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COLÉGIO PRO CAMPUS – A PAZ ESTÁ NA BOA EDUCAÇÃO – COMENTÁRIOS DE OBRAS UESPI 

ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA 
CECÍLIA MEIRELES 
PROF. JORGE ALBERTO 

1.  RESUMO BIOGRÁFICO 

CECÍLIA  BENEVIDES  DE  CARVALHO  MEIRELES  nasceu  na  Tijuca,  no  Rio  de 
Janeiro, em 7 de novembro de 1901.  Terminou o curso primário por volta de 1910, na Escola 
Estácio de Sá, acabada de construir e muito bem equipada. Olavo Bilac era o Inspetor Escolar 
do Distrito, e dele recebeu, nessa  ocasião, uma medalha de ouro com o seu nome gravado, 
por ter feito o curso primário com “distinção e louvor”. A vocação para o magistério levou­a a 
fazer  o  curso  da  Escola  Normal,  diplomando­se  como  professora  em  1917.  Paralelamente, 
estudava  línguas,  canto  e  violino.  Interessou­se  profundamente  pelos  estudos  orientais, 
história,  línguas,  filosofia.  Traduziu  importantes  autores  orientais  –  o  poeta  hindu  Tagore,  o 
chinês  Li  Po  e  o  japonês  Bashô.  Aos  21  anos,  casou­se  com  o  artista  plástico  português 
Fernando Correa Dias, que passou a ilustrar suas obras. 
Em  1934,  com  o  marido,  inaugurou  a  primeira  biblioteca  infantil  do  país:  o  Centro  de 
Cultura  Infantil  do  Pavilhão  Mourisco,  no  Rio  de  Janeiro.  A  convite  do  governo  português, 
partiu para Lisboa e Coimbra, proferindo conferências sobre cultura brasileira. O ano seguinte 
foi  trágico:  seu  marido  se  suicidou,  e  ela ficou  responsável  pela  educação  das  três  filhas.  A 
perseguição continuou. Foi uma convicta defensora do ensino laico e uma crítica constante da 
ditadura de Getúlio Vargas. Denunciava o casuísmo, a ladroeira do sistema vigente e aqueles 
que, sob a máscara da beatice, usavam o poder para defender causas próprias; referia­se a 
Getúlio Vargas como o “Senhor Ditador”. Sob o Estado Novo, soldados invadiram a biblioteca 
infantil, apreenderam o livro As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, sob acusação de 
comunismo, e fecharam a biblioteca. Em  1940, casou­se novamente, agora com o professor 
Heitor Grillo. Inicia­se  um longo  período  de  intensa  atividade  profissional  e  literária:  lecionou 
Cultura Brasileira na Universidade do Texas; tornou­se também conferencista internacional. A 
década  de  1950  é  de  prosperidade,  de  prestígio  e  de  reconhecimento.  Intensifica  suas 
pesquisas sobre história e folclore brasileiros e suas viagens ao exterior. A convite de Nehru, 
primeiro­ministro indiano, a autora visitou a Índia. Recebeu da Universidade de Nova Delhi o 
título de Doutor Honoris Causa entregue pelo Presidente da Índia. Voltou ao Brasil em 1958 e, 
publica Solombra  em  1963,  última  obra  publicada  em  vida.  Faleceu  em  9  de  novembro  de 
1964,  no  Rio  de  Janeiro,  em  plena  atividade  literária.  Em  1965  a  Academia  Brasileira  de 
Letras concede­lhe, post mortem o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra. 

2. CONTEXTO HISTÓRICO DO MODERNISMO (1930 – 1945) 

No  período  que  vai  de  1930  a  1945,  o  mundo,  abalado  pela  crise  da  bolsa  de  Nova 
Iorque  (1929),  começa  a  enfrentar  duríssimas  conseqüências  econômicas.  No  Brasil,  o 
problema  econômico  tem  como  causa  a  crise  cafeeira,  e  politicamente  o  país  também 
atravessa  momentos  internos  complicados:  Getúlio  Vargas,  levado  ao  poder  pela  Revolução 
de 1930, inicia um governo “provisório”. O país enfrenta ainda a Revolução Constitucionalista 
de 1932; a chamada “Intentona Comunista“, de 1935. Em 1937, é decretado o Estado Novo e 
o  Presidente  Getúlio  Vargas  passa  a  exercer  o  poder  de modo  ditatorial  que  se  estende  até 
1945. Tem início a Segunda Guerra Mundial. 

2.1.  A POESIA DE 30: MATURIDADE 

A segunda geração modernista, livre do compromisso de combater o passado, manteve 
muitas  das  conquistas  da  geração  anterior,  mas  também  se  sentia  inteiramente  à  vontade 
para  voltar  a  cultivar  certos  recursos  poéticos  que  foram  abominados  pelos  autores  da 
primeira geração (1922), tais como o verso metrificado e rimado, a forma fixa, como o soneto, 
a balada, o rondó, o madrigal.

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Os poetas dessa geração levaram adiante o projeto de liberdade de expressão dos seus 
antecessores, a ponto de até de se permitirem empregar as formas utilizadas pelos clássicos 
dentro da tradição da lírica portuguesa. 
A  poesia  da  segunda  geração  modernista  foi,  essencialmente,  uma  poesia  de 
questionamento:  da  existência  humana,  do  sentimento  de  “ estar­no­mundo” ,  das 
inquietações  social,  religiosa,  filosófica,  amorosa  e  também  da  metalinguagem.  Carlos 
Drummond  de  Andrade  é  o  poeta  que  melhor  representa  o  espírito  dessa  geração,  e  sua 
produção poética constitui um dos pontos mais altos da literatura de língua portuguesa. 
Nesse contexto social ganha força a poesia participativa de Drummond. Por outro lado, 
cresce  também  um  outro  de  tipo  de  prática  poética:  a  poesia  metafísica,  espiritualizante  e 
mística,  que  aparece  em  obras  de  Cecília  Meireles,  Vinícius  de  Moraes,  Murilo  Mendes, 
Jorge de Lima, Mário Quintana e Manuel de Barros. Os dois últimos cronologicamente estão 
ligados à geração de 30. 

3. OBRA 

Cecília  Meireles  estreou  em  livro  em  1919,  com  a  publicação  de  Espectros,  mas  ao 
reunir sua obra poética, deixou de lado os trabalhos anteriores a 1939. Em 1938, o seu livro 
de poemas, Viagem , publicado no ano seguinte, conquistou o prêmio de poesia da Academia 
Brasileira de Letras. A poeta deixou claro que considerava sua obra madura a partir do livro 
Viagem ,  editado  em  1939,  também  em  Lisboa.  O  livro  significou  o  reconhecimento  da 
revelação definitiva de uma natureza artística em sua plenitude, de um estilo poético em seu 
ponto  de  perfeição  e  o  estudo  da  nossa  tradição  literária  e  a  assimilação  dos  recursos 
expressivos da arte verbal. 

POESIA

· Espectro (1919)
· Nunca mais . . . e e Poema dos Poemas (1923)
· Baladas para El­rei (1925)
· Viagem (1939)
· Vaga Música (1942)
· Mar Absoluto (1945)
· Retrato Natural (1949)
· Amor em Leonoreta (1952)
· Doze Noturnos de Holanda e o Aeronauta (1952)
· ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA (1953)
· Pequeno Oratório de Santa Clara (1955)
· Pistóia, Cemitério Militar Brasileiro (1955)
· Canções (1956)
· Romance de Santa Cecília (1957)
· A Rosa (1957)
· Metal Rosicler (1960)
· Poemas Escritos na Índia (1962)
· Antologia Poética (1963)
· Solombra (1963)
· Ou Isto ou Aquilo (lit. infantil, 1965)
· Crônica Trovada da cidade de San Sebastiam (1965)
· Poemas Italianos (1968) 

TEATRO

· O Menino Atrasado (1966) 

FICÇÃO

· Olhinhos de Gato (s/d)

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PROSA POÉTICA

· Giroflê, Giroflá (1956)
· Evocação Lírica de Lisboa (1948)
· Eternidade de Israel (1959) 

CRÔNICA

· Escolha o seu Sonho (1964)
· Inéditos (1968) 

4. ESTILO POÉTICO: O NEO­SIMBOLISMO 

A poesia de Cecília Meireles, de modo geral, filia­se às tradições da lírica luso­brasileira. 
Apesar disso, as publicações iniciais – Espectros (1919), Nunca mais... e poema dos poemas 
(1923) e Baladas para El­Rei (1925), desconsideradas da Obra Poética, aproximam a autora 
do grupo da revista carioca FESTA (1927­1928). Surgiu sob a liderança de Tasso da Silveira e 
de Andrade Murici no início da sua carreira literária. Revista de orientação espiritualista que 
defendia  o  universalismo  e  a  preservação  de  certos  valores  tradicionais  da  poesia.  A 
exploração  da  musicalidade  do  verso  e  a  insistência  em  imagens  abstratas  e  imateriais 
permitem  falar  em  heranças  simbolistas  (neo­simbolismo).  A  poetisa  supera  essas 
influências  praticando  uma  poesia  que  se  volta  cada  vez  mais  para  o  espetáculo  da 
existência, que tem no tempo – fugaz e fugidio ­ o foco principal, mas não perde o intimismo e 
a consciência da transitoriedade das coisas. 

5. ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA: COMENTÁRIOS GERAIS 

A obra é fruto de longos dez anos de pesquisas e  sua publicação ocorreu em 1953. A 
autora  afirma  que  se  trata  de  “uma  narrativa  rimada”.  A  temática remete  o leitor  à  época  da 
Inconfidência  Mineira  (1789),  daí  o  caráter  nacionalista  e  histórico  da  obra.  Associando 
verdade histórica, tradições e lendas, e utilizando a técnica ibérica dos romances populares, a 
poeta  recria  a  atmosfera  da  Vila  Rica  (hoje  Ouro  Preto)  dos  Inconfidentes.  A  mineração,  as 
rivalidades e contendas, os altos impostos cobrados pela Coroa, a conscientização de alguns 
intelectuais  e  letrados,  os  ideais  de  liberdade,  as  Academias  e  as  tendências  arcádicas 
renascem,  ao  mesmo  tempo  em  que  se  faz  a  defesa  dos  oprimidos.  Alternam­se  na  obra 
“romances”,  “cenários”  e  “falas”.  Os  “romances”  reconstituem  a  história,  compondo  o  fio 
narrativo;  os  “cenários”  situam  os  ambientes,  marcando  as  mudanças  de  atmosfera  e 
localizando os acontecimentos; as “falas” representam uma intervenção do eu lírico­narrador, 
tecendo comentários e convidando o leitor a refletir sobre os fatos revividos. 
É o livro mais famoso e o menos explorado e conhecido do público e da crítica. A autora 
conta a história da tentativa de libertação do Brasil ocorrida em Minas Gerais no século XVIII. 
O título obedece a uma terminologia própria dos romances espanhóis medievais – época em 
que a palavra “romance” aplicava­se também a obras em verso. 
No  Romanceiro,  o  elemento  histórico  é  bastante  forte.  Contudo,  o  que  a  autora  tenta 
recuperar é menos os fatos históricos em si, e mais o ambiente e as sensações envolvidas na 
revolta.  Assim,  cada  elemento  histórico  adquire  um  valor  simbólico:  a  busca  do  ouro 
representa a ambição e a cobiça; a conspiração esconde a esperança e o fracasso; as prisões 
dos envolvidos são focalizadas como situações de medo; o degredo é visto como momento de 
perda  e  saudade;  e  as  punições  finais  mostram  todo  o  desengano  da  derrota  política. 
Portanto, não há essa preocupação de focalizar essencialmente o fato histórico que envolveu 
os inconfidentes, a obra vai muito além do próprio tempo que tematiza. 
A  poeta  não  se  afastou  do  seu  conhecido  estilo,  composto  de  atmosferas  fugidias  e 
imprecisas,  e  preocupada  com  o  registro  das  sensações,  com  o  clima  predominante  no 
momento  da  revolta,  de incertezas  e  de medo.  É  o  que  está  além  da  realidade, invisível  e, 
quase sempre, intransponível para aqueles que não são dotados de sensibilidade poética. 

5.1 NATUREZA DA OBRA

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O  Romanceiro  é  formado  por  um  conjunto  de  romances,  poemas  curtos  de  caráter 
narrativo  e/ou  lírico,  destinados  ao  canto  e  transmitidos  oralmente  por  trovadores  e  que 
permaneceram  na  memória  coletiva  popular.  Expressão  poética  específica  do  passado 
ibérico:  saída  técnica  para  dar  maior  autenticidade  e  força  evocativa  ao  episódio  histórico. 
Seus  autores,  em  regra  geral,  ficaram  anônimos.  Os  romanceiros  eram  conhecidos  na 
Espanha  e  em  Portugal  desde  o  século  XV  e  tinham  várias  funções:  informação,  diversão, 
estímulo agrícola, doutrinamento político e religioso. 
O Romanceiro da Inconfidência  caracteriza­se  como  uma  obra  lírica,  de  reflexão, mas 
com um contexto épico, narrativo, firmemente apoiado no fato histórico. Em 1789, inspirados 
pelas  idéias  iluministas  européias  e  pela  independência  dos  Estados  Unidos  (1776),  alguns 
homens  tentam  organizar  um  movimento  para  libertar  a  colônia  brasileira  de  sua  metrópole 
portuguesa. 
A colônia sofria pesada carga tributária sobre o ouro extraído das Minas Gerais deixava 
os que viviam dessa renda cada vez mais descontentes. Assim, donos de minas, profissionais 
liberais  –  entre  os  quais  alguns  poetas  árcades  –  e  outros  começaram  a  conspirar  contra 
Portugal.  Contudo,  o  movimento  é  delatado  (Joaquim  Silvério  dos  Reis  e  outros)  e  os 
envolvidos, presos. Alguns são condenados ao exílio (Moçambique e Angola), e o único a ser 
executado, na forca, e depois esquartejado, é Tiradentes, em 21 de abril de 1792. 

5.2 COMPOSIÇÃO DA OBRA 

Há  um  fio  narrativo  que  passa  através  dos  vários  romances  que  compõem  o 
Romanceiro, sem que a ação se sobreponha à reflexão. Alguns cortes permitem a mudança 
de ambientes ou de figuras que permitem ao narrador surgir diante do público e anunciar­lhe 
nova situação dramática. 
A  crítica  observou  que  não  é  possível  estabelecer  uma  divisão  rigorosa  da  matéria 
tratada por Cecília Meireles. O romanceiro avança ou faz regredir uma perspectiva, além dos 
poemas  transitórios,  feitos  de  considerações  de  momento,  verdadeiros  parênteses  ou 
interpolações  da  poeta  (alguns  desses  poemas  não  recebem  o  título  de  “romance”).  Não  há 
consenso,  mas  seguindo  o  crítico  Darcy  Damasceno  e  outros  estudiosos,  é  possível  ver­se 
um plano geral de composição: 

NA PRIMEIRA PARTE: a “Fala Inicial”, o primeiro “Cenário” e os romances  I — XX. 
NA SEGUNDA PARTE: Romances  XXI — XLVII. 
NA TERCEIRA PARTE: Romances  XLVIII — LXIV. 
NA QUARTA PARTE: Romances  LXV — LXXX. 
NA QUINTA PARTE: Romances  LXXXI — LXXXV, mais a Fala aos Inconfidentes Mortos. 

A  obra  apresenta­se  estruturada  em  85  romances,  além  de  outros  poemas,  como  os 
que retratam os cenários. Total de 95 textos. Em sua composição, é utilizada principalmente a 
medida velha, ou seja, a redondilha menor, verso de cinco sílabas poéticas (pentassílabo) e, 
predominantemente,  a  redondilha  maior,  verso  de  sete  sílabas  (heptassílabo),  além  de 
versos mais curtos, tercetos, quadras, sextilhas, refrões e versos decassílabos. 

Neste fragmento, a autora tece considerações de como foi composto seu Romanceiro 
da Inconfidência. A este respeito, ela aborda os limites entre a criação literária e a História, 
mostrando os limites e as relações entre ambas: 
“(...) 
Assim,  a  primeira  tentação,  diante  do  tema  insigne,  e  conhecendo­se  tanto  quanto 
possível, através dos documentos do tempo, seus pensamentos e sua fala ­ seria reconstruir 
a tragédia na forma dramática em que foi vivida, redistribuindo a cada figura o seu verdadeiro 
papel.  Mas  se  isso  bastasse,  os  documentos  oficiais  com  seus  interrogatórios  e  respostas, 
suas  cartas,  sentenças  e  defesas  realizariam  a  obra  de  arte  ambicionada,  e  os  fantasmas 
sossegariam, satisfeitos. 
Nesse ponto descobrem­se as distâncias que separam o registro histórico da invenção 
poética: o primeiro fixa determinadas verdades que servem à explicação dos fatos; a segunda, 
porém, anima essas verdades de uma força emocional que não apenas comunica fatos, mas

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obriga o leitor a participar intensamente deles, arrastado no seu mecanismo de símbolos, com 
as mais inesperadas repercussões. 
Ainda que se soubessem todas as palavras de cada figura da Inconfidência, nem assim 
se  poderia fazer  com  o  seu  simples  registro  uma  composição  da  arte.  A  obra  de  arte  não  é 
feita de tudo ­ mas apenas de algumas coisas essenciais. A busca desse essencial expressivo 
é que constitui o trabalho do artista. Ele poderá dizer a mesma verdade do historiador, porém 
de outra maneira. Seus caminhos são outros, para atingir a comunicação. Há um problema de 
palavras. Um problema de ritmos. Um problema de composição. Grande parte de tudo isso se 
realiza,  decerto,  sem  inteira  consciência  do  artista.  É  a  decorrência  natural  da  sua 
constituição, da sua personalidade ­ por isso, tão difícil s∙e torna quase sempre a um criador 
explicar a própria criação. Quanto mais subjetiva seja ela, maior a dificuldade de explicá­la ­ é 
quase  impossível  chorar  e  perceber  nitidamente  o  caminho  das  lágrimas,  desde  as  suas 
raízes  até  os  olhos.  No  caso,  porém,  de  um  poema  de  mais  objetividade,  como  o 
"Romanceiro",  muitas  coisas  podem  ser  explicadas,  porque  foram  aprendidas,  à  proporção 
que ele se foi compondo. 
Digo "que ele se foi compondo" e não "que foi sendo composto", pois, na verdade, uma 
das coisas que pude observar melhor que nunca, ao realizá­lo, foi a maneira por que um tema 
encontra  sozinho  ou  sozinho  impõe  seu  ritmo,  sua  sonoridade,  seu  desenvolvimento,  sua 
medida. 
O  "Romanceiro" foi  construído  tão  sem  normas  preestabelecidas,  tão  à  mercê  de  sua 
expressão  natural  que  cada  poema  procurou  a  forma  condizente  com  sua  mensagem.  Há 
metros curtos e longos; poemas rimados e sem rima, ou com rima assonante ­ o que permite 
maior fluidez à narrativa. Há poemas em que a rima aflora em intervalos regulares, outros em 
que  ela  aparece,  desaparece  e  reaparece,  apenas  quando  sua  presença  é  ardentemente 
necessária. Trata­se, em todo caso, de um "Romanceiro", isto é, de uma narrativa rimada, um 
romance:  não  é  um  "cancioneiro"  ­  o  que  implicaria  o  sentido  mais  lírico  da  composição 
cantada.
Nesse  ponto,  já ficara  ultrapassada  a  idéia  de  uma  composição  dramática.  Impossível 
distribuir  a  cada  personagem  seu  verdadeiro  papel:  seria  atribuir­lhes,  por  vezes, 
pensamentos  e  sentimentos  incompatíveis  com  a  sua  psicologia,  e  dar­lhes  uma  linguagem 
que não podemos reconstituir com suficiente perfeição. 
O  "Romanceiro"  teria  a  vantagem  de  ser  narrativo  e  lírico;  de  entremear  a  possível 
linguagem da época à  dos nossos dias; de, não  podendo reconstituir inteiramente as cenas, 
também  não  as  deformar  inteiramente;  de  preservar  aquela  autenticidade  que  ajusta  à 
verdade histórica o halo das tradições e da lenda. 
A  voz  irreprimível  dos  fantasmas,  que  todos  os  artistas  conhecem,  vibra,  porém,  com 
certa docilidade, e submete­se à aprovação do poeta, como se, realmente, a cada instante lhe 
pedisse  para  ajustar  seu  timbre  à  audição  do  público.  Porque  há  obras  que  existem  apenas 
para  o  artista,  desinteressadas  de  transmissão;  outras  que  exigem  essa  transmissão  e 
esperam  que  o  artista  se  ponha  a  seu  serviço,  para  alcançá­la.  O  "Romanceiro"  é  desta 
segunda espécie. 
Por  isso,  a  parte  "pessoal"  que  nele  se  encontre,  é  uma  simples  intervenção  para 
favorecer  o  desenvolvimento  do  tema:  aqui,  o  artista  apenas  vigia  a  narrativa  que  parece 
desenvolver­se por si, independente e certa do que quer. Os "cenários" são intervenções para 
marcar os ambientes respectivos, exatamente como numa indicação dramática. E se o artista 
se  permite  alguma  reflexão  sobre  o  que  vai  acontecendo,  é  como  espectador  que  comenta, 
entre  outros  comentadores  imaginários,  ou  cronista  que  observa,  entre  outros  que  estão 
observando  ­  o  que  confere  ao  livro  uma  simultaneidade  que  se  procurou  assinalar  até  pela 
disposição gráfica dos versos, e pela diferença dos tipos de impressão. 
(...).” 

(MEIRELES,  Cecília.  Como  Escrevi  o  “ Romanceiro  da  Inconfidência” .  IN:___.  Romanceiro  da 
Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, págs. 20 a 22.) 

6. ANTOLOGIA 

Romance XXVIII ou da denúncia de Joaquim Silvério 

No palácio da Cachoeira,

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com pena bem aparada, 
começa Joaquim Silvério 
a redigir sua carta. 
De boca já disse tudo 
quanto soube e imaginava. 

Ai, que o traiçoeiro invejoso 
junta às ambições a astúcia. 
Vede a pena como enrola 
arabescos de volúpia, 
entre as palavras sinistras 
desta carta de denúncia! 

Que letras extravagantes, 
com falsos intuitos de arte! 
Tortos ganchos de malícia, 
grandes borrões de vaidade. 
Quanto a aranha estende a teia, 
não se encontra asa que escape. 

Vede como está contente, 
pelos horrores escritos, 
esse impostor caloteiro 
que em tremendos labirintos 
prende os homens indefesos 
e beija os pés aos ministros! 

As terras de que era dono, 
valiam mais que um ducado. 
Com presentes e lisonjas, 
arrematava contratos. 
E delatar um levante 
pode dar lucro bem alto! 

Como pavões presunçosos, 
suas letras se perfilam. 
Cada recurvo penacho 
é um erro de ortografia. 
Pena que assim se retorce 
deixa a verdade torcida. 

(No grande espelho do tempo, 
cada vida se retratra: 
os heróis, em seus degredos 
ou mortos em plena praça 
— os delatores cobrando 
o preço das suas cartas ...) 

Romance LIII ou Das Palavras Aéreas 

Ai, palavras, ai, palavras, 
que estranha potência, a vossa! 
Ai, palavras, ai, palavras, 
sois de vento, ides no vento, 
no vento que não retorna, 
e, em tão rápida existência, 
tudo se forma e transforma! 

Sois de vento, ides no vento, 
e quedais, com sorte nova!

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Ai, palavras, ai, palavras, 
que estranha potência, a vossa! 
Todo o sentido da vida 
principia à vossa porta; 
o mel do amor cristaliza 
seu perfume em vossa rosa; 
sois o sonho e sois a audácia, 
calúnia, fúria, derrota... 

A liberdade das almas, 
ai! com letras se elabora... 
E dos venenos humanos 
sois a mais fina retorta: 
frágil, frágil como vidro 
e mais que o aço poderosa! 
Reis, impérios povos, tempos, 
pelo vosso impulso rodam... 

Detrás de grossas paredes, 
de leve, quem vos desfolha? 
Pareceis de tênue seda, 
sem peso de ação nem de hora... 
— e estais no bico das penas, 
e estais na tinta que as molha, 
e estais  nas mãos dos juízes, 
e sois o ferro que arrocha, 
e sois o barco para o exílio, 
e sois Moçambique e Angola! 

Ai, palavras, ai, palavras, 
íeis pela estrada afora, 
erguendo asas muito incertas, 
entre verdade e galhofa, 
desejos do tempo inquieto, 
promessas que o mundo sopra... 

Ai, palavras, ai, palavras, 
mirai­vos: que sois, agora? 
– Acusações, sentinelas, 
Bacamarte, algema, escolta; 
– o olho ardente da perfídia, 
a velar, na noite morta; 
– a umidade dos presídios, 
– a solidão pavorosa; 
– duro ferro de perguntas, 
com sangue em cada resposta; 
– e a sentença que caminha, 
– e a esperança que não volta, 
– e o coração que vacila, 
– e o castigo que galopa... 

Ai, palavras, ai, palavras, 
Que estranha potência, a vossa! 
Perdão podíeis ter sido! 
– sois madeira que se corta 
– sois vinte degraus de escada, 
– sois um pedaço de corda... 
– sois povo pelas janelas, 
cortejo, bandeiras, tropa...

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Ai, palavras, ai, palavras, 
Que estranha potência, a vossa! 
Éreis um sopro na aragem... 
– sois um homem que se enforca! 

Romance XLIX ou de Cláudio Manuel da Costa (fragmentos) 

[...] 

– Não creio que fosse morto 
por um atilho encarnado, 
nem por veneno trazido, 
nem por punhal enterrado. 
Nem creio que houvesse dito 
o que lhe fora imputado. 
Sempre há um malvado que escreva 
o que dite outro malvado, 
e por baixo ponha o nome 
que se quer ver acusado... 

Entre esta porta e esta ponte, 
fica o mistério parado. 
Aqui, Glauceste Satúrnio, 
morto, ou vivo disfarçado, 
deixou de existir no mundo, 
em fábula arrebatado, 
como árcade ultramarino 
em mil amores enleado. 

ROMANCE  LXXXV OU  DO TESTAMENTO DE MARÍLIA 

Triste pena, triste pena 
que pelo papel deslizas! 
­ que cartas não escrevestes 
­ que versos não improvisas 
­ que entre cifras te debates 
e em cifras te imortalizas ... 

Ai, fortunas, ai, fortunas ... 
Doblas, oitavas, cruzados, 
vastos dinheiros antigos, 
pelas paredes guardados, 
prêmio de tantos traidores, 
dor de tantos condenados! 

Escreve Marília, 
escreve seu pequeno testamento; 
na verdade, por que vive, 
se a morte é o seu alimento? 
se para a morte caminha, 
na sege do tempo lento? 

Cortesias, cortesias 
de quem diz adeus ao mundo: 
breves lembranças; presentes 
amáveis, de moribundo. 
Que sais vós, ouro das Minas, 
no oceano de Deus, tão fundo?

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Reparti­vos, reparti­vos, 
ouro de tantas cobiças ... 
(Tanto amor que separastes, 
entre injúrias e injustiças! 
E agora aqui sais contado 
para a piedade das missas!) 

Triste pena, triste pena ... 
Triste Marília, que escreve. 
Tão longa idade sofrida, 
para uma vida tão breve. 
Muitas missas ... 
Muitas missas ... 
(Que a terra lhe seja leve.)

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