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PARALELO BELOVED-AMADA
Belo Horizonte
2004
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PARALELO BELOVED-AMADA
Belo Horizonte
2004
3
____________________________________________________
(Orientadora)
____________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________
FALE / UFMG
Ao meu pai (in memoriam) e à minha mãe, que apesar das adversidades sempre me
incentivaram a prosseguir nos meus estudos.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço
à minha orientadora, Profa. Dra. Célia Maria Magalhães, pela orientação eficiente e por sua
paciência em me conduzir pelas convenções do gênero acadêmico;
à minha esposa, Adriana Muniz de Assis, pelas leituras e comentários sobre as minhas
primeiras tentativas de textualizações;
aos amigos do NET pelo compartilhamento das idéias, especialmente à Silvana pelo apoio
logístico, ao Adail Sebastião Rodrigues Júnior, à Eliene Faria, à Letícia Taitson Bueno e à
Tatiana Macedo pelas leituras, comentários e revisões;
RESUMO
como um dos recursos para a análise da construção de uma personagem literária. Foi de
texto em inglês e em sua retextualização para o português brasileiro. Para tanto, foram
nos quais a personagem está envolvida como participante no texto original e comparados aos
seja semelhante nos dois textos, observações detalhadas apontaram para mudanças na sua
ABSTRACT
Translation has been approached from different angles and, in the 1990’s, discourse analysis
translation. This thesis is affiliated to the discursive approach to Translation Studies based on
small corpus studies tradition. The corpus is formed by Beloved written by the American
novelist Toni Morrison and its retextualization to Brazilian Portuguese Amada done by
Evelyn Kay Massaro. The object of study is transitivity as one of the resources to analyse the
patterns related to the character Sethe were the same in both texts. With the support of
Halliday’s systemic functional grammar and Corpus Linguistics tools, process types in which
the character is inscribed were analysed in the source text and then compared to those in the
target text. WordSmith Tools was the software used to manipulate the corpus, which was
similar in both texts, detailed analyses pointed to shifts in her representation in the target text.
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Exemplos de processos materiais e participantes ....................................... 27
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Demonstrativo da composição das Unidades de Análise ............................ 74
Tabela 2 Demonstrativo das Unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP ..... 74
Tabela 3 Demonstrativo dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved-
Amada com padrão Sethe = AEDCP .......................................................... 86
Tabela 4 Distribuição percentual dos tipos de processos encontrados no Corpus
Beloved-Amada com o padrão Sethe =AEDCP.......................................... 87
9
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Relação de gênero e registro com a linguagem ........................................... 19
Figura 2 Reprodução da capa de IFG (1994) ............................................................ 23
Figura 3 Exemplo de texto alinhado ......................................................................... 65
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Distribuição percentual dos processos relacionados à Sethe em Beloved .. 89
Gráfico 2 Distribuição percentual dos processos relacionados à Sethe em Amada .... 89
Gráfico 3 Distribuição percentual dos processos relacionados ao Revolutionist ..... 89
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................................ 5
RESUMO ................................................................................................................................................................ 6
ABSTRACT ............................................................................................................................................................ 7
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................................................... 8
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................................................ 8
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................................. 9
LISTA DE GRÁFICOS........................................................................................................................................... 9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................................................. 9
SUMÁRIO ............................................................................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - ABORDAGENS DISCURSIVAS DA TRADUÇÃO ................................................................. 16
1.1 A Gramática sistêmico funcional de Halliday ............................................................................................. 18
1.2 O sistema de transitividade.......................................................................................................................... 20
1.2.1 Processos Materiais (Material Processes)............................................................................................. 25
1.2.2 Processos Mentais (Mental Processes) ................................................................................................. 28
1.2.3 Processos Relacionais (Relational Processes) ...................................................................................... 31
1.2.4 Processos Comportamentais (Behavioural Processes).......................................................................... 37
1.2.5 Processos Verbais (Verbal processes) .................................................................................................. 40
1.2.6 Processos Existenciais (Existential Processes) ..................................................................................... 41
1.2.7 Aplicações do sistema de transitividade ............................................................................................... 42
1.3 A Lingüística de Corpus: instrumental para realização de análises discursivas .................................... 46
1.3.1 A Lingüística de Corpus e os Estudos da Tradução ............................................................................. 51
CAPÍTULO 2 METODOLOGIA......................................................................................................................... 57
2.1 Contextualização do romance que constitui o corpus.................................................................................. 57
2.2 Preparação do Corpus.................................................................................................................................. 63
2.3 Procedimentos de Análise ........................................................................................................................... 68
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS PARALELO BELOVED-AMADA ................................................... 86
3.1 A transitividade na representação de Sethe ................................................................................................. 87
3.2 Padrões de textualização e retextualização.................................................................................................. 92
3.3 Análise dos padrões de retextualização ....................................................................................................... 96
3.3.1 Os Processos Comportamentais............................................................................................................ 97
3.3.2 Os Processos Materiais......................................................................................................................... 99
3.3.3 Os Processos Mentais ......................................................................................................................... 101
3.3.4 Os Processos Relacionais ................................................................................................................... 103
3.3.5 Os Processos Verbais ......................................................................................................................... 104
3.3.6 Outras categorias retextualizadas como processo............................................................................... 107
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................... 110
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 114
ANEXO I - CAPA IFG (1994)............................................................................................................................ 119
ANEXO II - QUESTIONÁRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA............................................................ 120
11
INTRODUÇÃO
dentre outras formas, são construídos através da leitura e, para tanto, na maioria das vezes,
temos que nos apoiar em traduções, como afirma Baker (1993). Isso, dentre outros fatores,
contribui para que a tradução se torne alvo de discussões e interações entre pesquisadores em
várias partes do mundo, na tentativa de entendê-la sob vários ângulos. Assim, os Estudos da
internacional e interdisciplinar, como colocado por Venuti (2000) em sua introdução ao The
Dentre os vários ângulos através dos quais a tradução pode ser abordada, nos anos 1990
consideram a forma como a língua constrói sentido bem como as relações sociais e de poder
(MUNDAY, 1998). Baker (1992), Hatim e Mason (1997), House (1997), Vasconcellos
(1997), dentre outros, são alguns pesquisadores que seguiram estes caminhos influenciados
interpessoal e a textual. A primeira está relacionada com o uso da linguagem como forma de
segunda está relacionada com o uso da linguagem como forma de interação, e finalmente, a
Também nos anos 1990 novas metodologias foram incorporadas aos Estudos da Tradução.
Segundo Venuti (2000), embora se tenha começado a estudar corpora de grandes dimensões a
partir dos anos 70, foi nos anos 90 que a Lingüística de Corpus ofereceu os instrumentais de
caracterização do texto traduzido. Vários tipos de corpora foram desenvolvidos e dentre eles
os chamados corpora paralelos compostos por textos em uma língua A e suas traduções para
uma língua B. As análises do texto traduzido à luz do original têm sido um dos interesses dos
Assim, à luz dos Estudos da Tradução em diálogo com a Lingüística de Corpus e com a
semiótica social de Halliday, esta pesquisa descreve um dos aspectos da construção de uma
português brasileiro Amada, doravante Corpus Beloved-Amada. A questão inicial era saber se
tradução para o português brasileiro feita por Evelyn Kay Massaro. Não é minha intenção
personagem é participante.
A escolha do corpus de análise foi uma feliz indicação de minha orientadora, dentre as opções
Ao ler Beloved / Amada, percebi um grande potencial de análise, que, fosse ela lingüística ou
importância da comunidade (WARD, 2003) ou, ainda, o preenchimento da lacuna deixada por
historiadores em registrar a vida cotidiana dos "não-lembrados" pela história (DAVIS, 1998),
avaliação em uma das disciplinas de mestrado sobre aplicação dos estudos de corpora nos
Estudos da Tradução. Esse estudo apontou para mudanças (shifts), que de acordo com
Foi necessário ainda optar pela análise de uma das personagens. A intenção inicial era analisar
as três personagens femininas principais do romance, mas, mesmo cada uma delas tendo um
grande potencial para estudos, a análise das três tornou-se impossível pela restrição de tempo.
Sethe foi escolhida por ser a protagonista do romance. Sua história, possivelmente baseada no
ato infanticida real de Margaret Garner (DAVIS, 1998), fala sobre uma mulher orgulhosa,
14
independente e mãe amorosa, cuja concepção de amor a faz matar uma de suas filhas para
protegê-la dos traumas emocionais, sexuais e espirituais que ela própria sofrera como escrava.
Livre, mas escravizada pelo passado, Sethe sucumbe aos caprichos de Amada e só quando
aprende a confrontar o passado e a se impor frente a ele é que ela se liberta de seu poder
uma forma de revelar a construção da personagem como feito por Montgomery (1993). Nesse
trabalho, o autor analisa os processos nos quais a personagem principal em The revolutionist,
um conto de Hemingway, está envolvida, sugerindo uma tensão entre o título da obra e as
questão que se coloca nesta dissertação é se ela pode ser um instrumento para comparação de
Sethe tanto no texto original quanto no texto traduzido; no entanto, a análise discursiva das
retextualizações aponta para mudanças revelando uma personagem que reage de forma
Este trabalho é uma contribuição para os Estudos da Tradução em sua interface com a
tradução brasileira.
Munday (2001) explica que as análises discursivas ganharam importância nos Estudos da
Tradução a partir dos anos noventa porque, além de características textuais, elas olham a
forma como a linguagem constrói sentido bem como constrói as relações sociais e de poder.
estruturas sociais, pois, segundo eles, aceitar a visão de reflexo das estruturas sociais implica
em aceitar, por exemplo, que as estruturas sociais existem e a língua simplesmente as espelha.
Na visão de construção a linguagem não só reproduz, mas também constrói estas estruturas
sociais. Os autores explicam que cada vez que usamos a linguagem "apropriada" para nos
Retomando Munday (2001), o modelo de análise do discurso que mais tem influenciado essas
trabalhos de autores que usaram a abordagem sistêmica para análise de traduções. House1,
citada por Munday, propõe um modelo para avaliação da qualidade de tradução pressupondo
a análise de registro, termo que será definido na seção 1.1, tanto do original quanto do texto
traduzido e de como eles são realizados por meios lexicais, sintáticos e textuais. Segundo
deslocamentos que acontecem no movimento original / texto traduzido e, por fim, Hatim e
1
HOUSE, J. Translation quality qssesment: a model revisited. Tübingen: Niemeyer, 1997.
2
BAKER, M. In other words: a coursebook on translation. London and New York: Routledge,1992.
17
Mason3 trabalham dentro do modelo de Halliday e vão além da análise de registro de House;
dentre outros aspectos Hatim e Mason analisam as mudanças nas estruturas de transitividade,
comunicadas na tradução.
Também no cenário nacional vários pesquisadores têm associado análises discursivas aos
Vasconcellos (1997) afirma que tal gramática oferece bases sólidas para a avaliação da
"texto" e "tradução", tem-se em mente os conceitos de Coulthard (1991, 1992) que, partindo
da função textual de Halliday, vê o texto escrito como uma das várias possibilidades de
baseada em decisões tomadas pelo autor para atingir um leitor ideal criado por ele. Como esse
leitor ideal muitas vezes difere do leitor real, qualquer tentativa posterior de atingir este
último é tida como retextualização. Isto inclui tanto a retextualização intralingual, ou seja
dentro da mesma língua, quanto a tradução interlingual, de uma língua A para uma língua B,
que seria também uma possível retextualização do original, cabendo ao tradutor, assim como
3
HATIM, B; IAN, M. The translator as communicator. London and New York: Routledge, 1997.
18
seção 1.2 enfoca o sistema de transitividade, que é o recurso utilizado nesta pesquisa para a
Lingüística de Corpus, que muitas vezes tem sido um instrumental para a realização de
descrição detalhada de sua teoria sistêmico-funcional que é uma abordagem gramatical sob o
ponto de vista semântico-discursivo e serve como primeiro passo para análise de textos. A
obra de Halliday é complexa, mas estudiosos de Halliday (EGGINS, 1994; MARTIN et al.,
1997; THOMPSON, 1996) a reapresentam de uma forma mais didática. Embora seja aplicada
à língua inglesa, seus pressupostos têm sido utilizados na análise de textos em diversos
idiomas, conforme poderá ser constatado nos trabalhos a serem resenhados nesta dissertação.
totalidade do que o usuário da língua pode fazer é vista pelo referido autor como um recurso
para produção de significados. Tendo a oração como unidade básica, esses significados são
interrelacionam ao mesmo tempo em que se relacionam com uma estrutura sociocultural mais
4
A primeira edição de IFG é datada de 1985 e, em 2004, foi lançada a terceira edição.
19
abaixo.
Ambiente sociocultural
Gênero
Registro
(campo - teor - modo)
Sistêmica discursiva
(Função ideacional, interpessoal e textual )
Esfera Léxico-gramatical
(Transitividade, modalidade, textualidade)
Pela FIG. 1 acima, podemos perceber que, numa perspectiva macrotextual de análise, o
gênero é condicionado pelo ambiente sócio cultural ao mesmo tempo que determina o
registro. Para Munday (2001) gênero é entendido como o tipo textual associado a uma função
comunicativa, como uma carta comercial. Eggins (1994) é mais clara na definição de registro
e afirma que este descreve o contexto de situação imediato no qual o texto é produzido.
Segundo a autora, registro compreende os elementos campo, teor e modo, sendo campo o que
está sendo expresso pela linguagem, teor quem e para quem está sendo escrito e modo o papel
que a linguagem tem na interação. Assim, partindo de uma perspectiva micro para outra
vincula a outros textos análogos (gênero) que, por sua vez, estão inseridos dentro de um
contexto sociocultural.
5
Minha tradução da figura 6.1 Relation of genre and register to language (Munday, 2001, p.90).
20
interpessoal e textual que, por sua vez, são construídas ou realizadas pela esfera léxico-
gramatical. Halliday (1976) afirma que a função ideacional é o uso da linguagem para
estabelecer vínculos com ela própria, permitindo ao falante ou escritor construir textos.
Assim, campo, ligado à metafunção ideacional, refere-se ao tipo de atividade social (o que
está sendo representado no texto) e é realizado na esfera léxico gramatical através de padrões
de transitividade, a ser discutida abaixo; teor, ligado à metafunção interpessoal, tem o texto
função ideacional6 que tem a oração como representação. Essa representação, realizada por
acontecimentos (goings on) de fazer, acontecer, sentir e ser, é construída, dentre outros
aqui ele está falando da propriedade da linguagem de permitir a seres humanos construírem
6
O outro modo é o lógico, que oferece recursos para formar vários tipos de complexos. Ver Halliday (1985,
p.192-270).
21
imagens mentais da realidade para construir sentidos de suas experiências bem como desses
goings-on ao seu redor e em seu interior; ele está falando do que as pessoas querem dizer
quando dizem que uma palavra ou frase significa, significado no sentido de conteúdo. Eggins
transitivos e intransitivos da lingüística ocidental que, ainda de acordo com o autor (p.109-
110), resume-se em: a) Todo processo tem um participante, um Ator (Actor); b) Alguns
processos têm um segundo participante, chamado Meta (Goal). Nos exemplos i) The lion
sprang e ii) The lion caught the tourist (HALLIDAY, 1994:109), o leão (the lion) fez alguma
esta noção de extensão do processo que está expressa no conceito de transitividade. Assim, de
pelas quais eles são expressos, consistindo de três componentes de categorias semânticas:
a) o processo em si;
b) os participantes no processo;
verbal e existencial. Os três primeiros são os principais e os três últimos se situam entre estes,
como subcategorias, não claramente distinguidos, mas que constituem sua própria gramática.
Halliday, explicando porque os três primeiros são tidos como principais, esclarece que desde
exterior a nós da experiência interior, ou seja, o que acontece "lá fora" do que acontece dentro
com nossa habilidade de generalizar, classificar e identificar: "Isto é o mesmo que aquilo",
"Isto é um tipo daquilo" (HALLIDAY, 1994, p.106-107). Estes processos, segundo Halliday,
"são a base da gramática como teoria da experiência e apresentam três tipos distintos de
últimos compartilham características dos três primeiros: nos limites entre os processos
A capa da versão de 1994 da IFG, na FIG.2, abaixo8, tenta mostrar esta relação de
materiais), azul (processos mentais) e amarelo (processos relacionais) ocupam uma proporção
(processos verbais) e laranja (processos existenciais). Note ainda que não existe uma linha
clara separando estes processos: aqueles considerados como subcategorias são representados
por cores secundárias. Os processos comportamentais são representados pela cor roxa que é
7
Minha tradução de: "... are the cornerstones of the grammar in its guise as a theory of experience. They present
three distinct kinds of structural configuration, and they account for the majority of all clauses in a text"
(HALLIDAY, 1994, p.138).
8
Para melhor visualização, ver ANEXO I, nesta dissertação.
23
uma mescla das cores azul e vermelha (materiais e mentais); os verbais são representados pela
cor verde, que é uma mescla das cores azul e amarela (mentais e relacionais); e os existenciais
são representados pela cor laranja, que é uma mescla das cores vermelha e amarela (materiais
e relacionais).
Cada uma dessas categorias será explicitada abaixo; cada uma tem sua própria gramática,
mas, como introdução, definirei brevemente cada uma delas. Os processos materiais são
processos de fazer. Eggins (1994, p.230) esclarece que a definição semântica deste tipo de
processo é que "alguma entidade faz alguma coisa, realiza alguma ação"9; os mentais
afeto; os relacionais são construções de ligação. Martin et al. (1997) explicam que esses
verbais incluem os processos de relato além de processos semióticos como mostrar e indicar;
9
Minha tradução de “... some entity does something, undertakes some action” (EGGINS, 1994, p.230).
24
uma versão ativa desses processos; finalmente, os processos existenciais são parecidos com os
relação aos participantes, podendo haver variações entre textos que abordam o mesmo
assunto. No entanto, uma lista contendo traduções para o português de alguns termos
As traduções desses termos não são apresentadas como imposição para a comunidade
acadêmica, no entanto, prefiro adotá-las por entender que assim estarei contribuindo não
apenas para sua consolidação, mas também para a coerência do debate acadêmico desta área
acompanhadas dos termos originais em inglês, e sempre aparecerão com iniciais maiúsculas
para lembrar ao leitor que se referem ao processo, participantes ou circunstâncias, como o faz
o próprio Halliday. Os termos para os quais não foram apresentadas sugestões de tradução
pelo LAEL aparecerão, na primeira ocorrência, com o símbolo (3), indicando uma sugestão
10
http://lael.pucsp.br/sistemica/aprovados-05-09.doc
11
De acordo com as informações no site da PUCSP, o projeto DIRECT foi criado em 1990 e tem como objetivo
geral "promover estudos que descrevam eventos discursivos orais e escritos inéditos do âmbito profissional, em
português como língua materna e em inglês relevante para o Brasil".
25
O resumo dos principais tipos de processos está baseado em IFG, além de Eggins (1994),
Thompson (1996) e Martin et al. (1997) que, como mencionado anteriormente, tornaram a
obra de Halliday mais acessível. Eggins (1994) percorre alguns exemplos de usos da
(1996) tem uma linguagem mais acessível e apresenta a obra hallidayana como se estivesse
dialogando com seu leitor; e Martin et al. (1997) são bem sucintos. Sempre que possível serão
usados os exemplos do corpus desta pesquisa como ilustração de cada tipo de processo, no
entanto, quando exemplos dos autores mencionados acima forem utilizados, esses virão
Os exemplos abaixo são de orações materiais. É importante mencionar novamente que não só
o processo é material, mas toda a oração.
Corpus Beloved-Amada
So Sethe and the girl Denver did what they could.
26
feitos e acontecimentos tipicamente concretos. Alguma entidade faz alguma coisa ou realiza
alguma ação provocando mudanças no mundo material, tais como uma criação, um
Os participantes nas orações materiais são: o Ator (Actor), a Meta (Goal), o Beneficiário
feito material12. Os demais podem ou não ocorrer. Orações que têm apenas o Ator como
participante são intransitivas, Ex.: The lion sprang (HALLIDAY, 1994, p.109). Em orações
transitivas, além do Ator aparece a Meta, que é o participante que sofre o impacto de um feito,
aquele a quem é feito ou com quem se faz alguma coisa. A Meta é trazida à tona pela ação do
Ator, ou sua existência pode ser anterior a ela, sendo, no entanto, afetada por essa ação. Nas
beneficia de um feito, aquele a quem se dá ou para quem se faz. Halliday (1985, p.132) faz
ainda uma distinção entre Beneficiário do tipo Recebedor (Recipient) e Cliente3 (Client), o
primeiro é para quem um benefício é dado enquanto o segundo é para quem um serviço é
feito. Finalmente, existem orações materiais sem uma Meta, quando então pode haver uma
Extensão. Esta pode ser do tipo Entidade3 (Entity) ou Processo3 (Process). O tipo Entidade é
processo, pois ela (Extensão) existe independente deste (do processo). A Extensão pode
12
O Ator às vezes coincide com o sujeito sintático da gramática tradicional e ainda com o tema. Para uma
distinção entre eles ver discussão em Halliday (1985, p.32-37).
27
expressar ainda o processo em si, como "um assobio" no exemplo "Ele deu um assobio". O
QUADRO 1
Exemplos de processos materiais e participantes
Tipo Ator Processo Meta Beneficiário Extensão
Ação Sethe enrolou as meias.
She gave the house (to the kids)
MARTIN et al.
(1997, p.105).
Sethe parou.
Evento Sethe e Paul D subiram os degraus brancos.
The chair moved.
MARTIN et al.
(1997, p.105).
É possível "tirar a prova" dos processos materiais de duas formas: a primeira forma está mais
relacionada com a língua inglesa. Ela consiste em verificar se, em inglês, o verbo aceita a
forma do presente contínuo (present continuous)14, que é o tempo verbal mais natural para as
orações materiais. Assim é possível dizer "Sethe está enrolando as meias, parando, subindo”,
e assim por diante. Essa prova é útil em inglês mas pode não ser em português, porque a sua
premissa é que em alguns processos, especialmente os mentais, o uso desse tempo verbal não
é possível. Assim, em inglês não seria natural dizer "*I am loving", enquanto em português
"Eu estou amando" pode ocorrer. A segunda prova pode ser tirada com a pergunta: "O que 'x'
fez?". Então, "O que Sethe fez?" teria como resposta: "enrolou as meias, parou, subiu as
escadas". Esse tipo de prova fica mais evidente quando comparada com os outros tipos de
processos, como veremos nas seções seguintes quando esta pergunta não poderia ser aplicada.
Os participantes também podem ser testados: para testar a Meta, a pergunta-prova pode ser "O
que x fez para/com y?". Assim, “O que Sethe fez com as meias?" teria como resposta:"Ela as
enrolou". Para testar o Beneficiário, a pergunta-prova pode ser "O que x fez para/com y para
13
O QUADRO 1 não contém exemplos distinguindo Beneficiário dos tipos Recebedor ou Cliente, nem Extensão
dos tipos Processo ou Entidade por não serem relevantes para esta pesquisa. Ver Halliday (1985, p.132-137) para
uma discussão mais detalhada.
14
O presente contínuo é formado com uma forma do verbo be seguido por outro verbo acrescido da partícula -
ing. Exemplo Mary is working now (MURPHY, 1994, p.2).
28
z?". Desta forma, "O que ela fez com a casa para as crianças?" teria como resposta:"Ela a
deu". A Extensão, no entanto, não pode ser testada por estas perguntas, pois não faria sentido
responder à pergunta "O que Sethe fez com os degraus?", uma vez que esta seria redundante:
"O que Sethe fez com os degraus foi subi-los". Como Meta e Extensão não ocorrem
simultaneamente, o que se pode fazer é tentar distingui-los. Halliday (1985, p.136) apresenta
cinco testes que podem ser feitos para tal: a) a Extensão não pode ter atributos de resultados
do processo; b) a Extensão não pode ser um pronome pessoal; c) a Extensão não pode ser
modificada por um possessivo; d) na posição de sujeito a Extensão soa estranho, embora ela
possa ocorrer em tal posição; e) a Extensão pode ser realizada por um sintagma
preposicionado. Eggins (1994) acrescenta mais uma prova e afirma que, em verbos como "dar
Corpus Beloved-Amada
Sethe knew his gaze was on her face.
Sethe sabia que o olhar de Paul D a estudava.
Enquanto os processos das orações materiais representam o mundo externo e têm um Ator,
humano ou não, modificando este mundo, os processos das orações mentais representam o
mundo interno, o que acontece na mente de um participante humano que sente um fenômeno.
Esse participante é, portanto, aquele em cuja mente o processo ocorre. Essas orações são
expressas com processos do tipo "sentir", "pensar" e "ver", que constituem as subcategorias a
serem discutidas abaixo e que, em inglês, não são naturalmente expressas no presente
contínuo (ver seção 1.2.1) e sim no presente simples em inglês (presente do indicativo no
(Phenomenon), estão sempre presentes não ocorrendo, portanto, orações intransitivas. Pode
acontecer que o Experienciador venha a ser um animal ou objeto, mas fica evidenciado que
assim lhe estamos atribuindo características humanas ou uma consciência. Em "My car
doesn't like hills" (MARTIN et al.,1997, p.105), estamos atribuindo ao “meu carro” (My car)
pronomes he ou she.
Halliday sub-classifica os processos mentais como verbos de afeição3 (affection), Ex.: sentir
(perception), Ex.: ver e ouvir. O QUADRO 2, abaixo, traz exemplos dos tipos de processos
mentais:
30
QUADRO 2
Exemplos de processos mentais e participantes.
Experienciador Processo mental Fenômeno
Sethe adorava aquelas crianças.
Processo mental (afeição)
Sethe pensara muito pouco no vestido branco.
Processo mental (cognição)
Sethe não percebera o caminhar.
Processos mental (percepção)
Uma outra característica dos processos mentais é que o Experienciador pode ocorrer ou não
na posição de sujeito sintático, diferente do Ator nas orações materiais, que só ocorre fora da
posição de sujeito em orações na voz passiva. Assim, podemos encontrar orações como: "Her
tasks interested her", "It surprised him to see her so happy", onde her/him são o
Em relação ao Fenômeno, este pode ser qualquer tipo de entidade entretida ou criada pela
consciência: um ser consciente, um objeto, uma substância, uma instituição, uma abstração:
Ex: Sethe acreditava que a avidez por doces fosse uma necessidade
e pode ainda ser representado por numa oração projetada15 que representa a idéia trazida à
A pergunta-prova que podemos fazer para testar esse tipo de processo é: "O que você pensa,
acha, sente, sabe sobre x?". Assim, a resposta para "O que Sethe acha daquelas crianças?"
15
Ver Seção 7.5 de IFG para uma discussão mais detalhada.
31
Corpus Beloved-Amada
Sethe and her daughter Denver were its only victims.
Sethe e a filha Denver eram as únicas vítimas.
Dos tipos de processos, este é um dos mais complexos como alerta Eggins (1994), afirmando
que este tipo é uma área rica e complexa da transitividade da oração e que o leitor deve se
referir a IFG para um esclarecimento maior. Já Thompson (1996) começa sua explicação
afirmando que o que foi dito sobre os processos materiais e mentais não se aplica facilmente
aos processos relacionais, pois não existe processo no sentido de alguma coisa acontecendo,
mas relações entre dois conceitos. Para o autor, os termos processo e participantes são usados
por falta de termos gramaticais que abarquem o fenômeno. Martin et al. (1997) simplificam e
32
afirmam que as orações relacionais são uma generalização da noção de verbos de ligação da
terceiro tipo de processos tidos como principais por Halliday, os processos relacionais, são
aqueles relacionados ao "ser". Halliday, no entanto, esclarece que este "ser" não é no sentido
de "existir", mas, como aludido pelo próprio nome, estabelece relações entre duas entidades
separadas: "diz-se que alguma coisa é alguma outra coisa"16 (HALLIDAY, 1994, p.119). Os
QUADRO 3
Resumo dos principais tipos de processos relacionais
Tipo / Modo Atributivo / Identificativo
Intensivo x é /está a*
Circunstancial x está (localizado)em a
Possessivo x tem a
reversíveis, ou seja, é possível dizer, sem mudança de significado, tanto "Sethe era a única
vítima" quanto "A única vítima era Sethe"; "Tomorrow is the 10th" ou "The 10th is
tomorrow"; "The piano is Peter's" ou "Peter's is the piano". Por outro lado, os do modo
16
Minha tradução de "something is said to 'be' something else".
33
atributivo não são reversíveis pois as formas inversas não são agnadas (agnate), ou seja, não
são relacionadas sistematicamente (HALLIDAY, 1994). Assim, Sethe pode estar "viva", mas
"viva" não pode estar "Sethe"; Sethe pode estar na cadeia, mas "na cadeia" não pode estar
Sethe; Sethe pode ter tido 28 dias de vida livre, mas "28 dias de vida livre" não podem ter tido
Sethe.
QUADRO 4
Exemplos dos principais tipos de processos relacionais e as categorias atributivo e identificativo
Tipo / Modo Atributivo Identificativo
Intensivo Sethe, apesar de fraca e Sethe e sua filha Denver
sozinha, estava viva... eram as únicas vítimas.
Circunstancial Sethe estava na cadeia com o Tomorrow is the 10th.
bebê que amamentava... (Halliday, 1994:119)
Possessivo Sethe tivera vinte e oito dias The piano is Peter's.
- o ciclo da lua - de vida (Halliday, 1994:119)
livre.
é apresentado um resumo das outras características de cada modo como apontadas por Eggins
(1994, p.255-266).
exemplo "Diana is a talkative dinner guest" (EGGINS, 1994, p.256), "Diana" é Portador e "a
talkative dinner guest" é Atributo. Existem três subcategorias dos processos relacionais
membro de uma classe. No exemplo acima, Diana pertence à classe de "talkative people"; já
descritivo é atribuído ao Portador, por exemplo, You are very skinny (EGGINS,1994, p.256).
Embora o verbo to be (ser/estar) seja o mais usado nestes tipos de orações, outros verbos
como become, turn, grow, turn out, start out, end up, keep, stay, remain, seem, sound, appear,
look, taste, smell, feel, stand podem ocorrer como sinônimos em inglês (EGGINS, 1994,
p.257).
o atributo também pode ser um grupo nominal, geralmente indefinido (introduzido pelos
Por não ser reversível e ter apenas um participante nominal independente, esse tipo de oração
soaria estranha na voz passiva e, ainda, é importante destacar que Portador e Atributo não se
confundem.
dimensões circunstanciais de lugar, modo, causa, dentre outras, e podem ser expressos através
entre outros e o processo permanece intensivo. Diferente dos Atributivos Intensivos, não se
participantes. A posse pode ser expressa através dos participantes (Portador, Atributo) ou do
Geralmente o Portador será o Possuidor (Possessor), não sendo possível, no entanto, que ele
participantes são: Característica (Token) e Valor (Value). No exemplo "You are the skinniest
one here" (EGGINS, 1994, p.258) "You" é Característica e "the skinniest one here" é Valor.
rótulo de "skinniest one" (Valor); nesse modo os sinônimos do verbo "be" são: equal, add up
to, make, signify, mean, define, spell, indicate, express, suggest, act as, symbolize, play,
Nesse modo tanto a Característica quanto o Valor são realizados por grupos nominais. A
Característica é geralmente realizada por grupos nominais definidos (introduzidos pelo artigo
Por serem reversíveis e os dois participantes serem grupos nominais, Característica e Valor se
confundem. A "prova" para definir os papéis dos participantes pode ser tirada passando-se a
oração para a voz passiva utilizando um sinônimo do verbo "be" acima. Para estabelecer qual
lado da oração é Característica ou Valor, Eggins (1994, p.259-260) nos remete a Halliday e
Característica será o sujeito numa oração na voz ativa e o Valor será o sujeito numa oração na
"You" é o sujeito da oração na voz ativa, e, portanto, Característica e "the skinniest one here"
significados sobre as dimensões circunstanciais de lugar, modo, causa, dentre outros. Podem
entre outros, e o processo permanece intensivo. Como os intensivos, podem formar passivas.
participantes. Eles podem ser expressos tanto através dos participantes (Característica, Valor)
quanto do processo em si, especialmente com o processo to own (possuir). Quando expresso
17
Minha tradução de: "...semantically, the Token will be a 'sign, name, form, holder or occupant' of a Value,
which gives the 'meaning, referent, function, status or role' of the Token".
37
através dos participantes, o verbo intensivo be (ser, estar) é usado e Característica e Valor são
(tipicamente) humano.
Halliday diz que este tipo de processo é o que menos se distingue dos outros processos por
não ter características próprias. Thompson (1996) diz que eles foram estabelecidos como uma
categoria para nos permitir distinguir entre as atividades puramente mentais e os sinais físicos
externos dos processos mentais e, ainda, porque eles formam um grupo considerável no
38
léxico, o suficiente para merecerem uma categoria. Assim, Thompson continua, muitos
processos mentais têm um par comportamental. Ex.: ver (mental) / assistir, olhar, encarar
mentais, eles têm apenas um participante, o Comportante (Behaver), mas, como os materiais,
o processo é mais como "fazer". Uma outra semelhança com os processos materiais é que sua
forma não marcada é o presente contínuo do inglês. Além dos mentais e materiais, os
discutidos no item seguinte, como uma versão ativa desses processos, que se distinguem pela
cuja forma de fazer, expressa pelo processo, não afeta outro participante. No entanto, em
funciona como um complemento e acrescenta especificação ao processo. Ex. She gave a faint
sigh / The boy laughed a high, embarrased laugh / She waved her hands helplessly.
(THOMPSON, 1996, p.100). Thompson explica que "sigh", "laugh" e "her hands" não são
participantes em si, mas que estes grupos nominais são parte da forma em que o processo é
18
Halliday (1994, p.139) diz que embora "os processos comportamentais não projetem o discurso indireto ou
pensamento, eles freqüentemente aparecem na narrativa de ficção introduzindo o discurso direto como um meio
de agregar uma característica comportamental aos processos verbais de 'dizer'; Ex.: 'Kiss me!’ She breathed."
Minha tradução de: "behavioural processes do not 'project' indirect speech or thought, they often appear in
fictional narrative introducing direct speech, as a means of attaching a behavioural feature to the verbal process
of 'saying'; e.g. Kiss me! she breathed".
39
processos. Ex.: Simon laughed at the girl's stupidity (Circunstância: causa); She was crying
Halliday (1994, p.139) lista cinco tipos mais comuns de processos comportamentais, aqui
QUADRO 5
Tipos de processos comportamentais
Processos Comportamentais
Quase mentais: Quase verbais: Processos Outros processos Quase materiais:
Consciência Processos fisiológicos fisiológicos: posturas
como forma de verbais como manifestando corporais e
comportamento comportamento estados de passatempos
consciência
Look / olhar Chatter / Cry / chorar Breathe / respirar Sing / cantar
Watch / assistir tagarelar Laugh / rir Cough / tossir Dance / dançar
Stare / encarar Grumble / Smile / sorrir Faint / desmaiar Lie (down) /
Listen / escutar resmungar Frown /franzir as Shit / evacuar deitar-se
Think / pensar Talk / conversar Sombrancelhas Yawn / bocejar Sit (up,down) /
Dream / sonhar Sigh / suspirar Sleep / dormir sentar-se
Snarl / rosnar
Whine / gemer
O autor alerta que alguns dos verbos dessa lista podem ocorrer em outras categorias e cita o
exemplo do verbo "think/pensar" nas seguintes frases: "Be quiet! I'm thinking / Quieto! Estou
pensando" (comportamental) e "They think we're stupid. / Eles pensam (acham) que somos
burros" (mental).
40
As orações a seguir são verbais19. Elas representam processos de "dizer" incluindo não só os
diferentes modos de dizer (pedir, oferecer, declarar), mas também processos semióticos não
Corpus Beloved-Amada
"That's all you let yourself remember," Sethe had told her,
-- É tudo que você se permite recordar - dissera Sethe.
Estes processos estão entre os mentais e materiais, pois dizer alguma coisa é uma ação física
que reflete operações mentais (THOMPSON, 1996). São quatro os participantes em orações
verbais: a) Um participante central, o Dizente (Sayer), aquele que diz, fala, conta, e assim por
19
Nos exemplos extraídos do corpus Beloved/Amada são orações verbais aquelas com os processos em negrito.
As orações projetadas por elas devem ser analisadas individualmente de acordo com os processos nelas contidos.
Sobre orações projetadas ver capítulo 7 de Halliday (1994).
41
diante; b) o Receptor (Receiver), aquele a quem o que está sendo dito é dirigido, Ex.: Tell me
the whole truth. O Receptor é o sujeito em orações na voz passiva, Ex.: I was told the whole
truth; c) a Verbiagem (Verbiage), que é a função que corresponde ao que é dito ou o nome do
que está sendo dito. Ex.: Can you describe the apartment for me?/ The manager will outline
his plan of campaign / I ordered a stake / Let me ask you a question. / They were speaking
Arabic. No conteúdo do que está sendo dito não se incluem as orações projetadas por parataxe
Corpus Beloved-Amada (Ver nota 19 nessa seção); d) o último participante, o Alvo (Target),
é a entidade que, como o próprio nome diz, é o alvo do processo de dizer, Ex.: She always
existenciais.
EGGINS (1994:254)
There was snow on the ground.
There were these 2 wonderful Swiss men.
There's a hitch.
THOMPSON (1996:101)
There was a ramp leading down.
Maybe there's some other darker pattern.
20
Todos os exemplos acima foram extraídos de Halliday (1994, p.141)
42
Corpus Beloved-Amada
Não foram encontrados exemplos de processos existenciais nas linhas de
concordância do Corpus Beloved-Amada.
se dos relacionais por terem apenas um participante: O Existente (Existent). Ao passo que
com os processos relacionais diz-se que alguma coisa existe em relação à outra coisa, com os
processos existenciais diz-se que alguma coisa simplesmente existe. Geralmente, as orações
existenciais são expressas pelo verbo there to be em inglês e "existir / ter" em português.
importante notar, no entanto, que outros aspectos pertinentes à gramática dos processos serão
A análise da transitividade tem tido diversas aplicações em diversas áreas, como a análise
Halliday (1973) usou o recurso da transitividade para análise do estilo literário, vindo a
tornar-se o exemplo clássico do uso dessa ferramenta nesse tipo de estudo. Em sua análise de
três extratos de "The inheritors", de William Golding, Halliday descreve o que ele denomina
chamados "povo", que foi invadido por uma tribo mais avançada. No início, estes eram
caracterizada pelo uso de verbos intransitivos, através dos quais o "povo" age, mas não sobre
as coisas. A análise revela ainda que, na metade das orações, os sujeitos não são pessoas, mas
partes do corpo ou objetos inanimados e a metade das orações em que os sujeitos são
finalmente, a linguagem C é caracterizada por verbos transitivos, com sujeitos humanos, com
orações de ação. Assim, o mundo dos herdeiros é organizado como o nosso, ou pelo menos de
Montgomery (1993) menciona outros trabalhos que aplicam a transitividade para análise
aspecto das escolhas de transitividade que revelam uma tensão irônica entre as expectativas
exemplo, em uma de suas considerações Montgomery realça que, embora a maioria dos
personagem aparece como Meta e não como Ator, fazendo dela uma pessoa afetada pelo seu
entorno e não transformadora como se era de esperar. Outros detalhes sobre os resultados
processos utilizados nos editoriais contribuem para que as leitoras aceitem o conteúdo da
língua estrangeira. A autora analisa os tipos de processos usados em dois textos (T1 e T2)
produzidos por um mesmo sujeito com intervalo de um ano entre eles e constata um
brasileiro feitas por O'Shea e Trevisan. A autora constata similaridades entre o original e os
textos traduzidos e diferenças causadas por diversas razões como as leituras dos tradutores e
dentre outras.
Também no âmbito dos Estudos da Tradução, Felippe (2001) analisa alguns capítulos do
romance Dom Casmurro de Machado de Assis e duas de suas traduções para o inglês na
transitividade que revela o discurso sexista do narrador, Bento Santiago, em relação à referida
45
textos traduzidos que mantêm o mesmo padrão de transitividade, ainda que com tentativas
Todas estas pesquisas foram feitas com análise de corpus não eletrônico, o que permitiu a
análise apenas de extratos ou de contos. Cruz (2003), no entanto, alia a análise do sistema de
transitividade à analise de corpus, a ser descrita na seção seguinte, como abordagem dos
totalidade. Com o enfoque nos verbos de elocução, que incluem os processos verbais, Cruz
analisa Harry Potter and the chamber of secrets, de Joanne K Rowling, e sua tradução para o
português brasileiro, por Lia Wyler, e mostra que os verbos de elocução são elementos
língua. Em uma de suas constatações, por exemplo, Cruz diz que o original utiliza mais
processos comportamentais e a tradutora mais processos verbais. Este fato, aponta Cruz
(2003, p.188-189),
Mauri (2003) apresenta uma análise com um corpus de pequena dimensão composto por uma
coletânea de contos Laços de família, de Clarice Lispector, e sua tradução para o italiano por
Adelina Aletti. Com o foco nos processos mentais das personagens femininas, Mauri
Finalmente, também com foco nos processos mentais, mais especificamente o verbo "pensar",
considerado pela autora como prototípico da categoria, Jesus (2004) analisa o corpus paralelo
46
composto pelo romance em inglês Point counter point, de Aldous Huxley e sua tradução para
o português brasileiro Contraponto por Érico Veríssimo. Jesus analisou, ainda, o corpus
comparável composto pela tradução mencionada acima e o romance Caminhos cruzados, que
foi escrito por Veríssimo logo após ter realizado a tradução de Point counter point. Assim,
representação dos pensamentos das personagens construídos através do verbo “pensar”, foi
possível buscar padrões que marcam as obras Point counter point / Contraponto bem como
discursivas
Berber-Sardinha (2000) faz um histórico deste campo de estudos que essencialmente pode ser
dividido em duas fases: antes e depois do advento dos computadores. Berber-Sardinha explica
que havia corpus antes do advento dos computadores, já que a palavra corpus significa
manualmente sem o auxílio de computadores, desde a compilação do corpus até a análise dos
dados. No entanto, hoje, quando nos referimos à Lingüística de Corpus, estamos nos referindo
ao estudo baseado em corpora eletrônicos. O seu foco foi assim resumido por Berber-
Deve-se acrescentar ainda que os dados lingüísticos textuais devem ser autênticos, ou seja,
importante salientar que o corpus deve ser coletado criteriosamente e ter o propósito de
salientado é que os dados do corpus devem ser passíveis de exploração por programas de
computador. Assim, o pioneiro dos corpora como os conhecemos hoje, de acordo com
escrito, contendo duas mil palavras cada, num total de um milhão de palavras. Hoje,
considerado pequeno e um pouco ultrapassado, mantém seu valor por ter sido usado para
diferentes estudos da linguagem tendo como base os mesmos dados e, ainda, por ter servido
de modelo para outros corpora como o LOB Corpus (inglês britânico) e o Kolhapur Corpus
(inglês indiano). Ainda hoje o Corpus Brown pode ser acessado pela Internet através do site
Berber-Sardinha lembra ainda que a compilação desse corpus sofreu o impacto do então
recém lançamento da obra Syntactic structures de Noam Chomsky, que mudou o paradigma
da lingüística e não corroborava o uso de corpora, pois "os dados necessários para o lingüista
21
http://wave.ldc.upenn.edu/lol/ (acessado em 06 maio 2004).
48
2000, p.02). No entanto, a Lingüística de Corpus se manteve para ser hoje uma das áreas mais
ativas da Lingüística e para vir a contestar práticas e preceitos correntes da disciplina (p.21),
computadores e hoje os corpora chegam a ter mais de quatrocentos milhões de palavras, como
Berber-Sardinha (2000) também elenca os diversos tipos de corpora que podem ser agrupados
pelos critérios de modo, tempo, seleção, conteúdo, autoria, disposição interna e finalidade,
além de outros. Pelo critério de modo, os corpora podem ser compostos de porções de fala
transcrita ou de textos escritos; pelo critério de tempo, eles podem ser sincrônicos,
conteúdo, eles podem ser especializados, regionais ou dialetais e multilíngues; pelo critério de
autoria, eles podem ser de aprendiz e de falantes nativos; pelo critério de disposição interna,
diretamente ligado com os Estudos da Tradução (ver seção seguinte), eles podem ser paralelos
22
De acordo com o site do Collins Cobuild, http://www.cobuild.collins.co.uk/Pages/boe.aspx acessado em 13
abr. 2004, a última edição do Bank of English, em 2002, contava com 450 milhões de palavras.
49
Kennedy23, citado por Kenny (2001), lista quatro áreas nas quais os lingüistas de corpus
cito Berber-Sardinha (2000, p.23) que explica que questões como colocação, coligação e
prosódia semântica podem ser descritas à luz da Lingüística de Corpus. A terceira área em
quarta área é ligada às aplicações do corpus que inclui lexicografia, ensino e aprendizagem de
WordSmith Tools, descrito em Scott (2001). Com tecnologia Windows, este programa tem a
que tem vários componentes com múltiplos usos não determinados nem limitados. Isto quer
dizer que o programa tem um projeto aberto e o seu criador apenas sugere algumas
possibilidades de usos das ferramentas, podendo o usuário descobrir novos usos para cada
23
KENNEDY, Graeme An introduction to corpus linguistics. London and New York: Longman. 1998.
50
Keywords, o Text Converter, o Splitter, o Viewer e o Aligner, cujos usos e aplicações são
interpretando linhas de concordância geradas pelo Concord, Hunston (2002), por exemplo,
como sua apresentação não estática pode influenciar sua interpretação. A autora salienta que o
usuário pode e deve reordená-las de acordo com as várias opções do programa. Investigando a
palavra critical através das linhas de concordância geradas a partir do corpus Bank of English
1999, por exemplo, a autora percebeu que tal palavra freqüentemente segue uma das formas
linhas de concordância, desta vez, com a primeira palavra à direita em ordem alfabética, ficou
evidenciado que a palavra critical é freqüentemente seguida das preposições 'of', 'to' e 'in',
Também no Brasil pesquisas em Lingüística de Corpus têm sido realizadas. No que tange à
corpus Lácio-Ref, com mais de quatro milhões de palavras, é composto de textos de diversos
de dez cadernos da Folha de São Paulo 1994. O Banco do Português, que em 2003 possuía
anteriormente.
Com tantas possibilidades de aplicações nos estudos da linguagem, também a área dos
linguagem e pode-se dizer que os tipos de corpora elencados acima também se aplicariam à
tradução com algumas restrições e adaptações. Baker (1995) diz que a terminologia para
discutir corpora nos Estudos da Tradução ainda não está estabelecida e propôs três tipos
dentre outros que usam tais termos com significados diferentes, sugere os termos corpora
multilíngües .
Para Baker (1995), um corpus paralelo consiste de um original em uma língua A e suas
traduções para uma língua B. A autora diz que a principal contribuição de tais corpora é a
usar estas evidências para oferecer modelos reais para os tradutores em treinamento"
(p.231).24 Kenny (2001, p.69) alerta, no entanto, que essa descrição pode, com o tempo, se
tornar prescrição e traduções podem vir a ser consideradas de má qualidade à medida que não
Para Kenny (2001), corpora paralelos são um corpo de textos em uma língua e suas traduções
para uma outra. Eles podem ser bilíngües ou multilíngües. Este último consiste de traduções
de um texto para várias outras línguas. Kenny afirma que o alinhamento dos textos que
(BAKER, 1995). Esse tipo de corpora, ainda segundo Baker, nos permitirão estudar os itens e
características lingüísticas em seu ambiente natural ao invés de estudar como eles são usados
nos textos traduzidos, sendo de grande utilidade para a elaboração de material didático para o
treinamento do tradutor.
Finalmente, corpora comparáveis, ainda de acordo com Baker (1995), consistem de duas
estudada e o outro consistindo de textos traduzidos para aquela língua a partir de uma ou mais
línguas. Os dois corpora devem ter sido elaborados com base nos mesmos critérios, ou seja,
devem cobrir os mesmos gêneros do discurso, conter textos do mesmo período histórico,
dentre outros. Este tipo de corpora permite estabelecer padrões específicos do texto traduzido,
24
Minha tradução de "... establish, objectively, how translators overcome difficulties of translation in practice,
and to use this evidence to provide realistic models for trainee translators”.
53
textos traduzidos para o inglês, menciona o uso do pronome relativo that em estruturas do
originalmente escrito em inglês, mas não o é, quando o texto é uma tradução de outro
primeiros são compostos de textos em apenas uma língua e podem ser compostos de textos
textos traduzidos para uma determinada língua; os dois últimos tipos, sem muita aplicação nos
Em estudos recentes podemos perceber duas vertentes dos estudos de corpora aplicados à
1997, dentre outros). Baker (1993) afirma que as pesquisas baseadas em grandes corpora
podem contribuir para o entendimento da tradução como um evento singular bem como para a
descrição de normas de tradução, conceito introduzido por Toury e descrito pela autora
(p.239). Para Baker, grandes corpora podem ainda contribuir para o esclarecimento de
comparáveis.
Laviosa (1997), também trabalhando com corpus de grande dimensão, descreve o English
NON-TEC, composto de textos com características similares àquelas dos textos que compõem
o TEC. A autora conduziu uma série de análises comparativas entre alguns dos sub-corpora
que compõem o ECC e seus resultados revelaram padrões de uso lexical nos textos traduzidos
como maior uso de palavras gramaticais e maior uso das palavras de alta freqüência do inglês,
corpora de pequenas dimensões. Sinclair (2001), prefaciando uma coleção de textos que ele
considera uma celebração de tais corpora, afirma ser a metodologia que define um corpus
como sendo de pequenas dimensões. O autor lembra que o que era considerado grande
quarenta anos atrás, hoje é minúsculo diante do esforço cada vez maior na compilação de tal
material. Basta comparar, por exemplo, o Corpus Brown e o Bank of English discutidos
evidências são interpretadas diretamente pelo pesquisador que tem um objetivo claro em
mente e que construiu um corpus para tal investigação. No âmbito da tradução, além de Cruz
também Ghadessy e Gao (2001) e Munday (1998) são exemplos de aplicações de estudos com
Ghadessy e Gao (2001), com um corpus paralelo composto de textos em inglês (língua de
partida) e textos em chinês (língua de chegada), estudam os padrões temáticos nos dois textos
e concluem que, mesmo havendo algumas mudanças, existe correlação entre os temas nos
55
textos em ambas as línguas. Munday (1998), usando o corpus paralelo composto pelo conto
Diecisiete ingleses envenenados, de Gabriel Garcia Marques, e sua tradução para o inglês,
investiga, dentre outros aspectos, os traços coesivos e a ordem das palavras nos textos em
espanhol e em inglês. Sua análise evidencia mudanças na textura dos textos, especialmente no
O interesse dos pesquisadores em tradução por corpora constituídos por um texto em uma
língua A e sua tradução para uma língua B, que constitui a base da própria área dos Estudos
adquiriu, no entanto, novas nuanças com o advento dos computadores e com as várias
pesquisas feitas com esses corpora no âmbito desta nova abordagem. Ainda que possam ser
vistos como estudos de caso, os resultados dos estudos baseados em corpus de pequena
dimensão lançam luz no debate em torno da tradução, pois padrões de retextualização podem
emergir ao somarem-se os resultados de uma pesquisa individual aos de outras que seguem
Baker (1993) afirma que à medida que o debate se distancia da equivalência e se encaminha
para os estudos descritivos da tradução, o uso de recursos eletrônicos torna possível análises
procedimentos de pesquisa, que, para ela, são requisitos essenciais para que se façam
cumulativamente, para viabilizar os estudos das normas que regem a tradição de tradução de
56
uma determinada cultura como sugerido por Toury25, citado por Baker (1993). No caso
específico desta dissertação, seus resultados se juntariam a outros dentro do escopo do Corpus
No capítulo 2, são apresentados o corpus desta pesquisa bem como a metodologia utilizada e,
no capítulo 3, são apresentados os dados encontrados e análise e comentários são tecidos num
diálogo com outros resultados encontrados pelas pesquisas desta revisão teórica.
25
TOURY, G What are descriptive studies into translation likely to yield apart from isolated descriptions. IN:
van LEUVEN-ZWAERT, K.M.; NAAIJKENS, T (Eds). Translation studies: the state of the art. Amsterdan:
Rodopi. 1991. P. 179-192.
57
CAPÍTULO 2 METODOLOGIA
Como dito anteriormente, o corpus de análise é composto pelo romance Beloved de Toni
Morrison e sua tradução para o português brasileiro, Amada, por Evelyn K. Massaro. Antes de
partir para sua análise, na seção 2.1, faço uma contextualização do romance em inglês e da
tradução; na seção 2.2 descrevo as etapas para sua preparação e, na seção 2.3, apresento os
procedimentos de análise.
O contato com o corpus apenas por meio eletrônico pode tornar a pesquisa "fria" como se
metodologia utilizada nesta pesquisa deve ter a capacidade de ser replicada em "qualquer"
explorando aspectos discursivos como nesta pesquisa, o contato com o material impresso é
possível e informações valiosas podem ser conseguidas. Tais informações, ainda que aqui não
exploradas em profundidade, podem ser úteis, por exemplo, para os Estudos Descritivos da
Tradução, que teriam outros instrumentais necessários para a análise de elementos como a
capa do romance ou os paratextos, por exemplo. Assim, com o intuito de não tomar a obra
aqui analisada fora de um contexto, abaixo são registradas algumas informações que podem
de anotação do corpus.26
26
Hunston (2002, p.79) explica que "anotação" é o processo de acrescentar informações a um corpus com o
objetivo de interpretá-lo lingüisticamente.
58
Para a compilação do corpus foi utilizada a edição da Editora Picador do romance em inglês e
a edição em português da editora Best Seller, que é uma divisão da Editora Nova Cultural. O
romance em inglês foi publicado nos Estados Unidos em 1987 e foi traduzido e publicado em
português no mesmo ano. Apesar de ser uma obra relativamente recente, pouca informação
foi conseguida sobre a publicação da obra no Brasil. Foi feito contato com a editora que
afirmou não ter informação alguma quanto ao contexto da publicação, uma vez que o livro
Nos Estados Unidos, o romance Beloved foi vencedor do Prêmio Pulitzer para Ficção em
1988 e, juntamente com outras obras como Canção de Salomão (Song of Salomon) (1977) e
Jazz (Jazz) (1992), fez de Toni Morrison a primeira escritora afro-americana a ganhar o
Para contextualizar a tradução foi feita uma entrevista com a tradutora através de questionário
(ANEXO II) traduzido e adaptado pela equipe do Núcleo de Estudos da Tradução - NET, a
partir do questionário de Baker (2000). A partir das respostas ao questionário percebe-se que
tanto a autora quanto a tradutora são do sexo feminino e heterossexuais; a autora é americana
tempo parcial e tinha vasta experiência com tradução: 27 anos traduzindo diversos gêneros,
tendo já traduzido outros romances da mesma autora. Em relação ao texto traduzido, ele foi
revisado por uma terceira pessoa cuja identidade não é do conhecimento da tradutora, porém
27
Foram feitas tentativas sem sucesso de correspondências via e-mail através da seção "Contato" no site da
editora na Internet e, finalmente, em 17 abr. 2004, foi feito contato telefônico quando fui informado pelos
departamentos comercial e editorial da editora que estas informações não existiam mais.
59
esta admite que as intervenções foram poucas; a tradução foi feita no mesmo ano da
meses para fazê-la; a agência que solicitou o serviço não passou nenhuma instrução a não ser
disponíveis em seu escritório em casa onde a tradução foi realizada em uma máquina de
escrever mecânica. Finalmente, as respostas indicam que a tradutora não sentiu dificuldades
em realizar a tradução por já ter traduzido Canção de Salomão (Song of Salomon) da mesma
Faculdade de Letras da UFMG e faz parte do CORDIALL, pois além de ser estudado sob o
ângulo dos Estudos da Tradução, o enredo do romance está relacionado com a área de
O romance é apresentado em três blocos denominados Primeira Parte (One), Segunda Parte
(Two) e Terceira Parte (Three) composto de capítulos sem títulos ou sequer numeração. Para
facilitar a discussão abaixo, no entanto, os dividi em 28 "capítulos" que são marcados pelo
traz o título ocupando metade do anverso da capa seguido do nome da autora também em
60
destaque, com uma chamada informando que a autora foi vencedora do Nobel de Literatura
em 1993; o verso traz citações de jornais, revistas e críticos literários recomendando a leitura
da obra. Já a edição em português traz no anverso da capa uma ilustração com o rosto de uma
mulher de origem africana em aquarela com destaque para o título em português e em inglês,
além do destaque para o nome da autora, bem como uma chamada para o fato de a autora ter
estado na lista de sucessos da Publishers Weekly por 30 semanas; o verso traz uma introdução
Outras informações paratextuais podem ser conseguidas nas contracapas. O nome da tradutora
contracapas seguintes trazem dois paratextos: a) "Sessenta milhões ou mais", uma alusão a
um eventual número de escravos e, b) a citação de Romanos 9,25 "Chamarei meu povo àquele
que não é meu povo e amada àquela que não é amada", estabelece um diálogo com o texto
bíblico.
poderes da memória e da história dando voz aos "não lembrados". Para os ex-escravos do
romance, a escravidão é um fardo que eles tentam esquecer. Holden-Kirwan (1998), citando
uma entrevista de Toni Morrison publicada na revista Time em 1989, diz que a escravidão de
africanos e afro-americanos nos Estados Unidos é, para Morrison, alguma coisa que nem os
personagens em Beloved, nem ela [Morrison], nem os americanos de qualquer origem querem
existência e condições da escravidão em um país que preferiria esquecer que tal crime tenha
sido cometido.
61
Para reconstruir esse passado de escravidão, Morrison toma como base o caso real de
escravidão são inescapáveis. Ainda que Sethe tente resistir a elas, essas literalmente
continuam a assombrá-la através do espírito de Amada, sua filha, que Sethe preferiu matar a
entregar de volta à escravidão. Assim, para Ward (2003), Morrison cria um comentário
poderoso sobre o legado histórico e psicológico da escravidão, recuperando a história que foi
perdida pelas atrocidades dos silêncios forçados e esquecimentos desejados, dando voz às
"Sethe" não é um nome comum em inglês. Não ocorre nenhuma vez no Corpus Brown ou no
Considerando que o nome da personagem seja uma variação de Seth, o nome "Sethe"
incorpora algumas das dualidades do caráter da personagem podendo ser pronunciado de duas
formas em inglês: "Seth" e "Seth-thuh", sugerindo que a primeira pronúncia vem do Velho
Testamento, enquanto a última alude a um deus trickster egípcio. Campbell (1996) diz que
português Set31, foi o terceiro filho de Adão e Eva; na mitologia grega, Seth é a forma grega
das formas Set ou Setekh, que possivelmente significava "pilar" ou "ofuscante". Seth era o
28
Mucley (2004) lista, no entanto, pelo menos, onze divergências entre Beloved e o caso Margaret Garner.
29
Em Beloved / Amada todos os personagens têm nome e sobrenome exceto Sethe. Podemos constituir seu nome
completo, no entanto, ao considerar que na época os escravos adquiriam o sobrenome de seu senhor. Paul D., por
exemplo, também escravo no mesmo romance, é chamado de Paul D. Garner por pertencer ao sr. Garner. Sethe
também pertencia ao Sr. Garner, desta forma, podemos dizer que seu nome era Sethe Garner.
30
Consulta feita a ambos os portais em 13 abr. 2004, através das versões disponíveis on line para visitantes.
31
Gênesis 4,25
62
A Sethe de Beloved /Amada é uma mulher com auto-determinação, disposta a fugir grávida e
sozinha em busca da própria liberdade e da de seus filhos, pois sabia que não queria passar
sua vida sob o controle de outros. Seu ato infanticida pode ser interpretado como seu desejo
de reivindicar o que é seu e a disposição de assumir o controle do seu próprio destino sem que
outros tomem decisões por ela. Para Ward (2003), Sethe é uma mulher nobre e orgulhosa.
Preferia roubar a comida do restaurante onde trabalhava a ter que esperar na fila com o resto
Sua devoção aos filhos é uma das características marcantes de Sethe. Foi essa devoção que a
compeliu a tomar a dura decisão de tentar matá-los, e efetivamente o fez com uma das
crianças, para protegê-los da escravidão que conhecera e da qual tentava fugir. É em torno
desse ato infanticida que a história do romance gira, flutuando entre um passado imediato e
distante com transições para o presente. O ato é mencionado desde as primeiras páginas, mas
somente descrito pela primeira vez no capítulo 16 sob a perspectiva32 do Professor, uma das
Posteriormente, Stamp Paid, um ex-escravo que comprou sua liberdade, e a própria Sethe dão
próprios personagens em alguns trechos, como nos capítulos 20 a 23, que consistem em três
monólogos e um coro.
32
Lothe (2000, p.39) diz que "a perspectiva narrativa não é só uma questão da percepção visual do narrador
sobre os eventos e personagens, mas também de como ele ou ela os vive, julga e interpreta". Minha tradução de:
"Narrative perspective is not only a matter of the narrator's visual perception of events and characters, but also of
how he or she experiences, judges, and interprets them."
63
É saliente reforçar que embora haja instrumental em outras vertentes da tradução para análise
de capa e paratexto, não é propósito desta pesquisa usá-los aqui tendo em vista o escopo deste
trabalho, mas acredito que tais informações, em trabalhos posteriores, podem contribuir, por
exemplo, para o estudo das mudanças e normas de tradução, ou para o estudo de hibridismo
inglês foram digitalizados para que pudessem ser manipulados pelo programa de computador.
no processo de leitura do scanner, tornando necessária uma correção minuciosa para que a
leitura posterior dos dados quantitativos ou o próprio processo de alinhamento não fossem
afetados.
Um exemplo comum que afetaria a leitura dos dados quantitativos, caso não fosse corrigido,
foram as várias ocorrências de "eat" (comer), em Beloved, digitalizadas como "cat" (gato). Ao
fazer a lista de ocorrências de palavras utilizando o Wordlist foi percebido uma grande
ocorrência de tal palavra, fazendo com que se pensasse que o referido animal teria um papel
64
comparar a lista de palavras de Amada, onde não havia nenhuma ocorrência de "gato". Já a
incorreção que afetaria o processo de alinhamento foi a inclusão ou exclusão de pontos finais,
que é uma das marcas que determinam o início e fim de períodos. Dependendo da qualidade
da impressão do texto a ser digitalizado, um ponto final pode ser omitido ou acrescentado
Após a correção dos textos, usando a ferramenta Viewer & Aligner do WordSmith Tools, foi
gerado um alinhamento frase por frase. Essa ferramenta permite visualizar a primeira frase do
original sucedida, logo abaixo, da primeira frase do texto traduzido e, em seguida, a segunda
frase e assim por diante. Por “frase” o programa entende qualquer seqüência de palavras
o programa leria quatro frases, sendo a primeira terminando em ele., a segunda iniciando em
Entretanto, mesmo após devidamente corrigido, foram percebidas diferenças na leitura das
frases. Casos, como por exemplo: sr.Garner/Mr.Garner, que segue o padrão ponto final >
espaço > maiúscula, estabeleciam um corte de segmentos após sr./Mr. que desalinhava as
frases seguintes. Além disso, o programa somente fez parte da tarefa de alinhamento.
seqüência de frases. Assim, uma frase no original foi retextualizada como duas no texto
traduzido; três frases do original foram retextualizadas como uma só no texto traduzido; frases
do original não foram retextualizadas no texto traduzido; frases não presentes no original
foram acrescentadas no texto traduzido, dentre outros casos, como nos exemplos abaixo:
66
Exemplos de frases do original não retextualizadas no texto traduzido, aqui representadas por
Exemplo de frases não presentes no original e acrescentadas como escolha tradutória no texto
traduzido, aqui representadas por "[ ] [ ]", convenção que estabeleci para levantamento de
7625 <!--L1, S 3813-->Just keep your same ways, you'll be all right.
67
Além dos exemplos acima, que poderiam ocorrer em qualquer corpus, em Beloved/Amada o
freqüentemente interpretada como o fantasma do bebê que Sethe degolou e retornou no corpo
de uma mulher dezoito anos mais tarde. Como um bebê no corpo de uma mulher, sua fala não
é aparentemente coerente e é composta por frases soltas e sem pontuação alguma. Apenas a
primeira frase é seguida de ponto final. As demais são separadas por espaços. Neste caso, o
programa do computador interpretou o capítulo inteiro como apenas duas frases e, para
correção do alinhamento, foi seguido o padrão dos espaços observados na versão impressa do
romance.
pelo exposto acima, nem sempre essas "frases" correspondem ao seu conceito gramatical.
proposto em Alves (2000, p.38) como "um segmento do texto de partida, independente de
tamanho e forma específicos, para o qual, em um dado momento, se dirige o foco de atenção
do tradutor"
68
Com o corpus em mãos eu estava pronto para responder minha pergunta inicial: Será a
para o português brasileiro feita por Evelyn K. Massaro? Um estudo preliminar feito como
tarefa final numa das disciplinas de mestrado, quando o corpus ainda não estava alinhado,
apontou para deslocamentos que iam desde o número total de processos encontrados nos dois
textos até a diferença do percentual de cada processo. Neste estudo preliminar, especulava-se
que a Sethe de Beloved agia mais e dizia menos que a Sethe de Amada. A Sethe em português
percebia e se expressava mais com o corpo que a Sethe em inglês e a Sethe de Beloved era
construída mais em relação a outros participantes que a Sethe de Amada. Os resultados com o
Para proceder com a análise, algumas etapas foram seguidas como descritas abaixo:
Para iniciar as investigações, a busca pelas ocorrências de "Sethe" foi feita inicialmente
através do Wordlist nos dois textos em separado. Foram encontradas 601 ocorrências em
Esperava-se uma diferença maior considerando o que Baker (1992 p.183) afirma ao discutir
referência pronominal como elo coesivo, enquanto o português brasileiro geralmente favorece
a repetição lexical.
ocorrências é de apenas 23, ou seja 3,8%. Isto parece ser devido a padrões diferentes de
coesão lexical nos dois textos. Noventa e duas ocorrências de "Sethe" em Beloved foram
retextualizadas como a mãe, a mulher, ela, a escrava, dentre outros. Em 115 casos "the
Levando-se em consideração o fato de que Baker (1992) não faz uma afirmação categórica
usados pela autora), pode-se dizer que os dados acima não jogam por terra a afirmação de
Baker, mas também não a corroboram. Acredito que a diferença de 3,8% de ocorrências em
um corpus de pequena dimensão não seja suficiente para afirmar que as duas línguas tenham
aspectos de coesão distintos no que tange a repetição lexical. Escolhas de tradução como "her
mouth" para a "boca de Sethe", por exemplo, podem indicar um cuidado para evitar
cacofonia como "a boca dela". O número de ocorrências de "Sethe" em Amada também foi
do nome "Sethe" em inglês33, que foram retextualizadas como "Sethe". Vale lembrar,
contudo, que o foco dessa dissertação não são aspectos de coesão, portanto uma análise
33
Ver discussão sobre o nome "Sethe" na seção anterior.
70
detalhada deve ser feita para se chegar a afirmações mais conclusivas e para dialogar com o
Após a busca com o WordSmith, utilizando uma versão .txt do Corpus Beloved-Amada
alinhado, com a ferramenta Concord, foram geradas 1.225 linhas de concordância com o
nódulo "Sethe". Nódulo é a palavra central da linha de concordância que foi usada como
formas: de acordo com a primeira palavra à esquerda ou à direita listadas em ordem alfabética
ou pela ordem de ocorrência no texto, dentre outras possibilidades. Nesta pesquisa foi
utilizada a ordem de ocorrência no texto selecionando-se a opção "File (arquivo)" nas opções
QUADRO 6
Exemplo de linhas de concordância do arquivo tudo.
N Concordance
1 or years each put up with the spite in his own way, but by 1873 Sethe and her daughter Denver were its only victims. 16
2 com o fato a sua própria maneira - por volta de 1873, contudo, Sethe e a filha Denver eram as únicas vítimas. 17
3 , in the dead of winter, leaving their grandmother, Baby Suggs; Sethe, their mother; and their little sister, Denver, all by th
4 No auge do inverno, abandonaram a avó, Baby Suggs, Sethe, a mãe, e a irmãzinha, Denver, sozinhas na casa bra
5 u don't. 46 Ou então cor-de-rosa. 47 And Sethe would oblige her with anything from fabric to her own ton
6 er with anything from fabric to her own tongue. 48 E Sethe tentava agradá-la mostrando-lhe qualquer coisa, desde
7 rincipal alegria da vida era muito imprudente. 53 So Sethe and the girl Denver did what they could, and what the h
8 ld, and what the house permitted, for her. 54 Assim, Sethe e Denver faziam o que podiam - e o que a casa permitia
As 1.225 linhas de concordância geraram um arquivo que denominei tudo o qual foi
SheSethe. Essa subdivisão foi necessária para permitir o acompanhamento par e par das
O arquivo tudo é uma versão .txt das linhas de concordância geradas pelo concordanceador e
anterior.
como "Sethe" em Amada. Ele é composto de 1.018 linhas de concordância, sendo 509 em
inglês e 509 em português. Essas linhas de concordância receberam uma nova numeração,
QUADRO 7
Exemplo de linhas de concordância do arquivo SetheSethe
11SetheSethe11tudo Sethe opened her eyes.
12SetheSethe12tudo Sethe abriu os olhos.
13SetheSethe13tudo Sethe released her daughter's hand and together they pushed t
14SetheSethe14tudo Sethe soltou a mão da filha e juntas empurraram o aparador de
15SetheSethe18tudo "That's all you let yourself remember," Sethe had told her, but he was down to one
16SetheSethe19tudo -- É tudo que você se permite recordar - dissera Sethe. E agora que lhe restava só
17SetheSethe24tudo Sethe balled up her stockings and jammed them into her pocke
"a mãe", "a escrava", dentre outros, em Amada. Ele é composto de 92 linhas de concordância
para indicar que esta frase foi inserida para análise e não consta das linhas de concordância,
uma vez que não apresentava ocorrência de "Sethe". Nesse arquivo, aproveitando que foi
necessária uma busca manual para inserção das escolhas de tradução, as linhas de
sobre alinhamento. O QUADRO 8, abaixo, traz exemplos de como elas aparecem nesse
arquivo:
QUADRO 8
Exemplo de Unidades de Alinhamento do arquivo SetheEla
3SetheEla95tudo 1089 <!--L1, S 545-->The three of them, Sethe, Denver, and Paul D, breathed to
the same beat, like one tired person.
3aSetheEla95tudo 1090 <!--L2, S 545-->Os três respiravam no mesmo ritmo, como uma única pessoa
cansada.
4SetheEla106tudo 1247 <!--L1, S 624-->It made sense for a lot of reasons because in all of Baby's
life, as well as Sethe's own, men and women were moved around like checkers.
4aSetheEla106tudo 1248 <!--L2, S 624-->Isso fazia sentido por muitos motivos. Durante toda a vida
de Baby, como na sua própria, homens e mulheres eram removidos de um lado para o
outro como peças num jogo de damas.
115 inserções em inglês, ocorrências de "She" "the woman", dentre outras em Beloved foram
arquivos anteriores e com a inserção manual recebendo a letra "a". A linha de concordância
QUADRO 9
Exemplo de Unidades de Alinhamento do arquivo SheSethe
2aSheSethe17tudo 131 <!--L1, S 66-->Not only did she have to live out her years in a house palsied
by the baby's fury at having its throat cut, but those ten minutes she spent pressed up against dawn-colored stone
studded with star chips, her knees wide open as the grave, were longer than life, more alive, more pulsating than
the baby blood that soaked her fingers like oil.
2SheSethe17tudo 132 <!--L2, S 66-->Sethe não apenas tivera de viver desde então numa casa
convulsionada pela raiva do bebê por ter tido sua garganta cortada; aqueles dez minutos que passara pressionada
contra a pedra cor de alvorada salpicada de lascas como estrelas, os joelhos abertos tal qual uma cova, foram
maiores do que a vida, mais vivos, mais pulsantes do que o sangue do bebê que encharcava seus dedos como
óleo.
73
fora de seus limites. O QUADRO 10, abaixo, traz exemplos de linhas de concordância
QUADRO 10
Exemplo de linha de concordância simples
433SetheSethe512tudo r. 5354 Não é muito longe daqui. 5355 Sethe couldn't think of
anything to do, so grateful was she, so s
434SetheSethe513tudo ation. 5356 Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe descascou
uma batata, comeu um pedaço, colocou-a de
QUADRO 11
Exemplo de linha de concordância expandida
433SetheSethe512tudo r. 5354 Não é muito longe daqui. 5355 Sethe couldn't think of
anything to do, so grateful was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and ate
more in quiet celebration
434SetheSethe513tudo ation. 5356 Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe descascou
uma batata, comeu um pedaço, colocou-a de lado, depois pôs-se a comer
novamente, numa silenciosa celebração
Nesse, e em casos semelhantes, a expansão (she peeled a potato, ate it, spit it up and ate more
Análise, sendo 716 de cada texto que constitui o Corpus Beloved-Amada, conforme
TABELA 1
Demonstrativo da composição das Unidades de Análise
Demonstrativo da composição das Unidades de Análise
Total de Linhas de Concordância 1.225
Inserções em SetheEla (Sethe = Ela) 92
Inserções em SheSethe (She = Sethe) 115
Total de linhas de Concordância + inserções = Unidades de Análise 1.432
O foco de análise desta pesquisa são os tipos de processos usados para a personagem Sethe.
Das 1.432 Unidades de Análise, a atenção foi voltada para aquelas nas quais a personagem
Sethe está envolvida como Ator (processos materiais), Experienciador (processos mentais),
seguiram esse padrão foram descartadas, atingindo um total de 482 descartes, sendo 241 de
cada texto. Assim, Sethe está envolvida como AEDCP em 475 Unidades de Análise em cada
TABELA 2
Demonstrativo de Unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP
Demonstrativo de unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP
Unidades de Análise 1.432
Unidades de Análise excluídas fora do padrão Sethe = AEDCP 482
Total de Unidades de Análise padrão Sethe = AEDCP 950
Unidades de Análise e por esse padrão responder pela maioria das ocorrências de Sethe no
corpus (66,3%). Os outros 33,7% equivalem a ocorrências de Sethe = Vocativo (114), Sethe =
75
Meta, Fenômeno, Receptor, Característica (180), Sethe = Circuntância (50), Parte do corpo de
personagem foi construída pelo narrador onisciente sob a perspectiva dos diversos
turno e narra em primeira pessoa e posteriormente proceder a análise, assunto que pode ser
Thompson (1996) afirma que para a investigação da transitividade ser completa, temos que
considerar todas as orações, mesmo que elas sejam orações encaixadas, uma vez que estas
"...não só têm suas próprias estruturas de transitividade mas também funcionam como
Assim, nesta dissertação as ocorrências de Sethe =AEDCP são consideradas quer elas estejam
Nos Capítulos 7 e 7A de IFG, Halliday desenvolve o conceito de complexos que podem ser
oracionais, de grupos e de sintagmas. Nesse capítulo, ele está lidando com o componente
lógico da função ideacional, que embora não seja o foco desta pesquisa não pode ser ignorado
34
Minha tradução de: "... not only have their own transitive structure but also function as elements in the
transitivity structure of the clause in which they are embedded."
76
por ela. A classificação dos processos não poderia ter sido feita sem considerar tal
componente que, além de estabelecer as relações entre as orações ou entre os grupos verbais,
No que se refere às relações entre as orações, por limitação de espaço e para que, nesta
dissertação, este item não se torne maior ou do mesmo tamanho que o capítulo sobre
denomina tais relações parataxe e hipotaxe, respectivamente. Tal abordagem, ainda que não
extensiva, é relevante, embora, para a classificação dos processos, tenha sido levada em
anterior, não importando estabelecer as relações das orações entre si. Outrossim, é importante
notar a delimitação das orações através da noção de grupo verbal e complexo de grupo verbal
notar uma questão sobre a terminologia. Ali Halliday discute a definição de "sentence",
O autor afirma que "sentence" é o complexo oracional que está contido entre os pontos finais
e é a única unidade acima da oração. É um complexo, pois entre os pontos finais podem
34tudo - Sethe olhou de novo para os pés e viu outra vez os sicômoros.
77
O exemplo 34tudo acima é um período composto de duas orações, sendo a) Sethe olhou de
novo para os pés e b) viu outra vez os sicômoros. O exemplo acima ilustra também a relação
Os processos, foco dessa dissertação, na maioria das vezes, ocorrem em sua forma finita, ou
português. Existem, contudo, tanto em português quanto em inglês, formas compostas por um
verbo finito mais uma forma não finita, nem sempre coincidentes entre as línguas. Nos
processos, em negrito, tanto em inglês quanto em português, são expressos por um verbo
processo segue o padrão finito + não finito, enquanto em português, o processo é expresso por
67mat149SetheSethe187tudo ... that Sethe had reached the point beyond ...
68mat150SetheSethe188tudo ... que Sethe atingira um ponto além ...
78
Halliday (1994) utiliza o termo grupo verbal para denominar esse conjunto de palavras
constituído por verbos no padrão finito + não finito, que ele denomina Finito + Evento
(Event). Vale lembrar que Halliday prefere o termo "group" a "phrase" para tratar de grupos
nominais, verbais, adverbiais, e outros, pelas razões de ser o primeiro mais geral do que o
linguagem. O autor diz ainda que "group" difere-se de "phrase", pois enquanto o primeiro é
uma expansão de uma palavra, o segundo é uma contração de uma oração. Ressalto, no
entanto, que o termo "phrase" é comumente traduzido para o português como "sintagma", que
vem a ser um termo técnico da gramática gerativa e é também utilizado pelo próprio Halliday
a utilizar o termo "grupo" para ser coerente com a teoria norteadora da mesma e, ainda, para
Em inglês, a estrutura do grupo verbal finito é o Finito + Evento, com um ou mais Auxiliares
opcionais. Os grupos verbais podem ser compostos de uma só palavra como "opened" no
de várias palavras como em couldn't have been going to be being eaten que Halliday (1994,
35
Por analogia à sugestão na lista do LAEL de "phrase complex" traduzido como "complexo sintagmático".
79
Ainda quanto ao grupo verbal, Halliday diz que ele pode ser analisado sob o ponto de vista da
estrutura lógica. Thompson (1996) resume a estrutura lógica dizendo que o grupo verbal tem
apenas um item lexical que expressa o Evento e que quaisquer outros itens indicam a
Em português não existe uma classificação da estrutura do grupo verbal do ponto de vista da
pelo verbo, e das seqüências de verbos finitos + verbos em forma não-finita (gerúndio,
infinitivo, particípio) nos predicados denominados complexos. Perini (1998, p.75) afirma que
(+infinitivo); ter, haver (+particípio); estar, vir, ir, andar (+gerúndio); ser e estar
(+infinitivo) representados pelos verbos poder, dever, acabar de, deixar de, começar a, ter
de/que, haver de/que. O autor descreve ainda o posicionamento dos auxiliares que segue uma
Tanto Halliday quanto Perini, ainda tendo em mente que são abordagens diferentes,
recomendam que, em tais casos, deve-se interpretar o grupo verbal ou predicado complexo
como tendo um único item lexical, que é o processo para Halliday e o núcleo do predicado
para Perini.
80
O exposto acima dirime algumas dúvidas quanto à classificação de alguns grupos verbais.
Entretanto, esses, assim como as orações, entram em relações paratáticas (de coordenação) e
hipotáticas (de subordinação) com outros grupos verbais, assunto ao qual retornarei logo a
que vem a ser tais complexos, pois relegá-los a segundo plano poderia causar erro na
contagem das orações, como mencionado acima. Halliday recomenda que em casos de
complexos de grupos verbais os processos devem ser contados como um único processo, seja
principalmente por aposição e coordenação. Halliday (1994) diz que a aposição tem a função
Note que estes processos devem ser tratados como um único processo, pois estão associados à
mesma circunstância. A associação às mesmas circunstâncias é uma das “pistas” que Martin
Enquanto nas relações paratáticas percebe-se que se trata de dois ou mais verbos finitos, nas
relações hipotáticas uma parte do grupo verbal é dependente da outra. Thompson (1996
p.190) cita os exemplos abaixo para explicar o tipo de relacionamento de expansão dos grupos
verbais:
Nos exemplos acima, Thompson explica, é o segundo verbo que expressa o Evento. Assim,
verbo é modificar o Evento de alguma forma, que pode ser através de modalidade ou
determinando se o processo está no início, meio ou fim ou, ainda, expressando possibilidades
do tipo "começar a", "acabar de", "conseguir", "tentar", etc., que Perini (1998) englobou em
ilustram ocorrências de tais grupos verbais, interpretados como um único processo conforme
Um outro tipo de relação hipotática aponta para uma interpretação como um único processo
ou como dois. São os casos de projeção de processos mentais e verbais. Esses casos se situam
tenuamente entre o complexo de grupos verbais e o de orações. Halliday (1994) sugere que a
maioria deles pode ser tratada como complexo oracional, portanto como dois processos,
exceto aqueles que são propostas, perfectivos ou que tenham o mesmo Sujeito. "Propostas"
estão relacionadas com Modo e é a função semântica de uma oração na troca de bens e
serviços36; falando sobre aspecto, Halliday diz que perfectivo representa o potencial, ou
virtual, que ele chama de "irrealis", enquanto o imperfectivo representa o real, denominado
infinitivo, em inglês, com ou sem a partícula "to". Veja abaixo os exemplos "a" e "b" do autor
Para a oração "Mary wanted to go", por exemplo, Halliday (1994) apresenta duas sugestões
grupo verbal e (ii), interpretada como complexo oracional. Halliday aconselha a utilização da
primeira interpretação.
36
Ver discussão sopre proposição e proposta em Halliday (1994, p.70-71) ao tratar da oração como troca.
83
foram tratados como um único processo, neste caso um processo material. Outras ocorrências
semelhantes encontradas nas Unidades de Análise desta dissertação seguiram essa orientação,
e aparecem negritadas.
5mat9SetheSethe9tudo ..., and right afterward Sethe and Denver decided to end the
persecution ...
6mat10SetheSethe10tudo ...; logo depois Sethe e Denver decidiram pôr um fim à
perseguição, ....
discutidas abaixo, foram encontrados 629 processos com o padrão Sethe = AECDP em
As classificações das formas metafóricas foram feitas de acordo com o “valor de face” (face
value) e não em sua forma congruente. Estas são as opções de classificação sugeridas por
Halliday (1994, p.346). Explicando o uso do termo metáfora na gramática funcional, Halliday
afirma que, para a teoria da retórica, metáfora é tida como uma transferência de significado da
palavra, assim, ao se estudar metáfora analisa-se como uma determinada palavra é usada; na
que "um significado pode ser realizado por uma seleção de palavras que é diferente daquela
84
que, de alguma maneira, é típica ou não marcada" (p.341)37. Esta forma típica ou não marcada
é o que ele denomina de forma congruente. O autor traz, desta forma, a metáfora para o
limita-se a dizer, no entanto, que congruente é o que é típico, o que pode ser a forma que
geralmente se aprende a falar primeiro em uma língua materna ou a forma que os falantes de
A oração "24mat56SetheSethe70tudo ..., Sethe lançou um olhar gélido para Paul D" exemplifica uma
metáfora gramatical que pode ocorrer na metafunção ideacional. Sua forma congruente seria
"Sethe olhou para Paul D com um olhar gélido" que seguiria o padrão Comportante +
participantes, neste caso, de Comportante para Ator, dando movimento à ação de "olhar". No
exemplo acima, a forma congruente foi baseada na observação deste pesquisador como
falante nativo do português e confirmada no Banco do Português onde existe apenas uma
ocorrência de "lançar um olhar" enquanto existem 144 ocorrências do lema38 "olhar alguma
analisada inviabilizaria este estudo devido a limitações de tempo e, portanto, para que
37
Minha tradução de "A meaning may be realized by a selection of words that is different from that which is in
some sense typical or unmarked."
38
Kenny (2001) define lema como o termo que engloba todas as formas flexionadas de uma palavra.
85
personagem Sethe.
86
AMADA
Os 629 processos em Beloved e os 599 em Amada que seguem o padrão Sethe = AEDCP,
TABELA 3
Demonstrativo dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved / Amada com o padrão Sethe =
AEDCP
Beloved Amada Diferença Diferença %
Comportamental 121 110 Beloved +11 Beloved +9%
Material 263 263 Beloved +0 Beloved +0%
Mental 108 113 Beloved - 5 Beloved -4,6%
Relacional 49 42 Beloved +7 Beloved +14,3%
Verbal 88 71 Beloved +17 Beloved +19,3%
Total 629 599 Beloved +30 Beloved + 4,8%
Pela TAB. 3 acima, podemos constatar que foram encontrados 629 processos em Beloved e
também as diferenças de acordo com os tipos de processo. Enquanto em Beloved existem 121
materiais e Amada também 263; foram encontrados 108 processos mentais em Beloved e 113
não foram retextualizados ou o foram por outras categorias gramaticais. Antes de passar à
TABELA 4
Distribuição percentual dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved / Amada com o padrão
Sethe=AEDCP
Tipos de processo Beloved % Amada % Diferença em
percentual
Comportamental 121 19,2% 110 18,4% Beloved +0,8%
Material 263 41,8% 263 43,9% Beloved -2,1%
Mental 108 17,2% 113 18,9% Beloved -1,7%
Relacional 49 7,8% 42 7,0% Beloved +0,8%
Verbal 88 14,0% 71 11,8% Beloved +2,2%
Total 629 100% 599 100% -
Não é possível afirmar se essa distribuição dos processos relacionados à personagem Sethe
está dentro ou fora de um padrão geral, pois de acordo com Halliday (1994), apenas podemos
aqueles que ele considera como principais, ou seja, material, mental, e relacional, podem
corresponder à maioria. No entanto, o autor ressalta que tal afirmação não foi testada, nos
levando a concluir que não existe um padrão geral. Montgomery (1993), falando sobre os
88
processos na prosa narrativa, também ressalta que não existem estatísticas sobre a distribuição
de processos em tal gênero, mas ao comparar seu personagem analisado, o Revolutionist, com
O alto índice de processos materiais, quase a metade de todos os processos referentes a Sethe,
encontrados nas Unidades de Análise, indica que essa personagem é representada como uma
materiais cria uma estrutura descritiva altamente de ação quando os outros tipos de processos
demais processos não são suprimidos, mas apresentam índices baixos se comparados ao
índice dos processos materiais. Este resultado coincide com a caracterização de Sethe feita
pela crítica literária: uma mulher auto-determinada e que não hesita em cometer o infanticídio
para que seus filhos não tivessem que viver sob a escravidão.
O baixo índice de processos mentais, se comparado aos processos materiais, pode indicar as
tentativas de Sethe de reprimir suas memórias que aparecem no texto de Toni Morrison, não
pela vontade da personagem, pois esta, sabendo que não tem controle sobre sua memória faz o
relação a outras entidades e mais pela sua interação com o mundo exterior e interior,
39
Para fazer esta afirmação, Montgomery se baseia em resultados encontrados nos trabalhos de dois alunos do
Programa de Lingüística da Universidade de Strathclyde.
89
romance de Jeanette Winterson. Sethe não têm nada em comum com a personagem analisada
por Montgomery e nem se espera que tenha. No entanto, abaixo é feita uma comparação dos
resultados encontrados nas duas análises para que se perceba como a análise da transitividade,
línguas. 40
Assim, nos GRAF. 1, 2 e 3 abaixo, os resultados de Sethe são justapostos à distribuição dos
GRÁFICO 1- Distribuição dos processos relaciona- GRÁFICO 2 -Distribuição dos processos relaciona-
dos à Sethe (Beloved) nados à Sethe (Amada)
Comportamental
The Revolutionist
Material
0,00%
28,00%
32,00% mental
Relacional
16,00% 24,00%
Verbal
40
Montgomery analisa todas as orações em que o Revolutionist é participante. Para efeitos de comparação foram
consideradas apenas aquelas em que o Revolutionist = AEDCP.
90
processos em The Revolutionist. Não foi possível comparar com as demais obras apresentadas
na revisão teórica desta dissertação, uma vez que os autores não apresentam estatísticas em
Da mesma forma que Montgomery notou um "retrato" diferente entre sua personagem
acima, podemos perceber uma diferença entre as personagens. O Revolutionist não participa
como Comportante em nenhuma das frases analisadas, enquanto Sethe está envolvida como
envolvida como Ator em quase a metade das frases, 41,8% em Beloved e 43,9% em Amada,
Os dados acima indicam que o Revolutionist é uma personagem circunscrita mais na esfera do
dizer (relação dos processos verbais) do que do fazer, daí a tensão irônica entre o título e a
Quanto à pergunta de pesquisa dessa dissertação "Será a Sethe de Beloved a mesma Sethe de
Amada?", para respondê-la, temos primeiro que retomar a TAB. 3, onde percebemos que
a mais de relacionais; 19,3% de verbais; e 4,6% a menos de mentais. Esses dados parecem
91
revelar duas Sethes. Embora sejam semelhantes nas ações que modificam o mundo exterior
(relação de processos materiais) a Sethe de Beloved usa mais o corpo (relação de processos
seu entorno (relações de processos relacionais), mas é menos introspectiva que a Sethe de
pesquisa piloto que deu origem à esta dissertação quando os textos foram analisados
verbais (19,3%), por exemplo, não significa que a Sethe de um texto fala mais ou menos que a
outra. Tal fato aponta, sim, para padrões de retextualização distintos. Neste caso específico
percebe-se uma grande quantidade de não retextualizações dos processos verbais que
distribuição percentual dos processos nos dois textos, podemos perceber que os processos
Essas diferenças percentuais não parecem expressivas; portanto, acredito não ser possível
fazer afirmações categóricas quanto a representações diferentes de Sethe nos dois romances,
processos, como Martin et al. (1997) ressaltam. De acordo com os autores, isso é esperado em
algumas ocasiões, uma vez que os diferentes tipos de processos se sobrepõem em certos
pontos.
Essa indeterminação de alguns processos que se situam nas fronteiras não invalida a presente
análise de transitividade especialmente por dois motivos. Primeiro, porque eles foram a
92
minoria e os casos típicos, que foram a maioria, podem ser testados pelas "provas" descritas
na seção desta dissertação ao tratar de cada tipo de processo. O segundo motivo para a não
invalidação é que parâmetros de análise foram estabelecidos e aplicados tanto para a análise
Sethe pode ser visualizado nas TAB. 5 e 6, abaixo, sendo que a primeira o apresenta em
termos numéricos e a segunda em termos percentuais. O item "Outras Categorias" indica que
um processo não foi retextualizado como processo, podendo ter sido retextualizado por uma
categoria distinta ou não retextualizado. Por exemplo, alguns processos podem ter sido
41
Ver capítulo 6, Halliday (1994) para discussão de grupos nominais, adverbiais e sintagmas preposicionados.
93
Outros exemplos serão apresentados na seção 3.3, abaixo, que analisa os padrões de
TABELA 5
Comportamento dos processos na textualização e retextualização das escolhas referentes à Sethe, termos
numéricos.
Beloved/ Comport Material Mental Outras Relacion. Verbal Total
Amada Categorias
Comport. 102 3 2 9 4 1 121
Material 2 241 2 17 0 1 263
Mental 0 3 94 8 0 3 108
Relacion. 1 3 5 8 32 0 49
Verbal 0 2 2 24 0 60 88
TABELA 6
Comportamento dos processos na textualização e retextualização das escolhas referentes à Sethe, termos
percentuais.
Pelas TAB. 5 e 6, acima, podemos perceber que em Beloved foram encontrados 121 processos
comportamentais sendo que 102 (84,3%) deles foram retextualizados como comportamentais;
3 (2,5%) como materiais; 2 (1,7%) como mentais; 9 (7,4%) não foram retextualizados como
Quanto aos materiais, as tabelas revelam que foram encontrados um total de 263 processos,
sendo que 2 (0,8%) deles foram retextualizados como comportamentais; 241 (91,6%) como
materiais; 2 (0,8%) como mentais; 17 (6,4%) não foram retextualizados como processo; 1
94
(0,4%) foi retextualizado como verbal. Nenhum processo material foi retextualizado como
relacional.
Foram encontrados 108 processos mentais e podemos perceber que 3 (2,8%) deles foram
retextualizados como processos materiais; 94 (87%) como mentais; 8 (7,4%) não foram
Quanto aos processos relacionais, as tabelas revelam que foram encontrados um total de 49,
sendo que 1 (2%) foi retextualizado como comportamental; 3 (6,1%) como materiais; 5
(10,2%) como mentais; 8 (16,3%) não foram retextualizados como processos; e 32 (65,4%)
foram retextualizados como relacionais. Nenhum processo relacional foi retextualizado como
verbal.
Finalmente, foram encontrados 88 processos verbais e podemos perceber que 2 (2,3%) deles
foram retextualizados como material; a mesma percentagem como mentais; 24 (27,3%) não
comportamental, material como material, e assim por diante; b) são retextualizados como
outros tipos de processo e, c) são retextualizados como outras categorias, incluindo-se aqui as
dos processos agrupados nos três padrões citados acima. Nota-se que os processos analisados
como materiais; 87% dos mentais foram retextualizados como mentais; 65,4% dos relacionais
foram retextualizados como relacionais; e 68,1% dos verbais foram retextualizados como
verbais. Nota-se também que os materiais têm a maior percentagem de retextualização como
dos verbais, foram os que menos foram retextualizados como processos do mesmo tipo.
TABELA 7
Padrões de retextualização de processos
Beloved/ Amada Percentagem de Percentagem de Percentagem de Total
processos processos processos
retextualizados retextualizados retextualizados como
como mesmo tipo como outros tipos outras categorias
Comportamental 84,3% 8,3% 7,4% 100%
Material 91,6% 2% 6,4% 100%
Mental 87% 5,6% 7,4% 100%
Relacional 65,4% 18,3% 16,3% 100%
Verbal 68,1% 4,6% 27,3% 100%
Esses dados nos permitem dizer ainda que, embora os processos relacionais tenham tido
índice de retextualização como o mesmo tipo de processo semelhante aos verbais, eles
outras categorias. Neste sentido, os materiais foram os menos "flexíveis", com um alto índice
de retextualização como o mesmo tipo e um baixo índice de retextualização como outros tipos
si.
96
retextualização como processos do mesmo tipo. Esse tipo de retextualização contribui para a
personagem, nesta seção a atenção será voltada para os casos em que os processos foram
Mudanças na retextualização ocorrem por diversas razões. Munday (2002), com base no
artigos de jornal sobre o caso do menino cubano Elián González. Neste trabalho, o autor
afirma que pode ser possível identificar outros fatores que não puramente lingüísticos para
Baker (2000), ressalvando que não existe metodologia para distinguir características
atribuíveis ao estilo do tradutor daquelas que são um reflexo das características estilísticas do
original, com o intuito de analisar o estilo do tradutor literário, sugere que se investigue as
preferências do tradutor expressas pela escolha de algum item lexical em particular, padrões
sintáticos, recursos coesivos, dentre outras opções disponíveis na língua. A própria Baker,
usando textos traduzidos para o inglês, disponíveis no Translational English Corpus -TEC,
analisa o "estilo" de dois tradutores e descobre "o tipo de mundo que cada tradutor escolheu
97
Na tentativa, se não de levantar hipóteses sobre os motivos das escolhas da tradutora, pelo
menos de descrever seus eventuais efeitos, a seguir é apresentada a análise dos padrões de
contudo, outras mudanças na retextualização não foram marcadas e, por questão de espaço,
QUADRO 12
Processos comportamentais retextualizados como outros processos ou outras categorias
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) Sethe glanced beyond his shoulder toward the 1a) Sethe lançou um olhar para a porta fechada por
closed door. cima do ombro
2) Sethe patted Beloved's fingers and glanced at 2a) Sethe bateu de leve nos dedos da moça e lançou
Denver, ... um olhar par...
3) ... Sethe squatted in the pole beans. 3a) Sethe, alguns metros a sua esquerda, cuidava das
vagens.
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
4) Sethe was dishing up bread pudding, murmuring 4a) Sethe desenformava um pudim de pão, torcendo
her hopes for ... para ...
5) Sethe came to look and .... 5a) ... e Sethe correram para ver o ...
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
6) Then Sethe, grabbing Beloved's hair and blinking 6a) Então Sethe, agarrando os cabelos de Amada,
rapidly, separated h... afastou-se abruptame...
7) ..., while Sethe sat on the rock. 7a) ..., enquanto Sethe falava baixinho sentada na
42
Minha tradução de: "... the kind of world each translator has chosen to recreate".
98
pedra.
8) ..., the more Sethe.... how much she had suffered, 8a) ..., mais Sethe falava, explicava, descrevia o que
been through, . passara, ...
9) ... Sethe got her going again. Whispering, 9a) ... Sethe a espicaçava, sussurrando alguma
muttering some ... justificativa, ...
10) Sethe and Denver looked up at her. 10a) [a frase foi totalmente excluída]
11) Then the baby whimpered and Sethe looked. 11a) Então o bebê choramingou.
12) The rest of the night Sethe sat soaking. 12a) [A frase foi totalmente excluída]
13) The rest of the night Sethe sat soaking. 13a) [A frase foi totalmente excluída]
14) Sethe smiled. 14a) [A frase foi totalmente excluída]
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO RELACIONAL
15) Sethe lay on her back, her head turned from him. 15a) Sethe estava de costas, a cabeça virada para o
outro lado.
16) ... back to where Sethe lay. 16a) ... para onde estava Sethe.
17)From where she sat Sethe could not... 17a) De onde estava Sethe não podia ...
18) ... daughter Sethe would die to protect. 18a) ....que ela estava disposta a morrer para
proteger.
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO VERBAL
19) Sethe couldn't skate a lick but then and there she 19) Não poderia dizer por quê, mas naquele instante
decided to take Baby Suggs' advice: lay it all down. resolveu seguir o conselho de Baby Suggs: abaixe o
escudo e a espada.
para Ator, Experienciador, Portador e Dizente; nota-se também que nove orações, as dos
exemplos 6 a 18, deixaram de retextualizar Sethe como Comportante, sendo que em apenas
oferecido pela linha de concordância, neste caso tendo sido retextualizado como circunstância
de modo.
mudança pode não ser claramente atribuível à escolha da tradutora. As demais evidenciam o
estilo da tradutora que dentre outras opções preferiu não retextualizar o processo ou fazê-lo
Sethe é o Ator em 263 frases tanto em Beloved quanto em Amada. O que não quer dizer, no
entanto, que todas as ocorrências de Sethe como Ator em Beloved foram retextualizadas como
QUADRO 13, abaixo. A ocorrência da mesma quantidade deste tipo de processos nos dois
textos se deu, então, pela inclusão de processos materiais no texto traduzido retextualizados a
QUADRO 13
Processos materiais retextualizados como outros processos ou outras categorias
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO COMPORTAMENTAL
1) " Sethe jumped up and went to the stove. 1a) - Sethe levantou-se de um salto em direção ao
fogão
2) ... and if Sethe opened the door and turned her 2a) ... se Sethe abrisse a porta e o olhasse de frente.
eyes on his.
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
3) Sethe had given little thought to the white dress ... 3a) Sethe pensara muito pouco no vestido branco até
....
4) ..., she was picking meaning out of a code .... 4a) ..., Sethe captava o significado de um código ....
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
5) Sethe lifted her eyes. 5a) [A frase foi totalmente excluída]
6) Sethe put a bowl on the table and reached under it 6a) - Sethe colocou uma tigela e a farinha sobre a
for flour. mesa.
7) ..., Sethe happily agreed and then stuck not 7a) ..., Sethe concordou, toda feliz, mas sem saber ao
knowing the next certo que pass
8) " Sethe jumped up and went to the stove. 8a) - Sethe levantou-se de um salto em direção ao
fogão
9) Sethe made two fists and placed them on her hips. 9a) Sethe cerrou os punhos [oração excluída]
10) ..., Sethe leading, ... 10a) ..., Sethe na frente, ....
11) ... and Sethe had to swallow huge draughts of air 11a) ..., Sethe custou a reconhecer os rostos da filha e
before she recognized... de Amada perto...
12) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 12a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe
was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and descascou uma batata, comeu um pedaço, colocou-a
ate more in quiet celebration de lado, depois pôs-se a comer novamente, numa
silenciosa celebração
13) It was Sethe who did it. 13a) [A frase foi totalmente excluída]
14) Twenty days after Sethe got to 124 ... 14a) Vinte dias depois da chegada de Sethe, ...
15) Sethe knew that the circle she was making 15a) Sethe sabia que as voltas pelo cômodo, rodeando
around the room, hi Paul D e o a
16) ..., Sethe entered the perfect peace they offered. 16a) ..., Sethe se deixou levar pela paz perfeita que
elas ofereciam.
17) Sethe touched the fruit and picked up the paring 17a) Sethe pegou as frutas e a faca.
knife
18) ... to Sethe, who arranged them stuck them, 18a) ... para Sethe, que as arrumava em vasos por
100
Comportante, Experienciador, Portador, Dizente além das não retextualizações, que foram o
caso mais comum, chegando a dezessete orações, aquelas dos exemplos de 5 a 21.
As escolhas parecem ter sido determinadas pela própria tradutora, não evidenciando
tradutora por não retextualização, percebe-se quatro elipses oracionais, nas orações dos
exemplos 5, 9, 13 e 20; cinco elipses dos processo, nas orações dos exemplos 6, 7, 17, 18 e
19, não visivelmente recuperáveis nas linhas de concordância; e oito retextualizações por
outras categorias. No que se refere às elipses, o contexto deve ser expandido para se especular
sobre as mudanças, que podem ter sido causadas por padrões de coesão distintos refletidos nas
escolhas da tradutora. Quanto à retextualização por outras categorias, nota-se, por exemplo a
oração 16 que, em inglês, Sethe ativamente participa na ação entrando na paz perfeita
(...entered the perfect peace...), enquanto em português ela se "deixa levar", tendo um papel de
retextualização para o português, a participação de Sethe, que tinha feito (had done) e
seguir:
8821 <!--L1, S 4411--> Suddenly he saw what Stamp Paid wanted him to see: more important than
what Sethe had done was what she claimed.
8822 <!--L2, S 4411--> De repente Paul D viu o que Stamp tentara lhe mostrar: que o motivo que a
impelira àquilo era mais importante que o ato em si.
momento em que este percebe a força de Sethe. Expandindo-se o contexto para além da
Unidade de Análise, descobrimos que tal fato ocorre durante uma discussão com Sethe, após
Stamp Paid ter lhe contado sobre o que Sethe tinha feito com seus filhos. No romance, após
esta discussão, Paul D. se afasta de Sethe por considerar seu amor “denso demais”. No
entanto, o Paul D. de Beloved, nesta passagem, percebe a Sethe como autora do ato enquanto
o Paul D. em Amada é mais compreensivo e a percebe como executora, mas tendo um motivo
Foram encontrados 108 processos em Beloved em que Sethe participa como Experienciador,
dos quais 94 foram retextualizados como mentais e os demais como processos materiais e
verbais, além das não retextualizações como processo. O QUADRO 14 apresenta as orações
QUADRO 14
Processos mentais retextualizados como outros processos ou outras categorias
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) Sethe thought a change of subject.... 1a) Convenientemente, mudou de assunto
2) If Sethe wanted any, ... 2a) Se quisesse levar algumas para casa, ...
3) It was as though Sethe didn't really want 3a) Era como se Sethe na verdade não quisesse
forgiveness given; receber perdão, ...
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
4) Sethe was deeply touched by her sweet name; 4a)Sethe, profundamente comovida com o doce
43
A retextualização do processo verbal “claimed” como outras categorias consta do QUADRO 16 exemplo 28 e
28a, a seguir.
102
nome;
5) Sethe looked up into Paul D's eyes to see if there 5a) Sethe olhou bem no fundo dos olhos de Paul D.
was any trac [oração excluída]
6) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 6a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe ...
was she, ...
7) Sethe thought it explained Beloved's behavior 7a) Para Sethe, isso explicava o ódio de Amada em
around Paul D, ... relação a Paul D.
8) ... once Sethe saw it, fingered it and closed her 8a) ...depois que Sethe tocou-a e fechou os olhos por
eyes for a long time, th... um longo tempo, as duas ...
9) Now 124 was back like it was before Paul D came 9a) Agora a 124 voltava a ser o que fora antes de Paul
to town - worrying Sethe and Denver with a pack of D chegar à cidade: uma casa mal-assombrada, com
haunts he could hear from the road ruídos estranhos que Stamp podia ouvir da rua.
10) ..., she was picking meaning out of a code she no 10a) ..., Sethe captava o significado de um código
longer understood. agora incompreensível
11) Now she thought she knew why. 11a) ...e Sethe agora entendia por quê.
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO VERBAL
12) Sethe thought they might as well back it up with 12a) Sethe propôs que assassem uns dois frangos.
a couple of chi...
13) ..., but as it went on and on she thought, No, 13a) Mas, sem conseguir parar, Sethe se corrigiu:
more like flooding the boat when Denver was born. parecia-se mais com o barco inundado onde Denver
nascera.
14) He knew exactly what she meant: ... 14a) Por isso Paul D entendia exatamente o que Sethe
quisera dizer: ..
De acordo com Mauri (2003), as mudanças na retextualização dos processos mentais podem
alterar o nível de introspeção das personagens. Assim, podemos perceber, especialmente pelos
para Ator e Dizente, além de tê-la mudado com as não retextualizações. Na oração 1, percebe-
se que no original a ação fica no mundo interior da personagem, revelado pela intrusão do
narrador onisciente, enquanto no texto traduzido a tradutora opta por desfazer a ambigüidade
causada pelo verbo "thought", que pode ser usado no discurso indireto ou usado não
ação é realizada e foi aqui interpretada como material por indicar a atividade da personagem
de outras orações: nas orações dos exemplos 12 e 13, as ações ficaram no pensamento da
mundo exterior; na oração do exemplo 11, Sethe "achava que entendia" no original enquanto
no texto traduzido a elipse de "thought" faz com que a dúvida não paire na mente de Sethe.
103
Foram encontrados 49 processos em Beloved nos quais Sethe está envolvida como Portador,
tendo sido representada no texto traduzido como Comportante, Ator, Experienciador, além de
Portador e através de retextualizações por outras categorias. O QUADRO 15, abaixo ilustra as
QUADRO 15
Processos relacionais retextualizados como outros processos ou outras categorias
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO COMPORTAMENTAL
1) ...: at night when Sethe and Paul D were asleep; ... 1a) ..., quando Sethe e Paul D dormiam; ...
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
2) ... when Sethe was at the restaurant. 2a) ... enquanto Sethe trabalhava no restaurante.
3) ... in the place Sethe had been before ... 3a) ... onde Sethe se apoiara antes da chegada de
Amada.
4) ..., Sethe was well into the potato salad. 4a) ..., Sethe já estava quase terminando a salada de,
batatas
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
5) As small girl Sethe, she was unimpressed. 5a) Na época em que era a "menina Sethe", ela não se
impressionara.
6) ..., Sethe was excited to giddiness by the things she 6a) ..., Sethe sentia-se emocionada até a vertigem
no longer had com as coisas de
7) Both Halle and Sethe were under the impression 7a) ..., lugar que ambos julgavam indevassável,
that they were hidden. protegido de olhares curiosos.
8) As grown-up woman Sethe she was angry, but not 8a) Já adulta, sentia raiva, sem saber bem de quê.
certain at what.
9)..., Sethe rummaged among the shoes of strangers to 9a) ..., remexeu entre os sapatos de estranhos
find the ice skates she was sure were there. guardados numa arca, a fim de encontrar os patins
que sabia estarem ali.
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
10) ..., Sethe happily agreed and then was stuck ... 10a) ..., Sethe concordou, toda feliz, mas sem saber ao
certo que pass
11) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 11a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe ...
was she, so ...
12) Sethe had no instructions except "Take her to the 12a) A única ordem de Sethe fora: "Leve-a para a
Clearing," ... Clareira", ...
13) ..., I don' know who Sethe is or none of her 13a) Olhe aqui, não conheço Sethe nem ninguém da
people. gente dela.
14) Sethe's is the face that left me 14a) ... foi o rosto de Sethe que me abandonou
15) When once or twice Sethe tried to assert herself - 15a) Uma vez ou outra, quando Sethe tentava impor
be the unquestioned mother whos ... sua autoridade de mãe, Amada atirava os ...
16) .... didn't notice what Sethe was up to. 16a) ... nem percebeu a intenção de Sethe.
17) 'When Sethe used to work at the restaurant and 17a) Quando a mãe trabalhava e saía para fazer
when she still had money to shop, she turned right. compras, ia para a direita.
104
Nos exemplos acima, é interessante notar o efeito das retextualizações dos processos
relacionais como processos mentais, aqueles das orações dos exemplos 5 a 9, onde podemos
construído de fora para dentro; ao relacioná-la a outras entidades do mundo exterior, o leitor é
temos acesso direto ao seu mundo interior pela intrusão do narrador onisciente.
Foram encontrados 88 processos em Beloved onde Sethe participa como Dizente, dos quais 60
foram retextualizados como verbais, 2 como materiais, 2 como mentais, além das 24 não
QUADRO 16
Processos verbais retextualizados como outros processos ou outras categorias
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) ... on the very day Sethe and he had patched up 1a) ... no dia em que Sethe e ele haviam feito as
their quarrel, ... pazes, ...
2) Sethe never came to her, never said a word to her, 2a) Sethe nunca viera em seu socorro, nunca lhe
never ... dirigira a palavra, ...
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
3) ..., Sethe asked her why not. 3a) ..., Sethe quis saber o motivo.
4) ... when Sethe choked - anyhow that's how she 4a) ... vê-la se sufocando. Sim, agora compreendia o
explained it to herself for she noticed neither fato de não ter notado nenhuma competição entre as
competition between the two nor domination by one. duas ou um domínio por parte de uma delas.
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
5) ... then at Sethe who smiled saying, "Here she is 5a) ... e depois para Sethe, que sorriu. -- Esta é minha
my Denver Denver.
6) Sethe was surprised by how loud she said it. 6a) - Sethe surpreendeu-se com a ênfase de sua
negativa.
7) "Yesterday," said Sethe, wiping sweat from under 7a) -- Ontem. - Sethe limpou o suor do rosto.
her chin.
8) "Uh huh," said Sethe, and told Denver that she 8a) Sethe confiou a Denver suas conclusões:
believed Beloved had been lock acreditava que Amad
9) "No more powerful than the way I loved her," 9a) Não mais forte do que o amor que eu tinha por ela
Sethe answered and ...
10) "But it's where we were," said Sethe. 10a) Mas era onde estávamos. [oração excluída]
11) "Running," Sethe told her. 11a) -- Fugindo. [oração excluída]
12) I can't get up from here," said Sethe. 12a) -- Não consigo me levantar. [oração excluída]
13) "Maybe," said Sethe. 13a) -- Talvez. [oração excluída]
14) "Well, you don't," Sethe told her, ... 14a) -- E você, não. [oração excluída]
105
15) "Did she take a spoonful of anything today? Sethe 15a) -- Ela comeu alguma coisa hoje? Uma colherada,
inquired. pelo menos? [oração excluída]
16) "That makes one in the world," Sethe answered. 16a) -- Então você é o único no mundo. [oração
excluída]
17) "What then? Sethe asked. 17a) -- O quê, então? [oração excluída]
18) "He always was hateful," Sethe said. 18a) -- Ele sempre foi cheio de ódio. [oração
excluída]
19) "I hear," said Sethe. 19a) -- Ouvi. [oração excluída]
20) "Yeah," said Sethe, "you good. 20a) -- Sim, muito boa. [oração excluída]
21) "I know," said Sethe. 21a) -- Já sei. [oração excluída]
22) "I don't know," said Sethe. 22a) -- Não sei. [oração excluída]
23) "Somebody choked me," said Sethe. 23a) -- Alguém quis me estrangular. [oração
excluída]
24) "What you see?" asked Sethe. 24a) -- O que estão vendo? [oração excluída]
25) Sethe opened her eyes to it and said, "Mercy'. 25a) [frase totalmente excluída]
26) "You run," said Sethe. 26a) -- Se quiser, corra você. [oração excluída]
27) "Crazy girl," said Sethe. 27a) -- Menina maluca. [oração excluída]
28) ...: more important than what Sethe had done was 28a)...: que o motivo que a impelira àquilo era mais
what she claimed. importante que o ato em si
Pelo QUADRO 16 acima podemos perceber 24 não retextualizações de processos verbais, nas
orações dos exemplos 5 a 28, revelando um padrão de retextualização de discurso direto como
discurso direto livre. Este pode ser um indício de retextualização orientada pelas
características do gênero.
Simpson (1993), dentre outros, ao tratar da apresentação da fala e pensamento (speech and
utilizadas para tal fim: o discurso direto, o discurso direto livre, o discurso indireto e o
discurso indireto livre. Como a maioria das não retextualizações dos processos verbais nesta
pesquisa ocorreram na retextualização do discurso direto como discurso direto livre, 91,6%
De acordo com Simpson, o discurso direto é caracterizado pela presença de uma oração
aspas44. É o que Halliday (1994, p.250), ao tratar dos tipos de projeções dos processos
Já o discurso direto livre é caracterizado pela ausência da oração representadora ou das aspas
(travessão) ou dos dois, que Simpson denomina de forma máxima de discurso direto livre.
Para se falar sobre características de gênero é preciso uma pesquisa com corpus de maior
Assim, podemos especular que o padrão de retextualização dos processos verbais do inglês
para o português aponta para não retextualização destes como processos, indicando uma
narrador sobre a fala das personagens, permitindo que estas falem por si mesmas. Isso nos
levaria a sugerir que os romances traduzidos para o português brasileiro parecem seguir um
padrão de menor controle do narrador sobre as falas das personagens que os romances escritos
em inglês.
44
Cabe lembrar que em português as aspas não são geralmente usadas para representar a fala das personagens,
mas sim o travessão, tendo o corpus desta pesquisa, dentre vários outros, exemplos deste signo para representar o
discurso direto.
45
Ressalvo que não era foco da atenção da pesquisadora rastrear a retextualização dos processos verbais caso a
caso. Assim, não é possível identificar quantos processos verbais foram retextualizados como verbais ou outro
tipo de processo, ou quantos não foram retextualizados como processo ou ainda, quantos foram acrescentados
na retextualização.
107
Da mesma forma que os diferentes tipos de processos em Beloved foram retextualizados como
retextualizados a partir de outras categorias. O QUADRO 17, abaixo, traz trinta e seis orações
QUADRO 17
Outras categorias retextualizadas como processos
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO COMPORTAMENTAL
1) Sethe turned away from the plates toward him. 1a) Sethe largou os pratos e virou-se para ele.
2) She helped Sethe to a rocker and lowered her feet 2a) Ajudou-a a sentar-se numa cadeira de balanço e
into a bucket of salt wat..... colocou seus pés num .....
3) ..., but as it went on and on she ... 3a) Mas, sem conseguir parar [de urinar], Sethe ...
4) She slipped her fingers in his hand for all the world 4a) - Sethe deu a mão a Paul D, imitando as sombras
like the hand-holding shadows on the side of the road. que vira no parque de diversões
5) ... - like the interior sounds a woman makes when 5a) ..., como sinais de que Sethe conversasse consigo
she believes she is alone and unobserved at her mesma durante seu trabalho doméstico: ....
work:....
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO MATERIAL
6) And Sethe would oblige her with anything from 6a) E Sethe tentava agradá-la mostrando-lhe
fabric to her own ton qualquer coisa, desde u
7) ..., not a riverboat to stow Sethe away on, .... 7a) Não um gaiola onde Sethe pudesse embarcar
como clandestina, ...
8) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 8a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe
was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and descascou uma batata, comeu um pedaço, colocou-a
ate more in quiet celebration de lado, depois pôs-se a comer novamente, numa
silenciosa celebração.
9) By the time Sethe was released . 9a) Quando Sethe saíra da prisão,
10) Sethe covered her front teeth with her tongue 10a) Sethe abaixou a cabeça para proteger-se do frio.
against the cold.
11) Sethe started the cooking stove as quietly as she 11a) Sethe começou a lidar com as panelas, tentando
could, ... fazer o mínimo de barulho possível
12) 'When Sethe used to work at the restaurant and 12a) Quando a mãe trabalhava e saía para fazer
when she still had money to shop, she turned right. compras, ia para a direita.
14) [frase não presente na textualização] 14a) - Sethe pôs o pano de prato sobre uma cadeira.
15 ... and she edged it down over her hairline against 15a) Sethe puxou o lenço para proteger a testa do
the wind. vento.
16) Each turn she made was at least three yards from 16a) Embora Sethe nunca se aproximasse mais de
where he sat,... um metro dele, ....
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Aqui, novamente podemos perceber alguns deslocamentos interessantes. Nas orações dos
exemplos 3, 5, 7, 9, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 podemos perceber a mudança de agência. Na
oração do exemplo 3, por exemplo, enquanto no original é a urina que continua sem parar (...it
went on and on...), no texto traduzido embora Sethe não consiga parar de urinar, esta é uma
ação controlável por ela. A oração do exemplo 9 é semelhante. Enquanto em Beloved Sethe
foi solta por alguém (...Sethe was released.), participando da ação como Meta, em Amada ela
é mais atuante e passa a ser o Ator do processo sendo ela que "sai da prisão". Na oração 18
109
Sethe é retextualizada como Comportante enquanto no original é uma parte de seu corpo
(Sethe’s bladder) que é o Ator, neste caso a bexiga que "se encheu até a capacidade" (..filled
to capacity).
original Sethe segura a mão de Paul D como nas sombras (She slipped her fingers...like the
com apenas um processo é retextualizado como dois, tornando a ação mais dinâmica.
Para concluir, em Amada as mudanças na retextualização dos processos discutidas nas seções
acima parecem ter ocorrido por três motivos: a) por eventuais diferenças na forma de
"romance"; e c) pela escolha da tradutora dentre as diversas opções que cada língua oferece,
Sethes, a análise pontual de algumas das escolhas parecem revelar personagens que se
comportam de forma distinta em algumas das situações às quais elas são expostas. Análises de
casos de mudanças de agência através da retextualização dos processos, além de abrir o foco
“controlar a urina”, até de infanticídio em torno do qual gira a trama da história de Toni
Morisson.
110
retomo Munday (1998), citado na introdução desta pesquisa, que afirma que mudanças
CONCLUSÃO
propôs investigar a transitividade como um dos recursos para a análise da construção de uma
mesma forma no texto em inglês e em sua retextualização para o português brasileiro. Para
O trabalho constatou que o sistema de transitividade pode ser uma ferramenta para revelar o
diferentes línguas.
Para o tratamento do corpus foi utilizado o programa de computador WordSmith Tools que
retextualização da tradutora.
111
Esta pesquisa considerou que a distribuição proporcional dos tipos de processos relacionados
à uma determinada personagem constituem um dos aspectos para sua representação. Os dados
revelaram que as diferenças percentuais na distribuição dos tipos de processos em cada texto
atingiram no máximo 2,2 pontos. Em termos numéricos, esta diferença pode não ser
significativa para afirmar que a representação das personagens seja distinta; no entanto, em
termos de analise discursiva, que é, de todo modo, crucial nas pesquisas com corpus de
par e par das escolhas tradutórias. Hipóteses para os motivos dessas mudanças poderiam ser o
Exemplo de mudança causada pelo sistema lingüístico próprio de cada língua são os
construída pelo discurso direto livre que, segundo Simpson (1993), faz com que as
personagens sejam construídas mais livremente com menor intervenção do narrador. Vários
exemplos de escolha da tradutora puderam ser encontrados, não sendo o foco do trabalho, no
A pesquisa apontou ainda para evidências de padrões de retextualização dos diversos tipos de
como todos os demais tipos de processos, ou como outras categorias gramaticais, ou, ainda,
Durante o desenvolvimento da pesquisa foi necessária a proposição de dois novos termos que,
se aceitos pela comunidade acadêmica, poderiam contribuir para facilitar o debate em torno
Esta dissertação, apesar de suas limitações, é uma contribuição direta para os Estudos da
Tradução uma vez que, ao utilizar a abordagem discursiva, descreveu um dos aspectos de uma
eventual tradição da tradução brasileira. A pesquisa apresenta limitações por ser baseada na
Algumas sugestões para pesquisas futuras foram apresentadas no corpo da dissertação. Por
Uma outra sugestão para pesquisas futuras também sugerida é a comparação da construção da
113
personagem pelo narrador onisciente em terceira pessoa, cujos resultados foram aqui
discutidos, com os momentos em que a própria personagem toma turno e narra em primeira
pessoa.
Outras questões pertinentes seguindo a mesma linha desta pesquisa poderiam ser propostas, o
que mostra a relevância de tais estudos. Assim, espera-se que esta pesquisa tenha contribuído
discursivas.
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Título:
Tradutor(a): Editora:
Evelyn Kay Massaro, para a Editora Best Seller, ramo da Nova Cultural
Sobre o Tradutor
Freelance X
Outro
Especificar _________________________________
Integral Parcial x
Não Sim X
ser feito de sexta feira para as primeiras horas da segunda feira, acabei
entrando no campo da tradução literária.
Sobre a Tradução:
1987