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27/03/2019 A visão filosófica do corpo

Escritos sobre Educação Serviços Personalizados


versão impressa ISSN 1677-9843
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Escritos educ. v.4 n.2 Ibirité dez. 2005
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Adilson Dumont1; Édison Luis de Oliveira Preto2 Permalink

Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira da Fundação Helena Antipoff -


ISEAT/FHA

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RESUMO

Observando como a "modernidade" apresenta o corpo humano, faz-se necessário refletir sobre esta corporeidade a partir da
influência filosófica greco-romana, a transição do mundo helênico-cristão - abordagens da modernidade como gênese da visão
emancipada da corporeidade hoje. A percepção do corpo subjetivo que temos hoje, em pleno terceiro milênio, possui como gênese
duas vertentes que perpassam a concepção de ser humano: a abordagem idealista e a tendência materia-lista. Neste ensaio,
tentaremos refletir sobre a construção e evolução desta corporeidade, contextualizando-a no mundo globalizado onde o corpo
passa a ser "produto mecanizado e mercadológico". Este breve estudo nos auxiliará na compreensão histórica forjada na
civilização ocidental, percebendo-se na "modernidade", uma perda de identidade diante das possibilidades tecnológicas e da
alienação humana.

Palavras-chave: "Physis", Corporeidade humana, Plato-nismo, "Dualismo psicofísico", Filosofia.

ABSTRACT

Accounting for the way human body is regarded in "modern times", it is a must to reflect upon such corporeity on the grounds of the
Greek-Roman philosophical influence, the transition from the Hellenic-Christian world - modern approaches as emancipated
genesis of current corporeity. The subjective perception of the body in the third millennium possesses, as genesis, two sources
going along with the conception of human being: the idealistic approach and the materialistic trend. It is our aim, in this study, to
reflect upon the building and development of such corporeity through the context of a globalized world where the body is perceived
as a "mechanized and marketable product". This brief study intends to guide us throughout the historical understanding shaped on
the occidental civilization and coming into light in the "modern times", a loss of identity due to technological possibilities, as well as,
human alienation.

Keywords: "Physis", Human corporeity, Platonism, Psycho-physic dualism , Philosophy.

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27/03/2019 A visão filosófica do corpo

Introdução
Para uma melhor compreensão, optamos por abordar a visão histórica do corpo dentro da grande influência platônica
(idealismo/materialismo) lançando luz para perspectivas atuais. Não é nossa intenção aprofundar sobre uma "metafísica do corpo",
nem uma fenomenologia do corpo. Pretendemos lançar alguns elementos, lances históricos na percepção do corpo humano como
base para a civilização ocidental. Chamaremos por testemunhas, filósofos gregos, medievais, renascentistas e modernos, sempre
relacionados com o processo educacional.

Abordagem idealista
Inaugurada pelos gregos, temos a concepção do "microcosmos" emancipando-se para o "macrocosmos" a natureza condicionando
e influenciando a visão do corpo3.

Platão (428-347 a.C.) reflete o mundo das idéias do qual a alma se originou e se encarcerou num corpo que é o mundo real,
apresentando o corpo como uma dimensão inferior, limitado, contraposto à alma (perfeita, eterna e imutável), lançando os
pressupostos para a teologia cristã. Assim sendo, as atividades relacionadas ao intelecto eram consideradas nobres, reservadas à
aristocracia, fomentando o chamado "ócio prestigioso" e, relegando às classes inferiores, os trabalhos braçais.

Já Aristóteles (384-322 a.C.) afirma que a alma tem a forma do corpo (hilemorfismo)4, e influencia o empirismo ao admitir que o
corpo ("physis") interage perfeitamente com este mundo a partir de suas percepções sensoriais: os sentidos, a intuição e a
consciência ("psiquê")5. Ambos influenciarão a visão de mundo e concepção de "Homem Moderno" ainda que o mesmo seja
moldado no modismo cibernético.

Como testemunho cristão do pensamento platônico temos a contribuição de Santo Agostinho (354-430 d.C.), bispo de Hipona, que
representará a teologia sobre o pecado original (o corpo como instrumento pecaminoso, caminho do mal): desenvolveu-se a noção
de culpabilidade, angústia, alicerçando a vida monacal:

"Eu não existiria, meu Deus, de modo algum existiria, se vós não estivésseis em mim; ou melhor, eu não existiria se não estivesse
em vós, de quem, por quem e em quem todas as coisas têm o ser." (SANTO AGOSTINHO apud DUMONT)

O advento da mentalidade Renascentista inaugurará conflituosas percepções do corpo humano, uma vez que durante a Idade
Média se firmaram os pilares morais, religiosos e filosóficos da concepção humana. O mundo medieval foi direcionado pela
teologia católica para a qual o sexo era pecado venial, tendo como finalidade a procriação dentro de um contexto matrimonial.
Estimulava-se "ascese" (ginástica espiritual): jejum, penitência, mortificação, ou seja, a negação do corpo 6.

"O corpo é também ocasião de corrupção e decadência moral, pois se a alma superior não souber controlar as paixões e os
desejos, o homem será incapaz de um comportamento moral."

A modernidade traz, no seu bojo, um conjunto de transformações: as grandes navegações, a concepção heliocêntrica, a
secularização do conhecimento, o antropocentrismo - marcando uma nova visão de homem no mundo e, conseqüentemente, da
sua corporeidade. Contrapondo a negação do corpo da mentalidade medieval, percebemos o hedonismo (culto ao prazer),
emancipação do "sujeito cosmológico"; há uma crescente dessacra-lização da corporeidade. Em uma perspectiva holística, temos
as personalidades de um Leonardo Da Vinci (1452-1519), Galileu Galilei (1564-1662), Michelangelo (1475-1564), Giordano Bruno
(1548-1600) e René Descartes (1596-1650); expressando esta nova visão temos o famoso quadro "A lição de anatomia" de
Rembrandt, onde o médico Vesálio (1514-1564) disseca um cadáver:

"Abrir o corpo de um morto para estudar sua constituição íntima é um crime capital, não somente porque jamais se sabe se o morto
está verdadeiramente morto, mas, sobretudo porque tal empreitada tem um caráter sacrílego. O olhar humano não deve se fixar
em regiões que Deus nos ocultou e não deve violar uma realidade sobrenatural, um dos aspectos do destino eterno do homem."
(GUSDORF, 1978)

O pensamento cartesiano instaura a fragmentação da percepção corpórea: "Penso, logo existo". Esta modernidade perceberá duas
"instâncias do corpo humano: "res extensa" (corpo e matéria) e "res cogitans" (coisa pensante). O que hoje entendemos como
dualismo psico-físico norteará abordagens distanciadas da proposta Holística dos gregos". Há uma crescente fragmentação do ser,
"dicotomizado" pelo racionalismo científico.

O darwinismo vem contribuir para com a secularização do corpo, demonstrando que o mesmo é produto de uma evolução
biológica, marcado pelo contexto geográfico e histórico. O capitalismo, através da Revolução Industrial, renegou o corpo à
condição de máquina, diante disto, surge a filosofia marxista, contrapondo-se à "reificação" do ser humano. Seus estudos abriram
as portas para a compreensão do ser humano, nos vários campos do saber, tais como: a perspectiva sociológica da historicidade
humana da produção intelectual de Karl Marx (1818-1883); Albert Einstein (1879-1955) "o ser no tempo-espaço", Edmund Husserl
(1859-1938) "o ser de consciência" e a remanescente contribuição da Psicanálise de Sigmund Freud (1856-1938), que em
congresso de l927 profere uma conferência com o sugestivo tema: "Eu lhes trago a peste":

"Nós, seres humanos somos infelizes. Nossos corpos adoecem e decaem, a natureza exterior nos ameaça com a destruição,
nossas relações com os outros são fonte de infelicidade. Mas todos nós fazemos os mais desesperados esforços para escapar da
tal infelicidade. O poder sobre a natureza não é o único pré-requisito para a felicidade humana, assim como não é o único objetivo
dos esforços culturais. Não nos sentimos à vontade em nossa civilização atual". (FREUD, 1927 apud SCHULTZ, 1995)

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27/03/2019 A visão filosófica do corpo

Novas perspectivas
A sociedade atual, principalmente a ocidental, vem através de uma lógica mercadológica, impor um padrão de corpo perfeito,
desenvolvendo nas pessoas, hábitos e comportamentos que as levem a perseguirem uma "beleza física". Como relata Frei Betto:

"(...) a publicidade invade o universo psíquico que chega a inverter a relação pessoa-mercadoria. Esta, revestida de grife, passa a
imprimir valor a seu consumidor/portador. (...) O produto passa a merecer mais valor que a pessoa, e esta se sente socialmente
valorizada na medida em que ostenta a posse do produto. O consumo consome o consumidor." (BETTO, 2006)

A mídia hollywoodiana, "formadora de opinião", também traz sua visão de corporeidade, através de seus marcos cinematográficos:
Blade Runner (seres humanos como meras cópias perversas e amorais), "O Homem Bicentenário" (o ser insensível), "Inteligência
Artificial" (seres humanos como sucatas recicláveis), "Matrix" (mundo virtual versus mundo real - outra vez reminiscências
platônicas) e "Simone" ( cujo enredo mescla fenômeno midiático, cultura de massa e padrão de beleza eurocêntrica). São
metáforas que denunciam a banalização do ser e perda da identidade do "humano" despojado de sua subjetividade. Diante do
avanço da cibernética e da biotecnologia tais questões se colocam como desafio. Quais conceitos de "modernidade" e quais
concepções de ser humano são forjadas nesse terceiro milênio. Podemos ainda falar em paradigmas nesse binômio "Homem-
Modernidade"?

Considerações finais
Como percebemos, durante séculos, o mundo esteve preso primeiramente a uma visão idealista e depois materialista, chegando
atualmente ao mundo globalizado, fortemente influenciado pela mídia, onde o valor dado ao corpo está relacionado à ló-gica de
mercado. A produção acadêmica, o espaço escolar com suas relações interpessoais deve contribuir para a análise dos "miasmas"
do mundo mo-derno: supervalorização do corpo, padronização do "belo", perda de identidade e subjetividade. Qual a contribuição
que o processo educacional pode apresentar diante desta "desumanização do corpo"?

É preciso contextualizar a Educação Física, sobretudo a brasileira, trazendo para a sala de aula uma abordagem mais ampla do
ser humano, procurando estabelecer um diálogo com os alunos acerca da influência midiática em nossas vidas. A Educação
Física, ao tratar da cultura corporal do movimento deve procurar desenvolver, nos educandos, o senso-crítico, a socialização e a
cidadania. Dentro das diretrizes trazidas pela LDB (20 de Dezembro de 1996), em particular os "Parâmetros Curriculares
Nacionais", os educadores devem buscar formas e encaminhamentos integrando as várias áreas de conhecimentos no
aperfeiçoamento da visão e desenvolvimento do corpo, tendo como desafio, a integração do educando portador de necessidades
especiais. A fim de se obter tais respostas, caberá ao coletivo (educadores, legisladores, comunidade escolar) repensar a prática
pedagógica, numa pers-pectiva mais humanizante. Esta nova mentalidade serve para outras disciplinas dentro da
interdisciplinaridade.

O objetivo do presente ensaio foi lançar novos olhares à corporeidade do homem moderno, e apontar pistas aos educadores atuais
que desejem assumir postura mais crítica frente aos caminhos a serem percorridos. Ao finalizarmos esta modesta contribuição, nos
sentimos como alpinistas que aprendem a escalar diante da resistência das montanhas.

Referências
AQUINO, Tomás. Suma Teológica. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Pensadores)

ARANHA, Maria L. A. e MARTINS, Maria H. P. Filosofando: introdução a filosofia. São Paulo: Moderna, 1986.

BETTO, Frei. A mosca azul: reflexão sobre o poder. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

BUZZI, R. Arcângelo. Filosofia para principiantes. Petrópolis: Vozes, 1991.

DAOLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. 6ª ed., Campinas: Papirus, 1995.

DUHEM, Pierre. Le systeme du monde. Paris: Hermann, 1988.

DUMONT, Adílson. Uma breve reflexão sobre a gênese da psicologia In: Boletim 2003 -CDPH/UFMG/FAE).

FERREIRA, Márcia O. V.; GUGLIANO, Alfredo A. Fragmentos da globalização na educação: uma perspectiva comparada. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

GUSDORF,Georges. Agonia de nossa civilização. São Paulo, Convívio, 1978.

HIPÓCRATES. Oeuvres Medicales. Lyon: Du Fleuve, 1954.

SCHULTZ, Duane. História da Psicologia Moderna. São Paulo, Cultrix, 1995.

SOARES, Carmen L. Corpo e história. Campinas: Autores Associados, 2001.

VARGAS, Angelo L. S. Variações em torno do corpo brasileiro. In: SOARES, Carmen L. Educação física e o corpo: a busca da
identidade. Rio de Janeiro: Sprint, 1990.

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27/03/2019 A visão filosófica do corpo

Endereço para correspondência


Adilson Dumont
Email: filodumont@yahoo.com.br

Édison Luis de Oliveira Preto


Email: toninhoeuzebios@hotmail.com

Artigo recebido em: 25/07/2005


Artigo aprovado em: 02/08/2005

1 Licenciado em Filosofia pela UFJF. Professor do Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira da Fundação Helena Antipoff -
ISEAT/FHA.
2 Licenciado em Filosofia pele PUC Minas. Professor do Instituto Superior de Educação Anísio Teixeira da Fundação Helena
Antipoff - ISEAT/FHA.
3 Ver HIPÓCRATES, Ouevres Medicales, Lyon: Du Fleuve, 1954.
4 Ver DUHEM, Pierre. Le Systeme du Monde. Paris: Hermann, 1988.
5 Para melhor aprofundamento, ver hedonismo e estoicismo.
6 Ver AQUINO, Tomás. Suma Teológica. In Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1983.

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