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capitalismo se desloca
PROFS. CAMILA CORNUTTI E FELIPE GUE MARTINI
// Para falar sobre
Escambo generalizado
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Estamos nos tornando rapidamente uma sociedade planetária,
demograficamente organizada em cidades e centrada na economia do
conhecimento, do que André Gorz chamou de “imaterial”, e outros
chamaram de “intangível”. O estudo Capitalism without Capital [Capitalismo
sem capital], de Jonathan Haskel e Stian Westlake, mostra que, com a
virada do milênio, a proporção de investimentos em equipamentos físicos e
em tecnologia, design, imagem e semelhantes – os intangíveis – inverteu-
se. Hoje o principal fluxo de investimentos não resulta em nenhuma
máquina nem em chaminés, e sim em capacidade de controle de
conhecimento organizado. No século passado, o capitalista ainda era dono
de fábricas e plantações – e durante boa parte do presente século, sem
dúvida, ainda o será. No entanto, hoje, e cada vez mais, é um controlador
de plataformas digitais, aplicativos, patentes, copyrights. E, evidentemente,
de fluxos financeiros, igualmente imateriais, meros sinais magnéticos que
definem outras formas imateriais de apropriação e controle, radicalmente
mais poderosas. (2020, p.34)
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Não há como não ver o deslocamento sísmico dos processos produtivos
dominantes, aqueles que traçam o caminho. Constatamos a explosão das
tecnologias, o domínio sobre o próprio processo de expansão do conhecimento.
E se trata de um fator de produção cujo uso não reduz o estoque. Além disso, a
conectividade planetária permite articular de maneira inteligente informações,
documentos, pessoas e instituições praticamente sem custos adicionais.
Assistimos a uma ruptura dos espaços tradicionais que delimitavam a
territorialidade das atividades econômicas. A tradicional unidade produtora
agrícola ou industrial passa a ser controlada por sistemas financeiros e
informacionais com plataformas, redes e algoritmos. Tudo isso constitui relações
técnicas de produção que transformam os processos produtivos, que por sua
vez levam a transformações profundas nas relações sociais de produção. Na
era feudal, o principal fator de produção era a terra. No capitalismo
industrial, era a máquina. Hoje é o conhecimento. E o conhecimento,
enquanto fator de produção, demanda instituições diferentes. Entre o senhor
feudal com o servo e o capitalista industrial com o operário, as relações sociais
de produção mudam. O que surge com os novos rumos? (2020, p.43)
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Fonte: Holger Zschaepitz apud Rupert Neate, “Apple Leads Race to Become World’s
First $1tn Company”, em: The Guardian, 3 jan. 2018, disponível em:
<https://www.theguardian.com/business/2018/jan/03/apple-leads-race-to-be- come-
world-first-1tn-dollar-company>, acesso em: 11 abr. 2020.
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Grande parte da estagnação relativa das economias que constatamos hoje no
mundo, apesar dos imensos avanços tecnológicos, deve-se ao fato de o
capital na sua forma-dinheiro – que era reinvestida na expansão do processo
produtivo, o chamado capital-dinheiro – ter se transformado simplesmente em
patrimônio de pessoas físicas, que não participam do processo produtivo. Com
a apropriação do excedente produzido nas empresas por parte de pessoas
físicas ou jurídicas não produtivas, o que era capital (no sentido de fomentar a
dinâmica de acumulação de capital) transforma-se em fortunas que podem ser
gigantescas, mas que travam a dinâmica produtiva em vez de estimulá-la. [...]
O grosso da população mundial não faz aplicações financeiras, gasta o que
ganha ou até mais do que ganha, endivida-se e paga juros. Os que auferem
rendimentos de aplicações financeiras constituem a nata econômica da
sociedade. São pessoas que pouco ou nada produzem, mas possuem
“papéis”, como ações, títulos de dívida pública e outras formas imateriais de
riqueza, que passam a constituir o que temos chamado de “rendimentos não
produtivos” ou “renta” (em inglês, “unearned income”, ou “rent”, diferente de
“income”; em francês, “rente”, diferente de “revenu”, que é renda originada em
processos produtivos). (2020, p.52)
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A capacidade impressionante de apropriação, por uma minoria, do excedente
que a sociedade produz constitui um processo cumulativo. Costumo usar uma
imagem que tomei emprestada da cientista política franco-estadunidense
Susan George. Um capitalista que aplica 1 bilhão de dólares para render
modestos 5% ao ano está ganhando 137 mil dólares por dia. Como não tem
como gastar tanto dinheiro, termina por reaplicar a maior parte, gerando o
processo cumulativo, o chamado snowball effect, efeito bola de neve. O pobre
gasta, o rico aplica. A classe média pega uma carona insegura em pequenas
aplicações e torce para o rentismo prosperar. [...] Desigualdade parece um
tema batido. Mas não se trata apenas de injustiça: é um mecanismo que trava
a economia, gera explosões sociais, desarticula a sociedade como um todo.
Estamos muito além da mais-valia tradicional nas empresas produtivas. A mais-
valia financeira permite explorar tanto governos, por meio da dívida pública,
quanto empresas e pessoas físicas, gerando uma classe de intermediários
financeiros que não só não financiam a produção, o consumo e os
investimentos públicos – os motores da economia – como os paralisam.
Estamos na era da acumulação improdutiva de patrimônio, da descapitalização
da sociedade. É uma desorganização sistêmica. (2020, p.64-65)
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O sistema de exploração, portanto, ampliou-se e sofisticou-se. Os
avanços de produtividade, que resultam de uma ampla revolução
científico-tecnológica no planeta, poderiam assegurar o aumento
sustentado da produção e a generalização da prosperidade. Mas a
massa da população se vê privada do acesso que merece pelo triplo
processo de exploração que acumula a baixa remuneração, a
extorsão por juros abusivos e a restrição do acesso aos bens
públicos de consumo coletivo, como saúde, educação, segurança e
outras políticas sociais. Nesse contexto, o sistema no poder não só
precisa cada vez menos de democracia como tende a evoluir para
formas de controle e coerção social cada vez mais violentas e
invasivas para se manter. A transformação do mundo do trabalho
ajuda a entender essa erosão da capacidade de resistência da
sociedade. (2020, p.68)
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Estes dois eixos de alternativas – a abertura geral do acesso ao
conhecimento e a reorientação dos recursos, de modo a financiar as
iniciativas necessárias – estão nos levando a repensar radicalmente
a economia, essa ciência social que nos permite sistematizar uma
dimensão importante, mas insuficiente, de um mundo que funcione.
Tanto o acesso ao conhecimento como o acesso aos recursos são
vitais para que cada pessoa ou grupo de pessoas, em qualquer
parte do planeta, possa tomar iniciativas em prol do seu próprio
progresso e do progresso da sua comunidade. O grande capital
controla o conhecimento e os recursos financeiros, cobrando com
royalties, patentes e copyrights o acesso ao primeiro, e com juros
absurdos o acesso ao segundo, gerando escassez para poder
cobrar o acesso. É um sistema de minorias que enriquecem ao
dificultar o desenvolvimento, em vez de promovê-lo. (2020, p.107)
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O open access, acesso aberto e compartilhado, não significa a
ausência de formas de gestão, um vale-tudo, mas regras do jogo
adequadas de forma a valorizar o que é de uso comum por meio de
arranjos institucionais inovadores. [...] Entre o potencial que se abriu
para as grandes corporações, que se apropriaram dos avanços
tecnológicos para controlar com dedos mais compridos segmentos
da economia e até da política em qualquer lugar, e a liberação que
se torna possível reforçando os processos horizontais de
colaboração em rede por parte das pequenas empresas e dos
indivíduos, por enquanto, não há dúvida que as corporações estão
ganhando o jogo. Foram as primeiras a poder financiar a
apropriação das tecnologias e as dobraram em seu proveito. Mas
por toda parte surgem novas dinâmicas. (2020, p.110-112)
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A economia criativa, as redes de colaboração, a economia solidária,
o princípio do compartilhar e outras iniciativas trazem vento fresco
ao opressivo sistema corporativo que nos empurra em correrias
incessantes para ter mais dinheiro, para comprar mais coisas que
teremos cada vez menos tempo ou paciência para apreciar. A
mudança é bem-vinda e, na minha convicção, é inexorável, apesar
da enorme ofensiva de travamento ou de cooptação por parte das
corporações tradicionais. Mas há desafios no horizonte, pontos de
tensão e debate: novas tecnologias geram novas relações de
produção, com riscos e oportunidades, e as regras do jogo desse
novo sistema ainda estão nas fraldas. (2020, p.117)
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Referências
Modalidades: Eventos
Núcleo Interdisciplinar de Extensão: Educação,
desenvolvimento humano e cultura