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MEMÓRIA ALENTEJANA

CEDA (Centro de Estudos Documentais do Alentejo — Memória Colectiva e Cidadania)  2014  N.os 33/34  3€

Caderno Temático:
Caderno Temático:

O Montado
Candidato aa Património
Candidato Património da
da Humanidade
Humanidade
EDITORIAL

SUMÁRIO

Foto: Pedro Soares


Editorial 1
Nota de Abertura 2
Eduardo M. Raposo
CEDA eduardoepablo@gmail.com
IX Passeio Campestre 3 Director
Jornadas do Património 4 Fundador e Dirigente do CEDA
Encontro da Moda 4

Caderno Temático: 40 Anos de Abril O Montado e a Identidade


Colóquios 6
Cantores de Abril nos 40 anos da Revolução 7 No Outono de 2012 propusemos para título das Jornadas
Zeca Afonso na “ Capela Sistina” 8 literárias em Montemor-o-Novo, realizadas em Maio seguinte,
Quatro décadas de mudança 10 o tema “Entre o Cante e o Montado”, que coordenámos. Se
Bibliotecas públicas e Democracia 11 ainda não tínhamos a confirmação da realização da edição da
Caderno Temático: O Montado Memória Alentejana sobre o Cante lançada em Castro Verde,
Breve história do Montado 14 em Julho de 2013, patrocinada pelo respectivo município, muito
O Alentejo Agrícola 16 menos imaginávamos a concretização desta edição dedicada ao
O Montado 20 Montado. Chamemos-lhe rasgo identitário; mas são, de facto,
Confraria do Sobreiro e da Cortiça 22 os aspectos identitários em que nós, Alentejanos nos revemos
Montado – a temática da sua conservação 23 e mais caracterizadores do Alentejo são para o resto do país
O valor económico do Montado 26 e para o mundo.
O Sobreiro, símbolo nacional 27 Congratulamo-nos pela contribuição, ainda que indirecta, à can-
O montado e a fileira do porco alentejano 30 didatura do Cante a Património Imaterial da Humanidade e é
Montado e porco alentejano: uma relação vital 31 com o maior prazer que produzimos esta edição, dando um pas-
Entrevista a Ceia da Silva 33 so, esperamos que firme, para levar ao conhecimento público o
O sobreiro extra – montado 36 processo, em curso, da Candidatura do Montado a Património
Coruche, Capital Mundial da Cortiça 38 da Humanidade, concretizando assim um círculo, isto é, a outra
Ponte de Sor 41 metade de nós: o Montado, espaço da nossa alma e do nosso
A flora do montado e a medicina popular 43 imaginário, nosso enquanto gentes do Sul ibérico e mediterrânico
Tirada de cortiça 45 – alentejanos, mas também ribatejanos, algarvios, extremeños,
Paisagem do Montado 47
andaluzes – mas que tem a chancela da ERT Alentejo/Ribatejo,
Quando da terra nasce a cor 49
Uma outra visão do Montado 51
a Entidade Regional de Turismo mais conceituada de Portugal,
O Montado em imagens devido ao excelente trabalho que tem vindo a desenvolver di-
Daniel Pinheiro 53 vulgando a região nacional e internacionalmente. Daí as nossas
José Alex Gandum 54 saudações ao seu Presidente, António Ceia da Silva, extensível
Pedro Soares 55 a toda uma equipa de excepção, onde fazemos especial realce
António Cunha 57 a José Manuel dos Santos, Director de Departamento e nosso
Habitar o montado 58 interlocutor na aprovação e realização desta edição. É assim que,
...Montados dos meus antepassados 60 com orgulho, pusemos as páginas da Memória Alentejana e todo
A lã e as tecnologias do montado 62 o nosso empenho e dedicação para contribuir para a solidez
O sobreiro em Santiago do Cacém 63 e o futuro êxito desta candidatura que, tal como a do Cante, não
Uma abordagem devaneadora sobre o montado 64 deixa indiferente cada Alentejano(a), esteja na pátria transtagana
Comissão Científica – Inquérito 65 ou radicado na diáspora.
Candidatura tem condições para ter sucess 66 Vai para 14 anos que vamos prosseguindo na Memória Alente-
Talhar a vida 67 jana e no CEDA o combate, diário e permanente, em prol da
Novos caminhos para novos produtos da cortiça 69 defesa e valorização do património identitário do nosso Alen-
APCOR ao serviço da indústria da cortiça 70 tejo. Queremos com esta edição dar mais um passo, sempre
As potencialidades da cortiça 72 com a ambição de melhorar, a vários níveis, a prestação deste
Que modo tão subtil da natureza 73 nosso serviço público – como em 2011, João Cordovil, anterior
Testemunhos na literatura e estórias de vida 74 Presidente da CCDR Alentejo, nos referiu na “Grande Entrevista”
Crónicas de Talhas e Vitualhas – passa aqui por apresentar aos nossos leitores artigos técnicos
Adega de Sines, manter a tradição 75 e científicos de alguns dos mais conceituados homens e mulhe-
res que pensam, estudam, investigam, produzem, materializam,
Entrevista a Manuel Madeira Piçarra 76 divulgam e valorizam o Montado e alguns dos seus aspectos mais
Acontecendo relevantes que nos colocam na vanguarda mundial, quer seja
Destaque 81 a cortiça, o porco alentejano, o habitat,a paisagem,os sabores
Livros 81 e os ancestrais saberes associados ao nosso espaço geográfico
Discos 91 e mental. A começar pela actual Directora Regional da Cultura
Diversos 94 do Alentejo e Presidente da Comissão Portuguesa da ICOMOS,
A Fechar 96

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EDITORIAL

Ana Paula Amendoeira que, em 2004, foi precursora da ideia, abraçada depois pela ERT Alentejo/Ribatejo, concretizada
em 2010. Nesse sentido publicamos trabalhos de que tem responsabilidades em entidades como a Confraria do Sobreiro
e da Cortiça, Escola Superior Agrária de Santarém, LPN, Universidade de Évora, Sociedade de Geografia de Lisboa, LNEG,
ISCEM, ISEC, Campo Arqueológico de Mértola ou APCOR como José Mira Potes, João Posser de Andrade,Eugénio Se-
queira, Luís Tirapicos Nunes, Ana Fonseca, Vermelho do Corral, Ana Pereira Neto, Luís Gil, Natália Teixeira ou Cláudio
Torres. Surgem também actores, especialistas e vivenciadores do Montado como Rogério de Brito, Alberto Franco, João
Pereira Santos, Augusto Carvalho Lança, Manuela Rosa, José António Salgueiro ou o artesão Arlindo Pirralho e o reconhe-
cimento internacional pela inovação que Sandra Correia imprimiu no design tendo a cortiça como matéria-prima, mas tam-
bém, no espaço lúdico, como António Galvão, Graça Saraiva, o inglês – apaixonado pelo Montado ibérico – Rob Miller, ou
Manuel Casa Branca – autor da capa desta edição, ou ainda as imagens de quem capta, fotografando, filmando, descrevendo
o Montado: casos de António Cunha, Alex Gadum, Pedro Soares, Daniel Pinheiro, Mário de Carvalho – solidário, publica
uma crónica inédita – Florbela Espanca, Francisco Bugalho, Maria Vitória Afonso, ou as respostas de Cláudio Torres e João
Serrão ao inquérito endereçado a todos os membros da “Comissão dos Sábios”e as entrevistas, gentilmente cedidas, por
Ceia da Silva e Roberto Grilo, Vice-Presidente da CCDRA.
Uma necessária palavra de apreço, nomeadamente à participação e apoio empenhado do Município de Coruche – Capital
Mundial da Cortiça - através da Susana Cruz do Observatório do Sobreiro e da Cortiça, mas também do Município de
Ponte de Sor – Carlos Manuel Faísca – ou Santiago do Cacém – o Presidente Álvaro Beijinha - concelhos onde o Montado
e a cortiça têm um papel na economia local e dão um enorme contributo para a nacional. Os municípios participantes
e apoiantes, assim como outras entidades, empresariais ou associações profissionais – ajudando a viabilizar o esforço financeiro
na concretização – deram, mais uma vez, o exemplo ao contrário de algumas entidades representantes do sector que, tendo
sido contactadas, ou não concretizaram a participação ou fazendo-o, esquivaram-se a apoiar. É caso para dizer: esta é uma ban-
deira de todos nós, em que estamos unidos no esforço e vontade abnegada, inclusive do seu reconhecimento pela UNESCO;
merece o esforço dos cidadãos, técnicos, cientistas, artistas, escritores, etc e destas instituições públicas, a começar pela ERT
Alentejo/Ribatejo, responsável pela Candidatura - e pela vastidão de aspectos que esta envolve - enquanto algumas entidades
empresariais se envolvem, mas até um certo ponto. É uma questão de solidariedade, de empenham ua equipa neste empenhado
objectivo de reforçar a visibilidade internacional do Alentejo.
Mas esta edição não descura a gastronomia, os 40 anos do 25 de Abril - nomeadamente a figura de José Afonso – e des-
taca, na “Grande Entrevista”, o mais antigo Director de jornais nacionais, o eborense Manuel Madeira Piçarra. Na rúbrica
“Acontecendo”- pela primeira vez em 13 anos, atinge a meia centena de recensões e/ou referências a livros, discos, efemé-
rides e realizações sobre ou que importam ao Alentejo. Em evidência, no destaque, O Montado no Portugal Mediterrâneo, o
excelente livro de José Mira Potes, bem como a nossa homenagem ao camponês João Domingos Serra, do Lavre, que com
dignidade retratou para a posteridade as agruras da vida rural no século XX português em Uma Família do Alentejo. Mistérios
da Natureza e da Política, testemunho tão valoroso que … inspirou o Prémio Nobel português, até o recentemente estrea-
do Alentejo Alentejo, de Sérgio Tréfaut, vencedor do “Prémio de Melhor Filme Português Indie Lisboa 2014”.
Neste país onde o sobreiro, felizmente, é a árvore nacional, para completar o círculo identitário, depois do Cante e do
Montado, espera-nos o Pão, o Vinho e o Azeite. Aqui fica a nossa vontade empenhada.

ENTRE MONTES E MONTADOS


Entre Montes e Montados, Chaparros e Olivais/ ouvi cantar muitas modas/ por ceifeiros e pas-
tores /lavradores e maiorais… Assim se exprimiu um poeta popular numa taberna de Aljustrel.
No ambiente descrito terá surgido o fantástico modo de cantar alentejano. Modas, cantos,
cantes e as melodias improvisadas no cante baldão ou nos despiques. As melodias ficavam nas
vozes das gentes e, muitos se especializavam nessas formas de expressão. Depois, natural-
mente, o andar lento e bamboleante, marcando o andamento compassado das melodias, que,
apuradas pelos mais experientes, vieram a libertar as vozes dos tenores, dos barítonos e dos
baixos, vozes fantásticas que proliferam por todo o Alentejo, em cada terra, em cada canto.
Hoje, do repertório imenso, criado por autores maioritariamente desconhecidos, passando de
boca em boca, geração por geração. Infelizmente muito já se perdeu. Mas, tanto nos emigrante,
como nos imigrantes, muitas modas foram recuperadas, talvez, também, pelo facto dos grupos corais, especialmente na
cintura industrial de Lisboa (e não só), serem formações compostas por elementos de diversas terras do Alentejo. E isso
foi-se transmitindo aos seus filhos, em cujas veias corre o sangue do Cante Alentejano.
A Memória Alentejana, é pois uma revista, cuja principal preocupação é a memória da nossa cultura e do nosso povo.
O êxito da última revista saída – sobre o Cante – foi notável. Este número agora saído – sobre o montado – visa a
beleza da terra em cujo campo trabalharam, das culturas praticadas, a memória dos campos e dos montados, desse
tempo de dor, de luta e de saudade (eu fui-te ver ao Montado/ sentada à porta do Monte/com o teu olhar brilhante/
à espreita no Horizonte).
Uma palavra de grande agradecimento ao Turismo do Alentejo, pelo apoio dedicado à nossa publicação, com votos
de continuação desse excelente trabalho, que têm vindo a desenvolver, na defesa e divulgação do nosso ALENTEJO!

Francisco Naia
Presidente da Direcção do CEDA

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CEDA

Fotos: Alexandre Pirata


IX Passeio Campestre do CEDA
Na freguesia do Lavre Maria Vitória Afonso

No dia 17 de Maio realizou-se o ha- concedidas nenhumas regalias aos as- medicinais e a sua aplicação como
bitual passeio anual, uma organização salariados – apresentou, com orgulho produtos de beleza.
CEDA - MONTEMORMEL, onde es- esta propriedade que pertence à sua Prosseguindo caminho, extenso de al-
tiveram em evidência “Cores, Sabores família há 200 anos, referindo, nos guns quilómetros mas compensador
e Saberes do Alentejo”, como a Agro- tempos mais recentes a procura de pela exuberância dos verdes de várias
pecuária, Paisagem-Lazer, produção novos caminhos para o sucesso e ren- tonalidades, pelo atravessar de regatos
tradicional de lacticínios e património tabilidade da agricultura, pelo que ac- cantantes de águas cristalinas, que só
do nosso Alentejo, mais uma vez or- tualmente aposta na.pecuária – criam não nos molhavam porque de margem
ganizado pelo Alexandre Pirata e pelo 170 vacas - e cultivam a ervilha, a cebo- para margem havia umas mãos frater-
Eduardo M. Raposo. O encontro esta- la o alho etc. nas que nos seguravam e ainda extraor-
va marcado para as nove horas fren- Nesta herdade podemos usufruir a Na- dinária visão da ponte romana. Chegá-
te à Casa do Povo de Lavre, onde se tureza, que aqui agora se mostra no mos depois à Quinta da Anema. Aqui,
deu início à partida para a Herdade do seu máximo esplendor. guiados pelos anfitrião, o casal holan-
Garcia no autocarro do Município de Posteriormente iniciou-se o percur- dês Jan Fokke e Elisabeth Anema, visi-
Montemor, cedido para o efeito. so pedestre na Herdade do Garcia, támos a exploração agrícola em modo
Na Herdade de Garcia a recepção foi guiado pelo Mestre José Salgueiro de produção biológico e o fabrico ar-
feita por José Lousinho e sua esposa. até à Ribeira do Lavre. Nos seus 95 tesanal de queijo e iogurte na quinta.
O dono da Herdade - conhecida por anos joviais, sempre com um aberto Ficámos encantados com este modo
uma extraordinária solidariedade num sorriso continua a dar-nos exemplar- de produção agrícola, onde a vida
tempo em que ainda não tinham sido mente as suas noções sobre ervas se vive ao ritmo da natureza e dos

3
CEDA

e palestras relacionadas com as inter-


venções educativas e terapêuticas.
Continuando o percurso pedestre che-
gámos ao Lavre onde visitámos a Ca-
pela de Santo António. A Igreja Matriz,
o Carrilhão e as Fontes dos Namora-
dos – onde o Presidente da Freguesia,
José Maria Barroso nos guiou através
das lendas e do imaginários popular
desta povoação centenária - com foral
há mais de 500 anos. Terminámos, em
agradável convívio, com o lanche pa-
trocinado pela União das Freguesias do
Lavre e das Cortiçadas do Lavre, pre-
ao ar livre desfrutando os campos parado pelos elementos do executivo,
magníficos em redor. Ficámos a saber funcionários e outros amigos.
que esta quinta tem alguns objectivos De referir que este passeio campestre,
sociais: convite de grupos para expe- contou, como é habitual, com o apoio
rimentar a escola viva; visitas guiadas da Câmara Municipal de Montemor-o-
animais. Por fim assentámos arraiais pela quinta e pela queijaria – com que -Novo e, nesta edição, da União das
para o pique-nique num espaço agra- nos deleitamos, inclusive com as pro- Freguesias do Lavre e das Cortiçadas
dável apropriado par aos visitantes, vas passeios pedestres ecológicos, do Lavre.

1as Jornadas, organizadas pela Asso- Antes das conclusões, apresentadas


ciação Portuguesa para a Salvaguarda no começo da noite, Pedro Mestre
do Património Cultural Imaterial, para e David Pereira apresentaram temas
Salvaguarda do Património Cultura do Cancioneiro Tradicional do Baixo
Imaterial do Alentejo, com o apoio da Alentejo com viola campaniça.
Câmara Municipal e da ERT Alentejo e Esta iniciativa, serviu bem o seu pro-
Ribatejo e a colaboração de um alar- pósito de debater, promover e valori-
gado elenco de entidades. zar pela difusão de conhecimento
No fórum Cultural Transfronteiriço das” mais diversificadas e singulares
foram apresentadas 15 comunicações, expressões culturais imateriais que os
distribuídas por quatro painéis, que indivíduos, os grupos ou as comunida-
O Centro de Estudos Documentais do começaram a ser apresentadas a partir des protagonizam e que dão sentido
Alentejo e a Revista Memória Alenteja- das 10h 15m até às 18h 15m. Os temas à própria identidade do país”- como
na estiveram representados por nós e foram abrangentes abarcando o cante, refere o programa das Jornadas.
pelo Diretor da revista no Alandroal, a oralidade, a medicina popular, a reli-
no dia 1 de Fevereiro de 2014, nas giosidade, o mobiliário e a museologia. Ana Pereira Neto

Estivemos presentes no XVI Encon- enriqueceu os debates das comuni-


tro da Associação MODA, a convite cações apresentadas. Quem mais do
do seu Presidente- Francisco Teixei- que os (as) intérpretes, ensaiadores e
ra. Sobre o tema A Continuidade do músicos, estará habilitado para referir
Cante, encetou-se na manhã de 29 as dificuldades e desafios com que o
de Março, no auditório da Biblioteca Cante se depara? Foi, de facto, o am-
Municipal de Cuba, uma jornada de biente de partilha de informação que
pleno debate sobre o cante, que en- tornou tão vívido o ambiente que, sen-
cerrou com a XVII Assembleia Geral do plural no que respeita à caracteriza-
da Associação que organizou o even- ção da assistência, se constituiu uno na
to, com o apoio da autarquia. defesa deste património.

A presença de várias dezenas de repre-


sentantes de grupos corais do Alentejo Ana Pereira Neto

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CADERNO TEMÁTICO 40 ANOS DE ABRIL

40 Anos
Foto: António Marques da Silva

de Abril
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40 ANOS DE ABRIL CADERNO TEMÁTICO

de 1999 e início de 2012, assumiu o


cargo de Secretário-geral.
Atualmente é investigador do Centro
de Estudos Sociais em Lisboa; Maria
Vitória Eduardo Afonso, dirigente do
CEDA e Eduardo M. Raposo, funda-
dor e dirigente do CEDA e director da
revista Memória Alentejana desde a sua
fundação até ao presente.
Aspectos a salientar do colóquio - a
saída da crise não passa por mais aus-
Colóquio com Manuel teridade, existem alternativas muito
Foto: João Santos

mais capazes, é preciso contrariar


Carvalho da Silva esta ideia imposta de certa forma
aos portugueses, de que a resolu-
ção da crise passa por mais sacrifí-
cios. É importante o combate a este
João Santos capitalismo, que nos está a trazer de
volta a um retrocesso civilizacional, há
No dia 3 de abril, no auditório da Jun- Na mesa estiveram presentes: Manuel que assumir rupturas, com políticas
ta de Freguesia da Amora (concelho Carvalho da Silva, que dispensa grandes que estão a tolher o país do ponto de
do Seixal) realizou-se de forma bas- apresentações, ingressou na atividade vista social e económico.
tante participativa um colóquio or- sindical a partir de 1974, desempe- É importante também um trabalho de
ganizado pelo CEDA, com a partici- nhando vários cargos sindicais, sen- análise, de debate, para explicar aos
pação do Doutor Carvalho da Silva, do o de maior destaque à frente da portugueses onde está o dinheiro que
sobre o tema “Crise” e Alternativas: CGTP-IN (confederação Geral dos a Troica mandou para Portugal e que
o Trabalho, o Social, a Democracia Trabalhadores Portugueses – Intersin- fez a Dívida Pública aumentar. Esta é
(Memória e Responsabilidade). dical Nacional), em 1986 e entre o fim uma questão que continua em aberto.

As intervenções dos Capitães de Abril

Colóquio em Almada foram antecedidas pela passagem de


excertos de um filme alusivo ao 25
de Abril, tendo as excelentes inter-
com discentes e militares venções dos oradores motivado um
Foto: José Zaluar

debate muito vivo – inclusive de mili-


de Abril tares participantes no 25 de Abril, que
estavam na assistência.
Esta iniciativa teve a parceria dos re-
feridos agrupamentos escolares e o
Maria Vitória Afonso apoio na realização do Município de
Almada, que cedeu o Auditório Muni-
O CEDA continuou as comemora- do “Tenente-Coronel” Otelo Saraiva cipal e disponibilizou a equipa técnica
ções dos 40 anos do 25 de Abril com de Carvalho, bem como de discentes do mesmo, que com grande profissio-
a realização de um outro colóquio, dos Agrupamentos Escolares Anselmo nalismo assegurou a sessão.
este realizado no dia 13 de Abril em de Andrade e Emídio Navarro, res- Os militares de Abril, antes do início
Almada, no Auditório Lopes-Graça. pectivamente Inês Campeão, Gonçalo do Colóquio, tiveram oportunidade
Subordinado ao tema”40 Anos de Abril: Pinho e David Brito. de fazer uma visita guiada à exposição
1974-2014 – Liberdade...Democracia A abrir a sessão esteve o Engenhei- “A Revolução hoje. 40 anos depois do
segue dentro de momentos...”, teve a ro Rogério de Brito – Presidente da adeus. O olhar dos alunos.“, inaugurada
participação do Coronel João de An- MAG do CEDA, tendo a moderação no dia anterior “, na Oficina de Cultu-
drade e Silva (que coadjuvou as ope- estado a cargo do Doutor Eduardo M. ra. Esta exposição foi uma das iniciati-
rações no Cristo–Rei na manhã de 25 Raposo, Director da Revista Memória vas realizada pelo Município de Alma-
de Abril de 1974), do “Major” Tomé e Alentejana. da para assinalar esta histórica data.

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CADERNO TEMÁTICO 40 ANOS DE ABRIL

Foto: Ana Pereira Neto - Biblioteca de Beja


‘Cantores de Abril’
nos 40 anos da Revolução
Cantores de Abril. Entrevistas a Canto- os momentos altos no lançamento que aderiram. Organizado pela Asso-
res e outros Protagonistas do «Canto de dia 24 de Abril no Teatro Cinearte, a ciação dos Amigos da Cidade de Alma-
Intervenção», com prefácio de Manuel Barraca, Lisboa, num ambiente de fes- da - AACA - teve a adesão do CEDA,
Alegre, foi distribuído com o jornal ta comemorou-se assim o 25 de Abril da SCALA, do FAROL, de agrupamen-
Público no dia 25 de Abril de 2014, com quase 100 amigos, nomes como tos de escolas de Almada e a presença
exactamente quando se perfazia 40 António Chainho, António Pedro Vi- de dirigentes da Casa do Alentejo, da
anos da histórica data de 25 de Abril cente, Mário Vieira de Carvalho, Hél- Alma Alentejana, da IMARGEM, assim
de 1974. Fruto de entrevistas e/ou der Costa, claro, José Zaluar, o editor como do Vice-presidente da Município
breves histórias de vida de : Adriano Fernando Mão de Ferro, canto (Cra- de Almada, José Gonçalves, que usou
Correia de Oliveira; António Pedro mol) e poesia (Jorge Lino, ALPHA Te- da palavra, bem como o editor, João
Vicente; Benedicto García Villar; atro e Jograis do Alentejo). Morales, Hélder Costa, Francisco Naia
Eugénio Alves; Fialho Gouveia; Fran- No dia 9 de Junho, o átrio da Academia acompanhado de José Carita - que
cisco Fanhais; João Paulo Guerra – Almadense recebeu uma sessão inédita se apresentou com o Coro da Incrí-
«a Mosca» e o «nacional-cançonetis- e excelente, quer pelo número de par- vel, que rege - e, solidário, o Grupo
mo»; José Barata Moura; José Carlos ticipantes - mais de 100 - pelas inter- Coral Etnográfico Amigos do Alentejo,
de Vasconcelos; José Jorge Letria; José venções ou pelas entidades associativas que encerrou a sessão.
Mário Branco; José Niza; Luís Cília; Ma-
nuel Alegre; Manuel Freire; Mário Viei-
Foto: Gena de Sousa - Academia Almadense

ra de Carvalho; Paulo Sucena; Sérgio


Godinho; Tino Flores e Zeca Afonso.
Editado em 2ª edição, com a chancela
das Edições Colibri, esta histórica edi-
ção - com 4.000 exemplares - revista
e actualizada teve várias apresenta-
ções. Duas delas, mais informais, no
âmbito da Feira do Livro da Página a
Página – Setúbal (26 de Abril) e Alma-
da (5 de Maio), tiveram a participação
musical de Francisco Naia. Todavia,

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40 ANOS DE ABRIL CADERNO TEMÁTICO

Em Beja, a apresentação ocorreu na movimento que tanto contribuiu para Este movimento cultural deu um novo
Biblioteca Municipal dia 28 de Junho. a Revolução de 1974 – dirigentes es- rumo à nossa história recente (…)”
Paula Santos – bibliotecária – Paula tudantis, jornalistas, críticos, editores
Barriga – Director do Diário do Alen- de rádio e de televisão. (…) Fernando Mão de Ferro (editor)
tejo apresentou, o autor, Ana Pereira
Neto e Teresa Cuco, disseram poe-
mas e Paulo Ribeiro interpretou belos
temas do nosso imaginário. Seguiu-se

Foto: José Zaluar - Barraca Cinearte


vivo debate com, entre outros pre-
sentes, os amigos Cláudio Torres e
Fernando Caeiros.
Contra a censura, contra a PIDE,
contra a repressão, contra a guerra,
não tínhamos outras armas: tínhamos
a poesia, a canção, a guitarra. E foram
elas que, de certo modo, na madru-
gada do 25 de Abril, floriram também
nas armas libertadoras.
Manuel Alegre (do prefácio)

Foto: Ana Pereira Neto - Biblioteca de Beja


A Poesia e a Música foram a chama
que alimentou a esperança na li-
berdade, despertaram consciências
contra a guerra colonial e minaram a
ditadura salazarista.
O livro Cantores de Abril, de Eduardo Foto: Barraca Cinearte
M. Raposo, presta homenagem aos
Poetas e Cantores que fizeram os
Cravos florir em Abril, mas também
a todos os homens e mulheres que
participaram voluntariosamente neste

Fotos: Teresa Cuco

Zeca Afonso na “Capela Sistina”


ou de como a beleza da Poesia cantada comunga fraternidades
Em Abril de 2007 a Casa da Música, Em 2014 realizámos uma mini-tour- excelente em Paio e Pires e em Santiago
no Porto organizou a única grande ho- née entre 25 de Abril e 31 de Maio: – no Garcia de Resende, excedeu
menagem nacional – com carácter de Odemira, Paio Pires e Santiago do todas as expectativas. Momento su-
Estado - realizada em Portugal ao au- Cacém (no Auditório com o nome blime, espectáculo magistral, assim se
tor da “Grândola, Vila Morena”. Nes- do Amigo Mestre António Chainho), referia o público aqueles 90 minutos
se contexto, no dia 25 de Abril, pro- terminou no Teatro Garcia de Resen- em que numa das mais belas salas
ferimos a conferência “José Afonso. de, Évora. E se desde Odemira para do país, público, cantores, músicos e
O Canto da Utopia”, que veio a um público entusiasta os 250 luga- apresentador, unidos pela comunhão
originar o espectáculo homónimo. res foram insuficientes, a adesão foi do belo na obra poética e musical de

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CADERNO TEMÁTICO 40 ANOS DE ABRIL

José Afonso, reafirmaram valores de musical, enquanto “Menina dos olhos


justiça, de fraternidade, de liberdade tristes” constitui uma denúncia pun-
e de utopia inscritos na obra do génio gente da guerra colonial iniciada em
maior da Canção Popular Portuguesa. 1961.
Que forma mais nobre de comemo-
rar os 40 anos do 25 de Abril?

«Grândola»

África e Coimbra O segundo encontro com o Alente-


jo dá-se no dia 17 de Maio de 1964
Em Palco: Francisco Naia – voz; Ana (de que se assinalou recentemente 50
Pereira Neto – voz feminina e coro; anos), quando, a convite do seu an-
José Carita – guitarra clássica e flau- tigo companheiro de república, o en-
ta; Ricardo Fonseca – guitarra clás- cenador e amigo Hélder Costa actua
sica, violas campaniça e amarantina; na “Sociedade Musical Fraternidade
Edmundo Silva – baixo acústica Operária Grandolense”.

Espectáculo que apresentamos, com Aqui surge a inspiração para o hino


imagens e a particularidade de cada que dez anos depois é nacional e in-
tema ser antecedido de palavras do ternacionalmente conhecido: “Grân-
próprio Zeca. dola, Vila Morena”. Momento emo-
cionante – Francisco e público em de raiz popular - aqui interpretado a
Iniciou com a potente voz de tenor coro - assinalado com “Cantar alen- duas vozes, criando uma harmonia
de Francisco Naia em “Epígrafe para tejano”, referente a Catarina Eufémia. rara - que está na génese de Nova
a arte de furtar”, o belo poema de Música Portuguesa , em complemento
Jorge de Sena. O Zeca bebé, em com os discos então saídos de Sérgio
Aveiro, a viagem para Angola e Mo- Godinho, J. Mário Branco e Adriano
çambique. Em 1940 em Belmonte Moçambique e a consciência Correia de Oliveira.
– onde o seu tio era presidente da social e política
Câmara e comandante da Legião: Em 1964 Zeca Afonso vai dar aulas “Era um redondo vocábulo”, um dos
“Foi o pior ano da minha vida”. De- para Moçambique, primeiro Louren- mais intimistas dos cerca de 180 temas
pois Coimbra – liceu, Faculdade de ço Marques (actual Maputo) e entre gravados pelo Zeca entre 1953 e 85, o
Letras, Orfeão, Tuna Académica e, a 1965 e 1967 na Cidade da Beira. seu encontro com Benedicto e com a
seguir ao serviço militar em Mafra e Terá então adquirido a mais elevada Galiza, “A cidade”, o belo o poderoso
às deambulações no ensino para ga- consciência social e política, tornan- poema de Ary dos Santos, neste con-
nhar a vida – tinha constituído família do-se claramente “persona non grata” certo dedicado especialmente “aos
– Mangualde, Aljustrel, Lagos, Faro, para a ditadura, quando ao regressar muitos amigos presentes. “
Alcobaça (1955-1960), em 1961 ini- vem residir para Setúbal. Deste pe-
cia uma nova fase com “Balada de ríodo apresentamos “Carta a Miguel Antes da “Grândola” cantada duas
Outono”.  Djéjé”, a duas vozes, de inspiração vezes por mais de cem em uníssono,
e influência claramente africanas; e surgiu ainda, deslumbrante “Tu gita-
do período seguinte, “A morte saiu na”, do Cancioneiro de Vila Viçosa,
O mar, o Amor e a intervenção à rua”, dedicado à memória do pin- do último álbum, “Galinhas do Mato”.
tor José Dias Coelho, assassinado
Nesse ano de novo em Faro a dar pela PIDE, “Na Rua António Maria
aulas; é o reencontro com o mar e (este musicado pelo Naia) dedicado
encontro com o Amor, decisivos na a Conceição Matos, presa pela PIDE, Despedimo-nos com:
sua obra poética e musical é personi- ou “Por trás daquela janela”, ou ain-
ficado com o tema “Tenho Barco, te- da “Vejam bem”, ambos no contexto Viva o 25 de Abril!
nho remos” (1962). Em 1964 troca a das prisões de que o próprio Zeca foi Viva o Alentejo!
guitarra de Coimbra pela viola acús- alvo, respectivamente em Outubro “Foi bonita a festa, pá”…
tica, inicia uma nova fase no seu per- de 1971 e Abril de 73.
curso musical e uma nova e decisiva
fase na música portuguesa inovando-
-a; grava então o disco “Cantares de
José Afonso” ( logo proibido), quan- «Cantigas do Maio» e a génese O link do recital é: http://www.youtube.com/
watch?v=jBNYLFjyTmw
do Rui Pato, com 16 anos, o começa da Nova Música Portuguesa”
a acompanhar: “Menino do Bairro
Negro”- aqui interpretado a duas vo- A renovação da música portuguesa no
zes- e “Os vampiros” que marcam o Outono de 1971, com “Cantigas do A partir de
início da fase interventiva na sua obra Maio”, o lindíssimo tema homónimo perfumedelaranjeira.blogspot.com

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40 ANOS DE ABRIL CADERNO TEMÁTICO

Nos 40 anos da revolução dos cravos


Quatro décadas de mudança
A.M. Santos Nabo *
A revolução de abril de 1974 vem A primeira década da revolução, que mulheres à margem dos partidos polí-
marcar claramente uma rutura com vai até à entrada de Portugal na então ticos.
o passado. A partir daquele dia tudo Comunidade Económica Europeia, é Tudo muda, em todos os níveis, “há
muda com a chegada da liberdade. caracterizada pela instabilidade polí- mudança também no comportamen-
Alteram-se os comportamentos dos tica e social, própria destes proces- to dos pobres. Os moradores dos
pobres e dos ricos, dos trabalhado- sos. As mudanças na sociedade fo- bairros-de-lata ocupam as primeiras
res e dos patrões, em busca da cons- ram muito profundas. A restauração casas no dia 30 de abril. Os sindica-
trução de uma sociedade diferente. das liberdades individuais, o fim da tos reúnem-se febrilmente, os estu-
Quarenta anos depois o processo de censura, a extinção da polícia política dantes fazem chover as declarações
mudança contínua, mas o rumo está e o final da guerra colonial, marcam e os manifestos, o saneamento dos
cada vez mais difícil de definir. claramente o termo das instituições lugares públicos dá os primeiros pas-
em que se baseava o antigo regime. sos”2. Esta instabilidade social que
Quando os militares avançaram para De salientar que logo a 6 de maio de alterou a forma como as comunida-
fazer a revolução a 25 de abril de 1974 era publicado o Decreto-Lei n.º des viviam vai demorar algum tem-
1974, eles não pretendiam apenas 191/74 que instaurou o salário míni- po até serenar.
acabar com a guerra colonial e der- mo nacional, uma medida que se tem
rubar o governo. Na proclamação mantido até aos dias de hoje. Onze anos após a revolução, em 1985,
do Movimento das Forças Armadas, Portugal e Espanha assinam o Tratado
a intenção de mudança é clara, ao Outra das situações que despoletou de Adesão que iria fazer destes países
se afirmar que se pretende “levar a com a revolução foi a questão da ibéricos os novos participantes na Co-
cabo, até à sua completa realização, igualdade de tratamento entre ho- munidade Económica Europeia (CEE).
um programa de salvação do País e mens e mulheres, com o crescente “A adesão à CEE, muitas vezes referida
de restituição ao povo português das papel interventivo da mulher na socie- como a ‘entrada de Portugal na Euro-
liberdades cívicas de que vem sendo dade. Em 1975, Ano Internacional da pa’, pôs fim a um longo período de
privado”1. Assim, o processo de mu- Mulher, Portugal participa pela primei- instabilidade económica e financeira, e
dança da sociedade portuguesa iria, ra vez com uma delegação oficial na gerou grandes expetativas em relação
de facto, iniciar-se com a revolução conferência mundial organizada pela à aproximação aos níveis de desenvol-
em praticamente todos os sentidos ONU, enquanto pelo país se criam vimento dos países mais ricos da Euro-
ao longo dos anos que se seguiram. vários movimentos de libertação das pa”3. A chegada a este grupo de países

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CADERNO TEMÁTICO 40 ANOS DE ABRIL

mais difíceis, sendo a emigração um


cenário que se coloca a cada vez mais
portugueses e principalmente a com-
patriotas com uma qualificação supe-
rior que apenas pretendem fugir de
um país que não lhe permite trabalhar.
Com a crise, regressou o aumento da
desigualdade o que só pode ser pre-
judicial para a construção de uma so-
ciedade mais justa. “Em quase todo o
lado, existe uma preocupação em re-
lação à crescente desigualdade, sobre-
tudo no topo. Em quase todo o lado,
a recessão económica piorou a situa-
ção, sobretudo para a classe média e
coloca Portugal numa escala diferente. dade portuguesa alarga o consumo os mais desfavorecidos socialmente”6.
A partir daqui, o país já não olha ape- e o Estado promove um vasto con- A crise tem retirado aos mais pobres
nas para si, passa a querer comparar-se junto de obras públicas que vão dei- e mesmo à classe média a esperança
com outros níveis de desenvolvimento, xar um rasto de dívida cada vez mais em dias melhores, e principalmente
com outra ambição e outra esperança difícil de suportar. Com uma econo- a capacidade de construir um futuro
num futuro melhor. mia frágil, o país foi divergindo dos diferente para a geração seguinte. Com
Apesar do crescimento económi- seus parceiros europeus, em termos um desemprego alto e com condições
co que Portugal conseguiu registar económicos e sociais até à chegada de trabalho precárias, o país terá cada
aquando dos primeiros anos na da crise financeira em 2008, primeiro vez mais dificuldades em ser competiti-
União Europeia, a pobreza não di- com os problemas relacionados com vo, por isso, a sociedade que se está a
minui. “No período de 1995 a 2000, o sector imobiliários e depois com erguer dos escombros da crise só po-
passaram pela pobreza, em pelo me- a questão das dívidas soberanas. derá ser mais desigual, deixando mais
nos um desses seis anos, 47% das fa- Os últimos anos têm sido marcados espaço para o conflito social e, quem
mílias portuguesas. E 72% dessas fa- por uma crise profunda em Portugal sabe, uma nova revolução.
mílias foram pobres em dois ou mais fruto da necessidade do país ter tido
anos desse hexénio”4. de recorrer a um empréstimo exter- *Director da Folha de Montemor
no em condições muito complicadas.
Quinze anos após a chegada de Sem acesso aos mercados financeiros, 1 Citado em CARVALHO, Otelo ‘Alvorada em Abril’,
Portugal à União Europeia, é dado foi exigido a Portugal e à Grécia que Lisboa, Publicações Alfa, 1991
mais um passo importante nesta ins- “imponham programas imediatos e 2 CARVALHO, J. Rentes ‘Portugal: A Flor e a Foice’,
tituição: surge uma moeda comum draconianos de cortes nos gastos e su- Lisboa, Quetzal, 2014
para vários países. Com a moeda vem bidas de impostos, programas que os 3 ALEXANDRE, Fernando e outros ‘A Economia Por-
também um novo Tratado e novas afunda em recessões ainda mais pro- tuguesa na União Europeia’, Coimbra, Actual, 2014
regras que implicam uma perda de fundas e que são insuficientes mesmo 4 COSTA, Alfredo Bruto da ‘Um Olhar Sobre a Pobre-
soberania para os países participan- em termos puramente orçamentais à za’, Lisboa, Gradiva, 2008
tes. Esta situação trouxe uma dife- medida que as economias encolhem 5 KRUGMAN, Paul ‘Acabem Com Esta Crise Já’ Lis-
rente perceção da realidade eco- e causam uma baixa de receitas fis- boa, Presença, 2012
nómica e social em que o país vivia. cais”5. Mas para além da crise financei- 6 STIGLITZ, Joseph ‘O Preço da Desigualdade’, Lis-
Com uma taxa de juro baixa, a socie- ra, o país enfrenta desafios cada vez boa, Bertrand, 2013

Bibliotecas Públicas e Democracia


Fernanda Eunice Figueiredo *

Qualquer aniversário nos faz revisitar coletivo em democracia que a revo- alterado, modernizado, refletindo-se
o que está na sua origem, bem como lução do 25 de abril tornou possível. aqui, como em outras áreas da socie-
o caminho percorrido a partir dessa Assinalemos que a democracia que dade, as profundas mudanças que a
data que marcou a nossa existência, nos tirou do atraso cultural em que democracia trouxe a uma sociedade
assinalada anualmente, numa cadên- mergulhámos durante a ditadura, e fechada e excluída da vivência demo-
cia regular que nos confronta sempre nos permitiu chegar à criação do Pro- crática que permitiu a outros países
com passado, presente e futuro. grama da Rede Nacional de Bibliote- avançar para a modernidade. Com a
Em 2014 assinalamos 40 anos do 25 cas Públicas, em 1987. As bibliotecas democracia foi possível criar um ser-
de abril, o que tem possibilitado múl- públicas constituem, na esfera da viço público básico de bibliotecas no
tiplos olhares sobre o nosso percurso cultura, um campo significativamente nosso país. A definição de uma política

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40 ANOS DE ABRIL CADERNO TEMÁTICO

integrada para o desenvolvimento da permitindo que qualquer pessoa possa


leitura pública no nosso país, fez-se na entrar e escolher o que fazer: consultar
altura, tendo como base a partilha de documentos, ler jornais ou revistas, es-
responsabilidades entre os dois níveis tudar, utilizar computadores, ter aces-
da Administração Pública, o Central e so à Internet, encontrar-se com ami-
o Local, e considerando condição ne-
cessária à promoção do livro e da lei-
gos, participar em atividades culturais,
entre outras possibilidades. 25 DE ABRIL
tura a existência de uma infraestrura
física de equipamentos, as bibliotecas Assinalar, hoje, o aniversário da de-
públicas, sem as quais dificilmente se mocracia é também sublinhar a im-
desenvolveriam públicos nesta área, e portância que as bibliotecas públicas
na cultura em geral. assumem no atual contexto de crise
que vivemos, não só devido à sua
Quer do ponto de vista dos princípios, função social, como também devido
da metodologia utilizada, do mode- ao seu papel na defesa da liberdade e
lo escolhido este foi um programa contributo para uma cidadania ativa,
inovador no contexto das adminis- garantindo a todos, particularmente
trações central e local, e conduziu, aos mais desfavorecidos, o acesso
ao longo do tempo a transformações gratuito à informação e ao conheci-
significativas do panorama cultural mento. Importa, neste quadro de atu-
português, visíveis, não só, através ação, não deixar de investir nos servi-
do número de bibliotecas abertas ços prestados ao público. Na ausência
ao público por todo país, como tam- de uma política cultural nacional que
bém através dos recursos e servi- valorize o papel da biblioteca pública
ços disponibilizados às populações. na construção de uma sociedade mais
A par das bibliotecas centrais constru- justa, solidária e participativa, cabe
ídas na sede de cada concelho, apoia- atualmente apenas aos municípios ga-
das pelo poder central, muitos muni- rantir que as bibliotecas públicas por-
cípios investiram, posteriormente, na tuguesas não regridem para níveis de
criação das suas redes concelhias de desatualização que nos colocarão dis-
bibliotecas públicas, reflexo da impor- tantes da biblioteca pública do século
tância que as bibliotecas públicas foram XXI, com as inevitáveis consequências
assumindo no contexto das políticas que tal situação acarreta para os cida-
culturais locais. A manutenção das bi- dãos, e a democracia em geral. Numa
bliotecas, após o apoio inicial do poder sociedade dominada pelo avanço das Vieira da Silva
central, e o desenvolvimento dos seus tecnologias e por ameaças à sua or-
serviços, passaram a constituir uma ganização democrática, é necessário,
responsabilidade do governo local. mais do que nunca, um cidadão leitor,
competente e crítico, capaz de leitu-
Um caminho percorrido que permitiu ras em diferentes tipos de suportes e
a muitas populações usufruírem pela de selecionar a informação pertinen-
primeira vez de um serviço de biblio- te, ou seja, um cidadão com elevados Esta é a madrugada que eu
teca pública assente em padrões in- níveis de literacia. esperava
ternacionais. Ao longo destes anos as O dia inicial inteiro e limpo
bibliotecas públicas têm contribuído Lê-se no Manifesto da UNESCO sobre Onde emergimos da noite e
para alterar o panorama cultural local, Bibliotecas Públicas: a liberdade, a pros- do silêncio
constituindo-se em alguns casos, como peridade e o progresso da sociedade E livres habitamos a substância
o único centro cultural, disponibilizan- e dos indivíduos são valores humanos do tempo
do recursos informacionais, tecnolo- fundamentais. Só serão atingidos quan-
gias, e promovendo atividades culturais do os cidadãos estiverem na posse da
e de promoção do livro e da leitura. A informação que lhes permita exercer
biblioteca pública aberta a todos con- os seus direitos democráticos e ter um
quistou públicos, e atenta aos cidadãos papel ativo na sociedade. A participa-
procurou ir ao encontro das suas ne- ção construtiva e o desenvolvimento
cessidades, assumindo o papel definido da democracia dependem tanto de
pela UNESCO (1994) que considera a uma educação satisfatória como de
biblioteca pública como porta de aces- um acesso livre e ilimitado ao conhe- in O Nome das Coisas, 1977
so local ao conhecimento e centro cimento, ao pensamento, à cultura e Sophia de Mello Breyner Andresen
local de informação, oferecendo servi- à informação.
ços com base na igualdade de acesso
para todos. Estas bibliotecas são, por
definição, um lugar de inclusão social, *Bibliotecária

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Foto: Daniel Pinheiro - O Céu Nocturno Neves Corvo
CADERNO TEMÁTICO

O Montado
MONTADO

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Breve história do Montado *

Ana Fonseca **

Apesar da presença de hominídeos Os conflitos associados à invasão das na Península Ibérica, de uma raça de
na Península Ibérica desde há cer- pastagens por enormes rebanhos ovelhas produtoras de lã de qualida-
ca de 1,2 milhões de anos, apenas transumantes fizeram por isso parte de, por uma tribo berbere, vindo mais
durante a Revolução Neolítica, há da história do Montado. Esta activi- tarde a dar origem à ovelha “merina”
cerca de 9000 anos, o Homem terá dade foi sendo regulada por normas da actualidade (Morais, 1998).
começado a desbravar o bosque dispersas produzidas nas diferentes
mediterrânico para começar a pra- regiões, mas em 1699 foi criado um O fogo constituiu, durante muito tem-
ticar uma agricultura itinerante com conjunto de normas mais coerente o po, o método normal de desmatação,
base em queimadas. Os vestígios de “Regime dos Verdes e Montados do ou controlo da flora arbustiva, utiliza-
erosão antropogénica, de uso do Campo de Ourique” que foi abolido do cada 7 ou 8 anos, para a prepara-
fogo como técnica de obtenção de em 1739 com consequências nefastas ção de terras onde se semearia trigo,
pastagens e caça e a introdução de para este sistema. No quadro destas cevada ou centeio e posteriormente
novas espécies como a vinha e alguns normas reguladoras da transumância se instalariam pastagens.
cereais entretanto domesticados são surgiu o tributo de “Montadigo” ou
visíveis desde há 6500 anos até há “Montado” cobrado a quem “trou- No século XV a utilização de carvão
1500 anos, acompanhados por uma xesse os animais de montaria”, ou para usos domésticos generalizou-
desarborização progressiva (Ma- “nos Montes” (Fonseca, 2004; Pinto- -se constituindo assim uma pres-
teus e Queiroz, 1993). No século -Correia e Fonseca 2004). Este repre- são acrescida sobre as árvores do
VI observa-se já uma expansão das sentava uma renda cobrada em troca Montado. Uma utilização alternativa
áreas destinadas a culturas agrícolas do pastoreio de animais nos pastos dos Montados era o fornecimento de
bem como a prados antropogénicos, de um determinado concelho que madeira para a construção das naus,
acompanhados por uma desmatação em geral era cobrada aos gados que caravelas e galeões no século XV
selectiva com protecção do sobreiro vinham de fora do concelho. e XVI (Fonseca, 2004).
e do zambujeiro (Mateus e Queiroz,
1993) naquilo que poderíamos cha- A criação de gado no Montado foi ten- Em diversos períodos a pressão
mar os primeiros Montados. do uma importância variável ao longo humana sobre o Montado foi sufi-
do tempo. Antes da Reconquista cris- cientemente importante para que se
As primeiras guerras que ocorreram tã esta centrava-se essencialmente na criassem leis que obrigavam a plantar
no nosso território também con- ovelha, na cabra e no gado bovino, sobreiros e azinheiras, bem como
tribuíram para o desadensamento sobretudo utilizado para a produção outras árvores, ou a deixar árvores
do coberto florestal primitivo. de leite e como animal de tracção. novas para o renovo deste sistema.
A Reconquista, efectuada nos séculos Os matos foram sempre importantes
A actividade da transumância terá XII e XIII, representou a introdução para a população em geral, sobretu-
tido uma origem anterior à criação da exploração do porco, animal muito do a mais vulnerável fazia uso das
dos Montados, durante a pré-história, eficiente no aproveitamento dos recur- plantas medicinais, das aromáticas,
quando as comunidades nómadas sos do Montado na tradicional monta- dos frutos silvestres e lenhas que es-
acompanhavam as migrações dos re- nheira mas cuja exploração terá sido tes forneciam mas também do mel e
banhos selvagens (Ceresuela, 1998). interrompida em meados do século da cera que, na ausência de açúcar e
No século VII, o Código Visigótico XX devido ao surgimento da Peste das modernas formas de iluminação,
relata já um grande desenvolvimen- Suína Africana no Alentejo. A criação desempenhavam uma função mui-
to desta actividade que terá atingi- de ovelhas terá ganho importância a to relevante (Fonseca, 2004, Pinto-
do o seu auge nos séculos XV-XVII. partir do século XII com a introdução, -Correia e Fonseca, 2004).

14
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

O consumo de bolotas é uma prática integrados em rotações que, alargan- com o fim da escravatura, em 1761,
muito antiga registada através de acha- do os anos de pastagem, atrasavam também esta mão-de-obra foi desa-
dos arqueológicos desde o Bronze Final o desenvolvimento do mato. parecendo. A situação era tão grave
e que nunca terá sido interrompida até Ao longo da nossa história foram que o governo ordenou, em 1787,
períodos mais recentes. aparecendo com regularidade leis de a deslocação de milhares de açoria-
A cortiça teria, inicialmente, uma protecção do Montado como o Códi- nos que viessem viver e trabalhar as
importância mais reduzida do que a go Visigótico, no século VII, que proi- terras do Alentejo (Pinto-Correia e
bolota e serviria para a manufactura bia o abate de sobreiros e azinheiras Fonseca 2004). Mais tarde recorreu-
de bóias, mobiliário, cortiços para e previa penas para quem causasse -se também ao trabalho dos “rati-
produzir mel, as paredes das casas de danos nos Montados (Barros, 1950) nhos”. Estes vinham das Beiras para
onde se originou o termo cortiçadas ou os forais e inúmeras posturas que os grandes trabalhos sazonais como
e a toponímia Cortiçadas de Lavre, regulavam as actividades do Montado as ceifas suprindo assim as necessi-
e outros objectos. Só na segunda (Fonseca, 2004). dades de trabalhadores nos períodos
metade do século XVII, com o início mais críticos.
da manufactura de rolhas para o A falta de mão-de-obra terá sido
champanhe de Pérignon, a cortiça uma constante no Alentejo e no Com o crescimento mais ou menos
começa a adquirir a importância eco- Montado. A forma como se fez o po- contínuo da população e o domínio
nómica que se estendeu até aos nos- voamento desta região, a Peste Ne- de técnicas cada vez mais eficazes de
sos dias. No século XIV, no entanto, gra e diversas guerras para as quais controlo dos matos, a conquista de
havia já exportação de cortiça para o os agricultores eram recrutados e Montados às brenhas terá acelerado,
Reino Unido (Castro 1965; Nativida- alguma migração para o litoral, tive- tendo passado, entre os anos 1867
de 1950). ram como consequência que o pro- e 1902 para mais do dobro, para
cesso de arroteamento da charneca cerca de 869 000 ha (Vieira, 1991
Quanto à produção de cereais se começasse a fazer de forma siste- in Ferreira 2001). No século XX, a
no Montado, as principais culturas mática apenas no século XV. A partir mecanização com intensificação da
utilizadas eram o trigo, a cevada e desta altura foram ainda recrutadas cerealicultura conduz a uma maior
o centeio que eram panificadas ou muitas pessoas para as conquistas destruição do estrato arbóreo com
dadas aos animais. Estes eram seme- africanas fazendo com que a falta de três momentos sucessivos de inten-
ados após as desmatações aprovei- mão-de-obra permanecesse. A so- sificação agrícola. Foram estes, o que
tando a acção fertilizadora do fogo lução parcial deste problema estava se seguiu à Lei dos Cereais de Elvino
ou a mobilização provocada no solo, no recurso ao trabalho escravo mas de Brito, em 1821, a Campanha do

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Trigo que decorreu entre 1929 e e 1979) que terão conduzido a um *Aluna de Doutoramento na Universidade de
1938 com prolongamento dos seus erosionamento significativo do solo Évora - ICAAM Instituto de Ciências Agrárias
efeitos até ao fim da 2ª Guerra Mun- (Roxo, 1994 in Ferreira 2001). e Ambientais Mediterrânicas
dial e finalmente o período da Re- **Versão alongada do texto públicado no Livro
forma Agrária, que decorreu entre Entretanto, desde a entrada de Portu- Verde dos Montados, com José Mira Potes
1975 e 1979 (Ferreira, 2001). gal na Comunidade Europeia, em 1986,
Castro A., 1965. A evolução económica
a política do «set-aside» imposta pela de Portugal dos séculos XII a XV. Portugal Editora,
Nos anos 60 do século XX dá-se PAC levou ao surgimento de novos Lisboa
um interregno na intensificação da incultos e a uma redução da área Ceresuela J.L. 1998. De la dehesa al bosque
exploração do Montado, devido dedicada à cerealicultura. mediterráneo in La dehesa – Aprovechamiento
a um forte movimento migratório, Este abandono rural e agrícola condu- sostenible de los recursos naturales – Jornadas
de Agronomía. Editorial Agrícola Española.
à Guerra Colonial e, fundamental- ziu à proliferação da flora arbustiva e
Ferreira D. 2001. Evolução da paisagem
mente, devido à Peste Suína Africana. aos consequentes grandes incêndios de montado no Alentejo interior ao longo do
No seu conjunto, estes factores terão de 2003. século XX: dinâmicas e incidências ambientais
conduzido a um abandono das activi- in Finisterra. Pp. 179-193. XXXVI, 72.
dades agro-silvo-pastoris e ao despo- Outras utilizações do solo começam Fonseca A. 2004. O Montado no Alentejo
voamento das zonas rurais. a competir com as áreas de Montado. (Século XV a XVIII), Ed. Colibri, Lisboa
Já a Reforma Agrária representou É o caso dos eucaliptais ou do pinhei- Mateus J.E. e Queiroz P.F. 1993. Os estudos
um período mais curto mas bastante ro manso. Estas produções possibili- de vegetação quaternária em Portugal; contextos,
balanço de resultados, perspectivas in O
agressivo para o Montado com tam uma obtenção de rendimentos a quaternário em Portugal, balanço e perspectivas.
introdução, pela primeira vez, de mais curto prazo mas, ao descurarem Pp.105-131. Colibri. Lisboa
maquinaria mais pesada, como os o controlo da flora arbustiva, condu- Morais J.D. 1998. A transumância de gados
tractores de rastos e grades de dis- ziram a um aumento do número de serranos e o Alentejo. Colecção Novos Estudos
Eborenses. Nº 3. Câmara Municipal de Évora.
cos pesadas, novo corte de árvores incêndios. Em 1992, a atribuição de
Natividade J.V., 1950. Subericultura. Direcção
e uso intensivo de adubos químicos ajudas directas à produção, no âmbi- Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, 1ª
para compensar a perda de fertili- to da revisão da PAC, que incluía um Edição. Lisboa
dade dos solos (Ferreira, 2001). A prémio por cabeça de gado, mais ele- Pinto-Correia T. e Fonseca A. 2004. Use
estes anos de intensificação agrícola vado no caso dos bovinos, conduziu and management of the Montado in Southern
Portugal: The long history of a highly resilient land
e expansão da cerealicultura a todas a uma generalização da produção de use system. In: Joffre R. (Ed.), Mediterranean
as terras acessíveis para a maquina- bovinos no subcoberto do Montado, Oak Woodland facing Environmental Changes.
ria, seguiram-se dois anos de Inver- com impactes negativos na regenera- Potes, José M. 2011. O Montado no Portugal
nos especialmente chuvosos (1978 ção do estrato arbóreo. Mediterrânico. Ed. Colibri, Lisboa.

O Alentejo Agrícola
Um pouco de história *

Cláudio Torres **

Nas vertentes pedregosas do Medi- 1


terrâneo, tanto do lado do Magreb Em todo o território do Alentejo, des-
como, sobretudo, no Alentejo queimado de a pré-história até aos finais da pri-
pela estiagem, foi sempre o homem, meira romanização, ou seja, até mea-
o camponês, o único capaz de suster dos do século III d.C., os contactos
as encostas contra as enxurradas, de com o exterior são dominados pela
fertilizar as hortas, da apurar as se- mineração. Desde os tempos nebu-
mentes e a seiva do futuro. Este ho- losos do reino de Tartessos, em toda
mem, este camponês conhece como a faixa piritosa do Baixo Alentejo e, um
ninguém a cor da terra, o gosto das pouco mais a Norte, na serra da Adiça,
águas, guarda o espaço da memória, é praticada uma mineração artesanal
os gestos sábios da enxertia e da diver- de ouro e prata que as comunidades
Fotos: António Cunha

sidade. A história do camponês alen- locais comerciavam com os merca-


tejano é também a história do povoa- dores púnicos fixados em Mértola,
mento e do despovoamento, a história que, na altura, era o mais importante
das terras searas e montado, a história porto marítimo da região. Em finais
do que nos resta para comer e para viver. do século I a. C., já sob o controlo da

16
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

máquina militar do Império Romano, senhores da terra, muitas vezes anti- se situam as grandes villae que sempre
começaram a ser exploradas de forma gos oficiais desmobilizados. tinham produzido para a exportação
sistemática as minas de Aljustrel e São Numa última fase da romanização, através de uma monocultura intensiva.
Domingos, de onde também começam principalmente a partir do século IV, Enquanto os circuitos comerciais fo-
a ser explorados cobre e chumbo. quando afrouxam ou mesmo param ram garantidos pela máquina imperial
completamente as guerras da conquis- e pelas suas legiões, o azeite, o vinho
A partir das convulsões do século III ta geradoras de novos contingentes de e sobretudo o trigo aqui produzido
d.C., quando o Império é obrigado a escravos e quando começa a esgotar-se eram encaminhados para as grandes
abastecer a megalópolis de Roma e o poder militar do Império, os grandes rotas do Mediterrâneo. Cada uma
outros grandes centros urbanos, au- proprietários são obrigados a organizar destas villae, além das habitações do
menta a sua importação de géneros e sustentar milícias armadas, autênticos senhor, do capataz e das camaratas
agrícolas oriundos do Norte de Áfri- exércitos privados que controlam e re- e instalações dos escravos e militares,
ca e sobretudo da Hispânia. É nessa primem a mão - de - obra escrava, ser- dispunha de todas as dependências
altura que se constituem nas terras vindo também para conter os bandos fabris e de armazenamento necessá-
do Sul ibérico, tanto nas planícies da de salteadores e escravos foragidos rios ao bom funcionamento de todo
Bética como no Alentejo, as primei- que, nestes tempos de insegurança, o sistema. Ombreando com elabora-
ras grandes propriedades agrícolas se vão tornando cada vez mais amea- dos sistemas de moagem hidráulica e,
que séculos mais tarde serão matriz çadores. Desta forma, cada uma destas sobretudo, atafonas, a prospecção ar-
dos montes alentejanos – as villae - herdades transforma-se numa autênti- queológica revela-nos a existência de
,herdades nessa altura trabalhadas ca autarcia - um senhor, a sua família, monumentais lagares de vinho e azeite,
exclusivamente por mão de obra os criados de dentro ou libertos, e uma assim como longos armazéns para abri-
escrava. Ou seja, todo o amanho da massa de escravos que trabalham os gar grandes talhas de barro, onde além
terra é feito por escravos quase sem- campos sob o comando de capatazes de líquidos, também eram conservadas
pre arrebanhados nas guerras de ou homens armados que controlam carnes salgadas, frutos secos e todo o
conquista e fiscalizados por corpos todo o imenso território da villa. tipo de leguminosas como fava, grão de
militares ou militarizados sob o co- bico e ervilha. Nas imediações da zona
mando directo e hierarquizado de Estas herdades vão ocupar as melho- habitacional, vicejam hortas, pomares e
funcionários do poder imperial e, mais res terras dos termos de Évora e so- jardins alimentados por poços, nascen-
tarde, na dependência dos próprios bretudo dos barros de Beja. É lá que tes ou complexos sistemas hidráulicos

17
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

É este sistema produtivo que entra em mais tarde, adoptando a artimanha Ourique, subsiste e consolida-se todo
crise no século V, quando começam a de transformar as suas terras e habi- um emaranhado de pequenas comu-
desagregar-se os exércitos imperiais e tações, toda a sua família e servidores nidades que escapam à dependência
se tornam inseguras as vias terrestres em conjuntos monásticos. Desta for- directa desses senhores e que conse-
e marítimas. A mão-de-obra escra- ma, parece ter sido conseguida uma guem refugiar-se num velho sistema
va começa a escassear e os escravos diminuição de impostos e um melhor económico de sobrevivência. São co-
mais antigos tornam-se pouco dóceis e mais eficaz controlo sobre as comu- munidades agro-pastoris, por vezes
e muitas vezes revoltam-se contra o nidades camponesas das imediações, conjuntos de pequenos povoados
proprietário. É uma época em que, que passam também a depender do vizinhos com uma sólida organização
ao contrário do que seria de esperar, mosteiro par aos serviços religiosos. comunitária baseada principalmente na
as villae se transformam em luxuosos criação de gado miúdo. Nestas terras
palácios de habitação revestidos a már- Excluindo nos termos periurbanos, áridas, muitas vezes irrigadas por um
more e pavimentos revestidos de mo- onde quem trabalha a terra são os poço que resiste à estiagem. No fundo
saicos. Os enormes rendimentos, em hortelãos que habitam o interior da de vales encaixados onde as enxur-
vez de serem desviados para Roma ou cidade, as melhores searas e vinhe- radas tinham deixado a rocha à vista,
Sevilha onde, antes das convulsões do dos da planície são propriedades de gerações de camponeses, depois de
século III, habitavam os proprietários, alguns poucos senhores que também desviarem o leito do barranco que pas-
ficam agora nas mãos dos novos se- controlam as comunidades rurais situ- sava a correr apertado entre a encosta
nhores – habitualmente antigos capata- adas dentro das suas herdades. Neste e um muro de suporte, transportavam
zes – sendo investidos no luxo das suas processo, que podemos considerar a dorso de mula toda a terra necessá-
renovadas mansões transformadas em de pré – feudalização, os braceiros já ria para encher o leito da antiga ribeira
habitação permanente. são libertos pois habitam a sua aldeia, e plantar meia dúzia de figueiras, duas
onde são procurados pelos angaria- carreiras de favas, um alfobre de acelga
Estes novos senhores da terra, depois dores de mão-de-obra ou então – o e mais um canteiro de chícharos. Era a
do século V d. C. Já cristianizado se que é mais comum nesta altura - co- mulher quem habitualmente amanha-
portanto integrados no sistema epis- meçam a passar a uma categoria de va estas hortas, quem tecia as mantas
copal da região, continuam a tentar paisanos, habitando com a sua família de lã para o frio e as roupas de esto-
manter-se na posse dos seus domí- nuclear um pequeno monte que lhes pa e linho para toda a família, quem
nios, libertando os escravos e, de cer- foi cedido a título precário pelo se- apisoava as azeitonas par ao azeite,
ta forma, assimilando-os à sua clien- nhor. Em simultâneo, nesses tempos quem afeiçoava os queijos par ao In-
tela familiar Muitos deles, os menos de insegurança, nas vertentes da Ser- verno. Era o homem quem tratava
poderosos, conseguem sobreviver ra Algarvia até Monchique e nas ter- do gado e preparava sazonalmente
até aos séculos VI e VII e mesmo ras pobres dos chamados campos de a pequena ou grande transumância a

18
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

caminho dos restolhos do trigo, dos de um Império que, de certa forma, minérios ou monoculturas agrícolas.
pastos mais verdes de Monchique, ou, apenas sobrevivia na rede eclesiástica É notória a introdução de novas téc-
antes do controlo das Ordens Militares e episcopal. Antes de ser explicada nicas, a revitalização da manufactura
no século XIV, das longínquas serras pela invasão dos exércitos árabes e urbana, como as novas cerâmicas,
da Estrela ou de Gredos berberes que atravessaram o Estrei- a joalharia e mesmo armas de gran-
to de Gibraltar, antes de considerada de qualidade, que fazem concorrência
Os campos do Alentejo serrano pas- como a conversão forçada a nova às de Damasco. «E é esse o aspecto
sam a ser os grandes invernadeiros religião imposta pelas armas, temos inovador deste período, quando se
de uma parte importante do Ociden- de entender a islamização como um faz sentir no al-Ândaluz uma explo-
te Peninsular. Em épocas anteriores processo de reorganização dos cir- são tecnológica de novos produtos,
à “Reconquista” e, portanto antes cuitos humanos e comerciais num quando são experimentados sistemas
das mestas feudais, vinham para esta ambiente aterrorizado, onde, ao de regadio inovadores, introduzidas
zona rebanhos oriundos das serras lado da igreja oficial, proliferavam novas espécies de plantas e outras
da Estrela e Guadarrama para fugir seitas e heresias cristãs que impu- formas de cultivo. Nessa altura, en-
aos rigores do Inverno. nham a sua autoridade com bandos tram na Península mais de metade
armados. Temos de olhar a islamiza- dos produtos hoje habituais na nossa
De um modo geral, depois da queda ção, antes de mais, como uma paci- agricultura. Principalmente nas zo-
do Império Romano, as grandes cida- ficação, como um maior controlo e nas periurbanas, as mais abertas ao
des de tradição imperial entram em segurança dos caminhos marítimos comércio citadino e a novos gostos
declínio. Mantêm-se activos os cen- e terrestres, como uma abertura a e apetências. As cidades começam
tros portuários como é o caso de Al- novos mercados e horizontes geo- outra vez a florescer. Porém duma
cácer, Mértola ou Faro. O centro ad- gráficos do Mediterrâneo e também, maneira diferente, porque já não de-
ministrativo de Beja inicia um grande sobretudo, como uma revitaliza- sempenham as mesmas funções eco-
processo de retracção. A velha capital ção das pequenas e médias cidades nómicas, políticas e, portanto, sociais.
do conventus reduz-se a uma pequena e consequente reforço das comuni- Desapareceu a cidade cenográfica de
cidade, aper-tada atrás das suas mura- dades locais. Por essa altura, a partir representação do poder com os seus
lhas. Évora também se refugia no seu do século IX, foram reabertas as vias anfiteatros e hipódromos.
cabeço fortificado. antigas que estavam interrompidas A partir dessa altura, cada uma des-
pela insegurança dos caminhos do in- tas cidades, com os seus limites ter-
A partir do século V, caciques milita- terior e pela pirataria que afectava as ritoriais, compreendia um núcleo
res apoderam-se das melhores terras, rotas marítimas. urbano principal, onde se apertavam
e com a insegurança dos caminhos, a os ofícios artesanais e o pequeno co-
cidade, reduzida a uma praça de ar- O comércio mediterrâneo de peque- mércio uma cultura horto-frutícula
mas, perde o seu encanto de centro no curso é revitalizado e são abertas com regadio, terras de sequeiro para
cívico e político. Nestas regiões bem as portas a novos parceiros vindos o pão, mato para a lenha e pastagens
afastadas do limes germânico, não das orlas do Índico e mais além. Por par ao gado. As cumeadas dos cerros
foram certamente, as invasões de outro lado, o sistema comercial so- onde passavam os limites do terreno
“bárbaros” de vândalos ou visigodos a fre também uma alteração de con- urbano, e isso é curioso constatar,
lançar o caos e a insegurança. Entre as teúdo. Deixa de fazer sentido reatar coincidem, grosso modo, com os ac-
ruínas do Império são sobretudo ban- a produção em monocultura das tuais termos concelhios. Persiste o
dos armados de escravos foragidos grandes herdades da tradição roma- espaço da memória, o tal espaço vital
e exércitos mais ou menos privados na. O comércio diversifica-se e tende da cidade com as suas gentes, com os
que saqueiam e matam impondo a lei a reforçar circuitos regionais e mes- seus artífices, comerciantes e também
do mais forte. mo locais. De facto, o fenómeno da camponeses.
islamização interrompe o processo de
Apenas as zonas mais afastadas ou feudalização que, afinal, apenas nos Este território, que é o alfoz da ci-
apertadas nas dobras da serra subsis- territórios mais a Norte do Tejo se- dade, é aquele que, de uma forma
tem aquelas comunidades rurais, reu- gue naturalmente o seu curso. geral, define historicamente a célula
nindo por vezes centenas de habitan- civilizacional do al-Ândalus Além des-
tes, muito coesas, bem defendidas em Os comerciantes chegam dos mais ta forte comunidade de autóctones,
redutos de cumeada, quase sempre desvairados caminhos e começam mais ou memos arabizados a partir
cercados de pedra solta, onde se re- a instalar-se. Não são soldados. As do século XI, quando a língua árabe
fugiaram com os seus rebanhos, que, conquistas militares, neste contexto se vai tornado dominante, coexistem
finalmente eram a sua única riqueza. da islamização, são secundárias. De naturalmente grupos de estrangei-
Esta rede de solidariedades permite- repente, os portos e principais cida- ros, alguns orientais, comerciantes e
-nos compreender a sua organização des florescem como grandes centros também soldados contratados e pa-
comunitária e a chave da sua capaci- de civilização. Barcos vindos de todo gos pelos poderes municipais.
dade de resistência. o lado, com brocados e vidros da Síria
A islamização não pode ser desenqua- e do Egipto, especiarias e perfumes da *Do livro Alentejo agrícola
drada deste contexto de insegurança Pérsia são trocados por géneros locais. Um pouco de história (I capítulo)
e derrocada de uma sociedade ainda Já não estamos na época romana em ** Director do Campo Arqueológico de Mértola
muito dependente dos escombros que a Península Ibérica oferecia apenas Conselho Científico do CEDA

19
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Foto: José Alex Gandum


O montado
José Mira Potes *

No capítulo intitulado como “Re- a perder funcionalidade com a seca ou Pelo exposto se deduz que em virtude
construir o passado para compreen- o frio (Alves et al, 2012) pelo que o dos condicionalismos naturais, apre-
der o futuro: o cambiante regímen de risco de inutilização do xilema (tecido senta-se a gestão dos sistemas agro-
perturbações e a intervenção huma- condutor de água) em stress hídrico, -silvo-pastoris mediterrânicos, como
na”, Valladares et al (2004) referem conduziu a evolução/selecção natu- uma resposta adequada e eficien-
que o Clima Mediterrânico, marcado ral para o predomínio de plantas de te na exploração dos espaços flo-
por alguma aridez, se estabeleceu e caules múltiplos ou sobresselentes e restais mediterrânicos, realçando
manteve até à actualidade, só com de menor dimensão, em caso de es- o papel primordial que os sistemas
breves e moderadas interrupções, trangulamento. Formou-se assim um de produção animal extensivos (pe-
desde há 5000 anos, tendo o pasto- estrato arbustivo robusto e típico nos cuária extensiva) desempenham na
reio começado a ser relevante, 2000 ambientes mediterrânicos, que em mesma. A gestão técnica, económi-
anos depois. conjunto com o estrato arbóreo, rico ca e ambientalmente equilibrada do
O Prof. Mariano Feio (1991) definiu em quercíneas, constituem a estrutura ecossistema Montado deverá ser
o Clima Mediterrânico como o único base da Floresta Mediterrânica. alcançada com base na Rotação do
clima da Terra em que não chove no Montado (Potes & Babo, 2003), que
Verão e ainda com a irregularidade Porém, uma biomassa arbustiva e se reproduz na Figura 1. A rotação
característica da queda da precipita- altamente combustível num verão assenta num afolhamento adequado
ção, que, se em termos totais anuais quente, longo e seco, estão correla- a cada exploração, dotada das infra-
apresenta alguma homogeneidade, é, cionados positivamente com o risco -estruturas indispensáveis ao maneio
no entanto, sempre mal distribuída de incêndios, como tem vindo a ser eficiente do pastoreio, praticado em
e incerta pelas três estações em que demonstrado à exaustão ao longo regime de produção pecuária ex-
normalmente ocorre. do tempo. O papel do Homem, ou tensiva, implementando-se através
agricultor mediterrânico, tem sido, das seguintes operações culturais:
Com esta breve caracterização pre- portanto e desde sempre (mais de Desmatação
tende-se justificar a constituição ve- 3000 anos), o controlo da flora ar- Cultura Forrageira
getal da Floresta Mediterrânica, que bustiva, o que tem feito através do Pastagem (n anos)
apresenta no seu estrato arbóreo a fogo controlado, do pastoreio, utili- Ao começar pela desmatação, a
predominância de espécies esclerofi- zando nomeadamente as espécies realizar na Primavera, sempre e
las, em que as espécies lenhosas me- animais entretanto domesticadas, ou quando o desenvolvimento da flo-
lhor adaptadas são as perenifólias e ainda e na sequência do desenvolvi- ra arbustiva o justificar, é possível
xerófitas, nomeadamente quercíne- mento tecnológico, pela via da meca- a instalação da cultura forragei-
as, que se caracterizam pela produ- nização agrícola. Entende-se assim a ra à base de cereais forrageiros e
ção de fruto e mecanismos de pro- relevância dos sistemas silvopastoris proteaginosas no fim do Verão,
tecção contra o stress hídrico, cujo (controlo biológico do estrato arbus- antes do início das primeiras chu-
resultado extremo é a cortiça. tivo) e agro-silvo-pastoris (controlo vas outonais. Com a emergência
mecânico e biológico do estrato ar- desta cultura forrageira no início
Por outro lado, o lenho (tronco) bustivo) na gestão dos ecossistemas do Outono, será possível efectuar
é uma conduta vulnerável, que tende naturais mediterrânicos. um primeiro pastoreio no fim do

20
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Outono/ princípio do Inverno (in- da alta biodiversidade animal e vege- eventualmente, a sua actividade no
vernadouro), fundamental para tal no ecossistema é só por si uma domínio de organizações ambientais,
complementar o Esquema Alimen- característica intrínseca do mesmo, que apresentam algumas dificuldades
tar da Pecuária Extensiva (Potes, surgindo como uma consequência no relacionamento com organiza-
2008), que se reproduz na Figura 2. natural da manutenção equilibrada ções de produtores, a que o Mon-
Simultaneamente, evita problemas da Dinâmica do Ecossistema Mon- tado não se pode furtar, enquanto
de erosão no solo, após a opera- tado (Potes, 2011). Este conjunto de sistema produtivo que sempre tem
ção de desmatação, especialmente efeitos decorrentes de uma gestão sido e continuará a ser.
quando se constata a ocorrência de equilibrada do Montado é reconhe- No âmbito das indústrias agro-trans-
precipitações cada vez mais copiosas cido como a prestação de Serviços formadoras também a diversidade
e frequentes no período outonal. Ambientais. de produtos gerados pelo Montado
No terceiro ano da rotação inicia-se o dificilmente poderá encontrar repre-
processo de melhoramento de pasta- Após esta caracterização breve po- sentatividade num único agrupamento
gens, que tem por base a implementa- deremos então definir Montado socio-profissional. Como se poderá
ção do trinómio: Fósforo-Legumino- como um sistema ecológico (ecos- entender a integração na coordenação
sas-Pastoreio (Potes et al, 2005). Ga- sistema) criado pelo Homem, que conjunta do sector corticeiro, com o
rantindo um Banco de Sementes rico se baseia na exploração dos recursos sector das carnes e mesmo de turismo,
em leguminosas nas Pastagens Per- naturais, complementada com activi- para não falar do sector energético ou
manentes de Sequeiro Mediterrânico, dade agrícola, numa forma de produ- das aromáticas e medicinais?
que caracterizam o estrato herbáceo ção extensiva, a qual se tem revelado Verifica-se que não é fácil reunir num
do ecossistema Montado, consegue- não agressiva para o ambiente, des- só agrupamento socio-profissional a re-
-se incrementar a produção pecuária de que respeitadas as regras necessá- presentatividade do ecossistema Mon-
extensiva, que praticando capacida- rias à manutenção do equilíbrio nos tado e portanto, compreender porque
des de carga adequadas (encabeça- diversos subsistemas que o integram. razão foi impossível até ao momento,
mentos), conduzem ao equilíbrio da Trata-se de um ecossistema vocacio- coordenar e fomentar o desenvolvi-
pastagem, atraso no desenvolvimen- nado para a produção agro-pecuária mento integrado do ecossistema.
to do estrato arbustivo, aumento da e florestal, isto é, um sistema Agro-
produtividade baseada em recursos -Silvo-Pastoril, multifuncional, por- Concluímos com o reconhecimento
naturais e, principalmente, recuperar que se constitui por diversos subsis- de que o Montado é um paradigma
a capacidade produtiva dos solos. temas e sistemas de produção inte- da agricultura mediterrânica portu-
A estabilização de um sistema pra- grados e interdependentes, próprios guesa e como tal, deverá ter direito
tense eficiente e produtivo permite de ambientes Mediterrânicos. a um tratamento adequado ao pa-
alargar a rotação, isto é, aumentar a pel que certamente desempenha-
variável n, pressupondo um estrato Subdivide-se em diversos sistemas rá no desenvolvimento sustentável
arbustivo controlado e um estrato produtivos que, embora de baixa da Agricultura Mediterrânica.
arbóreo vigoroso, porque suportado produção quantitativa, que lhe confe-
por um solo rico e equilibrado. A ne- re o carácter extensivo, são geradores *Professor Coordenador
Escola Superior Agrária de Santarém
cessidade de cerca de 10% da área da de diferentes produtos, de qualidade
exploração com a cultura forrageira diferenciada, obtidos num meio pai-
anual, para efeitos de optimizar o sagístico característico e identificador
Esquema Alimentar da Pecuária Ex- do ecossistema e da região. A sua Alves, A.M., Pereira, J.S. e Correia, A.V. 2012.
“Silvicultura – a gestão dos ecossistemas florestais”
tensiva, poderá ser conseguido com sustentabilidade técnica, económica e ed. Fundação Calouste Gulbenkian,
a introdução desta cultura através da ambiental tornou-o modelo da refor- Lisboa, ISBN: 978-972-31-1460-7;
técnica de sementeira directa, sem ma da PAC 2014-2020, sendo mesmo Feio, M. 1991. “Enquadramento” in “Clima
mobilização de solo. A rotação ten- candidato a Património da Humanida- e Agricultura” pub. Minist. Agricult., Pescas
derá assim a bi-cultural, isto é, elimi- de pela UNESCO. e Aliment., Lisboa, cap. II, pp. 17-56;
nando a desmatação por desnecessá- No domínio do socio-profissiona- Potes, J. & Babo, H. 2003 “Montado’ an old system
in the new millennium”. African Journal of Range &
ria, mantendo-se a cultura forrageira lismo o Montado tem tido alguma Forage Science, vol.20 (2) pp.131-146;
anual e a pastagem permanente de dificuldade em expressar a sua re-
Potes, J., Babo, H. & Navas, D., 2005. “Improvement
sequeiro por tempo indeterminado. presentatividade, eventualmente of the Mediterranean agrosilvopastoral system
Do ponto de vista ambiental, conse- justificando-se este facto pela sua ‘Montado’”. Proceedings of XX International
gue-se, através da pastagem, a recu- multifuncionalidade. Efectivamente, Grassland Congress (IGC), ed. F. O’Mara, R.
Wilkins & Others, pp 367;
peração do solo mais eficiente, que o sistema agro-silvo-pastoril não se
também tem um efeito positivo no integra confortavelmente na fileira Potes, J.M. 2008. “The feeding scheme of extensive
animal production systems in Montado” Proceedings
ciclo hidrológico, aumentando a ca- florestal, assim como tão pouco se of XXI IGC/VIII IRC, Huhhot, China vol II pp. 70;
pacidade de armazenamento de água revê nas fileiras dos diversos siste- Potes, J. M. 2011. “O Montado no Portugal
no solo e diminuindo o efeito de seca. mas de agricultura. Por outro lado, Mediterrânico” ed. Colibri, Lisboa, ISBN: 978-
A prevenção de incêndios estará ga- como se baseia na exploração de 989-689-154-1, pp. 177-178;
rantida pelo controlo da flora arbus- recursos naturais, de forma equili- Valladares, F., Julio, J., Pulido, F. e Gil-Pelegrin,
tiva e o sequestro de Carbono será brada e ambientalmente sustentável, E. 2004. “Ecologia del bosque mediterraneo en
un mundo cambiante” ed. Ministerio de Medio
maximizado através da produção produzindo mesmo diversos servi- Ambiente, EGRF, S.A. Madrid, ISBN: 84-8014-
anual de pastagem. A manutenção ços ambientais relevantes, enquadra, 552-8, pp.13-25.

21
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Confraria do Sobreiro
e da Cortiça
José Mira Potes *

Portugal apresenta uma Superfície No âmbito das indústrias agro-trans- que se pode orgulhar de defender e
Agrícola Útil (SAU) superior a 3 mi- formadoras também a diversidade promover o ecossistema Montado,
lhões de ha vocacionados para siste- de produtos gerados pelo Montado, nomeadamente porque acolhe nos
mas agro-silvo-pastoris, não disponi- dificilmente poderá encontrar repre- seus associados/confrades, repre-
bilizando na oferta formativa de nível sentatividade num único agrupamento sentantes de todos os sectores de
universitário, graduações especializa- socio-profissional. Como se poderá actividade com ele relacionados, di-
das na Área Científica (AC) da Agro- entender a integração na coordenação recta ou indirectamente.
-Silvo-Pastorícia. conjunta do sector corticeiro, com o Actividades como a Feira do Montado,
sector das carnes e mesmo de turismo, que se realiza anualmente em Portel,
No domínio do socio-profissionalismo para não falar do sector energético ou o processo da candidatura do Mon-
o Montado tem tido alguma dificulda- das aromáticas e medicinais? tado a Património da Humanidade,
de em expressar a sua representativi- promovido pela Entidade Regional de
dade, justificando-se eventualmente Verifica-se que não é fácil reunir num só Turismo do Alentejo ou o Livro Ver-
este facto pela sua multifuncionalidade. agrupamento socio-profissional a repre- de do Montado, editado pelo ICAAM
Efectivamente, o sistema agro-silvo- sentatividade do ecossistema Montado (Universidade de Évora), são exem-
-pastoril não se integra confortavel- e portanto, compreender porque razão plos de iniciativas com participação da
mente na fileira florestal, assim como foi impossível até ao momento, coor- CSC, pelo que prosseguirá tentando
tão pouco se revê nas fileiras dos di- denar e fomentar o desenvolvimento preencher um espaço de representa-
versos sistemas de agricultura. Por ou- integrado do ecossistema. tividade do Montado no meio socio-
tro lado, como se baseia na exploração -profissional.
de recursos naturais, de forma equili- A Confraria do Sobreiro e da Cortiça
brada e ambientalmente sustentável, (CSC), que é uma associação cultural Concluímos com o reconhecimento
produzindo mesmo diversos serviços e recreativa, sem fins lucrativos e de de que o Montado é um paradigma da
ambientais relevantes, enquadra a sua duração ilimitada, que apresenta no agricultura mediterrânica portuguesa
actividade possivelmente, no domínio artº 3º dos seus estatutos: “Tem por e como tal, deverá ter direito a um
de organizações ambientais, que se objecto a promoção, desenvolvimen- tratamento adequado ao papel que
têm revelado apreensivas no relacio- to, defesa e investigação do Montado certamente desempenhará no desen-
namento com organizações de produ- e da cortiça, do respectivo ecossiste- volvimento sustentável da Agricultura
tores, a que o Montado não se pode ma e do património histórico-cultural Mediterrânica.
furtar, enquanto sistema produtivo que e económico.” Tem sido desde a
sempre tem sido e continuará a ser. sua constituição uma das entidades *Provedor da CSC

22
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Fotos: Eugénio Sequeira - Matagal, uma encosta do Caldeirão virado a Poente


Montado – a temática
da sua conservação
Eugénio Menezes de Sequeira *

Primeiro o que é o montado - são Os montados foram, portanto uma Inseria-se no sistema das vilas roma-
ecossistemas feitos pelo homem ca- forma de condução da floresta que nas com a vila (a casa do senhor, dos
racterizados por uma fisionomia do permitia a pastagem, isto é florestas servos, armazéns, abrigos do gado e
tipo “savana”. O montado (montático, de sobro, azinho e de outros carvalhos dos instrumentos), hoje chamado “o
montádego, montádigo) era o paga- conduzidos de forma aberta. monte”, o hortus (a vulgar tapada
mento do direito de pastagem (en- É claro que tal permitia a “montaria”, murada) e que permite a agricultura
cargo - tipo) a que estavam sujeitos os isto é a caça a cavalo, portanto era intensiva (horta, fruta, etc.) de rega-
donos do gado bovino e ovino (1), uma floresta aberta para o desenvol- dio, o ager a zona perto do assento
quando os seus animais aproveitavam vimento do pasto e da caça, permitia de lavoura ou sem coberto arbóreo
os terrenos para pastar, em especial a cultura arvense sob coberto, a co- para os cereais e outra cultura arven-
quando durante a transumância pro- lheita de feno, etc., era um sistema se, ou o montado (que nas “terras se-
curavam pasto durante o Inverno. multifuncional. cas” ocupava a maior parte) , o saltus,

Índice de Aridez
IA 1960/1990 Índice de Aridez 2000/2010
N N
1980-2010 G. del Barrio et al.2011
& Vegetação Associada
Legend
IFN 95_98
<all other values>
OP
Sobreiro
Azinheira
Juniperus Oxycedrus
<all other values>
JUNIOXYC
1
Juniperus Turbinata
<all other values>
JUNITURB
1
Legenda Juniperus Navicularis
<all other values>
Concelhos JUNINAVI
ai6190igp 1
<all other values> IA_00_10
<all other values>
GRIDCODE
CLASS_NAME
Semiárido Semi-arid Semi-arid
Subhúmido seco Dry sub-humid Dry sub-humid
Húmido e Shh Wet sub-humid Wet sub-humid
Wet Humid
Kilometers
60 30 0 60
70 35 0 70
0 20 40 80 120 160 Km
Km

Fig 1, 2 e 3- Evolução das zonas semi-áridas, sub-húmidas secas, sub-húmidas húmidas, e húmidas com as alterações climáticas. Zonas de distribuição do azinho
e do sobro em Portugal

23
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

da bolota doce (sem ou com menos


taninos) quer para a alimentação do
homem em épocas de crise (chegou
a fazer parte do pão em cerca de
20%) e em especial para a alimenta-
ção dos porcos, das ovelhas, vacas e
da caça (3), permitindo mais rápido
crescimento dos animais.

O Montado e a
para aumentar a capacidade de suporte do ecossistema (cerca de 15 Ha de azinheiras semeadas aspecto em 2002, e em 2012).
Montado de azinho, com vala e cômoro, com azinheiras doces. Projecto desenvolvido na Herdade de Belver em Castro Verde,

conservação do solo
Em 1998 (4) teve lugar a “Reunião
de Especialistas em Reabilitação de
Ecossistema Florestais degradados”
em que se concluiu que seria neces-
sário o empenhamento dos Governos
no sentido de “resolver os problemas
das terras secas, incluindo a gestão
sustentada dos recursos, especialmen-
te dos florestais (entre os quais se conta
o montado), traduzindo esse empe-
nhamento na formulação de politicas
florestais explicitas antes de 2001...“.
Vários autores consideram que
autilização agro-silvo-pastoril (os
montados) é a forma de utiliza-
ção mais aconselhável para as zo-
nas mediterrânicas de maior risco,
e verificou-se na Extremadura em
Espanha que as explorações mais
diversificadas com floresta, mon-
tados, sequeiro, pequenas áreas
de regadio intensivo, com pelo me-
nos dois tipos de gado eram as que
apresentavam maiores rendimentos,
maior estabilidade de emprego e re-
siliência às flutuações de mercado e
às variações climática.

Em especial o sistema de explora-


ção que conserva o matagal com os
bosques mediterrânicos nas zonas
declivosas, em corredores verdes, (8)
conserva a água, o solo, a biodiversi-
o matagal que permitia outras produ- de gado (porcos, ovelhas, cabras, va- dade, permite o refúgio das espécies
ções e a recolha de energia (mato para cas, cavalos), caça, mel, espargos, co- cinegéticas.
as camas do gado e para queimar), gumelos, bolota, etc..
e a silva, a floresta com o sobreiral, A cobertura arbórea que o montado re-
o azinhal, o carvalhal, que ocupava as Os montados, no início eram mistos, presenta, conduz geralmente a um au-
zonas de maior declive e que consti- isto é, não eram de sobro, nem de mento da fertilidade do solo quer pela
tuía o refúgio das espécies cinegéticas azinho, mas tinham todos os carva- reciclagem de nutrientes das camadas
de caça grossa (cervos, javalis, etc.). lhos naturais da região e tinham a ca- profundas e acumulação à superfície
Este sistema agro-silvo-pastoril, tem pacidade de se adaptar à variabilidade quer pela acumulação de folhado que
elevada variabilidade, reflectindo a espacial e temporal, dominados pela aumenta o teor em matéria orgânica
enorme variabilidade ecológica (solos, azinheira (Quercus ilex), pelo sobrei- à superfície (7), em especial nas zonas
clima, exposição) e capacidade adap- ro (Q. Suber) mas também tinham o sombreadas pela copa (5 e 6).
tação às variações do clima Mediter- carvalho negral (Q. pyrenaica) e o lusi-
rânico e das condições económico so- tano (Q. fagenea) nos solos calcários. No entanto a sua densidade óptima
ciais, permitindo diferentes estratégias Tal variabilidade permitia maior fle- depende das características edafo-cli-
para o uso dos recursos vegetais (2), xibilidade pois a época de matura- máticas, de cada local, devendo a sua
culturas arvenses, pasto, vários tipos ção da glande (bolota) e em especial densidade corresponder à capacidade

24
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

de suporte. A existência de coberto


arbóreo, pelo seu sombreamento, que
se verifica pelo acarramento do gado,
o aumento da matéria orgânica do
solo, a intercepção pela copa das gotas
da chuva, o aumento da capacidade
de retenção de água no solo são tudo
factores que conduzem ao aumento
da fertilidade ao aumento da pro-

Charca de infiltração para recarga de aquíferos fissurais


dução de pasto a uma redução dos
riscos de erosão e portanto a uma
forma de combate à desertificação e a
um aumento da sustentabilidade.

O risco de erosão e portanto de de-


sertificação, depende do declive e
do clima, das características do solo,
variando a erodibilidade de unidade
solo para unidade solo, sendo os so-
los derivados de xistos os que apre-
sentam maior erodibilidade, portanto
na zona de xisto maior ainda é neces-
sária a conservação do montado.

A alteração Climática, solos de xisto, que permitam au- Bibliografia a consultar:


a Desertificação e o montado mentar a resistência ao aumento do 1 - Joel Serrão, 1981- Dicionário da História
A situação torna-se mais grave, dado período seco e da sua gravidade. de Portugal, Vol. IV- Lisboa a Pário – Livaria
que se assiste desde há alguns anos, Figueirinhas/Porto: 336.
em especial depois dos anos 60/70, Várias tecnologias têm sido tentadas 2 – Joffre, R., Rambal, S. & Ratte, J. P., 1999 –
mais rápido depois de 2000, a um no sentido de conservar a chuva, The dehesa system of southern Spain and Portugal
agravamento das condições de aridez, cada vez com chuvadas mais intensas as a natural ecosystem mimic – Agroforestry
Systems 45: 57–79, 1999. Kluwer Academic
num país em processo acelerado de levando a escoamento superficiais Publishers. Printed in the Netherlands.
Desertificação. Basta ter em consi- mais violentos e à perda de água no 3- Almeida, J. A.A., 1986- Influência dos
deração a redução em mais de 40% sistema, como a construção de valas e taninos de Quercus ilex L. e Quercus suber L.
da chuva de Primavera desde 1960 e cômoros de nível (a 1 / 2 %) (Foto 5) sobre a fermentação recticulo-ruminal
o alargamento para mais de 2/3 do e à construção de pequenas charcas e a digestão enzimática das proteínas.
Tese de Doutoramento. Universidade de Évora)
território do risco de Desertificação de infiltração (foto 6), que reduzam as
4- Sequeira, E. M.. 1996. A floresta e o Combate
resultante do aumento do Índice de perdas de água e aumentem a recarga à Desertificação. A magnitude Mundial
Aridez (Fig. 1). dos aquíferos nas fendas do xisto do problema. Revista Florestal IX (3): 82-86.
5- Sequeira, E. M., 1998 . A Desertificação
Neste mapa é possível observar e o Desenvolvimento Sustentável em Portugal.
que a zona semi-árida (a vermelho Conclusões Liberne (Liga para a Protecção da Natureza)
62:20-24, e 64:17-23.
e representando um risco elevado Para o combate à Desertificação, para
de Desertificação e Seca) e a zona a sustentabilidade do Mundo Rural nas 6- Rosello, E. M.; Cornut, E.; Lopez-Marquez, J.
A.; Bureau, E. & Vicioso-Vigil, J., 1986- Estrutura
sub-húmida seca (a amarelo e com “Terras Secas”, o montado é a forma del sistema produtivo del ecosistema de dehesas.
um risco moderado de Desertifica- de utilização mais aconselhável. Para a Encuesta de Extremadura 1980 y 1981. Discricion
ção e Seca), passaram de cerca de sua sustentabilidade face às alterações y analisis mediante ACP. Junta de Extrenadura.
Cons. Agric. Y Cons. Serv. Investigacion Agraria.
1/3 para 2/3 do Continente na úl- climáticas, a densidade, a escolha das
7- Vieira Natividade, J. 1950- Subericultura.
tima década. espécies e a tecnologia de conserva- Ministério da Economia. Direcção Geral
ção terá que resultar de formas ur- dos Serviços Florestais e Aquícolas, Lisboa
Repare-se que o sobreiro tinha boas gentes de adaptação, apenas possíveis 8 - Árvores e Florestas de Portugal Vol 02-
condições de produção nas zonas após com o estudo hidrológico e de Os carvalhais . Um património a conservar.
sub-húmidas seca e sub-húmido hú- gestão cada vez mais aprofundados. Vol 03- Os Montados. Muito para alem
das árvores. Vol 08- Proteger a Floresta.
mido, e a azinheira ficava restrita às Incêndios, pragas e doenças. Fundação Luso
zonas semi-áridas, mas a evolução Americana, Público, LPN.
climática vai obrigar à subida do so-
bro para Norte do Tejo e ao alargar
a zona do azinho a todo o Alentejo, a
não ser que se consiga um aumento *Engº. Agrónomo, Investigador Coordenador
da retenção da água profunda nos Membro da Liga para a Protecção da Natureza

25
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

O VALOR ECONÓMICO DO MONTADO


Natália Teixeira *

O montado constitui-se como um Gráfico 1 - Área de Montado em Portugal - por regiões


ecossistema com particularidade

Inventário Nacional Florestal 2005/2006 e APCOR


muito próprias, com uma rica e di- Área de Montado em Portugal - por Regiões
versificada flora e fauna, que subsiste
nos países do Sul da Europa e na zona 6%
2%
5%

mediterrânea. Dentro das espécies 3%


Lisboa e Vale do tejo
que o caracterizam, destaca-se o Centro
sobreiro, que apresenta um elevado Norte
significado ecológico e económico. Algarve
Em Portugal é o país com maior ex- Alentejo

tensão de sobreiros do mundo (se-


gundo dados de 2010 da AFN, 34%

Fonte: DGRF
da área mundial) sendo o principal 84%

exportador mundial, quer na produ-


ção, quer na transformaçãoda corti-
ça, assumindo o Alentejo a liderança
na área dedicada ao montado (vide
gráfico 1). No entanto, este cenário
tem vindo a deteriorar-se. Dados
recolhidos pelos investigadores Sér- Gráfico 2 - Evolução do Número de Empresas no Sector da Cortiça
Evolução do Número de Empresas no Sector da Cortiça
gio Godinho e Teresa Pinto Correia
(Instituto de Ciências Agrárias e Am- 900 857
829
bientais Mediterrâneas da Universi- 800
819
758 751
dade de Évora) apontam para uma 731 718
698
700
perda de 3 mil hectares de montado 597
por ano, em média, no período de 600

1990-2006.

Fonte: MSSS (2010), citado na APCOR


500

400
A cortiça tem vindo a assumir um pa- 300
pel significativamente mais relevante
200
em termos económicos. Com o de- 83 85 82 83 86
64 68 83 73
senvolvimento do conhecimento e 100

do desenvolvimento tecnológico, as- 0


2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
sociados a pesquisa e desenvolvimen-
tos que possibilitam a utilização deste Indústria da Cortiça Comércio por Grosso de Cortiça em Bruto
material para outros fins,juntamente *Informação relativa a 2001 indisponível

com a expansão das indústrias, di-


recta e indirectamente associadas,
tem-se aumentado o valor agregado
dos produtos derivados da corti-
Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) citado na APCOR

çana economia nacional. Assim, em Gráfico 3 - Evolução


Evoluçãodasdas
Exportações Portuguesas
Exportações de Cortiça
Portuguesas de Cortiça
conjunto com o desenvolvimento e
expansão da indústria vinícola (sendo 1000
a rolha fundamental para a manuten- 900
ção da qualidade dos vinhos, apesar 800
de já estarem disponíveis produtos 700
substitutos) na busca de mercados
600
alternativos, a cortiça tem vindo a
500
assumir outras aplicações, como por
exemplo, revestimentos, artigos de- 400

corativos, calçado e vestuário, etc. 300

Do ponto de vista económico, a ca- 200

deia de valor do sector da cortiça 100


pode dividir-se em três fases: comer- 0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
cialização de cortiça natural (explora-
ção do montado e comercialização da Valor (Milhões de €) Volume (Milhares de Ton.)

26
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

casca de sobreiro); venda de deriva- A nível nacional, o valor das expor- Nesta optimização, claramente deve
dos da cortiça (empresas que produ- tações portuguesas de cortiça repre- optar-se pela abordagem aos sec-
zem produtos para servirem de ma- sentam 2% das exportações de bens tores chamados “tradicionais” e
térias-primas para outras indústrias); portugueses. “únicos” onde as margens serão po-
comércio de produtos de cortiça para tencialmente superiores e onde a
consumo final (transformação da cor- concorrência será mais controlada.
tiça para bens finais). Torna-se recorrente a menção que Neste contexto,a indústria da cortiça
Numa análise da evolução do núme- a economia Portuguesa precisa ur- deverá assumir um papel fundamental
ro de empresas neste sector, con- gentemente de um plano estratégi- quer na preservação dos recursos na-
clui-se que o número de empresas co. Esse plano naturalmente tem de turais (velando pelo cumprimento da
da indústria da cortiça diminuiu até passar por se investir, a longo prazo, regras de protecção do montado que
2009, cenário que não é expectá- em sectores de actividade onde Por- muitas vezes têm sido descuradas),
vel que tenha sofrido uma alteração tugal assuma vantagens competitivas quer no desenvolvimento e criação de
posteriormente dada a crise econó- claras. Alguns exemplos são recor- riqueza, através da exigência de mais
mica que o país tem vindo a passar e rentes: o turismo (nas suas diferentes elevados padrões de qualidade. O
cujas consequências são bem visíveis vertentes e com um plano sustenta- desenvolvimento deste sector deve
especialmente no tecido empresarial do de reposicionamento de grande estar assente na utilização de produ-
português. parte dos segmentos explorados), o tos de qualidade, garantindo aspectos
calçado (que soube reverter, sozinho, essenciais de diferenciação e maiores
uma situação de extrema complexi- margens de valor nos produtos fa-
Como já anteriormente foi referido, dade, investindo em design e marcas bricados, possibilitando acréscimos
Portugal lidera, em termos mundiais, e reposicionando-se em segmentos de rendimento que possibilitarão um
o comércio de cortiça, com uma premium, onde as margens de retor- sustentado desenvolvimento regional.
quota de mais de 64,7 % do total no são bastante superiores e os ciclos
mundial. As exportações portugue- económicos menos sentidos) são ca-
sas de cortiça atingiram, em 2012, sos disso. Outra área a potenciar, é
845,7 milhões de Euros, continuando a dos recursos naturais, quer optimi-
a recuperação face ao grande de- zando a utilização do mar (e da sua
créscimo verificado em 2009 apesar magnífica zona económica exclusiva,
*Doutorada em Economia
de ainda não ter atingido valores si- a 3ª maior da EU e a 11ª do mundo), pela Manchester University
milares ao do início do século XXI. quer dos recursos terrestres. Docente do ISCEM e do ISEC

O Sobreiro, símbolo nacional


João Posser de Andrade *

Quando, em Janeiro de 2012, Segundo alguns estudiosos, a existên- legisla a primeira lei portuguesa de
o sobreiro foi elevado ao esta- cia de sobreiros no planeta, será de protecção florestal nos “Costumes e
tuto, de arvore símbolo nacional cerca de 60 milhões de anos, o que Foros de Alfaiate” onde pontifica a cé-
na Assembleia da Republica, por por si so deveria merecer uma atitude lebre frase “qui pino taiar, enforquen-
unanimidade, acreditou-se que uma de protecção, respeito e reverencia, -lo”, e logo em 1209, nos “Costumes
nova era iria aparecer e o sobreiro perante esta magnifica arvore. e Foros de Castel-Rodrigo” a defesa
e a subericultura nacional sairiam do Reportando-nos a factos históricos, já e protecção da azinheira e sobreiro é
“Limbo” a que tinham sido votados no seculo VII, o “Código Visigótico” assunto de grande relevância.
há décadas e o desenvolvimento e promulga leis que tentam proteger,
crescimento vinham a caminho. As proibindo o abate de azinheiras e so- Com D. Diniz em 1307 já a cortiça era
consciências “agro-urbanas”(*) fica- breiros com penas severas a quem exportada para Inglaterra e embora a
ram descansadas com a resolução de danificasse a floresta destas espécies. sua obra emblemática, seja o pinhal
mais um grave problema “técnico- É óbvio que a preocupação na protec- de Leiria, o sobreiro e a azinheira
-económico”, ficando livres das su- ção destas árvores, servia as popula- nunca foram esquecidos. Com o ad-
cessivas reclamações dos “indígenas ções que usufruíam significativamente, vento de D. João I, as necessidades
rurais” do interior do país que já só dos diversos produtos deste ecos- cada vez mais prementes de madeira
pretendem a sobrevivência, uma vez sistema, principalmente a bolota e de sobro e azinho, com muito boas
que o desenvolvimento e crescimen- a lande, alem da lenha, caça, mel, cera, provas dadas, nas obras de arte cur-
to, não está nas suas mãos. cogumelos e alguma cortiça. vas dos navios, a quilha e sobrequilha
Fazendo um resumidíssima resenha e cavernas, o chamado “Liame” das
Enfim, mais um “fogo-fátuo”, ficando sobre a legislação portuguesa, verifica- caravelas, houve necessidade de fo-
tudo na mesma. mos que logo em 1188, D. Sancho I, mentar, fiscalizar e regular a floresta

27
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Foto: Daniel Pinheiro - Montado na Primavera


no seu todo, sendo criado o cargo de que o sobreiro tem atravessado, dos Thomaz Reynolds, uma pequena
Monteiro-Mor, que só acabaria extin- ataques que tem sofrido e das modi- fábrica de preparação de cortiça e
to em 1833. O interesse da madeira ficações que a sua exportação tem transforma-a na maior fábrica da
na construção naval era tao premen- passado. Começou por ser floresta, época e torna-se no maior empre-
te, que por cada nau construída, era mas cerca do seculo XVIII, a floresta gador do distrito, produzindo e ex-
necessário abater entre 2000 a 4000 de sobro começou a ser transformada portando até ao final do século XX.
árvores. em montado, ou seja, em exploração Mencionando só as mais conhecidas,
Em 1438 os mercadores que iam do agro-silvo-pastoril, uma vez que os seguem-se já no séc. XX, a Mundet,
à Flandres, solicitaram por escrito ao proprietários começaram a sentir inte- Wicander, Armstrong, e tantas ou-
Duque de Borgonha, a autorização resse na comercialização da cortiça e tras que ajudaram Portugal a iniciar
para comercializarem a cortiça sem te- necessidade de protecção do solo pro- e a desenvolver a era industrial com
rem de a descarregar dos seus navios duzido pelas árvores. Fragoso Sequeira os benefícios inerentes nas vertentes
para o porto, o que veio a ser concedi- que escreveu o primeiro compêndio ambientais, sociais e económicas.
do, devido ao comércio português da versando a subericultura em 1790,
cortiça ser já muito antigo na Flandres. refere que este movimento de trans- As exportações de cortiça com um
formação de exploração para o mon- peso crescente a partir dessa altura,
Em 1456 face ao crescente interesse tado, terá começado no Alentejo em atingiram o seu máximo em quanti-
na cortiça, empregue fundamental- Portalegre. Em 1750, a firma Bucknall dade de Kgs, saídos de Portugal em
mente nos flutuadores das redes de que actuou em Portugal até meados 1941, com 192.213.000 Kgs, atingin-
pesca, D. Afonso V não resistiu ao fa- do século XX, chegou a ter uma fro- do 10 anos depois 230.346.000 Kgs,
cilitismo e provavelmente à necessi- ta de navios, com desenho especial embora sejam anos pontuais que por
dade, e concedeu a um mercador de dos seus fundos, para poder ir buscar razoes diversas atingiram estes picos.
Bruges o monopólio, por dez anos a cortiça em locais mais do interior
da exportação da cortiça. Também o e levá-la para Inglaterra. Actualmente, a produção portugue-
seu filho pretendeu seguir a mesma sa de cortiça, deverá rondar cerca
política, mas D. João II, nas cortes No reinado de D. José e na gestão de 100.000.000 Kgs industrializando
de Évora após ouvir a multitude de do Marquês de Pombal, exportava- e exportando cerca de 150.000.000
queixas da população que apelida- -se rolhas de cortiça pelos portos de Kgs, devido as importações proemi-
va de “Odioso Trato” a tal política, Lisboa, Porto e Setúbal e terá existi- nentes de Espanha e Norte de Africa.
resolveu cancelar o monopólio. do uma fábrica de rolhas no Escoural, Em termos económicos, Portugal
A história florestal do país é grande perto de Montemor-o-Novo. terá exportado “oficialmente” cerca
e muito rica e não será com certe- Em 1840 um inglês, o Sr. George de 840 milhões de euros, de produ-
za neste rápido resumo que o leitor, Robinson radica-se em Portalegre, tos de cortiça, representando 1,9%
poderá ficar ciente das contingências comprando a outro inglês, o Sr. das exportações totais portuguesas,

28
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Pintura: António Galvão


64,7 % das exportações mundiais, entre 1980 e 2010 a área afectada, para organizar e levar a bom porto,
12.000 postos de trabalho industrial, passou para 58%, principalmente no a batalha da desertificação.
cerca de 871 empresas ligadas à cor- Alentejo (Fig.1), sendo necessária uma
tiça em diversas vertentes, dados re- atitude de “combate” e de “menos A Fiscalidade Verde, tem de comtem-
ferentes ao ano de 2013. palavras” e mais acções. A seguran- plar positivamente os agentes que
ça nacional pode estar em causa. mais contribuem para um melhor
Fica bem demonstrado o vigor do sub- O sobreiro pode e deve ser um sol- ambiente no país.
sector industrial, com a exportação dado de enorme mais-valia, nesta luta
de 64,7% da produção mundial com que se avizinha, contra a desertifica- Um novo plano, como o projecto 2080
uma área de produção nacional com ção e as suas consequências. Seques- da PAC, para novas plantações de so-
34% da área de produção. tra carbono, um dos principais agen- breiros, para adensamento de terras
tes da desertificação, regula o regime florestais ou terras agrícolas de fraca
O subsector suberícola, embora em hídrico, combate a erosão, melhora o produtividade, com um pagamento
termos económicos, com menos vi- solo, enriquece o ecossistema, ameni- durante os 25 anos em que os chapar-
gor, tem dado uma notável resposta za o clima, combate a acidez do solo, ros só dão despesas, seria um sucesso
com o aumento de área de produ- é resistente aos fogos (espécie com a extraordinário, e aí sim, consagráva-
ção, quando ao longo dos últimos percentagem de fogos mais pequena), mos a árvore símbolo nacional.
anos lhe foram retiradas as infra-es- promove a economia dos centros ru-
truturas oficiais de apoio técnico-po- rais, notável resiliência a factores ne- (*) Agro-urbano – urbanos que fazem opinião
e leis sobre assuntos da ruralidade
litico, fazendo crescer o desinteresse gativos, árvore símbolo nacional.
nos produtores, não só pela falta de * Engenheiro Técnico Agrícola. Industrial.
rentabilidade, como pela falta de so- Mas, nesta altura de crise económica
luções técnico-económicas. haverá possibilidade de haver uma
actuação de combate?
Os 737 mil hectares de montado
de sobro, são essenciais e absoluta- Com o dinheiro que supostamente
mente necessários para o país, não tem sido afectado do sector florestal
Pormenor Pintura: Quercus suber – Manuel Casa Branca

só pelo aspecto socioeconómico, ou que o sector tem fornecido ao go-


mas pela luta contra a desertifica- verno, penso que seria possível.
ção que esta a atingir em larga escala
o sul dos país. O dinheiro do Fundo Permanente
Florestal, 0.25 cêntimos / lt de com-
A agência espacial europeia (E.S.A.), bustível tem sido aplicado onde?
através de dados recolhidos pelo sa- As verbas do leilão de licenças de
télite projecto “Desert-Watch” que emissão de gases poluentes?
faz a avaliação da degradação dos so- As verbas do fundo de eficiência
los na europa entre os anos de 1969- energética?
1990, referiu que 36% dos solos do
Alentejo estão em fase de degrada- As verbas futuras de adaptação e in-
ção adiantada, ou seja, com a fertilida- vestigação das alterações climáticas,
de muito diminuída. Mas, mais grave, do Ministério do Ambiente, chegam

29
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Fotos: José Manuel Rodrigues


O montado e a fileira do porco alentejano
José Luís Tirapicos Nunes *

A fileira do porco do porco Alente- dois troncos designam-se por Celta, biodiversidade vegetal e animal, im-
jano assenta em três pilares funda- onde se inclui o Bísaro português e pares no mundo e, que o mundo
mentais: (ii) a existência do montado, Asiático ou Chino, onde se inclui por deve distinguir e valorizar como patri-
(ii) a raça suína alentejana, engordada exemplo a raça Meishan, muito utili- mónio comum do homem que, neste
em montanheira, e (iii) a valorização zada hoje em cruzamento com raças caso, soube e por um longo período,
dos produtos tradicionais derivados europeias, para melhorar as perfor- usufruir em harmonia com as leis
da matéria-prima, assim obtida. De- mances reprodutivas. Esta ligação da natureza.
brucemo-nos, ainda que brevemente, aos territórios acaba por se estender
sobre cada um dos pilares anteditos. à designação das raças, de que são Os produtos tradicionais derivados
O montado pressupõe uma forma- exemplo a raças Ibérica, Nero Sici- deste biossistema ancestral, devida-
ção arbórea com amplos espaços liano, Alentejano, também conhecido mente valorizados, são um importan-
abertos, baseada nos pastos, forte- por porco de montanheira. te sustentáculo de todas as utilidades
mente condicionada pelo homem, económicas, culturais e ambientais.
tornando-se assim, num sistema cul- Pode dizer-se que o porco alentejano Os produtos tradicionais, presuntos
tural e não natural. A acção antrópica, adaptou-se, no decurso de séculos, e enchidos, são produtos verdadeira-
exercida séculos a fio, transformou às agruras do clima e à distribuição mente ligados ao território e, são-no
por desflorestação sucessiva aquilo, irregular dos recursos alimentares porque dependem duma matéria-pri-
que seria inicialmente um bosque disponíveis ao longo do ano, que o ma que só o porco alentejano e a sua
denso, num ecossistema frágil, ponto montado e o seu sobcoberto lhe ambiência produtiva podem oferecer,
de equilíbrio entre o bosque e o de- oferecem. Tradicionalmente, a sua são-no porque as condições climáticas
serto. Segundo Castó (1987) O de- alimentação era restringidíssima permitem uma cura (maturação e se-
serto formar-se-ia como sucedâneo durante o longo período de recria, cagem) eficaz dos produtos, sem gran-
a uma desflorestação radical, pelo baseada nos subprodutos das fai- des artifícios e são-no, ainda, porque
processo de erosão. Não podemos nas da lavoura alentejana, nada que as gentes alentejanas herdaram uma
esquecer que os montados subsis- uma boa montanheira não compen- cultura civilizacional de saber fazer es-
tem, maioritariamente, em condições sasse. Durante os três meses de ses produtos, seguindo os costumes
edáfo-climáticas difíceis de solos po- abundante bolota e erva fresca, mais leais e constantes, que atravessaram
bres e ácidos e suportam as particu- que duplicava o peso de entrada no gerações e foram transmitidos de
laridades do clima mediterrânico. As montado, onde chegava com mais uma geração a outra, maioritariamen-
quercíneas devido à luminosidade e à de um ano de idade. Foram sécu- te, pela forma oral. Por tudo isto estes
extensão do período vegetativo, se- los de adaptação e interdependên- produtos são raros, têm particularida-
gundo Pavari (1954) são muito mais cia, os montados, sobretudo os de des específicas que os distinguem e
favoráveis a produções especiais, re- azinho, não seriam o que são hoje que, em boa hora, a União Europeia
sultantes da intensa atividade química sem o contributo do suíno e este não reconheceu e protegeu. Hoje e sem
e reprodutiva, tais como a produção teria sobrevivido sem os frutos, que prejuízo de evoluções futuras, vale a
de cortiça e ou frutos, em detrimento em abundância o montado propor- pena comprar produtos certificados
da atividade vegetativa. ciona para a sua engorda peculiar. DOP o IGP, por obedecerem a ca-
Devem um ao outro reciprocamente dernos de especificações bem elabo-
O porco de raça alentejana deriva a sustentabilidade da sua existência. rados e bem controlados. Face aos
directamente do Sus mediterraneus e E, nós humanos devemos a ambos condicionalismos de abate e transfor-
insere-se no tronco Ibérico, também todas as vantagens que os montados mação, não é possível ao consumidor
conhecido por Românico, o agru- nos oferecem. Esta paisagem arbori comum adquirir produtos genuínos de
pamento por troncos assenta em zada, que cobre os montes rolados qualidade de outra forma. Porque são
bases geográficas. Assim, os outros do Alentejo, abriga uma riqueza de mais caros? Porque todos os custos

30
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

de produção e certificação são mais Ibérica a alteração do conceito de de porcos, os transformadores e os


elevados, comparativamente com exploração familiar do porco, des- consumidores.
outros produtos obtidos de forma tinado exclusivamente ao autocon- O montado é um património que
substancialmente mais acelerada. De sumo, começam a aproveitar-se as urge defender e valorizar nas suas
resto já assim era no tempo dos ro- bolotas com este gado, pese embora vertentes ambientais e económicas
manos. Nessa altura eram famosos os a importância, na altura, do consumo ligadas ao uso múltiplo. Contudo,
presuntos (pernae cerretanae) banha destes frutos na alimentação huma- deve ser tido em conta que as prin-
(pringue), os enchidos (botulos) etc.. na. O incremento de população ur- cipais fileiras são a da cortiça para os
Também, já nessa época longínqua os bana conduziu à institucionalização sobreirais e a do porco para os azi-
referidos produtos eram consumidos da matança industrial e à comerciali- nhais. Estas fileiras garantem de for-
pelas classes mais altas, devido ao seu zação dos produtos cárnicos.A fileira ma sustentada uma paisagem huma-
preço elevado. Preços elevados tam- é antiga e, na verdade, evoluiu pouco, nizada e não afectam os equilíbrios
bém alcançavam os porcos. Na Lusi- sobretudo na institucionalização orga- estabelecidos durante séculos, entre
tânia um porco de 100 libras de peso nizada de objectivos comuns das partes o homem e a natureza.
valia cinco dracmas. intervenientes. Falta uma abrangente
Segundo Vargas e Aparício (2000) associação interprofissional que inte- * Professor Catedrático em Medicina
data da ocupação romana da Península gre, as áreas de montado, os criadores Veterinária da Universidade de Évora

Fotos: José Manuel Rodrigues


Montado e porco alentejano:
uma relação vital Alberto Franco *

Um dos “segredos” da qualidade numa infinidade de arbustos tipica- para o gado. Muitos hectares de
dos suínos ibéricos, nomeadamen- mente mediterrânicos: rosmaninho, bosque terão sido incendiados para
te do porco de raça alentejana, resi- estevas, carrasco, tomilho, medro- tornar a vegetação menos densa e
de no seu regime alimentar. E este nheiro, alfazema, murta. Tais frutos o maneio da terra mais simples. “O
não seria possível sem a existên- e plantas constituíram desde sempre fogo foi largamente utilizado pelo
cia do montado. Já no século XVII a dieta dos suínos autóctones, o que Homem durante os Verões quentes
Duarte Nunes de Leão assinala que os transmite à sua carne um gosto es- e secos mediterrâneos de modo a fa-
porcos andavam pelos campos, “por a pecial. A liberdade que o montado cilitar a caça, o pastoreio, a agricultura
muita glande que em suas montanhei- proporciona aos animais permite-lhes e a guerra. Há evidência do Homem
ras e azinhais tem os de Alem-Tejo, & também exercitarem-se. O movimen- queimar a floresta para melhorar as
muita castanha os Beira, & Entre-Dou- to melhora o seu apetite, facilitando a pastagens da bacia do Mediterrâneo,
ro & Minho com que se cevão: pelo engorda, e o funcionamento do seu pelo menos desde a Idade do Ferro,
que quando os hão mester os achão organismo em geral. cerca de 2600 anos atrás»”, salien-
muito gordos” (Descrição do Reino de O ecossistema, conhecido em Portu- ta o professor José Luís Tirapicos
Portugal», 1610, Lisboa, p.p. 53-53 v.). gal por montado e em Espanha por Nunes, grande especialista na temá-
dehesa arbolada, formou-se a partir tica do porco alentejano (Contributo
O Sudoeste da Península possuía vas- da intervenção do Homem sobre as para a Reintegração do Porco Alentejano
tas manchas de azinheiras e sobreiros, florestas do Sudoeste peninsular, a do Montado», tese de doutoramento,
abundantes em bolota, em lande e fim de obter terra para cultivo e pasto 1993, Évora, p.p. 8-11).

31
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

A desflorestação operada levou à re- alimento para o seu gado e obter, as- um derrube maciço das árvores, po-
novação das espécies arbóreas. Aos sim, lucros que podiam ser chorudos. dendo ir até à supressão total do es-
pinheiros, vidoeiros e outras árvores trato arbóreo nas terras mais férteis”,
representativas do bosque mediter- A criação em regime pastoril propor- diz Denise de Brum Ferreira.
rânico sucederam sobreiros (Quercus cionava aos animais uma alimentação
suber) e azinheiras (Quercus rotundi- mais natural, à base de bolota, lande, As máquinas utilizadas na cerealicultu-
folia) - as árvores emblemáticas do ervas e duma variada gama de plantas, ra nem sempre respeitavam as espé-
montado. Sublinha Tirapicos Nunes que gera uma carne de qualidade aci- cies arbóreas que povoavam as sea-
que montados e dehesas são agros- ma da média. Esta vantagem constituiu, ras. “Importou-se maquinaria pensada
sistemas comparáveis “com a sava- desde sempre, motivo de orgulho para para as regiões cerealíferas do norte
na, um bosque aberto baseado nos os criadores a sul do Tejo: “quem um da Europa, ceifeiras-debulhadoras
pastos. A diferença estaria em que dia aborde um grande lavrador alente- mais altas que as copas das árvores»,
o montado pode considerar-se uma jano e fale nos porcos do Minho e das lembra Tirapicos Nunes. “Para as má-
formação cultural e não natural, devi- Beiras, vê imediatamente aflorar-lhe ao quinas poderem passar, cortavam-se
do à grande participação do Homem. rosto um ar de mofa ou de ironia, que as pernadas às azinheiras. O montado
O montado é um sistema cultural, quer dizer: para porcos só o Alentejo” de azinho sofreu uma redução brutal.
originalmente era um bosque denso, (Joaquim Póvoas Janeiro, A Suinicultura À medida que os cereais avançam, o
que se transformou por desfloresta- em Portugal», in “Boletim Pecuário”, montado recua.” O gado suíno per-
ção sucessiva num ecossistema frágil, Ministério da Economia/Direcção Geral deu, assim, uma significativa quota de
com um equilíbrio entre o bosque e o dos Serviços Veterinários, nº 2, 1944). terras de pastagem, o que somado a
deserto.” outros factores, designadamente ra-
O advento do liberalismo, em meados zões dietéticas, levou à decadência da
Denise de Brum Ferreira frisa que do século XIX, leva à transformação sua criação.
o montado é “um tipo de paisagem das estruturas económicas. A paisagem
inteiramente construído, em que alentejana, e nomeadamente o monta- Nos nossos dias, o renascimento do in-
todos os traços se devem à história do, sofrem o impacto destas transfor- teresse pela dieta mediterrânica levou
agrária e ao trabalho humano que mações. “Podemos considerar que os à revalorização dos métodos de pro-
transformaram a brenha mediterrâ- anos 1880 marcam o desaparecimento dução tradicionais e de certos alimen-
nea” (Evolução da paisagem de mon- acelerado da estrutura económica do tos colocados no índex pelo funda-
tado no Alentejo interior ao longo do Antigo Regime que se traduz por uma mentalismo alimentar. Neste fenóme-
século XX – Dinâmica e incidências modificação radical da paisagem rural no integra-se a recuperação de raças
ambientais, in “Finisterra”, XXXVI, 72, do Alentejo», afirma Denise de Brum porcinas autóctones: a alentejana, mas
2001, p.p.179-193.) Durante séculos, Ferreira. “O recuo dos maninhos e da também a ibérica espanhola e a bísara.
prossegue, “o ecossistema mediter- charneca (brenha mediterrânea), os O prestígio de que as referidas raças
râneo original foi simplificado na sua arroteamentos, as novas técnicas cul- voltaram a gozar, muito superior ao
estrutura e biodiversidade, e trans- turais, o progresso do caminho-de-fer- das suas congéneres industriais, e o
formado num sistema de uso agro- ro, a densificação da rede de estradas, sucesso de alguns produtos, como o
-silvo-pastoril extensivo associado à as mudanças profundas verificadas na denominado presunto “pata negra”,
grande exploração fundiária”. situação demográfica do Alentejo, as mostram a oportunidade deste res-
primeiras leis proteccionistas para as surgimento.
O Alentejo foi desde sempre a re- culturas cerealíferas foram factores de-
gião portuguesa com maior extensão cisivos na constituição de um montado Este conjunto de observações de-
de montado. Sobreiros e azinheiras cultivado ao lado do montado tradicio- monstra a relação de dependência
dão-se bem com o clima transtagano, nal onde primava a presença do gado. entre uma das mais-valias económi-
marcado por Invernos temperados e Em consequência, na transição do sé- cas nacionais, o porco de raça alen-
húmidos e Verões quentes e secos, e culo XIX e XX, a evolução da área do tejana, e o montado, seu ambiente
por um elevado número de horas de montado foi nítida no Alentejo: 370 natural. Por isso, as medidas toma-
sol. Por outro lado, ao modelo agrí- 000 há de sobreiros e azinheiras em das com vista à defesa e preservação
cola da região, baseado no uso múl- 1867 e 868 850 há em 1902.” do montado, como é o caso da sua
tiplo da propriedade, na agricultura candidatura a património da huma-
extensiva complementada com a acti- A monocultura dos cereais leva nidade, terão não apenas benefícios
vidade silvo-pastoril, convinham terras à perda de vastas áreas de monta- ambientais, como também económi-
com as características do montado. do. A intensificação da cerealicultura cos. Sem os frutos e a liberdade do
Como ressalta José Luís Tirapicos fez com que muitas terras que antes montado, o porco de raça alentejana
Nunes, a “exploração tradicional do eram apenas de sobreiros e azinhei- não terá a vida facilitada.
porco alentejano, nos amplos espaços ras fossem adaptadas ao plantio de
das planícies transtaganas, enquadra- cereais. “A introdução da lavra meca-
-se nos pressupostos referidos”. nizada profunda não só permitiu um
A suinicultura em regime pastoril fun- alastramento muito rápido do uso *(autor do livro “Porco Alentejano –
cionava como um complemento da agrícola do solo e da sua intensifica- O Senhor do Montado”)
lavoura, permitindo ao agricultor ção até terras cada vez mais margi-
aproveitar o montado como fonte de nais (terras galegas) como obrigou a

32
ENTREVISTA

Ceia da Silva
Presidente da ERT - Alentejo/Ribatejo

que tinha sido apresentada em 2004,


curiosamente pela atual presidente
da Comissão Portuguesa do ICOMOS
(Conselho Internacionalde Monumen-
tos e Sítios), Ana Paula Amendoeira.

Quando se iniciou o processo?


Iniciámos o processo em Novembro
de 2010, através da realização de um
primeiro workshop em Portel, vila
que sempre acarinhou de modo mui-
to especial a ideia desta candidatura.
Depois houve que procurar finan-
ciamentos comunitários para supor-
tar os estudos e trabalhos técnicos,
ainda em desenvolvimento. Sempre
Foto: António Ramos

encarámos este projeto como ab-


solutamente estratégico para toda a
ação da entidade regional de turis-
mo, é aliás por isso que o contem-
plámos no nosso Plano Operacional
de Turismono capítulo dedicado à
Identidade.
“Classificação do Montado reforçará
visibilidade internacional do Qual o papel da entidade que
dirige, a Turismo do Alentejo,
Alentejo” nesse processo?
Em primeiro lugar, assumiu um papel
de liderança institucional, provocando
e animando todo o processo de diálo-
go entre as várias organizações regio-
Um conjunto de entidades regio- Que razões motivaram a nais e estabelecendo o contato com
nais vai apresentar à UNESCO a candidatura do Montado a as entidades de referência, como por
candidatura do Montado a Patri- Património da Humanidade? exemplo junto da Comissão Nacional
mónio da Humanidade. Se a ideia A razão principal foi a necessidade da UNESCO. Num segundo patamar
vingar, haverá um significativo re- de encontrarmos uma marca distin- de responsabilidades foi a Turismo do
forço da expressão e visibilidade tiva para o destino turístico Alente- Alentejo que assumiu a globalidadedo
internacionais do Alentejo, além de jo que ajudasse a projectar a região investimento financeiro necessário à
maiores garantias de salvaguarda e nos mercados turísticos exteriores. realização dos trabalhos científicos
valorização do Montado, afirmou Teria que ser algo sólido, profunda- e estudos técnicos, negociando com
à “Memória Alentejana” António mente imbricado na nossa identida- o Programa Operacional Regional a
Ceia da Silva, presidente da Turis- de enquanto região e povo e, fun- parte da contrapartida do financia-
mo Alentejo, ERT, instituição que li- damentalmente, único. O Montado mento comunitário. Existe depois e
dera o processo. A paisagem cultu- encerra todas essas dimensões. em terceiro lugar, todo o trabalho de
ral que o Montado constitui é algo gestão estratégica e operacional do
“profundamente imbrincado” na processo de candidatura dos últimos
identidade alentejana, e talvez por Quando surgiu a ideia? três anos e meio, que envolve varia-
isso a candidatura foi bem recebida Nós lançamos formalmente o proce- das componentes e múltiplos par-
pelas organizações regionais. sso em 2010, recuperando uma ideia ceiros. No meio disto tudo tivemos

33
ENTREVISTA

que encontrar, montar e gerir equipas são-no fundamentalmente ativos começar pelos produtores florestais
técnicas de grande craveira que nos essenciais à produção económica re- e Municípios, passando pelas agên-
oferecessem as garantias para levar a gional - seja em produtos e serviços cias governamentais, as entidades
bom porto o projeto. turísticos, que só beneficiarão da vi- do ensino superior e politécnico e
talidade de todo o sistema do Mon- as associações de ambiente.
tado - seja em produtos agrícolas, ou
outros ligados à produção animal e Diria que é o órgão de governação
Como reagiram as entidades logicamente a tudo o que tem a ver do processo de candidatura. As prin-
locais, públicas e privadas, com aextração da cortiça. Estamos cipais decisões são tomadas neste
à iniciativa? cientes que um processo como este fórum que tem sido de grande utili-
De um modo geral a ideia foi muito bem traz sempre ao de cima interesses e dade, dado que é no seu seio que se
recebida, até porque a necessidade perspectivas antagónicas, mas o nos- analisam e tomam as principais deci-
de salvaguarda e proteção do Monta- so papel tem sido o de demonstrar sões estratégicas inerentes ao proces-
do está muito vincada no espirito de a todos os agentes que o processo so de candidatura. Dou como exem-
todos os atores regionais, autarcas, de classificação do Montado será glo- plo a definição da área de Montado a
responsáveis de entidades governa- balmente positivo para o Alentejo. É candidatar, matéria que ocupou diver-
mentais e das entidades de investiga- absolutamente fundamental para a sas reuniões, sempre bastante partici-
ção e do saber, produtores florestais Turismo do Alentejo que todos os padas eproveitosas. Todos os agentes
e membros de associações diversas, agentes se revejam no processo de e parceiros se têm empenhado muito,
como as ligadas ao ambiente, por classificação em curso. sem eles não teríamos chegado até
exemplo. Mas penso que o mais im- esta fase do processo.
portante foi através deste processo
termos acrescentado à dimensão da A outra Comissão funciona como
salvaguardaumaperspectiva da valo- Quais os órgãos de processo uma espécie de “Conselho de Sá-
rização e de promoção do Montado. de candidatura? bios”, de caracter multidisciplinar e
Claro que não se trata de um pro- Criámos duas Comissões, ambas é constituída por personalidades de
cesso fácil, até pelo seu caráter multi- de grande relevância. A primeira inegável mérito e prestigio nas mais
dimensional. A floresta e a paisagem é a Comissão Executiva. Reúne os diversas áreas, todas com ligação
não são apenas espaços de fruição principais atores do processo de ao Montado. Especialmente na fase
e elementos deequilíbrio ambiental, desenvolvimento do território, a inicial do processo, o papel desta

Foto: Daniel Pinheiro - Primavera Neves Corvo

34
ENTREVISTA

Comissão foi de grande importância. Quando se prevê a


Todos os seus membros merecem o apresentação da candidatura?
nosso reconhecimento, mas ninguém A nossa ambição é ter o processo
me levará a mal se sublinhar a par- do ponto de vista técnico pronto no
ticipação do arquiteto Ribeiro Teles. final de 2014, mas há imponderáveis
com os quais não contávamos e que
se prendem com a impossibilida-
de do Estado português apresentar
Em que actos materiais se candidaturas nos próximos anos.
traduz uma candidatura deste Isto porque Portugal foi eleito em
género? Por outras palavras, Novembro do ano passado para o
através de que “materiais” se Comité Executivo de Património

Foto: António Ramos


“justifica” a importância do Mundial da UNESCO, o que cria
montado? (estudos, pareceres, etc.) dificuldades formais à apresentação
Bem, existem diversas peças nucle- de novas candidaturas pelo nosso
ares que materializam o processo país nos próximos quatro anos, no
de candidatura. Em primeiro lugar,o que diz respeito exclusivamente a
capitulo com a definição dos atri- esta Convenção. É também por esta
butos que fundamentam o Valor razão que estamos a avaliar com as
Universal Excecional do Bem, ou regiões da Andaluzia e da Extrema- mancha de Montado a candidatar,
seja aqueles atributos que de facto dura o interesse em ambas se asso- tivemos que recorrer, inclusive,a
podem distinguir o Montado e jus- ciarem a Portugal e ao Alentejo nes- diversos voos sob o Alentejo e Le-
tificar o seu carácter único como te desafio. O desfecho do processo zíria do Tejo para verificar da atua-
Património da Humanidade. Sobre pode passar por uma candidatura lidade de muita da cartografia oficial
este aspeto chegou-se a uma com- transfronteiriça com as duas ou com existente.É também sabido que os
binatória baseada em três pilares: apenas uma das regiões, mas ainda critérios e requisitos definidos pela
uma paisagem associada à Econo- não temos certezas nesta fase. O UNESCO são cada vez mais exigen-
mia da Cortiça e à maior região de Alentejo tem o processo técnico e tes, nomeadamente para as candida-
produção de cortiça a nível mundial; administrativo bastante adiantado, turas oriundas dos países europeus.
uma paisagem que apresenta marcas praticamente concluído, mas os nos- A questão da defesa da unicidade do
de um processo histórico de ocu- sos vizinhos espanhóis ainda estão Bem Montado e da sua singularida-
pações territoriais; e uma paisagem numa fase exploratória. Mas é claro de enquanto Paisagem Cultural Viva,
caracterizada por sistema multi- que gostaríamos de partir para uma obrigou a um esforço de pesquisa e
funcional agro-silvo pastoril criado candidatura em série com as duas de reflexão muito significativos.
pelo Homem, cuja perpetuidade regiões. Sabemos que do lado do
assenta precisamente na interven- ICOMOS de Espanha existe grande
ção deste.Outra tarefa pesada do vontade em acelerar o processo de
processo que entretanto concluímos uma candidatura conjunta Portugal/ Quais benefícios para a região
foi a delimitação territorial da zona Espanha, mas vamos ter que esperar decorrerão da aprovação
de Montado a inscrever no dossier pelos próximos meses. Em qualquer desta candidatura?
de Candidatura, processo que, in- dos casos o Alentejo ficará com o seu Fundamentalmente, um significativo
clusive, obrigou os técnicos nos úl- dossier de candidatura finalizado an- reforço da sua expressão e visibili-
timos meses a sobrevoar durante tes de dezembro deste ano, quanto à dade internacionais através de uma
várias horas a paisagem alenteja- sua formalização junto da UNESCO marca diferenciadora como pode ser
na e ribatejana, por forma a es- é matéria que depende de diversos o Montado. Claro que existem ou-
clarecer algumas dúvidas sobre as factores, pelo que adiante se verá. tros benefícios mais diretos, desde
áreas mais valiosas a considerar. logo a própria salvaguarda e valoriza-
Estamos a agora a tratar da últi- ção do Montado, que influi directa-
ma peça do processo, o Plano de mente na sustentabilidade de muitos
Sustentabilidade e de Gestão, o qual Quais os principais obstáculos dos recursos que todos os dias mo-
concentra grande interesse por par- que se colocam a uma bilizamos para a actividade turística.
te da UNESCO, que cada vez mais candidatura deste tipo? Aliás, foi com bastante satisfação que
considera esta peça como decisiva Trata-se de um processo bastante verifiquei que o Plano de Acção Re-
na atribuição da classificação. Algu- complexo sob o ponto de vista téc- gional 2014-2020 apresentado pela
mas questões essenciais que aqui nico. Diria que aí reside a principal Comissão de Coordenação e De-
devem ser respondidas passam pelo dificuldade. A natureza do Bem a senvolvimento Regional do Alentejo
modelo institucional de gestão da candidatar, o Montado, pela dimen- consagra grande importância à valo-
área a candidatar e definição das en- são e diversidade das características rização do Montado.
tidades de suporte. do próprio sistema agro-pastoril, cria
um conjunto de contingências muito
especiais ao processo. Imagine-se Entrevista conduzida por
o que foi o processo de seleção da Alberto Franco

35
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Fotos: A. Vermelho do Corral - Nave Redonda; Figueira de Castelo Rodrigues


O Sobreiro Extra Montado
A. Vermelho do Corral *
Sobro com ou sem montado. A sim- Ao sobreiro cabem ainda as designa- ros se circunscreveu a zonas de difícil
biose do Património Cultural Material ções de sobro, sobreira (sobreiro corpu- acesso, e, portanto, a um número re-
e Imaterial lento e caduco) ou chaparro (quando duzido, a sua exploração não entusias-
O montado caracteriza-se pela co- pequeno), para além das referências mou o aproveitamento económico, a
bertura vegetal de duas espécies em documentos antigos com os no- par da ausência de compradores da
arbóreas, o sobreiro (Quercus suber) mes de sôbero, sovreiro, sovro ou sou- cortiça, que não tinham acesso com as
e a azinheira (Quercus ilex). Donde, ro. Fernão Mendes Pinto (Montemor- caminhetas para transporte da mesma,
a existência de montado de sobro, -o-Velho 1510/1514 - Pragal, Almada devido à ausência de estradas ou ca-
montado de azinho e montado mis- 08-08-1583), na sua Peregrinação, minhos vicinais adequados. As quanti-
to, quando engloba ambas as espé- quando se refere à ilha Léquia, mais dades de cortiça produzidas em certas
cies. A proeminência vai para o mon- conhecida por Okinawa, a principal povoações, mesmo quando trazida a
tado de sobreiro. Sendo o montado ilha do pequeno arquipélago Lu-Chú cargadeiro, não carregavam uma cami-
uma cobertura vegetal característica ou Lyu-chu em chinês e Ryukyu em ja- nheta, desestimulando a sua aquisição
do Sul do País, a Norte encontra-se ponês, descreve as suas riquezas acres- por parte dos negociantes. E nem sem-
o sobral como agrupamento de so- centando que «Tem também muita pre estava livre de furtos. A cortiça era
bros, gozando o vocábulo do privilé- madeira de angelim, jatemar, poitão, então orientada para a apicultura com
gio de ocupar lugar na Genealogia, ou pisu, pinho manso, castanho, souro, a feitura de cortiços para abelhas e em
o sobreiral denunciando a existência carvalho e cedro, de que se podem todas as povoações abundavam os col-
de sobreiros em espaços limitados. fazer milhares de navios». Na grafia meais; guardava-se um pedaço grosso,
O montado a Sul estende-se por lon- portuguesa do séc. XVI, o u funcionava liso e pouco vaporoso para rolhas das
ga extensão ao passo que no Norte se como vogal ou como consoante, ten- garrafas e garrafões, pipos e tonéis;
reduz a núcleos muito circunscritos. do, neste caso, o som de v. fabricavam-se mochos, utilizados como
Às vezes aparecem pequenos grupos No Norte, com o aumento da ocu- bancos para as pessoas se sentarem,
isolados entre os póios, resultado do pação humana e consequente neces- feitos de camadas sobrepostas seguras
transporte de bolotas pelo vento, aves sidade de arroteamento dos terrenos com pregos de madeira, tomando a
ou animais terrestres, e que, encon- de mato, este foi abatido, incluindo os forma quadrada ou rectangular, sendo
trando as condições propícias ao seu sobreiros, para dar lugar a campos de na generalidade redondos; e anaguéis,
enraizamento e desenvolvimento, cultivo. O sobreiro ficou reduzido às espécie de caixa onde se colocavam as
cresceme se tornam árvores adultas áreas estéreis, pedregosas e rochosas. crianças quando já podiam sentar-se;
e pujantes. Precisamente porque a área de sobrei- e utilizavam-se na feitura de corchos

36
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

(saleiros) para uso na cozinha, porque No Alentejo a lande dos sobreiros branco. Também usada em lavagens
mais duradouros do que os de madei- alimentava as varas de porcos e as nas estomatites, frieiras, hemorroidal e
ra. Os “raparigos” adoravam conseguir gentes comiam a bolota ou boleta da gretas. O tanino, resultante da casca da
um pedaço de cortiça para, depois de azinheira, especialmente da azinheira azinheira reduzida a pó, cura as diarreias
reduzido a barco e nele colocado um «amendoínha», por ser mais doce. Co- e hemorragias. Deve beber-se apenas
mastro de pau com bandeira de pa- mia-se crua, cozida com água e sal e er- uma vez ao dia em água açucarada ou
pel segura com goma de amendoeira, vas doces, assada nas brasas, por vezes acompanhando qualquer outro líquido.
acompanharem o seu deslizamento acompanhada de figos secos. Também Chamava-se Montado, Montádego ou
pelas valetas e ribeiros, que ao tempo servia de sobremesa a uma refeição. O montádigo ao tributo que se pagava
se mantinham correndo até ao mês de procedimento alimentar que no Sul se ao senhorio por trazer gados a mon-
Maio. No entrudo os rapazes traziam processa com a bolota, assemelhava- te em montado e pasto. Porque se
escondido um pedaço de cortiça quei- -se com o dispensado à castanha no levantaram problemas entre senho-
mada para, ao aproximarem-se das Norte: recolha, secagem, armazena- rios e pastores «A estas questões
raparigas, distraídas estas, as tisnarem gem e consumo. Diferiam substancial- pôs fim o rei, concedendo que os
na cara. Quando, a partir de finais do mente as técnicas de recolha: simples gados pertencentes às terras de San-
séc. XIX, princípios do séc. XX, se deu no sul, consistindo apenas na apanha tiago vizinhos de Beja pastassem nos
conta do seu valor económico, e os com ou sem varejo, enquanto a casta- termos desta vila sem deles se pagar
transportes se tornaram mais acessí- nha exige varejo com varas mais longas montádigo» (Alexandre Herculano,
veis, a cortiça passou a ter maior pro- devido à maior altura dos castanheiros História de Portugal, VIII, 3,).
cura e os sobreiros a merecer melhor e também pela necessidade de recurso Enquanto no montado os porcos são
atenção. Os sobreiros tiveram uma a um martelo de pau para libertar os apascentados em varas dispersando
importância fundamental na alimen- frutos dos ouriços espinhosos. por terrenos limpos e planos, jamais
tação humana, pois se isolavam e cui- No âmbito da medicina popular a bo- os mesmos, porque animais pesados
davam ciosamente os que produziam lota queimada possui qualidades essen- e de pernas curtas, se ajustariam à
boa bolota, aproveitada para farinação cialmente nutritivas e higiénicas e com acidentalidade do terreno nortenho,
e fabrico de pão, ou para conserva, ela se faz um café estomacal, que de- trasmontano ou beirão.
onde falhava a castanha, que, seca ou pois de coado se bebe açucarado. No Norte não existem artesãos da
torrada, era utilizada ao longo do ano. Como a azinheira integra o montado cortiça, que no Sul são primorosos
A sua bolota era colhida, guardada e também dela podemos referenciar a e aprimorados, tanto na quantidade
consumida durante o ano como ali- sua importância em medicina caseira. como na variedade e diversidade de
mento familiar. A cultura da batata, tar- Assim, a casca é bastante adstringente. produtos.
dia, veio relegar o aproveitamento da Em decocção aplica-se em hemorragias
*Antropólogo, Presidente da Sec.
bolota como alimento doméstico. uterinas e, quente, no combate ao fluxo Antropologia de SGL.

Pias - Escalhão - Figueira de Castelo Rodrigo

37
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Coruche, Capital Mundial da Cortiça


O Município de Coruche é o maior direcionada tendo em vista a su- uma sala de formação e um laborató-
produtor nacional de cortiça! As ex- pressão dos principais constran- rio para utilizações diversas.
tensas áreas de território ocupadas gimentos identificados na fileira e A ideia subjacente à dinamização e uti-
pelo montado de sobro, que repre- por fim a integração de todas estas lização do OSC consiste no estabeleci-
sentam cerca de 7% da área nacio- valências possíveis, de forma a que mento de protocolos e outras parce-
nal de montado, associadas a uma seja alcançado o up-grade compe- rias entre a autarquia e as diversas Uni-
crescente área de transformação da titivo, tão relevante para a manu- versidades, Centros de investigação e
matéria-prima cortiça (com a fixação tenção e melhoria do desempenho outras entidades ligadas ao sector e
de novas unidades industriais) fazem desta atividade. que muitas vezes necessitam deste tipo
de Coruche a “Capital Mundial da de plataforma para trabalharem mais
Cortiça”. Na sequência desta estratégia foi cria- próximas das suas áreas de estudo.
do o Observatório do Sobreiro e da
A fileira da cortiça tem em Coruche Cortiça (OSC), uma infraestrutura Neste momento, o Município de
um reconhecimento social generali- ímpar, arquitetonicamente diferente Coruche já celebrou protocolos de
zado pela sua relevância na vitalida- e com um conceito de existência ino- colaboração para desenvolvimento de
de e dinamização da economia local vador, autoria do arquiteto Manuel atividades no OSC com várias entida-
e regional. É uma actividade que cria Couceiro. Este edifício para além de des: o CTCOR - Centro Tecnológico
inúmeros postos de trabalho, tanto ser todo ele uma metáfora ao sobrei- da Cortiça, que deslocou a delegação
a montante como a jusante, para ro, com alguns elementos alusivos à que tinha no Sul do país para o OSC;
além de todo o potencial turístico cultura coruchense, pretende ser um a UE - Universidade de Évora, atra-
associado a este ecossistema único. local onde as questões do sobreiro e vés do ICAAM - Instituto de Ciências
Reconhecida a importância estra- da cortiça e tudo o que lhe está asso- Agrárias e Ambientais Mediterrânicas,
tégica da fileira da cortiça para o ciado, sejam tratadas. desenvolve neste espaço um projeto
Concelho de Coruche, o Município de investigação de aves do montado,
resolveu apoiar esta fileira através Neste edifício, todo ele revestido ex- o CINCORK – Centro de Formação
de um conjunto de acções concer- teriormente por cortiça, podemos para a Indústria Corticeira que de-
tadas tendo em vista a dinamização encontrar um espaço para exposições senvolve neste espaço ações de for-
do mercado corticeiro, a difusão e mostras temporárias, um auditório mação direcionadas a toda a fileira.
do conhecimento, a formação pro- com 150 lugares para eventos diver- Para além destas utilizações regulares
fissional no sector, a investigação sos, um centro de documentação, e devidamente formalizadas, o OSC é

38
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

procurado e utilizado por muitas ou- Nacional de Investigação Agrícola e abordagens inovadoras para o sector.
tras entidades que utilizam este es- Veterinária);ISA (Instituto Superior O Coruche Fashion Cork, desfile de
paço de diversas formas tais como de Agronomia – Universidade de moda, é outra abordagem inovadora,
seminários, workshops, reuniões, ex- Lisboa); UNAC (União da Floresta onde a matéria-prima cortiça é a prin-
posições, naturalmente sempre com Mediterrânea); UE (Universidade de cipal fonte de inspiração dos criadores
algum ponto de contato com a temáti- Évora) e UTAD (Universidade de de moda, realizando-se desde 2009,
ca do sobreiro e da cortiça. Trás os montes e Alto Douro). Numa já se associaram ao mesmo nomes
primeira fase e durante a última edi- como Katty Xiomara, Anabela Balda-
É também no Observatório do So- ção da FICOR foi assinado o acordo que ou Júlio Torcato.
breiro e da Cortiça, que se encontra de cooperação para constituição des-
sediada a FILCORK - Associação te organismo, tendo contado com a Assumimos ainda a presidência da
Interprofissional da Fileira da Corti- participação da Ministra da Agricul- RETECORK – Rede Europeia de
ça e será aqui que será instalado o tura e do Mar, Assunção Cristas. E o Territórios Corticeiros, que tem
Centro de Documentação Digital do protocolo de constituição do Centro como principais objetivos a defesa
Sobreiro e da Cortiça, que permitirá de Competências do Sobreiro e da dos interesses dos territórios corti-
localizar a informação cientifica rele- Cortiça foi assinado oficialmente no ceiros com o fim de contribuir para
vante no domínio do sobreiro e da passado dia 29 de julho, com a pre- o seu desenvolvimento sustentável
cortiça, de forma aberta e pública, sença do Secretário de Estado das numa perspetiva socioeconómica,
permitindo o acesso presencial mas Florestas e do Desenvolvimento Ru- cultural e ambiental, bem como as-
também, e principalmente, o aces- ral, Francisco Gomes da Silva. segurar que a atividade corticeira
so remoto através da Internet, com continue a ser um importante re-
base no projeto de inventariação No último fim-de-semana de maio, curso de desenvolvimento local e
do estado da arte da investigação de cada ano, o Município de Coruche estabelecer estratégias conjuntas de
do sobreiro e da cortiça, constituí- organiza a FICOR - Feira Internacional
da por 1600 artigos científicos, sob da Cortiça. Este evento é o expoente
coordenação do Prof. João Santos máximo da dedicação, do empenho e
Pereira do ISA (Instituto Superior do investimento desta autarquia na fi-
de Agronomia) leira da cortiça. Este certame divide-se
em dois espaços distintos, o Centro de
Para além desta congregação de es- Exposições, na Vila de Coruche, onde
forços, é com enorme orgulho que são instalados os stands institucionais,
o Município de Coruche e o Obser- o espaço de restauração e onde se
vatório do Sobreiro e da Cortiça desenvolvem as atividades lúdicas, e o
acolhe o Centro de Competências Observatório do Sobreiro e da Corti-
do Sobreiro e da Cortiça, o qual ça onde decorre toda a componente
tem como objetivo ser o polo agre- profissional e científica da feira, atra-
gador de massa crítica da fileira da vés da organização de um conjunto de
Cortiça, relativamente à investi- conferências, seminários, workshops
gação, conhecimento, tecnologia, e exposições que procuram abordar
promoção, numa abordagem inter- temas distintos, pertinentes e com
disciplinar deste setor, e por essa
razão fazem parte as mais diversas
entidades competentes, para além
daquelas que representam a admi-
nistração pública. Os desafios que
atualmente são colocados à fileira,
seja na produção, transformação
ou na investigação devem encontrar
aqui um espaço de partilha de saber.
Deste Centro fazem parte, para além
da Câmara Municipal de Coruche,
que tem tido um papel fundamental
na criação deste polo, a AIFF (Asso-
ciação para a Competitividade da In-
dustria da Fileira Florestal); FILCORK
(Associação Interprofissional da Filei-
ra da Cortiça);APCOR (Associação
Portuguesa da Cortiça); CTCOR
(Centro Tecnológico da Cortiça);
CL (Companhia das Lezírias); ICNF
(Instituto da Conservação da Natu-
reza e das Floresta);INIAV (Instituto

39
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

trabalho no âmbito da promoção


económica, do fomento da ocupa-
ção e da competitividade e da aber-
tura recíproca dos mercados inter-
nacionais.

Por fim, não poderíamos deixar de di-


zer que o Município de Coruche não
se limita à divulgação, à difusão do co-
nhecimento e à organização de even-
tos para dinamizar a fileira florestal da
cortiça. Acreditamos que a mensagem
passa mais facilmente se soubermos
dar o exemplo, e neste sentido, sendo
o Município de Coruche detentor das
Herdades dos Concelhos e Concelhi-
nhos, desenvolvemos e implementá-
mos o Plano de Gestão Florestal, um
documento orientador de diversos
compromissos a médio/longo prazo,
tanto ao nível ambiental, económico e
social, que culminou com a integração
destas propriedades no Grupo APF-
Certifica, conseguindo desta forma
obter o certificado FSC para a gestão
florestal praticada nestas áreas.

Gabinete de Planeamento
e Desenvolvimento
Município de Coruche

“Estamos na região do mundo com maior área de montado de sobro, cada vez mais a indústria corticeira se localiza mais próxima
da matéria-prima, por questões associadas à redução de custos com transportes e por questões ambientais. Por isso, defendo e
promovo a fileira da cortiça, pela sua importância estratégica para o concelho, para a região e para Portugal, do ponto de vista
económico, social e ambiental. Sinto que um pouco de Coruche vai para além das nossas fronteiras, sempre que exportamos rolhas
e outros produtos de cortiça por esse mundo fora, ou não fossemos a Capital Mundial da Cortiça!”

Francisco Silvestre de Oliveira


Presidente da Câmara Municipal de Coruche

40
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

de caminhos-de-ferro de Ponte de Sor, meados do século XX.


“PsorMundet1” Carregamento de cortiça na estação
A importância do montado de
sobro numa comunidade local:
O caso de Ponte de Sor
Carlos Manuel Faísca *

Inserido na zona da charneca mio- pera hocomcelho (…)”2, numa época o que permite o aproveitamento agrí-
cénica, num território marcado por anterior à formação dos montados cola do solo e a utilização integral dos
solos pobres em matéria orgânica, e em que a exploração económica frutos pelos gados, para além da ex-
de reduzida espessura e de escas- do sobreiro – destinada a fornecer a tração de cortiça, o centro nevrálgico
sa capacidade de armazenamento construção naval, a construção civil e de todo este sistema4. Neste sentido,
de água, o concelho de Ponte de a produção de combustíveis fósseis – os montados pontessorensesesta-
Sor apresenta, todavia, terrenos pressupunha ainda o seu abate, pelo vam, em meados do século XIX, em
especialmente vocacionados para que a Coroa portuguesa compreen- rápido crescimento, fruto também do
o montado, aos quais se junta um deu a necessidade de proteger este céleredesenvolvimento da indústria
clima favorável ao desenvolvimen- património natural. Porém, os sobrei- corticeira nesse período. Assim, se-
to do sobreiro –clima de feição me- ros continuaram a ser abatidos, visto gundo o relatório da Comissão Ge-
diterrânica, mas atenuado por uma que a charneca de Montargil – hoje ológica e Mineralógica do Reino, dos
certa influência atlântica1–, fatores uma importante região de montado 69 montados que, em 1851, foram re-
esses que foram aproveitados, tal de sobro que se estende desde o gistados na freguesia de Ponte de Sor,
como em outras tantas zonas do concelho de Mora até ao concelho de 52 eram de povoamento “(…) novo
Alentejo, para a construção de um Alter do Chão – era um significativo (…)” e produziam todos os anos,
sistema agro-silvo-pastoril que his- mercado fornecedor de lenha e de para além de 228 arrobas de cortiça,
toricamente tem sustentado gran- carvão, sobretudo em direcção ao 354 arrobas de bolota com que se ali-
de parte da estrutura socio-econó- grande mercado consumidor que era mentavam os gados, acolhendo ainda
mica local. a cidade de Lisboa, quer para consu- alguma cultura cerealífera – essencial-
A importância do sobreiro é atesta- mo doméstico, quer para utilização mente milho e centeio5.
da, desde logo, no Foral Manuelino «industrial»3. Tratou-se da construção de um sis-
de Ponte de Sor, outorgado em 1514, No entanto, a partir de finais do sé- tema sustentável do ponto de vista
quando este documento penaliza to- culo XVIII, começa a esboçar-se a ambiental e económico, a partir de
dos aqueles “(...)que cortarem (…) técnica suberícola alentejana, baseada condições edafo-climáticas adversas e
sovereyro per pee(…)” com o pa- em desbastes seletivos, conducentes que se tem prolongadoao longo dos
gamento de“(…) quinhemtosreaaes a uma baixa densidade do arvoredo, últimos duzentos anos. Nota disso

41
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

mesmo fez a Junta de Colonização In- empregando 30 trabalhadores, mas 1 Gomes, António Azevedo – Fomento
terna, cem anos mais tarde, quando, que mais tarde foi ampliada para cer- da arborização nos terrenos particulares. Lisboa:
no âmbito do Plano de Fomento Agrá- ca de centena e meia9. Fundação Calouste Gulbenkian, 1968, p. 111-
115.
rio, considerou o montado de sobro
como o pilar fundamental da atividade Em simultâneo, várias indústrias de 2 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Leitura
Nova, Livro de Forais Novos,
económica e socio-cultural do conce- pequena dimensão, com recurso a ca- Entre-Tejo-e-Odiana, fls. 79v-80.
lho6.Mais recentemente, a importância pital de carácter regional, têm vindo 3 Silbert, Albert – Le Portugalméditerranéen à
do montado de sobro no concelho de a funcionar no nosso concelho. Uma lafin de l’AncienRégime, XVIII au ébutdu XIXsiècle.
Ponte de Sor, com as características das primeiras parece ter sido a fábri- Contribution à l’histoireagrairecomparée.
que lhe sempre foram atribuídas, isto ca de José Pedro Pereira, fundada em 2a ed. Vol. II. Lisboa: Instituto Nacional de
Investigação Cientifíca, p. 469.
é, as de um sistema que para além da 1907, e que funcionou no centro his-
4 Mendes, Américo –A economia do sector
extração de cortiça suporta diversas tórico de Ponte de Sor. Este tipo de da cortiça em Portugal: Evolução das actividades
atividades no seu seio – pecuária, ci- unidades multiplicou-se, funcionando, de produção e de transformação ao longo
negética, colheita de fungos, etc. – foi por vezes, como subsidiárias das gran- dos séculos XIX eXX. WorkingPaper. Porto:
Universidade Católica Portuguesa, 2002, p.
novamente salientada7. des fábricas de capitais estrangeiros 45-49.
Paralelamente, aproveitando uma zo- e, em 1952, para além da Mundet,
5 Arquivo Histórico Municipal de Ponte de
na de intensa produção de cortiça, outras seis corticeiras laboravam em Sor, Administração do Concelho de Ponte de Sor,
algumas das maiores multinacionais Ponte de Sor. Algumas destas foram Correspondência recebida, 1852.
do mundo estabeleceramdiversas fundadas por descendentes de nego- 6 Portugal. Ministério da Economia. Junta de
unidades industriais no concelho de ciantes de cortiça algarvios que, já na Colonização Interna – Relatório agrícola do
Ponte de Sor, o qual, desde que exis- primeira metade do século XIX, se concelho de Ponte de Sor. Lisboa: s.n., 1952.
tem registos, foi (e é) o principal pro- deslocaram até Ponte de Sor como 7 Goes, João Maria; Tenreiro, Paulo Manuel –
A gestão do montado de sobro na charneca de
dutor desta matéria-prima no Alto forma de obterem a matéria-prima Ponte de Sor. Ponte de Sor: Aflosor, 2001.
Alentejo. Tratavam-se, habitualmen- com que forneciam o parque indus-
8 Andrade, Primo Pedro – Cinzas do Passado.
te, de unidades preparadoras, mas trial corticeiro algarvio10. Atualmente, 2ª. ed revista por Ana Isabel Silva. Ponte de Sor:
com alguma dimensão. Foi o caso no concelho de Ponte de Sor cerca Município de Ponte de Sor, 2010.
da multinacional britânicaHenry Buck- de quatro centenas de trabalhadores 9 Guimarães, Paulo – Elites e Indústria no
nall& Sons, que em 1894 já mantinha colaboram com a indústria corticeira, Alentejo (1890-1960). Lisboa: Colibri, 2006,
uma fábrica de preparação de cortiça enquanto outros tantos procedem, p.170-172.
junto à saída da então vila de Ponte todos os anos, às operações de extra- 10 Faísca, Carlos Manuel – Criando
os chaparrais: dois séculos de montado de sobro
de Sor, seguindo-se, pouco depois, ção de cortiça, e também, em menor no Alentejo. Lisboa: Apenas Livros, 2014.
em 1902, a abertura de uma fábri- medida, a atividades pecuárias, bem
ca da família Reynolds, também esta como, de um ponto de vista mais lú-
de origem britânica8. No entanto, o dico, à caça.
caso mais conhecido, até ao estabe- É portanto inegável que Ponte de Sor *Técnico Superior da Câmara Municipal de
Ponte de Sor. Doutoramento em curso sobre

“Tirador 1930” Tiradores de :cortiça;


lecimento da Amorim & Irmãos, foi o é historicamente um dos principais
“O negócio corticeiro no Alentejo... (1852-1914)”
da multinacional catalã Mundet que, centros corticeiros de Portugal, tendo
ao entrar no mercado português no estesetor marcado indiscutivelmente
início do século XX, sentiu necessi- a economia e a sociedade local.
dade de ter várias unidades indus- Existe uma secular tradição florestal
triais junto da matéria-prima, tendo e industrial, com um know-how as-

Montargil, 1930.
escolhido Ponte de Sor como um sociado, que continua a dar frutos e
dos locais para esse efeito. Assim, que é essencial preservar.
em 1927, foi inauguradauma fábrica
unidade de transformação, Ponte de Sor, atualidade
“Fábrica Cortiça” Cortiça armazenada numa

42
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

“A flora do montado e a medicina popular:


o caso do Mestre José Salgueiro”
Manuela Rosa

O Montado marca a paisagem alen- seus males, recolhendo mezinhas,


tejana e a vivência das suas gentes. confiando em saberes antigos e em
Ao longo dos tempos, as populações velhas crenças que o ervanário da
foram contribuindo para esse ecos- aldeia, os monges, ou o padre de al-
sistema, percorrendo os seus cami- guma paróquia aplicavam, com base
nhos, explorando os seus recursos, no que encontravam nos matagais.
tornando-o parte do seu quotidiano
e da sua identidade. A par da explo- Foi esse conhecimento de gerações
ração económica, outros gestos de que José Salgueiro conheceu e guar-
paciência e de arte traçaram a bata- dou, atento às queixas humanas,
lha contra a solidão, esculpindo os percorrendo os campos e registan-
mais variados objetos de cortiça e do as suas dádivas, como nos dá
de madeira. Azinheiras e sobreiros conta nos percursos que orienta, no
são guardiães de histórias de malte- livro sobre plantas medicinais da re-
ses que calcorrearam as veredas do gião de Montemor, ou no relato da
mato, ou de almocreves que pernoi- sua história de vida.
taram sob as ramadas mais genero- Do estrato arbustivo do Montado,
sas. Ou de quem procurou os murti- assinale-se a abundante presença da
nhos, os medronhos, as amoras e as esteva, do estevão, do alecrim e do
bolotas para calar a fome, e os oré- rosmaninho, usados para maleitas
gãos e a nêveda para temperar uma do cabelo e das vias respiratórias ou,
mão cheia de azeitonas. E daqueles para outros fins, a aroeira e o me-
que ansiaram expurgar do corpo os dronheiro. Da azinheira, a bolota que

43
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

calou a fome em tempos e também


os musgos brancos que se alojam
nos seus troncos serviram para ali-
viar a pele queimada. Na vegetação
dos campos que formam o Montado,
inúmeras plantas fazem parte de um
inventário rico e variado, estejam em
recanto mais sombrios e húmidos
ou mais expostas à força do sol. No
emaranhado das margens dos rega-
tos, o amieiro, o freixo, a erva pau,
a cinco em rama, a sempre noiva e
até a erva cavalinha e o são roberto
fazem parte de uma inúmera lista de
espécies que José Salgueiro identifi-
ca, transmitindo um quadro de uma
enorme riqueza cultural, pois fala-
-nos do tempo e da terra, das gentes
e de toda a sua visão do mundo. O
Montado, observado e aprendido à
luz da sabedoria do Mestre José Sal-
gueiro, é uma paisagem imensa!

44
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Tirada de cortiça
Breve ilustração
Ana Pereira Neto *

A extração da cortiça constitui-se um gram todo um sistema de desenvolvi- com este saber a continuidade das
processo tradicional, que só pode ser mento local, regional e nacional. várias tiradas ao longo da vida des-
feito manualmente e que, embora O tirador- porque é, em geral o ho- ta, que poderá durar entre 150 a 200
envolva poucos utensílios e etapas, é mem que pega a machada e na numa anos. Em geral, um sobreiro poderá
pleno de arte na sua aceção criadora escada e “despe” o sobreiro - é, de ter uns 16 descortiçamentos, sendo
com expressão na transformação da facto alguém que conhece as cara- que para ser efetuado o primeiro
paisagem e dos produtos que inte- terísticas de cada árvore, garantindo a árvore deve ter, pelo menos uns
25 anos. Após a primeira “tirada”
da cortiça – designada de “virgem
“seguem-se outras de 9 em 9 anos.
A segunda tiragem designa-se de “
secundeira” e a terceira de “amadia”.
Os sobreiros são “ despidos” nos
meses do calor - de Maio a Agosto -
pois, segundo os tiradores, a cortiça
“ descola melhor do tronco” com o
tempo quente.
O processo de tiragem começa com
o “traçar” da prancha de cortiça, no
tronco, com a machada afiada fazen-
do um corte longitudinal contínuo
- aproveitando “ fios naturais que
o sobreiro tenha” - dado na altura
considerada “necessária” devendo o
corte ser feito de forma firme para
não magoar o sobreiro. Caso isto
aconteça ficará uma marca no local
em que o sobreiro “ficou ofendido”
onde nunca mais se poderá tirar cor-
tiça. Depois de traçada a altura na
prancha de cortiça a retirar, é feito
um traço horizontal, ficando bem
marcada a prancha a retirar.

Fotos: C. M. Coruche; Pormenor Descortiçagem


Fotos: Eduardo M. Raposo - Pormenor

45
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

O processo de retirada é feito com


pancadas precisas com a parte poste-
rior à lâmina da machada, nos traços
da prancha. A ponta do cabo que se-
gura a machada é utilizada no “desco-
lamento” da cortiça.
Destacadas as pranchas, coloca-se
com tinta branca na árvore “nua” o úl-
timo dígito correspondente ao ano da
tirada. Só daí a 9 anos o sobreiro volta
a ser “despido” por mãos sábias que
o mantém para as gerações de novos
tiradores. Haja somente quem queira
continuar no processo tradicional de
aprendizagem.
*Docente no ISEC - Lisboa.
Presidente da Sec. Turismo da SGL

Fotos: Manuela Rosa


Foto: José Alex Gandum

46
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Foto: Maria da Graça A. N. Saraiva

Pintura: Maneul Casa Branca


Paisagem de Montado
A experiência de encontros
de pintura ‘en plein air’
Maria da Graça Amaral Neto Saraiva*

A paisagem do montado é reconheci- procuras por parte de visitantes que Retomar no século XXI o princípio
da pelo seu elevado valor ecológico, procuram usufruir destas paisagens, do ‘plein air’ na paisagem de monta-
económico e cultural. Como sistema carregadas de tradição e de beleza. do, na charneca ribatejana, tem sido
tradicional agro-silvo-pastoril, desem- Entre  diferentes modos de percepcio- uma experiência muito enriquecedo-
penha um papel relevante na sustenta- nar e vivenciar estas paisagens, vimos ra, através de workshops coordena-
bilidade do território que ocupa, que trazer aqui a experiência de represen- dos pelo pintor Manuel Casa Branca,
abrange extensas áreas desde a bacia tações pela pintura e pelo desenho do no Casal do Gavião, na freguesia do
do Tejo até ao Algarve. As funções montado, desenvolvidas em grupo, de Chouto, concelho da Chamusca. Ma-
económicas e serviços ambientais que forma informal, mas atentas ao envol- nuel Casa Branca tem dedicado o seu
proporciona têm vindo a ser valoriza- vimento especial que essa paisagem trabalho artístico ao património eco-
dos crescentemente para a socieda- oferece. -histórico do Montado Alentejano1.
de, reforçando-se o reconhecimento Neste contexto desenvolveram-se
cultural e estético da sua paisagem. A pintura e a expressão artística ‘workshops’ sob o tema ‘a paisa-
sempre teve uma grande inspiração gem da Charneca Ribatejana como
A presença do sobreiro com toda na natureza, nomeadamente na fase inspiração artística’, nos quais tanto
a vegetação e fauna que lhe está impressionista, em que grupos de iniciados como ‘inexperientes’ em
associada, bem como as estrutu- pintores saíam dos seus ateliers para desenho e artes, procuram repre-
ras construídas dos assentos de os ambientes naturais, pintando ao ar sentar esta paisagem num agradável
lavoura, como os montes, casais e livre ou ‘ en plein air’, inspirados pela convívio social e paisagístico.
edificações rurais, geram paisagens variação da luz, do céu, do movimen-
diversas, complexas, apelativas, que to do ar e do vento, do jogo de luz Como gestora de uma unidade agro-
suscitam a apreciação das popula- e sombra nas árvores, na água, nas -silvo-pastoril na charneca ribatejana,
ções locais e, cada vez mais, de  ‘ur- montanhas. A escola de Barbizon, a esta atividade de fomentar e organizar
banos’ e visitantes que as procuram floresta de Fontainebleau, no século estes workshops constitui uma ‘janela
pelo seu valor cénico e recreativo. XIX, foram momentos e espaços ha- de frescura’ num quotidiano marcado
Têm surgido iniciativas de passeios, bitados por artistas que captaram os pelas necessárias decisões de gestão,
circuitos de observação de fauna e múltiplos cambiantes da natureza e por atividades burocráticas cada vez
flora, roteiros e visitas a explorações nos deixaram registos notáveis dessas
de montado que refletem novas procuras e experiências. 1 Ver http://quercusmundi.blogspot.com/

47
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

mais exigentes e pelos problemas e concentrados num tronco retorcido emoções e criatividade. A parti-
contrariedades que surgem todos os ou numa folhagem exuberante, repre- lha de olhares diferenciados sobre
dias, seja por questões climáticas, por sentando para o papel ou para a tela temas comuns estimula afinidades
avarias dos equipamentos, doenças a paisagem envolvente, mas também e cumplicidades.
no gado, ou dificuldades de vária or- as suas emoções, significados e subje-
dem que surgem no dia a dia. tividades. O montado e os sobreiros, trans-
As imagens procuram representar formam-se assim em paisagens idea-
De facto, a chegada anual do grupo estes momentos de descoberta e lizadas e emotivas. Só se ama o que
de participantes,  artistas e amadores, concentração face aos sobreiros na se conhece, e o desenho e a pintura
que transportam telas e tintas, paletas paisagem. Desde trabalhos mais mi- tornam-se meios de observação pre-
e cavaletes, é uma lufada de ar fresco nuciosos e complexos, ao esquema- viligiada, reinterpretando a natureza e
que irá transformar uma paisagem uti- tismo e traço rápido dos ‹rural ske- a paisagem através de olhares criati-
litária num cenário inspirador. tchers’, uma vasta gama de trabalhos vos e sensoriais que contribuem para
têm resultado destes encontros, tra- reforçar a sua identidade.
Realizaram-se já 5 workshops desta zendo novas leituras para a represen-
natureza, desde 2010. Representam tação da paisagem rural do montado. Nesse sentido, estas experiências
momentos de convívio, de partilha, representam também um contri-
de troca de experiências e de ensi- É interessante constatar que os tra- buto para valorizar este nosso rico
namentos dos mais experientes aos balhos captam, no geral, o carácter património natural, adicionando di-
principiantes. Os sobreiros são o algo complexo e ‘desarrumado’ da mensões artísticas e pedagógicas aos
modelo preferencial, mas também paisagem da charneca, devido à pre- múltiplos valores reconhecidos ao
outros motivos inspiram os partici- sença de vegetação mais diversa, es- montado.
pantes, como a água nas charcas e al- tratificada e densa, face à maior regu-
bufeiras, o rebanho das ovelhas ou as laridade e profundidade da paisagem Como diz um provérbio oriental,
construções típicas do assento rural. do montado alentejano. ‘mais vale uma imagem do que mil
palavras’.
A paisagem torna-se ‹habitada›, Estas experiências têm contribuído
pontuada pela instalação de pessoas para reforçar nos participantes a
rodeadas por materiais de pintura, imagem do montado, enfatizando a
numa aparente desordem onde se sua singularidade e carácter. A dis- *Arquiteta Paisagista, Professora Associada
perdem pincéis no restolho, o vento tinção de cambiantes, contrastes e aposentada da Faculdade de Arquitetura,UL,
cola sementes nas telas ou faz voar cromatismos permite maior sensibi- Empresária Agro-florestal na Charneca
papéis em redor. Os pintores resis- lidade na leitura e compreensão dos Ribatejana
tem ao calor ou à frescura, horas a fio, objetos na paisagem, despertando gsaraiva@sapo.pt

Pinturas:
Rob Miller, 2014, Aguarela

João Gama, 2013, pastel


Catarina Castel Branco, 2010, técnica mixta

Ana Cruz, 2010, óleo s/tela

48
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Quando da terra nasce a cor


A pintura do património eco-histórico
do montado alentejano
Manuel Casa Branca

Para falar da minha pintura recorro


a diversos textos que tenho vindo a
escrever e que foram publicados em
diversos catálogos de exposições in-
dividuais que realizei, nomeadamente
a partir de 2003. Evoco ainda textos
que escrevi na Faculdade de Belas
Artes de Lisboa, entre 1993 e 1996 e
que estão publicados on-line no meu
Blog (1). Neste local virtual tenho ain-
da outras reflexões que são suporte
para alguns elementos da escrita que
vou desenvolvendo.
Estes textos têm em comum uma forte
carga metafórica que assumo na minha
reflexão. Afastando-me, nesse proces-
so reflexivo, do pensamento puramen-
te científico, e tentando encontrar um
pensamento mais próximo da poesia,
entendida como o estudo de um “fa-
zer artístico” como enuncia Umberto
Eco na introdução à II edição do livro 1. A árvore-personagem - Quando entro no Montado, as árvores contam-me histórias. Esta é a história de Tristão e
Isolda. No atelier experimentei pintar ao som de Wagner, para entrar no espírito, e foi esperar para ver o resultado
Obra Aberta (2) inerente ao processo que foi este quadro cujo título é: Quercus suber; 1H; 10; Carias. Dimensões: 85 x 100 cm Técnica: Óleo sobre tela.
artístico criativo.

1. O Quercus como
árvore-personagem

O Montado Alentejano é paisagem


construída ao longo de milhares de
anos. Num olhar preocupado com a
agressão constante sobre o patrimó-
nio ecológico e histórico, encontro
nos Quercus spp. o símbolo de to-
das as árvores abatidas, de todos os
ecossistemas em perigo. A pintura de
um local pode ser um chamamento
de alerta para a globalização de sen-
tido único e assimétrica.
Assimilados estes conceitos, há que 2. Quando a linha de uma árvore escreve um poema - Capturei o movimento deste sobreiro há algum tempo
montar a narrativa. O Montado atra- durante um passeio nas Silveiras, próximo da minha cidade de Montemor-o-Novo, Portugal. Uma foto, entre outras,
onde transparece o espírito do Outono. No atelier e depois de analisar esse grupo de fotografias, dei conta que
vés das suas árvores dá-me histórias esta composição, em particular, tinha uma forte carga poética. A árvore parece ter um poderoso movimento como
com raízes ocultas na terra e ocultas uma tentativa de libertar os seus oprimidos mas poderosos ramos para fora do silvado. Esta luta conduziu-me para a
tela para começar a minha própria luta. Cores, expressão, e texturas para prestar homenagem a todos os gestos de
no tempo. Estes sobreiros (Quercus libertação. Título: Quercus suber; 2H; 48; Broca Silveiras. Dimensões: 100 x 160 cm. Técnica: Óleo sobre tela.
suber) e azinheiras (Quercus ilex)
que dançam esculpidos de geração Na criação do meu universo pictóri- escolhe o momento em que Apolo
em geração são o registo orgânico co está subjacente o mito de Apolo toca Dafne, dando início à sua me-
destas histórias. Há ainda o registo e Dafne tão bem interpretado pela tamorfose. No fundo eu escolho um
inorgânico dos megalitos. escultura de Bernini (Escultor) que tempo narrativo posterior, em que

49
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

É assim uma perspectiva democráti-


ca, mais justa no equilíbrio, à maneira
do posicionamento do Rei Artur na
távola redonda. (limite em oposição
ao infinito)

5. A Instalação no espaço
expositivo
Para a resolução destas questões
gosto de começar uma série de tra-
balhos a pensar em determinados
conceitos de espaço e das relações
que se estabelecem. Estas relações
dinâmicas e orgânicas formam o es-
paço-estrutura que será suporte da
modelação do espaço-arquitectura
onde decorre a exposição, tomado
como único elemento aparentemen-
3. Antinomia do sensório - Um percurso matinal com a companhia de alguns amigos. As cores da manhã por entre
te resolvido neste sistema, onde os
a neblina: Prata, verdes, rosas e magentas. O castanho terra e o violeta. Depois o azul que banha os diversos planos objectos pictóricos serão instalados.
do horizonte. Esta é a sensação que retenho na minha memória. Na pintura acentuo essa sensação de despojamento
e desapego que emana da paisagem. A contradição (a antinomia) está em conseguir fazer isso recorrendo a uma
Sou impelido no estabelecimento de
expressão rica em camadas de tinta para descrever essa impressão. Ao longe, no limite do plano infinito, recortado na uma solução global. Primeiro a es-
paisagem as azinheiras (Quercus ilex) sugerem a forma de um templo grego, símbolo da natureza, da sabedoria e do
tempo eterno. Afinal estamos na barragem chamada “Barragem dos Minutos”.
colha das dimensões das telas que
Título: Quercus ilex; 2H; 4; Minutos. Dimensões: 100 x 160 cm. Técnica: Óleo sobre tela. contemple todas estas afinidades
espaciais, bem como as intenções
de Dafne pouco resta, apenas se adi- pelas formas banhadas e/ou ocultas que guardo no meu espírito e que
vinham algumas formas. A ausência pela luz. A segunda antinomia tem a precedem o acto da pintura. Nesta
explícita do Homem, a sua presença ver com a complementaridade das fase primeira, mais subjectiva, as pos-
implícita na forma da árvore é a anti- cores, o vermelho-verde, o azul-la- sibilidades são infinitas e o conceito
nomia “zero” (axial) na minha repre- ranja, o violeta-amarelo. Nesta dinâ- de Instalação ajuda-me na escolha do
sentação. Essas formas antropomór- mica nota-se o contraste entre a cor caminho a traçar.
ficas (contaminadas) em contraste quente e a cor fria. Metaforicamente
com formas naturais (puras). temos o dia quente de estio e a noite 6. Os percursos
fria, a luz excessiva e a sombra fresca Outra antinomia tem a ver com
2. As antinomias do implícito/ (quente/luz x frio/sombra). a questão dos percursos que podemos
explícito Eu gosto de dar volume à pintura, va- ou não fazer no Montado. O acaso
Os Quercus spp. trazem para a mi- lorizar a textura que começa logo na (serendipidade) da floresta condiciona
nha pintura, numa relação ontológi- construção do suporte. A textura é o nosso deambular. Os megalitos são
ca, as linhas curvas, as cores e o volu- a festa do volume. É aí que a minha igualmente marcos desse deambular
me através da textura. pintura como elemento que não ne- orgânico aberto. Os cromeleques são
As linhas curvas acentuam a carga cessita de formas, abandona o refe- dessa forma clausuras exteriores por-
dramática da forma desenhada, va- rente. Tal como Kandinsky explica, que marcam um limite virtual entre o
lorizando ainda o espaço cénico/ pode viver em independência total dentro e fora, tal como o Montado e o
coreográfico onde se desenvolve a (3). Assim, o acto de fazer pintura é acaso dos seus troncos.
narração protagonizada pelos movi- para mim necessariamente expressi- Pelo contrário a estrada rompe a flo-
mentos dessas árvores. Estas linhas vo. A tal ponto que nem necessito de resta e traz consigo a vedação como
explícitas são estruturadas/organiza- pensar em árvores, apenas na cor e na marco desse percurso ortogonal, li-
das sobre uma forte estrutura com- massa de tinta em sucessivas camadas mitado/fechado, e que igualmente é
positiva, implícita, ortogonal. Esta é a num crescendo da intervenção que causador de agressão ecológica. Na
primeira antinomia: a linha orgânica acaba quando acabar. minha pintura a vedação é elemen-
versus a linha ortogonal (orgânico x to de agressão e pode ser assumido
ortogonal). Desta dinâmica emana 4. A paisagem palco no limite como decompositor, ou fragmenta-
uma solução de equilíbrio entre a flo- do plano infinito dor, formal da composição através
resta e o homem. O espaço envolvente (paisagístico) de linhas ortogonais que se tornam
terá que ser reforçador desta carga assim explícitas. Outra opção é su-
3. A dança da luz teatral conferida à árvore. Construo primir ou distorcer essas formas em
As cores e a textura organizam a pintu- assim um palco semicircular à maneira elementos orgânicos.
ra em fortes contrastes numa enfática da pintura romana parietal (Os Les-
carga simbólica introduzindo uma mais trigões), pelo que abandono a pers- http://quercusmundi.blogspot.com/
ECO, Umberto – Obra Aberta. Lisboa: Difel, 1989
valia meta linguística. Esta cor explíci- pectiva cónica. Neste palco a perso- [1962]. ISBN:972-29-0039-0
ta tem que ser a consequência de um nagem central (árvore) está equidis- HESS, Walter – Documentos para a compreensão
da pintura moderna. Colecção Vida e Cultura.
claro-escuro implícito protagonizado tante dos restantes intervenientes. Lisboa: Edição Livros do Brasil,s.d.

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CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Pinturas de Rob Miller; A vista do Cromeleque Anta do San Brissos,


Alentejo watercolour
Uma outra Visão do Montado
um pintor inglês no Montado Ibérico
Rob Miller

A cor era um tom rosado muito es- como um anjo. Como posso explicar diferente, o Montado Ibérico. Por
curo, mas brilhante, apesar da sombra em palavras? Pego nas minhas aguare- acaso eu tinha encontrado um novo
com tons de amarelo, causada por um las, na minha tinta, caneta e pincel e, mundo do qual gostei muito.
bando de pequenas aves, que voavam, sobre o meu bloco de papel, registo No ano seguinte, explorei mais pro-
pousando e empoleirando-se por en- esta visão, esta experiência, pintando fundamente a Sierra de las Nieves
tre os ramos. Abaixo, um tremendo como um poeta escreveria. e a Reserva da Biosfera da Serra de
e longo cintilar de amarelo ocre, in- Por vezes as melhores relações que se Grazalema. Finalmente produzi um
tercalados com o ainda mais brilhante podem ter ocorrem por acaso. É as- corpo de trabalho que mostrei na
vermelho cádmio claro e azul pálido sim que acontece, conhece-se alguém Primeira Exposição Internacional de
claro. Tudo ao redor, acima e ao lado, que nunca antes se tinha encontrado; Artes, em Marbella.
era um exuberante verde cobalto sem preconceitos, sem saber quem é Desde então, tenho lido ensaios so-
com tons mais escuros de malva e ou o que faz; nenhuma compreensão bre o Montado Ibérico. Há, ao que
púrpura. Tudo isto começou numa da sua língua, da sua história; do seu parece, muitas questões tais como
profunda sombra que entregou um sucesso, dos seus problemas, da sua mudar as práticas agrícolas, a deser-
calor refrescante à minha pele. Houve alegria ou da sua tristeza. Entramos tificação, o envelhecimento da popu-
uma pausa bem-vinda, na luz ardente, numa sala e, apesar de não esperar- lação, a destruição da floresta. Como
que vibrou desde as pálidas pastagens mos que nada aconteça, lá estão e pintor paisagista que sou, trabalho
amarelo limão que se moviam ao sa- sentimos que já os conhecemos e que duramente para deixar cair todo o
bor do vento, abatendo-se como se gostamos muito deles. intelectualismo de modo a poder es-
fosse o mar contra o bosque de So- Foi a mesma coisa para mim, como tar mentalmente despojado para os
breiros e de pequenas Tamargueiras pintor, quando conheci o Montado dias de pintura, olhando, sentindo e
que debaixo deles se abrigavam. Ibérico. Foi puro acaso. Eu fiquei du- respondendo com linhas sem restri-
Não me surpreende que a Tamarguei- rante alguns meses perto de Estepona ções, formas e cores. Uma pintura
ra seja descrita no livro do Génesis numa urbanização nova no litoral. À vale mais que mil palavras.
como a árvore onde Abraão conheceu nossa volta os blocos habitacionais Diferentes linhas e formas criam di-
Deus, porque a visão que contemplei de betão espalhados entre campos ferentes respostas emocionais nas
foi maravilhosa. Ao lado do ruído da de golfe, sem pararem de engolir o pessoas. As encostas suaves do
criação, num ar que era estático com campo sob um céu cheio de poeira. Montado Alentejano fazem das an-
insectos, pássaros e os cheiros deste Pelo segundo mês eu já estava farto o tigas florestas uma experiência visual
quente solo terroso, uma deliciosa luz suficiente. Fui para a «Sierra». Em 30 única. Os sobreiros e azinheiras a do-
almíscar, que clareou a minha mente minutos tinha entrado numa paisagem minar num grande plano é o clássico

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Tamarisk Casares light in woods Rob Miller


Vines and cork oak Montimor Rob Miller

Alentejo linear, um pequeno grupo agitadas nos lugares onde se obser- e depois vermelhos. Fortes verticais
de sobreiros e azinheiras entre as va o verde exuberante no Alentejo. curvilíneas dominaram tudo, por
pastagens inclinadas conjugam-se Os rectângulos brancos e laranja da baixo de um tecto denso de galhos
com uma floresta mais distante que casa rural e as cores brilhantes das retorcidos, as formas dos homens
se estende até onde os olhos podem mulheres no trabalho nos pequenos pareciam pequenas contra os gran-
ver. Um dia perto de Évora, enquan- vinhais, como junto a Santa Marga- des sobreiros enquanto se moviam
to pintava por minha conta, queria rida, para limpar córregos, oliveiras, numa dança ritual de árvore em ár-
sentir o micro clima da biomassa e árvores de fruto e culturas diversas. vore. Finalmente, eles foram embora
estava um pouco perdido, absorto Fui apresentado ao Alentejo pelo da nossa vista e da nossa escuta e,
por entre um velho e amplo bosque, pintor Manuel Casa Branca, temos em seguida, não havia nada, a não ser
totalmente focado em fazer a minha um interesse comum na biomassa do uma longa e rasante cor-de-malva na
pintura. Ao fundo ouvia esporadica- sobreiro e na tirada da cortiça. Pela linha do horizonte e acima dela, um
mente os chocalhos das vacas, pássa- manhã, acordámos cedo e fomos globo de luz abrasador cor-de-limão,
ros e animais. Então ouvi alguém sus- desenhar os sobreiros dos quais se mais alto ainda tons de cor-de-rosa
pirar, seguido de silêncio. Mais uma estão a tirar cortiça. Dependendo da empoeirados a derreterem-se em
vez ouvi o suspiro e vejo um brilho quantidade de cobertura arbórea, a azul brilhante e depois o infinito.
estreito de folhas movendo-se na mi- mancha de luz muda a situação visual, Todos os anos retorno para pintar en
nha direcção entre 1 e 1.5 metros de movendo-se de ocre quente, onde plein air, expor o meu trabalho, encon-
altura. Um vento de húmida luz to- as árvores foram desbastadas, para trar amigos e juntar-me com um grupo
cou o meu rosto, e depois desapare- o mais frio e mais profundo dos cin- entusiasta de artistas portugueses, es-
ceu. Tentei pintar esta bio sensação zentos verdes na floresta mais densa. panhóis e alemães, poetas e amantes
única. Precisei das minhas pinceladas A oportunidade foi fantástica, o gru- da arte na Herdade do Gavião.
para registar o momento, como uma po de trabalhadores foi muito rápido
nota musical. Como tal vou pintando a trabalhar com ferramentas antigas
cada suspiro, fazendo marcas intuiti- de uma forma primordial. Nós tra-
vas, movendo o meu pincel rapida- balhamos duramente no desenho (Tradução de Manuel Casa Branca)
mente em toda a tela em cintilante enquanto caminhamos, seguindo-
verde cobalto e prata cor-de-malva. -os através da floresta densa, onde
Suponho que quanto a maior for a a vegetação rasteira rasgou a roupa http://www.unep.org/resourceefficiency/
business/sectoralactivities/tourism/factsan-
floresta, melhores os pulmões. e a pele, fomos andando por entre dfiguresabouttourism/impactsoftourism/
Certamente que nas partes mais altas construções rurais abandonadas de environmentalimpacts/tourismsthreemainim-
numa floresta perto Montimor

do Montado, onde a floresta é menor adobe e prados negligenciados. Es- pactareas/tabid/78776/default.aspx


e os solos mais finos parecem exces- tava quente e empoeirado, excepto
sivamente trabalhados, o ar é seco próximo de um pequeno riacho. Eu
A antyigua fazenda

para a pele e a minha paleta torna-se trabalhei em carvão em grandes pa-


mais fulva e semelhante ao deserto, péis orgânicos. O padrão de cores
com apenas pequenas quantidades de iam mudando com o nascer do sol, o
verde distante e azul. Encontram-se meu ponto de interesse deslocou-se
formas mais interessantes e mais dos azuis esverdeados para laranjas

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CADERNO TEMÁTICO MONTADO EM IMAGENS

Daniel Pinheiro

Abelharucos

Lebre
Entardecer - Srª da Graça de Padrões

A região de Neves-Corvo situa-se para o montado de azinho mais muitos habitats à vida selvagem e faz
no limite sul do concelho de Castro denso, que se prolonga para Sul desta região uma das mais ricas em
Verde. É uma zona de transição das até à serra Algarvia.  Este mosaico biodiversidade no nosso país.
estepes de cereais do Campo Branco de várias culturas agrícolas, oferece  

Fotos obtidas durante a produção do documentário “O Cante da Terra” na zona de Neves-Corvo, retratando alguns dos animais e paisagens mais
características que podemos ver no filme. 

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MONTADO EM IMAGENS CADERNO TEMÁTICO

José Alex Gandum

54
CADERNO TEMÁTICO MONTADO EM IMAGENS

Pedro Soares

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

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CADERNO TEMÁTICO MONTADO EM IMAGENS

António Cunha

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Habitar o montado
João Pereira Santos *

Desde sempre que o montado é luz para o interior das habitações” A taipa
local de encontro e convívio entre (Caldeira 2000, 91). Uma vez que A taipa é feita a partir de terra tirada
a natureza e o homem que, rapida- a chuva não abunda, as cobertu- ao solo, a uma certa profundidade, li-
mente, percebeu que aquelas ár- ras, executadas em telha de canu- vre de material orgânico. “O processo
vores de porte digno tinham muito do, apresentam pouca inclinação. consiste em bater a malho, dentro de
mais para dar que apenas a cortiça. Os materiais utilizados são a terra, uma espécie de caixa de madeira sem
Por entre as planícies de montado crua em forma de alvenaria de taipa fundo (taipal), uma mistura de barro
do Alentejo desde há muito que e, em menor escala, adobe, e cozi- com pedriça, apanhada muita vez ao
o homem caça, colhe cogumelos, da em forma de alvenaria de tijolo lado dos muros que se estão levan-
recolhe lenha para fazer o fogo na maciço. A pedra, com exceção das tando. Deslocando lateralmente o
sua casa durante o Inverno e dá de poucas zonas onde abunda, é utili- taipal, obtém-se uma faixa a todo o
comer aos seus animais com o fruto zada essencialmente nas fundações, comprimento do muro que se dese-
do sobreiro, a bolota. Por vezes, o socos e contrafortes Ao nível da de- ja; levantada ela, deixa-se endurecer
homem também é obrigado a vi- coração, a casa tradicional alenteja- a ponto de servir de apoio ao taipal e
ver no montado. Nesse caso, talvez na é de grande simplicidade. A total vai-se assim erguendo sucessivamen-
para não perturbar a essência do predominância do branco da cal é te o muro, desencontrando as juntas
espaço, pacientemente ergue a sua apenas perturbada pela cor, normal- verticais, para obter travação.” (Ri-
modesta habitação. Para isso, utiliza mente verde ou castanha das portas beiro 1961, 49). Esta técnica exigia
o mais natural e discreto dos mate- e janelas, sublinhadas faixa cinzenta, toda uma organização e participação
riais: a terra. azul ou ocre que as emoldura, junta- coletiva, que envolvia o transporte
mente com o soco. da terra, o enchimento dos taipais,
A habitação do montado, no Alen- a sua compactação, a desmontagem
tejo chamada monte, era normal- Como é do senso comum, a constru- dos taipais e a sua remontagem para
mente pequena com poucas di- ção tradicional resulta da utilização, o bloco seguinte. Era normalmente
visões num único corpo, onde se pelo homem, dos materiais que a na- realizada por quatro homens, sen-
incluem as dependências agrícolas tureza coloca à disposição no local. do que dois transportavam a terra e
ou para os animais. “Seguindo os di- No Alentejo, o material mais comum outros dois a batiam. Popularmente
tames da tradição, não se abria nos é a terra. Assim o homem começou diz-se que na execução da taipa a ter-
alçados da casa senão o mínimo de a construir as suas casas em terra, ra deve ser batida por um doido e
aberturas. Como norma, uma só, a operando o milagre de transformar transportada por um coxo, querendo
da entrada, no pé direito da fronta- uma matéria-prima porosa e sem com isto dizer que a demora do car-
ria. Aí se montava a porta de azinho, forma num material altamente resis- regador, por ser coxo, em transpor-
de um só batente, com postigo que tente e duradouro. Para isso, foram tar a terra, permitia um maior tempo
às vezes era quase meia porta. Pela desenvolvidas duas técnicas de cons- de compactação, que, por estar a
porta aberta ou somente pelo pos- trução que se destacam: a taipa e o cargo de um louco, era feita conti-
tigo entrava o quanto baste de ar e adobe. nuamente, sem cessar. As paredes

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CADERNO TEMÁTICO MONTADO

apresentam espessuras que po-


dem variar dos 0,45 aos 0,70 m, de
acordo com a finalidade e as dimen-
sões do edifício, sendo que o mais
comum são as paredes de 0,50 m.
Utilizada essencialmente nas paredes
exteriores, quatro homens conse-
guiam construir uma casa em cerca
de duas semanas.

O adobe
Depois do barro ser extraído, é
amassado e moldado, ou seja, quan-
do no seu estado plástico, cuidadosa-
mente colocado num molde de ma-
deira ou ferro. O molde é retirado, e
os adobes ficam a secar ao sol, devi-
damente empilhados, durante umas
três semanas. São depois utilizados cal que outrora as cobriu, vão ficando madeira para os travejamentos, para
em paredes interiores, em instala- mais baixas ano após ano, até se con- as portas e para as janelas” (Rego
ções para animais, em muros e em fundirem com a terra do solo que lhes 1993, s/p). A casa do montado brota
anexos. O seu emprego é semelhan- deu origem. É impossível, perante tal pois da terra, como se fosse um fruto.
te ao dos tijolos, sobrepostos em visão, reprimir a imagem de um ciclo Fala da ligação à terra, da relação um-
fiada, com as juntas desencontradas, que termina, mas ao mesmo tempo bilical estabelecida entre a habitação e
podendo-se construir à meia vez, à está pronto para se iniciar de novo. o local onde está implantada e onde
vez ou à vez e meia. Talvez devido ao Perfeitamente adaptada ao pulsar do nasceu, diz-nos da continuidade que
seu fabrico familiar, as dimensões dos planeta, esta simbiose perfeita eviden- a habitação representa em relação à
adobes são muito variáveis. cia o carácter ecológico da constru- terra, diz-nos que uma casa de terra
Percorrendo a Serra de Serpa ao ção em terra, num movimento cíclico é no fundo uma espécie de artefacto
fim da tarde de um dia de calor, nos envolvente e intrínseco à sua nature- natural, orgânico, saudável e vivo.
tons alaranjados da terra xistosa com za. “Antes da standardização atual, a Tal como o próprio Montado.
talisca, podem ver-se ruínas que se construção de uma casa era sempre
confundem com o próprio chão, de produção natural de um diálogo con- *Mestre em Design e Cultura Visual.
habitações que tendo terminado o tínuo entre o homem e o meio am- Professor
seu ciclo de vida, iniciaram já o seu biente. A matéria-prima necessária
percurso de regresso às origens. Em em qualquer das etapas da constru- Caldeira, João Mário. 2000. Margem Esquerda
do Guadiana – As gentes, a terra, os bichos.
variações plásticas quentes e inten- ção encontra-se, praticamente toda, Lisboa: Contexto Editora.
sas, estes velhos montes fundem-se disponível num raio de ação curto e Rego, Miguel. 1993. Encontros com Barrancos.
na terra que lhes deu origem. As pa- de obtenção fácil. A terra para a taipa Barrancos: Câmara Municipal de Barrancos.
redes de taipa já descascadas pelos e para a telha; a pedra para as funda- Ribeiro, Orlando. 1961. Geografia e Civiliza-
elementos, que ainda evidenciam aqui ções do edifício ou para o lageado; ção – Temas Portugueses. Lisboa: Instituto
e ali um ou outro pedaço branco da a cana para o isolamento exterior; a de Alta Costura.

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MONTADO CADERNO TEMÁTICO

...Montados dos meus antepassados


Ana Paula Amendoeira*

A noção do tempo no território… “Ser culto é ser de um sítio” , expressão território, também, ou sobretudo, no
qualquer coisa com que não estamos sábia de José Cutileiro, dos seus tempos sentido hiddegeriano, é o verdadeiro
a saber lidar e que está intimamente de antropólogo, ensina-nos o sentido património, é o verdadeiro universal
ligada à espécie humana, à humaniza- da pertença, no sentido cultural, a terri- cultural, é o que nos leva a sentirmos
ção da terra, à construção das pai- tórios que construímos e conhecemos, hoje alguma orfandade que nos vem
sagens, séculos de trabalho regular, aos quais estamos ligados, repositórios progressivamente dessa crescente
colectivo e anónimo, algo que hoje do saber ancestral da organização e da perda e que nos leva a valorizar aqui-
se torna difícil de compreender e de utilização do espaço, à escala huma- lo a que chamamos património.
seguir como exemplo. na, e que associam agricultura, gestão
equilibrada dos recursos, arquitectura, Porque classificamos património? a
Planear, ir fazendo, ver nascer, mes- saberes, dimensões sagradas e mági- resposta mais imediata e assertiva
mo que não se possa ver crescer, cas, pertenças e identidades…e que será sempre: porque lhe atribuímos
deixar aos que virão depois (um sobretudo nos servem para o futuro. um valor! Alois Riegl explica-nos que
sentido verdadeiro para a palavra Aquilo a que se convencionou chamar cada tempo estabelece os seus valo-
património). Não conheço melhor na UNESCO, por razões operativas, res e que a classificação do patrimó-
expressão para mostrar o que é a Paisagens Culturais. nio se fundamenta sempre numa teo-
capacidade do homem construtor ria dos valores. “Património é o que
de território e de paisagem, do que A categoria de Paisagem Cultural dá- tem qualidade para a vida cultural e
o dito, secular, ainda hoje utiliza- -nos assim a possibilidade de articular física do homem e para a existência
do pelos mais velhos no Alentejo: questões como o património cons- e afirmação das diferentes comunida-
“Vinhas minhas, olivais dos truído, o património dos saberes e des (...)”. É neste duplo aspecto, isto
meus pais, montados dos meus dos ritos, o ordenamento do territó- é, o de “Património como valor de
antepassados”. rio, a gestão dos nossos valores natu- identidade e de memória” de uma co-
rais e agrícolas, a produção tradicio- munidade e, sobretudo, o de “Patri-
Esta expressão pode até chegar a ser nal e a economia, a participação das mónio como qualidade de vida” que
comovente, tal é a intensidade da comunidades, o património ambien- ele será cada vez mais falado e se lhe
compreensão fusional com a terra, tal, em suma, o conceito de paisagem dará, futuramente, maior importân-
com a noção do tempo longo e da sua cultural encerra em si mesmo o pres- cia” (...)”é importante classificar. O
inevitabilidade, muito para além do suposto do que se julga entender por Património como tal necessita de ser
horizonte da vida de apenas um ho- desenvolvimento durável mas a que assumido. (...) Classificar para salva-
mem, mas justamente ancorada nessa aqui preferimos chamar bem estar guardar é um bom meio jurídico mas
noção das sociedades tradicionais, tão ou qualidade de vida das pesso-
importante, que é a de uma continui- as que habitam uma paisagem, um
dade que persiste, para além da finitu- território. A categoria de Paisagem
de de um corpo ou de uma vida. Cultural serve-nos portanto muito
mais para o nosso futuro do que para
A consciência de pertença a qualquer apenas revisitarmos o passado.
coisa maior do que nós para a qual Ora, já desde Léon Batista Alberti, no
todos contribuímos. Nós podemos século XVI, que o ordenamento do
ver as vinhas que plantamos a pro- espaço é, na dupla escala arquitectó-
duzirem plenamente. Se plantarmos nica e territorial, pela primeira vez,
olivais, só os nossos filhos os pode- entendido como uma vocação de
rão ver realmente adultos. Quanto uma prática humana específica, a da
aos montados, só poderemos ver competência de edificar. Já então se
em plena pujança aqueles que nos destacava o papel da escala humana
foram deixados pelos nossos ante- na criação, na compreensão efectiva
passados. E no entanto sempre se dos territórios, dos lugares, das pai-
fez assim. Esta prática cadenciada de sagens e dos respectivos modos de
plantar montados, olivais e vinhas, de vida, da assumpção das diferenças e
construir a sério com durabilidade de da diversidade, papel este hoje cada
Foto: Eduardo M. Raposo

séculos, muitas vezes com enorme vez mais ameaçado e posto em cau-
esforço, pelo bem comum. E é assim sa, mas que devemos defender, so-
que as paisagens culturais nos chega- bretudo os que dele têm consciência.
ram, com a noção do tempo, com a
compreensão do território, com a Essa competência humana, antropo-
pertença aos sítios. lógica, de construir e de habitar o

60
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

é pouco (...) classificar bem é uma que deveria ser a lista indicativa de bem que temos na nossa região cum-
contínua chamada de atenção para forma a poder contribuir de forma pre os principais critérios da UNES-
a reflexão (...) o património tem que exemplar para a correcção dos dese- CO. Cumpre os critérios do Valor
ser aceite e estimado e não apenas quilíbrios identificados pela UNESCO Universal Excepcional, de Autenti-
protegido. Ele não é uma simples re- ao nível do Património Mundial com a cidade, de Integridade e os critérios
serva, mas antes uma abraçável acei- decisão do Comité, conhecida como culturais de paisagem definidos pelo
tação. Como património é qualidade, decisão de Cairns, em 2000. Nesse Comité. Falta construir ou concluir
nem tudo é classificável.” documento, que produzi em 2004, a proposta, definir zonas candidatas
Estas afirmações de Carlos Alberto por decisão do então Presidente da e zonas tampão, elaborar um bom
Ferreira de Almeida poderiam re- Comissão Nacional da UNESCO, Dr. plano de gestão, fazer um bom es-
sumir todo um programa sobre as José Sasportes, tive a oportunidade tudo comparativo. Falta muito mas o
questões relacionadas com o valor de sublinhar a importância de uma principal existe: o Valor e a qualida-
e por isso também com o significa- estratégia de futuro nestas coisas do de de que falava acima e ainda mais
do que podemos dar à classificação património mundial sobretudo no que a possibilidade efectiva de defender
daquilo a que hoje chamamos patri- então dizia respeito à categoria de esta candidatura como estratégica
mónio. Convém lembrar que como Paisagem Cultural: “ O trabalho para para uma região do Sul da Europa,
nos alerta sistematicamente desde há equilibrar a representatividade desta onde Portugal ganha aos pontos. Esta
vários anos Françoise Choay, a noção categoria (paisagem cultural) na Lis- candidatura e o que ela pode repre-
de património é em si mesma fruto ta do Património Mundial poderá ser sentar em termos de protecção e de
de uma amálgama conceptual no sen- um importante meio de contribuição visibilidade desta paisagem cultural
tido em que ela funde, de uma forma para o desenvolvimento e correcção única no mundo é, deve ser, um de-
que se pode considerar pouco ou de assimetrias. A sua relação clara sígnio estratégico para a nossa terra
nada operatória, as noções de mo- com o conceito de desenvolvimento e um reconhecimento e homenagem
numento e de monumento histórico durável constitui assim um instrumen- ao trabalho anónimo de séculos dos
confundindo as razões da memória e to privilegiado para promover a par- nossos antepassados.
da identidade com as da estética e da ticipação do património mundial nos O processo não será fácil e será
arte. São como sabemos coisas dife- processos de desenvolvimento inteli- preciso muito trabalho e, depois da
rentes e nem sempre coincidentes. gente, uma vez que constituem sábias inscrição, muita determinação para
Mas o que classificamos tem que ser intervenções, com sucesso, no que diz continuar a garantir internamente a
sempre, para além de património, respeito ao ordenamento do territó- integridade, a autenticidade e o valor
também contemporâneo, tem que rio, à gestão inteligente dos recursos, desta paisagem. Porque as inscrições
ter um valor prospectivo como dizia a uma histórica atitude ecológica face na lista do património mundial tra-
Croce, no sentido do presente e do aos desafios do desenvolvimento. To- zem consigo riscos. Muitos. Mas não
futuro. Quer dizer, é o património, o das estas características são recursos tenho dúvidas de que se trata de um
que tem qualidade, que nos transmite para o nosso futuro. A Lista Indicativa projecto de futuro para o Alente-
a mais importante função antropoló- Portuguesa pode intervir na inclusão jo e para Portugal. Sobretudo nesta
gica que estamos a perder: a nossa de categorias dentro das quais temos conjuntura em que dispomos de um
competência antropológica de edifi- património representativo, ex- plano de Acção Regional estratégico
car e de habitar o território, de cons- cepcional, de importância mun- para a região que privilegia esta visão
truir paisagem. Não existe mensagem dial, associado, por exemplo, a para a aplicação dos fundos europeus
mais contemporânea do que esta. sectores estratégicos da nossa para os próximos anos.
E o Montado nisto tudo? economia (exemplo: a paisagem Estamos ainda e sempre a tempo de
O “montado dos meus antepassados” cultural do montado associada à lembrar e seguir as sábias e duras pala-
não pode estar mais entranhado nes- liderança na produção mundial vras do pensador francês André Chas-
ta visão contemporânea do que pode de cortiça). Este exemplo, entre tel que no início dos anos noventa do
ser o património e em especial do que outros, permite-nos ter a certeza que século XX antecipava os problemas
podem ser as paisagens culturais. Já poderemos construir uma lista indica- que os bens patrimoniais iriam ter
em 2004, há exactamente dez anos tiva importante para o país, homogé- que enfrentar com a voragem do de-
quando integrei em representação nea, correctora de desequilíbrios e de senvolvimento pouco inteligente. Ele
do ICOMOS Portugal, o Grupo de assimetrias, contribuinte para um mo- lembrava-nos de que nada se faz sem
Trabalho constituído pela UNESCO delo de desenvolvimento durável “. escolhas: “Talvez seja este o momento
para a elaboração da Lista Indicativa É certo que dez anos passados, a pai- de recordar que em todas as socieda-
de bens a candidatar por Portugal à sagem cultural do montado não cons- des, o património reconhece-se no
lista do património mundial propus ta ainda da lista indicativa portuguesa. facto de que o seu desaparecimento
que a paisagem cultural do montado Deveria ser proposta o mais rapida- constitui um sacrifício e que a sua con-
fosse inscrita. É verdade que a propos- mente possível, tem todas as condi- servação implica sacrifício. É esta a lei
ta não colheu aprovação (as decisões ções agora para ser incluída, uma vez de toda a sacralidade”.
eram tomadas por consenso e este que está em curso o trabalho prepa-
esteve longe quando esta propos- ratório do dossier de candidatura por
ta foi apresentada, era cedo demais) iniciativa louvável da Entidade Regio-
mas ainda assim foi possível elaborar nal de Turismo e do seu Presidente *Directora Regional de Cultura do Alentejo
um documento estratégico sobre o Dr. Ceia da Silva. Considero que este Presidente da Comissão Portuguesa do ICOMOS

61
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

A lã e as tecnologias do montado
no contexto do turismo e desenvolvimento
Ana Pereira Neto *

Enquanto ecossistema, ressaltando todo o conjunto de elementos re- Em Monsaraz Mizette consegue ain-
as componentes natural e cultural, o lacionados com a imaterialidade da da manter a única fábrica artesanal
montado tem um conjunto de dinâ- cultura. A tecelagem, com lã, é uma de tecelagem, em funcionamento
micas impulsionadas por tradições das tecnologias de abrigo que re- com teares semi-manuais, da Euro-
imensuráveis no tempo que se cons- quer atenção. pa e de Portugal, estando a produzir
tituem como elementos caracteriza- Um pouco por todo o país se en- mantas e tapetes para particulares
dores de identidades locais. contram, em tourist’s houses sob e “muitos hoteleiros”, segundo nos
Num contexto turístico em que a a falsa designação de mantas alen- disse em conversa tida em setembro
genuinidade dos locais e dos pro- tejanas tradicionais, produtos que deste ano, havendo, na calha, pro-
dutos é um marcador de atração nada têm de genuíno, nem no que jetos inovadores com algumas das
valorizam-se os esforços da socie- respeita à origem, à matéria-prima, mais prestigiadas marcas de design
dade civil para o seu realce, tendo e à forma – no que concerne aos de moda italianas.
em conta que, no contexto sócio- padrões. A preservação do equipa- Nobreza, Alentejo, Património,
económico presente há que conhe- mento e do conhecimento das téc- Arte, são palavras que ressaltam do
cer bem os recursos que possam nicas de fabrico é fundamental para site da Fábrica Alentejana de Lanifí-
reforçar a identidade bem como ter que seja possível dar continuidade a cios e que fazemos nossas em prol
o arrojo para proceder à inovação algo que é genuíno e caraterizador da divulgação da identidade regional
dos mesmos, fundamentados na tra- de uma região. Queremos, assim, no contexto em que um dos seus
dição. Na ótica do desenvolvimento deixar uma nota de apreço ao traba- valores caraterizadores é, justamen-
torna-se, assim, relevante toda a di- lho desenvolvido por Mizette Niel- te candidato ao reconhecimento
namização que possa existir onde se sen, que apesar de todas as dificul- a Património da Humanidade pela
inclui atividade de recolha/registo / dades sentidas no meio empresarial, UNESCO.
inventariação e certificação de re- se empenha – por paixão – em dar
cursos e produtos que possam es- continuidade à arte popular com ra- *Docente no ISEC,
tar relacionados com as tecnologias ízes milenares na tradição da cultura Presidente da Secção de Turismo da
de alimentação, abrigo, bem como do montado. Sociedade de Geografia de Lisboa
/41/35/7/0722e37f-0995-4ed8-b829-1e449666e037_LARGE.jpg, em 17/02014.
Padrão de manta alentejana retirado de http://img.pai.pt/mysite/media

62
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

O sobreiro em Santiago do Cacém


Santiago do Cacém é, desde sem- a planície litoral e a planície cere-
pre, caracterizada pela importância alífera do interior e que devido à
do seu montado e sobreiral, sendo proximidade do mar cria condições
considerados uns dos mais valiosos ecológicas específicas. O seu clima
do país. Presentemente possui a 4.ª de influência atlântica é mais mo-
maior mancha florestal de sobrei- derado e devido às diferenças de
ro e a maior do distrito de setúbal temperatura e precipitação a ve-
(cerca de 46.000 ha) ocupando getação apresenta características
mais de 75% da área florestal do próprias.
município. A densidade do arvore-
do é aqui também bastante supe- Os povoamentos suberícolas para
rior ao restante do território. além da sua função produtiva di-
recta, produzem bens e prestam
A paisagem atual é o resultado das importantes serviços ecológicos
transformações operadas pelo Ho- à sociedade que, por não terem
mem sobre a natureza para colma- mercado no sentido económico do
tar as suas necessidades e o seu de- termo, dificilmente se podem con-
senvolvimento, esta não pode ser tabilizar.
deteriorada para não se perderem
irremediavelmente valores históri- Ao nível turístico uma das apos-
cos, culturais e naturais que são a tas do município prende-se com o
chave da identidade dos lugares e aproveitamento dos espaços arbo-
das suas populações. As paisagens rizados e a sua ligação próxima ao
do montado desde sempre sofre- turismo em espaço rural (TER), ao
ram modificações, ainda mesmo agroturismo, ao ecoturismo, a áre-
antes de qualquer acção humana a as transversalmente importantes
acção natural dos elementos ope- como a gastronomia, a cinegética
raram transformações que criaram e o artesanato, através da valoriza-
as realidades geográficas sobre as ção económica do território a par
quais se implantaram as atividades do desenvolvimento sustentável
humanas. No município de Santia- dos recursos endógenos, estratégia
go do Cacém são de especial im- mais eficaz do que a simples aplica-
portância as paisagens do montado ção de medidas estritas de conser-

Fotos: Pedro Soares


de sobro e azinho e o sobreiral das vação das espécies e dos habitats,
encostas da serra e merecem, pela reunidas sob o chapéu duma ótica
sua beleza, biodiversidade e impor- de engenharia turística em defesa
tância socioeconómica, continuar a das populações locais.
ser apreciadas e conservadas por
todos. Santiago do Cacém é um dos pro-
motores da candidatura do mon-
O montado de sobro e azinho de- tado a património da humanidade
verá ser olhado não apenas pela mas é também um dos parceiros
sua importância geográfica no mu- para a execução das cartas do pa-
nicípio mas também pela sua im- trimónio cultural e do património
portância socioeconómica, biofísi- natural do litoral alentejano nas
ca, faunística, florística e, também, quais o montado tem igualmente
pela tradição e importância dos sis- lugar destacado.
temas agro-silvo-pastoris na região O município de Santiago do Cacém
mediterrânica. é, e assim pretende continuar, um
defensor da cultura do sobreiro e
Os sobreirais das encostas da serra do montado seja na promoção do
Foto: Eduardo M. Raposo

são um tipo de paisagem caracte- seu cultivo seja na criação de con-


rizador da região de Santiago do dições para o estudo, defesa, classi-
Cacém. As serras de Grândola e ficação e promoção das atividades
do Cercal estendem-se na direção a eles associadas.
Norte-Sul e surgem como ilhas de
relevo que fazem a transição entre C. M. de Santiago do Cacém

63
ENTREVISTA

UMA ABORDAGEM DEVANEADORA


SOBRE O MONTADO
Rogério de Brito

Na Primavera, charnecas e monta- paz invade-nos. A noite abençoa-nos a sua fruição, mais do que ser dos
dos cobrem-se com um manto co- com uma serenidade plena que nos faz alentejanos deve ser património
lorido bordado pela natureza. Poder sentir parte integrante da paisagem. mundial, protegido e valorizado
desfrutar desta paisagem policromá- Este bem-estar, esta riqueza pai- também nas suas funções e dinâmi-
tica transporta-nos ao êxtase. sagística e ambiental, este tesouro cas humano-social e económica.
O nascer do dia no montado é ver- único de biodiversidade e habitat, e
dadeiramente arrebatador. Os odo-
res que a terra liberta inebriam-nos,
despertam-nos os sentidos. A mu-
sicalidade dos chocalhos, o balido e
o mugir do gado, que acompanham
a circulação dos rebanhos para as
pastagens, o vozear dos tiradores da
cortiça, o bater dos seus machados
e o estalar da cortiça a ser descas-
cada, fazem parte de uma sublime
partitura. Em cada alvorada a vida
renasce “como um hino à alegria”.

Rompe a aurora, nasce o dia


iluminando o montado.
Como um hino à alegria
ouve-se balir o gado.

Roxo verde e amarelo,


olho à volta é o que vejo.
Não há nada assim tão belo,
ó meu querido Alentejo.
(...)
De poema de Hermínia Gaidão Costa

Mais tarde chegará o calor sufo-


cante. Quando o estio toma conta
das planuras, encostas e chapadas,
tudo estiolando, e o amarelo quei-
mado domina a terra ressequida, é
o montado austero que a adoça e
suaviza a paisagem. É na sombra dos
montados, debaixo dos sobreiros e
azinheiras, que se acolhe o gado e
se resguarda o homem, que se pre-
serva a água fresca na bilha de barro
que há-de dessedentar as gargantas
secas. Sente-se um convite à indo-
lência, o torpor agarra-se aos cor-
Fotos: Rogério de Brito

pos, o tempo parece escoar-se mais


lentamente.

Quando chega o entardecer e o ca-


lor amorna, o silêncio toma conta do
montado. Um profundo sentimento de

64
ENTREVISTA

Comissão Científica - Inquérito


que complementavam a sua alimenta- motivar não só a sua recuperação pai-
ção com a bolota. As varas de porcos sagística, como obrigar à reintrodução
são de introdução mais recente, nunca dos rebanhos de ovelha indispensáveis
anteriores so século XVII. Neste clima à sua salvaguarda e à sua função econó-
muito seco e quente, com um terreno mica num futuro não muito longínquo.
protegido pela sombra de sobreiros e
azinheiras e também beneficiando da 3. Acredita que esta
adubação natural dos rebanhos, cres- candidatura será bem
ceram e desenvolveram-se ao longo sucedida?
de varios milenios uns pastos de gran- O sucesso pode estar assegurado se
Cláudio Torres * de qualidade caracterizados por uma forem cumpridas algumas condições
anormal concentração e variedade de que considero indispensáveis.
1.Qual a importância especies por decímetro quadrado. Concluir com êxito os estudos em cur-
do montado? so para delimiter com rigor as zonas
Ao contrário dos vinhedos do Douro 2. Que benefícios pode o país, que se pretende classificar. Estas áreas
que se destacam pelo complexo sis- e o Alentejo em particular, de interesse máximo no território por-
tema de socalcos que humaniza uma retirar desta candidatura? tuguês, devem ser limitadas, bem sinali-
paisagem excepcional, o montado alen- Nos últimos anos esta paisagem tem zadas e cientificamente controladas.
tejano distingue-se pelo seu carácter vindo a ser destruida devido a interes- As zonas a classificar, com uma exten-
único a nível mundial. É também uma ses imobiliários como foi o caso recen- são assumidamente limitada, devem
paisagem antropizada criada ao longo te da Herdade do Rio Frio, devido a estender-se a alguns territorios da
dos séculos por comunidades de pas- varias doenças que continuam a afectar Estremadura espanhola e também ao
tores. Se hoje o gado dominante é a os sobreiros e azinheiras e sobretudo Rife marroquino.
vaca, devido sobretudo aos subsídios devido a um desinteresse a incuria das
europeus, historicamente sempre fo- entidades oficiais. O reconhecimento
ram exclusivos os rebanhos de ovelhas do interesse cultural do montado pode *Director do Campo Arqueológico de Mértola

nem sempre é social e politicamente 3. Acredita que esta


reconhecida e contrasta com a sua fra- candidatura será bem
gilidade em relação a vários dos riscos sucedida?
sistémicos que afetam as sociedades O êxito da candidatura depende de
contemporâneas. fatores distintos e que controlamos
de forma bastante desigual. A robus-
tez técnico-científica dos argumen-
2. Que benefícios pode o país, tos apresentados, os apoios que a
e o Alentejo em particular, candidatura conseguir mobilizar ao
retirar desta candidatura? nível nacional e internacional e a ca-
João Serrão * A preparação da candidatura deverá, pacidade de persuasão das pessoas e
desde logo, constituir um momento entidades nela envolvidas serão cer-
1.Qual a importância mobilizador das populações e dos tamente decisivos. Mas esta candida-
do montado? diversos agentes da região, mas tam- tura irá competir, em condições nem
O montado corresponde a um com- bém da sociedade civil e de decisores sempre transparentes ou equitativas,
plexo geo-histórico único no mundo, nacionais e internacionais em geral, com outras candidaturas também
em que ecologia, sociedade, economia em torno de uma finalidade comum. valiosas. O desfecho final é, por isso,
e cultura interagiram e se reforçaram Colocar o montado – o seu valor e imprevisível. Mas esta situação de in-
reciprocamente ao longo dos tempos, significado – nas agendas política, me- certeza deve constituir um estímulo
constituindo um todo coerente, com diática e mesmo científica é essencial adicional para quem acredita que a
elevado valor patrimonial e simbólico para lhe conferir maior visibilidade e candidatura do montado a Patrimó-
mas demasiado vulnerável a fatores reconhecimento, concitar apoios mais nio Mundial é um imperativo que
de difícil regulação e controlo, como fortes e diversificados e, por essa via, transcende as fronteiras nacionais e
o declínio demográfico, a globalização melhorar a capacidade de as institui- não um mero capricho de um núme-
da economia ou os efeitos das altera- ções, comunidades e agentes econó- ro limitado de amantes do montado
ções climáticas. Ainda que por motivos micos do Alentejo se adaptarem, por e do Alentejo.
distintos e com graus de incidência di- antecipação, aos riscos sistémicos
versificados, a importância material e referidos e aproveitarem as novas
imaterial do montando é indiscutível ao oportunidades existentes num mundo
nível local, regional, nacional e mundial. globalizado mas carente de ativos ter- *Investigador e Coordenador do Instituto de
Mas esta importância do montado ritoriais qualificados e singulares. Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

65
ENTREVISTA

“Candidatura tem condições


para ter sucesso”
Roberto Grilo
Vice-presidente da CCDRA

O Montado é “um ponto focal nutrientes (em particular do carbo- territórios mediterrânicos, consti-
da biodiversidade europeia, no) e o seu potencial cénico para tuem pontos focais da biodiversida-
cuja importância justifica for- as actividades de lazer e de recreio. de europeia, cuja importância justifi-
mas de gestão que garantam a Mas a  importância desta paisagem ca formas de gestão que garantam a
sua sobrevivência”, afirma Ro- transcende o mero carácter de sua sobrevivência
berto Grilo, vice-presidente da exemplo de aproveitamento de re- A valorização que advém da apro-
Comissão de Coordenação e cursos naturais, por se revelar tam- vação da candidatura poderá con-
Desenvolvimento Regional do bém na componente social e cultu- tribuir para garantir a manutenção
Alentejo (CCDRA). A aprova- ral quando se procuram referenciais do ecossistema ao possibilitar uma
ção da candidatura do Montado de descrição deste território. articulação de esforços entre os
a património da humanidade Perante este conjunto de razões a diferentes sectores que podem be-
“poderá contribuir para ga- CCDR Alentejo, pelas competên- neficiar com a existência e a preser-
rantir a manutenção do ecos- cias que lhe estão acometidas, não vação desta paisagem. Esta  valori-
sistema ao possibilitar uma ar- pode nem deve, deixar de se asso- zação tem reflexos à escala de toda
ticulação de esforços entre os ciar à candidatura desta paisagem a a região uma vez que a mancha mais
diferentes sectores”. O êxito da património da humanidade. significativa de montado na sua área
mesma, considera, dependerá   de distribuição é a do Alentejo.
não apenas da fundamentação Quais benefícios para a região
técnica, mas sobretudo do em- decorrerão da aprovação desta Pensa que a candidatura tem
penho dos alentejanos. candidatura?  possibilidades de ser bem
  A classificação do montado a pa- sucedida? 
trimónio da humanidade significa A importância  desta paisagem num
Que razões levaram a CCDRA o reconhecimento, a uma escala contexto mundial é impar. Há que
a associar-se ao projecto mundial, de uma paisagem cultural fortalecer a candidatura, não se con-
de candidatura do montado a única e, como tal, a perspectiva do substanciando meramente  ao con-
Património da Humanidade?  aumento da sua valorização. teúdo formal e à argumentação téc-
O povoamento florestal que desig- Uma componente inerente a esta nica, mas com o apoio e empenho
namos por montado constitui, à es- paisagem é a sua dinâmica, estrita- dos principais  dinamizadores da vi-
cala regional e nacional, um  ecos- mente dependente da actividade hu- vência sustentável do território, “os
sistema de referência que resulta mana, ou seja, só é possível manter alentejanos”.  Desde o  processo de
de uma transformação da paisagem o montado se mantivermos a acti- candidatura e  pela nossa participa-
com benefícios do ponto de vista vidade humana que lhe deu origem. ção na comissão executiva, estamos
da produção agro-florestal, da bio- O montado, bem como outras pai- confiantes de que a mesma tem con-
diversidade e dos serviços ambien- sagens agrícolas características dos dições para ter sucesso. 
tais. Este sistema, que traduz uma
simbiose secular entre a acção do
Homem e um sistema florestal me-
diterrânico, é, certamente, a paisa-
gem mais emblemática, simbólica e
genuína da região Alentejo.

Do ponto de vista agro-florestal e


ambiental os montados são dos me-
lhores exemplos, a nível das paisa-
gens europeias, de sustentabilidade.

Do ponto de vista económico o


Pintura: António Galvão

valor do montado não se limita


aos produtos que resultam directa-
mente da sua exploração, mas in-
clui também os serviços ambientais
no âmbito do ciclo da água e dos

66
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Fotos: Eduardo M. Raposo


Talhar a Vida
João Morales

Da cortiça e da madeira, Arlindo Pir- O que predomina nas suas criações colheres com o cabo talhado («o
ralho faz nascer, à navalha, animais são as corujas e os mochos. «Gosto meu pai, que era maioral [guardava
homens, mulheres e objectos que muito da ave» e, além disso reza len- gado bravo] já fazia umas colheres
trazem consigo a memória local. Mas da ter sido «o animal que deu nome à em madeira»), cegonhas, um painel
também a sua. terra», recorda-nos este natural e re- em castanheiro com a evocação da
«Há cerca de seis anos vim trabalhar sidente do Couço, no Concelho de… Anta de Pavia (localidade vizinha),
para a escola primária da terra. Um Coruche, como alguns já adivinharam. única de que há registo no centro de
dia, encontrei um tronquinho… e A fórmula é quase sempre, como ex- uma povoação, ou uma encomenda
não parei mais», resume, singelo e plica este artista auto-didacta, «paci- do Boxer Club de Portugal, com o
simpático, Arlindo Carvalho, 66 anos ência, dedicação e aquilo que nasceu perfil do canídeo correspondente.
em 2014, artesão amador (no senti- connosco», no seu modo eufemísti- Logo à entrada, uma ceifeira, evi-
do camoniano, quando “transforma- co e humilde de nomear o talento. A dência telúrica do local e do sentir
-se o amador na coisa amada”) que ligação à natureza, essa, é antiga. «Eu que por estas bandas se vive con-
da madeira e da cortiça gerou os tra- vinha de Beja, da Construção [Civil] tinuamente, acolhe-nos com a sua
balhos agora alinhados nas pratelei- e passava por umas oliveiras muito, moldura habilmente talhada, espécie
ras da sua garagem. muito antigas… eu gosto muito de de andor a toda a volta que ajuda a
Depois de uma vida na dureza da cons- ficar a olhar para aquelas árvores». centrar atenções no seu olhar cândi-
trução civil, Arlindo povoa a sua con- Há quase resquícios de um panteís- do. Neste caso, o material usado é
dição de reformado com as magníficas mo inconsciente e ancestral nestas raiz de Oliveira, a inspiração, essa,
peças a que vai dando forma, novo palavras… é remanescente do imaginário e da
modo que encontrou de dar uso às Nesta sala, há javalis e outros bichos memória do autor.
habilidades manuais com que nasceu. em convívio com figuras religiosas, Mostra e vende a sua arte em feiras
Cortiça e madeira, várias, como o so- como a dupla protagonizada pela várias, em Coruche, Mora, Lisboa
breiro ou a raiz de Oliveira, moldam na Senhora do Castelo – com as mãos [Feira Internacional do Artesanato],
sua matéria-prima figuras que ajudam ajuntadas em prece, mas saindo do ou Badajoz, e até já foi convidado
a cristalizar e transmitir a iconografia, meio do tronco, o que dá um ar es- para ir mostrá-la à Escola Profissional
memória, as lendas e as tradições, os tilizado aos braços que não chegam de Coruche.
hábitos e as funções. E quase tudo é a nascer – e o Menino, alegremente Duas imagens alertam-nos para ou-
feito à boa maneira alentejana, «com com os dedos da mão direita ergui- tra face do poliedro que é qualquer
uma navalhinha», explica-nos, quase dos em “V”, sabe-se lá de que vitória. homem: um par de rostos de perfil
timidamente, o nosso anfitrião. Mas há muito mais. Porta-chaves, denuncia imediatamente a estética

67
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

africana. E a razão é igual à de tantos


outros, expressa quase por monos-
sílabos para despachar o assunto:
«Estive em Angola… na Guerra…
dois anos». Anos de mais? «Anos de
mais», concorda, por entre dentes.
Os filhos têm a sua vida, por Lisboa,
mas o neto, com apenas três anos,
já manifesta algum interesse em ma-
nusear a cortiça e fazer passar por
ela a navalha. Fechada, é bom de
ver. Mas, quem sabe, não estará ali
o continuador da arte.
Uma última palavra para o Zé Povi-
nho que assoma de uma das pratelei-
ras. Ostenta o tradicional manguito, a
barba icónica, umas calças coloridas
a verniz. Mas e, os olhos? Porque es-
tão aqueles olhos pintados de forma
quase estrábica, a mirar tão de lado a
vida? Arlindo esclarece, «Foi propo-
sitado, está com medo que lhe rou-
bem a carteira…»

Fotos: Eduardo M. Raposo

68
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Novos caminhos para novos


produtos da cortiça
Rogério de Brito

São inúmeras as áreas e produtos dos produtos, tendo César Correia, prima, a cortiça. A “pele” de cortiça
da indústria em que a cortiça está filho do fundador, constituído a Nova tem propriedades únicas. É extrema-
presente. O principal e porventura Cortiça, empresa familiar, e conferi- mente leve, é flexível, é impermeá-
mais vulgarizado, é a rolha. Mas as do o decisivo impulso. Em 1986 a vel à água e aos gazes, é resistente
suas qualidades excepcionais, o es- empresa especializou-se na pro- e isolante. A textura é de enorme
tudo das mesmas e a evolução tec- dução de discos de cortiça natural suavidade e tem um odor subtil a
nológica, permitiram alargar o seu para o fabrico de rolhas de cortiça, madeira seca. Sendo quase inesgo-
uso em múltiplos domínios. A sua ganhando uma importante participa- tável o potencial deste produto da
aplicação estende-se desde a cons- ção no mercado, com uma produção cortiça e não faltando a indispensá-
trução civil, às indústrias aero - es- média, diária, de milhão e meio de vel capacidade criadora e inovadora,
pacial e náutica, chegando até à quí- discos. é legítimo perguntar até onde pode
mica farmacêutica. Como exemplos chegar a utilização da “pele” de cor-
podemos referir a sua aplicação nos Possuidora de moderna e sofistica- tiça, em que novos domínios pode
isolamentos acústicos e vibratórios; da tecnologia, a Nova Cortiça veio a desenvolver-se.
nos revestimentos de paredes e pa- ser o suporte para a materialização
vimentos e nos vedantes. Mas o ho- do sonho e da criatividade impulsio- Em 2011 Sandra Correia recebeu
rizonte das aplicações da cortiça está nadora de Sandra Correia, filha de o Troféu de Melhor Empresária da
longe de se esgotar. Ele parece ser César Correia. Tudo começou em Europa, atribuído pelo Parlamento
tão vasto quanto a capacidade criati- 2003, quando Sandra apresentou pu- Europeu e conselho Europeu de Mu-
va do ser humano. blicamente, com enorme sucesso, a lheres Empresárias. Prémio mereci-
sua primeira criação, um guarda-chu- do e forte estímulo para continuar e
Em 1935, António Correia criou a va produzido em “pele” de cortiça. crescer.
sua pequena corticeira em São Brás A partir daqui, com a marca Pelcor
de Alportel. Da cozedura com água foram criados produtos inovadores Registada no Turismo de Portugal, a
até ao vapor, da faca e tornilho até para casa, escritório e acessórios de Nova Cortiça constitui hoje impor-
à broca automática, da escolha ma- moda, com uma forte ligação ao de- tante atração turística no Algarve,
nual à electrónica, o percurso desta sign e à inovação criadora, cujo su- promovendo a Empresa, mas pro-
empresa foi feito de persistência e cesso nos mercados interno e exter- movendo também e sobretudo a
constante evolução das tecnologias e no reside particularmente na matéria cortiça e o montado.

69
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

APCOR ao serviço
da indústria da cortiça
A Associação Portuguesa da Cortiça A maioria das empresas encontra-se saldo da balança comercial de pro-
(Apcor) é a única associação nacional situada no distrito de Aveiro, com dutos de cortiça, em 2013, cifrou-se
que representa a indústria da cortiça. cerca de 81,5 % do total, seguido em 699,5 milhões de euros, o que
Nasceu em 1956, em Santa Maria de por Évora com 6,4 %. equivale a uma taxa de cobertura
Lamas, concelho de Santa Maria da Fei- das exportações face às importa-
ra, no coração da indústria da cortiça. ções de 616,2%.
Possui 265 associados, que repre- Dados chave do sector da cortiça
sentam 80% da produção nacional A indústria da cortiça é responsável As rolhas de cortiça continuam
e mais de 85 % das exportações de pela sustentabilidade de cerca de 600 a liderar as exportações portugue-
cortiça e que cobrem todos os sub- empresas a nível nacional, com uma sas de cortiça, assumindo o valor de
-sectores da indústria - preparação, representação muito forte no distri- 571,1 milhões de euros exportados
transformação e comercialização. to de Aveiro (79 por cento) e que (68,4%), seguido da cortiça como
Promover e valorizar a cortiça e empregam mais de oito mil operários material de construção com 233,2
os seus produtos, assim como re- (Fonte: Ministério do Trabalho e da milhões de euros (27,9%).
presentar e apoiar as empresas do Solidariedade Social - 2011).
sector nos mais variados domínios Relativamente aos países importado-
são os objectivos da Apcor. As exportações portuguesas de corti- res de produtos de cortiça, a França
ça registaram, em 2013, 835,1 milhões continua a ser o principal mercado
Conta com uma equipa altamente pro- de euros. Um valor ligeiramente infe- com 19,36% do total exportado,
fissionalizada, reunindo competências rior (0,19%) a 2012 que se ficou pelos equivalendo a 161,7 milhões de eu-
nas mais diversas áreas do saber, de- 836,8 milhões de euros, segundo di- ros, seguido dos EUA com 16,94%
senvolve um conjunto de actividades, vulgou o Instituto Nacional de Estatís- e 141,4 milhões de euros. Dos dez
serviços e projectos que visam o au- tica (INE). No que toca ao volume ex- principais países importadores dos
mento de competitividade do sector. portado, a tendência foi contrária, sen- produtos portugueses de cortiça, que
As principais áreas de intervenção são: do que de 2012 para 2013 registou-se representam cerca de 79,6% do total
Internacionalização; Inovação e De- um aumento de 4,2%, o que signifi- exportado por Portugal, seis perten-
senvolvimento; Informação; Serviços cou uma subida de 193,1 para 201,2 cem à Europa (56%), sendo os res-
de Apoio; Qualidade; Contratação milhares de toneladas. tantes 23,6% distribuídos pelos EUA,
Colectiva; e Cooperação Institucional. Chile, China e Argentina.
As empresas associadas da Apcor, Em relação às importações portugue-
em termos de dimensão, dividem-se sas de cortiça, no ano de 2013, houve De registar que a nível mundial
pelas seguintes categorias: Micro Em- um ligeiro aumento de 2% em valor e o sector da cortiça continua a lide-
presas (até 5 trabalhadores) - 55,09 4% em massa, em relação a período rar o mercado de vedantes, repre-
%; Pequenas Empresas (6 a 19 traba- homólogo do ano anterior, atingindo sentando mais de 65 por cento do
lhadores) - 27,17 %; Médias Empre- valores de 135,5 milhões de euros total, o que equivale a mais de 12
sas (20 a 100 trabalhadores) -13,96 e 78,4 milhares de toneladas. mil milhões de unidades.
%; e Grandes Empresas (+ de 100 Da conjugação dos dados anterior-
trabalhadores) - 3,77 %. mente apresentados, resulta que o

70
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Comunicação permite solidificar Factores de Competitividade) e 20


a preferência pela cortiça por cento pelos associados da Apcor.
A Apcor desenvolve desde 1999 Ao nível do público-alvo, a campanha
campanhas de comunicação para será focada no consumidor e líderes de
promover a cortiça, os seus pro- opinião, uma vez que os primeiros conti-
dutos e as empresas do sector. O nuam a ser os maiores aliados da cortiça
InterCork II Promoção Internacional - como demonstrado nos estudos rea-
da Cortiça, campanha actualmente lizados no InterCork I onde, em média,
em curso, é já a sexta campanha de 83 por cento dos consumidores prefe-
comunicação desenvolvida e será rem a cortiça; e os segundos, porque
um projecto para dar continuidade continuam a ser os principais influencia-
às acções executadas no InterCork, dores junto das caves, supermercados
que decorreu entre 2009 e 2011. e mesmo dos consumidores.
O projecto visará alguns mercados
de continuidade como: Alemanha, As mensagens chave continuarão
EUA e Canadá, França, Itália e China; a focar a trilogia “Cortiça: cultura, na-
e novos mercados como o Brasil, a tureza e futuro” e irão apresentá-la
Suécia e Dinamarca; sendo que nos como um material natural, ecológico,
dois primeiros será desenvolvida amigo do ambiente, mas que também
uma campanha para a promoção de tem provas dadas da sua qualidade e
rolhas e de materiais de construção, performance, nos seus variados pro-
e nos restantes a promoção terá dutos, e, ainda, como material de
como alvo as rolhas de cortiça. design e de inovação, capaz de estar
presente nas mais variadas aplicações.
O InterCork II está orçado em 7,3
milhões de euros - financiada em 80
por cento pelo programa Compete
(Programa Operacional Temático

Pintura: Manuel Casa Branca, Quercus Suber


Pintura: António Galvão

71
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

As potencialidades da cortiça
Luís Gil*

A cortiça é um recurso natural da de alto valor. As características anti-der- só. O conforto acústico e vibrático
maior importância para o nosso país, rapantes da cortiça, mesmo quando também são aspetos a considerar. Os
qualquer que seja o ponto de vista: molhada, permitem também antever revestimendos de chão e de parede e
económico, ambiental, social. O se- aplicações náuticas, para além das atuais outras aplicações decorativas podem
tor corticeiro é um dos “clusters” em cabos de canas de pesca. também contribuir para isto. Para
de maior interesse a desenvolver e Todas estas características podem, além disso temos ainda os conceitos
apoiar futuramente no nosso país, com certeza, no futuro, vir a ser uti- de construção verde e de materiais
podendo mesmo ser apontado lizadas no desenvolvimento de novas sustentáveis, que são crescentemen-
como um dos desígnios nacionais. aplicações específicas, quer da cortiça te considerados por engenheiros,
A cortiça é um material que tem quer de materiais contendo cortiça ou arquitetos e mesmo consumidores,
acompanhado a Humanidade desde associados à cortiça. Por tudo isto, os domínios em que a cortiça apresenta
tempos imemoriais, tendo já assumi- desenvolvimentos recentes na investi- inegáveis vantagens.
do, ao longo desta história comum, gação na área da cortiça têm derivado É assim claramente demonstrado que
as mais diversificadas utilizações. As da habitual relação cortiça-vinho para as potencialidades da cortiça vão mui-
primeiras referências às suas aplica- assuntos relacionados com a quali- to para além dos produtos tradicio-
ções remontam a mais de 3000 anos dade e o ambiente, a exploração de nais e que este domínio é e será fun-
a.C., nomeadamente como vedante resíduos da indústria da cortiça e no- damental para a viabilidade do setor.
ou aparelhagem flutuante, seguindo- vos materiais à base de cortiça, como O conceito de ‘Sustainable Product
-se aplicações em calçado, isolamen- os que mais recentemente, têm sido Design’ é correntemente uma das mais
to de habitações sendo ainda refe- desenvolvidos. Algumas destas novas promissoras tendências do movimento
renciadas aplicações antigas em uten- aplicações da cortiça referem-se, por do Desenvolvimento Sustentável.
sílios e mesmo com fins terapêuticos. exemplo, a núcleos de estruturas le- Neste contexto, a cortiça, um mate-
Depois do início da utilização das ro- ves, remoção de metais pesados de rial natural, reciclável, não tóxico, re-
lhas na vedação do vinho engarrafa- efluentes com adsorção em cortiça, novável, com qualidades ambientais
do e do aparecimento dos primeiros novas tintas com incorporação de estraordinárias, incorporando um
aglomerados simples ou compostos, cortiça para melhoria do seu com- elevado potencial de características
foram também surgindo diversas portamento térmico e acústico, e ain- tecnológicas inovadoras, pode de-
aplicações mais específicas como em da aplicações na área do design e da sempenhar também aqui um papel
coletes salva-vidas, em isolamentos moda, apenas para nomear algumas. relevante, embora o nível desejado
na indústria militar, em aeronáutica Todas as matérias vegetais contri- de informação e difusão dos produ-
espacial e militar, e noutras utiliza- buem como sumidouros de dióxido tos à base de cortiça ainda não tenha
ções, muitas delas desconhecidas do de carbono e para a fixação de carbo- sido atingido no seio das partes in-
público em geral. no sendo, como é sabido, este um dos teressadas. Porém, como se sabe, os
As características macroscópicas da principais meios para contrabalançar aspetos de sustentabilidade e eficiên-
cortiça mostram-na como um mate- a produção daquele poluente atmos- cia energética estão na ordem do dia.
rial leve, praticamente impermeável férico devida à combustão de hidro- O consumidor em geral, menos co-
a líquidos e gases, resiliente, elástico carbonetos, nomeadamente com- nhecedor, quando compra um vinho
e compressível, resistente à água e a bustíveis. A sua redução tem sido um engarrafado está geralmente apenas
produtos químicos diversos, inócuo, dos grandes objectivos de governos preocupado com o facto de o vinho
resistente ao atrito e ao escorrega- e instituições diversas e por isso ati- saber bem e de a rolha ser fácil de
mento, isolante térmico, acústico e vidades que promovam a diminuição remover. Relativamente a este último
vibrático. Para além destes aspectos, da presença desta substância no ar aspecto é geralmente considerado que
a cortiça é ainda praticamente im- apresentam inegáveis vantagens am- as cápsulas de roscar poderão ter uma
putrescível. A cortiça é também um bientais e ecológicas. Entre estas ac- vantagem. Mas, se for do conhecimen-
material flexível e sem cheiro activo. tividades encontra-se a exploração to desses mesmos consumidores que
É esta multiplicidade de interessantes industrial e comercial da cortiça. esse tipo de vedantes pode acarretar
características que lhe confere enor- Reduções significativas da emissão problemas, a vários níveis, essa vanta-
mes potencialidades. dos gases de efeito de estufa, por gem pode tornar-se em desvantagem.
À elevada percentagem de ar e à imper- exemplo no setor da construção, po- Por isso, neste domínio e noutros, de-
meabilidade e flexibilidade das paredes dem ser conseguidas através de várias verá haver como objetivo a discrimina-
celulares, deve a cortiça algumas das medidas de poupança de energia, uma ção positiva dos produtos de cortiça,
suas notáveis propriedades: a flutuabili- área em que os produtos derivados relevando a sua excelência, justificando
dade, que lhe deu uma aplicação desde de cortiça podem desempenhar um um maior valor acrescentado.
tempos remotos; a compressibilidade importante papel, particularmente no Quem tiver interesse sobre este tema pode ver
e a elasticidade que consentiram o seu que se refere ao desempenho térmi- o vídeo de um programa que passou na televisão
largo emprego como vedante ou em co dos edifícios de acordo com o sis- portuguesa:http://www.rtp.pt/programa/tv/p30
725/e92 .
juntas; a capacidade de isolamento do tema de certificação energética, para
*Investigador Principal Habilitado do
ponto de vista térmico, acústico e vi- além de contribuírem para o conforto Laboratório Nacional de Energia e Geologia
brático que permite aplicações diversas e a qualidade do ar interior, mas não I.P.

72
CADERNO TEMÁTICO MONTADO

Foto: José Alex Gandum


Que modo tão subtil da natureza *
Mário de Carvalho**

Naquela melancolia de arvoredo espar- esses, com uma manhosa esbelteza se tão bem com esta paisagem, com
so estranhava que tantos sobreiros de de corpo. Entre as histórias que estes convulsos troncos, com estas
troncos gretados tivessem números se contavam ao serão, dentro repetidas lonjuras que dir-se-ia não
desenhados a tinta branca. E também das grandes lareiras alentejanas, poder ele existir antes de os homens
que grandes extensões deles, cabeço, não faltavam as de gente asfixiada terem ouvido este rumorejo dos
após cabeço, aparecessem desnudados, pelas sanguessugas engolidas sobreiros, entoando as suas mágoas
num espreguiçar vagaroso de pele desprevenidamente, fixando-se nas de geração para geração.
amarela ou avermelhada de quem se gargantas, a engrossar, sempre a Lembro-me de ter os bolsos cheios
sente muito só. engrossar. Eram histórias quase tão de landes e bolotas, de ver os troncos
Todos os anos, e por três diferentes boas como as do livro de S. Cipriano, grossos, rugosos, a rechinar na
caminhos de carreteira fazia aquela o calhamaço proibido da feitiçaria, lareira, de me admirar com a negrura
extensão de quilómetro e meio entre que se atirava ao fogo e rebentava crestada dos troncos mais velhos,
a vila e o monte. Variava-se. Havia num grande estouro, ou como as das protectores, com a leveza gretada dos
vantagens e desvantagens. Um era doze palavras ditas e retornadas que mais novos, rompendo numa alegria
mais acidentado e arenoso, outro se ouviam nas cruzes dos caminhos, de sobrevivência, com o aflorar das
mais distante e acalorado, outro mais se bem estou lembrado. minúsculas verdura, fragilíssima, rija só
maneiro e perigoso, pelo carreiro da de aparência, não raro ainda a sair da
linha de caminho de ferro, podendo Às vezes ia para o monte de carroça, casca estalada, a querer furtar-se aos
vir de lá o comboio a bufar e estralejar balouçando rangente ao passo da ameaços das geadas ou dos calores.
sobre os carris. Maravilha, o comboio muar. Certo dia, um dos meus tios E daquela boa sombra repassada
escuro, barulhento, interminável, levou-me na garupa de uma égua de paz, quando as grandes calmas
reluzente de óleos negros num um bocadinho encaracolante, em afogueiam a paisagem.
matraqueio sincopado. Mas obrigava- grande estrépito de cascos. Ficavam À noite, quando as ferraduras
nos a parar e a encostar-nos ao talude, as copas de brilhos verdes mais chispavam nos seixos e atiravam
mão dada, enquanto a bisarma se perto, os horizontes ondulados mais faíscas, naqueles regressos sacudidos
assenhoreava do espaço e do tempo. estendidos. entre o sono e a vigília, as grandes
sombras dos sobreiros que o escuro
O caminho do comboio, «a linha» E por aqueles valados afora dava a tornava magicamente maiores,
tinha outro encanto. A estação do impressão de que as azinheiras e os barrando os horizontes ou vigiando
caminho-de-ferro, com o seu largo à sobreiros, na sua robustez torturada, os caminhos, eram ainda uma
beira, era graciosa e alegrete. Havia na sua quieta vastidão, na sua particular afirmação poderosa de sossego e de
uma fonte, com um torneirão por presença solitária iam murmurando paz.
onde a água cachoava para uma pia um lento cântico de outras eras que
de pedra, em que as sanguessugas contava do sofrimentos dos homens. * Verso de Camões
dançavam umas com as outras aos O cante alentejano, com efeito, casa- **Texto Inédito

73
MONTADO CADERNO TEMÁTICO

Testemunhos na literatura
… e estórias de Vida
Árvores do Alentejo Corticeiros
Horas mortas... Curvada aos pés do No silêncio ardente do dia parado, Que os troncos majestosos e inermes
Monte Há lida de gente no denso montado. Têm o ar daqueles paquidermes,
A planície é um brasido... e, torturadas, Lentos, laboriosos, resignados.
As árvores sangrentas, revoltadas, Há troncos despidos, já lívidos, frios, - Desses trágicos braços contorcidos,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!· E troncos que esperam, em funda Que mais tarde, a sangrar,
ansiedade, São a gala maior desta paisagem,
E quando, manhã alta, o sol pesponte Com gestos convulsos, de sonhos E, agora, estão gelados, confrangidos
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas, sombrios, Pela tortura sem par,
Esfíngicas, recortam desgrenhados · Em dor e silêncio, por toda a herdade.  No pino da estiagem,
Os trágicos perfis no horizonte!·   Vão homens rudes, escuros e suados,
Os pés descalços trepam ágeis, Lenço metido sob o chapéu largo,
Árvores! Corações, almas que choram, Sobem... Arrancando aos bocados,
Almas iguais à minha, almas que O machadinho crava-se e segura, Em férrea luta obscura,
imploram Como se fora um croque de Com qualquer coisa de febril e amargo,
Em vão remédio para tanta mágoa!· abordagem, A epiderme dura.
O homem - Oh, velhas árvores dos montados!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede: A subir, na faina dura. E há pasmo na canícula.
- Também ando a gritar, morta de E lembra-me, assim vistos a distância, E há silêncio, de assombro, na
sede, - Os vultos a trepar pelos troncos paisagem!
Pedindo a Deus a minha gota de gigantes – - Troncos dilacerados!...
água!· Como em contos de infância,
Cornacas dominavam enormes
elefantes.
Florbela Espanca, Francisco Bugalho
in “Charneca em Flor

Azinheiras, Sobreiros, Porcariços e Marranitas


Como a nossa casa era a última da A ida ao montado era sempre fasci- Tinha perto de vinte anos e estava à
vila, o montado ficava aí a uns 500 nante para nós. As azinheiras cobertas porta da rua quando passa um maio-
metros de maneira que, no Outono, de frutos, as varas de porcos guardadas ral à procura de um porco que tinha
desde muito meninos íamos à boleta pelo maioral vulgo porcariço que nos desaparecido.
sem isso causar preocupações aos encantava com modas que tocava no E diz para mim:
pais. A herdade começava logo ali e realejo. Tudo era encantador e à dis- - A menina não viu passar por aqui
era precisamente a do Monte Novo. tância de tantos anos constituem evo- um porco inteiro?
Num tempo em que eram inexistentes cações de momentos mágicos. O por- - Não vi não senhor.
os sacos de plástico, normalmente le- cariço falava-nos do seu rebanho (nós Nisto chega o meu pai.
vávamos um talego feito de restos de não utilizávamos o colectivo vara). Os E digo par ao meu pai com a irreve-
pedaços de riscado, de opalina de chita filhotes, os bacorinhos, a mamã, a por- rência dos meus vinte anos:
da tabela de cretone etc. ca que parira as crias, as marras (ba- - Olha o homem parece que é parvo,
Dentro desse talego trazíamos as corinhas que deixaram de mamar) e a perguntar se eu tinha visto passar
bolotas que depois comíamos cru- os varrascos de aspecto agressivo mas um porco inteiro, então havia de ser
as ou assadas de roda da lar à noite inofensivos... Que grande lição de zoo- só metade?!
em amena cavaqueira tão salutar e logia nos dava o porcariço... Resposta de meu pai:
própria dos serões familiares. Des- Meditando nestas recordações veri- - Parva és tu que não sabes que um
de a mais tenra idade que distinguía- fico saudosa que foi enriquecedora a porco inteiro é aquele que ainda não
mos as azinheiras dos sobreiros. nossa infância passada numa vila rural foi capado.
Sabíamos que estes davam as lan- com a aquisição de todos estes vo-
des a que nós por corruptela cha- cábulos para mim hoje interessantes Maria Vitória Afonso
mávamos lêndeas. Éstas eram rijas e ignorados pelas pessoas que vivem
e amargosas enquanto as bolotas nas cidades. Mesmo assim a gente
eram doces e tenras. pensa que sabe tudo...

74
TALHA E VITUALHA CRÓNICAS

Adega de Sines , manter a tradição


Ana Pereira Neto *

Este ano, com o intuito de retemperar italianas ou tabernas /adegas/casa A cozinha, que gentilmente me foi
energia, fui percorrer a pé, com o de pasto portuguesas. Refiro - me à mostrada pela senhora acima referida,
meu marido, pela costa alentejana Adega de Sines, situada na R. Gago ainda mantém a tradicional mesa que
durante dois dias. Comecei em Tróia Coutinho, cuja fachada do respectivo lhe marca o centro nevrálgico de
e terminei o percurso, por exaustão edifício é convidativa, pela sua preparação de alimentos e que se
em Melides. Contudo, não quis deixar originalidade, à entrada. constitui como uma característica das
de cumprir o objectivo de passar, pelo O espaço interior mantem as cozinhas do Alentejo. Para além de
menos um dia, na terra do Gama – características originais onde o outros pormenores, as batatas ainda
Sines – local com inúmeras tradições, mármore e o estuque são realçados são fritas “ à moda antiga” numa
nomeadamente a de ser um local de por um conjunto de peças que se grande fritadeira aquecida ao lume.
encontro para lazer, em ambiente constituem como raridades e que Soube-me bem ter estado na Adega
costeiro, de muitos alentejanos. se encontram meramente para fins de Sines antes de ir para um sítio onde
expositivos. os meus vizinhos são estrangeiros
É, de facto, a autenticidade dos e onde parte da restauração
espaços, marcada pela vivência das Apesar de estarmos num local desconhece o que é o tremoço e a
tradições, que me faz realmente costeiro, a oferta principal da casa sua importância para a degustação da
sentir a identidade real dos lugares é o frango assado. Confesso que imperial.
que visito em momentos em que não o comi; a minha atenção é
*Docente no ISEC,
me dedico ao ócio. O bem - estar mais focalizada para a feijoada de Presidente da Secção de Turismo da
obtido com experiências sensoriais búzios cujo sabor me transportou Sociedade de Geografia de Lisboa
prazenteiras, nestes momentos, à memória de infância na costa
dá-me alento para o ramerrame vicentina. Contudo, é a proximidade
desgastante do quotidiano dedicado dos estranhos que se constituem
ao trabalho. como convivas, a atenção de quem
Fotos: Ana Pereira Neto

presta serviço com sorriso genuíno,


Apesar de o espírito loccus se fazer tanto à mesa, ao balcão como na
sentir em todo o espaço construído cozinha que me faz recordar aqui
e natural de Sines, há um lugar de este espaço que tem um genuíno
restauração que ainda mantêm as ambiente familiar mantido pela D.
características latinas das osterias Edite e pelo Sr. Luís.

75
GRANDE
ENTREVISTA

Manuel Madeira Piçarra


Director do Diário do Sul, o mais antigo Director
de imprensa portuguesa no activo

Sofreu apertos da censura até acabar,


no ano seguinte. Ainda em 1951 foi
premiado pela Casa de Bragança e
com o Prémio Nacional de Reporta-
gem do Diário Popular.
Em 1963 foi processado pela União
Nacional do distrito de Évora no Tri-
bunal da Boa Hora em Lisboa. Foi
amnistiado por ocasião da visita do
Papa Paulo VI. Foi dedicado e con-
vencido admirador de Marcelo Cae-
tano, e colaborou com o Governa-
dor Civil, tentando, infrutiferamente,
fazer a ponte com os oposicionistas
alentejanos. Foi também agente de
ligação entre a Região Militar e as
Foto: Eduardo M. Raposo

antigas autoridades locais do Estado


Novo, a 29 de Abril.
Inesperadamente a 13 de Março de
1975 o Diário do Sul foi ocupado. En-
frentou a ocupação e esteve preso
em Caxias 48 dias.

Desde sempre a imprensa regional foi


e é a sua bandeira, é um acérrimo re-
“O Terreiro do Paço não quer gionalista e considera o poder local a
perder a arreata!” maior conquista do 25 de Abril, para
além das liberdades: “ o valioso poder
local é também do PCP”. Apesar das
dificuldades, continua a acreditar no
futuro dos jornais em papel.

O Manuel Madeira Piçarra


nasceu em Moura?
Manuel Madeira Piçarra, do alto dos classificação e o apoio de Vergílio Fer- Nasci em Évora. O meu pai, Manuel
seus 84 anos, jovial, hiperactivo, se- reira abrem-lhes as portas da Faculda- Fernandes Vaz Piçarra é que era de
nhor de uma fina ironia, trata por tu de de Direito de Lisboa, mas é-lhe re- Moura. Sou filho de uma das mulhe-
os protagonistas do regime demo- cusada uma Bolsa de Estudo e teve que res do meu pai. Ele era de Moura e
crático e não só, não poupa críticas abandonar os estudos para trabalhar. ainda foi empresário de um rapaz de
ao poder político, mas a sua grande Moura que foi um grande jornalista,
paixão é o jornalismo e… acredita Foi camionista, vendedor de automó- o Miguel Serrano. Nasci em 1930.
no futuro dos jornais. veis e, em 1963, passou a pequeno Gostaria de ter nascido 20 ou 30
Aqui fica a síntese de uma conversa empresário. Mas o bichinho do jor- anos mais tarde…
longa que reflecte uma vida vivida in- nalismo começou logo no liceu e, em (risos)
tensamente. Quadros bem ilustrativos 1949-50, orienta o “Corvo” jornal da Fui criado por uma mulher pobre, a
das últimas oito décadas alentejanas. Academia. Em 1951, com 21 anos, minha avó materna. Eu era o único
É o mais antigo Director de um jornal fundou a Revista de Artes e Letras Ho- descendente; a minha mãe morreu
português e o único em funções que rizonte; durou dois anos e tinha vigilân- cedo, tinha eu três anos, o meu pai
vem do anterior regime. Nasceu em cia apertada da censura. De 1951 a 55 nunca o conheci. Eu não tinha famí-
1930, não conheceu o pai e a mãe escreveu editoriais no Notícias de Évo- lia, não tinha ninguém, ela é que me
morreu tinha três anos. Consegue ra. Em 1956 fundou a Revista D. Qui- criou. Aos 13 anos comecei a traba-
entrar no Liceu de Évora com boa xote com excelentes colaboradores. lhar e estudava ao mesmo tempo.

76
GRANDE
ENTREVISTA

E o Seminário? O Manuel Piçarra chegou Esta publicação que marca o pa-


“Não quis ir para o Seminário… era a frequentar a Faculdade norama editorial português na
o Seminário Maior de Évora. A minha O poder tinha aquilo bem medido; década de 50 tinha como objec-
avó levou-me lá, tinha eu 10 anos, mal não passavam mais de 10%; eram os tivo de “as novas gerações se in-
vestidito, com umas calças velhas, e o filhos, os filhos dos filhos… eu sei. teressassem pela cultura e esta
Arcebispo, D. Manuel da Conceição Andei em Direito, entrei pela mão se popularizar”, tendo publicado
Santos, a dizer-lhe que pela lei canó- do Virgílio Ferreira, abandonei no 3º um excerto inédito de Aparição,
nica não podia ser ordenado, por não ano; pedi uma bolsa mas não me de- de Virgílio Ferreira e de José Régio
ser perfilhado, mas ia ver o que podia ram, embora tivesse direito a ela. e Sebastião da Gama, conforme
fazer. Mas mal saímos, eu comecei a O problema era aquela ficha na Mo- nos referiu em 2006, quando por
chorar: cidade a dizer que tinha saído, mas saí ocasião da passagem dos 50 anos
“- Eu não quero ser padre!...” para ir trabalhar… eles não quiseram da fundação da D. Quixote regis-
Logo a seguir a minha avó foi bater à saber. Subi ao Palácio da Independên- támos nas páginas da Memória
porta do reitor do Liceu de Évora, o cia umas 30 vezes. Até que houve um Alentejana .
Dr. Bartolomeu Gromicho. fulano mais sério que me disse que eu
Senhor, somos pobres, não temos andava a perder tempo; com, aquela No seguimento da conversa
dinheiro… disse ela” ficha ia ser sempre recusado. vem à “baila” o jornal
E ele, para mim: A Planície, de Moura.
“- Então já fizeste a 4ª classe?” Aproxima-se a década de 50,
“- Já, fui distinto.” quando Madeira Piçarra vai O fundador da Planície com colegas
“- Já tens a admissão?” marcar o panorama editorial foi o Domingos Vicente Janeiro, foi
“- Já, fiquei dispensado à prova oral.” português com a fundação o primeiro director, que ainda está
“- A senhora, segunda-feira às 9 ho- e edição de duas das mais vivo – foi notário em Almada. Eu não
ras está lá com o gaiato, disse o Rei- importantes revistas de Cultura. fui fundador pois eu já fazia jornais –
tor.” Em 1951 faço a “Horizonte”, e de- pois a Dom Quixote é de 1956 e a
Ele deu-me a mão; nunca paguei pois estou parado. O José Carlos Planície é de 57.
nada, e fui sempre um bom aluno. Ary dos Santos escreveu nela ao
Aos 13 anos comecei a trabalhar: a princípio… Depois sou camionista, Manuel M. Piçarra recorda
escolher lixo na lixeira da Câmara; de noite, ganhava 50 escudos, já era figuras de relevo neste jornal
trabalhava e estudava. Ganhava qua- bom. Nesse ano ganhei o Prémio da como Afonso Cautela, Álvaro
tro escudos por dia. Aqui nestes ter- Casa de Bragança, sobre D. Manuel Fialho – que fazia os linóleos
renos que vocês estão a ver – aponta II. Depois ganhei o Prémio Nacional – com que refere muito
através da vidraça para o exterior de Reportagem do Diário Popular. ter trabalhado. Conheceu
das instalações do escritório – andei O Director Luís Forjaz Trigueiros Fernando Namora - então
eu na vindima da uva.” convidou-me para estagiar neste médico em Pavia – que Virgílio
jornal. Não aceitei mas fiquei como Ferreira lhe apresentou.
A juventude e o início colaborador; escrevia os «Contos
do jornalismo de Domingo» e recebia 150 escudos Depois faço o Jornal de Évora, come-
Prossegue, Manuel Piçarra: por cada um. ço a publicar no dia 25 de Dezembro
Foi uma vida muito complicada. Co- Num aparte, o que caracteriza o seu de 1957. Começou como semanário,
mecei a trabalhar no duro aí aos 17 discurso vivo e irrequieto há anos: ao fim de dois meses passou a bise-
anos. Tinha eu uns 16 anos o Reitor “Estive quatro vezes para comprar o manário e ao fim de seis passou a
chamou-me: “Diário Popular”, ainda a última vez trissemanário. O Jornal de Évora foi
“- Então como é que está a tua vida? foi há dois anos. Passou para a Indo- a grande pedrada no charco da Im-
Tens comer?” nésia, não sei como”. O título é deles. prensa Alentejana!
“- Tenho, sr. Doutor. E acrescentou: Pela sua independência teve forte
Vais para o jornal do Liceu “O Corvo.” Sobre a Revista Horizonte, que vigilância da censura com cortes de
Já antes com o José Manuel Severia- durou dois anos, quisemos saber página inteira. A censura passou a
no Teixeira, eramos parceiros de car- se as dificuldades advieram da ac- ser feita em Lisboa, com a edição
teira; e ele agora é brigadeiro na re- ção da censura ou da falta de di- já paginada, o que nos deu grandes
serva. Fizemos um jornal de parede. nheiro como veio a acontecer com problemas.
É aqui que se me pega a “doença”. a D. Quixote, surgida em 1956.
Eu tinha feito esse jornal de parede E o nascimento do Diário
com o Zé Manel e vamos ao Reitor: Não foi tanto à censura com a D. do Sul…
“- Não podem fazer isso! não há cá Quixote, que também durou dois Essa foi outra. Em 1959 iniciei pe-
disso!...” rematou. anos. Esta teve mais problemas, por- didos de autorização para Jornal de
Não era nada de política… Entretanto que tinha de ir a Lisboa à censura. A Évora passar a Diário do Sul. Estive
sou aluno de Vergílio Ferreira no 5º, 6º Horizonte era feita em Torres Novas. 10 anos à espera; tive 31 indeferi-
e 7º anos. Era visita na casa dele, dava- Havia muita colaboração, não havia mentos.
-me de lanchar, e ensinava-me muita era dinheiro para a pagar. Isto era um
coisa. Fomos amigos até morrer aque- hobby. Fartava-me de trabalhar. Porquê?
le grande professor e escritor. Fui acusado de anarquista.

77
GRANDE
ENTREVISTA

Anarquista? O Diário do Sul saiu [finalmente] a organizado e o general Spínola queria


Diz-me o fulano da Judiciária: 25 de Fevereiro de 1969, com grande mais diversidade na escolha. Curiosa-
“- Você tem a gabardine branca e gra- adesão de leitores. mente os elementos que pertence-
vata azul e amarela…” ram a este movimento acabaram por
É que eu andava na crista da onda, por Curiosamente, momentos depois ir alguns para o Partido Comunista.
duas razões: primeiro porque vendia telefona uma leitora, assinante Logo no dia 26 de 1974, assisti, com
automóveis, conhecia toda a gente, de- dos primeiros tempos, que quer o cónego Mendeiros à prisão dos
pois porque tinha um jornal – um jornal renovar a assinatura, depois agentes da PIDE em Évora, detrás de
no tempo do dr. Salazar dava muitos de algum tempo ausente no uma janela a convite da Junta Militar
problemas – era olhado de lado. Pro- estrangeiro. testemunhando direitos humanos.
cessaram-me na Boa Hora mas depois
fui amnistiado quando o Papa Paulo VI Depois, com o dr. Marcelo Caetano Mas durante o PREC sofreu
veio a Lisboa. É que o Dr. Salazar, era nunca mais fui à censura. No Diário uma ocupação do jornal?
muito desconfiado, não lhe interessa- do Sul ganhámos a liberdade de ex- Isso foi só depois do 11 de Março. É
va condenar jornalistas, directores de pressão e o fim da censura. E repito: uma coisa que nunca foi inteiramente
jornal, por causa do escândalo com a foi o jornal mais censurado até 1969, esclarecida. No dia 13 de Março tele-
imprensa internacional. mas no período marcelista nunca fonam-se a dizer que estão a ocupar
mandei o jornal à censura. o jornal, eu chego, faço-lhes frente e
Foi processado? Porquê? Às vezes encontrava o delegado da- eles abalam. Mas, no dia seguinte vol-
Por quem? qui de Évora na rua: tam à carga, eu oponho-me de novo
Foi a União Nacional de Évora. - É pá, você não vai à censura, qual- e nisto sou chamado ao Comando
Fui interrogado três vezes. Nessa al- quer dia levo uma porrada… Militar e recebo ordem de prisão às
tura ainda andava em Direito. Eu era Eles só lhe interessavam duas coisas: ordens do COPCON. Levam-me
um jovem incómodo. Era irreverente. era o horário dos barcos para Áfri- para Caxias, onde estou 48 dias, mas
Consegui impor nas sessões de Câ- ca, por causa das bombas e eram as o carcereiro não me queria deixar
mara que os jornalistas fossem res- coisas políticas… do PCP. Como o entrar porque dizia que não tinha o
peitados, que tivessem um lugar jornal não se metia em política, nunca meu nome na lista. Partilhei uma cela
por direito próprio para puderem teve problemas no tempo do Prof. com o irmão do General Spínola e
fazer o seu trabalho com dignidade. Marcelo Caetano”. mais 16 pessoas. Como continuavam
No tempo do Dr. Salazar nunca me Este período foi o mais amigo da im- a não ter o meu nome na lista, várias
deixaram passar o jornal a diário. prensa regional, dado que o Ministro amigos escreveram cartas, inclusive a
Eu era irreverente. Dizia mal do que das Finanças que era de Évora apoiou Rosa Coutinho, a exigir a minha liber-
estava mal! os jornais incluindo Lisboa. tação. Como me senti prejudicado
Os militares tinham tudo. A PIDE era depois processei os ocupantes, não
dirigida por majores. A censura era Em seguida Madeira Piçarra pas- conhecia nenhum, excepto um que ti-
dirigida por um coronel, e os delega- sa em revista os derradeiros anos nha sido meu empregado. Ganhei, fo-
dos era tudo de capitão para cima. Em da ditadura, quando acreditou ram condenados, mas não quis qual-
Portugal era tudo dos militares. Eu, ser possível uma transição para a quer indemnização. O que eu queria
andei a estudar com alguns deles, co- democracia e deram-lhe luz ver- era regressar às lides, ao jornalismo,
nhecia-os; no 25 de Abril disse a um: de para tentar convencer oposi- o que fiz de imediato. Já vários diri-
- Vocês é que foram os culpados dos cionistas alentejanos nomeada- gentes do PCP me garantiram que o
50 anos de ditadura. Logo que Mar- mente da região de Évora, para seu partido não teve nada a ver com
celo Caetano chegou ao Governo fiz assumirem alguns cargos na re- a ocupação. Mais de uma vez o Dr.
o 32.º requerimento. Chamaram-me gião, mas o regime tinha os dias Abílio mo disse. (antigo Presidente
ao Palácio Foz. Meto logo os papéis contados e chega o 25 de Abril, da Câmara Municipal) somos amigos.
no outro dia. Encontro o Governa- onde faz a ponte entre as autori- Hoje pergunto-me. Não sei o que se
dor Civil e este diz-me: dades depostas e os militares da passou. Será que houve um engano,
- Você, das duas uma, ou é um grande Junta de Salvação Nacional con- quando foi feito um telefonema do
patife e não lhe davam o diário por forme atrás referiu. COPCON, será que perceberam
isso, ou então foi vítima… mal? Não sei…
Foi logo deferido no mesmo dia da No 26 de Abril 74 fui solicitado pelo
“Capital” de Norberto Lopes, que MFA local depois dirigido pelo Gene- Curiosamente, em Outubro de 1974
estava à espera há quatro anos. En- ral Fontes Pereira de Melo que solici- os já falecidos meus amigos Fernando
contramo-nos os dois a assinar os pa- tou a minha presença logo no dia 28 Iglésias, Mário Ventura Henriques – a
péis da garantia bancária, dele eram de Abril. Posteriormente, a pedido quem vendi vários carros e Joaquim
uns 2 mil contos e nossos eram 800 do General Spínola criou-se a FIA – Bandeira; propuseram-me a compra
contos. O Dr. Norberto vira-se para Frente Independente Alentejana, um do Diário do Sul. Recusei tal como o
mim e diz: movimento civíco onde participei, fiz em 1966 ao Estado Novo.
“- É pá, ainda bem que te conheço. criado com o objectivo de intervir na Eu era também muito amigo do Ur-
Ficas delegado da “Capital” à borla.” escolha das Comissões Administrati- bano [Tavares Rodrigues]. O pai dele
Fui seu delegado 10 anos, graciosa- vas a nomear para as Câmaras Mu- e o meu pai eram da mesma terra
mente. nicipais – visto que só o MDP estava [Moura].”

78
GRANDE
ENTREVISTA

“Entretanto fundei o Jornal de Ferrei- Até há dois anos o “Diário do Sul” Mas acha que o jornalista deve
ra do Alentejo dirigido pelo Delegado não estava mal. Eu, há uns anos fiz trabalhar com a informação
de Saúde. Mantive 3 anos delegação uma proposta às 47 Câmaras do que lhe enviam ou deve procu-
em Beja e Faro. Fui membro Directi- Alentejo que resolvia a situação, mas rar ele a notícia, ir às fontes, fa-
vo da Associação de Imprensa Diária só 8 ou 9 é que aderiram. O Poder zer a reportagem?
cinco anos. Em 1975 fui convidado e local podia resolver o problema da “Repare, cada vez que mando um
membro do Instituto Internacional de imprensa local, mas não o entende. jornalista a qualquer lado; jornalista,
Imprensa (Suiça e Londres). automóvel, refeição, tudo somado
gasto 200 €; fora o papel.
Depois, nesta longa conversa, que Podia? Como? De que proposta E a Câmara não me paga os 200 €;
se inicia antes de almoço, e con- se tratava? como é possível fazer isto?
tinua pela tarde dentro Manuel Bem, eu não gosto de falar nisto, pois
Piçarra passou em revista diver- estou sempre a apoiar o Poder Lo- E que soluções propõe para ultrapas-
sas situações vividas durante o cal, mas, para além das liberdades, a sar a situação actual?
período revolucionário, sempre maior conquista do 25 de Abril foi o “A solução, quanto a mim é a seguin-
nos meandros do poder – como Poder Local e, sou insuspeito para o te: a estrutura da Imprensa regional,
quando um amigo o convoca para dizer: o PCP tem tido bom poder lo- deve estar nas CCDRs: CCDR do
uma reunião em Évora, onde es- cal. Ainda há dias o disse ao Presiden- Norte, do Centro e do Sul a tratar
tava Mário Soares e Jorge Campi- te [o Presidente da Câmara, Carlos dos nossos problemas. Espero que
nos o então líder socialista dá-lhe Pinto de Sá]. Eu era muito amigo do em breve as CCDRs é que tratem
conhecimento da hipótese de se pai dele, embora tivéssemos políticas com as Rádios e os jornais.”
fixarem no Porto, com receio da diferentes.
situação conturbada em Lisboa, De seguida enumera os governan-
o que acaba por não acontecer. Repare: Salazar e Cunhal eram per- tes e as histórias “saborosas” de
Posteriormente, aquando de uma sonalidades fortes, muito inteligentes, contactos, reuniões, pedidos de
deslocação de Álvaro Cunhal a nunca mudaram, morreram ambos entrevistas…com os mais diversos
Évora conhece o líder histórico co- pobres. governantes nas últimas décadas
munista por intermédio de Abílio Voltando à minha proposta às Câ- Marques Mendes, Jorge Lacão,
Fernandes; ou o convite do último maras: Vocês, Beja, Évora e Portale- Sócrates, Barreiras, Relvas, Poia-
embaixador soviético para visitar gre aliam-se, escolhem um jornal em res Maduro – a quem presente-
oficialmente a antiga União Sovi- cada cidade e ele é o porta-voz dos mente deu opiniões. E põe o dedo
ética, acabando por viajar o filho, municípios. Canalizam a notícia às na ferida relativamente ao aniqui-
Paulo Piçarra – um dos actuais nove da manhã e nesse mesmo dia lamento da Imprensa regional:
responsáveis do jornal. Ou da vi- o “jornal” transmite as notícias: onde Lamento que não se tenha feito a
sita amistosa do Embaixador da é que o Presidente vai, quais as rea- Regionalização, eu fui um dos seus
Jugoslávia – antigo companheiro lizações que vão acontecer, esta de- defensores; por outro lado, tenho
de Tito - na redacção do jornal, legação, aquele embaixador, etc, etc. passado a vida a fazer memorandos
fazendo semelhante convite que E acabava-se com esses papéis pelas — entrego-os em mão própria — e
acaba por não se concretizar. mesas de café, os Boletins municipais
que saem um mês depois, custam
muito dinheiro e já ninguém lê. Um
E o jornalismo? Como é que assessor de imprensa de uma Câma-
está actualmente o jornalismo ra não tem que fazer jornalismo, tem
regional? é que enviar a informação para os
Eu, se tivesse dinheiro fazia um gran- jornais a noticiarem.
de jornal. O Alentejo já não tem jor- “- Podem dizer: ajuda-me, dá-me
nais. Está tudo mal, só restamos nós e uma página, põe um título grande.”
o “Diário do Alentejo e 3 semanários. Eu acho que o Presidente de Câmara
Nós reduzimos o número de páginas devia era dizer:
para metade devido à crise. “- A comunicação não é com as Câ-
maras, as Câmaras não estão feitas
E quais os motivos desta situa- para fazerem jornais e boletins.”
ção? A Câmara fornece a informação, tem
“Em 2001 foi dado à Imprensa escrita lá o seu funcionário que a envia, mas
Regional o 1.º golpe: perda de meta- o jornalista é que a trabalha. Eu estou
de do Porte Pago para o jornal ir à à vontade porque sou amigo deles
casa do leitor. Em 2006 foi cortada a todos. O Presidente da Câmara não
Publicidade de Estado aos Regionais deve largar a informação, ele é que
e foi o fim.Cerca de 75% dos sema- é a cabeça da informação, ele é que
nários já fecharam. No ano 2000 o decide. Os jornais são feitos pelos
Alentejo tinha 21 jornais. Hoje tem jornalistas cá fora.
sete e destes, quatro vão acabar.

79
GRANDE
ENTREVISTA

Com Manuel Madeira Piçarra”, Memória


se se conseguir esta conquista é mui- A Europa tem leis de apoio aos jor- Alentejana, nºs 19/20, 2006, texto publicado
to importante para a imprensa regio- nais. Mas quero também dizer uma ainda no jornal Folha de Montemor, Outubro
nal: o nosso interlocutor passa a ser a palavra sobre as culpas dos jornais: de 2006.
CCDR e não estar tudo centralizado fraca qualidade informativa; falta de
no Terreiro do Paço. Repare, Dr. Ra- profissionais cultos. Os cursos só lhes
poso: Você vai chega ao Palácio Foz e ensinam jornalismo de investigação. Eduardo M. Raposo
ninguém o recebe. Distribuem os 45 Isso compete à justiça. Acredito no
milhões de publicidade institucional, e futuro dos jornais em papel. É preciso
à imprensa regional zero! Com 10% saber fazê-los. É preciso que o Estado
dos 45 milhões de euros que ficam lhes devolva o que lhes tem tirado.
em Lisboa, bastava que 10% fossem
distribuídos para Rádios e os jornais “Uma nota final: O Dr. Abílio Fernan-
em todo o país resolvia o problema des quando era Presidente e o Dr.
da imprensa regional, é muito sim- José Ernesto, idem, quiseram dar a
ples. O problema é que o Terreiro medalha da cidade ao Diário do Sul.
do Paço não quer perder a arreata! Recusei a ambos!
Um jornal não pode receber honra-
E o futuro; é sombrio ou pode rias! Corre o risco de ser mal inter-
melhorar? pretado.
Por um lado o Estado ignora-nos. As As cenas fellinianas
Escolas recusam-se a receber jornais. Durante a entrevista Manuel M.
Os jovens não lêem. A Net basta-lhes. Piçarra é interrompido três ou
Não posso aceitar que abram concur- quatro vezes por um seu emprega-
sos para atribuir subsídios a blogues, do, de meia idade – que Madei-
numa região onde, no interior do ra Piçarra faz questão de referir
Alentejo, isto são dados de 2013, ape- que trabalha consigo há 40 anos
nas 1,3 utiliza “estas ferramentas” e, – e que lhe pede indicações como
quando temos, uma imprensa escrita deve proceder para vender peças
a morrer onde um jornal, como é o de automóvel no valor de poucas
caso do Diário do Sul tem 20 empre- dezenas de euros. Piçarra, pergun-
gados e entre eles, com lugares obri- ta a quem se destinam e conforme
gatórios, os jornalistas. o cliente baixa o preço… ou num
caso até recusa o empréstimo
Estou convencido, se os Governos e duma peça porque o interessado
os Municípios quiserem, manter-se- já o enganou.
-ão jornais regionais dignos e inde-
pendentes. Não é preciso subsídios. 1“Nos 50 Anos da Revista D.Quixote.

80
LIVROS ACONTECENDO

DESTAQUE: bem estar com aumento de solos muito pobres as- com grande agrado, o livro
da quantidade da carne sociados a um dos piores do Profº José Mira Potes,
e leite que produzem. O climas do Mundo para a docente da Escola Supe-
gado passa ainda a contar agricultura, o nosso clima rior Agrária de Santarém
O Montado no Portugal com uma nova fonte de mediterrânico. À seme- e nosso colega de estudos
Mediterrânico alimento: as folhas e os fru- lhança da agricultura do agrícolas na Universida-
tos das árvores. Por outro vale do Douro, em que os de de Évora. Com grande
lado, os adubos aplicados agricultores durienses con- poder de síntese, dotado
nas pastagens e nas cultu- seguiram transformar en- de uma grande variedade
ras agrícolas, assim como costas de calhaus em vinhas de conhecimentos cien-
o estrume dos animais criando uma paisagem toda tíficos e recolhendo uma
proporcionam uma melhor ela antropogénica, o agri- vasta bibliografia sobre
nutrição à componente ar- cultor do Sul transformou o tema, o autor começa
bórea. uma natureza impiedosa de por fazer uma análise de-
Encontram-se exemplos charnecas arenosas e serras talhada do ecossistema
destes sistemas agro-flo- pedregosas em sistemas do montado, dividindo-o
restais em ambientes mui- sustentáveis e duradouros nos seus principais subsis-
to diversos: de produção de carne, leite, temas – subsistema solo,
José Mira Potes - os montados do Sul de cereais, cortiça e madeira. subsistema plantas ( com
Edições Colibri Portugal e de Espanha Infelizmente sobre este as componentes arbórea,
Lisboa, 2011, 211pp. - a criação de gado sob o magnífico ecossistema arbustiva e herbácea) e
coberto de coqueirais na pendem agora uma gran- subsistema animal – para
Os sistemas agro-florestais América Central de variedade de ameaças, os quais evidencia os prin-
constituem uma impor- - os sistemas agro-silvo- umas de ordem ambien- cipais constrangimentos,
tante forma de utilização -pastoris do Sahel africano tal outras de ordem eco- sem nunca perder de vista
do solo em muitas regiões associados ao cultivo de nómica. No campo das as interacções entre todos
do nosso planeta. A asso- acácias primeiras, agricultores e estes componentes. Da
ciação das árvores às cul- - o cultivo do taro-inhame técnicos divergem muitas sua leitura obtém-se a con-
turas agrícolas e à criação (Colocausia spp.) debaixo vezes sobre as causas do firmação do que afirma-
de gado é uma maneira de da copa da árvore legu- declínio dos montados ra anteriormente Olivier
intensificar o ecossistema minosa Erythrina subum- portugueses dividindo- Balabanian (1980) na sua
cultivado em regiões de brans nas ilhas do Pacífico -se grosso modo em duas magistral tese de doutora-
solos pobres e de clima - a cultura do café na som- correntes: a corrente que mento “Problemas Agrí-
adverso à agricultura. As bra das albizias (Paraserian- defende a existência de colas e Reformas Agrárias
árvores renovam a fertili- thes falcataria) de Timor- vários factores ambientais no Alto Alentejo e Estre-
dade do solo pois as suas -Leste. que levam ao enfraqueci- madura Espanhola”: o de
grandes raízes trazem para Os nossos montados são mento das árvores e que estarmos em presença de
a superfície elementos nu- sistemas de exploração da abrem as portas a fungos um muito frágil equilíbrio
tritivos das zonas profun- terra que só podem ser oportunistas e a corren- agro-silvo-pastoril, onde
das. A decomposição das observados no Sul de Por- te que advoga a infecção cada uma destas compo-
folhas e raminhos elevam tugal e no sudoeste de Es- por estes mesmos fungos nentes se torna facilmente
a quantidade de matéria panha, aqui sob o nome de como a causa primeira da antagonista das restantes.
orgânica ou húmus melho- dehesas. São lugares úni- morte de sobreiros e azi- De seguida é feita uma aná-
rando a qualidade da ter- cos e grandiosos e, à esca- nheiras. E, na verdade, os lise técnica em que os solos
ra. O arvoredo contribui la mundial, pequeníssimos factores responsáveis pela – a base de todo o edifício
ainda para a conservação tendo nós a responsabili- degradação e morte de - são caracterizados como
do solo protegendo-o das dade de os conservarmos sobreiros e azinheiras são bastante fragilizados por
chuvadas de elevado po- para os nossos netos. complexos e variados. No uma intensificação agrícola
der erosivo e promovendo Estes agro-ecossistemas que diz respeito aos facto- insustentável que levou à
a infiltração da água nos fazem parte do nosso pa- res de ordem económica sua erosão, perda de nu-
lençóis freáticos. A sombra trimónio nacional e são sobressai o avolumar de trientes e perda de matéria
proporcionada pela copa o produto de séculos de sucedâneos de cortiça na orgânica o que conduz ao
das árvores desenvolve um adaptação de gerações e indústria rolheira, que tem enfraquecimento e degra-
micro-clima que também gerações de agricultores a reduzido o preço daquele dação do subsistema arbó-
protege o húmus, cuja de- um meio ambiente agreste, produto, tornando cada reo. Para Potes, impõe-se o
composição microbiana é estéril e improdutivo. Nes- vez mais difícil a execução desenvolvimento da pecu-
acelerada pela exposição te sentido, os montados de dos tratamentos que a boa ária assente em pastagens
ao calor e aos raios solares. azinheiras e de sobreiros do gestão suberícola exige. semeadas plurianuais à base
Também os animais benefi- Algarve, do Alentejo e do Tanto a comunidade cien- de leguminosas, plantas que,
ciam da sombra do cober- Ribatejo podem-se conside- tífica, como os que fazem como os trevos, fixam azo-
to nas alturas mais quentes rar formas altamente enge- nascer e crescer os mon- to e incrementam os teores
do ano, melhorando o seu nhosas de tirar rendimento tados recebem, por isso, de matéria orgânica do solo.

81
ACONTECENDO LIVROS

Especial relevo assume que autoridades mundiais Carvalho Lança, recenseou seus pontos e vírgulas, in-
igualmente o controlo da para o ambiente considerem – que melhor livro para cluindo algum erro de or-
componente arbustiva, no o sobreiro “um elemento de abrir, em destaque, o Acon- tografia, o escrito de João
sentido de impedir que o combate à desertificação”. tecendo, nesta edição espe- Serra. Tinha enfim livro.
“mato” constitua uma fon- Chama a atenção dos leito- cialmente direccionado para Ainda tive de esperar três
te de combustível para os res para detalhes aparente- o Montado, no âmbito da anos para que a história
fogos estivais. O matagal mente insignificantes mas de Candidatura a Património amadurecesse na minha
é igualmente responsável importância extrema, como da Humanidade pela UNES- cabeça, mas o Levantado do
pela mobilização de água e sejam evitar a mobilização CO? Chão começou a ser escrito
nutrientes, impedindo um dos solos no período das Neste ano que passam 40 nesse dia, quando contraí
pleno desenvolvimento das fortes chuvadas de Novem- anos de 25 de Abril de 1974, uma dívida que nunca po-
quercíneas e da vegetação bro-Dezembro ou deixar efeméride que também está derei pagar.” (do prefácio).
herbácea da pastagem. pequenas áreas de mato presente nesta edição, não Com prefácio do próprio
Para o autor, à utilização intactas para que a fauna e olvidamos a questão social Saramago e posfácio de
de meios mecânicos deverá a flora encontrem locais de que o regime democrático Manuel Gusmão, que nos
ser acrescentada a luta bio- refúgio que sustentem a bio- veio alterar, nomeadamente oferece uma aturada análise
lógica através do pastoreio diversidade. É a protecção quando se refere o Alentejo. sobre esta relação entre o
com ruminantes. Recorda- de “bosques, medronhais, Este livro, através de teste- manuscrito – de João Car-
-nos pormenores históri- galerias ripícolas, árvores de munho pungente da vida de valho Serra – e o romance
cos valiosos: “…relativa- grande porte” fontes vitais extrema dureza de multi- – de José Saramago, referin-
mente a este processo de de biodiversidade de que dões de assalariados rurais, do (p. 276) “Uma das coisas
controlo biológico, nos sé- nos fala outra importante que nos deixa as vivências decisivas que Saramago faz
culos XVIII e XIX, na zona obra, “Um Cordão Verde sociais do montado nos três é retirar à personagem de
da Charneca Ribatejana, as para o Sul de Portugal” (As- primeiros quartéis do século João Mau-Tempo a função
heranças de propriedades sociação de Defesa do Patri- XX português, por outro de narrador que João Do-
traziam sempre associado mónio de Mértola). lado constitui-se como um mingos Serra exerce. Mas
um efectivo caprino, de acto de justiça de pôr em esta transformação é funda-
acordo com a respectiva Augusto Carvalho Lança destaque o trabalhador ru- mental para construir uma
dimensão. Foi desta forma (Doutor em Ciências Agrárias) ral, que foi autor do manus- figura de narrador-autor que
que se desbravaram ex- crito - de extrema lucidez e acolhe e largamente amplia
tensas áreas das chamadas capacidade analítica ainda as várias funções por aquele
areias do pliocénico na mar- que com palavras simples desempenhadas. Tem sido
gem esquerda do rio Tejo, Uma Família do Alentejo. e directas – que esteve na dito que é em Levantado do
para dar origem a grandes Mistérios da Natureza génese do livro, através do Chão que pela primeira vez
superfícies de Montado e da Política qual, José Saramago iniciou o na obra de Saramago encon-
caracterizado pela alta qua- seu percurso fulgurante que tramos essa figura que nos
lidade e quantidade da cor- o levou à conquista do No- habituamos a reconhecer
tiça produzida.” bel. Referimo-nos a Levanta- como característica da nar-
Mas estes óptimos técni- do do Chão e ao encontro de ração saramaguinana.”
cos poderão ser de difí- Saramago com o Alentejo. Neste livro onde encontra-
cil implementação, tendo É a este excelente rela- mos passagens comoventes
em conta a desertificação to de João Serra iniciado como a que, já no período
do interior do país com em 1904, aquando do pós-25 de Abril, se refere
a inerente dificuldade na casamento dos pais um ao então o Capitão Andra-
contratação de trabalha- ano antes de nascer, que de da Silva, oficial na E. P. de
dores. Por outro lado, a Saramago terá ido beber, Artilharia de Vendas Novas
competição dos produtos João Domingos Serra ao tomar contacto com o (p. 250) - que há duas edi-
da agricultura intensiva, Fundação José Saramago manuscrito, como o pró- ções, nestas páginas, nos
tornam complexo o esco- Lisboa, 2010, 278 pp. prio reconhece: deixou um histórico depoi-
amento da carne, do leite “Com o livro debaixo do mento da sua participação
e do queijo dos montados. Não sendo os livros em des- braço corri para o meu re- no 25 de Abril.
A estas questões dedica o taque edição muito recentes, fúgio e pus-me a ler, com a Livro que se lê com enorme
autor um capítulo de ava- são antes de mais e na sua ideia de ir copiando à mão prazer e emoção, tal como
liação económica onde diversidade, dois excelentes as passagens mais interes- acontece com a leitura da
analisa igualmente as res- livros, que tematicamente se santes, mas rapidamen- obra a que deu origem, por-
tantes produções deste sis- inserem nesta edição. O Mon- te compreendi que nem que não obstante o papel
tema multifuncional, desde tado no Portugal Mediterrânico uma só daquelas palavras duplo de narrador-autor, en-
a lã e a lenha à exploração de José Mira Potes, Provedor poderia perder-se” (…) contramo-nos perante uma
de cogumelos e à caça. da Confraria do Sobreiro e e mais à frente: verdadeira obra literária,
Por fim, investiga-se o im- da Cortiça, obra de excelen- “(…)Meti uma folha de pa- escrita por um desconhe-
pacto ambiental do sistema te rigor científico que o seu pel na máquina e comecei cido e humilde trabalhador
montado e impressiona-nos colega, o Doutor Augusto a trasladar, com todos os rural «Sem instrução e sem

82
LIVROS ACONTECENDO

cultura» como o próprio a complexa, de modo a po- mais restrito, criada no interesse (via e-mail) em
si se refere, que, nos intro- der ter-se uma obra que âmbito da Sociedade de participar junto do gestor
duz, com palavras simples e possa ser lida pelo público Portuguesa de Materiais e da REDECOR (luis.gil@
directas, no cenário sombrio em geral mas ao mesmo da sua Divisão de Materiais lneg.pt).
e desolador do Portugal no tempo ser um auxiliar para de Origem Florestal, cons-
início do século passado até as pessoas mais ligadas aos tituída em 2004. Luis Gil
à década de setenta. dois sectores. Esta rede desenvolveu
Neste edição sobre o mon- O texto inicia-se com uma trabalho de recolha e di-
tado, aqui fica a nossa ho- abordagem aos aspectos vulgação de informações
menagem a um homem do históricos permitindo ava- sobre uma série de acon- Filhos de engano
campo, simples e sem ins- liar o início e a evolução tecimentos com interesse Amor, sexualidade
trução, mas que com dig- da relação entre a bebida no domínio da cortiça. E grupos sociais
nidade retratou as agruras e o seu vedante de eleição, Os assuntos são de carác- No Alentejo
da sua vida e da família e, até se chegar ao vinho en- ter económico, científico,
usando o poder da palavra garrafado. Segue-se uma técnico e outros, sendo
escrita, faz disso literatura. apresentação dos aspectos “alimentados” por notícias
João Domingos Serra nas- técnicos, descrevendo-se o emanadas da comunicação
ceu no Lavre, a 9 de Feve- material cortiça, a sua pro- social, publicações diver-
reiro de 1905. Completa- dução e transformação em sas, mensagens recebidas
-se em breve 100 anos. rolhas, assim como o tri- pelo coordenador da rede,
Quem conhece João Do- nómio rolha-garrafa-vinho, nomeadamente por parte
mingos Serra? passando pelos problemas dos seus membros e ainda
dos gostos, aromas e outras por pesquisa na internet.
Eduardo M. Raposo anomalias. Para além destes Toda a comunicação é es-
(Doutor em História Cultural assuntos são também abor- tabelecida por e-mail. Esta
a das Mentalidades dados aspectos industriais e rede foi sendo alargada,
Contemporâneas) comerciais. A operação de contando com membros Isabel Marçano
engarrafamento e os siste- de 4 países diferentes, de Edições Colibri, Lisboa,
mas de extracção das ro- entre empresas e associa- 2013, 198 pp.
lhas são também analisados, ções do sector, bem como
“A CORTIÇA E O referindo-se ainda uma bre- Universidades, Laborató- Isabel Marçano é socióloga,
VINHO” ve caracterização dos pro- rios e outras instituições doutorada em Sociologia
dutos concorrentes. Não e pessoas com actividades e Mestre em Antropologia
foram esquecidos aspectos e interesses nesta área. A Cultural e Sociologia da
relativos à normalização, a informação é dividida nas Cultura pela Universidade
patentes e outros aspectos seguintes áreas temáticas: nova de Lisboa.Com ex-
com interesse. Este livro, Eventos; Social/Cultural; periência na docência e na
perspectiva também, no Curiosidades; C&T; Am- investigação universitária.
final, o futuro da utilização biente; Economia/Merca- Tem-se dedicado ao es-
conjunta da cortiça e do dos; Rolhas; Aglomerados; tudo de fenómenos de
vinho, ou seja, a continua- Floresta; Concorrência; reprodução social, traba-
Luís Gil ção e o aperfeiçoamento Diversos. No âmbito des- lho e desemprego na so-
INETI/CEDINTEC deste “casamento” que se te Rede têm também sido ciedade portuguesa. Este
Lisboa, 2006,190 pp. tem mantido ao longo do efetuados Encontros anu- livro constitui uma análise
tempo. ais, relacionados com di- e uma pesquisa sobre a
Tratando-se de dois clusters versos temas.Esta Rede é reprodução social ligada
da produção nacional, quer atualmente financiada pelo aos nascimentos fora do
a nível da produção quer a PRODER, terminando o casamento no Baixo Alen-
nível industrial, a cortiça e “REDECOR – Rede projeto no final deste ano. tejo Litoral (concelho de
o vinho mereciam que algo Temática do Sobreiro Atualmente o número to- Alcácer do Sal) com in-
fosse escrito sobre cada e da Cortiça tal de contactos que inte- vestigação aprofundada na
um, não individualmente, gram esta rede e recebem freguesia rural.
como já foi feito por outros informação é de cerca de O livro consta de duas
autores, mas relativamente 1700, constituindo este partes:
à sua associação, que tem projecto uma importantís- Primeira com cinco itens a
tradições históricas. sima ferramenta com vá- saber:1 Ilegitimidade (re-
Pretendeu-se com este li- rias utilidades para a fileira flexão teórica);2 Contexto
vro desenvolver este tema, da cortiça. Dado que a geográfico socioeconómi-
quer em alguns campos informação e participação co;3 Demografia ; 4Corpos
sob um ponto de vista mais são gratuitas, qualquer in- sociais; 5 Religião e práticas
técnico, quer noutros com A REDECOR teve início teressado pode apresen- mítico-religiosas.
uma abordagem menos numa outra rede de âmbito tar uma manifestação de Segunda:1 Namoro e suas

83
ACONTECENDO LIVROS

etapas; 2 Casar em Santa obra com aproximadamen- História e foi professor Para a História da
Susana;3 Reprodução fora te 24000 ditados distribuí- no Ensino Preparatório. Assistência em Portugal.
do casamento; 4N Tipos dos por ordem alfabética. Alentejano de Vila Nova Do Asilo de Mendicidade
de Ilegitimidade; V Rela- O livro desta autora pode de Milfontes tem investiga- ao Abrigo dos Velhos
ção entre géneros, filhos considerar-se uma autênti- do e tratado temas sobre Trabalhadores de
e parentesco; VI Atitudes ca Antologia da Sabedoria a sua região: (o Concelho Montemor –o- Novo
perante a Ilegitimidade; VII Popular. de Odemira) organização 1914- 2014
Uma sub-sociedade pro- Termino citando as pala- - político administrativa
pensa à bastardia? vras doutas da autora na do território, economia,
Conclusões: No fim do sua “Nota Explicativa «Di- islamismo, religião, forti-
prefácio que fez desta tado, provérbio, máxima, ficação marítima, história
obra a Antropóloga ame- rifão, adágio, anexim… portuária ,etc.
ricana Caroline B.Brettell considero que são sinó- Entre outros trabalhos pu-
diz: A investigação sobre nimos talvez apenas uns blicou os seguintes livros:
história familiar e demo- mais populares outros mais - Odemira Histórica
grafia histórica, em Por- pomposos, mais eruditos, - Colos contributos para a Teresa Fonseca
tugal, não é, de todo, tão pelo que optei pela palavra sua história Colibri, 2014,
extensa como nos outros DITADOS em memória - A Saga dos Astrolábios 133 pp.
países do Ocidente e Sul ao povo que usava essa - A Economia Marítima exis-
da Europa. O livro de Isa- linguagem popular, riquís- te Nesta obra sobre o percur-
bel Marçano ilustra bem a sima, cheia de sabedoria - Culturas Marítimas so do Asilo Montemoren-
relevância do caso portu- empírica, que chegou até de Portugal se Até à Atual Associação
guês para o nosso enten- nós, passada espontanea- - Mares de Sesimbra, Etc. Protetora do Abrigo dos
dimento teórico dos pro- mente de boca em boca, Com este seu livro pro- Velhos Trabalhadores, Te-
cessos sociais e demográ- e que ainda hoje muitos de curou entender o Rio resa Fonseca, brinda-nos,
ficos do passado até aos nós usamos, quase sem nos Mira, no seu valor como mais uma vez, com a sua
dias de hoje.” apercebermos, essencial- porto enquadrado no abordagem holística, funda-
mente os mais velhos, ou sistema de portos do Li- mentada na História, sobre
Maria Vitória Afonso que, tal como eu, oriundos toral Alentejano. Parte da especificidades do contexto
do mundo rural, cresceram premissa teórica de que a alentejano. A assistência em
envolvidos por uma lingua- microanálise lhe facilitará Montemor- o Novo será
gem impregnada dessas muitas respostas para as um bom começo para se
Dicionário de Ditados frases simples cheias de questões a que se pro- pensar na génese da temá-
(Provérbios) e frases doutrina»-fim de citação. põe responder. Tendo em tica no país.
feitas conta os factores econó-
Maria Vitória Afonso mico, técnico, institucional Ana Pereira Neto
e sociocultural procurou
esclarecer o papel do rio
Mira nos quadros regional
O Rio Mira no Sistema e nacional. Mas se privi- Memórias Paroquiais da
Portuário do Litoral legia a microanálise, An- Vila de Alandroal e seu
Alentejano (1851 -1918) tónio Quaresma acha im- Termo (1758)
portante a macroanálise e
por isso não prescinde do
“Jogo de escalas” e outras
técnicas inerentes à mes-
Deolinda Milhano ma.
2ª Edição Enfim este livro é uma im-
Edições Colibri, Lisboa portante síntese da sua tese
2014, 377 pp. de doutoramento e que se-
gundo o júri que o avaliou é
Deolinda Milhano é na- um trabalho nos aspectos
tural de Fortios conce- estruturais, muito sólido no Isabel Moreira Alves
lho de Portalegre. Licen- seu conjunto, e um sentido Edições Colibri / Câmara
ciou-se em Português/ de rigor e muito bem articu- Municipal de Alandroal
Francês. Leccionou pelo António Martins lado no tempo e no espaço. Lisboa, 2013, 104pp.
Baixo e Alto Alentejo. Quaresma com detalhes muito porme-
Iniciou-se com “Cartas Âncora Editora norizados. A Obra reporta-se a um
Amordaçadas”em 2006. 2014, 422 pp. tempo muito definido,
Dois anos depois publica Maria Vitória Afonso 1721-1758, a um espaço
”Dicionário de Ditados (Pro- António Martins Quaresma circunscrito ao limite ad-
vérbios e Frases Feitas)”, é licenciado e doutor em ministrativo das freguesias

84
LIVROS ACONTECENDO

que constituem a Vila de à investigação histórica em e Director do Centro de Apresenta com este traba-
Alandroal e a um tema: tempo parcial exercendo História da Faculdade de lho uma importante contri-
memórias paroquiais A in- também funções nas áreas Letras da Universidade de buição, na interpretação e no
vestigação histórica situa- do”Património”, “Gestão Lisboa. conhecimento do ambiente
-se na análise descritiva de Qualidade” e “Seguran- Resumidamente são os se- histórico arqueológico, que
a um conjunto de docu- ça”. Colabora em Revistas guintes os itens do trabalho: envolve a Igreja de São
mentos históricos que da especialidade. Deixa I - Consolidação da forma- Francisco e o Paço Real de
têm como fundamento as neste trabalho de inves- ção territorial pelo povoa- Évora. Importantes símbo-
respostas, a quatro distin- tigação, um importante mento los da cidade. Fazendo uma
tos inquéritos, produzidas documento de recolha his- II - Arez e a ordem do Tem- descrição muito atraente das
pelos párocos das respec- tórica, para análise do pre- plo: sedentarização e evolu- características que molda-
tivas paróquias, a quem sente (onde parece que, ção ram estes monumentos ao
eram dirigidos, em plena desde então, quase nada III - O espaço real: paisagem longo dos vários anos, que
época do iluminismo. mudou) e perspectivação e povoamento. envolveram a sua constru-
do futuro. Bem haja. IV - Caracterização econó- ção. Que atravessou vários
O primeiro inquérito foi mica reinados, nomeadamente,
produzido pela Academia Manuel Pacífico V – Organização social o reinado de D. Afonso V,
Real da História em 1721. VI – Considerações Finais D. João II e D. Manuel, este
O segundo pela Secretaria Contem 22 gravuras; 6 ultimo monarca, conclui-
de Estado e pelo padre Mapas; 6 documentos dos -o as obras e foi o principal
Luís Cardoso em 1732. AREZ quais destaco o Foral de responsável pela influência
O terceiro foi elaborado Da Idade Média à Idade Arez; 3 Quadros. no embelezamento e de-
pela altura do Terramoto Moderna Segundo o estudo de coração deste património,
em 1755.O último foi di- Ana Santos Leitão Arez adotando o estilo manuelino,
rigido pela Secretaria de era uma terra senhorial e que chegou até nós 500 anos
Estado dos Negócios In- recebeu Carta de Foral, depois do seu início.
teriores do Reino e ainda dada por D. Manuel I, em Apresenta um discurso
pelo Padre Luís Cardoso. 20 de Outubro de 1517. coerente e de fácil leitura,
Os aludidos inquéritos fo- Arez actualmente é uma acompanhado de figuras e
ram feitos à escala nacional freguesia do concelho de imagens elucidativas enri-
em formato manuscrito e Nisa, integrada no distrito quecendo este trabalho de
à posterior reunidos em de Portalegre na região do investigação.
44 volumes. Encontram-se Alto Alentejo
actualmente na Torre do João Santos
Tombo. Maria Vitória Afonso

A Obra em epígrafe, tem


como suporte científico Ana Santos Leitão Lavre , Oito Séculos
de apoio, uma biografia Edições Colibri A Igreja de São Francisco de História
especializada, que lhe ga- Lisboa, 2013, 192 pp. e o Paço Real de Évora
rante o necessário rigor
histórico, das “memórias” Ana Cristina Santos Lei-
investigadas. Está estrutu- tão, nascida em Lisboa em
rada em Cinco Capítulos, 1971,é licenciada em Histó-
antecedidos de uma intro- ria pela Faculdade de Letras
dução, sendo os Quatro da Universidade de Lisboa
Primeiros de explicitação e Mestre em História Re-
dos conceitos e clarifica- gional e local pela mesma
ção das temáticas tratadas faculdade. Possui o Curso
e, o Último referencia a Superior de turismo e pós
análise descritiva contida graduação em Gestão Au-
nas respostas dos párocos tárquica Avançada.
aos inquéritos, sobre cada Excelente estudo monográ-
uma das paróquias (leia-se fico, muito completo e por- Teresa Fonseca
freguesias). menorizado sobre a evo- Francisco Bilou Colibri, 2014, 197 pp.
lução histórica da freguesia Edições Colibri, Lisboa,
A autora – Isabel Alves de Arez. Esta abordagem 2014, 132 pp. Monografia histórica de lei-
Moreira, nascida em Lisboa resultou da dissertação tura obrigatória para quem
em 1964, licenciada em do Mestrado de História Trabalho de investigação de quer conhecer a identidade
História, dedica-se, segun- Regional. O prefácio é de Francisco Bilou, Licenciado de Lavre que tem um dos fo-
do informação recolhida autoria de Hermenegildo em Historia e mestre em rais mais antigos do país.
da aba biográfica da Obra, Fernandes seu orientador arqueologia e Ambiente. Nesta obra é feita uma

85
ACONTECENDO LIVROS

abordagem a partir da sua neste movimento que tanto todo o ouro do mundo!” dora e historiadora conhe-
origem enquanto povoado contribuiu para a Revolução de Como na contracapa se re- cida do grande público de-
até à atualidade marcada 1974 – dirigentes estudantis, fere o momento mágico em vido aos seus trabalhos em
pelo processo de união das jornalistas, críticos, editores de que a emissão da “Grândo- defesa dos Estado Social:
Freguesias de Lavre e Cor- rádio e de televisão. (…) la, Vila Morena” pôs a revo-
tiçadas. Este movimento cultural deu lução em marcha. “O livro de Raquel Va-
um novo rumo à nossa histó- Neste livro, da autoria da rela analisa pela primeira
ria recente (…)” alentejana Mercedes Guer- vez numa obra de na-
Fernando Mão de Ferro reiro e do belga Jean Le- tureza académica o pa-
Cantores de Abril (editor) maître, jornalistas, somos pel político pelo Partido
Entrevistas a Cantores e transportados a par e pas- Comunista Português no
outros Protagonistas do Ana Pereira Neto so, aos ‘bastidores’ dos dias processo revolucionário
“Canto de Intervenção” que antecederam a madru- de 1974/1975. Fá-lo de
gada libertadora, como e forma bem sustentada,
quem decidiu e ‘passou’, construindo uma, ainda
aos microfones da Rádio que naturalmente con-
Grândola Vila Morena Renascença, a “Grândo- troversa, de um período
A Canção da Liberdade la” –o seu nascimento, em crucial da nossa história
Maio de 1964, e a poste- do século XX.”, refere
rior gravação em Paris, em Fernando Rosas.Valério
1971, integrando o sublime Arcary (IFECT de S. Pau-
Cantigas de Maio. lo), no prefácio diz-nos:
Com título original Grândo- “Este livro conta-nos uma
la Vila Morena, Le Roman história ao mesmo tempo
d’une chanson, onde se fascinante e perturbado-
Eduardo M. Raposo encontra a preocupação de ra. Raquel Varela revela-
Colibri, 2ª Edição, informar o leitor estrangei- -se uma historiadora insti-
Lisboa, 2014, 247 pp. ro sobre o nosso país, com gante diante de um tema
chancela da Colibri, viu a delicado (…) Produzir
No dia em que se celebrou sua distribuição pelo jornal história política séria e ri-
o 40º aniversário do 25 de Mercedes Guerreiro/ Público – tal como acon- gorosa é impossível sem
Abril de 1974, o Público Jean Lemaître tecera dia 25 de Abril com enfrentar a polémica.(…)”
lançou a 2ª edição desta Edições Colibri o nosso Cantores de Abril realçando a autora o “in-
obra, de autoria do Dire- Lisboa, 2014, 126 pp. - precisamente quando per- controverso génio político
tor da Revista Memória faziam 40 anos do encontro de Álvaro Cunhal”. Tendo
Alentejana, editada pela “24 de Abril de 1974, no re- do Zeca com Grândola e o por base a tese de Douto-
Colibri há 14 anos. lógio da Rádio Renascença com o Alentejo. ramento de Raquel Varela,
toca a meia-noite. A tensão Um livro que naturalmente fundamenta-se num alar-
“Contra a censura, contra agudiza-se. saudamos. gado conjunto de fontes
a PIDE, contra a repressão, (…) escritas, desde o Avante!
contra a guerra, não tínha- Ouve-se então a voz grave e a restante imprensa par-
mos outras armas: tínhamos e bela de Leite de Vascon- tidária, panfletos, comu-
a poesia, a canção, a guitar- celos declamando “Grân- nicados e documentos te-
ra. E foram elas que, de certo dola, Vila Morena”: “Terra óricos e programáticos do
modo, na madrugada do 25 da fraternidade, o povo é A História do PCP na partido, assim como do-
de Abril, floriram também quem mais ordena”. Surge Revolução dos Cravos cumentos exteriores ao
nas armas libertadoras.” a seguir a canção de José PCP: do Foreign Office,
Manuel Alegre (do prefácio) Afonso, tão esperada: “Em comunicados do PS e do
cada esquina , um amigo”, I Governo Constitucional,
“A Poesia e a Música foram “Em cada rosto, igualdade”. imprensa diária, Arquivo
a chama que alimentou a Mas eis que irrompe no es- da RTP, mas também tes-
esperança na liberdade, des- túdio, como um bulldog, o temunhos e memórias de
pertaram consciências contra agente da censura, nervo- protagonistas do período
a guerra colonial e minaram so, pronto a morder. em análise.
a ditadura salazarista. O livro (…) Um inestimável contributo
Cantores de Abril, de Eduardo Albino e Tomaz já nem para uma melhor compre-
M. Raposo, presta homena- ouvem o fantoche vocife- ensão da nossa História
gem aos Poetas e Cantores rando ao seu lado. Ignoram recente.
que fizeram os Cravos florir em completamente as amea- Raquel Varela
Abril, mas também a todos os ças. A senha passou na ín- Bertrand Editora
homens e mulheres que par- tegra. A sua missão históri- Lisboa, 2011, 399 pp. Eduardo M. Raposo
ticiparam voluntariosamente ca foi cumprida e isso vale De Raquel Varela, investiga-

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LIVROS ACONTECENDO

Cadernos do Endovélico 1 IBN MARUAN, Campo Abierto, Campo Abierto,


Revista Cultural do Revista de Educación Revista de Educación
Concelho de Marvão Volume 32 nº 1 volume 32 nº 2
Estudos e Documentos
de Apoio à Candidatura
a Património Mundial

Facultad de Educación,
Universidad de Extremadura
Servicio de Publicaciones
Centro de Estudos de la Universidad de
do Endovélico Extremadura y Facultad de
Edições Colibri/CM Alandroal Educación de Badajoz, 2013,
Lisboa, 2013, 223 pp. 172 pp. Facultad de Educación,
Universidad de Extremadura
Esta revista faz parte de um Edições Colibri, Município de Esta revista reúne uma série Servicio de Publicaciones
projeto lançado pela Câma- Marvão, 2014, 285 pp. de artigos, que tal como o de la Universidad de
ra Municipal do Alandroal, nome indica, giram à volta do Extremadura y Faculdad de
designado “Centro de Estu- Esta revista coordenada ensino. Neste número os es- Educación de Badajoz, 2013,
dos do Endovélico” dirigido por Jorge Oliveira, lançada tudos incidem mais no ensi- 216 pp.
pela Professora Doutora pela Câmara Municipal de no primário, com artigos que
Ana Paula Fitas. Funcionan- Marvão, serve de apoio, abordam aspectos como os
do desta forma como meio para a candidatura de Mar- que passo a citar: “qué saben Esta revista reúne uma sé-
de divulgação dos trabalhos vão a Património Mundial. los alunos de Primaria sobre rie de artigos, que giram á
de investigação, na área Apresenta uma serie de los sistemas materiales y los volta da educação, neste
do património material e artigos de um conjunto câmbios químicos y físicos?” número (além de outros
imaterial, no concelho do alargado de investigado- de Florentina Cañada Caña- aspetos), os artigos expos-
Alandroal, com uma perio- res, das mais diferentes da, Lina Melo Niño, Rubén tos na revista, abordam
cidade anual. áreas de estudo, para que Álvarez Torres, este é um principalmente temas que
Este primeiro número apre- se pronunciem sobre a ri- estudo realizado em que têm em conta, a aprendiza-
senta na íntegra uma serie queza do concelho, e as- mostra que os alunos não gem dos alunos, a relação
de artigos, que foram apre- sim criar uma base para a conseguem distinguir entre entre professores e alunos,
sentados no Congresso candidatura a Património uma substancia pura de uma disciplina escolar, a impor-
“Por Terras do Endovélico: Mundial. misturada, principalmente tância do pequeno-almoço
Território e Cultura, Cami- quando a mistura é identi- no desenvolvimento esco-
nhos de Identidade” em ju- Este número da revista ficada como um produto lar, a importância de uma
lho de 2013, que antecedeu IBN MARUAN é de gran- natural como o leite. Mostra educação adequada para
o lançamento desta revista. de valor para quem pre- um grande distanciamento alunos com o Síndrome
Apresenta artigos de gran- tende conhecer melhor das novas gerações ao mun- de Down. E também as-
de qualidade científica, gi- este concelho e um lega- do natural, em que o leite petos relacionados com a
rando principalmente em do para as atuais e futuras com chocolate é apenas um formação de professores,
torno do culto ao deus gerações. Apresenta um produto e não uma mistu- conhecimentos didáticos
Endovélico, com as esca- concelho verdadeiramente ra de vários! E citando mais dos conteúdos e avaliação.
vações feitas no santuário rico, em paisagens, fauna, dois artigos desta revista, Estes são alguns dos assun-
que o representa “S. Miguel flora, geologia, arqueolo- para ficarem com uma ideia tos abordados nesta re-
da Mota”, do qual saiu um gia, história, etnografia e mais abrangente da mesma. vista, apresentando vários
importante expoli-o arque- património móvel e imó- “Valoración de los deberes temas pertinentes, para o
ológico, dando lugar a uma vel. Que deixa qualquer y derechos docentes y de la ambiente social em que vi-
serie de trabalhos cientí- pessoa com vontade de o comunidade educativa por vemos atualmente.
ficos muito interessentes. conhecer ao vivo. las famílias” de faustino Lar-
Aqui apresentados, fazendo rosa Martinez, José Manuel
desta revista um importan- Revista muito bem con- Garcia-Fernández. E “Alfa- João Santos
te legado para as atuais e seguida, e que prova que betizacion multimodal: usos
futuras gerações. Na salva- Marvão têm potencial para y posiblidades” de Javier
guarda do património. ser Património Mundial. Gonzáles García.

87
ACONTECENDO LIVROS

Callipole, Revista de Callipole – Revista Revista de Estudos formas comunicar e apren-


Cultura nº 21 de Cultura Extremeños ANO 2013 der cultura.
Estudos sobre Florbela Espanca Tomo LXIX Numero III Fica aqui também a ho-
- O Espólio de um Mito - II Setiembre – Diciembre menagem ao Sr. José-Vidal
Madruga, autor do primei-
ro artigo desta revista: “So-
bre epigrafia en Esparrago-
sa de La Serena” que fale-
ceu pouco tempo depois
do lançamento da revista.

João Santos

CD com Número
Extraordinário da
Camara Municipal de Vila Município de Vila Viçosa Centro de Estudios Revista de Estudios
Viçosa, 2014, 315 pp. Nº 21- 2014 Extremeños Extremeños Ano 2014
(Número Especial), 182 pp. Diputación de Badajoz, Tomo LXX
Revista de Cultura lança- 2013, 2251 pp.
da pelo município de Vila Com a última edição da
Viçosa, que vai no seu vi- Revista Callipole é publi- Revista que reúne uma sé-
gésimo primeiro ano ativi- cado este número espe- rie de artigos científicos,
dade. Apresenta uma serie cial, desta feita o 2º vo- muito interessentes, que
de artigos, sobre história lume. Como refere no vão desde a pré-história,
contemporânea como as- verso “(…) está recheado com a “Organización del
suntos relacionados com de pensamento , intuição, território a través del
o reinado de D. Miguel I, paixão e alguma dor. Está Arte Rupestre: El ejem-
D. Carlos, passando por recheado de Florbela Es- plo del arroyo Barbaón Centro de Estudios Extre-
uma abordagem ao escri- panca. A sua herança, a en el Parque Nacional de meños
tor Saramago, um artigo sua inspiração, o seu enig- Monfrague (Caceres, Es- Diputación de Badajoz,
interessente sobre a emi- ma e o seu desafio – são paña)” com a participação 2014, 904 pp.
gração no caso Extremeño instâncias a que, mais de de vários investigadores,
– Alentejano. oitenta depois da morte até épocas mais recentes Este numero reúne uma
Apresenta também uma da poetisa calipolense, não como um artigo sobre serie de vinte e oito arti-
serie de artigos relaciona- podemos ainda deixar de o assédio de Badajoz a gos, que abordam vários
dos com vila Viçosa, que responder. Campo Maior “Del asedio aspectos, relacionados
vão desde a ocupação É dessa capacidade de in- de Badajoz en 1705 al de com o ambiente religioso
romana até épocas bem terpelação de Florbela – Campo Maior en 1712” de vivido em Badajoz nos úl-
mais próximas de nós. uma interpelação que, não Moisés Cayetano Rosado. timos quinhentos anos ou
Um artigo muito interes- raro, envolve a sedução, E também artigos com te- seja entre os seculos XVI
sente sobre uma referen- ou o embaraço – que os mas bem atuais como por a XXI.
cia da musica portuguesa, escritos aqui reunidos tes- exemplo: “Envejecimiento,
José Afonso. E por últi- temunham.” realidad demográfica de Apresenta tento artigos re-
mo, apresenta ainda duas Textos de 15 autores e res- Extremadura” de Julián Ga- lacionados com a parte do
homenagens, uma a Túlio ponsabilidade editorial de lindo Terrones, um proble- património material, bem
Espanca um importante Ana Luísa Vilela – que assi- ma que afecta fortemente como uma serie de arti-
escritor natural de Vila Vi- na a introdução – António Portugal. E “Brecha digital gos abordando tudo o que
çosa e a outra homenagem Cândido Franco – autor de en Extremadura: la esci- diz respeito ao ambiente
vai para Bento de Jesus um dos artigos - Maria Lú- sión entre la élite online social, organização eclesi-
Caraça, outra personali- cia Del Farra e Fábio Mário y los parias offline” de Al- ástica, obrigações e direi-
dade de Vila Viçosa, desta da Silva, com este novo fonso Vázquez Atocheiro, tos, entre outros aspetos.
vez um grande matemá- volume sobre Florbela, a este é um artigo muito in- Com o rigor científico que
tico português, entre ou- todos saudamos e nome- teressente en que o autor os estúdios Extremeños
tras singularidades deste adamente ao Município de faz uma viagem desde o já nos habituaram. Deixo
senhor. Vila Viçosa, que edita. século XV até aos dias de aqui referência a três arti-
hoje, em que o autor re- gos que dão uma ideia dos
fere uma nueva revolución aspetos abordados e para
socio-cultural, que se se- aguçar o apetite: La Dióce-
João Santos Eduardo M. Raposo gui-o à escrita e à palavra, sis de Badajoz entre 1664 y
abordando as diferentes 2014 de Fernando Cortés

88
LIVROS ACONTECENDO

Cortés; Renovacción del Um álbum de excelente de ter sido escrita por uma “devem ler o livro se lhes
plan de formación de los apresentação que nos con- mulher; os contornos so- aprouver essa leitura, que
seminários (1962-1992) vida para os espaços onde ciológicos de retrato e fala da vida conforme a ob-
Aspectos pedagógicos de habitaram e criaram José denúncia; os cambiantes serva e a retrata.”
Francisco González Loza- Régio, Manuel da Fonseca, mais ou menos assumidos Neste seu novo romance,
no e Las rentas de los obis- Fialho de Almeida, Cristo- da sexualidade – como no Ceia recupera personagens
pos de Extremadura en el vam Pavia, Francisco Buga- duro e cru Cheira a Sexo e de outras incursões literá-
Antiguo Régimen (1556- lho, Ruben A, Mária Saa, a Morte, editado em 2003 rias, para persistir na trans-
1837) de Maximiliano Bar- Brito Camacho, António (pela chancela Escritor) – formação das vivências e da
rio Gozalo. Sardinha, Francisco Manuel ou a influência da Mitologia geografia que tão conhece
de Melo Breyner (Conde e da Literatura Clássica. em narrativas de catarse e
João Santos de Ficalho), António de Um contributo a registar, reflexão.
Macedo Papança (Conde interessante para quem se-
de Monsaraz) ou Saúl Dias. gue o trabalho desta escri- João Morales
Se a casa de homem é o tora, mas igualmente para
Casas de Escritores no seu castelo, quando se tra- quem se sinta tentado a
Alentejo ta de figuras da cultura, po- aventurar-se pelos cami-
demos dizer que será não nhos da sua escrita. Mal Nascer
só o seu abrigo de eleição
e espelho da personalida- João Morales
de, como musa inspirado-
ra, cujos reflexos podem
ser encontrados na obra
deixada. Terra da Paciência

João Morales

Joseia Matos Mira


Secundido Cunha (textos) e Obra Literária
Sérgio Freitas (fotografias) Carlos Campaniço
Opera Omnia, Guimarães, Casa das Letras, 2014,
160 pp. 191pp.

«Em Portalegre, cidade/ No século XIX, no tempo


Do Alto Alentejo, cerca- Francisco Ceia das guerras liberais, um
da/ De serras, ventos, pe- Edições Colibri, médico refugia-se na aldeia
nhascos, oliveiras e sobrei- Lisboa, 2013, 450 pp. alentejana onde nasceu e
ros/ Morei numa casa ve- da qual foi expulso, ainda
lha,/ À qual quis como se Actor (fundou mesmo a criança, pela prepotência
fora/ Feita para eu Morar companhia Teatro do Se- dos senhores locais. Com
nela...», inicia José Régio a meador, em 1980, por ter- uma nova identidade, nin-
sua Toada de Portalegre. Sérgio de Sousa ras de Portalegre, de onde guém reconhece no Dr.
Trata-se da pensão onde Anáfora é natural) é na música que Santiago Barcelos o peque-
foi viver, vindo de Vila do Lisboa, 2014, 125 pp. Francisco Ceia tem sido no guardador de porcos
Conde, e que foi gradual- mais notado (com vários Santiago Bento, que caiu
mente alugando até a ocu- A obra de Joseia de Matos álbuns publicados, incluin- em desgraça depois de tes-
par na totalidade. Ele, e a Mira, autora de diversos do a poesia de José Régio, temunhar a morte aciden-
sua magnífica colecção de títulos, entre romance, Fernando Namora, António tal do filho do mandante da
mais de 500 cristos. conto e poesia, é o ponto Sardinha, Maria Rosa Cola- aldeia, Albano Chagas.
de partida para este estu- ço ou Vergílio Ferreira mu- O ambiente não mudou.
É desta e de outras histó- do, onde são abordados sicada). Em declarações à Chagas e a sua corte con-
rias que nos fala Casas de diversos dos seus títulos e Rádio Campanário (de Vila tinuam a pôr e dispor da
Escritores no Alentejo, li- se avançam algumas pistas Viçosa) o autor confessou vida da população. Com a
vro criado por Secundido para a descodificação e uni- que “é muito complicado sua ciência, Santiago tenta
Cunha (textos) e Sérgio ficação entre os mesmos. um autor falar do seu livro, e minimizar o sofrimento dos
Freitas (fotografias), publi- O autor elabora percursos a prova disso mesmo é que seus conterrâneos, vítimas
cado pela Opera Omnia, por diversos aspectos pa- quer o “Jogo das Janelas”, duma doença endémica
na senda do que já fez re- tentes na sua obra – como quer a “Terra da Paciência”, chamada pobreza.
lativamente aos escritores a diferenciação que lhe con- nenhum deles tem sinop- Carlos Campaniço (Safara,
do Minho e Douro. cede o cunho gestacional se”. Por isso, acrescentou, 1973) liberta-se neste livro

89
ACONTECENDO LIVROS

das influências do realismo “ Fica longe a casa e já não sul/renovo a antiga aliança/ grande conteúdo filosófico
mágico que sobressaem sei se vamos ou se vimos, que selei/sob o amplexo lar- e sobretudo humanista.
em obras anteriores. Tenta contamos os passos já go do azul/nas origens, com Na sua temática é bem vi-
construir uma voz própria, andados e há ainda o ca- a terra/e com o povo. sível: o sentido de família,
capaz de modelar a reali- minho, esse ligar de todo (…) o lirismo, a capacidade de
dade sem a mediação de imaginário por onde nos “o tempo recortado em se autoanalisar, a preocu-
efeitos já muito vistos, con- perdemos e cumprimos” imagens do passado, as- pação com a sociedade e
tinuando a reflectir sobre sombram este belo livro os seus males actuais.
as injustiças sociais. Porque Ana Pereira Neto de poesia, escrito no rigor Numa linguagem muito
conhece de perto o mun- da palavra e na beleza da simples e com um voca-
do que descreve, imprime metáfora, marcas de uma bulário nada rebuscado,
ao relato uma grande ve- escrita de notável qualida- surgem por vezes imagens
racidade, o que, a par da Paisagem com Figura de.” (do prefácio). e metáforas muito profun-
riqueza verbal, constitui um Para deixar água na boca, das. Por um lado, os seus
dos motivos de interesse de termino com excerto do po- poemas denotam muita
“Mal Nascer”. ema que dá título ao livro… sabedoria empírica no que
(…) respeita ao conhecimen-
Alberto Franco Era da sombra, o recorte to do ser humano, fruto
sobre a cal/e o olhar repou- do seu exercício da me-
sando na lonjura/interior de dicina, por outro encanta
casa que o postigo esconde/ o autor pela simplicidade
Longo Caminho para era solitária paisagem com com que se exprime. É
Casa figura. (p. 74). de uma maneira salutar
Para quando um novo li- que exprime as relações
vro, Inácia? humanas através de sua
poesia que tem por vezes
Maria Inácia Henriques Eduardo M. Raposo alguma sátira social como
Ed. Autor com apoio da Câ- se vê nos poemas:”Natal”,
mara Municipal de Almada “Ministros”,”Grande Ilu-
Almada, 2010, 98 pp. são”, “A Meu Pai”etc.
POEMAS TARDIOS
Conheci a Maria Inácia num SEMENTES Maria Vitória Afonso
colóquio onde intervi sobre
a Arte no pós de Abril, que
Nuno de Figueiredo a SCALA no âmbito dos 40
Minerva Coimbra, 2014, anos de Abril. Trocamos SOLTAR EMOÇÕES
139 pp. algumas palavras precisa-
mente sobre a Memória
Vencedor no ano de 2013 Alentejana e eis que pouco
do Prémio Literário, institu- depois, a propósito de uma
ído pela Câmara Municipal das exposições onde a Iná-
de Vila Viçosa, Florbela Es- cia – que também é pinto-
panca na categoria Poesia, ra - participou este ano na
este livro é um registo belo Oficina de Cultura, um dia
de reflexões ontológicas surpreendeu-me oferecen- Manuel da Várzea
sobre o tempo das vivên- do-me este livro onde for- Editora Rio Almonda
cias e da memória, fio de ma e conteúdo – poemas Golegã, 2011, 156 pp.
ligação entre o autor e a e ilustrações da autora, se
sua busca pela compreen- completam numa delicade- Manuel da Várzea, é o Ausenda Ribeiro
são do mundo, que requer za extrema: a poesia pura pseudónimo de Rui Manuel Edições Colibri/CM Alandroal
constante definição. Ma- com a subtileza de um gra- Alonso Melancia, médico Lisboa, 2013, 89 pp.
drugada acesa, Sombra Si- fismo suave e envolvente. reformado que exerceu a
gilosa e Memória Precária, Deste belo livro – que foi sua profissão nos Hospitais Ausenda Ribeiro é natural
são os títulos dos capítulos Prémio de Poesia e Ficção Civis de Lisboa excepto os do Alandroal. O seu per-
ou fases para compreen- de Almada 2009 - e desta dois anos em que esteve curso académico foi feito no
são desse mundo interior/ poetisa, natural de Beja – a a cumprir serviço mili- Alandroal e Vila Viçosa. Ini-
exterior cujo encontro se minha primeira cidade – tar na Guiné. Natural de ciou o percurso profissional
prolonga num caminho deixou-vos alguns excertos Cascais. Aposentado em nos CTT do Alandroal
para o qual somos convida- para saborear serenamente: 2004, dedicou-se à poesia E abdicou deste trabalho
dos a percorrer. Herança (p. 16) sendo este livro a sua pri- para cuidar dos filhos Ingres-
Deixamos as palavras do “A carvão e a barro/sobre a meira publicação. Um livro sa, mais tarde, na Adminis-
autor (pág. 13): cal/à luz clara do paralelo de poemas simples mas de tração Pública.

90
LIVROS/DISCOS ACONTECENDO

Afonso editou neste ano entre o lirismo dos campos ARMA, 2013
Publicou em1999 o seu este pequeno livro de po- do sul e dos mares do ven- Grupos Corais
livro ”Momentos”. Tem esia pleno de palavras be- to. Mas a diversidade tam- do Concelho de Serpa
participado em diversos las que patenteiam o sentir bém nos transporta a Mi-
concursos de poesia e os das impressões emotivas randa do Douro, pela mão
seus trabalhos têm sido de vivências feitas memória de Giacometti, à tradição
reconhecidos em menções de várias fases do seu per- vocal judeu-espanhol-oto-
honrosas e alguns prémios. curso, enquanto mulher e mano, espanhol-sefardita
A temática da sua poesia: poeta de alma trastagana. ou ladino-sefardita ( Can-
A família, os sentimentos Medo, paixões, deslum- ção de Amor do século
que a ligam a ela, (ternura, bramento e Amor são al- XV), ou à dramaturgia do
solidariedade, amor, cum- guns dos temas que são fio espanhol Miguel Murrilo, Confraria do Cante, 2014
plicidade), a sua terra natal condutor nos 50 poemas por entre poemas de José
e duma maneira geral o que, para quem conhece a Jorge Letria, Hélia Correia, Chegou-nos, pela mão
Alentejo. autora, ilustram bem o seu Maria Manuela Espinho, Amiga do Armando Torrão
Eis um poema seu constante desassossego António Lobo Antunes, - grande músico e Alente-
criador, já conhecido por Jaime Rocha e António jano de Serpa, estes três
Folha Principal muitos que apreciam este Patrício. Nestes temas ei- trabalhos.
O meu país é um livro tipo de arte. vados de uma disparidade O primeiro CD é fruto
Tem na folha principal evidente, reencontramos a do agrupamento com o
Gravado o seu distintivo Ana Pereira Neto voz e a genialidade de Jani- mesmo nome. Como nos
Na palavra Alandroal. ta, especialmente nos mais refere o próprio Arman-
nos mais líricos como “ Em do, que faz o baixo e a
Essa palavra tão nobre nome da Rosa”, a “ Outra voz ”tem música da nossa,
É nome de Terra Mãe Em Nome da Rosa Rosa” ou “ Já não há ro- com instrumentos e vozes.
Endovélico a cobre sas”, onde é evidente a ter- Sem artifícios melódicos
Com seu manto do Além. nura da dedicatória à Isabel ou harmónicos tenta re-
– para quem enviamos vo- tratar as farras à volta do
Em época já remota tos de rápida recuperação. copo, do petisco e da sã
Num templo hoje em ruína O disco conta com apoios confraternização.”
Foi em S Miguel da Mota diversos - cinco entidades- Assisti duas vezes a actua-
Altar de bênção divina. e músicos de nomeada- di- ções deste grupo: uma
recção musical e arranjos delas na biblioteca de
Maria Vitória Afonso Janita Salomé de Filipe Raposo, obra que Beja, tendo o Armando
Ponto Zurca, 2014 saudamos com fraterno e os companheiros se
abraço ao amigo Janita. deslocado de Serpa, para
O Percurso dos Afectos “ Sei do cantar amigo, canta fraternal e solidariamente
a certa altura Janita. Um an- Eduardo M Raposo participarem na apresen-
tigo que vive por ser vivido. tação na Nova Antologia
Identidade e busca. Se não de Poetas Alentejana –
se trata mesmo de busca Rastolhice onde não estavam repre-
como forma superior de sentados e a ligação … era
identidade. Como dizia a nossa amizade. Amizade
um outro ibérico de boa que nasceu numa tarde e
memória, o caminho faz-se noite de copos, petisco e
andando.” “bailo” – com prolonga-
Escreve David Ferreira so- mento até ao alvorecer
bre o mais recente disco - na pequena e acolhedo-
de Janita, saído no início do ra quinta do Armando…
Maria Vitória Afonso Verão. Edição de Autor, 2010 teve continuidade uns
Ed. de autor Este CD, em doze tempos, anos mais tarde, quando
sl. 2013, 70 pp. onde o mais mediterrânico ARMA – Associação Re- nos encontramos no Fes-
dos luminosos irmãos Salo- gional de Música Tradi- tival do Peixe no Rio, no
Depois da edição de Con- mé, de raíz sefardita - Fer- cional do Alentejo Pomarão e não resisti a
tos e Vivências do Sudoes- reira também nota que faz um convite de subirmos o
te Alentejano (2008), da 30 anos que saiu o pungen- Guadiana num barquinho
sua participação naNova te A Cantar ao Sol, a ou- de um outro amigo, com a
Antologia de Poetas Alen- tra parte de nós que Janita Englantina – a companhei-
tejanos (2012) e de Co- foi resgatar aos laranjais ra do Armando – e o Zé
zendo o Pão Costurando de Casablanca- nos brinca Orta, viagem única, pela
a Vida (2013) editados com o experimentalismo e paisagem, pela companhia
pela Colibri, Maria Vitória busca de novos caminhos e… bem regada.

91
ACONTECENDO DISCOS

Mas a primeira vez que fa- de Violas Campaniças”; do Baixo Alentejo, inti- memórias 2
lei com o Armando foi no “Cante Moço”; “Cruzeiro”; mamente direccionados
Pax Júlia – tinha o Mestre “Trigo Roxo”; “Alencante” e para as ervas medicinais e
António Chainho, que eu “Artezões da Música”. aromáticas dos montes e
acompanhava acabado de Por seu lado, os grupos co- vales, do nosso imaginário
actuar - e fiquei emocio- rais são: “Grupo Coral Etno- de gentes do Sul, gentes
nado pelo forma emotiva gráfico da Casa do Povo de do montado.
como o Armando, que Serpa”; “Grupo Coral Etno- Com um suporte muito
estava com “Os Alente- gráfico ‘Os Camponeses de apelativo – o disco den-
janos”, se apresentou a Pias”; “”Rancho Coral Mas- tro de uma caixinha com
Chainho – penso que os culino de Brinches”; “Ran- amostras de chás para to-
apresentei - com a humil- cho Coral Os Camponeses mar enquanto saboreamos
de dos homens íntegros de Vale do Vargo”;” Grupo os temas – Celine, num Grupo Coral
e grande músico que é o Coral Feminino ‘As Papoi- trabalho ainda que breve, Etnográfico
Amigo Torrão. Bem, es- las do Enxoé”; “Rancho reafirma aqui a solidez e a Cantares de Évora
tou aqui a contar estas de Cantadores da Aldeia imagem de marca do seu
histórias mas estou a es- Nova de S. Bento”; ”Ran- percurso musical a solo, Edição do grupo, 2008
gotar o espaço destinado cho Coral de A-do-Pinto”; pleno da delicada essência Apoio da Câmara Municipal
à recensão. Mas muita coi- “Grupo Coral de Vila Verde da nossa tradição musical e de Évora
sa está dita: No Restolhice de Ficalho”; ”Grupo Coral oral. Repartindo a direcção Delegação Regional
alinham também António ‘Os Ceifeiros de Serpa” e musical com Alex Gaspar da Cultura de Évora
Caturra – voz e castanho- “Rancho Coral Etnográfico – que com Celina e João
las – Fernando Mestre – de Vila Nova de S. Bento”. Eleutério assina a produ- Devido à postura solidária
guitarra e voz – João Cata- Enquanto alguns são temas ção - a nível instrumental do amigo Joaquim Soa-
luna – acordeão e voz – e do Cancioneiro, outros são Celina brinda-nos com res, pode um dia, ao som
outro grande “velho Ami- de autores diversos, como acórdão, metalofone, vas- das vozes impares de seis
go”, Pedro Mestre – viola o “Hino da Confraria” , de souras de palha, enquanto cantares dos “Cantares de
campaniça e voz. José Lopes Gato. Alex Gaspar, Diogo Leal, Évora” “testar” a excelente
E hei-de um dia a Serpa… Fred Gracias, Marco Perei- acústica da grande e bela
O segundo disco, editado lá nos encontremos na ra e António Bexiga exe- sala Suggia - a melhor do
pela ARMA, 14 temas de 14 Venda do Engrola… ou no cutam 10 instrumentos, Porto e uma das melhores,
grupos, tem como objecti- Lebrinha, a beber uma im- entre a viola campaniça e senão a melhor, de Portu-
vo dar a conhecer o pano- perial fresquinha (até rima) a flauta de tamborileiro e gal – para a actuação, no
rama da música tradicional Um grande abraço Ar- Filipa Ribeiro faz os coros. dia seguinte dos “Amigos
do Alentejo, pois são gru- mando Torrão! um grande Parabéns, Celina pela sua- do Alentejo” do Feijó.
pos com acompanhamento abraço amigos de Serpa! ve beleza como preservas
musical, enquanto o mais o nosso património. No final o Joaquim Soares
recente grupo, edição da Eduardo M. Raposo prometeu-me a oferta des-
Confraria do Cante,destina- Eduardo M. Raposo tes discos, um acabado de
-se a divulgar o Cante dos sair, outro em preparação.
10 grupos corais do conce- Como bom alentejano, le-
lho de Serpa. Em todos está O cante das cruas vou algum tempito… está-
presente Armando Torrão, memórias vamos em Julho de 2007.
quer como responsável Todavia, por constituírem
pela recolha e pesquisa, no uma retrospectiva deste
editado pela ARMA, ou na grupo surgido em 1979 – o
coordenação no de Cante. primeiro é dedicado a to-
Todos têm apoio do Muni- dos os coralistas que pas-
cípio de Serpa, mas enquan- saram pelo grupo ao longo
to o dos corais tem também dos seus primeiros 25 anos
das freguesias, o segundo e inicia com um excelente
tem ainda da Confraria e o Celina da Piedade texto, intitulado “O Cante:
Rastolhice tem também da Jardim da Boa Palavra, 2014 essa paixão” da, também
ARMA e do Município de Neste seu novo traba- nossa amiga e companhei-
Porte. lho, lançado na Casa do ra dos “Jograis do Alente-
Para que conste, os grupos Alentejo na Primavera de Grupo Coral jo”, Margarida Morgado,
musicais são”Improvisos do 2014, Celina da Piedade Etnográfico que com a devida vénia
Sul”,, “Ardila”; “Malteses”; mais uma vez nos volta a Cantares de Évora transcrevemos:
“Os Alentejanos”; “Nova seduzir com a frescura da
Aurora”; “Serões do Alente- voz quente e melodiosa. Edição do grupo, 2005 “Assim o cante: eis o real da
jo”; “Cantares da Meia-Noi- Ao longo de seis temas Apoio da Câmara Municipal língua, revestido de ideolo-
te”; “Restolhice”; “Grupo do repertório tradicional de Évora gia da pobreza e dos seus

92
DISCOS ACONTECENDO

fantasmas. Cante para vi- círculo restrito de origem, Outubro. Este novo projeto Tendo vivido esta realidade
ver, cante para morrer. Para afirma-se como forma cul- conta com 12 temas menos Os Antigos Alunos da Escola
amar, para rir, para chorar e tural e matriz de outras divulgados, mas detentores Primária Masculina de En-
para louvar. Para irromper músicas.(…)” da grande riqueza do can- tradas decidiram prestardia
na respiração dos dias. Na cioneiro alentejano, trans- no dia 3 de Maio de 2014
transpiração das horas de Numa altura em que a can- portando-nos para tempos uma singela homenagem às
trabalho criador. No silên- didatura do Cante a Pa- passados e homenageando professoras e professores
cio repousante do olhar que trimónio da Humanidade todos os seus protagonistas como forma de agrade-
se alonga e se prolonga na não estava ainda na ordem e envolvência das gentes cimento por toda a ins-
paisagem, “jardim do mun- do dia como hoje, também das terras do sul. Os temas trução e saberes que nos
do”, realizado ao longo dos aqui encontramos razões em destaque neste traba- transmitiram, pelo esforço,
dias, dos anos, ao longo dos para que tal candidatura ve- lho são claramente“No empenho e dedicação, e
séculos pela geada e pelo nha a se coroada de êxito. Largo da Feira de Castro” dizer-lhes o quanto foram
frio, pelo calor e pela bruma e “O Moinho do Largo da importantes na nossa for-
bruma, pelo sul e pela lua, E para do Grupo Cantares Feira”. São estes tributos mação como indivíduos.
pelas humaníssimas mãos – de Évora, o coral alenteja- à memória alentejana que Neste evento tivemos a
tornadas hábeis graças ao no geograficamente mais dignificam os mais velhos e oportunidade de visitar
ver fazer milenar dos que setentrional, aguardamos transmitem aos mais novos alguns locais na Vila de En-
já foram nos idos dos tem- novas e certamente exce- as histórias das gentes alen- tradas, que nos transporta-
pos ciclicamente renovados. lentes gravações como es- tejanas. ram a esse passado duran-
Assim o cante solsticial ao tas, como são também as te a escolaridade primária.
Menino que chega, trazendo suas actuações. Visitamos as casas onde
consigo o Ano Novo, a visita Francisco Manuel algumas das professoras
dos Reis, cantados na alegria Um abraço fraterno. Constantino Pinto viveram, a Igreja de Nossa
e na esperança dos tempos Senhora da Esperança e as
novos que anuncia. Tempos Eduardo M. Raposo Escolas Primárias.
novos. Tempos cantados. Nesta viagem ao passado
Tempos esperados. (…)” Homenagem dos não pudemos igualmente
Cada CD com 12 temas Antigos Alunos da Escola deixar de visitar o novo
onde se saboreia o Cante Terra Branca Primária Masculina Museu da Ruralidade, onde
na sua essência onde de de Entradas aos/às estão patentes as nossas
surgem alguns dos temas Professores/ras raízes, o trabalho e a vivên-
mais paradigmáticos e mais 1956 – 1967 cia de outros tempos.
belos do Cancioneiro tra-
dicional, interpretados com O ponto alto do dia foi al-
o rigor que o Joaquim So- moço convívio no Centro
ares imprime, enquanto lí- Cultural, que se prolon-
der e mentor do grupo, as- gou pela tarde, e em que
sinando em ambos os dis- atuou o grupo musical “Os
cos a produção e direcção Banza”, um dos elementos
musical, deste grupo coral Arlindo Costa deste grupo pertencente
misto se estende também Feira de Castro, aos Antigos Alunos da Es-
à indumentária de que Soa- Castro Verde, 2013 cola Primária Masculina de
res um dos mais acérrimos Os professores do Ensino Entradas.
defensores. No seguimento do exce- Primário sempre foram O evento ficou assinalado
lente trabalho lançado em os principais educadores com a entrega de lembranças
O investigador José Rodri- 2012 “TERRA BRANCA” e e mestres para a maioria às professoras e professores.
gues dos Santos (Cidehus- das quais se destacam pela das gerações dos anos cin-
-Univ. de Évora), deixa-nos, qualidade das letras e sono- quenta e sessenta. Francisco Manuel
no segundo CD, em “Can- ridade os seguintes temas: Constantino Pinto
to, Vivo”, análise de grande “Terra Branca”, “Moda dos Nos anos de 1956 a 1967,
qualidade e seriedade: Mastros”, “Que Inveja Tens em pleno Estado Novo, de-
Tu das Rosas”; “Já Rom- corria uma grande reforma
“(..) peu a Bela Aurora”, veio do ensino primário tendo Museu Municipal de
Levados, à sua escala, para em 2013 brindar-nos com como objectivo combater Santiago do Cacém
outras terras, para além do outro rico reportório com o analfabetismo cuja taxa nomeado para “Prémio
Tejo e para além de ma- o seu novo CD “FEIRA DE era altíssima na época. A Acesso Cultura”
res e continentes, pelos CASTRO”, que veio abri- partir de 1956 a escolarida-
mais humildes alentejanos, lhantar e enaltecer a maior de obrigatória passou a ser Depois de ter obtido uma
o Cante conserva a sua feira do Sul do país que se de quatro anos, e poste- menção honrosa no Prémio
força atractiva, perpetua- realiza em Castro Verde no riormente em 1967 passou Melhor Serviço de Extensão
-se, difunde-se fora do seu terceiro fim de semana de a ser de 6 anos. Cultural/Serviço Educativo

93
ACONTECENDO DIVERSOS

2013, atribuído pela Asso- Livraria A das Artes ensaísta, dispersando co- Este trabalho audiovisual é
ciação Portuguesa de Mu- premiada com melhor laborações em jornais dedicado à Cidade de Al-
seologia (APOM), o Museu atendimento como O Diabo e Sol Nas- mada e ao concelho, apre-
Municipal de Santiago do cente, além de inúmeros sentando imagens de locais
Cacém volta a estar nome- A livraria A das Artes fun- suplementos culturais que simbólicos como Cacilhas,
ado para uma distinção a ní- dada em Sines em 2003 – impulsionou ou em que Ponte 25 de Abril, Cristo
vel nacional, desta vez para actualmente a única livra- simplesmente colaborou. Rei, Parque da Paz, Câma-
o “Prémio Acesso Cultura”, ria do Litoral Alentejano e Tendo sido um dos respon- ra Municipal, Solar dos Za-
que foi entregue no dia 18 uma das poucas existentes sáveis pela criação das co- gallos e panoramas da Cova
de junho, no Museu da Elec- no Alentejo, foi eleita a li- leções literárias Novo Can- da Piedade, Laranjeiro/Fei-
tricidade em Lisboa. vraria do país com melhor cioneiro e Novos Prosadores, jó, onde o grupo estásedea-
atendimento ao público. O que revelaram poetas e do -no CRF (Clube Recrea-
O Museu Municipal de San- reconhecimento foi o resul- ficcionistas do neorrealis- tivo do Feijó) – desde o seu
tiago do Cacém é um dos tado do inquérito “Livraria mo, tem destaque a ação nascimento, em 1986.
34 candidatos ao prémio, Preferida 2014”, levado a que desenvolveu em torno
ao lado de referências na- efeito em Maio e Junho pela da revista Vértice, da qual Este é um dos mais pres-
cionais como o Museu Be- empresa IpsosApeme, em foi, durante longos anos, tigiados dos mais de 100
rardo e o Museu Machado colaboração com a APEL – principal animador, editor, grupos corais masculinos
dos Santos, ou o Teatro Associação Portuguesa de diretor e redator de largas existentes, quer seja pelo
Nacional D. Maria II. Livreiros e Editores. dezenas de artigos; só pos- repertório, pelo rigor do
tumamente toda essa vasta traje ou pela forma de ex-
O equipamento municipal atividade crítica e ensaística cepção como interpretam
apresenta-se a concurso se começou a reunir. as modas do Cancioneiro –
com o projeto das Oficinas a que não é alheio o activo
de Pintura Itinerante, onde Álvaro Salema – Joaquim Licenciado em Ciências e carismático presidente, o
são aprendidas técnicas de Namorado: cultura e Matemáticas pela Univer- Amigo Joaquim Afonso.
pintura abstrata, em ateliês intervenção sidade de Coimbra, foi im-
dinamizados pelo Professor pedido pelo Estado Novo O grupo quer desta forma
Charles Hejnal. de lecionar em escolas retribuir o apoio e o cari-
oficiais, fazendo carreira nho com que sempre tem
de professor de matemá- contado, quer da Câmara,
tica no ensino particular, da Assembleia Municipal
Carla Ferreira ganha mesmo como explicador, e das Freguesias da actual
Grande Prémio de até o 25 de abril de 1974, União deAlmada, Cova da
Jornalismo “(Re) a partir do qual ingressou Piedade, Cacilhas e Pragal e
Descobrir o Artesanato Joaquim Namorado no quadro docente da uni- da União Laranjeiro –Feijó,
nos Media” MOSTRA | 27 jun. - 20 set. | versidade onde se formou. num concelho onde estão
Sala de Referência radicados tantos ou mais
“Fénix – O Renascer da Entrada livre alentejanos e seus descen-
Ronca”, um trabalho emi- dentes do que as cidades
tido pela “Rádio Campaná- Centenário do nascimento alentejanas mais populosas
rio”, Vila Viçosa, da autoria Joaquim Vitorino Amigos do Alentejo como Évora e Beja.
do jornalista António San- Namorado nasceu em lançam DVD/CD
tos de Oliveira Pinto, ob- Alter do Chão a 30 de
teve uma menção honrosa.  junho de 1914 e foi em
Coimbra que veio a mor-
O certame, cujo lança- rer em 29 de dezembro
mento o SJ apoiou, tem de 1986 como destacada,
como objectivos “promo- mesmo controversa, figu-
ver e incentivar a criação ra de homem de cultura e
e investigação jornalística dinamizador incansável na
sobre as artes tradicionais cidade universitária. En-
portuguesas, contribuindo quanto poeta, a sua criação
para a sua valorização e é bem representativa da
reconhecimento nacional e «mitologia neorrealista»,
internacional, como factor tendo publicado Aviso à
de afirmação da identidade Navegação (1941), Incomo-
cultural e de desenvolvi- didade (1945) e Poesia Ne- O Grupo Coral Etnográfico Assim, este DVD/CD, se
mento económico do País”. cessária (1966); mas esse “Amigos do Alentejo” do tem como objectivo cen-
movimento deve-lhe ainda Feijó, Almada está a prepa- tral a divulgação do nosso
http://www.jornalistas.eu/?n=9280 um importante papel, des- rar um DVD/CD, previsto Cante, funciona também
de jovem, como crítico e para sair ainda este ano. como a face mais mediática

94
DIVERSOS ACONTECENDO

do trabalho persistente e “A alma de uma região de Setembro, teve antees- De referir que o filme, re-
rigoroso do grupo – que é através da sua música.” treia no dia 12, na Casa do alizado no âmbito da can-
também um cartão de visi- Alentejo, perante centenas didatura do Cante a Patri-
ta de Almada. de pessoas. A sessão foi mónio Imaterial da Huma-
antecedida de uma actua- nidade, foi financiado pela
O trabalho conta com o ção de cinco grupos corais Câmara Municipal de Ser-
apoio destas entidades, na Igreja de S. Domingos, pa, co-financiado pela RTP
apoio logístico do CRF, sen- que entoaram cante re- e Fundação Gulbenkian,
do o texto de nossa autoria. ligioso. No dia seguinte produzido e distribuído
continuou um conjunto por Sérgio Tréfautb / Faux
de actuações de corais em e teve o Esporão como
Eduardo M. Raposo locais da cidade, como o marca associada..
Mosteiro dos Jerónimos, a Alvo de muitos elogios de
Sé, o Castelo de S. Jorge, críticos imprensa, nacional
entre outros, prosseguin- e internacional, registamos
do até 29 de Novembro as “palavras” elucidativas de
Exposição itinerante uma programação diversi- Jorge Mourinha (Público):
“No extremo do al- O documentário Alentejo ficada – no Porto e espe-
Ândalus. Mértola Alentejo, de Sérgio Tréfaut, cialmente na Grande Lis- “Tréfaut capta com uma
e o Guadiana” galardoado com o “Prémio boa – a que se associam 12 sensibilidade notável a alma
de Melhor Filme Português conhecidos restaurantes de uma região que se reve-
IndieLisboa 2014”, com lisboetas, designada por la através da sua música.”
estreia nacional em Lisboa, Rota do Cante.
Porto e Almada desde 18 Eduardo M. Raposo

Inaugurou no dia 25 de Ju-


lho a exposição itinerante
“No extremo do al-Ânda- Há quinze anos no Alentejo a Alumipax-alumínios dedica-se à comercialização e
lus. Mértola e o Guadia- distribuição de alumínio, quer de perfis normalizados e perfis para caixilharia com ou
na” que esteve patente sem rotura térmica, quer de chapas decorativas, lisas ou antiderrapantes, bem como
na sala de exposições do portas e painéis e respectivos acessórios e equipamentos para habilitar os nossos
Castelo de Mértola até parceiros, serralheiros na realização de construções emalumínio, para portas,
28 de Setembro de 2014. janelas, fachadas, e outros bens e equipamentos para o conforto da sua habitação
A exposição, pela sua ou reabilitação do seu lar.
vocação itinerante, foi Se a nossa missão é e será contribuir para o combate à interioridade pela proximi-
pensada para ser exibida dade, na comercialização de produtos e serviços de anodização e lacagem de
em outras localidades de qualidade certificada conjugada com um serviço de distribuição e pós venda,
Portugal e Espanha, so- personalizados, temos e continuaremos a ter uma visão de sermos uma referência no
bretudo nas situadas nas mercado do alumínio em toda a zona sul do país e concretamente no Alentejo, con-
tribuindo para a protecção do ambiente, pela harmonia com a paisagem alentejana
margens do rio Guadiana,
e assim, darmos o nosso contributo para o crescimento e desenvolvimento sustentado
pelo que as legendas e os da economia na região alentejana e do país.
textos explicativos das pe-
ças estão em português,
espanhol e inglês. Mérida
será o próximo local onde
a exposição poderá ser vi-
sita, prevendo-se a inau-
guração durante o mês de
Outubro.

Contacte-nos:
Rua da Metalúrgica Alentejana, nº 15 7800 -007 BEJA
Telefone: +351 284327979/302015522. Fax: + 351 284327993. E-mail: alumipax@gmail.com

95
A FECHAR

Mário de Carvalho ganha


Grande Prémio APE
No fecho desta edição chega-nos a notícia de que o grande escritor Mário de
Carvalho, Amigo solidário e colaborador na Memória Alentejana - que assina uma
excelente crónica nesta edição - acaba de ser distinguido com o “Grande Prémio
da APE de Conto e Novela” com o livro a Liberdade de pátio. Para o Mário de
A FECHAR
Carvalho um abraço fraterno de parabéns, nosso e de toda a equipa editorial.

Eduardo M. Raposo
Exposição internacional sobre o Montado
Decorre até ao (Espanha), Felícia Trales (Roménia), Glória Morán Mayo
final de Julho a (Espanha), Manuel Casa Branca (Portugal), Marco Fidalgo
Exposição inter- (Setúbal - Portugal), Rob Miller (Grã-Bretanha) e Ward
Na anterior edição anterior, nº 31/32 de 2013, pp. 7/8, na “Evocação de António Rato primeiro
nacional do Mon- Janssen (Holanda). Locais
Quanto deà escultura,
distribuiçãoteremos e venda:
a partici-
Director do Aeroporto Internacional de Macau”, da autoria de Francisco Manuel Constantino Pinto, na
linha 26,onde se lê:
tado na galeria pação de Manuel
A Mata Gil
Memória (Espanha).
Alentejana é distribuída para:
9ocre, no Largo A este grupo juntam-se
“no concelho da Moita, distrito de Setúbal, mais concretamente em Alhos Vedros e Baixa da Banheira…”
os as
Municípios, trabalhos de pequeno
Bibliotecas Municipaisformato
e Associações
De ler-se:
Banha de Andrade de alguns participantes
Culturaisque vêm das
através pintando ao longo
respectivas destes
Associações
em Montemor-o- três anos no Workshop
“em Almada, onde passou a adolescência e a juventude, tendo-se mudado para Alhos Vedros, após o
- “Plein air” na Herdade do Ga-
de Municípios.
casamento com Nélia Parreira, mãe dos seus dois filhos.”
-Novo. Esta será vião no concelho ribatejano
È também da Chamusca.
distribuída São eles,Regional
para a Direcção Ana
Pelo lapso apresentamos as nossas desculpas aos familiares e leitores.
a primeira edição Cruz (Santarém), BetâniadoPires
de Cultura (Viseu),
Alentejo, paraÂngela Pereira
as bibliotecas públicas
A redacção
da Exposição Internacional de Artes Plásticas sobre o (Lisboa), Etelvina Santos
e para a ERT (Montemor-o-Novo),
- Alentejo e Ribatejo Manuela
Montado, que tem como incidência temática “O sobreiro Aires Guerreiro (Castro Verde), Leontina Bucha (Monte-
no contexto da paisagem milenar humanizada”. Com esta mor-o-Novo) eEstá Graça Saraivaem
à venda (Mora).
livrarias de referência:
iniciativa pretende-se dar a conhecer os trabalhos de pin- Para ver aos sábados à tarde.
Livraria Nazareth – Praça Giraldo, Èvora,
Pretendo aderir ao CE DA Sócio Indi vidual
tores e escultores que se preocupam com a valorização Esta Exposição, Quiosque embora com outro formato,
Quota de 15 €/ano ( 10 € para j ovens e reformados) Bandeirante (junto tem previsto -Beja,
à Rodoviária)
do espaço paisagístico e patrimonial do Montado,Sócio
nãocolect
só ivoitinerância em Almada (Setembro) e outros locais.
Livraria A das Letras - Av. 25 de Abril, 8 - loja C,
no contexto nacional, mas também na Península Ibérica
Sines
e bacia
Pretendo ser assinante da revista do Mediterrâneo.
“Memoria Alentejana ” Expõem, Clara Báez Sócio
Merino
jovem Manuel Casa Branca
Região da Grande Lisboa:
Casa do Alentejo – R. Portas de S. Antão, 58
Devido a atraso surgido na publicação desta edição, bem como a limi-
aturalidade: no futuro, a Candidatura do Montado e Património Cultural Imaterial
tações de espaço, não foi possível inserir algumas temas que tinham sido
Livraria Bulhosa (Campo Grande).
da Humanidade, coordenada pelo Turismo do Alentejo, propomo-nos
Morada: L o c a l id a d e :
anunciados para esta edição. Na medida do possível tal irá acontecer CPna
: envidar esforços no sentido de a próxima edição ter como caderno
Na Margem Sul:
E-mail:
próxima edição. Aos colaboradores que enviaram os textos os nossos especial, a temática do Montado, tal como acontece nesta edição rela-
pedidos de desculpa. tivamente ao Cante.Casa do Livro – R. Garcia da Orta, nº 1, Almada
Telef.: Telemóvel: Fax: Tabacaria
Esta edição não segue – Praça do No
Gruta Ortográfico.
o Novo Acordo MFA, loja 6,
entanto osAlmada
co-
Próximo Número
H a b i l i t a ç õ e s A c a d é m ic a s : Café Cantinho
laboradores têm naturalmente Barde–opção.
liberdade Rua Ramiro Ferrão I I C.Almada.
Tendo em conta algumÁrea
trabalho já desenvolvido
de act ividade: e pela pertinência, no- Alma Alentejana - Av. Prof. Ruy Luís Gomes, 13r/c
meadamente o trabalho em curso com objectivo de se vir a efectivar, Os artigos publicados são da responsabilidade dos respectivos autores.
Laranjeiro;
Papelaria Baloiço – Rua Dr.Alberto Araújo, 18 B
Cova Locais
da Piedadede distribuição
Pretendo aderir ao CEDA Sócio Individual A Memória Alentejana é distribuída para os Mu-
Quota de 15 €/ano ( 10 € para jovens e reformados) Native Adventure Hostel – Rua Parque Natural
Sócio colectivo nicípios, as Bibliotecas Municipais e associações
da Serra de S. Mamede, 33, Verdizela
Pretendo ser assinante da revista “Memoria Alentejana” culturais através das respectivas Associações de
Sócio jovem
Dois números 3€/ano Municípios. É também distribuída para a Direc-
Sócio reformado
ção Regional de Cultura do Alentejo, para as bi-
Nome: Naturalidade:
bliotecas públicas, Turismo do Alentejo e livrarias
Morada: Localidade: CP:
de referência como a VOL- Serpa, Nazareth-
E-mail: Évora, a Fonte das Letras – Montemor-o-Novo,
Ficha técnica: Telef.: Telemóvel: Fax: o quiosque Bandeirante (junto à Rodoviária)-
Nº 33-34 2014 | Sede Casa Local do deAlentejo,
Trabalho: Rua das Portas de Santo AntãoAcadémicas:
Habilitações nº 58,1150-268,Lisboa | Redacção Beja, e939457523 | Publicidade
na região da Grande 914589947
Lisboa encontra-se à
E-mail: eduardoepablo@gmail.com Tel. | Proprietário:
Serviço: CEDAOutro-Contacto:
Centro de Estudos Documentais
Área de actividade: do Alentejo – Memória Colectiva
venda nae Casa
Cidadania | Edição
do Alentejo CEDA
e na Livraria | Os artigos
Bulhosa
publicados são da responsabilidade dos respectivos autores. Estes têm a liberdade deinteresse
Área de escrever (Campo Grande).
segundo o Novo Acordo Ortogáfico
para participar: ou não Na Margem Sul:Eduardo
| Director: Alma Alente-
M.Raposo
Observações
| Director Financeiro: Francisco Constantino Pinto | Coordenação Editorial: Eduardo M. Raposo | Editor de Imagem: jana, Av. Prof.Santos
João Ruy Luís| Editores:
Gomes, 13 r/c,
AnaLaranjeiro;
Pereira Neto,
Data de incrição: Papelaria Baloiço – Rua Dr. Alberto Araújo 18
António Ramos, Alberto Franco, Maria Vitória Afonso | Conselho Editorial: António Borges Coelho, António Ventura, Cláudio Torres, José Horta, Manuel Malheiros,
Contactos: 93 945 75 23 (Eduardo M. Raposo) B, Cova da Piedade e Café CantinhoBar – Rua
Moisés Espírito Santo, Rogério de Brito, Santiago Matias | Colaboraram neste número: A. M. Santos Nabo, A. Vermelho do Corral, Ana Fonseca, Ana Paula Amendoeira,
Ramiro Ferrão 11 C, Almada.
Ficha técnica
APCOR, Augusto Carvalho Lança, Câmara Municipal de Coruche, Câmara Municipal de Ponte de Sor, Câmara Municipal de Santiago do Cacém, Carlos Manuel Faísca,
Cláudio Torres, Daniel Pinheiro, Eugénio Menezes
Nº 31-32 de Sequeira,
Primavera/Verão 2013Fernanda Eunice
| Sede: Casa Figueiredo,
do Alentejo, Rua dasFrancisco M. Constantino
Portas de Santo Pinto, Francisco
Antão, nº 58, 1150-268, Naia, Francisco
Lisboa | Redacção: 939457523.Silvestre de Oliveira,
| Publicidade:
João Pereira Santos, João Morales, João Posser
914589947. de Andrade,
| E-mail: João Serrão, José Luis Tirapicos|Proprietário:
eduardoepablo@gmail.com;cedalentejo@gmail.com; Nunes, JoséCEDA-Centro
Mira Potes, de Luís Gil,
Estudos Mário dedoCarvalho,
Documentais ManuelColectiva
Alentejo – Memória Casa Branca,
Manuela Rosa, Maria da Graça A. Neto Saraiva,
e Cidadania NatáliaCEDA
| Edição: Teixeira, Rob Miller,
| Director: EduardoRogério
M. Raposode Brito | Fotografia
| Director e Pintura:
Financeiro: Francisco Alexandre
Constantino Pirata, Ana
Pinto | Editores: AnaPereira
Pereira Neto,António
Neto, António Ramos Marques
e
Alberto Franco
da Silva, António Cunha, António Galvão, António| Conselho
Ramos, Editorial: António Borges
A. Vermelho Coelho, António
do Corral, APCOR, Ventura, CláudioMunicipal
Câmara Torres, José de
Horta, Manuel Malheiros,
Coruche, Câmara Moisés Espírito Santo,
Municipal Santiagode
de Ponte Macias,
Sor, Daniel
Pinheiro, Eduardo M. Raposo, EugénioUrbano Tavares de
Menezes Rodrigues | Colaboraram
Sequeira, Gena de neste
Sousa,número: A. M. Santos
João Pereira Nabo,João
Santos, Alexandra Contreiras,
Santos, António
José Alex Cartageno,José
Gandum, Câmara Municipal
Manuel de Castro Verde,
Rodrigues, Do- Potes,
José Mira
mingos Montemor, Francisco C. Pinto, Francisco Lourenço Teixeira/ MODA – Associação do Cante, Francisco Naia, Francisco Torrão, João Mário Caldeira, Jorge Moniz,
José Zaluar, Manuel Casa Branca, Manuela Rosa, Maria da Graça A. Neto Saraiva, Pedro Soares,Rob Miller, Rogério de Brito, Teresa Cuco | Revisão: José Alexandre Gandum
José Francisco Colaço Guerreiro, José Orta, Manuela Rosa, Margarida Morgado, Maria Vitória Afonso, Miguel Rego, Paulo Nascimento, Paulo Ribeiro, Pedro Mestre,
| Capa: Reprodução da pintura gentilmente cedida por Manuel Casa Branca (pormenor Quercus Suber, 2HQ; 1; Amoreira da Torre) | Paginação e Impressão: Finepaper
Rita Alcazar, Urbano Tavares Rodrigues. | Fotografia: Ana P. Neto, António Ramos, CMCV, Eduardo M. Raposo, Ivan Vasquez, José Tomé Máximo, Manuel Giga Novo,
Tiragem 2.0000 ex | Depósito Legal Nicola172511.1 | ISSN:
Dinunzio, Nuno Le Coq, 1645-6424 /Registo:
Pedro Soares, Rob ICSreprodução
Miller. | Capa: 124487 de pintura gentilmente cedida por António Galvão. | Paginação e Impressão: Finepaper
| Tiragem: 1750ex | Depósito Legal: 172 511-1 | ISSN: 1645-6424 | Registo: ICS 124487
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