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Roberto Carlos de Assis

A TRANSITIVIDADE NA REPRESENTAÇÃO DE SETHE NO CORPUS

PARALELO BELOVED-AMADA

Belo Horizonte

2004
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Roberto Carlos de Assis

A TRANSITIVIDADE NA REPRESENTAÇÃO DE SETHE NO CORPUS

PARALELO BELOVED-AMADA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de

Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, como

requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Área de Concentração: Lingüística Aplicada

Linha de pesquisa: Tradução

Orientadora: Profa. Dra. Célia M. Magalhães (UFMG)

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

2004
3

Dissertação intitulada: A Transitividade na representação de Sethe no corpus paralelo

Beloved-Amada, de autoria do mestrando Roberto Carlos de Assis, aprovada pela banca

examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________

Profa. Dra. Célia Maria Magalhães (FALE/UFMG)

(Orientadora)

____________________________________________________

Profa. Dra. Maria Lúcia Vasconcellos (UFSC)

____________________________________________________

Profa. Dra. Adriana Silvina Pagano (FALE/UFMG)

____________________________________________________

Profa. Dra. Ida Lúcia Machado

Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Lingüísticos

FALE / UFMG

Belo Horizonte, 20 de agosto de 2004.


4

Ao meu pai (in memoriam) e à minha mãe, que apesar das adversidades sempre me
incentivaram a prosseguir nos meus estudos.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço

à minha orientadora, Profa. Dra. Célia Maria Magalhães, pela orientação eficiente e por sua
paciência em me conduzir pelas convenções do gênero acadêmico;

à minha esposa, Adriana Muniz de Assis, pelas leituras e comentários sobre as minhas
primeiras tentativas de textualizações;

aos amigos do NET pelo compartilhamento das idéias, especialmente à Silvana pelo apoio
logístico, ao Adail Sebastião Rodrigues Júnior, à Eliene Faria, à Letícia Taitson Bueno e à
Tatiana Macedo pelas leituras, comentários e revisões;

à Deus pelas oportunidades que tem me proporcionado.


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RESUMO

Este trabalho se insere no campo de estudos discursivos da tradução baseados em corpus de

pequena dimensão. O corpus da pesquisa é composto pelo romance Beloved, de Toni

Morrison, e a tradução Amada, de Evelyn Kay Massaro. O objeto de estudo é a transitividade

como um dos recursos para a análise da construção de uma personagem literária. Foi de

interesse particular observar se a construção da personagem Sethe se dava da mesma forma no

texto em inglês e em sua retextualização para o português brasileiro. Para tanto, foram

utilizados os pressupostos teóricos da gramática sistêmico-funcional de Halliday, com o

suporte dos instrumentos da Lingüística de Corpus. Foram analisados os tipos de processos

nos quais a personagem está envolvida como participante no texto original e comparados aos

resultados encontrados no texto traduzido. O WordSmith Tools foi o programa de computador

utilizado para a manipulação do corpus que foi tratado semi-automaticamente. Os resultados

mostraram a importância do sistema de transitividade para análise da representação de

personagens e apontaram para padrões distintos de retextualização dos diferentes tipos de

processos. Embora a distribuição dos tipos de processos referentes à personagem analisada

seja semelhante nos dois textos, observações detalhadas apontaram para mudanças na sua

representação no texto traduzido.


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ABSTRACT

Translation has been approached from different angles and, in the 1990’s, discourse analysis

came to prominence contributing to the understanding of how meaning is negotiated in

translation. This thesis is affiliated to the discursive approach to Translation Studies based on

small corpus studies tradition. The corpus is formed by Beloved written by the American

novelist Toni Morrison and its retextualization to Brazilian Portuguese Amada done by

Evelyn Kay Massaro. The object of study is transitivity as one of the resources to analyse the

construction of a fictional character. It was of particular interest to observe if transitivity

patterns related to the character Sethe were the same in both texts. With the support of

Halliday’s systemic functional grammar and Corpus Linguistics tools, process types in which

the character is inscribed were analysed in the source text and then compared to those in the

target text. WordSmith Tools was the software used to manipulate the corpus, which was

treated semi-automatically. The results showed the importance of transitivity system as a

resource to analyse the representation of characters and pointed to different patterns of

retextualization of process types. Although the distribution of processes referring to Sethe is

similar in both texts, detailed analyses pointed to shifts in her representation in the target text.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Exemplos de processos materiais e participantes ....................................... 27

Quadro 2 Exemplos de processos mentais e participantes .......................................... 30

Quadro 3 Resumo dos principais tipos de processos relacionais ................................ 32

Quadro 4 Exemplos dos principais tipos de processos relacionais e as categorias


33
atributivo e identificativo ........................................... ................................
Quadro 5 Tipos de processos comportamentais .......................................................... 38

Quadro 6 Exemplos de linhas de concordância do arquivo tudo ................................ 70

Quadro 7 Exemplos de linhas de concordância do arquivo SetheSethe ...................... 71

Quadro 8 Exemplos de Unidades de Alianhamento do arquivo SetheEla .................. 72

Quadro 9 Exemplos de Unidades de Alianhamento do arquivo SheSethe .................. 72

Quadro 10 Exemplos de linha de concordância simples ............................................... 73

Quadro 11 Exemplos de linha de concordância expandida .......................................... 73

Quadro 12 Processos comportamentais retextualizados como outros processos ou


97
outras categorias ..........................................................................................
Quadro 13 Processos materiais retextualizados como outros processos ou outras
99
categorias ....................................................................................................
Quadro 14 Processos mentais retextualizados como outros processos ou outras
101
categorias ....................................................................................................
Quadro 15 Processos relacionais retextualizados como outros processos ou outras
103
categorias ....................................................................................................
Quadro 16 Processos verbais retextualizados como outros processos ou outras
104
categorias ....................................................................................................
Quadro 17 Outras categorias retextualizadas como processo ....................................... 107

LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Demonstrativo da composição das Unidades de Análise ............................ 74
Tabela 2 Demonstrativo das Unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP ..... 74
Tabela 3 Demonstrativo dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved-
Amada com padrão Sethe = AEDCP .......................................................... 86
Tabela 4 Distribuição percentual dos tipos de processos encontrados no Corpus
Beloved-Amada com o padrão Sethe =AEDCP.......................................... 87
9

Tabela 5 Comportamento dos processos na textualização e retextualização das


escolhas referentes à Sethe, termos numéricos .......................................... 93
Tabela 6 Comportamento dos processos na textualização e retextualização das
escolhas referentes à Sethe, termos percentuais .......................................... 93
Tabela 7 Padrão de retextualização de processos....................................................... 95

LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Relação de gênero e registro com a linguagem ........................................... 19
Figura 2 Reprodução da capa de IFG (1994) ............................................................ 23
Figura 3 Exemplo de texto alinhado ......................................................................... 65

LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Distribuição percentual dos processos relacionados à Sethe em Beloved .. 89
Gráfico 2 Distribuição percentual dos processos relacionados à Sethe em Amada .... 89
Gráfico 3 Distribuição percentual dos processos relacionados ao Revolutionist ..... 89

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS


AEDCP Ator, Experienciador, Dizente, Comportante e Portador
CORDIALL Corpus Discursivo para Análises Lingüísticas e Literárias
ECC English Comparable Corpus
FALE Faculdade de Letras
IFG Introduction to Functional Grammar
LAEL Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da
Linguagem
LDC Linguistic Data Consortium
NET Núcleo de Estudos da Tradução
NILC Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional
NON-TEC Non-Translational English Corpus
PUCSP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
TEC Translational English Corpus
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
10

SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................................ 5
RESUMO ................................................................................................................................................................ 6
ABSTRACT ............................................................................................................................................................ 7
LISTA DE QUADROS ........................................................................................................................................... 8
LISTA DE TABELAS ............................................................................................................................................ 8
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................................................. 9
LISTA DE GRÁFICOS........................................................................................................................................... 9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................................................. 9
SUMÁRIO ............................................................................................................................................................ 10
INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - ABORDAGENS DISCURSIVAS DA TRADUÇÃO ................................................................. 16
1.1 A Gramática sistêmico funcional de Halliday ............................................................................................. 18
1.2 O sistema de transitividade.......................................................................................................................... 20
1.2.1 Processos Materiais (Material Processes)............................................................................................. 25
1.2.2 Processos Mentais (Mental Processes) ................................................................................................. 28
1.2.3 Processos Relacionais (Relational Processes) ...................................................................................... 31
1.2.4 Processos Comportamentais (Behavioural Processes).......................................................................... 37
1.2.5 Processos Verbais (Verbal processes) .................................................................................................. 40
1.2.6 Processos Existenciais (Existential Processes) ..................................................................................... 41
1.2.7 Aplicações do sistema de transitividade ............................................................................................... 42
1.3 A Lingüística de Corpus: instrumental para realização de análises discursivas .................................... 46
1.3.1 A Lingüística de Corpus e os Estudos da Tradução ............................................................................. 51
CAPÍTULO 2 METODOLOGIA......................................................................................................................... 57
2.1 Contextualização do romance que constitui o corpus.................................................................................. 57
2.2 Preparação do Corpus.................................................................................................................................. 63
2.3 Procedimentos de Análise ........................................................................................................................... 68
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS PARALELO BELOVED-AMADA ................................................... 86
3.1 A transitividade na representação de Sethe ................................................................................................. 87
3.2 Padrões de textualização e retextualização.................................................................................................. 92
3.3 Análise dos padrões de retextualização ....................................................................................................... 96
3.3.1 Os Processos Comportamentais............................................................................................................ 97
3.3.2 Os Processos Materiais......................................................................................................................... 99
3.3.3 Os Processos Mentais ......................................................................................................................... 101
3.3.4 Os Processos Relacionais ................................................................................................................... 103
3.3.5 Os Processos Verbais ......................................................................................................................... 104
3.3.6 Outras categorias retextualizadas como processo............................................................................... 107
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................... 110
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 114
ANEXO I - CAPA IFG (1994)............................................................................................................................ 119
ANEXO II - QUESTIONÁRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA............................................................ 120
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INTRODUÇÃO

A nossa experiência, o nosso conhecimento de outras culturas e a nossa visão de mundo,

dentre outras formas, são construídos através da leitura e, para tanto, na maioria das vezes,

temos que nos apoiar em traduções, como afirma Baker (1993). Isso, dentre outros fatores,

contribui para que a tradução se torne alvo de discussões e interações entre pesquisadores em

várias partes do mundo, na tentativa de entendê-la sob vários ângulos. Assim, os Estudos da

Tradução emergiram, especialmente no final do século XX, como um campo de estudos

internacional e interdisciplinar, como colocado por Venuti (2000) em sua introdução ao The

translation studies reader.

Dentre os vários ângulos através dos quais a tradução pode ser abordada, nos anos 1990

surgiram as contribuições das abordagens discursivas, que além da organização textual

consideram a forma como a língua constrói sentido bem como as relações sociais e de poder

(MUNDAY, 1998). Baker (1992), Hatim e Mason (1997), House (1997), Vasconcellos

(1997), dentre outros, são alguns pesquisadores que seguiram estes caminhos influenciados

pela teoria social de Halliday.

Em An introduction to functional grammar (HALLIDAY, 1985 e 1994), Halliday propõe a

análise da estrutura e função da linguagem através das três metafunções: a ideacional, a

interpessoal e a textual. A primeira está relacionada com o uso da linguagem como forma de

organização da nossa experiência, construindo e modelando a nossa visão de mundo; a

segunda está relacionada com o uso da linguagem como forma de interação, e finalmente, a

metafunção textual está relacionada com a organização da mensagem enquanto texto.


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Também nos anos 1990 novas metodologias foram incorporadas aos Estudos da Tradução.

Segundo Venuti (2000), embora se tenha começado a estudar corpora de grandes dimensões a

partir dos anos 70, foi nos anos 90 que a Lingüística de Corpus ofereceu os instrumentais de

análise, propiciando a criação de corpora eletrônicos compostos de textos traduzidos e, assim,

permitindo a teóricos como Baker e Laviosa formular conceitos e analisá-los, na tentativa de

caracterização do texto traduzido. Vários tipos de corpora foram desenvolvidos e dentre eles

os chamados corpora paralelos compostos por textos em uma língua A e suas traduções para

uma língua B. As análises do texto traduzido à luz do original têm sido um dos interesses dos

estudiosos da tradução; no entanto, o conceito ganhou novas dimensões com a incorporação

de programas de computador capazes de realizar tarefas antes consideradas impraticáveis se

realizadas por humanos.

Assim, à luz dos Estudos da Tradução em diálogo com a Lingüística de Corpus e com a

semiótica social de Halliday, esta pesquisa descreve um dos aspectos da construção de uma

das personagens no romance em inglês americano Beloved e em sua tradução para o

português brasileiro Amada, doravante Corpus Beloved-Amada. A questão inicial era saber se

a personagem Sethe do romance de Toni Morrison é representada da mesma forma na

tradução para o português brasileiro feita por Evelyn Kay Massaro. Não é minha intenção

avaliar a qualidade da tradução, mas simplesmente investigar a transitividade na construção

dessa personagem, mais especificamente, os tipos de processos dos quais a referida

personagem é participante.

A escolha do corpus de análise foi uma feliz indicação de minha orientadora, dentre as opções

de subcorpora disponíveis no Corpus Discursivo para Análises Lingüísticas e Literárias –

CORDIALL. Esse é um corpus desenvolvido pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos da


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Tradução – NET da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG,

o qual passei a integrar. O CORDIALL já atinge mais de 1 milhão de palavras e é constituído

por textos eletrônicos selecionados através de critérios específicos relacionados aos

subprojetos de pesquisa implementados pelos pesquisadores do NET (PAGANO et al., no

prelo). O Corpus Beloved-Amada se insere no subprojeto “Corpu(o)s Híbridos: identidades

raciais em tradução”, cujas investigações lingüísticas são baseadas em corpora, aliando as

análises quantitativas às qualitativas na busca do entendimento da linguagem em sua interface

com os fatores sociais.

Ao ler Beloved / Amada, percebi um grande potencial de análise, que, fosse ela lingüística ou

literária, revelaria vários aspectos subjacentes ao romance, como o poder da linguagem ou a

importância da comunidade (WARD, 2003) ou, ainda, o preenchimento da lacuna deixada por

historiadores em registrar a vida cotidiana dos "não-lembrados" pela história (DAVIS, 1998),

entre outros tópicos que seriam em si temas de dissertação.

A escolha do foco discursivo partiu de um estudo preliminar apresentado como parte de

avaliação em uma das disciplinas de mestrado sobre aplicação dos estudos de corpora nos

Estudos da Tradução. Esse estudo apontou para mudanças (shifts), que de acordo com

Munday (1998), pequenas ou não, se acumulam e podem afetar a textura da estória.

Foi necessário ainda optar pela análise de uma das personagens. A intenção inicial era analisar

as três personagens femininas principais do romance, mas, mesmo cada uma delas tendo um

grande potencial para estudos, a análise das três tornou-se impossível pela restrição de tempo.

Sethe foi escolhida por ser a protagonista do romance. Sua história, possivelmente baseada no

ato infanticida real de Margaret Garner (DAVIS, 1998), fala sobre uma mulher orgulhosa,
14

independente e mãe amorosa, cuja concepção de amor a faz matar uma de suas filhas para

protegê-la dos traumas emocionais, sexuais e espirituais que ela própria sofrera como escrava.

Livre, mas escravizada pelo passado, Sethe sucumbe aos caprichos de Amada e só quando

aprende a confrontar o passado e a se impor frente a ele é que ela se liberta de seu poder

opressivo e começa a viver no presente (WARD, 2003).

A análise da distribuição dos tipos de processos e das escolhas feitas na textualização e

retextualização dos processos referentes à personagem, nesta dissertação, é realizada como

uma forma de revelar a construção da personagem como feito por Montgomery (1993). Nesse

trabalho, o autor analisa os processos nos quais a personagem principal em The revolutionist,

um conto de Hemingway, está envolvida, sugerindo uma tensão entre o título da obra e as

ações da personagem. O autor valida essa análise da transitividade da personagem

comparando os resultados obtidos em sua análise com os resultados do estudo de personagens

de outro romance, constatando um "retrato" diferente entre elas. Assim, se a transitividade

permite a comparação de personagens em romances distintos, como feito por Montgomery, a

questão que se coloca nesta dissertação é se ela pode ser um instrumento para comparação de

personagens de um romance retextualizado em outra língua.

Os dados quantitativos encontrados nesta pesquisa apontam para um “retrato” semelhante de

Sethe tanto no texto original quanto no texto traduzido; no entanto, a análise discursiva das

retextualizações aponta para mudanças revelando uma personagem que reage de forma

distinta nas diversas situações nas quais está envolvida.

Este trabalho é uma contribuição para os Estudos da Tradução em sua interface com a

Lingüística de Corpus e a Lingüística Sistêmica. Embora seja um estudo de uma tradução


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individual, seus resultados, ao somarem-se a outros semelhantes realizados com outros

corpora, podem também contribuir para o entendimento de padrões de textualização da

tradução brasileira.

A dissertação se divide em quatro capítulos que sucedem esta introdução. O capítulo 1

apresenta uma revisão teórica que dá suporte à pesquisa; o corpus, a metodologia e os

procedimentos de análise utilizados são descritos no capítulo 2; o capítulo 3 apresenta e

discute os dados encontrados e, finalmente, no capítulo de conclusão, são apresentadas as

implicações desta pesquisa e apontadas possibilidades de pesquisas futuras.


16

CAPÍTULO 1 - ABORDAGENS DISCURSIVAS DA TRADUÇÃO

Munday (2001) explica que as análises discursivas ganharam importância nos Estudos da

Tradução a partir dos anos noventa porque, além de características textuais, elas olham a

forma como a linguagem constrói sentido bem como constrói as relações sociais e de poder.

Thompson e Collins (2001) ressaltam o fato de a linguagem "construir" e não "refletir" as

estruturas sociais, pois, segundo eles, aceitar a visão de reflexo das estruturas sociais implica

em aceitar, por exemplo, que as estruturas sociais existem e a língua simplesmente as espelha.

Na visão de construção a linguagem não só reproduz, mas também constrói estas estruturas

sociais. Os autores explicam que cada vez que usamos a linguagem "apropriada" para nos

dirigirmos a um superior ou inferior na posição social, estamos tanto mostrando nossa

consciência da diferença quanto reforçando o sistema hierárquico social.

Retomando Munday (2001), o modelo de análise do discurso que mais tem influenciado essas

análises é o modelo sistêmico funcional de Halliday, afirma o autor, exemplificando com

trabalhos de autores que usaram a abordagem sistêmica para análise de traduções. House1,

citada por Munday, propõe um modelo para avaliação da qualidade de tradução pressupondo

a análise de registro, termo que será definido na seção 1.1, tanto do original quanto do texto

traduzido e de como eles são realizados por meios lexicais, sintáticos e textuais. Segundo

Munday, Baker2 focaliza as estruturas temáticas e de coesão de um texto levantando eventuais

deslocamentos que acontecem no movimento original / texto traduzido e, por fim, Hatim e

1
HOUSE, J. Translation quality qssesment: a model revisited. Tübingen: Niemeyer, 1997.
2
BAKER, M. In other words: a coursebook on translation. London and New York: Routledge,1992.
17

Mason3 trabalham dentro do modelo de Halliday e vão além da análise de registro de House;

dentre outros aspectos Hatim e Mason analisam as mudanças nas estruturas de transitividade,

e começam a considerar a forma em que as relações sociais e de poder são negociadas e

comunicadas na tradução.

Também no cenário nacional vários pesquisadores têm associado análises discursivas aos

Estudos da Tradução utilizando a gramática sistêmico funcional de Halliday. Além dos

pesquisadores do Núcleo de Estudos da Tradução – NET, onde esta pesquisa se insere,

Vasconcellos (1997) afirma que tal gramática oferece bases sólidas para a avaliação da

qualidade da tradução literária. A autora a utiliza para examinar as características léxico-

gramaticais, especificamente os processos materiais e mentais, que constróem a representação

do mundo exterior e interior da protagonista em um conto de James Joyce. Posteriormente

Vasconcellos compara os resultados encontrados a duas retextualizações feitas por tradutores

diferentes, constatando similaridades e diferenças entre o original e os textos de chegada.

Nesta dissertação, quando os termos textualização e retextualização são usados no lugar de

"texto" e "tradução", tem-se em mente os conceitos de Coulthard (1991, 1992) que, partindo

da função textual de Halliday, vê o texto escrito como uma das várias possibilidades de

textualização da mensagem do autor. Ou seja, a versão final do texto apresentado ao leitor é

baseada em decisões tomadas pelo autor para atingir um leitor ideal criado por ele. Como esse

leitor ideal muitas vezes difere do leitor real, qualquer tentativa posterior de atingir este

último é tida como retextualização. Isto inclui tanto a retextualização intralingual, ou seja

dentro da mesma língua, quanto a tradução interlingual, de uma língua A para uma língua B,

que seria também uma possível retextualização do original, cabendo ao tradutor, assim como

ao autor, novas decisões de textualização.

3
HATIM, B; IAN, M. The translator as communicator. London and New York: Routledge, 1997.
18

A seção 1.1, abaixo, introduz sucintamente a gramática sistêmico funcional de Halliday; a

seção 1.2 enfoca o sistema de transitividade, que é o recurso utilizado nesta pesquisa para a

análise da representação de uma personagem de ficção e finalmente, a seção 1.3 apresenta a

Lingüística de Corpus, que muitas vezes tem sido um instrumental para a realização de

análises discursivas, e estabelece a sua relação com os Estudos da Tradução.

1.1 A Gramática sistêmico funcional de Halliday

Em An introduction to functional grammar, doravante IFG, Halliday (1994)4 apresenta uma

descrição detalhada de sua teoria sistêmico-funcional que é uma abordagem gramatical sob o

ponto de vista semântico-discursivo e serve como primeiro passo para análise de textos. A

obra de Halliday é complexa, mas estudiosos de Halliday (EGGINS, 1994; MARTIN et al.,

1997; THOMPSON, 1996) a reapresentam de uma forma mais didática. Embora seja aplicada

à língua inglesa, seus pressupostos têm sido utilizados na análise de textos em diversos

idiomas, conforme poderá ser constatado nos trabalhos a serem resenhados nesta dissertação.

Halliday (1994) vê a linguagem como comunicação dentro de uma prática social, e a

totalidade do que o usuário da língua pode fazer é vista pelo referido autor como um recurso

para produção de significados. Tendo a oração como unidade básica, esses significados são

percebidos nas escolhas lingüísticas do autor, no eixo paradigmático e sintagmático, e se

interrelacionam ao mesmo tempo em que se relacionam com uma estrutura sociocultural mais

ampla, encenando relações interpessoais e construindo a experiência humana.

4
A primeira edição de IFG é datada de 1985 e, em 2004, foi lançada a terceira edição.
19

Munday (2001) resume o modelo hallidayano de análise do discurso na FIG.1, reproduzida

abaixo.

Ambiente sociocultural

Gênero

Registro
(campo - teor - modo)

Sistêmica discursiva
(Função ideacional, interpessoal e textual )

Esfera Léxico-gramatical
(Transitividade, modalidade, textualidade)

FIGURA 1 - Relação de gênero e registro com a


linguagem5

Pela FIG. 1 acima, podemos perceber que, numa perspectiva macrotextual de análise, o

gênero é condicionado pelo ambiente sócio cultural ao mesmo tempo que determina o

registro. Para Munday (2001) gênero é entendido como o tipo textual associado a uma função

comunicativa, como uma carta comercial. Eggins (1994) é mais clara na definição de registro

e afirma que este descreve o contexto de situação imediato no qual o texto é produzido.

Segundo a autora, registro compreende os elementos campo, teor e modo, sendo campo o que

está sendo expresso pela linguagem, teor quem e para quem está sendo escrito e modo o papel

que a linguagem tem na interação. Assim, partindo de uma perspectiva micro para outra

macrotextual, um texto é único, individual (análises de registro), mas ao mesmo tempo se

vincula a outros textos análogos (gênero) que, por sua vez, estão inseridos dentro de um

contexto sociocultural.

5
Minha tradução da figura 6.1 Relation of genre and register to language (Munday, 2001, p.90).
20

Cada um dos elementos do registro está associado à construção de significados e formam a

semântica discursiva de um texto realizada através de três metafunções: ideacional,

interpessoal e textual que, por sua vez, são construídas ou realizadas pela esfera léxico-

gramatical. Halliday (1976) afirma que a função ideacional é o uso da linguagem para

expressão de conteúdo, estruturando a experiência e determinando a nossa forma de

representação do mundo; a função interpessoal é o uso da linguagem para estabelecer e

manter relações sociais; e a função textual é o papel que a linguagem desempenha ao

estabelecer vínculos com ela própria, permitindo ao falante ou escritor construir textos.

Assim, campo, ligado à metafunção ideacional, refere-se ao tipo de atividade social (o que

está sendo representado no texto) e é realizado na esfera léxico gramatical através de padrões

de transitividade, a ser discutida abaixo; teor, ligado à metafunção interpessoal, tem o texto

como uma instância de interação e se realiza através do sistema de modalidade e de interação

da primeira, segunda e da não pessoa em termos de grau de formalidade, afetividade e

hierarquia; e, finalmente, modo, ligado à metafunção textual, é como a informação é

configurada no texto e se realiza, dentre outras maneiras, pela forma de organização da

mensagem em tema e rema e aspectos de coesão.

1.2 O sistema de transitividade

Halliday (1994) afirma que o sistema de transitividade se insere no modo experiencial da

função ideacional6 que tem a oração como representação. Essa representação, realizada por

acontecimentos (goings on) de fazer, acontecer, sentir e ser, é construída, dentre outros

recursos, pela configuração de processos, participantes e circunstâncias. Halliday explica que

aqui ele está falando da propriedade da linguagem de permitir a seres humanos construírem

6
O outro modo é o lógico, que oferece recursos para formar vários tipos de complexos. Ver Halliday (1985,
p.192-270).
21

imagens mentais da realidade para construir sentidos de suas experiências bem como desses

goings-on ao seu redor e em seu interior; ele está falando do que as pessoas querem dizer

quando dizem que uma palavra ou frase significa, significado no sentido de conteúdo. Eggins

(1994) esclarece que ativamente escolhemos representar a experiência de uma determinada

forma ao selecionarmos o tipo de processo e a configuração de participantes que iremos usar.

Assim, ao analisarmos a gramática da oração, focalizando sua transitividade, podemos

perceber como essa experiência está sendo organizada.

Para Halliday (1994), o termo transitividade é derivado da terminologia clássica de verbos

transitivos e intransitivos da lingüística ocidental que, ainda de acordo com o autor (p.109-

110), resume-se em: a) Todo processo tem um participante, um Ator (Actor); b) Alguns

processos têm um segundo participante, chamado Meta (Goal). Nos exemplos i) The lion

sprang e ii) The lion caught the tourist (HALLIDAY, 1994:109), o leão (the lion) fez alguma

coisa em ambas as frases. A diferença é que em i o feito se restringe ao leão enquanto em ii a

ação é direcionada, ou extendida, a outro participante, neste exemplo, ao turista (tourist). É

esta noção de extensão do processo que está expressa no conceito de transitividade. Assim, de

acordo com a terminologia clássica, em i o verbo é intransitivo e em ii o verbo é transitivo.

Em IFG, ao invés de "verbo", usa-se o termo "processo", e é a oração que é transitiva ou

intransitiva e não o verbo como na concepção clássica. Desta forma, a transitividade

especifica os diferentes tipos de processos que são reconhecidos na língua e as estruturas

pelas quais eles são expressos, consistindo de três componentes de categorias semânticas:

a) o processo em si;

b) os participantes no processo;

c) as circunstâncias associadas ao processo.


22

Os processos são classificados em seis tipos: material, mental, relacional, comportamental,

verbal e existencial. Os três primeiros são os principais e os três últimos se situam entre estes,

como subcategorias, não claramente distinguidos, mas que constituem sua própria gramática.

Halliday, explicando porque os três primeiros são tidos como principais, esclarece que desde

o início da infância – três a quatro meses de idade – aprendemos a distinguir a experiência

exterior a nós da experiência interior, ou seja, o que acontece "lá fora" do que acontece dentro

de nós, no mundo da consciência e da imaginação. Esta experiência está relacionada com os

processos materiais e mentais, respectivamente. Os processos relacionais estão relacionados

com nossa habilidade de generalizar, classificar e identificar: "Isto é o mesmo que aquilo",

"Isto é um tipo daquilo" (HALLIDAY, 1994, p.106-107). Estes processos, segundo Halliday,

"são a base da gramática como teoria da experiência e apresentam três tipos distintos de

configuração estrutural, respondendo pela maioria das orações em um texto".7 Já os três

últimos compartilham características dos três primeiros: nos limites entre os processos

materiais e mentais estão os comportamentais; entre os processos mentais e relacionais estão

os verbais e entre os processos relacionais e materiais estão os existenciais.

A capa da versão de 1994 da IFG, na FIG.2, abaixo8, tenta mostrar esta relação de

importância e compartilhamento de características. Note que os campos vermelho (processos

materiais), azul (processos mentais) e amarelo (processos relacionais) ocupam uma proporção

da circunferência visivelmente maior que o roxo (processos comportamentais), verde

(processos verbais) e laranja (processos existenciais). Note ainda que não existe uma linha

clara separando estes processos: aqueles considerados como subcategorias são representados

por cores secundárias. Os processos comportamentais são representados pela cor roxa que é

7
Minha tradução de: "... are the cornerstones of the grammar in its guise as a theory of experience. They present
three distinct kinds of structural configuration, and they account for the majority of all clauses in a text"
(HALLIDAY, 1994, p.138).
8
Para melhor visualização, ver ANEXO I, nesta dissertação.
23

uma mescla das cores azul e vermelha (materiais e mentais); os verbais são representados pela

cor verde, que é uma mescla das cores azul e amarela (mentais e relacionais); e os existenciais

são representados pela cor laranja, que é uma mescla das cores vermelha e amarela (materiais

e relacionais).

FIGURA. 2 - Reprodução da capa de IFG (1994)

Cada uma dessas categorias será explicitada abaixo; cada uma tem sua própria gramática,

mas, como introdução, definirei brevemente cada uma delas. Os processos materiais são

processos de fazer. Eggins (1994, p.230) esclarece que a definição semântica deste tipo de

processo é que "alguma entidade faz alguma coisa, realiza alguma ação"9; os mentais

representam significados de pensar e sentir incluindo processos de percepção, cognição e

afeto; os relacionais são construções de ligação. Martin et al. (1997) explicam que esses

processos constróem os participantes através de relações atributivas e identificativas; os

verbais incluem os processos de relato além de processos semióticos como mostrar e indicar;

9
Minha tradução de “... some entity does something, undertakes some action” (EGGINS, 1994, p.230).
24

os comportamentais constróem o comportamento humano incluindo mentais e verbais como

uma versão ativa desses processos; finalmente, os processos existenciais são parecidos com os

relacionais ao construírem um participante num processo de existir, diferindo, no entanto, no

número de participantes. Enquanto os relacionais têm vários participantes, os existenciais têm

apenas um: o que existe.

Na seção seguinte, cada um desses processos é apresentado com suas particularidades. A

nomenclatura para referir-se a eles em português não está consolidada, especialmente em

relação aos participantes, podendo haver variações entre textos que abordam o mesmo

assunto. No entanto, uma lista contendo traduções para o português de alguns termos

relacionados à gramática sistêmica, disponível online10 no site do Programa de Pós-graduação

em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUCSP – LAEL, foi apresentada e

aprovada para utilização das equipes de investigação da Faculdade de Letras da Universidade

de Lisboa e do projeto DIRECT da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP11.

As traduções desses termos não são apresentadas como imposição para a comunidade

acadêmica, no entanto, prefiro adotá-las por entender que assim estarei contribuindo não

apenas para sua consolidação, mas também para a coerência do debate acadêmico desta área

no Brasil. Outrossim, as primeiras ocorrências de tais termos nesta dissertação virão

acompanhadas dos termos originais em inglês, e sempre aparecerão com iniciais maiúsculas

para lembrar ao leitor que se referem ao processo, participantes ou circunstâncias, como o faz

o próprio Halliday. Os termos para os quais não foram apresentadas sugestões de tradução

pelo LAEL aparecerão, na primeira ocorrência, com o símbolo (3), indicando uma sugestão

de tradução deste pesquisador.

10
http://lael.pucsp.br/sistemica/aprovados-05-09.doc
11
De acordo com as informações no site da PUCSP, o projeto DIRECT foi criado em 1990 e tem como objetivo
geral "promover estudos que descrevam eventos discursivos orais e escritos inéditos do âmbito profissional, em
português como língua materna e em inglês relevante para o Brasil".
25

O resumo dos principais tipos de processos está baseado em IFG, além de Eggins (1994),

Thompson (1996) e Martin et al. (1997) que, como mencionado anteriormente, tornaram a

obra de Halliday mais acessível. Eggins (1994) percorre alguns exemplos de usos da

linguagem analisando-os à medida que discute os diversos aspectos da gramática; Thompson

(1996) tem uma linguagem mais acessível e apresenta a obra hallidayana como se estivesse

dialogando com seu leitor; e Martin et al. (1997) são bem sucintos. Sempre que possível serão

usados os exemplos do corpus desta pesquisa como ilustração de cada tipo de processo, no

entanto, quando exemplos dos autores mencionados acima forem utilizados, esses virão

acompanhados da devida referência sem tradução.

1.2.1 Processos Materiais (Material Processes)

Os exemplos abaixo são de orações materiais. É importante mencionar novamente que não só
o processo é material, mas toda a oração.

EGGINS (1994, p.230)


Diana has donated blood 36 times.
Diana went to Geneva.
They gave Diana a cognac.

THOMPSON (1996, p.80)


He had been shaving.
The young girl bounded out of the gate.
Coarse grass was growing here and there.

MARTIN et al. (1997, p.105)


She built the house (for the kids).
The chair moved.
She climbed the mountain.

Corpus Beloved-Amada
So Sethe and the girl Denver did what they could.
26

Assim, Sethe e Denver faziam o que podiam.

Sethe balled up her stockings.


Sethe enrolou as meias.

Numa definição semântica, os processos materiais, aqui destacados em negrito, constróem

feitos e acontecimentos tipicamente concretos. Alguma entidade faz alguma coisa ou realiza

alguma ação provocando mudanças no mundo material, tais como uma criação, um

movimento no espaço ou mudanças na constituição física:

Os participantes nas orações materiais são: o Ator (Actor), a Meta (Goal), o Beneficiário

(Beneficiary) e a Extensão (Range). O participante inerente é o Ator, aquele que realiza o

feito material12. Os demais podem ou não ocorrer. Orações que têm apenas o Ator como

participante são intransitivas, Ex.: The lion sprang (HALLIDAY, 1994, p.109). Em orações

transitivas, além do Ator aparece a Meta, que é o participante que sofre o impacto de um feito,

aquele a quem é feito ou com quem se faz alguma coisa. A Meta é trazida à tona pela ação do

Ator, ou sua existência pode ser anterior a ela, sendo, no entanto, afetada por essa ação. Nas

orações transitivas, pode ocorrer também um Beneficiário que é o participante que se

beneficia de um feito, aquele a quem se dá ou para quem se faz. Halliday (1985, p.132) faz

ainda uma distinção entre Beneficiário do tipo Recebedor (Recipient) e Cliente3 (Client), o

primeiro é para quem um benefício é dado enquanto o segundo é para quem um serviço é

feito. Finalmente, existem orações materiais sem uma Meta, quando então pode haver uma

Extensão. Esta pode ser do tipo Entidade3 (Entity) ou Processo3 (Process). O tipo Entidade é

um participante que especifica o raio de ação de um acontecimento e não sofre o impacto do

processo, pois ela (Extensão) existe independente deste (do processo). A Extensão pode

12
O Ator às vezes coincide com o sujeito sintático da gramática tradicional e ainda com o tema. Para uma
distinção entre eles ver discussão em Halliday (1985, p.32-37).
27

expressar ainda o processo em si, como "um assobio" no exemplo "Ele deu um assobio". O

QUADRO 1, abaixo, traz exemplos de cada participante.13

QUADRO 1
Exemplos de processos materiais e participantes
Tipo Ator Processo Meta Beneficiário Extensão
Ação Sethe enrolou as meias.
She gave the house (to the kids)
MARTIN et al.
(1997, p.105).
Sethe parou.
Evento Sethe e Paul D subiram os degraus brancos.
The chair moved.
MARTIN et al.
(1997, p.105).

É possível "tirar a prova" dos processos materiais de duas formas: a primeira forma está mais

relacionada com a língua inglesa. Ela consiste em verificar se, em inglês, o verbo aceita a

forma do presente contínuo (present continuous)14, que é o tempo verbal mais natural para as

orações materiais. Assim é possível dizer "Sethe está enrolando as meias, parando, subindo”,

e assim por diante. Essa prova é útil em inglês mas pode não ser em português, porque a sua

premissa é que em alguns processos, especialmente os mentais, o uso desse tempo verbal não

é possível. Assim, em inglês não seria natural dizer "*I am loving", enquanto em português

"Eu estou amando" pode ocorrer. A segunda prova pode ser tirada com a pergunta: "O que 'x'

fez?". Então, "O que Sethe fez?" teria como resposta: "enrolou as meias, parou, subiu as

escadas". Esse tipo de prova fica mais evidente quando comparada com os outros tipos de

processos, como veremos nas seções seguintes quando esta pergunta não poderia ser aplicada.

Os participantes também podem ser testados: para testar a Meta, a pergunta-prova pode ser "O

que x fez para/com y?". Assim, “O que Sethe fez com as meias?" teria como resposta:"Ela as

enrolou". Para testar o Beneficiário, a pergunta-prova pode ser "O que x fez para/com y para

13
O QUADRO 1 não contém exemplos distinguindo Beneficiário dos tipos Recebedor ou Cliente, nem Extensão
dos tipos Processo ou Entidade por não serem relevantes para esta pesquisa. Ver Halliday (1985, p.132-137) para
uma discussão mais detalhada.
14
O presente contínuo é formado com uma forma do verbo be seguido por outro verbo acrescido da partícula -
ing. Exemplo Mary is working now (MURPHY, 1994, p.2).
28

z?". Desta forma, "O que ela fez com a casa para as crianças?" teria como resposta:"Ela a

deu". A Extensão, no entanto, não pode ser testada por estas perguntas, pois não faria sentido

responder à pergunta "O que Sethe fez com os degraus?", uma vez que esta seria redundante:

"O que Sethe fez com os degraus foi subi-los". Como Meta e Extensão não ocorrem

simultaneamente, o que se pode fazer é tentar distingui-los. Halliday (1985, p.136) apresenta

cinco testes que podem ser feitos para tal: a) a Extensão não pode ter atributos de resultados

do processo; b) a Extensão não pode ser um pronome pessoal; c) a Extensão não pode ser

modificada por um possessivo; d) na posição de sujeito a Extensão soa estranho, embora ela

possa ocorrer em tal posição; e) a Extensão pode ser realizada por um sintagma

preposicionado. Eggins (1994) acrescenta mais uma prova e afirma que, em verbos como "dar

um assobio", a Extensão pode ser expressa como "assobiar", por exemplo.

1.2.2 Processos Mentais (Mental Processes)

Os exemplos abaixo são de orações mentais, que se distinguem semântica e gramaticalmente


das orações materiais.

EGGINS (1994, p.240)


I hate injections.
She believed his excuses.
I don't understand her letter.

THOMPSON (1996, p.84)


Did you notice the key?
I see that you've already met.
She doubted whether you would find him on your own.

MARTIN et al. (1997, p.105)


The man knew too much.
The witness heard her threatening them.
29

She liked her job.

Corpus Beloved-Amada
Sethe knew his gaze was on her face.
Sethe sabia que o olhar de Paul D a estudava.

Sethe had not heard the walking.


Sethe não percebera o caminhar.

Enquanto os processos das orações materiais representam o mundo externo e têm um Ator,

humano ou não, modificando este mundo, os processos das orações mentais representam o

mundo interno, o que acontece na mente de um participante humano que sente um fenômeno.

Esse participante é, portanto, aquele em cuja mente o processo ocorre. Essas orações são

expressas com processos do tipo "sentir", "pensar" e "ver", que constituem as subcategorias a

serem discutidas abaixo e que, em inglês, não são naturalmente expressas no presente

contínuo (ver seção 1.2.1) e sim no presente simples em inglês (presente do indicativo no

português). Os participantes nestas orações, o Experienciador (Senser) e o Fenômeno

(Phenomenon), estão sempre presentes não ocorrendo, portanto, orações intransitivas. Pode

acontecer que o Experienciador venha a ser um animal ou objeto, mas fica evidenciado que

assim lhe estamos atribuindo características humanas ou uma consciência. Em "My car

doesn't like hills" (MARTIN et al.,1997, p.105), estamos atribuindo ao “meu carro” (My car)

o poder de gostar. Dessa forma, o Experienciador é tipicamente substituído, em inglês, pelos

pronomes he ou she.

Halliday sub-classifica os processos mentais como verbos de afeição3 (affection), Ex.: sentir

e gostar; cognição3 (cognition), Ex.: pensar, decidir, saber e entender; e percepção3

(perception), Ex.: ver e ouvir. O QUADRO 2, abaixo, traz exemplos dos tipos de processos

mentais:
30

QUADRO 2
Exemplos de processos mentais e participantes.
Experienciador Processo mental Fenômeno
Sethe adorava aquelas crianças.
Processo mental (afeição)
Sethe pensara muito pouco no vestido branco.
Processo mental (cognição)
Sethe não percebera o caminhar.
Processos mental (percepção)

Uma outra característica dos processos mentais é que o Experienciador pode ocorrer ou não

na posição de sujeito sintático, diferente do Ator nas orações materiais, que só ocorre fora da

posição de sujeito em orações na voz passiva. Assim, podemos encontrar orações como: "Her

tasks interested her", "It surprised him to see her so happy", onde her/him são o

Experienciador, mas não o sujeito (MARTIN et al., 1997).

Em relação ao Fenômeno, este pode ser qualquer tipo de entidade entretida ou criada pela

consciência: um ser consciente, um objeto, uma substância, uma instituição, uma abstração:

Ex.: Sethe não percebera o caminhar.

O Fenômeno pode ser ainda fatos, como por exemplo em:

Ex: Sethe acreditava que a avidez por doces fosse uma necessidade

e pode ainda ser representado por numa oração projetada15 que representa a idéia trazida à

existência pelo processo mental:

Ex.: Paul D quer me contar, pensou Sethe.

A pergunta-prova que podemos fazer para testar esse tipo de processo é: "O que você pensa,

acha, sente, sabe sobre x?". Assim, a resposta para "O que Sethe acha daquelas crianças?"

seria: "Ela as adora".

15
Ver Seção 7.5 de IFG para uma discussão mais detalhada.
31

1.2.3 Processos Relacionais (Relational Processes)

Os exemplos abaixo são de orações relacionais.

EGGINS (1994, p.255)


Diana is a blood donor.
The operation was in Geneva.
The bomb was her boyfriend's.

THOMPSON (1996, p.87, 91)


This bread is stale.
His immediate objective was the church.
The strongest shape is the triangle.

MARTIN et al. (1997, p.106-107)


Maxine is energetic.
Max has lots of energy.
The trees surround Mary.

Corpus Beloved-Amada
Sethe and her daughter Denver were its only victims.
Sethe e a filha Denver eram as únicas vítimas.

Sethe was thirteen when she came to Sweet Home.


Sethe tinha treze anos quando chegara a Sweet Home.

Sethe was badly dressed for the heat.


Sethe não estava adequadamente vestida para o calor.

Dos tipos de processos, este é um dos mais complexos como alerta Eggins (1994), afirmando

que este tipo é uma área rica e complexa da transitividade da oração e que o leitor deve se

referir a IFG para um esclarecimento maior. Já Thompson (1996) começa sua explicação

afirmando que o que foi dito sobre os processos materiais e mentais não se aplica facilmente

aos processos relacionais, pois não existe processo no sentido de alguma coisa acontecendo,

mas relações entre dois conceitos. Para o autor, os termos processo e participantes são usados

por falta de termos gramaticais que abarquem o fenômeno. Martin et al. (1997) simplificam e
32

afirmam que as orações relacionais são uma generalização da noção de verbos de ligação da

gramática tradicional. A formulação de Martin et al.,no entanto, é simplista e redutora do

sentido da linguagem enquanto sistema modelador de realidades.

Enquanto os processos materiais estão relacionados ao "fazer” e os mentais ao "sentir", o

terceiro tipo de processos tidos como principais por Halliday, os processos relacionais, são

aqueles relacionados ao "ser". Halliday, no entanto, esclarece que este "ser" não é no sentido

de "existir", mas, como aludido pelo próprio nome, estabelece relações entre duas entidades

separadas: "diz-se que alguma coisa é alguma outra coisa"16 (HALLIDAY, 1994, p.119). Os

processos relacionais podem estabelecer relações nos modos atributivo3 (attributive) e

identificativo (identifying), cada um com sub-categorias, denominadas intensiva3 (intensive),

circunstancial (circumstantial) e possessiva3 possessive). O QUADRO 3, abaixo, resume os

principais tipos de processos relacionais. O processo prototípico em inglês é o verbo “be” e

em português, os verbos “ser” e "estar”.

QUADRO 3
Resumo dos principais tipos de processos relacionais
Tipo / Modo Atributivo / Identificativo
Intensivo x é /está a*
Circunstancial x está (localizado)em a
Possessivo x tem a

Já o QUADRO 4, abaixo, traz exemplos de processos relacionais e ilustra a principal

diferença entre os modos atributivo e identificativo: a reversibilidade. Os identificativos são

reversíveis, ou seja, é possível dizer, sem mudança de significado, tanto "Sethe era a única

vítima" quanto "A única vítima era Sethe"; "Tomorrow is the 10th" ou "The 10th is

tomorrow"; "The piano is Peter's" ou "Peter's is the piano". Por outro lado, os do modo

16
Minha tradução de "something is said to 'be' something else".
33

atributivo não são reversíveis pois as formas inversas não são agnadas (agnate), ou seja, não

são relacionadas sistematicamente (HALLIDAY, 1994). Assim, Sethe pode estar "viva", mas

"viva" não pode estar "Sethe"; Sethe pode estar na cadeia, mas "na cadeia" não pode estar

Sethe; Sethe pode ter tido 28 dias de vida livre, mas "28 dias de vida livre" não podem ter tido

Sethe.

QUADRO 4
Exemplos dos principais tipos de processos relacionais e as categorias atributivo e identificativo
Tipo / Modo Atributivo Identificativo
Intensivo Sethe, apesar de fraca e Sethe e sua filha Denver
sozinha, estava viva... eram as únicas vítimas.
Circunstancial Sethe estava na cadeia com o Tomorrow is the 10th.
bebê que amamentava... (Halliday, 1994:119)
Possessivo Sethe tivera vinte e oito dias The piano is Peter's.
- o ciclo da lua - de vida (Halliday, 1994:119)
livre.

A reversibilidade não é a única distinção entre os modos atributivo e identificativo. A seguir,

é apresentado um resumo das outras características de cada modo como apontadas por Eggins

(1994, p.255-266).

1.2.3.1 Modo Atributivo

No modo atributivo os participantes são o Portador (Carrier) e o Atributo (Attribute). No

exemplo "Diana is a talkative dinner guest" (EGGINS, 1994, p.256), "Diana" é Portador e "a

talkative dinner guest" é Atributo. Existem três subcategorias dos processos relacionais

atributivos: intensivo, circunstancial e possessivo. Essas apresentam ainda novas subdivisões

que serão discutidas a seguir.

A primeira subcategoria, Atributivo Intensivo, se subdivide em classificativo3

(classification), e descritivo3 (descriptive). Na subdivisão "classificativo" o padrão é: x é


34

membro de uma classe. No exemplo acima, Diana pertence à classe de "talkative people"; já

na subdivisão "descritivo", o padrão é: x porta o atributo a, ou seja, uma qualidade ou epíteto

descritivo é atribuído ao Portador, por exemplo, You are very skinny (EGGINS,1994, p.256).

Embora o verbo to be (ser/estar) seja o mais usado nestes tipos de orações, outros verbos

como become, turn, grow, turn out, start out, end up, keep, stay, remain, seem, sound, appear,

look, taste, smell, feel, stand podem ocorrer como sinônimos em inglês (EGGINS, 1994,

p.257).

O Portador é realizado por um substantivo ou grupo nominal. Na subcategoria "classificativo"

o atributo também pode ser um grupo nominal, geralmente indefinido (introduzido pelos

artigos indefinidos a/an do inglês um/uma em português); já com a subcategoria "descritivo",

o Atributo é, geralmente, um adjetivo.

Por não ser reversível e ter apenas um participante nominal independente, esse tipo de oração

soaria estranha na voz passiva e, ainda, é importante destacar que Portador e Atributo não se

confundem.

A segunda subcategoria, o Atributivo Circunstancial, codifica significados sobre as

dimensões circunstanciais de lugar, modo, causa, dentre outras, e podem ser expressos através

do Atributo ou do processo em si. O elemento circunstancial é geralmente expresso fundindo-

se com o Atributo como um sintagma preposicionado ou advérbio de lugar, modo, causa,

entre outros e o processo permanece intensivo. Diferente dos Atributivos Intensivos, não se

pode formar passivas com os processos relacionais atributivos circunstanciais.


35

Finalmente, os Atributivos Possessivos codificam significados de posse entre os

participantes. A posse pode ser expressa através dos participantes (Portador, Atributo) ou do

processo em si, especialmente com os processos to have (ter) e to belong to (pertencer).

Geralmente o Portador será o Possuidor (Possessor), não sendo possível, no entanto, que ele

seja o Possuído (Possessed).

1.2.3.2 Modo Identificativo

Além de serem reversíveis, os processos relacionais identificativos apresentam características

que os distinguem dos relacionais atributivos discutidos acima. No modo identificativo os

participantes são: Característica (Token) e Valor (Value). No exemplo "You are the skinniest

one here" (EGGINS, 1994, p.258) "You" é Característica e "the skinniest one here" é Valor.

Assim como os atributivos esses também apresentam subcategorias: intensivo, circunstancial

e possessivo, que serão discutidas a seguir.

A primeira subcategoria, o Identificativo Intensivo, segue o padrão: x serve para definir a

identidade de y. No exemplo acima, "you" é o ocupante (Característica) da identidade ou do

rótulo de "skinniest one" (Valor); nesse modo os sinônimos do verbo "be" são: equal, add up

to, make, signify, mean, define, spell, indicate, express, suggest, act as, symbolize, play,

represent, stand for, refer to, exemplify (EGGINS,1994, p.259).

Nesse modo tanto a Característica quanto o Valor são realizados por grupos nominais. A

Característica é geralmente realizada por grupos nominais definidos (introduzidos pelo artigo

definido the do inglês, o/a em português).


36

Por serem reversíveis e os dois participantes serem grupos nominais, Característica e Valor se

confundem. A "prova" para definir os papéis dos participantes pode ser tirada passando-se a

oração para a voz passiva utilizando um sinônimo do verbo "be" acima. Para estabelecer qual

lado da oração é Característica ou Valor, Eggins (1994, p.259-260) nos remete a Halliday e

afirma que"semanticamente a Característica é um 'sinal, forma ou ocupante' de um Valor que

dá um 'significado, um referente, uma função, posição ou um papel' da Característica"17.

Gramaticalmente, fazendo-se a substituição por um dos sinônimos listados acima, a

Característica será o sujeito numa oração na voz ativa e o Valor será o sujeito numa oração na

voz passiva. Por exemplo:

Voz Ativa: You "represent" the skinniest one here.

Voz Passiva: The skinniest one here is represented by you.

"You" é o sujeito da oração na voz ativa, e, portanto, Característica e "the skinniest one here"

é o sujeito da oração na voz passiva, e, portanto, Valor.

A segunda subcategoria de processos relacionais, o Identificativo Circunstancial, codifica

significados sobre as dimensões circunstanciais de lugar, modo, causa, dentre outros. Podem

ser expressos através da Característica ou do Valor ou do processo em si. Quando expresso

através da Característica ou do Valor, ambos serão elementos circunstanciais de tempo, lugar,

entre outros, e o processo permanece intensivo. Como os intensivos, podem formar passivas.

Finalmente, os Identificativos Possessivos codificam significados de posse entre os

participantes. Eles podem ser expressos tanto através dos participantes (Característica, Valor)

quanto do processo em si, especialmente com o processo to own (possuir). Quando expresso

17
Minha tradução de: "...semantically, the Token will be a 'sign, name, form, holder or occupant' of a Value,
which gives the 'meaning, referent, function, status or role' of the Token".
37

através dos participantes, o verbo intensivo be (ser, estar) é usado e Característica e Valor são

Possuidor e Possuído, respectivamente.

1.2.4 Processos Comportamentais (Behavioural Processes)

Os exemplos abaixo são de orações comportamentais. Entre os processos mentais e materiais,

os processos contidos nestas orações constróem o comportamento fisiológico e psicológico

(tipicamente) humano.

EGGINS (1994, p.249)


Diana sighed loudly.
The poor woman cried for hours.
Simon sniffed the soup.

THOMPSON (1996, p.100)


He stared in amazement as she leapt through the window.
We all laughed.
She gave a faint sigh.

MARTIN et al. (1997, p.109)


I'm looking at John.
I'm listening to John working.
I'm tasting the wine.

Corpus Beloved /Amada


Sethe smiled.
Sethe sorriu.

Sethe looked down at her feet.


Sethe olhou de novo para os pés.

Halliday diz que este tipo de processo é o que menos se distingue dos outros processos por

não ter características próprias. Thompson (1996) diz que eles foram estabelecidos como uma

categoria para nos permitir distinguir entre as atividades puramente mentais e os sinais físicos

externos dos processos mentais e, ainda, porque eles formam um grupo considerável no
38

léxico, o suficiente para merecerem uma categoria. Assim, Thompson continua, muitos

processos mentais têm um par comportamental. Ex.: ver (mental) / assistir, olhar, encarar

(comportamentais); ouvir (mental) / escutar (comportamental). Semelhante aos processos

mentais, eles têm apenas um participante, o Comportante (Behaver), mas, como os materiais,

o processo é mais como "fazer". Uma outra semelhança com os processos materiais é que sua

forma não marcada é o presente contínuo do inglês. Além dos mentais e materiais, os

processos comportamentais compartilham características dos processos verbais, a serem

discutidos no item seguinte, como uma versão ativa desses processos, que se distinguem pela

função de introduzir o discurso indireto no complexo de orações projetadas18, característica

dos processos verbais (MARTIN et al., 1997).

Os processos comportamentais típicos têm apenas um participante: o Comportante (Behaver),

cuja forma de fazer, expressa pelo processo, não afeta outro participante. No entanto, em

algumas orações pode aparecer um pseudo-participante, a Extensão (Range) que, na verdade,

funciona como um complemento e acrescenta especificação ao processo. Ex. She gave a faint

sigh / The boy laughed a high, embarrased laugh / She waved her hands helplessly.

(THOMPSON, 1996, p.100). Thompson explica que "sigh", "laugh" e "her hands" não são

participantes em si, mas que estes grupos nominais são parte da forma em que o processo é

expresso e não para quem o processo é direcionado.

18
Halliday (1994, p.139) diz que embora "os processos comportamentais não projetem o discurso indireto ou
pensamento, eles freqüentemente aparecem na narrativa de ficção introduzindo o discurso direto como um meio
de agregar uma característica comportamental aos processos verbais de 'dizer'; Ex.: 'Kiss me!’ She breathed."
Minha tradução de: "behavioural processes do not 'project' indirect speech or thought, they often appear in
fictional narrative introducing direct speech, as a means of attaching a behavioural feature to the verbal process
of 'saying'; e.g. Kiss me! she breathed".
39

Elementos circunstanciais de modo e de causa geralmente ocorrem com estes tipos de

processos. Ex.: Simon laughed at the girl's stupidity (Circunstância: causa); She was crying

with frustration (Circunstância: modo/causa) (EGGINS, 1994, p.251).

Halliday (1994, p.139) lista cinco tipos mais comuns de processos comportamentais, aqui

apresentados no QUADRO 5, abaixo.

QUADRO 5
Tipos de processos comportamentais
Processos Comportamentais
Quase mentais: Quase verbais: Processos Outros processos Quase materiais:
Consciência Processos fisiológicos fisiológicos: posturas
como forma de verbais como manifestando corporais e
comportamento comportamento estados de passatempos
consciência
Look / olhar Chatter / Cry / chorar Breathe / respirar Sing / cantar
Watch / assistir tagarelar Laugh / rir Cough / tossir Dance / dançar
Stare / encarar Grumble / Smile / sorrir Faint / desmaiar Lie (down) /
Listen / escutar resmungar Frown /franzir as Shit / evacuar deitar-se
Think / pensar Talk / conversar Sombrancelhas Yawn / bocejar Sit (up,down) /
Dream / sonhar Sigh / suspirar Sleep / dormir sentar-se
Snarl / rosnar
Whine / gemer

O autor alerta que alguns dos verbos dessa lista podem ocorrer em outras categorias e cita o

exemplo do verbo "think/pensar" nas seguintes frases: "Be quiet! I'm thinking / Quieto! Estou

pensando" (comportamental) e "They think we're stupid. / Eles pensam (acham) que somos

burros" (mental).
40

1.2.5 Processos Verbais (Verbal processes)

As orações a seguir são verbais19. Elas representam processos de "dizer" incluindo não só os

diferentes modos de dizer (pedir, oferecer, declarar), mas também processos semióticos não

necessariamente verbais como "mostrar" e "indicar" (MARTIN et al., 1997, p.108).

EGGINS (1994, p.251)


So I asked him a question.
They tell you nothing.
My recipe says red wine.

THOMPSON (1996, p.97)


One report says a man was seen running from the house soon after the shooting.
I was reproached for not noticing anything.
A soldier shouted at them to stop.

MARTIN et al. (1997, p.108)


The sign indicates that gates 40-62 are to the right.
The form asks what other funding sources you have.
She told me a strange story.

Corpus Beloved-Amada
"That's all you let yourself remember," Sethe had told her,
-- É tudo que você se permite recordar - dissera Sethe.

"Boston," said Sethe.


-- Boston - disse Sethe

Estes processos estão entre os mentais e materiais, pois dizer alguma coisa é uma ação física

que reflete operações mentais (THOMPSON, 1996). São quatro os participantes em orações

verbais: a) Um participante central, o Dizente (Sayer), aquele que diz, fala, conta, e assim por

19
Nos exemplos extraídos do corpus Beloved/Amada são orações verbais aquelas com os processos em negrito.
As orações projetadas por elas devem ser analisadas individualmente de acordo com os processos nelas contidos.
Sobre orações projetadas ver capítulo 7 de Halliday (1994).
41

diante; b) o Receptor (Receiver), aquele a quem o que está sendo dito é dirigido, Ex.: Tell me

the whole truth. O Receptor é o sujeito em orações na voz passiva, Ex.: I was told the whole

truth; c) a Verbiagem (Verbiage), que é a função que corresponde ao que é dito ou o nome do

que está sendo dito. Ex.: Can you describe the apartment for me?/ The manager will outline

his plan of campaign / I ordered a stake / Let me ask you a question. / They were speaking

Arabic. No conteúdo do que está sendo dito não se incluem as orações projetadas por parataxe

ou hipotaxe (discurso direto e indireto, respectivamente) conforme os exemplos extraídos do

Corpus Beloved-Amada (Ver nota 19 nessa seção); d) o último participante, o Alvo (Target),

é a entidade que, como o próprio nome diz, é o alvo do processo de dizer, Ex.: She always

praised him to her friends / Don't insult my intelligence.20

1.2.6 Processos Existenciais (Existential Processes)

As orações abaixo, cujos processos se localizam entre os relacionais e materiais, são

existenciais.

EGGINS (1994:254)
There was snow on the ground.
There were these 2 wonderful Swiss men.
There's a hitch.

THOMPSON (1996:101)
There was a ramp leading down.
Maybe there's some other darker pattern.

MARTIN et al. (1997:109)


There will be a real bunfight at the next meeting.
All around them was a silence.
Along this waterway toiled a string of wolfish dogs.

20
Todos os exemplos acima foram extraídos de Halliday (1994, p.141)
42

Corpus Beloved-Amada
Não foram encontrados exemplos de processos existenciais nas linhas de
concordância do Corpus Beloved-Amada.

Esses processos constróem um participante envolvido em um processo de "ser", mas diferem-

se dos relacionais por terem apenas um participante: O Existente (Existent). Ao passo que

com os processos relacionais diz-se que alguma coisa existe em relação à outra coisa, com os

processos existenciais diz-se que alguma coisa simplesmente existe. Geralmente, as orações

existenciais são expressas pelo verbo there to be em inglês e "existir / ter" em português.

Com os processos existenciais chegamos ao fim do resumo dos tipos de processos. É

importante notar, no entanto, que outros aspectos pertinentes à gramática dos processos serão

discutidos no capítulo de metodologia, que aborda os procedimentos de análise. A seção

seguinte traz uma revisão de pesquisas aplicando o sistema de transitividade.

1.2.7 Aplicações do sistema de transitividade

A análise da transitividade tem tido diversas aplicações em diversas áreas, como a análise

estilística, a construção literária de personagens, a análise crítica do discurso, a análise do

discurso e os Estudos da Tradução, dentre outras.

Halliday (1973) usou o recurso da transitividade para análise do estilo literário, vindo a

tornar-se o exemplo clássico do uso dessa ferramenta nesse tipo de estudo. Em sua análise de

três extratos de "The inheritors", de William Golding, Halliday descreve o que ele denomina

de língua A, B e C, revelando como as limitações cognitivas do homem primitivo da história

de Golding são expressas lingüisticamente e como os padrões de transitividade revelados no


43

texto constróem significado. O romance conta a história de um grupo de Neandertais,

chamados "povo", que foi invadido por uma tribo mais avançada. No início, estes eram

chamados de "outros" e, posteriormente, de "o novo povo" (HALLIDAY, 1973). A língua A,

tomada do ponto de vista de Lok, um dos personagens, nos permite compartilhar a

representação de mundo da tribo invadida. Na análise de Halliday, essa linguagem é

caracterizada pelo uso de verbos intransitivos, através dos quais o "povo" age, mas não sobre

as coisas. A análise revela ainda que, na metade das orações, os sujeitos não são pessoas, mas

partes do corpo ou objetos inanimados e a metade das orações em que os sujeitos são

humanos não são orações de ação. A linguagem B é um período de transição entre A e C e,

finalmente, a linguagem C é caracterizada por verbos transitivos, com sujeitos humanos, com

orações de ação. Assim, o mundo dos herdeiros é organizado como o nosso, ou pelo menos de

uma forma que nós podemos reconhecer (p.131).

Montgomery (1993) menciona outros trabalhos que aplicam a transitividade para análise

estilística de textos literários e para a construção literária de personagens. Nesse trabalho,

Montgomery apresenta uma análise de um conto de Hemingway The revolutionist, sob o

aspecto das escolhas de transitividade que revelam uma tensão irônica entre as expectativas

do título e as escolhas lingüísticas de tipos de processos, participantes e circunstâncias. Por

exemplo, em uma de suas considerações Montgomery realça que, embora a maioria dos

processos relacionados ao Revolutionist seja do tipo material, em um terço deles a

personagem aparece como Meta e não como Ator, fazendo dela uma pessoa afetada pelo seu

entorno e não transformadora como se era de esperar. Outros detalhes sobre os resultados

encontrados por Montgomery serão apresentados no capítulo 3 desta dissertação, quando os

resultados da análise desta personagem serão comparados aos de Sethe.


44

Também no Brasil pesquisas em diversas áreas são feitas aplicando a análise da

transitividade. Na Análise Crítica do Discurso, Heberle (1999) analisa os tipos de processos e

participantes utilizados em editoriais de revistas femininas contemporâneas e conclui que os

processos utilizados nos editoriais contribuem para que as leitoras aceitem o conteúdo da

revista como senso comum.

Já Reichmann (2003) apresenta uma aplicação à análise do discurso e ao ensino de língua

estrangeira examinando, em diários dialogados, o discurso pedagógico de uma professora de

língua estrangeira. A autora analisa os tipos de processos usados em dois textos (T1 e T2)

produzidos por um mesmo sujeito com intervalo de um ano entre eles e constata um

deslocamento do pensar e sentir no texto 1 em direção ao dizer e fazer no texto 2.

No campo dos Estudos da Tradução, Vasconcellos (1998) analisa padrões léxico-gramaticais

usados para construção de agência na gramática em Araby, um conto de James Joyce, e

posteriormente compara os resultados a duas retextualizações do conto para o português

brasileiro feitas por O'Shea e Trevisan. A autora constata similaridades entre o original e os

textos traduzidos e diferenças causadas por diversas razões como as leituras dos tradutores e

suas respectivas escolhas de retextualização bem como as restrições lingüísticas e culturais,

dentre outras.

Também no âmbito dos Estudos da Tradução, Felippe (2001) analisa alguns capítulos do

romance Dom Casmurro de Machado de Assis e duas de suas traduções para o inglês na

década de 1990. Numa investigação de aspectos textuais e contextuais na construção da

femininidade, especialmente através da personagem Capitu, a autora faz uma análise da

transitividade que revela o discurso sexista do narrador, Bento Santiago, em relação à referida
45

personagem e às mulheres em geral. Essa representação sexista é replicada em ambos os

textos traduzidos que mantêm o mesmo padrão de transitividade, ainda que com tentativas

tímidas de um dos tradutores de neutralizar a carga sexista em algumas frases.

Todas estas pesquisas foram feitas com análise de corpus não eletrônico, o que permitiu a

análise apenas de extratos ou de contos. Cruz (2003), no entanto, alia a análise do sistema de

transitividade à analise de corpus, a ser descrita na seção seguinte, como abordagem dos

Estudos da Tradução, ao estudar o discurso de nove personagens em um romance em sua

totalidade. Com o enfoque nos verbos de elocução, que incluem os processos verbais, Cruz

analisa Harry Potter and the chamber of secrets, de Joanne K Rowling, e sua tradução para o

português brasileiro, por Lia Wyler, e mostra que os verbos de elocução são elementos

significativos na construção de um romance bem como em sua retextualização em outra

língua. Em uma de suas constatações, por exemplo, Cruz diz que o original utiliza mais

processos comportamentais e a tradutora mais processos verbais. Este fato, aponta Cruz

(2003, p.188-189),

permite observar os participantes no texto fonte a partir de comportamentos físicos e


psicológicos, os quais apontam para um ser consciente, autor dos processos. Por
outro lado, o mesmo não ocorre com o texto traduzido, que, por meio dos processos
verbais, apresenta os personagens como falantes, podendo ser conscientes ou não,
sem focalização específica de comportamentos físicos ou psicológicos.

Mauri (2003) apresenta uma análise com um corpus de pequena dimensão composto por uma

coletânea de contos Laços de família, de Clarice Lispector, e sua tradução para o italiano por

Adelina Aletti. Com o foco nos processos mentais das personagens femininas, Mauri

percebeu diferenças nas escolhas de retextualização que resultaram na construção diferente de

níveis de introspeção das personagens nos dois textos .

Finalmente, também com foco nos processos mentais, mais especificamente o verbo "pensar",

considerado pela autora como prototípico da categoria, Jesus (2004) analisa o corpus paralelo
46

composto pelo romance em inglês Point counter point, de Aldous Huxley e sua tradução para

o português brasileiro Contraponto por Érico Veríssimo. Jesus analisou, ainda, o corpus

comparável composto pela tradução mencionada acima e o romance Caminhos cruzados, que

foi escrito por Veríssimo logo após ter realizado a tradução de Point counter point. Assim,

através da análise de um dos aspectos da transitividade, neste caso os padrões de

representação dos pensamentos das personagens construídos através do verbo “pensar”, foi

possível buscar padrões que marcam as obras Point counter point / Contraponto bem como

Caminhos cruzados e rebater as críticas de que o Veríssimo-escritor teria sofrido influências

do Veríssimo-tradutor. Uma das constatações de Jesus (2004, p.114) é:

Enquanto Huxley enfatiza a representação do conteúdo dos pensamentos das


personagens através do uso de citação e paráfrase, configurando uma significação
condizente ao gênero da obra – um romance de idéias, Veríssimo, por outro lado,
focaliza, em Caminhos cruzados, a fragmentação dos pensamentos das personagens,
através do uso de sintagma preposicionado e relato descontínuo, aspecto também
condizente com o gênero da obra – um romance urbano moderno, entre a crônica de
costumes e a notação intimista.

1.3 A Lingüística de Corpus: instrumental para realização de análises

discursivas

A exploração de corpora para o estudo da linguagem é o foco da Lingüística de Corpus.

Berber-Sardinha (2000) faz um histórico deste campo de estudos que essencialmente pode ser

dividido em duas fases: antes e depois do advento dos computadores. Berber-Sardinha explica

que havia corpus antes do advento dos computadores, já que a palavra corpus significa

conjunto de documentos. Vários estudos, com diversos propósitos, eram conduzidos

manualmente sem o auxílio de computadores, desde a compilação do corpus até a análise dos

dados. No entanto, hoje, quando nos referimos à Lingüística de Corpus, estamos nos referindo

ao estudo baseado em corpora eletrônicos. O seu foco foi assim resumido por Berber-

Sardinha (2000, p.02):


47

A Lingüística de Corpus ocupa-se da coleta e exploração de corpora, ou conjuntos


de dados lingüísticos textuais que foram coletados criteriosamente com o propósito
de servirem para pesquisa de língua ou variedade lingüística. Como tal, dedica-se à
exploração da linguagem através de evidências empíricas, extraídas por meio de
computador.

Deve-se acrescentar ainda que os dados lingüísticos textuais devem ser autênticos, ou seja,

devem ocorrer naturalmente sem a intervenção do lingüista, conforme discutido em Kenny

(2001) e pelo próprio Berber-Sardinha em discussão posterior no mesmo artigo. Da citação, é

importante salientar que o corpus deve ser coletado criteriosamente e ter o propósito de

estudos lingüísticos descritivos, o que o diferenciaria, por exemplo, de uma biblioteca ou de

dados armazenados aleatoriamente na memória de um computador. Um outro aspecto a ser

salientado é que os dados do corpus devem ser passíveis de exploração por programas de

computador. Assim, o pioneiro dos corpora como os conhecemos hoje, de acordo com

Berber-Sardinha, é o Brown University Standard Corpus of Present-Day American English –

Corpus Brown. Lançado em 1964, é composto de quinhentos textos em inglês americano

escrito, contendo duas mil palavras cada, num total de um milhão de palavras. Hoje,

considerado pequeno e um pouco ultrapassado, mantém seu valor por ter sido usado para

diferentes estudos da linguagem tendo como base os mesmos dados e, ainda, por ter servido

de modelo para outros corpora como o LOB Corpus (inglês britânico) e o Kolhapur Corpus

(inglês indiano). Ainda hoje o Corpus Brown pode ser acessado pela Internet através do site

da Linguistic Data Consortium - LDC.21

Berber-Sardinha lembra ainda que a compilação desse corpus sofreu o impacto do então

recém lançamento da obra Syntactic structures de Noam Chomsky, que mudou o paradigma

da lingüística e não corroborava o uso de corpora, pois "os dados necessários para o lingüista

21
http://wave.ldc.upenn.edu/lol/ (acessado em 06 maio 2004).
48

estavam em sua mente e eram acessíveis por meio da introspeção" (BERBER-SARDINHA,

2000, p.02). No entanto, a Lingüística de Corpus se manteve para ser hoje uma das áreas mais

ativas da Lingüística e para vir a contestar práticas e preceitos correntes da disciplina (p.21),

como, por exemplo, a visão chomskyana da linguagem enquanto possibilidade.

A capacidade de armazenamento de corpus cresceu com o melhoramento do desempenho dos

computadores e hoje os corpora chegam a ter mais de quatrocentos milhões de palavras, como

o Bank of English22, e procuram compreender diversos aspectos da linguagem como a

linguagem oral, a escrita, a linguagem de falantes de diferentes origens sócio-econômicas,

idade, sexo, dentre outros (KENNY, 2001).

Berber-Sardinha (2000) também elenca os diversos tipos de corpora que podem ser agrupados

pelos critérios de modo, tempo, seleção, conteúdo, autoria, disposição interna e finalidade,

além de outros. Pelo critério de modo, os corpora podem ser compostos de porções de fala

transcrita ou de textos escritos; pelo critério de tempo, eles podem ser sincrônicos,

diacrônicos, contemporâneos e históricos; pelo critério de seleção, os corpora podem ser de

amostragem, monitores, dinâmicos ou orgânicos, estáticos e equilibrados; pelo critério de

conteúdo, eles podem ser especializados, regionais ou dialetais e multilíngues; pelo critério de

autoria, eles podem ser de aprendiz e de falantes nativos; pelo critério de disposição interna,

diretamente ligado com os Estudos da Tradução (ver seção seguinte), eles podem ser paralelos

ou alinhados e, finalmente, pelo critério de finalidade, os corpora podem ser de estudo, de

referência e de treinamento ou teste.

22
De acordo com o site do Collins Cobuild, http://www.cobuild.collins.co.uk/Pages/boe.aspx acessado em 13
abr. 2004, a última edição do Bank of English, em 2002, contava com 450 milhões de palavras.
49

Kennedy23, citado por Kenny (2001), lista quatro áreas nas quais os lingüistas de corpus

desenvolvem suas pesquisas. A primeira está relacionada com projeto, compilação,

armazenamento e anotação de corpora para uso da comunidade acadêmica. A segunda está

relacionada à descrição da linguagem em termos do léxico e ou gramática. Para exemplificar,

cito Berber-Sardinha (2000, p.23) que explica que questões como colocação, coligação e

prosódia semântica podem ser descritas à luz da Lingüística de Corpus. A terceira área em

que os lingüistas de corpus desenvolvem suas pesquisas é a lingüística computacional que,

com bases em métodos estatísticos de probabilidade, desenvolve programas de computadores

capazes de marcarem um corpus automaticamente, especialmente quanto às partes do

discurso. Por exemplo, "rain" receberia a marcação automática <substantivo> na seqüência

"the rain", baseando-se na premissa que em inglês um determinante é geralmente sucedido de

um substantivo <determinante> <substantivo> ou da impossibilidade da ocorrência da

seqüência <determinante> <verbo>, por exemplo. Um outro exemplo vindo da lingüística

computacional está relacionado à tradução: a tradução automática por computador de certos

trechos baseados em traduções anteriores, armazenadas em corpora bilíngües. Finalmente, a

quarta área é ligada às aplicações do corpus que inclui lexicografia, ensino e aprendizagem de

línguas, dentre outros.

Para o processamento dos corpora, existem no mercado programas de computador como o

WordSmith Tools, descrito em Scott (2001). Com tecnologia Windows, este programa tem a

vantagem de poder ser instalado no computador da casa ou laboratório do estudante, professor

ou pesquisador disposto a adquirir os direitos autorais. Scott o compara a um canivete suíço,

que tem vários componentes com múltiplos usos não determinados nem limitados. Isto quer

dizer que o programa tem um projeto aberto e o seu criador apenas sugere algumas

possibilidades de usos das ferramentas, podendo o usuário descobrir novos usos para cada

23
KENNEDY, Graeme An introduction to corpus linguistics. London and New York: Longman. 1998.
50

uma. Dentre as ferramentas e utilitários do WordSmith Tools temos o WordList, o Concord, o

Keywords, o Text Converter, o Splitter, o Viewer e o Aligner, cujos usos e aplicações são

descritas em Berber-Sardinha (1999). As ferramentas utilizadas nesta pesquisa serão

apresentadas no capítulo de metodologia desta dissertação.

O WordSmith Tools tem várias aplicações no estudo da linguagem e Berber-Sardinha (1999)

lista algumas delas como a identificação de características de gêneros textuais, o estilo de

autores ou períodos históricos, as inovações vocabulares de um período ou tempo

determinado, os usos típicos de uma determinada palavra, dentre outras. Aplicando e

interpretando linhas de concordância geradas pelo Concord, Hunston (2002), por exemplo,

descreve algumas das possibilidades de interpretação das linhas de concordância e explica

como sua apresentação não estática pode influenciar sua interpretação. A autora salienta que o

usuário pode e deve reordená-las de acordo com as várias opções do programa. Investigando a

palavra critical através das linhas de concordância geradas a partir do corpus Bank of English

1999, por exemplo, a autora percebeu que tal palavra freqüentemente segue uma das formas

do verbo be (ser, estar) ou um determinante num grupo nominal. Ao reordenar as mesmas

linhas de concordância, desta vez, com a primeira palavra à direita em ordem alfabética, ficou

evidenciado que a palavra critical é freqüentemente seguida das preposições 'of', 'to' e 'in',

adquirindo significados distintos com cada uma delas.

Também no Brasil pesquisas em Lingüística de Corpus têm sido realizadas. No que tange à

compilação de corpora de grandes dimensões, além do CORDIALL, em pesquisa na Internet,

podemos encontrar alguns corpora como o Lácio-Ref, o MAC-MORPHO e o Banco do

Português, dentre outros. Os dois primeiros foram disponibilizados na Internet, a partir de 20

de janeiro de 2004 pelo Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional – NILC, que


51

está vinculado à Universidade Federal de São Carlos e à Universidade Estadual Paulista. O

corpus Lácio-Ref, com mais de quatro milhões de palavras, é composto de textos de diversos

gêneros e o MAC-MORPHO, com mais de um milhão de palavras, contém textos jornalísticos

de dez cadernos da Folha de São Paulo 1994. O Banco do Português, que em 2003 possuía

240 milhões de palavras, está dentro do projeto DIRECT– PUCSP, mencionado

anteriormente.

Com tantas possibilidades de aplicações nos estudos da linguagem, também a área dos

Estudos da Tradução vem se apropriando da metodologia da Lingüística de Corpus para a

investigação e descrição da tradução, assunto que será discutido na seção seguinte.

1.3.1 A Lingüística de Corpus e os Estudos da Tradução

A seção anterior discutiu as aplicações da Lingüística de Corpus em diversos estudos da

linguagem e pode-se dizer que os tipos de corpora elencados acima também se aplicariam à

tradução com algumas restrições e adaptações. Baker (1995) diz que a terminologia para

discutir corpora nos Estudos da Tradução ainda não está estabelecida e propôs três tipos

principais de corpora: paralelos, multilíngues e comparáveis. No entanto, Kenny (2001),

dentre outros que usam tais termos com significados diferentes, sugere os termos corpora

comparáveis monolíngües, bilíngües e multilíngües e ainda corpora paralelos bilíngües e

multilíngües .

Para Baker (1995), um corpus paralelo consiste de um original em uma língua A e suas

traduções para uma língua B. A autora diz que a principal contribuição de tais corpora é a

mudança de ênfase da prescrição para a descrição nos Estudos da Tradução, permitindo

"estabelecer, objetivamente como os tradutores superam dificuldades de tradução na prática, e


52

usar estas evidências para oferecer modelos reais para os tradutores em treinamento"

(p.231).24 Kenny (2001, p.69) alerta, no entanto, que essa descrição pode, com o tempo, se

tornar prescrição e traduções podem vir a ser consideradas de má qualidade à medida que não

reflitam as normas descritas.

Para Kenny (2001), corpora paralelos são um corpo de textos em uma língua e suas traduções

para uma outra. Eles podem ser bilíngües ou multilíngües. Este último consiste de traduções

de um texto para várias outras línguas. Kenny afirma que o alinhamento dos textos que

compõem estes corpora (ver procedimentos para o alinhamento no capítulo 2 desta

dissertação) é de grande importância para que se acompanhem as decisões de retextualização .

Corpora multilíngües são o conjunto de dois ou mais corpora monolíngües em línguas

diferentes compilados na mesma instituição ou não, mas seguindo os mesmos critérios

(BAKER, 1995). Esse tipo de corpora, ainda segundo Baker, nos permitirão estudar os itens e

características lingüísticas em seu ambiente natural ao invés de estudar como eles são usados

nos textos traduzidos, sendo de grande utilidade para a elaboração de material didático para o

treinamento do tradutor.

Finalmente, corpora comparáveis, ainda de acordo com Baker (1995), consistem de duas

coleções de textos na mesma língua: um corpus consistindo de textos originais na língua

estudada e o outro consistindo de textos traduzidos para aquela língua a partir de uma ou mais

línguas. Os dois corpora devem ter sido elaborados com base nos mesmos critérios, ou seja,

devem cobrir os mesmos gêneros do discurso, conter textos do mesmo período histórico,

dentre outros. Este tipo de corpora permite estabelecer padrões específicos do texto traduzido,

24
Minha tradução de "... establish, objectively, how translators overcome difficulties of translation in practice,
and to use this evidence to provide realistic models for trainee translators”.
53

independente da língua do original ou de chegada. Por exemplo, Baker, usando um corpus de

textos traduzidos para o inglês, menciona o uso do pronome relativo that em estruturas do

discurso indireto. Na possibilidade de ser omitido, ele o é, quando produzido em um texto

originalmente escrito em inglês, mas não o é, quando o texto é uma tradução de outro

originalmente escrito em outra língua.

Kenny (2001) divide os corpora comparáveis em monolíngües, bilíngües e multilíngues. Os

primeiros são compostos de textos em apenas uma língua e podem ser compostos de textos

escritos originalmente em uma determinada língua, conforme descrito na seção anterior ou de

textos traduzidos para uma determinada língua; os dois últimos tipos, sem muita aplicação nos

Estudos da Tradução, consistem de textos em diferentes línguas relacionados entre si pela

base de seu conteúdo similar e com a mesma função comunicativa.

Em estudos recentes podemos perceber duas vertentes dos estudos de corpora aplicados à

tradução. A primeira se baseia em corpora de grandes dimensões (BAKER,1993; LAVIOSA

1997, dentre outros). Baker (1993) afirma que as pesquisas baseadas em grandes corpora

podem contribuir para o entendimento da tradução como um evento singular bem como para a

descrição de normas de tradução, conceito introduzido por Toury e descrito pela autora

(p.239). Para Baker, grandes corpora podem ainda contribuir para o esclarecimento de

características do texto traduzido, como mencionado acima na discussão de corpora

comparáveis.

Laviosa (1997), também trabalhando com corpus de grande dimensão, descreve o English

Comparable Corpus – ECC, construído a partir de 1994, especificamente para o estudo da

natureza lingüística do texto traduzido. O ECC consiste de duas coleções de textos


54

eletrônicos: o Translational English Corpus – TEC, composto de textos de diversos gêneros

traduzidos para o inglês a partir de várias línguas e o Non-Translational English Corpus –

NON-TEC, composto de textos com características similares àquelas dos textos que compõem

o TEC. A autora conduziu uma série de análises comparativas entre alguns dos sub-corpora

que compõem o ECC e seus resultados revelaram padrões de uso lexical nos textos traduzidos

como maior uso de palavras gramaticais e maior uso das palavras de alta freqüência do inglês,

dentre outros padrões.

A segunda vertente dos estudos de corpora aplicados à tradução se baseia em estudos de

corpora de pequenas dimensões. Sinclair (2001), prefaciando uma coleção de textos que ele

considera uma celebração de tais corpora, afirma ser a metodologia que define um corpus

como sendo de pequenas dimensões. O autor lembra que o que era considerado grande

quarenta anos atrás, hoje é minúsculo diante do esforço cada vez maior na compilação de tal

material. Basta comparar, por exemplo, o Corpus Brown e o Bank of English discutidos

anteriormente. Assim, Sinclair denomina corpora de pequenas dimensões aqueles projetados

para intervenção humana antecipada, ou seja, o material é processado pelo computador e as

evidências são interpretadas diretamente pelo pesquisador que tem um objetivo claro em

mente e que construiu um corpus para tal investigação. No âmbito da tradução, além de Cruz

(2003), Mauri (2003) e Jesus (2004), resenhados na seção de aplicações da transitividade,

também Ghadessy e Gao (2001) e Munday (1998) são exemplos de aplicações de estudos com

corpora de pequenas dimensões e serão resenhados a seguir.

Ghadessy e Gao (2001), com um corpus paralelo composto de textos em inglês (língua de

partida) e textos em chinês (língua de chegada), estudam os padrões temáticos nos dois textos

e concluem que, mesmo havendo algumas mudanças, existe correlação entre os temas nos
55

textos em ambas as línguas. Munday (1998), usando o corpus paralelo composto pelo conto

Diecisiete ingleses envenenados, de Gabriel Garcia Marques, e sua tradução para o inglês,

investiga, dentre outros aspectos, os traços coesivos e a ordem das palavras nos textos em

espanhol e em inglês. Sua análise evidencia mudanças na textura dos textos, especialmente no

ponto de vista narrativo.

O interesse dos pesquisadores em tradução por corpora constituídos por um texto em uma

língua A e sua tradução para uma língua B, que constitui a base da própria área dos Estudos

da Tradução, remonta aos primórdios da referida área. Na abordagem de Estudos da Tradução

baseada na Lingüística de Corpus, esses corpora são denominados paralelos. O conceito

adquiriu, no entanto, novas nuanças com o advento dos computadores e com as várias

pesquisas feitas com esses corpora no âmbito desta nova abordagem. Ainda que possam ser

vistos como estudos de caso, os resultados dos estudos baseados em corpus de pequena

dimensão lançam luz no debate em torno da tradução, pois padrões de retextualização podem

emergir ao somarem-se os resultados de uma pesquisa individual aos de outras que seguem

princípios teóricos e metodológicos semelhantes.

Baker (1993) afirma que à medida que o debate se distancia da equivalência e se encaminha

para os estudos descritivos da tradução, o uso de recursos eletrônicos torna possível análises

comparativas de textos de partida e de textos de chegada e oferece uma metodologia e

procedimentos de pesquisa, que, para ela, são requisitos essenciais para que se façam

generalizações do comportamento da tradução. Acredito que, se não para fazer essas

generalizações, os estudos baseados em corpora paralelos contribuirão, no futuro,

cumulativamente, para viabilizar os estudos das normas que regem a tradição de tradução de
56

uma determinada cultura como sugerido por Toury25, citado por Baker (1993). No caso

específico desta dissertação, seus resultados se juntariam a outros dentro do escopo do Corpus

Discursivo para Análises Lingüísticas e Literárias – CORDIALL, visando a uma abrangência

maior nos estudos.

No capítulo 2, são apresentados o corpus desta pesquisa bem como a metodologia utilizada e,

no capítulo 3, são apresentados os dados encontrados e análise e comentários são tecidos num

diálogo com outros resultados encontrados pelas pesquisas desta revisão teórica.

25
TOURY, G What are descriptive studies into translation likely to yield apart from isolated descriptions. IN:
van LEUVEN-ZWAERT, K.M.; NAAIJKENS, T (Eds). Translation studies: the state of the art. Amsterdan:
Rodopi. 1991. P. 179-192.
57

CAPÍTULO 2 METODOLOGIA

Como dito anteriormente, o corpus de análise é composto pelo romance Beloved de Toni

Morrison e sua tradução para o português brasileiro, Amada, por Evelyn K. Massaro. Antes de

partir para sua análise, na seção 2.1, faço uma contextualização do romance em inglês e da

tradução; na seção 2.2 descrevo as etapas para sua preparação e, na seção 2.3, apresento os

procedimentos de análise.

2.1 Contextualização do romance que constitui o corpus

O contato com o corpus apenas por meio eletrônico pode tornar a pesquisa "fria" como se

para os propósitos do pesquisador bastasse uma coleção de textos qualquer. De fato, a

metodologia utilizada nesta pesquisa deve ter a capacidade de ser replicada em "qualquer"

coleção de textos e há de se considerar também que outros interesses de pesquisa permitem

esse distanciamento. No entanto, ao se trabalhar com corpora de pequenas dimensões

explorando aspectos discursivos como nesta pesquisa, o contato com o material impresso é

possível e informações valiosas podem ser conseguidas. Tais informações, ainda que aqui não

exploradas em profundidade, podem ser úteis, por exemplo, para os Estudos Descritivos da

Tradução, que teriam outros instrumentais necessários para a análise de elementos como a

capa do romance ou os paratextos, por exemplo. Assim, com o intuito de não tomar a obra

aqui analisada fora de um contexto, abaixo são registradas algumas informações que podem

ser perdidas se visualizadas apenas na tela de um computador ou limitadas às possibilidades

de anotação do corpus.26

26
Hunston (2002, p.79) explica que "anotação" é o processo de acrescentar informações a um corpus com o
objetivo de interpretá-lo lingüisticamente.
58

Para a compilação do corpus foi utilizada a edição da Editora Picador do romance em inglês e

a edição em português da editora Best Seller, que é uma divisão da Editora Nova Cultural. O

romance em inglês foi publicado nos Estados Unidos em 1987 e foi traduzido e publicado em

português no mesmo ano. Apesar de ser uma obra relativamente recente, pouca informação

foi conseguida sobre a publicação da obra no Brasil. Foi feito contato com a editora que

afirmou não ter informação alguma quanto ao contexto da publicação, uma vez que o livro

está fora do catálogo.27

Nos Estados Unidos, o romance Beloved foi vencedor do Prêmio Pulitzer para Ficção em

1988 e, juntamente com outras obras como Canção de Salomão (Song of Salomon) (1977) e

Jazz (Jazz) (1992), fez de Toni Morrison a primeira escritora afro-americana a ganhar o

Prêmio Nobel de Literatura, em 1993.

Para contextualizar a tradução foi feita uma entrevista com a tradutora através de questionário

(ANEXO II) traduzido e adaptado pela equipe do Núcleo de Estudos da Tradução - NET, a

partir do questionário de Baker (2000). A partir das respostas ao questionário percebe-se que

tanto a autora quanto a tradutora são do sexo feminino e heterossexuais; a autora é americana

enquanto a tradutora é brasileira; a autora é afro-americana enquanto a tradutora se declara

branca. Quanto às informações profissionais, a tradutora trabalhava como free lancer em

tempo parcial e tinha vasta experiência com tradução: 27 anos traduzindo diversos gêneros,

tendo já traduzido outros romances da mesma autora. Em relação ao texto traduzido, ele foi

revisado por uma terceira pessoa cuja identidade não é do conhecimento da tradutora, porém

27
Foram feitas tentativas sem sucesso de correspondências via e-mail através da seção "Contato" no site da
editora na Internet e, finalmente, em 17 abr. 2004, foi feito contato telefônico quando fui informado pelos
departamentos comercial e editorial da editora que estas informações não existiam mais.
59

esta admite que as intervenções foram poucas; a tradução foi feita no mesmo ano da

publicação do romance em inglês, ou seja, em 1987, e a tradutora levou aproximadamente três

meses para fazê-la; a agência que solicitou o serviço não passou nenhuma instrução a não ser

a solicitação de urgência. Ainda de acordo com as informações colhidas através do

questionário, percebe-se que a fonte de consulta da tradutora foi essencialmente o seu

conhecimento prévio da história dos Estados Unidos, além de dicionários e enciclopédias

disponíveis em seu escritório em casa onde a tradução foi realizada em uma máquina de

escrever mecânica. Finalmente, as respostas indicam que a tradutora não sentiu dificuldades

em realizar a tradução por já ter traduzido Canção de Salomão (Song of Salomon) da mesma

autora que, de acordo com a tradutora, manteve seu estilo.

O romance é estudado na disciplina de literatura americana do curso de graduação da

Faculdade de Letras da UFMG e faz parte do CORDIALL, pois além de ser estudado sob o

ângulo dos Estudos da Tradução, o enredo do romance está relacionado com a área de

interesse de pesquisas em identidades raciais desenvolvidas inicialmente na linha de pesquisa

Análise do Discurso e mais recentemente na linha de pesquisa Práticas Identitárias do

Programa de Pós Graduação em Lingüística da Faculdade de Letras da UFMG.

O romance é apresentado em três blocos denominados Primeira Parte (One), Segunda Parte

(Two) e Terceira Parte (Three) composto de capítulos sem títulos ou sequer numeração. Para

facilitar a discussão abaixo, no entanto, os dividi em 28 "capítulos" que são marcados pelo

início recuado na página da versão impressa.

Quanto a informações paratextuais contidas no anverso e verso da capa, a edição em inglês

traz o título ocupando metade do anverso da capa seguido do nome da autora também em
60

destaque, com uma chamada informando que a autora foi vencedora do Nobel de Literatura

em 1993; o verso traz citações de jornais, revistas e críticos literários recomendando a leitura

da obra. Já a edição em português traz no anverso da capa uma ilustração com o rosto de uma

mulher de origem africana em aquarela com destaque para o título em português e em inglês,

além do destaque para o nome da autora, bem como uma chamada para o fato de a autora ter

estado na lista de sucessos da Publishers Weekly por 30 semanas; o verso traz uma introdução

à autora bem como à história do livro, além de citações da crítica literária.

Outras informações paratextuais podem ser conseguidas nas contracapas. O nome da tradutora

aparece na primeira contracapa da edição em português, logo abaixo do título do romance. As

contracapas seguintes trazem dois paratextos: a) "Sessenta milhões ou mais", uma alusão a

um eventual número de escravos e, b) a citação de Romanos 9,25 "Chamarei meu povo àquele

que não é meu povo e amada àquela que não é amada", estabelece um diálogo com o texto

bíblico.

Beloved / Amada é contextualizado na era da Reconstrução na Ohio de 1873 e centra-se nos

poderes da memória e da história dando voz aos "não lembrados". Para os ex-escravos do

romance, a escravidão é um fardo que eles tentam esquecer. Holden-Kirwan (1998), citando

uma entrevista de Toni Morrison publicada na revista Time em 1989, diz que a escravidão de

africanos e afro-americanos nos Estados Unidos é, para Morrison, alguma coisa que nem os

personagens em Beloved, nem ela [Morrison], nem os americanos de qualquer origem querem

lembrar. Holden-Kirwan diz, no entanto, que o romance força o leitor a reconhecer a

existência e condições da escravidão em um país que preferiria esquecer que tal crime tenha

sido cometido.
61

Para reconstruir esse passado de escravidão, Morrison toma como base o caso real de

Margaret Garner28 e cria a Sethe Garner29, a protagonista do romance, a quem as memórias da

escravidão são inescapáveis. Ainda que Sethe tente resistir a elas, essas literalmente

continuam a assombrá-la através do espírito de Amada, sua filha, que Sethe preferiu matar a

entregar de volta à escravidão. Assim, para Ward (2003), Morrison cria um comentário

poderoso sobre o legado histórico e psicológico da escravidão, recuperando a história que foi

perdida pelas atrocidades dos silêncios forçados e esquecimentos desejados, dando voz às

pessoas a quem, historicamente, foram negados os poderes da linguagem.

"Sethe" não é um nome comum em inglês. Não ocorre nenhuma vez no Corpus Brown ou no

British National Corpus30. No portal de busca Yahoo, na Internet, "Sethe" ocorre

aproximadamente 22.000 vezes, mas, consultando-se aleatoriamente as páginas relacionadas,

constata-se que a maioria dessas está relacionada à personagem de Toni Morrison.

Considerando que o nome da personagem seja uma variação de Seth, o nome "Sethe"

incorpora algumas das dualidades do caráter da personagem podendo ser pronunciado de duas

formas em inglês: "Seth" e "Seth-thuh", sugerindo que a primeira pronúncia vem do Velho

Testamento, enquanto a última alude a um deus trickster egípcio. Campbell (1996) diz que

"Seth" significa "concedido", "apontado" em hebreu. No velho testamento, Seth, em

português Set31, foi o terceiro filho de Adão e Eva; na mitologia grega, Seth é a forma grega

das formas Set ou Setekh, que possivelmente significava "pilar" ou "ofuscante". Seth era o

deus egípcio do caos, o carrasco de Osiris.

28
Mucley (2004) lista, no entanto, pelo menos, onze divergências entre Beloved e o caso Margaret Garner.
29
Em Beloved / Amada todos os personagens têm nome e sobrenome exceto Sethe. Podemos constituir seu nome
completo, no entanto, ao considerar que na época os escravos adquiriam o sobrenome de seu senhor. Paul D., por
exemplo, também escravo no mesmo romance, é chamado de Paul D. Garner por pertencer ao sr. Garner. Sethe
também pertencia ao Sr. Garner, desta forma, podemos dizer que seu nome era Sethe Garner.
30
Consulta feita a ambos os portais em 13 abr. 2004, através das versões disponíveis on line para visitantes.
31
Gênesis 4,25
62

A Sethe de Beloved /Amada é uma mulher com auto-determinação, disposta a fugir grávida e

sozinha em busca da própria liberdade e da de seus filhos, pois sabia que não queria passar

sua vida sob o controle de outros. Seu ato infanticida pode ser interpretado como seu desejo

de reivindicar o que é seu e a disposição de assumir o controle do seu próprio destino sem que

outros tomem decisões por ela. Para Ward (2003), Sethe é uma mulher nobre e orgulhosa.

Preferia roubar a comida do restaurante onde trabalhava a ter que esperar na fila com o resto

da comunidade, no entanto, não é orgulhosa a ponto de não receber ajuda da comunidade.

Sua devoção aos filhos é uma das características marcantes de Sethe. Foi essa devoção que a

compeliu a tomar a dura decisão de tentar matá-los, e efetivamente o fez com uma das

crianças, para protegê-los da escravidão que conhecera e da qual tentava fugir. É em torno

desse ato infanticida que a história do romance gira, flutuando entre um passado imediato e

distante com transições para o presente. O ato é mencionado desde as primeiras páginas, mas

somente descrito pela primeira vez no capítulo 16 sob a perspectiva32 do Professor, uma das

personagens brancas do romance e administrador da fazenda Sweet Home.

Posteriormente, Stamp Paid, um ex-escravo que comprou sua liberdade, e a própria Sethe dão

as suas versões para o ato de Sethe.

O narrador em Beloved / Amada é onisciente e narra na terceira pessoa sob a perspectiva de

diferentes personagens; a história é, entretanto, também narrada em primeira pessoa pelos

próprios personagens em alguns trechos, como nos capítulos 20 a 23, que consistem em três

monólogos e um coro.

32
Lothe (2000, p.39) diz que "a perspectiva narrativa não é só uma questão da percepção visual do narrador
sobre os eventos e personagens, mas também de como ele ou ela os vive, julga e interpreta". Minha tradução de:
"Narrative perspective is not only a matter of the narrator's visual perception of events and characters, but also of
how he or she experiences, judges, and interprets them."
63

É saliente reforçar que embora haja instrumental em outras vertentes da tradução para análise

de capa e paratexto, não é propósito desta pesquisa usá-los aqui tendo em vista o escopo deste

trabalho, mas acredito que tais informações, em trabalhos posteriores, podem contribuir, por

exemplo, para o estudo das mudanças e normas de tradução, ou para o estudo de hibridismo

genérico no romance. As informações da crítica literária, no entanto, serão úteis na

investigação da representação da personagem através da transitividade e dos processos.

2.2 Preparação do Corpus

Antes de proceder à análise do Corpus Beloved-Amada, os romances em português e em

inglês foram digitalizados para que pudessem ser manipulados pelo programa de computador.

Digitalizar o corpus significa transformá-lo em um formato passível de leitura por programas

de computador, ou seja, copiá-lo através de um scanner e salvá-lo na memória do

computador. Nesta pesquisa, o Corpus Beloved-Amada já estava disponível em formato

eletrônico no CORDIALL; no entanto, estava em fase de correção. Vários erros aconteceram

no processo de leitura do scanner, tornando necessária uma correção minuciosa para que a

leitura posterior dos dados quantitativos ou o próprio processo de alinhamento não fossem

afetados.

Um exemplo comum que afetaria a leitura dos dados quantitativos, caso não fosse corrigido,

foram as várias ocorrências de "eat" (comer), em Beloved, digitalizadas como "cat" (gato). Ao

fazer a lista de ocorrências de palavras utilizando o Wordlist foi percebido uma grande

ocorrência de tal palavra, fazendo com que se pensasse que o referido animal teria um papel
64

alegórico importante dentro do romance de Toni Morrison. O engano foi eliminado ao se

comparar a lista de palavras de Amada, onde não havia nenhuma ocorrência de "gato". Já a

incorreção que afetaria o processo de alinhamento foi a inclusão ou exclusão de pontos finais,

que é uma das marcas que determinam o início e fim de períodos. Dependendo da qualidade

da impressão do texto a ser digitalizado, um ponto final pode ser omitido ou acrescentado

indevidamente, o que freqüentemente aconteceu, especialmente após a letra "a".

Após a correção dos textos, usando a ferramenta Viewer & Aligner do WordSmith Tools, foi

gerado um alinhamento frase por frase. Essa ferramenta permite visualizar a primeira frase do

original sucedida, logo abaixo, da primeira frase do texto traduzido e, em seguida, a segunda

frase e assim por diante. Por “frase” o programa entende qualquer seqüência de palavras

digitadas seguidas de um ponto final (.), seguido de um espaço (toque na barra de

espaçamento do teclado do computador) e de uma letra maiúscula. Assim, no exemplo abaixo,

o programa leria quatro frases, sendo a primeira terminando em ele., a segunda iniciando em

Os brancos, a terceira em Negros e a última em Stamp.

E a ele. Os brancos ainda estavam à solta. Negros eram expulsos de algumas


cidades; oitenta e sete linchamentos num único ano em Kentucky; quatro
escolas para negros totalmente queimadas; adultos apanhando como
crianças; crianças apanhando como adultos mulheres negras estupradas;
propriedades roubadas; pescoços quebrados. Stamp sentia o cheiro de pele,
pele e sangue quentes(Amada, p. 210).

Os textos alinhados são visualizados na tela do computador como na FIG. 3 abaixo:


65

FIGURA 3 - Exemplo de texto alinhado

Entretanto, mesmo após devidamente corrigido, foram percebidas diferenças na leitura das

frases. Casos, como por exemplo: sr.Garner/Mr.Garner, que segue o padrão ponto final >

espaço > maiúscula, estabeleciam um corte de segmentos após sr./Mr. que desalinhava as

frases seguintes. Além disso, o programa somente fez parte da tarefa de alinhamento.

Como escolha de retextualização, a tradutora muitas vezes não retextualizou a mesma

seqüência de frases. Assim, uma frase no original foi retextualizada como duas no texto

traduzido; três frases do original foram retextualizadas como uma só no texto traduzido; frases

do original não foram retextualizadas no texto traduzido; frases não presentes no original

foram acrescentadas no texto traduzido, dentre outros casos, como nos exemplos abaixo:
66

Exemplo de uma frase no original retextualizada como duas no texto traduzido:

3305 <!--L1, S 1653-->But he begged sick and I put on my dress and


we walked into the corn holding hands.
3306 <!--L2, S 1653-->Mas naquele dia falou que caíra doente. Pus
meu vestido e fomos para o meio do milharal, de mãos dadas.

Exemplo de três frases do original retextualizadas como uma só no texto traduzido:

3299 <!--L1, S 1650-->Even our honeymoon: going down to the


cornfield with Halle. That's where we went first. A Saturday afternoon
it was.
3300 <!--L2, S 1650-->Até de nossa lua-de-mel no milharal, numa
tarde de sábado.

Exemplos de frases do original não retextualizadas no texto traduzido, aqui representadas por

"[]", convenção que estabeleci para levantamento de elipses na retextualização:

3357 <!--L1, S 1679-->"Ouch.


3358 <!--L2, S 1679-->-- Ai!
3359 <!--L1, S 1680-->"Your woman she never fix up your hair?
Beloved asked.
3360 <!--L2, S 1680-->-- Sua mulher, ela nunca arrumava seu
cabelo? - perguntou Amada.
3361 <!--L1, S 1681-->Sethe and Denver looked up at her.
3362 <!--L2, S 1681-->[ ]
3363 <!--L1, S 1682-->After four weeks they still had not got used to
the gravelly voice and the song that seemed to lie in it.
3364 <!--L2, S 1682-->[ ]
3365 <!--L1, S 1683-->Just outside music it lay, with a cadence not
like theirs.
3366 <!--L2, S 1683-->[ ]
3367 <!--L1, S 1684-->"Your woman she never fix up your hair?"
was clearly a question for Sethe, since that's who she was looking at.
3368 <!--L2, S 1684-->[ ]
3369 <!--L1, S 1685-->"My woman? You mean my mother?
3370 <!--L2, S 1685-->-- Minha mulher? Está querendo dizer minha
mãe?

Exemplo de frases não presentes no original e acrescentadas como escolha tradutória no texto

traduzido, aqui representadas por "[ ] [ ]", convenção que estabeleci para levantamento de

frases adicionadas na retextualização:

7625 <!--L1, S 3813-->Just keep your same ways, you'll be all right.
67

7626 <!--L2, S 3813-->-Continue agindo como sempre, e isso logo


vai passar.
7627 <!--L1, S 3814-->She covered her mouth to keep from laughing
too loud.
7628 <!--L2, S 3814-->Ela cobriu a boca para não rir muito alto.
7629 <!--L1, S 3815-->[] []
7630 <!--L2, S 3815-->-- Escute, Jenny? não há motivo para ficar
assustada - continuou o sr. Garner.
7631 <!--L1, S 3816-->"These people I'm taking you to will give you
what help you need.
7632 <!--L2, S 3816-->- Estou levando-a para pessoas que lhe darão
toda a ajuda que for necessária.
7633 <!--L1, S 3817-->Name of Bodwin.
7634 <!--L2, S 3817-->O nome deles é Bodwin.

Além dos exemplos acima, que poderiam ocorrer em qualquer corpus, em Beloved/Amada o

capítulo 21 é narrado pela personagem Amada, cuja identidade é questionável, mas é

freqüentemente interpretada como o fantasma do bebê que Sethe degolou e retornou no corpo

de uma mulher dezoito anos mais tarde. Como um bebê no corpo de uma mulher, sua fala não

é aparentemente coerente e é composta por frases soltas e sem pontuação alguma. Apenas a

primeira frase é seguida de ponto final. As demais são separadas por espaços. Neste caso, o

programa do computador interpretou o capítulo inteiro como apenas duas frases e, para

correção do alinhamento, foi seguido o padrão dos espaços observados na versão impressa do

romance.

Após a correção manual do alinhamento automático, o Corpus Beloved-Amada, corrigido,

alinhado e etiquetado, se compõe de 7.820 frases, ou melhor, Unidades de Alinhamento, pois,

pelo exposto acima, nem sempre essas "frases" correspondem ao seu conceito gramatical.

Proponho o termo Unidade de Alinhamento baseado no conceito de Unidade de Tradução

proposto em Alves (2000, p.38) como "um segmento do texto de partida, independente de

tamanho e forma específicos, para o qual, em um dado momento, se dirige o foco de atenção

do tradutor"
68

Assim, Unidade de Alinhamento seria um segmento do texto original seguido de um

segmento do texto traduzido, independente de tamanho e forma específicos, para o qual, em

um dado momento, se dirige o foco de atenção do analista com o propósito de mapear um

todo significativo e acompanhar escolhas tradutórias.

Com o corpus em mãos eu estava pronto para responder minha pergunta inicial: Será a

personagem Sethe do romance de Toni Morrison representada da mesma forma na tradução

para o português brasileiro feita por Evelyn K. Massaro? Um estudo preliminar feito como

tarefa final numa das disciplinas de mestrado, quando o corpus ainda não estava alinhado,

apontou para deslocamentos que iam desde o número total de processos encontrados nos dois

textos até a diferença do percentual de cada processo. Neste estudo preliminar, especulava-se

que a Sethe de Beloved agia mais e dizia menos que a Sethe de Amada. A Sethe em português

percebia e se expressava mais com o corpo que a Sethe em inglês e a Sethe de Beloved era

construída mais em relação a outros participantes que a Sethe de Amada. Os resultados com o

corpus alinhado serão discutidos no capítulo seguinte.

2.3 Procedimentos de Análise

Para proceder com a análise, algumas etapas foram seguidas como descritas abaixo:

2.3.1 A busca Inicial

Para iniciar as investigações, a busca pelas ocorrências de "Sethe" foi feita inicialmente

através do Wordlist nos dois textos em separado. Foram encontradas 601 ocorrências em

Beloved (incluindo as ocorrências de "Sethe's") e 624 em Amada.


69

Esperava-se uma diferença maior considerando o que Baker (1992 p.183) afirma ao discutir

aspectos coesivos. De acordo com a autora, há uma tendência de o inglês se apoiar na

referência pronominal como elo coesivo, enquanto o português brasileiro geralmente favorece

a repetição lexical.

Posteriormente, ao se analisarem as linhas de concordância, observou-se que o item lexical

"Sethe" em Beloved é retextualizado para o português também como "Sethe" em 509

ocorrências, ou seja, em 84,7% dos casos. No entanto, percebe-se que a diferença de

ocorrências é de apenas 23, ou seja 3,8%. Isto parece ser devido a padrões diferentes de

coesão lexical nos dois textos. Noventa e duas ocorrências de "Sethe" em Beloved foram

retextualizadas como a mãe, a mulher, ela, a escrava, dentre outros. Em 115 casos "the

woman", "the mother", dentre outros, foram retextualizados como "Sethe".

Levando-se em consideração o fato de que Baker (1992) não faz uma afirmação categórica

sobre a questão (observem-se os recursos modalizadores "uma tendência" e "geralmente"

usados pela autora), pode-se dizer que os dados acima não jogam por terra a afirmação de

Baker, mas também não a corroboram. Acredito que a diferença de 3,8% de ocorrências em

um corpus de pequena dimensão não seja suficiente para afirmar que as duas línguas tenham

aspectos de coesão distintos no que tange a repetição lexical. Escolhas de tradução como "her

mouth" para a "boca de Sethe", por exemplo, podem indicar um cuidado para evitar

cacofonia como "a boca dela". O número de ocorrências de "Sethe" em Amada também foi

elevado pelas duas ocorrências em Beloved de "Seth-thu", possíveis referências a pronúncia

do nome "Sethe" em inglês33, que foram retextualizadas como "Sethe". Vale lembrar,

contudo, que o foco dessa dissertação não são aspectos de coesão, portanto uma análise

33
Ver discussão sobre o nome "Sethe" na seção anterior.
70

detalhada deve ser feita para se chegar a afirmações mais conclusivas e para dialogar com o

trabalho citado por Baker.

2.3.2 As Linhas de Concordância

Após a busca com o WordSmith, utilizando uma versão .txt do Corpus Beloved-Amada

alinhado, com a ferramenta Concord, foram geradas 1.225 linhas de concordância com o

nódulo "Sethe". Nódulo é a palavra central da linha de concordância que foi usada como

palavra de busca. Tal número é equivalente ao número de ocorrências de "Sethe" encontradas

pelo Wordlist, discutido acima.

O programa Concord nos permite observar as linhas de concordância ordenadas de várias

formas: de acordo com a primeira palavra à esquerda ou à direita listadas em ordem alfabética

ou pela ordem de ocorrência no texto, dentre outras possibilidades. Nesta pesquisa foi

utilizada a ordem de ocorrência no texto selecionando-se a opção "File (arquivo)" nas opções

de ordenamento do programa. Assim, a primeira ocorrência de Sethe em Beloved aparece

próximo à primeira ocorrência de Sethe em Amada. O QUADRO 6, abaixo, traz exemplos de

como as linhas de concordância apareceram.

QUADRO 6
Exemplo de linhas de concordância do arquivo tudo.
N Concordance
1 or years each put up with the spite in his own way, but by 1873 Sethe and her daughter Denver were its only victims. 16
2 com o fato a sua própria maneira - por volta de 1873, contudo, Sethe e a filha Denver eram as únicas vítimas. 17
3 , in the dead of winter, leaving their grandmother, Baby Suggs; Sethe, their mother; and their little sister, Denver, all by th
4 No auge do inverno, abandonaram a avó, Baby Suggs, Sethe, a mãe, e a irmãzinha, Denver, sozinhas na casa bra
5 u don't. 46 Ou então cor-de-rosa. 47 And Sethe would oblige her with anything from fabric to her own ton
6 er with anything from fabric to her own tongue. 48 E Sethe tentava agradá-la mostrando-lhe qualquer coisa, desde
7 rincipal alegria da vida era muito imprudente. 53 So Sethe and the girl Denver did what they could, and what the h
8 ld, and what the house permitted, for her. 54 Assim, Sethe e Denver faziam o que podiam - e o que a casa permitia

As 1.225 linhas de concordância geraram um arquivo que denominei tudo o qual foi

subdividido em três outros: a) o arquivo SetheSethe, b) o arquivo SetheEla e c) o arquivo


71

SheSethe. Essa subdivisão foi necessária para permitir o acompanhamento par e par das

escolhas de tradução das ocorrências de "Sethe" encontradas na busca inicial.

O arquivo tudo é uma versão .txt das linhas de concordância geradas pelo concordanceador e

sua numeração segue a ordem de ocorrência no corpus conforme mencionado no parágrafo

anterior.

No arquivo SetheSethe, as ocorrências de "Sethe" em Beloved foram retextualizadas também

como "Sethe" em Amada. Ele é composto de 1.018 linhas de concordância, sendo 509 em

inglês e 509 em português. Essas linhas de concordância receberam uma nova numeração,

com referência ao número de origem. Por exemplo, na numeração, "15SetheSethe18tudo" o

primeiro número (15) refere-se à ordem de seqüência no arquivo; "SetheSethe" é o nome do

arquivo; e o próximo número (18) é o número de origem do arquivo "tudo". O QUADRO 7,

abaixo, exemplifica como elas aparecem no arquivo:

QUADRO 7
Exemplo de linhas de concordância do arquivo SetheSethe
11SetheSethe11tudo Sethe opened her eyes.
12SetheSethe12tudo Sethe abriu os olhos.

13SetheSethe13tudo Sethe released her daughter's hand and together they pushed t
14SetheSethe14tudo Sethe soltou a mão da filha e juntas empurraram o aparador de

15SetheSethe18tudo "That's all you let yourself remember," Sethe had told her, but he was down to one
16SetheSethe19tudo -- É tudo que você se permite recordar - dissera Sethe. E agora que lhe restava só

17SetheSethe24tudo Sethe balled up her stockings and jammed them into her pocke

No arquivo SetheEla, as ocorrências de "Sethe" em Beloved foram retextualizadas como "ela",

"a mãe", "a escrava", dentre outros, em Amada. Ele é composto de 92 linhas de concordância

em inglês e 92 inserções em português. As linhas de concordância também receberam nova

numeração. Por exemplo, a numeração 3SetheEla95tudo, semelhante à numeração do arquivo

anterior, faz referência ao número seqüencial no arquivo, ao nome do arquivo e ao número de

origem no arquivo tudo. No entanto, na numeração 3aSetheEla95tudo, foi acrescentada a letra a


72

para indicar que esta frase foi inserida para análise e não consta das linhas de concordância,

uma vez que não apresentava ocorrência de "Sethe". Nesse arquivo, aproveitando que foi

necessária uma busca manual para inserção das escolhas de tradução, as linhas de

concordância foram expandidas para as Unidades de Alinhamento discutidas na seção anterior

sobre alinhamento. O QUADRO 8, abaixo, traz exemplos de como elas aparecem nesse

arquivo:

QUADRO 8
Exemplo de Unidades de Alinhamento do arquivo SetheEla
3SetheEla95tudo 1089 <!--L1, S 545-->The three of them, Sethe, Denver, and Paul D, breathed to
the same beat, like one tired person.
3aSetheEla95tudo 1090 <!--L2, S 545-->Os três respiravam no mesmo ritmo, como uma única pessoa
cansada.

4SetheEla106tudo 1247 <!--L1, S 624-->It made sense for a lot of reasons because in all of Baby's
life, as well as Sethe's own, men and women were moved around like checkers.
4aSetheEla106tudo 1248 <!--L2, S 624-->Isso fazia sentido por muitos motivos. Durante toda a vida
de Baby, como na sua própria, homens e mulheres eram removidos de um lado para o
outro como peças num jogo de damas.

Finalmente, no arquivo SheSethe, composto de 115 linhas de concordância em português e

115 inserções em inglês, ocorrências de "She" "the woman", dentre outras em Beloved foram

retextualizadas como "Sethe" em Amada. A numeração segue o padrão estabelecido nos

arquivos anteriores e com a inserção manual recebendo a letra "a". A linha de concordância

também foi expandida para Unidade de Alinhamento conforme discutido anteriormente. O

QUADRO 9, a seguir, contém exemplos de como elas aparecem no arquivo:

QUADRO 9
Exemplo de Unidades de Alinhamento do arquivo SheSethe
2aSheSethe17tudo 131 <!--L1, S 66-->Not only did she have to live out her years in a house palsied
by the baby's fury at having its throat cut, but those ten minutes she spent pressed up against dawn-colored stone
studded with star chips, her knees wide open as the grave, were longer than life, more alive, more pulsating than
the baby blood that soaked her fingers like oil.
2SheSethe17tudo 132 <!--L2, S 66-->Sethe não apenas tivera de viver desde então numa casa
convulsionada pela raiva do bebê por ter tido sua garganta cortada; aqueles dez minutos que passara pressionada
contra a pedra cor de alvorada salpicada de lascas como estrelas, os joelhos abertos tal qual uma cova, foram
maiores do que a vida, mais vivos, mais pulsantes do que o sangue do bebê que encharcava seus dedos como
óleo.
73

2.3.3 As Unidades de Análise

Além das Unidades de Alinhamento inseridas manualmente, também as próprias linhas de

concordância, às vezes, foram expandidas quando evidenciavam a ocorrência de um processo

fora de seus limites. O QUADRO 10, abaixo, traz exemplos de linhas de concordância

simples e o QUADRO 11, exemplos de linhas de concordância expandidas:

QUADRO 10
Exemplo de linha de concordância simples
433SetheSethe512tudo r. 5354 Não é muito longe daqui. 5355 Sethe couldn't think of
anything to do, so grateful was she, so s
434SetheSethe513tudo ation. 5356 Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe descascou
uma batata, comeu um pedaço, colocou-a de

QUADRO 11
Exemplo de linha de concordância expandida
433SetheSethe512tudo r. 5354 Não é muito longe daqui. 5355 Sethe couldn't think of
anything to do, so grateful was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and ate
more in quiet celebration
434SetheSethe513tudo ation. 5356 Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe descascou
uma batata, comeu um pedaço, colocou-a de lado, depois pôs-se a comer
novamente, numa silenciosa celebração

No exemplo da linha de concordância simples acima, percebe-se, pelo português, a presença

de processos (descascou, comeu, colocou) excluídos na linha de concordância em inglês.

Nesse, e em casos semelhantes, a expansão (she peeled a potato, ate it, spit it up and ate more

in quiet celebration) foi feita manualmente.

O conjunto "linhas de concordância + linhas de concordância expandidas + Unidades de

Alinhamento inseridas nos arquivos SetheEla e SheSethe doravante serão denominados

Unidade de Análise. Desta forma, somando-se o número de linhas de concordância,

expandidas ou não, com as inserções, foram analisadas um total de 1.432 Unidades de


74

Análise, sendo 716 de cada texto que constitui o Corpus Beloved-Amada, conforme

demonstrado na TAB.1 abaixo:

TABELA 1
Demonstrativo da composição das Unidades de Análise
Demonstrativo da composição das Unidades de Análise
Total de Linhas de Concordância 1.225
Inserções em SetheEla (Sethe = Ela) 92
Inserções em SheSethe (She = Sethe) 115
Total de linhas de Concordância + inserções = Unidades de Análise 1.432

2.3.4 Busca por Sethe = AEDCP

O foco de análise desta pesquisa são os tipos de processos usados para a personagem Sethe.

Das 1.432 Unidades de Análise, a atenção foi voltada para aquelas nas quais a personagem

Sethe está envolvida como Ator (processos materiais), Experienciador (processos mentais),

Dizente (processos verbais), Comportante (processos comportamentais) ou Portador

(processos relacionais), doravante AEDCP. Portanto, as Unidades de Análise que não

seguiram esse padrão foram descartadas, atingindo um total de 482 descartes, sendo 241 de

cada texto. Assim, Sethe está envolvida como AEDCP em 475 Unidades de Análise em cada

texto, num total de 950, conforme demonstra a TAB. 2 abaixo:

TABELA 2
Demonstrativo de Unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP
Demonstrativo de unidades de Análise com padrão Sethe = AEDCP
Unidades de Análise 1.432
Unidades de Análise excluídas fora do padrão Sethe = AEDCP 482
Total de Unidades de Análise padrão Sethe = AEDCP 950

O foco em Sethe = AEDCP se justifica pela necessidade de limitação da quantidade de

Unidades de Análise e por esse padrão responder pela maioria das ocorrências de Sethe no

corpus (66,3%). Os outros 33,7% equivalem a ocorrências de Sethe = Vocativo (114), Sethe =
75

Meta, Fenômeno, Receptor, Característica (180), Sethe = Circuntância (50), Parte do corpo de

Sethe = Meta, Fenômeno, Receptor, Característica, Circunstância (68); Pertence de Sethe =

Meta, Fenômeno, Receptor, Característica, Circunstância (70).

Ao focalizar as ocorrências de Sethe + processo, foi feita a opção de analisar como a

personagem foi construída pelo narrador onisciente sob a perspectiva dos diversos

personagens no romance, não a partir da perspectiva da própria Sethe. Para analisar a

construção de Sethe a partir de sua própria perspectiva, utilizando a transitividade, seria

necessário, em primeiro lugar, selecionar os momentos no romance em que Sethe toma o

turno e narra em primeira pessoa e posteriormente proceder a análise, assunto que pode ser

retomado em pesquisas posteriores.

2.3.5 Nível de análise e contagem das orações

Thompson (1996) afirma que para a investigação da transitividade ser completa, temos que

considerar todas as orações, mesmo que elas sejam orações encaixadas, uma vez que estas

"...não só têm suas próprias estruturas de transitividade mas também funcionam como

elementos na estrutura de transitividade da oração na qual elas estão encaixadas." (p.108).34

Assim, nesta dissertação as ocorrências de Sethe =AEDCP são consideradas quer elas estejam

em orações projetantes ou projetadas, termos que serão discutidos abaixo.

Nos Capítulos 7 e 7A de IFG, Halliday desenvolve o conceito de complexos que podem ser

oracionais, de grupos e de sintagmas. Nesse capítulo, ele está lidando com o componente

lógico da função ideacional, que embora não seja o foco desta pesquisa não pode ser ignorado

34
Minha tradução de: "... not only have their own transitive structure but also function as elements in the
transitivity structure of the clause in which they are embedded."
76

por ela. A classificação dos processos não poderia ter sido feita sem considerar tal

componente que, além de estabelecer as relações entre as orações ou entre os grupos verbais,

delimita as orações, sendo útil na contagem e classificação destas.

No que se refere às relações entre as orações, por limitação de espaço e para que, nesta

dissertação, este item não se torne maior ou do mesmo tamanho que o capítulo sobre

transitividade, abordarei, de forma breve, a idéia de complexos de orações como a noção de

período composto por coordenação e subordinação da gramática tradicional. Halliday

denomina tais relações parataxe e hipotaxe, respectivamente. Tal abordagem, ainda que não

extensiva, é relevante, embora, para a classificação dos processos, tenha sido levada em

consideração a presença de processos no padrão Sethe = AEDCP, explicitados na seção

anterior, não importando estabelecer as relações das orações entre si. Outrossim, é importante

notar a delimitação das orações através da noção de grupo verbal e complexo de grupo verbal

a serem discutidos abaixo.

No capítulo 7 de IFG, além da discussão acerca dos complexos oracionais, é interessante

notar uma questão sobre a terminologia. Ali Halliday discute a definição de "sentence",

"frase/período" em português, de acordo com as sugestões de tradução propostas pelo LAEL.

O autor afirma que "sentence" é o complexo oracional que está contido entre os pontos finais

e é a única unidade acima da oração. É um complexo, pois entre os pontos finais podem

ocorrer várias orações. Por exemplo:

34tudo - Sethe olhou de novo para os pés e viu outra vez os sicômoros.
77

O exemplo 34tudo acima é um período composto de duas orações, sendo a) Sethe olhou de

novo para os pés e b) viu outra vez os sicômoros. O exemplo acima ilustra também a relação

paratática entre as orações, ou seja, a relação de coordenação.

Os processos, foco dessa dissertação, na maioria das vezes, ocorrem em sua forma finita, ou

seja, em sua forma conjugável, por exemplo:

141mat323SetheSethe383tudo Sethe opened the front door ....


142mat324SetheSethe384tudo Sethe abriu a porta ...

Nos exemplos 141mat323SetheSethe383tudo e 142mat324SetheSethe384tudo acima,

"opened/abriu" são processos do tipo material representados pelos verbos "open/abrir" na

forma do passado simples (simple past) em inglês e do pretérito perfeito do indicativo em

português. Existem, contudo, tanto em português quanto em inglês, formas compostas por um

verbo finito mais uma forma não finita, nem sempre coincidentes entre as línguas. Nos

exemplos 247mat631SetheSethe773tudo e 248mat632SetheSethe774tudo abaixo, os

processos, em negrito, tanto em inglês quanto em português, são expressos por um verbo

finito "was/estava" mais um verbo não finito "aiming/apontando". Já nos exemplos

67mat149SetheSethe187tudo e 68mat150SetheSethe188tudo, nota-se que, em inglês, o

processo segue o padrão finito + não finito, enquanto em português, o processo é expresso por

um único verbo finito.

Exemplos de processos expressos por grupos verbais

247mat631SetheSethe773tudo..., Sethe was aiming a bloody nipple into the baby's..


248mat632SetheSethe774tudo..., Sethe estava apontando um bico sangrento na ...

67mat149SetheSethe187tudo ... that Sethe had reached the point beyond ...
68mat150SetheSethe188tudo ... que Sethe atingira um ponto além ...
78

Halliday (1994) utiliza o termo grupo verbal para denominar esse conjunto de palavras

constituído por verbos no padrão finito + não finito, que ele denomina Finito + Evento

(Event). Vale lembrar que Halliday prefere o termo "group" a "phrase" para tratar de grupos

nominais, verbais, adverbiais, e outros, pelas razões de ser o primeiro mais geral do que o

último e de estar o segundo mais relacionado com discussões "não-técnicas" sobre a

linguagem. O autor diz ainda que "group" difere-se de "phrase", pois enquanto o primeiro é

uma expansão de uma palavra, o segundo é uma contração de uma oração. Ressalto, no

entanto, que o termo "phrase" é comumente traduzido para o português como "sintagma", que

vem a ser um termo técnico da gramática gerativa e é também utilizado pelo próprio Halliday

na discussão dos "prepositional phrases", no capítulo 6 de IFG. Nesta dissertação, continuarei

a utilizar o termo "grupo" para ser coerente com a teoria norteadora da mesma e, ainda, para

acompanhar as sugestões de tradução propostas pelo LAEL, mencionadas na revisão teórica,

que sugerem "grupo" para o termo "group" e "sintagma" para "phrase".35

Em inglês, a estrutura do grupo verbal finito é o Finito + Evento, com um ou mais Auxiliares

opcionais. Os grupos verbais podem ser compostos de uma só palavra como "opened" no

exemplo 141mat323SetheSethe383tudo acima, que funde o Finito com o Evento e Auxiliar ou

de várias palavras como em couldn't have been going to be being eaten que Halliday (1994,

p.197) analisa da seguinte forma:

couldn't have been going to be being eaten


Finito Auxiliar 1 Auxiliar 2 Auxiliar 3 Auxiliar 4 Auxiliar 5 Evento

35
Por analogia à sugestão na lista do LAEL de "phrase complex" traduzido como "complexo sintagmático".
79

Ainda quanto ao grupo verbal, Halliday diz que ele pode ser analisado sob o ponto de vista da

estrutura lógica. Thompson (1996) resume a estrutura lógica dizendo que o grupo verbal tem

apenas um item lexical que expressa o Evento e que quaisquer outros itens indicam a

localização conceptual do Evento em termos de passado, presente ou futuro.

Em português não existe uma classificação da estrutura do grupo verbal do ponto de vista da

gramática sistêmica funcional. A Gramática descritiva do português (PERINI, 1998), com

uma abordagem essencialmente sintática, trata do núcleo do predicado, função desempenhada

pelo verbo, e das seqüências de verbos finitos + verbos em forma não-finita (gerúndio,

infinitivo, particípio) nos predicados denominados complexos. Perini (1998, p.75) afirma que

o predicado complexo é sempre composto de um ou mais auxiliares, sucedido pelo núcleo do

predicado. O autor explica que o grupo de auxiliares é pequeno e inclui os verbos: ir

(+infinitivo); ter, haver (+particípio); estar, vir, ir, andar (+gerúndio); ser e estar

(+particípio) em construções na voz passiva; e, finalmente, os modais e aspectuais

(+infinitivo) representados pelos verbos poder, dever, acabar de, deixar de, começar a, ter

de/que, haver de/que. O autor descreve ainda o posicionamento dos auxiliares que segue uma

ordenação rígida: "primeiro o auxiliar seguido de infinitivo, depois o auxiliar seguido de

particípio e, por último, o auxiliar seguido de gerúndio" (p.75).

Tanto Halliday quanto Perini, ainda tendo em mente que são abordagens diferentes,

recomendam que, em tais casos, deve-se interpretar o grupo verbal ou predicado complexo

como tendo um único item lexical, que é o processo para Halliday e o núcleo do predicado

para Perini.
80

O exposto acima dirime algumas dúvidas quanto à classificação de alguns grupos verbais.

Entretanto, esses, assim como as orações, entram em relações paratáticas (de coordenação) e

hipotáticas (de subordinação) com outros grupos verbais, assunto ao qual retornarei logo a

seguir, podendo ocasionar dúvidas se se trata de um único grupo verbal ou de um complexo

de grupos verbais, ou, ainda, se de um complexo oracional. Aqui é importante esclarecer o

que vem a ser tais complexos, pois relegá-los a segundo plano poderia causar erro na

contagem das orações, como mencionado acima. Halliday recomenda que em casos de

complexos de grupos verbais os processos devem ser contados como um único processo, seja

pela ligação paratática ou hipotática.

Parataticamente, os grupos verbais podem estar ligados a outros grupos verbais,

principalmente por aposição e coordenação. Halliday (1994) diz que a aposição tem a função

de elaboração, enquanto a coordenação tem a função de extensão. Os exemplos

147mat335SetheSethe398tudo e 148at336SetheSethe399tudo, abaixo, ilustram essas relações.

Ao mesmo tempo em que "rubbed and rubbed/esfregava e esfregava" ilustra a relação de

coordenação, ele está aposto a "pressing/apertando". O segundo "rubbed/esfregava" é uma

extensão do primeiro "rubbed/esfregava" e "pressing/apertando" é uma elaboração de "rubbed

and rubbed / esfregava e esfregava".

147mat335SetheSethe398tudo Sethe rubbed and rubbed, pressing the work


cloth ...
148mat336SetheSethe399tudo Sethe esfregava e esfregava, apertando o tecido
grosso

Note que estes processos devem ser tratados como um único processo, pois estão associados à

mesma circunstância. A associação às mesmas circunstâncias é uma das “pistas” que Martin

et al. (1997) sugerem para estabelecer se se trata de um ou mais processos.


81

Enquanto nas relações paratáticas percebe-se que se trata de dois ou mais verbos finitos, nas

relações hipotáticas uma parte do grupo verbal é dependente da outra. Thompson (1996

p.190) cita os exemplos abaixo para explicar o tipo de relacionamento de expansão dos grupos

verbais:

This [ tends \ to be ] the mark of a rather literary style.

Immediately, she [ began \ to scream ].

[Try \ turning] it the other way.

Nos exemplos acima, Thompson explica, é o segundo verbo que expressa o Evento. Assim,

em termos da transitividade, os processos são "be, scream e turning". A função do primeiro

verbo é modificar o Evento de alguma forma, que pode ser através de modalidade ou

determinando se o processo está no início, meio ou fim ou, ainda, expressando possibilidades

de realização do evento. Em português, estas "modificações" do processo se dão pelos verbos

do tipo "começar a", "acabar de", "conseguir", "tentar", etc., que Perini (1998) englobou em

sua lista de auxiliares, acima. Os exemplos 57mat117SetheSethe149tudo,

58mat118SetheSethe150tudo, 129mat307SetheSethe364tudo, 130mat308SetheSethe365tudo, abaixo,

ilustram ocorrências de tais grupos verbais, interpretados como um único processo conforme

sugerido por Halliday.

57mat117SetheSethe149tudo Sethe tried to shift to a ...


58mat118SetheSethe150tudo - Sethe tentou sem êxito mudar de posição

129mat307SetheSethe364tudo ..., Sethe began to clear the table.


130mat308SetheSethe365tudo ..., Sethe começou a tirar a mesa.
82

Um outro tipo de relação hipotática aponta para uma interpretação como um único processo

ou como dois. São os casos de projeção de processos mentais e verbais. Esses casos se situam

tenuamente entre o complexo de grupos verbais e o de orações. Halliday (1994) sugere que a

maioria deles pode ser tratada como complexo oracional, portanto como dois processos,

exceto aqueles que são propostas, perfectivos ou que tenham o mesmo Sujeito. "Propostas"

estão relacionadas com Modo e é a função semântica de uma oração na troca de bens e

serviços36; falando sobre aspecto, Halliday diz que perfectivo representa o potencial, ou

virtual, que ele chama de "irrealis", enquanto o imperfectivo representa o real, denominado

"realis". Halliday continua, explicando que o imperfectivo é combinado com as preposições

"at/in", e é associado ao gerúndio, enquanto o perfectivo está combinado com a forma do

infinitivo, em inglês, com ou sem a partícula "to". Veja abaixo os exemplos "a" e "b" do autor

(p.241) que ilustram o aspecto imperfectivo e perfectivo, respectivamente:

a) Reaching the monument, continue straight ahead. (imperfectivo)

b) To reach the monument, continue straight ahead. (perfectivo)

Para a oração "Mary wanted to go", por exemplo, Halliday (1994) apresenta duas sugestões

de classificação em termos de transitividade: (i), abaixo, interpretada como complexo de

grupo verbal e (ii), interpretada como complexo oracional. Halliday aconselha a utilização da

primeira interpretação.

(i) Classificação como complexo de grupo verbal


Mary wanted to go
Ator Processo: material

(ii) Classificação como complexo de orações

Mary wanted to go.


Senser Processo: mental Processo: material

36
Ver discussão sopre proposição e proposta em Halliday (1994, p.70-71) ao tratar da oração como troca.
83

Exemplos do Corpus Beloved-Amada que seguiram esta orientação são

5mat9SetheSethe9tudo e 6mat10SetheSethe10tudo, abaixo. Decided to end/decidiram pôr fim

foram tratados como um único processo, neste caso um processo material. Outras ocorrências

semelhantes encontradas nas Unidades de Análise desta dissertação seguiram essa orientação,

e aparecem negritadas.

5mat9SetheSethe9tudo ..., and right afterward Sethe and Denver decided to end the
persecution ...
6mat10SetheSethe10tudo ...; logo depois Sethe e Denver decidiram pôr um fim à
perseguição, ....

Após a classificação das 950 Unidades de Análise, seguindo as orientações de classificação,

discutidas abaixo, foram encontrados 629 processos com o padrão Sethe = AECDP em

Beloved e 599 em Amada. A diferença de 30 processos a mais em Beloved é devido às

escolhas diferentes de textualização e retextualização que serão discutidas posteriormente, no

capítulo 3, após a classificação dos processos de acordo com as categorias de Halliday

2.3.6 Orientações para a classificação

As classificações das formas metafóricas foram feitas de acordo com o “valor de face” (face

value) e não em sua forma congruente. Estas são as opções de classificação sugeridas por

Halliday (1994, p.346). Explicando o uso do termo metáfora na gramática funcional, Halliday

afirma que, para a teoria da retórica, metáfora é tida como uma transferência de significado da

palavra, assim, ao se estudar metáfora analisa-se como uma determinada palavra é usada; na

gramática funcional, entretanto, analisa-se como o significado é expresso. Halliday acrescenta

que "um significado pode ser realizado por uma seleção de palavras que é diferente daquela
84

que, de alguma maneira, é típica ou não marcada" (p.341)37. Esta forma típica ou não marcada

é o que ele denomina de forma congruente. O autor traz, desta forma, a metáfora para o

âmbito não só lexical, mas também para o gramatical.

O conceito de congruência é questionável como o próprio Halliday argumenta. O teórico

limita-se a dizer, no entanto, que congruente é o que é típico, o que pode ser a forma que

geralmente se aprende a falar primeiro em uma língua materna ou a forma que os falantes de

uma língua reconhecem como "mais comum" de dizer alguma coisa.

A oração "24mat56SetheSethe70tudo ..., Sethe lançou um olhar gélido para Paul D" exemplifica uma

metáfora gramatical que pode ocorrer na metafunção ideacional. Sua forma congruente seria

"Sethe olhou para Paul D com um olhar gélido" que seguiria o padrão Comportante +

processo comportamental + circunstância, que, no entanto, foi textualizado no padrão Ator +

processo material + Extensão + Beneficiário, revelando, principalmente, um deslocamento de

participantes, neste caso, de Comportante para Ator, dando movimento à ação de "olhar". No

exemplo acima, a forma congruente foi baseada na observação deste pesquisador como

falante nativo do português e confirmada no Banco do Português onde existe apenas uma

ocorrência de "lançar um olhar" enquanto existem 144 ocorrências do lema38 "olhar alguma

coisa ou para alguém/alguma coisa". Verificar as formas congruentes de cada oração

analisada inviabilizaria este estudo devido a limitações de tempo e, portanto, para que

opiniões subjetivas não interferissem diretamente na classificação dos processos nesta

pesquisa, foi considerado o "valor de face" como base para análise.

37
Minha tradução de "A meaning may be realized by a selection of words that is different from that which is in
some sense typical or unmarked."
38
Kenny (2001) define lema como o termo que engloba todas as formas flexionadas de uma palavra.
85

No capítulo 3, a seguir, são apresentados os dados relativos à análise da transitividade da

personagem Sethe.
86

CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS PARALELO BELOVED-

AMADA

Os 629 processos em Beloved e os 599 em Amada que seguem o padrão Sethe = AEDCP,

conforme discutido no capítulo anterior, foram classificados de acordo com as categorias de

Halliday e foram encontrados os resultados discutidos e apresentados na TAB. 3, abaixo, bem

como nas que se seguem.

TABELA 3
Demonstrativo dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved / Amada com o padrão Sethe =
AEDCP
Beloved Amada Diferença Diferença %
Comportamental 121 110 Beloved +11 Beloved +9%
Material 263 263 Beloved +0 Beloved +0%
Mental 108 113 Beloved - 5 Beloved -4,6%
Relacional 49 42 Beloved +7 Beloved +14,3%
Verbal 88 71 Beloved +17 Beloved +19,3%
Total 629 599 Beloved +30 Beloved + 4,8%

Pela TAB. 3 acima, podemos constatar que foram encontrados 629 processos em Beloved e

599 em Amada, estabelecendo uma diferença de 30 processos a mais no original. Nota-se

também as diferenças de acordo com os tipos de processo. Enquanto em Beloved existem 121

processos comportamentais, em Amada existem 110; Beloved apresenta 263 processos

materiais e Amada também 263; foram encontrados 108 processos mentais em Beloved e 113

em Amada; 49 processos relacionais no romance em inglês e 42 no romance em português; e,

finalmente, 88 processos verbais no original e 71 no texto traduzido. Não foram encontrados

processos existenciais em nenhum dos romances.

A diferença de 30 processos a mais em Beloved é devida às escolhas diferentes na

textualização e retextualização quando, conforme será apresentado abaixo, alguns processos


87

não foram retextualizados ou o foram por outras categorias gramaticais. Antes de passar à

análise da retextualização, cabe, no entanto, tecer alguns comentários gerais quanto à

distribuição percentual dos tipos de processos envolvendo a personagem Sethe.

3.1 A transitividade na representação de Sethe

Conforme TAB. 4 abaixo, os processos comportamentais correspondem a 19,2% do total dos

processos em Beloved e a 18,4% em Amada; os materiais correspondem a 41,8% em Beloved

e a 43,9% em Amada; os processos mentais correspondem a 17,2% no original, enquanto no

texto traduzido eles correspondem a 18,9%; os processos relacionais representam 7,8% do

total de processos em Beloved e 7,0% em Amada; e, finalmente, os processos verbais

correspondem a 14% em Beloved e a 11,8% em Amada.

TABELA 4
Distribuição percentual dos tipos de processos encontrados no Corpus Beloved / Amada com o padrão
Sethe=AEDCP
Tipos de processo Beloved % Amada % Diferença em
percentual
Comportamental 121 19,2% 110 18,4% Beloved +0,8%
Material 263 41,8% 263 43,9% Beloved -2,1%
Mental 108 17,2% 113 18,9% Beloved -1,7%
Relacional 49 7,8% 42 7,0% Beloved +0,8%
Verbal 88 14,0% 71 11,8% Beloved +2,2%
Total 629 100% 599 100% -

Não é possível afirmar se essa distribuição dos processos relacionados à personagem Sethe

está dentro ou fora de um padrão geral, pois de acordo com Halliday (1994), apenas podemos

esperar que em um determinado texto os processos estejam equilibradamente distribuídos e

aqueles que ele considera como principais, ou seja, material, mental, e relacional, podem

corresponder à maioria. No entanto, o autor ressalta que tal afirmação não foi testada, nos

levando a concluir que não existe um padrão geral. Montgomery (1993), falando sobre os
88

processos na prosa narrativa, também ressalta que não existem estatísticas sobre a distribuição

de processos em tal gênero, mas ao comparar seu personagem analisado, o Revolutionist, com

os personagens do romance de Jeanette Winterson, o autor pôde perceber uma diferença

considerável no que tange aos papéis dos participantes.39

O alto índice de processos materiais, quase a metade de todos os processos referentes a Sethe,

encontrados nas Unidades de Análise, indica que essa personagem é representada como uma

mulher dinâmica e atuante. Segundo Simpson (1993a), o paradigma de domínio de processos

materiais cria uma estrutura descritiva altamente de ação quando os outros tipos de processos

que indicam reflexão e deliberação são suprimidos. No caso da representação de Sethe os

demais processos não são suprimidos, mas apresentam índices baixos se comparados ao

índice dos processos materiais. Este resultado coincide com a caracterização de Sethe feita

pela crítica literária: uma mulher auto-determinada e que não hesita em cometer o infanticídio

para que seus filhos não tivessem que viver sob a escravidão.

O baixo índice de processos mentais, se comparado aos processos materiais, pode indicar as

tentativas de Sethe de reprimir suas memórias que aparecem no texto de Toni Morrison, não

pela vontade da personagem, pois esta, sabendo que não tem controle sobre sua memória faz o

possível para reprimi-la e para lutar contra o passado (DAVIS, 1998).

O baixo índice de processos relacionais indica que a personagem é construída menos em

relação a outras entidades e mais pela sua interação com o mundo exterior e interior,

confirmando o dinamismo e atuação de Sethe.

39
Para fazer esta afirmação, Montgomery se baseia em resultados encontrados nos trabalhos de dois alunos do
Programa de Lingüística da Universidade de Strathclyde.
89

Como dito anteriormente, os resultados da análise do Revolutionist encontrados em

Montgomery (1993) foram comparados aos resultados referentes a outras personagens do

romance de Jeanette Winterson. Sethe não têm nada em comum com a personagem analisada

por Montgomery e nem se espera que tenha. No entanto, abaixo é feita uma comparação dos

resultados encontrados nas duas análises para que se perceba como a análise da transitividade,

neste caso, a distribuição proporcional dos processos, pode revelar representações de

personagens de ficção possibilitando a descrição de um dos aspectos da sua construção e,

portanto, possibilitando a comparação entre personagens, mesmo através das diferentes

línguas. 40

Assim, nos GRAF. 1, 2 e 3 abaixo, os resultados de Sethe são justapostos à distribuição dos

Comportamental Am ada Comportamental


Beloved
Material Material
14,00% 11,80% 18,40%
19,20%
mental 7,00%
7,80% mental
Relacional 18,90%
17,20% Relacional
41,80% Verbal 43,90%
Verbal

GRÁFICO 1- Distribuição dos processos relaciona- GRÁFICO 2 -Distribuição dos processos relaciona-
dos à Sethe (Beloved) nados à Sethe (Amada)

Comportamental
The Revolutionist
Material
0,00%
28,00%
32,00% mental

Relacional

16,00% 24,00%
Verbal

GRÁFICO 3 – Distribuição dos processos relaciona-


nados ao Revolutionist

40
Montgomery analisa todas as orações em que o Revolutionist é participante. Para efeitos de comparação foram
consideradas apenas aquelas em que o Revolutionist = AEDCP.
90

processos em The Revolutionist. Não foi possível comparar com as demais obras apresentadas

na revisão teórica desta dissertação, uma vez que os autores não apresentam estatísticas em

suas análises ou os dados não estão em sua totalidade.

Da mesma forma que Montgomery notou um "retrato" diferente entre sua personagem

analisada e as personagens do romance de Jeanette Winterson, também pelos GRAF. 1, 2 e 3,

acima, podemos perceber uma diferença entre as personagens. O Revolutionist não participa

como Comportante em nenhuma das frases analisadas, enquanto Sethe está envolvida como

participante em frases comportamentais em 19,2% (Beloved) e 18,4% (Amada); Sethe está

envolvida como Ator em quase a metade das frases, 41,8% em Beloved e 43,9% em Amada,

enquanto o Revolutionist em apenas 28%; Sethe é o Experienciador em 17,2% em Beloved e

em 18,9% em Amada, enquanto o Revolutionist o é em 24%; Sethe é o Portador em

aproximadamente 7% em ambos os textos, enquanto o Revolutionist o é em 16%; e

finalmente, Sethe é o Dizente em 14% dos processos em Beloved e em 11,8% em Amada

enquanto a personagem analisada por Montgomery o é em 32%.

Os dados acima indicam que o Revolutionist é uma personagem circunscrita mais na esfera do

dizer (relação dos processos verbais) do que do fazer, daí a tensão irônica entre o título e a

construção da personagem mencionada na revisão teórica, enquanto Sethe está mais

circunscrita na esfera do fazer.

Quanto à pergunta de pesquisa dessa dissertação "Será a Sethe de Beloved a mesma Sethe de

Amada?", para respondê-la, temos primeiro que retomar a TAB. 3, onde percebemos que

Beloved tem 9% a mais de processos comportamentais; quantidade igual de materiais; 14,3%

a mais de relacionais; 19,3% de verbais; e 4,6% a menos de mentais. Esses dados parecem
91

revelar duas Sethes. Embora sejam semelhantes nas ações que modificam o mundo exterior

(relação de processos materiais) a Sethe de Beloved usa mais o corpo (relação de processos

comportamentais), diz mais (relação de processos verbais), é construída mais em relação ao

seu entorno (relações de processos relacionais), mas é menos introspectiva que a Sethe de

Amada (relação de processos mentais). Esse resultado corrobora os dados encontrados na

pesquisa piloto que deu origem à esta dissertação quando os textos foram analisados

individualmente. No entanto, acompanhando-se as decisões de tradução, com os textos

alinhados, percebemos que o fato de encontrarmos uma diferença significativa de processos

verbais (19,3%), por exemplo, não significa que a Sethe de um texto fala mais ou menos que a

outra. Tal fato aponta, sim, para padrões de retextualização distintos. Neste caso específico

percebe-se uma grande quantidade de não retextualizações dos processos verbais que

explicitam as elocuções no texto original. Se retomarmos a TAB. 4, que apresenta a

distribuição percentual dos processos nos dois textos, podemos perceber que os processos

estão distribuídos de forma semelhante, tendo os processos verbais a maior diferença,

chegando a 2,2% a menos no texto traduzido.

Essas diferenças percentuais não parecem expressivas; portanto, acredito não ser possível

fazer afirmações categóricas quanto a representações diferentes de Sethe nos dois romances,

especialmente porque pode haver alguma indeterminação quanto à classificação dos

processos, como Martin et al. (1997) ressaltam. De acordo com os autores, isso é esperado em

algumas ocasiões, uma vez que os diferentes tipos de processos se sobrepõem em certos

pontos.

Essa indeterminação de alguns processos que se situam nas fronteiras não invalida a presente

análise de transitividade especialmente por dois motivos. Primeiro, porque eles foram a
92

minoria e os casos típicos, que foram a maioria, podem ser testados pelas "provas" descritas

na seção desta dissertação ao tratar de cada tipo de processo. O segundo motivo para a não

invalidação é que parâmetros de análise foram estabelecidos e aplicados tanto para a análise

da Sethe de Beloved quanto para a da Sethe de Amada.

Padrões distintos de textualização e retextualização, no que tange aos tipos de processo

usados na representação da personagem Sethe, foram encontrados e serão discutidos na seção

3.1 e 3.2, abaixo.

3.2 Padrões de textualização e retextualização

O comportamento das escolhas da textualização e retextualização dos processos referentes a

Sethe pode ser visualizado nas TAB. 5 e 6, abaixo, sendo que a primeira o apresenta em

termos numéricos e a segunda em termos percentuais. O item "Outras Categorias" indica que

um processo não foi retextualizado como processo, podendo ter sido retextualizado por uma

categoria distinta ou não retextualizado. Por exemplo, alguns processos podem ter sido

retextualizados como grupos nominais, adverbiais ou sintagmas preposicionados41. Os

exemplos 11 e 12 difmatoutras409SetheSethe483tudo abaixo ilustram o processo material “leading”

retextualizado como “na frente”, um sintagma preposicionado.

11difmatoutras409SetheSethe483tudo ..., Sethe leading, ...


12difmatoutras410SetheSethe484tudo ..., Sethe na frente, ....

41
Ver capítulo 6, Halliday (1994) para discussão de grupos nominais, adverbiais e sintagmas preposicionados.
93

Outros exemplos serão apresentados na seção 3.3, abaixo, que analisa os padrões de

retextualização de cada tipo de processo.

TABELA 5
Comportamento dos processos na textualização e retextualização das escolhas referentes à Sethe, termos
numéricos.
Beloved/ Comport Material Mental Outras Relacion. Verbal Total
Amada Categorias
Comport. 102 3 2 9 4 1 121
Material 2 241 2 17 0 1 263
Mental 0 3 94 8 0 3 108
Relacion. 1 3 5 8 32 0 49
Verbal 0 2 2 24 0 60 88

TABELA 6
Comportamento dos processos na textualização e retextualização das escolhas referentes à Sethe, termos
percentuais.

Beloved / Comport Material Mental Outras Relacion. Verbal Total


Amada Categorias
Comport. 84,3 % 2,5% 1,7% 7,4% 3,3% 0,8% 100%
Material 0,8% 91,6% 0,8% 6,4% 0% 0,4% 100%
Mental 0% 2,8% 87,0% 7,4% 0% 2,8% 100%
Relacion. 2,0% 6,1% 10,2% 16,3% 65,4% 0% 100%
Verbal 0% 2,3% 2,3% 27,3% 0% 68,1% 100%

Pelas TAB. 5 e 6, acima, podemos perceber que em Beloved foram encontrados 121 processos

comportamentais sendo que 102 (84,3%) deles foram retextualizados como comportamentais;

3 (2,5%) como materiais; 2 (1,7%) como mentais; 9 (7,4%) não foram retextualizados como

processo; 4 (3,3%) foram retextualizados como relacionais e 1 (0,8%) como verbal.

Quanto aos materiais, as tabelas revelam que foram encontrados um total de 263 processos,

sendo que 2 (0,8%) deles foram retextualizados como comportamentais; 241 (91,6%) como

materiais; 2 (0,8%) como mentais; 17 (6,4%) não foram retextualizados como processo; 1
94

(0,4%) foi retextualizado como verbal. Nenhum processo material foi retextualizado como

relacional.

Foram encontrados 108 processos mentais e podemos perceber que 3 (2,8%) deles foram

retextualizados como processos materiais; 94 (87%) como mentais; 8 (7,4%) não foram

retextualizados como processos; e 3 (2,8%) foram retextualizados como processos verbais. Os

processos mentais não foram retextualizados como processos comportamentais ou relacionais.

Quanto aos processos relacionais, as tabelas revelam que foram encontrados um total de 49,

sendo que 1 (2%) foi retextualizado como comportamental; 3 (6,1%) como materiais; 5

(10,2%) como mentais; 8 (16,3%) não foram retextualizados como processos; e 32 (65,4%)

foram retextualizados como relacionais. Nenhum processo relacional foi retextualizado como

verbal.

Finalmente, foram encontrados 88 processos verbais e podemos perceber que 2 (2,3%) deles

foram retextualizados como material; a mesma percentagem como mentais; 24 (27,3%) não

foram retextualizados como processo; e 60 (68,1%) foram retextualizados como processos

verbais. Nenhum processo verbal foi retextualizado como comportamental ou relacional.

Podemos perceber que basicamente os processos seguem três padrões de retextualização: a)

são retextualizados como o mesmo tipo de processo, ou seja, comportamental como

comportamental, material como material, e assim por diante; b) são retextualizados como

outros tipos de processo e, c) são retextualizados como outras categorias, incluindo-se aqui as

não retextualizações. A TAB. 7, abaixo, apresenta a percentagem referente à retextualização

dos processos agrupados nos três padrões citados acima. Nota-se que os processos analisados

do Corpus Beloved-Amada tiveram uma tendência maior de serem retextualizados como


95

processos do mesmo tipo. Assim, 84,3% dos processos comportamentais foram

retextualizados como processos comportamentais; 91,6% dos materiais foram retextualizados

como materiais; 87% dos mentais foram retextualizados como mentais; 65,4% dos relacionais

foram retextualizados como relacionais; e 68,1% dos verbais foram retextualizados como

verbais. Nota-se também que os materiais têm a maior percentagem de retextualização como

o mesmo tipo de processo seguidos dos mentais e comportamentais. Os relacionais, seguidos

dos verbais, foram os que menos foram retextualizados como processos do mesmo tipo.

TABELA 7
Padrões de retextualização de processos
Beloved/ Amada Percentagem de Percentagem de Percentagem de Total
processos processos processos
retextualizados retextualizados retextualizados como
como mesmo tipo como outros tipos outras categorias
Comportamental 84,3% 8,3% 7,4% 100%
Material 91,6% 2% 6,4% 100%
Mental 87% 5,6% 7,4% 100%
Relacional 65,4% 18,3% 16,3% 100%
Verbal 68,1% 4,6% 27,3% 100%

Esses dados nos permitem dizer ainda que, embora os processos relacionais tenham tido

índice de retextualização como o mesmo tipo de processo semelhante aos verbais, eles

tiveram um comportamento distinto no que tange à retextualização como outros tipos de

processo e não retextualizações como processo. Os verbais tenderam a ser retextualizados

como verbais ou como outras categorias, enquanto os relacionais se comportaram mais

"flexivelmente". Além de serem retextualizados como relacionais, a percentagem de

retextualizações como outros tipos é semelhante à percentagem de retextualização como

outras categorias. Neste sentido, os materiais foram os menos "flexíveis", com um alto índice

de retextualização como o mesmo tipo e um baixo índice de retextualização como outros tipos

ou como outras categorias. Os comportamentais e mentais tiveram padrões semelhantes entre

si.
96

3.3 Análise dos padrões de retextualização

Como mencionado na seção anterior, os processos seguiram, principalmente, o padrão de

retextualização como processos do mesmo tipo. Esse tipo de retextualização contribui para a

representação semelhante da personagem analisada no texto traduzido quando comparada ao

original. Com o objetivo de investigar se há eventuais mudanças na representação da

personagem, nesta seção a atenção será voltada para os casos em que os processos foram

retextualizados como outros processos ou como outras categorias.

Mudanças na retextualização ocorrem por diversas razões. Munday (2002), com base no

modelo dos estudos descritivos da tradução, analisa textualizações e retextualizações de

artigos de jornal sobre o caso do menino cubano Elián González. Neste trabalho, o autor

afirma que pode ser possível identificar outros fatores que não puramente lingüísticos para

levantar as mudanças ocorridas nas retextualizações e aponta para o contexto sociocultural

como determinante nas escolhas léxico-gramaticais.

Baker (2000), ressalvando que não existe metodologia para distinguir características

atribuíveis ao estilo do tradutor daquelas que são um reflexo das características estilísticas do

original, com o intuito de analisar o estilo do tradutor literário, sugere que se investigue as

preferências do tradutor expressas pela escolha de algum item lexical em particular, padrões

sintáticos, recursos coesivos, dentre outras opções disponíveis na língua. A própria Baker,

usando textos traduzidos para o inglês, disponíveis no Translational English Corpus -TEC,

analisa o "estilo" de dois tradutores e descobre "o tipo de mundo que cada tradutor escolheu
97

recriar" (p. 260) 42.

Na tentativa, se não de levantar hipóteses sobre os motivos das escolhas da tradutora, pelo

menos de descrever seus eventuais efeitos, a seguir é apresentada a análise dos padrões de

retextualização de cada tipo de processo. Os quadros ilustrativos apresentam todas as

ocorrências de retextualização de um tipo de processo como outros tipos ou outras categorias

e o processo foco da atenção aparece em negrito. Também foram marcadas as elipses,

contudo, outras mudanças na retextualização não foram marcadas e, por questão de espaço,

nem todas serão comentadas, tampouco todas as suas implicações na representação da

personagem. Entretanto, alguns exemplos serão usados a título de ilustração.

3.3.1 Os Processos Comportamentais

Dos 121 processos comportamentais, 102 (84,3%) foram retextualizados como

comportamentais. Os demais foram retextualizados como materiais, mentais, relacionais e

verbais, além de outras categorias. O QUADRO 12, abaixo, apresenta os processos

comportamentais que não foram retextualizados como comportamentais

QUADRO 12
Processos comportamentais retextualizados como outros processos ou outras categorias
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) Sethe glanced beyond his shoulder toward the 1a) Sethe lançou um olhar para a porta fechada por
closed door. cima do ombro
2) Sethe patted Beloved's fingers and glanced at 2a) Sethe bateu de leve nos dedos da moça e lançou
Denver, ... um olhar par...
3) ... Sethe squatted in the pole beans. 3a) Sethe, alguns metros a sua esquerda, cuidava das
vagens.
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
4) Sethe was dishing up bread pudding, murmuring 4a) Sethe desenformava um pudim de pão, torcendo
her hopes for ... para ...
5) Sethe came to look and .... 5a) ... e Sethe correram para ver o ...
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
6) Then Sethe, grabbing Beloved's hair and blinking 6a) Então Sethe, agarrando os cabelos de Amada,
rapidly, separated h... afastou-se abruptame...
7) ..., while Sethe sat on the rock. 7a) ..., enquanto Sethe falava baixinho sentada na

42
Minha tradução de: "... the kind of world each translator has chosen to recreate".
98

pedra.
8) ..., the more Sethe.... how much she had suffered, 8a) ..., mais Sethe falava, explicava, descrevia o que
been through, . passara, ...
9) ... Sethe got her going again. Whispering, 9a) ... Sethe a espicaçava, sussurrando alguma
muttering some ... justificativa, ...
10) Sethe and Denver looked up at her. 10a) [a frase foi totalmente excluída]
11) Then the baby whimpered and Sethe looked. 11a) Então o bebê choramingou.
12) The rest of the night Sethe sat soaking. 12a) [A frase foi totalmente excluída]
13) The rest of the night Sethe sat soaking. 13a) [A frase foi totalmente excluída]
14) Sethe smiled. 14a) [A frase foi totalmente excluída]
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO RELACIONAL
15) Sethe lay on her back, her head turned from him. 15a) Sethe estava de costas, a cabeça virada para o
outro lado.
16) ... back to where Sethe lay. 16a) ... para onde estava Sethe.
17)From where she sat Sethe could not... 17a) De onde estava Sethe não podia ...
18) ... daughter Sethe would die to protect. 18a) ....que ela estava disposta a morrer para
proteger.
COMPORTAMENTAL RETEXTUALIZADO COMO VERBAL
19) Sethe couldn't skate a lick but then and there she 19) Não poderia dizer por quê, mas naquele instante
decided to take Baby Suggs' advice: lay it all down. resolveu seguir o conselho de Baby Suggs: abaixe o
escudo e a espada.

Pelas orações do QUADRO 12 acima, percebemos um deslocamento de Sethe Comportante

para Ator, Experienciador, Portador e Dizente; nota-se também que nove orações, as dos

exemplos 6 a 18, deixaram de retextualizar Sethe como Comportante, sendo que em apenas

uma, a oração do exemplo 7, o processo pode ser visivelmente recuperado no contexto

oferecido pela linha de concordância, neste caso tendo sido retextualizado como circunstância

de modo.

As orações dos exemplos 1, 2, 15, 16 e 17 exemplificam escolhas léxico-gramaticais distintas

para representar a realidade. Um processo é de um tipo em inglês e de outro em português e a

mudança pode não ser claramente atribuível à escolha da tradutora. As demais evidenciam o

estilo da tradutora que dentre outras opções preferiu não retextualizar o processo ou fazê-lo

usando outro tipo.


99

3.3.2 Os Processos Materiais

Sethe é o Ator em 263 frases tanto em Beloved quanto em Amada. O que não quer dizer, no

entanto, que todas as ocorrências de Sethe como Ator em Beloved foram retextualizadas como

Ator no texto traduzido. Os processos materiais foram retextualizados como

comportamentais, materiais, mentais, verbais, além de outras categorias conforme apresenta o

QUADRO 13, abaixo. A ocorrência da mesma quantidade deste tipo de processos nos dois

textos se deu, então, pela inclusão de processos materiais no texto traduzido retextualizados a

partir de outras categorias, como será apresentado adiante.

QUADRO 13
Processos materiais retextualizados como outros processos ou outras categorias
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO COMPORTAMENTAL
1) " Sethe jumped up and went to the stove. 1a) - Sethe levantou-se de um salto em direção ao
fogão
2) ... and if Sethe opened the door and turned her 2a) ... se Sethe abrisse a porta e o olhasse de frente.
eyes on his.
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
3) Sethe had given little thought to the white dress ... 3a) Sethe pensara muito pouco no vestido branco até
....
4) ..., she was picking meaning out of a code .... 4a) ..., Sethe captava o significado de um código ....
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
5) Sethe lifted her eyes. 5a) [A frase foi totalmente excluída]
6) Sethe put a bowl on the table and reached under it 6a) - Sethe colocou uma tigela e a farinha sobre a
for flour. mesa.
7) ..., Sethe happily agreed and then stuck not 7a) ..., Sethe concordou, toda feliz, mas sem saber ao
knowing the next certo que pass
8) " Sethe jumped up and went to the stove. 8a) - Sethe levantou-se de um salto em direção ao
fogão
9) Sethe made two fists and placed them on her hips. 9a) Sethe cerrou os punhos [oração excluída]
10) ..., Sethe leading, ... 10a) ..., Sethe na frente, ....
11) ... and Sethe had to swallow huge draughts of air 11a) ..., Sethe custou a reconhecer os rostos da filha e
before she recognized... de Amada perto...
12) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 12a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe
was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and descascou uma batata, comeu um pedaço, colocou-a
ate more in quiet celebration de lado, depois pôs-se a comer novamente, numa
silenciosa celebração
13) It was Sethe who did it. 13a) [A frase foi totalmente excluída]
14) Twenty days after Sethe got to 124 ... 14a) Vinte dias depois da chegada de Sethe, ...
15) Sethe knew that the circle she was making 15a) Sethe sabia que as voltas pelo cômodo, rodeando
around the room, hi Paul D e o a
16) ..., Sethe entered the perfect peace they offered. 16a) ..., Sethe se deixou levar pela paz perfeita que
elas ofereciam.
17) Sethe touched the fruit and picked up the paring 17a) Sethe pegou as frutas e a faca.
knife
18) ... to Sethe, who arranged them stuck them, 18a) ... para Sethe, que as arrumava em vasos por
100

wound them all over the house. todos os cantos da casa


19) ... to Sethe, who arranged them stuck them, 19a) ... para Sethe, que as arrumava em vasos por
wound them all over the house. todos os cantos da casa
20) Sethe opened her eyes to it and said, ... 20a) [A frase foi totalmente excluída]
21) ...: more important than what Sethe had done was 21a) ...: que o motivo que a impelira àquilo era mais
what she claimed. importante que o ato em si.
MATERIAL RETEXTUALIZADO COMO VERBAL
22) ... the assignments Sethe leaves for them. 22a) ... os deveres que Sethe determinava para ela e
Amanda.

Pelo QUADRO 13 acima, podemos perceber o deslocamento de Sethe Ator para

Comportante, Experienciador, Portador, Dizente além das não retextualizações, que foram o

caso mais comum, chegando a dezessete orações, aquelas dos exemplos de 5 a 21.

As escolhas parecem ter sido determinadas pela própria tradutora, não evidenciando

ocorrências de determinações pelo sistema lingüístico ou pelo gênero. Das escolhas da

tradutora por não retextualização, percebe-se quatro elipses oracionais, nas orações dos

exemplos 5, 9, 13 e 20; cinco elipses dos processo, nas orações dos exemplos 6, 7, 17, 18 e

19, não visivelmente recuperáveis nas linhas de concordância; e oito retextualizações por

outras categorias. No que se refere às elipses, o contexto deve ser expandido para se especular

sobre as mudanças, que podem ter sido causadas por padrões de coesão distintos refletidos nas

escolhas da tradutora. Quanto à retextualização por outras categorias, nota-se, por exemplo a

oração 16 que, em inglês, Sethe ativamente participa na ação entrando na paz perfeita

(...entered the perfect peace...), enquanto em português ela se "deixa levar", tendo um papel de

Iniciador, transferindo a agência para a paz, que a leva.

Um outro caso interessante de mudança de agência refere-se a oração do exemplo 21. Na

retextualização para o português, a participação de Sethe, que tinha feito (had done) e

reinvindicado (claimed) o ato, é apagada pela transferência de agência da personagem para a


101

nominalização “o motivo” e “o ato”.43 Contextualizando-se essa oração, percebemos que ela

faz parte das Unidades de Análise 72SetheEla812tudo e 72aSetheEla812tudo, transcritas a

seguir:

8821 <!--L1, S 4411--> Suddenly he saw what Stamp Paid wanted him to see: more important than
what Sethe had done was what she claimed.
8822 <!--L2, S 4411--> De repente Paul D viu o que Stamp tentara lhe mostrar: que o motivo que a
impelira àquilo era mais importante que o ato em si.

Neste extrato, percebemos que o narrador está relatando os pensamentos de Paul D. no

momento em que este percebe a força de Sethe. Expandindo-se o contexto para além da

Unidade de Análise, descobrimos que tal fato ocorre durante uma discussão com Sethe, após

Stamp Paid ter lhe contado sobre o que Sethe tinha feito com seus filhos. No romance, após

esta discussão, Paul D. se afasta de Sethe por considerar seu amor “denso demais”. No

entanto, o Paul D. de Beloved, nesta passagem, percebe a Sethe como autora do ato enquanto

o Paul D. em Amada é mais compreensivo e a percebe como executora, mas tendo um motivo

como Iniciador da ação.

3.3.3 Os Processos Mentais

Foram encontrados 108 processos em Beloved em que Sethe participa como Experienciador,

dos quais 94 foram retextualizados como mentais e os demais como processos materiais e

verbais, além das não retextualizações como processo. O QUADRO 14 apresenta as orações

não retextualizadas como processos mentais.

QUADRO 14
Processos mentais retextualizados como outros processos ou outras categorias
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) Sethe thought a change of subject.... 1a) Convenientemente, mudou de assunto
2) If Sethe wanted any, ... 2a) Se quisesse levar algumas para casa, ...
3) It was as though Sethe didn't really want 3a) Era como se Sethe na verdade não quisesse
forgiveness given; receber perdão, ...
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
4) Sethe was deeply touched by her sweet name; 4a)Sethe, profundamente comovida com o doce

43
A retextualização do processo verbal “claimed” como outras categorias consta do QUADRO 16 exemplo 28 e
28a, a seguir.
102

nome;
5) Sethe looked up into Paul D's eyes to see if there 5a) Sethe olhou bem no fundo dos olhos de Paul D.
was any trac [oração excluída]
6) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 6a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe ...
was she, ...
7) Sethe thought it explained Beloved's behavior 7a) Para Sethe, isso explicava o ódio de Amada em
around Paul D, ... relação a Paul D.
8) ... once Sethe saw it, fingered it and closed her 8a) ...depois que Sethe tocou-a e fechou os olhos por
eyes for a long time, th... um longo tempo, as duas ...
9) Now 124 was back like it was before Paul D came 9a) Agora a 124 voltava a ser o que fora antes de Paul
to town - worrying Sethe and Denver with a pack of D chegar à cidade: uma casa mal-assombrada, com
haunts he could hear from the road ruídos estranhos que Stamp podia ouvir da rua.
10) ..., she was picking meaning out of a code she no 10a) ..., Sethe captava o significado de um código
longer understood. agora incompreensível
11) Now she thought she knew why. 11a) ...e Sethe agora entendia por quê.
MENTAL RETEXTUALIZADO COMO VERBAL
12) Sethe thought they might as well back it up with 12a) Sethe propôs que assassem uns dois frangos.
a couple of chi...
13) ..., but as it went on and on she thought, No, 13a) Mas, sem conseguir parar, Sethe se corrigiu:
more like flooding the boat when Denver was born. parecia-se mais com o barco inundado onde Denver
nascera.
14) He knew exactly what she meant: ... 14a) Por isso Paul D entendia exatamente o que Sethe
quisera dizer: ..

De acordo com Mauri (2003), as mudanças na retextualização dos processos mentais podem

alterar o nível de introspeção das personagens. Assim, podemos perceber, especialmente pelos

exemplos discutidos abaixo, como as opções da tradutora mudaram a Sethe de Experienciador

para Ator e Dizente, além de tê-la mudado com as não retextualizações. Na oração 1, percebe-

se que no original a ação fica no mundo interior da personagem, revelado pela intrusão do

narrador onisciente, enquanto no texto traduzido a tradutora opta por desfazer a ambigüidade

causada pelo verbo "thought", que pode ser usado no discurso indireto ou usado não

factivamente (non-factively), conforme discutido em Simpson (1993). No texto traduzido a

ação é realizada e foi aqui interpretada como material por indicar a atividade da personagem

na alteração da conversa. A ambigüidade de "thought" também é desfeita nas retextualizações

de outras orações: nas orações dos exemplos 12 e 13, as ações ficaram no pensamento da

personagem no original enquanto no texto traduzido as ações foram verbalizadas no seu

mundo exterior; na oração do exemplo 11, Sethe "achava que entendia" no original enquanto

no texto traduzido a elipse de "thought" faz com que a dúvida não paire na mente de Sethe.
103

3.3.4 Os Processos Relacionais

Foram encontrados 49 processos em Beloved nos quais Sethe está envolvida como Portador,

tendo sido representada no texto traduzido como Comportante, Ator, Experienciador, além de

Portador e através de retextualizações por outras categorias. O QUADRO 15, abaixo ilustra as

retextualizações de Sethe como outros processos e categorias.

QUADRO 15
Processos relacionais retextualizados como outros processos ou outras categorias
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO COMPORTAMENTAL
1) ...: at night when Sethe and Paul D were asleep; ... 1a) ..., quando Sethe e Paul D dormiam; ...
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
2) ... when Sethe was at the restaurant. 2a) ... enquanto Sethe trabalhava no restaurante.
3) ... in the place Sethe had been before ... 3a) ... onde Sethe se apoiara antes da chegada de
Amada.
4) ..., Sethe was well into the potato salad. 4a) ..., Sethe já estava quase terminando a salada de,
batatas
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
5) As small girl Sethe, she was unimpressed. 5a) Na época em que era a "menina Sethe", ela não se
impressionara.
6) ..., Sethe was excited to giddiness by the things she 6a) ..., Sethe sentia-se emocionada até a vertigem
no longer had com as coisas de
7) Both Halle and Sethe were under the impression 7a) ..., lugar que ambos julgavam indevassável,
that they were hidden. protegido de olhares curiosos.
8) As grown-up woman Sethe she was angry, but not 8a) Já adulta, sentia raiva, sem saber bem de quê.
certain at what.
9)..., Sethe rummaged among the shoes of strangers to 9a) ..., remexeu entre os sapatos de estranhos
find the ice skates she was sure were there. guardados numa arca, a fim de encontrar os patins
que sabia estarem ali.
RELACIONAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
10) ..., Sethe happily agreed and then was stuck ... 10a) ..., Sethe concordou, toda feliz, mas sem saber ao
certo que pass
11) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 11a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe ...
was she, so ...
12) Sethe had no instructions except "Take her to the 12a) A única ordem de Sethe fora: "Leve-a para a
Clearing," ... Clareira", ...
13) ..., I don' know who Sethe is or none of her 13a) Olhe aqui, não conheço Sethe nem ninguém da
people. gente dela.
14) Sethe's is the face that left me 14a) ... foi o rosto de Sethe que me abandonou
15) When once or twice Sethe tried to assert herself - 15a) Uma vez ou outra, quando Sethe tentava impor
be the unquestioned mother whos ... sua autoridade de mãe, Amada atirava os ...
16) .... didn't notice what Sethe was up to. 16a) ... nem percebeu a intenção de Sethe.
17) 'When Sethe used to work at the restaurant and 17a) Quando a mãe trabalhava e saía para fazer
when she still had money to shop, she turned right. compras, ia para a direita.
104

Nos exemplos acima, é interessante notar o efeito das retextualizações dos processos

relacionais como processos mentais, aqueles das orações dos exemplos 5 a 9, onde podemos

perceber a mudança na perspectiva do narrador. No texto original, o mundo interior de Sethe é

construído de fora para dentro; ao relacioná-la a outras entidades do mundo exterior, o leitor é

convidado a construir o mundo interior da personagem, enquanto no texto em português

temos acesso direto ao seu mundo interior pela intrusão do narrador onisciente.

3.3.5 Os Processos Verbais

Foram encontrados 88 processos em Beloved onde Sethe participa como Dizente, dos quais 60

foram retextualizados como verbais, 2 como materiais, 2 como mentais, além das 24 não

retextualizações como processo, como ilustrado pelo QUADRO 16, abaixo.

QUADRO 16
Processos verbais retextualizados como outros processos ou outras categorias
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO MATERIAL
1) ... on the very day Sethe and he had patched up 1a) ... no dia em que Sethe e ele haviam feito as
their quarrel, ... pazes, ...
2) Sethe never came to her, never said a word to her, 2a) Sethe nunca viera em seu socorro, nunca lhe
never ... dirigira a palavra, ...
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO MENTAL
3) ..., Sethe asked her why not. 3a) ..., Sethe quis saber o motivo.
4) ... when Sethe choked - anyhow that's how she 4a) ... vê-la se sufocando. Sim, agora compreendia o
explained it to herself for she noticed neither fato de não ter notado nenhuma competição entre as
competition between the two nor domination by one. duas ou um domínio por parte de uma delas.
VERBAL RETEXTUALIZADO COMO OUTRAS CATEGORIAS
5) ... then at Sethe who smiled saying, "Here she is 5a) ... e depois para Sethe, que sorriu. -- Esta é minha
my Denver Denver.
6) Sethe was surprised by how loud she said it. 6a) - Sethe surpreendeu-se com a ênfase de sua
negativa.
7) "Yesterday," said Sethe, wiping sweat from under 7a) -- Ontem. - Sethe limpou o suor do rosto.
her chin.
8) "Uh huh," said Sethe, and told Denver that she 8a) Sethe confiou a Denver suas conclusões:
believed Beloved had been lock acreditava que Amad
9) "No more powerful than the way I loved her," 9a) Não mais forte do que o amor que eu tinha por ela
Sethe answered and ...
10) "But it's where we were," said Sethe. 10a) Mas era onde estávamos. [oração excluída]
11) "Running," Sethe told her. 11a) -- Fugindo. [oração excluída]
12) I can't get up from here," said Sethe. 12a) -- Não consigo me levantar. [oração excluída]
13) "Maybe," said Sethe. 13a) -- Talvez. [oração excluída]
14) "Well, you don't," Sethe told her, ... 14a) -- E você, não. [oração excluída]
105

15) "Did she take a spoonful of anything today? Sethe 15a) -- Ela comeu alguma coisa hoje? Uma colherada,
inquired. pelo menos? [oração excluída]
16) "That makes one in the world," Sethe answered. 16a) -- Então você é o único no mundo. [oração
excluída]
17) "What then? Sethe asked. 17a) -- O quê, então? [oração excluída]
18) "He always was hateful," Sethe said. 18a) -- Ele sempre foi cheio de ódio. [oração
excluída]
19) "I hear," said Sethe. 19a) -- Ouvi. [oração excluída]
20) "Yeah," said Sethe, "you good. 20a) -- Sim, muito boa. [oração excluída]
21) "I know," said Sethe. 21a) -- Já sei. [oração excluída]
22) "I don't know," said Sethe. 22a) -- Não sei. [oração excluída]
23) "Somebody choked me," said Sethe. 23a) -- Alguém quis me estrangular. [oração
excluída]
24) "What you see?" asked Sethe. 24a) -- O que estão vendo? [oração excluída]
25) Sethe opened her eyes to it and said, "Mercy'. 25a) [frase totalmente excluída]
26) "You run," said Sethe. 26a) -- Se quiser, corra você. [oração excluída]
27) "Crazy girl," said Sethe. 27a) -- Menina maluca. [oração excluída]
28) ...: more important than what Sethe had done was 28a)...: que o motivo que a impelira àquilo era mais
what she claimed. importante que o ato em si

Pelo QUADRO 16 acima podemos perceber 24 não retextualizações de processos verbais, nas

orações dos exemplos 5 a 28, revelando um padrão de retextualização de discurso direto como

discurso direto livre. Este pode ser um indício de retextualização orientada pelas

características do gênero.

Simpson (1993), dentre outros, ao tratar da apresentação da fala e pensamento (speech and

thought presentation) dos personagens na narrativa, lista quatro técnicas freqüentemente

utilizadas para tal fim: o discurso direto, o discurso direto livre, o discurso indireto e o

discurso indireto livre. Como a maioria das não retextualizações dos processos verbais nesta

pesquisa ocorreram na retextualização do discurso direto como discurso direto livre, 91,6%

das ocorrências, somente estes serão aqui tomados.

De acordo com Simpson, o discurso direto é caracterizado pela presença de uma oração

representadora (reporting clause) e de uma oração representada (reported clause) entre


106

aspas44. É o que Halliday (1994, p.250), ao tratar dos tipos de projeções dos processos

verbais, denomina oração projetante e oração projetada, respectivamente, nas relações

paratáticas. Os exemplos de Simpson (p.22) são:

a. 'I know these tricks of yours!', she said.


a. He said, "I'll be here tomorrow."

Já o discurso direto livre é caracterizado pela ausência da oração representadora ou das aspas

(travessão) ou dos dois, que Simpson denomina de forma máxima de discurso direto livre.

Para se falar sobre características de gênero é preciso uma pesquisa com corpus de maior

representatividade, no entanto, é interessante notar que também em Cruz (2003)45 foi

registrada a ocorrência maior de processos verbais no original do que no texto traduzido.

Assim, podemos especular que o padrão de retextualização dos processos verbais do inglês

para o português aponta para não retextualização destes como processos, indicando uma

forma distinta da representação do discurso no inglês e no português brasileiro.

Para Simpson (1993), a ausência da oração representadora revela um menor controle do

narrador sobre a fala das personagens, permitindo que estas falem por si mesmas. Isso nos

levaria a sugerir que os romances traduzidos para o português brasileiro parecem seguir um

padrão de menor controle do narrador sobre as falas das personagens que os romances escritos

em inglês.

44
Cabe lembrar que em português as aspas não são geralmente usadas para representar a fala das personagens,
mas sim o travessão, tendo o corpus desta pesquisa, dentre vários outros, exemplos deste signo para representar o
discurso direto.
45
Ressalvo que não era foco da atenção da pesquisadora rastrear a retextualização dos processos verbais caso a
caso. Assim, não é possível identificar quantos processos verbais foram retextualizados como verbais ou outro
tipo de processo, ou quantos não foram retextualizados como processo ou ainda, quantos foram acrescentados
na retextualização.
107

3.3.6 Outras categorias retextualizadas como processo

Da mesma forma que os diferentes tipos de processos em Beloved foram retextualizados como

grupos nominais, adverbiais, sintagmas preposicionados ou não foram retextualizados em

Amada, também no texto traduzido foram encontradas ocorrências de processos

retextualizados a partir de outras categorias. O QUADRO 17, abaixo, traz trinta e seis orações

retextualizadas como processos e podemos perceber que 5 (13,8%) delas são

comportamentais; 11 (30,6%) são materiais; 8 (22,2%) são mentais; 6 (16,7%) são

relacionais; e 6 (16,7%) são verbais.

QUADRO 17
Outras categorias retextualizadas como processos
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO COMPORTAMENTAL
1) Sethe turned away from the plates toward him. 1a) Sethe largou os pratos e virou-se para ele.
2) She helped Sethe to a rocker and lowered her feet 2a) Ajudou-a a sentar-se numa cadeira de balanço e
into a bucket of salt wat..... colocou seus pés num .....
3) ..., but as it went on and on she ... 3a) Mas, sem conseguir parar [de urinar], Sethe ...
4) She slipped her fingers in his hand for all the world 4a) - Sethe deu a mão a Paul D, imitando as sombras
like the hand-holding shadows on the side of the road. que vira no parque de diversões
5) ... - like the interior sounds a woman makes when 5a) ..., como sinais de que Sethe conversasse consigo
she believes she is alone and unobserved at her mesma durante seu trabalho doméstico: ....
work:....
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO MATERIAL
6) And Sethe would oblige her with anything from 6a) E Sethe tentava agradá-la mostrando-lhe
fabric to her own ton qualquer coisa, desde u
7) ..., not a riverboat to stow Sethe away on, .... 7a) Não um gaiola onde Sethe pudesse embarcar
como clandestina, ...
8) Sethe couldn't think of anything to do, so grateful 8a) Grata e ao mesmo tempo desnorteada, Sethe
was she, so she peeled a potato, ate it, spit it up and descascou uma batata, comeu um pedaço, colocou-a
ate more in quiet celebration de lado, depois pôs-se a comer novamente, numa
silenciosa celebração.
9) By the time Sethe was released . 9a) Quando Sethe saíra da prisão,
10) Sethe covered her front teeth with her tongue 10a) Sethe abaixou a cabeça para proteger-se do frio.
against the cold.
11) Sethe started the cooking stove as quietly as she 11a) Sethe começou a lidar com as panelas, tentando
could, ... fazer o mínimo de barulho possível

12) 'When Sethe used to work at the restaurant and 12a) Quando a mãe trabalhava e saía para fazer
when she still had money to shop, she turned right. compras, ia para a direita.

13) [frase não presente na textualização] 13a) Sethe voltou no tempo

14) [frase não presente na textualização] 14a) - Sethe pôs o pano de prato sobre uma cadeira.
15 ... and she edged it down over her hairline against 15a) Sethe puxou o lenço para proteger a testa do
the wind. vento.
16) Each turn she made was at least three yards from 16a) Embora Sethe nunca se aproximasse mais de
where he sat,... um metro dele, ....
108

OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO MENTAL


17) Sethe smiled at her and Halle's stupidity. 17a) Sethe sorriu ao lembrar-se da burrice dos dois.
18) ..., Sethe's bladder filled to capacity. 18a) ..., Sethe sentiu a bexiga repentinamente cheia.
19) Sethe bowed her head and sure enough-they were 19a) Abaixou a cabeça e sentiu-os.
there.
20) ... it was clear why Baby Suggs was so starved for 20a) ..., Sethe compreendeu por que Baby Suggs era
color tão faminta por cores.
21) When the flatbed was beyond her sight she 21a) Andando aos tropeções, Sethe avistou uma outra
stumbled on and ... chata se
22) ..., it didn't matter whether it was real or not. 22a) ..., Sethe nem se importou se era real ou não.
23) ... had reminded her of something that now 23a) ... tinham feito Sethe se recordar de algo que
slipped her mind. agora escapava de sua mente.
24) What to jump on first was the problem: .... 24a) Confusa, Sethe não sabia no que pensar em
primeiro lugar: ....
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO RELACIONAL
25) ..., Sethe the only female. 25a) ...; Sethe era a única mulher.
26) As small girl Sethe, she .... 26a) Na época em que era a "menina Sethe", ela não
se ....
27) What about Sethe and Halle; why the delay? 27a) Onde estariam Sethe e Halle? Por que aquela
demora?
28) This here Sethe was new. 28a) Mas a Sethe que se encontrava a sua frente era
uma outra pessoa.
29) Sethe rose to her hands and knees, laughter still 29a) Sethe ergueu-se e ficou de quatro, e os risos
shaking her c sacudindo seu pe
30) ..., her spirits fell down under the weight of the 30a) .., quando Sethe ficava deprimida sob o peso das
things ... lembranças ....
OUTRAS CATEGORIAS RETEXTUALIZADAS COMO VERBAL
31) ..., while Sethe sat on the rock. 31a) ..., enquanto Sethe falava baixinho sentada na
pedra.
32) And Sethe cried, saying she never did, or meant 32a) E Sethe punha-se a chorar, negando, dizendo
to - that she had to que fora obrigada a
33) Sethe couldn't skate a lick but then and there she 33a) Não poderia dizer por quê, mas naquele instante
decided to take Baby Suggs' advice: lay it all down. resolveu seguir o conselho de Baby Suggs: abaixe o
escudo e a espada.
34) ...; her mother's hand on the keeping-room door 34a) ..., e logo em seguida ouvir Sethe, da porta do
and her voice saying, "Baby Suggs is gone, Denver. quartinho, dizer: "Baby Suggs se foi, Denver".
35) ... - and she made him understand from the 35a) ..., e desde o início Sethe deixara bem claro ....
beginning ....
36) [Frase não presente na textualização] 36a) Amada não podia partir antes de Sethe lhe
explicar que,

Aqui, novamente podemos perceber alguns deslocamentos interessantes. Nas orações dos

exemplos 3, 5, 7, 9, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 podemos perceber a mudança de agência. Na

oração do exemplo 3, por exemplo, enquanto no original é a urina que continua sem parar (...it

went on and on...), no texto traduzido embora Sethe não consiga parar de urinar, esta é uma

ação controlável por ela. A oração do exemplo 9 é semelhante. Enquanto em Beloved Sethe

foi solta por alguém (...Sethe was released.), participando da ação como Meta, em Amada ela

é mais atuante e passa a ser o Ator do processo sendo ela que "sai da prisão". Na oração 18
109

Sethe é retextualizada como Comportante enquanto no original é uma parte de seu corpo

(Sethe’s bladder) que é o Ator, neste caso a bexiga que "se encheu até a capacidade" (..filled

to capacity).

Já nas orações dos exemplos 4, 6, 7, 10, 11, 15 e 17 podemos perceber circunstâncias do

original retextualizadas como processos. Por exemplo, na oração do exemplo 4, enquanto no

original Sethe segura a mão de Paul D como nas sombras (She slipped her fingers...like the

hand-holding shadows...), no texto traduzido Sethe "imita" as sombras. O que é textualizado

com apenas um processo é retextualizado como dois, tornando a ação mais dinâmica.

Para concluir, em Amada as mudanças na retextualização dos processos discutidas nas seções

acima parecem ter ocorrido por três motivos: a) por eventuais diferenças na forma de

representação da realidade entre as línguas, ou seja, um processo é de um tipo na língua A e

de outro na língua B; b) pela determinação do gênero, neste caso, especificamente o gênero

"romance"; e c) pela escolha da tradutora dentre as diversas opções que cada língua oferece,

neste caso, marcando o seu estilo.

Se em termos quantitativos não foi possível afirmar categoricamente se se trata de duas

Sethes, a análise pontual de algumas das escolhas parecem revelar personagens que se

comportam de forma distinta em algumas das situações às quais elas são expostas. Análises de

casos de mudanças de agência através da retextualização dos processos, além de abrir o foco

da pesquisa, revelaram o apagamento ou a diminuição, ora no texto original ora no texto

traduzido, da participação da personagem em atividades que variam de fisiológicas, como

“controlar a urina”, até de infanticídio em torno do qual gira a trama da história de Toni

Morisson.
110

Considerando que foi analisado apenas um dos aspectos da representação da personagem,

retomo Munday (1998), citado na introdução desta pesquisa, que afirma que mudanças

(shifts), pequenas ou não, se acumulam e podem afetar a textura da história.

CONCLUSÃO

Este trabalho de análise discursiva da tradução, baseado em corpus de pequena dimensão,

propôs investigar a transitividade como um dos recursos para a análise da construção de uma

personagem literária, especificamente da personagem Sethe no romance Beloved/Amada de

Toni Morrison. Foi de interesse particular observar se a construção da personagem se dava da

mesma forma no texto em inglês e em sua retextualização para o português brasileiro. Para

tal, foram utilizados os pressupostos teóricos da gramática sistêmico-funcional de Halliday

com suporte da metodologia da Lingüística de Corpus.

O trabalho constatou que o sistema de transitividade pode ser uma ferramenta para revelar o

“retrato” de uma personagem de ficção, possibilitando a descrição de um dos aspectos da sua

construção e, portanto, possibilitando a comparação entre personagens, mesmo através das

diferentes línguas.

Para o tratamento do corpus foi utilizado o programa de computador WordSmith Tools que

facilitou o processamento de dados quantitativos e, especialmente através da ferramenta

Concord, a localização das ocorrências do nódulo investigado. As ferramentas Viewer &

Alligner também foram de grande valia para o acompanhamento das escolhas de

retextualização da tradutora.
111

Esta pesquisa considerou que a distribuição proporcional dos tipos de processos relacionados

à uma determinada personagem constituem um dos aspectos para sua representação. Os dados

revelaram que as diferenças percentuais na distribuição dos tipos de processos em cada texto

atingiram no máximo 2,2 pontos. Em termos numéricos, esta diferença pode não ser

significativa para afirmar que a representação das personagens seja distinta; no entanto, em

termos de analise discursiva, que é, de todo modo, crucial nas pesquisas com corpus de

pequena dimensão, o aparato da lingüística sistêmica permitiu fazer algumas observações

pontuais sobre as retextualizações, evidenciando que a personagem reage de formas distintas

às situações as quais ela é exposta.

Foi possível perceber tais diferenças na representação da personagem pelo acompanhamento

par e par das escolhas tradutórias. Hipóteses para os motivos dessas mudanças poderiam ser o

sistema lingüístico próprio de cada língua, a determinação do contexto sociocultural, aqui

representado nas convenções do gênero textual ou ainda, a influência das escolhas da

tradutora que marcariam seu estilo.

Exemplo de mudança causada pelo sistema lingüístico próprio de cada língua são os

processos classificados como de tipos diferentes em cada língua; exemplo de determinação do

contexto sócio cultural é a possível diferença na representação do discurso em inglês e em

português. Enquanto em inglês usa-se o recurso do discurso direto, a narrativa em português é

construída pelo discurso direto livre que, segundo Simpson (1993), faz com que as

personagens sejam construídas mais livremente com menor intervenção do narrador. Vários

exemplos de escolha da tradutora puderam ser encontrados, não sendo o foco do trabalho, no

entanto, analisar os padrões dessas escolhas.


112

A pesquisa apontou ainda para evidências de padrões de retextualização dos diversos tipos de

processos. Enquanto os processos comportamentais, materiais e mentais tiveram uma

tendência a serem retextualizados mais como processos do mesmo tipo, ou seja,

comportamental como comportamental, mental como mental e material como material, os

processos relacionais e verbais se comportaram mais "flexivelmente", sendo retextualizados

como todos os demais tipos de processos, ou como outras categorias gramaticais, ou, ainda,

não sendo retextualizados.

Durante o desenvolvimento da pesquisa foi necessária a proposição de dois novos termos que,

se aceitos pela comunidade acadêmica, poderiam contribuir para facilitar o debate em torno

da tradução. São eles Unidade de Alinhamento e Unidade de Análise. O primeiro termo,

baseado no conceito de Unidade da Tradução proposto em Alves (2000), compreende o

agrupamento de segmentos do original com segmentos do texto traduzido e formam um todo

significativo com o intuito de acompanhar as escolhas do tradutor. Foi necessário cunhar o

segundo para fazer referência às expansões manuais das linhas de concordância.

Esta dissertação, apesar de suas limitações, é uma contribuição direta para os Estudos da

Tradução uma vez que, ao utilizar a abordagem discursiva, descreveu um dos aspectos de uma

eventual tradição da tradução brasileira. A pesquisa apresenta limitações por ser baseada na

análise de uma tradução individual, impossibilitando generalizações, que devem advir ao

somarem-se seus resultados aos de outras pesquisas.

Algumas sugestões para pesquisas futuras foram apresentadas no corpo da dissertação. Por

exemplo, a comparação da representação de Sethe com as das outras personagens no romance.

Uma outra sugestão para pesquisas futuras também sugerida é a comparação da construção da
113

personagem pelo narrador onisciente em terceira pessoa, cujos resultados foram aqui

discutidos, com os momentos em que a própria personagem toma turno e narra em primeira

pessoa.

Outras questões pertinentes seguindo a mesma linha desta pesquisa poderiam ser propostas, o

que mostra a relevância de tais estudos. Assim, espera-se que esta pesquisa tenha contribuído

para os Estudos da Tradução, especialmente para futuras pesquisas com abordagem

discursivas.
114

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Graduação em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem. DIRECT. Contém informações
sobre o programa de pós graduação, publicações e permite acesso ao corpus Banco do
Português. Disponível em: <http://lael.pucsp.br/direct/projeto.htm>. Acesso em 25 jan.2004.

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA


LINGUAGEM. Permite acesso à lista de sugetões de tradução dos termos da linguistica
sistêmica. Desponível em: <http://lael.pucsp.br/sistemica/aprovados-05-09.doc>. Acesso em
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119

ANEXO I - CAPA IFG (1994)


120

ANEXO II - QUESTIONÁRIO RESPONDIDO PELA TRADUTORA


QUESTIONÁRIO A SER RESPONDIDO PELA TRADUTORA

INFORMAÇÃO SOBRE O(A) TRADUTOR(A) E O PROCESSO DE TRADUÇÃO

Título:

Amada, de Toni Morrison

Tradutor(a): Editora:

Evelyn Kay Massaro, para a Editora Best Seller, ramo da Nova Cultural

Sobre o Tradutor

1.. Qual é o sexo do(a) tradutor(a)? F x M

2.. Qual é o sexo do(a) autor(a)? F x M

3.. Qual é o emprego do(a) tradutor(a)?

Funcionário(a) de uma agência de tradução

Freelance X

Outro

Especificar _________________________________

4.. O(a) tradutor(a) trabalha em tempo integral ou parcial?

Integral Parcial x

5.. Qual é a nacionalidade do(a) tradutor(a)?

De nascimento brasileira____________________ Atual __________________

6.. Qual é a nacionalidade do(a) autor(a)? _norte-


americana___________________
121

7.. Quem tem os direitos autorais da tradução? Editora Best Seller


________

8.. A versão final da tradução foi revista por outra pessoa?

Não Sim X

Especificar quem foi o revisor

__Nas editoras em que trabalhei nunca éramos informados sobre a


identidade do revisor.

9.. Qual é a orientação sexual do(a) tradutor(a) e autor(a)? (Esta


informação é de interesse de alguns pesquisadores da área de tradução e
gênero. Sinta-se à vontade para responder ou ignorar a pergunta)

Ambas heterossexuais e mães de família.

10.. Qual é a raça/etnia do(a) tradutor(a) e autor(a)? (Esta informação é


de interesse de alguns pesquisadores da área de tradução e raça/etnia.
Sinta-se à vontade para responder ou ignorar a pergunta)

A tradutora é branca, a autora é negra.

11.. Qual é a formação acadêmica do Tradutor?

Graduada em História Natural (Ciências Físicas e Biológicas) pela


Universidade de São Paulo, turma 1959

12.. Qual é a formação profissional do tradutor? (Há quanto tempo fazendo


traduções, outras traduções publicadas)

Traduzo profissionalmente há 27 anos, trabalhando para editoras como


Atlas, Vértice (traduções do espanhol), Melhoramentos, Abril e Nova
Cultural, onde fiquei 10 anos, tendo traduzido mais de 40 obras de ficção,
não ficção, divulgação científica, juvenil e culinária.
Cito como exemplo, biografias de Marilyn Monroe, Jackie Kennedy,
Richard Burton, outros dois livros de Toni Morrisson (Canção de Solomon,
considerada sua obra prima, e Jazz, que completou o conjunto de obras que
lhe valeu o Nobel; traduzi também Louise Hay, papiza da auto-ajuda, e
Deepak Chopra, muito apreciado dentro desse campo.

13.. Comentários adicionais

Sou descendente de ingleses e desde pequena tive aulas particulares.


Fiz também o curso na União Cultural Brasil - Estados Unidos. No meu tempo
de faculdade praticamente não existiam livros didáticos em português e os
alunos se valiam de apostilas traduzidas pelos professores ou esforçavam-se
para estudar em textos em inglês ou espanhol. Nessa época, nunca me passou
pela cabeça a idéia de ser tradutora. Nunca exerci a profissão de bióloga.
Casei-me, tive filhos e passei a cuidar da família. Quando meu filho mais
novo estava com três anos, em 1976, passei a procurar algo para fazer nas
horas vagas. Comecei a traduzir para uma firma de traduções técnicas
(fazendo especialmente textos de engenharia e contratos de construção,
contando com a ajuda do meu marido, engenheiro civil, na época professor de
Grandes Estruturas na Universidade Mackenzie). Procurando uma atividade que
fosse menos exigente com prazos, pois às vezes um enorme contrato tinha de
122

ser feito de sexta feira para as primeiras horas da segunda feira, acabei
entrando no campo da tradução literária.

Sobre a Tradução:

1.. Ano da tradução:

1987

2.. Tempo gasto para fazer a tradução:

Penso que uns 3 meses (faz muito tempo!


)
3.. Agência que solicitou o trabalho:

Editora Best Seller, ramo da Nova Cultural

4.. Instruções da Agência:

Nenhuma, além de, como de hábito, pedir pressa.

5.. Material de Consulta utilizado:

Nenhum específico, a não ser consulta a mapas. Eu conhecia bem a


história dos EUA na época do romance.

6.. Intervenções de revisores:

Por sorte, nessa obra as intervenções do revisor foram poucas. Passei


tantos aborrecimentos com revisores “metidos” e incapazes intervindo na
tradução e não se preocupando apenas com o texto em português, que me
decidi a jamais ler uma tradução minha.

7.. Descrição do local de trabalho do tradutor:

Escritório em casa, onde nunca faltou uma estante com muitos


dicionários e enciclopédias, TV, vídeo-cassete e rádio. Gosto de traduzir
ouvindo notícias ou música.

8.. Utilização de recursos (equipamentos e softwares) para a tradução:

Na época de Amada, eu usava uma máquina de escrever mecânica e


entregava a tradução em laudas de papel. Posteriormente, passei a trabalhar
com computador e entregando o disquete para a editora. Mais recentemente,
claro, passo os textos por e-mail.

9.. Dificuldades / facilidades encontradas no processo da tradução:

Nenhuma dificuldade. Logo que comecei a ler o original apaixonei-me


pelo livro e traduzi com grande prazer. Como já traduzira Canção de
Solomon, conhecia bem o estilo de Toni Morrison.

10.. Comentários adicionais:

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