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IPPUR / UFRJ
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CADERNOS IPPUR
Ano XIII, N o 2
Ago-Dez 1999
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.
Irregular.
Continuação de: Cadernos PUR/UFRJ
ISSN 0103-1988
Ano XIII, N o 2 SU MÁ R IO
Ago-Dez 1999
Resumos e Abstracts , 7
Atualidade Analítica , 13
Milton Santos, 15
CO LABO RARAM NESTE NÚMERO O Território e o Saber Local: algumas
Ana Lúcia N. P. Brito categorias de análise
Barbara Deutsch-Lynch Artigos , 27
Brent Millikan
Michael Storper, 29
Carlos B. Vainer
Las Economías Regionales como
Luciana C. do Lago Activos Relacionales
Ricardo Salles Pedro Abramo, 69
Robert Pechman A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e
suas Fissuras: o papel da interdependência
nas escolhas de localização
Pesquisas , 93
Fernanda Sánchez,
ASSIST ENT E DE CO ORDENAÇ ÃO Rosa Moura, 95
Dulce Portilho Maciel Cidades-modelo: espelhos de virtude ou
reprodução do mesmo?
SEC R ET ÁR I A
Sérgio Costa,
Jussara Bernardes Angela Alonso,
REVISÃO DE PORTUGUÊS
Sérgio Tomioka, 115
Claudio Cesar Santoro A Re-significação das Tradições:
o Acre entre o rodoviarismo e o
PROJETO GRÁFIC O E EDITORAÇÃO socioambientalismo
Claudio Cesar Santoro Teresa Cristina Faria, 133
Estratégias de Localização Residencial e
PROJETO GRÁF ICO DA CAPA Dinâmica Imobiliária na Cidade do
André Dorigo Rio de Janeiro
Lícia Rubinstein
Resenhas , 157
ILUSTRAÇÃO DA CAPA Fania Fridman, 159
Ricardo Azoury / Postais Digitais Donos do Rio em nome do rei: uma história
fundiária da cidade do Rio de Janeiro
(por Murillo Marx)
Saskia Sassen, 161
As cidades na economia mundial
(por Rose Compans)
Resumos Abstracts
Milton Santos
devidamente considerado produtor dos where the world is built, establishing coher-
discursos do cotidiano e da política. ence and solidarity between the events.
Michael Storper
Nos últimos anos, a economia regional Over the last few years, regional eco-
experimentou o surgimento de um pa- nomics has seen a heterodox paradigm
radigma heterodoxo, que implica o que emerge in its midst which involves what
poderíamos chamar de uma nova “san- we might call a new “holy trinity”: tech-
tíssima trindade”: tecnologias-organi- nologies-organizations –territories. The
zações-territórios. O autor sustenta que author proposes that it is accurate to give
é preciso encher de conteúdo a análise content to the analysis of these three
desses três componentes. Para isso, é ne- components. In order to do so, it is nec-
cessário superar a metáfora dos sistemas essary to overcome the metaphor of
econômicos como máquinas com insu- economic systems as machines, with
mos e outputs sólidos, cujas física e geo- hard inputs and outputs, the physics and
metria podem compreender-se de forma geometry of which may be understood
total e determinada. Essa ênfase na me- in a complete and determinate way. The
cânica do desenvolvimento regional deve focus on the mechanics of regional de-
agora complementar-se com outro enfo- velopment must now be complement-
que, em que as metáforas dominantes ed by another focus, where the guiding
sejam a da economia como relações, a metaphor is the economy as relations,
do processo econômico como conversa- the economic process as conversation
ção e coordenação, a dos agentes do and co-ordination, the subjects of the
processo não como fatores mas como process not as factors but as reflexive
atores humanos reflexivos e a da natureza human actors, and the nature of eco-
da acumulação econômica não só como nomic accumulation as not only mate-
ativos materiais mas como ativos rela- rial assets, but as relational assets. In this
cionais. Assim, a economia regional, em sense, regional economies in particular
particular, e as economias territoriais inte- and integrated territorial economies in
gradas, em geral, são redefinidas como general are redefined here as stocks of
estoques de ativos relacionais. relational assets.
Pedro Abramo
A Ordem Urbana Walraso- The Walrasian-Thünenian Urban
Thüneniana e suas Fissuras: o Order and its inconsistency:
papel da interdependência nas the role of interdependence in
escolhas de localização location choices
Algumas cidades são eleitas como refe- Some cities has been defined as models
rências-modelo, e seus programas e and its basic projects are integrated into
projetos são incorporados na agenda the hegemonic urban agenda. Reflect-
urbana hegemônica. Expressiva da fase ing the contemporary stage of capitalis-
10 Resumos / Abstracts
O artigo tem por objeto os conflitos em The text discusses the conflicts over road
torno de projetos de expansão viária no building expansion in the Amazonian
Acre, nos anos 90. O argumento é que state of Acre. It argues that the moral and
os constrangimentos jurídico-políticos e juridical-political constraints derived from
morais advindos da redemocratização the redemocratization process created
geram a regulação pública de conflitos conditions to a public regulation of the
ambientais e a reconfiguração dos pro- environmental conflicts and to the rede-
jetos e linhas de ação dos agentes. O signing of social actors projects and
processo inclui a resignificação das tra- guidelines for action. This process com-
dições rodoviarista e socioambientalista prehended both the road building ideol-
Cadernos IPPUR 11
O texto analisa as tendências migratórias This work analyzes the intra-urban mi-
intra-urbanas na Cidade do Rio de Janei- gratory tendencies in the city of Rio de
ro a partir das suas relações com a estru- Janeiro, from their relationships with the
turação da cidade quanto às mudanças structuring process of the city and the
no padrão de ocupação do solo. Nesse changes in the land use pattern. So, it
sentido, tenta contribuir para um maior tries to contribute for a larger under-
entendimento das relações entre o standing of the relationships between the
mercado imobiliário e a estruturação in- real estate market and the intra-urban
tra-urbana, via análise da mobilidade structuring process, through an analysis
residencial. Os dados analisados são re- of the residential mobility. The data used
sultado de pesquisa realizada em 1995/ comes from a specific survey carried out
96 na Secretaria Municipal de Fazenda in 1995/96, in the Rio de Janeiro local
do Município do Rio de Janeiro, com os authority, with costumers in the counter
indivíduos que compareciam ao balcão of ITBI (Municipal Tax for Real Estate
do ITBI (Imposto de Transmissão de Transactions). Another source was the
Bens Imóveis) intervivos. Além dessa data from the ITBI/IPTU/IPPUR files, that
fonte, foram utilizados os dados do arqui- contain information from all the sheets
vo ITBI/IPTU/IPPUR, que contém infor- of the referred tax. This work presents,
mações das guias de recolhimento do in the first part, the description of the
referido imposto. O texto apresenta, na intra-urban migrant’s characteristics and
primeira parte, a descrição do perfil do the flows of residential displacement,
migrante intra-urbano e os fluxos de des- relating them in another part of the text,
locamento residencial, relacionando-os, with the real estate dynamics in the city
na segunda, com a dinâmica imobiliária and the changes verified in the intra-
na cidade e as transformações ocorridas urban structure, through the data of the
na estrutura intra-urbana, através dos real estate transactions with apartments
dados das transações imobiliárias com between 1975 and 1995. Finally, there
12 Resumos / Abstracts
Milton Santos
Retomarei aqui algumas categorias de análise que vêm norteando minha reflexão
ao longo dos últimos anos em suas implicações para uma melhor compreensão da
problemática do território nesta era de globalização.
O evento
A primeira dessas categorias é a noção passado que aparece como presente. O
de evento. Ela tem entrada recente no presente é fugaz e sua análise se realiza
meu vocabulário e imagino que seja sempre a partir dos dois pólos: o futuro
talvez a minha contribuição pessoal mais como projeto e o passado como reali-
importante, na medida em que é a zação já produzida. O evento aparece
forma de resolver uma série de proble- como essa grande chave para unir tam-
mas de método. Isso porque permite bém as noções de tempo e espaço, que
unir o mundo ao lugar; a História que até recentemente não apareciam como
se faz e a História já feita; o futuro e o um todo único. Mesmo os que avança-
*
Texto apresentado em seminário organizado pelo Laboratório de Conjuntura Social: tecnologia
e território (LASTRO/IPPUR) e pelo Núcleo de Cidadania e Políticas Públicas da FASE.
Ricardo Salles, doutorando em História na UFF, colaborou na edição, e Cristiane Calheiros
Falcão, Laura Maul de Carvalho e Alice Lourenço, na transcrição.
A forma-conteúdo
Nesse caso não se trata de trabalhar a realiza através sobretudo de formas-
forma em si, nem o conteúdo em si. Essa conteúdo? Estas seriam as dotadas do
seria a contribuição dos “territoriólogos”, que chamei também de inércia dinâmica,
geógrafos à frente, evidentemente, para enquanto não havia ainda inventado essa
o entendimento da sociedade. A socieda- idéia de forma-conteúdo. Uma forma
de em si pode ser uma categoria, mas que, por ter um conteúdo, realiza a socie-
quem jamais trabalhou o país com essa dade de uma maneira particularizada,
idéia de sociedade em si, dessa sociedade que se deve à forma. Isto é, aquela
total? Onde está ela? Será que o país se concha na qual a sociedade deposita
Milton Santos 17
de todos, sem excluir quem quer que muito grave, porque não são considera-
seja, sem excluir qualquer que seja a ins- das a totalidade dos atores, a das institui-
tituição ou a empresa. Dessa forma, have- ções, a das pessoas e a das empresas.
ria uma volta à noção de totalidade dos Procura-se explicar aos empresários o
atores agindo no espaço. Coisa que os que eles fazem, dedica-se muito aos
“territoriólogos”, mas sobretudo os pla- fluxos dominantes e abandonam-se os
nejadores, deixaram para trás, porque a outros. Ou, pelo contrário, estuda-se a
pesquisa e o ensino do planejamento são pobreza como se ela fosse independente
realizados, na maior parte dos casos, do conjunto de circunstâncias. O que se
sobre algo que não é o espaço. O plane- produz não é uma interpretação da po-
jamento espacial, o planejamento terri- breza, pois falta essa idéia de totalidade,
torial, o planejamento regional não são que só poderá ser alcançada pela noção
planejamentos do espaço. Não o são na de horizontalidade.
prática, na pesquisa e no ensino, o que é
O território usado
O território não é uma categoria de aná- lética. A sociedade não atua sobre a na-
lise, a categoria de análise é o território tureza em si. O entendimento dessa ação
usado. Ou seja, para que o território se é o nosso trabalho e parte do valor que
torne uma categoria de análise dentro é dado àquele pedaço de natureza –
das ciências sociais e com vistas à pro- valor atual ou valor futuro.
dução de projetos, isto é, com vistas à
política, com “P” maiúsculo, deve-se É o caso da Amazônia. A ação presen-
tomá-lo como território usado. Por que te, os interesses sobre parte do território,
essa insistência? O marxismo vendeu, e a cobiça, e mesmo as representações
vendeu bem, algumas idéias que eu pró- atribuídas a essa parte do território têm
prio escrevi na minha maturidade, tam- uma relação com o valor que é dado ao
bém repetindo o mainstream marxista. que está ali presente. O que há na reali-
Uma delas é a relação sociedade–natu- dade é relação sociedade e sociedade
reza que abunda na literatura que nos enquanto território, sociedade enquanto
concerne como “territoriólogos”. Mas espaço. O território não pode ser uma
onde é que se encontra essa relação categoria de análise, tem de ser conside-
sociedade–natureza? Será que há real- rado território usado. Na realidade,
mente essa dialética sociedade–nature- quando uma empresa, uma instituição,
za? Eu creio que não. A dialética somente um grupo, agem sobre uma fração do
se realiza a partir da natureza valorada território, num momento “T” do tempo,
pela sociedade; é aí que começa a dia- não desconsideram o que ali já existe,
Milton Santos 19
O saber local
A territorialidade é um atributo do terri- propriamente dito; tem de saber, mais
tório ou dos seus ocupantes? Vivo o meu e mais, sobre o mundo, mas tem de res-
cotidiano no território nacional ou no pirar o lugar em si para poder produzir
lugar? Essas perguntas me parecem im- o discurso do cotidiano, que é o discurso
portantes porque estão ligadas ao que da política. Por conseguinte, o expert de
eu chamaria de saber da região em con- fora vem como aquele que atiça a brasa
traposição a saber do expert internacio- como um fole. E tem que ir embora.
nal. Este, cada vez mais, é chamado a Tenho cada vez mais consciência de que
falar sobre o lugar, quando no máximo há necessidade de se fortalecer a pro-
deveria fazer uma palestra de dois dias dução desse saber local e, no caso bra-
e ir embora. Porque o saber local, que sileiro, de apoiar a multiplicação da
é nutrido pelo cotidiano, é a ponte para Universidade, sobretudo de mestrados,
a produção de uma política – é resultado para a geografia brasileira. Essa é a nossa
de sábios locais. O sábio local não é garantia de que a disciplina vai continuar
aquele que somente sabe sobre o local viva. E isso é central: que os monopólios
22 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise
Aqui retomo a noção de tempo em- mesma coisa, estou fornecendo um ca-
pírico. O que buscar para tornar o even- minho de método para a História e,
to analítico analiticamente utilizável? paralelamente, para a Geografia.
Vou, se o que está em questão é a ação
do fato financeiro, tentar encontrar o O que é que estamos vendo acon-
que o caracteriza em geral, em seguida tecer agora em relação à composição
o que o caracteriza em particular e, a orgânica do território? É que no territó-
partir daí, verificar como incide sobre rio diminui o número de empregos pro-
uma sociedade e um lugar. O mesmo priamente agrícolas e, mais ainda, o
procedimento se aplicaria para o fato número de empregos rurais. Isso pela
industrial, o fato informacional, aquela mudança de composição orgânica da
notícia, aquele rumor. Acho que isso é atividade agrícola e da vida do território.
que permitiria datar os eventos. Essa A cidade abriga uma parte importante
seria a metodologia a utilizar. Escolheria dos empregos agrícolas, de tal maneira
ainda um número de variáveis signifi- que temos hoje no país mais empregos
cativas e acompanharia sua historiciza- e atividades agrícolas do que rurais. O
ção e geografização. Faria esse caminho campo é que é o lugar do capital e não
para trás, reconhecendo presentes su- mais a cidade. É o campo brasileiro o
cessivos, porque se trata de (re)encon- lugar de acolhimento mais fácil para o
trar presentes sucessivos. capital. A cidade resiste às formas hege-
mônicas do capital e passa a ter um papel
Quando se lê um relatório da Asso- de porta-voz desse campo larga e pro-
ciação dos Geógrafos Brasileiros dos fundamente capitalizado, juntamente
anos 1940 ou 1950, vê-se uma tentati- com a obrigação de estender a vertica-
va de reconstituição do passado. A in- lidade ao campo por meio de processos
tenção era descrever o presente; mas, técnicos nas áreas da produção direta.
lido a posteriori, torna-se uma oferta de A cidade é cada vez mais um interme-
interpretação do que passou, que pode diário, na produção direta, do processo
ser canhestra, que pode ser insuficien- técnico da produção, mas não do pro-
te, que pode ser pobre, mas que pode cesso político. Só que ela se investe de
também ser rica se escolhermos bem as uma vontade política que é diferente da
categorias. E é por isso que a Geografia que havia há quinze anos no Brasil. Essa
é cada vez mais uma disciplina que só é vontade política se manifesta através da
praticada a partir de uma teoria. Para imprensa local, da rádio local, dos pro-
evitar exatamente que as interpretações longamentos locais da televisão, que têm
sejam incoerentes. Essa busca de coe- de usar uma linguagem diversa da utili-
rência, de solidariedade entre os “acon- zada pela grande imprensa nacional,
teceres” num pedaço do território é o estadual ou pela televisão mais geral.
que temos por fim. E isso é válido tam- Assim, a partir de um certo tamanho, a
bém para a História, já que o espaço e cidade acaba sendo esse laboratório po-
o tempo são a mesma coisa. Quando lítico, dado que a agricultura exige uma
considero espaço e tempo como uma certa quantidade de emprego urbano
24 O Território e o Saber Local: algumas categorias de análise
que não tem relação direta com a pró- obediência a estas eles serão excluídos.
pria agricultura. Esse fato cria dentro da Assim, a primeira coisa que o agricultor
cidade uma complexidade de funções de uma área moderna terá de fazer, se
inimagináveis há vinte anos e uma com- quiser sobreviver, é obedecer, como
plicação em matéria de interesse, que num exército, à palavra de ordem. Po-
poderá transformar-se em uma comple- deríamos identificar na figura do servo
xidade de preocupação da ordem polí- da gleba, da Idade Média, esses agricul-
tica, já que tudo se resolve na ordem tores modernos. Ou seja, são servos de
da política e a economia se realiza a uma ordem global cujo mecanismo co-
partir da política das empresas e do Esta- nhecem pouco, sabendo porém que a
do. Creio que por aí aproximar-se-ia, a obediência é indispensável para conti-
partir do acontecer empírico (o aconte- nuar presentes. Nesse caso, o lugar para
cer é sempre empírico, mesmo quanto a solidariedade é menor porque o pro-
às idéias), de uma tentativa de interpre- cesso de vida, a produção de sua exis-
tação que talvez encontrasse essa pro- tência, de alguma maneira, supõe
dução de horizontalidade, quando o preocupações menos altruísticas. Trata-
que se quis produzir foi a exclusiva verti- se da tensão da bolsa, do mercado, da
calidade, mesmo quando não se fala da necessidade de obedecer às regras de
grande cidade, mas também das cidades produção, de colheita, de empacota-
que no Brasil chamamos de médias. E, mento. Tudo o que verificamos no Pa-
a partir disso, é originado esse mecanis- raná e sobretudo em Santa Catarina,
mo de horizontalização, que é tanto mais por exemplo, com a produção de por-
rico quanto maior é a divisão do traba- cos ou de frangos, é exemplo típico dessa
lho interna às cidades e que tem um po- obediência indispensável do produtor a
tencial de despertar político na medida uma cadeia técnica que responde a uma
em que a própria atividade econômica demanda econômica que cria nele com-
sugere esse entendimento a partir da po- portamentos regulados, de tal forma
lítica. que excluem a idéia que se possa ter de
prática da solidariedade.
Haveria a possibilidade de distinguir
lugares pela sua capacidade inata de Talvez desse modo pudéssemos ana-
produzir mais ou menos solidariedade? lisar o que se chama sociabilidade a partir
Haveria lugares onde essa disposição de condições geográficas, ou geo-socio-
para a solidariedade pudesse se exercer econômicas, ou geo-sociopolítico-eco-
mais fortemente, mais rapidamente, nômicas, o que implica uma diferença
mais conscientemente? Retomo rapida- essencial entre o que chamaríamos de
mente uma oposição hoje factível nas rural e o que chamaríamos de urbano.
áreas mais modernas entre o rural e o Isto é, a oposição rural e urbano vai to-
urbano. O rural submetido às leis da glo- mando novos contornos, novos conteú-
balização convoca os participantes do dos, novas definições, diferentes das que
trabalho rural a uma atitude de subor- aprendemos e ensinamos ainda há vinte
dinação a essas normas, porque sem anos. A cidade é isso: ela fornece a pre-
Milton Santos 25
Michael Storper
En los últimos años, tanto la economía co; el surgimiento y caída de los nuevos
regional y la geografía económica, así productos y procesos de producción tiene
como gran parte de la economía gene- lugar en los territorios y, en su mayor
ral, han experimentado el surgimiento parte, depende de sus capacidades para
de un paradigma heterodoxo. Este pa- tipos de innovación específicos. El cam-
radigma heterodoxo introduce el pro- bio tecnológico altera, a su vez, las dimen-
blema del desarrollo económico en las siones coste-precio de la producción,
regiones, países y a nivel global, en una incluyendo los aspectos locacionales. Las
serie de campos empíricos y teóricos organizaciones, sobre todo las empresas
fundamentales, intentando construir y grupos o redes de empresas implicados
una explicación en multiples capas. El conjuntamente en sistemas de produc-
enfoque heterodoxo implica lo que po- ción, no sólo dependen de contextos
dríamos llamar una nueva “santísima territoriales de inputs físicos e intangibles,
trinidad”: tecnologías-organizaciones- sino también de las mayores o menores
territorios (Figura 1). relaciones de proximidad entre cada una.
Los territorios, ya sean regiones periféricas
Actualmente, la tecnología y el cam- o núcleos de sectores, pueden caracte-
bio tecnológico se consideran entre los rizarse por fuertes o débiles interacciones
principales motores del cambio de los pa- locales y efectos de difusión entre facto-
trones territoriales de desarrollo económi- res, organizaciones, o tecnologías.
Organización
Vínculos de Transacción
os :
mi c c o s
..
Relaciones Input-Output
n ó i Fronteras de la empresa
eco lóg
a cios te cno
Esp acios
Esp
y sistemas de producción
Geografía de empresas
Tecnología
Estandarización vs.
Diversificación/flexibilidad
Geo
gra
fía
de
inn Territorios
o va
ción ..Geografía de transacciones/vínculos
.Complejidades industriales
Economías de escala externas y
economías de oportunidad
Otros han reconceptualizado las empre- diados de los 80 y principios de los 90,
sas en términos de derechos de propie- según intentaban comprender el resur-
dad y de apropiabilidad de activos; o gimiento de economías regionales, de
como agentes estratégicos, maximizado- las industrias de alta tecnología y de las
res del crecimiento. 3 Al mismo tiempo, regiones, el crecimiento de los nuevos
la economía territorial se ha revolucio- tigres industriales de Asia, y la globali-
nado, integrando ideas provenientes de zación. Pero surge nuevamente un vacío
estudios sobre tecnología y organizacio- en el sistema teórico de desarrollo regio-
nes. Los efectos de las organizaciones nal o territorial. El paradigma heterodo-
en los modelos de economía territorial, xo ha definido, en realidad, la santísima
ya imaginados por Perroux y la escuela trinidad, pero no ha capturado todavía
moderna de análisis input-output, 4 han por completo, el contenido adecuado
sido los nuevos microfundamentos, apli- para el análisis de tecnologías, organiza-
cando la economía de los costes de tran- ciones y territorios. La economía regional
sacción a la geografía de las relaciones heterodoxa, como la economía general,
input-output. 5 Por tanto, se pueden continua estando cautiva de la metáfora
comprender ahora los orígenes organi- de los sistemas económicos como má-
zativos de las economías de aglomera- quinas, con inputs y outputs duros,
ción. Estamos pues muy lejos de la idea donde la física y la geometría de esos
de las economías externas como sim- inputs y outputs pueden comprenderse
ples economías de escala; estas son el de manera completa y determinada.
resultado complejo de interacciones Este énfasis en la mecánica del desa-
entre escala, especialización, y flexibili- rrollo regional debe ahora complemen-
dad en el contexto de la proximidad. tarse con otro, en el que la metáfora que
Las aglomeraciones pueden también predomine sea la de la economía como
facilitar procesos dinámicos, como los relaciones, el proceso económico como
cambios tecnológicos localizados. 6 conversación y coordinación, los agen-
tes del proceso no como factores sino
El paradigma heterodoxo comenzó como actores humanos reflexivos, tanto
a sugir con fuerza a principios de los 70, individual como colectivamente, y la na-
cuando los economistas regionales e turaleza de la economía de acumulación
internacionales intentaban comprender no sólo como beneficios materiales, sino
la desindustrialización de las regiones de como activos relacionales. La economía
antigua industrialización 7; maduró a me- regional en particular, y las economías
3
Sobre la empresa, véase la discusión de la tradición de Perroux en Best (1990).
4
Perroux (1950 a, b, 1955); Leontief (1953); Richardson (1973).
5
Scott (1988 a).
6
El término cambio tecnológico “localizado” no hace sólo referencia a la localización en el
sentido geográfico y sino también en el sentido económico. Para una explicación completa,
véase Antonelli (1995).
7
Massey (1984); Bluestone y Harrison (1982); Vernon (1996, 1974); Norton y Rees (1979).
32 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
En los últimos años, los científicos socia- inmediata entre las diferentes partes de
les han realizado grandes esfuerzos por estas complejas estructuras, abarata-
caracterizar el conjunto de la naturaleza miento drástico de las diferentes formas
del capitalismo que comenzó a tener de producción material, e incrementos
forma a principios de los 70. Las capaci- significativos en la diversidad de inputs
dades económicas del capitalismo con- y outputs materiales e intangibles. Se-
temporáneo han experimentado una gundo, se ha dado una amplísima ex-
gran expansión y un profundo cambio tensión espacial y profundización social
cualitativo. Entre las nuevas “metacapa- de la lógica de las relaciones de merca-
cidades” del capitalismo moderno, se do, en parte facilitada por el salto
pueden destacar varias como las más tecnológico (especialmente por el aba-
importantes. En primer lugar, la revo- ratamiento de las telecomunicaciones y
lución en la producción, información, y los medios de comunicación como vehí-
tecnologías de la comunicación que per- culos de las relaciones de mercado, y a
mite una gran expansión de la naturaleza través de la extensión de la infraestruc-
y esferas de control de las empresas, tura física). La producción de mercan-
mercados, e instituciones, lo que implica cías, basada en las necesidades de
una retroalimentación más intensa e mercado, supone tener en cuenta cada
Michael Storper 33
8
Giddens (1994); Beck (1992); Beck y al (1994).
34 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
9
La literatura de los estados versus los mercados es muy extensa. Para una utilización económica
adecuada, véase North (1981).
10
Esto vuelve sobre el debate acerca de si el mercado es un incentivo para le doux commerce
o simplemente para la explotación y acumulación. Se puede encontrar debate sobre el tema
en Hirschman (1970).
11
Este segundo argumento se puede encontrar en Arato y Cohen (1992).
Michael Storper 35
12
Beck (1992).
13
Ver la crítica del posindustrialismo en Cohen y Zysman (1984). En la economía de la
información, véase Castells (1989); en especialización flexible, véase Piore y Sabel (1984).
14
Lundvall y Johnson (1992); Arrow (1962); Rosenberg (1982).
36 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
15
La denominación “economía de aprendizaje” tiene diversas e importantes consideraciones –
tanto en términos teóricos como en orientaciones políticas-, junto con otros conceptos apli-
cados en la nueva economía del período posterior a 1970 (por ejemplo, especialización
flexible, pos-Fordismo, economía de la información, economía de servicios, etc).
16
Rip (1991).
17
Para ver el enfoque original de este tema, véase Asanuma (1989). Mi concepto de relaciones
difiere en cierta manera del suyo, aunque reconozco su inspiración.
18
Rosenberg (1982).
Michael Storper 37
19
Mansfield (1972).
20
Norton y Rees (1979); Pred (1977); Rallet (1993).
21
Pero debe recordarse que ciertos economistas en países en desarrollo no disminuyeron el
problema tendiendo hacia una difusión. Celso Furtado (1963), por ejemplo, expresa a lo
largo de sus escritos que el problema para desarrollar áreas consiste en dominar la creación
de tecnología.
38 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
25
Agradezco a una serie de autores por sensibilizarme acerca del conocimiento cosmopolita
versus no cosmopolita. El primero es Rip (1991). En los primeros procesos de diseño llevados
a cabo fuera un ámbito familiar, predominan los modelos mentales técnicos “privados”. Sin
embargo, no hay duda sobre el vínculo con representaciones cognitivas cosmopolitas exis-
tentes, pocas veces es explícito; en consecuencia, “meta-modelizar” no aparece aún como
una actividad distinta. El segundo es Haas-Lorenz (1994). Véase también los excelentes
artículos de Lecoq (1993), sobre comunicación y conocimiento en el contexto geográfico.
40 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
26
Nelson y Winter (1982).
27
He elegido utilizar el término “organizaciones” para referirme a empresas y a sistemas de
producción, más que “instituciones” que es el término que prefiere la economía institucional.
Esto se debe a que deseo reservar la utilización del término instituciones para referirme a
rutinas, prácticas y organizaciones formales no privadas, así como a gobiernos, asociaciones
comerciales y otros. Es además una forma de ligar las organizaciones al tema de la organización
económica en general.
28
Coase (1937); Williamson (1985); Dosi y Salvatore (1992).
29
Perroux (1950 a, b); Leontief (1953).
30
Richardson (1973).
Michael Storper 41
31
Tal y como desarrollo Stigler el análisis de la escala de división del trabajo, y algunos neo-
Sraffianos (Stigler, 1951).
32
Scott (1988 a).
33
Dunning (1979); véase la crítica de la literatura “geografía de la empresa” de Sayer y Walker
(1992).
34
Camagni (1991); Malecki (1984); Maillat y al. (1990, 1993); Russo (1986); Bellandi (1986,
1989, 1995); Djellal y Gallouj (1995).
35
Romer (1986, 1987, 1990), Lucas (1988).
36
Krugman (1991 b, 1992, 1995).
42 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
39
Esta literatura se discute en profundidad en Salais y Storper (1993).
40
Axelrod (1984).
41
Para una discusión más profunda sobre estos micro-fundamentos véase más abajo.
42
Lecoq (1993); Haas-Lorenz (1994).
Michael Storper 45
43
La definición “clásica” de una convención es de Lewis (1969). Sin embargo, la definición
utilizada aquí difiere de la formulación de Lewis en que ésta no conduce a una noción de
coordinación de “equilibrio” sino más bien a una del tipo coordinación de “satisfacción”.
Para una discusión más amplia sobre este tema, veáse Storper y Salais (1997, Cap. 1 y 2).
44
Para una discusión más amplia, véase Storper y Salais (1997).
46 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
45
Estos temas son, por supuesto, temas de investigaciones de los institucionalistas en muchas
disciplinas de las ciencias sociales; la economía de las convenciones, sin embargo, van más
allá y argumenta que son elementos de coordinación de actores, y que la razón de que
funcionen es que suman una coordinación coherente de sistemas de relacionados.
Michael Storper 47
46
Existe una gran ambigüedad acerca de las economías externas tanto en la literatura geográfica
y como en la económica. La cuestión fundamental surge entorno a si la aglomeración es
simplemente un efecto más del individuo, optimizando a los productores, en el que no
existen verdaderamente bienes colectivos que impliquen efectos derivados del sistema de
trasacción, sin existir en tal caso externalidades reales. En la literatura, se han hecho dos
sugerencias sobre estas líneas: una es que existe intensos efectos de retroalimentación entre
proximidad y especialización entorno a la división del trabajo (el trabajo de Scott sugiere
esto). El otro es que las aglomeraciones son lugares que dependen de que se realicen
transacciones de innovación tecnológica. En ambos casos, la aglomeración no se refiere
simplemente al efecto estático de Stigler y Smith, sino al efecto dinámico de Young.
47
Esta idea surge al trabajar con Allen Scott; véase Storper y Scott (1995).
48 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
distancia y permite por tanto que se ate- resueltos a través de convenciones más
núe la incertidumbre, permitiendo a los que cuando lo son a través de mercados
productores difuminar los riesgos, au- y contratos. Y sin considerar lo concer-
mentando el acceso a otros productores niente a la eficiencia, sabemos que
en la aglomeración. La ley de los gran- muchos vínculos son resueltos en la
des números funciona aquí para ellos. práctica a través de otros principios de
Un ejemplo es el subcontratista que coordinación. La incertidumbre que se
obtiene acceso a mas clientes para asi refiere a la proximidad geográfica es así
compensar los riesgos asociados con la misma que la que, en presencia de
apoyarse en unos pocos pedidos. Sin proximidad, se resuelve a través de con-
embargo, en la práctica, incluso relacio- venciones entre agentes, pero la forma
nes transaccionales a las que se atribuye de resolución no se determina por la
este tipo de economización óptima se propia incertidumbre.
resuelven mediante la determinación de
algunas reglas de juego entre los agentes La región no es, sin embargo, sim-
que participan: incluso, vínculos “de mer- plemente un resultado derivado de la
cado” dependen de convenciones espe- estructura informativa o afín a las tran-
cíficas de la acción de mercado 49 entre sacciones asociadas con tecnologías y
agentes sin las cuales no hay coordina- organizaciones. En primer lugar porque
ción entre ellos. las convenciones y las relaciones que se
desarrollan en asociación con determi-
Pero esta explicación es, seguramen- nados sistemas de producción en una
te, todavía inadecuada, en el sentido de región concreta pueden afectar a la evo-
que únicamente propone un modelo de lución a largo plazo de tecnologías y
motivación sobre el que economizar a organizaciones en esos sectores, y el
través de los vínculos –ese del oportu- entorno “distendido” de selección del
nismo y azar moral: el subcontratista capitalismo contemporáneo indica que
siempre tiene miedo de estar al límite y existen muchos casos donde esas formas
el cliente siempre de comprometerse específicas de vida económica no desa-
demasiado. 50 La incertidumbre, no sólo parecen por una única “mejor práctica”;
puede resolverse a través de medios que territorialidad y equilibrios múltiples van
puedan expandir riesgos por ajustarse de la mano. Además, el conjunto de
a la ley de un sistema aglomerado de convenciones y relaciones que llegan a
vínculos, puede ser que la expansión de existir en una economía territorialmente
riesgo sea por sí misma ineficiente, o definida puede traspasar la gran varie-
incluso, que no sea posible; algunos vín- dad de sistemas de producción y activi-
culos pueden hacerlo mejor cuando son dades que allí se encuentren, afectando
49
Salais y Storper (1993) discuten sobre cómo la acción comercial, más que ser la forma
universal del actor económico, es simplemente una manera de coordinación con otros actores
en un sistema de mercado, apropiado para ciertos productos e ineficaz para otros.
50
Este es el paradigma de Williamson. Williamson (1985).
50 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
Organización
.
Interdependencias no comerciales
.
Vínculos convencionales-
relacionales
Tecnología
. Conocimiento codificable/
no codificable
Productos Mundos regionales
de producción
Competición
. Cosmopolita/ no cosmopolita
Territorios
.
Geografía de interdependencias no
comerciales; relaciones; convenciones
.
Ventajas relacionales, regionalmente
específicas
51
Young (1928). Tener en cuenta que se está volviendo de nuevo a la distinción entre
externalidades pecuniarias y no pecuniarias, tratadas inicialmente con una gran precisión
por Scitovsky (1952).
52
Kaldor (1972).
53
Stigler (1951).
54
Veltz (1995).
Michael Storper 53
55
La mayoría de lo que aparece en esta sección surge del trabajo realizado conjuntamente con
Robert Salais, y explicado en parte en nuestro libro Les Mondes de Production (1993, Paris).
También he extraído parte de un reciente texto, no publicado, “Conventions, mondes possible,
et action économique”. Cualquier tipo de error de interpretación es de mi absoluta
responsabilidad.
56
Pero esto, para nada implica que todos los actores tengan el mismo grado de satisfacción, que
sean igual de entusiastas, o que tengan las mismas relaciones políticas y distributivas. Esto es
una descripción de que están acuerdo con las mismas reglas del juego, aunque no que
necesariamente les guste hacerlo. Otro forma diferente de tratar esta cuestión se puede en-
contrar en Crozier y Friedberg (1977).
57
Simon (1979).
Michael Storper 55
“posibles mundos de acción”. Esta ma- sino por la voluntad de hacer efectiva la
nera de enfrentarse al problema plan- acción que uno lleva a cabo. Esta moti-
tea tres cuestiones acerca de los procesos vación le da dos características princi-
colectivos dinámicos en la economía. pales a la acción. Por una parte está su
particularidad: una determinada situa-
La primera cuestión trata acerca de ción de acción está compuesta de obje-
la diversidad de marcos de acción. Aun- tos, circunstancias y personas, cuya
que en principio existen innumerables naturaleza variada y heterogénea llevan
maneras de coordinar la acción econó- a sinergías particulares y complejas. Es
mica, en la práctica existe un número imposible reducir la situación a series
limitado de combinaciones prácticamen- preestablecidas de rutinas prefijadas. Por
te coherentes de acciones para cada tipo otra parte, su carácter colectivo: debido
de bien material o de servicio producido a esta heterogeneidad básica, las accio-
en la economía. Esta diversidad –que nes mutuamente interdependientes pue-
conduce a una pluralidad de mundos den tener éxito sólo si existe un carácter
posibles– es en cierto sentido mucho colectivo en ellas, en el sentido de acción
mejor que la que prevé la teoría ortodo- dentro de un marco común de acción.
xa, con su idea de una única frontera de Sólo si al acción se redujese a lo prefi-
producción posible, para cada grupo de jado, situaciones completamente anti-
tecnologías y mercados. Nosotros mante- cipadas, se podría reemplazar su carácter
nemos que en una situación de partida colectivo por reglas ajenas que no su-
existe más de una solución económica pongan una coordinación básica entre
effectiva. En otras palabras, es más restric- las personas implicadas. El Taylorismo
tivo que la teoría ortodoxa, que con sen- pleno es la excepción, no la regla, e in-
cillas sustituciones de factores presentan cluso el Taylorismo nunca logró un éxito
un mundo de combinaciones ilimitadas, completo en sustituir relaciones con
circunstancia que no se da en la situación reglas. Heterogeneidad también signi-
práctica real. En comparación con la fica una pluralidad de procesos colecti-
economía de negocio empírica, esto nos vos, una cierta “fragmentación” de
conduce a aceptar la diversidad como la acción; cuando se sitúa en el contexto
mejor opción, en el sentido de que recha- de un entorno de selección competitiva
za la idea de convergencia hacia las mejo- “distendido”, se llega a la idea de que
res prácticas globales de los mercados, a existen muchos tipos de acciones econó-
favor de un considerable conjunto de micamente eficientes, no una única je-
efectivas soluciones prácticas a los pro- rarquía de acciones de mejor a peor.
blemas de producción.
La tercera cuestión hace referencia a
La segunda cuestión tiene que ver la naturaleza de la acción misma. Las
con el papel de la racionalidad. La ciencias sociales estuvieron dominadas
acción económica no está únicamente durante mucho tiempo por la idea utilita-
motivada por el estricto utilitarismo o rista de acción como manipulación estra-
por los deseos de satisfacción individual, tégica de datos, con la intención de
56 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
58
Aunque ello pueda ciertamente consistir en parte en estas dimensiones, bajo circunstancias
particulares, no es una descripción precisa de la naturaleza de la acción.
59
La “gramática generativa” en lingüística: una analogía a las teorías explicativas de la ciencia
social que son no deterministas, pero en las cuales, no obstante, existe un conjunto de
herramientas y una estructura prefijada pero empíricamente fluida, que define el rango de
posible creación de acciones individuales (discursos). Ha existido un gran debate sobre si la
gramática generativa es restrictiva o creativa. Como no somos lingüísticos profesionales, no
podemos opinar sobre ello. En relación con nuestro objetivo aquí, únicamente se dice que la
“gramática generativa” de la economía no debería estar ligada a una estructura que prefije el
posible rango de acciones individuales, y si existe una analogía con el pensamiento lingüístico
que reclame lo mismo, entonces estamos de acuerdo con ello. Véase Searle (1977).
Michael Storper 57
60
En el tema del regionalismo, veáse Markusen (1985).
61
Esto no significa, necesariamente, mercados “perfectos”, sino más bien mercados como un
principio general de organización de las interacciones legítimas en el capitalismo contem-
poráneo. Dentro de este principio general, se presentan inmumerables variaciones.
62
Hemos comentado poco sobre la relación entre la acción pragmática y la “justificación” y
“legimidad” de la acción realizada. Pero es suficiente decir que toda acción pragmática –
especialmente en la medida que tiene como objeto la reciprocidad entre otros actores- se
basa en alguna noción de legitimidad, en alguna forma de justificación, bien sea implícita o
explícita, que debe compartirse entre los actores implicados en la acción colectiva. Estas
cuestiones se han estudiado con mayor amplitud en Boltanski y Thévenot (1991). En el caso
de los modelos económicos de productos, Salais y Storper (1993) discuten diferentes prin-
cipios de justificación para diferentes mundos posibles de acción económica.
58 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
tes ciertos tipos de espacios de acción. nes y relaciones que permiten desplegar
Para empezar, está el producto, el foco dichos procesos co-evolutivos, regional-
principal de los mercados. Los mercados mente centrados, entre organizaciones y
de productos incorporan dos elementos tecnologías. Tanto las ventajas físicas
básicos de la santísima trinidad: tecnolo- como relacionales de la producción, se
gías (de productos y procesos) y organiza- convierten, en cierto grado, en ventajas
ciones (fundamentalmente empresas, regionalmente específicas. En otras pala-
aunque también las organizaciones que bras, los mundos regionales de la pro-
apoyan a las empresas, como las escuelas ducción pueden surgir de los mundos
y los estados). Los mercados de factores tecnológicos y organizacionales que
implican a la mayoría de las organizacio- construyen las regiones. Aunque esto
nes (empresa, aunque también aquellas sólo sucede en algunos casos; en muchos
de reproducción social colectiva, como otros, la economía regional deja, durante
el estado, colegios y las organizaciones la mayor parte, un mero depósito lo-
de I+D públicas). Estos dos elementos cacional para los mundos u objetos or-
de la santísima trinidad son los principales ganizativos y tecnológicos, dirigidos
vehículos de los proyectos intencionales exógenamente, presentando una escasa
primarios de la acción económica hoy. co-evolución regional o, como lo han
Es fundamentalmente el despliegue de denominado tradicionalmente los regio-
estas acciones lo que “produce” actual- nalistas, “desarticulada” o “periférica”.
mente economías regionales, 63 cuando
éstas se sitúan o subdividen en lugares. De modo que la economía moderna
puede imaginarse como un complejo
Sin embargo, este tipo de actividades puzzle organizativo hecho de mundos
pueden llegar a estar muy próximas en múltiples y parcialmente solapados, en
los restringidos espacios geográficos de los que se desarrolla la acción colectiva
las regiones, por medio de complejos pa- reflexiva. En cualquier ámbito de análisis
trones y estructuras locacionales, donde económico, la labor consiste en compren-
éstas se constituyen como economías der la naturaleza funcional de los espacios
territoriales. A su vez, estas actividades de acción implicados, y el contenido de
pueden desarrollar diferentes formas de las convenciones-relaciones – mundo de
coherencia, efectos de difusión y retroali- acción – a través de las cuales los agentes
mentaciones regionales; cuando esto ocu- coordinan y dan forma a sus acciones
rre, es porque los agentes económicos particulares de funcionamiento en dicho
regionales han desarrollado convencio- ámbito, 64 conforme ilustra la figura 3.
63
Incluso admitiendo que gran parte proviene del pasado y de feedback de la economía
regional actual.
64
No se debe, sin embargo, poner demasiado énfasis en que los campos funcionales de acción
están predefinidos, ni por la lógica funcional de Parsons ni por ninguna estructura capitalista
mayor. El punto de la teoría pragmática subrayada en este capítulo, es que estructura y acción
se desarrollan y redefinen simultáneamente. Unicamente podemos modelizar las áreas funcio-
nales básicas que se nos presentan actualmente, pero estas son indicativas, en ningún caso
causales.
Michael Storper 59
Territorios
Organizaciones
Sistemas de Mundos
innovación regionales de
Mundos de producción
innovación
Productos
Tecnologías
Mundos
regionales de
Tecnologías innovación
Territorios
Organizaciones
Territorios Organizaciones
Tecnologías
Territorios
65
Patel y Pavitt (1991); Dunning (1979, 1988); Pianta (1996); Amendola y al (1992).
Michael Storper 61
Conclusión
El enfoque del desarrollo económico el estatus económico de las convencio-
territorial que aparece en este artículo nes regionales de la producción como
tiene poco que decir acerca de los pro- un tipo de ventaja colectiva, regional-
blemas estándares de la economía es- mente específica, de la economía; el
pacial o teoría locacional, base de la estatus de las convenciones como inter-
literatura sobre la geografía del desarro- dependencias no comerciales en los
llo económico, pero tiene mucho que sistemas económicos; y por qué es tan
decir sobre la diferenciación territorial difícil, en algunas regiones, imitar o
del desarrollo, resultados e instituciones tomar prestadas convenciones e institu-
económicas. Su principal contribución ciones de otros lugares. Su propósito es
a las disciplinas espaciales es analizar el aumentar el poder explicativo de la cien-
papel de la proximidad territorial en la cia social regionalista, aproximándola a
formación de convenciones; el papel de los temas principales de muchas otras
las convenciones a la hora de definir las ciencias sociales contemporáneas mien-
“capacidades de acción” de los agentes tras se llevan a cabo nuevas contribu-
económicos y por tanto, las identidades ciones específicas a esos debates.
económicas de los territorios y regiones;
62 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
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68 Las Economías Regionales como Activos Relacionales
traduzida pela distância entre o lugar de o primeiro pilar sobre o qual a síntese
moradia e o local de trabalho (t) e pela walraso-thüneniana se edifica é o da re-
quantidade de espaço consumido (q); presentação das hipóteses de Thünen
todos os outros bens são grupados em sobre o espaço segundo o critério aloca-
um bem composto (z) que serve de nu- tivo individual do trade off entre acessibi-
merário nos modelos de equilíbrio de lidade e espaço.
localização neoclássicos. Assim, a função
de utilidade que os indivíduos devem Seguindo o percurso do equilíbrio do
maximizar é U(q, t). Como há um custo consumidor da microeconomia tradicio-
de deslocamento entre o local de mora- nal, a leitura neoclássica de Thünen
dia e o local de trabalho, que por defi- supõe que os agentes econômicos ado-
nição é no centro da cidade (Central tam um certo procedimento racional em
Business District - CBD), a acessibilidade suas escolhas de localização. Essa racio-
ao centro será um atributo de localiza- nalidade supõe que os indivíduos tomam
ção desejada pelos indivíduos. suas decisões de forma autônoma e inde-
pendente, buscando maximizar suas
O desejo de acessibilidade, dadas as funções-objetivo sob a restrição orça-
vantagens de localização, traduz-se em mentária individual. Como essa restrição
renda fundiária, o que leva os indivíduos orçamentária é um parâmetro exógeno,
a estabelecer suas escolhas de localização as escolhas são tomadas segundo uma
segundo um trade off entre acessibili- racionalidade que é identificada como
dade e consumo de espaço. Portanto, a uma racionalidade paramétrica. Como
representação individual do espaço veremos nos parágrafos seguintes, a re-
thüneniano (distância ao CBD) será re- presentação do homo œconomicus que
velada nos moldes de localização neo- essa racionalidade paramétrica traz em-
clássicos por um conjunto de curvas de butida é a de indivíduos que tomam suas
indiferença entre acessibilidade e consu- decisões sem se questionar sobre as to-
mo de espaço com níveis diferentes de madas de decisões dos outros partici-
satisfação. De fato, a primeira operação pantes do mercado; seus cálculos são
da leitura neoclássica da configuração formulados de forma autônoma e inde-
da estrutura intra-urbana é a de repre- pendente, sem que os cálculos dos outros
sentar o universo de consumo espacial tomadores de decisões econômicas
(localização) segundo o critério de indife- sejam percebidos como uma variável que
rença locacional de um agente represen- influencie suas formulações de localização
tativo; para cada nível de satisfação, os residencial 6. Em outras palavras, o equi-
indivíduos são indiferentes quanto à sua líbrio individual (maximização de sua
localização, supondo que as perdas em função-objetivo, dados os parâmetros
acessibilidade são compensadas por restritivos) independe das decisões dos
consumo de espaço. Em outras palavras, outros agentes econômicos.
6
A racionalidade paramétrica supõe que a informação seja perfeita e que não haja
interdependência das decisões dos agentes. Para uma discussão sobre os princípios gerais
da racionalidade paramétrica, ver Mongin (1984) e Walliser (1993).
Pedro Abramo 73
plano urbano seria, portanto, um meio delos walrasianos. Propomos, pois, uma
pouco eficiente de alocação dos indiví- breve apresentação de um problema de
duos e atividades nos espaços vis-à-vis decisão de localização residencial quando
da liberdade do mercado. A nosso ver, temos interdependência das funções de
essas conclusões são tributárias da inter- utilidade, para verificar se os atributos de
relação entre as hipóteses de representa- unicidade, estabilidade e eficiência do
ção naturalizante do espaço de Thünen equilíbrio espacial fundado no trade off
e da racionalidade paramétrica dos mo- entre acessibilidade e espaço se mantêm.
9
Ver, por exemplo, Fujita (1994).
Pedro Abramo 75
10
Para uma discussão sobre o problema de agregação das funções de utilidade no interior da
unidade familiar (chefe ditatorial, altruísmo etc.), ver Abramo (1994).
11
A partir de exercícios de estática comparativa, os modelos de base econômica urbana
neoclássica concluem que a elevação dos recursos iniciais conduz a uma rotação para a
direita da curva de renda ofertada, revelando, portanto, uma preferência por espaço em
detrimento de acessibilidade.
76 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras
12
Basta imaginar um mercado de trabalho com forte assimetria informacional para concluirmos
que uma “rede” de relações de conhecimento e amizade acumulados durante a infância
pode reduzir significativamente os custos de busca de emprego e/ou pesar positivamente nas
relações de confiança (contratos) entre empregadores e empregados.
Pedro Abramo 77
Podemos tomar o modelo da cidade ra- pelos negros e a zona das famílias brancas
cista de Rose-Ackerman 13 como a inter- não-racistas é dada pela interseção das
pretação canônica da síntese neoclássica curvas de intenção de pagamento de ren-
para o papel das externalidades de vizi- da dos brancos e negros, isto é, o ponto
nhança no processo de equilibragem pelo (b0 ); o limite urbano da cidade é dado
mercado e seus efeitos na estrutura intra- pelo ponto onde a curva de oferta de
urbana 14. Para avaliar essas alterações, renda dos brancos corta a da renda ofer-
Rose-Ackerman apresenta o resultado de tada pelos agricultores. A configuração
um processo de equilibragem espacial da ordem espacial pode ser identificada
em que os brancos não são racistas e o como a de uma cidade segregada: uma
compara com os resultados do equilíbrio zona homogênea de negros ao centro e
espacial em que os brancos têm aversão uma zona homogênea de brancos que
aos negros. Para tal, o modelo supõe que tende a se localizar em direção à periferia.
os brancos têm um nível de renda supe- Essa estrutura interurbana seria o resul-
rior ao dos negros. Segundo os resulta- tado da concorrência espacial (coorde-
dos da síntese neoclássica, os brancos- nação do mercado de localização) e
ricos não-racistas (B) teriam preferência representa o equilíbrio espacial mais
por espaço e tenderiam a apresentar eficiente em termos alocativos, dadas as
uma curva de intenções de pagamento preferências e os recursos orçamentários
de rendas em função da distância ao dos agentes. Essa configuração de uma
CBD (r 0 B(t)), menos inclinada que a ordem urbana segregacionista entre
oferecida pelos negros-pobres (r0 N(t)), brancos e negros, entretanto, não reflete
tendo em vista que estes últimos tendem nenhum preconceito racial; é resultado
a ter uma preferência por acessibilidade. das hipóteses sobre as dotações de recur-
Como podemos visualizar na Figura 2a, sos entre os participantes do mercado de
o resultado do processo de equilibragem localização. A pergunta formulada por
configura uma ordem residencial urbana Rose-Ackerman refere-se às possíveis
em que os negros se localizariam próxi- modificações na estrutura intra-urbana
mo ao centro, enquanto os brancos ten- quando os brancos-ricos manifestarem
deriam a se localizar mais distante do uma aversão racista em relação aos
CBD. A fronteira entre a zona ocupada negros-pobres.
13
Rose-Ackerman (1975, 1977).
14
O modelo de cidade racista é uma forma extrema de introduzir uma dimensão não-econômica
na formulação de decisões de localização. No caso brasileiro, podemos substituir o critério de
“aversão aos negros” e imaginar que os ricos têm “aversão aos pobres”; suas funções de
utilidade teriam uma variável de externalidade positiva dada pela proximidade de famílias
ricas; ver Abramo (1994).
Pedro Abramo 79
pois os brancos racistas que se localizam uma elevação do nível de utilidade das
perto da fronteira são “recompensados” famílias negras (u0 N<u1N). De forma ca-
pela perda de utilidade de estarem pró- ricatural, teríamos algo como uma corre-
ximos aos negros com uma queda no ção (econômica), por interferência da
pagamento de rendas. Essas alterações “mão divina” do mercado, dos “peca-
nas curvas de ofertas de renda modifi- dos” (morais) da alma humana.
cam substantivamente a estrutura intra-
urbana. A primeira modificação que No modelo de Rose-Ackerman, os
podemos ver como resultado do equilí- negros seriam indiferentes às escolhas
brio da cidade racista é que os gastos dos brancos racistas. As famílias negras
dos negros com localização (renda fun- tomam suas decisões a partir da sacros-
diária) serão inferiores aos desembol- santa miopia da racionalidade paramé-
sados em ordem espacial, onde os trica: dadas as curvas de indiferença de
brancos não têm aversão racista 15. Por- localização a partir do trade off entre
tanto, a ordem espacial racista para uma acessibilidade e espaço, a curva de res-
mesma localização permite um ganho trição orçamentária definiria a localiza-
de utilidade aos negros (r0 N>r1 N). Da ção de equilíbrio que maximizasse a
mesma maneira, o deslocamento da função de utilidade dos negros. Os agen-
curva de intenções de pagamento de tes tomam suas decisões de localização
renda dos brancos racistas (r1BR) para sem levar em consideração as escolhas
baixo redefine o ponto de fronteira dos outros participantes do mercado
entre as zonas dos negros e brancos ra- nem tampouco os resultados do pro-
cistas. O processo de equilibragem es- cesso de equilibragem espacial. Entre-
pacial faz emergir uma nova fronteira tanto, podemos imaginar um processo
negros-brancos (bi) que será mais dis- de equilibragem espacial ortodoxo, em
tante do CBD. Portanto, na cidade racis- que a racionalidade do cálculo econô-
ta, os negros se localizam em uma área mico dos agentes leve em consideração
superior à de uma ordem espacial sem a interdependência das funções de uti-
aversão racista. Dado que a população lidade dos participantes do mercado.
negra não se alterou, a densidade na Assim, os negros podem ter em conta a
zona dos negros diminui quando a aver- aversão dos brancos racistas e anteci-
são racista dos brancos se manifesta nos par as conseqüências das preferências
resultados da concorrência espacial. de externalidade de vizinhança dos
Esses dois resultados, queda dos preços brancos racistas na estrutura intra-urba-
da terra para as famílias negras e dimi- na (redução dos preços e das densida-
nuição da densidade na zona negra, des residenciais para as famílias negras);
permitem a Rose-Ackerman concluir isto é, eles não formulariam suas deci-
que a estrutura intra-urbana de uma ci- sões de localização de forma míope
dade racista (ordem eficiente) produz como nos modelos da síntese espacial
15
Um dos resultados clássicos da síntese walraso-thüneniana é o que diz que equilíbrios de
localização em curvas de oferta de renda mais baixas produzem um nível de satisfação
superior; Alonso (1964) e Fujita (1989).
Pedro Abramo 81
16
Para uma discussão da dimensão cognitiva da racionalidade estratégica, ver Walliser (1993).
17
Os negros formulam seus planos a partir de uma relação de causa e conseqüência de suas
decisões, considerando a mesma relação de causalidade das decisões dos outros agentes.
Para Walliser (1985, p. 39-40), esta seria uma definição minimal de uma racionalidade
estratégica.
82 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras
18
As regras de um jogo descrevem o que cada jogador pode fazer e quando pode fazer, assim
como as perdas e lucros associados a cada decisão. Para uma apresentação das noções de
base, ver Shubik (1982) e Rasmusen (1990); e para os jogos dinâmicos, Tirole (1983).
19
Harrington (1989, p. 178).
Pedro Abramo 83
20
Van Damme (1989, p. 139), “the most general model used to decribe conflict situations is the
extensive form model, which specifies in detail the dynamic evolution of each situation and
thus provides an exact description of ‘who knows what when’ and ‘what is the consequence
of which’.”
21
A apresentação de um jogo sob a formação normal ou estratégica elimina esse problema.
Entretanto, como nos diz Shubik (1982, p. 77), a forma estratégica implica a perda de infor-
mações sobre a estrutura do jogo.
22
Schelling (1971, 1978). Para justificar esse procedimento, ver Abramo (1994).
23
Segundo a apresentação de Kreps (1990, p. 404), “a Nash equilibrium is a strategy profile in
which each player’s part is as good a response to what the others are meant to do as any other
strategy available to that player”. Do ponto de vista matemático, o equilíbrio de Nash é um
ponto fixo; para uma apresentação formal, ver Tirole (1985, p. 117).
84 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras
24
Moreaux (1988, p. 15): “il s’agit bien (o equilíbrio de Nash) d’un concept adapté aux jeux
non coopératifs puisque chaque joueur choisit sa stratégie en fonction de son seule intérêt
personnel en considérant comme données les stratégies des autres joueurs. Il n’y a pas de
coordination des joueurs pour améliorer leurs gains”.
Pedro Abramo 85
xeque quando os agentes adotam uma negros terão sempre interesse em esco-
racionalidade estratégica. lher uma estratégia agressiva (estratégia
dominante). Assim o equilíbrio estável
Esse resultado é, sem dúvida, emba- será o mesmo do jogo com informação
raçoso para a tradição ortodoxa walra- perfeita: combinação das estratégias (A,
siana. Podemos, portanto, indagar se, em A). De fato, quando negros e brancos
um quadro de interação estratégica com escolhem suas estratégias a fim de maxi-
informação imperfeita, o equilíbrio de mizar seus interesses pessoais, e conhe-
Nash seria também ótimo. Na Figura 3b, cedores da eventualidade de “ataques
supomos que os brancos escolhem suas surpresa”, o único equilíbrio estável é o
estratégias sem conhecer o comporta- equilíbrio de Nash. Entretanto, esse equi-
mento escolhido pelos negros. Apesar do líbrio não é eficiente em termos do ótimo
desconhecimento da estratégia adotada de Pareto. Aqui temos o que normalmen-
pelos negros, os brancos podem formular te é chamado de “dilema do prisioneiro”:
suas hipóteses sobre o comportamento “para um jogador que não está seguro
estratégico que permite a maximização quanto às intenções pacíficas de seu par-
de suas satisfações. Por exemplo, se os ceiro, o uso da estratégia agressiva se
brancos antecipam que os negros ado- impõe em nome dos interesses indivi-
tam uma estratégica passiva, os brancos duais, mas o interesse comum decerto
terão interesse de adotar uma estratégia recomenda que se faça de tudo para atin-
do tipo ”ataque surpresa”, pois ao esco- gir a paz.” 25 Em razão de a estratégia
lherem um comportamento agressivo eles dominante induzir cada um dos partici-
teriam um ganho de 2, enquanto sua uti- pantes do mercado de localização a ter
lidade seria nula se adotassem um com- um comportamento agressivo e insen-
portamento passivo. No caso em que os sível ao interesse comum, o equilíbrio que
negros decidem por uma estratégia agres- se impõe é um equilíbrio não-coopera-
siva, os brancos optam também por uma tivo e subótimo. A única maneira de recu-
estratégia agressiva (-1 será sempre perar a eficiência do equilíbrio (ótimo) é
melhor do que -5). Portanto, os brancos impor a renúncia a todo comportamento
escolhem sempre a estratégia (A), inde- oportunista (ataque surpresa) que, do
pendentemente da escolha dos negros. ponto de vista individual de cada parti-
Segundo os termos correntes da teoria cipante do processo de equilibragem
dos jogos, os brancos têm uma “estratégia especial, seria sua decisão ótima. O para-
dominante”: adotar um comportamento doxo de uma racionalidade individual
agressivo seja qual for a estratégia escolhi- maximizadora que conduz a uma ordem
da pelos negros. Invertendo o raciocínio, (agregada) não-eficiente (ótima) revela
e portanto pondo os negros diante de os limites do mercado de localização
uma escolha de informação imperfeita, como “o” mecanismo de coordenação
chegaremos à conclusão de que os espacial.
25
Moulin (1981, p. 6-7).
86 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras
A imagem otimista proposta pela síntese zante (critério do trade off entre acessibi-
walraso-thüneniana de um processo de lidade e espaço). Assim, a representação
equilibragem espacial em que a liberda- econômica do espaço passa a ser plural
de de escolha de localização dos indi- e, sobretudo, produto das decisões ex
víduos faz emergir uma ordem espacial post dos participantes do mercado de
única e eficiente encontra seus pontos localização. Aqui, a dimensão da coor-
de fissura. Nosso caminho foi o de per- denação espacial pelo mercado torna-
seguir essas fissuras da ordem espacial se crítica, pois os tomadores de decisão
ortodoxa sem sair do campo de argu- de localização devem antecipar os efeitos
mentação teórico neoclássico. Nosso de localização dos outros participantes
primeiro movimento foi o de recuperar do mercado. O problema de coordena-
a argumentação do autor que propõe ção espacial torna-se mais crítico quando
a colonização das ciências sociais pelo temos interação estratégica entre os par-
discurso da economia (Gary Becker) ticipantes do mercado de localização.
para sinalizar que a decisão de localização Nos parágrafos anteriores, utilizamos o
pode, eventualmente, transformar-se caso da cidade racista neoclássica de
em um verdadeiro meio de investimen- Rose-Ackerman para sublinhar as dificul-
to familiar. Sua utilização em escolhas dades da equilibragem espacial quando
intertemporais pode servir para maximi- os agentes formulam suas decisões a
zar a complementaridade das funções partir de uma racionalidade estratégica.
de utilidade de um contrato de casa- Utilizando o dilema do prisioneiro para
mento ou permitir que um chefe de fa- caracterizar os comportamentos oportu-
mília tome a decisão oportunista cujo nistas dos negros e brancos da cidade
objetivo é o de possibilitar que seus filhos racista da síntese neoclássica, chegamos
se beneficiem das externalidades de vizi- a uma ordem urbana (equilíbrio) subóti-
nhança de famílias de renda superior. ma. Poderíamos, por exemplo, utilizar
Nos dois casos, a decisão de localização o paradoxo da cadeia de lojas de
é tomada a partir de uma representação Selten 26 e as propostas de solução de
do espaço definida pela estratégia de Kreps-Wilson 27 para ver que a introdu-
maximizar o “lucro familiar”. A interde- ção de perturbações em termos infor-
pendência das funções de utilidade da macionais (incerteza) pode conduzir à
família permite visualizar os limites de emergência de equilíbrios espaciais por
uma representação do espaço naturali- reputação 28. Essa possibilidade de uma
26
Selten (1978).
27
Kreps-Wilson (1982).
28
Em Abramo (1994), utilizamos o conceito de equlíbrio seqüencial e de reputação de Kreps-
Wilson para analisar o equilíbrio espacial de uma cidade racista.
Pedro Abramo 87
crença permitir a coordenação das deci- zação é um primeiro passo para a pro-
sões espaciais abre caminho a uma “eco- posição de uma leitura heterodoxa da
nomia das antecipações” urbanas e a economia urbana. Uma economia das
uma leitura da estrutura urbana a partir antecipações urbanas faz emergir a di-
de uma problemática da incerteza urba- mensão crucial do tempo em uma aná-
na. Acreditamos que a ruptura da rela- lise sobre a coordenação espacial e a
ção auto-referencial entre as hipóteses estruturação urbana e, a nosso ver,
de Thünen sobre a representação do es- deixa entrever a possibilidade da concei-
paço e a racionalidade paramétrica pro- tuação da noção de incerteza urbana
posta pela síntese walraso-thüneniana e radical e de um projeto de leitura pós-
sua problematização em termos de in- Keynesiano da economia urbana.
terdependência das decisões de locali-
88 A Ordem Urbana Walraso-Thüneniana e suas Fissuras
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Pedro Abramo 89
A construção da cidade-modelo
Como pontos luminosos no mundo, um questões centrais: por que no atual mo-
conjunto eleito de cidades é qualificado mento histórico as políticas urbanas com
como modelo – qualidade constituída a origem em cidades tão distintas produ-
partir de elementos urbanísticos, de prá- zem “modelos” semelhantes e, diante
ticas de gestão ou das chamadas solu- disso, quais são e o que refletem os pa-
ções criativas para problemas urbanos. drões dominantes de sucesso?
tentes. Eles impõem um modo de ver o dada sua notável aceitação, ou, como
mundo e moldam as condições para a expressa Lefebvre ao se referir aos pa-
ação dos grupos locais. A tentativa de radigmas, dado “seu poder mágico de
modelização conduz a uma hegemonia metamorfosear o obscuro em transpa-
desencarnada e desterritorializada, per- rência” (1998, p. 39), sua construção
mitindo um desvendamento mais pleno está intrinsecamente ligada a represen-
dos denominados “impulsos globais”, tações e idéias. Enquanto tal, portanto,
que, para Ribeiro (1999), designam a obedece à visão de mundo daqueles
nova ação hegemônica na escala- que, ao se imporem como atores do-
mundo. Essa ação, conduzida pelo dis- minantes nos processos de produção do
curso da flexibilidade e pela correlata espaço, passam também a ocupar posi-
idealização da técnica, expressa o teor ção privilegiada para dar conteúdo ao
dessa nova modernização. discurso sobre o espaço.
1
Swyngedouw identifica o fortalecimento das escalas global e local e a redução da importância
de outras – regional, nacional – como parte da nova estratégia discursiva dominante. Em sua
interpretação, as escalas não são um dado pronto e objetivo da nova geografia do mundo,
mas sim uma construção política com arranjos cambiantes (Swyngedouw, 1997, p. 141).
98 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?
como os mais apropriados para a circu- importar sua “experiência”, para com-
lação e a irradiação dos modelos. prar seu know-how.
3
Para estes dois últimos âmbitos, é exemplar a forma como foi trabalhado o “modelo Barcelona”,
a partir da exportação de know-how diante do sucesso na organização da Olimpíada Barcelona
92, assim como da difusão do seu modelo de planejamento estratégico, com forte orientação
para o mercado latino-americano e visível repercussão nos governos locais do Brasil. Ver
Benach e Sánchez, 1999.
100 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?
4
Os trabalhos apresentados nessa conferência internacional constituem-se em importante
referência acerca da agenda urbana hegemônica. Ver Moura, 1999.
5
Ver, por exemplo, a publicação “Barcelona: um modelo de transformação urbana - 1980-
1995”, Nações Unidas e Banco Mundial, destinada às cidades latino-americanas, em que
são expostas as “lições da cidade” assim qualificadas no prólogo. Ver, também, Castells e
Borja, “Local y Global”, 1997. Este último documento contém, literalmente, um “decálogo
para administradores urbanos”.
6
Tempo e espaço como categorias do acontecer no lugar vinculado à política e às relações
sociais que dão conteúdo e possibilidade histórica às práticas.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 101
resses envolvidos nas ondas moderni- ruins. Como anteparo da política – das
zadoras e para postergar o exame da relações sociais capazes de erigir o
orquestração entre tempos sociais que modelo –, objetivam-se as representa-
caracteriza a vida social” (1998, p. 108). ções e constroem-se esquemas ordena-
dores da vida urbana e demarcadores
Por outro lado, a tecnificação contida da ordem que se intenciona impor.
na difusão de boas práticas reforça a co-
dificação da eficácia, do desempenho e As práticas que se pretendem por-
do sucesso que levam mais à conduta tadoras de sustentabilidade articulam,
racional adequada às imposições da sobretudo, argumentos da eficácia
reestruturação produtiva do que pro- ecoenergética e da qualidade de vida.
priamente à transformação social. Permeia tais modelos uma represen-
tação tecnomaterial da problemática e
das soluções para as cidades. Atribui-se
Sustentabilidade urbana ao planejamento urbano, entre outras
como pressuposto comum coisas, o papel de minimizador da de-
gradação energética através do desen-
Quase sempre associada à noção de volvimento de tecnologias voltadas para
“cidade-modelo”, encontra-se a noção a reciclagem e para a despoluição. A tra-
de “cidade sustentável”. Pode-se dizer jetória evolutiva rumo à eficiência eco-
que, de modo recorrente, uma evoca a lógica conjuga projetos de mudança
outra na atual agenda urbana. Longe técnica urbana e programas de edu-
de configurar um sentido objetiva e con- cação ambiental, voltados à ampliação
sensualmente aceito, a noção de “cida- da chamada “consciência ecológica”.
de sustentável” compreende diferentes Com efeito, nesses projetos de cidade
conteúdos e práticas a reivindicar seu verifica-se uma nítida despolitização da
nome (Acselrad, 1999). questão ambiental, uma recusa do reco-
nhecimento de conflitos entre meio am-
Cada uma das chamadas “boas prá- biente e economia.
ticas”, no que se refere à sustentabili-
dade, inscreve-se nos quadros de um Outra noção estruturadora do dis-
projeto urbano, fundado em um apa- curso da sustentabilidade, amplamente
rente saber objetivo sobre fluxos e pa- transformada em recurso da modeliza-
râmetros. Nota-se, nesses casos, o ção, é a de “qualidade de vida” – ex-
recorrente acionamento de uma base pressa na incorporação social de práticas
técnica para apresentar e legitimar indi- orientadas à pureza ambiental, no exer-
cadores de qualidade de vida ou de cício da cidadania, no cultivo ao patri-
sustentabilidade urbana: metros qua- mônio cultural, assim como nas medidas
drados de área verde por habitante, to- de eficiência e eqüidade das políticas
neladas de lixo reciclado, quilômetros de urbanas (Acselrad, 1999). Os governos
ciclovias. É sobretudo o recurso à técni- locais lutam por ostentar os melhores
ca que distingue as boas práticas das indicadores e as melhores posições nos
102 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?
I m age ns de m a rc a
Cingapura Curit iba
Cidade modelo Cidade modelo
Cidade sustentável Cidade sustentável
Cidade planejada Cidade planejada
Global city Cidade de Primeiro Mundo
Cidade jardim Capital ecológica
Cidade equatorial de excelência Capital brasileira da qualidade de vida
Cidade multiétnica: where the world Curitiba de todas as gentes
comes together Cidade saudável
Cidade de alta tecnologia O Brasil urbano que deu certo
New Asia Singapore
governos locais, revestindo muitas vezes como exemplo no que se refere à “admi-
suas principais lideranças de um poder nistração urbana” e à “governança” e
quase mítico. também referenciada pelos elevados
padrões de qualidade da infra-estrutura
física, por inovações na oferta de habi-
O suporte econômico e tação, no provimento de áreas verdes,
i nstituci ona l na gestão do trânsito e na eficiência de
seus serviços públicos, elementos que,
Em Cingapura, a indústria eletroeletrô- ordenados, constroem a imagem de
nica foi implantada como decorrência “Cidade Equatorial de Excelência”. Cha-
da expansão do capital japonês, passan- mamos a atenção para o poder evocador
do a compor uma divisão vertical e ho- dessa imagem-síntese. Longe de ser ca-
rizontal do trabalho com a Malásia, a sual, ela define o campo no qual a cidade
Tailândia e as Filipinas. Porém, é o setor transita como modelo e compete em con-
financeiro que firma o país no mapa da dições vantajosas: cidades equatoriais,
internacionalização do capital, revelan- cidades em desenvolvimento.
do-se decisivo ao desenvolvimento da
região. “Em 1971, o governo iniciou o Curitiba, por sua vez, já nos anos
Asian Dollar Bond Market. Sua localiza- 70, durante o período do governo mili-
ção vantajosa e seu papel de interme- tar, foi eleita “cidade modelo” pelas ins-
diário financeiro e cambial num período tâncias centrais, uma espécie de versão
marcado por drásticas mudanças ma- urbana do chamado “milagre brasilei-
croeconômicas e nos preços relativos ro”, por levar adiante uma moderniza-
dificilmente podem ser exagerados nas ção urbanística que traduzia na escala
explanações sobre o ‘milagre’ asiático”. local um modelo de planejamento tec-
(Medeiros, 1997, p. 313) nocrático pretendido para os demais
centros urbanos do país.
Para Sassen, pesaram na consolida-
ção de Cingapura o forte impulso das Desde então, as diversas fases da
estratégias descentralizadoras da pro- cristalização do projeto, com pouca des-
dução industrial norte-americana, em continuidade política, em associação
busca de novos mercados, assim como com a imagem de cidade-modelo têm
os incentivos fiscais, infra-estruturais e outorgado à administração municipal o
de mão-de-obra de baixo custo. Hoje, papel de exportadora de tecnologias
consolida-se como centro regional se- urbanísticas, seja no âmbito dos trans-
cundário, reproduzindo em outra escala portes urbanos, do desenho de espa-
o papel desempenhado por Nova York, ços públicos, ou, mais recentemente, no
Londres e Tóquio, em escala mundial da “gestão urbana ambientalmente sus-
(Sassen, 1996, p. 41). tentável”. Com efeito, em diversos lu-
gares do Brasil, os governos municipais
Acionada como modelo para países tentam copiar as “soluções curitibanas”,
em desenvolvimento, Cingapura é alçada e, na escala internacional, periódicos
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 105
7
O último relatório do Banco Mundial aponta esse sistema como exemplo de como o plane-
jamento público integrado pode melhorar a acessibilidade com baixo custo, considerando o
papel indutor que os eixos estruturais desempenham no crescimento da cidade, o que
conseqüentemente permite reduzir o uso do automóvel (World Bank, 1999, p. 150).
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 107
8
Vianna compara o capitalismo high tech de Cingapura com seu exacerbado controle político-
social. Lembra Willian Gibson, que diz que o país é uma “Disneylândia com pena de morte”
(Vianna, 1999).
108 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?
festivais de teatro anuais que não guar- tes comuns, há em Cingapura uma po-
dam relação com o lugar. lítica regulatória dos fluxos, altamente
excludente, enquanto em Curitiba, com
Essas referências parecem sinalizar a segregação espacial dos novos migran-
uma teatralidade ostensiva do cenário tes de baixa renda, atraídos também
cultural destas cidades-modelo, sintomas pelo city marketing que acompanha essa
de uma civilização do simulacro, que nova fase de reestruturação produtiva,
evidencia a lógica cultural do capitalis- há o aumento de uma pressão latente
mo avançado (Jameson, 1995). das periferias.
9
Os programas de habitação em Cingapura foram desenvolvidos como “política de integração
social”, diluidora dos conflitos interétnicos dos anos 60. A ordenação espacial regulamenta
até a porcentagem máxima de moradores de cada etnia nos blocos de apartamentos. Ver
Castells e Borja, 1997, p. 233.
110 Cidades-modelo: espelhos de virtudes ou reprodução do mesmo?
10
Uma série de artigos desses autores contesta o divulgado padrão homogêneo e desenvolve
análise da fragmentação territorial da Grande Curitiba.
11
Nessa direção ver, por exemplo, o trabalho realizado dentro do projeto “Made in Barcelona”
(madeinbarcelona@yahoo.com) que desenvolve uma consistente crítica cultural às mais
recentes versões do “modelo-Barcelona”, base para a preparação do Fórum Universal das
Culturas 2004.
Fernanda Sánchez e Rosa Moura 111
continuação
Imagem como estratégia local de desenvolvimento
City marketing
Meio urbano “inovador” e “qualidade de vida”
Sustentabilidade urbana: “Cidade Jardim” e “Capital Ecológica”
Dependência externa de recursos naturais
Construção do senso de pertencimento
Difusão de modelo de gestão (“boas práticas”)
Ícones urbanos: elementos paisagísticos e do patrimônio
Indústria cultural e mídias urbanas: festivais de cinema e de teatro
Indústria do turismo: multiculturalismo, identidade urbana, paisagem
Tecnificação urbana: transportes, circulação, indústria ambiental
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A Re-significação das Tradições:
o Acre entre o rodoviarismo e o
socioambientalismo *
*
Este artigo é uma versão reduzida do Capítulo 4 de Modernização Negociada: expansão viária
e riscos ambientais no Brasil, 1999 (prelo), de Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka,
que resulta de pesquisa realizada no âmbito de um convênio entre o Cebrap e o Ibama.
1
Geraldo Mesquita, 1975, p. 15.
2
Francisco R. S. Castro e Maria E. Santos, 1992, p. 12 e p. 42-44; cf. também AQUIRI, mar./
1997, p. 47 ss.
3
Na década de 1970 a expansão da atividade agropecuária teve fortes repercussões sobre a
estrutura agrária da região, acarretando, ao mesmo tempo, sérios problemas ambientais. Cf.
IBGE/IPEA, 1990, p. 64.
4
AQUIRI, op. cit., p. 46 ss.; IBGE/IPEA, op. cit.; Mesquita, op. cit., p. 15 ss.
5
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
6
Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 117
visava também para o Acre. O projeto, dos impactos ambientais como condição
porém, não chegou a se efetivar 7. do financiamento da pavimentação do
trecho Porto Velho–Rio Branco 10.
O projeto do governo federal para
a Amazônia Ocidental sofreu profunda O PMACI I apresentava um cenário
inflexão na segunda metade dos anos explosivo: a pavimentação da rodovia
1980. A antiga “fronteira de recursos” causaria impactos ambientais, sociais e
transforma-se em área de interesse am- econômicos. O governo federal deveria
biental. Como o Acre tinha grande parte alterar os parâmetros usados até então
de sua cobertura vegetal intocada, os para o investimento na região, de modo
conflitos entre expansão econômica e a compatibilizar desenvolvimento, defesa
preservação ambiental ficaram explícitos do meio ambiente e melhoria da quali-
ali. O governo federal, desde o final dos dade de vida da população.
anos 1980, propusera vários projetos
ambientais para a região. O principal Em consonância, o governo fede-
deles, o Projeto de Proteção ao Meio ral redefiniu suas metas para a região:
Ambiente e às Comunidades Indígenas em vez de apostar na capacidade de
(PMACI I) 8, já era produto da reação produção agropecuária do estado, en-
do movimento ambientalista internacio- fatizou a importância da preservação
nal à pavimentação da BR-364 na região ambiental 11.
de Rondônia, que denunciava os im-
pactos sociais e ambientais decorrentes. O PMACI I expôs, portanto, o com-
O Banco Mundial fora responsabilizado promisso do governo federal de regular
por ambientalistas de ser o financiador e limitar a pressão econômica sobre o
da devastação da Amazônia 9. O BID exi- ambiente natural do estado 12. Razões
giu, por isso, garantias de minimização geopolíticas e econômicas motivaram
7
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
8
O PMACI I se refere ao entorno da BR-364, no trecho entre Porto Velho e Rio Branco. Poste-
riormente, foi feito o PMACI II, seguindo a mesma perspectiva, para o outro trecho da mesma
rodovia, entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul (que até 1999 ainda não estava totalmente
asfaltada). Cabe destacar também o amplo projeto do BNDES para a reserva extrativista do
Alto Juruá e para o desenvolvimento comunitário das áreas indígenas circunvizinhas, em 1989
(AQUIRI, op. cit., p. 40-41). Nem o PMACI II nem o projeto do BNDES serão analisados aqui.
9
A pavimentação do trecho Cuiabá–Porto Velho da BR-364 era a principal obra do Projeto de
Desenvolvimento Integrado do Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que fora financiado pelo
Banco Mundial e tinha o intuito de suprir as demandas por infra-estrutura na região de Rondônia
e de induzir o desenvolvimento da região. A esse respeito ver John Redwood III, 1993.
10
Cf. AQUIRI, op. cit., p. 41, e IBGE/IPEA, op. cit.
11
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
12
O projeto respondia “às preocupações nacionais e externas quanto à necessidade de um
plano para orientar a ocupação da área de influência direta e indireta da rodovia BR-364,
tendo em vista controlar ou minorar os impactos decorrentes do seu asfaltamento, previsto
para o trecho Porto Velho–Rio Branco (IBGE/IPEA, op. cit., p. 15).
118 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
13
A esse respeito ver Leilah Landim, 1993.
14
De que são exemplos o EIA-Rima e as audiências públicas.
15
Marina Silva, 1997.
16
É possível aferir essa posição a partir das entrevistas que realizamos com diferentes setores e
tendências do movimento ambientalista local (Costa, Alonso e Tomioka, op. cit.). Ver, tam-
bém, a esse respeito, IBGE/IPEA, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 119
17
Do PMACI I, coordenado pelo Ipea/Iplan, participaram diversos órgãos federais e estaduais –
Secretaria Especial do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, Mi-
nistério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (na época Incra), Fundação Nacional do
Índio (Funai), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O projeto também
constituiu um grupo de trabalho executivo com representantes da sociedade civil (GT-PMACI),
como Cimi (Conselho Indigenista e Missionário), CPI-Acre (Comissão Pró-Índio), CTA (Centro
dos Trabalhadores da Amazônia), CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros) e representan-
tes de órgãos federais e dos Estados de Rondônia, do Acre e do Amazonas (IBGE/IPEA, op. cit.,
p. 15). Sobre propostas apresentadas pelo CNS e pela UNI (União das Nações Indígenas),
incorporadas ao projeto, ver IBGE/IPEA, op. cit., p. 109 ss.
18
“Ainda hoje a exploração da seringueira nativa permanece estreitamente vinculada à quali-
dade e às características ambientais (...). Representa não apenas a fonte de sobrevivência
mas a expressão cultural da população, expressão que se caracteriza pelas relações que ela
mantém com o ambiente [...]. Algumas características da exploração seringueira, como a
rarefação da população em virtude da dispersão das espécies e da necessidade de grandes
áreas para cada extrator, foram fatores primordiais para o aspecto conservacionista da ativi-
dade.” (IBGE/IPEA, op. cit., p. 85-86)
19
Cf. IBGE/IPEA, op. cit.
120 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
20
Silva, op. cit., p. 5.
21
IBGE/IPEA, op. cit., p. 112.
22
ELI (Environmental Law Institute), 1995, p. 22 ss.; o PMACI I também sugere a criação de
várias reservas extrativistas no Acre (mais de vinte projetos em Rio Branco, Xapuri, Brasiléia
e Assis Brasil). (IBGE/IPEA, op. cit., p. 112).
23
Silva, op. cit.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 121
Nos anos 90, o governo do Acre formu- e já foi até indicado como ‘celeiro brasi-
lou, juntamente com o empresariado leiro’. Deixa abrir estradas para ter área
local e os diferentes partidos políticos produtiva capaz de sustentar o estado.”
que o sustentavam, um projeto rodovia- (representante dos produtores agrícolas
rista para o estado. Esse projeto, que locais, entrevista)
aparece explicitamente nos documentos
e ações dos órgãos oficiais e da buro- O processo de difusão do rodovia-
cracia vinculada ao setor de transportes rismo no Acre dos anos 1990 cria um
do estado, visava reaquecer a economia paralelo com o antigo projeto rodovia-
local e promover o escoamento da pro- rista nacional. Através de seminários, de
dução local por meio de uma ligação enduros e do estímulo a movimentos e
viária com as demais regiões do país. entidades civis rodoviaristas procurava-
Reativava-se, assim, a política federal da se sensibilizar as instâncias federais e a
década de 1970 para o estado, que população do estado para a necessidade
então objetivava a incorporação de da pavimentação das BRs 24 . Tão
novos territórios à economia nacional, comuns nos anos 1920, nos primórdios
só que agora destituída de seu intuito do rodoviarismo brasileiro, essas ações
geoestratégico, de garantia da segurança tinham por fim a promoção e a legiti-
nacional e de povoamento da região. mação do projeto rodoviarista também
O projeto de integração rodoviária do no Acre dos anos 1990. Mas, com a de-
estado passava a ser formulado em mocratização do país, os rodoviaristas
termos da modernização do Acre, como passaram a enfatizar os aspectos sociais
única possibilidade de desenvolvimento positivos da construção rodoviária, ênfa-
econômico local. se antes inexistente, pois os argumentos
principais em favor da ligação viária
O projeto rodoviarista acreano tinha aventados eram sempre econômicos. É
como fundamento a idéia de que a im- recorrente a partir do começo da déca-
plantação de um sistema viário eficiente da de 1990 o destaque conferido à
no Acre bastaria para gerar ali desenvol- melhoria de qualidade de vida da popu-
vimento econômico, tirando o Acre da lação, argumento claramente marginal
estagnação econômica mediante o nos projetos do regime militar, pelo qual
incentivo à produção agropecuária. O o projeto rodoviarista local se moldou.
modelo era Rondônia, que aparecia As preocupações com as conseqüências
como prova do vínculo entre rodovia e políticas são claras. Fica evidente que a
progresso: “Hoje você vê o nível de eco- opção rodoviária, antes “natural”, passa-
nomia de Rondônia, que se desenvolve va a necessitar de justificação pública.
24
Cf. A Gazeta, Rio Branco, 07/06/1991.
122 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
25
CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), Moção no 20, de 6 de dezembro de 1990.
Mapa 1 - Infra-estrutura de transportes do Estado do Acre
26
A Gazeta, 02/02/1991.
27
Por exemplo, o Conselho Regional de Medicina do Acre publica matéria paga em um jornal
local (A Gazeta, 03/02/1991) contra a moção e favorável à construção das rodovias, e o
próprio jornal A Gazeta (02/02/1991) publica editorial nos mesmos termos.
28
A Gazeta, 02/02/1991.
29
O representante declara publicamente não ter participado da sessão do Conama na qual a
moção contrária à estrada foi aprovada, apesar de seu nome constar da ata da sessão. Cf.
CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente): Ata da 26a reunião ordinária, 1990.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 125
30
O Rio Branco, 03/04/1996; cf. também Imac, Processo nº 0044/95, 1995; e Imac, Processo
nº 0071/95, 1995; ainda sobre o tema, DER-AC (Departamento de Estradas de Rodagem
do Acre), 1995.
31
A Gazeta, 04/04/1996, 13/04/1996 e 06/06/1996.
32
Imac, 1996; Comissão de Vistoria, ago. 1996.
33
A aliança possibilitaria a implantação de outras medidas mitigadoras dos impactos ambientais
ou às comunidades locais (Imac, op. cit., 1996).
34
Do km 32, em Rodrigues Alves, ao km 15, em Tarauacá (Imac, op. cit., 1996).
126 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
para o novo trecho. O acordo firmado pedia um prazo ao governo federal para
entre o governo acreano e o Ibama, de que o governo do estado desse “cumpri-
fato, apresentava medidas de minimi- mento às exigências legais com relação
zação dos impactos ambiental e social à apresentação de um relatório de im-
como condição da continuidade das pacto ambiental” 36. Nota-se uma mu-
obras 35. dança significativa na forma de defesa
ostensiva da construção de rodovias no
O embargo, além da simples para- início e no final do processo. O Imac,
lisação das obras, teve como conse- responsável pelo Raias, que era taxativo
qüências imediatas o aprofundamento quanto ao caráter político do embargo,
de discussões acerca da avaliação técnica passou, no final de 1996, a uma postura
sobre impactos ambientais na região, a conciliatória, ressaltando “que se busca-
explicitação local da posição dos órgãos va, democraticamente, uma solução
ambientais federais e locais, a efetivação conjunta” 37, que contemplasse o desejo
da legislação ambiental no Acre e a am- de construção das rodovias e as deman-
pliação do debate público sobre mode- das socioambientais 38.
los de desenvolvimento e a necessidade
de proteção ambiental no estado. Os constrangimentos legais e a pu-
blicidade do debate afetaram os agentes
Nesse processo, ficou evidente a ero- contrários ao embargo, obrigando-os a
são da legitimidade até então inconteste cumprir a legislação ambiental e a nego-
do projeto rodoviarista. Os melhores ciar com o movimento ambientalista e
exemplos são a inflexão dos editoriais o governo federal medidas de minimi-
dos jornais locais, dos discursos públicos zação dos impactos ambientais para con-
de políticos anteriormente contrários ao seguir o desembargo das BRs. De outro
embargo e da fala de técnicos de vários lado, também o movimento ambienta-
níveis de governo. O PMDB, convicta- lista local 39 teve que alterar sua posição
mente rodoviarista, ao mesmo tempo ao longo do processo. Se no começo
que exortava: “Pelo fim imediato do em- defendia a preservação ambiental e a
bargo decretado pelo Ibama! Pelo fiel das populações tradicionais, ao final
cumprimento da Constituição e das leis! admitia publicamente a importância da
Pela pavimentação das BRs 364 e 317!”, estrada para a população do Acre 40.
35
Imac, op. cit., 1996; Imac, 17/02/1997; DER-AC, 10/04/1997.
36
A Gazeta, 28/06/1996.
37
A Gazeta, 12/11/1996.
38
Dizia então o Imac: “Todo o estudo elaborado será apresentado durante a audiência pública,
com os impactos positivos e negativos. Vamos também estar abertos ao questionamento e
depois de tudo isso iremos analisar para poder então conceder o licenciamento (...) [as
audiências] são reuniões abertas, onde qualquer pessoa, desde que previamente inscrita,
pode apresentar questionamentos ao processo” (A Gazeta, 12/11/1996).
39
Cf. Imac, op. cit., 1996.
40
Cf. Imac, op. cit., 1996.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 127
Conclusões
O conflito configurado em torno do para o conflito acerca das hidrovias do
embargo das rodovias no Acre tem um plano Brasil em Ação 43: a incorporação
duplo eixo explicativo: as mudanças ins- local da nova agenda nacional, a efeti-
titucionais no Brasil e o debate público vidade de novos instrumentos legais e
local. públicos de controle das obras estatais
(maior poder do Ministério Público,
De um lado, o caso apresenta ca- ações civis etc.) e a constituição de um
racterísticas comuns a outros conflitos espaço público de discussão das ques-
entre expansão viária e defesa do meio tões ambientais (como as audiências
ambiente, conforme demonstramos públicas e o Conama).
41
Marina Silva, 03/07/1996, p. 4.
42
Isso fica claro, por exemplo, na consulta às comunidades afetadas pela estrada. A Comissão
de Vistoria deparou-se com grupos indígenas que aceitavam a liberação da rodovia desde
que fossem atendidas necessidades imediatas como compra de alevinos para um açude,
reposição de um rádio amador etc., o que indicava a existência de um trade-off entre a defesa
do meio ambiente e a qualidade de vida das comunidades. Cf. Comissão de Vistoria, op. cit.
43
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka, 1999, p. 157-175.
128 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
44
Idem, ibidem.
45
Imac, op. cit., 1996.
46
Imac, op. cit., 1996.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 129
47
Ver Albert O. Hirschman, 1995.
130 A Re-significação das Tradições: o Acre entre o rodoviarismo e o socioambientalismo
Referências bibliográficas
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__________. Modernização Negociada: nhamento, Supervisão e Orientação
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no Brasil. São Paulo/Brasília: Cebrap/ BRs 317 e 364). Relatório circunstan-
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(OF/DG no 102), Rio Branco, 10 abr. 17 fev. 1997.
1997.
Sérgio Costa, Angela Alonso e Sérgio Tomioka 131
LANDIM, Leilah. A invenção das ONGs. __________. Ofício GSMS no 157 (Carta
Do serviço invisível à profissão sem a Sua Excelência Sr. Fernando
nome. Rio de Janeiro, 1993. Tese Henrique Cardoso, Digníssimo
(Doutorado) – Programa de Pós- Presidente da República Federativa
Graduação em Serviço Social, UFRJ. do Brasil). Brasília, 03 jul. 1996.
O RIO BRANCO (Jornal diário). Rio Branco, (Recebido para publicação em novembro
Acre, intermitente. de 1999)
Sérgio Costa é doutor em sociologia
R EDWOOD III , John. World Bank ap-
pela Universidade Livre de Berlim, pro-
proaches to the environment in
fessor da UFSC e pesquisador do Cebrap
Brazil. A review of selected projects.
Washington: OED/World Bank, Angela Alonso é doutoranda em
1993. sociologia na FFLCH-USP e pesquisa-
dora do Cebrap
SILVA, Marina. “O sonho sustentável”. Sérgio Tomioka é mestrando em
Artigos, Brasília: Senado Federal, filosofia no IFCH-Unicamp e pesquisa-
1997. dor do Cebrap
Estratégias de Localização
Residencial e Dinâmica Imobiliária
na Cidade do Rio de Janeiro
Introdução
deslocam para áreas onde existe forte estudos sobre o tema se dedicam a expli-
pressão da demanda sobre o mercado car a mobilidade residencial através de
de usados, ou a demanda é atraída pelos sua relação com as alterações no ciclo
novos empreendimentos sob o efeito do de vida familiar 2 ou no status socioeco-
poder de arrasto dos empreendedores nômico 3 e com o grau de satisfação/
imobiliários (Smolka, 1992). Chegamos insatisfação dos indivíduos em relação
agora na outra ponta do complexo nexo a sua localização residencial; neste último
de relações existentes na dinâmica do caso, o objetivo dessa mobilidade resul-
mercado imobiliário – a demanda. taria num aumento na utilidade locacio-
nal (Place Utility). A direção do fluxo
A extensa literatura sobre o tema intra-urbano seria, então, determinada
vem revelando, empiricamente, a prefe- pelo grau de satisfação/insatisfação com
rência dos capitalistas imobiliários pela o lugar de origem, no que diz respeito
produção de imóveis para as famílias de às alterações urbanas ligadas ao proces-
mais alta renda (demanda solvável), so de valorização/desvalorização do es-
atraindo-as para áreas onde seu lucro é toque, que incide também na estrutura
garantido pela transformação de seu social da vizinhança.
uso. Por outro lado, o estoque habitacio-
nal proporcionado pelo deslocamento Desse modo, as relações entre a mo-
dessas famílias é utilizado por aquelas bilidade residencial e a estruturação do
de renda inferior. Em ambos os casos, espaço intra-urbano dependem do tipo
o migrante intra-urbano está continua- de famílias que se deslocam e das caracte-
mente avaliando como a nova residên- rísticas do lugar de origem e do lugar para
cia poderá satisfazer suas necessidades onde se deslocam. Apresentamos na pri-
e aspirações, modificadas por mudanças meira parte deste trabalho a descrição
nas suas próprias características e nas de do perfil do migrante intra-urbano e dos
seu ambiente. A procura dos indivíduos/ fluxos de deslocamento residencial, rela-
famílias é controlada pela avaliação do cionando-os na segunda parte com a
“estoque habitacional” e pela informa- dinâmica imobiliária na cidade e com as
ção e percepção sobre esse estoque. transformações ocorridas na estrutura
intra-urbana, através dos dados das tran-
No entanto, para que as famílias sações imobiliárias com apartamentos
mudem de residência é preciso também entre 1975 e 1995, para finalmente ana-
que certas condições individuais/estru- lisarmos as diferentes dimensões das es-
turais 1 sejam suficientemente determi- tratégias de localização residencial dos
nantes para a mudança. Assim, muitos indivíduos e/ou famílias.
1
As condições individuais são as relacionadas às hipóteses do ciclo de vida familiar ou as
relacionadas à mobilidade social do indivíduo. Por outro lado, essas condições estarão de-
pendentes dos fatores exógenos (condições estruturais), como a relação renda/emprego e
disponibilidade de crédito imobiliário.
2
Ver o trabalho de Rossi (1980).
3
Ver o trabalho de Simmons (1970).
Teresa Cristina Faria 135
Tabela 2 - Distribuição da renda domiciliar dos adquirentes por faixa de renda (%)
Anuário Estatístico do
Classe de Renda Pesquisa / 95
Rio de Janeiro 93/94
1-5 SM 11,8 66,8
5-10 SM 27,9 17,4
>10 SM 60,3 15,8
Total 100,0 100,0
Fonte : Faria (1997).
4
Com a crise do SFH houve uma redução da demanda, que impôs novas formas de financia-
mento dirigidas a determinado segmento do mercado, evidenciando mudanças também nas
características dos imóveis.
5
Sobre este aspecto, ver Abramo (1988), p. 151-152.
Teresa Cristina Faria 137
que ocupam imóveis alugados. O fato nhecimento do que significa para as fa-
de já ser proprietário, ceteris paribus, mílias a aquisição de um imóvel. Essa
reduz a probabilidade de mudança decisão, segundo Abramo (1988), tem
(Rossi, 1980). Para os economistas, o duas motivações básicas: acesso aos
motivo está nos altos custos do movimen- “serviços de habitação” e posse de um
to (estimado em torno de 10% do valor ativo monetário, que no futuro poderá
do imóvel), que inclui os de transação valorizar-se e viabilizar a mudança de
(escritura, ITBI etc.) e os decorrentes da residência da família. Dos proprietários
mudança em si. Outro aspecto, no en- pesquisados, 75,4% venderam seus
tanto, poderia explicar a baixa mobilidade imóveis. Com a inovação, os capitais
dos proprietários; considerando a hipóte- imobiliários aumentaram a atratividade
se de que a mobilidade residencial estaria dos imóveis/localização, modificando as
associada a uma adaptação da nova resi- preferências dos indivíduos/famílias.
dência às necessidades impostas pelas
mudanças no ciclo de vida familiar e/ou As mudanças nessas preferências é
nas condições socioeconômicas dos mi- também resultado da evolução histórica
grantes, a propriedade garante à família da sociedade. Como formula Taschner
a possibilidade de modificá-la, adaptan- (1997), o espaço residencial e a maneira
do-a às suas novas exigências/preferên- de morar são reflexo das transformações
cias. No entanto, os nossos resultados do processo de trabalho, do local onde
revelam que há um percentual não negli- se trabalha e das mudanças na compo-
genciável de migrantes já proprietários, sição familiar e nas relações entre seus
ou seja, de indivíduos/famílias que estão membros. Hoje nos deparamos com o
trocando suas antigas residências por aumento do número de pessoas que
outras, o que obviamente suscita um moram sós e do número de famílias mo-
maior número de questões sobre os mo- noparentais (mulheres chefes de família
tivos relativos a esses migrantes do que vivendo com os filhos) 6, em decorrên-
sobre os relativos ao segmento dos novos cia, talvez, do aumento do número de
proprietários. separações conjugais. Essa nova confi-
guração da família, contrariando o
A resposta a esse fenômeno pode padrão da família tradicional (pais e
estar na estratégia de inovação/diferen- filhos), traz importantes implicações para
ciação da moradia empreendida pelos o mercado habitacional, sinalizando
capitalistas imobiliários no sentido de novas tendências das necessidades ha-
atrair demanda solvável, no caso, famí- bitacionais das famílias quanto às suas
lias de alta renda. Os capitalistas imobi- características físicas e locacionais, já que
liários, ao utilizarem esse artifício – a novas situações familiares redefinem os
inovação – baseiam-se num certo co- critérios de localização. 7
6
Segundo nossa pesquisa, o percentual de mulheres adquirentes de imóveis é de 39,57%.
7
Taschner (1997) cita uma situação típica ao dar o exemplo de pais separados que tendem a
se localizar próximo aos parentes como estratégia para recorrer à ajuda deles na criação dos
filhos.
138 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro
8
Os trabalhos de Smolka (1983, 1989, 1992) também obtiveram o mesmo resultado.
Teresa Cristina Faria 139
9
Esse aspecto é evidenciado pelo aumento da participação de imóveis comerciais na RA de
Botafogo nas transações imobiliárias na cidade, passando de 2,56%, no início dos anos 70,
para 3,53%, no início dos anos 80. Em 1990 esse percentual atingiu 6,68% das transações
com imóveis comerciais na cidade.
10
Dados do Censo do IBGE/91.
144 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro
Os dados apontam para uma seg- gumas RA’s expulsaram mais famílias
mentação espacial em termos de classe com renda até 5 SM do que atraíram.
de renda, revelada pela predominância Isso demonstra um movimento gradual
dos fluxos para áreas cuja renda média de segregação residencial, considerando
do chefe de domicílio é compatível com que o fenômeno é evidenciado nas RA’s
a do migrante. que estão em processo de mudança do
ciclo de vida da área (RA’s 9, 13, 16 e
Em relação aos fluxos ascendentes 24) e estão sendo valorizadas pelos in-
ou descendentes, a classe de renda até vestimentos do capital imobiliário, que
5 SM apresenta um maior percentual para elas atraem uma população de
de fluxos descendentes do que as classes maior renda.
de renda mais alta. Nesse aspecto, a
classe de renda > 10 SM tem percentual Nas classes de renda de 5-10 SM e
superior nos fluxos ascendentes. Esse > 10 SM, predominam os fluxos ascen-
fato poderá ser comparado aos resul- dentes, ou seja, que se dirigem para
tados da análise da Tabela 6, em que áreas mais valorizadas do que as de ori-
avaliamos o processo da segregação resi- gem desses migrantes. De modo geral,
dencial através dos fluxos das diferentes conforme a Tabela 7, a predominância
classes de renda pelas RA’s mais impor- dos fluxos para área similar serve para
tantes. reafirmar a segmentação social e ratificar
a segregação residencial na cidade.
O percentual dos fluxos para outras
RA’s de famílias com renda até 5 SM é Observe-se que a relação atração/
superior ao percentual de famílias que expulsão/permanência, para todas as
se dirigiram para essas RA’s, ou seja, al- faixas de renda, mas principalmente
Teresa Cristina Faria 147
11
Para esses dados foram feitas as seguintes perguntas aos migrantes: “Você considera sua
renda (1) menor (2) maior ou (3) igual à de sua vizinhança anterior?” e “Você acha que vai
para um bairro cuja vizinhança tem renda (1) menor (2) maior ou (3) igual à sua?”
12
Ver Abramo (1994).
148 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro
13
Ver Abramo (1994).
Teresa Cristina Faria 149
Gasto com
Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 5,0 5,0 10,0 5,0
Maior/Melhor 50,0 60,0 50,0 15,0
Pior/Menor 30,0 25,0 0,0 25,0
Igual 15,0 10,0 40,0 55,0
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Gasto com
Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 2,3 1,1 2,3 1,1
Maior/Melhor 50,6 62,1 55,2 18,4
Pior/Menor 18,4 26,4 3,4 13,8
Igual 28,7 10,4 39,1 66,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Gasto com
Renda 5-10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 19,6 27,8 20,9 19,6
Maior/Melhor 32,6 25,0 27,9 15,2
Pior/Menor 17,4 38,9 9,3 10,9
Igual 30,4 8,3 41,9 54,3
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Gasto com
Renda >10 SM Acabamento Tamanho Localização*
transporte
Em branco 13,0 13,0 14,5 14,5
Maior/Melhor 44,9 43,5 21,7 10,1
Pior/Menor 18,8 20,3 15,9 8,7
Igual 23,2 23,4 47,8 66,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
* A localização se refere ao tipo de vizinhança (renda).
Fontes : Faria (1997); IPPUR/ITBI/UFRJ – 1995.
16
Dos proprietários entrevistados, 75,4% venderam seus antigos imóveis.
Teresa Cristina Faria 153
assim o fazem seguindo uma estratégia ção ou o “peso” relativo entre a opção
na qual um imóvel é substituído por pelo imóvel ou pela localização é fruto
outro melhor/maior e assim sucessiva- de uma decisão puramente econômica?
mente, através de trajetórias residenciais Para respondê-la será necessário analisar
pela cidade. Ou seja, o equilíbrio resi- com mais detalhes o motivo das mudan-
dencial do ex-inquilino de baixa renda ças de endereço de cada família ou indi-
é alcançado por etapas 17. O mais impor- víduo.
tante seria a propriedade do imóvel. No
entanto, para os novos proprietários No momento, podemos apenas rea-
com renda > 10 SM, o tamanho e a firmar a forte concomitância entre a di-
qualidade do imóvel são atributos consi- nâmica de deslocamentos residenciais na
derados essenciais, a ponto de justifica- cidade e a dos investimentos imobiliários,
rem sua aquisição em detrimento de que alteram a estrutura residencial ur-
uma melhor localização. A pergunta que bana atraindo/expulsando os diferentes
se impõe é a seguinte: até onde a rela- segmentos populacionais.
17
Poderíamos supor que alguns dos proprietários representados na pesquisa estivessem pas-
sando por uma dessas etapas. Isto é, já foram inquilinos e através de trajetórias pela cidade
mudaram sua condição de ocupação e, conseqüentemente, alteraram seus objetivos.
154 Estratégias de Localização e Dinâmica Imobiliária na Cidade do Rio de Janeiro
Referências bibliográficas
Murillo Marx
Rose Compans
No debate atual sobre o novo papel das extensão das funções centrais como
cidades em face da globalização financei- conseqüência da necessidade de geren-
ra e da reestruturação produtiva, Saskia ciar as unidades descentralizadas, con-
Sassen tornou-se uma referência funda- tribui para favorecer a criação de centros
mental com The Global City (1991), regionais secundários, “versões redu-
obra em que procurou demonstrar zidas e nacionais do que New York,
como a dispersão geográfica da ativida- Londres e Tóquio asseguram em escala
de econômica ocorrida nos anos 80 – mundial”.
sobretudo a expansão e a internaciona-
lização da indústria financeira, com o Este é o argumento central de As
crescimento de um grande número de Cidades na Economia Mundial, a partir
mercados financeiros secundários – do qual Sassen busca aprofundar a análi-
requereu a centralização das decisões em se sobre o impacto da globalização na
alguns “sítios de controle específicos”, as formação de um novo regime econômico
chamadas “cidades globais”. Embora nas grandes cidades, não mais circuns-
considere que apenas três cidades apre- crevendo o fenômeno às cidades globais.
sentam a capacidade de controle global Além de incorporar dados mais atualiza-
e de produção de inputs especializados dos sobre a evolução do IED (investi-
dos quais dependem as instituições mento estrangeiro direto) mundial – o
financeiras que dominam os mercados que lhe permite inclusive observar que a
mundiais, a autora sugere que a tendên- privatização foi, desde 1991, um elemen-
cia à desconcentração da produção to crucial para o crescimento do IED na
manufatureira e de serviços, aliada à América Latina –, sobre as transfor-
1
Interpretação alimentada pela própria autora em várias passagens da referida obra, como a que
afirma explicitamente que, “em princípio, toda cidade deveria considerar o desenvolvimento
das telecomunicações como uma prioridade e se esforçar em ter a sua disposição todas as
funções hoje concentradas nas grandes metrópoles, na prática.” (Sassen, 1991, p. 453)
REVISTA LATINOAMERICA DE
ESTUDIOS URBANO REGIONALES
http://www.scielo.cl
Vol. XXV/ N°76/Diciembre 1999
Artículos
Globalización y dualización en la región metropolitana de Buenos Aires. Grandes inversiones
y reestructuración socioterritorial en los años noventa.
Pablo Ciccolella
Santiago de Chile, globalización y expansión metropolitana: lo que existía sigue existiendo
Carlos de Mattos
Los frutos amargos de la globalización: expansión y reestructuración metropolitana de la ciudad
de México
Daniel Hiernaux-Nicolás
Quão grande é exagerado? Dinâmica populacional, eficiência econômica e qualidade de vida na
cidade de São Paulo
Carlos Roberto Azzoni
Tendências da Segregação Social em Metrópoles Globais e Desiguais: Paris e Rio de Janeiro
nos anos 80
Edmond Preteceille
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Gestión de servicios y calidad urbana en la ciudad de Buenos Aires
Pedro Pirez
REVISTA LATINOAMERICA DE
ESTUDIOS URBANO REGIONALES
http://www.scielo.cl
Vol. XXV/ N°77/Mayo 2000
Artículos
Las telecomunicaciones y el futuro de las ciudades: derribando mitos
Stephen Graham
Reconversión industrial, gran empresa y efectos territoriales. El caso del sector automotriz en
México
José A. Vieyra
Reforma de los Mercados de Suelo en Santiago, Chile: efectos sobre los precios de la tierra y la
segregación espacial
Francisco Sabatini
Chile: la vocación regionalista del gobierno militar
Sergio Boisier
Producción del transporte público en la metrópolis de Buenos Aires. La movilidad ciudadana
hacia el nuevo milenio
Andrea Gutiérrez
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(Coleção ou Série).
_______________________________
Ex.: Maciel, Alba Costa. Planejamento de biblio-
tecas: o diagnóstico. 13. ed. Niterói: EdUFF, Instituição _______________________
1993, 91 p. _______________________________
b) artigo - último Sobrenome, prenome e
demais sobrenomes do(s) autor(es); título Endereço _______________________
do artigo: subtítulo; Título do periódico (em _______________________________
itálico), local de publicação, n° do volume,
do fascículo, da página inicial–página final Cidade _________________________
do artigo, mês e ano de publicação. Estado ___ CEP _________________
Ex.: Targino, Maria das Graças. Citações biblio-
gráficas e notas de rodapé. Ciência e Cultura, País ____________________________
São Paulo, v. 38, n. 12, p. 704-780, dez. 1986. Tel. ( ) ______________________
3. Devem ser enviados um resumo, com cerca Fax: ( ) ______________________
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chave para efeito de classificação bibliográfica. E-mail: _________________________
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