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DECISÃO
Chamo o feito à ordem, para correção de erros materiais percebidos apenas após o registro da
decisão, mas que em nada alteram seu conteúdo decisório, para que passe a vigorar com o seguinte teor:
Consta da representação, que trata da Operação “Falso Negativo” – FASE 3, em extensa e detalhada
petição de 323 (trezentas e vinte e três) laudas, acompanhada de diversos documentos e relatórios
analíticos da Divisão de Investigação da GAECO/MPDFT), com base, especialmente, em diversos laudos
decorrentes de arquivos apreendidos em poder e outros investigados, já presos na “FASE 2” da presente
investigação, que foi conduzida perante a Corte Especial deste TJDFT, até a exoneração do Secretário de
Estado da Saúde do Distrito Federal, FRANCISCO ARAÚJO (ID 72490172 e 72490173), que tratam de
procedimentos de dispensa de licitações para aquisição de testes rápidos pelo método IgG e IgM do
COVID-19, bem como pelo método swab e aquisições de testes para detecção qualitativa específica de
IgG e IgM do COVID-19, por meio de amostras de sangue e plasma, tendo havido contratações com
diversas empresas, que apontam a prática de suposto esquema criminoso capitaneado por JORGE
ANTÔNIO CHAMON JÚNIOR, Diretor do Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN), com o
auxílio do agora ex-Subsecretário de Administração Geral da Secretaria de Saúde do Distrito Federal
(SUAG/SES-DF), IOHAN ANDRADE STRUCK, além de EDUARDO SEARA MACHADO POJO DO
REGO, ex-Subsecretário-Adjunto de Gestão em Saúde, RICARDO TAVARES MENDES, ex-Secretário
Adjunto de Assistência à Saúde, EDUARDO HAGE CARMO, ex-Subsecretário de Vigilância à Saúde,
RAMON SANTANA LOPES AZEVEDO, ex-Assessor Especial da SES/DF e mais dois integrantes
descobertos nesta última fase: EMMANUEL DE OLIVEIRA CARNEIRO, ex-Diretor da Diretoria de
Aquisições Especiais e ERIKA MESQUITA TEIXEIRA ex-Gerente de Aquisições Especiais, os quais,
por meio desses procedimentos, procederam a dispensas ilegais de licitação com preços “superfaturados”
dos referidos testes para COVID-19, bem como direcionamento dos certames em favor de empresas que
estariam envolvidas em um possível conluio com tais servidores, sendo que tais fornecedoras, dentre
outras participantes, estariam oferecendo os produtos por valores muito maiores das cotações de mercado
e também o preço que valem pelas empresas importadoras em dólar, causando um prejuízo ao Erário do
Distrito Federal de, no mínimo, R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
Cumpre ressaltar que, agora na presente FASE 3, teria sido desvendado com base na fase anterior, um
outro “superfaturamento”, agora na quantia de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais) advindos dos
cofres públicos, de modo que o MPDFT aponta “a existência de provas contundentes dos crimes de fraude
à licitação (artigos 90 e 96 da Lei nº 8666/93), lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica (cartel),
organização criminosa, corrupção ativa e passiva, com o consequente prejuízo de mais de 18 milhões de
reais aos cofres públicos”, tratando-se, na realidade, de uma organização criminosa que “vem se
utilizando do arcabouço normativo relativo à dispensa de licitação viabilizada pela pandemia para, sob o
manto da aparência de legalidade de procedimentos relativos a licitações dispensáveis e, em conluio com
empresas previamente escolhidas que ofertam produtos com preços superfaturados, consolidar a trama de
desvio de dinheiro público.”
Aduz, ainda, que “as investigações criminais iniciadas pelo GAECO-MPDFT que conduziram a
deflagração da Operação Falso Negativo, em julho do corrente ano, descortinaram, senão a maior
organização criminosa entranhada no atual Governo do Distrito Federal, certamente a mais letal, pois se
alimenta da morte de inúmeras vítimas da nova espécie de coronavírus (SARS-COVID19)”. Salienta que,
em razão da pandemia, a legislação especial que tinha por finalidade viabilizar a aquisição de produtos
por preço mais acessível e de forma desburocratizada, serviu de álibi e foi usada intencionalmente de
modo deturpado para dissimular crimes de gravidade inquestionável. Defende que, “contrariando a lógica
legal, a gestão da Secretaria de Saúde do Distrito Federal aceitou pagar preços predatórios em manifesta
contramão à finalidade pública pretendida pelas normas em referência.”
É o relatório. DECIDO.
Verifico a presença do fumus commissi delicti, eis que há provas da materialidade de crimes previstos na
Lei de Licitações, em conjunto com os diversos diálogos interceptados mediante autorização deste Juízo e
mensagens e degravações de áudios de whatsapp obtidos nos celulares apreendidos durante o
cumprimento das medidas de busca e apreensão, demonstrando a intensa comunicação os representados e
os demais suspeitos das práticas delitivas em apuração.
Conforme decisão do Exmo. Desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, Relator da presente Operação
“Falso Negativo – FASE 2”, a atuação do grupo em tese criminoso, que se encontrava na “cúpula” de
comando da Secretaria de Saúde do Distrito Federal até o momento de suas prisões, é bastante robusta a
fundamentação acerca da existência de materialidade e indícios de autoria delitiva dos representados,
inclusive de EDUARDO HAGE CARMO, que veio a ser posto em liberdade por meio de ordem de
Habeas Corpus concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
“Conforme indica a farta documentação colacionada pelo Ministério Público, os representados, servidores
do GDF, sob a liderança do atual Secretário de Saúde, uniram-se para a prática de crimes de fraude à
licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica, organização criminosa, corrupção ativa e
passiva, aproveitando-se do dinheiro público destinado justamente à saúde, revertido ao enfrentamento da
pandemia mundial desencadeada pelo COVID-19.
As investigações criminais foram iniciadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado do MPDFT e culminaram na deflagração da Operação Falso Negativo, em julho do corrente
ano. Durante a referida investigação e diante da complexidade, reiteração, gravidade e pluralidade de
agentes, foi necessária a utilização de meios mais eficazes para a busca das informações, que culminou no
deferimento de 77 (setenta e sete) mandados de busca e apreensão, além de pedidos de interceptação
telefônica e bloqueio de bens, bem como afastamentos de sigilo fiscal e bancário, ocasião em que restou
apreendido farto material probatório que levou à elaboração de diversos relatórios investigativos, dentre
os quais, os Relatórios nºs 11/2020 e 12/2020 da Divisão de Investigação do GAECO/MPDFT e
Relatórios nºs 21/2020, 22/2020 e 23/2020 da Assessoria de Análise Processual e de Informações do
GAECO/MPDFT, que revelaram a efetiva participação do Secretário de Saúde do Distrito Federal em
crimes e fraudes ocorridas nas dispensas de licitação nºs 16/2020 e 20/2020 para aquisição de insumos
destinados ao enfrentamento da COVID-19. Durante o desenrolar das investigações, os dados colhidos
revelaram sérios e robustos indícios de que FRANCISCO ARAÚJO FILHO, Secretário de Saúde do
Distrito Federal, atuou no comando e no controle da organização criminosa instituída para fraudar as
aludidas dispensas de licitação nºs 16/2020 e 20/2020, ambas destinadas à aquisição de insumos
destinados ao enfrentamento da COVID-19. As investigações também apontam o comando de
FRANCISCO ARAÚJO FILHO nas demais dispensas de licitações para aquisição de insumos destinados
O Ministério Público sintetiza o papel de cada integrante da organização criminosa da seguinte forma:
“(...) FRANCISCO ARAÚJO FILHO, Secretário de Saúde: É ele quem decide qual empresa será
contratada; os prazos exíguos para apresentação de propostas; e até mesmo o quantitativo de testes a
serem adquiridos. Sua atuação é direcionada para lesar os cofres públicos e auferir vantagens pessoais.
Utiliza-se da novel legislação em relação à dispensa de licitação para produtos vinculados ao combate a
COVID - 19 para fraudar os procedimentos administrativos, indicando empresas “parceiras” para
contratarem com a SES/DF. Fica evidente, conforme a investigação, que a cadeia de comando obedece
rigorosamente a sua vontade, especialmente quando há determinação quanto à quantidade de testes a
serem adquiridos e os prazos que devem ser concedidos nas licitações, tarefas essas absolutamente
estranhas às suas funções. Essa atuação fica ainda mais nítida quando se verifica que a empresa LUNA
PARK BRINQUEDOS foi contratada pela SES/DF embora tenha oferecido o maior valor por unidade de
teste na dispensa de licitação, a sua documentação tenha sido oferecida fora do prazo e o parecer inicial
relativo à sua proposta tenha sido pela rejeição. Da mesma forma, o seu protagonismo se evidencia
quando se observa a contratação da empresa BIOMEGA. O projeto básico para tal contratação foi
literalmente elaborado pela própria empresa, enviada ao Secretário e este a repassou aos seus
subordinados para adequação e contratação pela Secretaria de Saúde do DF. Os áudios e mensagens
demonstram essa atuação em benefício da BIOMEGA. Também se demonstra, aqui, que o quantitativo a
ser adquirido foi alterado por determinação do próprio Secretário, que desejava que a empresa fornecesse
100.000 testes iniciais e não os 90.000 publicados no edital. O projeto básico foi então alterado por sua
determinação, conforme mostram os áudios e mensagens constantes do procedimento investigativo e da
presente medida cautelar.
EDUARDO SEARA MACHADO POJO DO REGO, Secretário Adjunto de Gestão em Saúde: POJO é o
terceiro membro na sucessão organizacional, tendo status de Secretário Adjunto, assim como RICARDO.
Percebe-se que POJO recebe comandos diretos do Secretário de Saúde e age na intermediação dessas
ordens com os demais subordinados e operadores da organização criminosa, os quais estão em células
inferiores, para que tudo saia perfeito nas dispensas de licitações. Percebe-se, ainda, que POJO também
tem a tarefa de lidar diretamente com as empresas fornecedoras de testes e informá-las do que é preciso
para que “tudo saia perfeito na dispensa de licitação”, recebendo instruções de o que a empresa deve
apresentar, instruções estas vindas de células compostas por membros de escalão inferior, a exemplo de
EMANNUEL. Atua articuladamente com IOHAN STRUCK, Subsecretário de Administração
Geral-SUAG, na tramitação do procedimento licitatório direcionada à contratação da empresa de interesse
do Secretário da Saúde, ou seja, na prática de atos administrativos visando unicamente atender aos ensaios
da organização criminosa. Nesse sentido, contando com o apoio dos subordinados ERIKA MESQUITA
TEIXEIRA e EMANNUEL DE OLIVEIRA CARNEIRO, respectivos Gerente de Aquisições Especiais e
Diretor de Aquisições Especiais - GEAQ/SUAG, combinaram nos bastidores – conforme demonstrado
pelo laudo pericial do aparelho celular de IOHAN e de JORGE CHAMON – as providências
administrativas a serem adotadas para que a LUNA PARK BRINQUEDOS se sagrasse vencedora da
dispensa de licitação nº 16/2020. Feito o ajuste, cada um deles proferiu despachos e outros andamentos no
procedimento de modo que, ao final, a LUNA realmente foi consagrada vencedora. Exemplo disso foram
os comandos dados por EDUARDO POJO no grupo do WhatsApp intitulado de “PRIORIDADES” para
que fosse oportunizado à empresa LUNA PARK o prazo para cumprir as exigências editalícias, tal como
descrito no item 51 da inicial da ação cautelar. Em corroboração, trocas de mensagens entre EDUARDO
POJO e EMANNUEL demonstram a preocupação de POJO em saber se a empresa LUNA PARK havia
mandado a documentação que faltava. Outra demonstração de atuação concertada entre POJO e IOHAN
em atendimento à determinação do líder FRANCISCO ARAÚJO é conversa entre ambos no aplicativo
WhatsApp a respeito do quantitativo testes rápidos que deveria constar no projeto básico do 2º
procedimento analisado – drive thru. Após insistência de FRANCISCO ARAÚJO no montante de
100.000 testes, EDUARDO POJO informa essa alteração a IOHAN – haja vista que até então seriam
90.000 testes – que, por sua vez, responde em seguida ao informar o cumprimento da ordem e envia o
projeto básico atualizado. Além disso, foi captada mensagem de voz em que POJO ajusta com JORGE
CHAMON a aposição de prazo exíguo no projeto básico para apresentação de propostas nessa 2ª
contratação, tudo isso para frustrar o caráter competividade e, assim, deixar o caminho aberto para que a
BIOMEGA saísse vencedora.
Pois bem. Para além do robusto teor probatório fruto das Fases 1 e 2 da Operação “Falso Negativo”,
quanto aos aqui representados EDUARDO HAGE CARMO e EMMANUEL DE OLIVEIRA
CARNEIRO, existem fatos novos aptos a ensejar a contemporaneidade das condutas descobertas, desde o
mês de abril do corrente ano, bem e a urgência e relevância da medida de prisão preventiva ser decretada
inaudita altera pars, fatos esses, inclusive, que só puderam ser apreciados, após a realização dos laudos
pertinentes, o que só ocorreu após a concessão da ordem de Habeas Corpus em favor do acusado
EDUARDO, conforme exigência do art. 312, § 2º, do Código de Processo Penal, com a inclusão do
dispositivo pela Lei nº 13.964/19.
Conforme salientado pelo Ministério Público, os laudos periciais e respectivos relatórios de análise só
ocorreram após 28/8/2020, data da concessão da supra mencionada ordem de Habeas Corpus em favor do
representado EDUARDO HAGE.
Nesse sentido, os atos para contratação da BIOMEGA desenvolveram-se tanto no âmbito interno da
SES/DF, como no âmbito externo, com a ação conjunta dos servidores e dos particulares ligados àquela
empresa. Como adiantado, em 09 de abril de 2020, EDUARDO HAGE telefonou e conversou com
JORGE CHAMON e, em seguida, encaminhou um arquivo com a extensão “PDF”, com o seguinte título:
“Modelo – Termo de Referencia Corona 08.04.2020.pdf”.
Ao serem analisadas as mensagens trocadas entre CHAMON e HAGE, todas alocadas no telefone celular
deste último (apreendido na 2ª FASE DA OPERAÇÃO FALSO NEGATIVO), imediatamente a
Assessoria de Análise de Informações passou a confrontá-las com o conteúdo extraído do telefone celular
de JORGE CHAMON (apreendido na 1ª FASE DA OPERAÇÃO FALSO NEGATIVO – Laudo nº
53.116), obtendo análise comparativa positiva para 100% das mensagens. Ou seja, as mesmas mensagens
constantes do telefone de HAGE também estão alocadas no telefone celular de CHAMON, corroborando
assim o conteúdo extraído do aparelho de EDUARDO HAGE.
Assim como já havia sido indicado no Relatório nº 22/2020/ANAPI/GAECO, ao se abrir o novo arquivo,
é possível verificar que se trata de uma espécie de indicação do conteúdo mais importante do “futuro”
termo de referência/projeto básico da SES/DF para contratação de serviços de testes rápidos do tipo drive
thru. Tal arquivo também foi encaminhado, em 1/05/2020, no formato “word/.doc”, pelo Secretário de
Saúde, FRANCISCO ARAUJO FILHO, a JORGE CHAMON, consoante detalhadamente analisado no
Relatório nº 22/2020-ANAPI/GAECO.
Nesse sentido, apurou-se que EDUARDO HAGE foi o principal articulador para que a BIOMEGA fosse
a vencedora do referido procedimento, inclusive em razão de contato telefônico realizado por ele a
ROBERTA CHELES, funcionária da empresa BIOMEGA, de acordo com a análise do RELATÓRIO N.
34/2020-ANAPI/GAECO.
E, quase duas semanas após a homologação do certame, EDUARDO HAGE perguntou para JORGE
CHAMON acerca da sensibilidade dos testes utilizados no drive trhu, tendo JORGE CHAMON afirmado
que o drive thru estava usando a marca WONDFO, marca diversa da ofertada pela empresa no início da
dispensa de licitação, o que não enfrentou obstáculos, em razão da ausência total de fiscalização dos
serviços. Ademais, a empresa demonstrou ter poder e influência suficiente sobre o Secretário de Saúde
para entregar a marca que desejasse, sem qualquer preocupação com o definido no resultado da dispensa
de licitação”, conforme Relatório nº 21/2020-ANAPI/GAECO.
“Sabe quando você não quer acreditar?”, “Por que que não faz as coisas direito?”, “Eu estava
muito indignada lá na testagem, justamente por conta disso, cara!”, “Todo dia chegava teste marca
diferente né? fabricante diferente, a especificidade era diferente...” “...ninguém tá nem aí, sabe? Pro
ser humano...se a pessoa vai morrer vai, se não vai...eles não ‘tão’ nem aí, eles só querem saber de
ganhar dinheiro!”. Em 05/07/2020, às 19:46h, EMMANUEL diz: “Qual a marca dos testes que vcs
usavam?”, “Ah tá, cada dia era um”, “Triste”, “E ganharam muito dinheiro viu”. Em 05/07/2020, às
19:47h, WANESSA responde: “eco, wodfo” e, em áudio explica que lembrava apenas “desses dois”,
em referência ao eco e wodfo, que “a cada semana, a cada quinze dias” mudava a marca. (grifo
nosso)
Logo, é forçoso concluir que a nova decretação da prisão preventiva contra EDUARDO HAGE está
respaldada pela parte final do caput do artigo 316 do CPP. Isso porque, consoante detalhado alhures,
sobrevieram fortes razões que justifiquem novo decreto condenatório contra ele, as quais, sobretudo,
demonstram a sua posição de destaque no mecanismo da organização criminosa, e não mera participação
secundária, sobressaindo notória a relevância de suas tarefas no âmbito da organização criminosa
especialmente pelo fato de que tinha pleno conhecimento de todo o esquema delituoso, e especificamente
no que se refere à contratação da empresa BIOMEGA, cuja proposta, EM BRANCO, já estava na posse
dele desde março de 2020, e que havia sido por ele repassada aos demais investigados para fins de sua
posterior utilização nessa dispensa de licitação de drive thru de detecção de testes da COVID-19, já
sabendo de antemão que seria a empresa a ser considerada vencedora e adjudicatária de quantias
milionárias advindas dos cofres públicos do Distrito Federal. Inclusive, o resultado foi publicado em
menos de 24 (vinte e quatro) horas após intensa tramitação no feriado do dia 1º/5/2020 (um sábado,
inclusive), tendo a homologação da dispensa em favor dessa empresa ocorrido logo na segunda feira, dia
3/5/2020, por exigência expressa do Secretário de Estado Francisco Araújo.
Não bastasse isso, ficou constatado que EMMANUEL, que se encontra na mesma situação fática de
EDUARDO POJO, diante do engajamento e das diligências empregadas para a consecução dos fatos
criminosos aqui investigados, anteriormente demonstrados na FASE 2 desta Operação, estava muito bem
a par de todo o esquema em tese delituoso e cumpria, dolosamente todas as determinações ilícitas, sempre
causando elevado prejuízo ao Distrito Federal por meio das dispensas de licitação direcionadas e
superfaturadas, levadas a efeito pela SES/DF, a comando do ex-Secretário de Saúde FRANCISCO
ARAÚJO. Nesse sentido, é o teor do diálogo transcrito no Relatório nº 17/2020 da Divisão de
Investigação do GAECO/MPDFT, em que EDUARDO POJO, falando com “Eduardo Amor”, afirmou
que o Secretário de Saúde sempre quer que compre “roubando”:
A pessoa identificada como “Eduardo Amor”, trata-se de EDUARDO DE SOUSA PAULA, cônjuge de
EDUARDO SEARA MACHADO POJO DO REGO. Em 05/05/2020, às 13:45h, POJO afirma: “eu acho
que o círculo está se fechando”, “ele BERRAVA e falava que daqui a 15 dias ele não estará mais
aqui”, “se eu não conseguir comprar testes”, EDUARDO diz: “Vixe amor”, “Mas ele quer que
compre roubando”, “Fica mais difícil né”, POJO responde: “SEMPRE AMOR”,
“SEMPREEEEEEEEE”, “não tem uma que dá certo”, “é impressionante”, EDUARDO comenta:
“Então”, POJO completa: “as que ele não se mete”, EDUARDO: “Se fizesse certo já tinha
comprado”. (grifo no original)
Houve, ainda, mensagens trocadas entre EDUARDO e EMMANUEL ainda mais concretas.
EMMANUEL revela espanto, inclusive, quanto ao preço “oferecido” pela LUNA PARK, a loja de
brinquedos que foi beneficiária do esquema delituoso, qual seja de R$ 180,00 (cento e oitenta reais) por
unidade de teste para detecção da COVID-19, preço, inclusive, que foi o mais alto dentre os lances
oferecidos pelas outras participantes, possivelmente meras figurantes do certame, visto que, à época, em
março deste ano, cada um dos testes custaria apenas R$ 9,00 (nove reais), conforme arquivos
encaminhados entre eles. Além disso, a proposta da empresa LUNA PARK, de que já tinha posse
antecipadamente, foi transmitida a EDUARDO POJO, sem qualquer assinatura, antes mesmo de qualquer
formalização ou publicação do resultado do procedimento de dispensa de licitação, a indicar, estreme de
dúvidas, a ciência da ilicitude de todos os fatos relacionados às compras de testes rápidos.
Como dito, ERIKA não tinha elevado poder decisório, muito embora tenha executado atos relevantes e,
sem os quais, as fraudes executadas pelo grupo não poderiam ter sido levadas a efeito. Dentre estes atos,
é fácil identificar a proteção e a prioridade conferidas à empresa LUNA PARK. Nesse sentido, ficou
demonstrado que, sob as ordens diretas de EMMANUEL, ERIKA assinou despacho encaminhando o
processo da LUNA PARK para alocação de recursos na ordem de R$ 16.200.000,00, valor este que se
refere, exatamente, ao montante descrito na proposta da LUNA PARK para fornecimento de 90.000 testes
Também assim, após o término dos prazos, viu-se por meio do Laudo nº 54.039/2020, e do Relatório nº
17/2020/DI/GAECO, que EDUARDO POJO e EMMANUEL conversaram sobre a necessidade de
solução para o “caso LUNA PARK”, tendo EMMANUEL determinado à ERIKA que executasse a tarefa
de forma a não deixar rastros e dificultar futura investigação ou auditoria, ao que POJO exclamou
“Ótimo!”
Presente também o periculum libertatis quanto aos representados EDUARDO HAGE e EMMANUEL,
uma vez que se trata de facção criminosa com nível elevado de organização. Na esteira do que já foi
decidido na Fase 2 da presente apuração, não há dúvida de que os fatos são gravíssimos, porque
praticados em momento de grande sensibilidade e mobilidade mundial para o enfrentamento da
emergência de saúde pública, de importância internacional decorrente do COVID-19, para dispensar
licitações e adquirir produtos superfaturados e de qualidade duvidosa, principalmente em favor das
empresas LUNA PARK BRINQUEDOS e BIOMEGA.
Portanto, a periculosidade social das condutas é intensa e evidente. Como se vê, trata-se de perigo
concreto, não meramente abstrato a justificar a decretação da prisão preventiva também destes
representados providência extremada da prisão preventiva, diante, inclusive, das evidências de ajustes de
discursos entre os integrantes da cúpula da Secretaria de Saúde, além do embaraço à fiscalização dos
processos administrativos, demonstram que a prisão cautelar também tem sua imprescindibilidade
lastreada no juízo prospectivo quanto à probabilidade de que os investigados, uma vez em liberdade,
possam atrapalhar a colheita de elementos probatórios voltados ao esclarecimento de qualquer dos fatos
em apuração.
Atendidos, portanto, os requisitos do artigo 312, do CPP, na medida em que a prisão preventiva dos
representados é necessária para garantia da ordem pública e para evitar a reiteração criminosa, com a
desarticulação, definitiva, do suposto esquema criminoso investigado.
Considerando todo esse contexto, de fato a prisão preventiva é essencial também para propiciar a devida
instrução criminal e impedir os investigados de continuarem em sua escalada criminosa, pois, ainda que
exonerados, o contexto fático revela a grande influência que possuíam sobre os servidores e, quiçá,
ainda possuem, situação esta que deverá ser acautelada até análise final das provas capturadas e
pleno conhecimento de todos os envolvidos.
Frise-se, por fim, que o caso se amolda perfeitamente ao descrito no art. 313, incisos I e II, do CPP.
Ademais, não há dúvidas de que a medida de busca e apreensão requerida pela autoridade policial
também é imprescindível para que se investigue de forma mais aprofundada os delitos em questão, posto
Logo, demonstrado o fumus boni iuris, com base na fundamentação anterior, é forçoso concluir que está
presente o periculum in mora da medida, nos termos das alíneas “b”, “c”, “f” e “h” do § 1º do art. 240 do
CPP, pois não há outro meio eficaz para a obtenção das provas requeridas e há a necessidade de se
buscarem e apreenderem celulares, computadores, tablets, dispositivos de armazenamento de mídias etc.,
coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos
falsificados ou contrafeitos, cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja
suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato e qualquer outro
elemento de convicção vinculado ao presente caderno investigatório.
Quanto ao pedido de acesso aos dados telefônicos, como se sabe, e de acordo com a jurisprudência do
STJ sobre o tema, não se aplica a Lei 9296/96, por não se tratar de hipótese de interceptação telefônica,
mas simples acesso aos dados contidos nos terminais telefônicos.
Todavia, apesar de o sigilo dos dados ser assegurado constitucionalmente, pode ser restringido em
excepcionais hipóteses, sendo o caso vertente dos autos uma delas, pois se busca, a um só tempo, a
robustecer a instrução criminal e favorecer as investigações policiais, nos termos da fundamentação acima
expendida.
Ademais, o acesso aos aparelhos eletrônicos apreendidos tanto em poder dos representados quanto em
suas residências se revela ainda mais importante na presente operação, visto que se valem de
comunicações por meio eletrônico para a suposta realização e perpetuação do esquema criminoso
decorrente de direcionamentos de licitação em favor de certas empresas e fraudes aos procedimentos de
dispensa de licitação para aquisição de testes rápidos para detecção do COVID-19 no Distrito Federal,
fora ainda possíveis delitos de peculato e lavagem de dinheiro, tudo em possível âmbito de organização
criminosa mantida pelos agentes públicos que atuavam na cúpula da Secretaria de Estado de Saúde do
Distrito Federal, de modo que tais dispositivos, certamente possuem informações sensíveis sobre os
crimes em apuração e, provavelmente, de outros ainda não identificados.
Posto isso, nos moldes da fundamentação “supra”, DEFIRO OS PEDIDOS FORMULADOS na presente
medida cautelar para:
c) DEFERIR os pedidos de busca e apreensão domiciliar, nos termos do art. 240, § 1º, do Código de
Processo Penal, nos seguintes endereços:
- SQS 205, BLOCO “I”, APT. 404, ASA SUL, BRASÍLIA/DF (vinculado a EDUARDO HAGE
CARMO)
II – DETERMINO QUE autoridades encarregadas das apurações poderão ter livre acesso a quaisquer
dados armazenados nos dispositivos apreendidos (com a quebra de senhas, se for o caso) e inclusive
acessar, no local das buscas, caso necessário, todos eles (computadores, smartphones, celulares, tablets,
etc.), ainda que contenham comunicações registradas no próprio aparelho ou em qualquer aplicativo.
Outrossim, considerando as especificidades das apurações, determino que esta decisão, com força
de mandado judicial, ou, caso excepcionalmente seja necessária ulterior expedição de mandados
avulsos, sejam expedidos aos cuidados e para cumprimento pelo Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(GAECO/MPDFT), que se encarregará de requisitar auxílio policial para o cumprimento das
diligências, caso seja necessário.
O GAECO/MPDFT deverá comunicar de imediato, quando do seu cumprimento, que deverá ocorrer no
prazo de 15 (quinze) dias após o recebimento da presente ordem judicial.
Anote-se que as informações obtidas devem ser mantidas em sigilo, visto que a publicidade poderá
inviabilizar a investigação e a aplicação da Lei Penal.
Observe-se o segredo de justiça que se reveste a presente medida, bem como as disposições do CNJ.
Finalmente, quanto ao pedido de levantamento do sigilo das medidas cautelares destes autos, decidirei
após o cumprimento das medidas cautelares ora deferidas.
Juíza de Direito