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desenvolver sozinho o dom divino, sem Paulo.

Ele teve de acrescentar a sua própria autodisciplina aos dons


de Deus.
Conosco não se dá de forma diferente. O muito ou o pouco que tenhamos recebido de Deus, seja
diretamente numa doação natural e espiritual, seja indiretamente através de pais, amigos ou professores, de
qualquer modo devemos aplicar-nos numa ativa autodisciplina para cooperar com a graça de Deus e para
conservar bem aceso o fogo interior. De outra forma, jamais seremos os homens e as mulheres que Deus quer
que sejamos; jamais cumpriremos o ministério que ele nos deu para exercermos.
Paulo deixa, agora, os vários fatores que contribuíram para a formação de Timóteo e volta-se para a
autenticidade do evangelho e para a responsabilidade de Timóteo em relação ao mesmo. Antes de definir o
evangelho, ele roga o Timóteo que não se envergonhe do mesmo (v.8). O ministério de Timóteo deveria ser
caracterizado pelo sofrimento e não pela vergonha. Ele poderia ser jovem, débil, tímido e fraco; também
poderia recuar diante das tarefas para as quais estava sendo chamado. Mas Deus o moldou e o dotou para seu
ministério, de modo que Timóteo não deveria envergonhar-se desse ministério, nem temer exercê-lo.
Isto significa, antes de tudo, que Timóteo não deveria envergonhar-se de Cristo, "do testemunho de
nosso Senhor". Cada cristão é uma testemunha de Cristo, e o testemunho cristão é essencialmente um
testemunho tanto para Cristo, como de Cristo (cf. Jo 15: 26-27; At 1: 8). Assim, cada cristão deve estar pron-
to e desejoso, se necessário, a fazer-se "um louco, por causa de Cristo" (1 Co 4: 10); por ninguém mais se diz
que alguém deva se dispor a passar por um louco!
Não tendo Timóteo que se envergonhar do Senhor, também não tinha que se envergonhar de Paulo.
Porque é possível orgulhar-se de Cristo, mas envergonhar-se do seu povo e sentir-se perturbado por se
associar a ele. Parece que quando Paulo foi preso novamente e posto em cadeias, quase: todos os seus antigos
auxiliares o abandonaram (v.15). Agora ele implora a Timóteo não lhes seguir o exemplo. Aos olhos dos
homens, ele talvez seja prisioneiro do imperador; na realidade, porém, é prisioneiro do Senhor, um
prisioneiro voluntário, mantido pelos homens em prisão somente com a permissão de Cristo e pela causa de
Cristo.14
Timóteo não deve, portanto, envergonhar-se do evangelho, mas tomar parte no sofrimento por ele.
Sendo fraco em si mesmo, poderia ser fortalecido pelo poder de Deus, para assim suportar os sofrimentos. E
isso era necessário, pois o evangelho de Cristo crucificado, loucura para alguns e pedra de tropeço para
outros (1 Co 1: 23), sempre despertou oposição. E opondo-se à mensagem, as pessoas se colocam
obviamente contra os mensageiros que, deste modo, "sofrem com o evangelho do sofrimento".15
Estes continuam ainda sendo os três modos mais importantes pelos quais os cristãos, como Timóteo,
são tentados a envergonhar-se: ora do nome de Cristo, do qual somos chamados a dar testemunho; ora do
povo de Cristo, ao qual também pertencemos, se é que pertencemos a Ele; ora do evangelho de Cristo, cuja
propagação nos foi confiada.
A tentação é forte e insidiosa. Se Timóteo não a sentisse, Paulo não o exortaria nestes termos. Se o
próprio Paulo nunca tivesse se sentido exposto a ela, não teria tido que se expressar, alguns anos antes, com
tanta veemência: "Não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê" (Rm 1: 16). Com efeito, se esta não fosse uma tentação corriqueira, o Senhor Jesus não
teria necessidade de advertir solenemente: "Porque qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se
envergonhar de mim. e das minhas palavras, também o Filho do homem se envergonhará dele, quando vier
na glória de seu Pai com os santos anjos" (Mc 8: 38). Todos nós somos muito mais sensíveis à opinião
pública do que pensamos, e tendemos a dobrar-nos facilmente às pressões dela, tal como palmeiras agitadas
pelo vento.
Paulo agora fala mais detalhadamente sobre o evangelho do qual Timóteo não deve se envergonhar, e
pelo qual deve se dispor também a sofrer. Ele começa citando as características mais importantes (vs. 9, 10)
e depois resume a nossa responsabilidade em relação ao evangelho (vs. 11, 18). Este é então o duplo tema do
restante do capítulo: o evangelho de Deus e o nosso dever para com ele.

3. O Evangelho de Deus (vs. 9,10)


. . . que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a
sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos eternos, 10e
manifestada agora pelo aparecimento de nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como

14
Na sua prisão domiciliar anterior, em Roma, Paulo cognominara-se um (ou o) prisioneiro de Cristo Jesus em Ef 3: 1 e Fm 1: 9. Aqui ele é "o seu
encarcerado," enquanto que em Ef 4: 1 a expressão usada foi "o prisioneiro no Senhor" (en kuriö), dando a entender, talvez, que fora preso por causa de
sua união com Cristo.
15
Moule,pp. 45, 72.
8

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