração do vidro, do esmalte, do açúcar, da pólvora e do papel.
Ainda que de utilidade menor, não lhe parece devam ser omitidas rico. Vejamos o que escreve Paolo Rossi a respeito:
aquelas que consistem principalmente em um sutil movimento das mãos
"Ainda maio ,if.'llificativa é a intenção presente no Tratado de
Alsted, de vincular (I' própria distinção entre artes mecânicas e artes
16. F Bacon. Op. cit., p. 35.
17. Cf. J. Ferrater Mora. Op, cit., dois vols., p. 634.
IH. Paolo Rossi, los Filosoj os y Ias Máquinas - /400-/700. Barcelona. l.abor. 19. Paolo Rossi. Op eu
1966. p. 115 et seqs. 20. Idem, ibidem.

46 47
liberais a uma situação histórica determinada, mostrando a origem eco- modos de manutenção de domínio, como parece ser a perma-
nômico-social da condenação tradicional das artes mecânicas: elas, na nência na língua japonesa de um pronome eu privativo dos
realidade, recebem o nome de não-liberais, não porque o sejam por sua
homens e outro eu, usado pelas mulheres. A tecnologia no
natureza e índole, mas porque os gregos, que cunharam esses termos,
somente a homens livres consentiam o dedicar-se às artes liberais e ex- sentido seiscentista cumpre o papel de, juntamente com a
cluíram destas os escravos, relegando-os às artes mecânicas" 21. criação de escolas artesanais, solapar o domínio das corpo-
rações, cujos privilégios dificultam, basicamente, o ingresso
Não é de estranhar, portanto, que coincidindo com esses do capital na produção e sua reprodução ampliada pelo au-
esforços de domínio da linguagem e da nomenclatura técnica, mento das quantidades produzidas. As corporações forma-
através do registro fiel de palavras e processos técnicos, a lín- vam seus próprios artesãos e mestres com seus saberes. As
gua inglesa acolhesse o uso da palavra tecnologia como o sig- escolas assumem esse papel. Saber é poder e os segredos do
nificado de terminologia específica de uma arte ou de um as- fazer precisam ser revelados. Ainda em 1835 Andrew Ure re-
sunto, nomenclatura técnica, a partir de 1658. Esta acepção petia, no prefácio de sua obra, o axioma de Bacon - "Know-
junta-se à anterior, usada já em 1615: discurso ou tratado so- e 'Pge l S ower "24 .
Id
bre uma arte ou sobre as artes. A esta última se filia a acepção Ainda na língua inglesa, é nos Estados Unidos que ve-
de Alsted já mencionada, discurso sobre a classificação das mos surgir uma acepção de technology digna de atenção.
disciplinas filosóficas, que é de 1630 22. Quem a coloca (ou recoloca) em uso é o médico [acob Bige-
A partir da década de sessenta do séc. XVII às acepções low , numa série de conferências feitas em Harvard no começo .
registradas acrescenta-se a de estudo do vocabulário técnico, do século XIX 25. A idéia é a da reunião da ciência com a téc-
descrição dos processos e dos fazeres das técnicas, como se vê
nica. Bigelow diz ter encontrado a palavra technology em
através da acepção adotada por T. Blount e, no extremo supe-
rior, na acepção adotada por Christian Wolff, que identifica "alguns dicionários mais antigos". Quando da fundação do
tecnologia como ciência. Massachussets Institute of Technology (M.I.T.), a palavra que
Ao que parece, o domínio dos segredos da linguagem qualifica a nova instituição foi adotada por proposta de Bi-
dos artesãos foi a porta pela qual se entrou no domínio dos gelow. O lema adotado pelo Instituto, mens et manus, expli-
próprios segredos dos ofícios. Dentre' os mistérios dos miste- cita claramente suas finalidades (1865). Vale a pena lembrar
res, a linguagem foi o primeiro a ser desvendado, decifrado que, dez anos depois, em 1875, foi fundada em Ouro Preto a
e jogado na rua pelas portas e janelas arrombadas das ofici- Escola de Minas. Claude Henri Gorceix, seu organizador,
nas - numa espécie de ação de despejo - para ser vista por referindo-se aos objetivos da Escola escreveria, alguns anos
todo mundo. A linguagem era, e é, um importante instrumen- depois:
to de domínio e uma barreira aos estranhos. Pode-se verificar
isto até hoje nos diversos patois, gírias e, inclusive, na persis-
"O tempo das discussões frívolas sobre p~l?vras e teor.ias, ,simp~es
tência, em sociedades onde ainda prevalece a divisão do tra- especulações do espírito legadas pela Idade Media, das quais ha muito
balho por sexo, de linguagens secretas e privadas dos homens o velho mundo desembaraçou-se, já passou"
transmitidas aos adolescentes nos ritos da puberdade". São

21. Paolo Rossi. Op. cit., p. 123. 24. A. Ure. Th c Pliilosoph v 01 MlIl1lllactllres. London, Frank Cass and Company
22. Ruy Afonso da Costa Nunes. Op. cit., p. 41. Limited, 1967. r Repr int.)
23. Maurice Godelier. Pouvoir et Langage, In: Communications, n.o 28. Paris, 25. Jacob Bige low. nl'/III'I1/.\ (lI Tcchnologv. Boston, Boston Press, 1829. Cf.
1978. p. 21. David I· :--"uhk .. /IIUII«I 11\ Ih.\i~1I :--... y" Ox oi d I'I~".
í I':IH().p .. '.

48 49
Acrescentava ainda que era preciso trabalhar cum mente Lembremos também que a questão da separação entre
et mal/eo 26, palavras que foram depois inscritas no escudo da trabalho manual e trabalho intelectual está vinculada à crítica
Escola. à ociosidade. Bacon já havia abordado a questão e parece evi-
dente que ao capitalismo nascente interessavam todas as ma-
Ambos os lemas, o do M.I.T. e o da Escola de Minas
neiras de aumentar o recrutamento de mão-de-obra e a mobi-
têm origem nitidamente baconiana.
lização para o trabalho. Também no Brasil, a crítica à ocio-
É possível colocar, lado a lado, as idéias de J. Bigelow
sidade teve seu lugar. As palavras de Rodrigues de Brito, au-
com o que escrevia José Bonifácio sobre as relações entre tor já citado, deixam bem claro como os "economistas" do
teoria e prática e os objetivos a que se propunha Gorceix em começo do século XIX viam a questão quando, alinhando as
Ouro Preto. Convém lembrar que, no início do século XIX, o
causas de vadiação nacional, escreve:
nível de conhecimentos técnicos e científicos era mais ou me-
nos o mesmo nos Estados Unidos e na América Latina 27. O "A preocupação nacional, que exclui dos empregos. todo aquele
nome de José Bonifácio, assim como o do Intendente Câmara que por si, seus pais, ou avós, tiver exercido artes mecânicas, isto é,
podem ser associados à idéia da criação de uma escola de mi- que tiver contribuído com o seu trabalho para a multiplicação das ri-
nas e metalurgia-montanística, como então se dizia - em quezas. Um escrivão da mais insignificante Câmara não pode encartar-se
Minas 28. Já em 1823, quando se falava da criação de uma na propriedade de seu ofício sem provar verdadeira, ou falsamente, a
perpétua inação de seus braços, e dos de seus pais, e avós. De sorte
universidade no país, cogitava-se da nomeação de José Boni- que os netos de Pedro, o Grande, imperador da Rússia, não poderiam
fácio como Reitor. José Bonifácio tinha formação européia, entre nós conseguir os cargos de escrivães, por ter aquele Herói man-
era um "estrangeirado" na linguagem portuguesa do século chado suas mãos quando no Techel pegou na enxó e no machado" 30.
XVIII. Havia estudado na França na época em que se insta-
lam as disciplinas de tecnologia, e com Werner, na Alema- Quase um século depois, Manoel Querino volta ao assun-
nha, no tempo em que Beckmann dava suas lições de tecnolo- to, como veremos.
gia. Quanto a J. Bigelow, parece possível colocá-I o na linha Comparando o desenvolvimento da indústria da França
de Benjamin Franklin, que tentara instituir o ensino técnico com o da Inglaterra, no final do século XVIII, J. Bernal es-
na Pensilvânia, como vimos, e que prognosticava, nos últi- creve:
mos anos de sua vida, que a "ciência no século vindouro ser-
viria às artes corno uma criada" 29. Franklin foi ao mesmo tem- "Na Inglaterra, os progressos realizados no período da Revolução
po cientista e próspero homem de negócios, interessado nas Francesa foram muito diferentes. Lá, invés de uma inovação vigorosa
artes mecânicas a ponto de definir o homem como "o animal e drástica, produziu-se um apego desesperado às velhas formas da Igreja
que faz ferramentas (toolmaking animal). e do Estado e um repúdio das tendências liberais Whigs. Os dissidentes
religiosos abandonaram o teísmo racional em benefício do metodismo
Participava de associações científicas européias e estava emocional. Nenhum dos dois, contudo, dificultou a marcha da indústria.
a par do que nelas se discutia, particularmente na França. que dispunha agora de grandes mercados como conseqüência do blo-
queio da França e, adicionalmente, da urgência da produção de mate-
26. José Murilo de Carvalho. A Escola ele Minas de Ouro Prelo. São Paulo. rial de guerra não só para a Inglaterra mas também para seus aliados,
FINEP/C.E.N .. 1978. p. 73. fracamente industrializados, no continente. A fundação da Royal lnsu-
27. Nathan Roscnberg. Cf. Henrique Rattner : Ciência e Tecnologia : as tendên- tution é de 1799. A iniciativa se deve a sir Benjamin Thompson (con-
cias atuuis. In: Revista Economia e Desenvolvimento n." 2, São Paulo. J 9112, de Rumford, do Sacro Império Romano - 1753-1814), que era norte-
p .. 63.
21!. J. Murilo de Carvalho. Op. cit., p. 15.
29. David Noble. Op. cit., p. 3. 30. Rodrigues de Brito. Op, cit., p. 97.

50 5]
-americano, tory (conservador), mas tinha algo do entusiasmo pela prá- "OS homens da Universidade, que se ocupam prioritariamente
com fórmulas teóricas de pouca aplicação prática, tendem a subestimar
tica de Franklin" 31.
a ciência da fábrica, ainda que, sem preconceitos e com paciência, pu-
dessem ver que ela está repleta de aplicações úteis dos mais belos pro-
Abrindo um breve parênteses, vale a pena lembrar que blemas de dinâmica e estática" 34.
Rumford deixou como legado à Universidade de Ha~var~, em
1815, uma soma de 1000 dólares anuais para a realização de Armytage, no trecho abaixo transcrito, concorda com a
um curso sobre análise de Ure:

" . .. a utilidade das ciências físicas e mate~át!ca~ para o aperf.eiçoa- "Enquanto na França a engenharia (principalmente aquela volta-
mento das artes úteis e para a expansão da indústtia, da prospendade, da para a guerra) era organizada de cima para baixo, na Inglaterra as
da felicidade e do bem-estar d a socte 'dd"32
a e . invenções (na indústria têxtil, na produção de ferragens e de máquinas)
crescem, espontaneamente, de baixo para cima. Iohn Smeaton (1724-
o primeirotitular desse curso foi o médico Jacob Bige- 1792), o primeiro inglês a denominar-se
interessava por motores e por engenharia
engenheiro civil, também se
mecânica" 35.
low, a quem já me referi há pouco. , .
Voltando às comparações feitas por Bernal, e, l~teres-
Mas atualmente, entre autores de língua inglesa, princi-
sante ver o que escrevia um contemporâneo e partícipe do
palmente historiadores, já se nota uma reabertura de discussão
processo, Andrew Ure. em torno da palavra tecnologia e do seu uso adequado, quan-
do diz respeito às "tecnologias antigas" ou à "tecnologia me-
"O fracasso da França, apesar de tudo, !10 estabelecimento de um
dieval". É o que se constata no trecho abaixo, de autoria de
sistema fabril antes da Inglaterra, é um fato dl~no de nota, ~ prova ~~-
ramente que as invenções mecânicas, p:l~s quais aq~ela, naçao tem. SI_O
Arnold Pacey:
muito justamente elogiada, não são suficientes por SI 50 para a crtaçao
de uma manufatura eficiente" 33. "E para finalizar, até agora, nesta introdução, a palavra tecnologia
foi utilizada em sua acepção mais geral, seguindo o costume moderno.
Porém, os dicionários definem a tecnologia em termos de "conhecimen-
Este me parece ser o aspecto e~se~cial da vi~ão de U.re to sistemático" de assuntos práticos, e já se indicou aqui que o traço
sobre a filosofia das manufaturas: a lde~a de to~a~l~ade. DIS- distintivo dos métodos do artesão é que eles não dependem de um co-
cordando de Smith quanto à importância ~~ divisão ~o tr~- nhecimento sistemático; 'apóiam-se em um conhecimento intuitivamente
balho, que se poderia chamar de visão analítica, Ur:, ve, a .fa- organizado obtido pela experiência. Em conseqüência disso, a palavra
brica como um grande organismo em .que o todo_ nao e ~1I~- tecnologia em sentido estrito não pode ser aplicada com propriedade à
obra dos artesãos.
plesmente a soma das partes. Em Smith a questao da dI.SCI
plina não tem o relevo que assume na ob:8. de Ur:, 9ue salte.n- Este argumento tem outras conseqüências. Antes de 1600 ou de
ta a importância da imposição de um eficiente código de dIS- 1650, o conhecimento sistemático dos temas práticos quase não existia
na Europa e quase toda a produção e as habilidades práticas dependiam
ciplina fabril. de métodos artesanais. Neste caso, a palavra tecnologia também não
Mas Ure não deixa de criticar os "teóricos" que se man- pode ser empregada com propriedade. Por esta razão, neste livro utili-
tinham afastados da prática industrial: zam-se termos como as artes práticas ou as artes mecânicas e químicas

34. A. Ure. Op. cit., p. 24. (Grifo meu, R.G.)


31. J. D. Bernal. Op. cito v., p. 414. 35. W. H. G. Armytage. A Social History ot Engineering. London, Faber and
32. D. F. Noble. Op. cit., p. 21. Faber, 1961. p. 100.
33. A. Ure. Op. cit., p. 12.

52 53
ao invés de tecnologia, para descrever as habilidades técnicas dos pri- A formulação de um outro autor americano, Peter F.
meiros períodos históricos. Tais termos foram usados a miúdo no sé- Drucker, desperta maior interesse. Tal como M. Kranzberg,
culo XVII e parece útil conservá-Ios para tratar de circunstâncias em
já citado neste capítulo, ele relaciona tecnologia e trabalho de
que predominava a perspectiva do artesão. Se ampliarmos nossa. pala-
vra moderna tecnologia, a fim de que inclua todas as formas de Inven- modo a reabrir uma discussão conceitual:
ção e de destreza prática, poder!amos facilmente e~quecer as mu~a~ças
históricas que deram à tecnologia moderna seus metodos caractensncos "De uma ou outra maneira, o reino e o tema principal do estudo
i - 36 .
e seus traços marcantes d e tenaci id a d e e dee movaçao da tecnologia seria o trabalho humano. Para o historiador da tecnolo-
gia, esta linha de pensamento poderia ser alguma coisa mais do que
uma digressão acerca das definições, já que conduz à conclusão de que
o autor americano [ohn Ziman, em obra recentemente o estudo da evolução e da história da tecnologia, inclusive na sua defi-
editada em português, propõe uma saída para a confusão cria- nição mais estrita como estudo de um artefato mecânico em particular
da pela multiplicidade de significados de technology. Parte - quer seja ferramenta ou produto - ou de um processo determinado,
do reconhecimento de que as habilidades práticas, ou técnicas, somente seria fecundo se compreendesse o trabalho e no contexto da
são características de todas as sociedades humanas e são inde- história e da evolução do trabalho" 38.
pendentes dos conjuntos formalizados do conhecimento, ou
teorias. Dá como exemplo a arte culinária, a costura, a jardi- Depois de propor que a tecnologia seja considerada co-
nagem, a pescaria e a caça à raposa. mo um sistema, como um conjunto de unidades e atividades
que se relacionam e se comunicam entre si, escreve:
Mas, segundo o mesmo autor, a complexidade crescente
da vida civilizada e a divisão do trabalho criam um novo ní-
vel de perícia técnica corporificada na profissão do "instru- "Sabemos que somente é possível estudar e compreender um sis-
tema semelhante se tivermos um foco unificador no qual a interação de
tor", interessado nos princípios fundamentais e no sucesso da todas as forças e fatores do sistema registre algum efeito identificável
prática que professa. e onde, por sua vez, as complexidades do sistema podem ser incapazes
de facilitar esse enfoque na compreensão do sistema complexo que cha-
"Tal fato levará posteriormente a uma abordagem 'científica' dos mamos de tecnologia. E possível, ainda, que o trabalho nos dê o foco
problemas técnicos. e facilite a integração de todas essas variáveis dependentes entre si mas
todavia autônomas. Pode facilitar um conceito unificador que nos per-
Esse é o verdadeiro significado de tecnologia, que em sentido mita compreender a tecnologia tanto em si mesma como o seu impacto
restrito constitui a 'ciência' de uma habilidade, arte ou técnica. O termo e suas relações com os valores e instituições, conhecimentos e crenças,
tem sido usado atualmente de maneira mais livre, indicando a prática indivíduos e sociedade.
efetiva da habilidade assim adquirida, do mesmo modo que a palavra
ciência tem sido comumente aplicada a qualquer atividade autocons-
A verdadeira história sempre procura nos ajudar a compreender
ciente racional ou racionalizada. Conforme vimos, o aperfeiçoamento
a nós mesmos e ajudar a fazer o que virá a ser. Tal como nos dirigimos
das técnicas e das tecnologias está inter-relacionado com o desenvolvi-
ao historiador político para melhor compreensão dos governos, ao his-
mento da ciência 'pura'. toriador da arte para melhor compreensão da arte, também podemos
Neste capítulo, porém, vamos considerar o desenvolvimento das recorrer ao historiador da tecnologia para melhor compreensão da tec-
'tecnologias científicas' a partir das 'habilidades práticas', como um fe- nologia. Mas como irá ele procurar tais noções senão tendo ele mesmo
nômeno histórico e social em si, com seus estágios próprios e seus pro- um certo conceito de tecnologia e não apenas uma coleção de ferramen-
blemas típicos" 37. tas e de artefatos individuais? E poderá ele elaborar este conceito se o

36. Arnold Pacey. Op. cit., p. 18. 38. Peter F. Drucker. Trabajo y Herramientas. In: Kranzberg, M. e Davenport,
37. John Zirnan. A Força elo Conhecimento. Belo Horizonte, Itatiaia/EDUSP, W. H. (ed.): Tecnologia y Cultura, Barcelona, Edit. Gustavo Gili S.A., 1978.
19KI. p. 161. p. 151.

54 55
trabalho, e não as coisas, não se converter no foco do estudo da tecno- apresentava como um conjunto elaborado; os termos técnicos
logia e de sua história"? 3<J. eram às vezes escassos e havia também abundância de sinôni-
mos. A linguagem (o léxico) alterava-se de uma manufatura
para outra 42.
Não é longo o caminho percorrido pela palavra francesa
3. A TECNOLOGIA NA LíNGUA FRANCESA- technologie. Emile Littré, em seu dicionário 43, dá a ela os
ARTES LIBERAIS E ARTES MECÂNICAS seguintes significados:

Mas fora da Inglaterra também se dava grande impor- 1. "Tratado das artes em geral. Uma tecnologia completa.
tância ao assunto. Leibniz (1646-1716), nos últimos anos do 2. Explicação dos termos próprios às diferentes artes e ofícios".
século XVII, une-se à corrente dos que propõem a criação
de casas de trabalho e de escolas técnicas para difusão dos Littré assinala a presença da palavra technologie na obra
conhecimentos técnicos, e, especialmente, de escolas artesa- de Louis Reybaud, só em meados do século XIX. Há uma
nais. O trecho abaixo transcrito esclarece o seu ponto de vista: informação posterior que diverge desta de Littré: o Diction-
na ire Général de Ia Langue Française, de Arsene Darmeste-
"Se apenas uma única das artes se perdes~e,. não seriam suficien- ter e Adolphe Hatzfeld 44, editado entre 1895 e 1900, mencio-
tes para remediar sua falta todas as nossas bibliotecas. A taref~ d.e na o uso da technologie em 1812, mas com o sentido de sis-
recolher por escrito todos os procedimentos de que se servem ?s técni- tematização gramatical - mais nitidamente metalingüístico.
cos e artesãos é, para ele, por conseguinte, uma das tarefas mais urgen-
tes que a nova ciência terá que realizar" 40.
Dando crédito às informações de Li tt ré , a palavra tech-
nologie não teria sido usada na Enciclopédia de Diderot. Mas
é estranho que o mesmo dicionário não registre o uso dessa
Na Franca em 1675, Colbert encomendou à Academia
palavra por André Marie Ampêre em 1834, embora registre o
de Ciências d~ Paris um estudo sobre as artes e ofícios, o que
neologismo cerdoristique criado por Ampêre para denominar
se inseria na política manufatureira levada à prática por ele.
um dos ramos da' technologie.
Dessa encomenda resultou a Descriptions des Arts et Métiers
A questão das artes liberais e das artes mecânicas, que
Faites ou Approuvées par Messieurs de l'Académie Royale des
compreende alguns aspectos da divisão entre trabalho inte-
Sciences, avec Figures, onde estavam representadas todas as
lectual e trabalho manual, como já vimos, havia merecido a
ferramentas e máquinas, em plantas, vistas e cortes, com por- atenção de H. Alsted. Diderot, na Enciclopédia, também abor-
menores de certas peças importantes. A obra foi iniciada em da o tema 45 como se vê no trecho abaixo transcrito:
1693 mas o primeiro de seus 76 volumes só saiu graças aos
, . . 41
esforcos de Réaumur e de Duhamel du Monceau em 1761 . "Divisão entre artes liberais e mecânicas
A Enciclopédia de Diderot e D'Alembert coroou o esforço Examinando as produções das artes percebeu-se que umas eram
feito na França nesse campo. Mas eles mesmos assinalaram
as dificuldades que a linguagem técnica oferecia: ela não se 42. Cf. J. M. Auzias. La Filosofia y Ias Técnicas. Barcelona. Oikos-Tau, 1968.
p. 69.
43. Émile Littré. Dictionnaire de Ia Langue Française, Paris, Libraire Hachette.
39. Peter F. Drucker. Op. cit., p. 158. 1889.
40. P. Rossi. Op, cit., p. 126. 44. Cf. The Oxlord English Dictionary.
41. CL Bertrand Gille, Histoire des Techniques. Paris, Gallimard, 1978. p. 1435. 45. D. Diderot. Encyclopédie ou Dictionnaire Raisoné des Arts et Métiers.

56 57
obras mais do espírito do que das mãos e que ao contrário outras eram nacional. Afasta-se portanto radicalmente do velho sistema da
mais produtos da mão do que do espírito. Esta é, em parte, a origem aprendizagem e dirige-se a um "mercado de trabalho". Alguns
da proeminência que se atribui a certas artes sobre outras e da divisão anos mais tarde, após a Revolução, Bachelier propõe a am-
que se faz das artes em artes liberais e artes mecânicas. Esta divisão,
ainda que bem fundamentada, produziu um resultado mau, aviltando
pliação desse ensino através de cursos públicos de Artes e
pessoas bastante dignas de estima e muito úteis e fortalecendo em nós Ofícios destinados à população em geral, mas também aos
uma preguiça natural, de um tipo que não sei identificar, e a partir "sábios e aos filósofos". É ao Licée des Arts que se atribui
da qual acreditamos fortemente que dedicar-se constante e continuamen- sua efetivação. Condorcet, o organizador da instrução públi-
te às experiências e a objetos específicos, sensíveis e materiais, era des- ca na França revolucionária, participa dessa tarefa, devendo-
respeitar a dignidade do espírito humano; ... "
se a ele o programa de mecânica proposto em 1786 para o
Liceu. Desse programa origina-se, segundo J. Guillerme 47, o
Diderot coloca-se em posição frontalmente oposta ao
curso que será ministrado no Licée des Arts, a partir de 1793,
desprezo pelas artes mecânicas que Richelet registra, em
por J. H. Hassenfratz sob o título technologie, assim como o
1680, no seu Dictionnaire Français, no verbete mecânico, on-
da Escola Politécnica.
de se lê:
Já num texto de 1792, a tecnologie é conceituada como
"Esta palavra, no que se refere a certas artes, significa aquilo " estudo (que) compreenderá a descrição de todas as ferramentas
que se opõe a liberal e honroso ... " o~ máquinas usadas em qualquer tipo de fabricação; os meios de aper-
feiçoamento: as invenções; a preparação de matérias-primas; os segre-
Acrescenta que, figurativamente: dos relativos aos ofícios e os novos instrumentos. Acrescente-se ainda
uma descrição do trabalho nas manufaturas ou nas oficinas".
"O seu sentido é baixo, ruím e pouco digno de uma pessoa ho-
nesta e liberal" 46.
O anuário do Licée des Arts de 1793 apresenta a emen-
Passo importante para o domínio das técnicas, conse- ta da disciplina em questão:
qüente e no mesmo sentido dos passos dados pela Enciclopé-
"Tecnologia - Descrição geral das Artes e dos Ofícios. Exame
dia de Diderot e D'Alembert, é a criação da Escola Politéc- dos elementos das máquinas e sua aplicação na construção de máqui-
nica francesa, em 1795. Ao descobrimento e ao domínio da nas. Conhecimento dos pormenores e dos processos das manufaturas" 48.
linguagem e dos segredos dos técnicos seguem-se as iniciati-
vas de sistematização desses conhecimentos e de sua incorpo- Em 1799 a palavra technologie aparece num texto de
ração ao processo produtivo nitidamente capitalista. Na Cuvier e em 1802 num discurso pronunciado no legislativo
mesma década em que se cria a Politécnica promulga-se a por Foúrcroy, que já mencionei quando me referi à estada de
"Lei da Liberdade do Trabalho", que proíbe a organização José Bonifácio em Paris. Fourcroy (nesse discurso) faz alusão
dos trabalhadores em Corporações (1791). ao trabalho desenvolvido por Iohan Beckmann na Universi-
Vou me referir várias vezes ao pintor Bachelier e ao en- dade de Gõttingen.
sino técnico. Sua proposta era a de fornecer às oficinas "das Mas até então, e mesmo até meados do século XIX, a
artes" milhares de operários instruídos tanto na teoria como technologie mantém função metalingüística, não obstante a
na prática e, através disso, assegurar a expansão da indústria proposta de Ampêre de incluí-Ia entre as ciências, afastando-a

46. Pierre M. SchuhI. Maquinismo y Filosofia; Buenos Aires, Galatea/Nueva 47. J. Guillerme e J. Sebestik. Op. cit., p. 47.
Visión, 1955. p. 39. 48. Idem, p. 48.

58 59
dessa maneira cada vez mais das artes dos técnicos artistas Para designar o que Ampere classifica como ciência Ure
(artesãos) e suas ferramentas. Seria uma nova ciência, do no- emprega a denominação Filosofia das Manufaturas:
vo tempo da produção baseada nas máquinas e no trabalho
assalariado. "A filosofia das manufaturas é portanto uma exposição dos princí-
pios gerais pelos quais a indústria produtiva deve ser conduzida atra-
Foi em 1834, num ensaio intitulado La Philosophie de Ia vés de máquinas automáticas" 53.
Science que André M. Ampêre propôs a technologie como
ciência, incluída na primeira ordem de sua classificação, no o próprio subtítulo do livro de Ure parece indicar que
ramo das Ciências Físicas e no reino das Ciências Cosmológi- o tema não cabia nas acepções correntes de technology, no
cas 49. Dividiu-a em quatro setores: 1. tecnografia, que trata do inglês da época:
conhecimento de processos industriais. 2. cerdoristique 50 in-
dustrial, ou cálculo dos recursos necessários à utilização cor- "The philosophy 01 manujacture - or an exposition 01 lhe scien-
reta das máquinas. 3. economia industrial, que compara os re- tijic, moral, and commercial economy 01 lhe [actory system 01 Great
sultados obtidos pelos processos e pelos instrumentos. 4. física Britain".
industrial, que trata do conhecimento das causas e através da
qual se podem aperfeiçoar os processos conhecidos, inventar . Em 1853 o francês Charles Laboulaye publica um dicio-
novos, assim como prever, nos dois casos, o resultado que se nário no qual, apoiado nas idéias de Ampêre, apresenta uma
pode esperar SI. definição de technologie:
Um ano depois de Ampêre ter publicado seu ensaio, o " ... tecnologia quer dizer ciência dos processos segundo os quais o
médico escocês Andrew Ure publicou sua obra The Philoso- homem emprega forças e age sobre as matérias-primas forneci das pela
phy oi Manufactures (1835). Nela emprega a palavra techno- natureza para, utilizando essas forças, obter das matérias-primas o que
logy, mas com o sentido de: terminologia específica de uma convém à satisfação de suas necessidades e de seus desejos" 54. (Grifos
meus - R.G.)
arte ou de um assunto; nomenclatura técnica, usual na língua
inglesa desde 1658, segundo The Oxjord English Dictionary.
B o que se pode perceber na frase: ' B evidente que as definições de Ure e de Laboulaye não
se superpõem perfeitamente. Ure estava atento ao processo
"The term Factory, in Technology designates the combined oper- de automatização. Para ele a própria palavra manufatura ti-
ation ... " 52. nha sofrido uma inversão de sentido: não significava mais
fazer a mão, mas sim:
49. Bertrand Gille. Op. cit., p. 1420.
50. Mantive a grafia do texto francês consultado. Trata-sede um neolo- ", .. it now denotes every extensive product 01 art, which is made by
gismo introduzido por Ampêre, Segundo o dicionário de É. Littré, designaria a
machinery, with little or no aid of the human hand" 55.
ciência que trata dos lucros e das perdas. Etim - KEPOOCí = ganho, e Op~Cí"t~XOCí
= o que determina.
Classificada como ciência ou como filosofia, não se tra-
51. Cf. Bertrand Gille. Histoire des Techniques. Gallimard, 1978. p. 1420.
52. A. Ure. The Philosophy oi Manufactures. London, Frank Cass & Co Ltd,
reprint, 1967. p. 13. No dicionário de Oxford, verbete Philosophy, lê-se: 7 53. A. Ure. Op, cit., p. 1.
- with of: the study of the general principies of some particular branch 54. C. Laboulaye. Dictionnaire des Arts et Manujactures, 2.a ed. Paris, Lib.
of knowledge, experience, or activity; also, less properly, of those of any subject L. Comon, 1853. Tomo 1.0, p. 1.
or phenomenon. O exemplo dado para esse emprego é o próprio título da obra 55. A. Ure. Idem, ibidem. Compare-se com a definição de J. H. M. Poppe,
de Andrew Ure. neste texto.

60 61
ta agora apenas da terminologia das técnicas e nem dos obje- algumas vezes (por uma metonímia freqüente no uso das palavras ter-
tos, mas sim de conhecimento de princípios gerais ou dos pro- minadas em lagia) a palavra é empregada por técnica ou por conjunto
cessos usados na produção. Ure fundamenta sua filosofia na de técnicas".
vivência do processo de transformação da manufatura em
grande indústria, que se desenvolve no início do século XIX o autor completa sua definição com o seguinte comen-
na Inglaterra. A automatização é para ele o passo final e defi- tário:
nitivo desse processo, pelo qual se eliminaria a força de tra-
balho (os trabalhadores) do processo produtivo. Sua filosofia "O sentido B é um emprego impróprio da palavra. O termo exato
seria aqui técnica. A tecnologia é a teoria ou a filosofia das técnicas,
é a do sistema fabril, que substitui totalmente a habilidade dando-se a esta palavra o sentido mais amplo" 57.
manual dos trabalhadores pelos recursos oferecidos pela ciên-
cia mecânica 56. A fábrica é então o grande autômato (a vast
Com mais veemência, J. Guillerme faz a mesma adver-
automaton): um organismo vivo sem seres vivos, como que tência:
contrastando com a manufatura baseada no fracionamento
das operações e que resultava numa máquina de peças hu-
"Numa primeira abordagem, é preciso indicar e denunciar uma
manas. confusão terminológica que vicia a fala popular e também a linguagem
Seria conveniente confrontar os conceitos acima citados dos doutos. Technologie, para todos os fins, é usada em substituição a
com o que se acha no verbete technologie do Vocabulário de tecnique. Uma contaminação 'franglaise' é, sem dúvida alguma, a ori-
André Lalande: gem dessa doença, que apareceu com a supremacia anglo-saxônica do
pós-guerra. Depois, tecnologia passou a dever sua fortuna ao fato de
que o termo parecia, no dizer de J. Cellard, 'mais nobre, mais carregado
"Tecnologia de ciência, mais para a frente que o substantivo que suplantou'. O co-
A) Estudo dos processos técnicos, no que tem de genérico e em mitê de estudos dos termos técnicos franceses, muito oportunamente,
suas relações com o desenvolvimento da civilização. A tecnologia com- veio a censurar a sobrecarga do sufixo elogie, que não somente torna a
preende três espécies de problemas resultantes dos três pontos de vista língua pesada mas também contribui para embaralhar as significações.
sob os quais a técnica pode ser encarada: em primeiro lugar deve pro- Se o uso de 'technologie: como duplicação de 'technique' indica
ceder à descrição analítica das artes, tal como elas existem num mo- um desvio léxico, convém, por conseguinte, assinalar e distinguir o cam-
mento dado e em uma dada sociedade ... em segundo lugar deve pes- po semântico próprio de cada uma e redefinir suas diversas acepções" 58.
quisar sob que condições e em virtude de que leis cada grupo de regras
entra em jogo, a que causas devem elas sua eficácia prática, e, em ter-
ceiro lugar, o estudo do futuro desses órgãos (o autor compara, em tre- Acredito que do ponto de vista de uma história da tec-
cho anterior, as técnicas a órgãos da vontade social, sendo que o pri- noJogia e também pela proposição de uma política tecnológi-
meiro ponto de vista constituiria a morfologia e o segundo a fisiologia ca, o assunto comporta algumas discussões interessantes. Po-
- R.G.), podendo a pesquisa versar sobre o nascimento, o apogeu e o deria formular uma hipótese: o conceito de tecnologia como
declínio de cada grupo de regras ou sobre a evolução de toda a série das ciência foi criado em países onde o Estado teve papel impor-
técnicas na humanidade.
tante no desenvolvimento das técnicas, da manufatura e do
O conjunto desses três estudos constituía tecnologia geral (A.
Espinas, "Les Origines de Ia Technologie". Revue Philosophique, 1890, Ensino Técnico (nele compreendido, em boa parte, o de Enge-
n, 115-116). °
nharia). B caso de Hannover, no tempo de Beckmann, onde
B) (Uma tecnologia) Propriamente, teoria de uma técnica; mas 57. André Lalande. Vocabulaire Techniquc et Critique de Ia Philosophie.
58. GUILHERME, J. In: Encyclopaedia Universalis. Paris, Enc. Univ. France.
56. A. Ure. Op. cit., p. 20. Éditeur, 1976. 6." ed .. v. 15. verbete Tccnotogie,

62 63
Estado e Universidade se entrosam e, particularmente, o da papel a cumprir. Assim é que, por exemplo, Iean Chaptal
França, onde desde a época de Luís XIV, com a política de (1756-1832), químico eminente, inventor de um processo pa-
Colbert, o Estado incentiva o desenvolvimento das manufa- ra a fabricação do alúmen e para o tingimento dos tecidos de
turas. Nesses países, a "ciência centralizada" comanda o pro- algodão, cria em Paris, em 1819, a primeira escola de artes e
cesso e chama para si o controle sobre a técnica e sobre o ensi- ofícios após a revolução 63.
no das artes e das técnicas. Essa política teve continuidade e Andrew Ure já havia assinalado a importância do ensi-
ganhou características novas quando a Revolução Francesa no técnico na França:
mobilizou os cientistas e os colocou a serviço do desenvolvi-
mento da indústria, com a reorganização da Academia de "É sabido que as manufaturas da França tiravam grande vanta-
Ciências, a fundação da Escola Politécnica e o apoio de uma gem do sistema de instrução, bastante ilustrativo e esclarecedor, torna-
legislação "progressista" sobre o trabalho. A lei de Le Cha- do público sob os auspícios do governo e das Sociedades Patrióticas" 64.
pelier, conhecida como "lei da liberdade do trabalho" (1791),
Compreende-se então porque Cornte, ao abordar a ques-
é exemplo disso. Suprimia os privilégios das profissões S9, ex-
tão das relações entre teoria e prática, coloca a técnica em
tinguia as corporações mas também proibia qualquer espécie
posição servil quanto à ciência: tratava-se do próprio modelo
de organização dos operários. O trabalho assalariado passa a
da burguesia francesa.
ser, senão a única, pelo menos a forma predominante, regu-
lada pelo mercado de trabalho. O Código Civil da Revolução
J. D. Bernal, historiando esse período, escreve: A Revo-
lução francesa e seus efeitos sobre a ciência
garante a liberdade do indivíduo, mas segundo escreve G.
Morim:
"Os cientistas franceses (vale a pena lembrar que a palavra cien-
tista não existia na época, R.G.) dos últimos tempos da monarquia esta-
"Ao regime da liberdade dos acordos, da liberdade contratual, vam plenamente imbuídos do espírito de progresso dos filósofos e o
proclamada pelo Código, veio a suceder, de fato, o da ditadura dos pa- novo regime Ihes deu a oportunidade que aguardavam. Na exaltação da
trões ou das companhias poderosas, que impõem uma regulamentação razão e na destruição dos últimos vestígios feudais, a ciência desempe-
e uma multidão mais fraca" 60. nhou um papel de direção. Todos os governos revolucionários reconhe-
ceram formalmente sua' importância, dando à ciência tanto quanto ela
A razão que iluminava o caminho da ciência devia tam- esperava. Alguns cientistas, como Monge (1746-1818) e Lázaro Carnot
(1753-1823), foram ardentes republicanos e tomaram imediatamente a
bém iluminar o caminho da indústria, e a mobilização dos sá- seu cargo a administração econômica e inclusive a militar. Outros como
bios e "cientistas" visava a superar o atraso em que estava a Bailly (1736-1793), Condorcet (1743-1794) e o grande Lavoisier, ainda
França em relação à Inglaterra 61. Há muita controvérsia so- que no começo tivessem cooperado plenamente por sua vinculação ao
bre o desenvolvimento da indústria na Inglaterra em relação antigo 'regime, foram vítimas da reação popular à invasão da França,
ao da França. Veja-se, por exemplo, o artigo de Imrnanuel A maior parte dos cientistas se ocupou pessoalmente da reforma da anti-
quada máquina do Estado e da educação segundo princípios científicos.
WaIlerstein (recentemente publicado)". A ciência teria um
Sua primeira providência foi a reforma dos pesos e medidas e a
implantação do sistema métrico decimal finalmente efetivada em 1799.
59. Pierre Jaccard. História Social do Trabalho. Lisboa, Livros Horizonte, 1974.
p. 75.
Para isso foi necessária uma autêntica revolução, como dá testemunho
60. Cf. Pierre M, Schuhl. Maquinismo y Filosofia. Buenos Aires, 2 v" Galatea/ a persistência de velhos e incômodos sistemas nos países em que a in-
Nueva Visión, 1955. p. 64, fluência da França e da lógica francesa não pôde penetrar. Sua segunda
61. V. Danilevsky. Historia de Ia Técnica. Buenos Aires, Lautaro, 1943.
62. I. Wallerstein. Para Que Serve o Conceito de Revolução Industrial? In: 63. Cf. Pierre J accard. Op. cit., p. 89.
Economia e Desenvolvimento. n.? 2. São Paulo. Cortez Ed. 1982. p. 52, 56 et seqs. 64. A. Ure. Op. cit., p. VIJI.

64
65
tarefa importante foi a criação da moderna educação científica, a pri- E nesse contexto assume importância a visao que O po-
meira mudança real da educação desde o Renascimento. Os revolucio- sitivismo, particularmente na França, elabora acerca das rela-
nários construíram sistematicamente e em grande escala sobre as bases
já anteriormente assentadas pelas academias dissidentes na Inglaterra e ções entre teoria e prática.
pelas escolas militares na França, apesar da oposição das antigas uni- Ludovico Geymonat chama a atenção para a concepção
versidades. . positivista acerca das relações entre ciência e técnica. Vale a
pena transcrever suas palavras, dada a circulação intensa, às
vezes explícita, outras vezes implícita - das idéias de Augus-
A ciência havia se tornado indispensável para a indústria e para to Comte entre nós:
a guerra. A fundação da École Normale Supérieure, da École de Medi-
cine e da École Polytechnique, a mais importante delas, proporcionou "Ainda que sustentando, como Bacon, que uma das tarefas princi-
os modelos para o ensino científico e para os institutos de investigação pais da ciência consiste em aumentar o poder do homem sobre o mun-
futuros. Nomeando, para neles ensinar, os homens mais eminentes, cria- do, o fundador do positivismo reduz a função da técnica a uma catego-
ram o tipo de professor científico assalariado que ao longo do século ria meramente servil. Mediante a evidência das demonstrações e me-
XIX iria substituindo gradualmente o fidalgo aficionado ou o cientista diante o rigor das provas experimentais, a ciência, segundo Comte e
de clientela da época anterior. seus contemporâneos, é capaz de conseguir leis dotadas de validade
absoluta e irreformável; a técnica não tem, pois, nenhuma iniciativa
. Na primeira geração de estudantes das novas instituições educati- específica senão e apenas a tarefa de aplicar com o maior escrúpulo os
vas figuram nomes como Charles (1746-1823), Gay-Lussac (1778-1827),
ditames inequivocamente estabelecidos pela investigação científica.
Thenard (1777-1853), Malus (1775-1812) e Fresnel (1788-1827), desti-
Quanto melhor saiba ate r-se a eles melhor conseguirá formular e resol-
nados todos eles a realizar progressos significativos em diversas ciên-
ver todos os problemas particulares suscitados pela prática. Melhor di-
cias. Essas instituições deram oportunidades aos jovens dotados de todas
zendo: para transformar eficazmente o mundo, a técnica tem que limi-
as classes de se dedicarem à ciência. A isso deve a França seu predomí-
tar-se a tomar da ciência as diretrizes do seu trabalho" 67.
nio científico no mundo, que perdurou pelo século XIX, até que a Ingla-
terra e a Alemanha seguiram seu exemplo, estabelecendo a educação Marilena Chauí chama a atenção para esse aspecto da
racional" 65.
concepção positivista, que se estende, a seu ver, para a con-
cepção das relações entre teoria e prática, quando:
As conquistas da Revolução Francesa, na ciência, no en-
sino e na indústria, no quadro de 'novas relações de classe "Estabelece entre a teoria e a prática uma relação autoritária de
legalmente estruturadas, pareciam demonstrar a legitimidade mando e de obediência, isto é, a teoria manda porque possui as idéias e
da subordinação da técnica à ciência. . a prática obedece porque é ignorante. Os teóricos comandam e os de-
mais obedecem" 68.
Para designar essa mobilização das ciências e das técni-
cas a serviço da Revolução, os franceses vão buscar, também Mas a subordinação da técnica à ciência não é mais
na língua grega, uma palavra: politécnico. geralmente aceita, hoje, pelos autores franceses. Bertrand Gil-
le coloca a questão nos seguintes termos:
"O grego já tinha uma palavra IloÀtn:xvo' presente, por exem- "A distinção entre ciência e técnica procede, no fundamental, de
plo, em Plutarco e Estrabão, com o sentido de "entender de muitas que a primeira visa ao conhecimento e a segunda à ação eficaz" 69.
artes e habilidades" 66.

65. John D. Berna!. Historia Social de Ia Ciencia. Barcelona, Ediciones Península, 67. Ludovico Geymonat. Filosofia y Filosofia de Ia Ciencia. Barcelona, Edit.
1973. VV., p. 411-12. Labor, 1965. p. 115.
Ver também F. Klemm, pág. 265-66. Texto de Fourcroy sobre a Polytechnique. 68. Marilena Chauí. O Que É Ideologia. São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 28.
66. A. Timm. Op. cit., p. 84. 69. Bertrand GiJle. Op, cit., p. 1112.

66 67
E, ainda: Podemos veríficar que para ambos os autores, com ma-
tizes diferentes, a tecnologia é um fazer que se distingue da
"Observamos também que a história está longe de verificar a con- técnica por saber mais e saber melhor, na medida em que se
cepção, muito comum, segundo a qual a técnica, no fundo, não seria apóia nas regras do discurso lógico-científico.
mais do que aplicação da ciência".
J. Guillerme coloca a questão de maneira diferente:
E formula seu conceito de tecnologia:
"A tecnologia é aqui encarada, antes de tudo, no sentido que deter-
mina globalmente seu campo, como um discurso sobre as técnicas e a
"A difusão da cultura científica no meio técnico, além do papel,
história que vamos aqui tentar escrever é a de uma disciplina científica.
bastante evidente, para nele insistirmos, que desempenhou na extensão
ou pelo menos do projeto de um tratamento científico, tendo por objete
da aplicação da ciência à técnica, constitui-se num dos maiores fatores
as operações técnicas.
da passagem da técnica de estilo artesanal para a tecnologia. É preciso
entender por esse termo um saber que, prolongando, num sentido clara-
mente mais sistemático e mais científico a tendência que deu lugar, des- Visa portanto a constituição de um discurso sobre as operaçôes
de o século XVI, à publicação dos tratados técnicos como os que acima técnicas como discurso de tipo científico. A disciplina se situa num pla-
mencionamos, distingue-se da ciência pelo seu objeto - a realidade téc- no reflexivo em relação à atividade prática operatória. E também suo
nica - mas que é ciência por seu espírito, pela maneira metódica com história é a de uma reflexão, de uma metatécnica" 72.
que coloca os problemas, pela preocupação em exprimir em um 'discur-
so' o 'fazer' da técnica, pelo rigor com que dá seus passos, pela genera- Por isso, para ele, a história da tecnologia não explora
lidade dos conceitos dela emanados e pelo uso que faz das matemáticas,
a história dos processos técnicos,tal como faz A History ot
bem como pela precisão de suas observações e mensurações. Por isso
está no domínio tanto da história da ciência quanto no da história da Technology de Charles Singer.
técnica. E é essa a tecnologia que vemos desenvolver-se no século XVIII Em texto mais recente, J. Guillerme volta à conceituacã.
em obras como a Architecture Hydraulique, de Bélidor (1737-1739), vá- de tecnologia:
rias vezes reeditada durante mais de um século, os Elements d'Architec-
ture Navale, de Duhamel du Monceau (1752), o Traité des Horloges
Marines, de Berthoud (1771) e os dois tratados de Bourguer sobre a
••As condições orgamcas do homem, sapiens e faber, conferiram
construção e a manobra dos navios (17:16 e 1757)" 70.
às mãos, ao permitirem a postura vertical, uma atividade instrumental
polimorfa inseparável da linguagem, cuja intervenção se diversifica.
Na mesma linha de pensamento está o jesuíta François
Russo, colaborador de B. Gille, quando escreve Técnica Cien-
O gesto artesanal, que se aprende pela imitação, aperfeiçoa-se pe-
tífica e Técnica Empírica. la experiência; nenhuma descrição, nenhuma injunção determina ou dá
forma acabada ao saber fazer. A palavra, descontínua, não faz mais do
"Entenda-se por técnica científica ou 'tecnologia' um saber orgâni- que assinalar diferenças, indicar localizações, especificar classes. Des-
co, fundamentado em princípios; uma técnica não é portanto verdadei- crever e executar são coisas radicalmente distintas. Por isso é a lingua-
ramente tecnologia se não se apresenta como uma 'doutrina'; a tecnolo- gem, suporte do discurso reflexivo, que dá ao saber fazer estatuto social
gia se opõe à técnica empírica, que pode se definir como sendo uma e normas operativas. A técnica, atividade biológica, empreendimento
prática que se apóia em regras não-sistematizadas, oriundas mais do do ser vivo sobre o seu meio, prolonga-se entre os homens, numa tec-
tatear e de contactos imediatos com a realidade que de uma experiência nologia, quer dizer, um discurso sobre a prática que visa, idealmente, a
refletida" 71. constituir-se como ciência normativa da produção de efeitos. Tardia
mente instituída, laboriosamente começada, é uma ciência inacabada r
70. B. Gille. Op. cit., p. 1115.
71. F. Russo. ln: Guillerme, J. Technique et Technologie. p. 42. 72. 1. Guillerme e J. Sebestik. Op. cit., p. 1.

68 69
inacabável. Assumindo inicialmente como programa a descrição das instrumental dos meios e a racionalidade dos fins, a raciona-
artes, ela se lançou durante muito tempo contra obstáculos terminológi- lidade social 75, cuja interação é questão política.
cos: seu projeto inicial - unificação da língua das artes - exprimia
decisão implícita de normalizar gestos e instrumentos. Dele saiu o mun- De que maneira essa questão é colocada na União So-
do industrial" 73. viética? Já me referi à conceituação da tecnologia exposta por
V. Gromeka. O mesmo autor escreve ainda:
Mas, retomando o conceito de discurso, não estaríamos
retornando de certo modo à tecnologia romana, antecessora "f: de notar que a práxis soviética e estrangeira operam com defi-
nições terminologicamente divergentes quanto ao conceito de tecnologia.
do trivium? Discurso implica coerência interna, implica a
O termo Technology usado na literatura americana e inglesa correspon-
lógica, a retórica e a gramática, diga ele o que disser. Entra- de mais ao de técnica adotado na URSS, e para designar a tecnologia na
mos por aí no terreno da semiótica, do pragmatismo conven- acepção acima citada (usada na URSS) usam-se as palavras processes e
cionalista que descarta corno metafísica (pejorativamente) a methods, ou seja, processos ou métodos e modos 76. Ora, a palavr.a
questão da verdade. technique usa-se no sentido de métodos e modos técnicos, o que equi-
vale, grosso modo, à tecnologia".
A tecnologia, porém, não se resolve no nível do discur-
so; ela responde e presta contas, em termos de eficiência, à
práxis produtiva. Admitir o internalismo da tecnologia seria
retomar à tese das "razões tecnológicas" e ao "determinismo 4. A TECNOLOGIA NA LÍNGUA ALEMÃ
da tecnologia", teses que têm sua razão de ser exatamente na
omissão deliberada da discussão política que deve ser levada Ao filósofo e matemático Christian Wolff (1697-1754),
avante sobre a tecnologia. J. Guillerme toca no assunto quan- mais importante discípulo de Leibniz, se deve a retomada
do, no texto citado, se refere ao técnico que se satisfaz inda- da palavra tecnologia no sentido moderno: ela volta à oficina
gando o como fazer e à tarefa de honra do filósofo que se pela mão do filósofo; é Wolff que propõe uma nova filosofia
propõe a indagar sobre o por que fazer. Formulação interes- das artes, que implica numa mutação semântica decisiva, des-
sante esta, desde que se considere não deva ser vedado ao locando o sentido desse termo usado na retórica para com ele
cidadão técnico a indagação do por' que fazer, interdição que designar um discurso racional sobre a atividade técnica.
nos colocaria de novo face à dicotomia artes liberais e artes
"A tecnologia é portanto a ciência das artes e das obras de arte,
mecânicas, que não pode se repetir historicamente mas pode
ou se preferirmos, ciência das coisas que o homem produz com o tra-
ser intentada como farsa ideológica. balho dos. órgãos de seu corpo, principalmente com as mãos" 77.
E preciso entender no "discurso tecnológico" não apenas
os vínculos internos com a linguagem, mas sobretudo os com- Ele é, por isso, o primeiro a definir a palavra no seu
promissos que estão na raiz da tecnologia moderna: seus vín- sentido moderno, a formular o projeto de uma disciplina e a
culos históricos com a práxis produtiva. Caberia no caso falar dar a ela um lugar preciso no conjunto das ciências. Essa tec-
de praxiologia corno "ciência da eficácia" 74. Isto coloca a 75. Adolfo Sánchez Vázquez. Racionalismo tecnológico, ideologia y política.
questão da dupla racionalidade tecnológica: a racionalidade In: Ensayos Mar xistus Sobre Filosofia e Ideologia. Barcelona. Ed. Océano. 1983:
p. 205.
76. V. Grorneka. Op. cit .. p. 79.
73. J. Guillerme. Technique et Technologie. p. 4. 77. Cf. J. Guillerme e 1. Sebestik. Les Commencements de Ia Technotogie. In:
74. Ruy Gama. Glossário. Revista Tliàles. 1966. p. 29.

70 71
nologia toma de empréstimo os princípios da física, parti- universidade alemã a ". . . introduzir estudos sobre a ciência
cularmente os da física experimental, sem se confundir toda- em escala verdadeiramente ampla" 79.
via com ela. Ars versatur circa corpora naturalia, que é o co- Um dos homens ligados à fundação da universidade e
nhecimento desses corpos e também da estrutura e do funcio- que nela se destacou como professor, como já vimos, foi Au-
namento dos dispositivos instrumentais no âmbito da física e gusto Francke. Seus discípulos fundaram escolas secundárias
da mecânica. Ela é o estudo das regras operatórias e das que ensinavam matérias de interesse prático em Halle (1708),
obras. em Berlim (1747) e em outros lugares 80. Vê-se que a introdu-
Wolff dá dois exemplos dessa tecnologia, tratada segun- ção do ensino das ciências na universidade é praticamente
do normas científicas: o primeiro é a arquitetura civil e o se- contemporânea à introdução da tecnologia.
gundo a agricultura. Mas, tal como outros movimentos favoráveis à educa-
Mas o projeto de Wolff não teve seguidores imediatos e, ção prática, este também sofreu influências religiosas que o
até [ohan Beckmann, não se vai falar mais em tecnologia: o levaram a uma desconfiança em relação à ciência e ao racio-
ensino das artes incorpora-se às ciências cameralísticas. nalismo.
Reconhece-se, todavia, apesar disso, a importância das
Reconhece-se facilmente nesse projeto a presença das
iniciativas tomadas em Halle e suas repercussões na Universi-
preocupações de Leibniz quando, em 1700, funda a Academia
dade de Gõttingen,
de Berlim a qual
A reinvenção da tecnologia - a tecnologia moderna - é
"No seu universalismo iria ultrapassar tudo quanto o mundo até
da época em que a produção manufatureira começa a apare-
então tinha conhecido em matéria de instituições congêneres. A associa- cer na Alemanha. Na manufatura, o artesão com seus segre-
ção abrangeria todo o âmbito das ciências matemáticas e físicas e de dos e habilidades ainda tinha papel primordial. Na fábrica,
suas aplicações técnicas, propondo-se ao mesmo tempo cultivar as Le- posteriormente, seu saber precisará ser negado. Ele terá que
tras, nomeadamente a língua alemã e a história da Alemanha, profana trabalhar "por tempo". É o tempo que iguala todos os traba-
e religiosa.
lhadores separados do saber pela divisão do trabalho. A essa
mudança. correspondem as palavras obra, que envolve saber,
Pretendia-se melhorar a existência humana em todas as suas ma- e serviço, que se mede por tempo.
nifestações e atividades; promover a agricultura e a indústria, as fábri- Nova forma de divisão do trabalho, novo e mais apro-
cas e o comércio, as consciências política e nacional. fundado parcelamento das tarefas exigem novas formas de
compilar e de transmitir os conhecimentos técnicos ainda in-
dispensáveis. A tecnologia moderna surge, na universidade,
Esse trabalho geral de cultura, considerava-o Leibniz como o obje-
tivo do Estado moderno então nascente; era já o ideal político do ilumi- corno disciplina, separada portanto do processo produtivo
nismo alemão" 78. . direto. O saber técnico se escolariza, como disciplina e sob a
A Academia de Leibniz não vingou. Permaneceu isola- égide do Estado. É o que aconteceu inicialmente na Alemanha
da e sem o respaldo das universidades, que não abrigaram as (mais propriamente no reinado de Hannover) no século
oficinas de trabalho científico, o que só vai acontecer na Uni- XVIII. O homem associado a esse fato é [ohan Beckmann,
versidade de Halle, fundada em 1693-1694, que foi a primeira 79. Merton. Science, Technology and Society. Cf. Arnold Pacey. EI Laberinto
dei Ingenio. Barcelona, Ed. G. Gili, 1980. p. 166.
78. W. Dilthey. Leibniz e a sua Época. São Paulo, Livraria Acadêmica, 1947. 80. Friedrich Klemm. A Historv 01 Western Tech nology . Cambridge (Mas),
p. 55. M.I.T. Press, 1968. p. 266.

72 73
( I 739-1811), que a partir de 1766 foi professor da Universi- Os primeiros esforços dos homens que como ele se dedi-
dade de Gõttingen, onde dava curso sobre economia, admi- cavam ao estudo dos ofícios e das manufaturas foram dirigi-
nistração e finanças, economia rural, política e comércio. dos, muito precisamente, para o estudo do vocabulário. Assim
Deu às suas aulas o nome de practicum comerale. Entre suas é que J. H. G. [acobson publicou um Dicionário Tecnológico
obras se incluem Introduction to Technology 81 e Instrução so- em 1781. [ohan Heinrich Moritz von Poppe (1776-1854) es-
bre Tecnologia, onde firmava seu conceito de tecnologia no creve um Manual de Tecnologia, em quatro volumes, e uma
subtítulo: História da Tecnologia, Georg Friedrich von Lamprech
(1760-1820) escreve também um Manual de Tecnologia ou
"Para conhecimento dos ofícios, fábricas e manufaturas, especial- instrução para o conhecimento dos trabalhos manuais, fábri-
mente daquelas que têm contactc estreito com a agricultura, a adminis- cas e manufaturas (1787).
tração pública e as ciências cameralísticas".
Lamprech define tecnologia como:
Na introdução à mesma obra escrevia: " ... a ciência que ensina a forma e a maneira como se há de trabalhar,
por meio da técnica humana, os produtos brutos da natureza, tendo em
"A história das artes pode dedicar-se à enumeração das inven- vista as necessidades da vida" 86.
ções, ao progresso e ao curso habitual de uma arte ou de um trabalho
manual, mas é a tecnologia que explica de maneira completa, clara e
ordenada, todos os trabalhos, assim como seus fundamentos e suas con-
Sintetizando suas conclusões sobre essa reinvenção da
seqüências" 82. tecnologia, A. Timm escreve:

No último de seus trabalhos, datado de 1806, Beckmann "A tecnologia dessa época procura conhecer todos os métodos e
processos de produção e pretende empreender uma estruturaç.ão de~-
dedicou-se a uma classificação das indústrias levando em con-
se processo no conjunto da sociedade. Por meio dessa tecnologia re~I~-
ta a estrutura da exploração, mas também o entrosamento de. za-se e se explora a fusão de conhecimentos científicos com as po:slbl-
seus processos de produção. Pretendia com isso fomentar a !idades de aplicação prática no campo da técnica. O Estado, no seculo
união de "sábios" e "fabricantes" 83. XVI lI, fomenta esse tipo. de tecnologia mediante a formação ~ a pes-
Seu nome é lembrado, ao lado do de A. G. Werner, quisa, para conseguir assim uma união mais estreita entre a sociedade e
a técnica, pois ele desejava colocar-se como um corpo econômico fecha-
quando se trata do ensino e da filosofia da Natureza do século do e, já em gérmen, como um corpo social" 87.
XVIII na Alemanha 84.
Mas a questão básica era a união dos sábios com os fa- E O autor citado propõe para esse processo o lema "l'art
bricantes, e a escola era o ponto de encontro: Scholarship will pour l'état", em confronto com "l'art pour l'art",
help to increase trade era o lema adotado por Beckmann 85.
Um dos passos iniciais importantes, como já vimos, foi o
81. Título transcrito em inglês da biografia de J. Beckmann incluída em A estabelecimento de uma linguagem tecnológica ou pelo me-
Hist ory of t nventions, Discovcrics and Origi ns, de J. Beckmann. London. 1846. nos inicialmente um repertório de conceitos codificados. Ve-
Reprint: Amsterdam, B. M. Israel. 1974.
82. Albrecht Timm. Pequena Historia de Ia Tecnologia.Madrid, Ed. Guadarra-
jam'os um exemp'lo significativo de como os autores alemães
ma. 1971, p. 68. tateavam o caminho: fábrica: os tecnólogos do século XVIII
83. Idem, ibidem, p. 72. dão esse nome aos lugares de trabalho em que se usam, sobre-
84. W. H. G. Armytage. História Social de Ia Tecnocracia. Barcelona, Ed.
Península, 1970. p. 44. José Bonifácio estudou com Werner, em Friburgo.
85. Cf. Friedrich Klemm. A Historv oi Western Technology. Cambridge (Mas), 86. A. Timm. Op. cit., p. 76.
M.I.T. Press, 1978. p. 244. 87. A. Timm. Op. cit., p. 82.

74 75
"No começo do século XIX as escolas estavam firmemente pre-
tudo, o fogo e o martelo. Pretendem com isso diferenciá-Ia sas nas mãos dos "clássicos" e dos clérigos, e havia um grande desdém
das manufaturas, onde, segundo Poppe, "usa-se principal- no meio acadêmico pelo estudo da ciência experimental e ainda maior
mente as mãos, ou à falta delas, máquinas para a produção em relação ao ensino das artes úteis. A educação técnica, nas Estados
de mercadorias" 88. O dicionário de J acobson diz que "o ca- Unidos e a partir de então, desenvolveu-se em luta com as escolas clás-
racterístico da manufatura é a elaboração de materiais prove- sicas, tanto dentro quanto fora delas" 91.
nientes do reino animal e vegetal".
Nos países de língua alemã - que depois se uniram
Pode-se dizer que os autores acima citados tateavam o
num só Estado - havia, antecedendo mesmo as propostas da
caminho, pois examinavam os elementos do processo de tra-
tecnologia, preocupação com as escolas técnicas artesanais.
balho - força de trabalho, objeto de trabalho e meio de tra-
Leibniz, em 1692, como já vimos, coloca-se ao lado dos que
balho - enfatizando, ora um, ora outro desses elementos.
propõem a criação de escolas artesanais. Do século XVIII
Confronte-se as definições citadas com a do Pe. Rafael Blu-
são também as propostas para criação de orfanatos, nos quais
teau, que é do começo do século XVIII:
"as crianças, tiradas de um ambiente a elas pouco proveitoso,
deviam ser educadas desde a sua juventude de maneira con-
"Manufatura: lugar em que muitos do mesmo ofício se ajuntam
a fazer obra do mesmo gênero" 89. seqüente segundo uma ética de trabalho" 92.
Mesmo assim, ainda no século XIX, segundo David S.
Fica evidente nessa definição o aspecto espacial. Manu- Landes 93:
fatura é um lugar onde se desenvolve trabalho em coopera-
ção, distinguindo-se por isso do trabalho feito em casa, do "A crescente independência tecnológica do Continente (europeu)
trabalho domiciliar espacialmente disperso. Pode-se dizer que resultou grandemente da transmissão, de homem para homem, da habi-
lidade no trabalho. De importância imediata menor, ainda que de gran-
onde J acobson via a matéria-prima, Bluteau via os trabalha-
de conseqüência a longo prazo, foi o treinamento formalizado de mecâ-
dores. Ele participava das iniciativas tendentes a implantar nicos e engenheiros nas escolas técnicas".
manufaturas em Portugal e do círculo "científico" e literário
dos condes de Ericeira: as Conferências Discretas e Eruditas, É nesse quadro. que aparece a tecnologia na Alemanha.
bem como a Academia dos Generosos 90. A disciplina, os controles de tempo e de produtividade
O esforço para restabelecer o domínio sobre as técni- passam a ser objeto, dentre outros, da nova tecnologia. Ela
cas nos países de língua alemã, retomando a palavra tecnolo- entra na fábrica, junto com as máquinas. Se a técnica refere-
gia, não pode ser visto como o único no que se refere à intro- se ao trabalhador e suas ferramentas, a tecnologia refere-se às
dução das artes úteis nas universidades. Convém lembrar o máquinas e seus operadores - ao conjunto do processo pro-
que já se disse, neste texto, acerca das tentativas malsuce- dutivo cujo saber escapa do trabalhador individual desindivi-
di das de Benjamin Franklin para introduzir a educação téc- dualizado. Ela é algo que se ensina nas escolas, fora das con-
nica na Pensilvânia em 1749, mais de cem anos antes da fun- dições reais do trabalho ou no máximo em simulacro delas.
dação do Massachusetts Institute of Technology, que é de Isto nos permite datar a tecnologia moderna.
1861.
91. David. R. Noble. America bv Design. New York, Oxford University Press,
1980. p. 20.
!l!l. A. Timm. Op. cit., p. 116.
92. A. Timm. Op, cit., p. 53.
89. Rafael Bluteau. Op. cit. 93. D. S. Landes. The Unbound Prometheus . New York, Cambridge University
90. Hernani Cidade. Lições de Cultura e Literatura Portuguesas. Coimbra Editora
Press, 1979. p. 150.
Ltda., 1959. 2 vols .. v. 2, p. 37.

77
76
o próprio Beckmann, na obra Entwurt der allgemeinen entre o Estado e a universidade. Tratar da coisa pública tam-
Technologie, (1806), escreve: bém é tecnologia, pois o Estado é uma máquina:

"E a própria ótica geral da tecnologia que muda: o uso da tecno- "A maneira mais instrutiva de tratar as teorias do Estado é con-
logia não consiste mais somente na transmissão de esquemas simplifi- siderá-Io como uma máquina artificial, extraordinariamente bem arti-
. d o fiirn "96 .
culada, que deve servir a um d eterrnma
cados das operações de um ofício aos administradores e aos funcioná-
rios do Estado, quer dizer, aos não-artesãos. Desta vez a tecnologia já
pode intervir propondo um aperfeiçoamento técnico aos próprios ofí- A própria palavra Estatística tem compromissos semân-
cios: o recenseamento e a comparação de processos que se destinam ao ticos com a palavra Estado.
mesmo fim permitem transportar esta ou aquela operação de um ofício
para outro. Não seria demais insistir nesse conceito de transporte que Esses fatos, na Alemanha, marcam o pensamento bur-
torna possível sair dos limites de um ofício dado, nos quais estava presa guês e os primeiros passos para a unificação alemã, apoiada e
a tecnologia clássica, e estabelecer vínculos entre ofícios bem dife- apoiando o desenvolvimento tecnológico.
rentes" 94.
Harry Braverman, abordando a questão das relações da
ciência com a produção industrial (ele não emprega a palavra
Mas ao que parece, considerado que estas citações de
Beckmann são sempre de segunda mão, a mais significativa tecnologia), escreve:
das acepções de tecnologia oriundas do próprio Beckmann é "A história da incorporação da ciência à empresa capitalista c?-
a que se encontra em Anleitung zur Technologie, datada de meça propriamente na Alemanha. A primeira sim~ios.e entre a clenc}a
1777: e a indústria, que foi desenvolvida pela classe caplta.hs~a. daquele. pais.
demonstrou ser um dos fatos mais importantes da história ~~ndlal no
"A tecnologia é a ciência que ensina como tratar os produtos na- século XX. Ela capacitou a nação para duas guerras mundiais, e ofe-
turais ou o conhecimento dos ofícios. Ao invés de mostrar apenas nas receu às demais nações capitalistas um exemplo que ~Ias ap,renderam .a
oficinas como se deve seguir as instruções e os hábitos do mestre para imitar apenas quando foram obrigadas a fazê-lo muitas decadas mais
fabricar uma mercadoria, a tecnologia dá ensinamentos aprofundados tarde. O papel da ciência na indústria alemã foi o produto da fraqueza
e segundo uma ordem sistemática, permitindo encontrar, a partir de do capitalismo alemão .em seus estágios iniciais, junto com o estado
princípios verdadeiros e de experiências seguras, os meios para atingir avancado da ciência teórica alemã.
os objetivos finais, permitindo explicar e tirar proveito dos fenômenos > Seria interessante para aqueles que ainda não compreendem a im-
que se mostram durante o processo" 95. portância da filosofia especulativa alemã ponderar, se~?o ? exemplo de
Marx, do qual são tão receosos, o caso concreto da ciência moderna e
suas carreiras nitidamente contrastantes na Alemanha de um lado e nos
Esta conceituação, sobre a qual terá se apoiado Lamprech Estados Unidos e Inglaterra de outro.
na definição já citada, é mais esclarecedora na medida em 'Se muito da Inglaterra contemporânea deve ser explicado nos
que mostra a diferença entre a transmissão do conhecimento termos da filosofia de Bentharn', escreve P. W. Musgrave em seu estudo
através da ciência da tecnologia e aquela da tradição artesa- das' mudancas técnicas na Inglaterra e Alemanha 'o mesmo acontece
com a grande influência de Hegel na Alemanha'. A influência '~e HegeJ
nal nas oficinas.
no desenvolvimento da ciência foi, observa Musgrave, tanto direta co-
Mas há outra característica que marca o surgimento da mo indireta. No primeiro caso, houve seu papel na reforma. da educa-
tecnologia como matéria escolar na Alemanha: é a vinculação cão prussiana na segunda década do século XIX. E, em seguida, houve
a penetrante influência da filosofia especulativa alemã, da qual Hegel
94. B. Gille. Op, cit., p. 727.
95. J. Guillerme. Techniquc 1'1 Tcchnologie. p. 36. 96. A. Timm. Op. cit., p. 66.

78 79
era o pensador cul~i~ante, a? dar à educação científica alemã um aspec-
to fundamental e teórico, Assim, enquanto a Inglaterra e os Estados Uni- Mas a referência de Braverman ao contraste entre a Ale-
dos estavam ainda às voltas com aquele empirismo do senso comum manha sob a influência de Hegel e a Inglaterra "atolada no
q~e. atrofia e desestimula o pensamento reflexivo e a pesquisa científica dogmatismo do senso comum" merece mais alguns comentá-
básica, na Alem~nha eram esses mesmos hábitos da mente que estavam rios e questionamentos.
sendo desenvolvidos na comunidade científica. Foi por essa razão mais
do que por qualquer outra que a primazia da ciência européia passou Não estará esse contraste também presente na forma sob
da França para a Alemanha em meados do século XVII, enquanto a a qual os autores alemães propunham a tecnologia, como
Inglat,erra no m~smo período permanecia atolada no que J. S. MiII cha- ciência, enquanto que Andrew Ure, já no século XIX, emprega
mara O dogrnatisrno do senso comum.' espaldado pela norma prática" 97. technology ainda como terminologia específica das artes ou
nomenclatura técnica? Não é significativo o fato de Ure
Essa formulação de Braverman é muito oportuna. O en- ter dado à sua obra o título de Philosophy of Manujac-
contro da ciência com a técnica - com a produção -, embo- tures, enquanto os alemães no século XVIII e Ampêre, con-
ra já assinalado por diversos autores, não diminui a importân- temporaneamente a Ure, tratam a tecnologia como ciência?
cia do texto de Braverman. Que relação pode haver entre essa preocupação com o voca-
Sánchez Vásquez escreve, a esse respeito: bulário, além daquela referente aos segredos dos ofícios, e a
tradição nominalista no pensamento inglês? Estas são algu-
"Em n,o.ssos dias ~ vinculação entre a ciência e a produção, como mas questões que vão ficar sem respostas neste texto. Mas,
forma específica da unidade entre a teoria e a prática, é tão estreita para encaminhamento de discussão, acho oportuno transcrever
que, se bem que a produção tenha se convertido em vigorosa fonte de
o que escreve Didier J ulia:
d~senvolvi.m~nto, o e~orme incremento das forças produtivas no nosso
seculo sena inconcebível sem o correspondente progresso científico.
"Hoje, a oposição - Nominalismo x realismo Platônico - iden-
tifica-se como aquela entre o empirismo (Hume) e o racionalismo
Vemos, portanto, que ao chegar a sociedade a certo grau de de- (Kant): o primeiro retoma os temas do nominalismo e pretende fundar
senvolvirnento, a produção não só determina a ciência como esta se nosso conhecimento unicamente sobre a experiência (sempre particular);
integra na ~rópri~ produção, como sua potência espiritual, ou como o segundo pretende, ao contrário, fundá-Io na razão" \00.
força produtiva direta. Desse modo, a teoria e a prática se unem e se
fundem mutuamente" 98.
Na mesma obra encontramos ainda:
Mas Braverman trata especificamente do caso da Alema-
nha. Já nos referimos aos Humboldt e à reforma do ensino na "Na Crítica do luizo (1790), onde encontramos uma filosofia da
Prússia. A Universidade de Berlim, fundada em 1810, teve obra de arte e uma teoria da vida orgânica, Kant procura unificar sua
filosofia teórica e sua filosofia prática. E o projeto de unificação dos
em J ohann Gottlieb Fichte seu primeiro reitor e professor de diferentes aspectos do homem (como conhecimento, ação e sentimento)
filosofia até morrer (1814), sendo substituído por Hegel. Des- que foi retomado pelos 'pós-Kantianos' (Fichte, Schelling e Hegel)" 101
de sua fundação, essa universidade deu grande importância 20
ensino científico e médico 99. Vale a pena também lembrar a advertência feita por
Ciro Flamarion S. Cardoso sobre o erro em que se incide quan-
97 '. Harry Braverrnan. Trahalho e Capital Monopolista. Trad. de Nathanacl C do se reduz o nível teórico ao empírico, o que é particular-
Caixeiro. ,2.a ediçã<;>.Rio de Janeiro, Zahar, 1980. p. 140. .
98a· A: ~anchez Vazquez. Filosofia da Práxis. Trad. de L. Fernando Cardoso.
2. edlça~. RIO de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 222. 100. Didier Julia. Dictionnaire de Ia Philosophie. Paris, Lib. Larousse, 1980 p.
205.
99. Rene Taton. História Geral da Ciência. Tomo I, v. 3, p, 128.
101. Idem, ibidem. p. 153.

80
81
mente importante nas relações entre ciência e técnica 102. Ain- o TRABALHO NAS CIDADES MEDIEVAIS
da como crítica ao empirismo e suas possíveis aproximações
ao nominalismo, lembremos o que escreve o engenheiro fran-
cês Victor PonceIet, importante figura da engenharia do sé-
culo XIX .

.. Les praticiens sont peu enclins à prendre des abstractions pour


des réalités" t03.

1. AS CORPORAÇÕES NA EUROPA

Corporação de ofício, grêmio e guilda, são palavras que


designam as associações medievais de artesãos ou de comer-
ciantes. Essas associações voluntárias, de caráter nitidamente
urbano, tinham vários objetivos, que podemos sintetizar nos
seguintes itens:
a) Garantir o monopólio do exercício da profissão ou do
ramo de comércio aos seus membros e na sua jurisdição. Esta
era definida geralmente pela área da vila ou da cidade e seu
termo.
b) Controlar a qualidade e a quantidade das mercado-
rias produzidas, através de inspeção e de limitações rigorosas
quanto à duração da jornada de trabalho e à observância dos
dias feriados.
c)' A formação profissional, através do sistema de apren-
dizado e do estabelecimento de regras rigorosas para o acesso
à condição de oficial ou de mestre no ofício respectivo.
d) Assistência a seus membros em caso de doença etc.
No cumprimento desses objetivos as corporações vin-
culavam-se, em grau variável nos diversos países europeus em
que existiram, à vida política local e às atividades comunitá-
rias religiosas.
102. C. F. S. Cardoso. Op. cit., p. 22.
103. Cf, 1. Guillerme. Op. cit., p. 28. Não há acordo, entre os historiadores, acerca da origem

82 83
das corporações. Vejamos o que a esse respeito escreve Miguel todavia aconteciam. Normalmente os operários trabalhavam à vista de
todos.
Angel Gonzáles Mufiiz:
O mais antigo registro de estatutos corporativos que se conhece
está no livro de Etienne Boileau, que era uma espécie de 'chefe de Polí-
.. Instituições que funcionavam dentro do ordo hierárquico e e:ta- cia de Paris'. Foi redigido entre 1260 e 1270".
mental da Idade Média, essencialmente ligadas às cidad:s de cert: I.m-
portância, pelo menos a partir do século XI. as .corpora~oes ~ou grermos
em que se organizavam os artesã~s e os comercIantes nao tem, para os
Outro autor que estuda esta questão é W.H.G. Armyta-
historiadores, origens bem determmadas.
ge, que salienta alguns aspectos sociais da atividade dos grê-
Está documentada a existência de collegia ?e. tip~ romano no mios, no trecho que abaixo transcrevemos:
século VI, pelo menos na Itália e na Espa.nha. Ha citaçoes ace:ca de
colégios de mercadores, carniceiros, moedeiros, pe:cado:-es, "curtidores, "Como corporificação social da época do artesanato, as corpora-
fabricantes de sabão e outros. Mas essas corporaç~es nao ~em, ao que ções (guildas) tinham múltiplas funções sociais. Desde as primeiras déca-
parece, nenhuma relação com os grêmio~ que surgiram mais. tarde. As das do século XIII elas cuidavam do treinamento técnico dos aprendi-
primeiras associações conhecidas deste tipo aparecem !las cidades ale- zes, protegiam os trabalhadores nos casos de doença, de concorrência e
mãs e britânicas no século XII e finais do século ant~nor, sob a forma de aviltamento de preços, estabeleciam padrões de qualidades para os
de guildas religiosas e sociais de artesãos e comercíantes. agrupando produtos, impostos por inspetores que tinham o poder de mandar quei-
tecelãos, pescadores, sapateiros, curtidores etc. Nes~e mesmo tempo mar os produtos que não os satisfizessem, agiam como sociedades fra-
aparecem também na França e na Espanha (peleteiros de Saragoça, ternas e como bolsa de trabalho, e através dessa regulamentação força-
1137) . vam a indústria a se manter fora da cidade medieval. Mas além disso,
As características essenciais e originais dos grêmios eram a comu elas desempenhavam papel importante na vida social da Idade Média
nidade de esforços e a aliança dos artesãos ~~tre. si face ~o pode.r se- na medida em que secularizavam as representações dramáticas, trazendo-
nhorial. Na verdade tratava-se de grupos privilegiados, cUJO funcI~na- a.s para fora das igrejas e abrigando-as nos próprios edifícios das corpo-
mento regulamentava os poderes 'públic~s das cidades. ~st.es cedla~ rações. E elas o faziam porque tinham a obrigação de representar esses
mais ou menos facilmente ao desejo mamfestado pelos gr:mlos .de nao atos religiosos comunitários. Ainda que as encaremos como remanes-
permitir o exercício das diferentes profissões aos que nao estivessern centes dos Collegia romanos ou como derivadas das festas e sacrifícios
incorporados na instituição correspondente e por el~ ~ontrolados. ~s orgíacos de origem germânica, o certo é que sua incorporação como atos
grêmios lutaram, não só para livrar-.se .da tutela municipal e conseguir de fraternidade cristã levou à encenação de peças que acabaram rece-
autonomia, que se manifestava no direito de administrar-se por s} m~s- bendo o nome. ligado às próprias corporações: encenação dos mistérios.
mos, celebrar reuniões, regulamentar o trabalho etc., mas, tambem in- Os famosos ciclos de Coventry, Chester, Townley e York eram
tervir no governo municipal, enco~trando, durante os seculos. X.Il e representados pelas corpo rações dessas cidades. Em York, por exemplo,
XII I forte resistência em algumas CIdades, que chegaram a suprimi-los. os armeiros eram responsáveis pela encenação da expulsão de Adão e
, Mas no século XIV conseguem, na maior parte das cidades, ainda Eva do Paraíso. Os construtores de barcos encenavam a Arca de Noé e
que não em todas, o direito de nomear suas próprias autori~ades ~ pas- os pescadores encenavam o dilúvio. Esses espetáculos eram realizados
sam a ser grupos políticos que participam do governo da Cidade Junta- em palcos móveis e constituíram o primeiro entretenimento secular do
mente com a alta burguesia. país.
Os objetivos principais dos grêmios eram a pro~eção de se~s .me~- A insolente oligarquia de endinheirados que se desenvolveu nas
bros e a garantia de boa qualidade. A conc?r.rencla de profissionais corporações expressou-se, no século XV, nas grandes companhias, que
entre si era proibida e cada grêmio tinha exclusividade no mcrca~o. 10c~l: reivindicaram o direito - negado aos que participavam dos cortejos
em sua especialidade. As horas de trabalho, os 'preço~, os salar.lOs, .:as dos nobres - de usar uniformes especiais. Essas companhias passaram
ferramentas e a técnica eram regulamentadas e mspecI~n?das ml~uclo- a ser conhecidas em Londres, a partir de então, como companhias far-
samente. A técnica era a mesma para todos e eram proibidas as I~ova- dadas (Livery Companies). Elas se constituíam, freqüentemente, como
ções que permitissem enrique~er a alguns em. preju!z~s dos dema.ls. A resultado de lutas internas entre mercadores (os que vendiam) e os jor-
qualidade uniforme era garantida pelo re~p.ectlvo grermo e. ? se~endade naleiros, que faziam os produtos. E também freqüentemente como resul-
com que era castigada qualquer fraude dificultava as falsificações, que tado de lutas entre corpo rações de comerciantes e de fabricantes. Com

84 85
o declínio do artesanato o papel econômico real das corpo rações dimi- do monge alemão 1. Não é a única obra medieval do gênero
nuiu e esse declínio foi também acelerado pelo Estado quando confis-
de que se tem conhecimento. Os cadernos de Villard de
cou suas propriedades religiosas em 1547 e começou a conceder paten-
tes e monopólios a indivíduos isolados para explorarem invenções" I. Honnecourt, datados do começo do século XIII, são outro
exemplo. Bertrand Gille, na obra citada, relaciona e comenta
OS textos acima transcritos colocam com clareza alguns várias dessas obras, como a de Hughes de Saint-Victor (1125?-
aspectos importantes da história das corporações. Há outros 1141).
que precisam ser lembrados e que nos interessam mais de per- A segunda das categorias em que se enquadravam os tra-
to: é a questão do aprendizado, de transmissão dos conheci- balhadores incorporados era a dos oficiais ou companheiros.
mentos no interior do sistema corporativo. A ela ascendiam os que houvessem passado satisfatoriamente
É preciso lembrar que o sistema caracteristicamente cor- pelo aprendizado e, às vezes, também tivessem trabalhado vá-
porativo era o do aprendizado direto no trabalho. O aprendiz, rios anos como operário. O oficial alugava seu trabalho atra-
que se iniciava no noviciado entre os 12 e 15 anos de idade, vés de contrato, verbal ou escrito, segundo normasdo ofício
passava a morar na oficina ou na residência do mestre - que correspondente e mediante um juramento de bem cumprir as
eram freqüentemente juntas - e era submetido à vigilância, obrigações do ofício e de denunciar infrações de que viesse a
à disciplina e aos castigos físicos do mestre. A corporação .es- tomar conhecimento 4.
tabelecia a contribuição que o pai do aprendiz deveria pagar A terceira categoria era a dos mestres, à qual se ascendia
ao mestre. O período de aprendizado variava de uma para ou- através de um exame julgado por. membros da corporação
tra profissão e de cidade para cidade. Havia casos, como o (condição nem sempre exigida). O pretendente deveria pagar
dos aprendizes de cozinha, cujo "curso" se fazia em dois anos, à corpo ração ou ao rei ou ainda ao senhor feudal uma quantia
e em outras profissões podia se estender até dez ou doze anos, em dinheiro. O acesso à condição de mestre, quando havia o
começando o aprendiz pelos trabalhos mais rudimentares da exame mencionado, exigia a apresentação de uma obra exe-
oficina, inclusive os de limpeza, chegando depois àqueles em cutada pelo candidato: a opera prima, ou seja, a primeira
que desenvolvia sua habilidade e destreza. Não havia (não obra, a obra-prima.
encontrei referências) livros ou textos que servissem de ma- Os mestres eram donos das oficinas e empresários traba-
nuais de aprendizes. Os regulamentos das corpo rações eram lhadores independentes, sob cujas ordens trabalhavam os ofi-
muito mais códigos de proibições e de restrições do que ma- ciais e aprendizes. Eram, por isso tudo, donos também das fer-
nuais técnicos, o que se compreende face à intenção de pre- ramentas, dos utensílios e da matéria-prima. O número de
servar segredos. mestres, vale dizer, o número de oficinas, numa cidade, era
Mas havia "livros de receitas", o primeiro dos quais é do determinado pela corporação, que os vinculava ao estabeleci-
monge beneditino alemão Teófilo (ou Rogerius von Hel- mento de proporções com o total da população da cidade. O
mershausen) 2, que se supõe tenha vivido no décimo século ou mestre sofria restricões também em relacão ao tamanho de sua
na passagem do século XI para o XII. A obra intitula".a-se oficina, e ao número de oficiais e aprendizes, e, portanto em
Schedula Diversarum Artium e teve numerosos manuscntos. relação ao volume de sua produção.
Ela é anterior às primeiras corporações e Bertrand GilIe admi- Estas são, em linhas gerais, as características básicas da
te possa ter sido um receituário e registro pessoal de trabalho organização corporativa do trabalho artesanal e do processo
I. W. H. G. Armytage. A Social History 01 Engineering . London, Faber and de transmissão do conhecimento que lhe é peculiar.
Faber, 1961. p. 50. 3. Idem, ibidem. p. 515.
2. B. Gille. Op. cit., p. 517 e 1.571. 4. M. A. G. Muriiz. Op. cit., passim.

86 87
As corporações vêm sendo objeto de uma apreciação ro- forme o país, as palavras ministeria, guilda, hansa, confraria,
mantizada que salienta aspectos "humanos" do relacionamen- artes 7. Mas bastante significativo é o que a respeito escreve
to mestre-aprendiz ou do relacionamento operário-obra. O Adam Smith.
que se omite nesse tipo de saudosismo é o caráter explorador
das relações de trabalho e os privilégios em que se fundava a "Sete anos parece ter sido antigamente o termo estabelecido em
exploração. toda Europa para a duração dos aprendizados na maioria dos ofícios
incorporados. Todas essas incorporações eram antigamente chamadas
Mas é sobretudo importante, neste texto, a questão do
universid~des, que, _ com e~eito,. é o nome latino apropriado para
aprendizado, pois ela está na raiz da tese que propomos. E é qualquer mcorporaçao. A universidade dos ferreiros, a universidade dos
no século XVIII, na obra do fundador da Economia Política, alfaiates etc. São expressões que encontramos comumente nos velhos
que vamos encontrar críticas ao sistema de aprendizado. alvará_s de antigas .cidades. Quando aquelas incorporações particulares
Eis o que escreve, a respeito, Adam Smith: que sao agora particularmente chamadas universidades foram primeiro
estabelecidas, o número de anos que era preciso estudar para obter o
"Os aprendizados eram totalmente desconhecidos dos antigos. As grau de mestre em artes parece evidentemente ter sido copiado dos
obrigações recíprocas do mestre e do aprendiz prefazem um artigo con- per~odos ~e ap~endizado nos ofícios comuns, cujas incorporações eram
siderável de qualquer código moderno. A' lei romana é perfeitamente mutto mais antigas. Como ter trabalhado sete anos sob um mestre ade-
silenciosa em relação a eles. Não conheço termo latino ou grego (pode- quadamente qualificado era o necessário para permitir que qualquer
ria me aventurar, creio, a asseverar que não há) que expresse a idéia pessoa se tornasse mestre e ter aprendido um ofício comum, então
que agora anexamos à palavra aprendiz, um servo que deverá trabalhar ter estudado sete anos com um mestre devidamente qualificado era-
num ofício particular em benefício de um mestre, durante um período lhe necessário p.ar~ 9ue se tornasse u.m mestre, professor ou doutor (pa-
de anos, na condição de que o mestre lhe ensine aquele ofício. lavras outrora sinônimas) nas artes liberais, e ter alunos, ou aprendizes
Os longos aprendizados são totalmente desnecessários. As Artes, (palavras igualmente sinônimas, originalmente), para estudarem com
ele" 8.
que são muito superiores aos ofícios comuns, assim como as de fazer
relógios, não contêm tanto mistério de modo a requerer um longo curso
de instrução" 5. Isto nos coloca face a um aspecto pouco explorado da
questão: as relações entre as corporações e a universidade. De
Adam Smith não está sozinho na crítica ao sistema cor- um lado a universidade. medieval como corporação; um tipo
porativo. No ano em que publica sua obra mais célebre, 1776, especial de corporação, assunto examinado por J acques Le
Voltaire escrevia: Goff 9. Do outro lado, corpo rações e grêmios designados pela
palavra universidade.
"Todos esses sistemas de mestrado e de conjuras foram inventa-
dos apenas para tirar dinheiro dos pobres trabalhadores, para enriquecer
os tratantes e para esmagar a nação" 6. Não sei da existência de dúvidas entre os historiadores
acerca do papel essencial das corporações de ofício no ensino.
Há alguns dados sobre o vocabulário referente às cor- Mas, estariam por isso as universidades afastadas das coisas
porações que servem, no mínimo, de indício para a análise práticas? Os ofícios urbanos, cobriam eles toda a variedade
que pretendo fazer referente ao ensino. A palavra corporação de trabalhos práticos da sociedade medieval européia?
não foi usada na Idade Média, não aparece em textos anterio- A. C. Crombie, examinando essa questão, afirma:
res ao século XVIII. No século XII e XIII usavam-se, con-
7. Philippe Wolff. In: Historia General dei Traba]o.
5. A. Smith. A Riqueza das Nações. Trad. de Norberto de Paula Lima. São Paulo. 8. Adam Smith. 00. cit. p, 88.
Hemus, 1981. p. !lIC 9. Jacques Le Goff. Os lnt electuais na Idade Média. Trad. de Luísa Quintela.
6. In: Encvclopaedia Universalis. Lisboa, Ed. E. Cor, 1973. Passim.

R9
"Ainda que todos os tipos de ensino prático das artes mecânicas coisas designadas pela palavra inglesa mill ou pela palavra
fossem oferecidos somente nos grêmios de artesãos, os objetivos utili-
francesa moulin, teremos uma idéia do grande campo de tra-
taristas dos escritores medievais que trataram da educação se refletem
a miúdo e até em 'grau surpreendente nos cursos que se podiam receber balho desse "artesão medieval". Moulin à eau em francês não
na universidade" 10. ' designa apenas os moinhos d'água, que moem cereais: tam-
bém denomina as máquinas que insuflam ar nas forjas dos fer-
E os ofícios urbanos certamente não cobriam toda a téc- reiros, que pisoam tecidos crus e toda uma família de máqui-
nica, pois um grande número de inovações e invenções ocor- nas agrupadas pelo critério, hoje discutível, da força motriz
reram fora das áreas de privilégio dos grêmios. A agricultura, hidráulica, inclusive aquelas usadas na mineração.
para a qual teve grande importância o sistema das três planta- O construtor de moinhos ainda no século XVIII era:
ções alternadas e o arado pesado com rodas, estava fora do
controle corporativo. A adoção de novos sistemas de atrela- ..... um engenheiro itinerante e um mecânico de grande prestígio. Po-
gem de animais em fila e o uso da coelheira nos cavalos de dia manejar o machado, o martelo e a plaina com igual habilidade e
precisão, 'sabia tornear, furar ou forjar com a facilidade e o· desemba-
tração estão no mesmo caso 11. Os moinhos, romanos por in- raço de quem tinha sido educado para esses ofícios; podia traçar e abrir
venção, porém medievais pela difusão que só então tiveram, , sulcos nas mós com precisão igualou superior à do próprio moleiro" 14.
tinham situação particular, ligada ao sistema das banalida-
des 12; também não se submetiam às restrições corporativas. Mas a par das ferramentas, o construtor de moinhos ma-
E há indicações de que algumas formas de organização de em- nejava a aritmética e a geometria; conhecia a agrimensura,
presas capitalistas já se apresentavam no século XV. E o que sabia calcular as velocidades das máquinas e os mecanismos de
diz Charles Parain: redução necessários aos moinhos; podia desenhá-Ias em plan-
ta e em corte. Construía edifícios, dutos e barragens.
"No fim do século XV os moinhos de Tolouse estavam na posse
de sociedades que, formalmente, detinham direitos feudais, mas que já
E esse o profissional que desde o século XVI responde
tinham estrutura de sociedade por ações: divisão do capital social em por encargos tão diversificados 15 e que J. D. Bernal considera
parcelas transferíveis, participação dos sócios nos lucros ou nas perdas o verdadeiro antecessor do engenheiro moderno.
em proporção às suas parcelas, administração por delegados eleitos e Esse profissional não se pode concebê-lo como integrado
sociedades que gozavam de prerrogativas' de pessoas jurídicas dis- numa corporação tal como os carpinteiros, seleiros e outros
tintas" 13.
artesãos. A diversidade de suas tarefas, a sua condição de pro-
E é nos moinhos que vamos encontrar um artesão espe- fissional ambulante e sua individualidade dificilmente permi-
cial, conjugando os ofícios de carpinteiro, ferreiro, canteiro e tem enquadrá-Io num grêmio.
pedreiro. E um oficial itinerante que projeta, constrói, monta Serge Moscovici prefere colocá-Io, a lado dos arquitetos,
e faz trabalhos de reparação e de manutenção: o construtor de numa condição excepcional: a de mestre de engenhos, artesão
moinhos (millwright). Se considerarmos o grande número de superior, no século XII 16. Cita Domingos Gundisalvo, autor
daquela época que se refere à sciencia de ingeniis, c a seus
10. A. C. Crombie. Historia de Ia Ciencia: de San Agustin a Galileo. Madrid,
Alianza Ed. 1974. 1.0 vol., p. 166. 14. William Fairbairn. Treatise 01/ Mill and Mil/ - Work. London, 1861. CL
11. Lynn White Jr.,Technology and l nventions in the Middle Ages. ln: Speculum, Friedrich Klemm. Historv o] WeJll'1'1l Tech nologv. Cambridge (Mas), The M. I.
n.? 2, 1940. T. Press, 1971L p. 239.
12. Marc Bloch. Advento e Conquistas do Moinho d'Água. ln: GAMA, Ruy. 15. Maurice Daumas. Hist oire Généra!e des Techniqucs. Paris. P. U. F., 196H.
História da Técnica e da Tecnologia. v, 3, p. XX,
13. Charles Parain. Relações de produção e desenvolvimento das forças produti- 16. S. Moscovici. E.I.Hli sur lHistoire Humuinc d« Ia Nut ure . Paris. Flammarion.
vas, In: GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia. 1977. p. 214.

90 91
praticantes, denominados ingeniator, architector ou geome- de corpo de engenheiros militares que se encarregava da cons-
tricus e carpentarius. A figura típica é Villard de Honnecourt. trução de pontes, templos e fortificações. Eles introduziram
Nascido na Picardia no século XIII, sua vida profissional na França uma geometria usada no corte das pedras (le trait) ,
desenvolveu-se entre 1225 e 1250 em várias cidades da Fran- a estereotomia que fundamenta a técnica de construção das
ça e na Hungria, tendo deixado anotações escritas e desenhos igrejas góticas. A par disso a preocupação com o comporta-
que são conhecidos hoje como os seus "cadernos". mento moral exemplar (onde talvez se possa identificar uma
herança do estoicismo de Vitrúvio) constitui o dever do
"O arquiteto, o mestre de engenhos e o engenheiro militar sem- Companheiro. A forma artesanal do trabalho, associada ao sis-
pre escaparam, por vocação, dos regulamentos e da rotina, da fixação
geográfica e do isolamento intelectual. Fato constante, a construção de tema de aprendizagem, desenvolve-se ao mesmo tempo nas
cidades, de catedrais, de castelos, era confiada a artesão que, por sua corporações e no movimento dos Companheiros.
mobilidade e pela complexidade de suas tarefas, demoraram muito a se A propósito da origem da palavra compagnon (com-
integrarem nas confrarias e no sistema corporativo. panheiro) A. Léon cita R. Vergez, para quem a palavra, anti-
gamente grafada como compasnion, seria derivada de com-
As minas constituíram também um domínio que escapava, em pas (compasso), instrumento sem dúvida importante para os
certa medida, ao poder das corporações - talvez por estarem fora dos detentores dos segredos da geometria aplicada à estereotomia.
muros das cidades e porque a introdução do uso de bombas, seu aper- O compasso serviria não apenas para traçar arcos de círculo
feiçoamento e o domínio das águas provocaram a busca de novas so- como também para medir e transportar medidas, como é o
luções - busca lenta e vacilante mas ininterrupta" 17. caso dos compassos de quatro pontas (compassos com redução,
de escala), usados pelos tanoeiros como instrumento para de-
Moscovici acrescenta o engenheiro militar a esse elenco
terminar a largura das aduelas na tampa e no fundo do barril,
de profissionais, artistas medievais, que se mantinham de cer-
ta forma acima das corporações, e acrescenta, citando A. onde são mais estreitas, e no ventre do barril, onde são mais
largas 18. O globo terrestre construído por Martim Behaim em
Blunt:
1492 foi inicialmente desenhado num plano, como aduelas de
"As discussões relativas às artes liberais constituem portanto o barril que se tocavam apenas no equador; encurvadas as adue-
aspecto teórico da luta dos artistas para' obterem melhor posição so- Ias até se tocarem ao longo dos meridianos, formavam uma
cial. O aspecto prático dessa luta era a luta contra a velha forma de
organização em corporações, que os artistas sentiam ser um entrave". esfera 19, assim como os gomos formam uma laranja.
Os segredos da geometria do Companheiro, assim como
Nesse particular vale a pena lembrar as "sociedades dos os do alfabeto do carpinteiro eram ciosamente guardados.
companheiros" (compagnons), sociedades secretas, indepen- Sabe-se que os Companheiros tinham o costume de nada escrever
dentes das corporações, tendo ritos próprios de iniciação e sobre o que se relaciona aos deveres, seja qual for o rito. Tudo era
cerimônias particulares, algumas das quais são conservadas transmitido por via oral, tudo devia ser decorado, mesmo nos teoremas
até hoje em certas cidades do "Tour de France". de geometria, mas para facilitar o trabalho da memória as demonstra-
ções são registradas em forma de canção com termos velados" 20.
De maneira genérica, os historiadores consideram que o
"movimento dos companheiros" (compagnonnique) constituiu- 18. V. fotografia em: D. Furia e P. Ch. Serre. Techniques et Societés. Paris,
Armand Colin, 1970. p. 79, foto 3..
se ao tempo das cruzadas. Os pedreiros, canteiros e carpintei- 19. História da Cartografia. Georama. Diversos autores. Rio de Janeiro, Codex,
ros que acompanhavam os cruzados constituíam uma espécie 1967. p. 138-139.
20. Maurice Vieux. Os Segredos dos Construtores. Rio de Janeiro, DI FEL, 1977.
p.66.
17. S, Moscovici. Op. cit., p. 2JlL

92 93
É interessanteconstatar que mesmo após a extinção legal "Do ponto de vista da verdadeira técnica, Borromini é um técni-
co. Bernini não é" 21.
das corporações, na França, pela lei Le Chapelier, os Compa-
nheiros se mantêm na única organização de trabalhadores que
O confronto de Borromini, um mestre construtor um
se desenvolve até a Restauração e que só entra em decadência
"arquiteto empírico", com Bernini, um "teórico", parece 'indi-
na segunda metade do século XIX.
car uma confrontação mais generalizada entre "teóricos e prá-
Análoga à tradição dos Companheiros franceses, parece
ticos" e a própria emergência do empirismo na Itália com Ber-
ser a dos Maestri Comacini - Os Mestres de Como -
nardino Telesio (1508-1588). Algumas décadas mais tarde, no
construtores lombardos oriundos da antiga diocese de Como
começo do século XVII, Galileu, formulando suas hipóteses
(donde o nome Comacini), cuja "escola" se difundiu por toda
sobre "as forças e a resistência das madeiras", questionava as
a Itália e que apareceu por volta do ano 1000.
teorias de Alberti e de Palladio.
Esses mestres exerceram intensa atividade em Roma
desde meados do século XVI até o século XVIII. Muitos dos " ... ainda que essa teoria (de Galileu) não se referisse à estética da
grandes arquitetos de Roma, ao tempo do Estado Pontifício, arquitetura, como o faziam as de Alberti e Palladio, sua obra repre-
eram Comacini: Carlo Maderno, Martino Longha, os Fon- sentou uma' crítica indireta àquelas teorias" 22.
tana e Francesco Borromini. Fora da Itália vários se destaca-
ram: Leone Leoni e Pellegrino Tibaldi trabalharam no Esco- A "teoria das proporções", de inspiração platônica, de-
rial de Madri; os Solari no Cremlin de Moscou; os Quaren- veria confrontar a sua geometria com a geometria prática dos
ghi em São Petersburgo e os Fossati em Constantinopla, na construtores, na qual os pesos e as resistências - a matéria
consolidação da catedral de Santa Sofia. - tinham presença ineludível. Era preciso vencer o peso.
Argan vê nas obras de Borromini a marca de um domí- A geometria prática do canteiro, o homem que faz obra
nio seguro da técnica construtiva, até nos menores detalhes de cantaria e que tira da pedra algo que nela já existia mas
decorativos. que só ele antevê, parece ter dado origem à geometria des-
critiva. É o que afirma F. B. Artz quando se refere à obra de
" ... Borromini defende a 'práxis' contra a 'teoria' do maneirismo tar- A. Bosse denominada La pratique du trait à preuves du M.
dio da arquitetura romana". ' Desargues, Lyonnais, pour Ia coupe de pierre en architecture .
Artz lembra que Desargues foi o matemático cuja obra esta-
beleceu as bases para a geometria descritiva, mais de um sé-
" ... Borromini defende uma 'práxis arquitetônica' contra o último gran- culo depois desenvolvida por Gaspard Monge 23. Bertrand
de desdobramento da 'teoria arquitetônica', da arquitetura fundada em
Gille também se refere ao arquiteto e matemático Gérard De-
sistemas de valores predeterminados, personificada por Lourenco
Bernini". . sargues (1591-1661) como "criador da ciência do corte das
pedras" 24. Este é um aspecto essencial na história da geome-
tria: não se trata de pôr em dúvida o papel de Monge, mas
" ... podemos dizer que para Borromini desenhar os planos do edifício
não representa uma atividade preliminar separada do problema exe- 21. Giulio Carlo Ar gan. EI COl/c('"IO del Esoacio A rquitct onico desde cl Barroco
cutivo. Ao. contrário, ela é absolutamente contemporânea deste último a Nuestros Dias. Buenos Aires, Nueva Visión. p. 102 et seqs.
22. Arnold Pacey. EI Laberint o de! l ngcnio, Barcelona, Gustavo Gili, 1980.
problema; o desenho de Borromini é já uma fase executiva, ainda que
p. IOS.
não tenha começado a construção da obra". 23. Frederick H. Artz. Tlic Dcvclap ment 01 Tcchnical Education in France -
/500-/850. Curnbridge. M. 1. T. Press, 1966. p. 22.
24. B. Gille. Histoirc d cs Tcch niqucs. p. 660.

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não deixa de ter interesse para a história da arquitetura e para Pondo em ordem cronológica a bibliografia e os autores
a história da técnica a passagem da geometria prática do cor- que se preocuparam com as técnicas do corte da pedra e da
te das pedras - a estereotomia - para a geometria descriti- madeira, chegaríamos à seguinte seqüência:
va. René Taton refere-se a Desargues, de quem o gravador No século XVI, Philibert de L'Orrne grande arquiteto
Bosse, já citado, e Blaise Pascal foram discípulos;' francês do seu tempo, cuja obra mais conhecida, ainda exis-
tente, é o Castelo de Chenonceaux, publicou tratado em que
, . "Apaixonado (Desargues) pela matemática aplicada à arquitetura, dá importância muito grande aos aspectos práticos do fazer
a .pmtu~a, aos quadrantes solares, além disso muito versado na geome-
arquitetônico. Educado na tradição dos mestres pedreiros me-
t;,a antiga, concebeu uma nova técnica geométrica, a geometria proje-
tlva"25. dievais, toma a ciência como instrumento técnico e introduz,
pela primeira vez em uma obra escrita, uma ampla coleção de
Uma pesquisa mais aprofundada em torno da obra de projeções estereotômicas como recurso para a solução dos pro-
Desargues talvez mostre ligações mais estreitas entre a geome- blemas do corte da pedra na construção de arcos, abóbadas e
tria projetiva por ele criada e a anamorfose usada pelos pin- escadas 28.
tores maneiristas. Gustav R. Hocke cita-o entre os "defenso- Em 1642 Mathurin [ousse publicou um livro de geome-
res sagazes da anamorfose" e reproduz desenho cuja autoria tria com o título O Segredo da Arquitetura, Descobrindo Fiel-
atribui a Desargues e a seu discípulo, o gravador Abrão Bosse, mente os Traçados Geométricos ... obra simples, cuja inten-
que já mencionei 26. Não há dúvida de que, não só a perspecti- ção era a de oferecer um instrumento técnico ao carpinteiro e
va rasante como também as imagens refletidas em espelhos ao canteiro. Seu título já caracteriza uma revelação transcen-
curvos, tão ao gosto dos pintores, colocavam interessantes pro- dental: a geometria como segredo essencial da arquitetura 29.
blemas de representação, semelhantes aos que Geraldo Kramer Um ano depois foi publicado um livro sobre a arquite-
(Men::ator) resolvia com suas projeções. tura das abóbadas, de autoria do jesuíta francês François
E, na mesma obra de René Taton, já citada, encontramos: Derand.
Surge em seguida a obra de Desargues, cuja intenção fun-
"O surto da geometria descritiva - .Este último ramo da geome-
damental é a de estabelecer uma ciência geométrica geral ca-
tria não é uma efetiva criação de Monge, De fato, encontramos exem-
plos do emprego deste método das duplas projeções no Underweysung paz de servir de apoio à operação das diversas técnicas, a sa-
de Dürer (1525) e nos tratados de Frézier (3 vols. 1737-1739; 2vols. ber: a perspectiva, o corte de peças de pedra ou de madeira.
1760). Mas nenhum autor, anterior a Monge, soube precisar os prin-
",A estereotomia, no entanto, nunca pôde se constituir em instru-
cípios dessa técnica, desenvolver os métodos e indicar todas as fecun-
mente de trabalho durante o século. As soluções para cada um dos
das aplicações, tanto no terreno das técnicas como no da geometria problemas estudados por Philibert de L'Orme, por exemplo, são tão es-
pura e no da própria geometria infinitesimal" 27. pecíficas que resulta impossível entendê-Ias no nível puramente con-
ceitual. A dimensão fundamental é 'ainda a experiência do artesão; sem
ela, a teoria é totalmente inútil e, ainda mesmo com ela, praticamente
supérflua no que se refere a seu valor como técnica" 30.
25. René Taton. História Geral das Ciências. São Paulo, Difusão Européia do
Livro, 1960. Tomo 11, 2.0 vol., p. 40. 28. L. Benevolo. Historia de Ia Arquitectura Moderna. Barcelona, Edit. Gustavo
26. G. R. Hocke. Maneirismo, o mundo com labirinto. São Paulo, Perspecti- Gili. 2.a edição, s.d., p. 4 \.
va, 1974, p. 202 el seqs., e Carl B. Boyer. História da Matemática. Trad. Elza 29. Alberto Pérez Górnez. La Génesis y Superacion dei Funcionalismo rn Ar qui-
Gomide. São Paulo, E. Blucher/EDUSP, 1974. p. 262. tectura. México, Editorial Limusa S.A., 1980. p. 330 et seqs.
27. René Taton. Op. cit., Tomo 11. 3.0 vol., p. 40. 30. A. Pérez Górnez. Op. cit., p. 329.

96 97
Desargues estava convencido de que ninguém, antes de- ças de pedra ou de madeira seria a etapa consecutiva, segui-
le, havia reduzido a arte do corte da cantaria a um conjunto da da etapa de assentamento das pedras ou de montagem das
de princípios metódicos e universais. Refere-se aos outros tra- estruturas de madeira. Dividido dessa maneira, o trabalho po-
tados como receituário para problemas particulares com os de ser desenvolvido por vários profissionais ao mesmo tempo,
quais se defrontaram os artesãos na época. e não precisa ser totalmente executado pelo mesmo artesão.
Um arco, por exemplo, cortadas na pedra suas aduelas, pode
..... Desargues lembra ao leitor que no passado cada projeção e cada
ser "montado" por um ou por vários pedreiros, não sendo,
traço utilizado eram segredos que se deveriam aprender de memória. Na
sua obra, ao contrário, um método único e simples resolve todos os nenhum deles, necessariamente, um dos que talhou a peça de
problemas" 31. pedra. Criam-se dessa maneira condições para a reunião de
um grande número de artesãos no mesmo canteiro, produzindo
Com isso, Desargues reduz precocemente a theoria a com maior rapidez obras que individualmente executadas gas-
uma ars [abricandi que não está preocupada com o porquê tariam tempo muito maior. A geometria forneceu os elemen-
mas sim com a técnica. As descobertas desse engenheiro, ar- tos para a organização do trabalho em moldes que se asseme-
quiteto e, provavelmente, o mais brilhante geômetra do século lhavam ao das manufaturas em geral.
XVII, foram porém ignoradas pelo Iluminismo. O uso da pedra como material na construção de grandes
A estereotomia volta a ser abordada no começo do sé- pontes, viadutos e outras obras persiste até o século XIX, em-
culo XVIII na obra de Amêdée François Frezier intitulada A bora o uso do ferro tivesse surgido no século XVIII, com a
teoria e a prática do corte da pedra e da madeira para a cons- construcão em 1779 da célebre ponte de ferro fundido em
trução de abóbadas e outras partes dos edifícios civis e milita- Coalbr~okdale. A ponte é, apesar do uso inovador do ferro,
res, ou tratado de estereotomia aplicada à arquitetura, publi- também, de certo modo, uma aplicação da estereotomia, pois
cada em 1737/38. Nos últimos anos do século anterior o ma- compõe-se de peças de ferro fundido montadas e justapostas
temático e arquiteto De Ia Hire, bem como Bullet, haviam na estrutura da ponte, tal como as aduelas de um arco de
apresentado soluções para alguns problemas particulares. pedra.
Todavia, a obra mais significativa no século XVIII fran- Nessas novas c dicões de divisão do trabalho amplia-se
cês é a de Bernard Forest de Bélidor, publicada em 1729. o campo onde se desenv'olvem aquelas atividades que prece-
Mas, que importância tem a estereotomia na tese que dem a construção propriamente dita e que a orientam. O pro-
pretendo demonstrar sobre as origens da tecnologia? Em pri- jeto assume importância cada vez maior e se arma de nov~s
meiro lugar, é evidente, por explícita nos textos citados, a instrumentos de determinação precisa dos esforços e das di-
preocupação com os segredos artesanais. A partir daí parece- mensõ~s das estruturas. E é como conseqüência da obra de
-me legítimo admitir que a adoção de uma técnica apoiada na Desargues que um de seus discípulos, o matemátic~ ~hilippe
objetividade da matemática era essencial para o estabeleci- De Ia Hire publica em 1695 o seu Tratado de Mecãnica. Re-
mento de novas formas de divisão do trabalho. Explicando conhece o autor, no prefácio do tratado, a primazia de Gali-
melhor: a adoção de desenhos (representação gráfica das pe- leu na matéria, mas discorda de algumas das suas conclusões.
ças a serem cortadas) permitiria a divisão do trabalho em vá-
rias etapas, sendo a própria solução geométrica dos problemas "O tratado de De Ia Hire ensina como determinar, por meio de
e sua representação gráfica a primeira delas. O c9rte das pe- um método geométrico, a carga que deve suportar cada aduela de um
arco para atender às condições de equilíbrio estático, sem considerar o
31. Idem, ibidern, p. 333. atrito entre as superfícies das peças. O livro, que já incluía um capí-

98 99
tulo sobre resistência à ruptura de alguns materiais de construção, foi Essa reunião de uma técnica com uma disciplina cientí-
muito popular durante o século XVIII. fica que atinge um alto nível de generalidade e de sistemati-
zação, que desenvolve processos próprios de trabalho, tem
De Ia Hire apresentou sua hipótese, concisamente num trabalho grande importância para alguns setores franceses contempo-
que leu para os membros da Academia Real de Ciências em 1712" 32. râneos, que nela vêem exatamente a "transição" da técnica
para a tecnologia.
A ele se deve, portanto, e também a Varignon, as bases As corporações de ofício foram sendo extintas, legalmen-
da Grafostática, disciplina que se propõe a resolver grafica- te, a partir do século XVIII. As formulações políticas em tor-
mente problemas de estática. A este último autor citado se no do direito ao trabalho e da liberdade do trabalho vêm ao
deve a proposição de métodos para resolver problemas de es- encontro dos interesses da burguesia manufatureira para a
tática dos corpos sólidos, independentemente da coesão de caracterização de um mercado onde se negociasse a mercado-
suas fibras e de outras circunstâncias internas, por meio da ria trabalho. Era preciso, para tanto, romper os entraves man-
decomposição de vetores. tidos pela organização gremial.
A "teoria" de De Ia Hire foi discutida e rejeitada por vá- Na Inglaterra, as profissões incorporadas eram regidas
rios autores, mas o fato é que os mais significativos engenhei- pelo Statute 01 Artijicers desde 1563, cujos efeitos se faziam
ros e cientistas da primeira metade do século XVIII aceita- sentir em toda a nação e numa conjuntura em que
ram-na. Bélidor, Frézier, Parent e Couplet dela se serviram.
Somente na metade do século é que J ean Rodolphe Per-
ronet, fundador da Escola de Pontes e Estradas, introduz da-
dos quantitativos de origem experimental nos projetos estru-
turais, deslocando sensivelmente as teorias geométricas 33.
Leonardo Benevolo refere-se às contribuições dos enge-
nheiros J ean Rodolphe Perronet e G. Rondelet à estereotomia
no século XIX. Na obra mencionada encontramos inclusive
boas reproduções de lâminas do "Traité theorique et pratique
de L'Arte de Bâtir", de Rondelet, contendo representação geo-
métrica precisa do corte de pedras (1782). Trata-se já então
de aplicação dos processos que Monge vinha ensinando na es-
cola de engenharia de Méziêres. As grandes pontes sobre o
Sena são exemplos disso; mesmo quando começa o emprego
do ferro para a construção de pontes, o desenho técnico-me-
cânico se apóia na representação usada na estereotomia, co-
mo já disse.

32. A. Pérez Górnez. Op. cit., p. 352.


33. A Grafostática só foi estruturada como disciplina em 1865 pelo engenheiro
alemão Karl Culmann (1821-1881). Fig. I: CUlliclI.I de Diirer

100 101
..... , a política promovida pelos governos foi restritiva e orientada no entraves gremiais. Na Itália eles desaparecem na segunda me-
sentido de criar obstáculos ao rápido desenvolvimento das relações ca- tade do século XVIII, na Suíça em 1776. Na Noruega, na Ale-
pitalistas" 34.
manha, na Áustria, na Hungria e na Espanha eles subsistem
até o século XIX; Na Rússia, as corpo rações resistem até a
Na França as corporações tinham forte apoio no regime Revolução de 1917. Na França, como veremos num pró!imo
anterior à Revolução. Os reis, que no passado tinham sido se- capítulo, as corporações, assim como qualquer associaçao de
nhores feudais, eram hostis às sociedades de artesãos. Mas co- trabalhadores, foram extintas, por lei, em 1791.
mo estavam sempre precisando de dinheiro, encontravam nas
Ainda quanto ao papel das corpo rações na formação pro-
corporações uma fonte de recursos. Cobravam pela .expedição
fissional, não parece haver dúvidas quanto à ineficiência e à
de credenciais ou de confirmação aos mestres; vendiam cartas
incapacidade do sistema de aprendizado face às exigências da
de mestrado que davam direito a participar das corporações
manufatura. Além das críticas de Adam Smith, algumas delas
com todos os privilégios, sem que os compradores tivessem
já aqui transcritas, veja-se por exemplo o que escreve Serge
que se submeter aos exames exigidos.
Moscovici:
"Até o fim do Antigo Regime os reis procuraram tirar o máximo
de recursos das comunidades profissionais. Colbert, num edito de 1673. "No nível técnico, o sistema das corporações fez prova da sua in-
estabelece a incorporação de todos os ofícios que ainda eram indepen- capacidade de fazer germinarem. as habilidades coti?ian~s criad~s por
dentes" 35. seus membros. Ninguém deve trair o amor fraternal imaginando, Inven-
tando ou empregando qualquer coisa que seja nov~, pr?clama~ as con-
frarias de Torum. Isto significava não apenas pedir o impossível como
Nessa época, e até o século XVIII, o sistema corporativo, também sustentar o improvável. E por isso todas as ~~rporações es~or-
na Franca reunia menos da metade dos artesãos existentes. . çam-se em seguir linha semelhan!e diante de ,:ondlçoes qu~ haviam
M~s em 1704, segundo C. Hill, começa o desmoronamen- mudado. A penetração dos mecamsmos, dos moinhos, ~o mero artesa-
to da regulamentação sobre a aprendizagem, na Inglaterra, o nal, foi um fator de dissolução do poder das corporaç_oes. Numerosos
artesãos com títulos diferentes, trabalham na construçao ou na manu-
que veio a permitir a exploração do trabalho das criança~ 31>. tenção de motores e de instrumentos mecânicos sempre que eles apa-
Em 1753 foram abolidos os estatutos dos tecedores de meias, recem" 38.
por serem considerados:

"vexatórios para as manufaturas, pernlCIOSOS para a indústria,


contrários à razão e atentatórios à liberdade dos súditos ingleses" 37.
2. AS ÇORPORAÇÕES EM PORTUGAL E NO BRASIL
Ao final do século não havia mais corporações na Ingla-
terra (embora a abolição do privilégio das guildas inglesas
date de 1835). Na mesma época o desenvolvimento industrial Em 1384 foi criada em Lisboa a Câmara ou Casa dos
e a instalação de novas fábricas impôs o desaparecimento dos Vinte e Quatro. Segundo Pedro Calmon 39, foi o mestre de
Avis (mestre da Ordem Militar de Avis) quem.a :riou. Ess.a
Casa reunia-se no palácio dos Estaus e era constituída de. dois
34. Christopher Hill. De Ia Rcl orrna {/ Ia Rcvolucián l ndustrial, Barcelona. Edito-
rial Ariel, 1980. p. 105.
35. Antoine Léon. Histoire de l'Éducat ion Technique . Paris, P.U.F .. 1961. p. 11. 38. Serge Moscovici. Op, cit., p. 216.
3(,. C Hill. Op. cit., p. IlJX 39. Pedra Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro, José Olympio, 1959.
37. Idem, ibidem. VoI. lI, p. 644/46.

102 103
representantes para cada um dos seguintes misteres: caldeirei- ..... vemos também, e com um relevo proporcionado, a cidade de Lis-
ro, correeiro, alfaiate, barbeiro, ourives, pedreiro, sapateiro, boa e os seus mesteirais, que largam o trabalho para organizar 'uniões'
na rua, participar em comícios populares, pegar em armas quando é
tanoeiro, marceneiro, ferreiro. Completava-se o número com
preciso; vemos alfaiates, tanoeiros, camponeses erigidos em heróis e
mais um barbeiro e um alfaiate. falando em nome de grandes agrupamentos dotados de vontade pró-
Estes são os dados iniciais, mas as circunstâncias em que pria" 41.
foi criada a Casa dos Vinte e Quatro são particularíssimas.
Portugal estava em crise devido à morte do rei D. Fernando Esses fatos marcam - no meu entender, pois não parece
e às dúvidas quanto à sucessão. A burguesia das cidades, espe- existirem registros de fatos semelhantes e anteriores - a pre-
cialmente Lisboa, reagiu contra a regência da rainha viúva, sença poderosa da população urbana, a arraia-miúda lisboeta
Leonor Teles. Armou-se um golpe de Estado para o qual o e o papel dos profissionais de ofício. A idéia de uma aliança
povo foi solicitado a dar apoio. As conseqüências da partici- entre os artesãos urbanos e parte da nobreza permanece como
pação popular foram inesperadas para os conspiradores: tema literário até o século XIX. Seria exemplo disso O Ai/age-
me de Santarém, de Almeida Garrett, que conta a história do
"Sublevada contra a regente e contra os nobres, a população de condestável Nuno Alvarez Pereira, grande figura militar da
Lisboa depressa assumiu a direção dos acontecimentos. Revolucionaria- resistência à intervenção espanhola e o alfageme (espadeiro)
mente os mesteirais e o 'povo miúdo' proclamaram o mestre de Avis que lhe prepara uma espada "milagrosa". Os tanoeiros, alfaia-
regedor e defensor do reino, isto é, regente. Os cidadãos mais ricos e tes e alfagemes são personagens de primeiro plano nessa afir-
notáveis tentaram abster-se, mas os mesteirais obrigaram-nos a reunir-se mação da força das cidades na indeperidência de Portugal face
no dia seguinte na casa da Câmara e a aderir à causa popular. Fernão
Lopes narra esse episódio em termos muito expressivos: 'os burgueses à Espanha.
hesitavam, porque receavam arriscar as fortunas. Um tanoeiro, falando A Casa dos Vinte e Quatro de Lisboa teve, segundo Cel-
em nome da multidão que entretanto se reunira à volta da Câmara in- so Suckow da Fonseca, uma antecedente na Casa dos Vinte e
timou-os nestes termos: ele, tanoeiro, não tinha mais que arriscar do Quatro do Porto, criada por D. João I em 1357. Mas os epi-
que a garganta; os ricos cidadãos tinham mais a perder; mas se não sódios acima relatados dão marca característica à história des-
dessem o acordo à decisão do povo não salvariam os pescoços. O argu-
mento foi decisivo. O mestre organizou um conselho de governo com
sas instituições em Portugal. Não parece também que de iní-
legistas e mercadores, sendo então criada (Fernão Lopes não diz por cio os ofícios representados tivessem vínculos religiosos como
quem) a Casa dos Vinte e Quatro, conselho revolucionário constituído os que se expressam posteriormente nas bandeiras, que eram
por dois representantes de cada um dos doze mesteirais mais importan- os ofícios agrupados sob um mesmo estandarte de santo pa-
tes, que funcionava na Câmara da cidade e cuja aprovação era necessá- trono, conduzido nas procissões e festas religiosas.
ria para 'toda coisa que se houvesse de ordenar por bom regimento e
Em 1539 a Casa dos Vinte e Quatro foi reorganizada e
serviço do mestre.' A fase e os acontecimentos posteriores parecem in-
dicar que os mesteirais ficaram a governar a cidade" 40. o "Regimento de todos os ofícios mecânicos da mui nobre e
sempre leal cidade de Lisboa ... " foi codificado pelo Licencia-
Outro autor português, Antonio José Saraiva, refere-se a do Duarte Nunes de Leão, baseado, segundo o autor acima
citado, no livro de Etienne Boileau, e dado a público em
Fernão Lopes - o primeiro cronista português - e ao qua-
157242•
dro que ele descreve da Lisboa daqueles dias:
41. A. J. Saraiva. História da Literatura Portuguesa. Porto, Porto Edit, Ltda ..
1975. p. 127.
40. José Hermano Saraiva. História Concisa de Portugal. Lisboa, Publicações 42. Celso Suckow da Fonseca. História do Ensino Industrial no Brasil. Rio de
Europa-América, 1978. p. 107. Janeiro, Escola Técnica Nacional, 1961/62. 2 v. p. 39.

104 105
o fato mais antigo relativo à representação profissional Apesar disso as corporações persistiram legalmente no
em Câmaras, no Brasil, é aquele a que se refere Affonso Ruy: Brasil até a promulgação da primeira Constituição do Impé-
rio em 1824. Nela, o artigo 179, em seu parágrafo 25, dispu-
"Deste 1581, fazia parte da Mesa de Vereação o Mestre, repre- nha taxativamente:
sentante das 'classes proletárias', escolhido pelos oficiais mecânicos na
administração do Ouvidor Geral Cosme Rangel, ... , para cooperar na
criação dos regimentos dos ofícios, fixação de preços e salários e qua- Ficam abolidas as corpo rações de ofícios, seus juízes, escrivães e
lidade do trabalho das diversas ocupações" 43. mestres" 45.

Mas em 21 de marco de 1641, um assentamento da Câ- Em Portugal, decreto de 7 de maio de 1834, do duque de
mara de Salvador decide pela representação dos ofícios mecâ- Bragança, extingue os ofícios, bandeiras, Casa dos Vinte e
nicos naquela casa. Quatro, procuradores dos mestres e juízes do povo 46. A Casa
dos Vinte e Quatro havia durado os quatro séculos e meio
" ... misteres como era costume nas cidades e vilas notáveis de Portu- que se passaram desde a revolução de 1383.
gal, ... que o número de misteres fossem doze e que os doze eleges-
sem um juiz do povo e um escrivão para que, todos juntos, fizessem Na Espanha a questão das corporações é objeto de preo-
como nas cidades" 44. cupação dos homens da ilustración. Um deles é Pedro R. de
Campomanes (1723-1804) que, em 1776 - ano em que s~
Pedro Calmon chama a atenção para o papel desse juiz publica Uma Investigação Sobre a Natureza e Causas da Ri-
do povo em Salvador: um tribuno da plebe, enfrentando in- queza das Nações, de Adam Smith - apresenta sugestões pa-
clusive a má vontade da Câmara. Diz que essa "relíquia das ra uma reforma das Ordenações referentes aos Grêmios.
reivindicações democráticas de outrora" foi extinta em 1711 Apoiado no economista irlandês Bernard Ward (cuja
com a ascensão do Absolutismo, obra é citada também pelo baiano Rodrigues de Brito no co-
No Brasil o sistema corporativo não teve a importância meço do século XIX), o autor espanhol alinha quinze suges-
semelhante àquela que teve nos países europeus, apesar de tões que, se aceitas, implicariam no esvaziamento do sis~ema
que, ao se iniciar o processo de colonização o sistema ainda corporativo gremial. A criação por ele pr?posta, de S?c;z~da-
estava bastante ativo na Europa. Mas, estabelecido sobre as des de Amigos del País lembram as Sociedades Patriôticas,
premissas de trabalho livre e do surto de crescimento da eco- Sociedades Auxiliadoras e Sociedades para a Educação Popu-
nomia urbana que se verifica na Europa na baixa Idade Mé- lar fundadas em vários países, inclusive no Brasil no século
dia, o sistema não se adaptava às condições coloniais. A per- XIX.
sistência do trabalho escravo e o papel prevalente do domínio
Há 'vários temas abordados no Dircurso de Campomanes
rural na Colônia, onde apenas umas poucas cidades eram
que merecem atenção pelos pontos de contacto com este tex-
"consentidas", não favorecia o sistema corporativo de organi-
to. O que mais interessa, todavia, ne~te capítu~o, são.as suges-
zação do trabalho artesanal. A economia colonial voltava-se
para fora. tões para a reforma do sistema gremial que vao abaixo trans-
critas 47:
43. Cf. Maria Helena Flexor. Oficiais Mecânicos na Cidade do Salvador. Salva-
dor, P.M.S., Dept.? de Cultura, 1974. p. 9.
Sobre o assunto ver também Luiz Antônio Cunha. ASDcctO.\ Sociais de Aprendizu- 45. C. J. da Costa Pereira. Op. cít., p. 31.
ROl! de Ofícios Manut atureiros no Brasil Colônia. In: Forum Educacional. Rio 46. M. H. Flexor. Op. cit., p. 85. Nota 189.
de Janeiro, F.G.V., 2(4): 31-65; out./dez. 197R. 47. P. R. de Campomanes. Discurso sobre Ia Educacián Popular. .. Madrid, Edi-
44. Pedro Calmon. Idem. ibidem. tora Nacional, 1978. p. 29.

106 107
1 - Supressão de qualquer foro ou privilégio gremial. B interessante confrontar estas propostas de Camporna-
2 Validade de todas as ordenações em todo o território nes com o que escreve Marx, um século depois, em O Capital:
nacional, sem particularismos locais ou regionais.
"As leis das corporações da Idade Média impediam metodica-
3 Possibilidade de adaptação às novas técnicas, evitan- mente, conforme já observamos, a transformação de um mestre artesão
do a rotina e as normas fixas de elaboração artesanal. em capitalista, limitando severamente o número de Companheiros que
ele tinha o direito de empregar. Também só lhe era permitido empregar
4 Promoção do desenho e dos conhecimentos químicos Companheiros no ofício em que era mestre. A corpo ração se defendia
para os ofícios que deles necessitem. zelosamente contra qualquer intrusão no capital mercantil, a única for-
ma livre de capital com que se confrontava. O comerciante podia com-
5 Revisão e controle de todas as manufaturas, com de- prar todas as mercadorias, mas não o trabalho como mercadoria. Só
núncia obrigatória de fraudes. era tolerado como distribuidor dos produtos dos artesãos. Se circuns-
6 Ordenamento racional do tempo e dos métodos de tâncias extremas provocavam progressiva divisão do trabalho, as corpo-
rações existentes se subdividiam em subespécies ou se fundavam novas
aprendizagem.
corporações junto às antigas, sem que diferentes ofícios se reunissem
7 Liberdades para se estabelecer em qualquer parte do numa única oficina. A organização corporativa excluía portanto a divisão
país, com a licença municipal devida, sem intromis- manufatureira do trabalho, embora muito contribuísse para as condi-
são dos grêmios. ções de existência desta, especializando, separando e aperfeiçoando os
ofícios. Em geral, o trabalhador e seus meios de produção permaneciam
8 Proibição de gastos de exame ou de contribuições gre- indissoluvelmente unidos, como o caracol e sua concha, e assim faltava
miais para os candidatos ao mestrado. a base principal da manufatura, a separação do trabalhador de seus
. meios de produção e a conversão desses meios em capital.
9 Submissão de todos os pleitos à justiça ordinária, eli-
Enquanto a divisão social do trabalho, quer se processe ou não
minando a jurisdição privativa de cada grêmio. através da troca de mercadorias, é inerente às mais diversas formações
10 Liberdade ao mestre para receber quantos aprendizes econômicas da sociedade, a divisão do trabalho na manufatura é uma
ache conveniente, pelo menos um, e para formar com- criação específica do modo de produção capitalista" 48.
panhias com os comerciantes.
Veremos, ao longo deste texto, como se pretendeu subs-
11 Não estabelecer limitação ao número de oficinas nem tituir a transmissão do conhecimento profissional baseado no
ao de teares.
sistema da aprendizagem pelo ensino técnico escolarizado.
12 Não permitir nenhum desembolso dos agremiados des-
tinado a confrarias, autorizando porém a previdência
social mediante a criação de montepios leigos.
13 Liberdade aos artesãos para comprarem as matérias-
primas de que necessitem.
14 Atribuição às Sociedades Econômicas, vereadores e
deputados dos comuns, da função de zelar pelo cum-
primento e fomento das normas do trabalho.
15 - Admissão dos mesteriais nos empregos políticos e ad-
ministrativos do município, procurando a dignificação
social do trabalhador manual. 48. K. Marx. o Capital. Vol. I, Tomo 1, p. 411.

108 109
o ESPAÇO DO DESENHO E O DESENHO não obstante o caráter quase sempre apenas descritivo, tem
DO ESPAÇO grande interesse:
"A experiência e a perícia prática permitem ao artesão desenhar
enquanto constrói, com um mínimo de debuxos: freqüentemente traba-
lha sem nenhum esboço. Uma maneira de constatar em que momento
da história os métodos da tecnologia moderna evoluíram e deslocaram
os métodos do artesão, é estudar o grau em que os desenhos foram
utilizados em diferentes épocas. Em contraste com o artesão, o pra-
ticante de uma tecnologia completamente desenvolvida faz todas as
suas tarefas de projeto no papel. Pode fazer algumas experiências antes
de completar o projeto, e tal como o a.rtesão, otecnó.l?go. terá algum~
compreensão intuitiva de sua obra, derivada ~a expenen~Ia. ,~as habi-
tualmente há de querer racionalizá-Ia numa hnguagem científica e' ve-
rificá-Ia através do cálculo.
Não é demais insistir nos significados da palavra dese- O surgimento gradual dos métodos da tecnologia moderna pode
nho. A acepção usual que a reduziu, em português, quase que ser descrito em termos de três etapas principais. Primeiro apareceu o
à representação gráfica, aos atos de lançar no papel com desenvolvimento das técnicas básicas do desenho técnico. Depois se de-
senvolveu o uso de métodos científicos experimentais notavelmente
maiores ou menores recursos técnicos algo que já existe, e ilustrados nas décadas de 1750 a 1760 pelos métodos experimentais de
que portanto se quer representar,. ou então algo que ainda não Iohn Smeaton. Finalmente, nos séculos XIX e ~X h.ouv~. um apoio
existe e se quer projetar, passa, quase que com exclusividade. crescente nos métodos abstratos utilizando conceitos científicos, equa-
a denotar desenho. Mas, como mostra Artigas I, desenho se ções. matemáticas e, recentemente, como no 'proje~o d~ ~oto,~;s, usando
programas de computação para achar as dimensões ótimas .
filia ao étimo desígnio, que é desejo, vontade, tenção, e, à per-
da da consciência dessa raiz, em português, associa-se a pró-
A descricão acima introdutória e simplificadora, deve
pria perda da condição de decidir, de expor e realizar a von-
ser corrigida e' enriquecida com a análise que faz Arnold Hau-
tade. Isto reflete na própria língua, segundo Artigas, a condi-
ser das relações entre as artes e o trabalho artesanal e o velho
ção colonial que nos manteve afastados' das decisões e da ex-
sistema de aprendizagem cooperativa (~ bom lembrar_que ~
pressão da vontade.
palavra arte em italiano servia para des~gnar corporaç~o, daí
Em face desse significado oculto do conceito de desenho, resultando uma confusão quanto ao sentido de artes maiores e
assumem grande importância a superação histórica da organi-
artes menores, que designavam as corporações mais podero-
zação corporativa do trabalho, as novas relações de produção sas e as menos poderosas).
e as novas maneiras de transmissão do conhecimento técnico, São de A. Hauser as palavras que seguem:
que rompem a disciplina e os segredos corporativos. O dese-
nho conquista seu espaço e reelabora, redesenha o espaço. "A literatura medieval sobre a arte limitava-se aos livros de re-
Arnold Pacey apresenta, numa seqüência um tanto linear ceitas. Nenhuma linha demarcatória constante e inalterável de q.ualq~e.r
e simplificadora, expurgando a questão das relações de pro- espécie fica traçada entre as artes e os ofíci?s naquele~ manuais prat~-
dução, uma sucessão de etapas da história da tecnologia que, coso Até mesmo o Tratado de Cennino Cenini sobre a pintura era domi-
nado pelas idéias das corpo rações e bas::a.do nas concepções corporati-
vas de excelência no desempenho do OfiCIO; ele exortava os artistas a
I. J. B. Villanova Artigas. o Desenho. In: Caminhos da A rquitetura. São Paulo,
Liv. Edit. Ciências Humanas, 1981. 142 p. 2. A. Pacey. op. cit. p. 16 e 17.

110 111
serem industriosos, obedientes e perseverantes e via na 'imitação' dos freqüentemente podia ser identif!c~do ~om o técnic_oe com o ci~ntista,
paradigmas o caminho mais seguro para a maestria. poderia muito bem esperar ser distinguido do artesao.e te~ ~ ~e\O pelo
qual se expressa considerado como uma das artes liberais .

A emancipação da arte do espírito do puro artesanato deveria co-


meçar com a alteração do velho sistema de aprendizagem e com a abo-
lição do monopólio do ensino retido pelas corporações. Enquanto o di-
reito de trabalhar como artista profissional estava condicionado ao
aprendizado subordinado a um mestre de ofício, a influência da corpo-
ração e a supremacia da tradição artesanal não poderiam ser quebradas.
A educação da nova geração nas artes deveria ser transferida da
oficina para a escola, e a instrução prática teve que ceder, em parte, à
instrução teórica, a fim de remover os obstáculos que o velho sistema
colocava no caminho dos jovens talentos. Com certeza, o sistema novo
gradualmente criou novos vínculos e novos obstáculos. O processo co-
meça com a substituição da autoridade do mestre pelo ideal da nature-
za e acaba no corpo elaborado de doutrina representado pela instrução
acadêmica, na qual o lugar dos velhos modelos desacreditados é ocupa-
do por novos, ainda que rigorosamente limitados, mas a partir de en-
tão ideais cientificamente fundamentados. Coincidentemente, o método
científico de educação artística começa nas próprias oficinas. Desde o
início do quatrocentos os aprendizes eram familiarizados com os rudi-
mentos da geometria, da perspectiva e da anatomia, além das lições
referentes à prática, e iniciados no desenho do natural e no de bonecos. Fig. 2: Problema de estcreotomiu
Os mestres organizavam cursos nas suas oficinas e essa instituição deu
origem, de um lado, às academias privadas onde se combinava a ins- A observação e a experimentação alargam o espaço do
trução prática com a teoria c, de outro, às academias públicas nas quais
a velha comunidade dos oficiais e a tradição artesã foram abolidas e desenho, dos desejos e da vontade do homem, e ao, mesmo
substituídas pelo relacionamento puramente. intelectual entre professor tempo o desenho do espaço se resolve em novos meto~os e
e aluno. A instrução nas oficinas e as academias privadas se mantêm processos de representação, Desenha-se o céu para se desIgn~r
através de todo o século X VI mas perdem gradativamente sua influên- a terra. A cartografia é a terra vista do céu. As estrelas sao
cia na formação do estilo. espelhos através dos quais queremos ver a terra 4 e as carta,s
A concepção científica da arte, que forma a base da instrução de navegação, desenho dos pilotos, é o desígnio dos ,descobn-
acadêmica, começa com Leão Batista Alberti. Ele foi o primeiro a ex-
pressar a idéia de que a matemática é o terreno comum à arte e às dores. Desenhado o Céu une-se à Terra num só SIstema, e
ciências, pois a teoria das proporções e a perspectiva. são ambas disci- nela é plantado. À Cidade do Sol de Campanella é uma ci-
plinas matemáticas. Foi também o primeiro a evidenciar claramente a dade plana e se define no plano da eclítica., "
união dos técnicos experimentais com os artistas observadores, a que já Já vimos como o globo terrestre de Mart,lI~ Behall1~.e
tinham chegado Masaccio e Ucello. Ambos tentaram compreender o obra de tanoaria, embora invertendo o uso tradicional: o im-
mundo empiricamente e descobrir as leis naturais nessa experiência do
mundo; ambos pretendiam conhecer e controlar a natureza; ambos se 3. Arnold Hauser. Tire Social Historv of Ar/. London, Routledge & Kegan
distinguiam dos professores universitários, limitados e escolásticos, por Paul. 1952. 2 V., 1.0 vol. p. 320. . .
força de sua atividade criativa - a poiein. Mas se o técnico e o 4. Imagem lembrada por Júlio R. Katinsky no prefácio que. escreveu pa~~ o
cientista da natureza têm então a pretensão de serem considerados inte- artigo de Giorgio de Santillana. O Paoel das Artes 1/0 Renuscirne nto Cienúiico.
lectuais, apoiados nos seus conhecimentos matemáticos, o artista que São Paulo, FAUUSP, 1981.

113
112
portante passa a ser a superfície de fora e não o volume inter- portanto, se reduzirmos a tecnologia à técnica ou se a tomar-
no. Ele marca um ponto de encontro da técnica com a teoria, mos como invenção ou inovação poderíamos fazê-Ia recuar
que se dá no caso com a construção de aparelhos científicos. até a roda, até o arco e a flexa ou até a cestaria; e com re-
Não foi porém o primeiro encontro desse tipo. Poderíamos cuos sucessivos voltaríamos a Forbes, já citado no Capítulo I
lembrar, um entre vários, o exemplo do relógio de Antikythe- deste texto.
ra, que foi encontrado no início deste século nos restos de um Mas a tecnologia não é apenas o encontro da teoria com
barco naufragado em 80 a.C. no litoral grego. Derek J. de a prática, embora o exija. Ela está vinculada desde seu nasci-
Solla Price, que identificou o achado como um mecanismo de mento à alteração do modo de produção e às formas de aqui-
relojoaria, descreve-o como: sição e transmissão dos conhecimentos técnicos. O encontro
portanto da teoria com a techné no relógio de Antikythera
.•... um correspondente aritmético dos ... modelos geométricos do é um capítulo na história da técnica ou na história das inven-
sistema solar ... que deu origens aos mecanismos, que com esferas de ções, mas elas não se confundem com a história da tecnologia.
tamanhos diversos figuram os movimentos orbitais dos planetas, e dos O exemplo do moinho de cereais já citado é esclarecedor; não
planetários. O mecanismo é semelhante a um grande relógio astronô-
mico sem escapo, ou ainda a um moderno computador analógico que há como negar sua origem romana, dado indiscutível para a
usa dispositivos mecânicos para poupar operações tediosas" 5. cronologia das invenções. Mas é na Idade Média e na Europa
que ele se difunde e, como elemento marcante das forças pro-
Esses contatos da técnica com a teoria, no relógio grego, dutivas, participa do quadro do modo de produção feudal 8.
nas esferas armilares e no globo de Behaim estão exatamente Voltemos ao Renascimento. Hauser chama a atenção pa-
no campo da astronomia, terreno próprio da teoria pois, ra as fissuras que já se notam no sistema de aprendizagem.
Pacey centra sua linha de pesquisa no desenho e lembra que
" ... a teoria designava, na antigüidade, a contemplação do mundo e, se atribui a Brunelleschi a invenção do desenho de edifícios
em particular, do movimento dos astros; teoria ... se refere, desde o em escala, antes de 1420, o que não, se separa da "invenção"
Renascimento, a uma criação do espírito humano: nesse sentido, a astro-
nomia, que era uma simples descrição (uma teoria) tornou-se uma cons- da perspectiva e das proporções. Não se pode também, a meu
trução e um cálculo de relações matemáticas" 6. ver, separar a questão das proporções dos problemas práticos
colocados pelas técnicas. No caso das técnicas que dão supor-
Ora, o relógio de Antikythera é uma construção e um te à arquitetura, já fiz referência a Gerard Desargues, à geo-
cálculo de relações matemáticas, o que nos autorizaria a dizer metria descritiva de Monge e ao emprego de processos de
que desde então a astronomia deixara de ser teoria (contem- representação gráfica na arquitetura, na engenharia militar e
plação e descrição). na construção naval.
Mas colocadas as coisas nesses termos, por que não datar Mas, nem todas as técnicas se apóiam necessariamente
o nascimento da tecnologia no primeiro século a.C. ?Na ver- em representações gráficas.
dade este não é o único caso a suscitar essa dúvida. O moinho As "matemáticas práticas" desenvolvem-se notavelmente
hidráulico de cereais, sabe-se bem disso, já existia, com seu sob a solicitação das atividades mercantis na baixa Idade Mé-
automatismo peculiar, no mesmo século do relógio grego 7; dia. Exemplo disso é a adoção dos algarismos indo-arábicos
difundida em vários países europeus no século XIII por ma-
5. D. J. Solla Price. Cf. Carlo M. Cipolla e Derek Birdsall. The Teclinology of temáticos como Leonardo de Pisa (Fibbonacci) na Itália, e
Man. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1980. p. 64.
6. B. Gille. Op. cit., p. 400.
8. V. Charles Parain. Op. cit.
7. Didier Julia. Dictionnaire de Ia Philosophie. p. 300.

114 115
que só chegou a Portugal no século XV, às vésperas dos des-
cobrimentos. A contabilidade italiana (Doppia scrittura ou
método das partidas dobradas), difundida por Luca Pacioli
no século XV - que só se estabelece oficialmente em Portu-
gal no período pombalino, com a implantação da Aula do
Commercio em 17599 - e o uso das frações decimais, mar-
cam um período de florescimento das letras, das artes e da
ciência, que foi denominado Pequeno Renascimento.
As técnicas da mineração e da metalurgia, da química e
da agricultura, esta última beneficiada pela redescoberta dos
autores agrários romanos e pelo livro de Pedro de Crecenzi,
"docomeço do século XIV, desenvolviam-se sem contactos com
a representação gráfica. Mas os estudos de anatomia, de zoo-
logia e os herbários apoiaram-se proveitosamente no desenho.
A. C. Crombie vê nesses fatos provas de que as especula-
ções filosóficas não se afastavam do trabalho manual dos
artesãos. Por isso, diz ele, a Idade Média foi uma época de
inovação técnica, ainda que a maior parte dos progressos te-
nham sido realizados provavelmente por artesãos analfabetos. Fil1. J: Problemas de ('.I1l",.['O{()II/ÚI

Crombie não aceita que mesmo na Antiguidade tivesse


havido separação entre a teoria e a prática. Mas o que interes-
sa é, usando as excelentes fontes de Crombie 10, verificar a A experiência era, para os navegadores, o critério de ver-
hipótese de que, já nesse período do Pequeno Renascimento, dad~. Co~ el.a contestar~~ os antigos conhecimentos da geo-
a representação gráfica - o desenho em senso estrito - co- grafia. Nao era a expenencia organizada e provoca da com
meça a conquistar espaço. Não apenas nas artes que dele se ~ases numa teoria e destinada a comprová-Ia ou negá-Ia que
servem operacionalmente, mas também naquelas em que com- e o 9~e se estabelece com Galileu; mas é a vivência e a visão
parece como documentação, registro ou descrição. Os sentidos dos aventurosos capitães", à qual não estava no entanto
- a visão, particularmente, e vale lembrar que a invenção al~eia a ciência: "Foi alma a Sciencia, e corpo ~ Ousadia d~
dos óculos data do século XIV - parece ganharem do espaço mao qu~ desvendou ... " escreve o matemático quinhentista
Pedro Nunes I'.
privilegiado e exclusivo da palavra (caminho direto à razão)
da lógica, da retórica e da gramática. - Entre 1433 ~ 1447, sob a direção do infante D. Henrique,
Os portugueses tiveram papel importante nessa conquis- os p_or~ugueses fizeram o levantamento sistemático da costa
ta. Fizeram, de certo modo, no mar, o que os artistas faziam da Afnca em 23 expedições sucessivas que mobilizaram 63
nas oficinas: romperam normas e inventaram. caravel,as, construídas e armadas em Lagos, no Algarve.
EIS o que escreve Milton Vargas abordando aspectos
9. Marcos Carneiro de Mendonça. Aula de Commercio. Rio de Janeiro, Xerox dessa história:
do Brasil S.A., 1982. Passirn.
10. A. C. Crombie. Historia de Ia Ciencia de San Agustin a Galileo. Madrid,
Alianza Editorial, 1974. p. 161. 11. Cf. R; Hooykaas. The Portuguese Discoveries and lhe Rise o] Modern S " .
p. 100, copia xerográfica. Bibl. FAUUSP. ctence,

116
-117
"Parece que para esse fim merodológico é que foi, em 1443, cons- Várias são, portanto, as frentes de contacto entre a técni-
truída a Vila do Infante, próxima do Cabo Sagrado. Mas nada se sabe ca e as ciências no período de expansão colonial. Desses con-
do que se passava no interior de Sagres. Não se deve, de maneira al-
guma, esperar que lá se tivesse instalado algo como uma academia naval. tactos resulta uma ampliação de conhecimentos e de pro-
Provavelmente haveria reuniões de astrólogos, astrônomos, cartógrafos cessos do jazer. Mas a tecnologia não surge daí, desse acres-
e capitães de navios, convocados pelo Infante. Uma biblioteca deveria centamento do saber, na terra ou no mar: ela vai se constituir
conter livros, entre os quais havia um manuscrito das Viagens de Marco a partir de alterações mais profundas não só no desenvolvi-
Polo que lhe trouxera seu irmão D. Pedro de Veneza. Também devia mento das forças produtivas mas também nas relações de pro-
lá estar cópia de [mago Mundi, de Petrus Alliaco, citado por Zurara.
E mapas e documentos náuticos não se sabe quantos ou quais" 12. dução.

A navegação no mar colocou novas exigências de ordem


técnica: os lemes de cadaste, novas formas e dimensões das
velas - com rebatimento imediato na produção de teci-
dos -, novas formas e dimensões dos cascos das embarca-
ções, isto no que se refere às coisas feitas. Há outros aspectos
técnicos do problema que não se relacionam diretamente com
o risco e com a produção de objetos materiais; implicavam
em intercâmbio com os navegadores, de conhecimentos astro-
nômicos e matemáticos. A trigonometria oferece aos pilotos
as "tábuas de marteloio" (ou de martelogio), que lhes permite
corrigir os desvios laterais do curso (obviamente não regis-
trados na bússola), através da resolução de triângulos.
Em compensação, a trigonometria ganha alento e se sepa-
ra da astronomia.

"A este propósito, Guy Beaujouan vê certo paralelismo entre a


história da marinharia e a de certas ciências teóricas, pois precisamente
no século XIV a trigonometria separou-se da astronomia para se cons-
tituir, em Oxford, em disciplina -independente, com Ricardo Wallington
(1326), João Manduitt e Simão Bredon " 13.

Outros aspectos da história das técnicas, que também se


relacionam com o novo desenho do espaço descoberto, dizem
respeito às técnicas do comércio, da organização de empresas
e das formas de associação capitalista, da contabilidade e até
dos seguros, apoiados no cálculo de probabilidade.

12_ Milton Vargas. A Ciência do Renascimcnto, In: Revista Ciência e Filosofia


n.? 2_ São Paulo. E_F.LC.H_. USP, 1980_ p. 70_
13. Pierre Chaunu. La Expansiôn Europeu. Barcelona, Edit. Labor. 1972. p. 220_

11 R 119
o ENSINO TÉCNICO PROFISSIONAL de Roma 3. De lá vêm as palavras colégio, escola, aula, mes-
tre, universidade, arte etc.
De maneira geral, os historiadores estão de acordo quan-
to à descontinuidade entre os Collegia romanos e as Corpo-
rações medievais, embora tenha existido algo semelhante aos
Collegia ainda no fim do Império Romano. Mas é difícil pen-
sar em outra forma de transmissão dos conhecimentos técni-
cos, das artes, que não fosse a do aprender fazendo nas pró-
prias oficinas dos artesãos. Assim sendo, mesmo que nume-
rosas profissões nunca se tenham integrado no sistema corpo-
rativo, aprender fazendo teria sido comum a todos os ofícios.
O sistema da aprendizagem corporativa seria a forma mais
..Não é simples coincidência o fato de que, logo após a dissolu- acabada, mais regulamentada e mais conhecida, hoje, pela do-
ção das corpo rações na França, em /791, tivessem sido fundados a
Escola Politécnica (J 795) e o Conservatório de A rtes e Ofícios (1798) cumentação que deixou. É por isso que para examinar, na his-
e fosse organizada a Primeira Exposição Nacional da Indústria (1798). tória da técnica, este aspecto particular da reposição da força
A substituição do artesanato pela indústria é obra do Terceiro Estado." de trabalho (que não pode, a meu ver, reduzir-se à força no
Nikolaus Pevsner.' sentido muscular ou no das calorias dispendidas) é preciso
ver como se reconstituía e transmitia o saber fazer. Não nos
o ensino técnico não tem merecido muita atenção por iludamos: não há ciência sem cientistas; não há arte sem os
parte dos historiadores. Antoine Léon, na obra aqui citada artistas e não há técnica sem técnicos, pois a única técnica é
várias vezes, denuncia o descrédito em que ele é lançado. Há a dos homens. Examinada a questão do ensino nos atos do
mesmo divergência quanto à denominação educação técnica: trabalho, na prática, que caracterizava o sistema da aprendi-
enquanto para Léon ela se refere ao ensino técnico profissio- zagem medieval, examinemos a questão do ensino técnico es-
nal, para autores como Theobaldo de Miranda Santos ela colarizado. Sob este aspecto é principalmente na França que
diz respeito às tendências técnica; na educação, que vamos encontrar os dados mais importantes, pelo menos da
área européia-ocidental, nela incluído o mundo colonizado pe-
" ... colocam em primeiro plano o problema técnico da educação. pro-
curando organizar psicologicamente a escola, a fim de que a mesma se
los países europeus.
possa ajustar aos impulsos da atividade interessada da criança" 2. Tomemos como ponto de partida o que escreve Frederick
B. Artz 4:
Mas o que interessa abordar, neste texto, são as relações
do ensino com o trabalho, bastante antigas, aliás, anteriores "Os franceses, nos três e meio séculos que vão de 1500 a 1850,
desenvolveram todas, ou quase todas as formas básicas da educação
mesmo ao sistema medieval da aprendizagem. Boa parte do técnica moderna. E ao longo do tempo, todos os países, até a Rússia,
vocabulário usado no campo do ensino origina-se dos Collegia através da Europa Oriental, e dos Estados Unidos até o Japão, todos
Opijicum romanos, criados, segundo Plutarco, por Numa, rei
3. Plutarco. The Lives of the Noble Grecians and Romans. Chicago, Encyc1o-
1. Nikolaus Pevsner. Pioneers oj Modern Desiun . Armondsworth (Englund l , paedia Britannica. Inc., 1952. p. 58.
Penguim Books, 1978. p. 44. 4. F. B. Artz. The Development of Technical Education in France : 1500-1850.
2. Theobaldo de Miranda Santos. Noções de História da Educação, São Paulo. Cambridge (Mas), The Society for the History o] Teclznology/M.I.T. Press, 1966.
C. E. Nacional, 1971. p. 3411. p, VII.

120 121
eles mo?el~ram suas escolas técnicas segundo as da França. Assim, na
transfe:encIa gradativa do treinamento técnico a partir do sistema do
pequenas oficinas e do trabalho em domicílio. Não é por isso
aprendizado, onde se aprendia uma profissão no próprio trabalho até no século XIX e nem mesmo no final do século XVIII que se
aquele em que se aprendia a maior parcela de uma profissão técnica devem procurar os pontos de mudança. É possível encontrá-Ios
numa escola, a França desempenhou o papel principal". no século XVI. E é talvez, como propõem F. B. Artz e Antoine
Léon, entre os pensadores que na visão utópica do futuro pro-
A importância dessa transferência de local, da oficina fetizam formas de convivência e de trabalho - nele incluído
para ~ escola, é também salientada por René Hubert, quando o aprender a fazer - livre da rigidez corporativa.
examina a questão do ensino técnico:
O primeiro desses pensadores foi Thomas More (1478-
. .. O ensino técnico - o ensino especial, o ensino primário supe-
1535), que criticava as relações sociais nascidas com o capita-
flor, correspondia a novas necessidades, de ordem técnica e profissional, lismo. Sua crítica à expulsão dos camponeses das terras de
que as grandes transformações econômicas do século XIX fizeram nas- cultivo transformadas em pastagens ficou célebre na frase: "Os
cer, particularmente o desenvolvimento da grande indústria e da admi- carneiros devoram os' homens".
nistração pública e particular. Os antigos centros corporativos, aludidos
em 1791, não haviam conseguido reconstituir-se. Por outro lado os More opõe, à ordem social apoiada na propriedade priva-
operários qualificados não podiam mais contentar-se com receber corno da, o regime ideal de um país imaginário, Utopia (quer dizer:
outrora, na oficina do mestre artesão ou na da família, as tradiçôes con- o que não tem lugar), onde a propriedade, a produção e a dis-
cernentes à prática dos ofícios" 5.
tribuição dos bens é coletivizada. Todos os cidadãos são iguais
e devem dedicar-se ao trabalho produtivo, com exceção dos
Se por um lado o trecho acima transcrito tem o mérito
sábios e dos administradores. E todos os cidadãos devem
de vincular o ensino profissional à extinção das corporações,
cumprir trabalhos agrícolas tanto quanto urbanos - o que é
por outro lado levaria a crer que as corpo rações se acabaram
num único e determinado dia e em conseqüência de uma lei significativo em termos da oposição cidade-campo.
aprovada pela Assembléia francesa. Na verdade, as coisas Mas More admite o trabalho escravo em sua Utopia e
parece não terem se passado assim; é preciso recuar mais na sua idéia de produção se limita à produção do artesão. As
história da França para descobrir as .origens do ensino técnico. preocupações relativas. à formação profissional são ditadas
A.o serem formalmente proibidas, as corporações já não reu- pelas concepções equalitárias de More: todos trabalham, to-
ruam, na França, nem a metade dos artesãos existentes e, con- dos devem ter dois ofícios, um rural e outro urbano 6. As
forme opiniões já aqui transcritas, elas já se haviam demons- crianças aprendem teoria nas escolas e prática nos campos,
trado tecnicamente inadequadas. para onde são conduzidas em passeios recreativos. Vêem os
Seria mais correto procurar as causas da decadência do adultos trabalhando e também trabalham. Iean Marie Auzias
processo do ensino nas oficinas - quer dizer no trabalho _ chama a atenção para esse aspecto interessante da reunião da
não em atos político-administrativos, como foi a lei Le Cha~ teoria à prática, da tentativa de superar a oposição cidade/
pelier, mas, sim na própria superação do modo de produção campo e a insuperável oposição entre trabalho manual e tra-
artesanal. E o capitalismo, com suas empresas de mineracão, balho intelectual.
com seus moinhos, com a manufatura disciplinadora, que aca-
ba ou pelo menos reduz a significação global do trabalho nas "Cabe notar que esta obrigação de trabalho que une a teoria à
prática agradaria a Rousseau. Mas a Utopia é um sonho pastoril retros-
5. René Hubert. Historia da Pcdugogi«: Trad. de L. D. Penna e 1. B. D. Penna.
São Paulo. C.E.N.lM.E.C.. l<)7fl. p. 95.
6. Antoine Léon. Op, cit., passim.

122
123
pectivo. o livro, de inegável importância, funciona como todas as uto-
" ... a construção de uma grande escola técnica, de um museu tecnoló-
pias. Descreve o que a realidade técnica e econômica da Inglaterra de gico e de laboratórios para a demonstração da maior parte. dos proces-
seu tempo oferece de positivo, de desejável" 7.
sos mecânicos em uso na indústria".

No século XIX, outro inglês, William Morris, conhecido Mas a influência de Bacon se configura mais claramente
por sua atividade artística e por suas idéias e militância socia- em alguns filósofos que a ele se filiam e que tratam especifi-
lista, retoma a idéia de utopia - lugar que não existe - na camente das questões da educação: Iohn Locke (1623-1704)
obra que tem como título News From Nowhere: notícias de e João Amós Comênio (1592-1671), de quem trataremos em
lugar nenhum. Mas nowhere também pode ser dividida em seguida.
no (agora) e here (aqui). É preciso antes, porém, abrir um parênteses para Descar-
Além da obra de More há outra em que o ensino das tes. A oposição em que tão freqüentemente é colocado em
artes e ofícios assume importância na cidade utópica. Refiro- relação a Bacon, não deve impedir que se reconheça, apesar
me à obra de Tomás CampanelIa (1568-1639), intitulada A das diferenças metodológicas, a preocupação do filósofo fran-
Cidade do Sol, título que Ernst Bloch vê como oposição ao da cês com o ensino técnico. A questão da transmissão dos conhe-
obra de Santo Agostinho A Cidade de Deus. cimentos técnicos, das artes e dos ofícios estava no ar; e nos
séculos XVI e XVII, quando as corporações estavam no apo-
No projeto de Campanella as muralhas da cidade seriam
geu, não poderia deixar de despertar o interesse dos filósofos
pintadas com afrescos didáticos, ensinando cosmologia e ciên-
que se opunham à escolástica e ao ensino baseado na retórica.
cia; haveria professores que se encarregariam de ensinar às
Descartes achava preferível que os estudantes falassem o pior
crianças o sentido dessas pinturas. Elas aprenderiam brincan- dos dialetos bretãos e não soubessem o latim, mas soubessem
do, sem cansaço, as diversas ciências, pelo método histórico. raciocinar corretamente.
Artz refere-se a um Projet d'une école des arts et métiers
"No interior do sexto círculo, encontram-se pintadas todas as
artes mecânicas e seus instrumentos, e como as usam as diversas na- apresentado por Descartes em 1648 a d'Albert, Tesoureiro
ções, cada uma ordenada e explicada segundo seu próprio valor e tra- Geral da França. E acrescenta que:
zendo também o nome do inventor respectivo" 8.
"Descartes convenceu-o a fundar excelentes estabelecimentos em
Paris para o aperfeiçoamento das artes ... no Colégio Real e em outros
A cidade, com sua planta em círculos concêntricos, é uma lugares, onde seriam abertos ao público salões amplos para artesãos,
criação raciona1. cósmica e heliocêntrica, projetada na pran- cada um deles destinado a um ofício. Para cada um haveria uma sala
cheta, em contraste com o caos das cidades medievais ", anexa dotada de todos os instrumentos mecânicos necessários ou úteis
para o ensino dos ofícios. Deveriam ser fornecidos fundos suficientes
A contribuição de Francis Bacon (15.61-1626) no que
não só para as experiências como também para sustentar professores
se refere à educação técnica é sempre lembrada. Na sua cida- . .. Esses professores deveriam ser conhecedores da matemática e da
de ideal, a Nova Atlântica (uma utopia técnica, na opinião de física, a fim de poderem responder a qualquer questão ...
Ernst Bloch), ele prevê: Eles não precisariam dar aulas públicas excepto nos domingos e
feriados. Esta foi uma das primeiras propostas bem definidas para aqui-
lo que um século e meio depois veio a ser o Conservatoire des Arts et
7. J. M. Auzias. La Filosofia y Ias Tecnicas, Barcelona, Oikos-tau S.A. Ediciones, Métiers e a primeira escola de artes e ofícios na França" tO.
1968. p. 44.
8. T. Carnoanella. A Cidade do Sol. Rio de Janeiro. Athena, s.d. p. 13 et seqs. 10. F. B. Artz. Op. cit., p. 11. Ver também Pierre Maxime Schuhl. Maquinismo
9. Ernst Bloch. La Philosopliie de Ia Renaissance, Paris, Payot, s.d. p. 59. Y Filosofia. Buenos Aires, Galatea, Nueva Visión, 1955. p. 44.

124
125
Fechado o parênteses, retomemos a linha baconiana, que Criticando o ensino verbalizado escreve, em outra obra:
nos leva ao principal educador do século XVII: o tcheco João
..As palavras são o sinal das coisas: se ignoramos as coisas, que
Amós Comênio. Protestante, vinculado à comunidade dos
significam as palavras?" 12.
irmãos morávios, teve que abandonar seu país em 1620 e
a partir de então viajou por vários países da Europa. Comê- Apesar de sua visão utilitária da educação, Comênio só
nio acreditava na construção de uma sociedade humana mais dedica vinte páginas de sua Didática Magna ao ensino das
justa e na força da educação para esse fim. Para ele a educa-
artes, o capítulo XXI, que se encerra com a afirmação de que
ção deve ser motivada pela experiência e pela intuição. É
"só a prática faz os artistas", o que lembra a frase de Aristó-
considerado pioneiro da moderna pedagogia.
teles: "É construindo que os homens se tornam construtores"
J. L. Vives, Campanella e Bacon figuravam entre suas
(Ética a Nicômaco).
leituras. Considerava a Instauratio Magna, de Bacon, a "auro-
Iohn Locke (1632-1704), discípulo de Bacon, considera-
ra brilhante de uma era nova". Sua Didática Magna data de
1630. Nela propõe que se faça a criança seguir, a partir da do fundador do empirismo sensualista, também atribui à edu-
assimilação de noções conhecidas, o mesmo caminho adotado cação uma função utilitária e vinculada a exercícios práticos.
pelos cientistas para a descoberta de verdades desconhecidas. Mas sua preocupação fundamental é com a educação dos "ca-
A idéia de uma progressão do simples ao complexo, do con- valheiros". Para os pobres, propõe escolas de trabalho -
creto para o abstrato deve, para ele, estar presente nos pro- "W ork-house schools" - destinadas a combater a "preguiça"
gramas de ensino e nos métodos pedagógicos. Comênio se e a "vagabundagem" e a formar, nas crianças de 3 a 14 anos,
coloca assim como um dos pioneiros do empirismo sensualis- hábitos de ordem, de disciplina e de sobriedade 13.
ta. Recomenda começar, nas escolas primárias, pelas coisas O sensualismo de Locke coloca-o entre os doutrinado-
sensíveis, antes de qualquer exercício abstrato. res da "educação realista".
O ensino na Alemanha ocupa um lugar de destaque nesta
"O conhecimento deve necessariamente principiar pelos sentidos história, particularmente no que se refere à linha principal
(uma vez que nada se encontra na inteligência que primeiro não tenha
passado pelos sentidos). Porque é que então o ensino há de principiar desta pesquisa, que é a passagem da transmissão do saber ime-
por uma exposição verbal das coisas, e não por uma observação real diatamente ligado à prática de uma arte ou um ofício, para a
dessas mesmas coisas? Somente depois de esta observação das coisas escolarização desse processo de reconstituição da força de tra-
ter sido feita, virá a palavra, para a explicar melhor" 11. balho. O ensino, na tradição humanista literária, mesmo no
Renascimento, permanecia verbal e filológico. Bacon, como
Quanto aos exercícios práticos cita (na mesma obra, p. já se viu, foi o primeiro a reagir contra essa postura, aconse-
320) especificamente o aprendizado dos ofícios: lhando o estudo da natureza, mesmo quando modificada pela
"Aprenda-se a fazer fazendo. mão do homem, ao invés dos livros 14.
Os mecânicos não detêm os aprendizes das suas artes com espe- Mas a universidade (um tipo especial de corporação)
culações teóricas: mas p~em-nos imediatamente a trabalhar, para que permanecia, em geral, alheia ao novo pensamento sobre as
aprendam a fabricar fabricando, a esculpir esculpindo, a pintar pintan-
do, a dançar dançando etc." 12. Cornênio. Janua Linguarum . Cf. Theobaldo de M. Santos. Op. cit., p. 242.
13. A. Léon. Op. cit., p. 31.
14. Buisson, Ferdinand. Nouveau Dictionnaire de Pédagogie et d'l nstruction
11. J.A. Cornênio. Didática Magna. 2.a ed. Lisboa, Fund. C. Gulbenkian, 1976.
p. 307. Primaire.

127
l26
, • 15
tecrucas . Nem Descartes, Hobbes, Locke ou Leibniz, dentre Pode-se dizer que Comênio está presente nessas iniciati-
os filósofos, nem Harvey e Boyle entre os cientistas, e nem vas, no que se refere aos objetivos e métodos e até pela pre-
Bacon, tiveram contato íntimo com as universidades. Galileu senca de um de seus descendentes, Daniel E. J ablonsky (1706-
parece ter sido a única exceção. As escolas secundárias e algu- 1760). Partícipe da fundação da Academia de Ciências de
mas instituições independentes das corporações - e só bem Berlim, e autor de um Dicionário Geral das Artes e das Ciên-
mais tarde a universidade - é que deram acolhida às novas cias, era bisneto de Comênio.
idéias sobre o ensino que fundamentaram as escolas realistas Nas obras e iniciativas educacionais desse período, na
alemãs (Realschulen), propostas por C. Sem ler em 1705. Alemanha, nota-se a presença de três componentes importan-
Augusto Herman Francke (1663-1727) é o nome mais tes: o interesse do Estado, as idéias religiosas sobre educação
citado quando se trata de educacão técnica no século XVIII difundidas pelos pietistas, e algumas iniciativas da sociedade
na Alemanha, ao lado de Vei t L. von Seckendorff, J. J. Becher civil, como foram as Sociedades Patrióticas e outras do gêne-
. e do próprio Leibniz. ro. Seria interessante lembrar a fundação, em Hamburgo, da
Francke opunha-se à doação de esmolas aos pobres e pro- Sociedade de Promoção das Manufaturas, Artes e Indústrias
punha iniciativas que pudessem despertar neles suas próprias Oteis (1765).
forças no sentido do trabalho. Esses fatos repercutiram no Brasil de diversas maneiras
e pelo menos desde o início do século XIX. Vejamos o que
"Ao lado do orfanato, que logo se tornou famoso, e onde as escreve, por exemplo - talvez um dos poucos exemplos - o
crianças - retiradas de um ambiente pouco proveitoso - deviam ser Desembargador Rodrigues de Brito, num relato sobre a situa-
educadas desde a juventude de maneira orientada segundo uma ética
ção econômica da Bahia, escrito em 1807 por ordem do Prín-
de t~abalho, constrói a escola dos pobres, cria uma escola realista para
os filhos dos cidadãos e dos artesãos (que veio a receber o nome de cipe Regente.
Escola Alemã), e como ponto culminante uma escola de latim, prepara- Brito revela preocupações com a sociedade e particular-
tória para a universidade, e finalmente o Paedagogium" 16. mente com a situação do clero monástico, submetido aos vo-
tos perpétuos, entre os quais o de pobreza:
>Francke e Christoph Semler (1669-1740) eram discípu-
los de Comênio e ligados à seita dos. protestantes pietistas. "Prometer ser pobre é dizer que quer ser sustentado pelo trabalho
dos outros, como os zangões nas colméias; e não duvidemos que ao
Imaginaram um sistema escolar em pirâmide, em cujo cume menos neste sentido os Monges guardem este voto mais pontualmente
estava o paedagogium. O objetivo desse sistema era o de apro- que o primeiro - o de castidade -: façamos-Ihes esta justiça" 17.
veitar todas as qualidades dos jovens, de todos os estratos da
população (incluindo as moças), através do método de instru- A proposta que faz para acabar com o que chamava
ção prática que se aproximava dos "trabalhos manuais". simplesmente de vadiação tem muito com o que já se disse
O centro de onde se irradiou o projeto das "escolas rea- neste texto sobre a educação técnica:
listas" foi HalIe. Christian Wolff, da universidade local, elo- "Mas deixadas estéreis lamentações, vamos ao que importa, que
giava as escolas de artes manuais, é o remédio da bem conhecida enfermidade. Ordinariamente lhe ouço
aplicar o da supressão dos Mosteiros, que é o que se lhe aplicou em
"Nas quais se ensinavam todas as questões científicas que eram França, e em grande parte da Europa. Eu porém não subscrevo a des-
necessárias às artes e ao trabalho artesanal". truição de xofre, alheias da marcha da natureza, que sempre caminha
gradualmente.
15. P. Monroe. História da Educação. Apud Theobaldo M. Santos. Op. cit.,
p. 241. 17. Rodrigues de Brito. A Economia Brasileira no Alvorecer do Século XIX.
16. Cf. A. Timm. Op. cit., p. 54. Salvador, Livraria Progresso, s.d. p. 95.

128 129
Assim eu enxertaria os Mosteiros em belas Casas de educação, o caso dos estabelecimentos dos Gobelins, os regulamentos
instrução, e ocupação, onde os vadios, e viciosos de um e de outro sexo estabeleciam um sistema ainda semelhante ao corporativo:
achassem a necessária correção de seus costumes, e adquirissem os co-
nhecimentos necessários para se tornarem úteis a si, e à Pátria, habituan-
sessenta vagas para crianças, obrigadas a cinco anos como
do-se ao trabalho; em casas onde os verdadeiros pobres, e enfermos, aprendizes e depois mais quatro como operários, para pode-
achassem alívio, os órfãos educação, os ignorantes instrução, os filóso- rem abrir oficina em qualquer lugar do reino 21. Isto tem uma
fos tranqüilo retiro para poderem entregar toda a sua alma às sérias particularidade muito significativa: a manufatura, que reúne
meditações da natureza, livres dos cuidados do governo doméstico trabalhadores de diversos ou de mesmo ofício no mesmo lo-
etc." 18.
cal, é já uma forma de trabalho em cooperação, mas o ofício
Além dessas repercussões ao nível das idéias, outras hou- e as habilidades pessoais de cada trabalhador ainda são muito
ve de sentido prático. Por exemplo, a produção industrial de importantes. A aprendizagem, na manufatura, ainda tinha seu
ferro no Brasil começa na Fábrica Patriótica de Congonhas do papel.
Campo, no começo do século XIX. As sociedades auxiliado- Outras medidas eram também necessárias. Vejamos o
ras e sociedades propagadoras do ensino e da indústria, cria- que escreve F. B. Artz:
das a partir da independência, também servem de exemplo "Para incrementar a qualidade e a quantidade das manufaturas
das posições assumidas pela sociedade civil. Quanto ao ensi- francesas, especialmente as de tecidos de seda e de lã, tapeçaria, rendas,
no, é interessante lembrar que em 1890, no Rio de Janeiro, J. fitas, mobiliário, vidraria e metalurgia, o Estado deve não apenas pro-
J. Menezes Vieira, depois de ter percorrido vários países da teger essas indústrias com tarifas, mas deve ir além e promover, para-
Europa, fundou uma escola dominical para trabalhadores e lelamente ao sistema tradicional da aprendizagem, alguns métodos para
o treinamento de operários" 22.
uma escola à qual deu o nome de Pedagogium 19, retomando,
mais de um século depois, a palavra usada por Francke. Assim é que, ainda no século XVII, o Estado cria acade-
No Colégio Menezes Vieira, já antes de 1890 havia ofici- mias de nível superior para o ensino das artes e do desenho.
nas de recortado r em madeira e em pedra (estereotomia?) de A primeira delas foi a Académie Royale d'Architecture (1671),
zincografia e uma aula de cartografia. com cursos de mecânica, hidráulica, engenharia civil e mili-
Em 1890 o Prof. Olavo FreireIoi contratado para lecio- tar 23, da qual participou o arquiteto François BlondeI.
nar a Cadeira de Trabalhos Manuais na Escola Normal da São dessa época as primeiras iniciativas particulares de
Corte, onde estabeleceu as tarefas em madeira e em vime, a ensino técnico. Um exemplo é o trabalho do padre francês
modelagem, a cartonagem e os exercícios froebelianos 20. Charles Demia (1637-1689), que se recusava a aceitar o ades-
Voltemos porém à França. As primeiras formas de edu- tramento na escrita e a iniciacão ao conhecimento do latim
cação técnica escolarizada são organizadas em função das ne- como objetivos únicos do ensino. Ele se orienta no sentido
cessidades econômicas e militares do Estado: B nas manufatu- de "formar homens trabalhadores", com conhecimentos ade-
ras do Estado e nas oficinas da marinha e do exército que se quados ao exercício de uma profissão, e propõe a criação de
concentra fundamentalmente o ensino técnico do "antigo regi- patronatos de crianças para ensinar e ajudá-Ias a encontrar
me". Nas manufaturas que produzem artigos de luxo, como é uma "colocação digna" 24.
21. A. Léon. Op. cit., p. 21.
18. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 96. 22. F. B. Artz, Op. cit., p. 24.
19. Fernando de Azevedo. A Cultura Brasileira. 3.0 vol., p. 99. 23. A. Léon. Op. cit., p. 20.
20. A. Morales de Los Rios Filho. Evolução do Ensino Técnico Industrial no 24. Celia Ortiz A. de Montoya. Historia de Ia Educación y de Ia Pedagogia.
Brasil. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Agosto de 1945. p. 216. Parana (Argentina), Universidad dei Litoral, 1961l. p. 370.

130 131
o ensino nas escolas religiosas assume grande importân- nho é a base de todos os trabalhos mecânicos, e que os traba-
cia. As ordens criaram e ampliaram seus estabelecimentos de lhadores competentes devam ser excelentes na arte do desenho.
ensino voltados não mais exclusivamente para a formação de Bachelier propõe a abertura de "um curso completo de artes
novos 'padres, mas também para o ensino da ciência, parti- mecânicas, no qual seria demonstrado o funcionamento das
cularmente da matemática, da física e da lógica, usando o máquinas, os materiais usados e todas as operações da manu-
francês como língua escolar 25. Assim é que os jesuítas, os ora- fatura". No século XVIII um dos grandes nomes da história
torianos e os jansenistas tiveram importância excepcional no da educação é o suíço Iean Jacques Rousseau. Na obra Emílio,
século XVII. Os jansenistas particularmente, apesar da pouca considerada o grande clássico da "utopia pedagógica", propõe
duracão de suas escolas e do reduzido número de alunos, fo- a educação voltada para a reforma da sociedade 27.
ram os introdutores das idéias de Comênio na França, usando Artz lembra que Rousseau, assim como La Chalotais e
a língua francesa em aula e orientando-se, metodologicamente, Condillac, seguia a teoria de Locke sobre o conhecimento
do concreto para o abstrato. humano e a sua origem nas sensações - bases do pensamen-
Mas as escolas religiosas não tiveram maiores vínculos to reflexivo - e que a experiência direta e a razão deveriam
com a formação profissional até o final do século XVII. É a ocupar o lugar da autoridade na educação. Insiste por isso no
partir de movimento criado pelo abade. La Salle, em 1688, valor do aprender fazendo; declara explicitamente seu ódio
que o aspecto profissional fica mais evidenciado nas escolas aos livros, "que apenas nos ensinam a falar de coisas de que
católicas. Os "Freres des écoles chrétiennes" ensinavam lei- não sabemos nada".
tura escrita e matemática (em francês), "trabalhos manuais", É por aí que chega, mais do que qualquer outro escritor,
com~ jardinagem, trabalhos em metais, e de~e.nho (mecâ~ic.o a considerar as artes manuais em seu verdadeiro valor educa-
e à mão livre), e disciplinas referentes as praticas comerciais cional: um jovem aprende mais em uma hora de trabalho ma-
e à contabilidade. nual do que num dia inteiro de instrução verbalizada 28.
Os Irmãos das Escolas Cristãs ampliaram bastante suas As idéias de Rousseau sobre a educacão através do tra-
atividades, e quando morreu La Salle, em 1721, suas escolas balho manual tiveram grande influência nas escolas elemen-
tinham 9.000 alunos. Às vésperas da Revolução elas tinham tares do final do século XVIII e do comeco do XIX na Ale-
36.000 nas escolas dominicais e nos pensionatos gratuitos 26. manha e, particularmente, influenciaram Basedow, Pestalozzi
Fora do âmbito confessional, há uma iniciativa muito e Frõbel.
significativa na França. É a fundação, por [ean acques ~a- ! Mas apesar dessa valorização do trabalho manual e da
chelier, em 1766, de uma Escola Real para o ensino gratuito influência que exerceram:
do desenho. Iniciou-se com 1.500 vagas e seus alunos desti- "As teorias de Rousseau sobre o ensino baseado no trabalho ma-
navam-se aos ofícios artesanais. Essa "École de dessin", após nual, assim como as de Comênio e de Locke, são apenas parte - e
a Revolução passou a ser a "Ecole des arts décoratifs". Bache- uma parte secundária - de um esquema geral da educação" 29.
lier era professor da Academia Real de Pintura, ligado aos Através de Iean [acques Bachelier (1724-1805) chega-
enciclopedistas e pode ser considerado um dos pioneiros da mos a uma questão interessante para a história do ensino téc-
educacão técnica moderna. Dava grande importância ao ensi- nico no Brasil.
no de 'desenho. Difunde-se nessa época a idéia de que o dese-
27. Herman Rõhrs. Eles Revolucionaram a Educação. In: O Correio (UNESCO)
n.O 7, julho, 1983. p. 20 et seqs.
25. F. B. Artz. Op. cit., p. 12. 28. F. B. Artz, Op. cit., p. 65.
26. F. B. Artz. Op. cit., e Ruy Afonso da Costa Nunes. História da Educação
29. Idem, ibidem.
110 Século XVII. São Paulo, E.P.U/EDUSP, 1951. Passim.

132 133
Em 1816 o governo de D. João VI fez vir ao Brasil uma .. Após os primeiros passos de estudo da figura, vem o desenho
missão artística composta de Grandjean de Montigny - ar- de ornato, de aplicação tão variada e tão útil em todos os ofícios em
que o gosto pode ornamentar e embelezar, seja pela escolha das for-
quiteto, discípulo de Percier e Fontaine - os irmãos Taunay,
m~s, s~ja .nos acessórios. Aqui a. escola passa quase inteiramente para
Marcos e Zeferino Ferrez, João Batista Debret, Carlos Simão a tnfluencl~ do ~rofess.~r de. arqUItetura;. porque os móveis, vasos, obje-
Pradier, Sigismundo Neukomm, todos eles artistas pintores, tos de ounvesana e bijuteria, marcenaria etc. são de sua competência
escultores, gravadores e o último deles, compositor, organista ao mesmo tempo que ele ensinará ao carpinteiro e ao fabricante de
e mestre-capela. Chefia a missão trazida pelo conde da Barca carroças a traça, com os regras de precisão e exatidão que devem guiar
todos os artesãos",
o cavalheiro Joaquim Lebreton, que não era artista 30. Vieram
também na mesma viagem: Francisco Ovide, engenheiro me-
"Um pequeno curso de geometria prática seria bastante útil a essa
cânico; Francisco Bonrepos, assistente de escultor; Carlos
escola. Poder-se-ia começá-Ia pelo ensino de aritmética, da qual os ar-
Henrique Lavasseur e Luiz Sinforiano Meunié, assistentes de tesãos têm diariamente necessidade".
arquiteto (estereotômicos): Nicolau Magliori, mestre serralhei-
ro; João Batista Level, mestre ferreiro e perito em constru-
Lebreton mostra a seguir, nos manuscritos, que são aliás
ção naval; Luiz José e Hipólito Roy (pai e filho), carpintei- rascunhos de uma Memória que enviaria ao conde da Barca,
ros e fabricantes de carros. A essa Missão Francesa se credita a importância do curso que propunha, Acreditava mesmo que:
a fundacão da Academia de Belas Artes do Rio de Janeiro, e a
Lebreton se deve uma interessante proposta de criação de uma
" ... a segunda escola, proposta por mim, ligada como imagino à nova
dupla escola de artes, pois ao lado da Academia de Belas Ar- academia e ajudada pelos socorros práticos que exporei mais abaixo,
tes propunha ele a criação de uma "escola gratuita de dese- fará caminhar a indústria nacional bem mais rapidamente do que no
nho para as artes e ofícios". México".

O professor Mário Barata, em excelente trabalho de pes-


quisa, traduziu e fez publicar um manuscrito até então inédito A comparação refere-se à "Academia de Ias Nobles Ar-
de Lebreton 31, de onde passo a transcrever alguns trechos: tes de San Carlos", fundada na cidade do México em 1781 32.
As referências a Alexandre von Humboldt, que Mário
"Este duplo estabelecimento, embora de natureza diversa da do Barata faz citando influência do cientista alemão "sobre Le-
primeiro, se amalgama perfeitamente com ele. Será, inicialmente, o breton no tocante à criação de uma escola de artes", não me
mesmo ensino dos princípios básicos do desenho até o estudo que se parece que encontrem apoio no corpo do texto rascunhado
diz baseado no vulto; e serão os mesmos professores, a saber, o Sr. De- por Lebreton. A viagem de Humboldt ao México e seu entu-
bret e o professor português já empregado, que se encarregarão desta
parte do ensino; coloco aí o sr. Debret como tendo grande experiência siasmo 'pela Nova Espanha não parecem suficientes para carac-
do ensino elementar do desenho, bem como do de pintura, porque ele terizar uma influência 33. O que se pode dizer, comprovada-
não somente dirigiu durante quinze anos o 'atelíer' dos alunos de David; mente, é que o irmão de Alexandre, Wilhelm von Humboldt,
foi durante dez anos o único mestre de desenho do melhor e mais nume- que no período de 1809-1810 foi o organizador da educação
roso colégio de Paris, o colégio de Ste. Barbe". na Prússia:

30. "O objetivo era criar uma Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios." A. Silva 32. Ramón Sánchez Flores. História de Ia Tecnologia y Ia Invención en Mexico
Teles. Artigo inédito. México, Fomento Cultural Banamex A. c.. 1980. p. 142. .
31. Mário Barata. Manuscrito Inédito de Lebreton. In: Revista do Patrimônio 33. Um resumo das observações de Humboldt sobre o México pode ser en-
Histórico e Artístico Nacional n.? 14. Rio de Janeiro. 1959. p. 283-305. contrado na obra acima citada, p, 255 et seqs.

134 135
•.... repelindo a idéia de que a escola profissional pudesse ser consi- Lebreton foi um dos "subscritores" de fundos para a es-
derada um meio eficaz de educar a mocidade, não admitia o trabalho cola, desde 1788 e, depois, durante quinze anos presidiu sua
como elemento principal na formação da personalidade" 34.
administração.
Parece que nestes termos não cabe nem mesmo falar de
Nessa época são fundados na Prússia, com a participa-
influência da obra de J. J. Bachelier sobre a proposta de Le-
ção de Humboldt,
breton; mais do que isso, há uma continuidade no projeto de
" ... substituindo as antigas escolas de latim, os gtnasios humanisti- ensino técnico, transplantado de Paris para o Rio de Janeiro.
coso Sua missão era romper os moldes estreitos das escolas realistas até As razões do fracasso desse transplante merecem de fato me-
então existentes e promover a 'formação de homens livres' e não de lhor estudo. A visão de Lebreton parece-me sobretudo "civi-
escravos de uma profissão. Nelas era mais importante a formação geral lizadora", não há nas suas escolas lugar de destaque para artis-
do que a preparação profissional específica" 35. tas e artesãos nativos. A proposta chegava ao ponto de suge-
rir a imigração de operários especializados:
A importância de Humboldt nesta história é que foi ele
quem apresentou Lebreton ao marquês de Marialva, emissá- "Acho que o Brasil poderia entrar bem mais frutuosamente na
rio do conde da Barca em Paris 36. partilha das perdas que experimenta a indústria francesa, e com as
Por outro lado, influência clara e pouco lembrada foi a quais se beneficiam o norte da Alemanha, a Bélgica holandesa e os
da obra de Jean Jacques Bachelier. O chefe da Missão Fran- Estados Unidos. Por uma única operação pode-se tirar de Paris pelo
menos cem operários escolhidos segundo o emprego que deles fosse
cesa a ele se refere, longamente, em seu manuscrito. Vejamos
proposto fazer, e que repartiriam por oficinas organizadas nos pontos
alguns aspectos que me parecem essenciais dessas referências: mais úteis" 38.
"Citarei um fato digno de atenção. Em Paris é reconhecido, por
A dupla escola pensada por Lebreton não deu certo. A
todos os homens capazes de observar as causas e seus efeitos, que é à
escola gratuita de desenho, estabelecida por volta de 1763, que se de- instalação de uma academia era menos custosa do que a de
vem a feliz revolução de gosto e o grande aperfeiçoamento experimen- uma escola técnica, que necessita de grande número de ferra-
tado pela indústria francesa em todos os ofícios relacionados com o mentas, máquinas de diversos tipos, consome matéria-prima e
luxo. A Academia de Belas Artes não influiu neles, pois só admitia e energia. A solução adotada foi, provavelmente, ditada por
só queria formar artistas. esse critério. A Academia vingou, sendo formalmente criada
Um de seus membros, pintor bastante medíocre de flores e ani-
mais (Bachelier), mas homem de espírito e muito ativo, imaginou a es- em 1820. A pintura - a grande pintura histórica - tinha
cola tal como ainda hoje existe em Paris ... utilidade indiscutível para os reinantes. Ela exaltava os feitos
e os fatos ligados à Coroa. Mesmo as pinturas "de gênero" (a
A velha Academia, então bem má, se escandalizou porque um de pintura de flores e frutos da terra, da paisagem etc.) não dei-
seus membros se abaixava até os operários, prostituindo assim a nobre xavam de ter utilidade em termos de apropriação da natureza,
arte do desenho" 37.
assunto que se inscreve nos interesses mercantilistas desde o
34. Zoraide da Rocha Freitas, História do Ensino Profissional no Brasil. São livro de Garcia de Orta, intitulado Diálogos dos Simples e
Paulo, s/ed. 1954. p. 68. Drogas (1563) até as obras de Frei Mariano da Conceição Ve-
35. A. Timm. Op. cit., p. 84.
36. Adolfo Morales de Los Rios Filho. O Ensino Artístico - Subsidios para uma
loso. A escultura cumpria papel semelhante ao da grande pin-
História. Rio de Janeiro. 1938. p. 15. tura. A arquitetura neoclássica de Grandjean de Montigny era
37. M. Barata. 00. cit. Ver também L. A. Cunha: As Raízes da Escola de
Ofícios Manufatur~iros no Brasil: 180811820. In: Forum Educacional. Rio de
Janeiro, F.G.V. abr.ljun. 1979. 38. Mário Barata. Op. cit., p. 303.

136 137
a própria linguagem do império francês. Grandjean fora discí- aceitarmos a aproximação que faz José Mariano Filho, do
pulo de dois célebres arquitetos napoleônicos, Charles Percier Aleijadinho com Borromini, então é preciso aproximar Grand-
e Pierre François L. Fontaine, criadores do estilo Império 39, jean de Montigny de Bernini.
e fora por eles indicado ao tzar Alexandre I para ser arqui- Mestre Valentim juntava à sua condição de escultor a de
teto da Corte e professor da Academia Imperial de Belas hábil fundidor. O projeto e a obra do Passeio Público do Rio
Artes de São Petersburgo, cargos que não aceitou 40. de Janeiro, de sua autoria, colocam-no na condição de urba-
Euclides da Cunha considerava Grandjean "um arquite- nista e paisagista. Obras de talha, projeto e construção de
to de genio" 41. Muito mais do que a genialidade dele, o que edifícios também estão presentes entre seus trabalhos. Até
me interessa é ver o que significou, para o Brasil, às vésperas mesmo no desenho industrial fez incursões. Conforme Adolfo
da independência, a importação do estilo Império francês. Morales de Los Rios Filho,
Importava-se, com ele, o dirigismo artístico do neoclassicis-
mo francês, que chegava com o prestígio de arte oficial. " ... executou os modelos das peças de porcelana de dois serviços de
chá que, fabricados em coalim nacional, pelo químico João Manso Pe-
"O neoclassicismo correspondia assim à organização social da- reira, na sua oficina da Ilha do Governador, chamaram a atenção,
quele período, marcado pelas distâncias entre o pensar e o fazer. Um quando expostos, em Lisboa; ... "
se recolhia no idealismo; o outro, confinado aos aspectos negativos do
trabalho, nos desvios econômicos, na mecanização do homem, na coisi- Morales de Los Rios não poupa elogios à qualidade da
ficação do trabalhador, na orientação não raro repressiva e predatória. louça produzida por João Manso Pereira.
Assim a sociedade exibe, objetivamente, a dicotomia entre o pensar e
o fazer, o que vale dizer, embora de forma radical, a distinção entre o
poder e o trabalho" 42. "É incrível como esse isolado artista pode produzir, dada a falta
e recursos técnicos e financeiros, obras tão perfeitas como desenho e
fatura" 43.
Quando a missão chegou ao Rio de Janeiro fazia dois
anos que Antônio Francisco Lisboa - o Aleijadinho - tinha Esse químico a que Morales de Los Rios se refere apa-
morrido em Minas Gerais. Valentim da Fonseca e Silva - rece em outras circunstâncias no registro histórico. Pedro
Mestre Valentim - morrera em 1813, e Manoel da Costa Calmon refere-se a uma Sociedade Literária "jacobina", que
Ataíde em 1830. se reunia a partir de 1794 e que foi denunciada como sedi-
Na obra desses artistas estava representado todo o saber ciosa, divulgadora dos "princípios franceses", contra a reli-
fazer das artes e ofícios no Brasil desde o século XVI. gião e a Coroa. Dela participavam o poeta Manuel Inácio da
Na escultura e na talha estava a sabedoria dos entalha- Silva Alvarenga, advogado e professor de Retórica. João Mar-
dores e da imaginária colonial. Na arquitetura do Aleijadinho, ques Pinto, professor de grego, o médico Vicente Gomes, o
representada por obras executadas em muitas cidades para mestre de meninos Manuel Ferreira, o bacharel Mariano José
clientes locais, irmandades e igrejas, está o oposto da arqui- Pereira da Fonseca (mais tarde conhecido pelo título de mar-
tetura gerida centralizadamente, dos edifícios públicos proje- quês de Maricá) e o professor de gramática latina João Man-
tados no Rio para serem construídos em qualquer lugar. Se so Pereira; "foram presos na devassa então feita e ficaram
39. L. Benevolo. Op. cit., p. 200. na prisão até 179744•
40. A. M. de Los Rios. Op. cit., p. 27.
41. Euc1ides da Cunha. À Marjem da História. Porto, Livraria Lello & Irmãos 43. A. M. de Los Rios Filho. Grandjean de Montigny e a Evolução da Arte Bra-
Editores. 1946. p. 227. sileira. Rio de Janeiro. 1941. p. 219.
42. Flávio L. Motta. Op. cit., p. 25. 44. Pedro Calmon. Op. cit., p. 1340.

138 139
o caso afasta-se, aparentemente, da linha de pesquisa Após este longo parênteses, voltemos ao Rio de Janeiro
deste trabalho, mas sua importância para a história da técnica e às artes.
no Brasil permite que nele nos detenhamos um pouco mais. Morales elogia eloqüentemente Mestre Valentim e trans-
B entre os membros desse "clube Jacobino" 45 que encontra- creve o juízo que dele faz Goulart de Andrade:
mos a referência mais antiga a João Manso Pereira, que apa-
rece citado como químico já na obra de Eschwege: " ... um consciente fator da emancipação política de seu país, porque
trouxe para a vida, congênita no sangue, a surda revolta dos subju-
"Em 1801, João Manso, mulato de nascimento tendo extraído gados".
dos livros alguns conhecimentos químicos e, portanto, segundo o modo
de. pensar dos portugueses e brasileiros, devia estar habilitado para fa- Araújo Porto Alegre, arquiteto, discípulo de Grandjean
bricar ferro, obteve do governo a incumbência de construir um novo de Montigny, mas atento à obra menos erudita do Mestre Va-
forno de fundição (em Araçoiaba). Devia ser auxiliado pelo irmão do lentim, considera-o
conhecido mineralogista Andrada, que fora nomeado inspetor das mi-
nas, em virtude de ter traduzido a Mineralogia de Bergmann, em Por- " ... um grande artista, homem extraordinário para o Brasil daquele
tugal.
tempo e para o de hoje, e o seu nome deve ser venerado".

As idéias de Lebreton contidas nos manuscritos mencio-


'Não tiveram sucesso.
João Manso, homem de muito tino, que mais tarde vim a conhe-
nados não se concretizaram. Ele morreu no Rio de Janeiro,
cer, ria-se gostosamente de toda essa história, tendo chegado à conclu- em 1819, e apenas em 1856 começaram a aparecer os frutos
são de que, para fabricar ferro em grande escala, não bastavam conhe- de suas idéias 48. B nessa década que se concretizam algumas
cimentos de química" 46. medidas significativas, ainda que pouco importantes quantita-
tivamente, no sentido de implantar a transmissão do saber
Historiando a siderurgia em São Paulo, [esuíno Felicís-
fazer pela via escolar, que é, relembro, a linha principal desta
simo Ir. também se refere a João Manso Pereira,
pesquisa. Muita coisa tinha acontecido nesse meio tempo: a
independência, a impossibilidade de acesso dos brasileiros à
"Professor Régio de Gramática Latina no Rio de Janeiro, tam-
bém altamente considerado como natura1ista e versado em química" 47. universidade portuguesa, a extinção das corporações de ofí-
cios no Brasil, em 1824, e a exposição de Londres em 1851.
Manso Pereira teve divergências com o governador Cas- De 1854 a 1857, foi diretor da Academia Imperial de
tro de Mendonça e, em 1789, mandou, diretamente para Lis- Belas Artes o arquiteto Manoel de Araújo Porto Alegre, o pri-
boa, amostras e análises de ferro de Araçoiaba. Havia recebido meiro brasileiro a nela lecionar. Demonstrou grande interes-
também a incumbência de analisar minério procedente de São se pela proposta da dupla academia, tendo em vista a partici-
Luís do Maranhão. A esse atrito se deve provavelmente o con- pação do Brasil na Exposição Internacional de Paris (1855) a
ceito expendido pelo governador: "Manso, bem longe de ser fim de
um verdadeiro químico, não era senão um alquimista". " ... não passar por uma terra inculta, sem artes e sem indústria, como
passou na Exposição do Palácio de Cristal em Londres" 49.
45. Wilson Martins. Histórias da Inteligência Brasileira - 1794-1855. São Paulo.
Ed. Cultrix Ltda. 1978. Vol. lI, p. 3.
46. W. Eschwege. Pluto Brasiliensis. Belo Horizonte, ltatiaia. 48. Coincidentemente, em 1856 foi criada, na cidade do México, a Escuela Indus-
47. J. Felicíssimo Ir. História da Siderurgia de São Paulo São Paulo I G G trial de Artes y Oficioso R. S. Flores. Op. cit., p. 288.
1969. . , ... 49. Cf. Flávio L. Motta. Op. cit., p. 23.

140
Em dezembro de 1855, falando na condição de diretor Os argumentos apresentados por Araújo Porto Alegre
da Academia, inclui em seu discurso as seguintes palavras: são retomados e elaborados por Rui Barbosa no discurso que
pronuncia em comemoração ao 25.° aniversário do Liceu:
" ... o nosso país precisa muito de operários inteligentes e é este o pon- .. A noção de arte aplicada, como elemento essencial a todos os
to principal do nosso sistema, embora os espíritos fátuos simulem pre- produtos da indústria humana não existia, por assim dizer, antes da
tensões acima da realidade dos fatos e das necessidades atuais. centúria que atravessamos. A Escola dos Bronzistas franceses, a Escola
Industrial de Tolosa, as de Desenho e Pintura na fábrica de porcelana
de Sêvres e raros institutos constituíam até o fim do século XVIII os
A Inglaterra, à proporção que progride no desenho, sobe o nível mais consideráveis, senão os únicos núcleos de educação técnica nesta
na perfeição da forma dos objetos de sua indústria. .. O Palácio de ordem de estudos, num país, como a França, aclamado entre todos como
Cristal demonstrou claramente esta verdade" 50. o mais consumado produtor de trabalhos de gosto industrial nos tem-
pos modernos.
Um ano após este discurso de Porto Alegre, em dezem-
bro de 1856, funda-se no Rio a Sociedade Propagadora das
Belas Artes do Rio de Janeiro. A reunião de fundação foi na A exposição de Londres de 1851 foi o começo de nova era. Ela
sede da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, que era fez pela arte, entre os ingleses, o que Sócrates fizera pela Filosofia,
quando a trouxe dos numes aos homens: ensinou a? povo britânico qU,e
no edifício projetado por Araújo Porto Alegre, onde até recen- a deusa podia habitar sob o teto de qualquer família, como num pala-
temente esteve o Arquivo Nacional. A iniciativa da reunião, cio veneziano.
à qual compareceram 99 pessoas, é atribuída ao escultor Joa-
quim Bethencourt da Silva, antigo discípulo de Montigny. O
Liceu de Artes e Ofícios, criado ao abrigo da Sociedade Pro- A supremacia inglesa saiu corrida do certame internacional. A
pagadora das Belas Artes sua preponderância política, a sua soberania monetária, a enorme po-
tência mecânica acumulada nas suas fábricas não a salvaram! O colosso
" ... visava a formar os artífices da indústria nacional e os operanos recebeu a mais severa das humilhações. A disformidade do ciclope foi
aperfeiçoados de que ela tanto necessitava para progresso próprio e do desbaratada por uma onipotência impalpável: a do ideal, transmitido à
país. Verdadeira escola de arte aplicada à indústria, ela proporcionava, matéria pela mão hábil do artista. Esse revés foi o começo de uma
além da aritmética, da álgebra, da geometria, da física, da química, da transfiguração.
geografia e da história, um curso completo de desenho aplicável a todos
os ofícios industriais" 51.
Já nos fins de 1581 se apontavam as medidas. No ano seguinte
E preciso lembrar que, ainda na Academia de Belas Ar- lançaram-se as primeiras pedras do imenso monumento, de que a Es-
tes, no curso noturno, destinado a alunos livres, deveriam ser cola de South Kensington 53, com seu museu, é o centro, e .que consom:
ensinadas as seguintes disciplinas: à Inglaterra somas espantosas. Numa palavra, esse ensmo, que ate
1852 não existia naquele país, em 1880 se ministrava, nos cursos su-
periores desse instituto, a 824 alunos, em 151 escolas de desenho, a
"Desenho Industrial, Desenho de Ornatos e de Figuras, Escultura
30.239 pessoas, em 632 classes especiais, a 26.646 discípulos e, em
de Ornatos e de Figura, Matemáticas Elementares (aritmética, geometria
prática e noções de mecânica), Modelo Vivo" 52. 4.756 escolas, a 768.661 crianças" 54

53. A Escola de South Kensington e seu Museu foram fundados em 1855


50. Idem, ibidem. por Henri Cole, que tinha sido o braço direito do príncipe Alberto na organiza-
51. A. M. de Los Rios Filho. O Ensino Artístico. p. 255. ção da exposição de 185\. Hoje constituem o Museu Vitória e Alberto.
52. Pedro Calmon. História do Brasil. Rio de Janeiro, José 01ympio. 1959. p. 54. Rui Barbosa. O Desenho e a Arte Industrial. In: Obras Completas. Vol. IX.
1.621, nota 22. Rio de Janeiro. Ministério da Educação e Saúde. 1948. p. 241 et seqs.

142 143
A humilhação sofrida pela indústria inglesa, nas pala- sanal onde a arte se identificava com o trabalho que aa I'IUkC.'.
vras de Rui Barbosa, é lembrada, quase meio século depois, Mas não se pode, a meu ver, procurar aproximações maiores
por Pevsner, renomado historiador do Desenho Industrial. entre Rui Barbosa e os ingleses acima citados. Para Rui a pro-
Referindo-se à exposição de 1851 escreve: ducão industrial abrangia a dos objetos produzidos pelos artis-
tas' e artesãos. Achava que, sendo o Brasil um país agrícola,
., A organização, as dimensões dos edifícios e a quantidade de
p~odutos eram verda.deiramente imponentes. A qualidade, do ponto de por que não poderia ser também um país industrial? A produ-
vista da arte decorativa, era abominável. Os visitantes mais inteligentes ção industrial teria assim uma porta de entrada aberta pela
se d~ram c.?nta disso e o fato fez nascer na Inglaterra e em outros paí- produção "artística". Em todo o caso, resta a evidência de
ses discussões sobre as causas de uma deficiência tão evidente" 55. que questões como as relações arte/indústria, divisão do tra-
Como que participando dessa discussão, Rui Barbosa, balho na fábrica e outras já eram sentidas e discutidas no Bra-
no discurso já citado, expõe algumas opiniões: sil do fim do século XIX. Não foram os programas de hoje
de Industrial Design que as levantaram com primazia. A ques-
" ... não é possível estar dentro da civilização e fora da arte.
tão estava na ordem do dia, preocupando as classes dirigentes.
A contribuicão de Rui Barbosa às tentativas de estabe-
A arte não tem por missão exclusiva cingir com o friso panate- lecer o ensino técnico, particularmente o do desenho, não se
naico a frontaria do Partenon.
reduz ao citado discurso. Ana Mae Barbosa, em excelente tra-
balho, levantou dados preciosos sobre a participação de Rui
As linhas de um artefato ordinário podem revelar o dedo de um nas questões do ensino, através de discursos, pareceres e tex-
artista" . tos escritos. A autora citada atribui ao norte-americano Wal-
Araújo Porto Alegre considerava lastimável a presença ter Smith, autor de Art Education, Scholastic and Industrial,
do Brasil na Exposição de 1851, e Rui Barbosa mostrava que publicado em Boston em 1873, grande influência na forma-
a própria participação inglesa fora desastrosa; seus comentá- ção das idéias de Rui sobre o ensino do desenho 57. As expe-
rios foram certamente inspirados em [ohn Ruskin, cuja obra riências já havidas nos Liceus parece que entusiasmaram o
The Stones 01 Venice cita no mencionado discurso. Foi Rus- conselheiro , e o cenário
.
do fim do Império decerto estimu-
k.in quem chamou a atenção para' a feiúra dos objetos produ- lava a proposição de um projeto nacional para a educação,
zidos na Inglaterra vitoriana, para a superioridade da pro- sintonizado com as idéias de progresso.
dução artesanal, bem como para a sua visão da arte como "ne- "À importância do Desenho como disciplina inseparável da esco-
cessidade social" que nenhuma nação poderia desprezar sem la popular e uma das forças mais poderosas para a fecundação do tra-
colocar em perigo sua existência intelectual 56. Em 1861, balho' e o engrandecimento da riqueza dos Estados, Rui acrescenta. a
William Morris, discípulo de Ruskin, fundou uma empresa sua importância como instrumento de transformação de uma .pedago~la
meramente retórica e verbalista, num processo de desenvolvimento 10-
para a produção de objetos artísticos, da qual resultou a cria- telectual através do uso dos sentidos, da percepção e transcrição dos
ção da Arts and Crajts Society (Sociedade para as Artes e objetos. Froebel, Pestalozzi, Rabelais, Fénelon, Lutero, Bacon e Comê-
Ofícios) em 1888. Tanto quanto Ruskin, criticava a divisão nio são freqüentemente citados".
do trabalho característica de produção industrial, verberava
contra as máquinas e se propunha a restaurar a produção arte- As fontes em que se apóia Rui Barbosa relatam porme-
55. N. Pevsner. Op, cit., p. 26.
57. Ana Mae T. B. Barbosa. Arte-Educação no Brasil. São Paulo. Perspectiva/
56. Arnold Hauser. The Social History oi Arl. London. Routledge & Kegan.
1952. 2.° vol., p. 819. Seco Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo. 1978. p. 52.

145
144
norizadamente as experiências norte-americanas, particular-
mentas, indo até a montagem das peças fabricadas. Esses exer-
mente as que se desenvolviam na cidade de Boston.
cícios eram propostos na ordem crescente da dificuldade de
Walter Smith, em texto traduzido por Rui para o portu-
execução, apoiados num desenho de trabalho e assistidos por
guês, após referir-se entusiasticamente às escolas mercantis e
um mecânico perito. Della Vos organizou seus cursos de me-
industriais na Alemanha, acrescenta:
cânica para atender às necessidades das oficinas das estradas
"As opiniões que sustento são as que, com admirável precisão, de ferro russas e, aplicado nos Estados Unidos, abriu o cami-
foram antecipadas, há muito, pela perspicácia do instinto prático do nho para o taylorismo 60.
povo de Massachusetts; e no Instituto Tecnológico de Boston, ora em Morales de Los Rios registra a introdução desses méto-
plen~ f~orescência de sua ação benfazeja, o Estado possui um agente dos no Brasil, datando-a de 1916. Foi nesse ano que a refor-
inestimável para o desenvolvimento da educação industrial ... " 58. ma do curso da Escola Profissional Sousa Aguiar, no Rio,
reuniu todos os alunos num único curso de artes mecânicas.
A autora citada transcreve matéria publicada no jornal O processo de trabalho adotado não era portanto de especia-
O Novo Mundo, editado nos Estados Unidos, que se refere
lização. Baseava-se no sistema sueco do slôjd (ou sloyd, em
também ao ensino em Boston, em 1877 (artigo de André Re- inglês), que conjugava educação técnica, intelectual e educa-
bouças). ção física, e nos métodos norte-americanos de Eddy e Wood-
ward, que foram introdutores do método de Della Vos nos
. "Mr. Runkle, do M.I.T., fez um discurso sobre educação industrial
ilustrando-o com modelos de madeira, ferro e aço feitos pelos alunos Estados Unidos.
deste instituto. Explicou que pelo sistema ali adotado o espírito e as "Para esse fim, as oficinas eram dotadas de séries pedagógicas,
mãos são educados conjuntamente com a mesma facilidade, e em tão inspiradas nos modelos russos e norte-americanos, em que as tarefas
pouco tempo como qualquer deles o poderia ser separadamente" 59. são dispostas não só de maneira atraente mas obedecendo, também, a
uma orientação metódica e progressiva" 61.
Isto parece indicar como se aplicava no M.I.T. o lema
Mens et Manus, adotado pelo Instituto desde sua fundação. Se a criação dos Liceus pode ser associada à extinção
Cabe aqui acrescentar algumas informações, entre parên- das corporações e a9s primeiros esforços para a implantação
teses: o presidente do M.I.T., a que Rebouças se refere, era das artes no Brasil independente, as propostas de Rui são
[ohn D. Runkle, e foi um dos introdutores dos métodos do de outro tempo: as últimas décadas do século XIX são marca-
russo Victor Della Vos nos Estados Unidos. Della Vos era das pelo início de um processo de industrialização que atinge
diret.or d,a ~scola Técnica Imperial de Moscou e na exposição o Rio de Janeiro, conforme já tive oportunidade de dizer. A
de Filadélfia de 1876 apresentou seus métodos e os resultados população urbana aumenta significativamente e o escravismo
de sua aplicação. O método do professor de Moscou associa- está em decadência, sofrendo fortes pressões que prenunciam
va oficinas de construção às aulas teóricas de Física, Matemá- seu fim. As manufaturas e o trabalho livre exigem a educação
tica e Química. Nessas oficinas de instrucão cada aluno dis- técnica. Tratava-se de tirar todas as conseqüências possíveis
punha de uma bancada de trabalho e de um jogo de ferramen- de um processo iniciado já nas décadas anteriores .
tas ..O .trabalho era analisado, decomposto nas suas operações .A persistência do escravismo era já apontada como noci-
mais Simples, e o aprendizado começava com o uso das ferra- 60. W. H. G. Armytage. Historia Social de Ia Tecnocracia. Barcelona. Ed. Penín-
sula. 1970. p. 216. Ver também Celso Suckow da Fonseca, Op. cit., p. 440.
58. Ana Mae T. Barbosa. Op. cit., p. 47. 1.0 vol.
59. Idem, lbidem. p.41. M.r.T. é a sigla do Massachuset ts Institute of Technology. 61. A. Morales de Los Rios. Evolução do Ensino Técnico Industrial no Brasil.
p. 217.

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147
va por autores do começo do século passado .. ~ão se colo.ca invenção. Os efeitos sufocantes da escravatura sobre a técnica não
apenas a questão da "contabilidade" da escravidão, da avaha- eram simplesmente função da baixa produtividade média do próprio
ção dos custos do trabalho escravo. Há outros argumentos. trabalho escravo, ou mesmo do volume de seu emprego: eles afetavam
sutilmente todas as formas de trabalho. Marx procurou exprimir o tipo
Rodrigues de Brito, em obra já citada aqui, escreve sobre os de ação por eles exercido numa fórmula teórica célebre, embora crítica.
malefícios da . Em todas as formas de sociedade é uma determinada produção e as
suas relações que conferem a todas as outras produções e às suas rela-
" ... perpetuidade da escravidão, cuja consideração basta para abater o
espírito dos escravos, e lançá-Ios em uma inércia fatal" 62. ções o seu grau de influência. E uma iluminação geral em que são mer-
gulhadas todas as outras cores e que modifica as suas tonalidades
específicas. E um éter especial que define o peso específico de tudo o
Significativas são também as transcrições feitas por Ana que tem existência no seu seio" 65.
Mae Barbosa do texto de Felix Ferreira.

"Duas têm sido as principais causas que muito têm .concor~i?o


Mas foi ainda durante a vigência do escravismo que se
para o vergonhoso atraso em que se a.cha~ entre nós as artes industriais: tentou implantar o ensino técnico. A sugestão de Lebreton
a primeira provém da falta de vulganzaçao do desenho, a segunda desse para a imigração de operários franceses não foi aceita. Mas a
cancro social que se ch ama escraviidãao "63 . imigração rural começa a interessar o governo desde o início
do século, que em 1818 contratou, com Sebastião Nicolau
o autor do trecho acima cita, em apoio à sua argumen- Gachet, a vinda de cem famílias suíças (2003 pessoas), do que
tação, o projeto apresentado por José Bonifá.cio de Andrada .e resultou a fundação de uma colônia que deu origem à cidade
Silva à Constituição em 1823, no qual considerava a escravi- de Nova Friburgo 66.
dão como barreira insuperável ao desenvolvimento da agri-
A questão da mão-de-obra que não estivesse marcada
cultura e artes industriais. Refere-se também à argumentação
pelo estigma da escravidão interessava não apenas à agricul-
do visconde de Cairu, para quem a escravidão desonra o tra-
tura como também à indústria, embora o apelo à imigração,
balho. Argumento idêntico encontramos em Manuel Raimun-
ao que parece, foi um desvio da questão principal. Não foi
do Querino, no fim do século:
portanto casualidade que a Sociedade Propagadora das Belas
"Aqui, o trabalho fora considera?o objet? se~undário e ?~ des- Artes fizesse sua primeira reunião na Sociedade Auxiliadora
prezo, porque só ao escravizado. c~mpetla. E aSSIm~IACO~ o operano de- da Indústria Nacional. Esta, fundada em 1827, desde 1833
sabrigado, sem instrução, sem direitos e sem a consciencia de sua I?erso- publicava uma revista 'mensal intitulada O Auxiliar da Indús-
nalidade, como instrumento poderoso do progresso e do eng~a~declmen- tria Nacional, contendo
to do país. Quem era medianamente afortunado não admitia. que os
seus descendentes aprendessem um ofício e tornaram extensiva essa
desconsideração às artes liberais" 64. "Coleção de memórias e notícias interessantes aos fazendeiros,
fabricantes, artistas e classes industriosas no Brasil, tanto originais como
E no mesmo sentido que um autor de nossos dias, Perry traduzidas das melhores obras que neste gênero se publicam nos Esta-
dos Unidos, França, Inglaterra etc."
Anderson, orienta sua análise dos efeitos gerais do escravismo:

"Uma vez que o trabalho manual veio, ~ estar .pro~undamente Na fundação do Instituto Histórico, em 1838, a Socie-
ligado à perda da liberdade, não havia uma lógica social livre para a
65. Perry Anderson. o Modo de Produção Escravista. In: Pinsky, Jaime. Modos
62. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 99. de Produção na Antiguidade. São Paulo. Global, 1982. p. 109.
63. Ana Mae Barbosa. Op. cit., p. 27. 66. P. Brasil Bandechi et alii. Dicionário de História do Brasil - Moral e Civis-
64. M. R. Querino. Op. cit., p. 38. mo. 4.a ed. São Paulo. Melhoramentos. 1976.

148 149
dade Auxiliadora estava representada por seu secretário, ma- ensino primário e, entre muitas outras coisas, a criação de
rechal Raimundo José da Cunha Matos 67. uma escola profissional primária em cada município 70.
O Licée des Arts (Liceu de Artes) de Paris foi fundado Ricardo Severo, na obra citada, refere-se também a ini-
nos primeiros anos da Revolução, como desdobramento das ciativas contemporâneas à criação do Liceu em São Paulo,
propostas de Bachelier e no quadro da organização do ensino que foram a Escola de Educandos Artífices, instituto oficial
público proposta pelo jacobino e patriote Condorcet. Foi e a Escola Dona Ana Rosa. Ainda em São Paulo, em 1885, foi
nele que [ean H. Hassenfratz, químico, mineralogista e espe- criado o Liceu de Artes e Ofícios Sagrado Coração de Jesus,
cialista em siderurgia, deu seu curso de technologie a partir pelos salesianos, que acabavam de chegar ao Brasil 71.
de 1786. Mas de certa maneira persiste nos Liceus a tendência
Na Bahia, o Liceu de Artes e Ofícios foi criado em 1872, que já se notara expressa nos manuscritos de Lebreton: o mo-
e as aulas iniciadas no ano seguinte. Mas já havia ensino de delo europeu e o caráter "civilizador" dessas escolas, que
desenho técnico na Bahia desde 1818 e mais tarde, no Liceu geralmente não tinham lugar para nativos entre seus mestres.
Provincial, na Escola Normal e no Ginásio Baiano do barão Fernando de Azevedo chama a atenção para isso quando se
de Macaúbas, em cadeiras como a de mecânica aplicada às refere à ausência de interesse e de esforços, nessas novas insti-
artes 68. tuições de Artes e Ofícios, pelas artes populares ou nativas e
A questão do ensino técnico chamou a atenção das clas- pela preserv,ação da humilde herança artística das pequenas
ses dirigentes também em São Paulo. Em 1873 foi fundada a oficinas espalhadas pelo país. Aquelas que sobreviveram foi
Sociedade Propagadora da Instrução Popular, organização lei- sem nada deverem às escolas. O· autor exemplifica com as
ga e particular que criou, dez anos depois, o Liceu de Artes rendas e bordados, de largo uso no vestuário, nos paramentos
e Ofícios de São Paulo. Entre os fundadores estavam Carlos e nas alfaias das igrejas, e que constituíam uma das mais inte-
Leôncio da Silva Carvalho, senador Souza Queiroz, conse- ressantes "indústrias caseiras" do país, como o são as do Cea-
lheiro Martim Francisco, desembargador Bernardo Gavião, rá e de Pernambuco. O autor lembra também o trabalho dos
Conselheiro Pires da Mota, Rodrigo Silva, o capitão Joaquim seleiros do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, fabricantes
Roberto de Azevedo Marques e o arquiteto Ramos de Azevedo. de arreios e selas .de montaria profusamente ornamentadas
com prata. Citando Eduardo Prado, Fernando de Azevedo
.•... o escol da sociedade paulista daquela época, de constitucional li- refere-se também aos utensílios de barro: talhas, moringas,
beralismo, conduzida pela nova corrente do positivismo filosófico para bilhas, alguidares, ânforas, produzidas na Bahia, em Pernam-
a obra renovadora de cultura e civilização" 69.
buco e em Santa Catarina 72.
Mas, na Bahia, parece ter se criado uma situação pe-
Leôncio de Carvalho, o primeiro diretor da Escola, foi
culiar, durante poucas décadas do século XIX, quando coexis-
quem procedeu a uma reforma da educação no país, decreta-
tiam o Liceu de Artes e Ofícios, a Academia de Artes e o
da em 1870, que previa a criação de escolas primárias de
Arsenal de Marinha. Há dois aspectos que tornam importante
aplicação. Um ano depois João Alfredo apresenta seu projeto,
o exame das condicões de trabalho e de ensino na Bahia nessa
que não foi aprovado, estabelecendo a obrigatoriedade do
época. O primeiro' deles diz respeito à importância industrial
67. A. Morales de Los Rios Filho. O Ensino Artístico ... 70. Theobaldo de Miranda Santos. Op. cit., p. 419.
68. Maria Helena Flexor. Oficiais Mecânicos na Cidade de Salvador. p. 55. 71. Fernando de Azevedo. A Cultura Brasileira. 3.a ed. São Paulo, Edições Me-
69. Ricardo Severo. O Liceu de Artes e Ofícios de São Pau/o. São Paulo. lhoramentos, 1958. vol. 11. p. 234.
L.A.O.S.P. 1934. p. 8. 72. F. de Azevedo. Op. cit., p. 235.

150 151
de Salvador e do Recôncavo no período. A esse respeito, es-
vos para ajudá-los nas tarefas profissionais. Na vigência do
crevem F. Foot e V. Leonardi: sistema corporativo ninguém podia exercer ofício, com tenda
aberta, sem estar embandeirado, sem passar primeiro pelos
"Surgiram na Bahia, nos anos quarenta, do século. passa~o, fábri-
cas modernas que formariam até 1860 o nucleo fabril .relah~amente exames comprovadores de sua habilitação. Mas para os ofi-
mais forte do país. Só a partir dessa década é que a Bahia seria ultra- ciais do governo, qualquer um poderia ser carpinteiro de ma-
a ricas d o R'10 d e J aneiro
passada em sua produção pe Ias fábri ." 73 . chado, toneleiro, poleeiro, ou executar qualquer trabalho pro-
fissional sem a examinação. A aprendizagem se fazia no tra-
Em 1881, segundo dados apresentados por Roberto S~- balho e os ofícios principais eram: carpinteiro de machado,
monsen, havia 44 estabelecimentos têxteis no Brasil, dos quais calafate, poleeiro, carpinteiro de casas ou de obras brancas,
doze na Bahia, produzindo 3.359.000 metros de pa~o e carpinteiro de lagarto, ferreiro de forja, ferreiro de lima, fer-
221.000 quilos de fio; nove em São. Paulo, prod~zmdo reiro de fundição de cobre, tanoeiro, cavoqueiro, bandeireiro,
1.970.000 metros de pano e 240.000 quilos de fio: OIto em funileiro, pintor, tecelão, pedreiro e canteiro. Esses arsenais
Minas Gerais fabricando 360.884 metros de pano e 10.723 foram, no período colonial, os raros locais de formação de
quilos de fio. 'Na área que hoje é o Estado do Rio de J~neir~ mão-de-obra de propriedade governamental." seguindo, apa-
havia onze fábrica produzindo 13.150.000 metr~s ?e tecldo~ . rentemente, o modelo francês colbertiano.
Isto quer dizer que a nova manufatura têxtil na Bahia Do período que vai da independência ao final do século,
convive com a velha manufatura de açúcar (manufatura orgâ- que, como já disse, é o período mais importante para esta pes-
nica) e, este é o segundo aspecto interessante, com ~ma ma- quisa sobre a escolarização do saber fazer, Manuel Raimun-
nufatura heterogênea 75, que é a construção naval. ~a~ carac- do Querino oferece dados importantes. Refere-se aos artistas
teristicamente "heterogênea" quanto o exemplo clássico das e artesãos, suas obras e sua formação profissional, num livro
oficinas de construcão de carruagens, a fabricação de barcos hoje quase esquecido 77, onde se propõe a escrever uma histó-
tinha na Bahia urna tradição que remonta, no mínimo, ao ria da técnica no Brasil. É bastante significativo da sua ma-
século XVII. Ela se mantém durante o século XIX, com seus neira de encarar a história que o capítulo denominado Tem-
artistas, mesmo após a extinção das corporações de ofício, às pos Coloniais, apoiado na Carta de Pero Vaz Caminha, co-
quais, aliás, não se vinculavam os arsenais. . mece com a frase:
Celso Suckow da Fonseca dá informações muito escla-
recedoras sobre os ofícios presentes nos estaleiros ou nas Car- "O primeiro operário que pisou as terras do Brasil foi o carpin-
reiras de construção naval, nas Ribeiras, como então eram teiro da armada que, por ordem do almirante Pedro Álvares Cabral,
construiu de uma grande árvore a cruz fincada na Coroa Vermelha,
chamadas. Os ofícios se apresentavam com seus mestres, con-
sobranceira ao mar, comemorativa do descobrimento, onde Fr. Henri-
tramestres, mandadores oficiais, mancebos e aprendizes. A que Soares celebrou a primeira missa em 1.° de maio de 1500" 78.
maioria dos operários que trabalhavam nos arsenais era de
brancos e portugueses que freqüentemente levavam seus escra- Com essas palavras ele lembra a presença, já na primeira
cena da história do Brasil, do protagonista oculto: o operário.
73. Francisco Foot e Victor Leonardi. História da Indústria no Brasil. São Paulo,
Global Edit.. 1982. p. 33. 76. Almirante J. Greenhalgh. O Arsenal de: Marinha do Rio de Janeiro na Histó-
74. Roberto C. Simonsen. Evolução Industrial do Brasil. São Paulo, C.E.N./
ria. Cf. Celso S. da Fonseca. Op. cit., 1.° vol., p. 80 et seqs.
EDUSP (Brasiliana, vol. 349). 1973. p. 5. 77. M. R. Querino. As Artes 110 Bahia - Escorço de uma Contribuição Histórica.
75. Uma descrição das duas formas de manufatura encontra-se em Karl Marx. Bahia, Oficinas do Diário da Bahia, 1913. p. 140.
O Capital. Livro primeiro, vol. J, p. 392 et seqs. 78. M. R. Querino. Op. cit., p, 140.

152 153
tinado à construção, reparação e manutenção de barcos. Lem-
Exige que ao lado do almirante e do padre se coloque o car- bra por isso as oficinas do gênero mantidas na França pelo
pinteiro. regime anterior à Revolução. O Arsenal dava continuidade à
Por isso as artes na Bahia são, para ele, os artistas. Arte indústria de construção naval que, a partir de 1650, na Bahia,
no sentido quase corporativo: a comunidade, o universo, a começou a fornecer embarcações para a marinha de guerra e
universidade dos artistas. Seu livro reúne dezenas de peque- mercante de Portugal 80. Durante a guerra do Paraguai vários
nas biografias de artistas baianos: pintores, escultores, músi- artistas baianos foram trabalhar no Arsenal de Marinha do
cos (compositores e intérpretes), pedreiros, mecânicos, cara- Rio de Janeiro, na construção de couraçados. A construção
pinas e carpinteiros. naval era, portanto, bastante antiga na Bahia. Veja-se a res-
São figuras como José Custódio da Purificação, carapina peito o que escreve José Roberto do Amaral Lapa 81.
que O Arsenal, não sendo exclusivamente um estabelecimen-
"conhecia o desenho linear e não se desfazia de um compêndio to de ensino era todavia um centro de aprendizado na práti-
de architectura do Vignole" 79. ca, onde se ministravam aulas. O Liceu de Artes e Ofícios,
que teve Manoel R. Ouerino entre seus fundadores, era uma
e o carpinteiro Joaquim Francisco dos Santos, que em 1860, escola. Dele e do Arsenal saíram artistas que trabalharam
encarregado dos trabalhos da "casa do risco" do Arsenal de em diversas empresas particulares: fundições, engenhos, estra-
Marinha (Salvador), transportava de simples miniatura para das de ferro etc., que então se estabeleceram na Bahia, como
a escala de tamanho natural os detalhes do vapor Moema. na construção e na indústria têxtil. .
Havia freqüentado, Vale a pena nos determos ainda um pouco na figura de
'Ouerino: baiano e preto, nascido em 1851 e falecido em 1923,
" ... com bastante proveito, as aulas de aritmética, álgebra, geometria e foi arquiteto, membro do Instituto Geográfico e Histórico da
mecânica aplicada às artes, no referido Arsenal".
Bahia e professor de Desenho Industrial. Suas obras escritas
João Anastácio de Souza, outro dos artistas citados, em sobre as artes e os artistas da Bahia são fontes importantís-
1844, simas para o estudo da matéria. Seus estudos afric~nos foral?
bastante apreciados por Artur Ramos, que os reuniu e publi-
"já traçava com precisão os delineamentos de corvetas, escaleres cou, em 1938. Mas Ouerino foi também político militante:
e outros trabalhos de sua especialidade ... " " ... e em 1855 instalou fundou com outros artistas baianos a Liga Operária (1875),
um curso de construção naval no Arsenal de Marinha desta cidade ... " entidade que celebrou com o governo e com particulares "con-
tratos coletivos de trabalho" para a construção de edifícios,
No livro de Ouerino aprendemos também que o primei- fato que é associado à significativa melhoria de. qualidad~ ?a
ro grande relógio de torre fabricado no Brasil foi feito para construção no período 82. A criação de um Partido Operano,
a igreja do Senhor do Bonfim, em 1843, por José Francisco que já de início se recusou a participar dos partidos então em
da Rocha Tavares e Manoel Ferreira da Silva Freire. organização (1890), teve nele um dos partícipes. A classe ope-
No. relato de Ouerino fica evidenciada a existência de
dois núcleos de ensino técnico na Bahia, na segunda metade 80. M. R. Querino. Op. cit., p. 142 et seqs. .
do século XIX: o Arsenal de Marinha e o Liceu de Artes e 81. J. R. A. Lapa. Economia Colonial. São Paulo, Perspec.tlv~. 1973. p. 295. .
82. É difícil pensar na Liga Operária Baiana como ~m smdlc~to, mes!ll? consi-
Ofícios. O primeiro deles era um estabelecimento oficial, des- derando possíveis contratos coletivos de trabalho. S~na explorável a hlp?tese de
compará-Ia com o Arts and Crajts de William Morns, a que ja me refen.
79. Op. cit., p. 223.

155
154
rária não tem candidatos - foi a proposta apresentada por Industriel francês. Laboulaye, em seu dicionário 8S, nos dá
Querino para sintetizar aquela posição política. E. ele que se um resumo dos objetivos, métodos de trabalho e dos apare-
refere também, na época, à lhos usados no desenho, que vão desde as réguas, esquadros,
compassos e tira-linhas, até aqueles usados para copiar do
"Sociedade Internacional dos Trabalhadores, para onde deveriam natural (câmaras claras, câmaras escuras, projetores de trans-
convergir todos os elementos de renovação social operária" 83.
parências etc.).
Parece-me também clara a diferença que havia entre o Define Laboulaye o desenho industrial como constituído
Liceu da Bahia e seus similares (e contemporâneos) do Rio e de duas partes:
de São Paulo. Enquanto estes últimos resultaram de iniciati-
vas da classe dirigente e por ela eram administrados, o da 1. O meio pelo qual se obtém o traçado dos objetos que se quer
executar através de operações manuais ou mecânicas, o que é objeto es-
Bahia era, além de escola, um local de encontro e de discus-
pecífico do desenho linear, aplicação da ciência que Monge formulou
sões políticas dos operários. A existência de grande número sob a denominação Geometria Descritiva.
de trabalhadores nos estaleiros baianos, desde o tempo colo- 2. A representação dos ornatos, as diversas figuras que dão a
nial, teria dado à Bahia condições particulares. Mas não se aparência exterior aos objetos reproduzidos pelo trabalho industrial,
exclua a consciência política revelada por homens como Que- parte esta que é, propriamente dita, a aplicação das belas artes à in-
rino, que cita as Notas Domingueiras do socialista Tollenare dústria".
e a Internacional dos Trabalhadores.
Por fim, vale a pena salientar que as palavras por ele Este era, provavelmente, o desenho industrial dos liceus
empregadas - operário, classe operária e outras - com pro- do Rio e da Bahia. No de São Paulo havia uma disciplina
priedade, chamam atenção para a disciplina que lecionava: chamada Desenho Profissional, que cobria, juntamente com
Desenho Industrial. Já se viu que essa disciplina existia tam- o Desenho de Ornatos e a Geometria Descritiva, o campo
bém no Rio, no curso noturno da Academia de Belas Artes. acima definido.
Mas, segundo palavras do mesmo autor, no começo des- Assim, o Desenho Industrial do século XIX teria uma
te século parte comum com o de hoje, na medida em que se referia ao
projeto de objetos a serem produzidos industrialmente, ou se-
" ... o ensino profissional desapareceu - na Bahia - com o fecha- ja, nas condições técnicas e no quadro de relações de produ-
mento dos Arsenaes e com a falta de recursos do Liceu e da Escola de ção capitalistas. A maneira como as coisas são produzidas se-
Artes" 84.
ria, mais importante do que as coisas produzidas. E nem a
escala da produção - produção em massa - é definidora
Fica claro, a meu ver, que a denominação atual e inglesa
essencial do processo, pois aviões, navios e satélites artificiais
Industrial Design não é geradora do nome das atuais discipli-
só excepcionalmente são produzidos em série (Os Liberty
nas de Desenho Industrial ou que este não é, simplesmente,
Ships americanos durante a Segunda Guerra Mundial, p. ex.),
tradução daquela.
mas não deixam de ser objeto do desenho industrial tanto
O Desenho Industrial entra na nossa linguagem, e como quanto os automóveis, os receptores de televisão ou as gar-
vimos, nos Liceus de Artes e Ofícios e a partir do Dessin rafas e latas de bebidas. Mas o trabalho feito pelos artistas nos
83. M. R. Querino. Op. cit., p. 173. 85. Charles Laboulaye. Dictionnuire des A rts et Manuiactures. Paris. Lib. L.
84. M. R. Querino. Op, cit., p. 36. Comon, 1853.

156 157
estaleiros - como no caso do Arsenal de Marinha da Bahia Dessa atividade de delineamento resultavam miniaturas
- certamente se aproximava do Desenho Industrial moderno. como as que o carpinteiro Joaquim Francisco dos Santos,
Vamos examiná-lo, ainda que a partir de poucos dados. já citado, transportava para a escala de tamanho natural
José Roberto do Amaral Lapa, na obra que já citamos, na casa do risco. O que seriam essas miniaturas? Creio
descreve minuciosamente aspectos administrativos, econômi- que se possa entender por miniatura tanto os modelos tridi-
cos e mesmo, ainda que em menor profundidade, aspectos mensionais de barcos (maquetes) quanto os desenhos feitos
técnicos da construção da nau Nossa Senhora da Caridade, na em escala pequena (ambos, maquete e desenho eram usados
Bahia, de 1756 a 1757. para tal fim). O dicionário de F. Adolpho Coelho registra:
À página 248 ele escreve:
Miniatura: s.f. Letra escrita com mínio 87 com que se escreviam
"Quanto ao projeto de sua construção, o risco, como era chama- os capítulos dos manuscritos antigos. Gênero de pintura, imagem deli-
do, com toda a certeza viera de Portugal, como invariavelmente ocorria. cada. Qualquer coisa em ponto pequeno" 88. .
No tocante a esse risco, aliás, recomenda-se que nada se lhe alterasse
aqui na colonia (vitolas, formas etc.)"
Feito o delineamento, o trabalho prosseguia na saLa do
Em nota de rodapé na mesma página o autor esclarece risco, onde se trabalhava em escala natural (1: 1). Risco, no
que teve, pessoalmente caso, não pode ser entendido simplesmente como traço feito
a lápis sobre papel. Riscar quer dizer mais que isso. O dicio-
"oportunidade de verificar que existia, no Arsenal de Marinha de nário acima citado admite que riscar tenha como origem o
Lisboa, a sala do risco, onde se faziam esses projetos".
latim Resecare iReseco, as, cui, are) que quer dizer cortar,
o assunto é importante para o nosso caso, pois trata-se talhar.
de urna das formas de reunião da escola com a oficina, da Nessas condições, sala do risco seria a oficina onde
teoria com a prática. Merece por isso algumas digressões so- se recortavam as peças de madeira que iriam constituir o
bre a construção naval na Bahia. Não me furto por isso a barco, evidentemente em tamanho natural. Isso nos aproxi-
apresentar uma conjetura sobre a elaboração dos desenhos ma do processo de trabalho até hoje usado por costureiras e
nos estaleiros brasileiros, usando as mesmas fontes já citadas. alfaiates: os moldes.
A partir dos textos de ManoeI Querino pode-se admitir A semelhança é de fato interessante. Em inglês dá-se à
que essa elaboração se fazia em duas fases consecutivas mas sala do risco o nome Mould Loft ou Mold-lojt. Vejamos
claramente distintas. A primeira delas seria a do delinea- o que se escreve a respeito na Short H istory of Technology:
mento dos barcos, atividade na qual se destacou, em mea-
dos do século passado, o construtor Naval João Anastácio de "Os navios eram cuidadosamente projetados num grande salão
Souza, já citado 86. Iniciando-se no ofício de carpinteiro, ma- (mou/d-loft) em cujo piso os cortes da madeira poderiam ser traçados
em tamanho natural. Os desenhos originais eram feitos pelo mestre
triculou-se nas aulas de aritmética, álgebra, geometria e me-
construtor naval na sua mesa de trabalho, geralmente na escala 1:48.
cânica aplicada do Arsenal, tendo sido designado para traba- Todas as curvas a serem recortadas na madeira eram então transferi-
lhar na sala do risco. Mais tarde, em 1844, "traçava com pre-
cisão o delineamento de corvetas, escaleres e outros trabalhos 117.Mínio é o nome que se dá ao óxido de chumbo, com o qual se prepara a
de sua especialidade". tinta vermelha chamada zarcão.
88. F. Adolpho Coelho. Diccionario Manual Etymolôgico da Língua Portuguesa.
86. M. R. Querino. Op. cit., p. 182. Lisboa, P. Plantier. Ed. 1900 (c.d.).

158 159
das, em tamanho natural, para o piso do salão de moldes com a ajuda sim marcados são percorridos então por um maça rico de corte.
de grandes compassos graduados chamados sweeps'Y', No caso da construção em madeira impunha-se a necessidade
de cortá-Ia segundo os veios, isto é, segundo a própria estru-
A essa denominação mould-lojt corresponderia em tura da madeira. E obviamente, de economizar material en-
português "~asa ?o. risco" ou "Sala do risco", pois segundo a caixando as peças pequenas nas sobras da madeira usada pa-
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: ra talhar as peças maiores, tal como um alfaiate que recorta
um paletó em tecido listado.
"casa do risco ou sala do risco - grande sala em cujo pavi- Mas, pelo que indica Manoel Querino, no século XIX
mento se: traçam, em. tamanho natural, as linhas do desenho para a
construçao de um naVIOe de todas as suas peças constitutivas" 90. o Arsenal de Marinha encarregava-se da construção naval
desde o delineamento até a execução final, que passava ne-
Os grandes compassos graduados designados por cessariamente pela sala do risco. Não me parece possível
sweeps parece que seriam as "réguas de curvas" semelhantes pensar que no século XVIII, como admite J. R. Amaral Lapa,
àquelas usadas ainda hoje por alfaiates e costureiras, ou às viessem riscos de Portugal para o estaleiro da Ribeira da
curvas francesas. Nau 93. É possível, isto sim, que os delineamentos viessem da
Metrópole. A sala do risco, que o autor citado revela ter
Poderíamos certamente usar aqui a palavra cércea: mol-
de para corte de pedra e também de madeira para auxiliar conhecido no Arsenal de Marinha de Lisboa, não teria outro
o desenho 91. O dicionário de Cândido de Figueiredo acres- uso, a meu ver, que o de riscar (cortar) as peças dos navios
lá mesmo construídos. Riscar em Lisboa e construir na Bahia
centa outros significados de cércea que nos interessam: Mol-
de para o corte das pedras. CL Segurado, Alven. e Cant., 14. significava trazer de lá todo o barco já cortado em pedaços
Molde com que o estucador faz cornijas, cimalhas, pilas- prontos. E se a madeira usada era do Brasil, isto significava
tras etc. uma viagem a mais, complicando o negócio.
Há um exemplo de procedimento inverso a este citado
Mas a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira traz .
ou seja, o envio para a Europa de peças já recortadas para a
'
uma designação mais precisa: Espécie de régua ou molde com
construção de barcos. É o que nos informa Ramón Sánchez
numerosas curvas de raios diferentes, que usam os desenha-
Flores quando se refere a Esteban Bejarano, "carpintero de
dores e os construtores (curvas francesas?).
ribera" que, utilizando os corpulentos cedros da região de Sol-
Ainda hoje em dia existem nos estaleiros as salas do cuautla, no México, mandava peças prontas para os estaleiros
risco: grandes galpões em cujo pavimento se colocam as cha- espanhóis 94.
pas de aço a serem cortadas 92. Os contornos são marcados Não sei de caso semelhante no Brasil. O fato é que foi
com giz, recobrindo as linhas projetadas a partir de microfil- relativamente importante a construcão naval na Bahia no sé-
mes colocados em um projetor de transparências situado a culo XVIII. Manuel Querino relaci~na alguns dos barcos en-
grande altura do chão - no teto do galpão -, de modo a tão feitos:
recuperar a imagem em seu tamanho natural. Os traços as-
"Até. o ano de 1796, a Marinha de guerra portuguesa, no seu
89.. T. K. Derry e Trevor' Williams. A Short History of Technology. Oxford, estado efetivo, entre outras embarcações, cujos nomes não posso citar
University Press. 1973. p. 208. por falta de informações, possuía as seguintes, construídas no Arsenal
90. Grande Enc. Porto e Bras. Lisboa Editorial Encic\opedia.
91. Cf. Corona & Lemos. Dicionário da Arquitetura Brasileira.
92. Há alguns anos visitamos um desses estaleiros, no Rio de Janeiro. Os micro- 93. J. R. Amaral Lapa. Op. cit., p. 248.
filmes contendo o projeto do barco vinham da matriz da empresa, no Japão. 94. Ramón Sánchez Flores. Op. cit., p. 196.

160 161
de Marinha da Bahia: nau - Infante D. Pedro, construída em 1762, é um dos redutos da estereotomia antiga, não devendo,
tendo 64 peças de artilharia e 182 pés de comprimento; fragatas -
Nossa Senhora da Graça, em 1787, com 46 peças de artilharia e 160 a meu ver, ser necessariamente identificado risco com dese-
pés de comprimento; Carlota, em 1741, com 44 peças de artilharia, 162 nho prévio e anterior à construção; a segunda observação
pés de comprimento; Vênus, em 1792, com 96 peças de artilharia, 107 apóia-se no mesmo autor, que se refere à existência de várias
pés de comprimento; Urania, em 1795, com 34 peças de artilharia, 108 naus com o nome de Padre Eterno, sendo uma delas a que se
pés de comprimento; charruas: Poliphemo, em 1789, com 24 peças de construiu pelo risco e direção de Honorato Martins, constru-
artilharia e 120 pés de comprimento; Neptuno em 1789; paquete:
tor naval, jesuíta e originário de Toulon, na França 98. Em re-
Gloria e Sant'Anna, com 8 peças de artilharia e 104 pés de compri-
mento" 95. sumo, as relações entre delineamento, modelação, desenho e
risco exigem, a meu ver, maiores pesquisas que possam reve-
lar quando essas atividades se apresentam separadas e quan-
Estes são alguns dados sobre a história da técnica e do do, historicamente, se identificam.
ensino técnico no Brasil que achei importante destacar. O as- Ordenando cronologicamente as informações acerca do
sunto comporta pesquisas mais aprofundadas, como ficou evi- ensino técnico, obtém-se a seguinte seqüência, baseada inicial-
denciado e como é o caso da construção naval, tema, pelo que mente no trabalho de Maria Cecília F. Lourenço 99 e comple-
sei, pouco explorado pelos historiadores entre nós. Veja-se por tada com dados de outras fontes já citadas:
exemplo o fato lembrado pelo Eng. Mário da Silva Pinto, de 1614 - Interessados na difusão da fé católica, os jesuítas
inegável importância para a história do desenho: criaram no século XVI confrarias de oficinas me-
cânicas; datam de 1614 as de Pernambuco e da
"Coisa digna de menção foi a técnica da construção naval estabe-
'lecida em diversos pontos do litoral até para navios de alto-mar; no Bahia, e do ano seguinte a do Rio de Janeiro. Cabia
Rio de Janeiro, na ilha do Governador, construiu-se, por iniciativa de a religiosos, como prefeitos de Confraria, a direção
Salvador Corrêa de Sá e Benevides, num estaleiro projetado por Se- das mesmas.
bastião Larnberto, na ponta do Galeão, o maior navio de vela do século
XVII em todo o mundo, batizado com o nome de Padre Eterno, barca
1669 - Estabeleceu-se na Bahia uma escola de Artilharia e
essa que chegou a Lisboa em 1665 e navegou largo tempo" 96. Arquitetura Militar, que em 1713 já contava com
numerosos partidários e coopera dores .
Serafim Leite também se refere à construção naval que 1699 - Carta Régia de 15 de janeiro, criando Aula de Forti-
estava florescente na Bahia, no século XVIII, e onde ficações no Rio de Janeiro. Outra Carta, de 11 de
junho, propõe uma escola de Artilharia e Arquite-
"se fabricavam navios de grande porte, como a nau Padre Eterno tura Militar.
feita pelo risco de Honorato Martins" 97. '
1738 Fundação efetiva da Aula de Artilharia do Rio de
Janeiro por José Fernandes Pinto Alpoim.
Cabem aqui duas observações: a primeira referente ao
risco, ao qual se aplicam as considerações já feitas sobre o 1751 João Gomes Batista, abridor de cunhas, já dava
risco e o corte dos materiais, pois ao que parece a construção aulas de desenho no Rio de Janeiro.
1761 Fundação do Arsenal de Marinha do Pará.
95. Manuel R. Querino. Op. cit., p. 143.
96. M. S. Pinto. O Trabalho, as Técnicas e as Invenções ... - In: Carta Mensal 98. Idem, ibidem, p. 215.
n.? 318. set./1981. Rio, Confederação Nacional do Comércio. 1981. p. 16. 99. M. C. F. Lourenço. Oficiais Mecânicos no Brasil Colonial: Glória e Deca-
97. Serafim Leite. Op. cit., p. 48. dência. Pesquisa inédita. FAUUSP. 1982.

162 163
1763 - Fundação do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. 1840 - Fundação da Casa de Educandos Artífices em Be-
1771 O capitão general D. Luís Antônio de Souza insta- lém do Pará.
la uma aula de geometria e desenho técnico, com 1842 A Escola Militar instala curso de Engenharia Civil.
"alunos recrutados à força" (A. Morales de Los Rios 1845 A Escola Militar desdobra-se em Escola Central
Filho). (Engenharia) e Escola Militar propriamente dita.
1781 - Aula de Desenho de Diogo Inácio de Pina Manique 1857 Instalação do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de
(extinta em 1807) em Minas Gerais, onde Antônio Janeiro.
Teixeira dos Prazeres dava aula de Arquitetura e 1858 Criação do Curso de Engenharia Civil na Escola
Desenho. Central.
1810 - Fundacão da Academia Real Militar do Rio de Ja- 1860 Escola de maquinistas no Arsenal de Marinha (R.
nerro. J.) .
Criação da Companhia de Artífices no Arsenal do 1872 Fundado o Liceu de Artes e Ofícios de Salvador,
Exército (R.J .). com aulas iniciadas no ano seguinte.
1874 A Escola Central do Rio de Janeiro transforma-se
1817 Aula de Desenho e História em Vila Rica, sob a
em Escola Politécnica.
direção de Ierônimo de Souza Queiroz.
1876 Fundacão da Escola de Minas de Ouro Preto.
1818 - O pintor Manoel de Costa Ataíde foi designado pro- Decret~ n." 6.277, de agosto, cria comissão para ela-
fessor da aula de Desenho, Arquitetura Civil, Mi- boracão de um Vocabulário Técnico de Engenharia,
litar e Pintura de Mariana uma 'das primeiras tentativas de Normalização Téc-
Aula de Desenho, para leigos, no convento de São nica. Dela fazem parte, entre outros, os engenheiros
Francisco, na Bahia. André P. Rebouças, Francisco Pereira Passos e o
arquiteto e escultor Joaquim Bethencourt da Silva,
1820 Aula de desenho técnico para os aprendizes do Ar- um dos fundadores do L.A.O. do Rio de Janeiro.
senal da Corte.
1878 - Reorganização dos Arsenais de Guerra.
1826 Apresentados à Câmara dos Deputados os primei- - Supressão das oficinas dos Arsenais de Marinha e
ros projetos visando ao ensino de artes e ofícios. paralisação da aprendizagem de ofícios.
Inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes no 1880, - Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Recife.
Rio de Janeiro. 1883 - Início das atividades do Liceu de Artes e Ofícios
1834 - Conversão do Seminário de São Joaquim (R.J.) em de São Paulo.
Escola de Artes e Ofícios, com oficinas de ourivesa- 1884 - Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Maceió,
ria e relojoaria. Esta primeira tentativa teve vida 1885 - Fundacão do Liceu de Artes e Ofícios Sagrado Co-
efêmera porque a escola foi substituída, pouco tem- ração de Jesus, em São Paulo.
. po depois, pelo Colégio D. Pedra I I . 1886 Criação do Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto.
1839 - Reforma da Academia Real Militar, transforman- 1887 Criação do Instituto Agronômico de Campinas.
do-a em Escola Militar. 1894 Fundação da Escola Politécnica de São Paulo e nela
164 165
incluída a cadeira de Tecnologia das Profissões Ele- A partir do começo deste século o ensino técnico profis-
mentares. sional parece perder o impulso que tinha nas décadas anterio-
1899 Criação do Instituto Butantã. res e não acompanhar o aumento da população. Há uma ini-
Criação do Gabinete de Resistência dos Materiais ciativa, em 1909, através de decreto de Nilo Peçanha, criando
da Escola Politécnica de São Paulo. uma escola de aprendizes artífices em cada Estado do Brasil,
1901 Criação da Escola Superior de Agricultura Luís de destinadas porém aos "deserdados da fortuna". Algumas dé-
Queiroz. cadas depois estabeleceu-se no país o ensino técnico ligado às
1922 Criação da Estação Experimental de Combustíveis estradas de ferro. Essas empresas criaram, junto às suas ofici-
e Minérios, no Rio de Janeiro. nas, escolas de mecânicos, fundidores, carpinteiros e marce-
1926 Fundação do Laboratório de Ensaio dos Materiais, neiros, o que sob vários aspectos relembra as iniciativas do
da Escola Politécnica de São Paulo, que deu origem russo Victor DelIa Vos. A participação do suíço Robert Man-
ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (I.P.T.). ge na reformulação do ensino técnico, particularmente no Es-
1927 - Tecnologia Agronômica no Instituto Agronômico tado de São Paulo, também se efetiva nas escolas ferroviárias.
de Campinas. Do que se disse até aqui, convém reter que o sistema da
1931 Fundação do IDORT - Instituto de Organizacão aprendizagem no Brasil, muito antes da extinção das corpo-
Racional do Trabalho. >
rações e da criação das escolas profissionais, já havia sido pos-
to em cheque pela organização do trabalho em cooperação
1940 Criação da Associação Brasileira de Normas Técni-
nas manufaturas, nos arsenais de marinha e, possivelmente,
cas.
também nos arsenais do exército.
Parece-me evidenciada, em seus aspectos essenciais, a
vinculação do ensino técnico escolarizado com a superação
do sistema corporativo medieval. A escola se propõe a substi-
tuir a oficina. A escola profissional gratuita ocupando o espa-
ço deixado pelo aprendizado nas oficinas, pago em dinheiro
ou em tempo de "servidão" do aprendiz. E a partir dessa es-
colarização que se abrem os caminhos para o desenvolvimen-
to das técnicas em nível mais alto que o da tradição empírica
e da transmissão pessoal e direta do saber fazer. E a partir daí
que se pode falar, com propriedade, em tecnologia. Ela come-
ça a se configurar num saber organizado e socializado, alian-
do a prática das artes antigas com os métodos da ciência mo-
derna; corresponde a um certo nível de desenvolvimento das
forças produtivas e a novas relações de produção, em forma-
ções sócio-econômicas determinadas. Por isso, faço chegar a
investigação, na história do Brasil, até o começo deste século,
que é quando a primeira crise do café, em 1910, abala a so-
ciedade brasileira.

166 167
Mas Vasco de Magalhães Vilhena refere-se à tecnologia
ARTES LIBERAIS E ARTES MECÂNICAS:
em época anterior, na Grécia dos séculos VI e V a.C., onde
DO DOMíNIO DA TÉCNICA e quando existia
AO DOMíNIO DOS HOMENS.
DO VERBO À TELEMÁTICA " . .. uma relação estreita entre a técnica e a ciência e entre esta e a
produção.

Estabeleceu-se uma nova ideologia que punha em destaque o que


era artificial e fabricado, que desvelava o papel da indústria humana no
interior do processo social. O progresso das artes sociais, assim como o
das artes mecânicas é obra do homem, pois não há outras técnicas que
não as do homem. E sabido que o homem cria-se a si mesmo graças ao
trabalho; é a mão que faz o homem: não é Engels, mas Anaxágoras
quem o diz. Ele, que foi ao mesmo tempo filósofo e sábio, e natural-
mente, técnico, chegou a Atenas 'lindo da industriosa [ônia, berço da
Com ,?S
dados já r~u,nidos estamos entrando na época técnica e da ciência ocidentais" 4.
contemporanea. Mas convem voltar, ainda que rapidamente
ao passado, em busca das origens gregas da tecnologia. '
.B ainda o mesmo autor que escreve:
_ Não há dúvida quanto à origem da palavra: ela se com- "Portanto, o pensamento técnico grego chegou, no seu momento
p.oe com techné e lagos, como vimos. Techné, por si só, de- de maior brilho, a elaborar a teoria da prática técnica, quer dizer, a tec-
signa antes de mais nada nologia: ciência técnica e técnica científica.

Os tecnólogos gregos foram os primeiros que se esforçaram no


:' ':.'uma atividade prática, manual e material. Em Homero ela evoca a sentido de dar uma base científica à técnica. E este esforço teórico que
idéia de um presente ~.?c~u. P. H. Michel chega mesmo a concluir que a tecnologia moderna volta hoje a empreender" 5.
ant~s ~o IV ~ecul~ ~ ciencia não se distinguia em nada da técnica, e que'
a técnica (coisa divina) rememora, ela mesma, suas origens religiosas" 1. S. Moscovici chama a atenção para a diferença entre as
maneiras de ver o trabalho manual na própria Grécia.
Pierre M. Schuhl refere-se à tecnologia com as palavras
que seguem: "O desprezo pelo trabalho manual é, literalmente, desprezo pelo
trabalho artesanal. Na [ônia e na Ásia Menor, a palavra para designar
_ "S~ certos grandes sofistas foram os precursores da tecnologia o artesão era cheirmas, e traduz a idéia de um homem que sabe coman-
Platao fOI talvez o seu verdadeiro fundador" 2. ' dar seus braços, a idéia de maestria. Na Ática essa palavra não é usada;
lá se usa, pejorativamente, a palavra banausos, que designa sobretudo os
Aristóteles, na Arte (Techné) da Retórica, foi dos primei- artesãos familiarizados com a técnica do fogo" 6.
ros a .empregar a p~lavra. No glossário da edição bilíngüe
gre~o-~n.glesa, traduçao de Iohn Henry Freese, ela aparece com A palavra grega banausia (f3cxllcxVCTUX) significa arte me-
o significado de rules of art 3. cânica ou trabalho manual em geral, e tem sentido pejorativo.

I. Berlrand Gille. Op, cit., p. 122. 4. V. M. Vilhena. Desarrollo Cientijico y Tecnico. Obstaculos Sociales ai Final de
Ia Antiguedad. Madrid, Ed. Ayuso. 197 J. p. 62. 63.
2197,C4f'2Pie1rre ~accard. História Social do Trabalho. Lisboa, Livros Horizonte. 5. Idem, ibidem, p. 82.
. vo., I. vol. p. 85.
6. S. Moscovici. Essai sur l'Histoire Humaine de Ia Nature. Paris, Flammarion.
3.. Aris.toteles. Th e Art of Rhetoric, Edição bilíngüe. tradução de J H 1977. p. 476.
Cambndge (Mas), Harward University Press. p. 482. . . Freese.

168 169
considerando-o coisa grosseira e vulgar. Heródoto havia assi- metalingüísticas, de origem greco:rom~na, distantes d~s ar~es
nalado que os gregos consideravam inferiores os cidadãos que mecânicas e próximas das artes liberais, entre as qU?I~ se in-
aprendiam um ofício, assim como seus descendentes. Platão, luíam desde o primeiro século desta era a gramática e a
na fala de Calicles, refere-se ao construtor de máquinas bé- cetórica. A esta última alguns filósofos referem-se ~omo se~do
licas como homem que pode ser útil, mas que deva ser despre- uma "técnica de persuasão". Desde a época clássica da CIda-
zado, ele e sua arte, e ofensivamente chamado banausos. Aris- de grega escravista (VI e V ~éc~los a.C.), os gregos passam
tóteles diz explicitamente que o poder senhorial é próprio de a ter maior interesse pelas tecmcas de governo.
quem não sabe fazer as coisas necessárias, mas sabe usá-Ias. Vitorino Magalhães Godinho, sobre o mesmo assunto,
O saber fazê-Ias é próprio dos servos, isto é, de gente destina- escreve:
da a obedecer.
"Mas os sistemas de construção helênica ou ,heleníst~ca, mesmo
Essa noção de banausia reflete a divisão da sociedade. parciais, falham. A epistémê, divorciada do tec;hne, redu,zlda a me.ra
em duas classes: aquela dos que extraíam os meios de vida theoria embriaga-se, extravia-se submersa em logos, que e' apenas d.lS-
do trabalho manual e deviam obedecer, e os que, liberados do curso verbal e não apreensão efetiva da verdade. A. d~voradora cnse
cultural e social do tempo do império romano sUbStitUI, ao amor pelo
trabalho manual, eram destinados a mandar 7.
conhecer a busca do êxtase (da elevação da alma para alem do corpo) e
~. Sobre o assunto escreve Benjamin Farrington: do entusiasmo (da presença do deus no ~r.ente). Regressa-se ao ~lto. e
aos ritos. Há um plano de certeza dogmática de crença. logo ~e. indis-
"A ciência, numa sociedade gentílica ou tribal, não pode ser igual cutível; em frente. bem pobre é o pec~Uo das ?O~q~.llstas cientiíicas, ~
à ciência de uma sociedade política. A divisão do trabalho influi no plano da epistémê, mas, apesar ~ii:so: ftca,. ora ms~dlO~a. (como que, ma
desenvolvimento da ciência. O surgimento de uma classe que dispõe de consciência), ora premente, a exigencia de mtegraçao lógica - do logos
tempo de lazer permite a reflexão e a elaboração de teorias. Permite como demonstração da verdade" JO.
também a construção de teorias sem relação com os fatos. E ainda mais,
com o desenvolvimento das classes, aparece a necessidade de um novo Diria que, com licença dos helenistas e ?os. latinist~s, a
tipo de ciência que pode ser definida como 'o sistema de comporta-. tecnologia sofre uma inversão e passa a ser te~mca do ~O?os.
mento pelo qual o homem adquire o domínio dos outros homens'. Quan-
Desde Boécio (VI século), Cassiodoro e Alcuíno, o tnvlU"!
do a tarefa de dominar os homens se torna preocupação da classe diri-
gente e a de domínio da natureza, o trabalho obrigatório de uma outra _ gramática, dialética (lógica) e ,retór~ca - passa a consti-
classe, a ciência toma um rumo novo e perigoso. Para entender plena- tuir a base do ensino das artes hbera,ls: Vale lem~r~r que,
mente a ciência de uma sociedade qualquer, devemos conhecer seu grau colocados os três componentes do trivtum nos vert~~es de
de avanço material e sua estrutura política. A ciência in vacuo não um triângulo, teríamos algo muito parecido com o tnangu~o
existe" 8.
da Serniótica cujos vértices indicam os ramos d,es,sa Te,o!la
Mas, contrariando ou não o sentido da '!ExVOÀ.Or~a. grega Ge~al dos Signos, a saber: a gramática ~ur~', a lógica cnt1~a
antiga, aparece em uso a palavra latina technologia, emprega- e a retórica pura, O quaârivium (Antmet1c~, Geometria,
da por Cícero com o sentido aristotélico de "técnica da arte Astronomia e Música) complementa a formação das classes
oratória", e por Sexto Empírico com o sentido de "arte das de- dirigentes, enquanto o primeiro recobre o conceito greco-ro-
finições" 9. Estas são as acepções que poderíamos chamar de mano de tecnologia. "
. Já vimos como Bacon caracterizou os "ídolos do foro
7. N. Abbagnanno, Dicionário de Filosofia. São Paulo, Ed, Mestre Jou, 1970. e que, para ele:
8. B. Farrington. La Science dans I'Antiquité, Paris, Payot. 1967. p, 15.
9. A. Bailly. Dictionnaire Grec-Français. Paris. H achette. 1828. V. textos clássi- 10. V. Magalhães Godinho. Ensaios IV. Lisboa, Livraria Sá da Costa Edit., 1971.
cos nele citado. p.233:

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"Os homens, com efeito, crêem que a sua razão governa as pala- "As técnicas tendem mais para o domínio dos homens, quer dizer,
vras. Mas sucede também que as palavras volvem e refletem suas for- o domínio da cidade, que para o domínio da natureza.
ças sobre o intelecto, o que torna a filosofia e as ciências sofísticas e
inativas" 11. A tragédia, assim como a retórica, são técnicas de ação sobre os
homens" 15.
Assim, persistindo a vinculação - talvez de origem es-
. . .. Dentre os autores que consultei, quem mais se detém no
tóica - entre tecnologia e trivium, é compreensível que
assunto é J. P. Vernant:
Bacon não se referisse à técnica e nem à tecnologia - sofís-
ticas e inativas -, e sim às artes mecânicas. E que se propu-
"O aparecimento da pólis constitui, na história do pensamento
zesse a substituir, na busca do saber e do domínio da nature- grego, um acontecimento decisivo.
za "A ciência das palavras pela ciência das coisas" 12.
Dois séculos depois, avançando pelo mesmo caminho,
: : : .desde seu advento, que se pode situar entre os sécul~s VIII: e VII,
Saint Simon propõe a substituição do governo dos homens
marca um começo, uma verdadeira inver:ção; por ela, a .vlda .s~cla~ e as
pelo governo das coisas. Eis o que escreve em L'Organisateur, relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade
pondo em uso a palavra tecnocracia, tão discutida atual- será plenamente sentida pelos gregos.,. , . .
mente: O que implica o sistema da pális e pnmeíramente uma extraor-
dinária preeminência da palavra sobre todos os out:os instrumentos de
"Não seria demais repetir: não há ação útil exercida pelo homem poder. Torna-se o instrumento político por excelêncl~, .a chave de toda
que não seja a do homem sobre as coisas. A ação do homem sobre o autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.
homem é sempre, por si mesma, nociva à espécie, pela dupla destruição
de forças que acarreta" 13.
..... Entre a política e o lagos, há assim uma r~l~ção es.treita, vínculo
recíproco. A arte política é essencialmente exercício da linguagem: e o
Mas na sociedade grega, no período mencionado, o In- Iogas, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras, de sua
teresse era outro: eficácia através de sua função política, , .
Historicamente, são a retórica e a sofística que, pela a~a!l~e que
"Ao mundo grego interessava principalmente o domínio do uni- empreendem das formas de discurso como i?stru~ento d~ vrtoría n.as
verso humano, a transformação da matéria social do homem, para com lutas da assembléia e do tribunal, abrem caminho as pesquisas de Aris-
ela criar e desenvolver essa peculiar realidade humana, social, que é uma t6teles ao definir, ao lado de uma técnica .da pe~su?são, regras d~ .de-
inovação do mundo antigo: a Pális. A pólis é a expressão mais alta monstração e ao pôr uma lógica do verdadelf~, propna do ~aber teonco.
do processo de transformação consciente do homem como ser social, ou em face da lógica do verossímil ou do provável, que preside aos deba-
'animal político'. A transformação das coisas da natureza, ou seja, a tes arriscados na prática" 16
prática material produtiva, ocupa, na Grécia, um lugar secundário" 14.
o mesmo autor, na conclusão de seu livro, escreve:
E nesse mesmo sentido que escreve Vasco M. Vilhena:
"A razão grega não se formou tanto no comércio humano com as
11. F. Bacon. Op, cit., p. 35. coisas quanto nas relações dos homens entre si. Desenvolveu-se men9s
12. F. Buisson .. Nouveau Dictionnaire de Pédagogie. Paris. 1911. Apud. Theo- através das técnicas que operam no mundo que por aqueles que dao
baldo de Miranda Santos. Op. cit. p. 241.
13. Apud. Tomás Maldonado. Environnement et Ideologie. Paris, General d'Edi-
tions, 1972. p. 139, nota 36. 15. V. M. Vilhena. Op. cit., p. 70. _ I DIFEL
14. 16. Jean Pierre Vernant. As Origens do Pensamento Grego. Sao Pau o, ,
a Adolfo Sánchez Vázquez. Filosofia da Prúxis. Trad. de L Fernando Cardoso. 1977. p. 34. V. também J. F. Mora, Diccionario de Filosofia, Verbo Retórica.
2. edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977. p. 17.

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meios para o domínio de outrem, e cujo instrumento comum é a lingua- quantitativas: sã~ as ~ormas té.cnicas, de que damos exemplo
gem: a arte do político, do reitor, do professor. A razão grega é a que, em reproduções incluídas no final deste volume. ._
de maneira positiva, refletida, permite agir sobre os homens, não trans- Voltemos à linguagem, à valorização da comumcaçao
formar a natureza. Dentro de seus limites, como em suas inovações, é
filha da cidade" 17.
verbal em detrimento de outras formas de comuni~ação e de
conhecimento. Nestas intervêm as artes, em sentido amplo,
Já vimos, no capítulo VI, como a palavra inglesa tech- que podem ser estendidas da xi1o~~avura à ,lu~eta, com a qu.al
nology se vinculava, no século XVII, à terminologia, à no- Galileu pretendia mostrar os satélites ~e J~plter aos ca:?ea.ls,
menclatura técnica e ao tratamento sistemático de um assun- o que já foi assinalado por diversos hlstor~adores ~a ciencia.
to, como por exemplo a gramática. A lógica, a gramática e Giorgio de Santillana já chamava a atençao para ISSO:
os nomes (portanto a nomenclatura) caminham paralela-
mente até a Idade Média (e até hoje eventualmente) desde "Hrabanus Mauro havia ensinado já no início da Idade Média a
Aristóteles: primazia da palavra. O próprio Dante, admirador de Gio,tt?, m?stra, atra-
vés do uso idealizado que faz de esculturas, no Purgatono, que as con-
"A concepção aristotélica de nome oferece aspectos ao mesmo sidera uma espécie de auxílio didático transf~rmad~ talvez p:lo toque
tempo lógicos e gramaticais, sendo difícil uma separação completa en- divino em algo de efeito cinerâmico em ~rês dlmenso~s, mas al.nda. su~-
tre eles. O mesmo ocorre com as concepções .medievais. A definição do sidlário e ilustrativo, enquanto. que con~lde.r~ a poe~la ~m" ~elo filosó-
vocábulo nomen se dava, na doutrina terminista, dentro da lógiea. Mas fico, uma transformação do objeto em significado cosrruco .
essa doutrina, que incluía o estudo das diferentes classes de vozes, era
paralela à gramática. Nesta questão, os filósofos se referiam tanto ao
citado texto de Aristóteles - De int. I, 1 a 99 ss - como à Gramátiea
Françoise Choay coloca, nos primórdios d~ époc~ mo~er-
(Ars Grammatica) de Donato (fls 333), o mestre de São [erônirno" 18. na, o surto (ou quem sabe não será a .retomada) .~a ~lsuahd~-
de. Seria ocioso lembrar a importância para a ciencia das VI-
Mas ainda circulam as acepções de tecnologia que a sadas de Galileu e da visão de novos mundos pelos navegado-
identificam com a "terminologia de uma arte ou assunto" e res. Vamos ao que escreve a autora citada:
com "nomenclatura técnica". Parece que é nesse sentido que
o padre Rafael Bluteau define seu vocabulário como techno- "O papel da obsetvação visual nas diferentes, práticas ~iscursiv.as
logico. (e não me interessa aqui a extensão que a autora da ao conceito de dIS-
Na língua francesa, apesar da definição de technologie curso) afirma-se no decorrer do século. XV;. o. tes!emunho do olho come-
como ciência, apresentada por Ampêre em 1834, persiste a ça a tornar-se critério de verdade, meio prívilegiado de controle contra
acepção mais antiga, vinculada à linguagem. E o que E. Littré o testemunho da palavra e da tradição" 21.
registra em seu dicionário, transcrevendo palavras de L. Rey-
baud: Já vimos anteriormente alguns aspect?s das disputas en-
tre artes liberais e artes mecânicas. Mas ainda sobre as pala-
"On n'invent rien, si ce n'est des mots, on accroit outre mesure le
bagage des technologies" (E. Littré, verbete technologie) 19.
vras e suas relações com o trabalho, que implicaram n~ des-
locamento da tecnologia da oficina para a gramática, vejamos
Ainda hoje há um setor fundamental da tecnologia que o que escreve S. Moscovici:
se ocupa das definições, não apenas verbais mas também
17. 1. P. Vernant. Op. cit., p. 95. 20. G. de Santillana. O Papel da Arte no Renascimento Científico. São Paulo.
18. J; Ferrater Mora. Diccionario de Filosofia. Verbo Nombre. FAUUSP, 1981. p. 34. . '.. '1 1980 201
21. F. Choay. La Régle et le Modele. Paris, Edítions du Seuil, . p. .
19. E. Littré. Dictionnaire de Ia Langue Française.

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. "A. palavra e a reflexã?, puras, sem qualquer mistura com o que logia em relação à prática, como se ela gozasse do privilégio
diz respelt~ ao mundo da mao ou da matéria. são signos de uma ativi-
de se desenvolver como "cria da ciência", nos levaria de volta
dade supenor.
Nos ~equintes de todas as gramáticas, é onde se deve procurar o à história da técnica como "história da mecânica aplicada" ou
grau d~ refl.namento. da servidão à qual elas correspondem. Uma estra- da "química aplicada". Como se existissem, mecânica e quí-
nha antmeuca co~bma o ato verbal e o ato empírico, fornece as regras mica, platonicamente, no mundo das esferas, à espera de apli-
~e sua amalgamaçao e serve para definir uma arte como mecânica ou cações que cada vez mais se aproximassem da pureza e da
hb,er.al, ~ara pr?clamá-Ia dig.na ou indigna de um homem livre. A Idade perfeição teórica. A tecnologia deve ser entendida em suas
Media ~Istemat.lzou essas diferenças, e as erigiu como critério rígido
duma hierarquia segundo a qual as artes em que intervêm a mão e a relações históricas com a produção, na qual se integra, e com
ferramenta oc~pam em geral uma posição subalterna. As artes liberais as teorias e métodos que. como ciência que é, aplica e reali-
aque~as que sao consagradas de preferência à palavra e à reflexão, são menta.
consideradas como elevadas" 22. A idéia da tecnologia em si nos levaria a uma visão in-
ternalista já bastante criticada no que se refere à história da
. Isto parece evidente e acentuado na acepção de tecna
ciência. Resta-nos encará-Ia como algo indispensavelmente
registrada no vocabulário de Charles Du Fresne:
vinculado à práxis social. Isto quer dizer vinculado a ações
. "!,ecna -:- Artificium, dolus, Fraus, a Gv. ut techna, apud Teren- políticas, o que nos coloca de novo em face aos conceitos e
num, Richer. hb. 4, capo 43 ... . às palavras.
Somos um país que ainda se debate com restos do colo-
Tegna - (Pró Techna) Dolus, Fraus" 23. nialismo; restos que às vezes são tão opressivos quanto o con-
junto de que se originou. Somos em muitos aspectos um país
A técnica perde prestígio até no novo território para o às ordens, governado por cartas régias, descrito por cronistas
qua~ fora de~locada: o da retórica. Assim é que o jesuíta Be- e por brasilianists. A divisão entre artes mecânicas e artes
nedicto Pereira, no seu dicionário registra: liberais reduziu-se entre nós à brutal divisão entre escravos e
senhores. Aos primeiros se impunha a produção; aos últimos
. "Techna, ae - A arte, artifício, enredo, embuste, engano, astú- o mando, a palavra e o pensamento, e assim mesmo na medida
era, maranha, trapaça, C. Terent." ,
em que não produzissem confronto com as cartas, as ordena-
"Technologus, i - O sofista, que disputa artificiosamente. 2 3
b. graec." ' , ções, as ordens. A independência foi um arroubo verbal não
"Techn0.Lo.gia, ae - Disputa, e oração artificiosa, ou disputa so- realizado. Não se aboliu a escravidão, como pretendia José
bre a arte, officina das artes. 2, 3, b: ac graec" 24. Bonifácio. Nossa história é cheia de rasgos oratórias: a repú-
blica foi "proclamada" e ainda aguarda aberturas. A tecnolo-
Todas essas con~iderações servem, a meu ver, para mos- gia entra nessa história como uma das tantas palavras miste-
trar o ser da .tecnolo,.?la - o ser histórico -, que se transfor- riosas. Apavora-nos a complexidade de seus mistérios, mesmo
ma, na sua vinculação, com os modos de producão, e só inte- quando os antropólogos a usam no sentido tão corriqueiro de
grado a eles tem significações. Admitir a autonomia da tecno- trabalho. Amedrontados, não nos atrevemos a fazê-Ia; é mais
22. S. Moscovici. Op. cit., p. 479.
fácil comprá-Ia. Empenhar as calças para importar sem crité-
23. Carolo. Du .Fre.s~e. Domino Du Cange. Glissarium Mediae e/ lnjimae Lati- rios de conveniência e negar apoio aos que se lançam na aven-
nttatts. Paris, Librairie des Sciences et des Arts. 1938.
tura de inventar, de projetar, de fazer. E é nessa ousadia de
24. BeÉnedictoPereyra S. 1.. Prosodia in Vocabulariu Bilingue Latinum et Lusita-
num. vora, 1711. pensar e fazer as casas, as cidades, as coisas, as fábricas, usi-

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nas e má.quinas, fazê-Ias do risco ao objeto acabado, que há alianças e na ação prática, em momentos precisos, e em mo-
de se abrir o caminhei da independência. E claro que no nível bilização. '
de trabalhos como este, só cabe chamar a atenção e esclarecer O insucesso do modelo político dos últimos anos, no Bra-
os engodos da linguagem que vem se impondo como instru- sil, até em termos eleitorais, parece indicar que o pacto social
mento de dominação. A tecnologia, no sentido estrito de ciên- imposto não resistiu ao exame prático.
cia, d~ produção ou no sentido amplo que a identifica com o A linguagem ainda merece algumas observações.
propno trabalho e seus produtos materiais, não tem frontei- O Brasil foi colonizado, praticamente desde o início,
ras no s~ntido. de li~it~s ,que privilegiam um lugar de geração. com o apoio, ora maior ora menor, e ora com conflitos, da
E nem e. p~eclso adJ.~tl.va-la com atenuantes: tecnologia doce, Companhia de Jesus. O discurso da Contra-Reforma - o dis-
tecnologia intermediária, tecnologia alternativa ou tecnologia curso Tridentino - era o instrumento catequético. Não é pre-
a.deq~ada. Se ~ntendid~ como ciência, não se lhe dêem quali- ciso invocar as exceções, que só valem porque denunciam a
ficações que .nao se atnbuem a nenhuma das ciências. Se prá- regra: Las Casas, Vieira e talvez outros. O fato é, ou parece
tica, no sentido que se aplica às relações entre o homem e a que foi, o da catequese como instrumento de dominação ou
natureza, também não cabem os adjetivos. Desconfio deles. de confirmação de um domínio anteriormente estabelecido à
Parecem querer dizer que chegamos atrasados ao banquete de , força.
Malthus, e que devamos por isso ficar com as migalhas. A palavra da dominação, imposta aos "primitivos" pela
Ainda que as coisas aqui permaneçam inevitavelmente força ou pela retórica, técnica dos meios de persuasão, a tec-
yerbal.ízadas, é preciso levá-Ias à prática, à prática política nologia greco-romana, é o Trivium jesuítico. Mas é preciso re-
inclusive, e talvez até principalmente. conhecer que, a menos que nos coloquemos numa posição
As considerações que já fizemos acerca dos vínculos en- ingenuamente conservacionista, o caminho da libertação do
homem é contraditório: a exploração mais forte é também
tre a _tecnologia, como integrante das forças produtivas, e as
mais clara, mais nítida, e as grandes soluções surgem dos gran-
:elaçoes de produção, não deixam dúvida de que não creio em
des problemas.
Independência tecnológica apoiada na exploração brutal do
Da mesma forma que o discurso colonizador tridentino,
trabalho. Não devem deixar também dúvida de que a questão
destinado ao gentio, 'apresenta-se hoje o discurso tecnológico.
não é apenas do "discurso tecnológico" e de uma linguagem
Não está isento de visões maravilhosas do futuro, já agora
de venda de tecnologia aos países "em desenvolvimento". Não futuro terreno. A comparação me parece pertinente. Se as re-
levamos a semântica a esse nível. Essas coisas têm base real duções jesuíticas se apresentavam como meio de incorporação
e. efetiva no pr?prio processo de desenvolvimento do capita- dos nativos ao mundo europeu urbano, com seus artesões,
lismo monopolista, que cria, para dela servir-se, uma lingua- seus arruamentos regulados e reguladores, sua organização so-
gem mistificadora. cial topograficamente amarrada - o homem primitivo inte-
Não se trata também de levantar uma grande bandeira grado ao processo europeu -, o discurso tecnológico tem o
d: unida~e "tecnológica" que se sobreponha a todos os con- sentido colonizador que lhe é dado pela idéia de "um mundo
flitos. Seria absurdo sequer tentá-los, pois, como vimos a te c- só". Não há diferenças nem distinções que se possam hoje es-
nologia moderna surge precisamente no contexto conflitante tabelecer face à uniformização tecnológica. As microondas,
do capitalismo industrial. Mas em política, como em tantas o radar e os satélites superam todas as distâncias, e com elas
~ut~a~ cois~s.'~? princípios, teorias, estratégias e táticas. A todas as diferenças, pois as diferenças são insistentemente
praxis política vale também na "política tecnológica", nas apresentadas como geográficas, apenas.
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E aí que surge a telemática, sistema de transmissão de TECNOLOGIA E TRABALHO
ordens pelo qual uma fábrica situada no Brasil opera, no dia-
a-dia, com ordens vindas do exterior. De Tóquio ou de Nova
York, de Detroit ou da Alemanha. Os estoques, os pedidos,
as vendas, os preços e até a programação das máquinas e das
linhas de produção, tudo é registrado, decidido e ordenado do
exterior. Dos pedidos de matéria-prima oule componentes, do
desenho, do tipo de produto até o horário de fechamento dos
portões, tudo está despersonalizado, alienado e delegado ao
sistema de comunicação que supera a própria diferença das
línguas nacionais. Se os gravadores, desde os cilindros de
Edison até os de fita magnética, destinavam-se ao registro de
palavras, hoje registram ordens não-verbalizadas, sim-ou-não, Já vimos, no primeiro capítulo, como o americano Mel-
que é mais barato. vin Kranzberg se refere à tecnologia dizendo que ela é "muito
Todas essas colocações, que faço com intenção mais pro- mais do que ferramentas e artistas, máquinas e processos";
vocativa e estimulante do que descoroçoante, poderiam ser que ela "põe em evidência o trabalho humano, as tentativas
sintetizadas nas frases: de o homem satisfazer seus desejos mediante a ação humana
No início era o Verbo: sobre os objetos físicos". Esta é a questão abordada também
Cortaram a língua de Tupac Amaru por Peter F. Drucker, e que vou esmiuçar, a partir do que es-
Hoje é a Telemática: creve Marx:
"Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o
Deus ex-machinal
hO.,!TIe~e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria
açao, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natu-
r~za. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em mo-
vu~ento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos,
~ ~1lI!d~ apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-Ihes forma
útil a vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modifi-
cando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as
potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das
forças naturais. Não se trata aqui das forças instintivas, animais, de tra-
balho. Quando o trabalhador chega ao mercado para vender sua força
d: trabalho, é imensa a distância histórica que medeia entre sua condi-
çao e a do homem primitivo com sua forma ainda instintiva de traba-
lho. Pressupomos o trabalho sob forma exclusivamente humana. Uma
ara~ha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera
~als de um arquiteto ao construir sua colméia. Mas o que distingue o
p~or arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua constru-
çao antes de transformá-Ia em realidade.
. . No fim do processo do trabalho aparece um resultado que já
exisna antes idealmente na imaginação do trabalhador" 1.
1. K. Mau. O Capital. Livro I. Vol. 1, p. 202.

180 181
Ainda na mesma obra, Marx escreve: Voltando ao texto de Marx:
"O processo de trabalho, que descrevemos em seus elementos sim-
ples e abstratos, é atividade dirigida com o fim de criar valores-de-uso, "Os elementos componentes do processo de trabalho são:
de apropriar os elementos naturais às necessidades humanas; é condi- 1. a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho;
ção natural eterna da vida humana, sem depender, portanto, de qualquer 2. a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho;
forma dessa vida, sendo antes comum a todas as suas formas sociais.
Não foi por isso necessário tratar do trabalhador em sua relação com 3. os meios de trabalho, 9 instrumental de trabalho".
outros trabalhadores. Bastaram o homem e seu trabalho, de um lado, a
natureza e seus elementos materiais, de outro. O gosto do pão não revela É conveniente comparar esta formulação com a questão
quem plantou o trigo, e o processo examinado nada nos diz sobre as das Causas, preocupação da filosofia grega sistematizada na
condições em que ele se realiza, se sob o látego do feitor de escravos ou Física de Aristóteles com o enunciado de quatro causas, exem-
sob o olhar ansioso do capitalista, ou se o executa Cincinato lavrando
algumas jeiras de terra ou o selvagem ao abater um animal bravio com plificadas com objetos produzidos pelo trabalho humano e
uma pedra" 2. que são:
Já em 1844 Marx se referia ao trabalho nos seguintes 1. Causa Material - refere-se àquilo de que algo surge ou mediante
termos: o qual chega a ser, àquilo de que é constituído o objeto. Ex.: o
bronze é a causa da estátua, a prata o é do arco ..
"A indústria é a relação histórica real entre a natureza e, portanto,
as ciências naturais e o homem. Através da indústria, a produção ou o 2. Causa Formal - refere-se ao arquétipo, à forma que se pretende
trabalho, a natureza se adapta ao homem, pois nem a natureza objetiva- dar ao objeto produzido ou ao objeto restaurado. Liga-se ao con-
mente, nem a natureza subjetivamente, existem de modo imediatamente ceito de eidos e paradigma, do que é antes de ser.
adequado ao ser humano" 3. 3. Causa Eficiente - refere-se à mudança, à transformação da matéria
pelo trabalho.
José Arthur Giannotti, comentando os trechos de O Ca- 4. Causa Final - é a realidade à qual algo tende a ser. Associa-se à
pital acima transcritos, escreve: idéia de utilização, emprego ou uso, à satisfação de um fim.

"O lugar ocupado por essa análise, no curso do desenvolvimento


teórico das categorias fundantes do modo de produção capitalista, indica E no que se refere a esta última causa várias discus-
claramente seu caráter abstrato e o intuito do autor é contrapô-Ia à in- sões podem ser abertas. Do ponto de vista aqui defendido, no
vestigação moda!. que se refere à tecnologia, a questão do como são feitas as
coisas, em que condições históricas da produção teria mais
O interesse de Marx centra-se, pois, em opor o trabalho abstrato
relevo do que a questão das coisas que são feitas; a esta últi-
comum a todos os sistemas produtivos ao trabalho caracterizadamente
capitalista. ma está afeta a causa final.
Mas no ideário da arquitetura moderna, do urbanismo e
Observe-se que no caso a investigação se situa antes da história, do desenho industrial, a noção de causa final persiste e se for-
na tentativa de explicar suas condições abstratas. Nessas condições, se talece associada à noção de função. Daí tem resultado um fra-
pretendermos levar a cabo uma investigação sobre o trabalho, não nos
cionamento, já hoje sensivelmente prejudicial, do campo da
resta outro recurso senão o de nos trasladar para um modo de produção
determinado'.' 4. arquitetura e que a supõe dividida em diversas arquiteturas,
tais como habitacional, escolar, hospitalar, esportiva, indus-
2. K. Marx. Op. cit. Livro I, vol, 1, p. 208. trial, bancária etc.
3. K. Marx. Manuscritos de 1848.
4. J. Arthur Giannotti. Origens da Dialética do Trabalho. São Paulo, DI FEL, Pretende-se com isso dividir a arquitetura segundo um
1966. p. 225. critério que não me parece aceitável nem mesmo para a tec-

182 183
nologia, apesar de que, quanto a esta última, várias classifica-
preende as Forças Produtivas. Mas é evidente que ,?~~i~tor~a-
ções finalistas ou funcionais têm sido propostas.
dores arqueólogos e antropólogos que estudam a civilização
A

Mas é, por outro lado, inegável que o como e o porque


material" não se podem contentar com o exame dos Modos de
estão intimamente relacionados, e ainda que o porquê, em ter-
Produção e deixar de lado os próprios objetos produzidos. Se,
mos de causa final, tem um caráter recorrente, de modo que a
como escreve Marx, o que distingue as diferentes épocas e~o-
causa final de uma etapa passa a ser causa material na etapa riômicas não é o que se faz, mas como se faz, com que meIOS
seguinte de uma seqüência de atividades produtivas. . de trabalho se faz 6, o historiador, no seu ofício, trata também
Poderíamos dizer que tanto a função, no caso da arqui- de objetos e da temporalidade, e é preciso freqüentemente des-
tetura como a causa final no caso da tecnologia têm posição cobrir nas coisas feitas o como foram feitas. Essa descoberta
exter~, ainda que historicamente determinante e determina- permite (ou possibilita) vin~ular a uma ?e,t~rminada época
da. E nesses termos a questão é política e não tecnológica, e 'econômica, por amarração direta ou por enterros excludent~s,
politicamente deve ser discutida. Talvez seja mais adequado as coisas feitas. Isto quer dizer que o exame fatual ou obje-
colocá-Ia em termos das relações de produção. tivo (relativo ao objeto) se vincula - para afirmá-Ia ou re-
Voltando aos elementos do processo de trabalho, vamos vê-Ia - a uma teorização anterior.
à questão dos meios de trabalho. Nesse sentido parece-me que a conceituação de André
Haudricourt é extremamente clara e de grande importância
"O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas, que
o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve metodológica para a História. Mas será ela igualmente clara
para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades quando se trata de examinar a tecnologia como element? ho-
mecânicas físicas químicas das coisas, para fazê-Ias atuarem como for- je integrante, e não apenas espectador das Forças Produtivas?
ças sobre ~utras c~isas, de acordo com o fim que tem em mira" s. Quando a tecnologia não é apenas um instrumento de análise,
mas um instrumento de produção?
Podemos verificar então, claramente, que a maior parte Quero que fique claro que não estou criticando o autor
dos autores anteriormente citados neste texto - historiado- citado por uma de suas frases em um de seus textos. Mas,
res, filósofos e tecnólogos - conceitua como tecnologia, ora como tenho presente a necessidade de estarmos armados para
o trabalho, ora os meios de trabalho,'mas poucos são os que o debate e para decisões políticas em geral, e de política tec-
a conceituam como uma reflexão sobre o trabalho. nológica em particular, creio que o conceito de tecnologia de-
Estando as coisas nesse pé, vou tentar circunscrever mais va se referir particularmente ao papel que ela tem na produ-
estritamente o conceito de tecnologia que apresentei no pri- ção e no mundo moderno.
meiro capítulo. Já se viu como, para An~ré Haudri~ourt, a Díria então que:
tecnologia é a ciência das forças produtivas, conceito que
adota em oposição ao que caracteriza como um desvio da óti- A tecnologia moderna é a ciência do trabalho produtivo.
ca universitária do século XIX, que privilegiava o estudo dos Por que moderna? Porque não se confunde com a tecno-
Modos de Produção em detrimento do estudo das Forças Pro- logia jônica, referida por Vasco Magalhães Vilhena 7; não se
dutivas. confunde também com a tecnologia política greco-romana que
Parece-me que tal oposição não era necessária, pois a acabou quase absorvida pelo Trivium de Boécio e Alcuíno.
categoria Modo de Produção não exclui, ao contrário, com- A tecnologia a que me refiro é aquela que começa a ser con-
6. K. Marx, o Capital. Livro I, vol. 1, p. 204.
S. K. Marx. o Capital. Livro I, vol. I, p. 203. 7. V. página 172.

184 185
cado em seu interior - através de qualquer das facetas do
ceituada por Christian Wolff, por Beckmann e pelos "tecnó- tetraedro. .
logos" alemães no século XVIII, e muito mais próxima da A confusão conceitual em torno da tecnologia alastra-se
Philosophy of Manufacture exposta por Ure do que da acep- inevitavelmente aos seus componentes. No Brasil, talvez par-
ção que o mesmo Ure dava a technology. ticularmente; as denominações e as definições dos campos
Por que trabalho produtivo? Porque, com redundância, conceituais e de trabalho estão sujeitas a decisões em três ní-
a tecnologia diz respeito ao trabalho em que está envolvido o veis que não se comunicam com a .necessária coor.?enação: o
capital, o que é característico, obviamente, da economia capi- da prática profissional, que se manifesta por presso~s de m~r-
talista. Não teria sentido, portanto, falar de tecnologia do cado, o nível da universidade, que deve tAer.em vista, ~lem
neolítico ou da Idade Média, a menos que nos refiramos a aná- dessa "prática" oriunda da demanda econormca, os projetos
lises "tecnológicas", à luz da tecnologia, no sentido amplo que a própria universidade deveria necessariamente ter em
que A. Haudricourt lhe dá, das condições de trabalho e de vista para o futuro do povo brasileiro, e o n,íve! ~m que ~e
produção em sociedades antigas. delimitam os campos de trabalho - as atribuições profis-
Nestes termos, ela é atividade que se desenvolve em ou- sionais -, que constituem objeto de legislação .federal.. ~ela
tro nível que não o da atividade técnica operatória. . têm grande peso as diferenças regionais, que seriam definidas
E claro que esse lugar de ciência do trabalho vem sendo mais precisamente em termos de meio.histórico do que.e~ ter-
disputado por várias disciplinas. A Ergonomia é uma delas. mos de meio físico ou meio geográfico. no senso estnto de
Definida como disciplina que trata da organização racional geografia-ftsica. . _
do trabalho ou do estudo do ambiente, das condições e da efi- Como resultado disso, os campos de trabalho estao em-
ciência dos trabalhadores, ela é evidentemente parcelar (e baralhados, superpõem-se denominações que freqüentemente
parcial), e estaria compreendida na tecnología. resultam de traduções puramente comerciais e ~e.nos. rigoro-
Definida como ciência, a tecnologia teria em seu âmbi- sas, e que estão também sujeitas às modas, que privilegiam ora
to os três componentes do processo de trabalho a que se refe- "as tecnologias" (sic), ora "as engenharias" (fracionando a en-
re Marx, e poderíamos representá-Ia, como construção con- genharia em várias centenas de especialidades), ora a "moder-
ceitual, através de uma construção, volumétrica. O modelo nização", ora o "desenvolvimento",
seria um tetraedro regular, sólido, que tem quatro faces trian- Apesar disso - sabendo dessas di.fi.culdades e da p!e-
gulares iguais, sendo cada uma delas contígua a todas as ou- cariedade de uma proposta de modelo unificador, quando am-
tras. Nelas, que poderíamos imaginar transparentes, se inscre- da prevalecem critérios empírico-nominalistas -, vejamos ~e
veriam os componentes da tecnologia, que correspondem aos que maneira se podem agrupar os componentes da tecnologia
do processo de trabalho. Esta representação geométrica, que e distribuí-los pelas faces do tetraedro.
parece ter certa originalidade, completa-se portanto com as
inscrições:
I - A Tecnologia do Trabalho.
1. TECNOLOGIA DO TRABALHO
11 - A Tecnologia dos Materiais.
111 - A Tecnologia dos Meios de Trabalho.
o trabalho - ação do homem dirigida a fins. deter-
IV - A Tecnologia Básica ou Praxiologia. minados - é atividade material orientada por um projeto. O
O modelo proposto permitiria o exame do mesmo obje- homem modifica a natureza pelo trabalho e modifica-se a si
to - por exemplo, um trator agrícola, que suporíamos colo-
187
186
mesmo, inclusive desenvolvendo suas habilidades. Incluem-se fia das Manufaturas, seriam hoje classificadas na ergonomia,
aqui as ques~õe.s relativas aos movimentos, gestos e atitudes palavra recente, usada a partir de 1949, e que designa
no trabalh~, ~n~Imamente ligadas à questão dos tempos de tra-
balh? .A divisão do trabalho em seus diversos níveis (social, "O conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e
prof.IsslOnal ou as formas mais antigas de divisão por sexo ou necessários à concepção de instrumentos, máquinas e dispositivos que
por Idade), e as relações entre os trabalhadores no processo de possam ser utiliza~os com o máximo conforto, segurança e eficiência" 9.
tr~balho. (trabalho artesanal e trabalho em cooperação tam-
Mas o elevador em si, como "equipamento" incorporado
bem se mcluem neste item), assim como o que se refere às
ao edifício industrial, deve ser inscrito em outra face do te-
f?rmas de transmissão do conhecimento e das habilidades no
traedro - a dos Meios de Trabalho -, sem nada que o dis-
sistema da aprendizagem ou no sistema escolarizado. Da mes-
tinga dos monta-cargas empregados para transportar merca-
ma maneira, devemos incluir as questões referentes à seguran-
ça e à medicina do trabalho. dorias.
Outra questão do gênero é' a Organização do Trabalho,
Algu~s f~tos históricos ajudam a entender o que se agru- Organização Científica ou Racional do Trabalho ou Gestão
p_aneste p~lmelro.ramo da tecnologia. Comecemos com a ques- Cientí~ica, nomes que, usados nuns e noutros países, têm um
tao da fadiga, pOIS a ela se referem os primeiros estudos mo- recobrimento razoável de significados, de modo a permitir
dernos sobre o trabalho e o esforço físico. Como é sabido aceitá-Ios como sinônimos no âmbito deste texto. Parece-me
(mas pouco lembrado), os elevadores para passageiros foram possível inscrever essa disciplina também na primeira face do
propostos par~ uso nas fábricas iriglesas já no começo do sé-
culo XIX, muito antes do seu emprego em qualquer outro ti-
po de edifício. As fábricas daquele tempo eram, tipicamente,
-
tetraedro, sem prejuízo, como é também o caso da ergonomia
dos contatos com outras faces.
Antoine Laville coloca Vauban e Bélidor como precurso-
'

I?s.taladas em edifícios de vários andares e servidas por um res das pesquisas sobre as cargas de trabalho físico, medin-
U~ICO~~ ~ventualmente alguns poucos motores a vapor. Em do-as nos próprios locais de trabalho, já no século XVII. Em
tais edifícios, o deslocamento dos trabalhadores era cansati- 1760, outro francês, o engenheiro Jean-Rodolphe Perronet
vo. Andrew Ure refere-se a experiências feitas, ainda no sé- cronometrou e calculou o custo de cada operaçao na fabrica-
culo XVIII, pelo físico Charles Aúgustin Coulomb, sobre o ção de 12.000 agulhas. O inglês Charles Babbage, no livro On
esforço muscular necessário para subir escadas. Chegou-se à lhe Economy 01 Machinery and Manuiacture (1832), apresen-
determinação mais precisa desses esforços: um homem, pesan-
ta tabelas de tempo e custos de cada operação na fabricação
do ~erca de 50 quilos, ficava completamente exausto quando
de alfinetes, reproduzi das no livro de H. Braverman "'.
sU~la em 32 segun?os uma escada de 22 metros. A partir daí
'Mas a Gerência Científica ou Organização Racional do
estimou-se a quantidade de trabalho mecânico "desperdiçado"
Trabalho foi fundada pelo americano Frederick Winslow
numa ~essas fábricas 8. Ure descreve e apresenta desenhos por-
Taylor nas últimas décadas do século XIX. Ela é resultante
menorizados de um elevador inventado por William Strutt e
de um esforço no sentido de aplicar os métodos da ciência aos
por Frost. (O arquiteto William Strutt projetou a primeira
problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas
grande fábrica têxtil com estrutura metálica com seis anda-
empresas capitalistas. O americano Taylor e o francês Henri
res, em Derby, 1792/93.) ,
Fayol, contemporâneos, dividem em parte a responsabilidade
Experiências como essas, que Ure inclui na sua Filoso-
9. A. Laville. Ergonomia. São Paulo, E.P.U/EDUSP, 1977. p. 6.
8. A. Ure. Op, cit., p. 45 et seqs. 10. H. Braverman. Op. cit., p. 78. V. também F. Klemm. Op. cit., p. 248.

188 189
na inauguração desse ramo do controle do trabalho e da pro- A gerência moderna - a Organização Racional do Tra-
dutividade. balho - apoiou-se nesses princípios. A ela vieram se juntar
outras disciplinas de origem mais nitidamente científica,
"Taylor criou uma linha singela de raciocínio e a expôs com lógi- alheias à fábrica, mas que tentariam oferecer soluções para os
ca e clareza, fra.nqueza ingênua e zelo evangélico que logo conquista- problemas surgidos na indústria moderna nas novas condições
ram fortes seguidores entre capitalistas e administradores. Sua obra da divisão do trabalho na fábrica. Tal é o caso da psicologia
começou pc:r v.olta de. 1880, mas. foi só na década seguinte que iniciou
suas conferências, artigos e publicações" 11. e da sociologia do trabalho 13.
Depois de Taylor, Henry L. Gantt foi um dos mais im-
o taylorismo se propagou, na América, "como um in- portantes defensores e praticantes da Organização Racional
cêndio na planície" e também nos países industrializados da do Trabalho. Discípulo de Taylor, levou sua obsessão pela ra-
Europa. Na França foi chamado de "Organisation scientifique cionalidade a ponto de propor a centralização de todo o po-
du travail" e, posteriormente, "Organisation rationelle du tra- der social nas mãos de técnicos especializados - um? tecno-
vail" . cracia 14. A ele se devem os gráficos de previsão e controle do
Braverman transcreve e comenta a seguir, na mesma andamento de obras (gráfico de Gantt) até hoje usados, sob
obra, os princípios do taylorismo: formas mais elaboradas, em diversos tipos de cronogramas e
de gráficos de controle de obras. B o caso dos Progress
~.o _ "O a?l~inístrador assume . .. o encargo de reunir todo o charts, dos gráficos de PERT (Progress Evaluation and Re-
conhec~mento tradlC?~nal que no passado foi possuído pelos trabalhado- view Technique) e de C.P.M. (Critical Path Method).
re~ e al?da de ,~lasslflcar, tabular e reduzir esse conhecimento a regras, Contemporâneos de Taylor e Gantt são os dois Gilbreth,
leis e formulas', Frank e Lilian - marido e mulher -, ele engenheiro e ela
psicóloga. Gilbreth interessou-se pelo estudo dos movimentos
Parece-me que estamos em presença de um daqueles e tempos no trabalho, tendo em vista a eliminação dos movi-
atos de ruptura dos segredos de ofício, de eliminação dos mis- mentos desnecessários. Estudou a semelhança entre as atitu-
térios a que já me referi. des e gestos e diversas atividades humanas, e levou seu rigor
Braverman enuncia este primeiro principio como o de analítico ao ponto de acreditar que a habilidade nos ofícios,
"dissociação do processo de trabalho das especialidades dos em todas as formas de atletismo e também em atividades co-
trabalhadores" . mo a do cirurgião, está baseada em uma série comum de prin-
cípios fundamentais 15. (Convém lembrar que cirurgia vem do
2.° - "Todo possível trabalho cerebral deve ser banido da ofici-
na e centrado no departamento de planejamento e projeto". grego chiros, que quer dizer mão.)
Gilbreth foi o primeiro americano a usar os recursos do
Este princípio implica na separação entre o trabalho in- cinema, então -nascente (1912), para registro e estudo dos ges-
telectual e o trabalho manual. tos e movimentos, a partir do que construiu modelos espaciais

13. Sobre o trabalho na URSS ver: M. Yaroshevski e Y. Zinévich: La praxis social


3.° - "Refere-se na preparação prévia, pela gerência de todas as y el desarrollo de Ia doctrina sobre el trabajo en Ia ciencia soviética. In: La
tarefas a serem executadas pelos trabalhadores. B um corolário do prin- Ciencia y Ia Tecnica : el Humanismo y el Progresso. Moscú, Academia de Ciencias
cípio anterior" 12. de Ia U.R.S.S., 1981.
14. David F. Noble. Op. cit., p. 63.
l l , H. Braverman. Op. cit., p. 86. 15. S. Giedion. Op. cit., p, 117. Confronte-se com o trecho de O Capital trans-
12. Idem, ibidem. p. 101 et seqs. crito à p. 181.

190 191
"materializando" os movimentos de trabalho. A fotografia es- e muito pouco a Taylor. Mas não deixa de registrar a inven-
ção, por Taylor e White, do aço com tungstênio, cromo e va-
troboscópica também foi usada nessas análises cinéticas.
Taylor sempre esteve ligado à .indústria mecânica e me- nádio para uso na fabricação de brocas, apresentada na expo-
talúrgica; Gilbreth era oriundo da indústria da construção e sição de Paris em 1900.
H. Braverman, autor já citado, faz constatações interes-
a e~ta dirigiu suas pesquisas, da qual resultaram dois livros:
Concrete System, que tem por objeto o trabalho de estruturas santes sobre este aspecto particular da questão que estamos
de concreto, e Bricklayng System, que estuda o trabalho dos examinando:
pedreiros no assentamento dé tijolos.
"A Revolução Técnico-Científica.
Estas questões abrangidas pela Organização Racional do Considerada de um ponto de vista técnico, toda produção depende
Trabalho e pela ergonomia (pelo menos parte dela) são nu- das propriedades físicas, químicas e biológicas dos materiais e dos pro-
cleares para a tecnologia do trabalho, pois referem-se ao cessos que se baseiam nelas. A gerência, em suas atividades como orga-
trabalho produtivo, ou seja, ao trabalho que produz valor de nizadora do trabalho, não lida diretamente com esse. aspecto da pro-
dução; ela meramente proporciona a estrutura formal para o process~
mercadoria, valor excedente para o capital. Excluiu-se dessa
produtivo. Mas o processo não está completo sem o seu conteúdo, que e
categoria todo trabalho que não é trocado por capital. Os que uma questão da técnica. Esta, como já foi observada, é primeiramente a
trabalham por conta própria -lavradores, artesãos, artífices, da especialidade, do ofício, e depois assume um caráter cada vez mais
comerciantes ou profissionais liberais e empregados domésti- científico à medida que o conhecimento das leis naturais aumenta e des-
cos - não cabem nessa categoria: estão fora do modo capi- titui o conhecimento fragmentário e as tradições fixadas do ofício" 17.
talista de produção. O que distingue o trabalho produtivo do (Grifos meus - R.G.)
trabalho improdutivo não é o produto, mas o como é produzi-
do, em que condições da divisão social do trabalho.
. Um alfaiate, trabalhando em casa ou na sua oficina pes-
2. TECNOLOGIA DOS MATERIAIS
soal, não exerce trabalho produtivo. Outro alfaiate, produzin-
do roupas semelhantes, mas como empregado de uma "con-
fecção", exerce trabalho produtivo. E por isso que a tecnolo- O objeto .do trabalho é aquele sobre o qual se exerce a
gia moderna, como a conceituo, é moderna, ou seja, é contem- ação do homem. A Terra é o objeto universal da ação dos
porânea ao capitalismo e, redundantemente, é a ciência do tra- homens e as coisas são pedaços da Terra que o homem separa
balho produtivo, característico do sistema capitalista. Deti- pelo trabalho. E evidente que o planeta Terra já não detém
ve-me demasiadamente nesses aspectos da tecnologia do tra- hoje com exclusividade a ação do homem. O objeto de traba-
balho por que não é usual, entre os autores especializados, lho de uma etapa pode ser produto de uma' etapa anterior:
incluir coisas como a O.R.T. e a ergonomia na tecnologia. uma tora de madeira é produto do trabalho do madeireiro, mas
Quanto a esta última, é verdade que Antoine Laville a ela se é objeto de trabalho na serraria que, por sua vez, as fornece
refere como "uma tecnologia", deixando evidente, a meu ver, aos carpinteiros e marceneiros na forma de vigas, tábuas e
que é mais fácil aceitar a "proliferação" das tecnologias do pranchas como objetos de trabalho.
que propor uma unificação sistemática. Bastante sintomático Assim sendo, a tecnologia dos materiais estuda, desde
é também o fato de que Trevor I. Williams, na sua obra mais as matérias-primas que estão no início de uma cadeia (petró-
recente 16, não se refere a H. Fayol, à Industrial Organization leo, p. ex.), até as modernas resinas sintéticas dele oriundas,
16. Trevor I. Williams. A Short History 01 Twentieth, Century Technology, New 17. H. Braverman. Op. cit., p. 135.
York, Oxford Univ. Press, 1982. Passim.
193
192
que são os materiais usados na fabricação dos mais variados
objetos de uso diário, doméstico ou industrial.
Poucos são os materiais utilizados in natura. Podería-
mos dizer, utilizando uma denominação antiga, que os mate-
'riais provêm dos "três reinos da natureza": o mineral, o ve-
getal e o animal. A Terra é não apenas o solo agrícola, mas a
superfície e o subsolo, com os minerais ou os materiais orgâ-
nicos fossilizados; é a água, na superfície ou no subsolo; é
o ar do qual o homem ou os próprios vegetais extraem gases.
Dos vegetais se extraem fibras, madeira, essências e óleos que
abastecem largos setores da produção. E só pensarmos na ali-
mentação para lembrarmos a importância dos produtos vege-
tais e animais. Os mais antigos registros de conhecimentos e
de regras técnicas talvez sejam aqueles ligados à agricultura.
O poeta grego Hesíodo terá sido o primeiro. Depois, há uma
longa série de autores latinos que escreveram sobre agricultu-
ra ou, mais genericamente, sobre as "coisas rústicas" (scripto-
res rei rusticae, que incluíam a pecuária, a astrologia, meteo-
rologia e geografia, desde o cartaginês Magão até os romanos
FiR. 4: Represf'nlação Espaciat da Tccnologiu
Catão, Virgílio, Varrão, Columella e Plínio na antiga Roma,
até Rutilo Tauro Emiliano Palladio (autor latino que teria vi-
arsenais ficou evidenciada nas palavras de Salvati, que fala
vido no quarto século e cujos catorze livros De Re Rustica
foram impressos pela primeira vez em Veneza no ano de 1472) pelo próprio Galileu nos Discorsi:
e Pietro de Crescenzi (1230-1321), de Bolonha, que foi talvez
"A constante atividade de vosso famoso arsenal, cidadãos de Ve-
o último dos grandes autores geórgicos 18. neza, proporciona aos estudiosos um amplo campo de meditação, parti-
Mas apesar de registrados em livros, esses conhecimen- cularmente no campo relacionado com a mecânica, uma vez que todos
tos, esses receituários técnicos não são ainda tecnológicos. os tipos de instrumentos e máquinas são aí fabricados continuamente
por numerosos artesãos, entre os quais alguns chegaram a ser extraor-
Já o mesmo não ocorre com a Teoria da Resistência dos dinários conhecedores e hábeis nas explicações, seja por observações fei-
Materiais, fundada por Galileu e apresentada nos Discorsi e tas por seus antecessores, seja por sua própria experiência cotidiana" 19.
Dimostrazioni Matematiche intorno a Due Nuove Scienze,
escrita na forma de diálogo e publicada pela primeira vez em Lobo Carneiro levanta a hipótese de que as investigações
Paris (1639). de Galileu tenham surgido de consulta feita pelo arsenal, e
por isso mesmo provocadas pelas necessidades práticas da in-
Galileu foi conselheiro técnico do arsenal de Veneza,
dústria nascente, não somente da indústria mecânica, mas
grande estaleiro de construção naval e de máquinas, quando
lecionava na Universidade de Pádua. Sua opinião sobre os 19. Fernando Luiz Lobo Barbosa Carneiro. Galileu - Fundador da Teoria da
Resistência dos Materiais. In: GAMA, Ruy. História da Técnica e da Tecnologia.
18. L. Granato. Scriptores Rei Rusticae. São Paulo, Tipografia Asbahr, 1918. p. 243 et seqs.

194 195
também da indústria da construção 20. Os estaleiros Por tudo isso, pelo seu caráter teórico (e portanto gene-
sabe, eram manufaturas: reuniam no mesmo local numerosos ralizante), pelo seu conteúdo supradisciplinar (no sentido das
artesãos de mesmo ou de diferentes ofícios, para fazerem obra disciplinas dos ofícios) e por sua vinculação histórica com a
comum. Admitindo que as condições fossem semelhantes às problemática da produção manufatureira, a Teoria da Resis-
de outros estaleiros a que me referi, os artesãos nele trabalha- tência dos Materiais de Galileu inaugura, mesmo antes do ba-
vam fora do controle das corporações; assim sendo, os pro- tizado, uma das faces da tecnologia. Isso não acontece por
blemas técnicos podiam ser resolvidos em âmbito suprapro- acaso e nem simples conseqüência das idéias científicas que
fissional, definidos e globalizados pelas necessidades da em- vieram do conjunto de acontecimentos chamados de Revolu-
presa. ção Científica mas começa a nascer quando a teoria se une à
As investigações de Galileu tinham essa marca: não se prática em condições muito especiais dessa prática: o trabalho
referiam aos materiais usados por cada uma das profissões en- em cooperação nas manufaturas.
volvidas mas, teoricamente formuladas, inclusive pelo uso da
linguagem matemática, ofereciam propostas de soluções gené-
ricas, aplicáveis aos materiais utilizados nos diversos ofícios:
à madeira dos carpinteiros, à pedra dos canteiros e pedreiros, 3. TECNOLOGIA DOS MEIOS
às cordas dos cordoeiros. Num certo sentido, a teoria de Gali-
leu era antigeométrica. A geometria prática era, como vimos,
Os meios de trabalho são aqueles pelos quais o homem
parte do domínio secreto dos carpinteiros e canteiros, chave
exerce sua ação sobre os materiais (objeto do trabalho). São
para a estereotomia. Mesmo quando a estereotomia se benefi-
um conjunto de coisas ou uma única coisa que o trabalhador
cia da teorização iniciada pela geometria projetiva de Desar-
coloca entre si mesmo e o objeto de seu trabalho.
gues, a questão dos materiais é ainda essencialmente geomé-
trica. Na tecnologia dos meios se incluem, portanto, o conhe-
Na construção naval, como já se mostrou neste texto cimento dos instrumentos, utensílios, ferramentas e máquinas,
.
riSCO(corte) das peças era também questão de estereotomia. E
' bem como o da utilização da energia em suas diversas formas.
mais, a construção naval começava com modelos em escala E evidente que a tecnologia dos meios tem relações com
reduzida a partir dos quais se "riscavam" as peças em tama- as outras faces da tecnologia. Quando se trata por exemplo
nho natural. Ora, um dos aspectos essenciais na investigação dos utensílios, ferramentas e máquinas, há problemas de in-
de Galileu é o dos modelos. Por que uma peça não tinha a terfaces com a tecnologia do trabalho através da ergonomia
mesma resistência ou resistência proporcional à de seu mode- e da antropometria. Mas as ferramentas e máquinas são feitas
lo? Esta questão, que é chamada a dos "gigantes de pés de de materiais diversos e são também, quando fabricadas, obje-
.barro", põe em cheque toda uma tradição técnica empírica. to de trabalho. Voltando ao exemplo dado: a mesma coisa
Galileu a resolve enfrentando a teoria das proporções, presen- pode ser vista através das diversas faces do tetraedro: um tra-
tes, na arquitetura por exemplo, desde Alberti, dois séculos tor pode ser visto pela face da tecnologia do trabalho, pela da
antes de Galileu. À tradição geométrica empírica ou erudita tecnologia dos materiais de que é feito e pela tecnologia dos
(pela vertente platônica), Galileu opõe a sua teoria, analítica meios.
e experimental. A questão da automatização é uma dessas que pode ser
vista através das várias faces: refere-se obviamente à tecnolo-
20. Idem, ibidem. gia do trabalho, à tecnologia dos materiais, à tecnologia dos

196 197
meios e, como se verá, à tecnologia básica que é a quarta face ao lado de um circuito de força, de um circuito de infor-
do tetraedro. mação.
O uso atualmente freqüente do termo robô, cuja origem Isto quer dizer que o automatismo já estava presente na
é a palavra eslava que quer dizer trabalho, introduzido na li- máquina do moinho, desde o primeiro século desta era. B o
teratura pelo autor tcheco Karel Capek, é a manifestação ho- que nos mostra Julio Roberto Katinsky no texto de sua auto-
dierna de um velho mito. ria intitulado As máquinas e as cidades. Eram mecanismos
simples, construídos com peças de madeira grosseiras, "pro-
"O mito do homem artificial tem a potência de um dos mais ve- gramados" e regulados empiricamente, mas cuja eficiência po-
lhos sonhos da humanidade: sonho de conquistar 'OS gestos divinos de ser constatada nas centenas (ou possivelmente milhares) de
transgredindo os limites humanos. (Veja-se Hoffrnann - O Homem de
moinhos de fubá existentes no país, alguns ainda em uso a
Areia; G. Meyrink -. O Golem; C. Capek - Os Robôs Universais de
Rossum.) Essa aparição do 'homem inumano' tem como contrapartida o poucos quilômetros de São Paulo! Um deles, desativado, pode
desaparecimento do homem humano, no contexto geral de uma concep- ser visto na casa bandeirista do Butantã, vizinha ao Campus
ção pessimista e escatológica da tecnologia" 21. da Universidade de São Paulo!
A novidade do automatismo moderno estaria então me-
Robotização passou a ser empregada quase como sinô- nos na invenção do que no estudo sistemático e metódico dos
nimo de automatização, mas esta última tem como étimo o mecanismos de informação, de programação e de controle das
grego (WTOJLo:TO~: autômatos. Já na obra de Heron de Alexan- máquinas. Isto é matéria afeta à tecnologia. Não precisa, ne-
dria (III século), chamada Pneumática, há descrição de di- cessariamente, em todas as etapas de suas pesquisas, da inven-
versos autômatos. Aqueles cuja forma exterior imitava o ção e do projeto estar vinculada estritamente à prática produ-
homem dava-se o nome de andráides. O que parece estar tiva, embora a elaboração de protótipos, a experimentação e
muito de perto associado aos autômatos é a intenção de mis- as correções sejam estâncias obrigatórias nesse tipo de tra-
tério, que os incorporava a atos ritualísticos. balho.
Mas o automatismo, em termos de aplicação prática e
produtiva, também tem uma história, bastante antiga. O velho
moinho romano de cereais, descrito por Vitrúvio num de seus
Dez Livros da Arquitetura, já dispunha de um conjunto de pe- 4. TECNOLOGIA BÁSICA OU PRAXIOLOGIA
ças sabiamente articuladas, cuja movimentação regulava o
fluxo de grãos que eram introduzidos entre as mós da máqui- Na quarta face do tetraedro coloca-se a tecnologia bási-
na. O conjunto, externo ao moinho, era acionado pela mesma ca. Por que básica? Porque reúne um conjunto de disciplinas
força que fazia girar a mó (mola versalitis). O moinho pode- e técnicas (não no sentido estrito das artes mecânicas) que
ria moer sem ele mas, no caso, seria necessário que alguém alimentam, dão apoio aos outros componentes da tecnologia.
estivesse continuamente deitando grãos, no orifício da mó. Cabem nela várias das chamadas ciências aplicadas, ressalva
Com o conjunto de automatismo o moleiro enchia o depósito feita quanto ao sentido de cima para baixo que se associa fre-
de grãos e deixava o moinho funcionando sozinho, tratando qüentemente a essa denominação, que ignora a relação dialé-
apenas da regularidade da força motriz do conjunto. Podería- tica entre teoria e prática.
mos dizer que a máquina descrita por Vitrúvio já dispunha,
Incluímos, em primeiro lugar nesta face:
21. J. c. Beaune. Op, cito p. 17. A praxiologia - conceito que foi introduzido por Alfred

]98 199
Espinas em obra publicada no final do século passado. O nética com a praxiologia, para outros a própria cibernética
sentido que se dá atualmente a esta palavra é o de estudo dos já é "a arte de tornar a ação eficaz" 24. A Teoria Geral dos Sis-
métodos que permitem chegar a conclusões operacionais. a 1: temas também pretende centralizar em si essas disciplinas, co-
brindo as seguintes áreas:
lógica da atividade racional orientada para a ação. Nesses ter-
mos, a praxiologia seria a ciência da eficácia, firmada em 1. A cibernética.
quatro princípios: 2. A teoria da informação.
1. Preparação através de uma reflexão prévia sobre a ação. 3. A teoria dos jogos.
2. Economia dos atos. 4. A teoria das decisões.
3. Instrumentação e utilização dos meios materiais. 5. A topologia.
4. Organização dos diversos agentes: integração, coordena- 6. A análise de fatores.
ção, concentração sobre o mesmo fim.
A pesquisa operacional, as técnicas de modelação e de
Associam-se à praxiologia três disciplinas modernas: a simulação e o automatismo também se relacionam com a teo-
Pesquisa Operacional, a Programação e a Cibernética 22. ria dos sistemas.
Mas o próprio conceito de praxiologia não está ainda fir- B evidente que todas essas disciplinas modernas têm
madp univocamente. Enquanto para Tadeusz Kotarbinski ela grandes áreas de recobrimento e que não há muita clareza
é a ciência da ação racional e tem caráter extremamente geral, quanto à definição de seus campos. Elas têm, todavia, carac-
para outros autores ela é . terísticas que nos autorizam a colocá-Ias no tetraedro da tec-
nologia, pois marcam de forma bastante evidente o contacto
"Um dos métodos da investigação sociológica moderna. A essên- da ciência com a produção: caracterizam o modo como a ciên-
cia desse método consiste na investigação prática (e histórica) e na carac-
cia vem atendendo às encomendas, cada vez mais complica-
t:rização dos diversos hábitos e procedimentos no trabalho, o esclare-
cimento de seus elementos e a formulação, sobre essa base, de recomen- das, de novos métodos, de novos processos de formulação e
dações de caráter prático. solução de problemas da produção. Estabelecem um relacio-
namento de novo tipo entre a ciência e as técnicas, entre a teo-
A P. examina a interação dos indivíduos, assim come a do indi- ria e a prática.
víduo com o coletivo, no processo de produção" 23.
Outra das disciplinas atuais que deve ser colocada no
Nesses termos a praxiologia apresenta ampla área em tetraedro é a heurística. Está claro que tanto esta como várias
comum com a sociologia do trabalho. das outras disciplinas não são cativas da tecnologia; mantêm
Não é por esse lado que vamos abordá-Ia, mas sim pelo em geral contactos com outras áreas do saber e das atividades
que se sintetiza nos quatro princípios básicos acima citados, humanas. Mas o que é a heurística? Ela tem na sua história
oriundos da obra de Tadeusz Kotarbiriski (v. nota 22). alguns pontos comuns com a tecnologia. Já me referi à acep-
Na verdade a questão não é assim tão simples, pois há ção greco-romana que envolvia a tecnologia com as artes libe-
superposição e disputa de área entre essas disciplinas moder- rais: a gramática, a retórica e a dialética. A heurística estava
nas. Assim é que enquanto alguns autores relacionam a ciber- também envolvida. Aristóteles não estabelece diferença entre
a heurística e a sofística. Ela se reduziu a um conjunto de pro-
22. V. Glossário. R. Gama, passim. cessos que se podiam aplicar com o mesmo êxito para demons-
23. Diccionario de r itosotia. Moscu, Editorial Progresso, 1984. trar ou para refutar uma afirmação, qualquer que fosse. A
24. L. Couffignal. Cf. Glossário. Op. cito p. 24.

200 201
techna também passou por essas vicissitudes, como já vimos
quando Terêncio (Il séc. a.C.) a emprega com o sentido d~ çãO do sistema insular das artes (técnicas).Essa unifi-
embuste, astúcia, trapaça 25. cação passa por cima das "artes" e já é tecnológica. Embora
Mas a heurística que nos interessa é a "arte de inventar a grande proposta de unificação seja a do sistema métrico im-
de fazer descobrimentos, de orientação da pesquisa". ' plantado pela Revolução Francesa, que ligava as medidas às
dimensões da Terra e não às do homem, o interesse mercan-
"Seus objetivos. não se reduzem apenas às pesquisas das constan- tilista pela unificação fica a meu ver patente pela existência
tes, do pensamento cTl~dor.:mas compreendem também a elaboração de de proposta do matemático português Pedro Nunes (1502-
metodos e modos de direção dos processos de criação" 26. 1580), referida por Rodrigues Brito como "uma das facilida-
des do comércio ... " 28. O estabelecimento de padrões e nor-
"É claro que nem todas essas disciplinas que se inscre- mas, tanto para a fabricação quanto para o emprego de mate-
vem no tetraedro da tecnologia são deste século. Os contac- riais, ferramentas, máquinas, e da energia, sob os múltiplos
t?~ d~s técnic~s produtivas com a matemática, com as geo- aspectos em que se apresenta, e também para as condições de
cle~cIas, as biociências, com a física e com a química são segurança e de conforto do trabalhador, constitui objeto tam-
a?tI?os e, em mUlt?S ~asos, anteriores à tecnologia moderna. bém da tecnologia básica. O estabelecimento de normas e pa-
foa vImos. como a~ técnicas de representação gráfica (o desenho drões apóia-se, em seus aspectos quantitativos, na metrologia
em sentido estrito) se matematizam e se transformam em e nas técnicas de mensuração. Mas não se esgota aí: a nomen-
"disciplinas científicas", como a geodésia e a cartografia, co- clatura e a terminologia já eram objeto da preocupação dos
mo a geometria projetiva e a descritiva, frutos do trabalho do "tecnólogos" alemães do século XVIIi. E também dos france-
arquiteto e matemático C. Desargues. ses desde o século XVII, com o Dictionnaire des Arts et des
Outra :Iessas disciplinas mais antigas é a metrologia, que Sciences, do poeta e dramaturgo Thomas Corneille, publicado
trata das unidades e dos sistemas de medida. Se a ela acrescen- em 1694, com a Enciclopédia de Diderot e um grande número
tarmos as técnicas de mensuração e a teoria dos erros verifi- de dicionários técnicos no século XIX. Os ingleses, e já mos-
ca-s~ q;t~O grand~ .é sua importância para toda a tec~ologia. trei como technology ainda tinha no século XIX o significado
A história da unificação dos sistemas de medida é outro as- de terminologia e nomenclatura técnica, têm em Andrew Ure
pecto interessante da história da tecnologia. Na Itália do Re- um de seus dicionaristas mais importantes. O Dictionary 01
nascimento, por exemplo, havia uma diversidade extraordi- Arts, Manujactures and Mines teve muitas edições ainda du-
nária de unidades de medida, inclusive das unidades monetá- rante a vida do autor e outras tantas após sua morte. Na lín-
rias. Elas variavam de cidade para cidade e no caso as uni- gua portuguesa merece destaque o já citado Vocabulário do
dad_es de ~edida técnicas, de corporação (arte) para corpo- Padre Rafael Bluteau, que o próprio autor apresenta como
raçao. HaVIa braça para os pedreiros, braça para os constru- sendo, entre tantas outras coisas, também um vocabulário
tores e braça para os tecelãos, dentro da mesma cidade 27. A "technologico" .
unificação desses sistemas, assim como a do sistema monetá- O ensino técnico profissional, embora tenha sido men-
rio, não pode ser dissociada da ampliação e unificacão dos cionado entre os componentes da tecnologia do trabalho, es-
mercados (comércio internacional e câmbio), bem corno da taria também na interface daquela com a da tecnologia bá-
sica. Isto porque envolve questões genéricas de métodos, de
25. V. referências neste texto.
26. V,. J:I. Puchkin. Cf. Ruv Gama. Glossário. p. 65. normas, de representação, de vocabulário e de repertórios, de
27. Williarn Barclay Parson. Op, cit., p. 625 et seqs.
28. Rodrigues de Brito. Op. cit., p. 87.
202
203
taxonomia e de ~)Utras tantas 9ue servem de apoio básico para nicas de fundição do bronze, e nem a literatura se reduz ao
toda a tecnologia. Os conhecimentos e a ciência da adminis- objeto-livro, por maior que seja sua tiragem, sua beleza e a
tração no que dizem respeito à produção também têm lugar perfeição dos recursos tecnológicos mobilizados para sua
nesta face da tecnologia. produção.
Esta é a apresentação suscinta que pretendia fazer do Em livro recentemente publicado, o filósofo mexicano
modelo volumétrico que representa, mas não esgota o campo Eli de Gortari dedica um capítulo ao método da tecnologia.
da tecnologia. Os itens inscritos nas faces do modelo são índi- Tomando inicialmente tecnologia com o significado do con-
cativos dos critérios de distribuição e não se pretende que es- junto das técnicas e, portanto, "muito mais antiga do que a
gotem um conjunto que está em franca expansão. As relações ciência ... ", coloca-se ao lado de Forbes e de outros autores
entre a tecnologia e as "outras ciências" foram suscintamente já aqui citados. Porém, mais adiante, no mesmo capítulo, ad-
mencionadas, mas não foi abordado o relacionamento da tec- mite que
nologia com outros campos da atividade e do conhecimento "De maneira estrita, a tecnologia é a ciência que estuda as técni-
hu~anos. A filosofia, as artes, o pensamento político e religio- cas. A investigação tecnológica compreende as mesmas fases que qual-
so ficam a meu ver fora do tetraedro, embora venham a ter quer outra investigação científica, a saber: seleção do problema, reunião
contacto com ele. Basta lembrar o conceito de formação só- dos conhecimentos já adquiridos sobre o assunto, formulação de hipó-
cio-econômica a que já me referi. Mas não há que confundir teses, planejamento e execução de experiências, avaliação dos resul-
tados ... "
as ~oisas" o. que é difícil evitar exatamente quando elas estão
muito proxunas. Gortari divide a tecnologia em três partes: a tecnologia
Já vimos, por exemplo, como a história da arquitetura teórica, a tecnologia experimental e outra que se dedica à prá-
~e liga à história da técnica. Vejam-se as referências já feitas tica, aos processos industriais.
a obra de Desargues. Mas a arquitetura não é parte da tecno- A tecnologia teórica estaria apoiada em quatro leis fun-
logia, já que não se reduz à "ciência da construção" nem à da damentais, a saber: a lei dos custos, a lei do grande número
"produção do espaço", pois não é ciência. . de variáveis (cuja aplicação implica na escolha das variáveis
A estereotomia, técnica do corte da pedra e da madeira, mais importantes,ou dominantes); a lei do efeito de escala
prov~c~ a formulação da geometria projetiva e da geometria (cuja formulação ele atribui a Galileu e a Hegel e que já men-
descritiva, que se sistematiza axiomaticamente. Não tem com- cionei quando me referi à construção naval e à modelação em
. promissos com este ou aquele material, com este ou aquele geral), e a lei da automatização 29.
estilo arquitetônico, com este ou aquele ferramental. Serve pa- Estas leis enunciadas por Gortari eu as incluiria na tec-
ra resolver ou representar graficamente problemas de corte nologia básica.
de pedras, de madeira, de peças de metal ou de materiais arti- A partir do que foi exposto poderia me atrever a fazer
ficiais, corte da terra e dos aterros, dos moldes e modelos dos algumas negações, a enumerar o que a tecnologia não é (ou
mai: diversos ~ipos. Coloca-se, a partir daí, desse nível de apli- não é exclusivamente).
caçao generalizada em um dos elementos inscritos na quarta 1. A tecnologia não é um conjunto de técnicas ou de
face do tetraedro. O mesmo se pode dizer de outras "artes". todas as técnicas, e nem é a sofisticação da técnica. A passa-
A.ssim como ~ arquitetura não se reduz ao conjunto das téc- gem da técnica para a tecnologia (e esta não exclui a primei-
n~cas c?n~trutIvas e nem aos processos e métodos tecnológicos
disponíveis, a escultura não se reduz ao corte dos materiais 29. EIi de Gortari. Metodologia General y Métodos Especiales. Barcelona, Edic.
Ocêano, 1983. p. 192. .
(mármore, granito, madeira, metais, plásticos etc.) ou às téc-
205
204
ra) não é questão de gradação ou desenvolvimento interno ao 7; A tecnologia não é ciência aplicada por que é, ela
campo das técnicas: é questão que se refere à formacão sócio- mesma, ciência. .
-econômica em que se realiza. ' 8. Apesar da participação crescente da tecnologia na
2. A tecnologia não é a "maneira como os homens produção da mercadoria. ela não é mercadoria. A coisificação
fazem as coisas" (L. White [r.) porque, em primeiro lugar, de technology é semelhante à que ocorre com medicine. Con-
não se distingue desse modo técnica de tecnologia e, em se- forme se lê no Webster's New Twentieth Century Dictionary,
gundo lugar, há muitas coisas que os homens fazem que não
Medicine - 1 - the science and art of diagnosing, treating,
são técnicas. Pela mesma razão, a afirmativa de R. I. Forbes curing, and preventing desease, relieving pain, and improving and pre-
de que a "tecnologia é tão antiga quanto o homem" carece de
serving health,
sentido histórico. 2 - ...
3. Da mesma forma, a tecnologia não é o meio 3 - (a) any drug or other substance used in treating desease,
pelo qual o homem domina a natureza e nem o "meio pelo healing, or releaving pain. (b) - obsolete - a drug or other substance,
as a poison, lave portion, etc. used for other purposes. .
qual os homens extraem de seu habitat os alimentos, o abrigo,
as roupas e as ferramentas de que necessitam para sobreviver" 9. A tecnologia não se confunde com o modo de pro-
(Herskovitz). Caberia aqui substituir a palavra tecnologia por
dução capitalista. Embora com ele tenha vínculos de origem,
trabalho. Raymond Williams chama a atenção para outra par-
não se pode amarrá-Ia ao futuro do capitalismo.
ticularidade da língua inglesa, que talvez esteja se manifes-
t~n~o, :nvolvend~, neste caso, a palavra trabalho: "A espe- "À demanda social, à fase de intuição e à das tentativas e de erros,
cialização do sentido de trabalho como emprego pago (job) é segue-se necessariamente a de formulação do descobdmento científico
res.ultado do desenvolvimento das relações de produção capi- e da invencão em linguagens universais e de sua comprovação nesses
talistas, Estar trabalhando ou não estar trabalhando é estar termos; da{ decorre também a capacidade das ciências e da técnica d~
transcender aos sistemas sociais que as produziram e de serem transmi-
em relação definida com alguma outra pessoa que controla
tidas a outros países e a outras gerações, convertendo-se em forças pro-
os meios do esforço produtivo. O trabalho (work) foi então' dutivas e em patrimônio comum da humanidade" 31.
trasladado do sentido de esforço produtivo em si mesmo para
o da relação social predominante" 30. to. As relações entre a tecnologia e o poder são rela-
4. A tecnologia não é o conjunto de ferramentas, má- ções históricas, na medida em que o poder é urna categoria
quinas, aparelhos ou dispositivos quer mecânicos quer eletrô- histórica; mas a transcendência da técnica decorre de sua vm-
nicos, quer manuais quer automáticos. . culação com o processo de trabalho, que é "condição natural
5. A tecnologia não é conjunto de invenções ou qual- eterna da vida humana" 32.
quer uma delas individualmente. O avião não é uma tecno-
logia, como não o é o rádio, o radar ou a televisão, muito
embora seja esta a acepção mais difundida em marketing.
6. A tecnologia não se confunde com os sistemas de
marcas e patentes e com os "mecanismos" de venda, cessão ou
transferência dos direitos inerentes a esses privilégios.
31. Piero Bolchini. In: Marx, K. Capital e Tecnologia.
30. R. Williams. Key Words. A Vocabulary of Culture and Society. New York
32. K. Marx. O Capital. Livro I. vol. 1, p. 208.
Oxford University Press, 1976. p. 282. •

207
206
A TECNOLOGIA E A PERIODIZAÇÃO DA nos s6 podiam penetrar os empírica e profissionalmente iniciados. ~
HISTÓRIA indústria moderna rasgou o véu que ocultava ao homem seu pr6pr!0
processo social de produção e que transformava os ramos de pro~~ç~o
naturalmente diversos em enigmas, mesmo para aquele que fosse InICIa-
do num deles. Criou a moderna ciência da tecnologia o princípio de
considerar em si mesmo cada processo de produção e de decompô-Io,
sem levar em conta qualquer intervenção da mão humana em seus ele-
mentos constitutivos.

A tecnologia descobriu as poucas formas fundamentais do movi-


mento, em que se resolve necessariamente toda a ação produtiva do
corpo humano, apesar da variedade dos instrumentos empregados,. do
mesmo modo que a mecânica nos faz ver, através da grande comphca-
ção da maquinaria, a contínua repetição das potências mecânicas sim-
ples" 3.
Conceituada desta maneira, a tecnologia, referindo-se
ao trabalho e à produção contemporânea entrosa-se com a
Estamos agora diante de aspecto dos mais importantes
história da técnica e da "civilização material" e sua periodi-
zação. Vale a pena repetir que, segundo Marx daquilo que pretendo demonstrar: a datação da tecnologia
moderna e a periodização da história a partir de critérios "tec-
"O que distingue as diferentes épocas econômicas não é o que se
nológicos" .
faz, mas como, com que meios de trabalho se faz. Os meios de trabalho Raffaele Rinaldi, no prefácio para a edição italiana do
servem para medir o desenvolvimento da força humana de trabalho e livro de Alexandre Kusin, escreve:
além disso, indicam as condições em que se realiza o trabalho" 1. '

"Assim como no caso da economia, que só no modo de produção


Ainda na mesma obra Marx escreve: capitalista encontra sua fundação como ciência, porque só nele o eco-
nômico se autonomiza, também a tecnologia tem a sua fundação como
"A tecnologia ~vel? o modo de proceder do homem para com a ciência dentro das relações de produção capitalistas. 'O princípio da
natureza, o processo imediato de produção de sua vida material e assim grande indústria de resolver nos seus elementos constitutivos qualquer
elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que processo de produção, em si e por si considerado e sem levar em conta
dela decorrem" 2. a mão do homem criou a moderna ciência da tecnologia' (K. Marx. O
Capital, L. 1, v. '1, p. 557). Segundo autores contemporâneos (Fried-
Essa "revelação" não pode certamente se referir à tec- mann, Koyré) o termo é ao invés disso aplicado como momento espe-
nologia como "conjunto de técnicas" ou como "técnica sofis- cífico de 'ruptura; assim, por exemplo, A. Koyré observa que 'com ela
ticada". Refere-se certamente à tecnologia como ciência que (a eletricidade) de fato a humanidade deixou o período técnico da sua
história e entrou no período tecnológico'. (I filosofi e Ia macchina. In:
revela os mistérios do trabalho. E o que escreve Marx em Dai Mondo dei Pressappoco ali'Universo della Precizione. Torino, Einau-
outro capítulo de sua obra maior: di, 1967. p.57). Com isso, porém, a origem das transformações téc-
nicas e sociais é colocada como resultado da introdução de novas fontes
"I! bem significativo que ainda no século XVIII os diferentes de energia (vapor, eletricidade) em substituição ao homem como motor,
oficios tivessem a denominação de mistérios (mysteres), em cujos arca- e não à introdução da máquina ferramenta" 4.
1. K. Marx. O Capital. Livro I, vol. I, p. 204.
2. Idem, ibidem. p. 425. Nota 89. 3. K. Marx. Idem, ibidem. p. 557.
4. In: Kusin, A. A. Marx e Ia Tecnica. Milano, G. Mazzotta Ed., 1975. p. 15.

208 209
o mesmo comentário feito em relação a Koyré aplica-se "A indústria do algodão, indústria do vapor por excelência, ainda
obtinha, em 1830, um quarto da energia que usava, da água" 7.
ao trabalho de E. Cannabrava, já mencionado no Capítulo I
deste texto, que se refere a uma era megatecnológica contem-
E que se usavam, freqüentemente, as bOI?bas a vapor
porânea, marcada pelo lançamento do Sputnik.
para elevar a água novamente aos dutos que ~hmentavam as
Aplica-se também à periodização energético-evolucionis- velhas rodas d'água. Outro autor de nossos dias, H. J. Hab-
ta que R. J. Forbes apresenta nas suas quatro idades da téc- bakkuk, escreve a esse respeito:
nica. Na primeira delas, a humanidade dispunha apenas da
energia dos músculos humanos; na segunda idade a domesti- "O vapor não teve papel importante no suprime~to d~ energia à
cação de animais aumenta a quantidade de energia disponível. economia inglesa até os anos de 1830 ou 1840, e ~ao foi usado de
A terceira abre-se com a introdução do uso do moinho d'água maneira generalizada até os anos de 1870 e 1880. Ate a data de 1870,
no baixo Império Romano e a quarta é anunciada pelo apare- nas fábricas e oficinas da Grã-Bretanha, o vapor gerava menos de um
cimento da máquina a vapor: Nossa época é a do início da milhão de Hp." 8.
quinta idade, que começará quando a energia atômica for ofe-
recida comercialmente 5. Outro ponto de vista interessante sobre o papel da téc-
nica e das máquinas é o do americano Lewis Mumford, ex-
A fragilidade dessa periodização é evidente. Mesmo con- presso em 1930 na obra Technics and Civilization:
siderando a utilização de novas fontes de energia como "fenô-
meno de ponta", não há corno esconder alguns dados históri- "Qualquer que seja a extensão do apoio da. técnic~ nos procedi-
cos. Em primeiro lugar, sabe-se perfeitamente que o moinho mentos objetivos das ciências, ela não forma um sísterna independente,
d'água (melhor seria dizer a roda d'água), embora seja inven- como o universo: ela existe como um elemento da cultura .h';lmana e
ção romana, apenas na Idade Média encontra condições para promete o bem ou o mal na medida em que os grupos SOCI~lSque _a
exploram prometem o bem ou o mal. A máquina ~m. si não exige e ~,a90
a difusão e ampliação de seu emprego 6. O uso do motor ani- faz promessas, é o espírito humano que faz exigencias e promessas
mal ou do motor humano é ainda hoje urna realidade nos paí-
ses menos desenvolvidos. Mais de um milênio após a invenção Eugênio Zhú ov, na obra citada anteriormente, criti.ca
da roda d'água pelos romanos, a força do escravo ainda acio- as periodizações tecnológicas, que chama de pseudomatena-
nava engenhos de açúcar nas colônias americanas. As rodas,
listas:
elevatórias de água ou motoras, são ainda hoje utilizadas no
Oriente. O emprego da máquina a vapor (designação ambí- "Nos últimos anos, difundiram-se em larga escal~, n.a sociologia
gua porque não distingue as bombas a vapor dos motores a burguesa, as tentativas de periodizar a história segundo mdl(:adores .t~c-
vapor) também não dá nenhuma precisão a urna proposta da nológicos, prescindindo do hO,mem e ,?O .sistema =.
relaçoes SOCl~IS.
divisão da história da técnica em períodos. De que máquina Característica a esse respeito e a tendência a substl~Ulr as concepçoes
francamente idealistas do processo histórico por certa m~er?~etaçao pseu-
a vapor se trata? Das primitivas bombas do marquês de Wor-
domaterialista, pela qual o curso do desenvolvime~to histórico :e redlfz,
cester? Das bombas de Savery? Das máquinas atmosféricas algumas vezes, somente às mudanças da tecnologia da produçao social
de Newcomen (que, a rigor, não eram máquinas a vapor) ou
da máquina (motor) de J ames Watt? B sabido que várias dé- 7. C. Singer et alii. A History ot Technology. vol. 111, p. 156. .
cadas após a invenção do "motor universal" de Watt. 8. Cf. Piero Bo\chini. Prefácio à edição italiana de K. Marx. Capital e Tecnolo-

5. Cf. Jean Claude Beaune. La Technologie, Paris, P.U.F., 1972. p. 29. ~~aL~\:~~ford. Técnica y Civilización. Buenos Aires, Emecê Edit. S.A., 1945.
6. CharIes Parain. Op. cit. 1.0 vol.. p. 36.

210 211
e, outras vezes, à evolução dos objetos da cultura material, à história E finalmente lembraria algumas palavras de uma entre-
das coisas ... vista dada por Einstein, por volta de 1920, e publicada em O
E totalmente inconsistente qualquer tentativa de reconstituir os
Jornal do Rio de Janeiro 13.
degraus do desenvolvimento progressivo baseada exclusivamente nos
índices tecnológicos, sem analisar as relações sociais dominantes. E im- "A escola não pode ser uma fonte de jurisprudentes, literatos e
possível subordinar a história dos homens à história das máquinas, sem advogados, nem meramente de máquinas mentais. Prometeu, se~ull:d~ o
conteúdo social" 10. mito não começou a ensinar os homens pela astronomia, mas pnnCIpIOU
pelo' fogo e suas propriedades e usos práticos."
Estas considerações sobre a periodização histórica pra-
ticamente encerram este trabalho, e espero que tenha trazido,
como os demais capítulos deste texto, elementos comprobató-
rios para a tese inicialmente enunciada que vincula o surgi-
mento da tecnologia como ciência às transformações do mo-
do de produção que identificam o capitalismo.
Mas quero que as últimas palavras relembrem o que já
escrevi no segundo capítulo como declaração de intenções.
Vimos como J. P. Vernant associa o trabalho à revelação do
segredo do fogo roubado por Prometeu. O fogo roubado deve-
rá ser pago e toda a riqueza terá o trabalho como condição.
E como se a condenação abrisse o caminho da libertação.

"Entre nós e a virtude, colocaram os deuses o suor; a estrada a


percorrer é longa, escarpada e penosa no princípio, mas depois de se
atingir o cume, torna-se cada vez mais fácil, apesar de suas dificul-
dades" 11.

A concepção das relações entre o homem e a natureza,


em Marx é nitidamente Prometéica, manifestada na

" . . . exaltação das conquistas da técnica e das ciências aplicadas como


'órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força objetivada
do conhecimento ... demonstração. do grau em que as condições do
processo da própria vida social colocam-se sob o controle do intelecto
coletivo e conformes com ele mesmo remodeladas" 12.

10. E. Zhúkov. Op. cit.. p. 162-3.


11. Hesíodo. Os Trabalhos e os Dias. Cf. P. Jaccard. Op. cit., 1.0 vol., p. 77.
12. Piero Bolchini. Prefácio à edição italiana de K. Marx. Capital e Tecnologia. 13. Cf. Celso S. Fonseca. Op. cit., p. 195.

212 213
tNDICE ONOMÁSTICO BECHER, J., 128 BRITO, Rodrigues de, 51, 107,
BECKMANN, Iohan, 17,31,37, 129, 130, 148, 203
50, 59, 72, 73, 74, 78, 186 BRUNELLESCHI, F., 115
BEETHOVEN, L., 3 BUGLIARELLO, George, IX
BEHAIM, Martim, 93, 113, 114 BUISSON, F., 127, 172
BEJARANO, Esteban, 161 BULLET, Pierre, 98
BI!LIDOR, B. Forest de, 68, 98, BUNGE, Mário, IX
100, 189 BURY, Iohn, 4
BENAKOUCHE, Rabah, 21, 23 BYRON, G. G., 3, 4
BENEVIDES, S. Corrêa de Sá e,
162
BENEVOLO, Leonardo, 97, 100, c
138
A BENTHAM, J., 79 CABRAL, P. Alvares, 153
AZEVEDO, Fernando de, 130, BERGMAN, T., 140 CAIRU, Visconde de, 148
ABBAGNANNO, N., 170 151 BERNAL, J. D., 51, 62, 65, 66, CALICLES, 170
ADAMS, Iohn Couch, 25 AZEVEDO MARQUES, J. R. de, 91 CALMON, Pedro, 103, 106, 139,
ALBERTI, L. Batista, 95, 112, 150 142
BERNINI, Lourenço, 95, 139
196 AZEVEDO, Ramos de CÂMARA, Manuel F. da
BERTHOUD, Ferdinand, 68
ALCUtNO, 171, 185 (arquiteto), 150 (Intendente), 50
BIGELOW, Iacob, 49, 50
ALEXANDRE I, Tzar, 138 CAMINHA, Pero Vaz de, 153
BIROU, Alain, 31
ALFREDO, João, 150 B CAMPANELLA, Tomás, 113,
BLOCH, Ernst, 2, 124
ALLIACO, Petrus, 118 124, 126
BLOCH, Marc, 17, 90
ALPOIM, J. F. Pinto, 163 BABBAGE, Charles, 189 CAMPOMANES, Pedro L., 107
BLONDEL, François, 131
ALSTED, J. H., 36, 43, 47, 57 BACHELARD, G., 6 CANNABRAVA, Euryalo, 23, 24,
BLOUNT, T., 43, 48
ALSTON, William P., 38 BACHELIER, J. J" 59, 132, 133, 26,210
BLUNT, A., 92
ALVARENGA, M. Inácio da 136, 137, 150 CAPEK, Karel, 198
BLUTEAU, Rafael, 40, 76, 174,
Silva, 139 BACON, Francis, 1,2,45,46,47, CARDOSO, Ciro Flamarion
49, 51, 124, 125, 126, 127, 203 /
AMP~RE, André Marie, 57, 60, Santana, 32, 33, 36, 81, 82
145, 172 BOCCACCIO, G., 2 CARNEIRO, F. L. Lobo B., 195
61,81, 174 BOI!CIO, A. M. T., 171, 185
BAILL Y, A., 170 CARNOT, Lázaro, 65
ANAXÁGORAS, 169 BOILEAU, Etienne, 85, 105
BAILLY, [ean S., 65 CARVALHO, C. L. da Silva, 150
ANDERSON, Perry, 149 BOLCHINI, Piero, 207, 211, 212
BANDECHI, P. Brasil, 149 CARVALHO, J. Murilo de, 50
ANDRADE, Goulart de, 141 BARATA, Mário, 134, 135, 136, BONNET, Charles, 5 CARVALHO, Leôncio de, 150
ARGAN, Giulio Carlo, 95 137 BON'REPOS, F., 134 CASSIODORO, Flávio M. A.,
ARISTOTELES, 127, 168, 170, BARBOSA, Ana M. T. B., 145, BORROMINI, Francesco, 94, 95, 171
174, 188, 201 146, 148 139 CATÃO, 194
ARMYTAGE, W. H. G., 53, 74, BARBOSA, Rui, 143, 144, 145, BOSSE, A., 95, 96 CAWS, Peter, IX
85, 86, 147 146, 147 BOURGUER, Pierre, 68 CELLARD, J., 63
ARTIGAS, J. B. Villanova, 110 BARCA, Conde da, 134, 135, 136 BOVILLUS, C. 8., 2 CENNINI, Cennino, 111
ARTZ, Frederick, 95, 121, 123, BASEDOW, J. B., 133 BOYLE, Robert, 128 CHALOTAIS, 133
125, 131, 132, 133 BATISTA, J. Gomes, 163 BRAGANÇA, Duque de, 107 CHAPT AL, Iean, 65
ATAfDE, M. da Costa, 138, 164 BEAUJOUAN, Guy, 118 BRAVERMAN, Harry, 79, 80, CHARLES, [acques, 66
AUZIAS, J. M., 57, 123, 124 BEAUNE, Iean Claude, IX, 198 189, 190, 193 CHAUNU, Pierre, 118
AVIS, Mestre de. 103, 104 210 BREDON, Simão, 118 CHAUl, Marilena, 67

214 215
CHILDE, Gordon, to, 11, 17 DESARGUES, G., 96, 97, 98, 99, FICHER, Sylvia, 43 GAY-LUSSAC, L. J., 66
CHOAY, F., 175 115, 196, 202, 204 FICHTE, J. G., 80, 81 GEYMONAT, Ludovico, 67
CíCERO, M. T., 1701 DESCARTES, René, 125, 128 FIGUEIREDO, Cândido de, 160 GIANNOTTI, J. A., 182
CIDADE, Hernani, 40, 76 DESSAUER, Frederico, 15 FLEXOR, M. Helena, to6, 107 GIDE, André, 1
COELHO, F. Adolfo, 159 DEWEY, [ohn, 25 FLORESCU, Radu, 4, 5 GIEDION, Siegfried, 4, 191
COLBERT, J. R. 56, 64 DIDEROT, O., 56, 57, 58, 203 FONSECA, M. J. Pereira da, 139, GILBERT, William, 14
COLE, H., 143 DILTHEY, W., 72 147, 152, 213 GILBRETH, Frank e Lilian, 191,
COLERIDGE, S. T., 4 DONATO, Elio, 174 FONSECA, Celso Suckow da, 105 192
COLUMELLA, Lúcio G. M., 194 DONER, Dean B., IX FONTAINE, P. F. L., 134, 138 GILLE, Bertrand, 1,3,56,59,67,
COM~NIO, J. Amós, 125, 126, DRUCKER, P. F., 55, 56, 181 FONT ANA, C., 94 68, 78, 86, 95, 114, 168
127, 128, 129, 132, 133, 145 FOOT, F., 152 GIOTTO, 175
COMTE, Augusto, 65, 67 FORBES, R. J., 11, 14, 15, 18, GODELIER, Maurice, 48
CONDILLAC, E. B. de, 133 E 20,24,27, 115,206,210 GODINHO, V. Magalhães, 171
CONDORCET, M. J. A., 59, 65, FOSSA TTI, 94 GODWIN, William, 4
150 EDDY, 147 FOURCROY, A. F., 41, 59, 66 GOETHE, J. W., 3, 7
CORNEILLE, Thomas, 203 EDISON, T., 180 FRANCKE, Augusto, 73, 128 GOMES, V., 139
CORONA, Eduardo, 160 EINSTEIN, 213 FRANKENSTEIN, Victor, 4,5 GONZÁLES MUNIZ, M. A., 84,
COUFFIGNAL, L., 200 ENGELS, F., 169 FRANKLIN, Benjamin, 5, 50, 52, 87
COULOMB, Charles Augustin, ERICEIRA, Conde de, 76 76 GORCEIX, C. H., 49, 50
188 ESCHWEGE, W., 140 FREESE, J. H., 168 GORTARI, Eli de, 205
ESPINAS, Alfred, 15,24,62, 199 FREIRE, M. F. Silva, 154
COUPLET, ioo GRAMSCI, Antônio, 3
ESQUILO, 3 FREIRE, Olavo, 130 GRANATO, L., 194
CRESCENZI, Pietro de, 116, 194
ESTRABÃO, 66 FREIRE, Vítor da Silva, 42, 43 GREENHALGH, J., 153
CROMBIE, A. C., 89, 90, 116
FREITAS, Zoraide da R., 136 GROMEKA, V., 16, 71
CULMANN, Karl, 100 FRESNE, C. Ou, 176
CUNHA, Euclides da, 138 F GUILLERME, J., 38, 39, 59, 63,
FRESNEL, A., 66 69, 70, 71, 78, 82
CUNHA, L. A., 136 FREZIER, A. F., 97, 98, 100
CUVIER, G., 59 GUNDISALVO, Domingos, 91
FAIRBAIRN, William, 91 FRIEDMANN, G., 209
,FALCÃO, E. C., 40 FROBEL, F. W. A., 133, 145
FARRINGTON, Benjamin, 1, 170 FROST,188 H
D FAYOL, H., 189, 192 FURIA, O., 93
FELICrSSIMO Jr., Jesuíno, 140 HABBAKKUK, H. J., 211
D'ALEMBERT, 56, 58 FENELON, F. S. M., 145 HARVEY, W., 128
DAMPIER, William C., 25 FERNANDO, Dom, to4 G, HASSENFRATZ, J. H., 41, 59,
DANILEVSKY, V., 64 FERRATER MORA, J., 37, 46, 150
DANTE, 175 173, 174 GACHET, S. Nicolau, 149 HATZFELD, Adolphe, 57
DARMESTETER, Arsene, 57 FERRAZ, João Pereira, 42 GALILEI, Galileu, 95, 99, 117, HAUDRICOURT, André, 17, 18,
DARWIN, Erasmus, 4, 5 FERREIRA, Félix, 148 128, 175, 194, 195, 196, 205 25, 184, 186
DAUMAS, Maurice, 91 FERREIRA, Manuel, 139 GALLE, J. G., 25 HAUSER, Arnold, 111, 113, 155,
DAVY, Humphry, 4, 5 FERREIRA, Silvestre Pinheiro, GALVANI, L., 5 144
DEBRET, J. B., 134 40 GAMA, Ruy, 24, 70, 195, 200, HEGEL, G. W. F., 79, 81,205
DE LA HIRE, Ph., 98, 99, toO FERREZ, Marcos e Zeferino, 134 202 HEGENBERG, L., 38
DEMIA, Charles, 131 FERRI, Mário Guimarães, 28 GANTT, Henry L., 191 HEIDEGGER, M., 26
DERAND, François, 97 FIBBONACCI, Leonardo de Pisa GARRETT, Almeida, tos HENRIQUE, Dom, 117
DERRY, T. K., 160 115 GAVIÃO, B., 150 HERON de Alexandria, 198

216 217
' Waldemir
Pirróe, 19, MONTOY A, Célia Ortiz A. de,
HERSKOVITZ, M. J., 11, 24, 27, KOTARBINSKI, T, 24, 200
KOYRt:, A., 209 20 131
206
LOPES, Fernão, 104 MORALES DE LOS RIOS F.o,
HESrODO, 194, 212 KRAMER, Geraldo (Mercator),
LOURENÇO, M. Cecília F., 163 A., 130, 136, 138, 139, 141,
HILL, Christopher, 102 96
LUTERO, M., 145 142, 147, 150, 164
H I LLER, Egmont, 15 KRANZBERG, Melvin, IX, 12,
MORE, Thomas, 123, 124
HOBBES, T., 128 15,22,27,55, 181
MORIM, G., 64
HOCKE, G. R., 96' KULA, Witold, 36 MORRIS, William, 124, 144, 156
HOFFMANN, E. T. W., 198 KUSIN, Alexandre. 209 M MOSCOVICI, Serge, 91, 92, 103,
HOMERO, 168
MACAÚBAS, Barão de, 150 169, 175, 176
HONNECOURT, Villard de, 87,
MADERNO, Carlo, 94 MOT A, O. Silveira da, 38
92 L MAGÃO, 194 MOTOY AMA, Shozo, 28
HOOKE, R., 14
MAGLlORI, Nicolau, 134 MOTTA, Flávio, 138, 141
HOOYKAAS, R., 117
LABOULAYE, Charles, 61, 157 , MALDONADO, Tomas, 25, 172 MUMFORD, Lewis, 16
HOYLE, Fred., 26, 27
LALANDE, André, 62, 63 MALUS, E. L., 66 MUSGRAVE, P. W:, 79
HUBERT, René, 122
LAMBERTO, Sebastião, 162 MANDUITT, João, 118
HUMBOLDT, A. von, 80, 135,
LAMPRECH, George F., 75, 78 MANGE, Robert, 167
136
LANDES, David, VI, 1, 6, 36, 77 MANIQUE, D. I. de Pina, 164 N
HUMBOLDT, Wilhelm von, 135
LAPA, J. R. do Amaral, 155, 158, MARCO POLO, 118
HUYGENS, Christian, 14
161 MARCUSE, Herbert, 18 NEUKOMM, Sigismundo, 134
LAS CASAS, 179 MARIALV A, Marquês de, 136 NEWTON, Isaac, 7, 14·
LAVASSEUR, C. H., 134 MARIANO F.o, José, 139 NOBLE, David, 19,50, 52, 77
I LAVILLE, A., 189, 192 MARTIM.ERANCISCO, 150 NUMA POMPIL10, 120
LA VOISJER, A. L., 65 MARTINS, Honorato, 162, 163 NUNES, Pedra, 117,203
IGLt:SIAS, Francisco, 27, 28 LEÃO, Duarte Nunes de, 105 MARTINS, Wilson, 140 NUNES, Ruy Afonso da Costa,
LEBRETON, Joaquim, 134, 135, MARX Karl, 28, 79, 109, 152, 48, 132
136, 137, 141 181, 182, 183, 184, 185, 186,
J LE GOFF, J., 89 207, 208, 209, 211, 212
LI;.IBNIZ, G. W., 31,43,56,71,
/ABLONSKY, Daniel E., 129
72, 77, 128
MASACCIO, 112
MATOS, R. J. da Cunha, 150
o
JACCARD, Pierre, 64, 168
LEITE, Serafim, 162 MENDONÇA, Castro de, 140
JACOBSON, J. H. G., 75, 76 ORT A, Garcia de, 137
LEMOS, Carlos, 160 MENDONÇA, Marcos Carneiro
/AMES, William, 38 ORTEGA Y GASSET, José, 12,
LENOBLE, Robert, 5 de, 116
JEFFREY, 5 MEUNlf., L. S., 134 13, 14, 15,26,27,29
LBON, Antoine, 93, 102, 120,
JERONIMO, São, 174 OVIDE, Francisco, 134
123, 127, 131 MEYRINK, G., 198
JOÃO I, Dom, 105
LEONARDI, V., 152 MICHEL, P. H" 168
JOÃO VI, Dom, 134
LEONI, Leone, 94 MILL, J. S., 80
JOUSSE, Mathurin, 97
MITCHAM, Carl, IX
p
JULlA, Didier, 81, 114 LEVEL, J. B., 134
LE VERRIER, Urbain, 25 MOMDZHIÁN, [áchik N" 33
LISBOA, A. F. (O Aleijadinho), MONCEAU, Duhamel du, 56, 68 PACEY, Arnold, 53, 54, 95, 110,
K MONGE, Gaspard, 65, 95, 96, 111, 115
138
100, 115 PALLADIO, R. T. Emiliano, 95,
KANT, E., 81 L1TTRt:, E., 57, 59, 174
LOCKE, [ohn, 46,125,127,128, MONIZ, Edmundo, 7 194
KATINSKY, Júlio R., 113, 199 PARACELSO,4
133 MONTIGNY, Grandjean de, 134,
KLEMM, Friedrich, VIII, 66, 74, PARAIN, Charles, 90, 115, 210
LONGHI, Martino. 94 137, 138, 139, 141, 142
91
219
218
PARENT, Ao, 100 QUERINO, ManoeI, 51, 148, SANTOS, I. Francisco dos, 154, T
PARSON, »: Barclay, 202 153, 154, 155, 156, 158, 161, 159
TATON, René, 80, 96
PASCAL, Blaise, 96 162 SANTOS, Mo Cecília Loschiavo,
TAUNAY, irmãos, 134
PASSOS, r. Pereira, 165 IX
SANTOS, Theobaldo de Mo, 120, TAVARES, Jo Fo da Rocha, 154
PEÇANHA, Nilo. 167
151, 172 , TAYLOR, Fo Wo, 189, 190,191,
PEDRO DE VENEZA, Dom, 118 R SARAIVA, Antônio José, 104 192, 193
PERCIER, c.. 134, 138
SARAIVA, Jo Hermano, 104 TELES, Ao Silva, 134
PEREIRA, Benedito, 176 RABELAIS, r., 145 SAUSSURE, a. a.. 4 TELESIO, Bernardino, 95
PEREIRA, C. Jo da Costa, 107 RAMOS, Artur, 155 SAVERY, Thomas, 210 TELES, Leonor, 104
PEREIRA, Jo Manso, 139, 140 RANGEL, Cosme, 106
PEREIRA, Nuno Alvarez, 105 SCHELLING, r. Wo j., 81 TELES, Pedro C. da Silva, IX
R~ TTNER, Henrique, 50 SCHUHL, Pierre Mo, 58,64, 168 TEOFILO, o presbítero ou RO-
pfREZ GOMEZ, Alberto, 97, REAUMUR, Ro Ao r. de, 56 GERIUS VON HELMERS-
100 SEBESTlK, Jo, 39, 69
REBOUÇAS, André, 146, 165 SECKENDORFF, Veit L. Von, HAUSEN,86
PERRONET, [ean Rodolphe, REIS, José, IX TER1:NCIO, 202
100, 189 128
REYBAUD, Louis, 57, 174
SEMLER, c.. 128 THENARD, L. t., 66
PESTALOZZI, Jo u., 133, 145 RICHELET, César r., 58
r>EVSNER, Nikolaus, 120, 144 RINALDI, Raffaele, 209
SERRE, Po cs.. 93 THOMPSON, Benjamin (Conde
SEVERO, Ricardo. 150 Rumford), 51
PHILIBERT DE L'ORME, 97 ROHRS, Herman, 133 °SHAFTESBURY, Antony Ao c. TlBALDI, Pellegrino, 94
PINHO, Pedro, 26 RONDELET, o.. 100 (Conde de), 3 TlMM, Albrecht, 66, 74, 75, 76,
PINTO, Jo Mo, 139 ROSENBERG, Nathan, 50 SHELLEY, Mary Wo, 4, 5 77, 79, 128, 136
PINTO, Mário da Silva, 200 162 ROSSI, Paolo, I, 2, 46, 47, 48, SHELLEY, Percy, 3, 4 TOLLENARE, L. Fo de, 156
PIRES DA MOTA (Conselheiro), 56 SILVA, Ao Carlos Andrada e, 140
150 ROUSSEAU, r. t., 4, 123, 133 SILV A, Antônio de Morais e, 40
PLATÃO, 168, 170 ROY, L. I. Hipólito (pai e filho), SILVA, )0 Bethencóurt da, 142, u
PUNIO, 194 134
165
PLUTARCO, 66, 121 RUNKLE, Iohn Do, 146 SILVA, [. Bonifácio de Andrade UCELLO, Paolo, 112
POMPONAZZI, r.. 2 RUSKIN, [ohn, 144 e, 40, 41, 50, 59, 148, 177 URE, Andrew, 5, 49, 52, 53, 60,
POPPE, r. Ho Mo, 61, 75, 76 RUSSO, François, 68 SILVA, Mo Beatriz Nizza, 40 61, 62, 81, 186, 188
PORTO ALEGRE, Mo de Araújo, RUY, Affonso, 106 SILVA, Rodrigo, 150 USHER, Ao r., 15
141, 142, 144 SILVA, Valentim da F. e (Mestre
PRADIER, c. s.. 134 Valentim), 138
PRADO, Eduardo, 151 s SIMONSEN, Roberto, 152 v
PRAZERES, Ao Teixeira dos, 164 SI~GER, Charles, 10, 69, 211
PRICE, Derek I. de Solla, 114 VALENTlM, Mestre (v. SILVA,
SAINT SIMON, 172 SMEATON, [ohn, 111
PUCHKIN, v, u., 202 SAINT VICTOR, Hughes, 87 SMITH, Adam, 52, 88, 89, 103 Valentim da Fo)
V ARGAS, Milton, IX, 28, 29,
PURIFICAÇÃO, J o Custódio da, SALLE, La (abade), 132 SMITH, Cyril s.. IX
154 SALVATI, 195 SMITH, Walter, 145, 146 117,118
VARIGNON, Pierre, 100
SÁNCHEZ FLORES, Ramón, 16, SOARES, Frei Henrique, 153
135, 161 SOLAR!, Pietro Antonio, 94 VARRÃO, 194
VASCONCELOS, Augusto C. de,
Q SÁNCHEZ V ÁSQUEZ, Adolfo, SOUZA, t, Anastácio, 104, 158
70, 80, 172 SOUZA, L. Antônio, 164 IX
VAUBAN, s. L. de, 189
QUARENGHI, Giacomo, 94 SANTILLANA, Giorgio de, 113, SPALLANZANI, Lazzaro, 4
VELOSO, Frei Mariano da Co,
QUEIROZ, r. de Souza, 164 175 SPENGLER, Oswald, 15
137
QUEIROZ, Sen. Souza, 150 SANTO AGOSTINHO, 124 STRUTT, William, 188
221
220
VERGEZ, R., 93 WHITE JR., Lynn, 10, 11, 12,
VERNANT, Jean Pierre, 3, 173,
BmLIOGRAFIA
15, 18, 20, 24, 90, 193, 206
174,212 WILLIAMS, Raymond, 34, 206
VIEIRA, A., 179 WILLIAMS, Trevor, 160, 192
VIEIRA, J. J. Menezes, 130 WOLFF, Christian, 31, 37, 43,
VIEUX, Maurice, 93 48, 71, 72, 128, 186
VIGNOLE, J. B. 154 WOLFF, Philippe, 89
VILHENA, V. de Magalhães, 169, WOODWARD, William, 147
173, 185 WORCESTER, Marquês de, 210
VIRGfLIO, 194 WORDSWORTH, W., 4
VITRUVIO, M. P., 93, 198
VIVES, J. L., 126
VOLTA, A., 5 y
VOLTAIRE, J. M. A., 88
VOS, Victor Della, 146, 147, 167
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234
Nesta e nas páginas seguintes apresentamos, como exemplo, trechos da Norma
Brasileira (NB-l), de 1950, e da Especificação Brasileira (EB-l) de 1937.

Cálculo e Execução de Obras


NB -1
de Concreto Armado
19 50
Norma Brcuileira

CAPITULO excentricidade de uma força nórmal


= MIN.
GENERAUDADES
espessura do revestimento de uma laje.
Para efeito desta Norma sâo adotadas as se- destinada a distribuir sobre esta as
guintes notações: cargas .concenrrades.

a) Dimensões
h distância do centro de' gravidade d4
a' extensão de uma carga parcialmente armadura de tração à face comprimi-
distribuída, medida na direção da da, na seção transversal de uma peça
armadura principal. Ilectida (altura útil}.

a U
extensão de uma carga parcialmente h' distância do centro de gravidade da
distribuída, medida transversalmente armadura de compressão à face com-
à armadura principal. primida, na seção transversal de uma
peça flectida.
ao espessura de um pilar de laje ccgu-
rnelo ou da parte ~uperior de seu
vão teórico de uma laje ou viga. ou
capitel, medida na direcâo ..lI' I.
altura de um pilar (incluindo o capi-

h largura das vigas de ~ec:ão retangular lei, no caso da Iaje ' cogumelo).
ou da parte da. laje que intervém no
cálculo das viues T. r vão livre de uma laje ou viga.

hn = largura da nervura- das vizus T (nas = distância entre os eixos de dois pi-
vi~as de seção reranuular i fi ('.1
:-:i:,!n lares consecuri v,os de uma laje co-
o mesmo que b). gume!o (numa dada direção).

d altura total das lajes ou das vigas = espaçamento dos estribos ou dos aneis
de seção retangular. de cintamento ou passo da hélice de
cintamento.
d' ' diâmetro do núcleo de uma peça
cimada, medido de eixo a eixo das
u perímetro da seção transversal de
barras do cintamento.
uma barra da armadura.

dOI == altura das vigas- T.


soma dos u das barras da arm:~dura
de tração ou doe arcos em conceto
Revisão da norma aprovada em 1940. com o concreto das barras dos feixes.

237
ANEXOS

Cálculo e Execução de Obras


Cimento Portland Comum EI3 - 1
de Concreto Armado NB-I
Especi!icação Brasileira 1937
Norma Brasileira 1950

ó' diâmetro de uma barra da armadura


t ransversnl (estribo ou cintamenlo).

b) Areas
OBTETIVO AMOSTRA

,'J"a área da seção da armadura de p ro- 5. a) A amostra destinada aos ensaios será
tensão. 1. Esta Especificeçâo fixa os ceractensncos
colhida pelos interessados, de comum acordo, em
exiç:Íveis no recebimento de cimento portland
local previamente combinado e de acordo com
.\ urea da seção da peça. destinado à preparação de concreto para oLras
a alínea (c) dêste Item.
correntes.
S, área da seção da armadura longitu- DEflNlÇAO bl A amostra, 8 pedido dos, interessados,
dinal. nas peças submetidas a com- pode ser retirada por· um laboratório oficial.
h
pressão axial, ou da armadura de tra. 2. Para o fim desta Especificação, cimento
çâo, nas peças flectidas. portland é o aglornerante obtido pela pulveriza- c) Para cada lote de 100 sacos (ou equi-
ção do clinquer resultante da calcinação até valente em barricas ) deve-se retirar uma amostra
:'ir' == área da seção da armadura de com. fusão incipiente de uma mistura íntima e con- parcial de, no mínimo, 5 kg; as amostras par-
pressão, nas peças Jiectidas. venientemente proporcionada de materiais cal- ciais. cuidadosamente misturadas, constituem a
câreos e argilosos sem adição, após a calcinaçâo, amostra média destinada aos ensaios, a qual deve
Sj área da seção homogeneizada.
de outras substâncias, a não ser água e gesso. pesar, no mínimo. 50 kg.

Sn área da seção 'transversal do núcleo d l 05 sacos ou as harricas escolhidas para


CONDiÇÕES GERAIS
a retirada das amostras parciais devem estar em
-;rd"
de uma peça cintada perfeito estado.
c. a) O cimento será recebido com o .acon-
4
dicionamento original da fábrica, que pode ser e) Depois de formada. a amostra é colocada
So área da parte central carregada de em sacos de papel ou de algodão, bar-ices ou em recipiente impermeável, fechado e rubricado
um bloco de apoio (item 91, a lfnea 4). tambores. Em todos os recipientes devem ser pejas pessoas que a colheram. e, em seguida,
indicados, em caracteres bem visíveis, a marca enviado pelos interessados para o laboratório
s.~ úrea Iicricin (volume por unidade de do cimento, o seu peso líquido, a marca da oficial escolhido.
t:omprirnenlo da peça) do cint aruen- fábrica e o local de. fabricação. Admite-se uma
b tolerância de 27c em relação ao peso declarado ENSAIOS
Viga de se c co retangulor
ç

to do recipiente. Os recipientes devem estar em


4 t perfeito estado de conserveçâo na data da ins- 6. Verificada a autenticidade da amostra
distância da linha neutra à face com- peção. remetida, o laboratório iniciará, dentro de três
primida, na seçâo transversal de uma dias, os ensaios do produto. expedindo, em
c) Esforços solicitantes h) Os sare de cimento, quando de pro-
peça Ilecrida, tempo útil, o respectivo certificado.
cedência nacional, -devem conter 42,5 04 50 kg
g 7. O cimento é ensaiado de acordo com' os
distância entre os pontos de aplica- carga permaneute uniformemente dis. líquidos de. mater-ial.
tribuida. métodos MB·I e ]\18-11.
ção das resultantes elas tensões de tra-
(') Para casos especiais podem ser adotados
ção t: compressão, na ~ção transver- G CONDIÇÕES IMPOSTAS
carga permanente concentrada. outros modos de acondicionamento, desde que,
sal de uma peça Hecnda (braço de
para. tal, os interessados entrem em acordo.
alavanca) . fi Composição química
cóm ponen te horizontul da reação de
apoio. 4. O cimento deve ser armazenado em lugar
diâmetro de uma borra da armadura seco, abrigado das intempéries e de fácii acesso 8. Os limites aLaixo"e~';)c{'ifjcado~ não podem
longj tudi na].
M momento Ilector. para a inspeção de cada partida. ser excedidos;

238 239
DADOS SOBRE O AUTOR

Ruy Gama nasceu em Osasco, Estado de São Paulo,


Brasil, em 1928. É arquiteto, diplomado pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
(1953), e doutor em História Social pela Faculdadede Filoso-
fia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade (1978).
É professor livre-docente e adjunto da Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo da USP, responsável pela disciplina História
Geral da Técnica na Arquitetura, no Urbanismo e no Desenho
Industrial. Atualmente é também diretor do Instituto de Estu-
dos Brasileiros da USP. Sócio fundador e membro da diretoria
da Sociedade Brasileira de História da Ciência. Sócio fundador
e membro do Conselho da Sociedade Latino-americana de His-
tória da Ciência e da Tecnologia. Foi membro do antigo Nú-
cleo de História da Ciência e da Tecnologia, criado no De-
partamento de História da F.F.L.C.H. da USP. Autor de
diversas obras publicadas, dentre as quais se destacam: "Con-
tribuição à História da Técnica no Brasil", capítulo da obra
História das Ciências no Brasil- M.G. Ferri e S. Motoyama
- E.P.U./CNPq/EDUSP - 3.° vol., São Paulo, 1981;
Glossário - FAUUSP/FUPAM/CNPq; Engenho & Tecno-
logia - contribuição à história da Técnica no Brasil - Duas
Cidades, São Paulo, 1983; História da Técnica e da Tecnolo-
gia, ora. T.A. Queiroz/EDUSP, São Paulo, 1985.
Em 1985, recebeu o prêmio Villanova Artigas, concedido
pelo Sindicato dos Arquitetos de S. Paulo, como Arquiteto
do Ano.

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