Você está na página 1de 14

DOS ASPECTOS REAIS DO PARADIGMA IDEAL.

Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho1

Desde os tempos mais remotos, nas sociedades mais primitivas, há de se falar em direito.
É verdade que, em muito, os conceitos se modificaram ao longo dos milênios em que se pode
usar de exemplo o conceito de lei. A lei como a conhecemos, pode, com muita controvérsia,
traçar sua origem na antiguidade clássica. Ou quem sabe na antiga Babilônia? Tão volúvel e
nebuloso é o conceito de lei, ainda hoje há dissenso entre os mais influentes autores. Não
obstante, a título didático, as ideias e conceitos do âmbito jurídico são agrupados em
movimentos intelectuais, correntes de pensamento, ou “paradigmas”2. Não se pode fazer
referência a um paradigma ideal3. Se o há, a ele não temos acesso. Como sombras projetadas
nas paredes de uma caverna, vislumbramos apenas características do que seria o direito,
materializadas em diferentes paradigmas. Nesta obra, são abordados três: O paradigma do
Direito Natural, ou Jusnaturalismo; O paradigma do Positivismo Jurídico; e o Realismo Jurídico
Norte-americano.

Embora o paradigma do direito natural tenha perpassado milênios, apresentando


diferentes posições centrais para o direito e enriquecendo o debate acerca do que seria a justiça,
ou do que seria a Lei, é da opinião do autor que a filosofia tomista, característica do medievo,
se constitui em terreno frutífero às discussões em voga. Nesse ponto vale destacar o pensamento
jusfilosófico de São Tomás de Aquino, um dos maiores representantes da filosofia medieval e,
no campo jurídico, provavelmente o mais influente.

Como ponto sintético do juspositivismo, destacam-se os ensinamentos de Norberto


Bobbio, o jurista que, em seus ensinamentos, melhor ilustra as características desse movimento
jusfilosóficos, a partir da ideia de coatividade, explorando os aspectos normativos da lei.

1
Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho – 17/0150739 – é aluno da 127ª Turma do Curso de Direito da Universidade
de Brasília - UnB
2
Ao longo da obra, o conceito não é tratado com tecnicidade, no sentido kunhiano, mas de modo lato, preocupado
não com a rígida conceituação do termo, mas com a didática da exposição.
3
O termo refere-se à filosofia platônica e não tem a pretensão de se afirmar como superior, em qualquer sentido.
Ainda, agarra-se à possibilidade de explorar o conceito de lei no paradigma do realismo
jurídico, a partir das ideias de Oliver Wendell Holmes Jr.4, juiz da Suprema Corte Norte-
americana, no início do século XX, considerado por alguns como o pai do movimento estudado.
Holmes propõe a análise da lei a partir dos seus efeitos, promovendo uma abordagem mais
prática, afastada das discussões sem incidência.

Embora a maior parte da obra se comprometa à exposição do pensamento dos citados


autores, seu verdadeiro intento é a exacerbação de algumas das características do conceito de
lei, através dos diferentes paradigmas jurídicos. A partir das visões expostas, desse modo, o
autor se esforça para, despretensiosamente, aglomerar as características que, em sua visão,
sejam aspectos do paradigma jurídico em si mesmo. Nesse sentido, não é a pretensão do autor
criticar de forma leviana os brilhantes pensadores abordados, muito menos propor algo
inteiramente novo. Pelo contrário! Pede-se encarecidamente que o leitor encare a obra como
uma forma de conciliação entre os paradigmas, ou ao menos de mostrar que todos eles
apresentavam pontos fortes, consistentes e não mutualmente excludentes.5

1. Do conceito de Lei segundo São Tomás de Aquino

Enquanto a filosofia se de São Tomás de Aquino se fundamenta na doutrina cristã, i. e.,


nas sagradas escrituras, ela recebe forte influência do pensamento aristotélico pagão, fato
característico da filosofia tomista medieval (BITTAR, 2016, p. 274). São Tomás de Aquino
encarava Aristóteles como alguém que atingira o nível mais elevado do pensamento humano
sem o benefício da fé cristã (GRANT, 2003, p. 80). Em relação às contribuições de São Tomás
de Aquino, no campo jurídico, destaca-se o Tratado da Lei, contido na Suma Teológica.

Nessa obra, Tomás de Aquino descreve a Lei como sendo Racional. Sua tese é defendida
silogisticamente, partindo das premissas de que “a lei é uma regra e medida dos atos humanos”
(AQUINO, Questão 90, art. 1). Na medida em que a razão é o princípio primeiro para a regra e
par a medida dos atos humanos, conclui-se que a lei pertence à razão (AQUINO, Questão 90,
art. 1). Do mesmo modo, nos mostra São Tomás de Aquino que a Lei se ordena sempre ao bem
comum, na medida em que, por pertencer à razão, compartilha com ela o princípio primeiro, i.

4
Embora o autor se identifique muito com as ideias de Holmes Jr., um esforço será feito no sentido de não
privilegiar qualquer corrente jusfilosófica, em detrimento de outra.
5
Ainda em relação à metodologia, o autor opta por incluir elementos zetéticos neste ponto da obra, bem como
articular livremente os conceitos, expondo, em muitos casos, sua opinião pessoal, que, de forma alguma, deve
ser entendida como verdade metodológica.
e. o fim último, a felicidade ou beatitude. Conclui-se então que a Lei objetiva o bem comum
(AQUINO, Questão 90, art. 2). Ainda, Aquino defende que não pode qualquer um legislar,
porquanto a Lei ordena para o bem comum, o que é próprio de todo o povo, ou de quem o rege,
de modo que legislar pertence a todo o povo ou a uma pessoa pública (AQUINO, Questão 90,
art. 3). Segundo o autor, ainda, a promulgação é da essência da Lei. Argumenta São Tomás de
Aquino que, para a Lei ter força de obrigar, é necessário que seja aplicada aos homens que, por
ela, devem ser regulados, o que se dá, tão somente com a sua promulgação. Por fim, discute o
autor acerca do efeito da Lei, em que conclui pelo efeito de tornar os homens bons. Alega que
a virtude do súdito é submeter-se bem àquele que o governa, ou seja, de sujeitar-se ao bem
comum, fim último da Lei, do que se conclui que a Lei torna bons os que se submetem a ela
(AQUINO, Questão 92, art. 1).

São Tomás de Aquino sintetiza seu conceito de Lei em uma definição curta:

E assim, desses quatro elementos referidos podemos deduzir a definição da lei, que
não é mais do que uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada pelo chefe
da comunidade. (AQUINO, Questão 90, art. 4)

A despeito da conceituação de Lei trazida por São Tomás de Aquino, a sua contribuição
mais impactante seria, provavelmente, a constatação de suas diversidades, o que desenvolve na
Questão 91, do tratado. Aquino identifica cinco diferentes leis: A Lei Eterna; a Lei Natura; a
Lei Divina; a Lei Humana; e a Lei advinda do estímulo da sensualidade. A diversidade das Leis,
representa notavelmente a cristianização das teorias de Aristóteles, desenvolvidas em seus
trabalhos filosóficos.

Para Aquino, então, a Lei Eterna constitui-se da Razão Suma, que em Deus existe.
Defende o autor que a sabedoria divina, como criadora de todas as coisas tem natureza de arte,
assim como de Lei, de modo que “a lei eterna não é mais que a razão da sabedoria divina,
enquanto diretiva de todos os atos e moções (AQUINO, Questão 93, art. 1). Ainda, a Lei Eterna
é, para São Tomás de Aquino, conhecida por todos, em seu efeito, por meio do conhecimento
da verdade, e está impressa no coração de todos os homens (AQUINO, Questão 93, art. 2). Por
fim, se mostra relevante a observação de que da Lei Eterna se derivam todas as outras,
porquanto se configura no primeiro motor das outras espécies de Lei (AQUINO, Questão 93,
art. 3).

A Lei Natural, desse modo, seria uma derivação direta da Lei Eterna, única em as as
nações. Aquino defende que o homem é inclinado a agir conforme a razão, demonstrando que
independe de a razão ser prática e especulativa, uma vez que os princípios comuns são
igualmente conhecidos por todos (AQUINO, Questão 95, art. 4). Ele observa, contudo, que essa
não se confunde com o hábito:

Foi dito acima que a lei natural é algo constituído pela razão, assim como a proposição
é uma obra da razão. Ora, não é idêntico o que alguém faz e o por que alguém age:
assim, alguém, pelo hábito da gramática, produz uma oração correta. Dado pois ser o
hábito aquilo “por que” alguém age, não pode ocorrer que alguma lei seja hábito
própria e essencialmente. (AQUINO, Questão 95, art. 1)

Por fim, é necessário atentar-se à discussão acerca da mutabilidade da Lei Natural.


Enquanto São Tomás de Aquino reconhece que a lex naturalis não se modifica ao longo do
tempo, em relação aos princípios primeiros, reconhece que “pode, porém, mudar em algo
particular e em poucos casos, em razão de algumas causas especiais que impedem a observância
de tais preceitos” (AQUINO, Questão 95, art. 3). O autor cita menciona ainda que muito foi
acrescentado à lei natural, tanto pela lei divina, quanto por leis humanas para utilidade da vida
humana” (AQUINO, Questão 95, art. 3). Maciel comenta que, “sendo a lei natural apenas uma
participação finita no infinito, ou seja, específica de um tempo tentando entender o eterno,
Tomás de Aquino admite que esta lei pode falhar” (MACIEL, 2017, p. 4).

Para os jusnaturalistas medievais, a lei só é assim considerada, na medida que é justa.


Em outra palavra, um requisito essencial da Lei é estar reto segundo a regra da razão. Na medida
em que a primeira regra da razão é não mais que a Lei Natural, conclui-se que qualquer Lei
estabelecida pelo homem é derivada da Lei Natural. Tanto o é que, se com ela conflitasse, não
seria racional e, assim, não seria justa e, por fim, não seria Lei (AQUINO, Questão 95, art. 2).
Do mesmo modo, defende São Tomás de Aquino que os homens sejam coibidos do mal, pela
força e pelo medo, para que eles próprios, por meio do hábito, as sigam voluntariamente e se
tornem bons. Assim, para o autor, “é em máximo grau necessário ao gênero humano. Logo,
necessário é que se tenham estabelecido leis humanas” (AQUINO, Questão 95, art. 1).
Ademais, a Lei Humana não alcança todos os homens, mas “a vontade dos bons submete-se à
lei, à qual não se submete a dos maus. Por onde, assim sendo, os bons não estão sujeitos à lei,
mas só os maus” (AQUINO, Questão 96, art. 5).

São Tomás de Aquino, ademais, promove a divisão da Lei Divina em Antiga e Nova,
dando a entender que essa se refere às Escrituras. O autor deixa claro que se tratou de verdadeira
mudança da Lei Divina, ao contrastá-las em três aspectos. Para Aquino, a antiga ordena para o
bem sensível e terreno, ao passo que a nova ordena para o bem inteligível e terrestre; a antiga
ordena as ações externas, enquanto a nova ordena os atos internos da alma, conforme as
escrituras; por fim, a antiga se fortalece no temor da pena, enquanto a nova leva à observância
dos mandamentos pelo amor, infundido nos corações humanos pela graça de Cristo (AQUINO,
Questão 91, art 5).

Por fim, há a Lei constituída pelo Estímulo da sensualidade, pouco explorada no tratado,
embora seja o tema sensualidade abordado em outros tratados da Suma Teológica.
Sinteticamente:

“Por ter sido o homem, pela justiça divina, destituído da justiça original, e perdido o
vigor da razão, o ímpeto mesmo da sensualidade, que o arrasta, tem natureza de lei,
mas penal e, por lei divina, inseparável do homem, destituído da dignidade que lhe
era própria” (Aquino, Questão 91, art. 6).

Na gradual passagem para o paradigma do positivismo jurídico, a Lei, aos poucos, vai
ser abordada pelo aspecto normativo, na medida em que passa a compor uma estrutura mais
complexa que constitui um ordenamento jurídico. O Positivismo Jurídico pode ser entendido a
partir da exposição de Bobbio.

2. Do paradigma do Positivismo Jurídico segundo Bobbio

Um elemento intrínseco à teoria de Bobbio6 é a noção de que o Direito é o resultado de


aquisição histórica e evolutiva. Assim, saber o que significa o positivismo para Bobbio é
acompanhar o surgimento de elementos que demonstram a história da ideia de positivismo
jurídico e o que é direito para este autor. Bobbio também visualiza o positivismo em três
aspectos principais: i) como método para o estudo do direito, ii) como teoria do direito e iii)
como ideologia do direito (BOBBIO, 1995, p. 234-235). Como método, Bobbio considera o
positivismo como meio de descrição da realidade e único método científico capaz de avaliar o
direito. Caso outro método seja adotado, o autor considera que não há ciência do direito, mas
filosofia do direito ou ideologia do direito (BOBBIO, 1995, p. 238).

6
Na sua autobiografia, Bobbio faz a seguinte consideração acerca da história: “A história é um labirinto.
Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que
nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais
são os caminhos que não levam a lugar algum”. (BOBBIO, 1998, p. 214)
O positivismo, segundo Bobbio, segue um paradigma de que o direito só é possível num
Estado de Direito, eis que, o elemento crucial para sua visão de teoria do positivismo é a coação.
Sendo assim, o autor descreve como a teoria de coação evoluiu até chegar no ponto que lhe é
sentida como a assimilação de diversas percepções ao longo do tempo.

Segundo a concepção clássica ou tradicional, para a qual Bobbio elege as contribuições


trazidas por Thomasius, Kant e Jhering, algumas das noções trabalhadas por esses autores foram
internalizadas pela Filosofia do Direito e estariam presentes em Del Vecchio, por exemplo, que
elenca como características do direito a bilateralidade, a generalidade, a imperatividade e a
coatividade (BOBBIO, 1995, p. 154). Bobbio destaca que a coercitividade, segundo o ponto de
vista dessa concepção clássica, é o meio mediante o qual se fazem valer as normas jurídicas, ou
o conjunto de normas que se fazem valer coativamente (BOBBIO, 1995, p. 155).

Partindo da distinção de Christian Thomasius entre ius perfectum e ius imperfectum,


Bobbio explicita o surgimento de uma distinção do direito das outras normas éticas, apontando
os elementos de exterioridade e intersubjetividade que serão importantes para a elaboração de
uma teoria da coação (BOBBIO, 1995, p. 147-148). Ademais, para Kant, a coerção é o único
remédio que pode ser usado para repelir o abuso de liberdade de um indivíduo sobre o outro,
pois, segundo Bobbio, é dessa única maneira que o direito concebido por Kant é compatível
com a liberdade externa (BOBBIO, 1995, p. 151).

No séc. XIX, Bobbio aponta que a doutrina da natureza coercitiva do direito se torna
patrimônio comum do pensamento jurídico. O autor cita o trabalho de Rudolf Von Jhering, “A
finalidade no direito”, que classifica quatro tipos de finalidades correspondentes a quatro
categorias fundamentais de ações humanas: ganho (esfera econômica), coação (esfera jurídica),
sentimento de dever e amor (ética). A coação neste caso, “define, assim, o mundo do direito e
adquire existência pelo Estado”. O Estado ganha relevância na visão de Jhering, visto que é o
lugar onde o poder é organizado (BOBBIO, 1995, p. 153). Duas considerações importantes
encontradas em Jhering sinalizam a mudança de teoria da coação: i) o direito é compreendido
dentro do Zwangsgeswalt (poder coativo) do qual o Estado é o detentor e disciplinador de tais
normas; ii) o destinatário das normas jurídicas não são os cidadãos, as normas jurídicas dirigem-
se para os órgãos do Estado (a primeira norma primária e a segunda norma secundária)
(BOBBIO, 1995, p. 153).

Em seguida Bobbio apresenta a teoria da coação sob um novo viés. A formulação


moderna de teoria da coação está demonstrada conscientemente, para Bobbio, nas teorias
trazidas por Kelsen e Ross. Segundo Bobbio, a teoria moderna de coação se contrapõe à visão
clássica, por ser a coercitividade objeto das normas jurídicas, isto, é, o próprio direito é o
responsável por regular o uso da força. Sob esse aspecto, Bobbio aponta os avanços de Kelsen
para solucionar algumas das objeções trazidas a partir da visão tradicional (BOBBIO, 1995, p.
155-156).

Kelsen considera a sanção um elemento essencial da estrutura da norma jurídica e


esclarece que a norma jurídica não é assim considerada porque sua eficácia deve ser garantida
por outra norma jurídica, mas pelo fato de o conteúdo de uma regra jurídica poder dispor de
uma sanção. Assim, o direito é a disciplinar do uso da força, regulando quem deve usar a força,
quando se pode usar a força, como a força deve ser exercida e o quanto de força deve ser
aplicada. Para Bobbio, a aplicação dessa teoria retira o direito do formalismo e passa a tratar de
conteúdo (BOBBIO, 1995, p. 155-156).

Para o positivismo, a lei deve ser a única fonte de direito? Bobbio responde a essa
pergunta da seguinte forma: no ordenamento é certo que existem várias fontes de direito e para
o positivismo há uma hierarquia que coloca algumas normas num plano superior a outras, no
caso as leis que constituem a manifestação direta do poder soberano do Estado (BOBBIO, 1995,
p. 161). Dentro desse entendimento, há regras que também regulam a aplicação das leis (no
tempo, a norma posterior derroga a anterior).

A subordinação das normas está relacionada a um reconhecimento anterior ao


surgimento do Estado, um fato social ao qual o Estado reconhece e recepciona como sendo
normas jurídicas e ao de delegação, já que o poder de elaboração de normas pode ser delegado
para o Estado. Assim, há fontes reconhecidas (costume, normas negociais) e delegadas
(regulamento). Para o juspositivismo a lei é a única fonte de qualificação jurídica. Daí,
podendo-se depreender a concepção mais radical do positivismo a depender da qualificação de
fontes do direito (BOBBIO, 1995, p. 162).

Bobbio aponta a importância que o costume teve sobre o processo histórico que levou
ao predomínio da lei sobre outras fontes de direito, exemplificada pela doutrina romano-
canônica (Hermogeniano, o costume é a lei), a doutrina moderna (Austin, assentada no poder
do juiz de fazer valer normas para resolver controvérsias) e a doutrina da escola histórica
(Savigny, o caráter jurídico do costume é independente do legislador, juiz, ou cientista do
direito) (BOBBIO, 1995, p. 163-166). O autor considera que tem prevalecido a negativa do
caráter do costume como uma fonte de direito autônoma, sobretudo por uma rivalidade histórica
que determinou a prevalência das leis codificadas, muito embora estas tenham se originado de
normas consuetudinárias (BOBBIO, 1995, p. 166-169).

Também a decisão do juiz, denonimada equidade é, para Bobbio, fonte de direito


análoga ao costume. Com relação a doutrina denominada natureza das coisas, Bobbio a
considera uma falácia naturalista (BOBBIO, 1995, p. 170-171).

Segundo Bobbio, a teoria imperativista da norma jurídica considera a norma jurídica


como comando, sendo a lei a única forma de poder normativo de Estado e o Estado a única
fonte de direito, pois só o Estado formula comandos. Para o autor, a origem dessa teoria está no
pensamento filosófico-jurídico romano e foi amplamente produzida e elaborada pelo
positivismo jurídico, tendo Austin como um dos que primeiro formularam a concepção
(BOBBIO, 1995, p. 181-183).

Bobbio é um dos críticos à teoria extremista de positivismo jurídico, tendo em vista que
o direito não poderia ser valorado como um bem supremo e um bem em si mesmo. Em outro
texto, Positivismo como Ideologia do Direito (BOBBIO, 1995, p. 223-232), Bobbio apresenta
a sua visão a respeito do positivismo ético moderado, uma ideologia fundamentada na ordem e
na experiência histórica. Essa concepção reconhece que o direito não é apenas um meio, mas a
lei, por reunir características como abstração e generalidade é a forma mais perfeita de direito.

Com a consolidação da sociologia como ciência, no final do século XIX, seus conceitos
começaram a ser importados por outras áreas do saber, no campo do direito, vislumbrou-se a
ideia da construção de uma teoria cujo ponto central fossem os efeitos concretos da lei, deixando
em segundo plano a preocupação com sua justificação teórico-filosófica ou a sua normalização
sistemática. Surgem nesse contexto as teorias realistas de Direito, em que se destacam as ideias
de Oliver Wendell Holmes Jr.

3. Da teoria realista de Holmes Jr. e do estudo da lei por meio de suas implicações

Para o juiz da Suprema Corte Norte-americana, o Direito está intimamente relacionado ao


poder do Estado delegado aos juízes. Estudar direito, para Holmes, passa necessariamente por
conhecer e entender a profissão de um juiz. A lei deve ser considerada a partir do ponto de vista
do “homem mau” preocupado única e exclusivamente com as consequências materiais que o
conhecimento da lei lhe permite prever (HOLMES JR., 2008, p. 269). Nesse sentido, o objeto do estudo
do direito se torna a predição da incidência do poder público exercido através dos tribunais (HOLMES
JR., 2008, p. 266).

Nas palavras do autor:

Estamos estudando o que queremos a fim de aparecer diante dos juízes, ou aconselhar
pessoas de modo a deixá-las a salvo dos tribunais. A razão porque isso é uma
profissão, porque as pessoas pagam advogados para argumentar a favor delas ou para
lhes aconselhar é que, em sociedades como a nossa, o comando do poder público é
confiado a juízes, em certos casos, e a totalidade do poder do Estado será empenhada,
se necessário, para fazer cumprir seus julgamentos e decretos. As pessoas querem
saber sob que circunstâncias e até onde correrão o risco de irem contra o que é tão
mais forte que elas, e, portanto, torna-se um negócio descobrir quando esse perigo
deve ser temido. (HOLMES JR., 2008, p. 266)

O estudo de casos típico dos países que adotam a tradição do commom law, os
precedentes, conduzem o processo dos “universais abstratos da jurisprudência teórica”. Os
ensinamentos dos casos passados são capazes de produzir profecias, também mencionadas pelo
autor como os “oráculos da lei”. Sendo assim, “o significado mais importante e, praticamente, total de
todo novo esforço legal é tornar essas profecias mais precisas, e generalizá-las num sistema conexo de
ponta a ponta” (HOLMES JR., 2008, p. 267). Ressalta o juiz que o número de predições, uma vez
organizadas em um sistema normalizado, i. e., coeso e sem redundância, é manuseável e se apresenta
como um corpo finito de dogmas7 que pode ser dominado dentro de um tempo razoável (HOLMES JR.,
2008, p. 268). Esse corpo é composto de relatórios, tratados e estatutos acumulados ao longo história do
common law e são os meios utilizados para o estudo do profissional do Direito.

Nesse contexto, Holmes delimita o objeto do estudo do Direito à partir da perspectiva do


“homem mau”, que, preocupado em evitar um confronto com o poder público, não se preocupa com a
regra ética que fundamenta a lei, mas apenas com as consequências práticas desagradáveis de sua
conduta. O autor enfatiza assim a importância prática da distinção entre moralidade e lei (HOLMES JR.,
2008, p. 268). Dispõe:

Não digo que não haja um ponto de vista mais amplo a partir do qual a distinção entre
lei e moral se torne secundária ou sem importância, como todas as distinções
matemáticas se desvanecem na presença do infinito. Mas digo que a distinção é de
primeira importância para o objeto que temos aqui a considerar – um estudo correto
da lei e seu domínio, como um empreendimento dentro de limites bem

7
Destaca-se a semelhança das ideias de Holmes às teorizadas em meados do século XX por Theodor Viehweg,
que defende a tese de que “o saber jurídico, por ele denominado de Jurisprudência, não se desenvolve a maneira
do modelo moderno de ciência, mas sim à maneira tópica: no âmbito jurídico o estilo de trabalho que predomina
orienta-se por problemas e procura resolvê-los buscando apoio em pontos de partida compartilhados, os topoi”
(ROESLER, 2009, p. 1).
compreendidos, um corpo de dogmas enclausurado entre linhas definidas. (HOLMES
JR., 2008, p. 269)

Assim, Holmes identifica uma falácia no conjunto de princípios e explicações de que se compõe
o direito e afasta a lógica jurídica como a principal força motriz atuante no desenvolvimento da lei
(HOLMES JR., 2008, p. 272). De fato, por trás da lógica jurídica, Holmes identifica um juízo de valor,
inarticulado e inconsciente, imiscuído na lei e que se torna a verdadeira raiz do procedimento judicial.
Assim, a natureza não quantitativa da atividade jurisdicional impõe uma incapacidade de se extrair,
através da lógica jurídica, conclusões lógicas exatas, o direito se assemelhando, então, a um campo de
batalha em que se é possível conferir lógica a qualquer conclusão, dando corpo à preferência a certo
assunto em um dado tempo e em um dado lugar (HOLMES JR., 2008, p. 273). O autor ilustra seu
argumento com uma alegoria:

Uma vez ouvi um eminentíssimo juiz dizer que ele nunca tomava uma decisão até que
ele estivesse absolutamente seguro que ela estava certa. É por causa disso que o
dissenso é frequentemente condenado, como se ele quisesse dizer simplesmente que
um lado ou o outro não estava fazendo suas contas corretamente, e que se ambos
fizessem um pouco mais de esforço, a concordância inevitavelmente surgiria.
(HOLMES JR., 2008, p. 272)

Holmes apresenta a jurisprudência como a força motriz de todo o sistema jurídico:

Como eu a entendo, é simplesmente a lei em sua parte mais generalizada. Todo


esforço de reduzir o caso a uma regra é um esforço de jurisprudência, embora o nome
tal como é usado em inglês confine-se às regras mais amplas e às concepções mais
fundamentais. Uma marca distintiva de um grande advogado é sua capacidade de ver
a aplicação das regras mais amplas [...]. Se alguém procura a lei, ele o faz para dominá-
la, e dominá-la significa passar reto sobre os incidentes dramáticos e discernir a
verdadeira base para a profecia. Portanto, basta ter uma noção apurada do que se quer
significar por lei, por um direito, por um dever, por malícia, por intento, por
negligência, por propriedade, por posse, e, assim por diante [...]. (HOLMES JR., 2008,
p. 275)

Ressalta, por fim, o juiz a importância da jurisprudência, entendida por Holmes como o processo
de percorrer o corpo existente dos dogmas até suas mais altas generalizações com a ajuda da
jurisprudência; em seguida, descobrir pela história como chegou ele a ser tal como é; e, por fim,
considerar os fins desejados, o que deve ser abandonado para alcançá-lo, e se eles merecem tal
preço (HOLMES JR., 2008, p. 275).
4. Dos aspectos reais do Paradigma Jurídico Ideal

Considerando, desse modo, o que foi exposto acerca de cada paradigma, procede-se ao
principal objetivo da obra, qual seja, e exacerbação das características mais importantes, na
opinião do autor, de modo a agrupá-las em um rol exemplificativo, sem a menor pretensão de
completude, mas com um mínimo de coerência, como o conjunto de algumas características
que teria o paradigma jurídico ideal. Vale relembrar que o autor associa cada paradigma às
sombras vislumbradas pelos prisioneiros, na caverna, conforme escreve Platão em sua
famosíssima alegoria da caverna. Ainda com nossa analogia, a medida em que as pessoas e
objetos se movimentavam atrás da parede, as formas de suas sombras se modificavam, gerando
todo tipo de especulação dos prisioneiros acerca do que seriam. Aqui, também, o conceito de
lei se modifica, de modo, até mesmo, aparentemente irreconciliável. Coloca-se o autor na
posição do prisioneiro, em busca de aspectos reais do paradigma jurídico ideal.

De fato, é fortuito abordarmos a ideia de Platão sobre o mundo das ideias e as formas
puras, pois pode-se traçar a origem do pensamento jusnaturalista no pensamento platônico. O
Direito Natural ocupa, portanto, a posição de forma pura da ideia de direito. Esse direito assume
diversas roupagens ao longo do tempo, em que se destacam a Natureza, a Divindade Cristã, ou
ainda, a figura do soberano. Ainda hoje, percebe-se a herança do pensamento jusnaturalista na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, parágrafo único:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa
humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo
político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
(BRASIL, 1988, grifo nosso)

Nesse contexto, é válido se perguntar se não ocupa “o povo” o papel do Direito Natural
no âmbito jurídico brasileiro. Os critérios de validade, trazidos por Kelsen8 reforçariam essa
afirmação, na medida em que as normas em desacordo com os critérios estabelecidos pelo
próprio povo, na constituição, através de representantes eleitos. Seria, contudo, ingênuo pensar
no poder emanado do povo como um Direito Natural, universal, ideal e perfeito. Ainda assim,

8
Ver: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1991, Capítulo V.
pode-se identificar certos “princípios”9 imiscuídos na maior parte dos ordenamentos jurídicos.
O próprio artigo 1º reforça essa afirmação, na enumeração dos fundamentos da República
Federativa do Brasil.

Mais evidente ainda, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, positivado nesse


mesmo artigo, representa uma espécie de valor jurídico quase-universal. O Ministro Luís
Roberto Barroso nos mostra como o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um reflexo
das ideias kantianas de Ética, Autonomia e Dignidade (BARROSO, 2010, p.17 e 18). Barroso
sintetiza essas ideias em uma lei universal: “Todo homem é um fim em si mesmo, não devendo
ser funcionalizado a projetos alheios; as pessoas humanas não têm preço nem podem ser
substituídas, possuindo um valor absoluto, ao qual se dá o nome de dignidade” (BARROSO,
2010, p. 19). Por representar, esse princípio, um valor intrínseco a todo e qualquer ser humano,
é plausível considera-lo um componente de um possível Direito Natural, no sentido
jusnaturalista.

É da opinião, portanto, do autor que o Paradigama Jurídico Ideal se paute em uma


espécie de Direito Natural, não na concepção jusnaturalista, mas como um conjunto de
princípios quase universais, ou ao menos duradouros e consistentes com o sentimento popular,
do que é justo, certo ou errado. Reconhece o autor, entretanto que tal sentimento é palco de
calorosa discussão, mas acredita, ainda assim, que tal discussão é necessária e benéfica.

Por outro lado, a sistematização objetivada pelos juspositivistas fornece um ferramental


rico, na articulação dos conceitos jurídicos. Embora as teorias realistas e pragmáticas têm
demonstrado de que se trata de um objetivo praticamente inalcançável, é da opinião do autor de
que a jornada é mais proveitosa do que o fim. Dentre o instrumental trazido pela sistematização
do ordenamento jurídico salta aos olhos as ações que compõem o controle de
constitucionalidade. Não é difícil identificar que esse processo tem por condição necessária a
presença de hierarquia entre as normas. É decorrência direta do princípio de supremacia da
constituição. Nesse contexto, a constituição é a manifestação do poder constituinte, poder de
fato, como diz a doutrina, bem como do “poder emanado do povo”, como diz a carta magna. É
nesse cenário que a sistematização do ordenamento, ainda que não ocorra de fato, provoca uma
discussão construtiva sobre quais são os mais importantes valores que suportam o ordenamento.
É nesse sentido que acredita o autor que a sistematização do ordenamento jurídico figura no rol
de características do Paradigma Jurídico em Si Mesmo.

9
Não se articula esse termo nos modos de Dworkin, ou de Alexy, mas de modo lato.
Vale lembrar que tal característica não vai de encontro à doutrina do Direito Natural,
mas é precípua a esse, conforme nos mostra São Tomás de Aquino, ao hierarquizar as
diversidades de lei, como se mostrou em sessão anterior. De fato, embora o embate
Juspositivismo vs. Jusnaturalismo demonstre o confronto entre duas correntes de pensamento
jurídico aparentemente auto excludentes, é da opinião do autor que ambas sejam igualmente
válidas, apenas abordando o Direito de pontos de vista diferentes. Maciel demonstra que o
grande embate não se faz em torno do conceito de “direito”, mas em torno do conceito de
“natural”, cuja concepção se modifica ao longo do tempo e dos paradigmas, e adota estratégias
para a resolução da aparente antinomia (MACIEL, 2017, p. 1).

É importante, por fim, reconhecer a leviandade dos embates entre paradigmas, ou da


fundamentação metafísica do direito e se atentar para os efeitos concretos da lei. Na célebre
expressão de Von Kirchmann: “Três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras
se tornam papéis velhos” (Kirschmann, 1966, p. 26 apud FERRAZ Jr, 2003, p. 75). Embora a
citação seja de um radicalismo ofensivo e exagerado, ela nos ajuda a entender que o direito
muitas vezes extrapola as deduções lógicas e discussões axiomáticas, sendo necessário analisá-
lo de pontos de vista pragmáticos e teleológicos e é nesse contexto que as teorias dos
paradigmas do Realismo Jurídico e do Pragmatismo Jurídico inovam.

É nesse contexto que se torna tão importante, na opinião do autor, que o Paradigma Ideal
seja dotado da sensibilidade dos efeitos da Lei, que seja proativo em seus efeitos e responsável
por seus resultados, se articulando, para isso, com as mais diversas áreas do saber, v. g. a
Economia, a Sociologia e por que não a Matemática ou a Física?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, T. “Tratado da Lei” in. Suma Teológica, vol. 2. São Paulo: Loyola, 2009

BARROSO, L. R., A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional


Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação. Versão
provisória para debate público. Mimeografado, dezembro de 2010.

BITTAR, E. C. B. & ALMEIDA, G. A. Curso de Filosofia do Direito, 12ª ed. São Paulo:
Atlas, 2016

BOBBIO, N. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas Márcio


Pugliesi, Edson Bini. Carlos E. Rodrigues. São Paulo, Ícone, 1995.

__________. Diário de um século. Autobiografia. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani.


Rio de Janeiro: Campus, 1998.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003

GRANT, E. Os fundamentos da ciência moderna na Idade Média. Porto: Porto Editora,


2003

HOLMES Jr., O. W. Veredas Do Direito “Path of the Law” - do juiz Oliver Wendell Holmes
Jr.. In: Rev. Disc. Jur. Campo Mourão, v. 4, n. 1, p. 266 - 280, jan./jul. 2008. Tradução de
Lauro Frederico Barbosa Da Silveira e Vinício C. Martinez.

MACIEL, O. S. R. D. Jusnaturalismo vs. Juspositivismo: Apontamentos para a dissolução


da antinomia a partir de Tomás de Aquino e da Antropologia Contemporânea. Draft de
artigo de Filosofia Política para o Academia.edu. Brasília, 2017. Disponível em
https://www.academia.edu/35405760/2016_Academia_-_Ot%C3%A1vio_SRD_Maciel_-
_Jusnaturalismo_e_Juspositivismo.pdf, acessado em 13/11/2018

ROESLER, C. O papel de Theodor Viehweg na fundação das Teorias da Argumentação


Jurídica. Revista Eletrônica Direito e Política, v. 4., n. 3, 2009.

Você também pode gostar