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SBS – XII CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA

GRUPO DE TRABALHO GT 23 – TEORIA SOCIOLÓGICA

A Modernidade em Marx e em Weber

Marcelo Cedro

31 de maio a 03 de junho 2005 FAFICH /UFMG


2

INTRODUÇÃO

O trabalho aqui proposto pretende fazer uma análise comparativa entre as

concepções de Modernidade em Karl Marx e Max Weber. Serão abordados aspectos que

possam distinguir esses autores como pensadores modernos.

O contexto em que viviam era a partir da 2ª metade do século XIX. Marx, mais

velho, viveu a herança das transformações do século anterior, enquanto que Weber

presenciou os conflitos da I Guerra Mundial. A Modernidade amadurecia cada vez mais na

época vivida por eles.

Desse modo, primeiramente será feita uma exposição acerca dos vários pontos de

vista, recorrendo a vários autores, sobre a Modernidade ao procurar entender sua gênese.

Tal intuito visa contribuir para a compreensão da época moderna ao relacionar suas várias

concepções e características.

Em seguida, este trabalho mostrará as principais idéias de Marx e Weber referentes

à Modernidade. Como os autores pensam a época moderna? Eles a têm como objeto de

estudo? Quais os aspectos que a diferenciam e lhe dão especificidade em relação aos

períodos anteriores? Existem pontos comuns ou divergentes entre as duas análises?

Sendo assim, o objetivo central desse trabalho é encontrar elementos nas idéias de

Marx e Weber que os possam inserir na Modernidade, além de procurar saber o que eles

pensam a respeito dessa época, que é afinal a época vivida por eles.
3

DESENVOLVIMENTO

1- MODERNIDADE

É de se acreditar na importância de algumas considerações iniciais acerca das

principais idéias concernentes à Modernidade antes de passar ao objetivo central desse

trabalho.

Uma importante distinção é feita por Jurgen Habermas no que se refere aos termos

Modernização, Modernismo e Modernidade. Como Modernização, o autor diz que tal

palavra foi introduzida nos anos 50 para se referir às mudanças e avanços no aspecto

estrutural:

“O conceito de modernização refere-se a um feixe de processos cumulativos


que se reforçam mutuamente: à formação de capital e mobilização de recursos; ao
desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho;
ao estabelecimento de poderes políticos centralizados e à formação de identidades
nacionais; à expansão de direitos de participação política de formas urbanas de
vida e de formação escolar formal; refere-se à secularização de valores e formas.”1

Já o Modernismo foi empregado como ruptura aos padrões antigos nas artes durante

o século XIX: “A Modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da

arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”.2

Habermas ao se referir à Modernidade recorre a vários autores, afirmando que ela

tem de ser estudada como algo mais amplo do que mudanças estruturais e artísticas: um

novo modo de pensar difundido pela humanidade. Não se pode falar em “uma

1
HABERMAS, Jürgen. O Discurso filosófico da Modernidade. Trad. Ana Maria Bernardo et al. Lisboa:
Dom Quixote, 1991.p.14
2
BAUDELAIRE, Charles. Sobre a Modernidade. Trad. Teixeira Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
Coleção Leitura, p.25
4

modernidade”, mas “as modernidades” como processos complexos que abrangeram vários

níveis de ação e pensamento humanos, os quais passaram por rupturas e transformações.

O estudo acerca da modernidade, assim como sua época, é bastante amplo e

incorpora uma multiplicidade de conceitos. Vários autores expõem suas análises que às

vezes se assemelham, contrariam ou se completam. A mesma dificuldade é encontrada ao

estabelecer a contextualização inicial da Era Moderna.


3
Hegel afirma que a transição para a Era Moderna se deu com a descoberta do

Novo Mundo, Renascimento e Reforma Protestante do século XVI. Mas ele enfatiza que

somente no século XVIII é que houve o emprego do conceito de „moderno‟, situando-o ao

período enfocado a partir de conceitos dinâmicos do século XVIII como revolução,

progresso, emancipação, desenvolvimento etc. “O mundo moderno se distingue do antigo

pelo fato de se abrir ao futuro. O começo do novo repete-se e perpetua-se a cada momento

do presente, o qual a partir de si gera o que é novo.”4

Hegel ainda afirma que a as principais características do mundo moderno em

relação à Reforma, ao Iluminismo e à Revolução Francesa são o individualismo, direito à

crítica, autonomia ao agir, reflexão da fé, soberania do Estado, declaração universal dos

direitos do homem, código napoleônico, conhecimento da natureza, livre-arbítrio e o

romantismo. “O princípio do mundo moderno em geral é a liberdade da subjetividade.”5

Segundo Hans Blumenberg6, a Modernidade pode ser analisada enquanto um

processo de ruptura com o „velho‟, criando-se novos parâmetros, mas também continuando

com as formas „velhas‟, só que adaptadas ao „novo‟. O homem abandona a transcendência

e agarra-se à imanência, na qual ele existe enquanto homem, sem a interferência divina do

3
HEGEL, Georg F. Wilhelm. In: HABERMAS, Jürgen. Op.cit.p.18
4
Op.cit.p.18
5
Op.cit.p.27
6
BLUMENBERG, Hans. Naufrágio com espectador. Trad. Manuel Loureiro. Lisboa: Veja,1995.
5

Medievo. Todavia, ainda teme a Deus, vivendo assim, nesse dualismo conflitivo. O

homem passa a ser dinâmico, pois ele não se fixa mais à ruralidade e ao controle feudal e

sim, à liberdade, aventura, vontade de ganhar dinheiro, que ele encontra na mobilidade

urbana. Sua posição não é mais coletiva como na Idade Média, surgindo um

individualismo que o leva a crer em sua própria capacidade de fazer História. O homem

vive uma vida dupla, ou seja, o concreto e o abstrato se interpenetram, o primeiro inserido

em seu novo mundo cotidiano e o segundo enraizado nos seus sentimentos e emoções.

Marshall Berman7 divide a Modernidade em três fases. A primeira fase da

Modernidade se inicia no século XVI e vai até o final do século XVIII, na qual as pessoas

estão começando a experimentar a vida moderna: formam-se os Estados Nacionais,

ocorrem as descobertas marítimas e o surgimento de um capitalismo manufatureiro.

Todavia, as pessoas ainda não têm noção do que ocorre, ou seja, elas não têm com quem

compartilhar suas idéias. A Segunda se refere à Revolução Francesa que passava um

espírito revolucionário com a finalidade de libertação política, social e econômica. Até o

século XIX, segundo Berman, não se chegava a ser moderno por inteiro, pois ainda havia

uma dualidade de idéias concernentes aos antigos preceitos. O autor fala que no século XX

é que a modernização se expande no mundo por completo, em todos os campos, havendo

uma aceitação de diferentes idéias de pensamento.

Henri Lefebvre aponta uma outra visão ao dizer que a Modernidade nasceu no

início do século XX com o imperialismo, Revolução Russa e as guerras mundiais. O autor

ainda afirma que, nos períodos anteriores, a Modernidade se manifestou como uma perda

da ingenuidade e ilusão.8

7
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. 10ªed. Trad. Carlos Felipe Moisés, Ana Maria
Toriatti. São Paulo: Cia das Letras, 1986.p.16-27
8
LEFEBVRE, Henri. Introdução à Modernidade. Trad. J.C. Souza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1962.p.265
6

Apesar de algumas variantes referentes ao surgimento da Era Moderna, é

indubitável a relação da Modernidade com o surgimento do capitalismo. Karl Marx e Max

Weber se preocuparam em estudar o capitalismo, uma questão atual na época deles. Desde

então, pode-se considerá-los como pensadores que se preocuparam em estudar a Era

Moderna. O estudo desses dois sociólogos é baseado nos efeitos que o sistema capitalista

infligiu na história da humanidade: divisão do trabalho, racionalidade, individualismo etc.,

são aspectos abordados por eles que os fazem pensadores modernos. Já que, segundo

Giddens não existiam esses aspectos (sistema político do Estado-nação, transformação de

produtos em mercadoria, trabalho assalariado, luta de classes, burguesia etc.) em épocas

precedentes, sendo exclusivos da Modernidade.9

2-MARX E A MODERNIDADE

As idéias propostas por Marx (1818/1883) nascem em meados do século XIX,

sendo um complexo de pensamentos, englobando política, história, economia e filosofia.

Ao contrário do Iluminismo que era político e o Liberalismo que era econômico, suas

propostas igualitárias influenciaram diversas opiniões, servindo de utopia para uma

sociedade comunitária.

O Marxismo é filho de seu tempo, ou seja, o século XIX sucede às grandes

transformações do séc. XVIII (Iluminismo e Rev. Industrial). Aquele século foi marcado

pela profunda exploração do trabalho, devido ao crescimento do Capitalismo Industrial.

Tais conceitos fundaram-se sobre a Inglaterra, sendo esta um paradigma do Capitalismo,

onde este se desenvolveu em primeiro lugar. A partir da realidade inglesa foi criada a

teoria.

9
GIDDENS, Antony. Conseqüências da Modernidade. Trad. Raul Fixer. São Paulo: Unesp, 1991.p.11
7

O Marxismo quis ter uma estatura científica, por isso ele era filho de seu tempo, de

um mundo desigual ele queria racionalizar-se. Havia a oposição entre o racionalismo e o

romantismo. O Marxismo adotara uma postura crítica perante às condições de

desenvolvimento do Capitalismo. Primeiramente Marx fez uma estudo aprofundado de

suas relações (troca, produção, mais-valia, mercadoria, divisão do trabalho etc.), para

depois criticá-lo. Foi um estudo até então inédito.

Marx considerava a Modernidade como turbulenta, porém admitia que ela

possibilitou uma abertura de oportunidades em relação aos períodos anteriores. O

capitalismo e a Modernidade, para Marx, caminhavam lado a lado, como mostra Giddens:

“A ordem social emergente da modernidade é capitalista tanto em seu


sistema econômico como em suas outras instituições. O caráter móvel, inquieto da
modernidade é explicado como um resultado do ciclo investimento-lucro-
investimento que, combinado com a tendência geral da taxa de lucro a declinar,
ocasiona uma disposição constante para o sistema se expandir.”10

Desse modo, as conseqüências negativas do trabalho industrial eram inerentes à

época moderna.11 Uma característica moderna no modo de pensar de Marx é quando ele

considera a ação humana como responsável pelas transformações (através da burguesia e

proletariado), ao passo que em épocas anteriores a concepção divina tomava esse lugar.

Desse modo, Marx usa uma metodologia moderna a partir do materialismo histórico ao

inserir o ser humano no processo histórico, valorizando a História como força motriz do

desenvolvimento econômico.

10
Op.cit. p.20
11
Op.cit.p.17
8

Marx também usa a dialética para explicar as mudanças macroestruturais através

das contradições. Através das contradições, analisa o surgimento do capitalismo,

atribuindo-o como a força que modela a Modernidade. As mudanças e inquietudes

decorrentes da economia capitalista caracterizam a Modernidade.

No Manifesto Comunista (1848), expõe seu pensamento e sua preocupação com a

Modernidade capitalista. Um de seus ingredientes de análise, „o conflito‟, é usado ao

inserir o antagonismo de classes como sujeito do processo histórico, responsável pelas

transformações da História, movidas por desigualdades econômicas.

Assim como o capitalismo é inerente à época moderna, as classes advindas dele são

exclusivas da Modernidade. Em seu Manifesto, Marx e Engels ressaltam a importância da

burguesia e do proletariado. A primeira, segundo ele, foi a que gerou as mais profundas

modificações no transcorrer da História, tendo um papel extremamente revolucionário ao

romper com o Antigo Regime reacionário. A burguesia acabou com as relações feudais

(laços patriarcais, pagamento em espécie, submissão religiosa), impulsionou o comércio,

navegação e indústria.

“A burguesia não pode existir sem revolucionar, constantemente, os


instrumentos de produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas,
todas as relações da sociedade [...] A revolução constante da produção, os
distúrbios ininterruptos de todas as condições sociais, as incertezas e agitações
permanentes distinguiram a época burguesa de todas as anteriores. Todas as
relações firmes, sólidas, com sua série de preconceitos e opiniões antigas e
veneráveis, foram varridas, toda as novas tornaram-se antiquadas antes que
pudessem ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é
profanado, e o homem é, finalmente, compelido a enfrentar de modo sensato suas
condições reais de vida e suas relações com seus semelhantes.”12

12
MARX. Karl, ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista. Trad. Maria Lúcia Como. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1996. Col. Leitura.p.14
9

Nesta citação clássica percebe-se o caráter tênue que marca as relações na

sociedade moderna. O modo econômico instaurado pela burguesia exige que haja

constantes inovações em busca de novos mercados. Os empresários capitalistas são

obrigados a procurar sempre novidades para que possam competir com os seus

semelhantes burgueses. Aquele que tiver melhores idéias e possuir melhor tecnologia

alcançará o triunfo econômico através do livre-mercado. Desse modo, essa conduta

burguesa é considerada moderna por Marx, pois dita o comportamento da humanidade a

partir de uma época. Assim como afirma Giddens, “um contraste com a tradição é inerente

à idéia de modernidade.”13 O que é antigo e tradicional não mais interessa, mas sim a

novidade para conquistar o mercado. Essa dinâmica do capitalismo é sua impulsão,

deixando de haver padrões permanentes. O que é novo dura até que se descubra uma outra

forma mais nova ainda. Assim quando ele fala que „tudo que é sólido desmancha no ar‟,

ele se refere a todos os preceitos antigos que perduraram por várias gerações, frutos da

tradição e que agora, na era moderna, desintegraram-se em benefício do lucro monetário.

Houve a dessacralização do mundo, na qual os homens podem conduzir suas vidas por si

mesmos. “Um mercado mundial que a tudo abarca, em crescente expansão, capaz de um

estarrecedor desperdício e devastação, capaz de tudo exceto solidez e estabilidade.”14

Todavia, à medida que a burguesia mudou as antigas formas de exploração do

regime feudal, ela instituiu outro tipo de exploração: o trabalho industrial Ao mesmo

tempo que a classe burguesa foi, e é, revolucionária, ela também explora. Através da

instituição do capital e da propriedade privada, as relações de produção se transformaram

em relações de dependência e de dominação, ou seja, para existir capital é preciso que

exista a outra classe para produzi-lo, o proletariado, sendo este uma necessidade da própria

13
GIDDENS, Antony.op.cit.p.43
14
BERMAN, Marshall.op.cit.p.18
10

burguesia. O industrialismo e o progresso científico não existiram dessa forma em

nenhuma época. Mas há um mundo paradoxal na Modernidade: o mesmo progresso

técnico na produção reduz o

homem ao trabalho repetitivo e estafante. Desse modo, Marx tem a consciência de sua

época e para que haja a supressão dos dilemas da Modernidade, uma classe moderna deve

chegar ao poder: o proletariado. Portanto o Marxismo trata como objeto histórico as

estruturas econômicas e sociais, cujo sujeito é o homem inserido em classes, sendo o

processo histórico ocorrido através de contradições , estas manifestadas nas lutas de

classes.

O relacionamento da burguesia com o proletariado inovou as estruturas produtivas.

A cooperação que era uma inovação, progrediu até a manufatura. Na primeira ainda não

havia trabalho assalariado, mas inovou ao englobar em um mesmo local os trabalhadores e

a produção. A partir da manufatura (séculos XVI ao XVIII) há uma nítida divisão do

trabalho; o trabalhador ainda pode ser dono de seus meios de produção, embora suas

tarefas sejam parciais. Marx aborda a divisão do trabalho como aquela que mudou as

relações produtivas e humanas. Para ele, a essência da natureza humana era manifestada no

trabalho. Através deste, o homem expressava toda a sua humanidade e com o trabalho

assalariado, houve a perda do controle no processo produtivo. O trabalhador executa

somente uma parte do trabalho que anteriormente ele fazia por completo. Há a separação

entre o planejamento e a execução do trabalho. O trabalhador não percebe mais o seu

trabalho como um todo. Uns vão planejar aquele produto e outros vão ser orientados a

executá-lo. Desse modo, vai surgir a especialização de funções, consequentemente uma

hierarquia também. Essa transição da perda do controle dos meios de produção acontece no

desenvolvimento da manufatura, embora inicialmente os meios de produção ainda eram


11

divididos entre os trabalhadores. O mercado exigia a produção maior e mais rápida de

mercadorias, daí a necessidade da divisão das tarefas e a separação dos meios de produção

do trabalhador, introduzindo o assalariamento.

O trabalho assalariado como aspecto da modernidade é fonte de poder da classe

burguesa. Através dele, a burguesia tira o seu lucro. Marx analisou o funcionamento do

capitalismo ao explicar como os empresários exploravam os seus empregados: a mais-

valia, ou seja as horas trabalhadas que não eram remuneradas. A variação da mais-valia

para aumentar a produção se baseava em dois tipos: o aumento do ritmo da produção

(relativa) e a ampliação da jornada de trabalho (absoluta).

Mas foi a partir do século XVIII que o processo capitalista se complementou

através da Revolução Industrial, na qual as manufaturas agora passam a ser mecanizadas.

A instituição das máquinas contribuiu ainda mais para quebrar com antigos padrões. Um

exemplo é a desintegração do modo familiar tradicional. A substituição da manufatura pela

maquinofatura permitiu que a produção se realizasse em maior escala, sendo o elemento

humano subordinando à máquina, possibilitando o emprego de mão-de-obra que era

rapidamente treinada, já que realizaria tarefas fáceis e repetitivas. Desse modo, com o

serviço de fácil aprendizagem, era comum que nas fábricas empregassem mulheres e

crianças que poderiam executar o mesmo trabalho dos homens, recebendo um salário

inferior. Assim, havia uma ruptura da tradição doméstica, em que antes, os homens saíam

ao trabalho e as mulheres tomavam conta dos filhos. Com a maquinofatura, toda a família

se encontra no mesmo espaço da fábrica durante quase o dia inteiro.

Um outro aspecto, abordado por Marx, exclusivo da Modernidade é quando ele fala

do „fetichismo da mercadoria‟. O trabalho gasto na produção de uma mercadoria perde o

seu valor diante dos consumidores. A modernização capitalista faz com que as pessoas que
12

consomem se tornem dependentes daquelas que produzem, porém são indiferentes com as

últimas, suas vidas e aspirações se tornam insignificantes e encobertas para os

consumidores. O consumo é feito pela imagem do produto e pela propaganda e não pelo

trabalho humano contido naquela mercadoria. Essa forma de pensar adotada por Marx no

século XIX continua atual cem anos depois, por isso é indiscutível a possibilidade de

rotular esse autor como um pensador moderno. “O termo moderno volta freqüentemente

sob a pena de Marx para designar a ascensão da burguesia, o crescimento econômico, o

estabelecimento do capitalismo, suas manifestações políticas, e enfim, e sobretudo, a

crítica deste conjunto de fatos históricos.”15

3-WEBER E A MODERNIDADE

As idéias de Max Weber (1864/1920) apesar de serem divergentes das de Marx

apresentam a mesma base de análise que é a época moderna. Se, para Marx, a força que

modela a vida moderna é o capitalismo, para Weber é a racionalidade e a burocracia. O seu

contexto, o final do século XIX, apresenta as tensões da época moderna que culminariam

na I Guerra Mundial. Os problemas advindos do capitalismo, assim como fizera Marx,

também são analisados por Weber. Racionalismo e individualismo, elementos intrínsecos

da modernidade, são minuciosamente detalhados por ele.

Max Weber contradiz o materialismo de Marx ao afirmar que o capitalismo sempre

existiu no decorrer dos tempos, assim também ao impulso e desejo de acumular, sendo este

diferente do capitalismo. O que difere, no que ele chama de capitalismo moderno, é a ação

de expectativa de lucro baseada em uma operação racional, lógica e calculista. Desse

modo, a especificidade do capitalismo moderno no ocidente é a racionalidade que deu um

15
LEFEBVRE, Henri. Op.cit.p.199
13

outro rumo ao seu desenvolvimento. “O ocidente veio a conhecer, na era moderna, um

tipo completamente diverso e nunca antes encontrado no capitalismo: a organização

capitalista racional assentada no trabalho livre.” 16

Weber trata do trabalho assalariado como condição da modernidade, todavia não

associa sua origem junto com o capitalismo (já que, para ele sempre existiu), mas sim com

uma nova organização industrial racional. Ele fala de um capitalismo moderno (divide o

capitalismo em antigo e moderno) que instituiu uma nova organização voltada para o

mercado, como também o cálculo exato e que separou a empresa do trabalho doméstico.

Essa contabilidade racional, para Weber, só poderia existir se houvesse o trabalho livre,

forma diferente do escravismo antigo e da servidão medieval.

Desse modo, o capitalismo assumiu uma postura moderna e diferente da antiga

devido à racionalidade implantada nele. A utilização de avanços técnicos e científicos,

além de um sistema administrativo legal e jurídico peculiar do ocidente propiciaram o

desenvolvimento econômico.

“O capitalismo racional como Weber o caracteriza, compreende os


mecanismo econômicos especificados por Marx, incluindo a transformação do
salário em mercadoria. Ainda assim, capitalismo neste uso significa simplesmente
algo diverso do mesmo termo como ele aparece nos escritos de Marx. A
racionalização, conforme expressa na tecnologia e na organização da atividades
humanas, na forma da burocracia é a tônica.”17

Marx referia-se à racionalidade a partir da dinâmica do capitalismo através das

relações de mercado, afirmando serem intrínsecas à modernidade. Weber atribui à

burocracia o papel principal desempenhado pela racionalidade a partir do Estado. Desde

então, Weber salienta a enorme importância do Estado como condutor da era moderna.

16
WEBER, Max. A ética protestante o espírito do capitalismo. 12ª ed. Trad. M. Irene Szmrecsányi e Tamás
Szmrecsányi. São Paulo: Pioneira, 1997.p.7
14

Esse ponto de vista diverge de Marx, já que este atribuiu um papel secundário do Estado

em relação ao econômico e social. Para ele, o Estado servia à classe dominante. Já para

Weber, o Estado moderno é o detentor do poder físico e institucional, e responsável pela

estrutura construída pela modernidade, manifestando a racionalidade através da burocracia.

“Em um Estado moderno, o verdadeiro poder está necessária e inevitavelmente nas mãos

da burocracia, e não se exerce por meio de discursos parlamentares nem por falas de

monarcas, mas sim, mediante a condução da administração, na rotina do dia-a-dia.”18

Para Weber a era moderna se inicia após a Reforma Protestante na qual houve uma

racionalização na conduta dos indivíduos. O autor, através de seu estudo acerca da „ética

protestante‟ procura provar que a conduta religiosa pode determinar a sociedade moderna,

assim como suas relações, e não apenas derivadas do aspecto econômico como pensava

Marx.

Weber faz questão de mencionar que sua idéia não significa que o capitalismo vai

se originar com a reforma, mas uma conduta religiosa baseada em ações racionais foi um

dos fatores que ajudaram o seu desenvolvimento. A religião protestante, nesse caso, é uma

condição moderna à medida que usa em sua conduta o racionalismo em oposição ao

tradicionalismo católico. Assim, Weber é um autor que se preocupou com a modernidade

ao analisá-la para procurar entender sua própria época.

Os efeitos da reforma, baseados na racionalidade foram aumentar o valor do

trabalho como algo obrigatório para a vida religiosa e o conseqüente desenvolvimento

capitalista. Para explicar melhor, Weber recorre ao calvinismo a partir de sua doutrina da

predestinação: Deus presenteava, com Sua graça, os homens; Deus escolhia os

predestinados. Todavia, não havia como saber, em vida, se ele era ou não predestinado.

17
GIDDENS. Antony.op.cit.p.21
15

Somente após a morte seria feito o encaminhamento daqueles que iriam ao céu ou ao

inferno. Deus abandonava os pecadores, dispensava o arrependimento, confissão e

indulgência. As boas obras não salvavam o indivíduo ou alcançavam a graça de Deus. O

homem achava-se em dúvida, sozinho e aflito diante dessa situação.

Ele não podia demonstrar sua dúvida, assim estaria se entregando. Daí, como

mostrar sua posição, como agradar a Deus? Como considerar-se escolhido e combater as

tentações do demônio? “A falta de confiança e fé eram resultados da graça imperfeita.

Para alcançar a autoconfiança, uma intensa atividade profissional era recomendada,

como meio mais adequado. Ela, e apenas ela, afugenta as dúvidas religiosas e dá a certeza

da graça.”19 Como identificar a fé verdadeira? Uma conduta cristã para aumentar a glória

de Deus. Como? Através do trabalho. Aqui, Weber afirma que a Reforma, através da

conduta racional, gerou o individualismo, uma condição inerente à modernidade.

“...sentimento de uma inacreditável solidão interna do indivíduo. No que


era, para o homem da época da Reforma, a coisa mais importante da vida - sua
salvação eterna - ele foi forçado a, sozinho, seguir seu caminho ao encontro de um
destino que lhe fora designado na eternidade. Ninguém poderia ajudá-lo.”20

Nos séculos XVI/XVII esse era um dilema do homem moderno. O conflito barroco

que colocou o homem em um estado de tensão, culpa e arrependimento. A eterna

interrogação de culpado ou escolhido? O indivíduo se vê em uma condição real,

desprovido de ilusões referentes aos dogmas tradicionais católicos. Ele segue uma conduta

racional para chegar à salvação. Desde então, Weber associa a divisão do trabalho como

uma operação racional específica da modernidade, no qual havia uma especialização do

18
WEBER, Max. Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. In textos escolhidos.
trad.Maurício Tragtenberg. São Paulo: Nova Cultural, 1997. Os Economistas.p.39
19
WEBER, Max. A Ética protestante Op.cit.p.77
20
Op.cit.p.72
16

indivíduo em que ele poderia desenvolver sua vocação. Assim, ele estaria agradando a

Deus em um de seus preceitos que é „amar ao próximo‟. Ou seja, através da organização

racional da divisão do trabalho, ele estaria trabalhando para o próximo. Um trabalho

praticado diariamente de cunho objetivo e impessoal, dotado de racionalidade, estaria

glorificando a Deus através do amor ao próximo, o indivíduo estaria servindo ao seu

semelhante. Consequentemente, a divisão do trabalho desenvolve habilidades específicas

ao indivíduo e culminando com o aumento da produção. Além de inserir uma metodologia

racional nas tarefas diárias, não permitindo o ócio e o desperdício de tempo, condições

condenáveis ao protestantismo. O trabalho é uma forma de meditação e purificação

moderna em comparação com o ascetismo católico praticado desde a ascensão do

cristianismo. As formas místicas e sacramentais são substituídas pelo trabalho. As

reflexões restringidas ao monastério são trazidas para o cotidiano. O planejamento racional

da vida do indivíduo era feito pelas determinações religiosas do calvinismo.

Portanto, para Weber, a ética protestante adquire uma peculiaridade ao instituir uma

conduta individual baseada em métodos racionais. A religião objetiva, racional e

disciplinada orientou a vida do indivíduo a partir da Reforma. Mudou não só na nova

maneira de ver o trabalho, mas também instituiu novas relações de convívio entre os

homens, tornando-as racionais e objetivas.

“Muda , portanto, uma forma de perceber e encarar o mundo, muda a forma como
a cultura ocidental se vê, a sua especificidade em relação a todas as outras culturas e
civilizações. Para usar a linguagem de Weber, constitui-se o seu racionalismo específico:
o racionalismo de dominação do mundo. O racionalismo de dominação do mundo é a
entronização da razão instrumental como princípio básico e fundador da sociedade
ocidental moderna”.21

21
SOUZA, Jessé. Homem, cidadão: ética e modernidade em Weber. Lua Nova (33) São Paulo, 1994. P.137
17

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises feitas por Marx e Weber acerca da modernidade divergem, como já

abordados, em vários aspectos. Para Marx, o capitalismo caminha lado-a-lado com a

modernidade, sendo atribuída a ele a sua origem. Já para Weber, a racionalidade e

burocracia “...constituíam as estruturas reais da sociedade moderna”.22

Embora haja divergências entre os autores, eles convergem ao serem considerados

pensadores modernos, contribuindo ao estudo sociológico. Percebe-se que as idéias

convergentes acerca do capitalismo são mais amplas do que as mencionadas neste trabalho,

contudo, o objetivo aqui proposto foi demonstrar o espírito moderno presente nos dois

pensadores: novas idéias, até então inéditas, preocuparam em distinguir a época moderna

da anterior. Marx e Weber são referenciais da Modernidade ao estudar o próprio contexto

que presenciaram.

Marx, ao implementar sua metodologia de análise, valorizou o processo histórico

como responsável pelas transformações da humanidade. A dialética usada infundiu uma

nova perspectiva de análise a partir das contradições. As transformações não ocorrem de

uma hora para outra, mas através de contradições inseridas em um processo histórico.

Marx inovou ao falar de classes sociais como regentes do processo histórico. Estudou o

capitalismo a fundo, concordando com suas inovações e criticando sua forma de

exploração.

Weber inovou ao considerar a racionalidade como característica essencial da

Modernidade. Discordou de Marx a respeito do materialismo histórico e não abordou sua

análise como decorrente de um processo histórico. ele comparava as ações modernas com

22
ARON, Raymond. As Etapas do pensamento sociológico. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: Marins Fontes,
1999.p.531
18

as sociedades anteriores. Todavia, contradisse Marx, ao afirmar que o desenvolvimento do

capitalismo poderia se dar a partir de características religiosas e não somente a través do

aspecto econômico. A economia não é mais importante do que a religião e nem vice-versa.

Para Weber não é a vida material que determina a sociedade, a política ou a cultura, assim

como dissera Marx. O capitalismo pode ser influenciado pela religião ou outros valores

éticos que agem na conduta dos homens. Weber atribuiu um papel ao Estado como

primordial da era moderna ao infligir a racionalidade através da burocracia. Na época

antiga e tradicional, a ciência, política, direito, religião eram pertencentes a uma única

esfera. Weber distinguiu a separação delas no mundo moderno através da instituição da

racionalidade.

Um elemento que não foi aqui abordado pelo fato de que poderia desvencilhar e

alongar ao tema aqui proposto é as formas de dominação propostas por Weber. Todavia,

salienta-se a sua importância metodológica para distinguir as ações racionais e a

organização burocrática da era moderna.

Portanto, apesar de haver equívocos em alguns aspectos na obra dos autores e que

não cabem aqui ser abordados, ambos concordam em um ponto: o ceticismo do homem

diante da turbulência da era moderna. Marx e Weber admitiam o progresso técnico e

material da Modernidade, porém criticavam as conseqüências degradantes que estavam se

manifestando. Marx vislumbrava um novo sistema econômico como forma de melhorar as

condições sociais; já Weber era ainda mais pessimista.

“Marx descreve, pois, processos sociais que agem no capitalismo


caracterizados por promover o individualismo, a alienação, a fragmentação, a
efemeridade, a inovação, a destruição criativa, o desenvolvimento especulativo,
mudanças imprevisíveis nos métodos de produção e de consumo (desejos e
19

necessidades) mudança da experiência do espaço e do tempo, bem como uma


dinâmica de mudança social impelida pelas crises.”23

E Weber “...via o mundo moderno como um mundo paradoxal onde o progresso

material era obtido apenas à custa de uma expansão da burocracia que esmagava a

criatividade e autonomia individuais”24 além de que “...quanto mais racional a sociedade,

mais cada um de nós está condenado ao que os marxistas chamam de alienação.” 25

Em suma, Marx e Weber atribuíam à Modernidade o ‘levantar dos véus, o

desencantar do mundo; dissolvendo no ar tudo que era sólido’.

23
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 8ª ed. trad.:Adail Ubirajara, Maria Stela. São Paulo: Loyola,
1999.p.107
24
GIDDENS, Antony. Op.cit. p.17
25
ARON, Raymond. Op.cit. p.502
20

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