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Metilcelulose a 2 o I o em cirurgia intraocular

Luiz Antonio Vieira 1 ; Ana Luiza Hofling Lima Farah2; João Brasil Vita3;
Rubens Belfort Ir. '

INTRODUÇAO metilcelulose na câmara anterior. Destes 55


pacientes, 5 foram submetidos a ceratoplas·
Com o advento da microscopia endote­ tia penetrante, 8 a facectomia extracapsular
lial especular a importância das células en­ programada e 43 a facectomia extracapsular
doteliais foi reforçada, pois ficou demonstra­ com implante de lente intraocular ( 1 de câ­
do definitivamente, que estas células não se mara anterior e 42 de câmara posterior) de
multiplicam nem se regeneram 1 . diferentes marcas (Americal, Cilco, Iolab,
Assim, em todas as cirurgias intraocula­ ORC e Walmar) .
res passou· se a dar ênfase às técnicas que A metilcelulose ( 4FM grau Premium )
causassem o menor traumatismo ao endo­ utilizada n a concentração d e 2 % e m solu­
télio, e foram desenvolvidas substâncias com ção salina balanceada sem preservativos, se­
função protetora endoteilal pela sua capaci­ gundo técnica anteriormente descrita 5, foi
dade viscoelástica 2,3. preparada especialmente pela Ophthalmos
O ácido hialurônico de sódio a 1% (Farmácia Oftalmológica, São Paulo) em
(HEALON ) , o grande exemplo deste tipo de frascos individuais de penicilina contendo 2
substância vem sendo utilizado em oftalmo­ mI da solução.
logia há mais de 7 anos , caracterizando-se O frasco era mantido por 5 minutos de
por proteger as células endoteliais, manter cabeça para baixo, para que todo o material
o espaço entre o endotélio corneano e íris, se depositasse perto da tampa. Em condi­
facilitando muito determinadas manobras ci­ ções de assepsia com agulha 18 G e seringa,
rúrgicas, não causando iatrogenia, exceto hi­ aspirava-se lentamente, pela necessidade de
pertensão intraocular transitória e benig­ se evitar a presença de bolhas de ar.
na 2,3. Apresenta porém, custo muito alto que Nos 5 olhos submetidos a ceratoplastia
impede s.ua utilização de rotina em muitos penetrante, a metilcelulose foi utilizada na
países ' dó mundo. câmara anterior do receptor e em 1 caso
A metilcelulose é uma celulose éter, com também sobre o botão doador. Em dois
alto grau de pureza e uniformidade, quimica­ olhos a metilcelulose foi ainda injetada na
mente inerte, apresentando viscosidade mui­ câmara anterior visando o aprofundamento
to maior que a da água, é altamente trans­ da mesma, após a sutura da córnea doadora.
parente e incolor com índice de refração se­ Nos 7 casos de cirurgia extracapsular pro­
melhante ao da água destilada 4 . gramada da catarata, a metilcelulose foi in­
A injeção de metilcelulose na câmara an­ j etada na câmara anterior antes da capsulo­
terior substituindo o Healon, j á foi referida tomia anterior. Em alguns casos, após a
na literatura, tendo sido demonstrado que capsulotomia anterior, a metilcelulose era
este material é eficaz na proteção do endo­ injetada para proteger o endotélio durante
télio corneano e não acarreta nenhuma com­ a expressão do núcleo.
plicação pós-operatória 5-7. Nos 43 olhos submetidos à implantação
Devido ao baixo custo da metilcelulose, de lente intraocular , a metilcelulose foi utili­
acreditamos que seja alternativa viável em zada de maneira variável. Em alguns casos
cirurgia intraocular no Brasil. antes da capsulotomia e, em outros (gran­
O objetivo deste estudo é apresentar re­ de maioria) , apenas imediatamente antes da
sultados obtidos em estudo clínico aberto inserção da lente intraocular. A quantidade
prospectivo, realizado por 4 cirurgiões em utilizada foi de cêrca de 0 . 3 mI. As len­
cirurgia de segmento anterior ocular. tes intraoculares também foram cobertas
de metilcelulose, previamente à inserção.
OBERVAÇAO, MATERIAL E MÉTODOS Na maior parte dos casos, após a in­
serção da lente intraocular e sutura parcial
No período de março a julho de 1985 da incisão, procedia-se à retirada da meti!­
56 olhos de 56 pacientes, submetidos a ci­ celulose, através de utilização de irrigação ':
rurgia intraocular, receberam a injeção de aspiração por cerca de 1 minuto.

1 Residente 3.0 Ano de Oftalmologia, Escola Paulista de Medicina.


Mestre em Oftalmologia e Chefe do Laboratório de Doenças Externas Oculares da Escola Paulista de Mooicil,a:
Prof. Assistente da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí.
3 pós.graduando em Oftalmologia, Escola Paulista de Medicina.
, Prof. Adjunto, Doutor em Oftalmologia, Doutor em Imunologia, Disciplina de Oftalmologia Escola Paulista
de Medicina ; Prof. Titular Oftalmologia, Faculdade de Medicina de Jundai.

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Ao final da cirurgia foi feita injeção sub­ lose pode ter algum efeito iatrogênico tar­
conj untival de 20 mg de garamicina e 1 mg dio ainda desconhecido. Não há estudo na
de dexametasona_ No pós-operatório foi literatura, por exemplo, em relação a metil­
prescrito colírio de antibiótico com corti­ celulose e o edema cístico de mácula.
cóide 4 vêzes ao dia e de tropicamide a 1 % Avaliação comparativa da toxicidade de
, duas vezes ao dia. substâncias viscoelásticas testadas "in vitro",
A avaliação pós-operatória constituiu-se em cultura de células endoteliais, provou
de: medida da acuidade visual, tonometria e que a metilcelulose é relativamente atóxica
biomicroscopia nos dias 1, 3, 7, 14 e sema­ e claramente superior ao Healon 7.
nal até completar 1 mês e após, mensal. O Devemos realçar que a metilcelulose de­
tempo de seguimento variou de 1 a 4 meses. ve ter pureza adequada e ser preparada com
Foram avaliados especificamente pressão in­ cuidados especiais entre eles , a diluição em
traocular, reação inflamatória no aquoso e solução salina balanceada sem preservativos
vítreo anterior, espessura corneana e estado e ser esterilizada adequadamente.
endotelial. Em conclusão, nossos resultados foram
Pela inexistência de microscópio espe­ todos favoráveis à utilização da metilcelulo­
cular, na maioria dos casos, a avaliação do se a 2% em cirurgias intra oculares, com
endotélio só foi possível através da biomi­ vantagens técnicas de melhor visão das es­
croscopia. Em outros, com o auxílio de len­ truturas intraoculares e de provável prote­
te especial ( Eisner Contact) Glass - Haag­ ção endotelial não se observando nenhuma
Streit) o endotélio foi avaliado no pré e complicação.
pós-operatório. Assim, a metilcelulose a 2% parece ser
ótimo substituto ao Healon, sem apresen­
tar a desvantagem do alto custo.
DISCUSSÃO

Nossos resultados corroboram trabalhos RESULTADOS


anteriores 5,6 mostrando que a metilcelulose
Em nenhum dos casos constatou-se in­
a 2% é segura e nã.o causa iatrogenia.
flamação de intensidade anormal no pós-ope­
Trabalho experimental com microscopia
ratório ou infecção.
eletrônica realizado no Brasil , mostrou que
Não foram notadas alterações corneanas
a metilcelulose diminui o dano às células significantes, apenas leve ceratite com ede­
endoteliais ao trauma ( Smith, R. e Cvintal, ma leve e transitória de córnea, em alguns
T. - comunicação pessoal ) . casos acompanhado de dobras de Descemet,
Em 4 pacientes, 24 a 48 horas, após a também normais e transitórias no pós-ope-
.
cirurgia, notou-se presença de grumos, de ratório da patologia tratada.
aspecto cilíndrico, aderidas ao endotélio ou A avaliação da espessura corneana e do
então na parte inferior da câmara anterior . endotélio pré e pós-operatório não revelou
Estes grumos desapareciam sempre em diferenças em relação ao pós-operatório
dois dias, não deixando sequelas. Este acha­ usual, sem a utilização da metilcelulose.
do é pela primeira vez descrito na literatu-
Em nenhum paciente se notou presença
ra.
de reação inflamatória anormal no aquoso
A metilcelulose apresenta como grandes ou vítreo .
vantagens, a proteção às células endoteliais
Presença de pigmento no humor aquo·
e a facilitação das manobras cirúrgicas co..
so e eventual deposição nos implantes,
mo capsulotomia em casos da câmara ante­
ocorreu em alguns casos, não tendo sido
rior estreita e inserção das duas alças "in
considerados como anormal.
the bag".
Em relação à pressão intraocular, obti­
Apresenta em relação ao ar as vantagens
vemos pressões entre 25 e 30 mmHg por
de permitir melhor visibilidade, proteger o
até três dias em 3 casos. A pressão se nor­
endotélio, manter a câmara anterior forma­
malizou em todos estes pacientes sem ne­
da e profunda e controlar eventual pressão
' cessidade de qualquer medicação hipoten­
vítrea.
sora. A retirada da metilcelulose não pare­
Em relação ao Healón, a metilcelulose ceu ser necessária.
tem a desvantagem de menor viscosidade e
Em um paciente de transplante de cór­
portanto não manter a câmara anterior "es­
nea ( ceratopatia bolhosa de afácico com
tática" como o Healon. No entanto esta me­
glaucoma pré-existente) a pressão intraocu­
nor viscosidade facilita a lavagem e aspira­
lar se manteve alta no pós-operatório, ape­
ção. A metilcelulose é mais hidrossolúvel
sar da medicação antiglaucomatosa máxi­
que o Healon e portanto se dilui no humor
ma (maleato de timolol, dipivalil epinefrina e
aquoso com mais facilidade e é drenada pe­
acetazolamida) sendo necessário crioterapia,
las vias de saída mais rapidamente 5 . realizada após 3 semanas. Este paciente re­
Outra desvantagem é que o Healon já é cebeu metilcelulose no botão doador e na
usado há vários anos enquanto a metilcelu- câmara anterior após vitrectomia e manteve

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córnea cristalina após crioterapia e norma­ to keep the anterior chamber formro , to dimlnlsh endo.
lização da pressão, mostrando 6tima função thel!um cells damage, to control vitreous pressure to
facilitate surgical maneuvers like IOL implanta tio'; in
endotelial. the bag and to enhance visualization of surgical proce­
Em todos os casos a visibilidade da cã­ dures.
mara ant�rior se manteve perfeita , poden­ Intra-ocular 2% methylcellulose did not enhance in·
flamatory reaction, endothelial loss or caused corneal
do-se realIzar capsulotomia adequadamente changes.
e se inserir a lente intraocular com preci­ ln 3 patients the IOP rose transitorily to levei of
são_ A inclusão das duas alças da lente den­ 25 to 30 mmHg after surgery, returning to normal leveis
alter 3 days wlthout treatment.
tro da cápsula do cristalino ( "in the bag" ) era
ln the initial days alter sugery some patients sho­
possível de ser realizada durante a cirurgia_ W€<i fine tubular structures adherent to the endothe­
lium or in the lower part of the anterlor. chamber.
RESUMO These lmages disappeared in few days without leaving
sequelae. They were lnterpreted as methylcellulose
Foram estudados · 56 olhos de 56 pacientes subme­ itseU. As far as we know it is the first time this
tidos a ceratoplastla e facectomia extracapsuiar com e fact is reported.
s€m implante de lente intraocular. A metilceluiose foi Our results have shown that methylcellulose is an
empregada para manter a câmara anterior, diminuir os excellent viscoelastic material for intraocular use with
danos às células endoteliais, controlar eventual pressão at least two advantages over Healon: low cost and bet­
vitrea, facilitar manobras cirúrgicas como inserção da ter solubllity.
.
lente intraocular . in the bag", aumentar visibilidade Methylcellulose allowed anterior chamber formation,
dos procedimentos cirúrgicos. control of vitreous pressure, perfect visibility of ante­
No pós-operatório os pacientes foram observados rior or posterior capsule and lmplantation of IOL loops
com biomicroscopia e tonometria, visando especificamen· in the bag or in the sulcus, without any complications
te reação inflamatória de aquoso e vítreo, espessura or side effects.
corneana, estado endotelial e pressão intraocular.
A metilcelulose não causou aumento de inflamação, BIBLIOGRAFIA
alteração endotelial ou corneana em nenhum dos olhos.
L DOHLMAN, C. H. - Physiology. ln: SMOLIN, G. S .
A pressão intraocular que em 3 pacientes chegou
& THOFI', R . A. - The Cornea. Boston, Litlle
a nlveis entre 25 e 30 mrnHg após a cirurgia, voltou
Brown, 1983 p. 46.
aos nlveis pré-operatórios em até 3 dias. Pela primeira
vez na literatura se registrou grumos transitórios pro­ 2. MILLER, D. M. & STEGMAN, R. - Use of sodrúm
vavelmente de metilcelulose aderidos ao endotelio ou na hyaluronate in human IOL implantation. Ann. Oph­
cãmara anterior, que desapareceram sem sequelas. thalmol. , 13: 8U-15, 198L
Os nossos resultados comprovam que a metilcelu­ 3. PAPE, L. & BALAZS, E. A. - The use of sodium
lose é excelente substância viscoelástlca para uso em hyaluronate in human anterior segment surgery. Oph­
cirurgia intraocular, apresentando em relação ao Healon thalmol. 87: 699-705, 1980.
·
pelo menos duas grandes vantagens: baixo custo e maior 4. SWAN, C. K. - Use of methylcellulose in Ophthal­
solubilidade. mology. Arch. Ophthalmol. 33: 378-80, 1945.
A metilcelulose permitiu manutenção da câmara an­ 5. FECHNER, U. - Methylcellulose and lens lmplan­
terior, controle do plano vltreo, perfeita visibilidade tation. Brit. J. Ophthalmol. 67: 259-63, 1983.
das cápsulas anterior e posterior do cristalino e inser­ 6. ARON-ROSA, D.; COHEN, H. C . ; ARON, J. J. &
ção das· alças da lente "in the bag" ou no sulco. BOUQUETY, C. - Methylcellulose instead of Healon
in Extracapsular Sugery with intraocular lens imo
SUMMARY plantation. Ophthalmol. 90: 1235-8, 1983.
7. McCULLEY, J. P.; STERN, M. E. & MEYER, D. R.
We have studied 56 eyes patients that underwent - ln vitro assessment of the comparatlve toxicity
corneal grafts and extracapsuiar extraction with and of viscoelastic · substances. Invest. Ophthafmol.
without IOL implantation. Methylcellulose was used (Suppl. ) ARVO: 239, 1985.

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48( 5 ) , 1985

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