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Relatório do livro Rumo à Estação Finlândia

Giovani Vico, filósofo político italiano, propõe em 1725 um modelo de estudo da história
baseado na compreensão da dinâmica social; é a história concebida como ciência. Jules
Michelet, historiador francês, baseado nas ideias de Vico, escreveu uma História da Idade
Média; trabalhando como funcionário dos Arquivos, fez uma intensa pesquisa documental,
coisa incomum para as obras da época; rompe com o romantismo na medida em que busca
explicar estruturalmente os acontecimentos; faz uma análise anacrônica ao explicar a Idade
Média como preparação para a Renascença (17). Sua grande obra é História da Revolução
Francesa; nela ressalta as contradições fundamentais: solidariedade de classe x dever
patriótico; individualismo x solidariedade.

Características do método de Michelet:

Estuda as inter-relações das diversas formas de atividade humana.

Procura ver o passado como presente, sem horizonte definido; esforço para eliminar o
anacronismo.

Ênfase no grupo, não nos líderes. O ator principal é o povo.

Sua narrativa alterna o foco sobre um indivíduo para o movimento do grupo local e daí para a
visão analítica do todo.

Edmund Wilson ilustra o refluxo revolucionário após a ascensão de Napoleão III (1851)
citando Renan e Taine como exemplos do desinteresse pela revolução. Anatole France
comemorou a derrota da Comuna, embora vá defender Dreyfuss em 1895. Os três escrevem
sobre a Revolução Francesa dentro do espírito romântico; Anatole vai se definir mais tarde
como socialista. De Michelet a Anatole France o autor faz uma análise do ideário da
revolução burguesa, de seu apogeu (1830), declínio e dissolução.

Origens do Socialismo
O autor inicia citando as ideias de Graco Babeuf, militante da Revolução Francesa que fundou
a Sociedade dos Iguais (1795); seu ideário fala do fim da propriedade privada e da
comunização da sociedade; suas ideias assustaram o Diretório; foi guilhotinado em 1797 com
mais 30 seguidores.
Mas o ideário socialista do século XIX remonta ao Conde de Saint-Simon; ele lutou na
Revolução Americana mas manteve-se longe dos acontecimentos da Revolução Francesa;
viajou pela Europa e estudou diversas ciências. A partir de 1802 começou a escrever
defendendo a formação de uma sociedade baseada na meritocracia e focada em ajudar as
classes mais pobres. Morreu na miséria, em 1825. No leito de morte previu a formação de um
partido de trabalhadores.
Em seguida, Edmund Wilson descreve as comunidades criadas por Charles Fourier e Robert
Owen, dois humanistas desiludidos com a sociedade liberal. Fourier permaneceu no campo
das ideias, seu projeto não se concretizou e ele morreu em 1837. Owen criou uma comunidade
com os trabalhadores de um cotonifício administrado por ele. Seu discurso radical (contra a
propriedade privada, a religião e o matrimônio) causou reações violentas. Em 1826 criou uma
comunidade nos Estados Unidos, que durou 3 anos. Outras tentativas comunitárias na
Inglaterra e Irlanda acabaram com seu dinheiro. Militou algum tempo no movimento sindical
cartista, sem êxito. Morreu em 1858.

A Experiência Americana

Albert Brisbane, discípulo de Fourier, criou nos EUA comunidades conhecidas como
falanstérios; esse movimento faz parte das utopias religiosas e sociais que se espalhariam pelo
oeste americano neste período. Inclui comunidades como a dos icarianos, que duram de 1848
a 1895, e até a Comunidade Oneida, de John Humphrey Noyes, ativa entre 1847 e 1879;
Noyes se tornou mais famoso pelas ideias de casamento aberto e controle natural da
natalidade do que pelo ideário de reforma social.

Marx e Engels

Formou-se em direito (1841), mas era fascinado por filosofia. O meio filosófico alemão é
então dominado pelas ideias de Hegel; e alguns grupos começam a utilizar as ideias
hegelianas a partir de um sistema materialista. A partir de 1842 atua como jornalista;
estudando as ideias de Feuerbach faz uma releitura de Hegel e começa a conceber um sistema
próprio.

Engels viveu dois anos na Inglaterra e acompanhou de perto as condições de vida da nascente
classe proletária inglesa. Quando Engels publicou suas conclusões, em 1844, Marx escreveu-
lhe; logo se tornaram amigos.
Marx desenvolveu a ideia do conflito de classes como motor da história em 1845. Em 1847-
48 sai o Manifesto Comunista; o texto apresenta uma teoria geral da história, uma análise da
sociedade europeia e um programa de ação revolucionária. Participam da agitação
revolucionária de 1848.

Edmund Wilson faz uma análise crítica do pensamento marxista, e de como Marx/Engels
foram mal interpretados por muitos marxistas; toma por exemplo a questão da dialética; Marx
usa o termo não como o método argumentativo de Sócrates, mas a partir do princípio da
mudança proposto por Hegel. Para o filósofo alemão a dialética é uma lei que rege tanto os
domínios da lógica como o mundo natural e a história; segundo ela todos processos de
mudança possuem um elemento de uniformidade: atravessam um ciclo de três fases; a
primeira fase (tese) é o processo de afirmação e unificação; em seguida vem a dissociação e
negação da tese (antítese); por fim ocorre uma conciliação entre tese e antítese (síntese).
Aplicada ao processo histórico, Hegel cita como exemplo a República Romana (tese); a
antítese está representada pelas guerras civis e a crise do modelo republicano; a síntese é a
implantação de uma ordem autocrática, o Império Romano.
Marx e Engels adotam o mesmo princípio, e diferente de Hegel o projetam para do futuro: a
sociedade burguesa é a tese; a antítese é o proletariado; e para eles a síntese seria a sociedade
comunista.
Enquanto Hegel vê um princípio que ele denomina Ideia Absoluta se auto realizando através
do mundo material, Marx inverte essa lógica de ponta cabeça: as ideias são humanas, e
traduzem a matéria dentro da mente humana, daí materialismo dialético; para Edmund Wilson
isso é uma leitura equivocada do próprio Marx. Engels esclarece que não há prevalência do
fator econômico e dá exemplos históricos: a produção artística é muitas vezes mais
desenvolvida em épocas de problemas econômicos do que em períodos de progresso; e
conclui (carta a Joseph Block, 21/09/1890): o fator econômico não é o único determinante,
mas a produção e reprodução da vida real constitui em última análise o fator determinante na
história (no sentido de apropriação de valores culturais por outras sociedades).
O autor considera irônico que o pensamento marxista, ao afastar-se da metafísica hegeliana,
terminará construindo uma mística materialista; há uma trindade sagrada (tese-antítese-
síntese), e a dialética torna-se um espécie de demiurgo, uma força divina irresistível que move
a história; os marxistas se esforçam na crença de que são agentes dessa força sobre-humana.
Outro elemento que contribui para as simplificações futuras é o esforço de interpretação
histórica fortemente centrado na motivação econômica que Marx e Engels inauguram
(materialismo histórico); Engels, sobretudo, empenhado em compreender a transição do
feudalismo para o capitalismo, vai revolucionar o pensamento histórico da época com as
ideias de modos de produção e lutas de classes. A crítica inclui ainda o conceito de mais-
valia, a apropriação do trabalho que gera o lucro dos industriais; o conceito de lucro gerado
exclusivamente pelo valor-trabalho é economicamente insustentável, e o próprio Marx admite
problemas com o conceito em rascunhos publicados postumamente.
Atribui a interpretação moral que Marx faz da economia à sua formação como judeu; para o
autor a característica básica do pensamento judeu é o julgamento moral; isso explicaria
também a intransigência com que combate a sociedade burguesa. Recém-saído do cativeiro
medieval do gueto, o judeu vê a sociedade com outros olhos. Este mesmo olhar permitiu a
Freud enxergar o mundo proibido dos instintos sexuais.
A tremenda violência e animosidade de O Capital parece terem sido influenciadas pelos anos
que o próprio Marx viveu na miséria em Londres; as obras anteriores ao período londrino se
destacam pelo entusiasmo revolucionário; as obras posteriores são mais ferinas em ataques ao
capitalismo. Devido às perseguições políticas, Marx passa a viver em Londres, em condições
de extrema pobreza, que serão a causa da morte de um filho e das constantes crises nervosas
da esposa. Engels permanece na Alemanha e trabalhando nos negócios da família e vai
praticamente sustentar o amigo.
A partir de 1860 o movimento sindical torna-se mais organizado; em 1864 Marx participa da
1ª. Reunião da Associação Internacional dos Trabalhadores, e logo passa a fazer parte da
direção da entidade; em 1869 ela reúne 800.000 membros em toda Europa.
Passado o entusiasmo com a Comuna (1871), Marx e Engels concentram-se na produção
teórica. Como salienta o autor, o pensamento marxista não é um sistema acabado: os dois
últimos livros de O Capital saíram postumamente, quase 12 anos após a morte de Marx
(1883); Engels morreu em 1895. Coletâneas de rascunhos e notas sobre diversas questões
doutrinárias que permaneciam em aberto foram publicadas muitos anos depois, quando o
pensamento marxista já estava consolidado.

Bakunin

Bakunin nasceu em 1814, numa família aristocrática proprietária de terras; fascinado com as
ideias de Hegel, mudou-se em 1840 para a Alemanha. Logo tornou-se revolucionário; esteve
em Paris (1848) e no levante de Dresden (1849); esteve preso por 8 anos e foi deportado para
a Rússia. Escapou na Sibéria e retornou à Europa passando pelo Japão e EUA. A partir de
1868 colabora com a Internacional e os movimentos sindicais; trabalhou algum tempo com
Marx, mas logo romperam ligações; suas ideias anarquistas não convergiam com o ideário
comunista: o Estado deveria acabar de imediato. Morreu em 1876. Edmund insinua que o
ardor destrutivo das ideias de Bakunin tem relação com um drama pessoal: as relações
incestuosas com as irmãs durante a adolescência e a impotência sexual que teve
provavelmente durante toda a vida.

Lenin

Vladimir Ulianov nasceu em 1870; em 1887 seu irmão foi enforcado por participar de um
complô para assassinar o Czar. A despeito da perseguição política formou-se em Direito.
Alterna períodos na prisão com o exílio. Após a ruptura do movimento social democrata,
passa a liderar a facção dos bolcheviques. Edmund tem evidente admiração por Lênin; admira
seu idealismo e rigidez moral, e sobretudo o senso prático demonstrado em seus textos;
considera que a instalação dos sovietes indica os propósitos humanitários, democráticos e
anti-burocráticos do líder. O nome da obra (Estação Finlândia) homenageia exatamente o
momento em que Lenin chega à Rússia, desembarcando em São Petersburgo na estação que
leva este nome.

Trotsky

Trotsky (Lev Davidovitch) nasceu em 1879; tentou reconciliar Lênin com os mencheviques;
preso na revolta de 1905, escreverá uma importante análise do movimento; fará o mesmo
mais tarde com a revolução de 1917. Faz uma análise teleológica da história: toda a história
caminha em direção ao triunfo final do socialismo.

A análise que Edmund Wilson faz da Revolução Russa é demolidora: para ele não passa de
uma revolução burguesa no estilo da Revolução Francesa, motivada pela necessidade de
derrubar o estado absolutista para implantar reformas modernizadoras. A nobreza é derrubada
e substituída por um aparelho estatal centralizado; os burocratas da nova estrutura constituem
uma nova elite social; na prática as distinções de classe continuam na nova sociedade
socialista. Lênin é sucedido por um de seus lugar-tenentes através de engodo e distribuição de
favores; o governo de Stalin não deixa nada a dever ao dos czares.

Comentários finais:

O autor evidentemente não é marxista; Edmund Wilson é profundamente crítico em relação


ao ideário socialista, e não vê grande diferença entre os socialistas utópicos e dialética
pretensamente científica de Marx. O livro foi escrito em 1940, durante a aliança Hitler/Stalin,
e retrata claramente as dúvidas quanto ao futuro do movimento socialista que havia então no
meio acadêmico norte-americano.
Sua motivação para escrever a obra é uma genuína admiração pelo romantismo idealista do
início do socialismo, o sonho de criar uma sociedade mais justa apoiada em bases igualitárias;
e ao mesmo tempo destruir a aura de infalibilidade do pensamento marxista. O conjunto de
ideias de Marx é para o autor uma mistura de judaísmo tradicional, rousseaunismo do século
XVIII e utopismo do início do XIX;

A seguinte frase deixa explícito sua concepção anti-marxista:


"Não basta que o Estado assuma o controle dos meios de produção e se estabeleça uma
ditadura que defenda os interesses do proletariado para que esteja garantida a felicidade de
ninguém, exceto a dos próprios ditadores."

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