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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS

BACHARELADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Professor: Fernando Roberto Freitas Almeida

Disciplina: Cinema e Relações Internacionais

Aluno: Jardel Schettino Caetano

Tema: “O Pianista”

1. Introdução

O presente trabalho pretende discutir diversos temas que vão ao encontro do


contexto histórico, social, político e cultural do filme “O Pianista”, apresentado em sala
de aula. O filme retrata a história de um judeu polonês que lutou pela sobrevivência
frente a perseguição contra os judeus, promovida pela Alemanha nazista em seu país.

Conforme proposto pelo professor da disciplina, através dos textos


disponibilizados para o desenvolvimento desse tema, será dada uma atenção especial às
ideias políticas e filosóficas, desenvolvidas principalmente na Alemanha, desde pelo
menos um século antes da Segunda Guerra Mundial. Essas ideias, que foram mais tarde
apropriadas e manipuladas pelo Partido Nazista para justificar sua “caça aos judeus”,
são frutos de grandes debates e desenvolvimento teórico na Prússia/Alemanha,
originadas pela “incômoda” presença da população judia no Estado cristão alemão.

De fato, os problemas gerados pela presença de judeus na Alemanha são


resultado de um imenso choque cultural, étnico e religioso, que se desenvolveu ao longo
dos séculos, na conturbada história das religiões na Europa. Portanto, para a
compreensão desses debates, faz-se necessário entender as razões históricas que
levaram a população européia e, especialmente, a sociedade alemã, a desenvolver um
sentimento muitas vezes hostil à figura do judeu. Para tal, será proposta uma breve

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explanação do lugar do Judaísmo na Europa, tentando-se identificar os aspectos
principais que contribuíram para o desenvolvimento do anti-semitismo em diversas
regiões do continente.

Após essa contextualização histórica, será proposta uma comparação entre esses
problemas históricos e os debates promovidos por Karl Marx e Bruno Bauer no
entardecer da primeira metade do século XIX. A importância desses debates está na
forma como eles se desdobraram nas décadas seguintes, e que vão, por fim, desencadear
no fortalecimento das idéias anti-semitas e nazistas, que dialogam com o tema proposto
pelo filme.

2. A chegada dos judeus à Europa

Esta seção pretende abordar em linhas gerais alguns fatos históricos, problemas
religiosos, filosóficos e políticos que contribuíram para o desenvolvimento de um
sentimento de ódio contra os judeus em boa parte das populações de diversas regiões da
Europa, desde a Antiguidade.

A chegada dos primeiros judeus ao continente europeu aconteceu a muito mais


tempo do que muitos imaginam. No ano de 586 a. C., o Reino de Judá, onde atualmente
se encontra a Palestina, foi invadida pelas tropas do Império Babilônico, lideradas por
Nabucodonosor. Esse evento (chamado de “Primeira Diáspora”) foi marcado pela
deportação de grande parte da população judia que vivia na região para a Babilônia
(atual Iraque), onde os judeus foram vendidos como escravos de guerra

Aproximados setenta anos após esse evento, o Império Persa, liderada por Ciro,
dominou o Império Babilônico e permitiu que os judeus voltassem voluntariamente para
sua terra natal. Contudo, muitos judeus decidiram não retornar para Israel, optando por
continuar vivendo na Babilônia (que se tornara uma extensão do Império Persa). Uma
boa parte destes se dispersou por toda região do Oriente Médio, chegando,
posteriormente, ao continente europeu.

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O retorno da população judia a Israel foi marcada pela tentativa da retomada do
estilo de vida religioso e da autonomia política da qual a população judia gozava antes
da invasão babilônica. Estes objetivos nunca foram plenamente alcançados, pois o
Reino de Judá jamais obteve total autonomia política, sendo posteriormente dominado
pelo Império Grego e, mais tarde, pelo Império Romano.

Já no ano 70 d.C., em resposta a diversas revoltas de grupos judeus rebeldes, que


visavam a libertação política do povo judeu, o exército do general Tito sitiou Jerusalém,
capital do Reino de Judá, e expulsou os judeus definitivamente de sua terra natal.
Conhecido como “Segunda Diáspora”, esse evento é decisivo para a compreensão do
lugar do judeu na história. A partir desse momento, o povo judeu se espalhou por
diversas regiões na África, Ásia e Europa, como apátridas, uma nação sem território.
Essa situação teve continuidade pelos 1900 anos seguintes, somente em 1948 os criou-
se um novo Estado judeu, o controvertido Estado de Israel.

3. Questões religiosas

As questões envolvendo a religião dos judeus são incontestavelmente


primordiais para a compreensão dos eventos retratados pelo filme “O Pianista”, bem
como para explicar os debates sobre política e filosofia propostas por Marx e Bauer no
século XIX. Este assunto envolve discussões extremamente complexas e vão demandar
uma atenção especial para que se possa fazer justiça a toda a importância que ela possui.

A religião judaica possui algumas particularidades que se expressam diretamente


na forma como o judeu enxerga a si mesmo, os demais judeus e o resto do mundo.
Diferentemente de outras religiões de cunho universalista ou proselitista, a religião
judaica está intrinsecamente ligada à “raça” judia. Em outras palavras, o povo judeu é o
único a professar a religião judaica, pois uma coisa não está separada da outra, pelo
contrário, uma pressupõe a outra.

Os judeus acreditam que são um povo escolhido por Deus, que são separados
dos demais povos, e que possuem a missão especial de obedecer a esse Deus. O

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monoteísmo professado pelos judeus está longe de ser apenas a prática do culto a um
Deus único, em contraste com os cultos politeístas de outros povos. Existe, além disso,
uma forma exclusivista de enxergar a religiosidade. Esse exclusivismo possui alguns
desdobramentos importantes na forma como o judeu encara a realidade, como já foi
dito.

Sendo o judeu um “escolhido” de Deus, ele se compreende como único e


especial no mundo, dotado de uma posição melhor, mais elevada. Sendo o povo judeu,
como um todo, também “agraciado” pela “eleição divina”, o indivíduo judeu
compartilha com os demais judeus a ideia de igualdade, onde todos se encontram unidos
por um propósito e por uma identidade comum. Nesse ponto, eles se diferenciaram de
outras sociedades que, em diferentes momentos da história, adotaram divisões por
castas ou estamentos, por exemplo. Por fim, sendo os outros povos distintos em cultura,
idioma, costumes e, principalmente, religião, os judeus acreditavam se encontrar em
uma posição privilegiada se comparados aos demais povos.

Mais do que uma posição privilegiada, os judeus acreditavam que deviam evitar,
o quanto fosse possível, o contato com os outros povos. Esse tipo de conduta encontra-
se amplamente ensinado no livro sagrado dos judeus, a Torá. Esse livro ensina que, pelo
fato de os outros povos não seguirem os códigos morais, alimentares, familiares e rituais
por ele ensinados, os judeus se tornariam “impuros” caso mantivessem qualquer tipo de
relação com os “gentios”.

A religião judaica via na apostasia (abandono da religião para professar outra


religião) o maior risco para a sua sobrevivência e uma traição a Deus. As diversas
religiões praticadas pelos povos vizinhos de Israel, em sua maioria, politeístas, eram
vistas como verdadeiras ameaças à fé dos judeus e como uma afronta ao que os judeus
consideravam como “único Deus verdadeiro”.

Não é difícil imaginar como o monoteísmo exclusivista dos judeus possa ter
contribuído para o isolamento étnico e cultural deles mesmos. Diferentemente dos
diversos povos politeístas, que encontravam na prática do sincretismo religioso
(especialmente em casos de choque populacional) uma solução pacífica de convívio, o
exclusivismo judaico pressupunha que a mistura com os outros povos e suas religiões,
ou até mesmo a flexibilização de certas práticas e costumes a favor de uma aproximação

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com a diversidade religiosa, era algo extremamente nocivo para a religião judaica e que
deveria ser evitada a todo custo.

Após a Segunda Diáspora (70 d.C.), a dificuldade do povo judeu de manter sua
identidade étnico-religiosa tornou-se ainda maior. Se antes eles podiam contar com uma
unidade religiosa e territorial que lhes assegurava certa estabilidade social, a partir de
então, os desafios enfrentados em sua dispersão por terras estrangeiras eram vistos
como um grande obstáculo a ser enfrentado, e uma grande ameaça à sua sobrevivência
como nação.

Como se não bastassem os grandes problemas de coesão interna, os judeus


dispersos pelo Império Romano, viram-se também ameaçados pelas perseguições
promovidas pelos imperadores romanos, em diversas épocas e regiões. Ao se negarem a
prestar culto ao imperador (que era considerado uma divindade pelos romanos), os
judeus passaram a ser considerados inimigos do Império. Nesse momento, os judeus,
que já se insulavam em comunidades judias, começariam a isolar-se ainda mais,
tornando-se ainda mais hostis ao envolvimento com pessoas de outras culturas.

Posteriormente, com a liberdade religiosa, estabelecida pelo Édito de Milão, em


313 d.C. e a subsequente elevação do Cristianismo a religião oficial do Império Romano
em 392 d.C., os judeus viriam a enfrentar um problema ainda maior, de cunho
teológico, com os cristãos. O Cristianismo, que possuía inegavelmente sua origem no
Judaísmo, começara sua trajetória como uma “seita’ judaica, recebendo apenas mais
tarde o status de religião, separada do Judaísmo. Apesar do “parentesco” entre essas
duas religiões, as hostilidades entre elas durante a história (principalmente após a
oficialização do Cristianismo), foram uma realidade quase constante.

Dentro do campo teológico, talvez a maior controvérsia entre judeus e cristãos,


que pode ter de fato contribuído decisivamente para a consolidação do sentimento de
ódio aos judeus, que mais tarde viria a se configurar como anti-semitismo, foi a questão
da morte de Jesus, ou melhor, da execução de Jesus.

Jesus de Nazaré, figura central do cristianismo, segundo a narração dos


Evangelhos, foi sentenciado à morte por um tribunal romano, após ser acusado por um
grupo de sacerdotes judeus pelo crime de blasfêmia, por ele afirmar ser o “Messias” do
povo judeu. Já naquela época, a maior parte dos cristãos considerava Jesus como sendo

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a encarnação do próprio Deus na terra. Ao atribuir aos judeus a culpa pela execução de
Jesus, os cristãos estavam, consequentemente, acusando os judeus de terem cometido
“deicídio” (matar Deus).

Essa acusação, que a princípio pode parecer abstrata demais para se configurar
em medidas práticas no mundo real, foi na verdade amplamente usada para justificar as
diversas perseguições promovidas contra os judeus ao longo da história. Durante a
Idade Média e Moderna, os judeus sofreram perseguições por parte dos cristãos em
várias épocas e lugares. Como exemplo, temos a Inquisição, as Cruzadas católicas e as
perseguições protestantes (Martinho Lutero, por exemplo, ordenou que uma sinagoga
fosse incendiada com vários judeus dentro).

Os cristãos viam o povo judeu como o culpado pela morte de Jesus.


Consideravam-no um povo covarde, que rejeitou o seu Messias e que por isso foi
castigado por Deus, sendo expulso de sua terra natal, condenado a vagar em terra
estrangeira e ficar sem pátria. A única chance de um judeu se salvar de sua
“degenerada” condição seria abandonar sua religião e cultura e converter-se ao
Cristianismo, mesmo que pela força.

Já os judeus consideravam os cristãos como perseguidores do “povo escolhido”,


como seguidores de um falso Messias e como uma ameaça à sobrevivência de sua
identidade e cultura, já que os cristãos de todas as formas buscavam persuadir os judeus
a se converterem. Diante desse cenário de hostilidade, os judeus, que já possuíam uma
forte tendência a se isolar do convívio social com outros povos e culturas, tornaram-se
cada vez mais introspectivos, isolando-se em guetos e em bairros judeus, imergiram-se
cada vez mais em sua própria cultura, tornando-se realmente um “corpo estranho”
dentro das diversas sociedades cristãs na Europa, em variadas épocas.

Houve algumas exceções com relação à pouca inserção dos judeus nas
sociedades européias. Um exemplo disso foi a participação dos judeus no Renascimento
italiano, especialmente em Florença. Os judeus dessa região contribuíram ativamente no
florescimento da ciência, literatura, música, filosofia e dança naquela época. Contudo,
ainda prevaleciam as hostilidades entre judeus e cristãos na Europa.

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4. O judeu e o “Estado cristão” alemão

Com o advento das grandes revoluções liberais, como a americana e a francesa,


uma nova ideia de Estado pôde ser posta em prática. A derrocada do Ancien Régime e o
estabelecimento do Estado burguês representaram mudanças significativas nas relações
políticas e sociais. O povo deixou de ser súdito para ser cidadão, deixou de se submeter
à decisão política para participar dela.

Contudo, depois da reação conservadora que se firmou na Europa a partir de


1815, o regime monárquico se restabeleceu, mas ao mesmo tempo não foi capaz de
remodelar a sociedade ao ponto de restringir completamente a participação da
população na vida pública. Estabeleceu-se uma situação política turva, na qual o
conservadorismo político e a participação popular de alguma forma conviviam em um
mesmo cenário político, muitas vezes de maneira instável e conflituosa.

No caso da Prússia/Alemanha, após a derrota das tropas napoleônicas e a


restauração do Império Prussiano, estabeleceu-se o chamado “Estado Cristão”. Esse tipo
específico de Estado se valia do direito divino dos reis para estabelecer a autoridade do
monarca e tinha nas igrejas cristãs o apoio a essa liderança política.

Por não ser um Estado Laico, mas ter o Cristianismo como religião oficial e
basear-se no apoio das igrejas cristãs para a legitimação política, apenas os cristãos
eram capazes de exercer cidadania plena (dentro das limitações que o regime
estabelecia), como ocupar cargos jurídicos ou do serviço público.

Devido a um decreto estabelecido em 1812, os judeus estavam privados de


exercer cidadania como os cristãos. Isolado em seus guetos e imerso em sua cultura, o
judeu era hostilizado pelo restante da sociedade e pelas leis do Estado, ao mesmo tempo
em que ele mesmo rechaçava a sociedade que o rodeava e não se via como um elemento
que contribuiria para desenvolvimento do Estado.

Segundo Bruno Bauer, o judeu se reservava do direito de participar da


nacionalidade alemã para vivenciar a abstrata “nacionalidade judaica” que ele
acreditava possuir. Da mesma forma, os judeus abriam mão de respeitar as leis alemãs

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para respeitar a sua própria lei, a Torá. Também se negavam a participar do processo
histórico em que encontrava toda a sociedade, para se apegar a uma esperança religiosa
de um futuro messiânico, prometido por Deus ao seu “povo escolhido”.

Não cabe aqui discutir o conceito de progresso e/ou finalidade histórica. Bauer
era hegeliano e como tal compreendia esses conceitos e os aplicava à sua interpretação
da política e dos processos históricos. Ao constatar que os judeus se negavam a
participar do processo histórico (crido como inevitável), Bauer, dentro da sua
interpretação de mundo, afirmava que o judeu, pelo seu isolamento, privava-se de
participar e interferir nas decisões que poderiam de fato mudar o curso da história. Eles
faziam isso se baseando numa esperança infundada de um futuro brilhante ao qual eles
acreditavam estar predestinados.

Enfim, para Bauer, a não participação política dos judeus não tinha suas origens
na hostilidade que eles sofriam por parte do resto da sociedade. O problema estava na
visão de mundo dos próprios judeus, uma visão anti-social, exclusivista, voltada para os
próprios interesses, irreal, ilusória, prepotente e auto-suficiente. Eram essas
características que os afastavam do convívio social e da participação política.

No pensamento de Bauer, a aspiração dos judeus de passarem por um processo


de emancipação civil e política estava limitada à forma como esses mesmos judeus se
portavam diante da ordem e das leis estabelecidas pelo Estado cristão. Enquanto os
judeus (o povo judeu) persistissem em se comportar e a pensar como judeus (no sentido
religioso e cultural), sua inclusão na sociedade e na vida pública não seriam possíveis.
Ao judeu estaria reservada a alienação política e a segregação, até que sua “condição de
judeu” fosse superada por um processo voluntário ao qual ele se submeteria

Qual seria, então, a solução para essa controvérsia? Para Bauer, o problema
estava inserido numa contradição entre a religião e o Estado, entre a prisão religiosa e a
libertação política. O judeu, acorrentado a suas questões religiosas, estava ele próprio se
impedido de se emancipar. Enquanto as leis de sua religião o impedissem de participar
plenamente da vida política e de cumprir seus deveres com o Estado e com os demais
cidadãos, (como exemplo, eles não participavam de reuniões da Câmara dos Deputados
aos sábados, por ser esse dia considerado sagrado e de descanso), o judeu não seria livre
para exercer cidadania.

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Nesse sentido, Bauer acreditava que o judeu deveria abandonar a fé judaica para
se comprometer com os deveres de cidadão. Na medida em que ele abandonasse a sua
lei para se comprometer com o Estado, ele deixaria de ser judeu. Portanto, Bauer
entendia o “ser judeu” como um tipo de filosofia de vida e não como um grupo de
pessoas com uma linha genealógica específica e um passado comum.

Por fim, Bauer entendia que a emancipação política estava intimamente ligada à
emancipação humana. O filósofo acreditava que a crença religiosa era uma fase do
desenvolvimento humano. Para que as contradições entre Estado e religião por ele
identificadas fossem definitivamente destruídas, os indivíduos, sejam eles cristãos ou
judeus, deveriam abrir mão de sua crença religiosa. Ao abolir a religião, também se
aboliriam as antíteses entre as diferentes religiões e, por conseguinte, os enfrentamentos
religiosos. As discussões entre os distintos grupos sociais se direcionariam para o plano
político, crítico, científico. Nesse plano, segundo ele, a razão e a ciência tratariam, elas
mesmas, de resolver as novas questões que daí suscitariam.

A crítica do jovem Karl Marx à idéia de Bruno Bauer reside, a princípio, na


visível incapacidade deste de distinguir emancipação política de emancipação humana.
Marx acreditava que Bauer apresentava uma análise muito “teológica”, muito abstrata
da realidade e que reduzia a controvérsia judaica a uma mera questão “espiritual”.

Segundo Marx, a emancipação política se daria pela neutralização do Estado


sobre assuntos religiosos. De fato, o Estado neutro não derrubaria a religião, mas viria a
pressupô-la, respeitando a escolha dos seus cidadãos quanto a crença religiosa que cada
um escolheria seguir. Para que isso ocorresse, deveria se estabelecer a total liberdade
religiosa, de todas as religiões, e ao mesmo tempo, a limitação da religião ao foro
íntimo, deixando ela de se estabelecer como uma força a determinar os rumos políticos.

Para embasar essa afirmação, Marx deu o exemplo dos “Estados livres da
América do Norte”. Segundo ele, naquela época já era possível identificar nesse país
que a questão judaica não mais se apresentava no campo teológico, mas a presença dos
judeus e os problemas políticos ligados a eles eram tratados de forma secular, como
qualquer outro problema de ordem política.

Cabe destacar que Marx entendia o judaísmo como um reflexo do sistema


capitalista da época. O “judaísmo prático”, para Marx, era sinônimo de avareza, de um

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comportamento pouco honesto em questões financeiras. Em última instância, os cristãos
que apresentassem uma atitude como essa estaria se tornando um “judeu prático”.
Portanto, o “ser judeu” para Marx não é uma questão puramente religiosa, mas ele
relacionava a religião judaica com algumas práticas próprias da sociedade burguesa de
sua época.

Em suma, a ideia da emancipação política de Marx se diferenciava em um


aspecto fundamental da idéia de Bauer: a ordem de quem seria emancipado e quem
operaria a emancipação. Para Bauer, o Estado deveria ser o agente ativo dessa
transformação e a sociedade (agente passivo) deveria abandonar suas questões
religiosas, tidas por ele como primitivas, para se engajarem nas questões políticas e
sociais que permeassem o interesse coletivo. A sociedade se moldaria ao Estado.

Para Marx o movimento seria oposto. A sociedade seria o agente ativo da


transformação, reivindicando o estabelecimento da laicidade do Estado (agente
passivo). Este, por sua vez, se comprometeria com a neutralidade religiosa, com a
inclusão de todos os cidadãos na vida pública e se focaria nas questões de interesse
público, respeitando a diversidade religiosa e atendo-se às questões seculares. O Estado
se moldaria à realidade da sociedade.

Ao acreditar que não era necessária a abolição da religião para que se


estabelecesse a emancipação política, Marx estava claramente separando emancipação
política de emancipação humana. Marx também acreditava que os seres humanos só
seriam completamente livres quando eles abandonassem suas crenças religiosas e as
amarras da ignorância e da superstição. Mas ele também imaginou que isso seria
impossível na sociedade de sua época. Portanto, para Marx, o importante naquele
momento seria minimizar o papel das religiões (qualquer uma delas) no sistema político
da época e estabelecer um a vida pública mais justa e menos segregadora.

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5. Disposições Finais

A milenar cultura judaica enfrentou numerosas adversidades ao longo de seus


quase 3.500 anos para a sobrevivência de seu povo e de sua identidade. Os grandes
desafios dessa nação se tornaram ainda maiores com o advento da Segunda Diáspora,
quando os judeus se encontraram definitivamente desprovidos de uma pátria Os
aspectos exclusivistas e isolacionistas de sua cultura, fé e religião são importantíssimos
para a compreensão da preservação da identidade cultural judaica, ao mesmo tempo em
que também explicam em parte a forma violenta como muitos povos trataram a
presença judaica.

Para manter sua unidade e coesão interna, os judeus pagaram um preço muito
caro: durante quase dois mil anos eles tiveram que enfrentar a fúria daqueles que o viam
como inimigos, como intrusos e párias da sociedade. A persistente exclusão social,
política e pública dos judeus, já em tempos de liberdade política, foi a expressão
máxima da rejeição sofrida por esse povo, tão isolado e tão estranho à maioria das
pessoas.

As perseguições ao povo judeu, revividas como nunca antes pelos nazistas


durante a Segunda Guerra Mundial, assustam não só pela imensa crueldade aplicada
contra seres humanos, não só pelas grandes proporções que elas alcançaram, mas
também pela proximidade temporal em que elas ocorreram. Sete décadas para a história
é muito pouco tempo.

Apesar de esses episódios parecerem distantes da nossa realidade e também pelo


fato de muitos de nós considerá-los como um erro evidente que nós hoje certamente
evitaríamos, o holocausto, retratado no filme “O Pianista”, suscita em muitos de nós
uma questão: Será mesmo que estamos mesmo livres do ódio e do preconceito contra o
diferente, o estranho, contra as minorias? Talvez, ao fazermos uma autoanálise,
descobriríamos que somos ainda muito parecidos com a sociedade alemã daquela época,
mais do que gostaríamos, mais do que imaginávamos.

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6. Referências Bibliográficas

MARX, Karl. A Questão Judaica. Alemanha: 1843

__________. A Sagrada Família. Alemanha: 1845

___________. Ideologia Alemã. Alemanha:1845-1846

RATTNER, Henrique. Nos caminhos da Diáspora: uma introdução ao estudo


demográfico dos judeus. São Paulo: ., 1972. 256 p.

Documentário: “Religions of the World”, Greenstar Television, 1998.


Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kRzS7wMPYy0&feature=related

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