Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
“Falo pouco. Falo pouco e cada vez falo menos. Em primeiro lugar porque me distraio
e esqueço o assunto das conversas e em segundo lugar porque as pessoas não esperam
que lhes responda mas que as oiça, o que é fácil se acenar que sim de vez em quando e
disser
- Pois claro
quando me olham de sobrancelhas levantadas à espera de concordância e aplauso.
Tornei-me um especialista do
- Pois claro”
António Lobo Antunes, Crónicas, “A Minha Morte” (1993)
A sociedade, como Lobo Antunes ironiza no domínio das relações pessoais, habituou-se
a acenar "que sim". Em primeiro lugar, porque as tensões da vida moderna, agudizadas
pelas recentes e prementes crises económicas, remeteram o cidadão ao mero instinto de
sobrevivência. Qualquer pensamento crítico ou causa coletiva é, neste contexto,
secundarizada. Em segundo lugar, porque há uma elite que cria uma narrativa que
promete, em função dos ciclos políticos, valorizar e mediar o papel do cidadão com
teorias de inclusão/participação repletas de estrangeirismos que fazem perder o interesse
até do mais militante ou proactivo. Mais entediados do que vencidos pela retórica,
respondemos: “pois claro”.
O sociólogo Zygmunt Bauman afirmava que “as elites podem ter a identidade que
quiserem. Não se fixam em lugar nenhum, moram em todos os lugares e podem pertencer
a todas as culturas. Já a massa precisa adaptar-se sozinha a um mundo sem uma
linguagem cultural precisa e segura, num mundo de insegurança que não lhes reserva
um destino garantido, sendo todos atirados para uma competição louca e agressiva”. As
elites, comodamente, dizem à massa, insegura e sufocada, que a massa deve ser crítica.
É, talvez, por isso que tenho alguma repulsa pela expressão massa crítica. Em alternativa,
prefiro difundir a praça crítica.
PEDRO CEPEDA
Licenciado em Turismo e mestre em Gestão de Marketing. Depois de ter trabalhado em
hotelaria, ensino e como consultor, decidiu que era tempo de regressar à sua terra natal
para organizar concertos, talks, noites de poesia e tirar o pó aos discos de vinil. Hoje, é sócio
e programador do Praça 16, um bar cultural em Bragança.