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República da Guiné-Bissau

Ministério da Educação Nacional


Faculdade de Direito de Bissau
DIREITO PROCESSUAL CIVIL I
Ano letivo 2019/20
2º Teste Escrito
21/09/2020
Duração: 2:00 H
1-Em 5 de Janeiro de 2010, Augusto instaurou acção judicial ordinária
contra a Companhia de seguros SA alegando o seguinte:
a) Desejado, seu pai, celebrou com a Ré o contrato junto como doc. n.º
1, que dá como integralmente reproduzido;
b) Desejado faleceu em Janeiro de 2009 e o Autor, enquanto filho único
daquele, é seu único herdeiro;
c) Até à data, a Ré não pagou qualquer quantia ao Autor.
Com base nisto, Augusto pediu a condenação da Ré a pagar-lhe 25
000 000 xof.

Responda de forma fundamentada as seguintes questões:


1. A Ré tem razão quando alega a ineptidão da petição inicial por
omissão da alegação da celebração e do conteúdo do contrato
de seguro? Pode a secretaria recusar a recepção da Petição
Inicial pela falta desses documentos? (3 val)
2. Após a citação da Ré, no dia 10 de janeiro, o seu advogado,
entra com uma peça pedindo a suspeição do juiz que foi
distribuído ao processo e, só no dia 20 de Fevereiro de 2010
entra com uma contestação que foi recusada pela secretaria por
extemporaneidade. Quid juris? (5 val)
3. Suponha que na contestação a Ré coloca o seguinte: são falsos,
todos os factos alegados na douta petição inicial. Quid juris? (3
val)
1
4. Tendo como referência a situação do ponto anterior (3), explica
como será a efectuada a fase do despacho saneador a elaborar
pelo Juiz? (4 v).
5. Suponha Augusto intentou contra a FARP acção declarativa de
condenação com fundamento, durante e por causa dos
acontecimentos de 01-04-2010, onde foi espancado no Gabinete
do então Primeiro-Ministro pelos militares que a ocuparam. Na
contestação, a Ré pede absolvição devido falta de prova sobre
factos que o Autor alega, mas não apresentou provas. Quais são
os factos que o Autor tem de provar na instrução? (3 val)

Reserva-se dois valores para os testes que revelem bom domínio da


língua portuguesa

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Grelha de correção 2º teste escrito
Ano Letivo 2019/20
Direito Processual civil I

1) A primeira questão sobre o nosso caso prático, trata de saber sobre a


relevância da entrega de certos documentos com a petição inicial. O caso
relata um processo ordinário de condenação, em que o Autor reclama da
Ré, uma seguradora, o pagamento de uma apólice de seguro fruto de um
contrato rubricado pelo seu pai, mas que produziria efeitos com a morte
deste. Na verdade, estamos perante a situação em que, na petição inicial,
o Autor alega ter um determinado direito, mas que a Ré alega que a falta
da apresentação de provas de existência desse direito deve ter como
consequência a absolvição de instância por ineptidão da petição inicial.
Importa saber se será esta a consequência para esse tipo de vícios?
Efectivamente, com a PI devem seguir as provas sobre os factos que
fundamentem o pedido do Autor, nos termos do artigo 523º, n.º 1, do CPC.
Porém, a falta da apresentação desses documentos comprovativos,
mesmos os dos casos previsto nos artigos 280º e 281º CPC, não têm como
consequência o indeferimento liminar por ineptidão da PI – as causas do
indeferimento liminar são os que constam do artigo 474º e as da ineptidão
da PI são as constantes no artigo 193º, e que considera nula a PI quando
for inepta - e nem são do conhecimento da secretaria, mas sim uma decisão
que cabe ao juiz. Assim, a alegação da Ré na contestação para a declaração
da nulidade da PI (artigo 193º CPC), sobre o indeferimento liminar (artigo
474º CPC) e ainda a consequente absolvição da instância constante no
artigo 288º, n.º 1, alínea b) CPC), não colhe na medida em que, nos casos
da falta da apresentação de documentos comprovativos (artigo 523º, 280º
e 281º todos do CPC), manda a lei que o juiz faça um despacho de
aperfeiçoamento nos termos do artigo 477º, n.º 1. De salientar ainda, que
o Juiz pode convidar excepcionalmente o Autor a apresentar esses
documentos num momento posterior, ficando com a obrigação de multa,
segundo o disposto no artigo 523º, n.º 2.
2) A contestação é a principal forma da Ré intervir no processo fazendo a sua
defesa, mas não é única. Existem formas de defesa que a Ré poderia lançar

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a mão antes da contestação ou em simultâneo: trata-se dos casos da defesa
antecipada, artigo 479º, n.º 1; defesa separada e defesa posterior, nos
termos do artigo 489, n.º 2. A opção da Ré foi pedir a suspeição do Juiz
do processo, suspeição essa que só pode ter os fundamentos constantes no
artigo 127º CPC. Essa forma de defesa da Ré é conhecida na doutrina da
defesa separada, obedece os mesmos prazos da contestação, a de 20 dias
num processo ordinário segundo o disposto no artigo 486º, e não suspende
a contestação (cfr. Artigos 128º, nº 1 e 129º, nº 1 CPC). Assim, a entrega
da petição 30 dias após a notificação da Ré, nos termos do artigo 143º CPC
sobre a contagem dos prazos, a secretaria não deve receber a contestação
o que fará a Ré cair em revelia, nos termos do artigo 483º e 484 CPC, este
último sobre os efeitos da revelia.
3) Existem duas formas de a Ré fazer uma contestação: trata-se da defesa por
impugnação e defesa por excepção. No nosso caso em concreto, a opção
foi a defesa por impugnação onde a Ré contraria as afirmações do Autor
e pode ser uma impugnação das matérias de factos ou de direitos e, tem de
ser feita de forma especificada, nos termos do artigo 487º, 490º, n.º 2
respectivamente. Assim, nos termos do artigo 490º, nº 3, “não é admissível
a defesa por negação”! A opção da Ré em juntar todas as alíneas numa só
e negar os factos alegados pelo Autor, colide com artigo 490º, n.º 3º, mas
também pode-se levantar a questão de não ser uma impugnação
especificada e disso implicar a aceitação de tudo que fora alegado pelo
Autor na PI, segundo o disposto no artigo 490, n.º 1, pois não foi uma
tomada de posição de forma especificada como manda este preceito. De
qualquer das formas, o facto de não se aceitar a defesa por negação –
método utilizado pela Ré e negado pelo artigo 490º, n.º 3 -, mesmo não
tendo sido feita de forma especificada, já basta para se considerar
inapropriada a defesa e colocar-nos numa situação em que se considerará
aceites os factos alegados pelo Autor.
4) No direito processual civil, sobre a contestação da Ré, há uma figura
constante no artigo 490º, n.º 1, o ónus de impugnação especificada, onde
se obriga a Ré a tomar posição sobre cada um dos factos alegados pelo
Autor. Uma vez que a Ré optou pela negação de tudo que foi alegado pelo
Autor na PI, vimos que essa forma de impugnar é rejeitada pela lei, nos

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termos do artigo 490º, n.º 3. Neste caso, estamos perante uma situação,
como vimos supra, em que os factos alegados pelo Autor serão tidos por
admitidos pelo juiz. A partir desse momento, em que o juiz já sabe que
todos os factos alegados pelo Autor são admitidos por não terem sido
impugnados de forma especificada, na fase de condensação, onde, num
processo ordinário, o juiz verifica a regularidade do processo,
designadamente da verificação dos pressupostos processuais, onde se
permite já nessa altura, que o juiz, reunindo todas as condições, em
conhecer o mérito da causa, proferindo uma sentença nesse sentido (o
despacho saneador nesses casos poriam fim ao processo); ou então, o juiz
decide avançar com a especificação e o questionário. Efectivamente,
chegados a essa fase, o juiz já tem condições para poder conhecer o mérito
da causa na fase de condensação e, antes de mais, deve convocar uma
audiência preparatória do despacho saneador, que só é feita quando o juiz
entende que é possível, sem necessidade de mais provas, conhecer sobre o
fundo da causa de pedir e do pedido ou de alguns dos pedidos principais,
segundo o disposto no artigo 508º, n.º 1. Assim, no próprio despacho
saneador, tendo em conta que já não é preciso instrução, na medida em
que nada mais há a provar, o despacho saneador pode conhecer o mérito
da causa, e terá força de uma sentença, segundo o preceituado no artigo
510º, n.º 4. De referir que só se optará pela audiência preparatória antes do
saneador porque já é possível tomar decisão final sobre o processo no
despacho saneador que se laborará de seguida, caso contrário não seria
necessário a audiência preliminar.
5) Nesta questão está em causa o sentido do ónus da prova. Nos termos gerais
do direito, quem alega um facto deve poder prová-lo, sob pena desse
direito não valer. No fundo tem-se um determinado direito, mas para
exercer é preciso fazer alguma coisa que a viabilize (sobre ónus da prova,
importa conferir o artigo 342º CC). É na fase instrutória onde o juiz vai
aproveitar das questões constantes do questionário que saiu do despacho
saneador, nos termos do artigo 513º CPC. De acordo com o caso
apresentado, tendo em conta que os factos alegados pelo Autor sucederam
numa data em que houve um acontecimento público, o Autor não
precisará de provar esse acontecimento no Gabinete do então Primeiro-

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Ministro na data supracitada, por ser um facto notório e não carece de
prova, nos termos do artigo 514º, n.º 1 CPC. Só terá de provar que sofreu
os prejuízos pelo espancamento, desde um relatório médico a descrever a
gravidade das lesões sofridas, o que pagou pelos medicamentos e o tempo
em que ficou parado. Serão sobre estes últimos factos as provas que terá
de produzir no processo na fase de instrução, nunca provar que no dia em
causa houve uma tentação de golpe de Estado e militares ocuparam o
Gabinete do Primeiro-ministro.

Bissau, 22 de Setembro de 2020

O Regente:
Numna Gorky Mendes De Medina

A Assistente:
Melisiana Rodrigues Diasso

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