Você está na página 1de 8

Globalização, meio inovador e sistemas territoriais de produção

Globalization, innovative milieu and territorial systems of production


Globalización, medio innovador y sistemas territoriales de producción
Denis Maillat
Université de Neuchâtel
Contato: messagerie.irer@unine.ch
Resumo: A globalização colocou em evidência a importância dos territórios. Neste artigo, mostramos a existência
de vários tipos de sistemas territoriais de produção e que suas capacidades de adaptação não são idênticas. Estas
são de fato acionadas por lógicas diversas. Os sistemas territoriais de produção animados por um meio inovador
parecem ser mais aptos a introduzir processos endógenos de desenvolvimento e de se adaptar à competitividade
global.
Palavras-chave: sistema de produção; inovação; meio inovador.
Abstract: Globalization has underlined the importance of territories. In this article, the existence of various types of
territorial systems of production is shown and that their ability to adapt is not identical. These are in fact activated
by diverse logical processes. Territorial systems of production stimulated by innovative means seem to be more
apt to introduce endogenous processes of development and to adapt to global competition.
Key words: production system; innovation; innovative milieu.
Resumen: La globalización puso en evidencia la importancia de los territorios. En este artículo, enseñamos la
existencia de varios tipos de sistemas territoriales de producción y que sus capacidades de adaptación no son
idénticas.Éstas son realmente accionadas por lógicas diversas. Los sistemas territoriales de producción animados
por un medio innovador parecen ser más aptos a introducir procesos endógenos de desarrollo y de adaptarse a la
competitividad global.
Palabras claves: sistema de producción; innovación; medio innovador.

Globalização e territorialização crescente das trocas originárias dessa abertura


leva os sistemas de produção a se reposiciona-
De modo geral, as análises do fenômeno rem, tanto no mercado nacional, que infeliz-
da globalização levam a dois tipos opostos mente não é mais protegido, como sobre o
de conclusões. Para alguns autores, a globa- mercado internacional, agora mais aberto. De
lização da atividade econômica compromete outro lado, a organização espacial das ativida-
a autonomia e identidade das regiões e das des econômicas modifica-se. Para certos ana-
nações (Castells, 1993; Harvey, 1989; O’Brien, listas, caminhamos em direção a uma econo-
1992; Ohmae, 1996; Reich, 1991). Para outros mia de arquipélago, para outros, assistimos
autores, ao contrário, o fenômeno da globa- ao desenvolvimento de um mosaico de siste-
lização faz emergir o quadro local e o valoriza, mas territoriais de produções especializadas.
pois é na escala local que as formas de orga- O modelo de economia de arquipélago
nização produtiva ancoradas no território e partiu do modelo tradicional de centro-
inseridas na escala global são colocadas no periferia (Veltz, 1996; Rallet, 2000). Esquema-
lugar. Nessa perspectiva, o local subentende ticamente, observa-se o desenvolvimento de
o global através de um processo de territo- uma rede global composta de grandes centros
rialização (Perrin, 1983; Scott, 1986; Gilly, urbanos que, além de constituir em impor-
1987; Crevoisier et Maillat, 1989; Colletis et tantes lugares de vida política, financeira e
al., 1990 ). Assim, os exemplos das ditas cultural, tendem a reagrupar um certo
regiões “ganhadoras” atestam a importância número de funções terciárias associadas aos
dos fenômenos de territorialização como processos de produção (finanças, desenho,
elementos determinantes da competitividade serviços jurídicos etc). Esse fenômeno de
dos sistemas territoriais de produção (Benko reagrupamento espacial de atividades de
et Lipietz, 1992). serviços às empresas não deixa de trazer
No quadro da globalização, os sistemas conseqüências para os sistemas territoriais de
territoriais de produção devem fazer frente a produção que perdem, por essa razão, uma
uma dupla problemática. De um lado, a parte de sua autonomia. Pensa-se notada-
desregulação dos intercâmbios, levada a mente em colocar sob tutela os setores finan-
efeito no quadro dos acordos da OMC e da ceiros locais. Nesse contexto “o não desen-
integração regional torna menos eficazes e volvimento de uma zona não é mais atribuído
efetivas as proteções nacionais cujos sistemas à sua inscrição na órbita de um pólo, mas à
territoriais de produção tenham sido benefi- sua desconexão da economia de arquipélago”
ciados até o presente momento. A intensidade (Rallet, 2000, p. 40).

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, p. 9-16, Mar. 2002.
10 Denis Maillat

O modelo do mosaico de sistemas terri- equipamento em infra-estruturas de teleco-


toriais de produção está associado ao desen- municações fosse logo saindo da alçada dos
volvimento do pós-fordismo e àquele das poderes públicos (privatização obrigatória).
tecnologias de informação, que engendram Corre-se o risco então, de ver as diferenças
uma organização produtiva mais flexível. aprofundarem-se entre as regiões que
Fala-se voluntariamente de um novo para- concentrarão as infra-estruturas de ponta e as
digma tecnológico pós-fordista, segundo o que serão pior equipadas.
qual o sistema produtivo global tende a se Enfim, o processo de globalização carac-
estruturar como um “mosaico de sistemas teriza-se pelo desenvolvimento de redes mun-
locais flexíveis, especializados e auto-regu- diais de grandes empresas que se distinguem
lados, mantendo entre eles relações de troca pela importância dos investimentos diretos e
no seio de redes complexas” (OCDE, 1993, p. transações que elas efetuam em escala mun-
22) (Storper, 1992; Piore et Sabel, 1984). Neste dial, assim como pela prática crescente de
modelo, as unidades de produção reagrupam acordos de cooperação, notadamente no domí-
em um mesmo lugar vários segmentos de nio da pesquisa e do desenvolvimento (OCDE,
funções de produção (concepção, desenvol- 1995). Nesse sentido, a organização produtiva
vimento, manutenção, por exemplo). Elas depende cada vez mais de regras próprias dos
dispõem da autonomia necessária à organi- grupos. Os efeitos desse fenômeno para as
zação e à gestão de suas relações com as economias locais acabam sendo contrastantes.
outras unidades de seu meio ambiente terri- Ao mesmo tempo em que essa evolução pode
torial. Esse último é, portanto, utilizado como significar chance para algumas dessas econo-
um componente sobre o qual a empresa atua, mias locais se posicionarem num mercado
notadamente, para desenvolver relações mais vasto e melhorar sua competitividade,
mercantis e não mercantis com outras empre- pode também transformar-se em ameaça para
sas ou outros atores econômicos. Nesse mode- as outras que forem excluídas do campo de
lo, a localização das atividades não é mais interesse dos grupos (Kiyonari, 1995).
fundada sobre a simples utilização de recur- Em definitivo, qualquer que seja o
sos locais pré-existentes, mas sobre a inser- modelo de referência que se adote, ele deve
ção do estabelecimento no seu meio ambiente resultar em regiões perdedoras, excluídas e
de implantação, para aí estabelecer relações que ficam submissas ao modelo centro-
de colaboração e contribuir assim para o seu periferia, e regiões ganhadoras, que formam
enriquecimento e desenvolvimento em recur- os elementos ativos do sistema econômico e
sos específicos (Maillat, 1998). Assim, parale- participam da nova recomposição territorial.
lamente ao desenvolvimento da rede global É, pois, importante caracterizar os sistemas
e da abertura dos mercados, surge uma nova territoriais de produção afim de determinar
repartição espacial dos sistemas territoriais de suas capacidades de adaptação.
produção. Concretamente isso significa que
“cada região rivaliza-se com todas as outras Tipologia de sistemas territoriais de
no plano dos custos, da gama de produtos e produção
de sua qualidade” (OCDE, 1995, p. 10).
Por outro lado, não se pode negligenciar Pode-se caracterizar as formas de
o fato de certas regiões tornarem-se muito mais organização dos sistemas territoriais de
atrativas que outras, em razão da importância produção baseando-se sobre duas lógicas
crescente que tomam as novas tecnologias de principais: a lógica funcional e a lógica
informação e de comunicação. Com efeito, a territorial. As empresas que atuam segundo
presença de infra-estruturas de telecomuni- a lógica funcional são organizadas de maneira
cação tende a constituir uma vantagem hierárquica, vertical (as decisões originam-se
específica para os territórios particularmente da direção central). Elas repartem geografi-
bem equipados. Pode-se mesmo defender a camente suas diferentes funções (concepção,
idéia de que “existe uma concorrência informal produção, venda etc...) de maneira a diminuir
potencial entre os territórios e as redes” os custos de produção (custo de mão-de- obra,
(Thepaut e Le Goff, 2000, p. 5). Essa tendência custo de transportes, nível de fiscalização,
poderia ir se acentuando na medida em que o subvenções acordadas, etc.). O território de

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
Globalização, meio inovador e sistemas territoriais de produção 11

implantação não é para elas senão um relações de trocas intervindo na região e, de


suporte, um lugar de passagem: elas não se outro lado, a presença ou ausência de integra-
inserem nele. O território desempenha apenas ção interna (na empresa) na cadeia de valor
um papel passivo. Ao contrário, a lógica terri- agregado da região. Obtemos quatro
torial implica um elo forte entre as empresas diferentes tipos de sistemas territoriais de
e o território de implantação. A lógica terri- produção (figura 1).
torial tem por objetivo a territorialização da Situação A: ausência de integração e de
empresa, ou seja, sua inserção no sistema ter- territorialização. O caso corresponde aos
ritorial de produção. Nesse caso, as empresas sistemas nos quais as empresas agem de
são organizadas em rede (cluster), de modo maneira independente, ou seja, sem tecer os
horizontal, com o meio orquestrando o elos entre si, na região. Não há relações entre
sistema (Maillat, 1998). Elas mantêm relações firmas. Diz respeito tipicamente a sucursais
de cooperação/concorrência, gerando siner- de grandes empresas fordistas implantadas
gias e complementaridades necessárias ao seu numa região e dependentes de uma hierar-
funcionamento. O território desempenha um quia situada no exterior da região ou, então,
papel ativo, as empresas são enraizadas e de pequenas empresas isoladas. Esse tipo de
contribuem para o seu enriquecimento. organização não favorece o desenvolvimento
Podemos com ajuda das características endógeno porque não engendra processos de
dessas duas lógicas opostas, identificar tipos aprendizagem coletiva na região, não desen-
de sistemas territoriais de produção. Na volvendo os recursos específicos do território.
ocorrência, para estabelecer nossa tipologia, O território não é senão o suporte das ativi-
temos nos servido de dois critérios (figura1). dades, desempenhando um papel passivo
O primeiro apóia-se no grau de integração da (Crevoisier, 1996).
cadeia de valor agregado: relaciona-se à Situação B: presença de integração,
empresa situada na região e ao grau de inte- ausência de territorialização. Neste caso,
gração das diversas atividades que contri- uma grande empresa, situada na região,
buem para a produção de um bem (Porter, concentra diferentes funções da cadeia de
1993). Essas atividades podem ser integradas valor agregado, essenciais à sua atividade,
totalmente ou parcialmente numa empresa, sem manter relações importantes com os
ou serem repartidas entre várias empresas outros atores presentes na região.Tudo é
que também estejam estabelecidas na região. produzido pela empresa, desde a concepção
Esse critério permite verificar uma diferença ao condicionamento. Todas as funções são
entre os sistemas territoriais de produção internalizadas, não existe complementari-
caracterizados pela presença de grandes dade com outros atores. Uma dada empresa
empresas que concentram diversas atividades impõe-se ao território e à região. Ela exerce
produtivas (pesquisa, desenvolvimento, uma forma de poder sobre a região e desta
produção, venda) de sistemas compostos de maneira a transforma no seu projeto,
empresas isoladas ou de sucursais de grandes excluindo, se possível, os concorrentes e
empresas. O segundo critério inclui a inten- desenvolvendo ela mesma, as atividades que
sidade de relações de troca entre empresas lhes são úteis (centro de formação, especial-
na região. Ele representa as complemen- mente locais de lazer). Trata-se de caso típico
taridades e as inter-relações de natureza hori- de empresas introvertidas ou paternalistas.
zontal que se estabelecem entre os diferentes Se bem que tais empresas podem estar ligadas
atores (empresas, organismos de pesquisa) (freqüentemente por razões históricas) à
(Camagni, 1991, Maillat et Perrin, 1992; região, seu deslocamento ou seu desapare-
Maillat, Crevoisier e Lecoq, 1994). Ele permite cimento não está excluído, tanto no caso de a
ainda distinguir os sistemas territoriais de região não oferecer mais vantagens suficien-
produção nos quais existe uma dinâmica de tes, como no caso de um mau gerenciamento
interação de sistemas em que não aparece da empresa. Esse tipo de sistema de produção
complementaridade ou interdependência não será favorável ao desenvolvimento
entre os atores. endógeno da região caso ela seja muito ligada
A tipologia é construída colocando-se, ao destino dessa empresa.
de um lado, a presença ou ausência de Situação C: presença de integração com

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
12 Denis Maillat

territorialização. Trata-se de um sistema sistema coloca em marcha processos de


territorial de produção em que figura uma desenvolvimento endógeno.
empresa dominante que lidera o conjunto da Situação D: ausência de integração com
cadeia de valor agregado, mas que mantém territorialização. Esse caso corresponde aos
relações com outros atores da região. Pela sistemas territoriais de produção compostos
externalização de certas atividades, uma dada de pequenas empresas independentes e
empresa suscita interdependências e manifesta especializadas, pertencendo a uma “filière” ou
sua inserção no território. Os efeitos desse tipo a uma parte da “filière” de produção, que man-
de organização, em termos de desenvolvi- tém numerosas relações. Em tal sistema, as
mento, dependem fortemente da natureza de interações entre os diferentes atores são regu-
relações ligando a empresa e seus parceiros, ladaos. Não existe ator dominante integrando
ou melhor dizendo, da presença ou ausência os diferentes estágios da cadeia de valor
do efeito meio. A presença deste significa que agregado. São mecanismos de concorrência-
a empresa e seus parceiros cooperam e geram cooperação entre os atores complementares
complementaridade (troca de conhecimentos, que asseguram a coerência do conjunto e é o
de competências, de tecnologias). Em suma, meio que organiza o sistema. Esse tipo de
os parceiros da grande empresa não dependem sistema tira suas forças das complemen-
dela, freqüentemente cooperam também entre taridades existentes entre as empresas, mas
si. Ao participar das relações de trocas com pode ser entravada no seu desenvolvimento,
outros atores, a grande empresa manifesta sua em função de lacunas na cadeia de valor
ancoragem no território. Ela constitui com os agregado (falta de relações com o mercado,
outros parceiros, redes de interdependência lacunas no nível da pesquisa). Esse sistema
que obedecem à regras ou aos códigos cons- territorial de produção apresenta pois, uma
tituídos pelo meio. Em razão da inserção autonomia relativa, mas dispõe, ao menos, de
territorial das empresas que o compõem, o capacidades endógenas de desenvolvimento.

Figura 1: Tipologia dos sistemas territoriais de produção

Situação C
Presença de
relações de troca
na região

Presença de integração Ausência d


Interna na cadeia de Interna na
valor agregado na valor agre
região re

Ausência de
relações de troca
na região
Situação B

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
Globalização, meio inovador e sistemas territoriais de produção 13

Evolução dos sistemas territoriais de suas sucursais a tecer relações do tipo hori-
produção zontal. Passamos então do caso A ao caso B.
Do mesmo modo, uma grande empresa,
A tipologia da figura 1 aparesenta correspondente ao caso B, pode se interessar
quatro tipos de sistemas territoriais de por externalizar algumas de suas atividades
produção. Os sistemas se articulam, como e estabelecer relações com outras empresas
temos observado, em torno de duas lógicas, da região. Desse modo, sustenta-se pela
uma funcional e outra territorial. As empre- externalização de atividades, ao mesmo
sas que funcionam segundo a lógica fun- tempo em que a criação de “spin-off” permite
cional (caso A e B) são organizadas de modo reduzir os riscos relacionados ao desloca-
hierárquico, vertical (tudo se decide no nível mento. Mesmo assim, para que os parceiros
de uma direção central). Nesses sistemas, as escapem ao empreendimento da grande
empresas mantém relações com o exterior, grande empresa, é necessário que o meio se
mas no nível local, elas tecem pouco ou então desenvolva. Passamos, assim, do caso B para
não tecem relações com os outros atores. De o caso C.
fato, a lógica funcional prima sobre a lógica Se a grande firma do caso C, parcial-
territorial. Não existe complementaridade mente integrada verticalmente, integra-se
entre as empresas, e os recursos específicos com vantagens, tanto pela aquisição de seus
não são ativados. A capacidade de desenvol- concorrentes, como pela absorção ou desapa-
vimento vem do exterior do sistema recimento de seus sub-contratados, passamos
(desenvolvimento exógeno). ao caso B. O efeito meio corre o risco de
Em troca, os sistemas territoriais de desaparecer levando a região novamente a
produção que privilegiam os tipos C e D uma situação de dependência em relação à
funcionam principalmente segundo a lógica grande empresa que, de um dia para o outro,
territorial. Com efeito, as empresas têm uma poderá se deslocar para outro local. Trata-se,
ligação forte com o território. Elas são organi- portanto,de evitar que a grande empresa não
zadas em rede e estabelecem entre elas lidere sozinha todas as funções da cadeia de
relações do tipo horizontal. O meio constitui valor agregado.
o princípio organizador do sistema (Maillat, No caso D, o sistema dispõe de uma
1994 e 1998). Existem numerosas cooperações organização do tipo meio. Entretanto, em
em parceria. O sistema funciona graças a uma razão do porte das empresas, as ligações com
multiplicidade de atores complementares e os mercados são freqüentemente deficientes.
interdependentes movidos por mecanismos A evolução desejável para esse tipo de sistema
endógenos de desenvolvimento. Os sistemas territorial de produção é a passagem para
são muito mais autônomos que os dois prece- uma situação intermediária entre C e D, em
dentes, pois as empresas estão ancoradas no que, graças a algumas outras empresas, as
território. É, portanto, a partir da lógica conexões com os mercados são melhor
territorial que os laços ou as redes são criadas asseguradas.
com o exterior e que a inserção na globali- Evidentemente que essas evoluções não
zação manifesta-se. se operam automaticamente. Em certos casos,
Não se pode, entretanto, considerar a é possível pilotá-las. Tudo depende da
posição dos diferentes sistemas de produção capacidade de ação dos atores regionais e de
de maneira estática. Os sistemas acionados aprendizagens que eles realizaram ou que
por uma lógica territorial podem passar a eles são capazes de adquirir (Maillat e Kébir,
uma lógica funcional e inversamente. 2001). É aqui que intervém o meio.
Tomemos alguns exemplos. As sucur- Meio e capacidade de desenvolvimento
sais das grandes empresas do caso A não são, dos sistemas territoriais de produção
evidentemente, territorializadas, uma vez que Os sistemas territoriais de produção
não mantêm relações com outras empresas animados pelo meio, e freqüentemente consti-
da região. Entretanto, as circunstâncias tuídos de PME, são particularmente bem
podem mudar e algumas grandes empresas integrados na globalização, em função de
à procura de novas competências ou de novas certas características de organização: intera-
sinergias podem ser levadas a impulsionar ção entre os atores e dinâmica de aprendi-

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
14 Denis Maillat

zagem. Os sistemas são capazes de colocar Meios inovadores e redes de inovação


em marcha uma dinâmica endógena de
desenvolvimento mantendo assim mesmo Na problemática da competição global, a
sua coesão (Becattini, 1990; Courlet, 1989; capacidade de inovação e a capacidade de gerar
Garofoli, 1992; Planque, 1985; Tödtling, 1994; conhecimentos e competências suscetíveis de
Maillat, Quévit et Senn, 1993; De Bernardy, fazer evoluir o sistema territorial de produção
1996). Este sistema é assegurado pelas regras, são essenciais. Trata-se, portanto, de dar atenção
códigos e rotinas. É a isto que corresponde o ao processo de inovação e não simplesmente à
meio: um conjunto territorializado regido por organização dos recursos produtivos.
normas, regras e valores, que são, ao mesmo Na nossa perspectiva, a inovação é
tempo, modalidades guiando os comporta- considerada um processo de integração de
mentos dos atores e as relações mantidas elementos que determinam e favorecem a
entre si (Maillat, 1994). De fato, o meio dinâmica e transformação do processo do
envolve cinco aspectos : sistema territorial de produção. Quanto ao
• um conjunto espacial, portanto um espaço meio inovador, ele é a organização territorial
geográfico, que não tem fronteiras no onde nascem os processos de inovação.
sentido específico, mas que apresenta uma Podemos, desde já, definir o meio inovador
certa unidade, traduzida por compor- como um conjunto teritorial no qual as intera-
tamentos identificáveis e específicos; ções entre os agentes econômicos desenvol-
• um coletivo de atores (empresas, insti- vem-se não só pela aprendizagem que fazem
tuições de pesquisa e de formação, poderes das transações multilaterais as geradoras de
públicos locais, indivíduos qualificados) externalidades específicas à inovação, como
que devem gozar de relativa independên- pela convergência das aprendizagens para
cia de decisão e de autonomia na formu- formas cada vez mais aperfeiçoadas de gestão
lação de suas escolhas estratégicas; em comum dos recursos (Maillat, 1994). O
• elementos materiais específicos (empresas, meio inovador caracteriza-se pois, pela
infra-estruturas), e também elementos integração de dinâmicas endógenas e de
mudanças provenientes do exterior.
imateriais (competências, regras) e insti-
É preciso acrescentar que a dimensão
tucionais;
organizacional que caracteriza o processo de
• uma lógica de organização (capacidade de
inovação num meio manifesta-se pela consti-
cooperar) que visa utilizar da melhor
tuição de redes de inovação (Maillat, Quévit,
maneira os recursos criados em comum
Senn, 1993).
pelos atores abertos para relacionamentos
A rede de inovação participa da idéia
entre si e interdependentes;
que o processo de inovação tem um caráter
• uma lógica de aprendizagem (capacidade multifuncional que pressupõe, a partir da
de mudança) que revela a capacidade dos ação conjugada de vários atores, uma articu-
atores de modificar seu comportamento em lação complexa e não linear de competências
função das transformações do meio específicas e de processo de aquisição de
tecnológico e do mercado (Maillat, 1994). conhecimentos, ao longo de uma cadeia de
Os sistemas territoriais de produção produção. A rede de inovação constitui assim
animados por um meio constituem assim uma dimensão organizacional necessária
arquétipo, uma forma de organização produ- para a complexidade da deflagração da
tiva territorial «ideal» que permite às redes inovação. Em razão de suas características, a
de empresa, notadamente de PME, inserirem- noção de rede de inovação é inseparável
se no contexto global a partir de uma base daquela do meio inovador.
local e de processos endógenos de desenvol- O meio inovador participa da constitu-
vimento. Além do mais, esses sistemas, tição de redes de inovação e intervém no seu
quando capazes de inovar, podem evoluir em dinamismo. Ele é, de fato, o contexto apro-
função das mudanças, influenciando seu priado à sua formação, ao seu desenvolvi-
meio institucional, técnico e de mercado. mento e à sua difusão. Reciprocamente, as
Naturalmente, nem todas todas as regiões redes de inovação enriquecem o meio, contri-
dispõem de sistemas territoriais de produção buindo para acrescentar as capacidades
animados pelos meios inovadores. criadoras deste meio (Maillat, 1994).

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
Globalização, meio inovador e sistemas territoriais de produção 15

Conclusão CAMAGNI, R. Innovation Networks. London: GREMI,


Belhaven Press, 1991.

Neste artigo, mostramos que existem CASTELLS, M. The information economy and the new
international division of labour. In: CARNOY, M. et al.
diferentes tipos de sistemas territorias de
(ed.), The New Global Economy in the Information Age. PA,
produção. Sua capacidade de fazer frente ao University Park, 1993.
processo de globalização é determinado pelas
COLLETIS, G.; COURLET, C.; PECQUEUR, B. Les
vantagens competitivas com as quais podem systèmes industriels localisés en Europe. Grenoble: IREPD
contar. Parece que os sistemas são acionados Publications, 1990.
por uma lógica territorial e por um meio, que COURLET, C. Continuité et reproductibilité des
atribuem à região maiores possibilidades de systèmes productifs territoriaux italiens. Revue
ação e que lhe permitem manter processos Internationale PME, v. 2, n. 2.3, p. 287-301, 1989.
endógenos de desenvolvimento. De fato, CREVOISIER, O. Développement économique régional
esses sistemas dispõem de uma parte dos et management territorial: grille d’analyse. In:
recursos específicos permitindo-lhes diferen- DECOUTÈRE, S.; RUEGG, J.; JOYE, D. (ed.). Le
management territorial. Lausanne: Presses polytechniques
ciar-se dos outros sistemas e, por outro lado, et universitaires romandes, 1996.
de uma capacidade de regulação interna
CREVOISIER, O.; MAILLAT, D. Milieu, organisation
sobre a qual é possível agir dentro do quadro
et système de production territorial: vers une nouvelle
de uma política de desenvolvimento. théorie du développement spatial. Dossier de l’IRER 24,
Mas, a natureza da organização de um Neuchâtel, 1989.
sistema territorial de produção não se decreta. DE BERNARDY, M. La technopole, une certaine idée de la
Resulta de processos de aprendizagem que ville: enquête sur d’étranges attracteurs urbains. Paris:
evoluem com o tempo. Um sistema territorial L’Harmattan, 1996.
de produção, desse modo, não é estável. As GAROFOLI, G. Les systèmes de petites entreprises: un
lógicas funcionais e territoriais agem, às vezes, cas paradigmatique de développement endogène. In:
no sentido do reforço de sua coerência, às vezes BENKO, G.; LIPIETZ, A. (ed.). Les régions qui gagnent.
Paris: Presses Universitaires de France, 1992.
no sentido da desarticulação. A análise dessas
duas dimensões permitem, assim, às autori- GILLY, J. P. Espace productifs locaux, politique
d’emploi des firmes et transformations du rapport
dades regionais identificar pistas sobre as salarial. In: FOURCADE, C. (ed.). Industrie et régions.
quais se deseja praticar uma política endógena Paris: Economica, 1987, p. 45-53.
de desenvolvimento. Os objetivos de uma tal HARVEY, D. The Condition of Postmodernity. Oxford:
política seriam os de atribuir ao tecido Blackwell, 1989.
econômico regional propriedades necessárias KIYONARI, T. The global and the local, présenté dans
para um desenvolvimento autônomo, pelo le cadre de la conférence Développement local et le
reforço das cadeias de valor agregado, ou o changement structurel: une nouvelle perspective
do desenvolvimento das relações entre atores. d’ajustement et de réforme. Paris: OCDE, 1995.
Entretanto, para ser eficaz, essa política deve JOHANSSON, B.; KARLSSON, C.; STOUGH, R. R. (ed.).
ser conduzida por parcerias com os atores do Theories of Endogenous Regional Growth, Lessons for
Regional Policies, p. 255-277.
sistema, uma vez que as modalidades de
intervenção são dependentes da natureza dos MAILLAT, D. Comportements spatiaux et milieux
innovateurs. In: AURAY, J.-P. et al. (ed.). Encyclopédie
sistemas territoriais de produção.
d’économie spatiale. Concepts - comportements -
organisations. Paris: Economica, 1994, p. 255-262.
Texto traduzido por Cleonice Alexandre Le Bourlegat
(UCDB). _____. PME, innovation et développement territorial.
Dossier de l’IRER n. 18, Neuchâtel, IRER, 1998.
Referências bibliográficas _____. From the Industrial District to the Innovative
Milieu: Contribution to an Analysis of Territorialised
BECATTINI, G. The Marshallian Industrial District as Productive Organisations. Recherches Economiques de
a Socio-Economic Notion. In: PYKE, F.; BECATTINI, Louvain, v. 64, p. 111-129, 1998.
G.; SENGENBERGER, W. (ed.). Industrial Districts and
Inter-firms Cooperation in Italy. Genève: Bureau MAILLAT, D.; PERRIN, J.-C. Entreprises innovatrices et
international du travail, 1990. développement territorial. Neuchâtel: GREMI, EDES, 1992.
BENKO, G.; LIPIETZ, A. (ed.). Les régions qui gagnent. MAILLAT, D.; QUÉVIT, M.; SENN, L. (ed.). Réseaux
Districts et réseaux: les nouveaux paradigmes de la d’innovation et milieux innovateurs: un pari pour le
géographie économique. Paris: Presses Universitaires développement régional. Neuchâtel: GREMI, EDES,
de France, 1992. 1993.

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.
16 Denis Maillat

MAILLAT, D.; CREVOISIER, O.; LECOQ, B. Innovation PORTER, M. L’avantage concurrentiel des nations. Paris:
Networks and Territorial Dynamics: A Tentative InterEditions, 1993.
Typology. In: JOHANSSON, B.; KARLSSON, C.; RALLET, A. De la globalisation à la proximité
WESTIN, L. (ed.). Patterns of a Network Economy. Berlin: géographique: pour un programme de recherches. In:
Springer Verlag, 1994, p. 33-52. GILLY, J. P.; TORRE, A. (ed.). Dynamiques de proximité,
MAILLAT, D.; KEBIR, L. Learning Region and Paris, L’Harmattan, p. 37-57, 2000.
Territorial Production Systems. In: O’BRIEN, R. (1992). REICH, R. L’économie mondialisée. Paris: Dunod, 1991.
Global financial integration: the end of geography.
London: The Royal Institute of International Affairs, SCOTT, A. High Technology and Territorial Developpment:
2001. the Rise of the Orange County Complex. Urban Geography,
n. 7, p. 3-45, 1986.
OCDE. Développement territorial et changement structurel.
Paris: OCDE, 1993. STORPER, M. The Limits to Globalization: Technology
Districts and International Trade. Economic Geography,
_____. Economies locales et globalisation. Paris: OCDE, 1995. v. 68, n. 1, p. 60-92, 1992.
OHMAE, K. De l’Etat-nation aux Etats-régions. Paris: THEPAUT, Y.; LE GOFF, R. Concurrence informa-
Dunod, 1996. tionnelle et territoires, présenté dans le XXXVIe colloque
PERRIN, J.-C. La reconversion du Bassin d’Alès. Aix- de l’Association de Science Régionale de Langue Française.
en-Provence: CER, 1983. Crans-Montana, Crans-Montana, 8 sep. 2000.
PIORE, M.; SABEL, C. The Second Industrial Divide. TÖDTLING, F. Regional Networks of High-Technology
New York: Basic Books, 1984. Firms: the case of the Greater Boston Region.
PLANQUE, B. Le développement par les activités à Technovation, v. 14, n. 5, p. 323-343, 1994.
haute technologie et ses répercussions spatiales: VELTZ, P. Mondialisation villes et territoires: l’économie
L’exemple de la Silicon Valley. Revue d’économie régionale d’archipel. Paris: Presses Universitaires de France, 1996.
et urbaine, n. 5, p. 911-941, 1985.

INTERAÇÕES
Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 3, N. 4, Mar. 2002.

Você também pode gostar