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Noivos e com todo um futuro pela frente, Maria Eduarda confessa a Carlos a sua juventude

desordenada e de ambientes duvidosos que, juntamente com a mãe, explicam a sua vida
atribulada e ao sabor de amizades de conveniência.
Mais uma vez Carlos sente o espinho do Avô que jamais aceitaria o casamento do neto com
uma mulher que na sua vida cometera tamanhos erros. Surge então a voz da razão, Ega, que
aponta como a melhor solução a espera paciente da morte inevitável do velho Maia, assim este
acabaria “a sua velhice calma, sem desilusões e sem desgostos”.
Num expoente de felicidade surge a necessidade - psicológica, está claro – de trabalhar, fazer
algo pelo país em vez de se limitarem a criticar. Carlos relembra então “a velha ideia do
cenáculo, representado por uma revista que dirigisse a literatura, educasse o gosto, elevasse a
política, fizesse a civilização, remoçasse o carunchoso Portugal”.
No domingo Cruges vai jantar à Toca, mas um tempo que deve ser bem passado revelou-se
um completo falhanço devido ao temperamento tímido e desinserido dos hábitos da sociedade
do maestro que ficara totalmente intimidado pelo “porte de grande dame” de Maria.
Numa manhã, Carlos encontra no correio um artigo da Corneta do Diabo – jornal de pilhérias e
picuinhas pertencente a Palma – cuja impressão em boa hora havia sido suspensa por Ega e
no qual constam, numa linguagem sem nível, terríveis calúnias sobre o passado de Maria e
sobre a sua relação com Carlos.
Este artigo surte reacções contraditórias no Maia: por um lado só pensa em matar o autor de
tamanha ofensa, mas por outro pela primeira vez se questiona se “a honra doméstica, a honra
social, a pureza dos homens de quem descendia, a dignidade dos homens que dele
descendessem, lhe permitiam verdadeiramente casar com ela…”. Esta dúvida no entanto
depressa encontra um fim e Carlos dedica-se à vingança do difamador que só pode ser
“alguém frequentador da Rua de S. Francisco; alguém conhecedor da Toca; alguém que tinha,
por ciúme ou vingança, um desejo ferrenho de magoar Carlos; alguém que sabia a história de
Maria; e enfim que era um cobarde…”, resumindo Dâmaso!
A fim de arranjarem provas concretas - a carta do “amigo que encomendara a piada”, a lista
dos que deviam receber o jornal e até o rascunho a lápis do artigo -, deslocam-se ao gabinete
de Palma Cavalão que subornado tudo lhes dá.
Neste capítulo Eça critíca a degradação ética dos jornais que, aliado a um ambiente
degradado, resulta em mais um vergonha para o país. E tem ainda tempo para ridicularizar o
governo que, sendo composto sempre por homens de “talentos pujantes”, deveria ser agora
constituído por imbecis.
Ao entrarmos em casa de Dâmaso Salcede constatamos que a sua ornamentação
espampanante e semelhanças com o Ramalhete contrasta com a baixeza moral da
personagem e demonstrada pelo embaraço aflito que revela perante a opção que Ega e
Cruges lhe colocam: “ou se retracta publicamente dessa injúria, ou dá uma reparação pelas
armas”. Cobarde como é só lhe resta desdizer-se, para isso o próprio Ega, desejoso de,
também ele, se vingar por estar certo que Dâmaso era amante de Raquel, redigiu a carta que
este passa depois a limpo e assina. Nesta carta Dâmaso admite que o artigo, escrito num dos
estados de embriaguez que, sendo um problema hereditário, eram frequentes, continha apenas
falsidades e incoerências. Esta carta não deveria ser publicada, mas o ciúme de Ega cegava-o,
e acaba por a publicar noutro jornal A Tarde, como sendo uma questão de honra. Este episódio
culmina na partida de Dâmaso para Itália.
Afonso dá três conselhos ao país: “aos políticos: “menos liberalismo e mais carácter”; aos
homens de letras: “menos eloquência e mais ideia”; aos cidadãos em geral: “menos progresso
e mais moral””.
O capítulo finda com o olhar crítico de Ega sobre a literatura e a política: “antigamente a
literatura era a imaginação, a fantasia, o ideal… Hoje é a realidade, a experiência, o facto
positivo, o documento”, “no tempo da Regeneração e dos Históricos, a política era o progresso,
a viação, a liberdade, o palavrório… Nós mudámos tudo isso. Hoje é o facto positivo – o
dinheiro, o dinheiro! O bago! A massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino
dinheiro!”.

Episódio da Corneta do Diabo


Com a toca a receber cada vez mais visitantes e a, consequentemente, conhecerem a
relação de Maria Eduarda com Carlos da Maia. Um dia Carlos recebeu uma carta do Ega
que consistia apenas numa carta e dois números de jornal cintados. Nesse jornal (A
Corneta do Diabo) havia sido publicada uma carta escrita por Dâmaso que insultava Carlos
e expunha, em termos degradantes, a sua relação com Maria Eduarda; Palma Cavalão
revela o nome do autor da carta e mostra aos dois amigos o original, escrito pela letra de
Dâmaso, a troco de “cem mil réis”. Sabendo a identidade do autor da carta Carlos da Maia
pede ao Ega e ao Cruges para irem a casa do Dâmaso em seu nome, exigindo como
injuriado, uma reparação pelas armas ao Dâmaso (apresentando e pondo as provas que
Cavalão lhes tinha dado em cima da mesa). Este acaba por fazer uma confissão por escrito
dizendo que esse documento era todo incoerente e que foi escrito devido ao facto de se
achar no momento no mais completo estado de embriaguez (doença de família por sinal).
Para grande felicidade de Ega (e de Carlos) quando lhe mostrou o documento Carlos
deixou-o ao cuidado do Ega para que ele fizesse aquilo que bem entender com o
documento.
Ora Ega, com o ódio que tinha ao Dâmaso, dirigiu-se ao jornal A Tarde para publicar a carta
que o Dâmaso tinha escrito, o director do jornal A Tarde, aceita publicar a carta na qual
Dâmaso se retracta, depois da sua recusa inicial por confundir Dâmaso Salcede com o seu
amigo político Dâmaso Guedes.
O capítulo termina com os amigos íntimos de Carlos a aprovarem a publicação da carta,
carta essa que, dias depois, é esquecida com a redacção do jornal onde tinha sido
publicada a carta a desejar em amáveis palavras uma boa viagem a Dâmaso Salcede.
A Corneta do Diabo aparece em Os Maias, de Eça de Queirós, como um jornal de maledicência
e de escândalos. O narrador afirma que "na impressão, no papel, na abundância dos itálicos,
no tipo gasto, todo ele revelava imundície e malandrice" e, nas palavras de Eusebiozinho, "É
um jornal de pilhérias, de picuinhas... Ele já existia, chamava se o Apito; mas agora passou para
o Palma; ele vai lhe aumentar o formato, e meter lhe mais chalaça..."
O Director e principal redactor é Palma Cavalão, um jornalista corrupto. É nesta publicação que
Dâmaso Salcede publica um artigo a satirizar a intimidade da relação de Carlos da Maia e
Maria Eduarda. A suspensão da circulação deste número só é conseguida graças ao Ega e a um
suborno de 100 000 réis.
Eça de Queirós, com o episódio de A Corneta do Diabo e mais tarde com o jornal A Tarde,
retrata a parcialidade do jornalismo da época e mostra a corrupção quando o Palma Cavalão
aceita, por dinheiro, denunciar o autor da carta comprometedora para Carlos.
O propósito queirosiano de denunciar a vida portuguesa da sociedade da época percebe-se
também quando Carlos da Maia considera que "só Lisboa, só a horrível Lisboa, com o seu
apodrecimento moral, o seu rebaixamento social, a perda inteira de bom senso, o desvio
profundo do bom gosto, a sua pulhice e o seu calão, podia produzir uma Corneta do Diabo.

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