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ISSN 2318-8014
Resumo
Maria.t.rossi@hotmail.com Esse artigo tem por objetivo tecer alguns comentários a respeito do
narcisismo, principalmente a diferenciação entre o normal e o
Rua Alfredo Chaves, 970 AP 21 patológico. Inclui o mito de Narciso, a origem da palavra narcisismo,
o processo de narcisização, o narcisismo primário e secundário, a
Caxias do Sul – RS função paterna, as patologias decorrentes do narcisismo e o papel da
Psicologia. Constitui um período intermediário entre o autoerotismo
CEP 95020-460 e o amor objetal. O conceito mais difundido é de que o narcisismo é
um enamoramento se si mesmo, uma forma de amor voltada para si
próprio. É um período de vital importância na vida do indivíduo,
Palavras-chave: pois possibilita o surgimento do Eu. O olhar da mãe é estruturante
Narcisismo. para a criança e desempenha papel decisivo nesse processo de
individualização. Quando não há o investimento libidinal necessário,
Patologias. corre-se o risco de desencadear futuras patologias de origem
narcísica, as chamadas patologias do vazio tão em voga na
Narcisização. atualidade.
Abstract
1. O MITO DE NARCISO
Segundo a mitologia grega, Narciso era um jovem detentor de uma beleza rara e
singular. O brilho de sua tez e a luminosidade de seus olhos equiparavam-se aos astros
fulgurantes. Exercia atração igualmente entre moças e rapazes. De aparência sedutora, dava
lugar a esperanças vãs, pois que repelia a todos os seus admiradores. Incendiava corações com
seu brilho reluzente e delicada suavidade. Dentre os tantos que consumiam-se nesse fogo,
estava a ninfa Eco que, ao ver Narciso, arde de desejo e segue furtivamente seus passos. Mas,
desprezada, ela aniquila-se. Assim como Eco, tantos outros viram-se desdenhados por Narciso
e sucumbiram ao peso dessa desdita.
Essa gélida acolhida de Narciso lhe traz repercussões. Uma das vítimas do seu
desprezo implora aos céus para que ele, Narciso, também possa jamais possuir o objeto do seu
amor, e sua prece é atendida. O castigo imposto à Narciso se dará segundo a lei de Talião,
receberá os mesmos castigos infligidos à outrem, porém em sentido inverso (jamais poderá
possuir a si mesmo).
Numa floresta, perto de um grande lago, Narciso encontra-se com seu destino. Havia
uma fonte de águas límpidas e intocadas. Nada jamais havia turvado a pureza daquelas águas
cristalinas. Assim como Narciso, essa fonte também era virgem. Sua mãe, Liríope, havia sido
uma ninfa, e seu pai Cefiso, o curso d’água que a enlaçara. Portanto, não se faz estranho que
Narciso encontre na água seu semelhante, visto que ele próprio já é espelho, assemelha-se a
essa superfície refletora.
Narciso enamora-se por essa beleza ímpar e é tomado por um amor súbito pela própria
imagem refletida na água. Seu rosto permanece impassível e seu corpo imóvel. Vítima de um
amor desesperado, tal qual costumava despertar, Narciso lamenta a sorte cruel por não poder
possuir esse ser que lhe seduz, mas que é inalcançável as suas mãos. É a ilusão do espelho, a
armadilha do duplo, pois que nada os separa efetivamente, nem mares ou montanhas ou
muralhas ou caminhos, simplesmente um pouco d’água. Narciso e seu objeto de desejo
aproximam-se até ficarem justapostos. O outro não é o outro, pois faz parte dele mesmo e o
objeto de seu amor é parte inseparável do mesmo sujeito. As duas faces fazem parte do mesmo
indivíduo. Embevecido com a própria imagem refletida nas águas límpidas, seu corpo verga-
se, cai na água e morre. Nesse mesmo lago nasce uma flor chamada narciso (NOOY, 2011).
2. INTRODUÇÃO
Goethe ressaltou que ninguém pode nos dar amor, nem alegria, nem calor ou prazer, se
não tivermos tudo isso dentro de nós, pois que o outro só pode despertar o que já pulsa latente
em nosso âmago. Ainda que tenhamos um coração pleno de felicidade, impossível fazer o
outro feliz se ele permanecer frio, sem forças e indiferente diante de nós (RIOS, 2008).
Para elucidar um tema de dimensão primordial para a constituição da saúde mental do
ser humano, foi pensado um referencial teórico que contemplasse a devida importância desse
tópico. O presente trabalho intitulado “Reflexões sobre o Narcisismo Normal e Patológico”,
tem como objetivo geral compreender o narcisismo normal e patológico. A pesquisa tem como
objetivos específicos, entender o processo de narcisização da criança para a normalidade da
constituição psíquica, analisar os aspectos que diferenciam o narcisismo normal do patológico
e estudar a problemática resultante do narcisismo patológico. A problematização diz respeito a
como o narcisismo pode se tornar patológico.
A palavra “narcisismo” data do final do século XIX. Há um consenso entre os
estudiosos que pesquisaram a origem de tal signo de que o termo foi cunhado por dois clínicos,
Havelock Ellis (médico e psicólogo) e Paul Näcke (médico criminologista e psiquiatra). De
acordo com esses estudiosos, em 1898, Ellis teria elaborado um texto intitulado “Auto-erotism:
a study of the spontaneous manifestation of the sexual impulse” (Autoerotismo: um estudo
sobre a manifestação espontânea do impulso sexual) e teria usado a expressão “Narcissus-like”
(tal como Narciso), fazendo alusão ao mito grego. Paul Näcke, um ano depois, em 1899, teria
feito referência ao texto de Ellis e cunhado o referido termo, que expressaria uma forma de
amor voltada para a própria pessoa. A definição mais conhecida e divulgada é a de que o
narcisismo é um enamoramento por si mesmo (ENDO; GUIMARÃES, 2014). O narcisismo
refere-se a um estágio do desenvolvimento psicossexual da criança (DALGALARRONDO,
2008).
Narcisicamente, quando um casal está “grávido”, o filho que está por vir já ocupa um
lugar ideal na vida dos pais. Ele já é amado, sentido e idealizado. O nascimento da criança é
um marco decisivo em sua vida. Como ilustre visitante que chega à paragens desconhecidas, é
portador de uma sensibilidade exacerbada. As primeiras impressões deixam marcas fundantes
no seu psiquismo. São as chamadas marcas mnêmicas. Reage profundamente ao primeiro
toque, ao primeiro afago, à luminosidade, ao som a sua volta, às expressões que o recebem, ao
3. METODOLOGIA
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¹ “O sentimento de autoestima é um resíduo do narcisismo infantil e das realizações de acordo com o ideal. Um
composto sustentado em maior ou menor grau pelas relações objetais e suas repercussões narcisistas”.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
Essa energia que num primeiro momento entra desligada e que excita o bebê por ele
não saber o que é e nem o que fazer com isso, vai tomando forma, vai se delineando e fazendo
sentido para a criança, através do “plus” que a mãe lhe devota constantemente. É o sexual
entrando no bebê. Energia que entra desligada e que, a princípio, é traumática. Tudo o que a
criança ainda não sabe nomear é traumático, trata-se de um excesso para o psiquismo que ela
dispõe no momento. Ela não tem condições de lidar com esse montante de energia, pois ainda
não tem uma subjetividade estruturada. No entanto, deixa de ser traumático à medida em que
essa energia vai sendo ligada, vai se tornando plena de sentido e bem estar para o bebê, por
meio dos cuidados dispensados pela mãe. A mãe é que faz esse trabalho de ligação. Como a
mãe é um ser psiquicamente constituído e possui um inconsciente, ela possibilita a fundação
do inconsciente e do aparelho psíquico do bebê através de todos os cuidados dispensados a ele.
O inconsciente é a primeira instância do aparelho psíquico a se formar. Surgem as primeiras
marcas que vão constituir as primeiras representações. Isso se dá por meio de um cheiro, um
cabelo, um toque. Posteriormente, com o olhar da mãe, constitui-se a segunda instância, o ego.
Em meio a essa atmosfera de cuidados e atenções, a mãe oferece ao bebê uma descarga
com satisfação, fazendo com que ele se destensione e libere a energia considerada, a princípio,
traumática. A pessoa que promove essa descarga com satisfação fica inscrita no psiquismo do
bebê de forma positiva. Para ele, essa pessoa sempre vai estar associada ao prazer, à satisfação,
à alegria e ao bem estar. Narcisizar é imprimir amor, é constituir o ego, é fazer com que o bebê
se sinta um ser diferenciado dos demais. O narcisismo se estrutura até um ano de idade
(MELLO, 2015).
processo não está se desenvolvendo de forma saudável, instala-se o caos (MELLO, 2015).
A criança que recebe um bom investimento libidinal e grande riqueza afetiva,
seguramente levará para a vida uma bagagem ímpar, sem preço, inestimável, sob a forma de
autoestima, confiança e segurança.
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² Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª ed.
condições de confrontar-se com as controvérsias e frustrações que envolvem a realidade.
4.6.1 Depressão
Vive-se num mundo pleno de ambiguidades, de controvérsias, de cobranças internas e
externas. É praticamente impossível atender às exigências de tantas demandas. Conflitos entre
o que é permitido e o que é proibido são constantes, gerando sofrimentos e angústias. A
finitude é inerente ao ser humano, é uma das raras certezas que o indivíduo traz consigo. Mas,
essa certeza provoca vergonha e sensação de insuficiência. Existem situações em que o
indivíduo sente-se onipotente. Exemplo disso é uma mulher no período de gestação. Ela tem a
ilusão/sensação de que nada poderá atingir aquela vida que está se formando em suas
entranhas. Por isso, se algo sai errado ela pode cair em depressão.
Atualmente, quanto mais o indivíduo dispõe de autonomia e independência, melhor.
Não permanece atrelado a ninguém. Mas o homem é um ser gregário por natureza. Não é
possível viver só. Então, para suprir esse vazio, a válvula de escape volta-se para o uso de
drogas lícitas ou ilícitas. Isso gera vergonha e um sentimento de não ser bom o bastante, de
desvalorização, de menos valia. Em décadas passadas, com outra escala de crenças e valores
vigente na sociedade, o indivíduo preocupava-se com seu semelhante e com as consequências
provenientes de seus atos. Caso tivesse lesado alguém, segundo sua consciência, procurava
retratar-se junto a sua vítima, pois tal feito lhe causava culpa e mal-estar. Hoje, com a inversão
de valores, o indivíduo preocupa-se consigo e com seu desempenho pessoal. Quando esse não
corresponde as suas expectativas e exigências, é tomado por uma sensação de incompetência.
Julga-se desvalorizado. A autoimagem precede a autoestima. A consequência dessa
desvalorização de si o induz a um estado depressivo e sem ânimo.
No universo corporativo atual o indivíduo é valorizado/rotulado pela sua competência
ou insuficiência, gerando um profundo desgaste emocional e um constante estado de alerta a
4.6.2 Borderline
O indivíduo borderline possui uma organização psíquica que permeia ora a neurose,
ora a psicose. Daí a denominação border, fronteiriço ou falso self (aparência falsa, falso ego).
É uma patologia que deriva do narcisismo. O indivíduo borderline normalmente é agressivo e
coloca-se em risco, podendo machucar-se. Seus relacionamentos são muito instáveis pela
dificuldade e alternância dos estados de humor. A metamorfose é uma constante no seu dia a
dia. Inseguro com relação ao amor da família e das pessoas próximas, não tolera ser rejeitado e
nem consegue lidar com as frustrações. Difícil manter a autoestima e o auto-controle. Transita
na borda de várias patologias (MELLO, 2015).
Quando em grupo se fortalecem mutuamente e podem colocar a descarga afetiva em
ato (acting out). Conforme Aberastury e Knobel (2011, p. 38) “aparecem então condutas de
desafeto, de crueldade com o objeto, de indiferença, de falta de responsabilidade, que são
típicas da psicopatia, mas que encontramos na adolescência normal”.
O indivíduo borderline busca uma identidade e, muitas vezes, pode identificar-se com
líderes de grupos perversos. Toma para si os valores desses mentores. O relacionamento com
os pais falhou. Não interiorizou modelos a serem seguidos, regras ou moral. Não estabeleceu
laços afetivos, portanto não consegue configurar-se na vida. Ele reproduz os traços da cultura
adquirida. Costuma extrapolar, falar muito, não guardar informações para si. Muitas vezes
pode aparentar algo que não é, um falso self, um modelo de perfeição, mas com o tempo essa
imagem se desvanece cedendo lugar ao que realmente é.
Na verdade, toda provocação que o border exibe é um pedido de amor, de carinho e de
reconhecimento que não recebeu nos primeiros meses de vida. Costuma responder muito bem
ao tratamento psicoterápico. Quando inserido num contexto adequado, esse quadro pode ser
revertido, recuperando a higidez mental (MELLO, 2015).
5. O PAPEL DA PSICOLOGIA
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
6. REFERÊNCIAS
CATÃO, P. L.; MELLO, C. B. O corpo imóvel e sua imagem imortal. Reverso, Belo
Horizonte, ano 35, nº 65, p. 25-30, jul. 2013.
GIL, A. C.; Como elaborar projetos de pesquisa. Ed. Atlas, 5ª ed. 2010.
LIMA, S. S.; POLLO, V. A violência Sexual em Nossos Dias: Questões para a Psicanálise.
Psicologia, Ciência e Profissão, 2005, 25 (4), 546-571.
LISONDO, A. B. D.; Na cultura do vazio, patologias do vazio. Rev. Bras. Psicanálise 38(2),
335-358. 2004.
MELLO, M.; Profª Dra. Apostila de Psicopatologia I, FSG, Caxias do Sul – RS, 2015.
RIOS, I. C.; O amor nos tempos de Narciso. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. Vol.
12, nº 25. Botucatu, Abril/Junho 2008. ISSN 1807-5762.
VERZTMAN, J. et al. Sofrimentos Narcísicos. Cia de Freud, UFRJ; Brasília, DF. 2012.
ISBN 978-85-7724-100-2.