Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO(UERJ)

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Jornalismo na Internet – profº Nemézio


Nome: Samara Teixeira Cesar

RESENHA

DRIBLANDO A DEMOCRACIA: COMO TRUMP VENCEU

DRIBLANDO a democracia: como Trump venceu. Direção: Thomas Huchon. França:


Spicee Production, 2018. Vimeo (52 min.). Disponível em:
https://vimeo.com/295576715

Atordoantes 87 milhões de dados foram vazados do Facebook para fins políticos


por uma sociedade inglesa chamada Cambridge Analytica, especializada em influência,
contribuindo para a eleição de Donald Trump. O documentário inicia com o alerta de
Christopher Wylie, que trabalhou para a própria Cambridge Analytica, numa
conferência para a imprensa britânica, no qual não só culpou seu ex-patrão pelo
vazamento dos dados como o próprio Facebook, advertindo a comunidade internacional
sobre as consequências da manipulação de dados e a influência do próprio Facebook na
democracia e no voto dos eleitores, afirmando que “Os dados digitais são a nova energia
da nossa economia e da nossa sociedade”. Ele foi chamado ao Parlamento inglês para
prestar depoimento aos congressistas que ficaram espantados com as possibilidades do
Facebook ter se tornado um poderoso e sofisticado instrumento de influência sobre a
opinião pública.

Para o diretor, a grande questão que se levanta para além da vitória de Trump,
em 2016, e o alerta de Wylie, é que grupo é este, de maior poder, que está por trás do
apoio ao atual presidente dos EUA, mais especificamente do clã que quer impor suas
ideias reacionárias.

Para responder a pergunta, somos apresentados a Robert Mercer, ex-funcionário


da IBM e que atualmente trabalha para um fundo de investimento chamado Renaissance
Technology. Mercer trabalhava para a IBM no desenvolvimento de inteligência
artificial para computadores ainda na década de 60. Na década de 90, passou a atuar
para o Renaissance e criou ferramentas que possibilitaram prever a variação da Bolsa de
valores, garantindo que a empresa ganhasse muito dinheiro, assim como ele mesmo.

Após se tornar um bilionário, suas ambições foram além das financeiras e ele
quis adentrar no campo político para fazer valer sua própria visão de mundo. Mas para
tanto era necessário mudar algumas leis que limitavam o financiamento das campanhas
eleitorais. Para lograr êxito, abriu mão de um recurso na Suprema Corte norte-
americana, que foi aceito, e acabou por criar o decreto Citizens United, a partir de 2010,
no qual empresas e sindicatos passariam a poder financiar uma campanha independente
em apoio a um candidato, ou seja, a partir de então qualquer um poderia contribuir com
o valor que quisesse para qualquer campanha eleitoral sem necessariamente ter o dever
de se revelar. O resultado de tal mudança possibilitou que os candidatos pudessem se
apoiar em duas estruturas complementares: de um lado a campanha oficial com sua
organização tradicional e financiamento limitado e do outro os comitês de apoio que
poderiam se reunir e gastar livremente o dinheiro dos seus financiadores ricos (os
chamados grupos de pressão) – que o fazem com o intuito de que suas questões sejam
devidamente defendidas no Congresso. Mercer conseguiu, portanto, abrir o caminho
para a sua política.

Para dar cabo aos seus próprios interesses, o clã Mercer criou a Mercer Family
Foundation, presidido pela filha de Robert, Rebekah, que financia Institutos e lobbies
considerados reacionários. Como não era o suficiente para que suas ideias circulassem
devido a nenhum, ou quase nenhum, espaço na mídia por serem consideradas
extremistas, Mercer deu um novo passo e adquiriu, em 2011, seu próprio jornal: o
Breitbart News, um jornal online com inclinação à direita que passava por uma crise
financeira. No comando do jornal foi posto um homem considerado de confiança do clã
e que até então era um desconhecido do público: Steve Bannon.

Somos então apresentados a Bannon, um ultraconservador e ex-operador da


Goldman Sachs, que transformou o jornal no que o documentário definiu como uma
“máquina de guerra a serviço das ideias reacionárias” no qual fica clara a intenção de
impor suas ideias e atacar as instituições democráticas atuais, assim como derrubar o
aparelho de estado norte-americano.
Criada a rede midiática e de influência, restou encontrar um candidato
estadunidense para fechar o elo. Primeiro, Mercer apoiou o candidato republicano Ted
Cruz, que perdeu as prévias para um ícone da cultura norte-americana: Donald Trump.
Então o bilionário cria o comitê de apoio Make America Number One e investe
pesadamente nele mas, para garantir que o cavalo correria pelas suas rédeas, Mercer,
através de sua filha, decide encabeçar a campanha de Trump definindo seu testa de ferro
Steve Bannon como diretor de campanha, em conjunto com Kellyanne Conway, que
liderou o comitê anterior de apoio a Cruz, e David Bossie, outro homem de confiança
do clã.

A partir deste ponto, o documentário analisa as contas da campanha oficial de


Trump e não vê, de início, pagamentos diretos para Bannon mas ao se debruçarem sobre
as contas do comitê de apoio de Mercer percebeu-se diversos pagamentos feitos para
uma suposta produtora de vídeo chamada Glittering Steel, que aparentemente tinha
laços com Steve Bannon, configurando financiamento ilegal de campanha. E os indícios
não pararam por aí: a empresa estava localizada no mesmo prédio que o escritório de
consultoria de Bannon – e, coincidentemente, também o escritório da Cambridge
Analytica e o Breitbart News.

Na terceira parte, o documentário nos exibe a SCL group (Strategic


Communication Laboratories), sediada em Londres, na qual se compilam e analisam
informações sobre indivíduos para entender seu comportamento determinando o que os
motiva para poder influenciá-los. A empresa dividia-se em diversos setores como
militar, comercial, eleições, analítico, etc. e se utilizava da psicologia para influenciar
pessoas. Entre seus clientes temos desde a OTAN e o Ministério de defesa britânico, até
o departamento de Estado norte-americano, que foi auxiliado, por exemplo, na
identificação dos líderes de opinião no Afeganistão para facilitar a intervenção
americana. Por que a SCL group aparece no documentário?Porque sua filial nos EUA se
chama, nada mais, nada menos, do que Cambridge Analytica.

Ao mostrar como a Cambridge Analytica se apresenta em seu website,


percebemos que ela não só não esconde o fato de ter participado de inúmeras eleições
em diversos países, utilizando-se de técnicas controversas através da manipulação e
definição de perfis psicológicos, como fica evidente sua força e as condições de
desigualdade em que coloca seus adversários neste jogo tecnológico. Não
estranhamente, foi por advento de se aproximar de Robert Mercer que conseguiu criar
sua filial estadunidense e, menos estranho ainda, foi encontrar na sua vice-presidência
um ator quase onipresente nesta história: Steve Bannon, cujo objetivo claro na empresa
era o de revolucionar a forma de se fazer uma campanha eleitoral.

De acordo com seu próprio website, a Cambridge Analytica dizia que para se
fazer uma campanha bem sucedida hoje é necessário ser preciso quanto ao momento em
que se envia uma mensagem e saber para quem se está enviando a mensagem. Contudo,
ela não explica que a forma como se analisa o padrão comportamental dos
estadunidenses não inclui sua adesão consciente. Neste momento o diretor se dedica a
explicar sobre como funciona o método da Cambridge Analytica fazendo uma
ilustração: sem que uma pessoa perceba, ela deixa seu rastro pela internet sobre onde
está, onde mora, sua renda, seus passatempos, ou seja, suas informações pessoais. A
Cambridge Analytica compra os dados de instituições que detêm essas informações –
junto aos Bancos, a Previdência Social, etc, assim como do Facebook, Google, Twitter –
tudo legalmente. A partir desse acesso, a Cambridge Analytica obtém de 4 a 5000 dados
sobre os 230 milhões de adultos nos EUA para fazer o que foi criada para fazer:
influenciar com informação feita sob medida, enviada no momento certo para
determinados indivíduos – os chamados micro-alvos comportamentais.

Existe uma técnica, chamada de Psicometria, que permeia todo o método


utilizado pela Cambridge Analytica. Um de seus inventores a ensina na Universidade de
Stanford, o professor Michal Kosinski, explicando que a Psicometria é a ciência das
medidas psicológicas obtidas através de questionários que posteriormente podem ser
comparados aos rastros deixados na internet por qualquer indivíduo para traçar seu
perfil. O teste que permite tal avaliação se chama Ocean e avalia a personalidade a partir
de cinco critérios: abertura, consciência, extraversão, amabilidade e neurose. O teste é
aplicado em sites aparentemente inocentes, como nos banners com um quiz sobre qual
super herói você seria ou que tipo de amiga você é.

O mais famoso desses testes no Facebook, criado por Kosinski, em 2008, é o My


Personality, um questionário para saber mais sobre a pessoa. É através de testes como
este que as informações são transformadas em algoritmos que permitem a criação de
perfis psicológicos específicos. São tão precisos que a partir de 230 likes dados é
possível que o algoritmo saiba mais sobre você do que seu próprio conjugue. E foram
estes dados que a Cambridge Analytica utilizou para delinear o perfil do eleitorado
americano.

Em 2014, a Cambridge Analytica fez um teste com 300 mil pessoas, que
concordaram em fazê-lo e foram pagas para isso, mas o que elas não sabiam era que os
perfis dos seus colegas também foram incluídos no teste – com a permissão do
Facebook – e desta forma chegamos aos 87 milhões de dados de usuários do Facebook
que foram vazados.

O diretor faz um questionamento: será que os dados obtidos pela Cambridge


Analytica corresponderiam realmente a realidade? A resposta é sim e descobriram isto
entrevistando o professor da Universidade de Nova York, David Carroll, que batalhou
por meses na justiça para obter seus dados de volta. Ele ficou escandalizado ao ver
como haviam feito seu perfil, identificado como “provavelmente não republicano”, no
qual constavam inclusive as datas de determinados fatos como o dia em que tirou o
título de eleitor, além de ter outras informações pessoais que tornariam possível seu
rastreamento por geoprocessamento.

De acordo com o documentário, Trump negou, inicialmente, o serviço prestado


por Mercer e Bannon até que mudou de ideia após o resultado do Brexit, em junho de
2016, no Reino Unido. O resultado era imprevisível mas havia um ator até então
ignorado no meio: a Cambridge Analytica. Em agosto, Trump juntou-se a família.

Durante a campanha, sabendo que o eleitorado americano não vota diretamente


para presidente mas em figuras chave, os delegados eleitorais chamados no
documentário de “grandes eleitores”, que dependem em número do quantitativo de
eleitores em cada Estado, voltaram-se para eles. Para ganhar a eleição, não é tão
importante ganhar o voto popular e a estratégia focou nestas figuras, as maiores, para
abocanhar os Estados considerados mais importantes, visto que pressentiam sua derrota
pelo voto popular. Bastou a Cambridge Analytica analisar o perfil de alguns desses
nomes e chegaram a conclusão de que estavam indecisos: foram lá para conquistá-los.

Resumindo: a Cambridge Analytica pegou as informações que tinha dos grandes


eleitores, criaram 32 tipos de personalidades diferentes que se encontravam por todo o
território, enviaram milhões de mensagens individuais visando aqueles com tendências
mais neuróticas e que se sensibilizassem mais com as mensagens carregadas de
ansiedade de Trump e as localizaram em maior número nos Estados do Wisconsin,
Michigan e Pensilvânia, Estados que se imaginava poder reverter os votos a favor do
republicano. E pra lá ele foi trabalhar esses votos.

Mas como a Cambridge Analytica conseguiu chegar nesse eleitorado tão


específico?Através de uma funcionalidade até então desconhecida do Facebook
chamada Dark Post. O Dark Post é uma mensagem hiperindividualizada, enviada por
uma página ou empresa, produzida para um grupo específico de usuários e visível
somente para eles, ou seja, como não é pública ninguém tem como saber quem e se
alguém está recebendo tal mensagem. Ela aparece na timeline do indivíduo em um
horário específico – quando ele está mais ativo (sabem disto devido aos rastros que o
indivíduo deixa na internet) – e horas depois de lida a mensagem desaparece. A
jornalista Carole Cadwalladr aparece posteriormente fechando o quadro com uma frase,
no mínimo, perturbadora: “A política e a democracia são os novos campos da
instabilidade suscitada pela tecnologia.”.

O Epílogo, última parte do documentário, nos remete ao dia 20 de janeiro de


2017, dia da posse de Donald Trump, afirmando que a campanha foi desleal e que
nunca um candidato à presidência havia utilizado de tanta dissimulação e mentira. E os
louros foram colhidos: as pessoas mais próximas de Mercer como Rebekah, Steve
Bannon, Kellyanne Conway e David Bossie, foram agraciadas tornando-se hoje “(n)a
guarda pretoriana de Donald Trump”. A Cambridge Analytica faliu depois do escândalo
contudo outra multinacional está sob os holofotes: o Facebook. Por fim, o documentário
nos deixa uma questão no ar: a utilização de dados pessoais na política. O que mais
podemos esperar(se é que devemos esperar) dessa união?

Você também pode gostar