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Companheiras(os) Professoras(as),

Antes de discutirmos as diretrizes, vamos estabelecer um porto seguro: somos


funcionários públicos e, em razão disso, temos prerrogativas e obrigações legais e
constitucionais. Parece óbvio, mas não é. Não somos funcionários de governos, de
secretários, de superintendentes ou diretores, somos funcionários do povo. Nossa
obrigação é com a lei, com a constituição e com a escola pública de qualidade.

A partir deste lugar, estamos vinculados a princípios da administração pública, previsto


no art. 37, da CF/88. Contudo, outros princípios, muitas vezes omitidos, também
regulam a administração pública e cabe aos servidores preserva-los.

Um princípio muito importante neste momento é o PRINCÍPIO DA


CONTINUIDADE. Segundo ele o serviço público deve ser acessível e prestado de
forma contínua. Contudo, isso não significa que ele não possa ou deve ser paralisado em
situação emergencial e nem que ele deva existir a qualquer custo, ou apenas
formalmente.

Outro fundamental princípio do Direito Administrativo é o PRINCÍPIO DA


ADEQUAÇÃO. Contido no princípio da Proporcionalidade, a Adequação consiste em
o ato administrativo ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos.
Diante disso, e em respeito ao papel do servidor público, é preciso declarar com pesar,
mas com honestidade, que o modelo ESCOLAR não é a maneira ADEQUADA de
prestação de serviço educacional, mesmo em situação de emergência. O que
observamos é a realização formal do princípio da continuidade, mas nunca a prestação
material, real, verdadeira. Não assumir e corrigir os rumos desse modelo de forma
democrática, pragmática e com a REAL PARTICIPAÇÃO dos educadores, agentes
legítimos para pensar a educação, é comprometer o presente e construir uma reabertura
com base em engodos e formalidades. Pergunte a si mesmo professor: quantos alunos
realmente acessam e participam das atividades nas plataformas online? Quantos alunos
demonstram desenvolvimento nas competências e habilidades adquiridas pelas ações
EaD disponíveis?

A resposta nos levará ao PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA, previsto no art. 175, IV, da


Constituição. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a obrigação de manter serviço
adequado. Tal adequação, para dar materialmente, ou seja, na prática, deve estar
intimamente ligada às demandas da comunidade escolar, comunidade esta que está há
anos sob forte ataque do modelo de gestão autoritário e centralizador da SEDU que
retira professores, alunos, pais, servidores, da construção adequada de um serviço
público de real interesse, desculpem pela repetição, público.

Assim, há uma profunda discordância entre professores e gestão/sedu sobre a adequação


e a eficiência das ações EaD (eufemisticamente rebatizadas como APNPs). Para
começar a abordar tais discordâncias e passarmos às propostas da CI/SEDU/SEPLA Nº
03, precisamos abordar uma questão básica: QUAL É A REAL PARTICIPAÇÃO
DOS ALUNOS NAS PLATAFORAS? Como falar em frequência, conteúdo,
utilização do SEGES, ampliação do EscoLAR, sem divulgar um dado fundamental:
QUANTOS ALUNOS DE FATO PARTICIPAM DESSAS ATIVIDADES?

Os professores relatam amplamente a ínfima participação dos alunos nas atividades


EaD, os relatos de censura e constrangimentos passados por professores em razão da
vigilância dos conteúdos das aulas cresce diariamente. Os alunos reclamam da péssima
qualidade do material disponibilizado e da diferença abissal entre eles e as instituições
privadas, não por incapacidade dos profissionais da educação, mas pela forma como
estes profissionais são alijados das tomadas de decisão que vem verticalmente da SEDU
e de seus Parceiros Privados.

Enquanto isso, o Excelentíssimo Sr. Secretário de Educação publica sobre o sucesso das
ações EaD. Defina sucesso Senhor Secretário? Sucesso para nós, servidores públicos
com prerrogativas constitucionais é ADEQUAÇÃO e EFICIÊNCIA, e só poderemos
falar sobre isso quando tivermos acesso ao número de alunos que de fato estão
acessando a plataforma, dado não divulgado ou não conhecido.

É evidente que estamos passando por um momento histórico, uma emergência sem
precedentes, e é justamente por isso que os princípios constitucionais devem ser
observados, como o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. Não podemos permitir que
ações sem base de pesquisa sólida e de questionável eficácia seja apresentada como
sucesso e como futuro da educação pública. Não é razoável que a solução seja tão
danosa quanto o problema.

É nestes termos que passamos a análise da CI/SEDU/SEPLA Nº 03.

Em primeiro plano, a referida CI choca a comunidade escolar por ignorar o que há de


mais importante na própria comunidade, O BEM ESTAR DO ALUNO. Todas as
diretrizes expostas nela partem do pressuposto de que nossos alunos estão bem,
saudáveis, alimentados, em condições mínimas para o processo de aprendizagem. O
problema é que os gestores da educação não sabem se está é a real condição de nossos
alunos, nem nós. A falta de assistência social profissional nas escolas é um debate
antigo, mas neste momento ele se faz fundamental. Há relatos de alunos que passaram a
trabalhar na informalidade para garantir o sustento da família, alunos que estão
passando por graves necessidades materiais, alunos que estão em tamanha condição de
fragilidade social que não tem condições físicas e psicológicas de se engajar. Assim, é
preciso pensar no aluno antes de pensar na manutenção de um sistema de educação
engessado e autoritário online.

Uma das formas de engajarmos o aluno é perguntando como ele está. Para isso, é
preciso que a escola, com apoio da SETADES - Secretaria de Trabalho, Assistência e
Desenvolvimento Social, atendam e ajudem nossos alunos, para que assim eles estejam
em condições de se engajar nos projetos de redução de danos. É indigno que professores
tenham demandas burocráticas finlandesas sem saber se seus estudantes estão
alimentados.

O segundo ponto que gostaríamos de sublinhar é o que pesquisadores vêm chamando de


HIPERBUROCRATIZAÇÃO da educação. Quando nos deparamos com as diretrizes
expostas na CI, somos remetido ao processo de burocratização irracional ao qual os
professores, pedagogos e diretores são submetidos nos últimos 5 anos. Tal processo não
é simples fruto de incompetência, ao contrário.

A hiperburocratização é resultado das políticas de gestão empresarial da Escola Pública.


Além de subestimar a capacidade dos funcionários públicos de atuarem e impor uma
agenda elitista às escolas, as parcerias público-privadas na área da educação privatizam
a função programática dos servidores da educação. A adoção de modos de gestão
privados para a Educação Pública está no âmago dos entes de direito privado que
passaram a atuar na Escola Pública, entre eles: Instituto Unibanco, Instituto Natura,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann, Fundação Educar Paschoal, Parceiros da
Educação, Instituto Itaú Social, Todos Pela Educação. Esses agentes privados atuam
através de convênios e tem grande penetração nas secretarias estaduais de todo o Brasil.
A estratégia de privatização da Escola Pública no Espírito Santo, capitaneada pela
Fundação Itaú Unibanco, presente no Estado desde 2015, com o Programa Jovem de
Futuro, se concentra nos sistemas de avalições externas, com impacto na bonificação
dos servidores por produtividade, e centralização da gestão escolar na figura do diretor
escolar.

Sob o pretexto de modernizar a gestão escolar, os parceiros privados “implementam”


ações muito próximas aos gestores de unidades, com formações, produção de protocolos
e instrumentos de controle dos servidores e materiais pedagógicos como sequencias
didáticas. Na realidade, o que está em jogo é criar um modelo de gestor, com valores e
princípios. A gestão escolar, assim, deve ter foco em resultados e metas (o famoso
resultado do PAEBES e o famigerado fluxo). Aqui estamos de volta a
hiperburocratização. O sistema de metas e as formas de atingi-las, métodos privados,
não necessariamente úteis a Educação Pública, fazem dos diretores agentes e
responsáveis diretos pelo alcance dessas metas, fazendo do diretor escolar um
verdadeiro PREPOSTO DAS CHEFIAS POLÍTICAS. Os diretores de unidade também
respondem a entidade privada que controlam e fiscalizam o trabalho do servidor através
de todo sistema de avaliação, que na verdade é uma ferramenta de controle, pressão e
vigilância.

Assim, o modelo de gestão por resultado entra na sala dos professores, que passam a
sofrer todo tipo pressão, assédio, interferência no conteúdo, perda de autonomia e
represálias a fim de atingir as metas de caráter empresarial. O resultado foi sentido em
todo país. A pesquisa coordenada pelo professor José Alberto Rosa Ribeiro, da UFRGS,
capturou o resultado do Programa Jovem de Futuro em Minas Gerais e no Rio Grande
do Sul e o resultado foi nada surpreendente: as metas foram alcançadas, em troca a
Escola perdeu a “GESTÃO DEMOCRÁTICA, A AVALIÇÃO
EMANCIPATÓRIO, AUTONOMIA PEDAGÓGICA DO DOCENTE E O
ESVAZIAMENTO/ESMORECIMENTO DO PROJETO POLÍTICO E
PEDAGÓGICO DA ESCOLA” (RIBEIRO; GRABOWSKI; MARÇAL, 2017, p. 47).

Fica evidente que as diretrizes trazidas pela SEDU seguem o mesmo caminho, uma vez
que esta é a nova alma, a consolidada ideologia da educação pública estadual. Registro
de chamadas, conteúdo, plano de ação, toda burocracia apenas serve para alijar o
servidor de sua verdadeira função, pensar educação em seu contexto real e aplicar seu
conhecimento de acordo com as demandas, limitações e saberes da comunidade.

Finalmente, temos que analisar a condição de trabalho de servidor público da educação.


É preciso deixar claro, pois aparentemente este valor também se perdeu com a
hiperburocratização privatista, que o professor é um profissional. Professor não é
bagunça! Devem-se respeitar os limites funcionais de sua atividade, seu período de
trabalho, os meios materiais para execução de seu trabalho (hoje internet, telefone, etc.)
e sua privacidade. Exigir do professor que “se vire”, como é a prática comum, é
inadmissível. A Secretaria de Educação, com a devida vênia, deve sanear sua própria
confusão e antes de estipular diretrizes sem nenhuma função prática, pedagógica ou
racional, dar condições objetivas do servidor da educação exercer sua função com
dignidade e tecnicidade.

O Coletivo Lute-ES sabe que os desafios parecem enormes, mas a aplicação da LDB, da
Constituição Federal e Estadual, ou seja, seguir a lei e os princípios constitucionais, são
o caminho para construir uma Educação Pública, Democrática e Plural. Assim,
propomos os seguintes tópicos programáticos:

i) Autonomia Funcional dos Docentes: direito real de participação nas


decisões estratégicas e pedagógicas da Escola, com respeito à liberdade de
cátedra e à autonomia intelectual do professor;
ii) Fim das Decisões Verticalizadas: reativação dos Planos Políticos
Pedagógicos das Escolas e dos Conselhos de Escola, bem como sua
prevalência sobre portarias, diretrizes e orientações verticalizadas,
centralizadoras, aintidialógicas que contrariam os princípios constitucionais
e da administração pública;
iii) Eleição para Diretores Escolares: não é razoável que os diretores escolares
possam ocupar o cargo perpetuamente, sem a limitação de mandato e sem o
processo democrático com participação de toda comunidade escolar, como
acontece na prática. Não há que se falar em Gestão Democrática quando os
diretores respondem exclusivamente a governos e parceiros privado.
iv) Profissionalização da Relação Laboral Docente: os profissionais de
educação exigem o cumprimento de sua carga horária com o fim de
comunicações informais e precárias de encaminhamentos ou informações
referente a sua atividade. A comunicação deve ser feita formalmente,
utilizando-se dos meios convencionais, não de forma precária e
antiprofissional. As orientações, decisões e encaminhamentos são
documento público e devem ser tratados com o devido respeito, bem como
assim devem ser tratado o saber e o tempo do profissional da educação.
v) Fim da Bonificação por Produtividade: como colocado, o modelo de
Bônus Desempenho serve para ampliar a política empresarial na educação, a
gestão por metas e a privatização do ensino público.
vi) Reavaliação das Atribuições Excessivas dos Professores: o excesso de
burocracia desnecessária sobrecarrega o professor, retira tempo fundamental
para o planejamento de aulas, criação de projetos e construção de ações
estratégicas e pedagógicas.
vii) Respeitar a Vida de Alunos e Servidores Enquanto Durar a Pandemia
de Covid-19: A realidade das Escolas do Estado é muito diferente do que
algumas escolas dos grandes centros urbanos podem fazer crer. Salas
superlotadas, ambiente improvisado, falta de itens básicos de higiene são a
rotina da maioria das escolas. Assim o retorno presencial só deve ser
cogitado quando houver garantias reais de segurança de estudantes e
professores e servidores.

Respeitar a coisa pública, confiar nos professores e na capacidade intelectual e técnica


que os levaram a ocupar o cargo e dar a autonomia necessária para as escolas lidarem
com as diferenças e complexidades de cada comunidade é a única forma de superar os
desafios que agora se apresentam.

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