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CADERNOS IPPUR

Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

E di to r O CADERNOS IPPUR é um periódico


Henri Acselrad semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Conselho Editorial nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
Ana Clara Torres Ribeiro interdisciplinar formado por professores,
Henri Acselrad pesquisadores e estudantes interessados na
Pedro Abramo compreensão dos objetos, escalas, atores e
Rosélia Perissé Piquet práticas da intervenção pública nas dimen-
sões espaciais, territoriais e ambientais do
Conselho Científico desenvolvimento econômico-social. É dirigi-
do por um Conselho Editorial composto por
Aldo Paviani (UNB)
Bertha Becker (UFRJ) professores do IPPUR e tem como instância
Celso Lamparelli (USP) de consultação um Conselho Científico inte-
Inaiá Carvalho (UFBA) grado por destacadas personalidades da pes-
Leonardo Guimarães (FIJN) quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e
Lícia do Prado Valladares (IUPERJ) seleciona artigos escritos por membros da
Maria Brandão (UFBA) comunidade científica em geral, baseando-
Maurício de Almeida Abreu (UFRJ) se em pareceres solicitados a dois consulto-
Milton Santos (USP) res, um deles obrigatoriamente externo ao
Neide Patarra (UNICAMP) corpo docente do IPPUR. Os artigos assina-
Roberto Smith (UFCE) dos são de responsabilidade dos autores, não
Tânia Bacelar de Araújo (UFPE) expressando necessariamente a opinião do
Wrana Maria Panizzi (UFRGS) corpo de professores do IPPUR.

IPPUR / UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
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Fax: (21) 564-4046
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CADERNOS IPPUR
Ano XIII, N o 2
Ago-Dez 1999
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-


mento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –
Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.
Continuação de: Cadernos PUR/UFRJ
ISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-


to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional.

Apoio CAPES / PROAP


CADERNOS IPPUR

Ano XIII, N o 2 SU MÁ R IO
Ago-Dez 1999
Resumos e Abstracts , 7
Atualidade Analítica , 13
Milton Santos, 15
CO LABO RARAM NESTE NÚMERO O Território e o Saber Local: algumas
Ana Lúcia N. P. Brito categorias de análise
Barbara Deutsch-Lynch Artigos , 27
Brent Millikan
Michael Storper, 29
Carlos B. Vainer
Las Economías Regionales como
Luciana C. do Lago Activos Relacionales
Ricardo Salles Pedro Abramo, 69
Robert Pechman A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e
suas Fissuras: o papel da interdependência
nas escolhas de localização
Pesquisas , 93
Fernanda Sánchez,
ASSIST ENT E DE CO ORDENAÇ ÃO Rosa Moura, 95
Dulce Portilho Maciel Cidades-modelo: espelhos de virtude ou
reprodução do mesmo?
SEC R ET ÁR I A
Sérgio Costa,
Jussara Bernardes Angela Alonso,
REVISÃO DE PORTUGUÊS
Sérgio Tomioka, 115
Claudio Cesar Santoro A Re-significação das Tradições:
o Acre entre o rodoviarismo e o
PROJETO GRÁFIC O E EDITORAÇÃO socioambientalismo
Claudio Cesar Santoro Teresa Cristina Faria, 133
Estratégias de Localização Residencial e
PROJETO GRÁF ICO DA CAPA Dinâmica Imobiliária na Cidade do
André Dorigo Rio de Janeiro
Lícia Rubinstein
Resenhas , 157
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Fania Fridman, 159
Ricardo Azoury / Postais Digitais Donos do Rio em nome do rei: uma história
fundiária da cidade do Rio de Janeiro
(por Murillo Marx)
Saskia Sassen, 161
As cidades na economia mundial
(por Rose Compans)
Resumos Abstracts

Milton Santos

O Território e o Saber Local: Territory and Local Knowledge:


algumas categorias de análise some analytical categories

Determinadas categorias de análise The territorial planning has been failing


requerem reelaboração para compreen- to plan the space as it doesn’t recognize
der o território no contexto da globali- space as a totality, that comprehends
zação. A categoria evento une o mundo flows and communication and not only
e o lugar, o tempo e o espaço. O tempo economic processes. The prevailing
empírico encarna nos trabalhos científico norms imposed by corporations over po-
e político a possibilidade de futuros reali- litical regulations indicates the crisis of the
záveis. A idéia de forma-conteúdo traduz Nation and the ungovernability of the ter-
a “inércia dinâmica” que explica as socie- ritory. Some analytical categories need
dades particularizadas. O “acontecer soli- to be reelaborated in order to favor the
dário” constitui o território por meio da undestanding of territory in a globalized
produção histórico-geográfica dos even- context. The idea of event unites the
tos. O território usado, de relações, con- world and the place, time and space. The
teúdos e processos – que permitiria que empirical time introduces the different
a política fosse elaborada de baixo para possible futures into the scientific and po-
cima – é um campo de forças, lugar da litical works. The idea of form-content
dialética entre Estado e Mercado, entre explains the particular societies and that
uso econômico e usos sociais dos recur- of “solidary happening” constitutes the
sos, lugar do conflito entre localidades, territory through the historical-geogra-
velocidades e classes. A “universalidade phical production of events. The “used
empírica” faz a ponte entre a produção territory” of relations, processes and con-
teórica da Geografia e os lugares de rea- tents is a field for conflicting velocities and
lização do mundo, construindo a coerên- localities. The “empirical universality”
cia e a solidariedade entre os eventos. makes the links between the theoretical
Para tanto, o saber da região tem de ser production of Geography and the places

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 7-12


8 Resumos / Abstracts

devidamente considerado produtor dos where the world is built, establishing coher-
discursos do cotidiano e da política. ence and solidarity between the events.

Palavras-chave : saber local, eventos Keywords : local knowledge, territori-


territorializados, tempo empírico alized events, empirical time.

Michael Storper

As Economias Regionais como Regional Economies as Relational


Ativos Relacionais A ss et s

Nos últimos anos, a economia regional Over the last few years, regional eco-
experimentou o surgimento de um pa- nomics has seen a heterodox paradigm
radigma heterodoxo, que implica o que emerge in its midst which involves what
poderíamos chamar de uma nova “san- we might call a new “holy trinity”: tech-
tíssima trindade”: tecnologias-organi- nologies-organizations –territories. The
zações-territórios. O autor sustenta que author proposes that it is accurate to give
é preciso encher de conteúdo a análise content to the analysis of these three
desses três componentes. Para isso, é ne- components. In order to do so, it is nec-
cessário superar a metáfora dos sistemas essary to overcome the metaphor of
econômicos como máquinas com insu- economic systems as machines, with
mos e outputs sólidos, cujas física e geo- hard inputs and outputs, the physics and
metria podem compreender-se de forma geometry of which may be understood
total e determinada. Essa ênfase na me- in a complete and determinate way. The
cânica do desenvolvimento regional deve focus on the mechanics of regional de-
agora complementar-se com outro enfo- velopment must now be complement-
que, em que as metáforas dominantes ed by another focus, where the guiding
sejam a da economia como relações, a metaphor is the economy as relations,
do processo econômico como conversa- the economic process as conversation
ção e coordenação, a dos agentes do and co-ordination, the subjects of the
processo não como fatores mas como process not as factors but as reflexive
atores humanos reflexivos e a da natureza human actors, and the nature of eco-
da acumulação econômica não só como nomic accumulation as not only mate-
ativos materiais mas como ativos rela- rial assets, but as relational assets. In this
cionais. Assim, a economia regional, em sense, regional economies in particular
particular, e as economias territoriais inte- and integrated territorial economies in
gradas, em geral, são redefinidas como general are redefined here as stocks of
estoques de ativos relacionais. relational assets.

Palavras-chave : economia regional, Keywords : regional economies, terri-


coordenação territorial, reflexividade torial coordination, reflexivity
Cadernos IPPUR 9

Pedro Abramo
A Ordem Urbana Walraso- The Walrasian-Thünenian Urban
Thüneniana e suas Fissuras: o Order and its inconsistency:
papel da interdependência nas the role of interdependence in
escolhas de localização location choices

As crises da política urbana intervencio- The crisis of interventionist urban policies


nista tendem a rejeitar a cultura do pla- stresses the rejection of the planning cul-
no, conduzindo a uma revalorização do ture, leading to a restatement of the
mercado como mecanismo por exce- market as a main coordinating mecha-
lência de coordenação das decisões de nism of urban location decisions. The
localização urbana. O presente texto present text develops a critical assessment
desenvolve um exercício crítico da eco- of the urban orthodox economics at the
nomia urbana ortodoxa no próprio same neoclassical arguing domain, pre-
campo de argumentação neoclássico, senting an analysis of the urban structure
propondo uma leitura da estrutura ur- from the point of view of the uncertainty
bana a partir da problemática da incer- problematics. In this perspective, the
teza. Nessa perspectiva, a ruptura da dissociation between the auto-referencial
relação auto-referencial entre as hipó- relation of Von Thünen’s hypothesis
teses de Von Thünen sobre a represen- about space representation and the par-
tação do espaço e a racionalidade ametrical rationality suggested by the
paramétrica proposta pela síntese wal- walrasian-thunenian synthesis is seen as
raso-thüneniana é vista como um pri- a first step to the constitution of an het-
meiro passo para a constituição de uma erodox post-keynesian economics of
economia heterodoxa pós-keynesiana urban expectations.
das antecipações urbanas.

Palavras-chave : ordem urbana, esco- Keywords: urban order, location choices,


lhas de localização, economia regional regional economics of expectations
das antecipações

Fernanda Sánchez e Rosa Moura

Cidades-Modelo: espelho de Model Cities: mirror of virtues or


virtude ou reprodução do mesmo? reproduction of the same?

Algumas cidades são eleitas como refe- Some cities has been defined as models
rências-modelo, e seus programas e and its basic projects are integrated into
projetos são incorporados na agenda the hegemonic urban agenda. Reflect-
urbana hegemônica. Expressiva da fase ing the contemporary stage of capitalis-
10 Resumos / Abstracts

contemporânea do capitalismo, essa tic development, this agenda disseminate


agenda difunde um ideário sintonizado the ideas compatibles with the global
com os impulsos globais, apoiando-se tendencies, based on the actions envi-
na codificação de ações desejáveis de sioned by local governments in search
governos locais que procuram a inserção for competitive insertion in the world
competitiva no novo mapa do mundo. market. The governments that conceive
Os governos que sucumbem aos encan- the city as a commodity treat it as a
tos da cidade-mercadoria a transformam means to attract consumers and inves-
em produto destinado a atrair cidadãos- tors. The present text tries to identify the
consumidores e investidores. O presente strategies and discourses that character-
trabalho procura desvendar e desnatu- ize the model-cities. An homogeneous
ralizar certos nexos e estratégias presen- pattern of urban policy seems to be ap-
tes nos discursos e imagens que têm plied to very different cities as Curitiba
traduzido as noções características das and Cingapura, the two cases examined
cidades-modelo. Um padrão homoge- in the present discussion.
neizador parece revelar-se nas confluên-
cias de políticas urbanas que, entretanto,
destinam-se a cidades profundamente
diferentes, como Curitiba e Cingapura,
enfocadas na presente reflexão.

Palavras-chave : cidades-modelo, city Keywords: model cities, city marketing,


marketing, agenda urbana hegemônica hegemonic urban agenda

Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

A Resignificação das Tradições: Giving new Meanings to


o Acre entre o rodoviarismo e o Tradition: the state of Acre
socioambientalismo between road building ideology
and socioenvironmentalism

O artigo tem por objeto os conflitos em The text discusses the conflicts over road
torno de projetos de expansão viária no building expansion in the Amazonian
Acre, nos anos 90. O argumento é que state of Acre. It argues that the moral and
os constrangimentos jurídico-políticos e juridical-political constraints derived from
morais advindos da redemocratização the redemocratization process created
geram a regulação pública de conflitos conditions to a public regulation of the
ambientais e a reconfiguração dos pro- environmental conflicts and to the rede-
jetos e linhas de ação dos agentes. O signing of social actors projects and
processo inclui a resignificação das tra- guidelines for action. This process com-
dições rodoviarista e socioambientalista prehended both the road building ideol-
Cadernos IPPUR 11

locais e a explicitação de suas ambigüi- ogy and socioenvironmentalist traditions


dades. as well as the clarification of its ambigui-
ties.

Palavras-chave : conflitos ambientais, Keywords : environmental conflicts,


rodoviarismo, espaço público road building ideology, public space

Teresa Cristina Faria

Estratégias de Localização Strategies of Residential Location


Residencial e Dinâmica and Real Estate Dynamics in Rio
Imobiliária na Cidade do de Janeiro
Rio de Janeiro

O texto analisa as tendências migratórias This work analyzes the intra-urban mi-
intra-urbanas na Cidade do Rio de Janei- gratory tendencies in the city of Rio de
ro a partir das suas relações com a estru- Janeiro, from their relationships with the
turação da cidade quanto às mudanças structuring process of the city and the
no padrão de ocupação do solo. Nesse changes in the land use pattern. So, it
sentido, tenta contribuir para um maior tries to contribute for a larger under-
entendimento das relações entre o standing of the relationships between the
mercado imobiliário e a estruturação in- real estate market and the intra-urban
tra-urbana, via análise da mobilidade structuring process, through an analysis
residencial. Os dados analisados são re- of the residential mobility. The data used
sultado de pesquisa realizada em 1995/ comes from a specific survey carried out
96 na Secretaria Municipal de Fazenda in 1995/96, in the Rio de Janeiro local
do Município do Rio de Janeiro, com os authority, with costumers in the counter
indivíduos que compareciam ao balcão of ITBI (Municipal Tax for Real Estate
do ITBI (Imposto de Transmissão de Transactions). Another source was the
Bens Imóveis) intervivos. Além dessa data from the ITBI/IPTU/IPPUR files, that
fonte, foram utilizados os dados do arqui- contain information from all the sheets
vo ITBI/IPTU/IPPUR, que contém infor- of the referred tax. This work presents,
mações das guias de recolhimento do in the first part, the description of the
referido imposto. O texto apresenta, na intra-urban migrant’s characteristics and
primeira parte, a descrição do perfil do the flows of residential displacement,
migrante intra-urbano e os fluxos de des- relating them in another part of the text,
locamento residencial, relacionando-os, with the real estate dynamics in the city
na segunda, com a dinâmica imobiliária and the changes verified in the intra-
na cidade e as transformações ocorridas urban structure, through the data of the
na estrutura intra-urbana, através dos real estate transactions with apartments
dados das transações imobiliárias com between 1975 and 1995. Finally, there
12 Resumos / Abstracts

apartamentos entre 1975 e 1995, para is an analysis of the different dimensions


finalmente analisar as diferentes dimen- of individuals and/or families strategies
sões das estratégias de localização resi- for residential location.
dencial dos indivíduos e/ou famílias.

Palavras-chave : mobilidade residencial, Keywords: residential mobility, real es-


mercado imobiliário, estrutura urbana tate market, urban structure
Atualidade Analítica
O Território e o Saber Local:
algumas categorias de análise *

Milton Santos

Retomarei aqui algumas categorias de análise que vêm norteando minha reflexão
ao longo dos últimos anos em suas implicações para uma melhor compreensão da
problemática do território nesta era de globalização.

O evento
A primeira dessas categorias é a noção passado que aparece como presente. O
de evento. Ela tem entrada recente no presente é fugaz e sua análise se realiza
meu vocabulário e imagino que seja sempre a partir dos dois pólos: o futuro
talvez a minha contribuição pessoal mais como projeto e o passado como reali-
importante, na medida em que é a zação já produzida. O evento aparece
forma de resolver uma série de proble- como essa grande chave para unir tam-
mas de método. Isso porque permite bém as noções de tempo e espaço, que
unir o mundo ao lugar; a História que até recentemente não apareciam como
se faz e a História já feita; o futuro e o um todo único. Mesmo os que avança-

*
Texto apresentado em seminário organizado pelo Laboratório de Conjuntura Social: tecnologia
e território (LASTRO/IPPUR) e pelo Núcleo de Cidadania e Políticas Públicas da FASE.
Ricardo Salles, doutorando em História na UFF, colaborou na edição, e Cristiane Calheiros
Falcão, Laura Maul de Carvalho e Alice Lourenço, na transcrição.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 15-26


16 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

ram mais na questão do “tempoespaço” recuperando, por conseguinte, a noção


eram obrigados a pôr um travessão entre de futuro e atribuindo à idéia de utopia
essas duas palavras. A minha proposta um conteúdo – diriam os céticos – realis-
é que só é possível falar em tempo-espa- ta, trabalhado a partir de possibilidades
ço a partir da idéia de evento, que reúne que são reais, as que são conhecidas
tempo e espaço numa categoria única. pela história a cada momento. Dessa
forma, a noção de evento, de tempo
Nesse sentido, temos a noção de empírico, do mundo como possibilidade
tempo empírico como solução a ser en- de um futuro realizável (logo, a negação
contrada. Como unir tempo e espaço, da idéia dos impossíveis) é uma ameaça
este sempre contendo um componente à queda na depressão. Essa foi a busca
empírico, se o tempo não for considera- que fiz para justificar o meu permanente
do na sua empiricidade, na sua histo- otimismo quanto à realização da história.
ricidade, que está atrás da sua realização
histórica e geográfica? Realização enten- Esse tempo empírico é trabalhável
dida no sentido de tornar-se realidade, apenas com base na noção de periodiza-
de fazer-se atualidade. Um tempo empí- ção. Essa noção é fundamental porque
rico que vai ser buscado numa definição não vamos poder trabalhar no nosso coti-
muito simples do que existe, em que o diano ou no trabalho científico, tampou-
que existe é um conjunto de possibilida- co no trabalho político, com momentos
des a tomar ou a deixar de tomar. Possi- fugazes; trabalhamos com pedaços de
bilidades que apenas alguns atores são tempo. Assim, ela encarna a realidade de
capazes de exercer e que são exercidas tempo empírico. Do tempo empiricizado,
apenas em certos lugares. Esse tempo como conjunto de possibilidades, tanto
empírico que flui da existência de possi- as utilizadas quanto as que serão utiliza-
bilidades concretas, que permite uma das, sem o qual a idéia de projeto tam-
história já feita ou uma história por fazer, bém se torna impossível.

A forma-conteúdo
Nesse caso não se trata de trabalhar a realiza através sobretudo de formas-
forma em si, nem o conteúdo em si. Essa conteúdo? Estas seriam as dotadas do
seria a contribuição dos “territoriólogos”, que chamei também de inércia dinâmica,
geógrafos à frente, evidentemente, para enquanto não havia ainda inventado essa
o entendimento da sociedade. A socieda- idéia de forma-conteúdo. Uma forma
de em si pode ser uma categoria, mas que, por ter um conteúdo, realiza a socie-
quem jamais trabalhou o país com essa dade de uma maneira particularizada,
idéia de sociedade em si, dessa sociedade que se deve à forma. Isto é, aquela
total? Onde está ela? Será que o país se concha na qual a sociedade deposita
Milton Santos 17

fração do seu dinamismo e que se torna em técnica, um conteúdo em ciência e


dinâmica por isso. Um dinamismo que um conteúdo em informação que permi-
não é explicado pela sociedade sozinha, tem formas de ação diferentes, segundo
mas pelo fato de ela, naquele momento, as densidades respectivas. A racionali-
naquele período – para retomar a idéia dade, nesse fim de século, chega ao ter-
de periodização – se realizar e, a partir ritório; ou seja, ela não é apenas uma
desse ponto, rever a noção de região, a categoria da sociedade, da economia, da
noção de cidade e, quem sabe, também política. O próprio território, em certos
a de bairro ou de sub-região. lugares, acaba por tornar-se racional.
Racional dessa racionalidade sem razão.
Além de suas quatro dimensões, o Haveria uma produtividade espacial.
espaço teria uma quinta dimensão, a do Dentro de um certo tipo de economia
cotidiano, que permitiria exatamente hegemônica há espaços que são mais
chegar à idéia de ação comunicacional a produtivos do que outros, e assim ter-
partir do nosso trabalho como “territo- se-ia que medir, ou ao menos considerar,
riólogos”. E outra idéia, então, que me produtividades espaciais diferentes se-
pareceu importante trabalhar foi a do gundo os lugares, o que tornaria possíveis
“acontecer solidário”, que vem da minha participações diferentes no processo
inconformidade com a maneira como tra- global.
balhamos a noção de escala na geografia.
Essa noção, a meu ver, é insuficiente para Há quarenta anos, quando distin-
permitir uma análise dinâmica dos fatos guiu a noção de espaço econômico do
sociogeográficos; por isso, andei propon- que chamava de espaço banal, François
do – e nisso também estou balbuciando – Perroux dizia que o espaço econômico
a noção de “acontecer solidário”. Resta era a reunião de pontos para possibilitar
o grande problema da definição dos o exercício da economia. Essa idéia de
níveis da solidariedade ou, na expressão espaço de fluxos ele contrapunha à de
consagrada, das escalas da solidariedade. espaço geográfico. Haveria um espaço
O que possibilitaria reconstituir um terri- do geógrafo, que não seria o espaço do
tório a partir de mosaicos – porque o ter- fluxo, e haveria o espaço dos fluxos, que
ritório é sempre dado como mosaico – seria o dos economistas. A idéia de hori-
seria este “acontecer solidário”. Haveria zontalidade e verticalidade tem, de algu-
algo que levaria à realização concreta, à ma maneira, essa filiação. Não no sentido
produção histórica e geográfica de even- literal, porque o momento histórico é di-
tos solidários. E é isso que dá o limite da verso. Nos espaços da globalização have-
área. Quer dizer, a idéia de escala (já que ria relações verticais e relações horizontais
é também uma idéia de limite) ganharia que resultariam na produção desses es-
em dinamismo a partir dessa noção de paços banais – que são o espaço da co-
“acontecer solidário”, embora não a munhão, da comunicação, o espaço de
tenha desenvolvido suficientemente. todos –, não apenas em contraposição
ao espaço dos fluxos econômicos, mas
O meio geográfico tem um conteúdo por serem também considerados o lugar
18 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

de todos, sem excluir quem quer que muito grave, porque não são considera-
seja, sem excluir qualquer que seja a ins- das a totalidade dos atores, a das institui-
tituição ou a empresa. Dessa forma, have- ções, a das pessoas e a das empresas.
ria uma volta à noção de totalidade dos Procura-se explicar aos empresários o
atores agindo no espaço. Coisa que os que eles fazem, dedica-se muito aos
“territoriólogos”, mas sobretudo os pla- fluxos dominantes e abandonam-se os
nejadores, deixaram para trás, porque a outros. Ou, pelo contrário, estuda-se a
pesquisa e o ensino do planejamento são pobreza como se ela fosse independente
realizados, na maior parte dos casos, do conjunto de circunstâncias. O que se
sobre algo que não é o espaço. O plane- produz não é uma interpretação da po-
jamento espacial, o planejamento terri- breza, pois falta essa idéia de totalidade,
torial, o planejamento regional não são que só poderá ser alcançada pela noção
planejamentos do espaço. Não o são na de horizontalidade.
prática, na pesquisa e no ensino, o que é

O território usado
O território não é uma categoria de aná- lética. A sociedade não atua sobre a na-
lise, a categoria de análise é o território tureza em si. O entendimento dessa ação
usado. Ou seja, para que o território se é o nosso trabalho e parte do valor que
torne uma categoria de análise dentro é dado àquele pedaço de natureza –
das ciências sociais e com vistas à pro- valor atual ou valor futuro.
dução de projetos, isto é, com vistas à
política, com “P” maiúsculo, deve-se É o caso da Amazônia. A ação presen-
tomá-lo como território usado. Por que te, os interesses sobre parte do território,
essa insistência? O marxismo vendeu, e a cobiça, e mesmo as representações
vendeu bem, algumas idéias que eu pró- atribuídas a essa parte do território têm
prio escrevi na minha maturidade, tam- uma relação com o valor que é dado ao
bém repetindo o mainstream marxista. que está ali presente. O que há na reali-
Uma delas é a relação sociedade–natu- dade é relação sociedade e sociedade
reza que abunda na literatura que nos enquanto território, sociedade enquanto
concerne como “territoriólogos”. Mas espaço. O território não pode ser uma
onde é que se encontra essa relação categoria de análise, tem de ser conside-
sociedade–natureza? Será que há real- rado território usado. Na realidade,
mente essa dialética sociedade–nature- quando uma empresa, uma instituição,
za? Eu creio que não. A dialética somente um grupo, agem sobre uma fração do
se realiza a partir da natureza valorada território, num momento “T” do tempo,
pela sociedade; é aí que começa a dia- não desconsideram o que ali já existe,
Milton Santos 19

ou seja, não só as coisas mas também os deixar os governantes fazerem o que


homens e as relações. Dessa maneira é querem. A realização do planejamento
que talvez possamos ajudar os cientistas regional não dependeu do que nós que-
políticos a avançar um pouco mais na ríamos, exceto em casos muito específi-
sua reflexão, inclusive a propósito da cos, isolados do conjunto. Nunca houve
produção de idéias políticas sobre o país um esforço para pensar a idéia de terri-
e, de maneira mais prática, nos conselhos tório como um todo, território da nação,
que lhes serão solicitados numa próxima território do país, território como totalida-
reforma constitucional. Porque há uma de. Os planejadores eram irresponsáveis
reforma constitucional “de cima para do ponto de vista do que escreviam. Mas
baixo” e haverá a nossa, a reforma cons- creio que chegará o dia em que não po-
titucional de “baixo para cima”, que vai deremos continuar falando irresponsa-
levar em conta o território usado. A velmente, quando será indispensável que
ciência política de modo geral ignora o afinemos nossos conceitos para que
território – dá conta da divisão dos esta- sejam realmente representativos não de
dos, dos municípios, mas não dos con- uma sociedade estática, mas do dina-
teúdos –, como se ele não tivesse um mismo social.
conteúdo social. Este aparece apenas
como estatísticas, que são caixinhas que Essa idéia de território usado, a meu
vamos abrindo à medida que necessi- ver, pode ser mais adequada à noção
tamos produzir o discurso. Mas está de um território em mudança, de um
excluído o conteúdo – o dinamismo território em processo. Se o tomarmos
socioterritorial, socioespacial, essas for- a partir de seu conteúdo, uma forma-
mas-conteúdo que têm a ver com a exis- conteúdo, o território tem de ser visto
tência. Talvez por culpa nossa, já que não como algo que está em processo. E ele
elaboramos de maneira conveniente os é muito importante, ele é o quadro da
conceitos capazes de dialogar com as vida de todos nós, na sua dimensão glo-
outras ciências sociais. bal, na sua dimensão nacional, nas suas
dimensões intermediárias e na sua di-
Acho que esse é um drama dos “ter- mensão local. Por conseguinte, é o ter-
ritoriólogos”. Num mundo simples, como ritório que constitui o traço de união
foi de modo geral até os anos 50, a enu- entre o passado e o futuro imediatos.
meração das categorias não exigia um Ele tem de ser visto – e a expressão de
refinamento muito maior. Desde então novo é de François Perroux – como um
tudo mudou e temos de reelaborar as campo de forças, como o lugar do exer-
categorias de análise. O nosso trabalho cício, de dialéticas e contradições entre
é apreciado academicamente quando o vertical e o horizontal, entre o Estado
bem feito, mas o que é apreciação acadê- e o mercado, entre o uso econômico e
mica? Para que serve, se a compreensão o uso social dos recursos. Esta última
da dinâmica da sociedade escapa? Em questão, hoje fundamental, refere-se à
um país como o Brasil, onde o planeja- dissonância entre os usos econômicos e
mento regional nunca foi feito, é possível os usos sociais dos mesmos recursos, ou
20 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

à possibilidade de produzir recursos. O é um dado da técnica, é um dado da


que estou chamando de “país de cima” política. Assim, podemos incluir a noção
e “país de baixo” é algo que vai ser im- de velocidade como uma das característi-
portante, não obrigatoriamente com as cas de análise do território. Se tomo ainda
mesmas palavras, como forma de en- o território como território usado, estu-
tender o território. Não se fala mais em dando-o a partir das normas, eu tenho
entreguista, mas pode-se falar em “país dois partidos a levar em conta. Se tomo
de cima”, o que pode ser entendido o partido do “país de cima”, o que vejo
através do exame dos conflitos de atri- é que as próprias técnicas são normas.
buição de competência, de possibilida- Uma das características da técnica é ser
des. Estou pensando muito seriamente ela mesma norma. A técnica normativa
no nosso papel numa reforma da Cons- é normatizada no seu uso e é normativa
tituição. Acho que o discurso dos “terri- na sua repercussão sobre os agentes. Re-
toriólogos” e dos que a nós se associam pito: ela é normatizada na sua constituição
pode ser fundamental no debate da íntima, porque é uma forma particular
Constituição, se forjarmos instrumentos de uso; e ela é normativa quanto ao seu
que nos auxiliem a reinterpretar dados uso. E essas normas procuram arrastar a
empíricos e produzir uma idéia de país existência de outros agentes – as normas
visto a partir do território. Evidentemen- das técnicas. Alguns adaptam, segundo
te, no nosso caso, a contribuição, que diversos graus, as suas próprias normas.
não vai ser toda assimilada à Constitui- Ou seja, os agentes adaptam suas nor-
ção, será sobretudo a produção de uma mas para que haja compatibilidade com
consciência territorial da Nação. O con- as normas dos agentes hegemônicos. E
flito entre níveis de governo, por exem- essa adaptação rompe com equilíbrios
plo, merece um capítulo na análise, externos e internos, condenando os equi-
assim como o conflito entre os ramos líbrios preexistentes.
de mercado.
É nesse sentido que o território hoje
O mercado não é categoria de aná- é nervoso, instável... E é por isso que, a
lise. O mercado é uma grande palavra partir do território, se verifica no Brasil
que, para ser transformada em categoria a crise da Nação. Não há melhor indica-
de análise, tem que ser muito esmiuçada. dor da crise por que passa a Nação que
Cada ramo do mercado, para não usar o território; pela sua nervosidade, pela
outra palavra, tem um comportamento sua instabilidade, pela sua ingovernabi-
diferente, produz uma topologia própria. lidade, como território usado. Trata-se
Isto é, uma distribuição no território, mas dessas mudanças rápidas de normas que
também o uso do território e demandas reconhecemos como luta global pela
relacionadas a esse uso. Devem ser con- mais-valia maior, essa competitividade
siderados os conflitos entre classes, os que está na raiz mesma da posição ocu-
conflitos entre localidades e áreas e os pada na economia global e exige uma
conflitos entre velocidades, dentro do ter- adaptabilidade permanente das normas
ritório. Como sabemos, a velocidade não das grandes empresas, o que aumenta
Milton Santos 21

a instabilidade do território “de cima” O que acontece é que hoje a econo-


para “baixo”. Isto é, a produção da mia se realiza pela política. Não é a eco-
ordem para as empresas e da desordem nomia que ocupa hoje a posição central;
para todos os outros agentes, e para o é a política exercida pelos agentes econô-
próprio território, incapaz de se ordenar micos hegemônicos. Sobre o território,
porque ideologicamente decidimos que o resultado é o que estamos apreciando,
essas grandes empresas são indispensá- embora não estejamos analisando ainda
veis. Assim, aceitamos a idéia de que o por que o nosso meio de análise está de
território tem que ser desorganizado. É certa maneira atrasado em relação à nova
o que nós estamos fazendo. Aqui faço realidade. Somos prisioneiros da Univer-
um parêntese para sugerir que a noção sidade, porque supomos que ela contém
de poder não seja estudada somente a os anéis de mudança intelectual. Mas o
partir do Estado, porque, na realidade, sistema reprodutivo que garante à Uni-
o poder maior sobre o território deixa versidade a sua permanência também é
de ser do Estado e passa a ser das gran- aquele que impede o progresso do
des empresas. A gestão do território, a pensamento. O que é grave é que as ne-
regulação do território são cada vez cessidades das empresas globais, e isso o
menos possíveis pelas instâncias ditas po- território mostra, arrastam os governos –
líticas e passam a ser exercidas pelas ins- nacional, estaduais, no caso do Brasil, e
tâncias econômicas. locais.

O saber local
A territorialidade é um atributo do terri- propriamente dito; tem de saber, mais
tório ou dos seus ocupantes? Vivo o meu e mais, sobre o mundo, mas tem de res-
cotidiano no território nacional ou no pirar o lugar em si para poder produzir
lugar? Essas perguntas me parecem im- o discurso do cotidiano, que é o discurso
portantes porque estão ligadas ao que da política. Por conseguinte, o expert de
eu chamaria de saber da região em con- fora vem como aquele que atiça a brasa
traposição a saber do expert internacio- como um fole. E tem que ir embora.
nal. Este, cada vez mais, é chamado a Tenho cada vez mais consciência de que
falar sobre o lugar, quando no máximo há necessidade de se fortalecer a pro-
deveria fazer uma palestra de dois dias dução desse saber local e, no caso bra-
e ir embora. Porque o saber local, que sileiro, de apoiar a multiplicação da
é nutrido pelo cotidiano, é a ponte para Universidade, sobretudo de mestrados,
a produção de uma política – é resultado para a geografia brasileira. Essa é a nossa
de sábios locais. O sábio local não é garantia de que a disciplina vai continuar
aquele que somente sabe sobre o local viva. E isso é central: que os monopólios
22 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

sejam quebrados. Essa produção do campo do espaço se tornou possível tam-


saber local é o que vai permitir que os bém através, creio eu, e digo com toda
estudos sejam menos dirigidos aos cole- a timidez, do cotidiano. Porque o cotidia-
gas, já que o que hoje produzimos não no é a realização das pessoas e, quem
é para mais ninguém senão para nós sabe, também das instituições e das em-
mesmos. Trata-se do que os franceses presas nos lugares.
chamariam hoje uma produção fecha-
da. Os colegas lêem, os colegas citam e Essa união de espaço e tempo, atra-
ficamos felizes. Felizes interni corporis, vés do que antes chamávamos igual-
mas se desejarmos que o nosso trabalho mente de espaço, pode-nos dar a
realmente seja uma produção que consciência da permanente mudança.
apresse o desenvolvimento social, será As formas só têm significado apenas a
outra a forma de produção do saber. partir do que contêm. Qual foi o filó-
sofo que falou que o mistério da forma
Neste ponto, podemos introduzir a é mais complicado que o mistério da
idéia de universalidade empírica, que ciência? Isso porque a forma se dá como
venho trabalhando desde 1985 e creio coisa e impõe uma imagem que dura.
ser muito importante porque é uma Como penetrar a forma e descobrir a
idéia que somente pode ser gestada a sua verdadeira significação? Por exem-
partir da globalização. A idéia da totalida- plo, a questão da habitação. Se estu-
de, que os filósofos nos legaram como dássemos a questão da habitação no
produto da sua cosmovisão, como pro- Brasil nos anos 1980, 1970, constata-
duto da sua formidável penetração no ríamos o envelhecimento rápido das ci-
entendimento do mundo, agora, com dades. Acho que ainda não houve uma
a planetarização da técnica hegemônica, tese sobre isso. As cidades brasileiras
é trabalhável empiricamente. Acho que envelheceram rapidamente nos anos
essa é a grande novidade, a grande 1970 porque o BNH facilitava às classes
ponte entre a produção de uma geogra- médias a mudança de lugar. Às classes
fia teórica, isto é, o estudo dos conceitos, médias era concedido, com facilidade,
e os lugares. Por essa razão atribuímos dinheiro para comprar casas, o que
tanta importância ao fenômeno da téc- Marx chamou de envelhecimento
nica na interpretação de lugares. Nesse moral da forma. A idéia que eu quis
sentido, o lugar é o lugar de uma escolha. trazer com essa noção de “espaço-
O mundo está aí e o lugar colhe no tempo”, que é uma outra versão da
mundo atributos que o realizam histórica idéia de “forma-conteúdo”, é sugerir
e geograficamente. É o mundo que se que desconfiemos do significado que a
dá seletivamente no lugar. O fenômeno forma nos oferece pelo seu corpo. Que
técnico, na sua abrangência telúrica duvidemos do nosso corpo. E que en-
atual, permite entender a totalidade- frentemos a forma a partir de seu con-
mundo a partir dessa empiricidade. Por teúdo permanentemente renovado. E
conseguinte, a possibilidade de uma teo- aí também vem a esperança de que se
rização que abranja o todo e a parte no use de outra forma a cidade.
Milton Santos 23

Aqui retomo a noção de tempo em- mesma coisa, estou fornecendo um ca-
pírico. O que buscar para tornar o even- minho de método para a História e,
to analítico analiticamente utilizável? paralelamente, para a Geografia.
Vou, se o que está em questão é a ação
do fato financeiro, tentar encontrar o O que é que estamos vendo acon-
que o caracteriza em geral, em seguida tecer agora em relação à composição
o que o caracteriza em particular e, a orgânica do território? É que no territó-
partir daí, verificar como incide sobre rio diminui o número de empregos pro-
uma sociedade e um lugar. O mesmo priamente agrícolas e, mais ainda, o
procedimento se aplicaria para o fato número de empregos rurais. Isso pela
industrial, o fato informacional, aquela mudança de composição orgânica da
notícia, aquele rumor. Acho que isso é atividade agrícola e da vida do território.
que permitiria datar os eventos. Essa A cidade abriga uma parte importante
seria a metodologia a utilizar. Escolheria dos empregos agrícolas, de tal maneira
ainda um número de variáveis signifi- que temos hoje no país mais empregos
cativas e acompanharia sua historiciza- e atividades agrícolas do que rurais. O
ção e geografização. Faria esse caminho campo é que é o lugar do capital e não
para trás, reconhecendo presentes su- mais a cidade. É o campo brasileiro o
cessivos, porque se trata de (re)encon- lugar de acolhimento mais fácil para o
trar presentes sucessivos. capital. A cidade resiste às formas hege-
mônicas do capital e passa a ter um papel
Quando se lê um relatório da Asso- de porta-voz desse campo larga e pro-
ciação dos Geógrafos Brasileiros dos fundamente capitalizado, juntamente
anos 1940 ou 1950, vê-se uma tentati- com a obrigação de estender a vertica-
va de reconstituição do passado. A in- lidade ao campo por meio de processos
tenção era descrever o presente; mas, técnicos nas áreas da produção direta.
lido a posteriori, torna-se uma oferta de A cidade é cada vez mais um interme-
interpretação do que passou, que pode diário, na produção direta, do processo
ser canhestra, que pode ser insuficien- técnico da produção, mas não do pro-
te, que pode ser pobre, mas que pode cesso político. Só que ela se investe de
também ser rica se escolhermos bem as uma vontade política que é diferente da
categorias. E é por isso que a Geografia que havia há quinze anos no Brasil. Essa
é cada vez mais uma disciplina que só é vontade política se manifesta através da
praticada a partir de uma teoria. Para imprensa local, da rádio local, dos pro-
evitar exatamente que as interpretações longamentos locais da televisão, que têm
sejam incoerentes. Essa busca de coe- de usar uma linguagem diversa da utili-
rência, de solidariedade entre os “acon- zada pela grande imprensa nacional,
teceres” num pedaço do território é o estadual ou pela televisão mais geral.
que temos por fim. E isso é válido tam- Assim, a partir de um certo tamanho, a
bém para a História, já que o espaço e cidade acaba sendo esse laboratório po-
o tempo são a mesma coisa. Quando lítico, dado que a agricultura exige uma
considero espaço e tempo como uma certa quantidade de emprego urbano
24 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

que não tem relação direta com a pró- obediência a estas eles serão excluídos.
pria agricultura. Esse fato cria dentro da Assim, a primeira coisa que o agricultor
cidade uma complexidade de funções de uma área moderna terá de fazer, se
inimagináveis há vinte anos e uma com- quiser sobreviver, é obedecer, como
plicação em matéria de interesse, que num exército, à palavra de ordem. Po-
poderá transformar-se em uma comple- deríamos identificar na figura do servo
xidade de preocupação da ordem polí- da gleba, da Idade Média, esses agricul-
tica, já que tudo se resolve na ordem tores modernos. Ou seja, são servos de
da política e a economia se realiza a uma ordem global cujo mecanismo co-
partir da política das empresas e do Esta- nhecem pouco, sabendo porém que a
do. Creio que por aí aproximar-se-ia, a obediência é indispensável para conti-
partir do acontecer empírico (o aconte- nuar presentes. Nesse caso, o lugar para
cer é sempre empírico, mesmo quanto a solidariedade é menor porque o pro-
às idéias), de uma tentativa de interpre- cesso de vida, a produção de sua exis-
tação que talvez encontrasse essa pro- tência, de alguma maneira, supõe
dução de horizontalidade, quando o preocupações menos altruísticas. Trata-
que se quis produzir foi a exclusiva verti- se da tensão da bolsa, do mercado, da
calidade, mesmo quando não se fala da necessidade de obedecer às regras de
grande cidade, mas também das cidades produção, de colheita, de empacota-
que no Brasil chamamos de médias. E, mento. Tudo o que verificamos no Pa-
a partir disso, é originado esse mecanis- raná e sobretudo em Santa Catarina,
mo de horizontalização, que é tanto mais por exemplo, com a produção de por-
rico quanto maior é a divisão do traba- cos ou de frangos, é exemplo típico dessa
lho interna às cidades e que tem um po- obediência indispensável do produtor a
tencial de despertar político na medida uma cadeia técnica que responde a uma
em que a própria atividade econômica demanda econômica que cria nele com-
sugere esse entendimento a partir da po- portamentos regulados, de tal forma
lítica. que excluem a idéia que se possa ter de
prática da solidariedade.
Haveria a possibilidade de distinguir
lugares pela sua capacidade inata de Talvez desse modo pudéssemos ana-
produzir mais ou menos solidariedade? lisar o que se chama sociabilidade a partir
Haveria lugares onde essa disposição de condições geográficas, ou geo-socio-
para a solidariedade pudesse se exercer econômicas, ou geo-sociopolítico-eco-
mais fortemente, mais rapidamente, nômicas, o que implica uma diferença
mais conscientemente? Retomo rapida- essencial entre o que chamaríamos de
mente uma oposição hoje factível nas rural e o que chamaríamos de urbano.
áreas mais modernas entre o rural e o Isto é, a oposição rural e urbano vai to-
urbano. O rural submetido às leis da glo- mando novos contornos, novos conteú-
balização convoca os participantes do dos, novas definições, diferentes das que
trabalho rural a uma atitude de subor- aprendemos e ensinamos ainda há vinte
dinação a essas normas, porque sem anos. A cidade é isso: ela fornece a pre-
Milton Santos 25

sidência das atividades técnicas do jam situadas no Rio de Janeiro ou em


mundo rural e, inclusive, uma parcela da São Paulo, podem ter um papel impor-
atividade intelectual das cidades médias tante na produção do saber local, com
que depende diretamente de uma de- a produção de um saber global que não
manda rural – o que denominei, em seja apenas discurso, mas que permita
algum lugar, de consumo produtivo do oferecer elementos de análise localmente
campo. Esse consumo produtivo do reciclados. Não podemos realmente ofe-
campo gera nas cidades atividades que recer as fórmulas de entendimento do
respondem diretamente à demanda do local. Oferecemos um quadro geral de
campo. Mas o fato de as pessoas estarem reflexão, a ser refeito localmente. O que
juntas e terem uma renda, estarem subor- acabo de dizer é uma introdução tam-
dinadas ao meio de consumo e às exigên- bém a essa pergunta sobre a federação
cias da vizinhança cria outras atividades. de lugares que, segundo minhas previ-
Com isso, a própria cidade olha atônita, sões, ocorrerá na medida em que o
sem saber como explicar essa demanda saber local se impuser. As combinações
política que lhe é também feita, esse locais são múltiplas. O que se produz
papel de intermediação em relação ao nas chamadas grandes universidades,
mundo. Isso porque a cidade tem um nos grandes centros da produção do
certo papel também na área política da saber, são generalizações e abstrações e
divisão do trabalho, e não apenas na área que, por isso, não são diretamente apli-
técnica, através do entendimento dos cáveis às políticas locais. São guias; por-
preços, dos incentivos, do custo do di- tanto os experts não podem demorar
nheiro. Tudo isso é a cidade que teste- muito tempo nos lugares porque serão
munha. Esse conjunto de testemunhos desconsiderados, porque falarão tolices,
que lhe é conferido constitui também um certamente. Esse saber do homem da
elemento de cristalização de demandas universidade, do grande centro ou do
expressas, entre outras coisas, pela mídia pequeno centro – que não se imagine
local, pelas associações locais, pelos sin- que só somos grandes se estamos nas
dicatos locais, pelas cooperativas. Todas grandes universidades – é indispensável
são, de um lado, elementos da produção também como um dado central na co-
de um lobby e, de outro, produtoras de zinha do saber local. A cozinha é local.
um discurso da cidade, que é novo e que E esse saber local é urbano. Isso porque
atribui a essa cidade esse papel, também o campo é extremamente vulnerável ao
novo na discussão do mundo e do país. grande capital, já que tem de transigir,
E esse papel será tanto mais eficaz quanto se quiser oferecer o produto que o mun-
mais a cidade explicar esses processos. do pede, nas condições em que pede.

Aqui, finalmente, podemos retomar A datação do mundo faz com que


a questão do saber local, que deixamos tenhamos sempre que estar revendo con-
suspensa um pouco atrás. E como esse ceitos. Mas a própria palavra conceito é
saber local não é independente do saber uma palavra que depende da época, da
global, as universidades, ainda que este- aceitação da idéia de que o mundo é da-
26 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise

tado. Assim, se a relação cidade–campo


(Recebido para publicação em outubro
muda, a definição de campo também
de 1999)
muda. Temos que alcançar essa definição
de um modo geral, global, e de um Milton Santos é professor emérito da
modo nacional, porque em cada país é Universidade de São Paulo
diferente. Como também é diferente a
partir de cada lugar.
Ar tigos
Las Economías Regionales
como Activos Relacionales

Michael Storper

La “santisima trinidad” de la economía regional

En los últimos años, tanto la economía co; el surgimiento y caída de los nuevos
regional y la geografía económica, así productos y procesos de producción tiene
como gran parte de la economía gene- lugar en los territorios y, en su mayor
ral, han experimentado el surgimiento parte, depende de sus capacidades para
de un paradigma heterodoxo. Este pa- tipos de innovación específicos. El cam-
radigma heterodoxo introduce el pro- bio tecnológico altera, a su vez, las dimen-
blema del desarrollo económico en las siones coste-precio de la producción,
regiones, países y a nivel global, en una incluyendo los aspectos locacionales. Las
serie de campos empíricos y teóricos organizaciones, sobre todo las empresas
fundamentales, intentando construir y grupos o redes de empresas implicados
una explicación en multiples capas. El conjuntamente en sistemas de produc-
enfoque heterodoxo implica lo que po- ción, no sólo dependen de contextos
dríamos llamar una nueva “santísima territoriales de inputs físicos e intangibles,
trinidad”: tecnologías-organizaciones- sino también de las mayores o menores
territorios (Figura 1). relaciones de proximidad entre cada una.
Los territorios, ya sean regiones periféricas
Actualmente, la tecnología y el cam- o núcleos de sectores, pueden caracte-
bio tecnológico se consideran entre los rizarse por fuertes o débiles interacciones
principales motores del cambio de los pa- locales y efectos de difusión entre facto-
trones territoriales de desarrollo económi- res, organizaciones, o tecnologías.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 29-68


30 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

Figura 1 - La santísima trinidad del paradigma heterodoxo

Organización
Vínculos de Transacción
os :
mi c c o s
..
Relaciones Input-Output
n ó i Fronteras de la empresa
eco lóg
a cios te cno
Esp acios
Esp

y sistemas de producción
Geografía de empresas
Tecnología
Estandarización vs.
Diversificación/flexibilidad

Geo
gra
fía
de
inn Territorios
o va
ción ..Geografía de transacciones/vínculos
.Complejidades industriales
Economías de escala externas y
economías de oportunidad

El paradigma heterodoxo integra destinan a determinados productos y


importantes avances teóricos que han aquellas que pueden ser re-utilizadas
tenido lugar en cada uno de los com- entre diferentes outputs. 1 El problema
ponentes de la santísima trinidad en los de la territorialidad del cambio tecnoló-
últimos años. El cambio tecnológico, no gico y de los efectos del cambio tecno-
sigue siendo la caja negra que se pensa- lógico en el territorio están actualmente
ba. Actualmente, es una práctica común bien planteados si bien no resueltos. El
distinguir entre tecnologías estandariza- estudio de las organizaciones ha sido
das, dependientes de la escala, y tecno- revolucionado por el trabajo de Coase
logías no estandarizadas, tecnologías y Williamson, mostrando que las em-
que facilitan la diversificación –o flexibi- presas son, al menos en parte, estructu-
lidad- en la producción, aquellas que se ras transnacionales confronteras fluídas 2.
1
La literatura acerca del cambio tecnológico, tanto en economía general como en economía
regional, es muy amplia. Véase el artículo de Dosi (1988) sobre literatura económica (aunque
desde entonces ha aumentado aún más), y las numerosas colecciones sobre la geografía del
cambio tecnológico que han surgido en los últimos años: Angel (1994); Antonelli (1987);
Aydalot y Keeble (1988); Bellandi (1989); Debresson y Amesse (1991); Hakansson (1994);
Lundvall (1990,1993); Maillat y al. (1993); Malecki (1984); Maskel y Malmberg (1995);
Nelson (1987); Rallet (1993); Todtling (1992).
2
Coase (1937); Williamson (1985).
Michael Storper 31

Otros han reconceptualizado las empre- diados de los 80 y principios de los 90,
sas en términos de derechos de propie- según intentaban comprender el resur-
dad y de apropiabilidad de activos; o gimiento de economías regionales, de
como agentes estratégicos, maximizado- las industrias de alta tecnología y de las
res del crecimiento. 3 Al mismo tiempo, regiones, el crecimiento de los nuevos
la economía territorial se ha revolucio- tigres industriales de Asia, y la globali-
nado, integrando ideas provenientes de zación. Pero surge nuevamente un vacío
estudios sobre tecnología y organizacio- en el sistema teórico de desarrollo regio-
nes. Los efectos de las organizaciones nal o territorial. El paradigma heterodo-
en los modelos de economía territorial, xo ha definido, en realidad, la santísima
ya imaginados por Perroux y la escuela trinidad, pero no ha capturado todavía
moderna de análisis input-output, 4 han por completo, el contenido adecuado
sido los nuevos microfundamentos, apli- para el análisis de tecnologías, organiza-
cando la economía de los costes de tran- ciones y territorios. La economía regional
sacción a la geografía de las relaciones heterodoxa, como la economía general,
input-output. 5 Por tanto, se pueden continua estando cautiva de la metáfora
comprender ahora los orígenes organi- de los sistemas económicos como má-
zativos de las economías de aglomera- quinas, con inputs y outputs duros,
ción. Estamos pues muy lejos de la idea donde la física y la geometría de esos
de las economías externas como sim- inputs y outputs pueden comprenderse
ples economías de escala; estas son el de manera completa y determinada.
resultado complejo de interacciones Este énfasis en la mecánica del desa-
entre escala, especialización, y flexibili- rrollo regional debe ahora complemen-
dad en el contexto de la proximidad. tarse con otro, en el que la metáfora que
Las aglomeraciones pueden también predomine sea la de la economía como
facilitar procesos dinámicos, como los relaciones, el proceso económico como
cambios tecnológicos localizados. 6 conversación y coordinación, los agen-
tes del proceso no como factores sino
El paradigma heterodoxo comenzó como actores humanos reflexivos, tanto
a sugir con fuerza a principios de los 70, individual como colectivamente, y la na-
cuando los economistas regionales e turaleza de la economía de acumulación
internacionales intentaban comprender no sólo como beneficios materiales, sino
la desindustrialización de las regiones de como activos relacionales. La economía
antigua industrialización 7; maduró a me- regional en particular, y las economías

3
Sobre la empresa, véase la discusión de la tradición de Perroux en Best (1990).
4
Perroux (1950 a, b, 1955); Leontief (1953); Richardson (1973).
5
Scott (1988 a).
6
El término cambio tecnológico “localizado” no hace sólo referencia a la localización en el
sentido geográfico y sino también en el sentido económico. Para una explicación completa,
véase Antonelli (1995).
7
Massey (1984); Bluestone y Harrison (1982); Vernon (1996, 1974); Norton y Rees (1979).
32 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

integradas territoriales en general, serán sus fronteras se definen y cambian, y


redefinidas aquí como stocks de activos las relaciones que se establecen entre
relacionales. ellas no son simplemente relaciones
input-output o conexiones, sino inter-
Este cambio de guía de las metáfo- dependencias no intercambiables y que
ras, refleja un nuevo contenido para tienen un mayor grado de reflexividad.
cada uno de los elementos de la econo- Las economías territoriales no sólo se
mía regional de la santísima trinidad, han creado, en una economía que se
contenido que va más allá del que nun- globaliza, por la proximidad en las rela-
ca ha existido incluso en el paradigma ciones input-output, sino más bien por
heterodoxo. La tecnología implica no la proximidad en las dimensiones que
sólo la tensión entre escala y variedad, hacen referencia a aspectos de relación
sino entre a la codificación o no codifi- y a aspectos no intercambiables de las
cación del conocimiento; su ámbito organizaciones y tecnologías. Sus prin-
sustantivo es el aprendizaje y la conver- cipales ventajas –debido a la escasez y
sión, no sólo la difusión e utilización. Las lentitud para crear e imitar– son ya ma-
organizaciones forman un tejido común, teriales, sino relacionales.

La reflexividad como característica principal del


capitalismo contemporáneo

En los últimos años, los científicos socia- inmediata entre las diferentes partes de
les han realizado grandes esfuerzos por estas complejas estructuras, abarata-
caracterizar el conjunto de la naturaleza miento drástico de las diferentes formas
del capitalismo que comenzó a tener de producción material, e incrementos
forma a principios de los 70. Las capaci- significativos en la diversidad de inputs
dades económicas del capitalismo con- y outputs materiales e intangibles. Se-
temporáneo han experimentado una gundo, se ha dado una amplísima ex-
gran expansión y un profundo cambio tensión espacial y profundización social
cualitativo. Entre las nuevas “metacapa- de la lógica de las relaciones de merca-
cidades” del capitalismo moderno, se do, en parte facilitada por el salto
pueden destacar varias como las más tecnológico (especialmente por el aba-
importantes. En primer lugar, la revo- ratamiento de las telecomunicaciones y
lución en la producción, información, y los medios de comunicación como vehí-
tecnologías de la comunicación que per- culos de las relaciones de mercado, y a
mite una gran expansión de la naturaleza través de la extensión de la infraestruc-
y esferas de control de las empresas, tura física). La producción de mercan-
mercados, e instituciones, lo que implica cías, basada en las necesidades de
una retroalimentación más intensa e mercado, supone tener en cuenta cada
Michael Storper 33

vez mayores porcentajes de población, grupos están explícitamente interesados


y de sus relaciones, estando a su vez más en reorganizar dichos entornos en bene-
y más sujeta a lugares mucho más leja- ficio propio (innovación). Este tipo de
nos de lo que nunca había estado. Esto acción va bastante más allá de las anti-
es, en cierta manera, una continuación cipaciones correctas de las acciones de
de los procesos de “modernización” a los otros (expectativas racionales). En
largo plazo; por otra parte supone un lugar de esto, implica una distancia crítica
cruce cualitativo en términos de exten- del tradicional funcionamiento de las
sión y profundidad. Y, tercero, combi- esferas en las que esto normalmente
nando los efectos de los dos primeros tiene lugar, distancia que viene facilitada
procesos, se ha producido una genera- por tecnologías y prácticas de comunica-
lización sin precedentes del cruce de los ción contemporáneas que retroalimen-
métodos organizativos modernos, reglas tan a los agentes de información de
burocráticas y procesos de comunica- maneras radicalmente nuevas. Interpre-
ción hacia nuevas dimensiones de la taciones e imágenes de la realidad, son
vida tanto económica como no econó- ahora tan importantes como cualquier
mica. Esto no significa la extensión de realidad material “real”, ya que estas
un único régimen, jerárquicamente interpretaciones e imágenes son difun-
administrado para todo el mundo, sino didas y aceptadas y se convierten en las
el compartir ciertos modos generales de bases sobre las que la gente actúa: se
vida que son comunes a la sociedad in- convierten en reales. Dichas interpreta-
dustrial-de mercado contemporánea. 8 ciones e imágenes son fundamentales
para la organización y evolución de los
Las consecuencias cualitativas de mercados, precios, y otras variables eco-
estas meta-capacidades son más nove- nómicas clave. Son así, en este sentido,
dosas que la simple expansión cuanti- tan reales y materiales como máquinas,
tativa del sistema del capitalismo de personas y edificios. Las temporalidades,
mercado. En términos más generales, las trayectorias evolutivas, y el papel de
se pueden resumir como un gran salto retroalimentación de los procesos socia-
en la reflexibidad económica. Este tér- les y económicos hoy en día, hacen de
mino hace referencia a la posibilidad, esto algo radicalmente diferente de lo
para grupos de agentes de las diferentes que hasta ahora había intentado com-
esferas del capitalismo moderno –em- prender la ciencia social.
presas, mercados, gobiernos, economías
domésticas, u otros colectivos–, de dar Tal y como han demostrado los
forma al curso de la evolución económi- científicos sociales institucionalistas, las
ca. Estos pueden hacerlo porque ahora reglas, instituciones, y marcos de acción
pueden reflexionar sobre el funciona- siempre han sido, por supuesto, impor-
miento de sus entornos respectivos de tantes. Pero estos se consideraban im-
una forma que no está limitada por los perfectos, fundamentalmente en el
parámetros existentes, y donde ciertos capitalismo moderno, como en la idea

8
Giddens (1994); Beck (1992); Beck y al (1994).
34 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

de “estados versus mercados” 9. Funda- dicha reflexividad este libre de limitacio-


mentalmente, estos eran considerados nes. Por el contrario, el viejo debate de
como fuerzas no económicas y premo- las ciencias sociales entre determinismo
dernas que no permitían la completa y voluntad propia, estructura y agencia,
expresión del capitalismo moderno o, ha sido dejado atrás empíricamente por
para algunos, como barreras, humana el propio curso de la evolución real socio-
y socialmente necesarias, de las tenden- económica, en la que las dos caras de
cias voraces del mercado. 10 El contenido estas tradicionales oposiciones han lle-
ideológico de estas disputas teóricas no gado a ser producidas inseparablemente
debería cegarnos de la nueva realidad las unas por las otras. Las metacapacida-
histórica: en muchas ocasiones, los mer- des del capitalismo contemporáneo,
cados estaban enfrentados a los estados, abarcando lo que Marx denominó las
lasreglas, y otras instituciones, pero este “fuerzas” y las “relaciones” sociales de
no es ya el caso en la mayoría de las producción, han desarrollado y madura-
ocasiones. Irónicamente, sin embargo, do el punto en que la variedad de posibili-
el triunfo del capitalismo de mercado en dades empíricas particulares para la
Occidente no ha acabado con una ge- organización de mercados, empresas, y
neralización de mercados capitalistas otras esferas institucionales de la vida eco-
“perfectos”, anónimos, estándar, sino nómica y social han aumentado enorme-
que coincide con un nuevo gran salto mente. Por una parte, los márgenes
en las posibilidades para la reflexividad empíricos de lo que puede suceder
en esa misma economía, generando dentro de unos limites “estructural”
una nueva enorme diversidad en la eco- establecidos, se han ampliado en estas
nomía de mercado. En muchos senti- áreas. Por otra, la naturaleza dependiente
dos, los mercados capitalistas están hoy de la trayectoria de la evolución institu-
más entrelazados con fuerzas de “no- cional significa que estas innovaciones
mercado” de lo que jamás habían estado, generadas por los agentes pueden tener
con impulsos desde la “sociedad civil”. 11 efectos de larga duración en las “estruc-
Esto se debe a que el creciente dominio turas”. Aun así, en cualquier momento,
del capitalismo también coincide con el las posibilidades para la variedad sólo
desarrollo de las nuevas metacapaci- pueden hacerse realidad a través de los
dades potenciadoras de la variedad y la efectos selectivos de la competencia, y a
diversidad descritas anteriormente. través de los efectos movilizadores de las
reglas, rutinas institucionales, y marcos
Esto no implica, sin embargo, que de acción colectiva.

9
La literatura de los estados versus los mercados es muy extensa. Para una utilización económica
adecuada, véase North (1981).
10
Esto vuelve sobre el debate acerca de si el mercado es un incentivo para le doux commerce
o simplemente para la explotación y acumulación. Se puede encontrar debate sobre el tema
en Hirschman (1970).
11
Este segundo argumento se puede encontrar en Arato y Cohen (1992).
Michael Storper 35

Además, las nuevas capacidades y y profundo de describir la lógica de las


agencia también suponen la generación formas más avanzadas de la compe-
de nuevas limitaciones, o “estructuras”. tencia económica es la del “aprendi-
El capitalismo reflexivo contemporáneo zaje”. 14 La idea de que el capitalismo
es un sistema que produce nuevos clases contemporáneo constituye una econo-
de riesgos 12 (económicos, personales, mía de aprendizaje fue propuesta por
ecológicos, psicológicos, sociales, etc.). primera vez por Lundvall y Johnson en
En la esfera económica, estos riesgos se 1992. El argumento es que el apren-
expresan a través de la redefinición de dizaje es el resultado competitivo del
la competencia –qué se requiere para aumento de reflexividad. Aquellas em-
ganar y cómo es posible perder. Ganar presas, sectores, regiones, y naciones
se convierte en un objetivo más comple- que pueden aprender más rápido o
jo ya que las condiciones que una em- mejor (consiguiendo una calidad mayor
presa, región o sistema productivo debe o un precio más barato para una deter-
satisfacer ahora para poder ganar, son minada calidad) se convierten en com-
producidas y reproducidas más intensa petitivas porque su conocimiento es
y aceleradamente que nunca, creando escaso y por ello no puede ser inmedia-
una meta móvil para conseguir el éxito, tamente imitado por nuevos partici-
y un campo minado en constante cam- pantes o transferido, a través de canales
bio de riesgo de fracasar. Esto es una codificados y formales, a empresas,
consecuencia directa del aumento de la regiones o naciones competidoras. El
reflexividad de la actividad económica margen precio-coste de los productos
en el contexto de un sistema generali- que generan puede, en este sentido,
zado de mercado. incrementarse, mientras que sus partici-
pación de mercado pueden aumentar;
En los últimos 20 años, las teorías el conocimiento resultante o las rentas
de la competitividad han intentado cap- tecnológicas alivian los salarios descen-
turar estos fenómenos desarrollando dentes o la presión de los beneficios. Las
diversas denominaciones descriptivas actividades basadas en el aprendizaje no
para la nueva economía: el postindus- son inmunes a la relocalización o susti-
trialismo, la economía de la información, tución por los competidores. Una vez
la especialización flexible, y el post-For- que son imitadas o que sus productos
dismo. 13 Aunque cada una de estas eti- son estandarizados, entonces, están
quetas ayuda a comprender algunas sometidos a presiones a la baja de
dimensiones del proceso económico salarios y empleo. Las empresas o las
contemporáneo, el modo más general economías territoriales deben por tanto

12
Beck (1992).
13
Ver la crítica del posindustrialismo en Cohen y Zysman (1984). En la economía de la
información, véase Castells (1989); en especialización flexible, véase Piore y Sabel (1984).
14
Lundvall y Johnson (1992); Arrow (1962); Rosenberg (1982).
36 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

prepararse para impedir la entrada de de cualquier tipo de análisis económico


las potentes fuerzas de imitación en la interesado en los procesos de desarrollo.
economía mundial. Deben convertirse Estas dimensiones se pueden aprove-
en objetivos móviles, realizando un con- char, al menos de forma preliminar, a
tinuo esfuerzo de aprendizaje. La econo- través de palabras clave tales como
mía de aprendizaje es, por lo tanto, un “acción”, “reglas creadas” “marcos de
conjunto de posibilidades competitivas, acción”, y “rutinas”. Fundamentalmente,
de naturaleza reflexiva, engendrada por su estudio requiere que nos fijemos en
las nuevas metacapacidades del capita- cómo opera la reflexividad individual y
lismo, así como por los riesgos y limita- colectiva en la economía contemporá-
ciones producidas por el aprendizaje nea, a través de procesos cognosciti-
reflexivo de los demás. 15 vos, 16 dialogados, e interpretativos, con
el objetivo fundamental de comprender
Las dimensiones de la nueva refle- cómo se establecen las relaciones de
xividad económica se convierten, de coordinación entre agentes reflexivos y
este modo, en la principal preocupación organizaciones.

El giro “relacional” en el análisis económico:


Tecnologías, organizaciones y territorios

En el campo de la economía regional y Tecnología


del desarrollo territorial, los progresos
descritos anteriormente suponen que el En la economía ortodoxa, la tecnología
contenido de la teórica santísima trini- se consideraba una “caja negra”, 18 y la
dad –tecnologías, organizaciones y terri- teoría asumía que los agentes racionales,
torios– debe ser redefinido, desde una disponiendo de plena información,
serie de máquinas hasta un grupo de hacían elecciones óptimas bajo unas
relaciones 17 y sus procesos reflexivos condiciones muy restrictivas. En con-
constituyentes. traste con lo anterior, la economía del

15
La denominación “economía de aprendizaje” tiene diversas e importantes consideraciones –
tanto en términos teóricos como en orientaciones políticas-, junto con otros conceptos apli-
cados en la nueva economía del período posterior a 1970 (por ejemplo, especialización
flexible, pos-Fordismo, economía de la información, economía de servicios, etc).
16
Rip (1991).
17
Para ver el enfoque original de este tema, véase Asanuma (1989). Mi concepto de relaciones
difiere en cierta manera del suyo, aunque reconozco su inspiración.
18
Rosenberg (1982).
Michael Storper 37

cambio tecnológico ha centrado su causas del cambio tecnológico, y la geo-


atención en la generación de conoci- grafía de la innovación y el aprendizaje.
miento tecnológico y su relación con la La explicación dominante sobre el cam-
práctica económica. Los mercados tie- bio tecnológico en la posguerra, 19 con-
nen grandes fallos en relación con este sistía en un modelo linear input-ouput,
tema: es difícil establecer los precios con vínculos hacia arriba de I+D (inves-
porque el vendedor no entrega el cono- tigación y desarrollo) científico, de
cimiento, la posesión es permanente, y innovación en el medio, y de comercia-
el comprador no siempre puede hacer lización y difusión hacia abajo. La difu-
una valoración a priori. sión era tanto económica (interempresa
e interindustria), como geográfica (desde
El paradigma heterodoxo adaptó los los centros hasta las periferias), y en cual-
descubrimientos de la economía del cam- quier momento la distribución espacial
bio tecnológico al análisis de los efectos de las tecnologías adoptaba la forma de
del cambio tecnológico en la geografía áreas especializadas en cada una de estas
de la producción, distribución y transpor- fases. Aunque ya en los primeros años
te. En la geografía de la producción, sa- estaba ya implícita, en gran medida, la
bemos ahora que las actividades basadas idea de las tecnologías surgiendo como
en las tecnologías estandarizadas que per- innovaciones poco frecuentes y no
miten economías de escala en la empresa estandarizadas que más tarde se desa-
pueden deslocalizarse, mientras que rrollan en crecientes tecnologías es-
aquellas basadas en tecnologías no estan- tandarizadas “maduras”, capaces de
darizadas y diversas, tienden a localizarse explotar economías de escala, esta idea
en aglomeraciones. Las primeras tienden se fue haciendo cada vez más explícita,
a estar verticalmente integradas y ser au- a través de modelos como el “ciclo de
tónomas, o dependientes de inputs que vida del producto” en la economía in-
se encontraban alejados, mientras que dustrial y de desarrollo, y “la división
en las otras sucede lo contrario. Por ello, espacial del trabajo” en economía re-
el paradigma heterodoxo ha compren- gional e internacional. 20 En muchos
dido mejor la espacialidad de la ma- sentidos, este enfoque teórico encaja
quinaria input-output de la economía bien con la experiencia del desarrollo
moderna y, por ello, ha revolucionado de la tecnología, en los períodos de
la teoría de la aglomeración. entre guerras y posguerra, como pro-
ducto derivado de la ciencia, con el
Los límites del paradigma se encuen- “problema” definido como su desigual
tran esencialmente en el análisis de las distribución económico-espacial, 21 una

19
Mansfield (1972).
20
Norton y Rees (1979); Pred (1977); Rallet (1993).
21
Pero debe recordarse que ciertos economistas en países en desarrollo no disminuyeron el
problema tendiendo hacia una difusión. Celso Furtado (1963), por ejemplo, expresa a lo
largo de sus escritos que el problema para desarrollar áreas consiste en dominar la creación
de tecnología.
38 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

posición compartida no sólo por y empresas multinacionales, que se co-


muchos economistas de los países en rresponden con nuestra idea del pro-
vías de desarrollo, sino también por ceso como jerárquico y linear, sino con
muchos Europeos preocupados por la la proliferación y dramática complejidad
reconstrucción de la posguerra y la mo- de las relaciones entre aquellas institu-
dernización. ciones, y entre estas y otros elementos
del entorno económico. Paradójica-
La experiencia que existe desde los mente, el crecimiento cada vez mayor
años 70, sin embargo, ha cuestionado de la ciencia y del I+D no ha ido acom-
de forma radical el supuesto de que el pañado de un creciente aislamiento en
vínculo de unión entre tecnología y de- la cabecera, sino que ha ido acompaña-
sarrollo consiste en la progresión de la do de una creciente integración con
invención/innovación hacia la escala y otros grupos de procesos económicos y
estandarización, donde la productividad sociales. Dentro del “gran” I+D, por
creciente de los factores dentro de cada ejemplo, existe hoy una retroalimen-
empresa o tecnología conduce una tación más compleja que nunca, entre
mayor creación de riqueza. Ahora pa- ciencia y saber hacer en las industrias
rece que el desarrollo, al menos en países de alta y media tecnología, 22 mientras
y regiones ricas, depende, al menos en que en muchos sectores de tecnología
parte, de la desestandarización y de la media o baja el saber hacer es objeto
generación de diversidad. La creciente de deliberación y reflexión para intentar
integración espacial de mercados para la sistematización, y apropiación de los
productos estandarizados reduce las resultados de la ciencia y la ingeniería. 23
rentas monopolistas mientras que la La investigación sobre el cambio tecno-
automatización reduce el empleo y las lógico ha documentado la importancia
ventajas revierten en áreas de bajos de las relaciones usuario-productor
salarios, bajo-coste. La única salida a este (interempresas, interindustrias y consu-
dilema es crear de nuevo la competencia midor-productor); las relaciones ciencia-
imperfecta a través de la desestanda- producción; las relaciones interempresa
rización, la fuente de la escasez. en áreas tecnológicamente semejantes;
y las relaciones empresa-gobierno-
Esto obliga a una reconceptualiza- universidad en innovación tecnológica.
ción completa del proceso de la inno- También ha mostrado, significativa-
vación tecnológica en el desarrollo mente, que estas relaciones están cada
económico: esto supone ahora no sólo vez más organizadas como procesos no
las gigantescas organizaciones de inves- jerárquicos, de trabajo en red, complejos
tigación de laboratorios, universidades, y repletos de comunicación y acción.24
22
Nelson (1992); Griliches (1991); von Hippel (1987, 1988), Jaffe (1986, 1989); Jaffe y al.
(1993); Antonelli (1995).
23
Lundvall (1990).
24
Hakansson (1987, 1989); Johansen y Mattson (1987); Cohendet y Llerena (1989); Callon
(1992).
Michael Storper 39

La investigación sobre la proliferación en las relaciones requeridas para tener


de distritos industriales “con especiali- acceso al conocimiento y, quizás aún
zación flexible” ha demostrado, además, más importante, las relaciones que se
que el capitalismo en gran número de requieren para conmprender, interpre-
regiones y países ricos se construye en- tar y utilizar eficientemente el conoci-
torno a formas prácticas de innovación miento, serán capaces de emplearlo de
tecnológica, suponiendo papeles rela- formas económicamente útiles. A su vez,
tivamente pequeños o indirectos para estos nodos de agentes vinculados por
la ciencia formal o para la I+D, mientras relaciones, pueden “generar” nuevos
que la retroalimentación relacional procesos de estandarización y descodi-
compleja en los sistemas de producción ficación, aunque también pueden re-
son responsables del éxito de la actua- generar la diversidad con su trabajo,
ción innovadora. alargando la vida de los nodos de inte-
racción no cosmopolita. Esta no es más
La empresa tecnológica que es tan que una de las nuevas dinámicas de una
clave en el capitalismo contemporáneo, economía de reflexividad, y de las opor-
parece que conlleva, hoy en día, un tunidades y riesgos que ésta genera.
grupo de procesos circulares. La crecien-
te densidad y complejidad de las rela- En resumen, la esencia del proceso
ciones es el medio para nuevas formas del cambio tecnológico es ahora el tejido
de reflexividad colectiva, que conduzcan de las relaciones a través de las cuales el
a un salto cuantitativo en la posibilidad conocimiento asimétrico y no cosmopo-
de generar diversidad tecnológica, es lita se genera, aplica y continúa desarro-
decir, de aprender. Esta diversidad tiene llándose. El incremento de la diversidad
dos consecuencias principales. Por una es el resultado del funcionamiento de
parte, activa los tradicionales ciclos de estas relaciones en un entorno econo-
codificación, estandarización, imitación nómico radicalmente diferente de aquel
y difusión del conocimiento. Por otra, definido por la teoría ortodoxa: empí-
en un momento dado, existen innume- ricamente, consecuencia del salto cuali-
rables “islas” de conocimiento no cos- tativo de las capacidades comunicativas
mopolita 25 en esta economía tan de los agentes del capitalismo moderno,
centrada en la diversidad, donde sólo fenómeno histórico resultante de los
aquellos agentes que están implicados avances tecnológicos y de la generali-

25
Agradezco a una serie de autores por sensibilizarme acerca del conocimiento cosmopolita
versus no cosmopolita. El primero es Rip (1991). En los primeros procesos de diseño llevados
a cabo fuera un ámbito familiar, predominan los modelos mentales técnicos “privados”. Sin
embargo, no hay duda sobre el vínculo con representaciones cognitivas cosmopolitas exis-
tentes, pocas veces es explícito; en consecuencia, “meta-modelizar” no aparece aún como
una actividad distinta. El segundo es Haas-Lorenz (1994). Véase también los excelentes
artículos de Lecoq (1993), sobre comunicación y conocimiento en el contexto geográfico.
40 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

zación de los metamodelos de organiza- En el periodo de posguerra, las organi-


ción y comunicación de la modernidad; zaciones han tenido una participación
y teóricamente, porque (como la econo- destacada en la economía general, y en
mía evolutiva ha mostrado) las empresas la economía regional e industrial en
y otros agentes operan en entornos más particular. La teoría de la empresa –ini-
bien “flexibles” que “estrechos” (Pareto- ciada por Coase y desarrollada por la
optimizadores) como consecuencia de economía de los costes de transacción–
su reflexión y comunicación con los ha definido como su tema central las
demás. 26 fronteras funcionales de la empresa, la
división del trabajo entre empresa y
Para la economía regional y territo- mercado y las relaciones o transacciones
rial, esto significa una reorientación de entre empresas. 28 La teoría de los siste-
los temas centrales planteados por el mas de producción, tuvo un mayor em-
cambio tecnológico: de la estandariza- puje a finales de los 40 y principios de
ción a la desestandarización y diversidad los 50, con la idea de Perroux sobre los
como el aspecto central del proceso espacios económicos y las complejidades
competitivo, de la difusión a la creación industriales, y con las aportaciones de
del conocimiento asimétrico como prin- Leontief que le dio un mayor poder de
cipal fuerza motriz, y de la codificación generalidad y analítico con sus modelos
y cosmopolitanización del conocimiento de desarrollo input-output de econo-
hasta las dimensiones organizativas y mía. 29 Los economistas regionales hicie-
geográficas del conocimiento no codifi- ron grandes esfuerzos por utilizar la
cado y no cosmopolita. teoría y las técnicas input-output en la
modelización de las economías regio-
nales. 30
Orga nizaci ones
La economía de los costes de tran-
El segundo elemento de la santísima tri- sacción, desarrollada por Williamson,
nidad son las organizaciones, que hacen ofrecía una comprensión más precisa de
referencia, fundamentalmente, a las em- los generadores de costes para las es-
presas y los sistemas de producción. 27 tructuras input-output, acercando así la

26
Nelson y Winter (1982).
27
He elegido utilizar el término “organizaciones” para referirme a empresas y a sistemas de
producción, más que “instituciones” que es el término que prefiere la economía institucional.
Esto se debe a que deseo reservar la utilización del término instituciones para referirme a
rutinas, prácticas y organizaciones formales no privadas, así como a gobiernos, asociaciones
comerciales y otros. Es además una forma de ligar las organizaciones al tema de la organización
económica en general.
28
Coase (1937); Williamson (1985); Dosi y Salvatore (1992).
29
Perroux (1950 a, b); Leontief (1953).
30
Richardson (1973).
Michael Storper 41

teoría de la empresa a la del sistema aspectos, ha intentado comprender el


productivo. 31 A su vez, se le dio una contexto transaccional para el cambio
nueva dimensión a la teoría de los com- tecnológico, y los geográfos y regiona-
plejos industriales y de la aglomeración, listas han proclamado que este contexto
considerando las dimensiones geográfi- tienen profundas dimensiones territo-
cas de llevar a cabo transacciones. Se riales; aunque todavía se encuentra en
demostró que la geografía figura en los las primeras fases, 34 esta es en la actuali-
costes de transacción en general y, por dad un área de trabajo muy activa y su
tanto, influye en las fronteras de la em- objetivo es nada menos que la elabora-
presa y del sistema de producción (es ción de una teoría integrada del espacio
decir, la geografía influye en el grado económico, que consiste en las interrela-
de internalización o externalización del ciones entre el espacio organizacional,
sistema de producción). 32 También se el tecnológico y el geográfico. Final-
demostró que la geografía de los costes mente, la nueva teoría del crecimiento 35
de transacción ayuda a explicar la aglo- ha planteado que el cambio organiza-
meración y las divisiones espaciales del tivo en la división del trabajo es un resul-
trabajo. Los interrogantes de gran parte tado de los procesos de crecimiento de
de los estudios sobre divisiones espa- tipo Smith-Stigler, mientras que la nueva
ciales del trabajo eran compartidos por geografía económica 36 ha asociado de
las investigaciones sobre empresas multi- nuevo la teoría de la localización con la
locales o multinacionales, los primeros, estructura de mercado, sobre la base de
abordando el problema desde la geo- que la competencia espacialmente im-
grafía y, los segundos, desde el de la em- perfecta se extiende en el capitalismo
presa, encontrándose en las cuestiones moderno debido a las economías de
relacionadas con las dinámicas loca- escala en la producción, mientras que
cionales de los sistemas complejos de la economía en su conjunto es objeto
producción. 33 Además, la teoría de los de rendimientos crecientes debido a las
costes de transacción se extendió a los interrelaciones de productores especia-
mercados de productos y a los mercados lizados y la acumulación de conocimien-
de trabajo desde el lado input, integrán- to. Ambos están dedicados a aportar los
dose ambos en la teoría y los modelos microfundamentos para el trabajo co-
de los costes de transacción geográficos. menzado por Allyn Young en los años
La teoría de la innovación, en muchos 20.

31
Tal y como desarrollo Stigler el análisis de la escala de división del trabajo, y algunos neo-
Sraffianos (Stigler, 1951).
32
Scott (1988 a).
33
Dunning (1979); véase la crítica de la literatura “geografía de la empresa” de Sayer y Walker
(1992).
34
Camagni (1991); Malecki (1984); Maillat y al. (1990, 1993); Russo (1986); Bellandi (1986,
1989, 1995); Djellal y Gallouj (1995).
35
Romer (1986, 1987, 1990), Lucas (1988).
36
Krugman (1991 b, 1992, 1995).
42 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

Se puede observar que, en la última estimulado el surgimiento de nuevas


mitad del siglo, se han conseguido avan- formas de organización económica. Las
ces teórico importantes en cuanto a la empresas y los sistemas productivos
comprensión de las organizaciones eco- deben estar bien preparados para movi-
nómicas, y su extensión hacia la locali- lizar los recursos aplicando lo que apren-
zación y la geografía de los sistemas den: esto es lo que se ha venido a
productivos. Sin embargo, las principales conocer como la condición de “flexibili-
preocupaciones de la teoría y de su mo- dad”. Algunos tipos de aprendizaje supo-
delización estan centradas casi por com- nen, necesariamente, una atención muy
pleto en las relaciones comerciales entre focalizada por parte de los que están
empresas y lugares (factores de mercado, aprendiendo, a través de divisiones del
instituciones), en relaciones de intercam- trabajo: esto es lo que se ha venido en
bio entre empresas (comercio interem- llamar la condición de “especialización”.
presa), o enintercambios entre unidades Estos dos atributos organizativos del
de producción de grandes empresas aprendizaje contribuyen a la transforma-
(comercio intraempresa). El mecanismo ción bien documentada de las organi-
explica los resultados organizativos y geo- zaciones de producción, lejos de la
gráficos son los precios, cantidades, y tradicional y típica jerarquía directiva de
calidades de estas interdependencias in- la producción en serie de la posguerra,
tercambiables. Este mecanismo explicati- en la dirección de lo que se puede llamar
vo es similar, sin importar a cuál de las (de forma poco elegante) “cuasi-externa-
diferentes fuerzas motrices señaladas se lización” o “desverticalización” de la di-
priorice (la tecnología, las divisiones del visión del trabajo. Con ello se intenta
trabajo, el factor de sustitución neoclásico, explicar la tendencia de los sistemas de
etc.), ni qué tipo de metanarrativa teórica producción basados en el aprendizaje, a
se prefiera (la racionalidad neoclásica, la asumir la forma de redes basadas en una
búsqueda del control en los marxistas, división del trabajo interempresa o, para
varios tipos de institucionalismo). las grandes empresas, de imitar atributos
de externalización, en ocasiones vía
Sin embargo, la idea de que esas rela- alianzas interempresas, otras veces vía in-
ciones entre los agentes económicos se troducción de mecanismos de precios
expresa en términos de interdependen- dentro de la gran empresa, o vía una
cias directas y comerciales no se sostiene. mayor dependencia de los proveedores
Hay muchas razones para explicar por externos, y a veces vía un sistema organi-
qué esto es así. En primer lugar, existe zativo interno, de la empresa, más des-
una dimensión histórica. El crecimiento centralizado. 37 Estas condiciones, sea cuál
de una economía en la que las formas sea la forma concreta que adopten, po-
más lucrativas de competencia suceden tencian la reflexividad organizacional 38 y
en torno al aprendizaje tecnológico ha no meramente el control burocrático.
37
Sabel (1993); véase también Bramanti y Maggioni (1994); Powell (1990).
38
Cooke y Morgan (1990, 1991), en reflexividad institucional en Baden-Wurttemburg, me
inspiraron en esta reinterpretación de las redes y la literatura de la organización corporativa.
Michael Storper 43

La segunda dimensión es teórica. ha mostrado. De acuerdo con esto


Toda actividad productiva depende de último, esa es la razón por lo que existen
las acciones de los demás, las cuáles, si empresas (internalización = control +
no próximamente, revocarán en noso- certidumbre). Pero también está claro
tros mismos acciones ineficientes e im- que ahora las empresas no pueden
productivas; la actividad económica está coordinarse exitosamente, simplemente
fundada en la necesidad pragmática de porque internalicen transacciones, ya
coordinar las acciones de uno mismo que la autoridad burocrática es frecuen-
con las de los demás. Virtualmente, sin temente ineficiente en presencia de altos
embargo, todas esas acciones están niveles de incertidumbre: o bien fracasa
plagadas de incertidumbres –cada uno en tener las cosas bajo control, o lo hace
de nosotros se enfrenta a la incerti- eliminando la respuesta necesaria a la
dumbre de decidir qué se debería hacer incertidumbre, que es la reflexividad
con respecto a un grupo de circunstan- organizativa requerida para aprender y
cias dadas. Parte de está incertidumbre por tanto para competir.
es “secundaria”, es decir que surge del
hecho de que los otros de los cuáles A diferencia de las transacciones de
dependemos también se enfrentan a esa bienes estandarizados y sustitutivos, fac-
incertidumbre por otra parte, así que tores inputs, y de información, las tran-
ellos no saben con seguridad qué harán; sacciones asociadas con muchos tipos de
parte de esto viene de nuestro conoci- reflexividad organizativa suponen una
miento imperfecto o de su comunica- interpretación mutua consistente de in-
ción incompleta de intenciones. Todo formación que no está completamente
esto es otra forma de decir que la activi- codificada, y por tanto no es totalmente
dad productiva es, necesariamente, una capaz de ser transmitida, comprendida
forma de acción colectiva fundada en y utilizada independientemente de los
la paradoja de las acciones individuales. agentes que la están desarrollando y uti-
La coordinación entre personas se pre- lizando. Algunos tipos de información,
senta, de esta manera, como el proble- por ejemplo, no se mantienen por ellos
ma central de la vida económica. mismos: necesitan comunicación, fuera
de la estructura formal de la información
La cuestión es cómo se las arreglan –como han demostrado los lingüistas–
los agentes para implicarse en formas para que la gente llegue a un acuerdo
de acción colectiva, coordinadas y exito- común de lo que se está diciendo. Esto
sas. Ahora sabemos que las soluciones no es menos cierto para la información
de la mayoría del pensamiento econó- técnica y económica no estandarizada.
mico acerca del problema de la coordi- Es necesario también para la informa-
nación bajo incertidumbre son parciales. ción política en la economía, tal y como
Mucha de la incertidumbre en la vida sucede con las reglas de trabajo, reglas
económica no puede resolverse en tér- de gobierno y formas de relaciones in-
minos de precios y contratos, tal y como terempresa, para funcionar con más de-
la economía de los costes de transacción senvoltura. Es más, para que exista esta
44 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

convergencia interpretativa basada en mente las circunstancias en las que las


la comunicación, debemos tener cierto formas de coordinación no-mercado
grado de confianza en lo que los demás pueden ser generadas por los agentes.
están diciendo, o por lo menos algo de
confianza en cómo nosotros les interpre- La forma específica y el contenido
tamos. En el primer caso, tenemos cierto de la coordinación variará de acuerdo
grado de confianza; en el segundo, se con el producto de que se trate, tecno-
requiere una profunda y múltiple com- logías, mercados, etc., así como con
prensión de lo que está siendo trans- otros factores históricos y estructurales
ferido, es decir, formas de leer entre imposibles de inventariar aquí, y cuyas
líneas, de verificar de múltiples formas variaciones son tan reales como la vida
posibles los significados de lo que es un misma. Existen dos niveles de este tipo
contenido formal inherentemente in- de cualidad relacional de las transaccio-
cierto. nes. En el primero, los contactos perso-
nales, el conocimiento del otro, y la
En todas estas situaciones, el proble- reputación son la base de la relación. 42
ma de los agentes es cómo los otros En muchos otros casos, sin embargo, las
agentes se comportan ante las incerti- transacciones no son tan idiosincráticas;
dumbres más próximas, y a su vez cómo tienen dimensiones que pueden ser re-
lo deberían hacer ellos. Los científicos producidas o imitadas por otros agentes.
anglo-americanos son amantes de los Pero la transacción es, por definición,
dilemas prisioneros y de los juegos no mutua; así que sólo aquellos agentes que
cooperativos que tienen, como compro- estén preparados para participar en el
miso prioritario e inevitable modelo tipo de relaciones que deben aceptarse
resultante, la dificultad o el fracaso de la como norma para determinados proce-
no coordinación del mercado (institu- sos de aprendizaje próximos (a las partes
cional). 39 Este es el microfundamento con las que ellos llevarán a cabo la tran-
de “estados versus mercados”. Pero in- sacción) podrán hacerlo. Estos están pre-
cluso la teoría de juegos ha demostrado parados cuando poseen facultades que
claramente, a través del trabajo de les permiten asimilar, interpretar y utilizar
Axelrod, 40 que esos juegos de ajustes la información en un sentido consistente
cooperativos son racionales y fiables con la otra parte que participa en la tran-
bajo la mayoría de las circunstancias; y sacción. Dichas facultades son, fun-
si se abandonan las discutibles suposicio- damentalmente, convenciones que
nes de la teoría de juegos, que limitan coordinan a estos agentes productivos.
la acción individual a la estricta defensa Las convenciones pueden definirse de
de los intereses, 41 aumentan dramática- forma que se incluyan, como determi-

39
Esta literatura se discute en profundidad en Salais y Storper (1993).
40
Axelrod (1984).
41
Para una discusión más profunda sobre estos micro-fundamentos véase más abajo.
42
Lecoq (1993); Haas-Lorenz (1994).
Michael Storper 45

nadas, expectativas mutuamente cohe- tos entre productores); 3. en las tran-


rentes, rutinas y prácticas; que aunque sacciones intraempresa duras y blandas,
a veces se manifiestan como institu- como en las bases para el funciona-
ciones y reglas formales, no es como miento de las grandes empresas que
sucede a menudo. 43 La mayoría de las están “internamente externalizadas” en
convenciones se quedan a mitad de ca- el sentido al que se hacía referencia an-
mino entre las relaciones totalmente teriormente; 4. en mercados de factores,
personalizadas e idiosincráticas y otras especialmente en los mercados de tra-
completamente despersonalizadas, bajo, que suponen capacidades o habi-
relaciones fácilmente imitables (aunque lidades que no son completamente
incluso las últimas tienen orígenes con- sustituibles sobre una base interindustria
vencionales, no naturales o de funciona- o interregional (por ejemplo, cuando en
miento universal). una industria –o región– específica exis-
ten unas dimensiones para las capaci-
Las transacciones convencionales o dades de los trabajadores); y 5. en las
relacionales (a partir de ahora C-R) afec- relaciones entre la economía e institu-
tan a muchas dimensiones de los siste- ciones formales, donde las universida-
mas de producción, pero la naturaleza des, gobiernos, asociaciones industriales
y funciones de tales convenciones difiere y empresas son capaces únicamente de
de una industria a otra, dependiendo comunicar y coordinar sus interacciones
de la naturaleza del producto, de las fluc- utilizando canales con un fuerte conte-
tuaciones económicas asociadas con sus nido C-R.
mercado y procesos de producción, y
el tipo de aprendizaje que sea posible. 44 Los orígenes C-R de coordinación
Las transacciones C-R pueden encon- económica, no hacen referencia a un
trarse en, al menos, 5 ámbitos principa- marcado contraste entre propiedad in-
les: 1. en las transacciones “duras” terna y externalización de los sistemas
interempresa, como las relaciones de producción, o entre jerarquías versus
comprador-vendedor que conllevan mercados o redes externamente incor-
imperfecciones de mercado; 2. en las poradas, sino más bien a la idea de que
transacciones “blandas” interempresa, las oportunidades y riesgos que se obtie-
como las que se darían en la difusión nen a través de la reflexividad organiza-
de información no intercambiada acerca tiva (respectivamente, aprendiendo o el
del entorno o sobre el aprendizaje (por reto competitivo del aprendizaje de los
ejemplo, a través de la circulación del otros), están extendiéndose en el capita-
personal, a través del mismo mercado lismo contemporáneo. Cada tipo de sis-
de trabajo externo, o a través de contac- tema de producción tiene que hacer

43
La definición “clásica” de una convención es de Lewis (1969). Sin embargo, la definición
utilizada aquí difiere de la formulación de Lewis en que ésta no conduce a una noción de
coordinación de “equilibrio” sino más bien a una del tipo coordinación de “satisfacción”.
Para una discusión más amplia sobre este tema, veáse Storper y Salais (1997, Cap. 1 y 2).
44
Para una discusión más amplia, véase Storper y Salais (1997).
46 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

frente a algún tipo de fluctuación en los las cualidades convencionales y relacio-


mercados, diseño de producto, tecno- nales de dichas interdependencias no
logía disponible y precios, que hacen comerciales; la forma en la que las con-
difícil la completa rutina afín de las rela- venciones y las relaciones organizan y
ciones entre las empresas, de sus entor- hacen posible muchas de las transaccio-
nos y de sus empleados. nes comerciales de la economía con-
temporánea.
Los sistemas reales de producción
reflejan una gran variedad de fenóme-
nos convencionales, desde las reglas que Te rritori os
gobiernan el mercado de trabajo y las
prácticas laborales, hasta los mercados La mayoría de la ciencia social ha consi-
de capitales y prácticas de inversión, las derado, tradicionalmente, la economía
formas de organización de la empresa, regional o, de forma más generalizada,
los hábitos y propensiones tecnológicas, la economía territorial a cualquier escala
e incluso las ideas ampliamente defen- geográfica subnacional, como derivada
didas acerca de la adecuada calidad de de los reflejos de las fuerzas más “bási-
los productos. La economía evolutiva ha cas” de las tecnologías y organizaciones.
demostrado que la competencia del ca- Incluso hoy en día, las economías nacio-
pitalismo se produce en un ambiente nales están siendo degradadas, por
“holgado-flexible”, donde son posibles muchos analistas, al mismo estatus se-
múltiples caminos en múltiples y dife- cundario tradicionalmente asignado a las
rentes momentos, y por ello donde las regiones, debido al creciente alcance de
rutinas de comportamiento y los patro- las tecnologías y organizaciones globales.
nes de los agentes se convierten en algo Desde el punto de vista estándar, son
positivamente importante. Las conven- dos los elmentos de la santísima trinidad
ciones y las relaciones “llenan” el espa- que provocan un conjunto de resultados
cio de esta selección flexible de entornos, en la forma del tercero: el territorio.
dándole forma y contenido. 45
En contraste con este punto de
Así pues, es preciso un enfoque adi- vista, el aparente resurgimiento de la
cional en el análisis de las organizaciones economía regional y el crecimiento de
–empresas, y sistemas de producción. la diferenciación económica entre las
Este contaría con 3 componentes princi- mayores economías comerciales del
pales: la atención a las interdependencias mundo, ha estimulado la idea de que la
no intercambiadas y no simplemente a economía territorial llegue a contribu-
las transacciones comerciales como la ciones definidas, y permita importantes
pieza clave de la cuestión organizativa; efectos de retroalimentación para las

45
Estos temas son, por supuesto, temas de investigaciones de los institucionalistas en muchas
disciplinas de las ciencias sociales; la economía de las convenciones, sin embargo, van más
allá y argumenta que son elementos de coordinación de actores, y que la razón de que
funcionen es que suman una coordinación coherente de sistemas de relacionados.
Michael Storper 47

tecnologías y organizaciones. Es más, cada transactor (por ejemplo, la em-


algunas ramas de la teoría contemporá- presa). 46
nea de la innovación, como se acaba
de señalar, proponen un grupo de inte- No hay nada inherente a las transac-
rrelaciones dinámicas entre los espacios ciones que haga necesaria la proximidad
tecnológicos, organizativos y geográ- geográfica. Piensese, por ejemplo, en la
ficos. Desde este punto de vista, el te- situación imaginaria donde cada uno
rritorio es un elemento básico y no tuviese una alfombra mágica 47 y la pro-
simplemente secundario de la santísima ximidad se pudiese conseguir a la
trinidad. distancia que fuese, a coste cero e instan-
táneamente. Entonces, cualquier tipo de
La forma común en que el análisis comunidad de interacción, sería posible
económico trata con la proximidad geo- sin afinidad, incluyendo aquellas tran-
gráfica y la distancia es analizando la sacciones de información e interacciones
geografía de las transacciones econó- entre personas que son las que están
micas –intercambios de bienes, infor- más sometidas a la incertidumbre, tales
mación y recursos humanos sobre la como las prácticas no codificadas, com-
distancia geográfica. La geografía prensiones informales, así como aquellas
económica considera las dimensiones del transacciones de bienes más sensibles a
precio de llevar a cabo transacciones, los costes de cubrir la distancia. Nuestras
de identificar circunstancias donde la alfombras mágicas en California podrían
concentración geográfica es necesaria llevar zumo de naranja fresco y flores
para realizar una transacción eficiente, de invierno del jardín, mientras se diri-
y de aquellas donde la dispersión geo- gen a recoger los croissants de la pana-
gráfica de las empresas, consumidores, dería de Paris. Los estudiantes de un
trabajadores e instituciones es consis- profesor podrían venir desde cualquier
tente con esto. En algunos análisis, la parte del mundo y la clase se podría im-
aglomeración es el medio de realizar partir en cualquier lugar.
mayores eficiencias pecuniarias para

46
Existe una gran ambigüedad acerca de las economías externas tanto en la literatura geográfica
y como en la económica. La cuestión fundamental surge entorno a si la aglomeración es
simplemente un efecto más del individuo, optimizando a los productores, en el que no
existen verdaderamente bienes colectivos que impliquen efectos derivados del sistema de
trasacción, sin existir en tal caso externalidades reales. En la literatura, se han hecho dos
sugerencias sobre estas líneas: una es que existe intensos efectos de retroalimentación entre
proximidad y especialización entorno a la división del trabajo (el trabajo de Scott sugiere
esto). El otro es que las aglomeraciones son lugares que dependen de que se realicen
transacciones de innovación tecnológica. En ambos casos, la aglomeración no se refiere
simplemente al efecto estático de Stigler y Smith, sino al efecto dinámico de Young.
47
Esta idea surge al trabajar con Allen Scott; véase Storper y Scott (1995).
48 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

En ausencia de esa tecnología de vertical (y su complemento, la incerti-


transacción, existen, sin embargo, dumbre de los procedimientos adminis-
muchas circunstancias en las cuales la trativos) ni la desintegración vertical u
distancia es una barrera. La principal de horizontal que complete contratos for-
tales circunstancias es el alto grado de males (lo que debería ser indiferente a
incertidumbre, lo que impide la plani- la distancia). Los costes de cubrir la dis-
ficación que podría facilitar las tran- tancia crecen bastante bajo estas cir-
sacciones repetidas a larga distancia cunstancias, porque la interacción tiene
(reduciendo precios y aumentando la que ser frecuente y sostenible, y no
certeza). Es probable que se adopte la puede planificarse de antemano a me-
proximidad en las transacciones en estas nudo. Estas son situaciones que implican
circunstancias. ¿En qué es probable que altos grados de complejidad en la tran-
consistan tales circunstancias? Aunque sacción entre personas; en general son
es imposible construir una lista comple- circunstancias que dependen de la inte-
ta, muchas de ellas probablemente harán racción interpretativa y que requieren
referencia al cambio tecnológico y al personas que consigan y reproduzcan
aprendizaje, tanto en productos como la confianza 48 en las relaciones, donde
en procesos. Las industrias con dife- la autoridad externa, para el último, y
renciación de producto en curso, por las reglas de codificación, para el primer,
ejemplo, dependen de conocimientos y no servirán.
sensibilidades informales y tradicionales,
que pueden después recombinarse sin ¿Qué significa esto para el problema
que se note mucho en nuevos diseños central de la economía espacial, la ten-
de producto. En las industrias de tecno- sión entre la concentración espacial de
logía avanzada, donde la frontera tec- la producción y su dispersión? La expli-
nológica no se ha alcanzado (el ejemplo cación dominante de la existencia de los
aquí no es el diseño de producto como sistemas de producción geográficamente
en la actual industria de los ordenadores concentrados, tales como Silicon Valley
personales, sino más bien aquella de los (semiconductores), Hollywood (películas
significativos avances en tecnología de y televisión), Manhattan (servicios finan-
microchips), es difícil reducir por com- cieros) y Connecticut River Valley (tra-
pleto la interacción, a proyectos y equi- bajos de precisión en metal), es que estos
pos que puedan relacionarse unos con existen porque muchos de sus vínculos,
otros con procedimientos absoluta- dada la tecnología existente de la comu-
mente formales y a grandes distancias. nicación y el transporte, son profunda-
mente dependientes de la proximidad
Pero incluso en ausencia de cambio geográfica. En esta explicación, cuando
tecnológico como fuente de incerti- los vínculos suponen pequeñas escalas
dumbre, existen muchas circunstancias o altos niveles de incertidumbre, la pro-
donde no es posible ni la integración ximidad reduce el coste real de cubrir la
48
Lorenz (1992); Granovetter (1985); Hakansson y Johansen (1993); Powell (1990); Planque
(1990); Axelrod (1984).
Michael Storper 49

distancia y permite por tanto que se ate- resueltos a través de convenciones más
núe la incertidumbre, permitiendo a los que cuando lo son a través de mercados
productores difuminar los riesgos, au- y contratos. Y sin considerar lo concer-
mentando el acceso a otros productores niente a la eficiencia, sabemos que
en la aglomeración. La ley de los gran- muchos vínculos son resueltos en la
des números funciona aquí para ellos. práctica a través de otros principios de
Un ejemplo es el subcontratista que coordinación. La incertidumbre que se
obtiene acceso a mas clientes para asi refiere a la proximidad geográfica es así
compensar los riesgos asociados con la misma que la que, en presencia de
apoyarse en unos pocos pedidos. Sin proximidad, se resuelve a través de con-
embargo, en la práctica, incluso relacio- venciones entre agentes, pero la forma
nes transaccionales a las que se atribuye de resolución no se determina por la
este tipo de economización óptima se propia incertidumbre.
resuelven mediante la determinación de
algunas reglas de juego entre los agentes La región no es, sin embargo, sim-
que participan: incluso, vínculos “de mer- plemente un resultado derivado de la
cado” dependen de convenciones espe- estructura informativa o afín a las tran-
cíficas de la acción de mercado 49 entre sacciones asociadas con tecnologías y
agentes sin las cuales no hay coordina- organizaciones. En primer lugar porque
ción entre ellos. las convenciones y las relaciones que se
desarrollan en asociación con determi-
Pero esta explicación es, seguramen- nados sistemas de producción en una
te, todavía inadecuada, en el sentido de región concreta pueden afectar a la evo-
que únicamente propone un modelo de lución a largo plazo de tecnologías y
motivación sobre el que economizar a organizaciones en esos sectores, y el
través de los vínculos –ese del oportu- entorno “distendido” de selección del
nismo y azar moral: el subcontratista capitalismo contemporáneo indica que
siempre tiene miedo de estar al límite y existen muchos casos donde esas formas
el cliente siempre de comprometerse específicas de vida económica no desa-
demasiado. 50 La incertidumbre, no sólo parecen por una única “mejor práctica”;
puede resolverse a través de medios que territorialidad y equilibrios múltiples van
puedan expandir riesgos por ajustarse de la mano. Además, el conjunto de
a la ley de un sistema aglomerado de convenciones y relaciones que llegan a
vínculos, puede ser que la expansión de existir en una economía territorialmente
riesgo sea por sí misma ineficiente, o definida puede traspasar la gran varie-
incluso, que no sea posible; algunos vín- dad de sistemas de producción y activi-
culos pueden hacerlo mejor cuando son dades que allí se encuentren, afectando

49
Salais y Storper (1993) discuten sobre cómo la acción comercial, más que ser la forma
universal del actor económico, es simplemente una manera de coordinación con otros actores
en un sistema de mercado, apropiado para ciertos productos e ineficaz para otros.
50
Este es el paradigma de Williamson. Williamson (1985).
50 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

los senderos evolutivos de una variedad de la empresa, aprenden mucho sobre


de sectores en un sentido nacional o re- la cultura de producción de una industria
gional común. específica. Estas son formas convencio-
nales de ventajas específicas, de las que
Debido a estas razones, los efectos los recursos (las ventajas) humanos de
de las convenciones inducidos por la características genéricas, se convierten en
proximidad, pueden hacerse eternos específicos y mantienen su especificidad
durante mucho tiempo, después de que y aún así no pueden ser completamente
desaparezcan o puedan ser eliminadas internalizadas en las empresas y se mue-
las razones de input-output (de transac- ven fácilmente de una región a otra. Los
ción) que hicieron surgir la concentración marcos de acción (conjuntos de conven-
geográfica del sistema de producción. ciones) aprendidos por los agentes cons-
También puede favorecer la actual con- tituyen la forma clave de la ventaja de
centración geográfica, incluso cuando el especificidad en economía, ajenos a las
sistema input-output podría permitir la empresas particulares; y por lo tanto,
desaglomeración. Y pueden, quizás, dife- aquellas personas que participan en esas
renciar los resultados de sistemas input- redes de convenciones permiten a las
output superficialmente similares, en empresas coordinarse eficientemente
términos de coordinación transaccional, unas con otras en situaciones de inter-
cualidades del producto y tendencias evo- dependencia mutua.
lutivas. Vease el ejemplo de la industria
aeroespacial de California del Sur. Mien- Esta explicación de la concentración
tras los grandes productores están rodea- geográfica y diferenciación territorial se
dos de centros de trabajo más pequeños encuentra ahora bastante lejos de aque-
y proveedores de materias primas, hay lla que depende de vínculos, sistemas
poca capacidad para explicar, en estrictos input-output e incluso de economías de
términos de input-output (transaccio- escala y de alcance en los mercados de
nales), la agrupación geográfica de las factores. Sin excluir nada de esto último,
grandes fuerzas contratistas. Estos pue- lo anterior sugiere que el contenido de
den hacer surgir, casi en cualquier parte, los vínculos adquiere forma a través de
las redes locales de proveedores de mate- convenciones, subraya la coordinación
rias que necesiten. Se puede hacer refe- de los agentes económicos en los siste-
rencia, entonces, al mercado de trabajo mas de producción, y da empuje al grado
altamente cualificado como explicación, de eficiencia económica que se logra y
pero el trabajo cualificado es muy móvil. a las cualidades específicas de los pro-
Al mismo tiempo, el trabajo cualificado ductos que son capaces de dominar.
es específico a la industria –e incluso a la
aglomeración–, no en términos del Resumiendo, el elemento territorial
contenido de los estudios, sino porque de la santísima trinidad necesita un
en la aglomeración aerospacial de la nuevo enfoque que parta desde las re-
región, las personas implicadas, como laciones geográficas de input-output –
por ejemplo gerentes y otros empleados complejos industriales y divisiones
Michael Storper 51

espaciales del trabajo- y la economía de cognoscitivos, informativos, psicológicos


la proximidad en los vínculos intercam- y culturales. Atravesando todo esto,
biables, hasta la geografía de las inter- debe existir una consideración simultá-
dependencias no intercambiables y la nea del territorio y la región como resul-
dialéctica de proximidad y distancia en tados derivados de la tecnología y las
éstas. Esto, a su vez, está necesariamen- organizaciones, y como los lugares de
te unido a la geografía de las conven- convenciones y relaciones diferenciadas.
ciones y relaciones, que tienen orígenes

Figura 2 - La santísima trinidad del giro “reflexivo”

Organización
.
Interdependencias no comerciales
.
Vínculos convencionales-
relacionales

Mundos de producción e innovación


(marco de acción)

Tecnología
. Conocimiento codificable/
no codificable
Productos Mundos regionales
de producción
Competición
. Cosmopolita/ no cosmopolita

Mundos regionales de innovación

Territorios
.
Geografía de interdependencias no
comerciales; relaciones; convenciones
.
Ventajas relacionales, regionalmente
específicas

De las economías externas a gran confusión sobre que es lo que esto


las ventajas relacionales significa. Para algunos regionalistas, las
economias externas se reducen simple-
La economía regional suelen caracteri- mente a los efectos de las economías de
zarse, teóricamente, como sistemas de urbanización, simples economías de
economías externas; este concepto sirve escala que surgen de las infraestructuras
tambien para entender los puntos fuer- indidivisibles. Por supuesto, en esta con-
tes de la economía nacional. Esta idea cepción la región no goza de un nivel
ha estado presente largo tiempo tanto básico en la vida económica; es un efec-
en el pensamiento económico como en to derivado de las indivisibilidades tecno-
el regionalista, pero sigue existiendo una lógicas. Para otros regionalistas que
52 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

consideran la economía de la proximi- rentes grados de especialización de lo


dad, las economías de localización se han que en otro caso sería posible, y esto, a
analizado como la fuente de las especia- su vez, pone en marcha dinámicas de
lizaciones económicas de las regiones. desarrollo tecnológico que tampoco
Hasta hace muy poco, las economías de serían posibles de otra forma. Así que
localización se consideraban la expresión ahora la región es una contribuidora a
espacial de los límites de la distancia en la dinámica del capitalismo moderno y
las conexiones (vínculos). La integración no sólo un producto de él. Las “econo-
de la economía de los costes de transac- mías” asociadas a la proximidad no
ción y de las teorías dinámicas de la divi- pueden retornar a una maximización
sión social del trabajo y la geografía de individual bajo condiciones estables;
las transacciones –o a lo que hacíamos éstas suponen inherentemente efectos
referencia anteriormente como relacio- de difusión, líneas borrosas de eficiencia,
nes entre espacios tecnológicos, espacios cálculos en relación a un objetivo organi-
de organizaciones y espacios geográ- zativo móvil cuya trayectoria está ligada
ficos–, ha reabierto el vínculo entre la a su geografía. Con gran probabilidad
teoría de las externalidades y la teoría representan externalidades reales posi-
de la localización o aglomeración. Una tivas –en el sentido identificado por
simple extensión de la teoría de los Young 51 y Kaldor 52 – y no solamente en
costes de transacción a la geografía de los efectos de visión del trabajo de
los costes de transacción, aunque analí- Stigler-Smith 53 (efectos originados por
ticamente sea muy potente, no genera la mecánica relación entre mayor escala
un estatus teórico diferente para la región y mayor división del trabajo). Existen
en el pensamiento económico porque muchas formas empíricas en las que esto
la aglomeración se mantiene como un podría suceder, pudiendo variar desde
simple resultado de la maximización in- las especializaciones de alta tecnología,
dividual. Sin embargo, extensiones más hasta la metropolitanización como
complejas pueden cambiar el estatus de “fondo de flexibilidad”. 54
la región: una vez que se considera la
proximidad como un input en la división Aun así, pueden darse muchas oca-
social del trabajo –permitiendo a las em- siones en que las limitaciones físicas y
presas tomar decisiones entre lo que lo directivas de la distancia, incluso para
que producen internamente y lo que relaciones input-output muy especiali-
compran externamente–, esta permite zadas, se reduzcan progresivamente en
a las empresas experimentar con dife- el tiempo. Existen distintas posibilidades,

51
Young (1928). Tener en cuenta que se está volviendo de nuevo a la distinción entre
externalidades pecuniarias y no pecuniarias, tratadas inicialmente con una gran precisión
por Scitovsky (1952).
52
Kaldor (1972).
53
Stigler (1951).
54
Veltz (1995).
Michael Storper 53

con el desarrollo de tecnologías de co- Las convenciones y las relaciones


municación cada vez más eficientes y la que permiten reflexividad, actúan como
difusión de metarutinas organizativas, de ventajas para las organizaciones y regio-
manera que incluso los sistemas tran- nes que las poseen, o incluso para los
saccionales más sofisticados podrán dis- agentes individuales que se ven envuel-
frutar de un potencial cada vez mayor tos en ellas. Las regiones y organizaciones
para evitar aglomeraciones. que las tienen, tienen ventajas debido a
que dichas convenciones y relaciones –
mucho más que los stocks de capital
Pero la historia no acaba con estas físico, conocimiento codificado o infraes-
interdependencias comerciales. En oca- tructura– son difíciles, lentas y costosas
siones, las limitaciones de la proximidad de reproducir y, a veces, son imposibles
parece que siguen siendo muy impor- de imitar. El estatus de la región ahora,
tantes para la dimensión comunicativa, no consiste simplemente en un lugar de
interpretativa, reflexiva y de coordina- externalidades verdaderamente pecu-
ción de las transacciones, donde inclu- niarias, sino –para las regiones afortu-
so el correo electrónico no sustituye a la nadas– una localización de importantes
proximidad. stocks de ventajas relacionales.

Convenciones, coordinación y racionalidad: Los micro


fundamentos del giro “reflexivo”

El comportamiento económico no está versiones de comprensión, entendi-


únicamente “incorporado” en las fuerzas miento o interpretación generan dife-
no económicas, ya sean culturales, cog- rentes “parámetros” para la toma de
niscitivas, políticas o estructurales; la decisiones en forma de diferentes pro-
distinción entre fuerzas económicas y no gramas de preferencias o diferentes as-
económicas debería sustituirse por un pectos que deben ser maximizados, sino
análisis de las maneras en que diversos que la acción que dirige la coordinación
tipos de información sostienen la coor- es, a menudo, un proceso de compren-
dinación de los agentes económicos. En sión mutua, entendimiento y interpreta-
este sentido, la ciencia social de las con- ciones comunes entre los agentes en
venciones rechaza la distinción, común condiciones de incertidumbre.
a la economía moderna, entre raciona-
lidad de la toma de decisiones –la forma La pregunta surge, naturalmente,
en la que los individuos reaccionan a la sobre dónde la noción de reflexividad y
información– y la acción basada en el mecanismo de convención se sitúa
actos de comprensión, entendimiento o respecto a la racionalidad de la toma de
interpretación, pragmáticos y cognosci- decisiones, tan importante para el pen-
tivos. No es simplemente que diferentes samiento económico. Se podrían co-
54 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

mentar dos breves aspectos de este ajustan a circunstancias cambiantes. La


problema: los micro fundamentos y las acción depende y surge de cosas y per-
cuestiones pragmáticas. 55 sonas implicadas en situaciones pragmá-
ticas próximas. Esta persecución por una
Las convenciones son mucho más efectividad pragmática tiene una cohe-
que simples cualidades cogniscitivas, rencia práctica que quizás no parezca
culturales o psicológicas que permiten a una coherencia lógica; desde el punto
los agentes sobrevivir en los mercados. vista de coherencia lógica, la acción
Cuando los agentes llevan a cabo una práctica puede combinar varias lógicas.
actividad, lo hacen con la expectativa
de tener un marco de acción común con Por estas razones las convenciones
otros actores implicados en esa activi- mejor comprendidas son en términos de
dad. 56 Esto implica que las expectativas cómo prestan o dificultan el acceso a
que subyacen de la coordinación con diferentes tipos de acción. Un ambiente
otros agentes no son, como defienden de acción se compone de dos elemen-
otros autores, fundamentalmente psico- tos fundamentales. El primero, es que
lógicas o cogniscitivas, aunque tienen existen otras personas que actúan de
con seguridad estas dimensiones. Ni tam- forma coherente con nuestras propias
poco son simples anticipaciones, aunque acciones, de forma que ambos respon-
contengan anticipaciones. No son tanto den a la incertidumbre de formas mu-
“racionales” sino más formas de la razón tuamente compatibles: este es un marco
práctica. Estas expectativas están funda- de acción. La segunda, es un entorno
mentalmente relacionadas con las di- material e institucional práctico, en el que
mensiones pragmáticas de la acción, a los agentes de las acciones se adaptan
las que Herbert Simon 57 llamó su “efec- bien a un problema práctico próximo,
tividad”. En toda acción hay una tensión es decir, a las herramientas, conocimien-
continua, consecuencia de la búsqueda to existente, materiales y condiciones
de coherencia pragmática entre los fines externas (por ejemplo institucional o
y los medios. Las intenciones de las competitivas) bajo las cuales se requie-
acciones se definen y clarifican según se re actuar. Diferentes combinaciones de
van llevando a cabo éstas últimas, y se lo anterior es lo que podríamos llamar

55
La mayoría de lo que aparece en esta sección surge del trabajo realizado conjuntamente con
Robert Salais, y explicado en parte en nuestro libro Les Mondes de Production (1993, Paris).
También he extraído parte de un reciente texto, no publicado, “Conventions, mondes possible,
et action économique”. Cualquier tipo de error de interpretación es de mi absoluta
responsabilidad.
56
Pero esto, para nada implica que todos los actores tengan el mismo grado de satisfacción, que
sean igual de entusiastas, o que tengan las mismas relaciones políticas y distributivas. Esto es
una descripción de que están acuerdo con las mismas reglas del juego, aunque no que
necesariamente les guste hacerlo. Otro forma diferente de tratar esta cuestión se puede en-
contrar en Crozier y Friedberg (1977).
57
Simon (1979).
Michael Storper 55

“posibles mundos de acción”. Esta ma- sino por la voluntad de hacer efectiva la
nera de enfrentarse al problema plan- acción que uno lleva a cabo. Esta moti-
tea tres cuestiones acerca de los procesos vación le da dos características princi-
colectivos dinámicos en la economía. pales a la acción. Por una parte está su
particularidad: una determinada situa-
La primera cuestión trata acerca de ción de acción está compuesta de obje-
la diversidad de marcos de acción. Aun- tos, circunstancias y personas, cuya
que en principio existen innumerables naturaleza variada y heterogénea llevan
maneras de coordinar la acción econó- a sinergías particulares y complejas. Es
mica, en la práctica existe un número imposible reducir la situación a series
limitado de combinaciones prácticamen- preestablecidas de rutinas prefijadas. Por
te coherentes de acciones para cada tipo otra parte, su carácter colectivo: debido
de bien material o de servicio producido a esta heterogeneidad básica, las accio-
en la economía. Esta diversidad –que nes mutuamente interdependientes pue-
conduce a una pluralidad de mundos den tener éxito sólo si existe un carácter
posibles– es en cierto sentido mucho colectivo en ellas, en el sentido de acción
mejor que la que prevé la teoría ortodo- dentro de un marco común de acción.
xa, con su idea de una única frontera de Sólo si al acción se redujese a lo prefi-
producción posible, para cada grupo de jado, situaciones completamente anti-
tecnologías y mercados. Nosotros mante- cipadas, se podría reemplazar su carácter
nemos que en una situación de partida colectivo por reglas ajenas que no su-
existe más de una solución económica pongan una coordinación básica entre
effectiva. En otras palabras, es más restric- las personas implicadas. El Taylorismo
tivo que la teoría ortodoxa, que con sen- pleno es la excepción, no la regla, e in-
cillas sustituciones de factores presentan cluso el Taylorismo nunca logró un éxito
un mundo de combinaciones ilimitadas, completo en sustituir relaciones con
circunstancia que no se da en la situación reglas. Heterogeneidad también signi-
práctica real. En comparación con la fica una pluralidad de procesos colecti-
economía de negocio empírica, esto nos vos, una cierta “fragmentación” de
conduce a aceptar la diversidad como la acción; cuando se sitúa en el contexto
mejor opción, en el sentido de que recha- de un entorno de selección competitiva
za la idea de convergencia hacia las mejo- “distendido”, se llega a la idea de que
res prácticas globales de los mercados, a existen muchos tipos de acciones econó-
favor de un considerable conjunto de micamente eficientes, no una única je-
efectivas soluciones prácticas a los pro- rarquía de acciones de mejor a peor.
blemas de producción.
La tercera cuestión hace referencia a
La segunda cuestión tiene que ver la naturaleza de la acción misma. Las
con el papel de la racionalidad. La ciencias sociales estuvieron dominadas
acción económica no está únicamente durante mucho tiempo por la idea utilita-
motivada por el estricto utilitarismo o rista de acción como manipulación estra-
por los deseos de satisfacción individual, tégica de datos, con la intención de
56 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

satisfacer un interés predefinido de una lagunas de coordinación y por tanto con-


realidad externa previamente definida a tribuir hacia la construcción de un marco
la realización de la acción. Esta concep- de acción nuevo. Cuando esto funciona,
ción condujo a una idea reduccionista de el marco de acción del agente ha sido
intencionalidad: con fines dados, la bús- pragmáticamente efectivo; cuando no
queda de los medios adecuados para funciona, la coordinación ha fracasado
conseguirlos. La economía y sociología (por ejemplo, en la economía, el produc-
de las organizaciones ha desarrollado to o la empresa falla algunos test exter-
esta idea de acción. Aún así, hace hinca- nos) y los agentes deben intentarlo de
pié en las diferencias con el análisis eco- nuevo, utilizando un marco de acción dis-
nómico ortodoxo, poniendo énfasis en tinto para resolver la incertidumbre.
los difíciles e ineficientes efectos de la ra-
cionalidad en los contextos organizacio- La dinámica temporal de los proce-
nales; no obstante, encajan bien con el sos económicos surge porque en cual-
paradigma utilitarista-instrumentalista. quier momento determinado existe una
Para romper con este paradigma, tal y variedad de posibilidades, no una infini-
como aquí se hace, se requiere un cam- dad. La acción navega continuamente
bio en la forma de entender la acción; entre mundos posibles en el momento
acción como “hacer”, en la que la princi- presente, y la realidad se define a lo largo
pal incertidumbre de todos los agentes del despliegue pragmático de acciones,
se encuentra, no en algo exclusivo de lo tanto las que tienen éxito como las que
que intentan aislarse o protegerse estra- fracasan. Por ello, la teoría no puede
tégicamente, vía predicciones o manio- definir, en ningún caso, de forma previa,
bras estratégicas. 58 La incertidumbre de las convenciones que desarrollarán los
las situaciones de acción es también una agentes. Pero la teoría sí puede definir
fuente de posibilidades para darse cuenta grupos de convenciones generales y
de las intenciones de la acción. En probables que frecuentemente aparecen
muchas ocasiones, especialmente en las en la resolución de ciertos tipos de dile-
de innovación y otros procesos dinámicos mas económicos prácticos, y puede de-
en economía, el agente puede, muy finir también cómo parecen ir ligados, a
bien, percibir la situación completa como menudo. Estos son los “mundos posi-
“imperfecta”, como podría ser el caso en bles” a los que hacíamos referencia
que su acción se diseñe para completar antes. Más que gramática generativa 59

58
Aunque ello pueda ciertamente consistir en parte en estas dimensiones, bajo circunstancias
particulares, no es una descripción precisa de la naturaleza de la acción.
59
La “gramática generativa” en lingüística: una analogía a las teorías explicativas de la ciencia
social que son no deterministas, pero en las cuales, no obstante, existe un conjunto de
herramientas y una estructura prefijada pero empíricamente fluida, que define el rango de
posible creación de acciones individuales (discursos). Ha existido un gran debate sobre si la
gramática generativa es restrictiva o creativa. Como no somos lingüísticos profesionales, no
podemos opinar sobre ello. En relación con nuestro objetivo aquí, únicamente se dice que la
“gramática generativa” de la economía no debería estar ligada a una estructura que prefije el
posible rango de acciones individuales, y si existe una analogía con el pensamiento lingüístico
que reclame lo mismo, entonces estamos de acuerdo con ello. Véase Searle (1977).
Michael Storper 57

o estructuras, estos marcos de acción métodos tradicionales de investigación


son una especie de pistas para los ex- y modelización, con métodos que pro-
ploradores. Así pues, no tienen sólo un bablemente no resulten familiares y
origen en la ciencia social, en el giro re- cómodos a aquellos educados en el pa-
flexivo tienen diferentes micro orígenes, radigma metodológico dominante.
esto requiere también completar los

Los mundos que construyen regiones y las regiones


como mundos
Ahora nos queda empezar a reconstruir las sociedades regionales tienen profun-
áreas concretas de investigación y explica- dos sentimientos regionalistas, aunque en
ción en los campos del desarrollo econó- otros son más débiles. 60 La pragmática
mico territorial, de la geografía económica regionalista esta, sin embargo, subordina-
y de la economía regional. Estos campos da a otras redes de acción pragmática:
se pueden reconstruir como series de esto se debe a que el capitalismo cada
proyectos humanos colectivos intencio- vez más, se basa en mercados de produc-
nados –donde las acciones pragmáticas tos, empresas, y factores de mercados,
buscan algún tipo de efectividad. La san- geográficamente extensos. Como resulta-
tísima trinidad –tal y como ha sido recon- do de esto, los mercados 61 se han con-
ceptualizada– ofrece unos bloques básicos vertido en los árbitros principales de lo
de construcción, en los que tecnologías, que es una acción colectiva legítima en
organizaciones y regiones son campos el capitalismo contemporáneo; otras
pragmáticos de la actividad humana in- agrupaciones, tales como regiones, nacio-
ternacional. Aunque no tienen la misma nes, familias y empresas, deben someter-
fuerza e importancia. Los territorios y las se al examen del mercado, y están cada
regiones no son ya los espacios de acción vez más sujetas a regímenes políticos que
pragmática básicos del capitalismo. Las necesitan prueba de que esas agrupacio-
personas actúan para salvar regiones y nes no se construyen en oposición a los
actúan conscientemente para desarro- mercados. 62 Los mercados, en conjun-
llarlas y promocionarlas, en unos países ción con las capacidades tecnológicas
más que en otros. En algunos lugares, contemporáneas, hacen muy importan-

60
En el tema del regionalismo, veáse Markusen (1985).
61
Esto no significa, necesariamente, mercados “perfectos”, sino más bien mercados como un
principio general de organización de las interacciones legítimas en el capitalismo contem-
poráneo. Dentro de este principio general, se presentan inmumerables variaciones.
62
Hemos comentado poco sobre la relación entre la acción pragmática y la “justificación” y
“legimidad” de la acción realizada. Pero es suficiente decir que toda acción pragmática –
especialmente en la medida que tiene como objeto la reciprocidad entre otros actores- se
basa en alguna noción de legitimidad, en alguna forma de justificación, bien sea implícita o
explícita, que debe compartirse entre los actores implicados en la acción colectiva. Estas
cuestiones se han estudiado con mayor amplitud en Boltanski y Thévenot (1991). En el caso
de los modelos económicos de productos, Salais y Storper (1993) discuten diferentes prin-
cipios de justificación para diferentes mundos posibles de acción económica.
58 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

tes ciertos tipos de espacios de acción. nes y relaciones que permiten desplegar
Para empezar, está el producto, el foco dichos procesos co-evolutivos, regional-
principal de los mercados. Los mercados mente centrados, entre organizaciones y
de productos incorporan dos elementos tecnologías. Tanto las ventajas físicas
básicos de la santísima trinidad: tecnolo- como relacionales de la producción, se
gías (de productos y procesos) y organiza- convierten, en cierto grado, en ventajas
ciones (fundamentalmente empresas, regionalmente específicas. En otras pala-
aunque también las organizaciones que bras, los mundos regionales de la pro-
apoyan a las empresas, como las escuelas ducción pueden surgir de los mundos
y los estados). Los mercados de factores tecnológicos y organizacionales que
implican a la mayoría de las organizacio- construyen las regiones. Aunque esto
nes (empresa, aunque también aquellas sólo sucede en algunos casos; en muchos
de reproducción social colectiva, como otros, la economía regional deja, durante
el estado, colegios y las organizaciones la mayor parte, un mero depósito lo-
de I+D públicas). Estos dos elementos cacional para los mundos u objetos or-
de la santísima trinidad son los principales ganizativos y tecnológicos, dirigidos
vehículos de los proyectos intencionales exógenamente, presentando una escasa
primarios de la acción económica hoy. co-evolución regional o, como lo han
Es fundamentalmente el despliegue de denominado tradicionalmente los regio-
estas acciones lo que “produce” actual- nalistas, “desarticulada” o “periférica”.
mente economías regionales, 63 cuando
éstas se sitúan o subdividen en lugares. De modo que la economía moderna
puede imaginarse como un complejo
Sin embargo, este tipo de actividades puzzle organizativo hecho de mundos
pueden llegar a estar muy próximas en múltiples y parcialmente solapados, en
los restringidos espacios geográficos de los que se desarrolla la acción colectiva
las regiones, por medio de complejos pa- reflexiva. En cualquier ámbito de análisis
trones y estructuras locacionales, donde económico, la labor consiste en compren-
éstas se constituyen como economías der la naturaleza funcional de los espacios
territoriales. A su vez, estas actividades de acción implicados, y el contenido de
pueden desarrollar diferentes formas de las convenciones-relaciones – mundo de
coherencia, efectos de difusión y retroali- acción – a través de las cuales los agentes
mentaciones regionales; cuando esto ocu- coordinan y dan forma a sus acciones
rre, es porque los agentes económicos particulares de funcionamiento en dicho
regionales han desarrollado convencio- ámbito, 64 conforme ilustra la figura 3.
63
Incluso admitiendo que gran parte proviene del pasado y de feedback de la economía
regional actual.
64
No se debe, sin embargo, poner demasiado énfasis en que los campos funcionales de acción
están predefinidos, ni por la lógica funcional de Parsons ni por ninguna estructura capitalista
mayor. El punto de la teoría pragmática subrayada en este capítulo, es que estructura y acción
se desarrollan y redefinen simultáneamente. Unicamente podemos modelizar las áreas funcio-
nales básicas que se nos presentan actualmente, pero estas son indicativas, en ningún caso
causales.
Michael Storper 59

Figura 3 - La economía como un conjunto de áreas de acción interrelacionadas y


parcialmente solapadas

Territorios

Organizaciones

Sistemas de Mundos
innovación regionales de
Mundos de producción
innovación

Productos

Tecnologías
Mundos
regionales de
Tecnologías innovación

Territorios

Organizaciones

Territorios Organizaciones
Tecnologías
Territorios

En términos operativos, estos cam- Tecnologías y organizaciones


pos, que tienen una gran influencia en
la evolución de la economía regional Las tecnologías y las organizaciones son
cuando llegan a ser mundos de acción los principales generadores de las “posi-
coordinados, pueden ser considerados bilidades de producción” del capitalismo.
como distintos “cortes” en el análisis re- La primera define el envoltorio de las
gional. Cuatro de estos cortes, que son posibilidades físicas e intelectuales, y la
complejas interacciones dentro de la segunda define las posibilidades institu-
santísima trinidad, pueden ser conside- cionales para utilizar la primera de una
rados como prioritarios para la teoría y forma económicamente fiable. Como ya
la investigación de la forma siguiente. se ha indicado, cada uno de estos ele-
60 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

mentos de la santísima trinidad se ha de la economía), la relación con el lugar


revolucionado recientemente por el giro negocio más directo. Como se señala
reflexivo. En combinación, generan anteriormente, las economías territoria-
complejas posibilidades de coordinación les pueden suponer efectos transversales
y problemas, aparecen dos tipos que entre diferentes actividades, a través de
son los más importantes. El primero son tecnologías (derivados de conocimiento
los productos, que son el resultado de localizados), a través de organizaciones
la acción reflexiva coordinada, frente a (vínculos input-output localizados), o de
un fondo de limitaciones y posibilidades aspectos de los marcos de acción local a
tecnológicas y organizativas de fondo; través de los que se coordinan múltiples
los productos son el resultado de marcos sectores de la economía y se movilizan
de acción de origen convencional-rela- recursos. Estos entornos convenciona-
cional, o “mundos de producción”. El les-relacionales localizados son los
segundo son los sistemas de innovación, mundos regionales de producción.
que están basados en marcos de acción
a través de los cuales se desarrollan y
evolucionan las capacidades físicas-inte- Tecnologías y territorios
lectuales; estos son los “mundos de la
innovación”. El desarrollo del conocimiento y del
know-how está sujeto a una comple-
jidad de movimientos entre codifica-
Organizaciones y territorios ción/difusión económica e innovación/
carácter tácito. Mientras las primeras
Las organizaciones, especialmente las tienden a dirigir la difusión geográfica,
empresas, “construyen” regiones a tra- las segundas pueden, en algunos casos,
vés de su comportamiento locacional, aunque no en todos, surgir de contex-
pero organizaciones como las empresas tos geográficos restringidos e impedir,
son también resultado de los entornos al menos durante cierto tiempo, que
institucionales de sus localizaciones. Esto de una difusión geográfica fácil. El
es mucho más obvio en las empresas papel de la localización en la innovación
que tienen un único emplazamiento, y utilización tecnológica, se construye
aunque incluso las empresas más gran- en su mayor parte porque ciertas for-
des que cuentan con múltiples locali- mas de innovación surgen del cono-
zaciones están influenciadas, en cierta cimiento interactivo y de derivados del
manera, por las localidades en las que “know-how”, los cuales aparecen en
sitúan ciertas actividades. 65 Para otro espacios geográficos restringidos, así
tipo de organizaciones, como colegios, como de espacios organizativos defi-
instituciones de gobierno y “entornos” nidos. Una de las cuestiones más impor-
institucionales políticos o culturales (las tantes para los estudiantes del desarrollo
reglas formales e informales de gobierno económico en la “learning economy”

65
Patel y Pavitt (1991); Dunning (1979, 1988); Pianta (1996); Amendola y al (1992).
Michael Storper 61

reflexiva del capitalismo contem- Tecnologías, organizaciones


poráneo es, por lo tanto, la geografía y territorios
del conocimiento y el desarrollo del
“know-how”, que es la geografía de la Cuando se consideran todos los elemen-
innovación. Junto a la cuestión de la tos de la santísima trinidad equitativa y
geografía de la innovación está la cues- simultáneamente, no hay “paréntesis”
tión de cómo surge esta forma de teórico con el propósito de simplificar.
acción colectiva excesivamente com- Como resultado, sólo se pueden conside-
pleja y cómo se coordina en contextos rar los problemas más complejos y con-
particulares. Paralelamente investiga los cretos del desarrollo económico. Pero se
mundos de la innovación en general, pueden construir utilizando ideas adquiri-
luego se debe analizar cómo surgen en das a través de rigurosas teorizaciones de
forma de mundos regionales de inno- los elementos individuales de la trinidad,
vación la localización del conocimiento y las limitadas combinaciones identifica-
y del aprendizaje. das anteriormente.

Conclusión
El enfoque del desarrollo económico el estatus económico de las convencio-
territorial que aparece en este artículo nes regionales de la producción como
tiene poco que decir acerca de los pro- un tipo de ventaja colectiva, regional-
blemas estándares de la economía es- mente específica, de la economía; el
pacial o teoría locacional, base de la estatus de las convenciones como inter-
literatura sobre la geografía del desarro- dependencias no comerciales en los
llo económico, pero tiene mucho que sistemas económicos; y por qué es tan
decir sobre la diferenciación territorial difícil, en algunas regiones, imitar o
del desarrollo, resultados e instituciones tomar prestadas convenciones e institu-
económicas. Su principal contribución ciones de otros lugares. Su propósito es
a las disciplinas espaciales es analizar el aumentar el poder explicativo de la cien-
papel de la proximidad territorial en la cia social regionalista, aproximándola a
formación de convenciones; el papel de los temas principales de muchas otras
las convenciones a la hora de definir las ciencias sociales contemporáneas mien-
“capacidades de acción” de los agentes tras se llevan a cabo nuevas contribu-
económicos y por tanto, las identidades ciones específicas a esos debates.
económicas de los territorios y regiones;
62 Las Economías Regionales como Activos Relacionales

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Michael Storper é professor da Uni-
versidade da Califórnia e da Universi-
dade de Marne-la-Vallée
A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana
e suas Fissuras: o papel da
interdependência nas escolhas de
localização
Pedro Abramo

As leituras sobre a constituição da ordem portamento do homo sociologicus é que


espacial urbana e, mais particularmente, permitirá a emergência de uma ordem
da ordem residencial, partem da consta- espacial 1. A interrogação sobre se essas
tação de que, aparentemente, a configu- regularidades correspondem aos objeti-
ração da estrutura intra-urbana não seria vos de funcionalidade (ou beleza) e se a
aleatória, isto é, de que existem certas Razão, e a “vontade esclarecida” dos
regularidades que poderiam ser identifi- homens, podem “redesenhar” essas re-
cadas pelos discursos das “ciências so- gularidades é que permite ao urbanismo
ciais”. Mas, a questão de saber como se surgir como um discurso alternativo sobre
constitui uma ordem espacial urbana nos a ordem espacial. Nesse caso, a ordem
remete às representações sobre o com- não será mais o resultado da ação do
portamento dos homens, portanto, às homo sociologicus, mas, sobretudo, o
particularidades disciplinares das ciências produto da “Razão” de um homem uni-
sociais. Nesse sentido, a sociologia faz ape- versal. A perspectiva de oferecer à socie-
lo às normas, à cultura, aos efeitos simbó- dade uma ordem espacial independente
licos, às macroestruturas, para explicar dos particularismos dos homens (homo
as decisões de localização como manifes- sociologicus, homo œconomicus, homo
tação referente ao espaço das relações politicus, homo ludens, homo volens
entre homens. As regularidades espaciais etc.) traduz o desejo moderno de colo-
(ordem) são, assim, o resultado dessas nizar o mundo por uma Razão que tudo
dimensões das ações dos homens: o com- resolve e a tudo responde. É o projeto
1
Tomamos de empréstimo a distinção entre homo sociologicus e homo œconomicus proposta
por Elster (1991) e Dupuy (1989).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 69-91


70 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

da modernidade racionalista, caro à tra- os indivíduos, independentemente uns


dição dos urbanistas, que faz do plano a dos outros e movidos por seus interes-
única maneira de conceber uma ordem ses estritamente pessoais, fazem emer-
espacial que seja funcional e produtora gir uma ordem que concilia eficiência
de felicidade. De forma esquemática, po- alocativa e liberdade individual.
demos dizer que a prática arquitetural do
“projeto” colonizou o espaço urbano e Cada um desses discursos teve sua
que o exercício generalizado da “perspec- época; o urbanismo funcionalista reinou
tiva” tornou-se o “projeto” de cidade. Em durante décadas como o mecanismo de
uma palavra, o plano transformou-se no “imposição” de ordens espaciais mais
mecanismo produtor da ordem urbana. “justas” e/ou funcionais, enquanto o dis-
curso de alocação espacial via mercado
Rejeitando essa imposição de um retorna com força durante os anos oi-
plano concebido por uma razão “cons- tenta sob o impulso do neoliberalismo
trutivista” que se sobrepõe aos desejos e da recuperação da idéia renascentista
dos indivíduos, o discurso da ciência de Arte Urbana 2. De forma esquemáti-
econômica (ortodoxa) identifica no ca, diríamos que o período dourado do
mercado um mecanismo de coordena- urbanismo funcionalista corresponde à
ção das escolhas de localização dos in- fase fordista, enquanto o retorno da
divíduos livres. O mercado seria o idéia de mercado urbano representa a
mecanismo que conciliaria a liberdade crise da regulação fordista e um desejo
das escolhas individuais, a maximização de flexibilização 3. As crises do urbanismo
das satisfações individuais e a configu- e, portanto, de uma política urbana
ração de uma ordem espacial eficiente. intervencionista são múltiplas 4, mas
O projeto da “mão invisível urbana” se tendem a rejeitar a cultura do plano e a
traduz na idéia de um mercado de lo- conduzir a uma revalorização do merca-
calização residencial. De fato, o discurso do como “o” mecanismo de coordena-
do urbanismo e o projeto da “mão in- ção das decisões de localização urbana.
visível urbana” da economia urbana É o retorno triunfante do discurso da
ortodoxa opõem-se radicalmente. economia urbana ortodoxa do mercado
residencial como uma “mão invisível ur-
De um lado, encontramos a pers- bana”que nos levou a interrogar sobre
pectiva do plano e, portanto, a submis- sua capacidade de explicar certas carac-
são do indivíduo egoísta a uma ordem terísticas da lógica de decisões de uma
concebida por uma razão que lhe é ex- economia descentralizada. Para tal, pro-
terior. De outro, a perspectiva do mer- pomos uma breve apresentação do dis-
cado e da liberdade mercantil em que curso ortodoxo da economia urbana.
2
Sobre o conceito de Arte Urbana, ver Choay (1965), e sobre sua recuperação atual, ver
Tribillon (1991).
3
Abramo (1993).
4
As críticas à razão construtivista e os debates filosóficos sobre a pós-modernidade são, talvez,
sua expressão mais sofisticada.
Pedro Abramo 71

Insistimos aí em que esse discurso se doxa. Na quarta parte, substituímos a


constitui a partir de uma operação de hipótese de racionalidade paramétrica
síntese que retoma a representação do dos modelos da síntese pela noção de
espaço e a teoria da renda fundiária de racionalidade estratégica, para verificar
Von Thünen em um quadro analítico se os resultados clássicos do equilíbrio
walrasiano. A nosso ver, essa síntese es- walrasiano (unicidade e eficiência) conti-
pacial ortodoxa estabelece uma relação nuam válidos para o caso do equilíbrio
simbiótica entre a representação natura- espacial. Apesar de a nossa intenção ser
lizante do espaço proposta por Thünen a de estabelecer uma ruptura com a pro-
e a racionalidade paramétrica do mode- blemática da economia urbana ortodo-
lo de base walrasiano. Ao se auto-refor- xa 5 , procuramos apresentar nosso
çarem, essas duas hipóteses permitem exercício crítico no “campo da argu-
que a síntese espacial ortodoxa ofereça mentação” do discurso neoclássico.
uma imagem coerente do processo de
equilibragem do mercado de localização. Para tal, convocaremos os argu-
Na terceira parte, propomos introduzir mentos de Gary Becker para “testar” a
alguns elementos de interdependência hipótese do trade off entre acessibi-
nas funções-objetivo dos participantes lidade e espaço e, em seguida, apre-
do processo de equilibragem ortodoxo sentaremos um exercício de interação
para verificar os limites da representação estratégica a partir da cidade racista de
naturalizante do espaço da síntese orto- Rose-Ackerman.

A perspectiva da síntese walraso-thüneniana


A tradição dos estudos urbanos neoclás- permitem a passagem do equilíbrio de
sicos está ancorada em uma matriz de localização individual ao equilíbrio espa-
leitura da coordenação das decisões de cial (ordem urbana): a representação
localização residencial dos agentes eco- econômica de espaço e a hipótese sobre
nômicos cujo ponto de partida é uma a racionalidade dos agentes econômicos.
operação de tradução das hipóteses de
Von Thünen sobre a representação do Como na teoria do consumidor, a
espaço e do processo de determinação construção do argumento neoclássico
da renda fundiária para a “linguagem” parte da representação que um agente
da teoria de consumidor da microecono- representativo faz das suas intenções
mia tradicional. Essa operação de estabe- (desejos) de consumo. A curva de indife-
lecimento de uma teoria da escolha de rença traduz, para um nível de satisfação
localização segundo o procedimento ha- dado, as combinações alocativas dos in-
bitual da microeconomia neoclássica tem, divíduos. No caso da teoria da localiza-
a nosso ver, dois movimentos gerais, que ção (residencial), a dimensão espacial é
5
Em Abramo (1994), procuramos apresentar alguns exercícios para uma perspectiva hetero-
doxa da economia urbana a partir de uma problemática da incerteza radical urbana.
72 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

traduzida pela distância entre o lugar de o primeiro pilar sobre o qual a síntese
moradia e o local de trabalho (t) e pela walraso-thüneniana se edifica é o da re-
quantidade de espaço consumido (q); presentação das hipóteses de Thünen
todos os outros bens são grupados em sobre o espaço segundo o critério aloca-
um bem composto (z) que serve de nu- tivo individual do trade off entre acessibi-
merário nos modelos de equilíbrio de lidade e espaço.
localização neoclássicos. Assim, a função
de utilidade que os indivíduos devem Seguindo o percurso do equilíbrio do
maximizar é U(q, t). Como há um custo consumidor da microeconomia tradicio-
de deslocamento entre o local de mora- nal, a leitura neoclássica de Thünen
dia e o local de trabalho, que por defi- supõe que os agentes econômicos ado-
nição é no centro da cidade (Central tam um certo procedimento racional em
Business District - CBD), a acessibilidade suas escolhas de localização. Essa racio-
ao centro será um atributo de localiza- nalidade supõe que os indivíduos tomam
ção desejada pelos indivíduos. suas decisões de forma autônoma e inde-
pendente, buscando maximizar suas
O desejo de acessibilidade, dadas as funções-objetivo sob a restrição orça-
vantagens de localização, traduz-se em mentária individual. Como essa restrição
renda fundiária, o que leva os indivíduos orçamentária é um parâmetro exógeno,
a estabelecer suas escolhas de localização as escolhas são tomadas segundo uma
segundo um trade off entre acessibili- racionalidade que é identificada como
dade e consumo de espaço. Portanto, a uma racionalidade paramétrica. Como
representação individual do espaço veremos nos parágrafos seguintes, a re-
thüneniano (distância ao CBD) será re- presentação do homo œconomicus que
velada nos moldes de localização neo- essa racionalidade paramétrica traz em-
clássicos por um conjunto de curvas de butida é a de indivíduos que tomam suas
indiferença entre acessibilidade e consu- decisões sem se questionar sobre as to-
mo de espaço com níveis diferentes de madas de decisões dos outros partici-
satisfação. De fato, a primeira operação pantes do mercado; seus cálculos são
da leitura neoclássica da configuração formulados de forma autônoma e inde-
da estrutura intra-urbana é a de repre- pendente, sem que os cálculos dos outros
sentar o universo de consumo espacial tomadores de decisões econômicas
(localização) segundo o critério de indife- sejam percebidos como uma variável que
rença locacional de um agente represen- influencie suas formulações de localização
tativo; para cada nível de satisfação, os residencial 6. Em outras palavras, o equi-
indivíduos são indiferentes quanto à sua líbrio individual (maximização de sua
localização, supondo que as perdas em função-objetivo, dados os parâmetros
acessibilidade são compensadas por restritivos) independe das decisões dos
consumo de espaço. Em outras palavras, outros agentes econômicos.

6
A racionalidade paramétrica supõe que a informação seja perfeita e que não haja
interdependência das decisões dos agentes. Para uma discussão sobre os princípios gerais
da racionalidade paramétrica, ver Mongin (1984) e Walliser (1993).
Pedro Abramo 73

É fácil perceber que a hipótese de siano, garante também a representação


racionalidade paramétrica da teoria da thüneniana do espaço no plano estrita-
decisão de localização ortodoxa articula- mente individual das tomadas de decisão
se com a representação naturalizante do de localização.
espaço (distância do CBD) proposta por
Thünen. Assim, a tradução econômica Sem dúvida, a leitura neoclássica foi
da distância ao centro (custo de deslo- capaz de propor modelos de base que
camento) seria uma função da distância oferecem uma leitura agregada da confi-
percorrida, da tecnologia do transporte guração espacial intra-urbana a partir da
e de outras variáveis exógenas ao pro- coordenação do mercado. Como po-
cesso de equilibragem espacial. O espaço demos ver no estilizado diagrama na
seria, portanto, uma dimensão da esco- Figura 1, o processo de equilibragem
lha de localização que se apresenta para espacial da síntese neoclássica, em que
os tomadores de decisões como um pa- cada indivíduo chega ao mercado com
râmetro, isto é, uma variável indepen- propostas de pagamento de renda para
dente das escolhas dos participantes do todo o espaço (curva de oferta de renda
mercado de localização residencial. de equilíbrio), ao determinar o preço
Como veremos através de um modelo de equilíbrio espacial (renda ou preço
de externalidade, esse tipo de represen- fundiário), determina simultaneamente
tação naturalizante do espaço (exógeno as principais variáveis da estrutura intra-
ao processo de equilibragem espacial) urbana, tais como a distribuição espacial
deixa de ser a referência de base para das famílias com recursos diferentes e
as escolhas de localização quando as as curvas de densidade e verticalidade 7.
decisões de localização são interdepen-
dentes. Nesses casos, as utilidades de- Como podemos constatar, o proces-
pendem da configuração espacial ex so de equilibragem da síntese espacial
post, isto é, o espaço será o resultado neoclássica e o equilíbrio espacial a que
agregado das decisões de localização dos esse processo conduz, cujas característi-
agentes. Portanto, a hipótese de raciona- cas são as mesmas do modelo walrasia-
lidade paramétrica dos modelos de base no (unicidade, estabilidade e eficiência
da síntese espacial neoclássica, além de alocativa), levam esses autores a concla-
garantir que o processo de equilibragem mar o mercado como o mecanismo de
tenha as características de um grande coordenação mais eficiente e democráti-
“encontro no mercado” do tipo walra- co (liberdade de escolha) 8. A rigidez do
7
Esse diagrama é composto a partir dos modelos clássicos de Alonso (1964), Wingo (1961),
Muth (1969) e Mills (1971); para uma apresentação formal dos modelos, ver Fujita (1989) e
Abramo (1994).
8
É importante sublinhar o debate axiomático atual sobre a existência do equilíbrio espacial. A
partir das críticas de Berliant (1985, 1990) e das respostas de Fujita et al (1990) e de Thisse
e Papageorgiou (1990), instaurou-se uma controvérsia sobre a possibilidade de uma teoria
espacial segundo a axiomática walrasiana. Esse debate, que é conhecido na literatura como
“controvérsia da função contínua versus a função discreta”, é reproduzido por Abramo
(1994) como um dos sinais dos limites do approche walraso-thüneniano.
74 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

plano urbano seria, portanto, um meio delos walrasianos. Propomos, pois, uma
pouco eficiente de alocação dos indiví- breve apresentação de um problema de
duos e atividades nos espaços vis-à-vis decisão de localização residencial quando
da liberdade do mercado. A nosso ver, temos interdependência das funções de
essas conclusões são tributárias da inter- utilidade, para verificar se os atributos de
relação entre as hipóteses de representa- unicidade, estabilidade e eficiência do
ção naturalizante do espaço de Thünen equilíbrio espacial fundado no trade off
e da racionalidade paramétrica dos mo- entre acessibilidade e espaço se mantêm.

Figura 1 - O equilíbrio urbano e as densidades residenciais

Uma breve variação beckeriana sobre a representação


do espaço
A síntese espacial neoclássica tem como sentação canônica dos modelos de base
critério alocativo básico em seu modelo é mantida 9. A identidade entre o equilí-
de equilíbrio de localização o trade off brio espacial, produto do processo de
entre acessibilidade e espaço cuja mani- equilibragem walraso-thüneniano, e a
festação ao nível da função contínua da ordem espacial (distribuição espacial das
representação do espaço (hipótese de famílias com recursos diferentes em círcu-
Thünen). Mesmo nos modelos de ex- los concêntricos, curvas de verticalidade
ternalidade e multinucleados da nova e densidade descendentes do centro para
economia urbana neoclássica, a repre- a periferia etc.) é resultado da função de

9
Ver, por exemplo, Fujita (1994).
Pedro Abramo 75

utilidade contínua e, portanto, da escolha o argumento de Becker, a manutenção


segundo o critério do trade off entre aces- do casal depende da interdependência
sibilidade e espaço. e complementaridade das funções de
utilidade de cada um dos cônjuges. Isso
Entretanto, basta introduzirmos significa que a escolha de uma localiza-
alguns elementos de interdependência ção mais distante do CBD realizada pelo
nas funções de utilidade dos indivíduos marido pode induzir a um decréscimo
que participam do processo de equili- do grau de satisfação de sua esposa
bragem espacial para verificarmos as difi- (menor tempo de lazer e/ou convívio
culdades da representação thüneniana comum, maior despesa em custos de
do espaço. Tomemos, por exemplo, as transporte etc.) que eventualmente
argumentações da economia do casa- pode pôr em cheque o contrato de casa-
mento e do capital humano de Becker, mento que os une. Aqui, a perda de
para verificarmos até que ponto o crité- utilidade do marido com um rompimen-
rio do trade off entre acessibilidade e to do contrato de casamento (divórcio)
espaço determina a escolha de localiza- pode ser superior aos ganhos com a lo-
ção das unidades familiares. Comece- calização ótima, segundo o princípio do
mos pela economia do casamento em trade off da síntese neoclássica. Nesse
que o princípio de manutenção (contra- caso o casal tenderia a escolher uma
to) do casal é a maximização das funções localização que aumentasse a comple-
de utilidade de cada um dos cônjugues. mentaridade de suas funções de utilida-
de para fortalecer seus laços (contrato)
Segundo a síntese neoclássica, a es- matrimoniais. A escolha locacional não
colha de localização do casal obedeceria seria mais comandada pelo trade off da
ao critério do trade off do chefe da famí- síntese espacial, mas sobretudo por uma
lia (agente representativo) 10. Assim, a busca de um “lugar romântico” que ma-
localização escolhida seria a que maximi- ximizasse os ganhos de utilidade em
zasse a função de utilidade U(q.t), dadas viver como cônjuges. Da mesma manei-
as preferências por espaço e acessibilida- ra, o casal pode tomar uma decisão de
de em função da renda familiar. Supon- localização que leve em consideração
do que a renda do casal seja superior à uma dimensão intertemporal, isto é,
que cada um dos cônjugues tinha antes que leve em consideração a velhice, em
do casamento, a escolha da localização que os ganhos monetários com a inter-
de equilíbrio do casal tenderá a se deslo- dependência das funções de utilidade
car para a periferia, vis-à-vis de suas esco- sejam compensados pelo aspecto de
lhas de solteiros 11. Entretanto, segundo segurança de envelhecer juntos e/ou em

10
Para uma discussão sobre o problema de agregação das funções de utilidade no interior da
unidade familiar (chefe ditatorial, altruísmo etc.), ver Abramo (1994).
11
A partir de exercícios de estática comparativa, os modelos de base econômica urbana
neoclássica concluem que a elevação dos recursos iniciais conduz a uma rotação para a
direita da curva de renda ofertada, revelando, portanto, uma preferência por espaço em
detrimento de acessibilidade.
76 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

que disporiam de mais tempo de con- de investimento em capital humano de


vívio. Nesse caso, em que se levam em seus filhos. Para tal, supomos que as fa-
consideração o ciclo de vida dos indiví- mílias se distinguem segundo seus níveis
duos e o contrato de casamento, as de renda. Nesse caso, o resultado do
eventuais perdas com a escolha da loca- processo de equilibragem walraso-thü-
lização no presente (segundo o critério neniano é a emergência de uma ordem
do trade off entre acessibilidade e espa- espacial segmentada segundo os níveis
ço) seriam compensadas pelos ganhos de renda familiar, como podemos ver
de utilidade futura. na Figura 1. O critério de escolha de
localização eficiente dos chefes de família
Enfim, haveria uma infinidade de foi o trade off entre acessibilidade-
situações que poderiam ser interpreta- espaço. Entretanto, podemos imaginar
das pelas funções de localização como que alguns chefes de família podem
um meio de investir no contrato de ca- formular suas decisões de localização re-
samento. A decisão de localização não sidencial pensando na formação futura
seria uma decisão de alocação ótima em de seus filhos (capital humano). Eles
si, mas, de fato, um meio de que as fa- imaginam que, independentemente da
mílias lançam mão para aumentar seus formação escolar, as possibilidades fu-
lucros familiares, a partir das interdepen- turas dos seus filhos dependem das “re-
dências de suas funções de utilidade. lações de vizinhança” e dos laços de
Nesses casos, a representação do espa- conhecimento e amizade que essas rela-
ço não mais seria uma representação à ções permitam estabelecer. De fato, esses
thüneniana e estaria subordinada às atributos podem-se constituir em um
características particulares da interde- verdadeiro capital humano para seus
pendência das utilidades de cada con- filhos no futuro 12. Os chefes de família
trato de casamento. A escolha seria podem supor que esse capital humano
determinada, assim, por uma busca de potencial seria superior nas localizações
um “lugar romântico” que garantisse e onde seus filhos estabeleceriam relações
maximizasse o contrato de casamento de vizinhança com filhos de famílias de
em termos intertemporais. nível superior. Assim, o chefe de família
pode formular sua decisão de localização
Ainda utilizando a argumentação de em termos intertemporais objetivando
Becker, podemos imaginar uma outra maximizar o surplus familiar através do
situação em que a decisão de localização investimento em capital humano de seus
se transforma em um meio de investi- filhos. Nesse caso, a escolha não seria
mento familiar; por exemplo, aquela em mais ditada pelo critério de trade off tra-
que os chefes de família formulam suas dicional da síntese espacial neoclássica,
decisões de localização segundo critério mas sobretudo pela busca de uma exter-

12
Basta imaginar um mercado de trabalho com forte assimetria informacional para concluirmos
que uma “rede” de relações de conhecimento e amizade acumulados durante a infância
pode reduzir significativamente os custos de busca de emprego e/ou pesar positivamente nas
relações de confiança (contratos) entre empregadores e empregados.
Pedro Abramo 77

nalidade de vizinhança (famílias com antecipação espacial, pois o chefe de fa-


renda superior). O cálculo do chefe de mília deve antecipar a localização da
família seria o de compensar as perdas externalidade de vizinhança que permiti-
de utilidades no curto prazo (critério do ria maximizar o investimento em capital
trade off) pelos ganhos esperados, dado humano de seus filhos.
o capital humano de seus filhos advindo
das relações de vizinhança. É importante Temos, portanto, que a transforma-
sublinhar que esse chefe de família ção da decisão de localização em um
supõe que os outros chefes de família meio de investimento na função de pro-
tomam suas decisões segundo o critério dução beckeriana das famílias faz emergir
de localização da síntese neoclássica, pois um problema novo, qual seja: a incerteza
só assim ele poderia tomar uma “decisão urbana. No caso da decisão oportunista
oportunista” em que se é beneficiado do chefe de família, a incerteza urbana é
pela externalidade produzida pela inter- evidente, dado que o efeito de localização
relação entre as famílias de renda desejado (externalidade de vizinhança)
superior sem com ela contribuir. é o produto ex post das decisões dos
outros participantes do mercado de loca-
Como no caso do casal beckeriano, lização. A solução corrente dos modelos
o chefe de família utiliza uma decisão de de síntese espacial neoclássica é a de su-
localização como um meio de investi- bordinar a emergência de externalidade
mento na função de produção familiar. ao critério do trade off entre acessibili-
O critério do trade off da síntese é substi- dade e espaço, impondo uma racionali-
tuído por uma busca de externalidade dade paramétrica aos participantes do
de vizinhança de nível de renda superior. mercado de localização. Ao impor a hi-
A representação do espaço para esse pótese de racionalidade paramétrica, a
chefe de família não seria redutível às síntese neoclássica afasta o problema de
hipóteses de Thünen de distância e custo percepção da virtualidade de decisões
de deslocamento. Esse chefe de família oportunistas e, portanto, dos eventuais
formula sua escolha a partir de efeitos ganhos e reações que elas poderiam criar.
espaciais produzidos pela interdepen- Em termos de formulação das decisões
dência das decisões de localização e sua de localização das famílias, as decisões
decisão procura maximizar, em termos oportunistas introduzem elementos de in-
intertemporais, a função de produção fa- teração estratégica no cálculo de localiza-
miliar a partir do efeito de externalidade ção e alteram de forma significativa os
de vizinhança (ex post) criado pelo pro- resultados do processo de equilibragem
cesso de equilibragem espacial. É fácil walraso-thüneniano. Para exemplificar as
perceber que a decisão oportunista desse dificuldades com que a síntese espacial
chefe de família envolve um cálculo de se depara quando interações estratégicas
antecipação dos ganhos esperados com são introduzidas no processo de equilibra-
capital humano de seus filhos (caráter gem espacial, propomos o exercício de
intertemporal das escolhas beckerianas), substituir a hipótese de racionalidade pa-
mas ela exige também um exercício de ramétrica do modelo de aversão racista.
78 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

O modelo da cidade racista de Rose-Ackerman e a


interação estratégica

Podemos tomar o modelo da cidade ra- pelos negros e a zona das famílias brancas
cista de Rose-Ackerman 13 como a inter- não-racistas é dada pela interseção das
pretação canônica da síntese neoclássica curvas de intenção de pagamento de ren-
para o papel das externalidades de vizi- da dos brancos e negros, isto é, o ponto
nhança no processo de equilibragem pelo (b0 ); o limite urbano da cidade é dado
mercado e seus efeitos na estrutura intra- pelo ponto onde a curva de oferta de
urbana 14. Para avaliar essas alterações, renda dos brancos corta a da renda ofer-
Rose-Ackerman apresenta o resultado de tada pelos agricultores. A configuração
um processo de equilibragem espacial da ordem espacial pode ser identificada
em que os brancos não são racistas e o como a de uma cidade segregada: uma
compara com os resultados do equilíbrio zona homogênea de negros ao centro e
espacial em que os brancos têm aversão uma zona homogênea de brancos que
aos negros. Para tal, o modelo supõe que tende a se localizar em direção à periferia.
os brancos têm um nível de renda supe- Essa estrutura interurbana seria o resul-
rior ao dos negros. Segundo os resulta- tado da concorrência espacial (coorde-
dos da síntese neoclássica, os brancos- nação do mercado de localização) e
ricos não-racistas (B) teriam preferência representa o equilíbrio espacial mais
por espaço e tenderiam a apresentar eficiente em termos alocativos, dadas as
uma curva de intenções de pagamento preferências e os recursos orçamentários
de rendas em função da distância ao dos agentes. Essa configuração de uma
CBD (r 0 B(t)), menos inclinada que a ordem urbana segregacionista entre
oferecida pelos negros-pobres (r0 N(t)), brancos e negros, entretanto, não reflete
tendo em vista que estes últimos tendem nenhum preconceito racial; é resultado
a ter uma preferência por acessibilidade. das hipóteses sobre as dotações de recur-
Como podemos visualizar na Figura 2a, sos entre os participantes do mercado de
o resultado do processo de equilibragem localização. A pergunta formulada por
configura uma ordem residencial urbana Rose-Ackerman refere-se às possíveis
em que os negros se localizariam próxi- modificações na estrutura intra-urbana
mo ao centro, enquanto os brancos ten- quando os brancos-ricos manifestarem
deriam a se localizar mais distante do uma aversão racista em relação aos
CBD. A fronteira entre a zona ocupada negros-pobres.

13
Rose-Ackerman (1975, 1977).
14
O modelo de cidade racista é uma forma extrema de introduzir uma dimensão não-econômica
na formulação de decisões de localização. No caso brasileiro, podemos substituir o critério de
“aversão aos negros” e imaginar que os ricos têm “aversão aos pobres”; suas funções de
utilidade teriam uma variável de externalidade positiva dada pela proximidade de famílias
ricas; ver Abramo (1994).
Pedro Abramo 79

Figura 2: Comparação entre os equilíbrios espaciais de uma cidade racista e uma


não-racista.

A aversão dos brancos em relação Assim, a curva de renda oferecida pelos


aos negros reflete-se em termos da esco- brancos apresenta uma tendência de
lha de localização, pela preferência de crescimento à medida que se distancia
se localizar entre famílias brancas. Assim, da fronteira entre negros e brancos.
o efeito de aglomeração entre brancos Quando a distância começa a represen-
é visto como uma externalidade positiva tar um custo de deslocamento significa-
para essas famílias, enquanto as famílias tivo, a curva tende a retornar ao perfil
negras seriam (por definição) indiferen- tradicional de curva de renda oferecida
tes à localização das outras famílias da síntese walraso-thüneniana. Como
(sejam brancas ou negras). A função de podemos ver na Figura 2b, o desejo dos
utilidade dos brancos racistas (BR) seria, brancos racistas de se afastarem da
portanto, uBR(z.q.E(t-b)), onde E é va- fronteira com os negros reduz a deman-
riável de externalidade que cresce em da de localização branca nessa área
função da distância t-b, e a dos negros fronteiriça e, conseqüentemente, reduz
continua ser uN(z, q). Em relação ao uma intenção de pagamento de renda
equilíbrio espacial de negros e brancos inferior nas proximidades da fronteira
não-racistas, é razoável supor que os negros-brancos. Duas alterações impor-
brancos racistas estariam dispostos a tantes podem ser vislumbradas: a pri-
oferecer uma renda superior para se dis- meira é o deslocamento para baixo da
tanciarem da zona de negros: nas loca- curva de oferta de renda dos negros
lizações fronteiriças à zona dos negros, (r0 N(t)); a segunda indica que, apesar
os brancos racistas ofereceriam uma de a curva de renda oferecida pelos
renda superior à esperada em uma brancos racistas apresentar uma infle-
ordem espacial sem aversão racista. xão, ela também se desloca para baixo,
80 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

pois os brancos racistas que se localizam uma elevação do nível de utilidade das
perto da fronteira são “recompensados” famílias negras (u0 N<u1N). De forma ca-
pela perda de utilidade de estarem pró- ricatural, teríamos algo como uma corre-
ximos aos negros com uma queda no ção (econômica), por interferência da
pagamento de rendas. Essas alterações “mão divina” do mercado, dos “peca-
nas curvas de ofertas de renda modifi- dos” (morais) da alma humana.
cam substantivamente a estrutura intra-
urbana. A primeira modificação que No modelo de Rose-Ackerman, os
podemos ver como resultado do equilí- negros seriam indiferentes às escolhas
brio da cidade racista é que os gastos dos brancos racistas. As famílias negras
dos negros com localização (renda fun- tomam suas decisões a partir da sacros-
diária) serão inferiores aos desembol- santa miopia da racionalidade paramé-
sados em ordem espacial, onde os trica: dadas as curvas de indiferença de
brancos não têm aversão racista 15. Por- localização a partir do trade off entre
tanto, a ordem espacial racista para uma acessibilidade e espaço, a curva de res-
mesma localização permite um ganho trição orçamentária definiria a localiza-
de utilidade aos negros (r0 N>r1 N). Da ção de equilíbrio que maximizasse a
mesma maneira, o deslocamento da função de utilidade dos negros. Os agen-
curva de intenções de pagamento de tes tomam suas decisões de localização
renda dos brancos racistas (r1BR) para sem levar em consideração as escolhas
baixo redefine o ponto de fronteira dos outros participantes do mercado
entre as zonas dos negros e brancos ra- nem tampouco os resultados do pro-
cistas. O processo de equilibragem es- cesso de equilibragem espacial. Entre-
pacial faz emergir uma nova fronteira tanto, podemos imaginar um processo
negros-brancos (bi) que será mais dis- de equilibragem espacial ortodoxo, em
tante do CBD. Portanto, na cidade racis- que a racionalidade do cálculo econô-
ta, os negros se localizam em uma área mico dos agentes leve em consideração
superior à de uma ordem espacial sem a interdependência das funções de uti-
aversão racista. Dado que a população lidade dos participantes do mercado.
negra não se alterou, a densidade na Assim, os negros podem ter em conta a
zona dos negros diminui quando a aver- aversão dos brancos racistas e anteci-
são racista dos brancos se manifesta nos par as conseqüências das preferências
resultados da concorrência espacial. de externalidade de vizinhança dos
Esses dois resultados, queda dos preços brancos racistas na estrutura intra-urba-
da terra para as famílias negras e dimi- na (redução dos preços e das densida-
nuição da densidade na zona negra, des residenciais para as famílias negras);
permitem a Rose-Ackerman concluir isto é, eles não formulariam suas deci-
que a estrutura intra-urbana de uma ci- sões de localização de forma míope
dade racista (ordem eficiente) produz como nos modelos da síntese espacial

15
Um dos resultados clássicos da síntese walraso-thüneniana é o que diz que equilíbrios de
localização em curvas de oferta de renda mais baixas produzem um nível de satisfação
superior; Alonso (1964) e Fujita (1989).
Pedro Abramo 81

neoclássica. As famílias negras, ao ques- são dos brancos, os negros declaram


tionarem-se sobre as conseqüências fu- uma intenção de residir em uma localiza-
turas das decisões dos brancos racistas ção que virtualmente seria ocupada por
e as eventuais modificações que essas famílias brancas (curva de oferta de
decisões possam ocasionar em seus ní- renda superior a r0 ). A princípio essa
veis de utilidade, passam a realizar um declaração seria “irracional” segundo os
cálculo de localização cuja dimensão critérios da racionalidade paramétrica.
“estratégica” seria um elemento deter- Porém, supondo que os negros ante-
minante na formulação das suas deci- cipam a reação dos brancos racistas
sões. A interdependência das funções de (reação à proximidade dos negros), cujo
utilidade leva os agentes a incorporar resultado é um deslocamento para
em seus cálculos as virtuais escolhas dos baixo das curvas de intenção de paga-
outros participantes do mercado de lo- mento de renda dos brancos racistas e,
calização e suas conseqüências no novo portanto, uma tendência de queda dos
equilíbrio (ordem) espacial. Aqui a hi- preços e densidades na zona dos negros,
pótese de racionalidade paramétrica é a estratégia “expansionista” dos negros,
substituída por uma racionalidade estra- que poderia ser interpretada como irra-
tégica cujas escolhas são interdependen- cional para os modelos canônicos da sín-
tes e exigem um exercício cognitivo: tese espacial ortodoxa, transforma-se de
antecipar as possibilidades de escolha fato na estratégia de decisão de localiza-
dos outros participantes do mercado 16. ção que maximizaria suas funções de
utilidade.
A título ilustrativo, podemos supor
que as famílias negras da cidade racista Entretanto, podemos imaginar que
de Rose-Ackerman formulam suas deci- os brancos racistas podem especular
sões de localização a partir de uma racio- sobre as intenções (estratégicas) de locali-
nalidade estratégica. Nesse caso, os zação dos negros e, conseqüentemente,
negros podem antecipar que os brancos adotar estratégias de localização diferen-
têm aversão racista e que tal caracterís- tes segundo suas antecipações sobre a
tica conduz à emergência de uma ordem escolha dos negros. Nesse ambiente de
espacial (cidade racista) em que os pre- tomadas de decisões em que brancos
ços e densidades são inferiores na zona racistas e negros formulam suas decisões
de ocupação negra 17. Ao antecipar os de localização antecipando as eventuais
resultados da equilibragem walraso-thü- decisões de decisão uns dos outros, con-
neniana de Rose-Ackerman, os negros figura-se um quadro de antecipações
podem adotar um comportamento “ex- cruzadas cujas conseqüências no proces-
pansionista”. Isto é, antecipando a aver- so de equilibragem espacial são substan-

16
Para uma discussão da dimensão cognitiva da racionalidade estratégica, ver Walliser (1993).
17
Os negros formulam seus planos a partir de uma relação de causa e conseqüência de suas
decisões, considerando a mesma relação de causalidade das decisões dos outros agentes.
Para Walliser (1985, p. 39-40), esta seria uma definição minimal de uma racionalidade
estratégica.
82 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

cialmente diferentes daquelas propostas (P), isto é, resignar-se a aceitar a confi-


pela síntese walraso-thüneniana. A fim guração espacial do equilíbrio para-
de visualizarmos o processo de interação métrico da cidade racista, seja por um
estratégica dos negros e brancos racistas, comportamento agressivo, (A), em rela-
a partir da cidade racista de Rose-Acker- ção às alterações na estrutura espacial
man, podemos fazer uso da apresenta- devidas à existência da aversão racial.
ção estilizada proposta pela teoria dos
jogos. Segundo a tradição da teoria dos O passo seguinte é o de atribuir os
jogos, devemos sempre começar por valores (utilidades) correspondentes a
uma descrição dos participantes da “con- cada uma das escolhas possíveis dos
frontação do mercado”, de seus objeti- brancos e negros em função dos com-
vos e conhecimentos e, enfim, das regras portamentos estratégicos que eles pen-
do jogo 18. Os participantes do jogo sam assumir, e portanto, da configuração
(equilibragem espacial) da cidade racista espacial resultante das suas escolhas.
são as famílias negras e os brancos racis- Assim, quando negros e brancos adotam
tas. Como cada um dos participantes do estratégias passivas, a ordem espacial será
mercado de localização deseja maximi- a do equilíbrio paramétrico do modelo
zar suas funções-objetivo, podemos dizer de Rose-Ackerman. Nesse caso, pode-
que temos um jogo não-cooperativo, mos supor que as utilidades sejam nulas
isto é, cada um procurará maximizar (0) para os dois tipos de agentes. Entre-
suas satisfações (utilidades) julgando as tanto, quando os negros escolhem uma
decisões possíveis dos outros jogadores, estratégia agressiva (A), isto é, expansio-
sem levar em consideração a mediação nista, e os brancos, uma estratégia passiva
de uma eventual “instituição” que pode- (P), os primeiros se aproveitarão dos efei-
ria conduzir a uma solução de interesse tos espaciais da aversão racial, enquanto
comum 19. No caso da cidade racista os segundos terão uma redução dos seus
neoclássica, supomos que os negros níveis de satisfação em termos de equilí-
podem ter estratégias “expansionistas” brio paramétrico. Podemos supor que os
e que os brancos podem reagir a essas negros têm uma utilidade de dois (2),
tentativas de expansão, caracterizando, enquanto os brancos teriam menos cinco
assim, um ambiente de confrontação (-5). O caso simétrico será aquele em
(via mercado) nas escolhas de localiza- que os brancos adotam a estratégia (A)
ção. Estilizando de uma forma simples e os negros, a estratégia (P). Enfim, po-
o “ambiente estratégico” de tomadas de demos imaginar uma situação em que
decisões de localização, podemos supor os brancos e os negros adotam a estraté-
que cada “tipo” de família (de brancos gia (A). Nesse caso, supomos que a redu-
e de negros) pode optar seja por um ção de utilidade será menos um (-1) para
comportamento passivo, ou pacífico, os dois tipos de família.

18
As regras de um jogo descrevem o que cada jogador pode fazer e quando pode fazer, assim
como as perdas e lucros associados a cada decisão. Para uma apresentação das noções de
base, ver Shubik (1982) e Rasmusen (1990); e para os jogos dinâmicos, Tirole (1983).
19
Harrington (1989, p. 178).
Pedro Abramo 83

Dado que a situação de interação es- forma extensiva impõe o problema do


tratégica da cidade racista é uma situação primeiro a jogar 21. Para solucionar esse
de conflito, propomos apresentá-la sob problema, podemos utilizar como refe-
sua forma extensiva 20. Na Figura 3a, rência o modelo de Schelling e supor que
supomos que o segundo jogador (os os negros tendem a assumir uma ativi-
brancos) conhece a escolha do primeiro dade “oportunista” e, portanto, se preci-
(os negros); temos, portanto, um jogo pitam em formular suas intenções de
em que a informação é perfeita. Quando localização 22. Assim, contrariamente ao
um dos jogadores ignora a escolha do jogo de xadrez, os negros seriam os pri-
outro, temos um jogo em que a informa- meiros a jogar, como podemos ver na
ção é imperfeita (Figura 3b). Como sabe- árvore de Kuhn (Figura 3).
mos, a apresentação de um jogo sob sua

Figura 3 - Árvore de Kuhn

Em situações de interação estratégi- jogos propõem “conceitos de solução”


ca em que os jogadores buscam maxi- para resolver essas situações. Sem dúvi-
mizar seus próprios interesses, como se da, o mais influente e utilizado é o con-
acabou de descrever, os teóricos de ceito de equilíbrio de Nash23 . Além disso,

20
Van Damme (1989, p. 139), “the most general model used to decribe conflict situations is the
extensive form model, which specifies in detail the dynamic evolution of each situation and
thus provides an exact description of ‘who knows what when’ and ‘what is the consequence
of which’.”
21
A apresentação de um jogo sob a formação normal ou estratégica elimina esse problema.
Entretanto, como nos diz Shubik (1982, p. 77), a forma estratégica implica a perda de infor-
mações sobre a estrutura do jogo.
22
Schelling (1971, 1978). Para justificar esse procedimento, ver Abramo (1994).
23
Segundo a apresentação de Kreps (1990, p. 404), “a Nash equilibrium is a strategy profile in
which each player’s part is as good a response to what the others are meant to do as any other
strategy available to that player”. Do ponto de vista matemático, o equilíbrio de Nash é um
ponto fixo; para uma apresentação formal, ver Tirole (1985, p. 117).
84 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

o equilíbrio de Nash adapta-se particu- cos evitam adotar um comportamento


larmente bem a situações de conflito 24 passivo, tendo em vista que esse lhe
como no caso da cidade racista. Assim, daria uma satisfação de -5, enquanto a
supondo que a informação seja perfeita atitude agressiva permitiria ter uma uti-
(Figura 3a), temos quatro combinações lidade de -1. Enfim, somente a combi-
de estratégias possíveis: os negros e nação (A, A) constitui um equilíbrio de
brancos são agressivos (A, A); os negros Nash, pois, uma vez que cada jogador
são passivos e os brancos agressivos (P, conhece as estratégias do outro e esco-
A); os negros são agressivos e os brancos lhe seu comportamento procurando
são passivos (A, P); ambos são passivos maximizar seu interesse pessoal, a es-
(A, A). De acordo com os valores (utili- tratégia agressiva é a única solução que
dades) que atribuímos a cada uma das evita a revisão das escolhas dos partici-
estrátegias, podemos concluir que a pantes do mercado.
combinação das estratégias (P, P) seria
a mais proveitosa para os negros e bran- Entretanto, o equilíbrio de Nash (A,
cos. Podemos, portanto, perguntar se A) da cidade racista não é o equilíbrio
essa combinação é um equilíbrio de eficiente, pois a combinação (P, P) permi-
Nash. te um grau de satisfação superior para
os participantes da equilibragem espacial.
Partindo do pressuposto que os par- Isto é, o equilíbrio de Nash do jogo da
ticipantes do mercado de localização cidade racista é subótimo. O mercado de
escolhem a estratégia que maximize seu localização não seria, assim, o mecanismo
interesse próprio, podemos ver (Figura de coordenação eficiente que o discurso
3a) que quando os negros escolhem walraso-thüneniano tende a afirmar. Para
uma estratégia passiva (P), os brancos garantir o equilíbrio eficiente (P, P) seria
tendem a utilizar uma estratégia agres- necessária a intervenção de um “terceiro”
siva (A), pois assim eles teriam um nível que não participe da confrontação do
de utilidade superior (2), enquanto o mercado e que conduza os agentes ao
comportamento passivo lhes daria uma equilíbrio eficiente com a conseqüente
utilidade nula (0). A combinação (P, A) perda de liberdade de ação no mercado.
não seria, portanto, um caso de equilí- A identidade entre a liberdade de ação
brio de Nash, pois se os negros anteci- no mercado e a eficiência alocativa do
pam que os brancos tendem a escolher livre jogo de mercado é comprometida
uma estratégia agressiva, eles reformu- quando introduzimos uma dimensão de
lam suas estratégias e adotarão um com- interação estratégica entre os agentes do
portamento agressivo (P, P). No caso mercado de localização; um dos resulta-
inverso, isto é, de os negros escolherem dos clássicos da equilibragem walrasiana
um comportamento agressivo, os bran- (eficiência do equilíbrio geral) é posto em

24
Moreaux (1988, p. 15): “il s’agit bien (o equilíbrio de Nash) d’un concept adapté aux jeux
non coopératifs puisque chaque joueur choisit sa stratégie en fonction de son seule intérêt
personnel en considérant comme données les stratégies des autres joueurs. Il n’y a pas de
coordination des joueurs pour améliorer leurs gains”.
Pedro Abramo 85

xeque quando os agentes adotam uma negros terão sempre interesse em esco-
racionalidade estratégica. lher uma estratégia agressiva (estratégia
dominante). Assim o equilíbrio estável
Esse resultado é, sem dúvida, emba- será o mesmo do jogo com informação
raçoso para a tradição ortodoxa walra- perfeita: combinação das estratégias (A,
siana. Podemos, portanto, indagar se, em A). De fato, quando negros e brancos
um quadro de interação estratégica com escolhem suas estratégias a fim de maxi-
informação imperfeita, o equilíbrio de mizar seus interesses pessoais, e conhe-
Nash seria também ótimo. Na Figura 3b, cedores da eventualidade de “ataques
supomos que os brancos escolhem suas surpresa”, o único equilíbrio estável é o
estratégias sem conhecer o comporta- equilíbrio de Nash. Entretanto, esse equi-
mento escolhido pelos negros. Apesar do líbrio não é eficiente em termos do ótimo
desconhecimento da estratégia adotada de Pareto. Aqui temos o que normalmen-
pelos negros, os brancos podem formular te é chamado de “dilema do prisioneiro”:
suas hipóteses sobre o comportamento “para um jogador que não está seguro
estratégico que permite a maximização quanto às intenções pacíficas de seu par-
de suas satisfações. Por exemplo, se os ceiro, o uso da estratégia agressiva se
brancos antecipam que os negros ado- impõe em nome dos interesses indivi-
tam uma estratégica passiva, os brancos duais, mas o interesse comum decerto
terão interesse de adotar uma estratégia recomenda que se faça de tudo para atin-
do tipo ”ataque surpresa”, pois ao esco- gir a paz.” 25 Em razão de a estratégia
lherem um comportamento agressivo eles dominante induzir cada um dos partici-
teriam um ganho de 2, enquanto sua uti- pantes do mercado de localização a ter
lidade seria nula se adotassem um com- um comportamento agressivo e insen-
portamento passivo. No caso em que os sível ao interesse comum, o equilíbrio que
negros decidem por uma estratégia agres- se impõe é um equilíbrio não-coopera-
siva, os brancos optam também por uma tivo e subótimo. A única maneira de recu-
estratégia agressiva (-1 será sempre perar a eficiência do equilíbrio (ótimo) é
melhor do que -5). Portanto, os brancos impor a renúncia a todo comportamento
escolhem sempre a estratégia (A), inde- oportunista (ataque surpresa) que, do
pendentemente da escolha dos negros. ponto de vista individual de cada parti-
Segundo os termos correntes da teoria cipante do processo de equilibragem
dos jogos, os brancos têm uma “estratégia especial, seria sua decisão ótima. O para-
dominante”: adotar um comportamento doxo de uma racionalidade individual
agressivo seja qual for a estratégia escolhi- maximizadora que conduz a uma ordem
da pelos negros. Invertendo o raciocínio, (agregada) não-eficiente (ótima) revela
e portanto pondo os negros diante de os limites do mercado de localização
uma escolha de informação imperfeita, como “o” mecanismo de coordenação
chegaremos à conclusão de que os espacial.

25
Moulin (1981, p. 6-7).
86 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

Conclusão: das fissuras da ordem ortodoxa a uma


problemática da incerteza urbana

A imagem otimista proposta pela síntese zante (critério do trade off entre acessibi-
walraso-thüneniana de um processo de lidade e espaço). Assim, a representação
equilibragem espacial em que a liberda- econômica do espaço passa a ser plural
de de escolha de localização dos indi- e, sobretudo, produto das decisões ex
víduos faz emergir uma ordem espacial post dos participantes do mercado de
única e eficiente encontra seus pontos localização. Aqui, a dimensão da coor-
de fissura. Nosso caminho foi o de per- denação espacial pelo mercado torna-
seguir essas fissuras da ordem espacial se crítica, pois os tomadores de decisão
ortodoxa sem sair do campo de argu- de localização devem antecipar os efeitos
mentação teórico neoclássico. Nosso de localização dos outros participantes
primeiro movimento foi o de recuperar do mercado. O problema de coordena-
a argumentação do autor que propõe ção espacial torna-se mais crítico quando
a colonização das ciências sociais pelo temos interação estratégica entre os par-
discurso da economia (Gary Becker) ticipantes do mercado de localização.
para sinalizar que a decisão de localização Nos parágrafos anteriores, utilizamos o
pode, eventualmente, transformar-se caso da cidade racista neoclássica de
em um verdadeiro meio de investimen- Rose-Ackerman para sublinhar as dificul-
to familiar. Sua utilização em escolhas dades da equilibragem espacial quando
intertemporais pode servir para maximi- os agentes formulam suas decisões a
zar a complementaridade das funções partir de uma racionalidade estratégica.
de utilidade de um contrato de casa- Utilizando o dilema do prisioneiro para
mento ou permitir que um chefe de fa- caracterizar os comportamentos oportu-
mília tome a decisão oportunista cujo nistas dos negros e brancos da cidade
objetivo é o de possibilitar que seus filhos racista da síntese neoclássica, chegamos
se beneficiem das externalidades de vizi- a uma ordem urbana (equilíbrio) subóti-
nhança de famílias de renda superior. ma. Poderíamos, por exemplo, utilizar
Nos dois casos, a decisão de localização o paradoxo da cadeia de lojas de
é tomada a partir de uma representação Selten 26 e as propostas de solução de
do espaço definida pela estratégia de Kreps-Wilson 27 para ver que a introdu-
maximizar o “lucro familiar”. A interde- ção de perturbações em termos infor-
pendência das funções de utilidade da macionais (incerteza) pode conduzir à
família permite visualizar os limites de emergência de equilíbrios espaciais por
uma representação do espaço naturali- reputação 28. Essa possibilidade de uma

26
Selten (1978).
27
Kreps-Wilson (1982).
28
Em Abramo (1994), utilizamos o conceito de equlíbrio seqüencial e de reputação de Kreps-
Wilson para analisar o equilíbrio espacial de uma cidade racista.
Pedro Abramo 87

crença permitir a coordenação das deci- zação é um primeiro passo para a pro-
sões espaciais abre caminho a uma “eco- posição de uma leitura heterodoxa da
nomia das antecipações” urbanas e a economia urbana. Uma economia das
uma leitura da estrutura urbana a partir antecipações urbanas faz emergir a di-
de uma problemática da incerteza urba- mensão crucial do tempo em uma aná-
na. Acreditamos que a ruptura da rela- lise sobre a coordenação espacial e a
ção auto-referencial entre as hipóteses estruturação urbana e, a nosso ver,
de Thünen sobre a representação do es- deixa entrever a possibilidade da concei-
paço e a racionalidade paramétrica pro- tuação da noção de incerteza urbana
posta pela síntese walraso-thüneniana e radical e de um projeto de leitura pós-
sua problematização em termos de in- Keynesiano da economia urbana.
terdependência das decisões de locali-
88 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras

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Pe s q u i s a s
Cidades-modelo: espelhos de
virtude ou reprodução do mesmo?

Fernanda Sánchez e Rosa Moura

(...) construí na minha mente um modelo de cidade do qual


extrair todas as cidades possíveis – disse Kublai. – Ele contém
tudo o que vai de acordo com as normas. Uma vez que as
cidades que existem se afastam da norma em diferentes
graus, basta prever as exceções à regra e calcular as combi-
nações mais prováveis.

– Eu também imaginei um modelo de cidade do qual extraio


todas as outras – respondeu Marco. – É uma cidade feita só
de exceções, impedimentos, contradições, incongruências,
contra-sensos. Se uma cidade assim é o que há de mais
improvável, diminuindo o número de elementos anormais
aumenta a probabilidade de que a cidade realmente exista.
Portanto, basta subtrair as exceções ao meu modelo e em
qualquer direção que eu vá sempre me encontrarei diante
de uma cidade que, apesar de sempre por causa das exce-
ções, existe. Mas não posso conduzir a minha operação além
de um certo limite: obteria cidades verossímeis demais para
serem verdadeiras.

(Calvino, 1990, p. 67)

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 95-114


96 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

A construção da cidade-modelo

Como pontos luminosos no mundo, um questões centrais: por que no atual mo-
conjunto eleito de cidades é qualificado mento histórico as políticas urbanas com
como modelo – qualidade constituída a origem em cidades tão distintas produ-
partir de elementos urbanísticos, de prá- zem “modelos” semelhantes e, diante
ticas de gestão ou das chamadas solu- disso, quais são e o que refletem os pa-
ções criativas para problemas urbanos. drões dominantes de sucesso?

Dois exemplos de políticas engen-


dradas em cidades bem distintas, mas Um modo de ver o mundo,
que guardam fortes semelhanças quan- uma leitura da cidade
do traduzidas em modelos, permitem
pôr em discussão os principais conteúdos Algumas cidades, como Curitiba e Cin-
dessa condição observada na esfera da gapura, mostram ter alcançado o status
circulação simbólica em escala mundial. de cidades-modelo, a julgar por suas
Efetivamente, as políticas urbanas de imagens internacionais, provenientes,
Curitiba e Cingapura reproduzem uma sobretudo, da retórica oficial de seus go-
seqüência de padrões e orientam-se, vernos e coalisões empresariais assim
através do city marketing, para ações como da notoriedade que lhes conferem
voltadas à conquista e à manutenção da os organismos internacionais, as agên-
marca de cidades-modelo. Tais padrões, cias multilaterais e as chamadas “redes
embora apresentados como condições mundiais de cidades”. Para compreen-
intrínsecas dos lugares, resultam forte- der a dinâmica de construção e difusão
mente do atendimento aos requisitos desse padrão irradiador, que confere
internacionais de atratividade, mediante legitimidade internacional a determina-
os quais as cidades globalizadas captam dos projetos de cidade, é preciso situar-
investimentos. Sorkin, referindo-se a se no atual contexto da globalização da
essa adaptação técnica e política do economia e da mundialização da cultura.
espaço social a um modelo urbano, diz Mais do que resultado natural da consa-
que a nova cidade tem o poder de não gração desses projetos, a elevação de
simplesmente desviar-se das tradicionais uma cidade à condição de “modelo”
cenas de urbanidade, mas de cooptá- obedece a articulações políticas reno-
las, para relegá-las a meras interseções vadas de atores envolvidos em processos
numa malha global (Sorkin, 1992). de reestruturação do espaço urbano e
de reorganização das formas e sentidos
A despeito da enorme diferença do poder nas cidades.
entre as cidades concretas, a similaridade
das suas imagens construídas emerge no Os discursos associados ao chamado
plano analítico. O enfrentamento desse “pensamento único” e ao consenso mini-
apenas aparente paradoxo define nossas mizam as diferenças e os conflitos exis-
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 97

tentes. Eles impõem um modo de ver o dada sua notável aceitação, ou, como
mundo e moldam as condições para a expressa Lefebvre ao se referir aos pa-
ação dos grupos locais. A tentativa de radigmas, dado “seu poder mágico de
modelização conduz a uma hegemonia metamorfosear o obscuro em transpa-
desencarnada e desterritorializada, per- rência” (1998, p. 39), sua construção
mitindo um desvendamento mais pleno está intrinsecamente ligada a represen-
dos denominados “impulsos globais”, tações e idéias. Enquanto tal, portanto,
que, para Ribeiro (1999), designam a obedece à visão de mundo daqueles
nova ação hegemônica na escala- que, ao se imporem como atores do-
mundo. Essa ação, conduzida pelo dis- minantes nos processos de produção do
curso da flexibilidade e pela correlata espaço, passam também a ocupar posi-
idealização da técnica, expressa o teor ção privilegiada para dar conteúdo ao
dessa nova modernização. discurso sobre o espaço.

É notável a difusão da idéia domi- Com aparência universal e consa-


nante de que a globalização é um pro- grada, a construção dos modelos passa,
cesso inexorável de acirrada disputa e porém, pelo reconhecimento de um
de que, a partir do local, podem ser determinado projeto de cidade, em
descobertas as possibilidades de inser- confronto com outros projetos locais.
ção competitiva 1. Nessa visão, as políti- Emergem também, no campo da luta
cas públicas poderiam capacitar as simbólica, determinados atores que
cidades para a competição interurbana, postulam a legitimidade para carac-
de modo a torná-las atrativas aos inves- terizar as chamadas “boas práticas”,
timentos internacionais. Numa leitura freqüentemente elencadas como refe-
crítica, pode-se afirmar que “o embate rência forte dos modelos.
que caracteriza o mundo contemporâ-
neo se manifesta na própria cidade, Nesse campo constroem-se também
compreendida como arena de interes- canais de interlocução apropriados e de
ses antagônicos. As políticas urbanas difusão técnica e política eficientes para
voltadas para a inserção competitiva da a aprovação ampliada dos modelos,
cidade constroem uma relação entre o num movimento permanente de repro-
local e o global conforme lógicas que dução e reafirmação de patamares já
são de interesse de grupos dominantes.” conquistados. A inserção em “redes de
(Novais e Leal, 1999, p. 1) cidades”, a organização de grandes
eventos de caráter internacional e a
Embora a circulação da noção de outorga de premiações e destaques por
cidade-modelo tenha eficácia política e parte das agências multilaterais eviden-
social considerável no mundo atual, ciam os fluxos comunicativos eleitos

1
Swyngedouw identifica o fortalecimento das escalas global e local e a redução da importância
de outras – regional, nacional – como parte da nova estratégia discursiva dominante. Em sua
interpretação, as escalas não são um dado pronto e objetivo da nova geografia do mundo,
mas sim uma construção política com arranjos cambiantes (Swyngedouw, 1997, p. 141).
98 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

como os mais apropriados para a circu- importar sua “experiência”, para com-
lação e a irradiação dos modelos. prar seu know-how.

Essa aparente intangibilidade que


A imagem como estratégia caracteriza a cidade-modelo provém de
de internacionalidade uma imagem construída, de uma estra-
tégia a mais na elaboração de uma ima-
As articulações lógicas que sustentam o gem de cidade inserida no mundo,
discurso das cidades-modelo sinalizam internacional. Em outras palavras, “a
o sentido daquilo que se pretende legi- construção de uma cidade modelo é,
timar, apresentando as cidades eleitas por si mesma, uma estratégia de inter-
como as que conseguiram um esque- nacionalidade” (Benach e Sánchez,
ma de funcionamento, um desenho or- 1999, p. 40).
ganizativo, uma “maneira de fazer” que
outras cidades gostariam de imitar. A internacionalização formulada
como necessidade inelutável apóia-se
Trata-se, no mais das vezes, da apre- em boa parte em representações de in-
sentação das mesmas como “cidades ternacionalidade mais do que em fatos.
internacionais” – noção-síntese que Freqüentemente se confunde a aspira-
emerge tanto nos discursos oficiais, na ção ou o objetivo com a própria reali-
imprensa, como nos trabalhos acadêmi- dade. Para efeitos de análise, essa
cos (Benach e Sánchez, 1999). O fato confusão mostra a relevância da ima-
de aparecerem, efetivamente, como gem para que, efetivamente, esta aca-
cidades-modelo é o maior prêmio ao be por transformar-se em realidade –
qual aspiram os gestores dos seus res- exemplo de quanto as representações
pectivos projetos, o reconhecimento de- do espaço têm capacidade efetiva de
finitivo, na escala internacional, das suas influenciar as práticas espaciais.
estratégias de cidade. Conseguida já a
admiração e o reconhecimento, torna- Tudo o que é realizado na cidade e
se necessário cobrir a distância entre a que pode ser identificado com sua proje-
admiração e a efetiva reprodução. Tra- ção internacional contribui bastante
tando-se do prestígio internacional de para facilitar sua aceitação por parte dos
uma cidade, ser apenas admirada ou cidadãos. A opinião do estrangeiro
reconhecida é diferente de ser verdadei- chega a ser transformada em medida
ramente imitada. A medida do sucesso da qualidade dos projetos 2. Trata-se, em
também passam a ser as solicitações para definitivo, de proporcionar mais uma lei-
2
Como exemplo está o caso da exposição do urbanismo de Curitiba em Nova York, durante
a qual foi posta em circulação uma linha de ônibus urbano chamada de “ligeirinho”, com
suas respectivas “estações-tubo”, com design futurista. O paradoxo é que a imprensa local,
em Curitiba, destacava o fato dizendo que “agora também o Primeiro Mundo copia as idéias
curitibanas”, dando a entender que o sistema de transportes curitibano começaria a circular
definitivamente em Manhattan. O “ligeirinho” foi também levado à Conferência das Nações
Unidas sobre Assentamentos Humanos, Habitat II, em Istambul, em 1996.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 99

tura positiva da modernização e, ade- Mais recentemente, os projetos es-


mais, por um juiz supostamente impar- tritamente físico-urbanísticos que permi-
cial e qualificado. Mas as mudanças tiam a formatação de “modelos” abrem
estruturais necessárias para adaptar as espaço para que uma gama de ações e
cidades às novas exigências do contexto práticas de gestão passe a ser objeto de
internacional, sob pressão dos grupos reprodução por outras cidades, assim
do capital internacional com interesses como de premiações internacionais. Na
localizados, requerem enormes custos, Conferência Mundial sobre Cidades-
os quais, ao serem assumidos pelas ad- Modelo, realizada em Cingapura, em
ministrações públicas, são socializados. abril de 1999, prevaleceu a noção de
Para legitimar tais custos, a moderniza- cidade-modelo, muito mais como resul-
ção urbanística internacionalizante se fará tante do exercício da gestão urbana
acompanhar da busca de coesão social, voltada a “otimizar a competitividade
do sentido de comunidade. Assim, priorizando os interesses coletivos”, que
como observa Harvey (1997), a cone- resultante de intervenções urbanísticas
xão entre forma espacial e processo notórias (Moura, 1999).
social é aqui feita por meio da relação
entre design arquitetônico e uma certa Na classificação de cidade-modelo,
ideologia de comunidade. Desse modo, os expositores apontaram as seguintes
o novo urbanismo estrutura grande condições: a) preparo para a vida em
parte de seu poder retórico e político comunidade, com a requalificação do
através do apelo nostálgico à “comu- desenho urbano e a universalização dos
nidade” como panacéia para os males serviços; b) garantia da mobilidade e da
sociais, econômicos e urbanos. acessibilidade a partir de sistemas pú-
blicos de transportes de massa; c) uso e
ocupação do solo mesclados a uma va-
As várias faces dos modelos riada estrutura funcional; d) valorização
da atratividade urbana a partir da iden-
Os modelos têm alcançado diversos âm- tidade e qualidade ambiental; e) existên-
bitos para lançar-se no mercado interna- cia de uma base econômica sustentável;
cional: modelo em soluções urbanísticas f) organização funcional e tecnológica
de transporte, em programas ambientais para a realização de negócios; g) capaci-
de eficiência energética, em preservação dade de articulação e troca de práticas
de áreas verdes e reciclagem de resíduos, inovadoras com outras cidades e comu-
na capacidade de organizar megaeventos nidades; h) participação comunitária nas
ou em planejamento estratégico. 3 decisões; i) parcerias entre o setor públi-

3
Para estes dois últimos âmbitos, é exemplar a forma como foi trabalhado o “modelo Barcelona”,
a partir da exportação de know-how diante do sucesso na organização da Olimpíada Barcelona
92, assim como da difusão do seu modelo de planejamento estratégico, com forte orientação
para o mercado latino-americano e visível repercussão nos governos locais do Brasil. Ver
Benach e Sánchez, 1999.
100 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

co e o privado; j) planejamento contínuo lona: “às vezes uma antiga e singular


e transparência na gestão. 4 cidade, como Barcelona, através da
super-simplificação de sua identidade,
O conjunto de procedimentos elen- torna-se Genérica, transparente, como
cados em foros internacionais como esse uma logomarca”.
sintetiza e, ao mesmo tempo, molda as
condições necessárias ao que é atual- A noção de “modelo”, em sua mais
mente considerado uma “cidade com- corrente acepção, sugere sua reprodutibi-
petitiva e dinâmica” capaz de sustentar lidade: objeto digno de ser reproduzido
o desenvolvimento numa economia por imitação. Ora, efetivamente, essa
global. noção, quando associada às cidades, está
submetida à lógica das “best practices”,
O processo de transformação de que, em muitos casos, passam a integrar
uma cidade em modelo supõe tempo e os documentos oficiais das agências mul-
estratégia atualizadora. Não basta uma tilaterais de desenvolvimento, indicando
primeira enunciação para a definitiva procedimentos, maneiras de ser, lições e
consagração. Nesse processo, nenhuma até mesmo “decálogos” 5 que incitam a
oportunidade deixa de ser aproveitada repetição por parte dos governos locais.
para reforçar o modo como a cidade
está sendo “falada”, “nomeada”, “visi- No plano da análise, o que parece
tada” e, sobretudo, “imitada” em todas ser mais inconsistente é justamente essa
as partes. São ocasiões para insuflar or- sugerida virtualidade, essa descolagem
gulho nos cidadãos, para rentabilizar das “boas práticas” da textura social de
politicamente as conquistas. Ao mesmo que elas surgiram. De fato, condições
tempo, representam momentos precio- singulares relativas a tempo e espaço 6
sos para, literalmente, “vender” o mo- são, para efeitos do discurso, irrelevantes
delo, exportá-lo a outras cidades. As e, por conseqüência, desconsideradas.
“soluções urbanas” passam a valer não As “lições” podem ser transportadas.
necessariamente por suas qualidades Uma ideologia simplificadora que reforça
intrínsecas mas pelo seu lugar de origem. a tecnificação do espaço urbano, redu-
A cidade se torna um produto, uma mar- tora da sua dimensão política. Como
ca ela mesma, como destaca Koolhas afirma Ribeiro, “a fixação em modelos
(1995) ao referir-se ao modelo-Barce- externos colabora para ocultar os inte-

4
Os trabalhos apresentados nessa conferência internacional constituem-se em importante
referência acerca da agenda urbana hegemônica. Ver Moura, 1999.
5
Ver, por exemplo, a publicação “Barcelona: um modelo de transformação urbana - 1980-
1995”, Nações Unidas e Banco Mundial, destinada às cidades latino-americanas, em que
são expostas as “lições da cidade” assim qualificadas no prólogo. Ver, também, Castells e
Borja, “Local y Global”, 1997. Este último documento contém, literalmente, um “decálogo
para administradores urbanos”.
6
Tempo e espaço como categorias do acontecer no lugar vinculado à política e às relações
sociais que dão conteúdo e possibilidade histórica às práticas.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 101

resses envolvidos nas ondas moderni- ruins. Como anteparo da política – das
zadoras e para postergar o exame da relações sociais capazes de erigir o
orquestração entre tempos sociais que modelo –, objetivam-se as representa-
caracteriza a vida social” (1998, p. 108). ções e constroem-se esquemas ordena-
dores da vida urbana e demarcadores
Por outro lado, a tecnificação contida da ordem que se intenciona impor.
na difusão de boas práticas reforça a co-
dificação da eficácia, do desempenho e As práticas que se pretendem por-
do sucesso que levam mais à conduta tadoras de sustentabilidade articulam,
racional adequada às imposições da sobretudo, argumentos da eficácia
reestruturação produtiva do que pro- ecoenergética e da qualidade de vida.
priamente à transformação social. Permeia tais modelos uma represen-
tação tecnomaterial da problemática e
das soluções para as cidades. Atribui-se
Sustentabilidade urbana ao planejamento urbano, entre outras
como pressuposto comum coisas, o papel de minimizador da de-
gradação energética através do desen-
Quase sempre associada à noção de volvimento de tecnologias voltadas para
“cidade-modelo”, encontra-se a noção a reciclagem e para a despoluição. A tra-
de “cidade sustentável”. Pode-se dizer jetória evolutiva rumo à eficiência eco-
que, de modo recorrente, uma evoca a lógica conjuga projetos de mudança
outra na atual agenda urbana. Longe técnica urbana e programas de edu-
de configurar um sentido objetiva e con- cação ambiental, voltados à ampliação
sensualmente aceito, a noção de “cida- da chamada “consciência ecológica”.
de sustentável” compreende diferentes Com efeito, nesses projetos de cidade
conteúdos e práticas a reivindicar seu verifica-se uma nítida despolitização da
nome (Acselrad, 1999). questão ambiental, uma recusa do reco-
nhecimento de conflitos entre meio am-
Cada uma das chamadas “boas prá- biente e economia.
ticas”, no que se refere à sustentabili-
dade, inscreve-se nos quadros de um Outra noção estruturadora do dis-
projeto urbano, fundado em um apa- curso da sustentabilidade, amplamente
rente saber objetivo sobre fluxos e pa- transformada em recurso da modeliza-
râmetros. Nota-se, nesses casos, o ção, é a de “qualidade de vida” – ex-
recorrente acionamento de uma base pressa na incorporação social de práticas
técnica para apresentar e legitimar indi- orientadas à pureza ambiental, no exer-
cadores de qualidade de vida ou de cício da cidadania, no cultivo ao patri-
sustentabilidade urbana: metros qua- mônio cultural, assim como nas medidas
drados de área verde por habitante, to- de eficiência e eqüidade das políticas
neladas de lixo reciclado, quilômetros de urbanas (Acselrad, 1999). Os governos
ciclovias. É sobretudo o recurso à técni- locais lutam por ostentar os melhores
ca que distingue as boas práticas das indicadores e as melhores posições nos
102 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

rankings de cidades. “Qualidade de vida” petitividade global: requalificar o ambien-


passa a ser uma noção introjetada no te urbano para realçar a atratividade,
cotidiano, até mesmo no imaginário dos inspirar orgulho nos moradores e, prin-
moradores mais despossuídos ou pos- cipalmente, ganhar confiança dos poten-
tos à margem do projeto modernizador. ciais investidores. As próprias imagens de
marca das cidades são produzidas para
Esse padrão discursivo projeta na reforçar o modelo de sustentabilidade:
“cidade sustentável” alguns dos atributos “Cidade Jardim” para Cingapura e
capazes de inseri-la no contexto da com- “Capital Ecológica” para Curitiba.

I m age ns de m a rc a
Cingapura Curit iba
Cidade modelo Cidade modelo
Cidade sustentável Cidade sustentável
Cidade planejada Cidade planejada
Global city Cidade de Primeiro Mundo
Cidade jardim Capital ecológica
Cidade equatorial de excelência Capital brasileira da qualidade de vida
Cidade multiétnica: where the world Curitiba de todas as gentes
comes together Cidade saudável
Cidade de alta tecnologia O Brasil urbano que deu certo
New Asia Singapore

Na escala local, entretanto, os proje- Para o caso de Cingapura, além dos


tos apresentam singularidades por ques- já implementados projetos de recupera-
tões tanto de ordem da compreensão ção ambiental e otimização do uso dos
fragmentada das relações sociedade/ recursos naturais, também a densa paisa-
ambiente quanto de ordem geopolítica. gem amenizadora do clima e da urbaniza-
No caso de Cingapura, a soberania na- ção compõe, com os demais elementos,
cional e a sobrevivência da ilha impõem a construção da imagem de “Cidade
estratégias ambientais otimizadoras de Jardim”. No projeto, entretanto, são
recursos, o que faz com que se respeitem evidentes a perda dos elementos naturais
os princípios e pressupostos do discurso no paisagismo urbano e a pequena capa-
ecológico ali construído, enquanto no cidade de preservação de hábitats e da
de Curitiba, afloram descontinuidades biodiversidade (Kiat, 1999).
mais visíveis entre princípios ambientais
e estratégias de ação com vistas à sus- No modelo-Curitiba, a imagem de
tentabilidade. “Capital Ecológica” incorpora elementos
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 103

de programas ambientais de reciclagem noções presentes no conjunto das polí-


de lixo, criação e expansão de áreas ticas urbanas, nos pactos e acordos entre
verdes e de parques urbanos temáticos agentes, ou no conteúdo atribuído à
ou parques étnicos, além do investi- “boa governança” relacionada com os
mento em programas de educação am- projetos de desenvolvimento econômi-
biental. O fundamento ecológico da ação co. Os dois modelos em foco – Curitiba
planejadora foi questionado, entretanto, e Cingapura – reproduzem de modo
quando das audiências públicas sobre o paradigmático e reforçam o que Pugh
impacto ambiental dos novos distritos (1996) indica como macrotendência: a
industriais destinados ao parque automo- economia política dominante fornece as
tivo, instalado hoje sobre áreas de ma- pautas para as relações mercado-estado
nanciais. A “atualização da legislação” que na cidade, incorporando, como estrutu-
viabilizou essa atividade, transgredindo radoras, as noções de governança e de
a disciplina ambiental, foi justificada me- sustentabilidade.
diante a perspectiva da oferta de empre-
go, também questionável dado o tipo de O ambientalismo parece assim defi-
tecnologia empregado. nitivamente incluído na agenda do libe-
ralismo de final de século, como mostra
Efetivamente, “cidades sustentá- a internacionalização desses modelos
veis”, “preservação da qualidade de pelas agências multilaterais como as
vida” e “eficiência ecoambiental” são Nações Unidas e o Banco Mundial.

Modelos: onde se sustentam, onde se rompem

A intenção manifesta de participação no dade crítica da população envolvida,


projeto de internacionalização da eco- bem como criatividade para atração da
nomia implica a adequação de práticas atenção externa. A orientação política
e instrumentos de gestão urbana aos para produzir o efeito modernizante for-
preceitos das relações empresariais as- nece pautas para uma economia orien-
sim como a adaptação técnica das cida- tada a atividades de ponta, como a
des. São reconhecidas, nesse âmbito, a geração de tecnologia e do conheci-
função econômica e política das práti- mento, ou a atividades de um terciário
cas culturais bem como a influência complexo. O marketing de cidade tam-
exercida pelas tecnologias de comuni- bém é instrumental ao processo de re-
cação e informação na configuração das estruturação econômica.
cidades-modelo. Isso se traduz na defi-
nição e na permanente reciclagem de Vasta literatura apresenta os mode-
estratégias que assegurem poder de con- los em foco como se esculpidos basica-
vencimento, aceitação e baixa capaci- mente por voluntarismos visionários dos
104 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

governos locais, revestindo muitas vezes como exemplo no que se refere à “admi-
suas principais lideranças de um poder nistração urbana” e à “governança” e
quase mítico. também referenciada pelos elevados
padrões de qualidade da infra-estrutura
física, por inovações na oferta de habi-
O suporte econômico e tação, no provimento de áreas verdes,
i nstituci ona l na gestão do trânsito e na eficiência de
seus serviços públicos, elementos que,
Em Cingapura, a indústria eletroeletrô- ordenados, constroem a imagem de
nica foi implantada como decorrência “Cidade Equatorial de Excelência”. Cha-
da expansão do capital japonês, passan- mamos a atenção para o poder evocador
do a compor uma divisão vertical e ho- dessa imagem-síntese. Longe de ser ca-
rizontal do trabalho com a Malásia, a sual, ela define o campo no qual a cidade
Tailândia e as Filipinas. Porém, é o setor transita como modelo e compete em con-
financeiro que firma o país no mapa da dições vantajosas: cidades equatoriais,
internacionalização do capital, revelan- cidades em desenvolvimento.
do-se decisivo ao desenvolvimento da
região. “Em 1971, o governo iniciou o Curitiba, por sua vez, já nos anos
Asian Dollar Bond Market. Sua localiza- 70, durante o período do governo mili-
ção vantajosa e seu papel de interme- tar, foi eleita “cidade modelo” pelas ins-
diário financeiro e cambial num período tâncias centrais, uma espécie de versão
marcado por drásticas mudanças ma- urbana do chamado “milagre brasilei-
croeconômicas e nos preços relativos ro”, por levar adiante uma moderniza-
dificilmente podem ser exagerados nas ção urbanística que traduzia na escala
explanações sobre o ‘milagre’ asiático”. local um modelo de planejamento tec-
(Medeiros, 1997, p. 313) nocrático pretendido para os demais
centros urbanos do país.
Para Sassen, pesaram na consolida-
ção de Cingapura o forte impulso das Desde então, as diversas fases da
estratégias descentralizadoras da pro- cristalização do projeto, com pouca des-
dução industrial norte-americana, em continuidade política, em associação
busca de novos mercados, assim como com a imagem de cidade-modelo têm
os incentivos fiscais, infra-estruturais e outorgado à administração municipal o
de mão-de-obra de baixo custo. Hoje, papel de exportadora de tecnologias
consolida-se como centro regional se- urbanísticas, seja no âmbito dos trans-
cundário, reproduzindo em outra escala portes urbanos, do desenho de espa-
o papel desempenhado por Nova York, ços públicos, ou, mais recentemente, no
Londres e Tóquio, em escala mundial da “gestão urbana ambientalmente sus-
(Sassen, 1996, p. 41). tentável”. Com efeito, em diversos lu-
gares do Brasil, os governos municipais
Acionada como modelo para países tentam copiar as “soluções curitibanas”,
em desenvolvimento, Cingapura é alçada e, na escala internacional, periódicos
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 105

especializados afirmam que qualquer benefícios fiscais, financeiros e infra-es-


cidade poderá ser como Curitiba um truturais fundamentais. Nos dois casos,
dia, desde que sejam adotadas as solu- tais condições foram possíveis a partir
ções ali implantadas. de uma estrutura de poder forte, aliada
à hábil construção de estratégias comu-
Pólo de uma aglomeração metropo- nicativas.
litana cuja base econômica se pautou
desde os 70 num projeto industrial com
atividades da área metalmecânica, nos Adaptação técnica da
anos 90 esse projeto se recicla e se dina- cidade
miza com a incorporação de novos seg-
mentos. Quanto à sua inserção territorial, Ao tomarmos como referência as matri-
a região de Curitiba encontra-se num dos zes discursivas da sustentabilidade urba-
vetores de desconcentração da atividade na, expostas por Acselrad, veremos que
econômica do sudeste brasileiro. O novo os casos de Cingapura e Curitiba
padrão que surge nos anos 90 deverá aderem a uma representação tecnoma-
estar dominado pelas montadoras de terial da cidade, que “associa a transição
veículos estrangeiras e supridores diretos, para a sustentabilidade à reprodução
cuja concretização está apoiada em fortes adaptativa das estruturas urbanas com
estímulos fiscais e no reforço à instalação foco no ajustamento das bases técnicas
de infra-estrutura. das cidades, segundo modelos de racio-
nalidade ecoenergética ou de metabo-
Seu território é visivelmente seg- lismo urbano.” (Acselrad, 1999, p. 82)
mentado: a destacada “qualidade de
vida” e os “elementos urbanísticos ino- A política ambiental de Cingapura,
vadores” concentram-se nas áreas cen- impelida pela escassez de recursos na
trais e nobres em detrimento de extensa ilha, adota medidas de monitoramento
periferia carente, interna e externa ao para proteção, controle e inovação, es-
município. A forte atuação do mercado pecialmente quanto ao abastecimento
imobiliário aliada à ação planejadora hídrico e à reciclagem de lixo. No en-
(Oliveira, 1995), bem como a ausência tanto, o mais promovido símbolo dessa
de programas habitacionais intensivos representação tecnomaterial rumo à sus-
para a população de baixa renda con- tentabilidade é a despoluição dos rios
tribuíram expressivamente para a sele- Cingapura e Kallang Basin, que cortam
tividade da ocupação. a cidade. No caso de Curitiba, a adap-
tação técnica do ambiente é limitada à
Tanto em Curitiba como em Cinga- área político-administrativa do muni-
pura, o aporte financeiro, próprio ou cípio, a despeito de depender totalmente
mediante contração de empréstimos, de recursos naturais situados nos muni-
para sustentar a capacitação e adequa- cípios vizinhos. A elogiada criação de
ção técnica às exigências de novas ativi- parques urbanos é apresentada como
dades, implicou numa política de a melhor alternativa técnica para conter
106 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

o problema crônico das enchentes e das para as montadoras de veículos, orien-


“moradias em áreas inadequadas”. tação contraditória com o discurso da
racionalidade ambiental.
Em ambas as cidades, a represen-
tação técnica da problemática urbana é Outra orientação que liga o discurso
acompanhada por uma forte preocu- da sustentabilidade à eficiência energé-
pação em construir uma base social de tica é a redistribuição espacial da popu-
apoio, através de campanhas de educa- lação e das atividades com base nos
ção ambiental na tentativa de difundir recursos ambientais urbanos. Em Cinga-
a “consciência ecológica”. De modo pura, essa orientação, entretanto, parece
geral, percebe-se um efeito residual voltada à elevação da “produtividade
dessas campanhas no imaginário da po- urbana” valendo-se de padrões urbanís-
pulação, que assimila atitudes menos ticos que ressuscitam a velha escola ra-
predatórias no que respeita a uma rela- cionalista: descentralização através de
tiva limpeza urbana e à incorporação de new towns auto-suficientes que articu-
frases de efeito do discurso oficial em lam a idéia de integração de usos e vida
seu cotidiano. comunitária, uma reprodução atualiza-
da das “unidades de vizinhança” de Le
No processo de tecnificação da cida- Corbusier. Ao mesmo tempo, as novas
de, a busca de alternativas energéticas ações descentralizadoras propõem uma
ao transporte – na substituição do indi- rede regional que impeça a saturação
vidual pelo coletivo – e o controle da do Central Business District com a cria-
circulação oferecem marcas fundamen- ção de novos parques de negócios dis-
tais à modelagem urbana. Em Curitiba, tribuídos no território (Siew, 1999).
o sistema implementado de trânsito em Quanto à atividade industrial, a indução
via exclusiva para transporte coletivo de atividades “limpas”, como a da in-
tornou-se ícone do urbanismo dos anos dústria dos eletroeletrônicos, apóia-se
70 e das décadas subseqüentes, poden- na conjuntura internacional favorável.
do ser considerado até hoje o elemento Ações promotoras de novos arranjos ter-
principal da consolidação do modelo 7. ritoriais são condições sine qua non de
Entretanto, Curitiba é hoje uma das ci- adaptação técnica da cidade à reestru-
dades com maior índice de motorização turação produtiva.
e apresenta uma das mais elevadas taxas
de acidentes de trânsito do país. No ex- Em Curitiba e sua região metropoli-
tremo do paradoxo, no que se refere à tana, ressalvadas as diferenças com
sustentabilidade, a peça principal da Cingapura quanto à intensidade dos
política de atração de investimentos na impulsos globais, também o período re-
segunda metade dos anos 90 volta-se cente de reestruturação produtiva pres-

7
O último relatório do Banco Mundial aponta esse sistema como exemplo de como o plane-
jamento público integrado pode melhorar a acessibilidade com baixo custo, considerando o
papel indutor que os eixos estruturais desempenham no crescimento da cidade, o que
conseqüentemente permite reduzir o uso do automóvel (World Bank, 1999, p. 150).
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 107

sionou para a realização de grandes a cidade no mundo internacional de


obras de infra-estrutura viária, portuária negócios 8.
e aeroportuária, e de adaptações técni-
cas do território que visassem garantir a O zoneamento implementado após
eficácia do parque automotivo em for- 1970 rompeu com identidades físico-
mação. Quanto ao reordenamento da territoriais e culturais, resultando num
atividade industrial, a ação planejadora abrupto processo de alteração das carac-
seleciona atividades “limpas” para a ci- terísticas originais da cidade e, sobretudo,
dade e remete para a área metropolitana da efervescência social das ruas. A mo-
as impróprias à qualidade ambiental. dernização das áreas centrais, a cons-
trução de gigantescos shopping centers
A representação tecnomaterial da e, principalmente, a abertura de novas
cidade informa um determinado ideário áreas de alimentação (food courts) parti-
relacionado à sustentabilidade e legitima cipam do atual modo de reestruturação
um conjunto de ações voltadas para a do espaço: a codificação de lugares glo-
sua adaptação aos tempos e espaços da balizados de consumo e circulação visivel-
globalização. Se essas representações e mente seletivos. Segundo Smith (1992),
ações são adequadas aos que hoje são nessa limpeza refuncionalizadora, ao
alçados como modelos de cidade nos refazer-se a geografia da cidade se rees-
circuitos dominantes, tendem a esvaziar, creve sua história social como justificativa
contudo, a dimensão política do espaço para o futuro.
urbano e as múltiplas possibilidades de
construir alternativas legítimas ao mo- Nesse modo verticalista de planeja-
delo. mento e gestão, há escassos canais de-
mocráticos de participação. Entretanto,
o discurso dos modelos faz referência à
A gestão centralizada ampla participação cidadã, que, nesse
caso, parece falar mais de uma adesão
Cingapura, diferentemente de Curitiba, social ao projeto hegemônico, acrítica e
que constitui-se num município de um reverenciadora, do que propriamente
Estado federado, é uma cidade-nação, de uma cidadania substantiva. Pensa-
portanto autônoma no poder de deci- mos, com Vainer (1999a), que o esti-
são. Após a independência, o modelo mulado “patriotismo de cidade” é um
top down implementado dominou o componente autoritário do novo mo-
pensamento político, dirigiu o investi- delo. Tanto em Cingapura quanto em
mento econômico e comandou um pro- Curitiba, as instâncias de participação
cesso de planejamento articulado, cujo nos projetos urbanos têm um conteú-
princípio fundamental era o de garantir do tenuemente consultivo e claramen-
confiabilidade aos investidores e firmar te legitimador das políticas oficiais. O

8
Vianna compara o capitalismo high tech de Cingapura com seu exacerbado controle político-
social. Lembra Willian Gibson, que diz que o país é uma “Disneylândia com pena de morte”
(Vianna, 1999).
108 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

influente envolvimento em instâncias do velho, do criminoso e mesmo de


decisórias fica restrito aos atores partíci- qualquer um que não combine com a
pes das coalisões dominantes ligadas aos imagem dominante do empreendedor
grandes interesses localizados (Oliveira, economicamente ativo é efetivamente
1995). varrida para fora do quadro.

A política cultural oficial dos anos 90


A política cultural e os em Curitiba recompõe as várias culturas
si m ul a c ros que participaram do movimento de
colonização da região, através de me-
Embora a difusão do modelo enfatize a moriais étnicos na arquitetura urbana
importância da diversidade cultural, a associados a novos parques como o
criação da Ethnic Singapore, uma políti- Tingui, dos ucranianos, o “Bosque Ale-
ca de “revitalização de bairros étnicos” mão”, ou o “Bosque do Papa”, dos polo-
como Chinatown, Little India, Arabian neses. Esses espaços de celebração das
Street ou o Geylong Serai (bairro ma- etnias e da natureza exaltam, ao mesmo
laio), incorpora a estratégia temática no tempo, o próprio projeto de cidade, o
desenvolvimento do turismo e tende a modelo. Fabrica-se uma identidade fake,
transformar a imagem da cidade em portanto sem resistência. Desencadeia-
produto de consumo internacional. Os se uma lógica de evocação que mais fun-
planos de revitalização fazem eco ao pro- ciona como uma antimemória coletiva
jeto de forjar uma nova harmonia nos que esconde as marcas do tempo, repri-
vínculos sociais. Nesse sentido, Arantes me as metamorfoses do espaço e acarre-
diz que “a cultura vem então em socorro ta uma redução ao idêntico. A política
da política para atenuar e dissimular o cultural é, de fato, o álibi com o qual se
cumprimento de uma lógica securitária fabrica o espelho que reflete o próprio
que, sob muitos pontos de vista, pode poder.
parecer totalitária” (1995, p. 145).
Se no mundo contemporâneo tudo
Efetivamente, a pasteurização das é cultural por razões econômicas, os
culturas e a “parque-tematização” pare- casos analisados parecem reforçar o ca-
cem ser os caminhos mais proveitosos ráter atribuído ao mercado da cultura e
dos programas de renovação urbana seu papel promotor do turismo e de
contemporâneos, promovendo uma novas formas de acumulação de capi-
“ordem branca da cultura”, teatros da tal. No campo das artes, os investimen-
memória que procuram avançar sobre tos em Cingapura se orientam no sentido
os enclaves resistentes. Como mostra de construir uma agenda cultural com
Cohen (1998), há uma iconografia ofi- programação dos grandes fluxos mun-
cial do multiculturalismo inscrita num diais da cultura em detrimento dos pro-
mapa narrativo de modernidade, pro- jetos culturais locais. Também em
gresso e regeneração urbana, no qual a Curitiba desenvolve-se uma política que
presença do pobre, do desempregado, busca construir a referência de grandes
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 109

festivais de teatro anuais que não guar- tes comuns, há em Cingapura uma po-
dam relação com o lugar. lítica regulatória dos fluxos, altamente
excludente, enquanto em Curitiba, com
Essas referências parecem sinalizar a segregação espacial dos novos migran-
uma teatralidade ostensiva do cenário tes de baixa renda, atraídos também
cultural destas cidades-modelo, sintomas pelo city marketing que acompanha essa
de uma civilização do simulacro, que nova fase de reestruturação produtiva,
evidencia a lógica cultural do capitalis- há o aumento de uma pressão latente
mo avançado (Jameson, 1995). das periferias.

Na construção dos modelos de cida-


Eficiência e eqüidade: as de há recorrente referência às noções,
margens do discurso objetivadas, de “eficiência” e “eqüidade”.
Tanto em Curitiba como em Cingapura,
Para manter o padrão de competitivi- supõe-se que a trajetória evolutiva da
dade há, em ambas as cidades, uma “eficiência técnica” na gestão do território
explícita política de atração de trabalha- conduziria à “eqüidade” e aos benefícios
dores qualificados estrangeiros junto da urbanização. Para dar legitimidade a
com outra, de atração de “talentos das essa interpretação, a orquestração de
artes e da cultura”. A convivência dessas indicadores torna-se fundamental na
novas categorias profissionais com constituição do rol de atrativos locais.
grandes segmentos subempregados ou
excluídos põe em cheque a eficácia dos Para o caso de Cingapura, os indica-
modelos, no que se refere ao acirramen- dores sociais e de qualidade de vida ado-
to do conflito pela inclusão. tados em diversos rankings mundiais a
incluem entre as cidades com melhor
Enquanto em Cingapura uma elite desempenho, o que se soma ao acesso
de profissionais, em grande parte es- universal aos serviços e a programas in-
trangeiros, assume postos relevantes e tensivos de habitação 9. Pode-se dizer
compõe um “oásis de talentos”, para que o modelo de Estado autoritário “be-
garantir sua posição de cidade mais com- nevolente” proporcionou a base social
petitiva no ranking mundial (Yeoh e e espacial local indispensável para o pro-
Chang, 1999), em Curitiba, os estran- jeto econômico orientado ao sistema
geiros chegam com os novos investi- global. Entretanto, a ameaça do desem-
mentos, ao mesmo tempo que chegam prego, a vida em clandestinidade e o tra-
contingentes expressivos de migrantes balho informal dos migrantes são alheios
pouco qualificados, futuros excluídos do à universalidade veiculada.
mercado de trabalho. Para os migran-

9
Os programas de habitação em Cingapura foram desenvolvidos como “política de integração
social”, diluidora dos conflitos interétnicos dos anos 60. A ordenação espacial regulamenta
até a porcentagem máxima de moradores de cada etnia nos blocos de apartamentos. Ver
Castells e Borja, 1997, p. 233.
110 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

Indicadores favoráveis não elimi- mento Humano) expuseram a real si-


nam, dessa maneira, as contradições tuação da capital paranaense, pior do
sociais que afloram sob o governo auto- que a de outras capitais sulinas.
ritário. Manter a imagem de “Cidade
Equatorial de Excelência” implicará em Certamente o modelo de Cingapu-
um perfil urbano cada vez mais seletivo. ra apresenta grandes diferenças em rela-
Por outro lado, o modelo de desenvol- ção ao de Curitiba, principalmente pela
vimento adotado expõe a sociedade aos autonomia local na condução do proje-
riscos da grande mobilidade do capital. to, pela possibilidade de adequação do
arcabouço institucional do Estado aos
Na busca do melhor desempenho seus objetivos, pelo maior controle sobre
entre as capitais brasileiras, o governo a sociedade e pela base econômica e
municipal de Curitiba enfatizou, duran- financeira que lhe garante maior atrati-
te muito tempo, a qualidade de seus vidade e recursos. Entretanto, o modelo
indicadores locais, sem referência aos de Curitiba provavelmente está menos
contrastantes indicadores dos municí- sujeito aos efeitos de futuras crises ou
pios periféricos (Ultramari e Moura, deslocamentos de capitais, já que faz
1994) 10 – uma forma de adquirir visibi- parte de uma realidade nacional mais
lidade apenas a partir de um fragmento ampla. As diferenças, ao contrário de
do espaço metropolitano. Qualquer fragilizar a argumentação, não fazem
análise que revelasse as desigualdades mais que fortalecer a percepção das se-
internas ou as crescentes condições de melhanças dos instrumentos utilizados
miséria circundante era sutilmente es- por ambos os modelos na construção
condida. Porém, essa imagem depu- de suas atuais imagens. Com efeito, a
rada foi viável até que indicadores convergência de imagens mostra a simi-
nacionais com ampla divulgação (como litude dos projetos sociopolíticos 11.
por exemplo o Índice de Desenvolvi-

Elementos comuns nos modelos Cingapura e Curitiba


Cidade-modelo: gestão ambiental, transporte de massa e urbanismo
Planejamento centralizado, forte controle social por parte do Estado e da mídia
Continuidade administrativa e de implementação do plano
Ausência de canais de participação popular legítimos
Política urbana “market friendly”
continua

10
Uma série de artigos desses autores contesta o divulgado padrão homogêneo e desenvolve
análise da fragmentação territorial da Grande Curitiba.
11
Nessa direção ver, por exemplo, o trabalho realizado dentro do projeto “Made in Barcelona”
(madeinbarcelona@yahoo.com) que desenvolve uma consistente crítica cultural às mais
recentes versões do “modelo-Barcelona”, base para a preparação do Fórum Universal das
Culturas 2004.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 111

continuação
Imagem como estratégia local de desenvolvimento
City marketing
Meio urbano “inovador” e “qualidade de vida”
Sustentabilidade urbana: “Cidade Jardim” e “Capital Ecológica”
Dependência externa de recursos naturais
Construção do senso de pertencimento
Difusão de modelo de gestão (“boas práticas”)
Ícones urbanos: elementos paisagísticos e do patrimônio
Indústria cultural e mídias urbanas: festivais de cinema e de teatro
Indústria do turismo: multiculturalismo, identidade urbana, paisagem
Tecnificação urbana: transportes, circulação, indústria ambiental

Modelos e espelhos: algumas conclusões


A cidade ideal da virada de século já está momento histórico, aproximar-se em
modelada, a julgar pela agenda urbana sua construção discursiva e utilizar-se dos
hegemônica difundida por agências mesmos instrumentos para apresentar-
multilaterais, consultores internacionais se ao mundo como modelos, para
e governos locais. Sintetiza-se na cida- “vender” as cidades.
de competitiva, globalizada, conectada,
flexível, administrada como empresa, Efetivamente, a esfera de circulação
fortemente apoiada em estratégias de simbólica desses modelos em escala
marketing, apta a aproveitar com agili- mundial desempenha funções políticas
dade oportunidades e apresentar-se e econômicas de grande relevância.
atrativa ao mercado e aos investidores Nesse processo, observa-se um duplo
(Vainer, 1999b). movimento de legitimação: enquanto as
coalisões locais dominantes capturam
Como modelos internacionais, as ci- ideários renovados da agenda urbana
dades bem-sucedidas são as que melhor global para atualizar seus projetos de
apresentam essas virtudes em seus proje- cidade, os ideólogos dos organismos
tos de desenvolvimento; aquelas cujas internacionais capturam dos projetos
políticas urbanas estão mais aggiornadas locais as “boas práticas”, que, “pasteu-
com esse padrão homogeneizador am- rizadas”, porque abstraídas de seus
plamente difundido. Em última instân- contextos, ressurgem em versões despo-
cia, parecem ser as que sucumbem aos litizadas.
encantos da cidade-mercadoria. Com-
preende-se assim por que políticas Alguns nexos e estratégias dos dis-
urbanas originadas em cidades tão pro- cursos e imagens que têm traduzido as
fundamente diferentes podem, no atual noções mais difundidas do novo paco-
112 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?

te urbano das cidades-modelo, como tem em interpelar os modelos: o paraí-


desenvolvimento sustentável, moderni- so utópico da cidade virtual pode reve-
zação tecnológica e produtiva, qualida- lar-se uma máscara para a especulação
de de vida, eqüidade e eficiência no e para os grandes empreendimentos,
planejamento, parcerias público-priva- o estimulado civismo urbano pode en-
das, multiculturalismo, memória urba- cobrir o desprezo pela participação
na, renovação de áreas, meio ambiente substantiva do cidadão, a retórica do
equilibrado, governança e participação multiculturalismo tende a transformar
cidadã, permanecem em pauta. o “outro” em simples imagem, vazia de
conteúdo, e a construção da cidade sus-
Diante desse conjunto articulado tentável pode ser a última versão de
de aparentes virtudes, máculas – nem uma retórica apenas adjetiva, condicio-
sempre refletidas e necessariamente à nada por um modelo político de expor-
espera de serem desvendadas – persis- tação.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 113

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A Re-significação das Tradições:
o Acre entre o rodoviarismo e o
socioambientalismo *

Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka

Ainda hoje o Acre é uma “fronteira”. A e seu quinhão de floresta amazônica.


Transamazônica é o caso fragoroso do Grande parte da sociedade acreana vive
fracasso dos projetos viários que pro- ainda do extrativismo e de atividades
metiam gerar no estado “uma estrutura correlacionadas e segue vendo a estrada
econômica moderna, destacadamente de integração como caminho para o de-
uma economia rural, em substituição senvolvimento.
aos sistemas pré-capitalistas característi-
cos das áreas extrativistas da região” 1. Este artigo analisa as peculiaridades
da relação meio ambiente/desenvol-
Uma das razões da permanência de vimento nesse contexto, enfocando dois
biomas hoje mundialmente valorizados conflitos recentes em torno de projetos
foi a insuficiência do rodoviarismo em de expansão viária e os constrangimen-
cumprir suas promessas civilizadoras. tos jurídico-políticos e morais que o pro-
Porque as rodovias não chegaram, o es- cesso de redemocratização gerou para
tado manteve sua economia extrativista as atividades ambientalmente deletérias.

*
Este artigo é uma versão reduzida do Capítulo 4 de Modernização Negociada: expansão viária
e riscos ambientais no Brasil, 1999 (prelo), de Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka,
que resulta de pesquisa realizada no âmbito de um convênio entre o Cebrap e o Ibama.
1
Geraldo Mesquita, 1975, p. 15.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 115-131


116 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

O projeto federal para o Acre

A dependência da economia acreana O projeto de construção da infra-


para com o extrativismo vegetal torna estrutura viária na Amazônia Ocidental
os anos 1980 e começo dos anos 1990 nesse período estava no escopo do que
particularmente dramáticos para o es- antes definimos como “rodoviarismo” 6.
tado. Além da queda do preço da bor- O rodoviarismo pode ser descrito por
racha, nesse período ocorre também a três características principais: a ênfase
desarticulação do sistema de financia- técnica nas rodovias como forma ótima
mento e de manutenção das estruturas de espacialização do desenvolvimento;
produtivas gomíferas que tinham mino- a centralidade do Estado no planeja-
rado antes a tendência de desarticula- mento, administração e execução das
ção da economia da região. Com o fim obras viárias e a despreocupação com
dos incentivos à produção e da regula- suas conseqüências ambientais. Seu
ção estatal do preço da borracha e a núcleo era a crença na capacidade da
diminuição crescente dos financiamen- rodovia de gerar desenvolvimento.
tos à comercialização e produção por Grandes obras de integração nacional
meio de bancos estatais 2, o extrativis- foram realizadas sob essa égide (a
mo desarticula-se de vez 3. Presidente Dutra; a Rio-Bahia; a Belém-
Brasília; a Transamazônica), contando
A ambigüidade constitutiva da políti- com ampla aprovação popular.
ca federal para a região até o final dos
anos 1980 impediu que se revertesse a No caso da Amazônia Ocidental, a
fragilidade da economia acreana. De um rodovia seria o meio de transformar a
lado, continuou subsidiando a agonizan- região em fronteira de expansão econô-
te economia gomífera. De outro, o go- mica. A BR-364, materialização desse
verno federal pretendia, ao longo dos projeto, possibilitou a ocupação de Ron-
anos 1970, modernizar inteiramente a dônia, alterando o relacionamento desse
economia acreana, incentivando a pe- estado com outras regiões do país e acele-
cuária extensiva e a extração madeirei- rando o processo de ocupação e explo-
ra 4, e integrar a região por meio de sua ração da região, além de ter consolidado
ocupação por colonos e migrantes 5. e povoado suas fronteiras. Era o que se

2
Francisco R. S. Castro e Maria E. Santos, 1992, p. 12 e p. 42-44; cf. também AQUIRI, mar./
1997, p. 47 ss.
3
Na década de 1970 a expansão da atividade agropecuária teve fortes repercussões sobre a
estrutura agrária da região, acarretando, ao mesmo tempo, sérios problemas ambientais. Cf.
IBGE/IPEA, 1990, p. 64.
4
AQUIRI, op. cit., p. 46 ss.; IBGE/IPEA, op. cit.; Mesquita, op. cit., p. 15 ss.
5
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
6
Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 117

visava também para o Acre. O projeto, dos impactos ambientais como condição
porém, não chegou a se efetivar 7. do financiamento da pavimentação do
trecho Porto Velho–Rio Branco 10.
O projeto do governo federal para
a Amazônia Ocidental sofreu profunda O PMACI I apresentava um cenário
inflexão na segunda metade dos anos explosivo: a pavimentação da rodovia
1980. A antiga “fronteira de recursos” causaria impactos ambientais, sociais e
transforma-se em área de interesse am- econômicos. O governo federal deveria
biental. Como o Acre tinha grande parte alterar os parâmetros usados até então
de sua cobertura vegetal intocada, os para o investimento na região, de modo
conflitos entre expansão econômica e a compatibilizar desenvolvimento, defesa
preservação ambiental ficaram explícitos do meio ambiente e melhoria da quali-
ali. O governo federal, desde o final dos dade de vida da população.
anos 1980, propusera vários projetos
ambientais para a região. O principal Em consonância, o governo fede-
deles, o Projeto de Proteção ao Meio ral redefiniu suas metas para a região:
Ambiente e às Comunidades Indígenas em vez de apostar na capacidade de
(PMACI I) 8, já era produto da reação produção agropecuária do estado, en-
do movimento ambientalista internacio- fatizou a importância da preservação
nal à pavimentação da BR-364 na região ambiental 11.
de Rondônia, que denunciava os im-
pactos sociais e ambientais decorrentes. O PMACI I expôs, portanto, o com-
O Banco Mundial fora responsabilizado promisso do governo federal de regular
por ambientalistas de ser o financiador e limitar a pressão econômica sobre o
da devastação da Amazônia 9. O BID exi- ambiente natural do estado 12. Razões
giu, por isso, garantias de minimização geopolíticas e econômicas motivaram

7
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
8
O PMACI I se refere ao entorno da BR-364, no trecho entre Porto Velho e Rio Branco. Poste-
riormente, foi feito o PMACI II, seguindo a mesma perspectiva, para o outro trecho da mesma
rodovia, entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul (que até 1999 ainda não estava totalmente
asfaltada). Cabe destacar também o amplo projeto do BNDES para a reserva extrativista do
Alto Juruá e para o desenvolvimento comunitário das áreas indígenas circunvizinhas, em 1989
(AQUIRI, op. cit., p. 40-41). Nem o PMACI II nem o projeto do BNDES serão analisados aqui.
9
A pavimentação do trecho Cuiabá–Porto Velho da BR-364 era a principal obra do Projeto de
Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que fora financiado pelo
Banco Mundial e tinha o intuito de suprir as demandas por infra-estrutura na região de Rondônia
e de induzir o desenvolvimento da região. A esse respeito ver John Redwood III, 1993.
10
Cf. AQUIRI, op. cit., p. 41, e IBGE/IPEA, op. cit.
11
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
12
O projeto respondia “às preocupações nacionais e externas quanto à necessidade de um
plano para orientar a ocupação da área de influência direta e indireta da rodovia BR-364,
tendo em vista controlar ou minorar os impactos decorrentes do seu asfaltamento, previsto
para o trecho Porto Velho–Rio Branco (IBGE/IPEA, op. cit., p. 15).
118 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

essa nova posição federal em relação à e a entrada na agenda nacional da pauta


construção da rodovia: o meio ambiente ambiental já consolidada internacional-
tornara-se uma preocupação internacio- mente. O número de ONGs ambientalis-
nal e o governo brasileiro ajustava-se a tas brasileiras cresce exponencialmente
esse cenário. A adoção de medidas am- às vésperas da conferência 13. Em para-
bientais passava a ser imperativa para a lelo, a pauta ambiental se institucionaliza;
obtenção de financiamento externo para surgem instrumentos jurídicos e políticos
quaisquer projetos de infra-estrutura. que limitam as ações ambientalmente
danosas 14. Essa conjunção de fatores
A Conferência da ONU para o Meio gerou, no início da década de 1990, ao
Ambiente e o Desenvolvimento(Rio-92) mesmo tempo a valorização das po-
evidencia o cruzamento de duas condi- tencialidades ambientais do Acre e o
cionantes que explicam a alteração no abandono do projeto rodoviarista do
projeto federal: as mudanças advindas governo federal para o estado.
do processo de democratização do país

A construção da identidade socioambiental

O movimento ambientalista se confi- de milhares de famílias no interior da


gurou no Acre como um socioambien- floresta” 15. Derrubar florestas para fazer
talismo, isto é, a partir da re-significação pastagens significaria expulsar o serin-
dos movimentos sociais locais de defesa gueiro, o índio, enfim, os “povos da flo-
dos seringueiros, que passaram a ser resta”, de sua terra e do seu modo de
chamados “povos da floresta”. Sua rei- vida, coagindo-os a ir para as periferias
vindicação primordial era o direito de das cidades 16.
posse e exploração (restrita) das florestas
pelas comunidades da região. No início, A identidade socioambientalista só
segundo os próprios ambientalistas, não pôde se constituir porque as comunida-
se tratava de ecologia, mas de sobrevi- des extrativistas que viviam nas florestas
vência. “O desmatamento das grandes foram definidas como intrinsecamente
áreas para a instalação da pecuária preservacionistas. Esse significado está
representava uma ameaça direta à vida no próprio termo “povos da floresta”,

13
A esse respeito ver Leilah Landim, 1993.
14
De que são exemplos o EIA-Rima e as audiências públicas.
15
Marina Silva, 1997.
16
É possível aferir essa posição a partir das entrevistas que realizamos com diferentes setores e
tendências do movimento ambientalista local (Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.). Ver, tam-
bém, a esse respeito, IBGE/IPEA, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 119

que apresentava os seringueiros como populações tradicionais em responsáveis


os fiéis depositários da preservação do naturais pela preservação ambiental do
meio ambiente. A atividade econômica Acre 18. Nesse sentido, o projeto marca
dessas comunidades era considerada de a emergência do socioambientalismo.
“baixo impacto ambiental”. A partir disso
e da suposição de que essas populações A maneira encontrada para garantir
teriam um saber tradicional sobre a flo- ao seringueiro a posse da terra foi a de-
resta, argumentava-se que a melhor fesa da preservação da floresta. Essa
maneira de mantê-la preservada seria estratégia funda o movimento socioam-
generalizar essa organização social. A re- bientalista local. A união do movimento
democratização do país e a entrada em pela posse da terra a setores ambienta-
pauta de temas ambientais favoreceram listas capazes de articular-se com orga-
essa sobreposição de sentidos e interes- nizações e instituições ambientalistas
ses sociais e ambientais. O próprio pro- nacionais e internacionais permitiu criar
cesso de elaboração e implementação um modelo de ocupação territorial que
do PMACI I constituiu um desses mo- preenchesse os requisitos de preservar
mentos de afirmação política da iden- a floresta e oferecer condições mínimas
tidade socioambientalista 17. de sobrevivência às comunidades que
ali viviam.
O PMACI I expressa o ponto de vista
“socioambientalista”, reconhecendo o A principal realização desse modelo
caráter social e ambientalmente proble- foram as reservas extrativistas (Resex),
mático do projeto de expansão da fron- grandes áreas sem demarcação de
teira econômica do governo federal para lotes 19 habitadas por um número definido
a região entre 1970 e 1980. Propunha- de famílias que tirariam da extração o
se um modelo que transformasse as seu sustento e, pretendia-se, algum exce-

17
Do PMACI I, coordenado pelo Ipea/Iplan, participaram diversos órgãos federais e estaduais –
Secretaria Especial do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Mi-
nistério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (na época Incra), Fundação Nacional do
Índio (Funai), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto também
constituiu um grupo de trabalho executivo com representantes da sociedade civil (GT-PMACI),
como Cimi (Conselho Indigenista e Missionário), CPI-Acre (Comissão Pró-Índio), CTA (Centro
dos Trabalhadores da Amazônia), CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e representan-
tes de órgãos federais e dos Estados de Rondônia, do Acre e do Amazonas (IBGE/IPEA, op. cit.,
p. 15). Sobre propostas apresentadas pelo CNS e pela UNI (União das Nações Indígenas),
incorporadas ao projeto, ver IBGE/IPEA, op. cit., p. 109 ss.
18
“Ainda hoje a exploração da seringueira nativa permanece estreitamente vinculada à quali-
dade e às características ambientais (...). Representa não apenas a fonte de sobrevivência
mas a expressão cultural da população, expressão que se caracteriza pelas relações que ela
mantém com o ambiente [...]. Algumas características da exploração seringueira, como a
rarefação da população em virtude da dispersão das espécies e da necessidade de grandes
áreas para cada extrator, foram fatores primordiais para o aspecto conservacionista da ativi-
dade.” (IBGE/IPEA, op. cit., p. 85-86)
19
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
120 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

dente. Nessas áreas desenvolver-se-ia to ambientalista acreano: “A gente dizia


“uma economia florestal que fosse mo- que a floresta não podia ser tocada (...).
derna, mas que levasse em conta o saber E até hoje dizemos isso. A sociedade ci-
e a cultura das populações locais da Ama- vil, o governo federal, o Estado, de um
zônia” 20. As reservas extrativistas foram modo geral, estão cobrando isso: ‘Vo-
criadas em consonância com as reivindi- cês não pediram reserva extrativista?’ Os
cações do movimento de trabalhadores pecuaristas, as empresas, estão cobran-
extrativistas e primeiro instituídas em do: ‘Não queriam essas áreas de um
1990. Implicavam a desapropriação de milhão de hectares para Chico Mendes?
grandes áreas de seringais, conferindo aos O seringueiro está saindo do mesmo
seringueiros/castanheiros a concessão de jeito, e vocês diziam que era a pecuária
uso 21 dessa terra, de sorte a assegurar a que estava expulsando! E o seringueiro
permanência desses produtores “em seu está saindo dali para a periferia das ci-
hábitat” e garantir a preservação da flo- dades. E aí?’ Nós temos que dar um
resta 22. A forma dessa união entre inte- retorno, uma resposta” (membro da
resses sociais e ambientais é representada ONG ambientalista A, entrevista).
pela figura do habitante da floresta. O
discurso ambiental abriu a seringueiros O próprio funcionamento das reser-
e sindicalistas a possibilidade de mobiliza- vas extrativistas criaram novas necessi-
ção de recursos financeiros e organizacio- dades e reivindicações por parte dos
nais antes inexistentes ou inacessíveis. Em “povos da floresta”. Já tendo assegura-
pouco tempo já se falava em um “novo do o direito à terra, passaram a exigir
modelo de desenvolvimento e [em] melhorias na qualidade de sua vida. Até
buscar aliados, dentro e fora do Brasil” 23. a segunda metade dos anos 1990, a la-
tente contradição entre a busca por
Dessa superposição originária entre qualidade de vida e preservação ambi-
demandas sociais e ambientais, entre- ental não estava formulada, pois quali-
tanto, também derivam muitas de suas dade de vida restringia-se à posse da
dificuldades posteriores. As fissuras es- terra e qualidade ambiental significava
truturais desse projeto se evidenciam atividade de baixo impacto ambiental.
quando a imagem idealizada dos “po- A ambigüidade do socioambientalismo
vos da floresta” como intrinsecamente apenas se explicita quando o projeto
defensores do meio ambiente se choca socioambientalista é confrontado com
com os interesses efetivos desses habi- projetos desenvolvimentistas para a re-
tantes. Essa mudança é resumida com gião, exatamente o que ocorre nos con-
precisão por um membro do movimen- flitos em torno das BRs 364 e 317.

20
Silva, op. cit., p. 5.
21
IBGE/IPEA, op. cit., p. 112.
22
ELI (Environmental Law Institute), 1995, p. 22 ss.; o PMACI I também sugere a criação de
várias reservas extrativistas no Acre (mais de vinte projetos em Rio Branco, Xapuri, Brasiléia
e Assis Brasil). (IBGE/IPEA, op. cit., p. 112).
23
Silva, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 121

O projeto local rodoviarista

Nos anos 90, o governo do Acre formu- e já foi até indicado como ‘celeiro brasi-
lou, juntamente com o empresariado leiro’. Deixa abrir estradas para ter área
local e os diferentes partidos políticos produtiva capaz de sustentar o estado.”
que o sustentavam, um projeto rodovia- (representante dos produtores agrícolas
rista para o estado. Esse projeto, que locais, entrevista)
aparece explicitamente nos documentos
e ações dos órgãos oficiais e da buro- O processo de difusão do rodovia-
cracia vinculada ao setor de transportes rismo no Acre dos anos 1990 cria um
do estado, visava reaquecer a economia paralelo com o antigo projeto rodovia-
local e promover o escoamento da pro- rista nacional. Através de seminários, de
dução local por meio de uma ligação enduros e do estímulo a movimentos e
viária com as demais regiões do país. entidades civis rodoviaristas procurava-
Reativava-se, assim, a política federal da se sensibilizar as instâncias federais e a
década de 1970 para o estado, que população do estado para a necessidade
então objetivava a incorporação de da pavimentação das BRs 24 . Tão
novos territórios à economia nacional, comuns nos anos 1920, nos primórdios
só que agora destituída de seu intuito do rodoviarismo brasileiro, essas ações
geoestratégico, de garantia da segurança tinham por fim a promoção e a legiti-
nacional e de povoamento da região. mação do projeto rodoviarista também
O projeto de integração rodoviária do no Acre dos anos 1990. Mas, com a de-
estado passava a ser formulado em mocratização do país, os rodoviaristas
termos da modernização do Acre, como passaram a enfatizar os aspectos sociais
única possibilidade de desenvolvimento positivos da construção rodoviária, ênfa-
econômico local. se antes inexistente, pois os argumentos
principais em favor da ligação viária
O projeto rodoviarista acreano tinha aventados eram sempre econômicos. É
como fundamento a idéia de que a im- recorrente a partir do começo da déca-
plantação de um sistema viário eficiente da de 1990 o destaque conferido à
no Acre bastaria para gerar ali desenvol- melhoria de qualidade de vida da popu-
vimento econômico, tirando o Acre da lação, argumento claramente marginal
estagnação econômica mediante o nos projetos do regime militar, pelo qual
incentivo à produção agropecuária. O o projeto rodoviarista local se moldou.
modelo era Rondônia, que aparecia As preocupações com as conseqüências
como prova do vínculo entre rodovia e políticas são claras. Fica evidente que a
progresso: “Hoje você vê o nível de eco- opção rodoviária, antes “natural”, passa-
nomia de Rondônia, que se desenvolve va a necessitar de justificação pública.

24
Cf. A Gazeta, Rio Branco, 07/06/1991.
122 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

A configuração do conflito em torno das BRs

A pavimentação das BRs 364 e 317 cuidados a serem tomados na escolha e


permite observar como as diferentes na execução deste caminho em direção
perspectivas se enfrentam praticamente. ao Pacífico” 25.

Concluída a ligação com Rondônia, O movimento ambientalista nacio-


a extensão da BR-364 e a conclusão da nal mostrava-se pouco sensível aos ar-
BR-317 passaram a ser alardeadas gumentos sociais e desinformado até
como alavanca na modernização do mesmo sobre a situação geográfica do
Acre. A BR-364 integraria duas regiões Acre. A moção pretende, por exemplo,
do estado, o Vale do Acre, mais ao sul, saídas viárias ideais, como a construção
onde se situa Rio Branco, e o Vale do de ferrovias ou o uso de hidrovias em
Purus, mais ao norte, onde está Cruzeiro uma região onde os rios correm todos
do Sul. A estrada aqueceria a economia quase paralelamente, em direção ao
local e acabaria com o isolamento do Amazonas (ver Mapa 1). Apesar de não
vale do Purus, integrando as diversas re- ter força de lei (a menos que fosse trans-
giões do estado. A BR-317, por sua vez, formada em resolução), a moção gerou
ganhou importância como possibilidade protestos veementes no Acre por parte
de interligação do estado com os países de jornais, políticos e até mesmo de
andinos e com o Pacífico, através do agências de proteção ao meio ambiente,
porto de Ilo, no Peru. A produção acrea- como o Instituto do Meio Ambiente do
na seria escoada por esse porto, alcan- Acre (Imac) e a Superintendência do
çando novos mercados e propiciando Ibama no estado.
o desenvolvimento econômico do Acre
(Mapa 1). As reações da sociedade acreana à
moção evidenciam o significado das ro-
A primeira contestação efetiva à ex- dovias para a população do estado. As
pansão viária então em curso é feita pelo notícias e os editoriais veiculados nos
movimento ambientalista nacional, por principais jornais do estado recorreram
meio de sua representação no Conselho a termos bastante duros. O presidente
Nacional do Meio Ambiente (Conama). da Federação das Indústrias do Acre
Em dezembro de 1990 é aprovada no desqualificou “a proposta do Conama,
Conama moção contrária à pavimen- seja para as hidrovias quanto as ferro-
tação das BRs 364 e 317. A moção, vias, por serem ridículas; [a estrada] não
“conforme proposição da conselheira visa apenas o escoamento de produtos
representante das entidades ambienta- do Centro-Oeste e nem destruirá terras
listas da região Sudeste”, propunha que virgens, pois seu percurso já está em sua
o Conama elaborasse “indicativos de maioria ocupado ou demarcado como

25
CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), Moção no 20, de 6 de dezembro de 1990.
Mapa 1 - Infra-estrutura de transportes do Estado do Acre

Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka


123
Fonte: Atlas geográfico ambiental do Estado do Acre, Governo do Estado do Acre - Imac, Rio Branco, 1991
124 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

reservas extrativistas e indígenas” 26. Legislativa e em jornais locais, em face


Além de empresários, também políticos das críticas veementes 29.
e outros setores sociais manifestaram-
se prontamente contra a moção 27. Diversas instâncias do governo do
estado, empresários, agricultores e até o
A reação local se configurou con- governo de Rondônia entraram em cena
sensualmente como antagonismo ao defendendo um projeto de desenvolvi-
movimento ambientalista, considerado mento de cunho rodoviarista. No início
responsável pela aprovação da moção. da década de 1990 o governo estadual
Houve até mesmo a acusação de um passara a ser o responsável pela admi-
possível complô ambientalista 28, que nistração dos recursos federais na con-
pretenderia trocar o desenvolvimento tratação dos serviços para a construção
pela preservação da floresta. O meio e gestão das BRs no estado, o que permi-
ambiente seria um limite ao progresso tiu ao rodoviarismo local efetivar-se. Isso
e à ligação do estado com a economia ofereceu aos defensores do projeto
nacional e internacional. A moção do grande capacidade de intervenção públi-
Conama gerou um intenso debate local ca, tanto no debate quanto nas ações. O
e, ao contrário do que propunha (parar único problema a ser solucionado era o
a construção das BRs no Acre), teve da liberação dos recursos federais no
como resultado a disseminação de uma orçamento da União, e assim, com esse
posição favorável à construção das ro- objetivo, políticos locais articularam-se e
dovias. pressionaram o congresso e o governo
federal. Todos visavam associar-se ao
Os defensores desse projeto rodo- empreendimento de pavimentação das
viarista local mostraram grande capaci- rodovias. O projeto rodoviarista tornou-
dade organizacional e peso político nesse se de tal modo hegemônico que não
episódio. Utilizando-se de todos os re- cuidou de se justificar diante de constran-
cursos disponíveis (imprensa, tribunas gimentos ambientais.
parlamentares etc.), constrangeram e
limitaram as ações dos críticos ao seu O questionamento dos efeitos am-
projeto, a tal ponto que o representan- bientais da pavimentação das BRs, no
te do Acre no Conama (presidente do entanto, modificaram os termos do de-
Imac) viu-se obrigado à retratação pú- bate local. O debate público tornou-se
blica, em sessão especial da Assembléia mais permeável aos argumentos am-

26
A Gazeta, 02/02/1991.
27
Por exemplo, o Conselho Regional de Medicina do Acre publica matéria paga em um jornal
local (A Gazeta, 03/02/1991) contra a moção e favorável à construção das rodovias, e o
próprio jornal A Gazeta (02/02/1991) publica editorial nos mesmos termos.
28
A Gazeta, 02/02/1991.
29
O representante declara publicamente não ter participado da sessão do Conama na qual a
moção contrária à estrada foi aprovada, apesar de seu nome constar da ata da sessão. Cf.
CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente): Ata da 26a reunião ordinária, 1990.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 125

bientalistas. Nesse novo contexto político procurava firmar um termo de compro-


ocorreu o embargo do Ibama à conti- misso envolvendo as partes que tivesse
nuação da construção das rodovias. validade legal, enquanto o governo esta-
dual procurava a liberação mais rápida
Em junho de 1996, depois de um possível das obras. Uma Comissão de
longo processo, que passou por diversas Vistoria para a região de influência da
instâncias da Procuradoria da República estrada já tinha sido constituída, com a
e do governo federal, o Ibama embar- presença de representantes do Imac,
gou todas as obras de pavimentação das Ibama, DER-AC, Ministérios Públicos
rodovias BR-364 e BR-317, por des- federal e estadual e Funai 32, cuja finali-
cumprimento da lei ambiental que pre- dade era encontrar uma solução nego-
via a elaboração de EIA-Rima para obras ciada para o embargo das obras das
daquele porte e sob a alegação de riscos BRs. A comissão lançou mão, inclusive,
ao meio ambiente e às comunidades de consulta à comunidade afetada, me-
locais. O Departamento de Estradas de dida usualmente requerida pelo movi-
Rodagem do Acre (DER-AC) e o Imac mento ambientalista. A intervenção do
tinham elaborado anteriormente apenas Ibama levou ao estreitamento da relação
um Relatório de Ausência de Impacto entre o governo federal e o movimento
Ambiental Significativo (Raias), sob o ambientalista, tornando explícita a opo-
argumento de que as estradas já existiam sição entre o projeto federal, que tentava
e que sua pavimentação não acarretaria vincular a vocação do Acre a metas de
impactos ambientais graves 30. O Ibama sustentabilidade ambiental, e o projeto
entrou em cena ao receber ofício do Mi- rodoviarista local.
nistério Público pedindo a suspensão
administrativa imediata das obras de pa- Essa aliança entre o governo fede-
vimentação das BRs, por descumpri- ral e o movimento ambientalista local 33
mento da legislação ambiental 31. ficou evidente na exigência para liberar
as obras em um trecho da BR 34. A co-
Em face da não apresentação do missão prescreveu a destinação de re-
EIA-Rima, em 25 de junho de 1996 o cursos para a implantação de reserva
Ibama notificou o DNER, o DER-AC e extrativista e a criação de um programa
as empreiteiras acerca do embargo e da de desenvolvimento e proteção ao meio
suspensão temporária das obras nas ambiente e às populações tradicionais
duas rodovias federais no Acre. O Ibama do vale do Juruá, similar ao PMACI I,

30
O Rio Branco, 03/04/1996; cf. também Imac, Processo nº 0044/95, 1995; e Imac, Processo
nº 0071/95, 1995; ainda sobre o tema, DER-AC (Departamento de Estradas de Rodagem
do Acre), 1995.
31
A Gazeta, 04/04/1996, 13/04/1996 e 06/06/1996.
32
Imac, 1996; Comissão de Vistoria, ago. 1996.
33
A aliança possibilitaria a implantação de outras medidas mitigadoras dos impactos ambientais
ou às comunidades locais (Imac, op. cit., 1996).
34
Do km 32, em Rodrigues Alves, ao km 15, em Tarauacá (Imac, op. cit., 1996).
126 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

para o novo trecho. O acordo firmado pedia um prazo ao governo federal para
entre o governo acreano e o Ibama, de que o governo do estado desse “cumpri-
fato, apresentava medidas de minimi- mento às exigências legais com relação
zação dos impactos ambiental e social à apresentação de um relatório de im-
como condição da continuidade das pacto ambiental” 36. Nota-se uma mu-
obras 35. dança significativa na forma de defesa
ostensiva da construção de rodovias no
O embargo, além da simples para- início e no final do processo. O Imac,
lisação das obras, teve como conse- responsável pelo Raias, que era taxativo
qüências imediatas o aprofundamento quanto ao caráter político do embargo,
de discussões acerca da avaliação técnica passou, no final de 1996, a uma postura
sobre impactos ambientais na região, a conciliatória, ressaltando “que se busca-
explicitação local da posição dos órgãos va, democraticamente, uma solução
ambientais federais e locais, a efetivação conjunta” 37, que contemplasse o desejo
da legislação ambiental no Acre e a am- de construção das rodovias e as deman-
pliação do debate público sobre mode- das socioambientais 38.
los de desenvolvimento e a necessidade
de proteção ambiental no estado. Os constrangimentos legais e a pu-
blicidade do debate afetaram os agentes
Nesse processo, ficou evidente a ero- contrários ao embargo, obrigando-os a
são da legitimidade até então inconteste cumprir a legislação ambiental e a nego-
do projeto rodoviarista. Os melhores ciar com o movimento ambientalista e
exemplos são a inflexão dos editoriais o governo federal medidas de minimi-
dos jornais locais, dos discursos públicos zação dos impactos ambientais para con-
de políticos anteriormente contrários ao seguir o desembargo das BRs. De outro
embargo e da fala de técnicos de vários lado, também o movimento ambienta-
níveis de governo. O PMDB, convicta- lista local 39 teve que alterar sua posição
mente rodoviarista, ao mesmo tempo ao longo do processo. Se no começo
que exortava: “Pelo fim imediato do em- defendia a preservação ambiental e a
bargo decretado pelo Ibama! Pelo fiel das populações tradicionais, ao final
cumprimento da Constituição e das leis! admitia publicamente a importância da
Pela pavimentação das BRs 364 e 317!”, estrada para a população do Acre 40.

35
Imac, op. cit., 1996; Imac, 17/02/1997; DER-AC, 10/04/1997.
36
A Gazeta, 28/06/1996.
37
A Gazeta, 12/11/1996.
38
Dizia então o Imac: “Todo o estudo elaborado será apresentado durante a audiência pública,
com os impactos positivos e negativos. Vamos também estar abertos ao questionamento e
depois de tudo isso iremos analisar para poder então conceder o licenciamento (...) [as
audiências] são reuniões abertas, onde qualquer pessoa, desde que previamente inscrita,
pode apresentar questionamentos ao processo” (A Gazeta, 12/11/1996).
39
Cf. Imac, op. cit., 1996.
40
Cf. Imac, op. cit., 1996.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 127

Um documento assinado pela senadora socioambientalistas e rodoviaristas se


Marina Silva, pelo então prefeito de Rio transformasse em um acordo público
Branco (hoje governador do estado), tanto a respeito da necessidade das ro-
por lideranças socioambientalistas locais, dovias, para a melhoria da qualidade
por ONGs ligadas aos índios, por serin- de vida da população local e para a via-
gueiros e trabalhadores rurais, e até bilidade econômica do estado, quanto
mesmo por uma ONG conservacionista da necessidade de mitigar as conse-
acreana, enviado ao presidente da qüências ambientalmente perversas
República 41, revela como também a de- geradas pelas rodovias e de encontrar
fesa do meio ambiente precisou ser feita limites ambientais claros para o processo
em novos termos. Nesse documento, ao de modernização do Acre. Os institutos
lado de tradicionais propostas ambienta- ambientais, o arcabouço jurídico e a opi-
listas, propugnava-se a continuidade, nião pública acabaram por constranger
tão rápido quanto possível, das obras os projetos iniciais 42. O resultado foi a
nos termos da lei, ou seja, com o devido retomada das obras de pavimentação
EIA-Rima. após a elaboração do EIA-Rima para os
diversos trechos e a consulta pública aos
Do ponto de vista político, então, o diversos setores afetados pela obra.
embargo fez com que a oposição entre

Conclusões
O conflito configurado em torno do para o conflito acerca das hidrovias do
embargo das rodovias no Acre tem um plano Brasil em Ação 43: a incorporação
duplo eixo explicativo: as mudanças ins- local da nova agenda nacional, a efeti-
titucionais no Brasil e o debate público vidade de novos instrumentos legais e
local. públicos de controle das obras estatais
(maior poder do Ministério Público,
De um lado, o caso apresenta ca- ações civis etc.) e a constituição de um
racterísticas comuns a outros conflitos espaço público de discussão das ques-
entre expansão viária e defesa do meio tões ambientais (como as audiências
ambiente, conforme demonstramos públicas e o Conama).

41
Marina Silva, 03/07/1996, p. 4.
42
Isso fica claro, por exemplo, na consulta às comunidades afetadas pela estrada. A Comissão
de Vistoria deparou-se com grupos indígenas que aceitavam a liberação da rodovia desde
que fossem atendidas necessidades imediatas como compra de alevinos para um açude,
reposição de um rádio amador etc., o que indicava a existência de um trade-off entre a defesa
do meio ambiente e a qualidade de vida das comunidades. Cf. Comissão de Vistoria, op. cit.
43
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka, 1999, p. 157-175.
128 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

De outro lado, o caso guarda pecu- geral, da expansão viária e da necessi-


liaridades. O debate público local evi- dade de instituição de limites socioam-
dencia, nos casos das BRs 364 e 317, o bientais. Esse deslizamento expressa a
conflito entre defesa do meio ambiente importância das mudanças institucionais
e da expansão viária, cujo núcleo prin- ocorridas no país na década de 1990.
cipal é o choque entre a posição do Os canais de participação pública foram
governo federal para o Acre e o projeto ampliados. No caso do embargo, por
de desenvolvimento local carreado pelo exemplo, além dos órgãos dos gover-
governo estadual. No primeiro momen- nos estaduais e federal, interveio o mo-
to, da moção do Conama em 1991, o vimento socioambientalista local. A
governo federal crê inviável a ligação do “ambientalização” e ampliação do de-
país ao Pacífico através do Acre, por bate só ocorreram graças à ação do
motivos tanto econômicos quanto am- Ministério Público, que aplicou a lei,
bientais, enquanto o governo estadual conduziu o processo de embargo e ges-
julga necessário o seu vínculo econômi- tou o acordo de desembargo das obras
co com o país e com os outros países da das BRs. 45
região através das BRs. No segundo
momento, o do embargo das BRs 364 Outro fator institucional determi-
e 317, o governo federal julga mais im- nante foram as audiências públicas rea-
portante a preservação ambiental do lizadas pela Comissão de Vistoria. A
Acre do que sua integração na econo- partir de sua realização, com os compro-
mia nacional, enquanto o governo es- missos firmados publicamente, desa-
tadual mantém intocada sua posição pareceram as posições “principistas”
favorável à construção das rodovias, iniciais. O movimento socioambientalis-
apesar dos efeitos ambientais deletérios ta, por exemplo, passa a apoiar melho-
que ela teria. Enquanto o governo do rias sociais apesar de possíveis impactos
Acre, em diferentes mandatos, pensa em ambientais 46. Também são formulados
desenvolvimento a todo custo, seguin- e reconhecidos publicamente, durante
do a lógica rodoviarista, o governo fe- o embargo, limites ambientais ao mode-
deral passa a ter um projeto multimodal lo rodoviarista de desenvolvimento para
com ênfase nas vocações regionais, in- o Estado do Acre.
cluindo constrangimentos ambientais e
construindo uma nova perspectiva de À diferença do cenário de 1991,
modernização do país 44. quando a moção do Conama visava
apenas impedir o asfaltamento da liga-
Entre os dois conflitos, o debate ção com o Pacífico, em 1996, o acordo
deslizou do caso específico das rodovias gerado pelo embargo não era apenas
para a discussão da importância, em rodoviário, mas tinha em vista a melho-

44
Idem, ibidem.
45
Imac, op. cit., 1996.
46
Imac, op. cit., 1996.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 129

ria das condições da população local, a acerca de benefícios e efeitos perversos


modernização do Acre e também a li- da modernização, alterando, assim, suas
mitação dos impactos ambientais nego- conexões com os debates nacional e
ciados, em nome da população local e internacional.
do valor ambiental da floresta.
As restrições morais se entranharam
Em torno da moção do Conama de no contexto acreano. Depois do conflito,
1991 configurou-se um conflito “ou/ou”, o que resta do rodoviarismo aparece
no qual não havia possibilidade de con- contaminado de alguma concessão am-
ciliação entre posições de princípio anta- biental e vice-versa; mesmo o preserva-
gônicas. Essa situação evoluiu, em 1996, cionista mais radical não é capaz de
quando ocorreu o embargo do Ibama, negar publicamente a inevitabilidade da
para uma negociação entre todos os construção das BRs. O debate gera pro-
agentes envolvidos. Nesse segundo jetos locais alternativos ao do governo
momento, temos um conflito “mais/ federal para a região e revitaliza o in-
menos”, no qual o eixo principal do dis- teresse internacional sobre o meio am-
curso e das ações sobre a relação entre biente acreano.
meio ambiente, desenvolvimento e rede
viária deixa de ser a convicção e o uni- As posições de princípio que se con-
verso de valores de cada agente e passa frontaram em um primeiro momento re-
a ser a responsabilidade compartilha- presentavam uma re-significação simples
da 47. O acordo não nasce de uma con- de tradições: o projeto desenvolvimentis-
vergência espontânea, mas pelos ta local incorporava a tradição moderna
constrangimentos impostos por um es- do rodoviarismo enquanto o socioam-
paço público democrático a projetos em bientalismo atribuía qualidades susten-
conflito. tabilistas ao modo de vida extrativista.

O resultado do processo é a comple- A conflagração do conflito, o conse-


xificação do debate público sobre meio qüente debate em torno da relação
ambiente e desenvolvimento no estado, entre desenvolvimento e meio ambiente
no qual tanto as peculiaridades do Acre e o desenlace negociado, mostram como
quanto os cerceamentos institucionais os constrangimentos morais e jurídico-
incidem. Do papel de simples área a ser políticos reconfiguram projetos e linhas
integrada ao país e civilizada pelo gover- de ação de todos os agentes, gerando a
no federal, o Acre passa, ao longo dos regulação pública de conflitos antes apa-
anos 1990, a gerar seu próprio debate rentemente insolúveis.

47
Ver Albert O. Hirschman, 1995.
130 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo

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fessor da UFSC e pesquisador do Cebrap
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Washington: OED/World Bank, Angela Alonso é doutoranda em
1993. sociologia na FFLCH-USP e pesquisa-
dora do Cebrap
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Artigos, Brasília: Senado Federal, filosofia no IFCH-Unicamp e pesquisa-
1997. dor do Cebrap
Estratégias de Localização
Residencial e Dinâmica Imobiliária
na Cidade do Rio de Janeiro

Teresa Cristina Faria

Introdução

O trabalho pretende analisar as tendên- são resultado de pesquisa realizada na


cias migratórias intra-urbanas na Cidade Secretaria Municipal de Fazenda do Mu-
do Rio de Janeiro, a partir das suas rela- nicípio do Rio de Janeiro, com os indi-
ções com a estruturação da cidade no víduos que compareciam ao balcão do
que se refere às mudanças no padrão ITBI (Imposto de Transmissão de Bens
de ocupação do solo. Interpretamos a Imóveis) intervivos. Além dessa fonte,
estrutura residencial como produto da foram utilizados dados do arquivo ITBI/
dinâmica de valorização/desvalorização IPTU/IPPUR, que contém informações
intra-urbana, propiciada pelos investi- das guias de recolhimento do referido
mentos imobiliários, que regulam o mer- imposto.
cado imobiliário e modificam o estoque
residencial. Desse modo, as estratégias A identificação das estratégias loca-
locacionais do capital imobiliário inci- cionais dos agentes nos parece relevan-
dem em mudanças nas características te, na medida em que permite um maior
das áreas da cidade, produzindo efeitos entendimento da dinâmica do mercado
atrativos e repulsivos, deslocando a de- imobiliário na Cidade do Rio de Janeiro,
manda. Nosso interesse é contribuir para vis-à-vis dos impasses correntes na litera-
um maior entendimento das relações tura sobre o tema em relação a quem
entre o mercado imobiliário e a estrutu- comanda o processo de estruturação
ração intra-urbana, via análise da mobi- intra-urbana – a oferta ou a demanda?
lidade residencial. Os dados analisados Ou seja, ou os capitais imobiliários se

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 133-155


134 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

deslocam para áreas onde existe forte estudos sobre o tema se dedicam a expli-
pressão da demanda sobre o mercado car a mobilidade residencial através de
de usados, ou a demanda é atraída pelos sua relação com as alterações no ciclo
novos empreendimentos sob o efeito do de vida familiar 2 ou no status socioeco-
poder de arrasto dos empreendedores nômico 3 e com o grau de satisfação/
imobiliários (Smolka, 1992). Chegamos insatisfação dos indivíduos em relação
agora na outra ponta do complexo nexo a sua localização residencial; neste último
de relações existentes na dinâmica do caso, o objetivo dessa mobilidade resul-
mercado imobiliário – a demanda. taria num aumento na utilidade locacio-
nal (Place Utility). A direção do fluxo
A extensa literatura sobre o tema intra-urbano seria, então, determinada
vem revelando, empiricamente, a prefe- pelo grau de satisfação/insatisfação com
rência dos capitalistas imobiliários pela o lugar de origem, no que diz respeito
produção de imóveis para as famílias de às alterações urbanas ligadas ao proces-
mais alta renda (demanda solvável), so de valorização/desvalorização do es-
atraindo-as para áreas onde seu lucro é toque, que incide também na estrutura
garantido pela transformação de seu social da vizinhança.
uso. Por outro lado, o estoque habitacio-
nal proporcionado pelo deslocamento Desse modo, as relações entre a mo-
dessas famílias é utilizado por aquelas bilidade residencial e a estruturação do
de renda inferior. Em ambos os casos, espaço intra-urbano dependem do tipo
o migrante intra-urbano está continua- de famílias que se deslocam e das caracte-
mente avaliando como a nova residên- rísticas do lugar de origem e do lugar para
cia poderá satisfazer suas necessidades onde se deslocam. Apresentamos na pri-
e aspirações, modificadas por mudanças meira parte deste trabalho a descrição
nas suas próprias características e nas de do perfil do migrante intra-urbano e dos
seu ambiente. A procura dos indivíduos/ fluxos de deslocamento residencial, rela-
famílias é controlada pela avaliação do cionando-os na segunda parte com a
“estoque habitacional” e pela informa- dinâmica imobiliária na cidade e com as
ção e percepção sobre esse estoque. transformações ocorridas na estrutura
intra-urbana, através dos dados das tran-
No entanto, para que as famílias sações imobiliárias com apartamentos
mudem de residência é preciso também entre 1975 e 1995, para finalmente ana-
que certas condições individuais/estru- lisarmos as diferentes dimensões das es-
turais 1 sejam suficientemente determi- tratégias de localização residencial dos
nantes para a mudança. Assim, muitos indivíduos e/ou famílias.

1
As condições individuais são as relacionadas às hipóteses do ciclo de vida familiar ou as
relacionadas à mobilidade social do indivíduo. Por outro lado, essas condições estarão de-
pendentes dos fatores exógenos (condições estruturais), como a relação renda/emprego e
disponibilidade de crédito imobiliário.
2
Ver o trabalho de Rossi (1980).
3
Ver o trabalho de Simmons (1970).
Teresa Cristina Faria 135

Perfil do migrante intra-urbano

A intensidade da mobilidade resi- idade modal para a mobilidade residen-


dencial está diretamente relacionada às cial intra-urbana tende a coincidir com
características econômicas e demográfi- a considerada mais produtiva, ou a de
cas dos migrantes. As exigências/prefe- estabilidade profissional, isto é, a situada
rências por localização e/ou imóvel das na faixa de 35 a 44 anos, em que se
diferentes classes de renda, em diferentes observa maior número de adquirentes,
fases do ciclo de vida, determinam certos resultado obtido também por Smolka
modelos de deslocamento. A classe de (1994), como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 - Composição percentual etária dos migrantes intra-urbanos na


Cidade do Rio de Janeiro
Faixa de idade Pesquisa / 94 Pesquisa / 95 Censo 1991
De 20 a 24 4,2 3,4 16,6
De 25 a 34 28,2 25,6 27,3
De 35 a 44 33,7 38,0 19,6
De 45 a 64 30,3 29,0 27,4
Mais de 65 3,6 4,0 9,1
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte : Faria (1997).

Conforme esperado, as faixas de Quanto à distribuição de renda,


baixa idade e de idosos são menos repre- considerando que a renda média do
sentadas na distribuição dos adquirentes carioca está na faixa de 5,8 SM e que
do que as intermediárias. Os indivíduos não se conhecem as transmissões ilegais
mais jovens, talvez por ainda não ha- de imóveis (favelas, loteamentos ile-
verem se estabelecido plenamente no gais), a amostra sobre-representa os
mercado de trabalho e/ou constituído extratos de maior renda e indica uma
família, e os mais idosos, por estarem maior mobilidade desse segmento, o
em geral se desfazendo do patrimônio que é confirmado se compararmos a
para assegurar sua subsistência ou por representatividade da amostra com a
já estarem estabilizados e serem mais re- distribuição dos diferentes extratos na
sistentes a mudanças. cidade (Tabela 2).
136 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Tabela 2 - Distribuição da renda domiciliar dos adquirentes por faixa de renda (%)
Anuário Estatístico do
Classe de Renda Pesquisa / 95
Rio de Janeiro 93/94
1-5 SM 11,8 66,8
5-10 SM 27,9 17,4
>10 SM 60,3 15,8
Total 100,0 100,0
Fonte : Faria (1997).

O número de domicílios transacio- ção monetária pelas mudanças quer nas


nados varia diretamente com as classes características da residência em si quer
de renda. Para a população como um na configuração de externalidades de
todo essa relação é inversa, indicando vizinhança.
uma rotatividade maior dos extratos de
renda mais elevada no mercado e, por- A condição de ocupação no imóvel
tanto, uma taxa de mobilidade que varia também afeta diretamente a mobilida-
diretamente com o nível de renda. Essa de residencial. Os proprietários perma-
conclusão é em parte explicada por ser necem mais tempo em sua residência
esse segmento o que possui melhores/ do que os inquilinos: 12,7 e 9,5 anos,
maiores informações sobre o mercado respectivamente. No entanto, 42,5% dos
e disponibilidade de recursos 4. entrevistados estavam adquirindo a pri-
meira casa própria (novos proprietários),
Os capitais imobiliários, para não enquanto 40,3% já eram proprietários.
correrem riscos de fracasso em seus in-
vestimentos devido a fatores exógenos Temos aqui um parodoxo. Mencio-
ao circuito imobiliário 5, procuram atuar namos que a taxa da mobilidade varia
em determinadas faixas do mercado diretamente com a renda do migrante.
que constituem demanda solvável. Para Quanto maior a renda de um(a) indiví-
isso, reproduzem na nova área de atua- duo/família, maior será a probabilidade
ção as características da área de origem de ele(a) trocar de residência com mais
das famílias que desejam atrair/deslocar, freqüência. Esse resultado é demonstra-
ou introduzem novas formas de morar, do em outros estudos de mobilidade re-
com atributos diferenciadores que contri- sidencial (Rossi, 1980, e Smolka, 1994),
buem para a mudança na “qualidade” assim como se evidencia que há maior
do imóvel, implicando em sua valoriza- mobilidade entre os indivíduos/famílias

4
Com a crise do SFH houve uma redução da demanda, que impôs novas formas de financia-
mento dirigidas a determinado segmento do mercado, evidenciando mudanças também nas
características dos imóveis.
5
Sobre este aspecto, ver Abramo (1988), p. 151-152.
Teresa Cristina Faria 137

que ocupam imóveis alugados. O fato nhecimento do que significa para as fa-
de já ser proprietário, ceteris paribus, mílias a aquisição de um imóvel. Essa
reduz a probabilidade de mudança decisão, segundo Abramo (1988), tem
(Rossi, 1980). Para os economistas, o duas motivações básicas: acesso aos
motivo está nos altos custos do movimen- “serviços de habitação” e posse de um
to (estimado em torno de 10% do valor ativo monetário, que no futuro poderá
do imóvel), que inclui os de transação valorizar-se e viabilizar a mudança de
(escritura, ITBI etc.) e os decorrentes da residência da família. Dos proprietários
mudança em si. Outro aspecto, no en- pesquisados, 75,4% venderam seus
tanto, poderia explicar a baixa mobilidade imóveis. Com a inovação, os capitais
dos proprietários; considerando a hipóte- imobiliários aumentaram a atratividade
se de que a mobilidade residencial estaria dos imóveis/localização, modificando as
associada a uma adaptação da nova resi- preferências dos indivíduos/famílias.
dência às necessidades impostas pelas
mudanças no ciclo de vida familiar e/ou As mudanças nessas preferências é
nas condições socioeconômicas dos mi- também resultado da evolução histórica
grantes, a propriedade garante à família da sociedade. Como formula Taschner
a possibilidade de modificá-la, adaptan- (1997), o espaço residencial e a maneira
do-a às suas novas exigências/preferên- de morar são reflexo das transformações
cias. No entanto, os nossos resultados do processo de trabalho, do local onde
revelam que há um percentual não negli- se trabalha e das mudanças na compo-
genciável de migrantes já proprietários, sição familiar e nas relações entre seus
ou seja, de indivíduos/famílias que estão membros. Hoje nos deparamos com o
trocando suas antigas residências por aumento do número de pessoas que
outras, o que obviamente suscita um moram sós e do número de famílias mo-
maior número de questões sobre os mo- noparentais (mulheres chefes de família
tivos relativos a esses migrantes do que vivendo com os filhos) 6, em decorrên-
sobre os relativos ao segmento dos novos cia, talvez, do aumento do número de
proprietários. separações conjugais. Essa nova confi-
guração da família, contrariando o
A resposta a esse fenômeno pode padrão da família tradicional (pais e
estar na estratégia de inovação/diferen- filhos), traz importantes implicações para
ciação da moradia empreendida pelos o mercado habitacional, sinalizando
capitalistas imobiliários no sentido de novas tendências das necessidades ha-
atrair demanda solvável, no caso, famí- bitacionais das famílias quanto às suas
lias de alta renda. Os capitalistas imobi- características físicas e locacionais, já que
liários, ao utilizarem esse artifício – a novas situações familiares redefinem os
inovação – baseiam-se num certo co- critérios de localização. 7

6
Segundo nossa pesquisa, o percentual de mulheres adquirentes de imóveis é de 39,57%.
7
Taschner (1997) cita uma situação típica ao dar o exemplo de pais separados que tendem a
se localizar próximo aos parentes como estratégia para recorrer à ajuda deles na criação dos
filhos.
138 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

O grande número de inquilinos no sidência. Isso de certa forma é confir-


mercado de imóveis pode também ser mado pelos percentuais obtidos em re-
interpretado pela elevação no valor dos lação aos recursos utilizados na compra
aluguéis nos últimos tempos, que os leva do imóvel por esse segmento, em que
a pedir auxílio a familiares, a lançar mão 28,8% utilizaram a poupança; 26,2%
de poupanças prévias, para adquirirem venderam bens como carro e telefone;
casa própria. Além disso, a propriedade 22,4% sacaram seus FGTS e o restante
garante acesso fácil a crédito bancário e pediu empréstimo a familiares, SFH,
comercial, prestígio, estabilidade de re- entre outros.

Direção dos fluxos


A mobilidade residencial está direta- zam na própria RA (região administrati-
mente relacionada à área em que se va) e 47,6%, no próprio bairro. A nossa
vive. Quanto maior for a expectativa de hipótese é que essa tendência reafirma a
mudança/reestruturação da área, maior delimitação ou segmentação das dife-
será a mobilidade dos indivíduos/famí- rentes classes de renda, identificando-as
lias (Rossi, 1980). A percepção sobre as com seus respectivos locais de moradia,
mudanças na área pode ter efeito inde- ratificando, portanto, o padrão de segre-
sejável para determinadas famílias; pode gação social/residencial existente na Cida-
significar, por exemplo, o enfraqueci- de do Rio de Janeiro. 8
mento dos laços de amizade, mais um
fator importante a ser considerado na Quando o movimento é mais longo,
escolha da nova residência. pode-se tratar de uma reacomodação
do mercado; melhor explicando, ricos/
A maior parte dos movimentos é de pobres saem de áreas desvalorizadas/
curta distância. É uma tendência consta- valorizadas e vão para áreas compatíveis
tada também em outros estudos (Rossi, com seu status socioeconômico. Nesse
1980; Sell, 1983 e Smolka,1994), cuja aspecto – contrariando os modelos de
hipótese inicial corresponde a uma tenta- migração elaborados pelos geógrafos
tiva de ajustamento da habitação (suas comportamentalistas, que reduzem as
características em relação às necessida- decisões de localização dos indivíduos/
des familiares) e sua localização (áreas famílias a simples erros de avaliação da
que correspondem aos desejos de captu- vizinhança/área, afetando sua percepção
ra de externalidades de vizinhança). Esse quanto às características sociais do am-
resultado também foi verificado por nós: biente –, desempenha importante papel
do total dos fluxos analisados, 75,1% a dinâmica imobiliária na estruturação
são intrazonais, dos quais 59,5% se reali- do espaço, via investimentos capazes de

8
Os trabalhos de Smolka (1983, 1989, 1992) também obtiveram o mesmo resultado.
Teresa Cristina Faria 139

deslocar a demanda e influenciar as de- de baixa renda. Outros fatores entram


cisões. em consideração, e as famílias poderão
escolher uma residência em local próxi-
Os estudos sobre mobilidade resi- mo ao da moradia anterior, para mante-
dencial, em geral, tentam explicar a ten- rem familiaridade espacial e contatos
dência para os fluxos de curta distância sociais; ou seja, a procura por externali-
na cidade, através das seguintes hipóte- dades de vizinhança, tanto físicas, como
ses, segundo Simmons (1968): a aparência estética da vizinhança e o
meio ambiente (poluição, barulho),
i- existe um grande número de opor- quanto sociais, como a compatibilização
tunidades em toda a cidade, que socioeconômica e cultural, comandará
desobriga a família de procurar imó- os processos de decisão e a escolha final
vel em outro lugar; de um novo endereço na cidade.
ii- é relativamente fácil satisfazer as
necessidades/desejos das famílias; Harvey (1980) apresenta uma ques-
iii- é perfeitamente factível o ajuste das tão importante a esse respeito, isto é,
necessidades habitacionais das famí- em relação ao acesso à habitação e à
lias (características do imóvel) com cidade em geral pelos diferentes grupos
a área socialmente compatível com de renda. Segundo o autor, tanto pelo
seu status socioeconômico. Longos aspecto dos valores sociais e culturais
fluxos podem significar mudanças como pelo econômico, os ricos tendem
no ambiente social. a dominar o espaço por possuírem
maiores recursos e informações para
Ora, em poucos exemplos, apenas obterem a melhor residência na melhor
a disponibilidade e o custo isolados irão localização da cidade, deixando para o
definir a localização. Importante estudo pobre o resíduo do mercado residencial.
de Smolka (1992) demonstra que há Assim. pelas razões apontadas, famílias
forte concomitância entre a produção de maior renda tenderiam a se mudar
espacial imobiliária (e a conseqüente va- para mais longe, pois teriam mais con-
lorização do seu estoque) e a descon- dições de avaliar/perceber as transfor-
centração das famílias de alta renda, que mações de uma área/localização num
dá origem ao processo de “filtragem”, futuro próximo. Na Tabela 3 temos a
com efeitos imediatos para as famílias confirmação dessa indicação.
Tabela 3 - Percentual da direção dos fluxos por classe de renda na
Cidade do Rio de Janeiro, 1995
Fluxos 1-5 SM 5-10 SM >10 SM
Mesmo bairro 56,4 56,3 44,4
Mesma RA 17,9 12,5 20,0
Outras RA's 25,7 31,2 35,6
Total 100,0 100,0 100,0
Fonte : Faria (1997).
140 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Podemos observar que à medida da moradia tem como objetivo deslocar


que a renda aumenta, a proporção de essa demanda para as novas frentes de
famílias que se mudam para o mesmo atuação dos agentes imobiliários.
bairro decresce. Assim como observa-
mos que há uma relação direta entre a Para entendermos melhor como ofer-
faixa de renda acima de 10 SM e os tantes e demandantes se relacionam
fluxos mais distantes. Conforme já men- dentro da dinâmica de estruturação do
cionado, essa faixa do mercado é de- espaço intra-urbano, analisaremos a ma-
manda cativa dos capitalistas imobiliários triz de fluxos de origem e destino dos mi-
e a estratégia da inovação/diferenciação grantes entre as zonas urbanas (Tabela 4).

Tabela 4 - Matriz de origem e destino entre zonas urbanas - número absoluto

Zonas urbanas A B C D E F Total


A-Sul 90 7 17 2 2 3 121
B-Expansão imobiliária 5 39 4 5 1 2 56
C-Norte 6 12 78 3 2 0 101
D-Subúrbio 3 4 16 107 4 8 142
E-Centro 2 1 3 1 27 0 34
F-Oeste 0 5 0 4 0 28 37
Total 106 68 118 122 36 41 491
Fonte : Faria (1997).

Segundo a ordenação da linha (en- a 93,7% do total de transações referen-


dereço de origem do migrante) e da tes a mudança de residência.
coluna (endereço da nova residência),
verificamos na diagonal principal a con- Pela Tabela 5, esse resultado não
centração dos fluxos intrazonais. As poderia estar isolado do fato de que
zonas que apresentam maior número existe uma forte relação entre a dinâ-
de fluxos (origem e destino) são as zonas mica imobiliária, a estruturação intra-
A - Sul, C - Norte e D - Subúrbio. As urbana e a mobilidade residencial das
zonas que mais “expulsaram” morado- famílias.
res foram as A - Sul e D - Subúrbio e as
que mais “atraíram” moradores foram As RA’s mais importantes contêm
as D - Subúrbio e C - Norte. Assim, elas 93,68% do total de transações de com-
serão objeto de nossas análises, em que pra e venda de imóveis para fins de re-
se destaca a importância das RA’s 4, 5, sidência, ou seja, que foram adquiridos
6, 8, 9, 13, 16 e 24, que correspondem para moradia, levantados na pesquisa
Teresa Cristina Faria 141

em 1995. E são essas mesmas RA’s que mobilidade residencial e os processos de


possuem as maiores taxas de transações estruturação da cidade, realizaremos um
com apartamentos, em relação à cida- recorte na análise da direção dos fluxos,
de, por duas décadas! destacando o fenômeno da segregação
residencial, e avaliaremos a ligação deste
Diante de tais evidências quanto às com os deslocamentos de curta distância.
estreitas relações entre o fenômeno da

Tabela 5 - Distribuição percentual dos fluxos intra-urbanos em 1995 e das


transações com apartamentos na cidade em 1975/1985/1995 por RA
Distribuição
Região Total de Fluxos*
(Percentual de Transações)
Administrativa
Nº absoluto Nº relativo 1975 1985 1995
4-Botafogo 87 17,71 13,46 9,73 12,20
5-Copacabana 49 9,97 17,52 10,13 11,33
6-Lagoa 29 5,90 10,07 7,40 9,94
8-Tijuca 85 17,31 6,54 5,17 6,05
9-Vila Isabel 61 12,42 5,75 7,40 8,52
13-Méier 63 12,83 7,32 8,92 9,40
16-Jacarepaguá 50 10,18 9,54 7,19 5,36
24-Barra da Tijuca 36 7,33 1,18 6,79 10,68
Total 460 93,68 71,38 62,73 73,48
*Total de fluxos na cidade = 491.
Fonte : Faria (1997).

O impacto da mobilidade residencial sobre a


segregação socioespacial
O padrão segregacionista do espaço re- calização são obtidas seguindo a doutri-
sidencial é produzido pela maior ou na do “melhor e maior uso”, que leva os
menor capacidade que os indivíduos/ indivíduos a uma maximização das suas
famílias de diferentes rendimentos têm funções utilidades, ou seja, ter acesso às
de se apropriar das externalidades do melhores terras em termos de acessibili-
espaço urbano. dade. Só obterá a melhor localização (a
demanda por terra na teoria neoclássica
Do ponto de vista dos neoclássicos, é uma demanda por habitação) quem
as externalidades (positivas) de uma lo- oferecer o maior valor ao proprietário
142 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

da terra, como num leilão. Assim, os competição, uma competição monopo-


ricos, por oferecerem lances mais altos, lista, em que se pressupõe a oferta de
terão acesso às áreas cujos atributos so- produtos diferenciados, com preços e
ciais e físicos (externalidades) lhes sejam acesso diferenciados.
mais relevantes.

Como descrito anteriormente, a ino-


A segregação será associada às dife- vação/diferenciação da moradia é a es-
renças entre as rendas dos indivíduos e tratégia usada pelo capitalista imobiliário
às elasticidades-renda da demanda por em busca de valorização de seus capitais.
terra, densidade, vizinhança etc. Segun- Essa inovação não apenas se refere aos
do Smolka (1983): atributos do imóvel em si, mas também
altera o padrão de ocupação de toda
uma área, valorizando-a em relação às
“ A existência de áreas onde predo- outras áreas da cidade.
minam habitações deterioradas,
bem como a localização periférica
ou central de comunidades de Essas estratégias se traduzem em ex-
baixa ou alta renda, ou qualquer ternalidades, que são incorporadas ao
outro padrão, são todos interpre- valor dos imóveis. Nesse caso, a segrega-
tados (ou descritos) como resultan- ção é definida pelo acesso diferenciado
tes da interação de preferências das famílias com diferentes rendimentos
parametrizadas pela renda, num às externalidades “criadas” pelos capita-
contexto de dada escassez de ter- listas imobiliários, ajudados pelo Estado,
renos urbanos e outros pressupos- que provê a infra-estrutura e os equipa-
tos usuais da análise neoclássica. mentos coletivos, aumentando assim os
Assim, para um dado nível de ganhos de incorporação.
renda ou grupos sócio-econômi-
cos, a determinação de seu modo
de vida urbano é reduzido em últi- Cabe agora analisarmos a Tabela 6,
ma análise a uma confrontação de que indica o percentual de entrada, de
utilidades no mercado. Neste saída e de permanência das faixas de
modo o pensamento é verdadei- renda nas principais RA’s, no sentido de
ramente imbatível! ” identificarmos alterações no perfil so-
cioeconômico de seus moradores e ten-
tarmos relacionar essas alterações com
No entanto, o argumento neoclás- o ciclo de vida dessas áreas. Para tal,
sico, baseado na perfeita informação, no vamos fazer uma análise por RA e veri-
mercado livre, nos produtos homogê- ficar as articulações existentes entre a
neos, desconsidera que a terra, por ser dinâmica imobiliária e a mobilidade resi-
uma “mercadoria” escassa, é objeto de dencial intra-urbana.
Teresa Cristina Faria 143

Tabel a 6 - Percentual dos fluxos de entrada, de saída e de permanência das


classes de renda pelas RA's
Expulsão Atração Permanência
RA
1-5 SM 5-10 SM >10 SM 1-5 SM 5-10 SM >10 SM 1-5 SM 5-10 SM >10 SM
4 5,9 17,6 76,5 0,0 30,7 69,3 0,0 24,0 76,0
5 0,0 11,8 88,2 0,0 0,0 100,0 9,1 9,1 81,8
8 0,0 33,3 66,7 9,1 9,1 81,8 15,0 5,0 80,0
9 8,3 8,3 83,3 0,0 20,0 80,0 7,7 53,8 38,5
13 60,0 20,0 20,0 25,0 25,0 50,0 27,8 5,5 66,7
16 9,1 27,2 63,6 7,7 23,1 69,2 16,7 38,9 64,4
24 50,0 50,0 0,0 0,0 5,4 84,6 12,5 0,0 87,5
Fonte : Faria (1997).

RA 4 - BOTAFOGO Como mostra a Tabela 6, o percentual


de famílias que entraram na RA na faixa
Embora tenha ocorrido um certo de 5-10 SM é superior ao das que saí-
equilíbrio entre os que ficaram e os que ram da RA nessa mesma faixa. Apesar
saíram da RA na faixa > 10 SM, o per- disso, a RA ainda mantém suas caracte-
centual dos que foram “expulsos” é rísticas de área da zona sul, expulsando
maior do que o dos que se dirigiram o segmento na faixa até 5 SM.
para a RA, no período analisado. De
certo modo, confirma-se a tendência de
degradação da RA, principalmente em RA 5 - COPACABANA
relação ao bairro de Botafogo, que vem
apresentando alterações de uso dos imó- A RA se manteve estável quanto à
veis residenciais, que passam a ser ocu- alteração no perfil socioeconômico das
pados por microempresas e serviços 9, famílias. No entanto, há que ressaltar a
alterando a composição social da área. estagnação no ciclo de vida da área.
A tendência à degradação é reafirmada Assim como na RA de Botafogo, a taxa
pela possibilidade de atração de famílias de crescimento geométrico de domicílios
na faixa de renda de 5 a 10 SM, abaixo entre 1980/91 é muito baixa. Na RA de
da média de rendimentos dos chefes de Copacabana ela é negativa (- 1,4%), na
família da RA, em torno de 12,2 SM. de Botafogo ficou em 0,9%. 10 Além

9
Esse aspecto é evidenciado pelo aumento da participação de imóveis comerciais na RA de
Botafogo nas transações imobiliárias na cidade, passando de 2,56%, no início dos anos 70,
para 3,53%, no início dos anos 80. Em 1990 esse percentual atingiu 6,68% das transações
com imóveis comerciais na cidade.
10
Dados do Censo do IBGE/91.
144 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

disso, o bairro de Copacabana é o mais rendimento, e das que nela entraram,


“democrático” da cidade. Graças à diver- 50,0% tinham rendimento acima de 10
sidade de tipologias habitacionais, onde SM. Podemos assim observar uma certa
coberturas duplex de até 800 m2 convi- elitização da área, principalmente no
vem com 31.133 conjugados e famílias bairro do Méier, de mais alta renda da
de classe de renda baixa convivem com RA (8 SM), que responde por 57,0% das
famílias de renda alta. Não deixa de ser transações ocorridas na RA, no período
interessante, também, o fato de que pesquisado. Pode-se dizer que a RA 13,
62,0% das famílias que permaneceram apesar de ser heterogênea quanto ao
no bairro de Copacabana moravam em perfil socioeconômico de seus mora-
imóveis alugados ou cedidos. dores, vem apresentando um processo
de segregação bastante significativo, com
a elitização dos bairros do Engenho de
RA 8 - TIJUCA e RA 9 - VILA ISABEL Dentro, do Lins e especialmente do
Méier.
A renda média do chefe de família
residente na RA 8 é de 10 SM, e estão
nessa faixa de renda as famílias que para RA 16 - JACAREPAGUÁ
lá se dirigiram, mantendo um equilíbrio
nos fluxos de fora e nos intra-RA. Essas A RA 16 e a RA 13 – Méier, apesar
duas RA’s vêm reafirmando sua condi- de se diferenciarem quanto aos aspectos
ção de receptoras da classe média alta, físicos naturais, apresentam semelhan-
demonstrada pela alta participação nas ças hoje em dia: ambas estão em proces-
transações imobiliárias das faixas de so de transição do ciclo de vida, sendo
renda acima de 10 SM. Destaca-se a alta objeto de investimentos imobiliários que
porcentagem das famílias na faixa de 5 vêm alterando a composição de seu esto-
a 10 SM que foram “expulsas” da RA 8 que residencial. Na RA 16 essa alteração
em relação à das que foram atraídas é mais recente.
nessa mesma faixa de renda. A RA 9,
no entanto, vem sendo objeto de inves- No final da década de 60, o per-
timentos do capital imobiliário, no sen- centual de transações com apartamen-
tido de atrair uma população de maior tos na RA 13 era de 60,7% e o de casas,
renda. de 39,3%. Na RA 16, no mesmo perío-
do, esses percentuais eram de 19,2% e
80,8% respectivamente. No início da
RA 13 - MÉIER década de 90, a RA 16 superou a RA
13 nas transações com apartamentos:
O perfil dos moradores dessa RA vem enquanto nesta o percentual desse tipo
se alterando devido às mudanças na de transação é de aproximadamente
estrutura urbana. Como mostram os 89,9% e o de transação com casas, de
dados, das famílias que saíram da RA, 10,9%, naquela são de 91,0% e de
60,0% estavam na faixa de 1 a 5 SM de 9,0% respectivamente. Esse processo de
Teresa Cristina Faria 145

crescimento nos investimentos e, por os condomínios fechados similares aos


conseguinte, a alteração do ciclo de vida da Barra. A RA 24 não alterou nenhum
da RA de Jacarepaguá devem ser cre- padrão de uso do solo pretérito, pois
ditados à grande quantidade de terras era um conjunto de glebas e grandes
disponíveis ainda existentes e à sua con- terrenos urbanos. De fato, ela foi objeto
tigüidade com a Barra da Tijuca. Como da dinâmica da produção imobiliária
os investimentos estão concentrados em empreendida pelos capitalistas em busca
alguns bairros, como o da Freguesia e o de um “mark-up” urbano, que utiliza-
da Pechincha, a RA 16, do mesmo ram o marketing do “Venha morar onde
modo que a RA 13 - Méier, vem apre- você gostaria de passar suas férias”, com
sentando diferenças intra-RA quanto ao o objetivo de atrair famílias de renda alta.
perfil de seu estoque residencial e ao
perfil socioeconômico de seus morado- Os condomínios fechados da Barra
res. Isso evidentemente demonstra que da Tijuca tornaram-se uma opção alter-
o ciclo de vida da área ainda não se nativa para as classes mais abastadas, que
completou. No entanto, já se observa “compraram” a idéia de lugar ideal, apra-
um processo de segregação residencial zível e seguro. Os resultados apresentados
em curso, constatado pelo aumento da na Tabela 6 são esclarecedores, ao revela-
renda média do chefe de família dos rem a expressiva expulsão de famílias
bairros da Pechincha (7,1 SM), da Fre- com renda até 10 SM (das que saíram
guesia (8,2 SM) e de Gardênia Azul, em da RA, 50,0% estão na faixa de 1 a 5
relação à renda média da RA, em torno SM e 50,0%, na de 5 a 10 SM), em con-
de 5,2 SM. traposição à concentração de famílias
com renda acima de 10 SM que se muda-
ram para a RA (84,6%) e à de famílias
RA 24 - BARRA DA TIJUCA que nela permaneceram (87,5%).

A RA 24, embora também seja uma Os resultados analisados parecem


área de expansão imobiliária por exce- indicar uma estreita relação entre as
lência, como a RA 16 - Jacarepaguá, transformações ocorridas ou em proces-
apresenta diferenças em relação a esta so, em determinadas áreas da cidade, e
quanto ao tipo de investimento imobiliá- a ratificação e/ou produção da segrega-
rio. Na RA 16, apesar da ocupação re- ção residencial. A produção da segre-
cente, já predominava uma população gação é creditada à capacidade que
de renda média baixa, o que de certa indivíduos/famílias de diferentes faixas de
forma orientou os capitalistas imobiliá- renda têm de competir pelo(a) melhor
rios no sentido de uma alteração imóvel/localização no mercado imobi-
gradual do padrão de ocupação. Assim, liário residencial, que, por sua vez, se
eles atuaram de forma diferenciada em tornam mais ou menos acessíveis para
determinadas áreas, reproduzindo em as famílias devido à valorização “orques-
algumas delas o mesmo padrão consoli- trada” pelas estratégias capitalistas. Mos-
dado na zona sul e lançando em outras tramos na Tabela 7 os movimentos de
146 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

“reacomodação” das diferentes classes de áreas melhores/piores/iguais a suas áreas


renda no espaço, a partir da análise da de origem, em relação ao tipo (renda)
direção dos fluxos: se esses foram para da vizinhança.

Tabela 7 - Percentual de fluxos ascendentes, descendentes e similares em


relação ao bairro anterior, por classe de renda
Fluxo Fluxo Fluxo
Renda Total
ascendente descendente p/ área similar
1-5 SM 5,5 22,2 72,2 100,0
5-10 SM 17,6 14,1 68,3 100,0
> 10 SM 27,2 14,1 58,7 100,0
Fonte : Faria (1997).

Os dados apontam para uma seg- gumas RA’s expulsaram mais famílias
mentação espacial em termos de classe com renda até 5 SM do que atraíram.
de renda, revelada pela predominância Isso demonstra um movimento gradual
dos fluxos para áreas cuja renda média de segregação residencial, considerando
do chefe de domicílio é compatível com que o fenômeno é evidenciado nas RA’s
a do migrante. que estão em processo de mudança do
ciclo de vida da área (RA’s 9, 13, 16 e
Em relação aos fluxos ascendentes 24) e estão sendo valorizadas pelos in-
ou descendentes, a classe de renda até vestimentos do capital imobiliário, que
5 SM apresenta um maior percentual para elas atraem uma população de
de fluxos descendentes do que as classes maior renda.
de renda mais alta. Nesse aspecto, a
classe de renda > 10 SM tem percentual Nas classes de renda de 5-10 SM e
superior nos fluxos ascendentes. Esse > 10 SM, predominam os fluxos ascen-
fato poderá ser comparado aos resul- dentes, ou seja, que se dirigem para
tados da análise da Tabela 6, em que áreas mais valorizadas do que as de ori-
avaliamos o processo da segregação resi- gem desses migrantes. De modo geral,
dencial através dos fluxos das diferentes conforme a Tabela 7, a predominância
classes de renda pelas RA’s mais impor- dos fluxos para área similar serve para
tantes. reafirmar a segmentação social e ratificar
a segregação residencial na cidade.
O percentual dos fluxos para outras
RA’s de famílias com renda até 5 SM é Observe-se que a relação atração/
superior ao percentual de famílias que expulsão/permanência, para todas as
se dirigiram para essas RA’s, ou seja, al- faixas de renda, mas principalmente
Teresa Cristina Faria 147

para a de renda superior a 10 SM, é (Castells, op. cit., p. 119). A existência


proporcional ao estágio do ciclo de vida da vizinhança segmentada socialmente
das áreas analisadas. Áreas que vêm al- implicará numa divisão do espaço em
terando o seu ciclo de vida valorizam- relação à capacidade de percepção dos
se e atraem uma população de renda indivíduos. Áreas menos sujeitas a trans-
superior à de seus moradores originais. formações, mais estáveis, tendem a se
Áreas estagnadas e/ou desvalorizadas caracterizar pelo crescimento das rela-
em relação às novas frentes de atuação ções interpessoais, pois possuem maior
do capital imobiliário apresentam altas homogeneidade interna (renda dos mo-
taxas de expulsão das classes de renda radores). Essas relações se dão ao nível
mais alta. da extensão da integração existente
entre os moradores, em que percebem
Por outro lado, essa visão do indiví- ser semelhantes ou diferentes de seus
duo que age dentro de uma racionalida- vizinhos. Procuramos avaliar a percep-
de econômica deve ser atenuada, já que ção dos moradores em relação aos seus
as necessidades e desejos dos indivíduos/ antigos e novos vizinhos, e o resultado
famílias também estão associados a seus indica que a maioria considera a sua
“estilos de vida”, hábitos e costumes. renda compatível com a de seus antigos
Nesse aspecto, a vizinhança é valorizada (52,4%) e novos (56,7%) vizinhos 11.
na escolha de localização residencial das
famílias. A tendência observada em várias
correntes de pensamento sobre localiza-
Como observa Castells (1974), o ção residencial é que os indivíduos pro-
apego ao bairro parece estar mais rela- curam localizar-se em áreas onde vivem
cionado às relações sociais com os vizi- seus “iguais” (indivíduos com mesma
nhos e à existência de forte identidade renda, raça, cultura). Essa tendência
cultural. A identidade cultural se expres- pode ter enfoques diferentes, mas o re-
sa no conjunto de comportamentos sultado é um só: numa cidade segre-
com respeito à vida social de cada bairro gada, a chegada de uns provoca a saída
ou área, particularmente as relações de outros, como nos modelos de segre-
com vizinhos, parentes e amigos, que gação de Schelling (1971), de Davies
se estabelecem ao nível da ajuda mútua, (1984), de Rose-Ackerman (1977), de
e a participação em associações e ati- Hoyt (1939) , entre outros 12. No entan-
vidades comunitárias. Essas relações, no to, mais do que tentar encontrar o “seu”
entanto, variam de intensidade segundo lugar no espaço residencial da cidade,
“as dimensões e normas culturais inte- os indivíduos/famílias pretendem usu-
riorizadas por diferentes grupos sociais” fruir esse espaço. Se a escolha da vizi-

11
Para esses dados foram feitas as seguintes perguntas aos migrantes: “Você considera sua
renda (1) menor (2) maior ou (3) igual à de sua vizinhança anterior?” e “Você acha que vai
para um bairro cuja vizinhança tem renda (1) menor (2) maior ou (3) igual à sua?”
12
Ver Abramo (1994).
148 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

nhança tem um papel preponderante comércio, às escolas), que terão maior


na decisão do migrante residencial intra- ou menor importância dependendo do
urbano, é porque ela se compõe de um tipo (renda e condição de ocupação do
conjunto de atributos, como a aparência imóvel anterior) de família. Assim, con-
estética (estado de conservação dos imó- cordamos com Abramo (1994) quando
veis, qualidade das novas construções); ele diz que será o princípio das externa-
a qualidade de vida do bairro (seguran- lidades de vizinhança que guiará as es-
ça, ausência de barulho, poluição), a colhas de localização residencial dos
acessibilidade (ao trabalho, ao lazer, ao indivíduos.

As estratégias de localização residencial

Voltamos agora às hipóteses anterior- De fato, considerando que uma das


mente formuladas sobre a tendência dos estratégias dos capitais imobiliários é a
fluxos de curta distância. De acordo com inovação do produto moradia, cujo obje-
os resultados encontrados, podemos tivo é diferençá-lo para atrair uma de-
concluir que, aliada ao aspecto da se- manda solvável, os capitalistas imobiliários
gregação residencial, a última hipótese tomariam suas decisões de investimento
parece ser a que se impõe. A satisfação confrontando o estoque presente com
das necessidades/desejos dos indivíduos/ uma visão virtual sobre as suas caracte-
famílias está intrinsicamente relacionada rísticas futuras, através da noção de
às mudanças ocorridas em suas próprias convenção urbana 13, que traz em seu
características (renda, posição no ciclo conceito uma certa proposição de exter-
de vida familiar, condição de ocupação nalidades de vizinhança. As inovações
do atual imóvel) e/ou nas de seu am- espaciais se traduziriam na reprodução
biente (ciclo de vida das áreas). Não dessas externalidades de um lugar conhe-
ocorrendo mudanças significativas (ex- cido para outro desconhecido. Assim, ao
ternalidades de vizinhança) na área de proporem uma inovação no produto
origem que gerem insatisfações com o moradia, seja no aumento da área útil
lugar, as famílias poderão optar por nela construída, seja na introdução de novas
permanecer, desde que encontrem imó- práticas habitacionais (varandas nos
vel com as características pretendidas/ apartamentos, por ex.), os capitais indu-
adequadas. De acordo com esse raciocí- zem o deslocamento das famílias de
nio, poderíamos supor a priori que a maior renda, alterando assim a compo-
mobilidade residencial estivesse associa- sição social da área. Além disso, existe
da ao imóvel e não à localização. um consenso em vários estudos de que

13
Ver Abramo (1994).
Teresa Cristina Faria 149

a localização da residência é geralmente centes às três classes de renda não im-


menos importante do que as característi- plicou aumento/redução no gasto com
cas do imóvel em si. 14 transporte do novo local ao do trabalho.
A análise dos fluxos realizados pelos pro-
No entanto, seria demasiadamente prietários revela que 59,4% se dirigem
precipitado de nossa parte afirmarmos a outras RA’s; já os antigos inquilinos rea-
que fator (a localização ou o imóvel) lizaram a maior parte de suas mudanças
seria preponderante na preferência do de residência no próprio bairro (53,7%).
migrante, a ponto de definir sua deci- Esse aspecto, em relação aos ex-inqui-
são de localização final. Colaborando linos, pode ser explicado pela predomi-
para a corroboração de nossas hipóte- nância dos fluxos de curta distância, que
ses iniciais, a direção dos fluxos residen- não acarretam grandes alterações no
ciais intra-urbanos, baseados nas percurso casa-trabalho. Poderíamos,
decisões de localização dos indivíduos/ então, concluir que os fluxos de curta
famílias, responde a lógicas e critérios distância seriam uma estratégia desse
distintos, de acordo com a renda do segmento para não alterar seus gastos
migrante e com a sua condição de ocu- com transporte?
pação no endereço anterior, ou seja, se
morava em imóvel próprio ou alugado. Para os proprietários, os custos com
transporte assumem menor importân-
Simmons (1968) assinala que em cia. Pressupondo-se que esse segmento
geral os aspectos mais importantes rela- possua renda superior à dos novos pro-
cionados à localização seriam os relati- prietários 15, as despesas com transporte
vos ao ambiente social (proximidade de são um bem inferior, como propôs
parentes e amigos, áreas de lazer, mar, Alonso (op. cit.), portanto é indiferente
entre outros) e ao acesso a serviços e se elas aumentam ou diminuem. O
local de trabalho. A acessibilidade, en- equilíbrio residencial dos proprietários
tretanto, assumiria diferentes graus de é obtido quando se dirigem para melho-
importância, dependendo do tipo de res localizações e/ou melhores/maiores
família (renda), como propôs Alonso residências. E nesse ponto, o modelo de
(1964). A Tabela 8 nos ajudará a eluci- equilíbrio residencial neoclássico é
dar essas proposições. exemplar, ao afirmar que a quantidade
de espaço constitui uma variável impor-
Ela mostra que a mudança dos já tante da configuração do equilíbrio resi-
proprietários e antigos inquilinos perten- dencial.
14
Simmons (1968) faz uma revisão dos vários estudos sobre mobilidade residencial, com o
objetivo de apontar tendências e padrões nos deslocamentos intra-urbanos. A conclusão
acerca da predominância do fator imóvel sobre a localização no processo de decisão dos
indivíduos, na maioria dos estudos internacionais, deve-se, a meu ver, à ênfase dada nesses
estudos aos acontecimentos demográficos (ciclo de vida familiar) como determinantes da
troca de residência.
15
Dos entrevistados com renda > 10 SM, 43,9% eram proprietários que trocaram de imóvel e
34,7% eram antigos inquilinos.
150 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Tabela 8 - Percentual da relação entre os atributos acabamento, tamanho,


localização e gasto com transporte dos imóveis adquirido e anterior,
por classe de renda e condição de ocupação
Percentual dos migrantes proprietários do imóvel anterior
Gasto com
Renda 1-5 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 12,5 25,0 12,5 12,5
Maior/Melhor 50,0 50,0 37,5 12,5
Pior/Menor 12,5 25,0 25,0 25,0
Igual 25,0 0,0 25,0 50,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Gasto com
Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 5,0 5,0 10,0 5,0
Maior/Melhor 50,0 60,0 50,0 15,0
Pior/Menor 30,0 25,0 0,0 25,0
Igual 15,0 10,0 40,0 55,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Gasto com
Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 2,3 1,1 2,3 1,1
Maior/Melhor 50,6 62,1 55,2 18,4
Pior/Menor 18,4 26,4 3,4 13,8
Igual 28,7 10,4 39,1 66,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Percentual dos migrantes inquilinos do imóvel anterior


Gasto com
Renda 1-5 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 20,0 20,0 20,0 16,0
Maior/Melhor 24,0 24,0 28,0 16,0
Pior/Menor 20,0 40,0 20,0 20,0
Igual 36,0 16,0 32,0 48,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Teresa Cristina Faria 151

Gasto com
Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 19,6 27,8 20,9 19,6
Maior/Melhor 32,6 25,0 27,9 15,2
Pior/Menor 17,4 38,9 9,3 10,9
Igual 30,4 8,3 41,9 54,3
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Gasto com
Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 13,0 13,0 14,5 14,5
Maior/Melhor 44,9 43,5 21,7 10,1
Pior/Menor 18,8 20,3 15,9 8,7
Igual 23,2 23,4 47,8 66,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
* A localização se refere ao tipo de vizinhança (renda).
Fontes : Faria (1997); IPPUR/ITBI/UFRJ – 1995.

Poderíamos também concordar com mento do mercado possibilitou uma me-


os ecólogos urbanos, quando afirmam lhora nas características/qualidades do
que a melhor localização é aquela distante imóvel e de sua localização, observada
do local de trabalho, onde as amenidades para as três classes de renda. Dos pro-
físicas, tais como baixa densidade, au- prietários que estão trocando suas anti-
sência de poluição e barulho, prestígio gas residências, 50,0% o fazem para
do bairro, ou seja, todos os atributos que imóveis maiores/melhores. Em relação
definem a qualidade do bairro e que irão à localização (tipo de vizinhança), com-
influenciar na decisão de localização das parada à anterior, 37,5% pertencentes
famílias. Enfim, a busca de externalidades à faixa de renda de 1 a 5 SM; 50,0%, à
de vizinhança, ligadas às vantagens e des- de 5 a 10 SM; e 55,2%, à > 10 SM,
vantagens de uma localização, será de- sentiram-se favorecidos. Esse resultado
terminante na localização residencial das é confirmado pela análise dos fluxos por
famílias, como propõe Abramo (1994). bairro dos proprietários em geral, em
Mas essa busca seria objetivo apenas dos que 42,0% dos deslocamentos foram
proprietários, ou das classes de maior feitos para bairros onde a renda média
renda? dos chefes de domicílio é maior do que
a similar nos bairros de origem. Os fluxos
No primeiro caso, relativo aos pro- para bairros de renda média similar à
prietários, os resultados indicam que a do bairro de origem somam 38,7%, e
mudança de residência para esse seg- os fluxos para bairros de renda média
152 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

inferior à do bairro de origem, 19,3%. conseqüência, na estrutura de preços


Ou seja, os proprietários tendem a rea- imobiliários.
lizar fluxos ascendentes quanto à sua
renda. No segundo caso, relativo aos anti-
gos inquilinos, a mudança residencial
Abramo (1988) explicita que a deci- não proporcionou melhora de localiza-
são das famílias em adquirir um imóvel ção, o que se confirmou pela predomi-
numa determinada área dependerá dos nância de fluxos para o mesmo bairro
atrativos do imóvel e os de sua locali- realizados por esse segmento do mer-
zação, em relação às outras áreas da cado e se comentou anteriormente. Esse
cidade. Os atrativos de uma residência/ fato é explicado pela possibilidade de
localização representa a satisfação das eles estarem abrindo mão de local mais
necessidades/desejos dos indivíduos/ privilegiado para terem acesso à casa
famílias, que se modificam no tempo, e própria. Ora, dos fluxos realizados pelos
poderão estar relacionados ao ciclo de novos proprietários, 56,4% dirigem-se
vida familiar, à mobilidade social (altera- para áreas onde a renda do chefe de
ções no nível de emprego/salário) e/ou domicílio é igual à similar no bairro de
às alterações na estrutura urbana, princi- origem. Os fluxos descendentes, ou seja,
palmente no que tange à valorização/ para bairros de renda média inferior à
desvalorização de determinadas áreas do bairro de origem, somam apenas
da cidade. Eles poderão ser “naturais”, 26,6%, enquanto os ascendentes – que
inerentes a cada área, ou “produzidos” se dirigem para áreas mais valorizadas –
pela atuação dos empreendedores imo- chegam a 16,5%.
biliários. Essa produção (inovação) é o
artifício/estratégia que os capitalistas imo- A decisão dos proprietários de obter
biliários utilizam para deslocar as famílias melhores residências/localizações deve-
no espaço residencial urbano e se traduz se em grande parte à venda de seus anti-
na oferta de residências com todos os gos imóveis 16, que se transformaram em
seus atributos intrínsecos (forma, tama- fundos para a compra de outro imóvel.
nho, conforto etc.) – que implicam em Assim, “criaram” a oportunidade espera-
novos modos de morar e em novos ser- da pelos outros segmentos do mercado,
viços de habitação – e extrínsecos (aces- que se tornaram aptos a adquiri-los,
sibilidades que a localização permite dada a desvalorização monetária do es-
usufruir). toque “rejeitado” pela classe de renda
alta.
Além do aspecto “utilitário” da resi-
dência, que corresponde aos seus valo- O tamanho do imóvel não é tão im-
res de uso, a inovação é sinônimo de portante para os ex-inquilinos mais
valorização para o proprietário migrante, pobres, que parecem contentar-se com
que já consegue visualizar as alterações imóvel menor do que o que ocupavam
na estrutura interna da cidade e, em antes, sugerindo de certa forma que

16
Dos proprietários entrevistados, 75,4% venderam seus antigos imóveis.
Teresa Cristina Faria 153

assim o fazem seguindo uma estratégia ção ou o “peso” relativo entre a opção
na qual um imóvel é substituído por pelo imóvel ou pela localização é fruto
outro melhor/maior e assim sucessiva- de uma decisão puramente econômica?
mente, através de trajetórias residenciais Para respondê-la será necessário analisar
pela cidade. Ou seja, o equilíbrio resi- com mais detalhes o motivo das mudan-
dencial do ex-inquilino de baixa renda ças de endereço de cada família ou indi-
é alcançado por etapas 17. O mais impor- víduo.
tante seria a propriedade do imóvel. No
entanto, para os novos proprietários No momento, podemos apenas rea-
com renda > 10 SM, o tamanho e a firmar a forte concomitância entre a di-
qualidade do imóvel são atributos consi- nâmica de deslocamentos residenciais na
derados essenciais, a ponto de justifica- cidade e a dos investimentos imobiliários,
rem sua aquisição em detrimento de que alteram a estrutura residencial ur-
uma melhor localização. A pergunta que bana atraindo/expulsando os diferentes
se impõe é a seguinte: até onde a rela- segmentos populacionais.

17
Poderíamos supor que alguns dos proprietários representados na pesquisa estivessem pas-
sando por uma dessas etapas. Isto é, já foram inquilinos e através de trajetórias pela cidade
mudaram sua condição de ocupação e, conseqüentemente, alteraram seus objetivos.
154 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro

Referências bibliográficas

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P I ER SO N , D. Estudos de Ecologia Populacionais, Rio de Janeiro, 1993.
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Teresa Cristina Faria 155

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Caxambu - MG, 1994.

SIMMONS, J. W. “Changing Residence in


(Recebido para publicação em novembro
the City: A Review of Intra-Urban
de 1999)
Mobility”. In: Geography Review.
58: 622-51, 1968. Teresa Cristina Faria é doutoranda
do Instituto de Pesquisa e Planejamento
TASCHNER, S. P. “Habitação Contempo- Urbano e Regional da Universidade
rânea e Dinâmica Populacional no Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ
R ese n h a s
Donos do Rio em nome do rei: uma história fundiária
da cidade do Rio de Janeiro
Fania Fridman
Rio de Janeiro: Jorge Zahar / Garamond
1999, 304 p.

Murillo Marx

No próprio subtítulo do novo livro de mente, com a formação do patrimônio


Fania Fridman, uma história fundiária da público carioca.
cidade do Rio de Janeiro, já se pode per-
ceber o objetivo da inteligente reunião Estrategicamente selecionados, os
dos seis textos muito bem encadeados: casos de estudo impressionam pelo crité-
contribuir para o preenchimento da la- rio e pelo número de dados arrolados,
cuna na historiografia das cidades – em tanto dos pontos de vista demográfico
geral e não apenas as nossas –; o que e econômico quanto do iconográfico. O
vem sendo realizado desde muito recen- rol de fontes e de tabelas, e seus cruza-
temente. São três décadas, se tanto, que mentos, assim como as ilustrações apre-
ostentam os esforços mais disseminados sentadas já constituem uma grande
para lançar esse novo veio de interpreta- contribuição ao assunto, tendo em vista
ção sobre a evolução urbana. a usual pobreza de peças cartográficas
ou plantas urbanas entre nós e a conhe-
A meia dúzia de capítulos, que se cida restrição editorial quanto às repro-
articulam com lógica temática, levanta duções.
questões de apropriação da terra e de
suas correlações, desde os tempos co- O encadeamento dos capítulos na
loniais, com o cotidiano, com a forte descrição, na análise e na interpretação
presença da Igreja na vida e na paisa- dos casos em estudo é sensível à mudan-
gem, com os portos de escoamento dos ça da sociedade, à transformação de seu
produtos do interior, com as divisões meio, à História. Acompanha, delineia
territoriais que se consolidavam e, final- e esclarece a constituição dos âmbitos

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 159-160


160 Resenha

privado e público de domínio sobre a chão, para o bem ou para o mal, de


terra no campo e na cidade, especial- maneira menos ou mais explícita, terá
mente na passagem do campo para a um caráter indutor, se não condutor, da
cidade. A questão fundiária no Rio de evolução posterior de determinada ocu-
Janeiro apresenta-se muito bem abali- pação e uso do solo.
zada em seus diferentes momentos e
nos respectivos recortes escolhidos. Assim, a economista Fania Fridman –
além e antes da judiciosa escolha das fon-
O fato fundiário atinge decisivamen- tes e dados, do rigor metodológico, da
te a paisagem, sobretudo a urbana. E o propriedade de suas análises e da profun-
faz pelo seu rebatimento direto sobre o didade de suas interpretações –, por
quadro físico, que é o parcelamento do meio da valorização do espaço e da per-
solo, a definição das esferas comunais cepção de uma sua condicionante pri-
ou públicas, particulares ou privadas, a mordial, dá sua contribuição à geografia,
distinção entre parcelas menos ou mais e por meio de seus questionamentos da
privilegiadas no tecido citadino. Apesar realidade, com os olhos conscientes de
disso, o parcelamento do solo tem sido seu tempo, à história. É essa sensibilidade
menosprezado tanto nas propostas de interdisciplinar que a autora revela de
intervenção como nas investigações aca- sobejo em seu Os donos do Rio em nome
dêmicas. do rei.

O evoluir dessa partilha do solo cos-


tuma ser lento, dotado de tremenda
força inercial. Essa partilha, pela forte
presença e pela resistência à mudança, Murillo Marx é professor titular da
constitui uma das mais usuais “rugosi- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
dades” do lugar, na expressão de Milton e diretor do Instituto de Estudos Brasi-
Santos. De fato, o retalhamento do leiros da Universidade de São Paulo
As cidades na economia mundial
Saskia Sassen
São Paulo: Studio Nobel
1998, 190 p.
(trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura)

Rose Compans

No debate atual sobre o novo papel das extensão das funções centrais como
cidades em face da globalização financei- conseqüência da necessidade de geren-
ra e da reestruturação produtiva, Saskia ciar as unidades descentralizadas, con-
Sassen tornou-se uma referência funda- tribui para favorecer a criação de centros
mental com The Global City (1991), regionais secundários, “versões redu-
obra em que procurou demonstrar zidas e nacionais do que New York,
como a dispersão geográfica da ativida- Londres e Tóquio asseguram em escala
de econômica ocorrida nos anos 80 – mundial”.
sobretudo a expansão e a internaciona-
lização da indústria financeira, com o Este é o argumento central de As
crescimento de um grande número de Cidades na Economia Mundial, a partir
mercados financeiros secundários – do qual Sassen busca aprofundar a análi-
requereu a centralização das decisões em se sobre o impacto da globalização na
alguns “sítios de controle específicos”, as formação de um novo regime econômico
chamadas “cidades globais”. Embora nas grandes cidades, não mais circuns-
considere que apenas três cidades apre- crevendo o fenômeno às cidades globais.
sentam a capacidade de controle global Além de incorporar dados mais atualiza-
e de produção de inputs especializados dos sobre a evolução do IED (investi-
dos quais dependem as instituições mento estrangeiro direto) mundial – o
financeiras que dominam os mercados que lhe permite inclusive observar que a
mundiais, a autora sugere que a tendên- privatização foi, desde 1991, um elemen-
cia à desconcentração da produção to crucial para o crescimento do IED na
manufatureira e de serviços, aliada à América Latina –, sobre as transfor-

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XIII, No 2, 1999, p. 161-164


162 Resenha

mações na estrutura do emprego em di- desta nova dinâmica de crescimento in-


versos países da OCDE, Japão e Oceania, ternacional” (p. 56). Essa constatação
e alguns estudos de caso sobre cidades conduz Sassen a formular a hipótese de
tidas como “secundárias” na hierarquia que a globalização estaria contribuindo
da rede urbana global, Sassen apresenta para aumentar as desigualdades entre
outras alternativas para a integração eco- as cidades e entre os setores existentes
nômica de cidades e regiões aos fluxos nas cidades que se articulam com a eco-
do capital mundializado: as zonas de pro- nomia global e os setores em que isso
cessamento de exportação, os centros não ocorre. Ela procura sustentar essa
bancários offshore e os centros de turismo hipótese analisando particularmente o
internacional. impacto dos processos de internaciona-
lização sobre a rede urbana na América
Nas zonas de processamento de ex- Latina – que já se caracteriza por uma
portação as empresas produzem e/ou forte concentração interurbana – e na
reúnem componentes trazidos de outros Europa, onde os sistemas urbanos são
países para exportar e, em geral, situam- mais equilibrados.
se em países onde os salários são baixos,
onde há isenção de impostos e regula- É interessante notar entretanto que,
mentações pouco exigentes quanto às em relação à América Latina, Sassen não
condições dos locais de trabalho (p. 34). dispõe da mesma base de dados quan-
Os centros bancários offshore são os cha- titativos que lhe proporcionou a análise
mados “paraísos fiscais” que oferecem profunda da dinâmica dos mercados
certos tipos de flexibilidade adicional financeiros presente em The Global City
com relação aos principais centros finan- e que em grande parte recupera neste
ceiros internacionais: sigilo, abertura livro. Isso não a impede de se utilizar dos
para operações de depósito e transfe- exemplos latino-americanos para dar
rência não permitidas na maioria dos “cientificidade” às suas assertivas, fun-
mercados, ainda que desregulamen- dando-se mais em determinadas “evidên-
tados, e minimização da taxação para cias” que caracterizariam a emergência
as corporações multinacionais (p. 42). de um novo regime econômico nas cida-
Os portos e os distritos industriais cuja des. Ela lembra, por exemplo, como au-
produção se destine à exportação, assim mentou a importância econômica de
como os centros de turismo internacio- grandes centros comerciais como São
nal, também podem, segundo a autora, Paulo, Cidade do México e Buenos Aires
constituir-se em lugares estratégicos na com a ampliação do IED, via privatização
economia global juntamente com as ci- de empresas estatais, associado à desre-
dades globais. gulamentação dos mercados financeiros
e das instituições econômicas fundamen-
Fora desses “lugares estratégicos”, tais que se concentram nessas cidades.
existiria um vasto território com cidades “Vemos nessas cidades o surgimento de
de pequeno e grande porte, juntamente condições que reúnem padrões eviden-
com aldeias, “cada vez mais desligadas tes nas grandes cidades ocidentais: mer-
Rose Compans 163

cados financeiros altamente dinâmicos e produtiva em diferentes escalas conduz


setores de serviços especializados; super- Sassen a uma afirmação, aparentemente
valorização do produto, das empresas e paradoxal à hipótese dos “lugares estra-
dos trabalhadores desses setores; e desva- tégicos” fora dos quais não haveria
lorização do resto do sistema econô- grandes perspectivas de crescimento
mico.” (p. 56) econômico, uma vez “desligados” dos
fluxos globais do capital. Com efeito, ela
Uma conseqüência da intensificação afirma que nos diferentes níveis do siste-
das relações entre as cidades centrais (in- ma urbano de uma nação se observa o
cluindo São Paulo) através dos merca- crescimento dos serviços à produção nas
dos financeiros, dos investimentos e dos cidades e que, portanto, “algumas dessas
fluxos de serviços, seria a configuração cidades atendem a mercados regionais
de um novo núcleo econômico urbano ou subnacionais, outras se voltam para
composto por atividades bancárias e por os mercados nacionais e outras satisfa-
aquelas ligadas à prestação de serviços, zem os mercados globais.” (p. 76)
refletindo a formação de uma “nova
economia urbana”. Em que pese o fato Essa nova economia urbana estaria
de esse setor responder por apenas uma transformando radicalmente a estrutura
fração da economia de uma cidade, social das próprias cidades, alterando a
Sassen considera que ele se impõe à organização do trabalho, a distribuição
economia mais ampla por sua alta lu- dos ganhos e a estrutura do consumo.
cratividade, o que tem o efeito de des- Infelizmente, apesar de novamente reco-
valorizar as manufaturas, uma vez que nhecer que tais tendências também se
elas não podem gerar aqueles imensos fizeram evidentes em inúmeras grandes
lucros que caracterizam boa parte da cidades do mundo “em desenvolvimen-
atividade financeira (p. 76). to” que se integraram aos mercados
mundiais, Sassen apresenta como estu-
Tais tendências também se verifica- dos de caso que comprovam a emergên-
riam, em uma diferente ordem de mag- cia dessa “nova economia urbana”
nitude, em escalas geográficas menores apenas as cidades de Miami, Toronto e
e em graus menos elevados de complexi- Sidney. Nelas, a autora identifica alguns
dade, pois, a exemplo do que ocorre elementos que caracterizariam o desen-
com as grandes empresas transnacionais, volvimento de funções globais na cidade,
as empresas que operam regionalmen- tais como concentração de escritórios de
te, embora não se vejam às voltas com bancos estrangeiros e sedes de empresas
as dificuldades alfandegárias e com as multinacionais, grande crescimento de
distintas regulamentações dos países, serviços financeiros e especializados em
ainda assim se vêem diante de uma rede negócios internacionais, infra-estrutura de
de operações dispersa, que também telecomunicações, eixo de sistemas de
requer controles e prestação de serviços transportes, como portos e aeroportos,
centralizados. A observância da repro- adensamento do centro financeiro etc.
dução dessa dinâmica na organização (Cap. V).
164 Resenha

A emergência desse novo regime visão apocalíptica, “fetichizada” da glo-


econômico nas cidades, fundado no balização, como um fenômeno que se
setor de finanças e serviços altamente impõe inexoravelmente a tudo e a
especializados, contudo, também se todos, alterando comportamentos, ra-
repercutiria no acirramento das desi- cionalidades e instituições. Desprezando
gualdades sociais e na tendência à infor- as especifidades históricas e culturais das
malidade crescente na economia nas sociedades reais e não-imaginárias, no
cidades. Uma combinação de fatores ex- mundo desenhado por Sassen não exis-
plicaria tal fenômeno, entre os quais o tem resistências, porque não existem
menor prazo de duração dos empregos atores sociais portadores de interesses
nesses setores e, conseqüentemente, um difusos e contraditórios, o que lhe facilita
elevado grau de rotatividade, que, com- operar as simplificações analíticas que
binado à oferta abundante de trabalha- conduzem à universalização das tendên-
dores qualificados nas cidades, pressiona cias verificadas nas grandes metrópoles
os salários para baixo; a participação dos países centrais. Por outro lado, neste
crescente das mulheres e dos imigrantes, livro, embora reforce a tese lançada em
muitos dos quais clandestinamente, nas The Global City quanto à tendência
tarefas rotineiras, pouco qualificadas e irreversível de internacionalização das
sub-remuneradas; a instabilidade e a economias urbanas à medida que o pro-
vulnerabilidade próprias desses setores. cesso de desconcentração industrial, de
Sassen fundamenta tais considerações “financeirização” da economia e de ex-
em pesquisas realizadas nos EUA, na pansão do comércio internacional de
Europa e no Japão, que revelam enor- serviços avança, a autora relativiza as
mes disparidades salariais e precarização interpretações que se sucederam a essa
nas relações de trabalho no setor de ser- obra, segundo as quais o único e inexo-
viços (Cap. VI). rável futuro reservado às cidades seria
o de ascender à categoria de “cidade
Em suma, poderíamos dizer que As global”1 , desmistificando, assim, o pró-
Cidades na Economia Mundial, ao prio paradigma que ajudou a criar.
mesmo tempo que oferece ao leitor um
panorama mais abrangente das transfor-
mações econômicas que se configuram
atualmente nas grandes cidades sob o Rose Compans é doutoranda do
impacto da globalização do que o apre- Instituto de Pesquisa e Planejamento
sentado em The Global City – pelo fato Urbano e Regional da Universidade
de ampliar o universo da análise no es- Federal do Rio de Janeiro - IPPUR /
forço de teorização –, remete a uma UFRJ

1
Interpretação alimentada pela própria autora em várias passagens da referida obra, como a que
afirma explicitamente que, “em princípio, toda cidade deveria considerar o desenvolvimento
das telecomunicações como uma prioridade e se esforçar em ter a sua disposição todas as
funções hoje concentradas nas grandes metrópoles, na prática.” (Sassen, 1991, p. 453)
REVISTA LATINOAMERICA DE
ESTUDIOS URBANO REGIONALES
http://www.scielo.cl
Vol. XXV/ N°76/Diciembre 1999
Artículos
Globalización y dualización en la región metropolitana de Buenos Aires. Grandes inversiones
y reestructuración socioterritorial en los años noventa.
Pablo Ciccolella
Santiago de Chile, globalización y expansión metropolitana: lo que existía sigue existiendo
Carlos de Mattos
Los frutos amargos de la globalización: expansión y reestructuración metropolitana de la ciudad
de México
Daniel Hiernaux-Nicolás
Quão grande é exagerado? Dinâmica populacional, eficiência econômica e qualidade de vida na
cidade de São Paulo
Carlos Roberto Azzoni
Tendências da Segregação Social em Metrópoles Globais e Desiguais: Paris e Rio de Janeiro
nos anos 80
Edmond Preteceille
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Gestión de servicios y calidad urbana en la ciudad de Buenos Aires
Pedro Pirez

REVISTA LATINOAMERICA DE
ESTUDIOS URBANO REGIONALES
http://www.scielo.cl
Vol. XXV/ N°77/Mayo 2000
Artículos
Las telecomunicaciones y el futuro de las ciudades: derribando mitos
Stephen Graham
Reconversión industrial, gran empresa y efectos territoriales. El caso del sector automotriz en
México
José A. Vieyra
Reforma de los Mercados de Suelo en Santiago, Chile: efectos sobre los precios de la tierra y la
segregación espacial
Francisco Sabatini
Chile: la vocación regionalista del gobierno militar
Sergio Boisier
Producción del transporte público en la metrópolis de Buenos Aires. La movilidad ciudadana
hacia el nuevo milenio
Andrea Gutiérrez
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segunda. Local de publicação: Editora, ano
de publicação. Número total de páginas ou,
quando mais de um, número de volumes. Nome __________________________
(Coleção ou Série).
_______________________________
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tecas: o diagnóstico. 13. ed. Niterói: EdUFF, Instituição _______________________
1993, 91 p. _______________________________
b) artigo - último Sobrenome, prenome e
demais sobrenomes do(s) autor(es); título Endereço _______________________
do artigo: subtítulo; Título do periódico (em _______________________________
itálico), local de publicação, n° do volume,
do fascículo, da página inicial–página final Cidade _________________________
do artigo, mês e ano de publicação. Estado ___ CEP _________________
Ex.: Targino, Maria das Graças. Citações biblio-
gráficas e notas de rodapé. Ciência e Cultura, País ____________________________
São Paulo, v. 38, n. 12, p. 704-780, dez. 1986. Tel. ( ) ______________________
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