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FACULDADE ASSIS GURGACZ – FAG

ESCOAMENTO À SUPERFÍCIE LIVRE (CANAIS)

ENGENHARIA CIVIL

HIDRÁULICA E INSTALAÇÕES HIDRÁULICAS


RESIDENCIAIS E PREDIAIS

LUIZ HENRIQUE BASSO


ESCOAMENTO À SUPERFÍCIE LIVRE (CANAIS)

1. Escoamentos livres e forçados

O escoamento livre, ou escoamento em canais abertos, é caracterizado pela


presença de uma superfície em contato com a atmosfera submetida, portanto, à
pressão atmosférica. Assim, ao passo que nos escoamentos em condutos forçados as
condições de contorno são sempre bem definidas, nos escoamentos livres estas
condições podem ser variáveis, no tempo e no espaço.
Além disto, a extrema deformabilidade da superfície livre dá origem a uma
série de fenômenos desconhecidos nos condutos forçados, tais como o ressalto
hidráulico e o remanso.
Um aspecto importante que deve aqui ser realçado é a maior variabilidade,
tanto quanto à forma, quanto à rugosidade das paredes dos condutos, em
contraposição à maior uniformidade observada nos condutos utilizados nos
escoamento em carga. Este aspecto contribui, também, de forma significativa, a uma
maior complexidade nas formulações matemáticas relativas aos escoamentos livres.
Apesar destas diferenças entre os dois tipos de escoamento, os princípios
básicos que regem os escoamentos livres são essencialmente os mesmos daqueles
referentes aos escoamentos forçados. Assim, as equações fundamentais são as
seguintes:

• Equação da continuidade, traduzindo a conservação da massa:


Q = A1U1 = A2U2 (1.1)

• Equação correspondente ao teorema de Euler, traduzir a conservação da


quantidade de movimento:
→ → →
R = ρQ (β2U2 - β1U1) (1.2)

• Equação de Bernoulli, traduzindo a conservação da energia:


z1 + y1 + α1 U12 = z2 + y2 + α2 U22 ∆h (1.3)
2g 2g

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Nestas equações, tem-se:

Q = vazão, em m3/s;
A = área, em m2;
U = velocidade média, em m/s;
R = força resultante, em N;
ρ = massa específica, em kg/m3;
β = coeficiente de Boussiesq;
z = cota do fundo, em m;
y = profundidade, em m;
α = coeficiente de Coriolis;
g = aceleração da gravidade, em m/s2;
∆h = perda de carga, em m;

Exemplo 1.1

Um canal retangular com base de 5 m transporta uma vazão de 10 m3/s entre


os pontos 1 e 2 e desnível de 13 m. Sabendo que a profundidade a montante é de 1 m
e a velocidade a jusante é igual a 3 m/s, pede-se calcular a perda de carga total entre o
início e o término do canal.
Solução

3
2. Variação da velocidade

Nos condutos livres, a presença de superfícies de atrito distintas,


correspondentes às interfaces líquido-parede e líquido-ar, acarreta uma distribuição
não uniforme da velocidade nos diversos pontos da seção transversal. O esquema
apresentado na Figura 2.1 ilustra a distribuição das velocidades em uma seção de
curso d’água, podendo observar-se o aumento da velocidade das margens para o
centro e do fundo para a superfície, em função do aumento da distância do tubo de
corrente em relação à superfície de atrito.

Na Figura 2.2, ilustra-se a distribuição de velocidades nas seções transversais


através das Isótacas, ou seja, das curvas de igual velocidade, em algumas seções
usuais artificiais.

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De forma geral, no sentido horizontal as velocidades em uma seção vão de
valores nulos, junto às margens, a valores máximos nas proximidades do centro do
escoamento, conforme pode ser visto nas Figuras 2.1 e 2.2. Já em uma vertical, o perfil
de distribuição das velocidades é aproximadamente logarítmico, conforme ilustrado na
Figura 2.3, indo de um valor nulo, junto ao fundo, até um valor máximo logo abaixo da
superfície, entre 5% e 25% da profundidade. O valor da velocidade média, designada
U, corresponde, aproximadamente, à média aritmética das velocidades medidas a 20%
e 80% da profundidade, podendo também ser considerado aproximadamente igual à
velocidade observada a 60% da profundidade.
Tendo em vista o exposto pode-se afirmar que a distribuição das velocidades
em uma seção é bastante complexa, implicando na necessidade de um tratamento
matemático tridimensional para sua adequada descrição. Estas condições
acarretariam, evidentemente, dificuldades operacionais relativas aos cálculos práticos
em Engenharia Hidráulica.

A determinação das velocidades em uma seção só é possível através de


medições diretas, sendo efetuada usualmente com o uso de aparelhos denominados
molinetes, que associam a velocidade de escoamento à rotação de uma hélice.
Atualmente estão disponíveis equipamentos mais modernos para medição de
velocidade, baseados na reflexão de ultra-sons e raios laser.
Os coeficientes α e β podem ser expressos em função de uma relação entre as
velocidades médias e máximas em uma seção de acordo com as seguintes
expressões:

α = 1 + 3ε2 - 2ε3 (2.1)

β = 1 + ε2 (2.1)

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Nestas expressões ε pode ser calculado pela seguinte expressão:

ε = Vmax – 1 (2.3)
U

Onde Vmax corresponde à velocidade máxima e U à velocidade média na


seção.

Exemplo 2.1

Em um canal retangular, com lâmina d’água de 1,50 m de altura, foram


efetuadas medições da velocidade de escoamento a 0,30 e 1,20 m de profundidade,
obtendo-se respectivamente 1,50 e 0,90 m/s. Sabe-se que a velocidade superficial é
de 1,40 m/s e supondo-se que a velocidade máxima seja 15% superior a esta, pede-se
calcular para esta seção os parâmetros α e β.

Solução

Tendo em vista a freqüente dificuldade prática de dispor de valores reais de α e


β, adotam-se, usualmente, valores iguais à unidade para os dois parâmetros, o que
implica na consideração de uma velocidade média constante em toda a seção. Essa
suposição, a rigor incorreta, pode ser considerada válida como uma aproximação,
tendo em vista que as equações de conservação da energia e da quantidade de

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movimento são utilizadas, freqüentemente, para efetuar balanço entre seções não
muito diferentes geometricamente e, portanto, com valores de α e β próximos. Cabe
ressaltar, no entanto, a necessidade de ter sempre em mente a possibilidade de tratar
situações com valores de parâmetros significativamente variáveis, o que força a
utilização de valores diferentes da unidade.

3. Variação da pressão

Usualmente trabalha-se com a hipótese de distribuição hidrostática de


pressões nos escoamentos em canis com fundo plano e pequenas declividades.
No que diz respeito à variação da pressão na seção transversal, pode-se dizer,
inicialmente, que esta assume aqui uma maior importância do que no caso dos
condutos forçados. Com efeito, considera-se, em geral, a pressão reinante nos
condutos forçados é igual em todos os pontos da seção, tendo em vista as dimensões
dos condutos, em geral reduzidas, comparadas com as cargas piezométricas
reinantes. No caso dos condutos livres, esta consideração não pode ser efetuada.
Assim, nos escoamentos livres, a diferença de pressões entre a superfície livre
e o fundo não pode ser desprezada, pois não considerando interferências devidas à
turbulência, contata-se que a pressão em qualquer ponto da massa líquida é
aproximadamente proporcional à profundidade, ou seja, a distribuição da pressão na
seção obedece à Lei de Stevin, relativa à distribuição hidrostática de pressões, como
pode ser visto na Figura 3.1.

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Nestas condições pode-se assumir que:
P=γh (3.1)

Onde:

P = pressão;
γ = peso específico do líquido;
h = profundidade do ponto considerado.

Na realidade, a hipótese de distribuição hidrostática de pressões ocorre


quando inexistem componentes de aceleração no sentido longitudinal, ou seja, quando
observam-se, linhas de corrente retilíneas, caracterizando o chamado Escoamento
Paralelo. Esse tipo de fluxo, a rigor, ocorre apenas em situações de escoamento
uniforme. Todavia, para objetivos práticos, pode-se considerar também os
escoamentos gradualmente variados como sendo paralelos, ou seja, assume-se
também para estes uma distribuição hidrostática das pressões.
Nos escoamentos bruscamente variados, quando a curvatura das linhas de
corrente no sentido vertical é significativa, caracteriza-se o Escoamento Curvilíneo,
observando-se uma alteração na distribuição hidrostática das pressões. Com efeito,
em escoamentos curvos, convergentes ou divergentes, observa-se a presença de
forças inerciais, que correspondem às acelerações tangenciais e normais, que alteram
a distribuição hidrostática de pressões, conforme pode ser visto na Figura 3.2.

De fato, em perfis convexos constata-se uma redução da pressão hidrostática.


Por outro lado, no caso de perfis côncavos, observa-se uma sobrepressão adicional.

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Deve-se então introduzir correções nos valores da pressão hidrostática através da
seguinte expressão (Graf, 1993):
P`=P+∆P
Onde:
∆P= γh U2
g r
sendo:
P´:pressão resultante, devidamente corrigida;
P: pressão hidrostática;
γ : peso específico;
h : profundidade;
g : aceleração da gravidade;
U : velocidade média;
r : raio de curvatura do fundo, considerado positivo para fundos côncavos e
negativos para fundos convexos.
Um outro aspecto que deve ser considerado aqui diz respeito ao efeito de
declividade na distribuição das pressões. Com efeito, para canais com declividades, a
distribuição de pressões afasta-se da hidrostática, como pode ser visto na Figura 3.3,
relativa a um canal de inclinação θ, em condições de escoamento uniforme.

Nestas condições, a pressão no ponto B da Figura 3.3 é dada pela seguinte


expressão, segundo Chow (1959):

P´b=γy cos2 θ

Esta pressão é denominada pseudo-hidrostática, diferindo da hidrostática


apenas pelo fator cos2 θ. Com o aumento da declividade, o fator cos2 θ cresce,

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tornando a diferença mais significativa. Em canais com declividades inferiores a 0,1
m/m, a diferença seria menor do que 1%, tornando, portanto, realista desprezar-se
essa correção no desenvolvimento de cálculos práticos em Hidráulica. Pode-se
introduzir um critério de declividade para distinguir dois tipos de canais e,
conseqüentemente, as simplificações passíveis de serem consideradas:
• canais com declividade reduzida (I<10%), onde pode ser considerada a
distribuição hidrostática de pressões;
• canais com grandes declividades (I>10%), para os quais é necessário
considerar-se a distribuição pseudo-hidrostática de pressões.
A figura 3.4, apresentada a seguir, ilustra a distribuição de pressões no
escoamento em um vertedor, evidenciando zonas de subpressão (crista), sobpressão
(pé), bem como a distribuição pseudo-hidrostática ao longo da sua calha.

É importante salientar que a subpressão observada na crista pode levar,


eventualmente, a valores de pressão efetivas inferiores à atmosférica, conduzindo
problemas de cavitação e conseqüentemente desgaste da estrutura. Da mesma forma,
elevados valores de sobpressão observados no pé do vertedor podem também
conduzir à deterioração estrutural.

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Exemplo 7.3

Durante uma cheia, um vertedor de altura igual a 8,00m e largura 5,00m,


descarrega uma vazão de 22,00m3/s. Os raios de curvatura do vertedor nos pontos A e
C (ver Figura 3.4) são, respectivamente, 1,20m e 4,00m. A calha (ponto B) tem uma
inclinação de 90%. Sabendo-se que no ponto A, a lamina d´água atinge 1,40m de
altura, e nos pontos B e C as velocidades de escoamento são 9,00m/s e 13,00m/s,
respectivamente, pede-se calcular a pressão hidrostática no ponto C.

Solução

4. Tipos de escoamento

O escoamento em condutos livres pode se realizar de várias maneiras:

4.1) Quanto ao tempo:

UNIFORME
(Seção uniforme profundidade e velocidade
constantes)
PERMANENTE
(Numa determinada
seção a vazão
permanece constante) Gradualmente
VARIADO
ESCOAMENTO (Acelerado ou
retardado)
Bruscamente
NÃO PERMANENTE
(Vazão variável)

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Se ao longo do tempo o vetor velocidade não se alterar em grandeza e direção,
em qualquer ponto determinado de um líquido em movimento o escoamento é
qualificado como permanente. Nesse caso as características hidráulicas em cada
seção independem do tempo (essas características podem, no entanto, variar de uma
seção para outra, ao longo do canal: se elas não variarem de seção para seção ao
longo do canal o movimento será uniforme).
Considerando-se agora um trecho de canal, para que o movimento seja
permanente no trecho, é necessário que a quantidade de líquido que entra e que sai
mantenha-se constante.
Consideremos um canal longo, de forma geométrica única, com uma certa
rugosidade homogênea e com uma pequena declividade, com uma certa velocidade e
profundidade. Com essa velocidade ficam balanceadas a força que move o líquido e a
resistência oferecida pelos atritos internos e externo (este decorrente da rugosidade
das paredes).
Aumentando-se a declividade, a velocidade aumentará, reduzindo-se a
profundidade e aumentando os atritos (resistência), sempre de maneira a manter o
exato balanço das forças que atuam no sistema.
Não havendo novas entradas e nem saídas de líquido, a vazão será sempre a
mesma e o movimento será permanente (com permanência da vazão). Se a
profundidade e a velocidade forem constantes (para isso a seção de escoamento não
pode ser alterada), o movimento será uniforme e o canal também será chamado
uniforme desde que a natureza das suas paredes seja sempre a mesma.
Nesse caso a linha d’água será paralela ao fundo do canal.
4.2) Quanto à trajetória das partículas: Laminar e Turbulento
4.3) Quanto às linhas de corrente: Paralelo e Não Paralelo.

5. Elementos da seção transversal


As condições de contorno nos escoamentos livres podem apresentar-se de
forma extremamente variável. Em função da geometria da seção e da profundidade de
escoamento, pode-se definir um certo número de parâmetros, que têm grande
importância e são largamente utilizados nos cálculos hidráulicos.
Esses parâmetros hidráulicos fundamentais relativos a uma seção transversal
são essencialmente os seguintes:
• Seção ou Área Molhada (A): parte da seção transversal que é ocupada pelo
líquido;

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• Perímetro Molhado (P): comprimento relativo ao contato do líquido com o
conduto;
• Largura Superficial (B): largura da superfície em contato com a atmosfera;
• Profundidade (y): altura do líquido acima do fundo do canal;
• Profundidade hidráulica (yh): razão entre a Área Molhada e Largura Superficial:
yh = A / B (5.1)
• Raio hidráulico: (Rh): razão entre a Área Molhada e o Perímetro Molhado:
Rh = A / P (5.2)
Este último parâmetro constitui a dimensão hidráulica característica, utilizada
para o cálculo do número de Reynolds.
A profundidade y muitas vezes é assimilada a uma altura de escoamento
perpendicular ao fundo do canal, designada por “h”. Nas condições usuais de
declividades reduzidas, como será visto ulteriormente, pode-se freqüentemente tomar
as duas grandezas como equivalentes.
Para algumas seções, de forma geométrica definida, esses elementos podem
ser analiticamente expressos em função da profundidade da água, conforme Quadro
5.1 onde são apresentadas às características geométricas fundamentais das seções
mais comumente usadas na hidráulica dos canais abertos.
Quadro 5.1 – Parâmetros característicos de algumas seções usuais:

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Exemplo 5.1

Calcular o Raio Hidráulico e a Profundidade Hidráulica do canal trapezoidal da


figura, sabendo-se que a profundidade do fluxo é de 2 m.

Solução

Em termos de utilização prática, as seções trapezoidais são bastante


empregadas em canais de todos os portes, com ou sem revestimento. Da mesma
forma, as seções retangulares têm emprego bastante amplo, sendo, no entanto,
construídas em estruturas rígidas, de forma a garantir a estabilidade das seções. Para
a condução de vazões mais reduzidas, empregam-se as seções circulares, de uso
comum em redes de esgoto, redes de águas pluviais e em bueiros. Da mesma forma,
as seções triangulares são utilizadas em canais de pequenas dimensões, tais como as
sarjetas rodoviárias e urbanas.
Para a caracterização das seções triangulares e trapezoidais, pode-se
introduzir um parâmetro geométrico “Z”, conforme pode ser visto no Quadro 5.1,
referente à inclinação do talude, correspondente à razão entre as dimensões horizontal
e vertical deste.
Para as seções irregulares, como as dos canais naturais, estas relações
analíticas não podem usualmente ser estabelecidas. Eventualmente pode-se tentar
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ajustar curvas para representar estas relações, como parábolas, para cursos d’água de
pequenas dimensões.
Ainda no que diz respeito aos canais fluviais naturais, trabalha-se
freqüentemente com as chamadas Seções Retangulares Largas, que são utilizadas
para cursos d’água de grandes larguras e pequenas profundidades. Assim, supõe-se
que a profundidade é desprezível em relação a largura do curso d’água, ou seja, o
perímetro molhado pode ser assimilado à largura, obtendo-se:
A = By P≅B ⇒ Rh ≅ y (5.1)

Quando a seção do conduto é constante ao longo de toda a sua extensão, diz-


se que o canal é prismático. Os canais e condutos prismáticos são os únicos que nos
permitem obter um escoamento uniforme, ou seja, com profundidades constantes ao
longo do escoamento, para uma dada vazão.
Tendo em vista que o escoamento livre se processa exclusivamente em função
da gravidade, os desníveis desempenham um papel primordial no seu estudo, sendo
que a declividade (I) corresponde ao parâmetro característico. As declividades são,
evidentemente, adimensionais, expressas em “metro por metro” [m/m],
correspondendo à razão entre o desnível e a distância horizontal. É bastante usual,
também, a notação das declividades em “porcentagem”. Assim, uma declividade de
4%, por exemplo, correspondente a uma declividade de 0,04 m/m, está associada a
um desnível de 4 cm para cada metro percorrido no sentido horizontal.

6. Energia específica

A energia correspondente a uma seção trasnversal de um canal é dada pela


soma de três cargas: Cinética, Altimétrica e Piezométrica:
H = z + y + α U2 (6.1)
2g
Como efetuado por Bakhmeteff, em 1912 (Chow, 1959), pode-se considerar a
quantidade de energia medida a partir do fundo do canal, obtendo-se a expressão da
energia específica, que corresponde apenas à soma das cargas cinética e
piezométrica:
E = y + α U2 (6.2)
2g

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Adotando α = 1 e substituindo a velocidade média pela vazão através da
equação da continuidade, pode-se escrever:
E = y + Q2 (6.3)
2
2gA

Considerando a área como uma função da profundidade, pode-se então


constatar que a energia específica é uma função apenas de y, para uma dada vazão:
E = y + Q2 (6.4)
2 gf (y)2

Assim, fixando-se uma vazão, pode-se dizer que a energia específica é a


distância vertical entre o fundo do canal e a linha de energia, correspondendo,
portanto, à soma de duas parcelas, ambas funções de y:
E = E1 + E2

Sendo:
E1 = y
E2 = Q2
2 gf (y)2

Pode-se representar graficamente a energia específica em função de y:

A partir da Figura 6.1 pode-se constatar que a energia específica não é uma
função monótona crescente com y; existe um valor mínimo de energia, que
corresponde a uma certa profundidade, denominada Profundidade Crítica – yc . A
energia corresponde a yc é chamada de energia crítica – Ec.
Assim, para um dado valor de energia, superior a Ec existem dois valores de
profundidade, yf e yt’ denominadas Profundidades Alternadas. Pode-se então dizer que
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existem dois regimes de escoamento, denominados Regimes Recíprocos. O
escoamento que ocorre com yf denomina-se escoamento Superior, Tranqüilo, Fluvial
ou ainda Subcrítico. O escoamento correspondente a yt é denominado Inferior, Rápido,
Torrencial ou Supercrítico. O escoamento que ocorre com y = yc é denominado Crítico.
A expressão de energia específica (6.3) conduz a uma equação de terceiro
grau. Assim, para um dado valor de energia, duas das raízes que satisfazem a
equação correspondem às profundidades subcrítica e supercrítica já vistas. A terceira
raiz apresenta valor negativo, não possuindo, portanto, significado físico.
Da mesma forma pode-se também introduzir o conceito de Declividade Crítica.
Com efeito, pode-se supor, inicialmente, uma vazão constante escoando em um canal
prismático com uma profundidade superior à crítica. Ao aumentar a declividade do
canal constata-se um aumento da velocidade de escoamento. De fato, pela equação
da continuidade, a esse aumento de velocidade corresponde a uma redução da seção
molhada, ou seja, uma redução da profundidade do escoamento, podendo-se chegar a
um ponto em que a profundidade atinge o valor crítico. Tem-se então, nesta situação, a
Declividade Crítica – Ic. A declividade crítica, portanto, é aquela que conduz à
profundidade crítica. Declividades superiores a essa serão declividades supercríticas,
pois conduzem a profundidades de escoamento inferiores à crítica, y < yc. O mesmo
raciocínio leva à conclusão de que declividades inferiores à crítica, conduzindo a
profundidades elevadas, serão subcríticas.
De forma análoga pode-se ainda introduzir o conceito de Velocidade Crítica,
sendo esta também associada às condições críticas de escoamento.
Cabe ainda ressaltar que cada valor de vazão escoando por um canal
determina uma curva de energia específica. Assim, para um determinado canal, tem-se
uma família de uma família de curvas de energia específica, justapostas e de forma
semelhante, dada uma correspondendo a uma vazão, como pode ser visto na Figura
6.1.
Desta forma, uma determinada profundidade de escoamento no canal pode ser
subcrítica ou supercrítica, de acordo com a vazão em trânsito. Pode-se chegar, assim,
ao conceito de Vazão Crítica, que seria aquela que conduz à condição crítica em um
dado canal. Assim, um canal pode funcionar ora em escoamento subcrítico, ora em
escoamento supercrítico, de acordo com a vazão em transito. Com efeito, o
crescimento da vazão em um canal leva ao aumento da profundidade de escoamento,

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bem como da profundidade crítica. De acordo com a relação entre as duas
profundidades pode ocorrer uma mudança de regime de escoamento.
A presença de singularidades nos canais pode também conduzir a mudanças
de regime de acordo com a vazão, conforme pode ser visto na Figura 6.2, onde no
ponto A, por exemplo, tem-se um escoamento supercrítico para a vazão Q1 e
escoamento subcrítico para as vazões Q2 a Q4’ em função do deslocamento de um
ressalto hidráulico.

7. O número de Froude

A caracterização dos regimes de escoamento quanto à energia é efetuada


através de um número adimensional obtido a partir da equação de energia específica,
denominado número de Froude e designado por Fr:

Fr = U (7.1)
1/2
(gyh)

O número de Froude caracteriza o regime de escoamento. Quanto Fr < 1, tem-


se o regime Subcrítico; para Fr > 1, estaremos em regime Supercrítico e, finalmente,
Fr = 1 implica no regime Crítico de escoamento.

Exemplo 7.1

Determinar o regime de escoamento quanto à energia específica na seção 1 do


exemplo 1.1.

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Solução

O número de Froude é um adimensional extremamente importante na


Hidráulica, representando a razão entre as forças inerciais e gravitacionais que atuam
no escoamento. Assim, se houver uma preponderância das forças gravitacionais, tem-
se que o denominador é maior que o numerador na equação (7.1). Neste caso, Fr <1 e
o regime é Fluvial. No caso de preponderância das forças inerciais, tem-se o
numerador maior do que o denominador na equação (7.1), ou seja, Fr >1, sendo,
então, o regime Torrencial.
Pode também ser efetuada interpretação energética para o número de Froude.
Assimilando-se o termo U à Energia Cinética e o termo (gyh)1/2 à Energia Potencial,
quando ocorre uma preponderância da energia cinética sobre a potencial, ou seja,
quando houver em escoamento rápido, tem-se Fr > 1. se, por outro lado, a
preponderância for da energia potencial sobre a cinética, tem-se Fr < 1. O Regime
Cítrico (Fr=1) corresponde a uma condição de equilíbrio entre essas duas formas de
energia.
Finalmente, uma interpretação “cinética” do número de Froude pode ser
efetuada através da comparação da velocidade de escoamento com a velocidade de
propagação das ondas gravitacionais (perturbações superficiais). Com efeito, a
velocidade de propagação dessas ondas, denominada Celeridade, é dada pela
seguinte expressão:
C = (gyh)1/2 (7.2)

Assim, pode-se escrever:


FR = U (7.3)
C

Esta relação permite identificar as seguintes situações:

• Velocidade de escoamento superior à Celeridade:


⇒ U > C ⇒ Fr > 1 ⇒ Escoamento supercrítico

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• Velocidade de escoamento inferior à Celeridade:
⇒ U < C ⇒ Fr < 1 ⇒ Escoamento Subcrítico
• Velocidade de escoamento igual à Celeridade:
⇒ U = C ⇒ Fr = 1 ⇒ Escoamento Crítico

Estas diferentes situações podem ser visualizadas na Figura 7.1.

Pode-se perceber, pela figura, que as perturbações do fluxo propagam-se de


forma diferente conforme o regime de escoamento. De fato, no escoamento subcrítico
as perturbações propagam-se para jusante e montante; já no escoamento supercrítico
as perturbações propagam-se apenas para jusante.
Pode-se ainda chegar a uma primeira noção, intuitiva, do controle hidráulico.
Assim, no escoamento subcrítico uma perturbação de jusante afeta o escoamento a
montante; pode-se dizer, portanto, que o controle do escoamento seria então “de
jusante”. Já no escoamento supercrítico como o escoamento seria afetado apenas a
jusante da perturbação, o controle seria, então, “de montante”.
Finalmente, um último aspecto a tratar diz respeito à classificação dos regimes
de escoamento. Conforme pode ser visto na Figura 7.2, os escoamentos podem
ocorrer segundo qualquer combinação e regimes quanto às forças viscosas (laminar e
turbulento) e gravitacionais (fluvial e torrencial), segundo os números de Reynolds e
Froude associados.

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8. Escoamento crítico

Conforme visto anteriormente, o escoamento crítico é caracterizado pelo


número de Froude igual à unidade:
Fr = U/ (gyh)1/2 = 1

Assim, pode-se escrever que no regime crítico tem-se:


U = (gyh)1/2

Fazendo yh = A/B e substituindo também U por Q/A, tem-se


⇒ Q2 = g A ⇒ Q2 = A3
A2 B g B

Q2 B = gA3 (8.1)

Sabendo que A = f(y) e B = g(y), o valor de y que satisfizer a equação


corresponde à profundidade crítica yc. Dessa forma, para seções de geometria
conhecida analiticamente, pode-se obter uma expressão para yc. Para seções não
parametrizáveis, a determinação da profundidade crítica é mais trabalhosa, exigindo
um cálculo interativo.
Para seções retangulares, por exemplo, com A = By, obtém-se a partir da
equação (8.1)

⇒ Q2 B = g(Byc)3 ⇒ yc = Q2 1/3
(8.2)
B2g

Freqüentemente, por razões de ordem prática, trabalha-se com a vazão por


unidade de largura. Nestas condições, com a vazão específica q (q= Q/B), expressa
em [m3/s.m] ou [m2/s], a equação (8.2) pode ser escrita da seguinte forma:
yc = q2 1/3 (8.3)
g
Pode-se definir ainda a partir de (7.1)
Fr2 = U2 = Q2__
gy B2 y2 gy

Fr2 = q2 (8.4)
gy3

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A expressão (8.4) é bastante utilizada para análise e cálculo das seções
retangulares, incluindo as seções retangulares largas, definidas no capítulo anterior.
Em condições de escoamento crítico pode-se definir ainda a partir da equação
(6.3):
Ec = yc + q2 (8.5)
2gyc2

A partir da equação 6.4 pode-se escrever:


Ec = yc + Fr2 yc
2

Como no escoamento crítico Fr é igual à unidade, vem:


Ec = 3 yc (8.6)
2

Exemplo 8.1

Determinar a profundidade crítica em um canal triangular, com taludes 1:1,


transportando uma vazão de 14,00 m3/s.

Solução

22
8.4 Ocorrência do regime crítico – controle hidráulico

A condição crítica de escoamento corresponde ao limite entre os regimes fluvial


e torrencial. Assim, quando ocorre a mudança do regime de escoamento, a
profundidade deve passar pelo valor crítico. Entretanto, esta passagem pela condição
crítica se dá de forma distinta de acordo com o regime inicial observado – fluvial ou
torrencial – como será descrito a seguir.
As situações práticas em que são observadas essas mudanças de regime são
diversas, podendo-se citar as seguintes, correspondentes à passagem do escoamento
subcrítico a supercrítico:
• passagem de uma declividade subcrítica para uma declividade supercrítica;
• queda livre, a partir de uma declividade subcrítica a montante;
• escoamento junto à crista de vertedores.

A Figura 8.1 ilustra algumas situações de ocorrência do escamento crítico.

A passagem do regime supercrítico a subcrítico é verificada em mudanças de


declividades e em saídas de comportas, por exemplo. Em geral essa passagem não é
feita de modo gradual. Com efeito, observa-se uma situação de ocorrência de um
fenômeno bastante importante em Engenharia Hidráulica, o Ressalto Hidráulico, que
corresponde a um escoamento bruscamente variado, caracterizado por uma grande
turbulência e uma acentuada dissipação da energia.
A condição de profundidade crítica implica em uma relação unívoca entre os
níveis energéticos, a profundidade, a velocidade e a vazão, criando assim uma Seção
de Controle, na qual são válidas as equações vistas no item anterior.
Em termos gerais, o nome Seção de Controle é aplicado a toda seção para a
qual se conhece a profundidade de escoamento, condicionada pela ocorrência do
regime crítico ou por uma estrutura hidráulica, ou uma determinada condição natural ou

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artificial qualquer, que de alguma forma controla o escoamento. Assim, as seções do
controle podem ser divididas em três tipos distintos : “controle crítico”, “controle
artificial” e “controle de canal”.
O controle crítico é aquele associado à ocorrência da profundidade critica,
separando, portanto, um trecho de escoamento supercrítico de outro de escoamento
subcrítico. Em geral ocorre na passagem do escoamento subcrítico a supercrítico,
como na crista de um vertedor de barragem, por exemplo. A passagem do escoamento
supercrítico para o escoamento subcrítico ocorre através do ressalto, não sendo
possível definir-se a seção de ocorrência do regime crítico, ou seja, a seco de controle.
O controle artificial ocorre sempre associado a uma situação na qual a
profundidade do fluxo é condicionada por uma situação distinta da ocorrência do
regime crítico,seja através de um dispositivo artificial de controle de vazão ou através
do nível d’água de um corpo de água. Assim, a ocorrência de um controle artificial
pode ser associada ao nível de um reservatório, um curso d’água, ou uma estrutura
hidráulica, como uma comporta, por exemplo.
O controle de canal ocorre quando a profundidade de escoamento é
determinada pelas características de atrito ao longo do canal, ou seja, quando houver a
ocorrência do escoamento uniforme.
A aplicação desta noção de controle hidráulico conduz à identificação de duas
possibilidades distintas, associadas aos regimes de escoamento nos trechos em
análise. Com efeito, nos trechos de escoamento supercrítico, quando a influência de
obstáculos a jusante não pode afetar o escoamento a montante pois apenas o nível
d’água a montante controla o escoamento pode-se definir o controle como sendo de
montante. Por outro lado, o controle é dito de jusante com referência ao escoamento
subcrítico, ou seja, a profundidade jusante pode afetar, pode controlar o escoamento a
montante.
Pode-se assim perceber que as seções de controle desempenham papel
extremamente importante na análise e nos cálculos hidráulicos para determinação do
perfil do nível d’água. Esta importância é devida tanto ao fato de conhecermos a
profundidade de escoamento na seção como também pela sua implicação com o
regime de escoamento, condicionando as características do fluxo. De fato, as seções
de controle constituem-se nos pontos de início para o cálculo e o traçado dos perfis de
linha d’água.

24
A figura 8.2 ilustra os diferentes tipos de seção de controle que ocorrem com
um perfil hipotético de linha d’água.

De um ponto de vista prático pode ser citado que os conceitos relativos às


seções de controle permitem a adequada definição da relação “nível d’água/vazão”.
Assim, para efetuar medidas de vazões em cursos d’água, busca-se identificar seções
de controle e, a partir das equações do regime crítico, pode-se avaliar a vazão
diretamente a partir da geometria, prescindindo da determinação da velocidade de
escoamento.

9. Escoamento uniforme

Para que ocorra o escoamento uniforme nos condutos livres, a profundidade da


água, a área molhada da seção transversal e a velocidade são constantes ao longo do
conduto. Nestas condições a linha energética total, a superfície do líquido e o fundo do
canal possuem a mesma declividade, ou seja J = I.
Esta condição de escoamento pressupõe que o líquido não sofra nenhuma
aceleração ou desaceleração, ou seja, a velocidade é a mesma em todas as seções,
correspondendo a uma situação de equilíbrio das forças atuantes no volume de
controle. A profundidade associada ao escoamento, constante em todas as seções, é
denominada profundidade normal, sendo designada por yn. Pode-se visualizar a
situação através da Figura 9.1:

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9.1 Resistência ao escoamento – fórmula de Manning

A expressão mais difundida atualmente corresponde à formulação de Gauckler,


datada de 1867, erroneamente atribuída a Manning e Strickler (Chanson, 199):
C = 1 Rh1/6 (9.1)
n

Nesta expressão, o coeficiente de rugosidade de Manning, “n”, traduz a


resistência ao escoamento associada à parede do conduto. Este coeficiente é
correspondente ao inverso de um coeficiente “K”, adotado na formulação de Strickler,
que é bastante utilizada na Europa. No Brasil e nos países de língua inglesa, a
expressão mais adotada no meio técnico é a seguinte:
U = 1 Rh1/6 Rh1/2 I1/2 = 1 Rh2/3 I1/2 (9.2)
n n

Esta expressão define a velocidade de escoamento correspondente ao


escoamento uniforme, ou seja, à condição de equilíbrio entre a força motriz (gravidade)
e a força de resistência ao escoamento (atrito). Combinado esta expressão com a
equação da continuidade, chega-se à Fórmula de Manning, de uso bastante difundido
no meio técnico brasileiro:

Q = 1 ARh2/3 I1/2 (9.3)


n

26
sendo:

Q: vazão, em m3/s;
A: área, em m2;
Rh: raio hidráulico em m;
I: declividade, em m/m;
n: coeficiente de rugosidade de Manning.

A chamada Fórmula de Manning é bastante utilizada para cálculos hidráulicos


relativos a canais naturais e artificiais. A grande dificuldade na sua utilização reside na
determinação ou fixação do coeficiente de rugosidade Manning. De fato, a adoção de
um coeficiente adequado pode ser um tanto subjetiva, envolvendo vivência prática e
traquejo do engenheiro hidráulico. Ainda neste capítulo serão descritos processos para
a fixação deste coeficiente.

9.2 Cálculo do escoamento uniforme

O cálculo do dimensionamento uniforme implica na aplicação da equação (9.6),


correspondente à Fórmula de Manning de escoamento. Nesta expressão pode-se
distinguir as deferentes variáveis, segundo sua natureza:
• Variáveis geométricas: a área da seção transversal e o raio hidráulico, que são
funções da profundidade de escoamento.
• Variáveis hidráulicas: a vazão, a rugosidade e a declividade.

Nas aplicações de Engenharia Hidráulica, os problemas de cálculo do


escoamento uniforme se apresentam de forma distinta segundo o tipo de variável
desconhecida. Pode-se distinguir, essencialmente, dois casos práticos, que
correspondem a duas formas distintas de abordagem, como será visto a seguir.

9.2.1 Verificação do funcionamento hidráulico

O problema de “verificação” das condições de funcionamento hidráulico


corresponde à determinação da capacidade de vazão de um dado canal ou curso
d’água, sendo conhecidas as propriedades geométricas da seção em estudo (A, Rh,

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funções da profundidade normal, yn). Neste caso pode-se efetuar o cálculo para
qualquer uma das outras variáveis envolvidas na equação (Q, n, I), de forma direta e
imediata a partir da equação (9.3).
As características geométricas de algumas seções, em função da
profundidade, foram apresentadas no Quadro 5.1. Estas informações facilitam bastante
o cálculo do escoamento uniforme com a Fórmula de Manning, como pode ser
constatado através do exemplo 9.1.

Exemplo 9.1

Um canal trapezoidal revestido com grama, com inclinação dos taludes de 1


(V):2(H), base de 7,00 m e declividade de 0,06 %, apresenta um coeficiente de
rugosidade de Manning de 0,025. Determinar a vazão transportada, em regime
uniforme, sabendo-se que nesta situação a profundidade normal é 5,00 m.

Solução

Em muitas ocasiões, entretanto, sobretudo no caso de seções complexas ou


irregulares, torna-se impraticável a determinação analítica das relações entre as
variáveis geométricas. Neste caso, torna-se necessário determinar os valores dos
parâmetros de forma direta, por composição de áreas, como no exemplo 9.2 ou
através de integração, seja numérica ou com uso de aparelhos (planímetros).

28
Exemplo 9.2

Calcular a capacidade de vazão e determinar o regime de escoamento do


ribeirão Arrudas, em Belo Horizonte, sabendo-se que a declividade média neste trecho
é de 0,0026 m/m, sendo seu coeficiente de rugosidade avaliado em cerca de 0,022.

Solução

9.2.2 Dimensionamento hidráulico

O segundo tipo de caso de cálculo que se apresenta, consiste em um problema


de “dimensionamento”, ou seja, deseja-se determinar as dimensões de um canal, em
função das variáveis hidráulicas. Neste caso a variável desconhecida é exatamente a
profundidade normal e a resolução do problema implica em uma sistemática interativa
ou gráfica, como será visto a seguir.

29
De fato, os exemplos 9.1 e 9.2 correspondem, na realidade, a situações
simples, em que a profundidade normal é fixada ou conhecida, bem como as relações
desta com as outras variáveis. Em muitos casos, o problema pode apresentar-se de
forma mais complexa, tornando necessário o uso de curvas auxiliares de cálculo.
Com efeito, pode-se escrever, a partir da fórmula de Manning:

Qn = ARh2/3 (9.4)
I1/2

O lado esquerdo da expressão contém as variáveis hidráulicas, (n, Q e I),


conhecidas a priori. O lado direito depende apenas da geometria (A e Rh), sendo
função da profundidade normal yn. Desta forma, estabelecendo-se uma relação entre
as variáveis hidráulicas e geométricas, através de gráficos auxiliares ou analiticamente,
pode-se obter a profundidade do fluxo através de ARh2/3, em função de Qn/I1/2
conhecidos.
Para seções com geometria regular, parametrizável, tais como as seções
circulares, trapezoidais e retangulares etc., pode-se utilizar tabelas e gráficos que
permitem o cálculo mais facilmente. No exemplo 9.3. são utilizados elementos da figura
9.2, que possibilita o cálculo de alguns tipos de seções freqüentemente empregadas
em Engenharia Hidráulica.

30
Exemplo 9.3

Um canal trapezoidal, com largura de base de 3 m e taludes laterais 1:1,


transporta 15 m3/s. Pode-se calcular a profundidade de escoamento, sabendo-se que a
rugosidade é de 0,0135 e a declividade é de 0,005 m/m.

Solução

9.3 Canais

Os canais são estruturas hidráulicas que possuem os seguintes objetivos


básicos:
• Condução das águas de forma a compatibilizar as necessidades com os
volumes disponíveis, no tempo e no espaço;
• Possibilitar ou favorecer a navegação.

Dentro do primeiro objetivo, a condução de água, os canais podem ser


implantados para abastecimento de água para consumo humano e industrial, condução
da águas usadas, irrigação agrícola, drenagem das águas excedentes etc. O segundo
objetivo consiste essencialmente, na implantação de hidrovias, de forma a assegurar a
profundidades de água necessárias para a circulação das embarcações.
Qualquer que seja o objetivo do canal, seu dimensionamento hidráulico é feito
através dos mesmos procedimentos básicos. A abordagem, entretanto, é diferenciada,
conforme as características da superfície de contato com a água. Com efeito têm-se os
canais revestidos ou consolidados, construídos com materiais não erodíveis, e os
canais não revestidos ou não consolidados, ou seja, correspondentes a curso d’água
naturais, canais artificiais simplesmente escavados ou canais revestidos com materiais
não resistentes à erosão. Os dois tipos de canais serão aqui tratados.

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Em função do seu objetivo, conforme os materiais e equipamentos disponíveis
para a sua construção e de acordo com as condições geológicas, topográficas e
ambientais do local de sua implantação, os canais podem ser projetados e construídos
segundo uma grande diversidade de alternativas tecnológicas, escapando do escopo
deste texto o tratamento exaustivo de todas as suas particularidades. Assim, procura-
se discutir aqui apenas indicações básicas a serem seguidas nos projetos dos canais,
bem como contemplar algumas soluções clássicas, mais freqüentes na Engenharia
Hidráulica.
O dimensionamento hidráulico dos canais é efetuado usualmente na hipótese
de regime uniforme de escoamento, com a utilização da fórmula de Manning
combinada com a equação da continuidade:

Q = 1 ARh2/3 I1/2
n

onde:

Q: vazão, em m3/s;
A: área da seção transversal, em m2;
Rh: raio hidráulico em m;
I: declividade, em m/m;
n: coeficiente de rugosidade de Manning.

Após o cálculo e dimensionamento, segundo a hipótese de escoamento


uniforme, freqüentemente é importante a determinação da linha d’água resultante em
condições mais realistas do projeto, supondo condições de escoamento gradualmente
variado. Assim, antes de efetuar-se o dimensionamento definitivo de obras de
responsabilidade ou em locais que possam ser observadas situações hidráulicas
particulares, tais como em áreas com possibilidade de remanso, junto às confluências
com corpos d’água significativos, este procedimento deverá ser forçosamente
efetuado.

32
9.3.1 Dimensionamento de canais revestidos – seções de máxima eficiência hidráulica

Para os canais revestidos admite-se que as paredes e o fundo do canal sejam


estáveis, ou seja, a integridade da forma do canal e do seu revestimento é assegurada.
Assim, o problema central consiste na definição de uma seção adequada para
transportar a vazão de projeto. Do ponto de vista puramente hidráulico uma
abordagem para a questão corresponde às denominadas seções de máxima eficiência,
que serão tratadas a seguir.
Nas condições estabelecidas de estabilidade das paredes do canal, o problema
do dimensionamento hidráulico dos canais reduz-se à otimização da seção transversal
para transportar a vazão de projeto. Com efeito, tendo em vista o custo de
implantação, um critério básico de projeto corresponderia exatamente à minimização
da área a ser revestida e do volume de escavação, que desempenham papel
importante na composição de custos do canal. Assim, busca-se a definição de seções
transversais, que apresentam rendimento máximo, ou seja, que, para uma dada área,
declividade e rugosidade, transportam a máxima vazão.

Com efeito, considerando a fórmula de Manning, pode-se definir:


Q = 1 A5/3 I1/2 (9.1)
n p2/3

Assim, a vazão máxima é observada para uma situação de perímetro molhado


mínimo com A, n e I constantes. Nestas condições tem-se uma seção de máxima
eficiência hidráulica.
Aplicando este critério de minimização do perímetro molhado, ou seja,
igualando a zero a derivada do perímetro molhado em relação a y, podem ser definidas
as relações do Quadro 9.1, apresentado a seguir:

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Exemplo 9.1

Dimensionar um canal retangular em concreto (n = 0,015), com declividade de


0,0018 m/m, para funcionar em condições de máxima eficiência conduzindo 50 m3/s.

Solução

Assim, o canal terá uma base de 5,40 m, sendo que o fluxo atingirá uma altura
de 2,70 m na condição de vazão de projeto.

Cumpre aqui ressaltar que o conceito de máxima eficiência tem, na realidade,


um sentido bastante restrito do ponto de vista da Engenharia Hidráulica. Com efeito, se
a adoção das seções de máxima eficiência é desejável, do ponto de vista puramente
hidráulico, muitas vezes ela conduz a soluções incompatíveis com os outros
condicionantes de projeto, tais como as características ambientais, geotécnicas e
topográficas do local em estudo, a solução estrutural passível de ser adotada etc.
Outras limitações relativas à aplicação do conceito de máxima eficiência, de natureza
tecnológica, econômica e ambiental.

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Bibliografia Consultada Para Elaboração Da Apostila

CREDER, Hélio
Instalações Hidráulicas e Sanitárias – 5º Edição – Rio de Janeiro –
Livros Técnicos e Científicos Editora, 1991.
BAPTISTA, Márcio e Lara, Márcia
Fundamentos de Engenharia Hidráulica – 2º Edição – Belo Horizonte –
Editora UFMG, 2003.
COELHO, Ronaldo Sérgio de Araújo
Instalações Hidráulicas Domiciliares – Rio de Janeiro – Antenna
Edições Técnicas Ltda, 2000.
MATTOS, Edson Ezequiel de
Bombas Industriais – Rio de Janeiro – Interciência, 1998.
NETTO, Azevedo, et al
Manual de Hidráulica – São Paulo – Editora Edgard Blücher Ltda,
2000.

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