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SAÚDE
SAÚDE PÚBLICA
Copyright © Portal Educação
P842s Saúde pública / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012.
266p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8241-078-3
CDD 614.0981
SUMÁRIO
7 EPIDEMIOLOGIA .................................................................................................................................... 98
INTRODUÇÃO
atuação direta da prática médica. Neste último caso, a intervenção do Estado tem se dado em
cada um dos movimentos que caracterizam o fornecimento do cuidado médico, ou simplesmente
em todos eles. Assim sendo, o Estado passou a atuar de forma cada vez mais marcante, e
mesmo imprescindível, seja como produtor de cuidados médicos, seja na distribuição e
organização desta prática, seja, enfim, subvencionando o consumo dos cuidados médicos.
Os gastos públicos com a saúde, bem como com outros programas sociais, como
porcentagens dos Produtos Nacionais Brutos, vêm crescendo, de uma maneira geral, em todos
os países. Esta questão emerge no período de transição que caracteriza o surgimento do modo
de produção capitalista, em que o crescimento populacional, através de uma política
demográfica traçada pelo Estado, torna-se um pré-requisito para a auto-suficiência da nação.
São identificadas três correntes principais nesse debate, cada qual atribuindo a um dos
determinantes, a dominação na estruturação da prática médica e na organização do setor da
saúde.
Além disso, nas sociedades capitalistas o cuidado médico assume a forma mercantil,
subordinando-se às leis do mercado, mesmo quando esse caráter se encontra disfarçado sob
formas de cooperação (como a Previdência social).
Da mesma forma, a organização social da prática passa a ser determinada pela lógica
do capital, acarretando a progressiva necessidade de inversão de grandes recursos para
aquisição do instrumental, o que leva a prática liberal e dar lugar a formas associativas de
natureza pública ou privada, onde o médico é progressivamente afastado dos seus meios de
trabalho, tornando-se assalariado. Diversos outros aspectos desse mesmo fenômeno podem ser
apontados, como por exemplo, a ênfase no tratamento hospitalar em detrimento do atendimento
ambulatorial.
Por outro lado, a crescente intervenção estatal vai ser abordada também a partir da
compreensão do Estado capitalista com o desenvolvimento último da contradição entre valor e
valor de uso, o que implica que, embora o Estado da classe dominante, seja assumido
fetichizadamente como suporte místico do interesse geral.
Por sua vez, a organização social da prática médica, enquanto momento da distribuição
do cuidado médico dependerá das características gerais da produção, da relação específica
entre produção e consumo, e ainda dos efeitos da prática médica sobre a estrutura social.
Se acrescentarmos a esses dados iniciais o fato de que cerca de 90% dos serviços
médicos, até final da década de 80, se vinculavam direta ou indiretamente ao INAMPS (Instituto
Nacional de Assistência Médica e Previdência Social) estaremos não apenas reforçando a
afirmativa anterior sobre o papel exercido pela Previdência Social. Mas também, atribuímos a
esta um caráter mais amplo que diz respeito à natureza da participação estatal na organização
do setor saúde.
Além disso, a prioridade assumida pelo Inamps até a década de 80, encarada sobre o
prisma de definição de políticas públicas, traz no seu bojo uma política maior que dizia respeito
principalmente à relação do Estado com os trabalhadores assalariados. Neste sentido, diferem
fundamentalmente, para além das características inerentes às práticas médicas acima
apontadas, os recursos destinados às diferentes instituições componentes do sistema de saúde.
Assim, é importante remetermos-nos à história da constituição das instituições na área da saúde
para entendermos o lugar que ocupariam e ocupam, quer como palco de lutas, quer como
expressão de um processo político hegemônico.
- O sistema Próprio: fazem parte desse sistema todos os recursos que são de propriedade da
Previdência Social, além dos recursos humanos assalariados pelo Estado.
A maior parte dos autores tem concordado em definir, como marco do surgimento da
Previdência Social Brasileira, a Lei Eloy Chaves (Decreto Lei nº. 4682, de 24 de janeiro de
1923), que diz criar cada uma das empresas de estrada de ferro existente no país, uma Caixa de
aposentadoria e pensões (CAP) para os respectivos empregados.
Diversos autores salientam que essa postura liberal deve ser analisada a partir dos
interesses da livre empresa, a quem claramente favorecia; além do seu caráter repressivo sendo
que, o Estado, ao mesmo tempo se orienta quanto à produção de leis efetivas que regulem as
relações entre capital e trabalho, promulga no período de 1893 a 1927 pelo menos cinco leis
repressivas da atividade político-sindical do operariado urbano. Por outro lado, a postura liberal
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pode ser ligada menos aos interesses da livre empresa do que à oligarquia agrário-exportadora,
hegemônica durante todo esse período, e para que a legislação trabalhista se restituiria em uma
ameaça muito remota.
Cabe lembrar que esta informação deve ser relativizada, sob pena de não
compreendermos o verdadeiro conteúdo do modelo previdenciário emergente.
Em primeiro lugar, deve ser lembrado que todos os pontos fundamentais da moderna
legislação do trabalho já haviam sido levantados pelo movimento operário brasileiro em suas
fases primitivas, se bem que, o modelo de organização das Caixas foi também a forma
encontrada para neutralizar a ação organizativa dos trabalhadores. Elas eram destinadas a
grupos específicos, dividindo horizontalmente e unindo verticalmente os diferentes empregados,
em cada empresa. Entretanto, apesar do modelo contratual adotado pela CAP’s, ao invés de
assumir o direito aos benefícios previdenciários como inerentes à condição de cidadania a
análise dos benefícios concedidos vai mostrar que a Previdência Brasileira desde seu início
inclui critério de concessão e mesmo benefícios, além daqueles previstos no modelo de seguro
social, oriundo e com a mesma lógica do seguro privado.
O seguro social de base contratual foi nas suas origens vinculado à concessão de
aposentadorias (embora não exclusivamente) compatíveis com um regime financeiro de
capitalização, isto é, a formação de fundos de reserva que, juntamente com o retorno dos
investimentos são utilizados no pagamento dos benefícios.
Ora, no caso brasileiro a Lei Eloy Chaves instituiu como benefícios nesta ordem: 1º
assistência médica, inclusive aos familiares; 2º medicamentos a preços especiais; 3º
aposentadoria; 4º pensão.
Uma prova desta permeabilidade às pressões exercidas pelo movimento operário, nos
limites dos modelos agrário-exportador dominante, é a própria cronologia de instalação das
CAPs que atenderam inicialmente a grupos sociais como ferroviários, marítimos e trabalhadores
do transporte. Estes eram não só os mais organizados e reivindicativos, como os mais
estratégicos para a economia agrário-exportadora, embora não diretamente empregados pela
oligarquia rural.
Um dado importante para confirmar esta hipótese é que tanto os critérios de concessão
dos benefícios, como aposentadorias, quanto aqueles para o cálculo do seu valor, foram desde o
início de cunho redistributivista. Em 1926, a assistência hospitalar passa também a ser incluída
também no rol dos benefícios.
As profundas mudanças que ocorreram no país a partir da revolução de 1930 vão ser
acompanhadas de reformulações sistemáticas no modelo previdenciário que vinha sendo
implantado no período anterior.
Com relação à administração, o que ocorreu foi um processo de controle progressivo por
parte do Estado da gestão das instituições previdenciárias, iniciando em 1933 com os recém
criados IAPs, estendendo-se progressivamente às próprias Caixas. Assim o presidente dos
institutos passa a ser nomeado diretamente por decreto do presidente da República: a
presidência passa a ser instância decisória máxima na nova estrutura organizacional. Os
representantes dos empregados e empregadores deixam de ser escolhidos por eleição direta e
passam a ser indicados pelos respectivos sindicatos. A partir de 1935 essas medidas foram
estendidas às CAPs, que foram posteriormente fundidas em uma única Caixa.
Todo esse processo de concentração dos recursos e centralização do poder vai ser
coroado com a criação do Ministério do Trabalho, órgão encarregado de ser o principal
instrumento de efetivação de um projeto político-orgânico para as massas trabalhadoras
urbanas. Como conseqüência do novo projeto de modernização social levado a cabo pela
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coalizão dominante, é formulado um modelo alternativo para a Previdência Social inspirado nos
princípios da capitalização e que vai ser identificado com um conjunto de princípios vinculados
ao conceito de ‘’Seguro Social’’.
A legislação posterior a 1930 vai procurar estabelecer uma diferença conceitual e legal
entre o que a partir de então seria definido como Previdência e benefícios (Aposentadorias e
Pensões), considerados como atribuições contratuais obrigatórias, e Assistência ou serviços
(assistência médica, hospitalar, farmacêutica), que só seriam prestadas de acordo com as
disponibilidades das instituições. Os diferentes IAPs tiveram tanto a sua ordem de criação,
quanto sua própria lei de regulamentação, definidas a partir do poder de barganha política da
categoria de trabalhadores.
Assim, mesmo tendo como tendência geral uma política contencionista, a questão da
assistência médica variava desde o IAPB (Bancários), que definia concessão de assistência
médica como atribuição do instituto no limite máximo de despesas de 12%, até o regulamento do
IAPI (industriários). Neste último a assistência aparecia entre aqueles outros benefícios que
poderiam vir a ser concedidos, ‘’sujeitos ou não a uma complementação suplementar’’.
Paralelamente às restrições observadas quanto à concessão de assistência médica e demais
formas de assistência, a política contencionista passa a incidir sobre o que é, aos olhos do
próprio sistema proposto, o cerne da política previdenciária: as aposentadorias e pensões.
É assim que, com a criação do IAPI em 1938, vão localizar-se ali – e não é por acaso
que se situam onde a categoria social é mais desorganizada – os principais técnicos da
Previdência Social, que darão às medidas contencionista um corpo ‘’técnico apolítico’’,
elaborando uma complexa teoria do seguro social com base em fundamentos atuariais. Este
novo modelo de Previdência vai implicar também a própria forma de prestação dos serviços
médicos, reorientando a incipiente organização da prática médica previdenciária.
Para concluir este período, devemos assinalar que os vultuosos recursos acumulados
através do regime de capitalização vão transformar a Previdência em um importante mecanismo
de acumulação nas mãos do Estado. Este novo papel da Previdência, de mecanismo de capital
para o Estado, tornou-se importante para viabilizar o projeto político-econômico do novo regime:
a industrialização. Assim, os fundos previdenciários são desviados das medidas assistenciais
aos trabalhadores para subscrição de ações de grandes companhias estatais, empréstimos
privados, depósitos no Banco do Brasil e mesmo em bancos privados, construção da casa
própria, etc.
É preciso ter cautela para deixar claro que as mudanças ocorridas nesse período não 17
são uma mera decorrência das pressões internacionais, mas sim que vêm ao encontro dos
interesses políticos vigentes nesse período, decorrentes das forças sociais internas, funcionando
as pressões externas como limites desmascaradores das possibilidades dadas na conjuntura.
O período pós 1945 vai mostrar um novo crescimento das despesas da Previdência
Social, em todos os seus itens. Os gastos com aposentadorias e pensões cresceram,
aumentando de 1945 a 1963 em 4,5 vezes. Esse crescimento não é explicado como um
fenômeno natural, mas em face da alteração dos critérios de concessão desses benefícios. Em
outros termos, nesse período além do retorno da aposentadoria ordinária (eliminada de algumas
instituições do período anterior) houve também um aumento real do valor médio das
aposentadorias. Por outro lado, as despesas com assistência médico-hospitalares cresceram
neste período em 13,5 vezes.
O presidente Dutra em 1950, aos prestar contas do seu mandato, enumera os feito de
ampliação da previdência em termos do aumento do círculo dos segurados, promoção de
programas assistenciais, aumento da amplitude dos benefícios e dos riscos cobertos. Apresenta
ainda, extensa lista de realizações na área, incluindo a construção e compra dos hospitais,
ambulatórios, aquisição de equipamentos médicos, além da assinatura de convênios para a
prestação de assistência médica aos segurados. Uma árdua vitória do governo no período,
contra as resistências contencionistas ainda presentes entre os atuários, se deu com a
implantação da assistência médica no IAPI, finalmente iniciada em 1950. Ou seja, em outros
termos, decretava-se a falência do modelo de capitalização e da política contencionista
sistematizada pelo corpo conceitual denominado Seguro Social. Os governos populistas do
período buscando legitimar-se através de uma política de massas tornaram-se sensíveis às
antigas reivindicações dos trabalhadores, entrando mesmo em choque com os técnicos em
questões trabalhistas.
No entanto, a nova política implantada em questões previdenciárias estava longe de
identificar-se com as propostas contidas sob a denominação de Seguridade Social. A principal
diferença é que ao invés de o Estado arcar cada vez mais com o ônus financeiros de concessão
de benefícios cuja responsabilidade lhe foi atribuída, o que ocorria era o aumento, a cada ano,
da dívida da União para com as instituições previdenciárias. Esta dívida era acompanhada dos
freqüentes atrasos no pagamento por parte dos empregadores, obtendo um ganho adicional com
a inflação, à época não sujeita à correção monetária.
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Além disso, a contribuição do empregador era mais simbólica do que real, na medida em
que não é deduzida do lucro e sim repassada para frente, sendo transferida ao consumidor nos
preços dos produtos, ou para trás, na forma de custos trabalhistas muito baixos. Sendo assim,
ao contrário do que propunha a Seguridade Social, o trabalhador torna-se cada dia mais, se não
a única, pelo menos a principal fonte de recursos do sistema previdenciário, inaugurando nossas
tradições de redistribuição da renda apenas entre os assalariados.
Essa questão financeira vai ser apontada como a principal responsável pelas medidas
que levaram a uma maior intervenção do Estado com a unificação dos IAPs no INPS (Instituto
Nacional de Previdência Social), em 1966. No entanto, as medidas unificadoras e excludentes da
participação dos segurados só ganham sentido se levarmos em conta o golpe militar de 1964
que rompeu com o contexto político populista.
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Essa forma de articulação do Estado com a sociedade civil tem sido objeto de
constantes indagações, tendo em vista tanto a crescente expansão do aparelho do Estado em
setores anteriormente excluídos do seu âmbito, quanto a concomitante institucionalização de
estruturas corporativas de inserção dos interesses empresariais no aparelho estatal.
Essa situação vem a ocorrer quando a sociedade civil se mostra incapaz de se auto
regular dentro dos marcos institucionais, com hegemonia de um setor responsável pela obtenção
do consenso pelas classes dominantes à dominação frente às camadas populares.
O processo de rápida urbanização, que foi deflagrado a partir dos anos de 1950 com o
surto industrial, teve como conseqüência a criação de expectativas de consumo próprias do
modo de vida citatino. Além da deteriorização das condições de vida urbana, criando
necessidades de consumo de bens, como assistência médica, que não poderiam ser satisfeitas
no mercado, dado o baixo poder aquisitivo dos salários.
Até 1964, a assistência médica previdenciária era fornecida basicamente pelos serviços
próprios dos Institutos. As formas de compra dos serviços médicos a terceiros aparecem como
minoritários e pouco expressivos no quadro geral da prestação de assistência médica pelos
IAPs.
Se, em 1960, 50% das atividades médicas se fazem no âmbito previdenciário, afirma-se, 23
em 1975, que 90% de todos os serviços médicos prestados no país encontram-se, direta ou
indiretamente, dependentes do INPS. No entanto, essa submissão ao setor privado à
Previdência não vem prejudicar a expansão do primeiro; pelo contrário, tem preservado e
garantido sua ampliação.
Essa relação complexa entre Estado e produtor privado revela-se em quase todos os
ramos da economia e, nesse ponto, o que é importante ressaltar é que tal forma de organização
do mercado, propiciada pelo INPS, deu condições para que a prática médica se tornasse
altamente lucrativa. Além evidentemente, dos interesses econômicos da indústria farmacêutica e
de equipamentos hospitalares, que inserem tal prática na órbita da reprodução do capital.
Esse plano encontrou resistências diversas, em primeiro lugar porque colocava em risco
a possibilidade de expansão da cobertura, desejada como relação necessária entre Estado e
trabalhadores. Também opuseram-se a ele os técnicos da previdência identificados como a linha
defensora dos serviços próprios, representantes de interesses não hegemônicos mas já
consolidados no interior da instituição previdenciária.
Até 1977, 23,1% desses recursos foram comprometidos na área de saúde e previdência,
sendo que destes recursos 20,5% destinaram-se ao setor público e 79,5% ao setor privado.
A modalidade contratual pela qual se efetuam tais compras foi denunciada como sendo
um fator incontrolável de corrupção na medida em que induz a utilização de serviços complexos
e caros, além de diversos tipos de fraudes, para compensar os baixos preços da tabela da US.
No entanto, a plena utilização desse modelo é que vai demonstrar a sua inviabilidade, na
medida em que, ao propiciar o superfaturamento por parte dos produtores privados, coloca em
risco todo o sistema financeiro da previdência, inviabilizando sua continuidade como única
alternativa para expansão da cobertura médica.
Em relação aos objetivos apontados acima, eles não se modificam com a substituição
dos departamentos médicos próprios das companhias pelos contratos com empresas médicas. É
isso, a nosso ver, que torna possível tal substituição. Se a medicina do departamento médico e a
empresa médica se identificam quanto ao objetivo geral de aumentar a produtividade através da
manutenção e recuperação da força de trabalho, diferem, no entanto, substancialmente na
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medida em que a empresa é regida por uma lógica interna que visa basicamente à lucratividade
através da diminuição dos custos de tratamentos.
Nesse sentido, há uma profunda ruptura que vem diferenciar uma prática médica situada
nos marcos do fordismo e esta outra que se insere, enquanto empresa médica, no ciclo da
reprodução do capital. A finalidade imediata de barateamento dos custos dos serviços prestados
vai ter conseqüências profundas no tipo e nível da medicina praticada, implicando quase que
necessariamente uma limitação crucial do exercício consciencioso dessa prática.
A oferta de uma política de pessoal atraente reflete-se nos serviços oferecidos pelos
grupos médicos, muito dos quais estratificam esses serviços em faixas correspondentes à
qualificação dos trabalhadores, definindo diferentes qualidades de atenção médica.
O absenteísmo é também bastante controlado, sendo que em alguns casos os médicos
só podem dar licenças de até 15 dias. Os demais casos são decididos pela direção do grupo
médico. A eficácia desses controles é assunto polêmico, não havendo comprovação das
vantagens apregoadas pelos defensores da medicina de grupo.
Dessa maneira, a Previdência Social arcou progressivamente com parte dos gastos das
empresas com assistência médica a seus empregados, mesmo que elas algumas vezes ainda
contribuam para o pagamento da empresa médica.
Com isso, Previdência foi arcando progressivamente com parte cada vez maior dos
antigos gastos das empresas com assistência médica a seus empregados, mesmo que elas
algumas vezes ainda contribuíssem para o pagamento da empresa médica. A Previdência não
só financiou parcialmente a medicina de empresa, mas também, arcou com parcelas crescentes
das atividades médicas mais caras, complexas e lentas, que se tornaram necessárias no
atendimento aos empregados pelos convênios.
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No campo da organização da saúde pública no Brasil foram desenvolvidas as seguintes
ações no período militar:
- Em 1975 foi instituído no papel o Sistema Nacional de Saúde, que estabelecia de forma
sistemática o campo de ação na área de saúde, dos setores públicos e privados, para o
desenvolvimento das atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde. O documento
reconhece e oficializa a dicotomia da questão da saúde, afirmando que a medicina curativa seria
de competência do Ministério da Previdência, e a medicina preventiva de responsabilidade do
Ministério da Saúde.
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O modelo econômico implantado pela ditadura militar entra em crise. Primeiro, porque o
capitalismo a nível internacional entra num período também de crise. Segundo, porque em
função da diminuição do fluxo de capital estrangeiro para mover a economia nacional, o país
diminuiu o ritmo de crescimento que em períodos áureos chegou a 10% do PIB, tornando o
crescimento econômico não mais sustentável.
A idéia do que era preciso fazer crescer o bolo (a economia) para depois redistribuí-lo
para a população não se confirma no plano social. Os pobres ficaram mais pobres e os ricos
mais ricos, sendo o país um dos que apresenta um dos maiores índices de concentração de
renda a nível mundial.
A população com baixos salários, contidos pela política econômica e pela repressão,
passou a conviver com o desemprego e as suas graves conseqüências sociais, como aumento
da marginalidade, das favelas, da mortalidade infantil. O modelo de saúde previdenciário começa
a mostrar as suas mazelas:
- Por ter priorizado a medicina curativa, o modelo proposto foi incapaz de solucionar os principais
problemas de saúde coletiva, como as endemias, as epidemias, e os indicadores de saúde
(mortalidade infantil, por exemplo);
-desvios de verba do sistema previdenciário para cobrir despesas de outros setores e para
realização de obras por parte do governo federal;
- o não repasse pela União de recursos do tesouro nacional para o sistema previdenciário, visto
que esta é tripartite (empregador, empregado e união).
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Devido à escassez de recursos para a sua manutenção, ao aumento dos custos
operacionais, e ao descrédito social em resolver a agenda da saúde, o modelo proposto entrou
em crise.
O plano inicia-se pela fiscalização mais rigorosa da prestação de contas dos prestadores
de serviços credenciados, combatendo-se as fraudes. O plano propõe a reversão gradual do
modelo médico-assistencial através do aumento da produtividade do sistema, da melhoria da
qualidade da atenção, da equalização dos serviços prestados às populações urbanas e rurais,
da eliminação da capacidade ociosa do setor público, da hierarquização, da criação do domicílio
sanitário, da montagem de um sistema de auditoria médico assistencial e da revisão dos
mecanismos de financiamento do FAS.
Para se mencionar a forma desses grupos atuarem, basta citar que eles opuseram e
conseguiram derrotar dentro do governo com a ajuda de parlamentares um dos projetos mais
interessantes de modelo sanitário, que foi o PREV-SAÚDE, que depois de seguidas distorções
acabou por ser arquivado.
No entanto, isto, não impediu que o CONASP implantasse e apoiasse projetos pilotos de
novos modelos assistenciais, destacando o PIASS no nordeste. Devido ao agravamento da crise
financeira o sistema redescobre quinze anos depois a existência do setor público de saúde, e a
necessidade de se investir nesse setor, que trabalhava com um custo menor e atendendo a uma
grande parcela da população carente de assistência.
Este período coincidiu com o movimento de transição democrática, com eleição direta
para governadores e vitória esmagadora de oposição em quase todos os estados nas primeiras
eleições democráticas deste período (1982).
A partir do momento em que o setor público entrou em crise, o setor liberal começou a
perceber que não mais poderia se manter e se nutrir daquele e passou a formular novas
alternativas para sua estruturação. Direcionou o seu modelo de atenção médica para parcelas da
população, classe média e categorias de assalariados, procurando através da poupança desses
setores sociais organizarem uma nova base estrutural.
Muitos autores afirmam que este sistema baseia-se num universalismo excludente,
beneficiando e fornecendo atenção médica somente para aquela parcela da população que tem
condições financeiras de arcar com o sistema, não beneficiando a população como um todo e
sem a preocupação de investir em saúde preventiva e na mudança de indicadores de saúde.
Em 1990 o Governo edita as Leis 8.080 e 8.142, conhecidas como Leis Orgânicas da
Saúde, regulamentando o SUS, criado pela Constituição de 1988.
II. Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos
serviços assistenciais;
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III. Participação da comunidade
“Parágrafo único - o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes”.
Apesar do SUS ter sido definido pela Constituição de 1988, ele somente foi
regulamentado em 19 de setembro de 1990 através da Lei 8.080. Esta lei define o modelo
operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento. Algumas destas
concepções serão expostas a seguir.
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· EQUIDADE - é um princípio de justiça social que garante a igualdade da assistência à saúde,
sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. A rede de serviços deve estar atenta às
necessidades reais da população a ser atendida;
Este artigo foi substancialmente modificado com a edição das NOBs que
regulamentaram a aplicação desta lei.
NOB é a abreviatura de Norma Operacional Básica, que trata da edição de normas
operacionais para o funcionamento e operacionalização do SUS de competência do Ministério da
Saúde, tendo sido editadas até hoje: a NOB-SUS 01/91, NOB-SUS 01/93, NOB-SUS 01/96, e
que serão mencionadas em outras partes deste texto.
Apesar das dificuldades enfrentadas pode-se afirmar que ao nível da atenção primária o
SUS apresentou progressos significativos no setor público, mas enfrenta problemas graves com
o setor privado, que detém a maioria dos serviços de complexidade e referência a nível
secundário e terciário. Estes setores não se interessam em integrar o modelo atualmente vigente
em virtude da baixa remuneração paga pelos procedimentos médicos executados, o que vem
inviabilizando a proposta de hierarquização dos serviços.
Assim surgiram as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) e com elas a Lei Eloy
Chaves em 1923, que regulamentava sua atuação, marcando o início da Previdência Social no
Brasil.
Aos indivíduos excluídos do mercado formal de trabalho, uma dupla penalidade: além da
privação de melhores condições de trabalho associadas ao registro em carteira, a exclusão da
cobertura médico-hospitalar. Restava - lhes disputar com os mais pobres e indigentes a rede de
assistência ofertada pelas Santas Casas de Misericórdia. Portanto, havia uma segmentação no
cuidado à saúde. De um lado, a assistência médica integral aos trabalhadores do mercado
formal; de outro, um atendimento residual aos pobres e indigentes, sob a forma de caridade e
filantropia.
Para todas as ações de saúde coletiva, estas sim universais, prestadas pelo Ministério
da Saúde (MS), dadas a crescente conscientização da interdependência ocasionada pelas
doenças transmissíveis.
Dentre os princípios que nortearam a mudança no tratamento da questão social pela CF,
o mais notável, sem dúvida, é a extensão da cobertura aos segmentos até então desprotegidos.
Buscou-se com isso recuperar a imensa dívida social com grande parcela da população
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brasileira. Para isto, os constituintes reconheciam a necessidade de introduzir mecanismos
redistributivos e de garantir um financiamento mais seguro e estável às políticas de proteção
social. Assim, se por um lado a CF promulgada em 1988 criou o conceito de Seguridade Social
(diretos de cidadania) e ampliou o leque de direitos sociais, por outro, buscou assegurar fontes
de financiamento adequadas para o custeio dos novos benefícios. Os constituintes
estabeleceram que a Seguridade Social seria custeada por um orçamento próprio: o Orçamento
da Seguridade Social (OSS), demonstrando sua preocupação em assegurar adequado
financiamento aos direitos previdenciários, da saúde e à assistência.
- o lucro líquido das empresas, com a criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL) e (iv) uma parcela da receita de concursos e prognósticos.
Ademais, a Constituição previa também o aporte de recursos fiscais por parte das três
esferas de governo no financiamento da seguridade social.
Vale lembrar que esses recursos que compõe o OSS não foram vinculados a cada área
que compõe a Seguridade Social. Somente os recursos do PIS/PASEP ficaram reservados ao
Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT (para custear o programa seguro-desemprego e o
abono PIS/PASEP) e às ações do BNDES. A essas fontes, veio somar-se, em 1996, a CPMF,
contribuição criada para financiar a Saúde. Sua alíquota foi posteriormente elevada de 0,20%
para 0,38%, destinando-se a diferença (0,18%) para a Previdência Social (0,10%) e para a
Assistência Social (0,08% - Fundo de Erradicação da Pobreza).
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Além de garantir fontes de financiamento correspondentes à expansão dos benefícios,
de modo a operacionalizar seus objetivos redistributivos, os constituintes também introduziram
novidades no arranjo tributário federativo. O fortalecimento do Fundo de Participação dos
Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é mais uma iniciativa
redistributiva, pela qual buscava-se reduzir as desigualdades regionais através de transferências
constitucionais da União para os Estados e Municípios. Pelo FPE, 21,5% da arrecadação líquida
(arrecadação bruta deduzida de restituição e incentivos fiscais) do Imposto sobre a Renda (IR) e
do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) são repassados aos Estados. No caso do FPM,
22,5% da arrecadação líquida do IR e do IPI pela União são repassados aos municípios.
Ademais, o FPM recebe também 50% do IPVA e 25% do ICMS arrecadado pelos estados.
Entretanto, do montante do FPM são deduzidos 15% para o FUNDEF/ FUNDEB – Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental/ Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica.
Quanto aos gastos da Seguridade Social, vale mencionar que eles beneficiam uma
parcela muito significativa da população brasileira, como mostra o quadro 1 a seguir. Pela
previdência social, em 2005, foram atendidas 23.951.338 pessoas. Na saúde, somente na
atenção básica, a cobertura pelos programas Saúde na Família e Agente Comunitário de Saúde
foi de 102.958.094 de pessoas, isto corresponde a pouco mais da metade da população
brasileira. O Bolsa Família, principal programa da Assistência Social, beneficiou 11.071.446
famílias em 2006, enquanto os Benefício s de Prestação Continuada atenderam, no mesmo
período, 2.477.485 pessoas.
20,95%.
Diante dessas dificuldades de financiamento, surgem ao longo dos anos 1990, diversas
propostas de emendas constitucionais vinculando recursos à Saúde, de modo a garantir um
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mínimo de recursos à pasta. Pela proposta da PEC 169, apresentada à Câmara dos Deputados,
em 1993, por iniciativa dos Deputados Eduardo Jorge, Waldir Pires e outros, a União ficaria
obrigada a destinar, anualmente, para a implementação do Sistema Único de Saúde, no mínimo
30% das receitas de contribuições que compõem o OSS e 10% da receita de impostos. Já os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicariam, anualmente, nunca menos de dez por
cento da receita resultante de impostos.
Após algumas discussões, esta proposta conseguiu ser aprovada no senado, sob a
identificação de Emenda Constitucional 29 (EC/29). Esta emenda estabeleceu percentuais
mínimos de aplicação de recursos em ações e serviços públicos de saúde para as três esferas
de governo.
No que se refere à União, a EC/29 estipulou para o primeiro ano (2000) que o aporte
para a Saúde deveria ser, no mínimo, igual ao montante empenhado no ano anterior (1999)
corrigido em 5%. Nos anos seguintes, até 2004, o gasto mínimo deveria ser sempre o montante
empenhado no ano imediatamente anterior corrigido pela variação nominal do PIB. Isto é, os
recursos mínimos para 2001 corresponderiam ao montante aplicado em 2000 corrigido pela
variação nominal do PIB.
Além disso, a variação nominal do PIB prevista para 2001, em relação ao PIB de 2000,
era de 9%, e a variação do PIB de 2000 sobre o de 1999 era de 13%. Mais uma vez, a área
econômica entendeu que deveria tomar a variação nominal prevista do PIB 2001/2000, uma que
a variação de fato só seria conhecida em 2002 após o encerramento do exercício de 2001. Com
isso, o montante fixado pela EC/29 diminuiria em outros R$ 800 milhões (13% - 9% = 4% de R$
20 bilhões).
No que se refere aos estados e municípios, não obstante os notáveis avanços na
participação das esferas subnacionais no custeio da saúde, o cumprimento da EC /29 ainda
encontra algumas dificuldades. Um dos problemas principais de acompanhamento diz respeito à
ausência de uma definição precisa do que considerar “ações e serviços públicos de saúde” para
efeito de cumprimento dos percentuais mínimos fixados pela EC. Por não deixar claro o que
deveria ser entendido por “ações e serviços públicos de saúde”, a EC /29 abriu espaço para que
União, DF, estados e municípios incluíssem gastos indevidos para atingir os mínimos
obrigatórios. 43
Muitos incluíram gastos com serviços de saúde para clientela fechada, saneamento,
básico, merenda escolar, gastos com inativos e outros para alcançar os percentuais mínimos
estipulados. Diante disto, o Conselho Nacional de Saúde produziu a Resolução 316/2002, que
não tendo sido homologada no governo anterior, foi transformada na Resolução 322/2003,
homologada pelo ministro Humberto Costa, esclarecendo pontos obscuros que obstaculizavam o
cumprimento dos dispositivos da EC/29, sobretudo a definição de ações e serviços públicos de
saúde.
Portanto, podemos concluir que sem uma ampla mobilização da sociedade civil e do
Movimento Sanitário esta regulamentação dificilmente se concretizará.
‘’Estados e municípios passaram a receber por produção de serviços de saúde, nas mesmas
modelo de atenção à saúde voltado para a produção de serviços e avaliado pela quantidade
45
de procedimentos executados, independentemente da qualidade e dos resultados
saúde do INAMPS, agora aplicado aos gestores públicos estaduais e municipais’’. (OLIVEIRA
A NOB 91 foi editada por três vezes. A primeira contestada pelos juristas por ter saído
pelo INAMPS, foi reeditada de imediato após autorização do Ministério da Saúde e, depois de
seis meses, revisada. Na seqüência veio a NOB 92. Ambas no governo Collor, com o ministro
Alceni e o presidente do INAMPS, Ricardo Akel. A NOB 93 foi anterior à extinção do INAMPS e
saiu no governo Itamar, com o ministro Jamil Haddad e o presidente do INAMPS, Carlos
Mosconi. A NOB 94 foi pensada e discutida internamente na equipe e na comissão tripartite em
sua essência, pois era apenas complementar à NOB 93, mas foi vetada pelo Ministério da
Fazenda. Era no governo Itamar, sendo ministro, Henrique Santillo. Não havia mais INAMPS e a
responsabilidade transferida à Secretaria Nacional de Assistência à Saúde do Ministério da
saúde, então dirigida, por Gilson Carvalho.
A NOB 96, em análise, foi natimorta (não pelos que a fizeram, mas por quem os
sucedeu). Não chegou a ser implementada na essência em que foi escrita. Foi no governo de
Fernando Henrique Cardoso, sendo ministro, Adib Jatene e dirigente da Secretaria de
Assistência a Saúde, Eduardo Levcovitz. A NOB 98 (nunca existiu com este nome) foi feita por
portarias modificadoras da essência da NOB 96. Ainda presidente FHC, mas ministro, Carlos
Albuquerque, conduzido pelo vice Barjas Negri. A NOB-2000/NOAS 2001, que não se
denominou mais NOB, mas, para marcar a era Serra, ainda que no governo FHC, teve o
eufemismo de denominar-se NOAS-2001 Norma Operacional Básica da Assistência.
Guido Carvalho foi um eminente jurista e estudioso do direito universal à saúde. Co-
autor de grande parte da legislação de saúde nas décadas de 1980/1990, desde as AIS e o
SUDS. Nunca à frente de cargos, mas como colaborador engajado na luta da saúde,
questionava sempre as denominadas NOBs. Seu argumento era que as NOBs e outras portarias
46
do executivo se detinham em regulamentação excessiva e minuciosa de questões que não
precisariam ser regulamentadas. Além disso, discursavam intenções inócuas, pois elas já
estavam na Constituição Federal e na Lei Orgânica de Saúde.
Mas, então, por que em dez anos, de 1991 a 2001, se repete o mesmo erro? Por que as
NOBs tentam operacionalizar a CF e a LOS, infringindo o mandamento maior hierarquicamente
que ela? Há quase uma delinqüência consentida neste país em que a prática é que o executivo
não cumpra as leis. O legislativo, coniventemente, não regulamenta o que está na CF e/ou não
cobra do executivo o cumprimento do regulamentado. O judiciário não pune os dois, e o
Ministério Público ainda anda perdido entre a obrigatoriedade de defesa dos direitos do cidadão
(incluindo saúde) e seu caráter pré-constitucional.
As NOBs-91 e 92
Aprovados princípios e bases para a saúde, na CF, muita coisa ficou na dependência de
regulamentação. De outubro de 1988 até setembro de 1990 discutiu-se no Congresso Nacional a
aprovação da Lei Orgânica da Saúde. Finalmente, depois de muito embate, foi aprovada no
Congresso, em Setembro. Não se podia pensar que seria fácil regulamentar os avanços. Vale
dizer do papel da esquerda progressista que soube fazer suas alianças com a direita
conservadora, para que Saúde ficasse como uma questão suprapartidária. Não foi sem
dificuldades e muitas, que se chegou a esse acordo, mas só ele possibilitou a aprovação. Ao
chegar à sanção presidencial de Fernando Collor os vetos apareceram, o que gerou o maior dos
debates. Depois de três meses de impasse, resolveu-se a questão aprovando-se a lei 8.080,
complementada com a 8.142.
Várias portarias foram publicadas: dos hospitais universitários, onde se igualou o índice
de valorização hospitalar (IVH) e se criou o FIDEPS - Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do
Ensino e Pesquisa Universitária em Saúde; modificando o Sistema de Financiamento das
Internações Hospitalares (define número de AIHs) e Ambulatoriais com novos valores;
regulamentando orteses e próteses; introduzindo nova maneira de repasse de recursos
ambulatoriais, onde para cada estado ou grupo de estado é criado um valor per capita (UCA).
A grande questão foi a resolução 258 de 7/1/1991 que teve como anexo a NOB-91
dividida em quatro grandes partes.
Esta norma é comemorada como um avanço por quem não estava vivendo a situação e
nem entendia da nova legislação. Quando se fala em Conselho, Fundo, Plano e Relatório de
Gestão nada mais se diz que aquilo que está dentro da legislação 8.142/8.080. Mas, para quem
tinha muita expectativa e esperança de uma implantação correta do SUS, a NOB-91 foi quase
uma afronta. Podemos elencar as ilegalidades principais da NOB-91.
1) O primeiro questionamento jurídico foi sobre qual seria o poder do INAMPS de normatizar
para o SUS quando isso deveria ser função do Ministério da Saúde. Na lei 8.142, 5 está escrito
que: "É o Ministério da Saúde, mediante portaria do ministro de Estado, autorizado a estabelecer
condições para aplicação desta lei". Isso obrigou a que saísse portaria ministerial autorizando o
INAMPS ao procedimento e reedição da NOB-91 (portaria 1.481, de 31 de dezembro de 1990 -
49
data posterior à primeira edição da NOB-91).
2) O sistema de pagamento por produção proposto pela NOB-91 era inconstitucional e ilegal
segundo as leis 8.080 e 8.142. A lei 8.080, no art. 35, parágrafo 1o, diz: "Metade dos recursos
destinados a estados e municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo
número de habitantes, independente de qualquer procedimento prévio". O art.3, parágrafo 1o da
lei 8.142 diz: "Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art.
35/8.080, será utilizado, para o repasse dos recursos, exclusivamente, o critério estabelecido no
parágrafo primeiro do mesmo artigo". Com estes dois artigos de lei diferentes só existe uma
maneira de interpretação: até regular o art. 35 da lei 8.080 todos os recursos federais deverão
ser repassados aos estados, Distrito Federal e municípios, exclusivamente pelo critério
populacional.
7) A NOB-91 só trata dos recursos do INAMPS omitindo de vez qualquer citação dos recursos
referentes ao orçamento, ou melhor, de parte do orçamento administrado diretamente pelo
Ministério da Saúde.
51
A NOB-93
Institucionalizou-se o pacto. A CIT e CIBs foram a afirmação positiva de que entre um processo
descentralizatório irresponsável seguido de furores recentralizadores aconteceu também um
movimento de descentralização compartilhada e co-responsável. A persistência desse
movimento, previsto na instituição do SUS, talvez seja uma demonstração do acerto.
53
A gestão plena foi o horizonte colocado para o futuro quando se acabasse a transição.
Numerosos percalços se deram em sua implantação, sendo de maior gravidade o recorrente
bloqueio a mais recursos para a saúde. A nova sistemática da NOB⎯ 93 implicava mais recursos
(pelo menos recomposição dos recursos perdidos com Collor que reduziu à metade os recursos
federais para a saúde) em colocar previamente recursos nas mãos de estados e municípios
(pelo menos que não demorasse os 75 dias da média), visando à possibilidade de que eles
mantivessem os serviços próprios e contratassem e pagassem, em dia, os serviços comprados.
Após a entrada de Jatene, como muitos de seus assessores e "conselheiros" fossem contra a
municipalização, passaram-se cinco meses com o processo parado. Houve pressão grande de
vários municípios destacando-se os da região de Ribeirão Preto.
A NOB-94
A NOB-94 nunca saiu do papel para a realidade. Como é sua história política? Em
setembro de 1993, sai do ministério Jamil Haddad e entra Henrique Santillo. Nessa época dirigia
a SAS e presidia ainda o INAMPS Carlos Mosconi. Henrique Santillo continuou apoiando a
política de descentralização. Perguntou-se à época o que poderia ser feito de avanço para o
projeto que nem conseguira decolar sua NOB-93. Havia uma proposta de gestão plena que
partia do princípio de se cumprir a lei. Embasava-se na idéia de que se tinha de cumprir a lei
8.142. A lei 8.080, no art. 35, parágrafo 1o, diz: "Metade dos recursos destinados a estados e
municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes,
independente de qualquer procedimento prévio". O art. 3, parágrafo 1o, da lei 8.142 diz:
"Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no 35/8.080, será utilizado,
para o repasse dos recursos, exclusivamente o critério estabelecido no parágrafo primeiro do
mesmo artigo".
Com estes dois artigos de lei diferentes só existe uma maneira de interpretação: até
regular o art. 35 da lei 8.080 todos os recursos federais deverão ser repassados aos estados,
Distrito Federal e municípios, exclusivamente pelo critério populacional. Cumprir isso nada mais
seria do que colocar recursos iguais para todos os estados e municípios. Não se podia fazer isso
simplesmente dividindo os recursos existentes e tirando de estados que estavam com maior
54
valor per capita para outros que tivessem com menor. Qual a saída? Igualar os recursos pelo
teto maior que seria o do Estado de São Paulo. O que fariam os estados que passariam a ter
maior aporte de recursos? O que se esperaria e incentivaria seria modificar o padrão através da
utilização desses recursos em investimentos (recursos materiais, recursos humanos, melhor
remuneração de trabalhadores de saúde para sua fixação no interior etc.). O bordão desta vez
era: "pela igualdade, a eqüidade".
A NOB-96
A questão mais importante é a mudança no financiamento que foi estabelecido por tetos,
resultados da programação pactuada e integrada. União como a soma dos estados e estados, a
soma dos municípios.
Estabelece um teto financeiro para Vigilância Sanitária, sob programa elaborado nos
estados pela PPI e submetido à Secretaria de Vigilância Sanitária, do Ministério da Saúde. O
financiamento da União se dará através de uma maneira de repasse aos estados e municípios
diferentemente dos critérios da NOB-93. Aparecem novos subtetos de recursos, com novas
siglas e novos critérios de repasses. Foram criados: PAB - Piso da Atenção Básica (valor per
capita para atenção básica universal a todos os municípios; os habilitados administram e os não-
habilitaddos são tutelados pelo estado); FAI-PAB - fator de ajuste ao PAB; PACS-PSF - recursos
específicos para financiar o Programa de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de
Saúde; FAE ⎯ fração de assistência especializada; TFAM, TFAE, IVR, RSP; FIDEPS; IVH-E;
TFVS; TFECD... e financiamento de investimentos. Novas condições de gestão para os
municípios: gestão plena da atenção básica e gestão plena do sistema municipal. Para os
estados: gestão avançada do sistema estadual e gestão plena do sistema estadual.
Alguns problemas foram detectados na NOB 1) a NOB publicada deixou várias
indefinições dentre as quais destaco cerca de trinta (cartão SUS, PPI, cadastro, banco de dados
nacionais, relatório de gestão anual, definição do conteúdo e valor do PAB, FAE, TFAM, IVR,
RPAAC, FIDEPS, PBVS, IVISA, PDAVS, AMACVS, TFECD, TRAFF, RSP, TPC, programação,
plano, relatório de gestão, data limite para condições de gestão da NOB-93; critérios para
permanência em gestão de municípios e estados; fixação de valores de ajuste; critérios do IVR e
vários formulários previstos em anexo). O resultado disso foi a impossibilidade de auto-aplicação
da NOB-96 que com a mudança de ministro resultou em paralisação. 2) A frase fatal que 56
fulminou a NOB-96 está no seu item 17.7 -"A partir da data da publicação desta NOB (6/11/96)
não serão procedidas habilitações ou alterações de condição de gestão na NOB-93. Ficam
excetuados os casos já aprovados na CIB que devem ser protocolados na CIT, no máximo em
trinta dias". 3) O absurdo de deixar nas mãos dos Ministérios de Planejamento e da Fazenda
qualquer tipo de alterações financeiras do MS. 4) O modificar o critério anterior de habilitação
dividindo a gestão plena em plena do básico e do sistema, de um lado queimando o termo
"gestão plena" em situações não características de plenitude (descumprindo a lei maior) e de
outro, criando dois segmentos distintos cada um com seu ápice de plenitude, ou dois
subsistemas paralelos, independentes e não um único hierarquizado.
A NOB-98 57
Normas e diretrizes do PACS-PSF merecem uma análise mais detalhada. Vai apenas
um comentário: a normatização do programa fecha a possibilidade de regulamentação dos
similares do PACS/PSF (questão prevista na NOB-96) uma vez que define inclusive a
composição das equipes (PSF) e detalha o que deve ser considerado para efeito de
58
remuneração. Quem adotar o modelo será remunerado. Quem tiver os serviços sob outra ótica
de eficiência não será aquinhoado com nenhuma benesse financeira do MS.
A convicção é de que seja preciso evoluir, aperfeiçoar, corrigir possíveis desvios de rota,
os defeitos descobertos depois. É essencial evoluir na ampliação da descentralização de
competências e meios de execução das competências. Fica o receio: as mudanças serão
avanços ou, quando autorizadas, assumirão retrocesso? A resposta é o risco assumido de
querer evoluir! E o nosso evoluir na implantação do SUS tem sido muito lento. Não se nega o
progresso, os avanços, mas se constata a baixa velocidade em que ocorrem e sempre, cada vez
mais, ao reboque da realidade, que tem mudado mais rápido que nossas supostas boas
respostas. A luta pela garantia do direito à saúde é contínua.
60
2 A NORMA OPERACIONAL DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE
A NOAS-SUS 01/01 aborda três grupos de estratégias articuladas que visam contribuir
para o processo de regionalização em saúde, como forma de promover a descentralização com
eqüidade no acesso.
• Elaboração do Plano Diretor de Regionalização e diretrizes para a organização regionalizada
da assistência, visando à conformação de sistemas de atenção funcionais e resolutivos nos
diversos níveis.
Um dos pontos mais importantes da NOAS SUS 01/01 diz respeito ao processo de
elaboração do Plano Diretor de Regionalização, coordenado pelo gestor estadual, com a
participação do conjunto de municípios. Esse Plano, a ser aprovado pelo Conselho Estadual de
Saúde, deve conter minimamente: (a) a divisão do território estadual em regiões/microrregiões
de saúde, definidas segundo critérios sanitários, epidemiológicos, geográficos, sociais, de oferta
de serviços e de acessibilidade; (b) o diagnóstico dos principais problemas de saúde e das
prioridades de intervenção; (c) a constituição de módulos assistenciais resolutivos, formados por
um ou mais municípios, que dêem conta do primeiro nível da média complexidade, visando
garantir o suporte às ações de Atenção Básica; (d) os fluxos de referência para todos os níveis
de complexidade e os mecanismos de relacionamento intermunicipal; (e) o Plano Diretor de
Investimentos, que procura suprir as lacunas assistenciais identificadas, de acordo com as
prioridades de intervenção.
Ainda no que tange à assistência à saúde, a NOAS SUS 01/01 estabelece diretrizes
gerais para a organização das demais ações de média e alta complexidade, e preconiza que o
plano de regionalização compreenda o mapeamento das redes de referência em áreas
estratégias específicas (gestação de alto risco, urgência e emergência, hemoterapia, entre
outras).
Esse tipo de processo de regionalização, incentivado pela NOAS SUS 01/01, requer a
articulação dos gestores municipais para a negociação e pactuação de referências
intermunicipais, sob coordenação e regulação estadual, que deve se dar através da
programação pactuada e integrada. O Ministério da Saúde, por sua vez, deverá estabelecer
mecanismos de garantia de acesso aos serviços de alta complexidade que não estiverem
disponíveis em todas as unidades da federação. Além disso, faz-se necessário o fortalecimento
da capacidade gestora dos três níveis de governo para exercer as funções de regulação,
controle e avaliação do sistema, em uma nova perspectiva.
Em síntese, a NOAS SUS 01/01 é marcada pelos seguintes pontos, que procuram
consolidar os princípios do SUS: (a) a necessidade de deslocar a ênfase do processo de
descentralização para a garantia de acesso a ações e serviços de saúde em todos os níveis; (b)
a importância de reafirmar o comando único em cada nível de governo, assegurando que o
gestor municipal assuma a gestão do conjunto de ações e serviços em seu território, sempre que
estiver plenamente preparado para tanto; (c) a premência de qualificar e reorientar o papel do
gestor estadual, deslocando cada vez mais essa esfera das funções de prestação direta de
serviços e de relação com prestadores, para as funções de formulação de políticas e
planejamento/programação estadual, coordenação e regulação intermunicipal, controle e
avaliação sistêmicas incluindo análises de resultados e impacto das ações de saúde e
capacitação e apoio técnico aos municípios.
65
3 O PACTO DE GESTÃO
saúde que busque responder aos desafios atuais da gestão e dar respostas concretas às
necessidades de saúde da população brasileira.
O Pacto deverá atingir metas sanitárias consensadas e, para isso, deverá levar a
mudança no modelo de atenção à saúde, por meio da organização do SUS em redes de atenção
à saúde, que se articulam em diferentes espaços territoriais, de forma a garantir o acesso a
serviços de saúde de boa qualidade. Essas redes de atenção à saúde, coerentes com os
princípios do SUS, deverão ser construídas sob a égide da responsabilidade sanitária, adequar-
se à realidade de cada região do País e integrar as ações da promoção da saúde, da atenção
básica à saúde, da atenção especializada ambulatorial e hospitalar, da vigilância em saúde e da
gestão do trabalho e educação na saúde. Para efeito de alinhamento conceitual este documento
considera as seguintes definições:
Atenção Básica
A. Compromissos sanitários;
• da indicação e pertinência de uma cobertura mais ampla a uma pertinência/ necessidade mais
restrita.
Outro grupo percentualmente menor são os portadores de agravos que exigem uma
atenção tecnologicamente mais simples e disponível em serviços de saúde de caráter
ambulatorial geral (unidades básicas de saúde) ou em hospital geral, com uma taxa de
permanência baixa.
Contudo, não é necessário e/ou não se pode oferecer todas as tecnologias a cada bairro 71
ou município, sob pena de incrementar a ociosidade ou o desperdício. Daí a proposta da
regionalização do sistema de saúde, a ser construída a partir de unidades política, administrativa
e populacional, em uma dada região, progressivamente.
As ações de saúde dos diversos níveis de prevenção devem ser compostas e operadas
de modo articulado e integrado, de tal forma que permita ampla cobertura e acesso da
população, com a maior eficiência econômica e social possível.
Vale destacar aqui, para tornar mais claro esse conceito em relação à importância de
sua operacionalização, o documento da OPAS/OMS:
‘’O conceito de oferta de serviços implícito na definição de cobertura significa que tais
serviços sejam acessíveis aos membros da comunidade e, desse modo, satisfaçam às suas
necessidades no tocante à saúde. A possibilidade de acesso aos serviços é, por conseguinte,
condição sine qua non para que a cobertura universal seja alcançada. A acessibilidade supõe o
seguinte:
72
a. Acessibilidade geográfica, ou seja, a distância, o tempo de locomoção e os meios de
transporte devem determinar a localização dos estabelecimentos e não áreas teóricas de
jurisdição.
c. Acessibilidade cultural, ou seja, não deve haver conflito entre os padrões técnicos e
administrativos dos serviços e os hábitos, padrões culturais e costumes das comunidades em
que sejam prestados.
73
Programa de Trabalho é definido de acordo com os problemas a serem enfrentados no
distrito e também vai se pautar pela integralidade das ações e indicar o perfil da equipe
multiprofissional a ser lotada na Unidade Básica de Saúde. No Programa de Trabalho deverão
estar incluídas, além das ações para a atenção à saúde das pessoas no que for definido e
priorizado, as ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária. Nesse sentido, vale
destacar os chamados Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de
Saúde da Família (PSF) como estratégias e táticas importantes para a construção de um novo
modelo de atenção.
Essa necessidade se impõe à medida que se acredita ser um instrumento que contribua
para o alcance da eqüidade e do controle da qualidade e da oportunidade e pertinência dos
procedimentos, principalmente aqueles de alta complexidade e custo.
E é certo ainda que, devido à velocidade com que novas tecnologias para a saúde são
geradas e a certa lentidão com que elas são incorporadas ao sistema de saúde de todo o
conjunto de distritos/região, é necessário também a criação de mecanismos e instrumentos que
propiciem a articulação entre os gestores e gerentes de serviços do SUS e entre os
distritos/região, e até mesmo entre Estados, para a implantação do(s) sistema(s) de referência(s)
e contra-referência(s).
Nessa dimensão o papel do gestor estadual e federal do SUS tem relevância e deve ser
exercitado junto com os municípios. Assim, esse modelo assistencial a ser construído, a partir
dos sistemas municipais de saúde, com articulação e pactuação regional, deve ser dinâmico,
progressivo e flexível, com a definição das competências dos gestores e gerentes dos sistemas
74
e serviços de saúde e a inclusão em seus processos de trabalho de ações de diversas naturezas
e com perspectiva de integralidade, voltada para os problemas prevalentes e prioritários
(incluindo os de natureza infecto-contagiosa e crônico-degenerativa), bem como para o
atendimento da demanda espontânea, com um sistema de informação local/regional disponível
tanto para o monitoramento epidemiológico dos agravos quanto para o administrativo e
gerencial.
Essa lógica e esse modelo de atenção, com suas práticas sanitárias, devem ter como
base a identificação, a análise e a compreensão do processo saúde-doença do município e/ou
da região e dos determinantes das condições de saúde e doença existentes, de modo a intervir
nesse processo em sua totalidade e não apenas em seus efeitos danos-doença, incapacidade e
morte, com sua vertente de assistência médica essencialmente curativa, ou seja, a política e o
sistema de saúde não podem apenas ficar correndo atrás dos “prejuízos” do processo, com suas
implicações em termos de doenças, seqüelas e mortes evitáveis e desperdício de esforços e
recursos sociais.
Nesse sentido, a ênfase do modelo deve ser dada à produção social da saúde,
procurando colocar e manter o maior número possível de indivíduos no estado de “sadio” do
gradiente de saúde. É importante não perder de vista que saúde e doença são estados de um
mesmo processo causal, permanente, não aleatório, e que há conhecimentos científicos,
tecnológicos, metodológicos e de gestão para identificar e intervir nesse processo, anulando ou
controlando os determinantes danosos à saúde e favoráveis à ocorrência de doenças, ou seja,
se há um processo integrado de determinação, há que ter um processo integrado de
intervenção, o que se expressa no mote da “integralidade das ações de saúde”. Simplificando,
isso significa formular, produzir e desenvolver, de modo articulado, ações de promoção,
recuperação e reabilitação, sempre no sentido de promoção como eixo maior.
E, ainda, como o processo determinante das condições de saúde extrapola o biológico e
suas variáveis associadas, a política de saúde e seu modelo de atenção não se esgotam no
sistema ou setor da saúde, por melhor, mais amplo e mais integrado que ele seja.
Sistemas de saúde são construções sociais que tem por objetivo garantir meios
adequados para que os indivíduos façam frente a riscos sociais, tais como o de adoecer e
necessitar de assistência, para os quais, por meios próprios, não teriam condições de prover e
têm como compromisso primordial garantir o acesso aos bens e serviços disponíveis em cada
sociedade para a manutenção e a recuperação da saúde dos indivíduos. 76
São pelo menos três os elementos implicados na definição dos níveis de atenção:
tecnologia material incorporada (máquinas e equipamentos de diagnóstico e terapêutica),
capacitação de pessoal (custo social necessário para formação) e perfil de morbidade da
população alvo.
O nível primário (porta de entrada do sistema) é aquele que, dada à oferta de
equipamentos de um sistema concreto, aloca aqueles com menor grau de incorporação
tecnológica (tais como eletrocardiógrafo, aparelhos básicos de raios X, sonar e eventualmente
ultra-som). A capacitação de pessoal para este nível apresenta necessidades de uma formação
geral e abrangente para atender os eventos mais prevalentes na população alvo, respeitada as
possibilidades de intervenção neste nível de complexidade assistencial. Estima-se que entre
85% a 90% dos casos demandados à atenção primária são passíveis de serem resolvidos neste
nível da atenção. 77
Disto decorre que o sistema de saúde brasileiro é constituído por pelo menos dois
subsistemas: um governamental, o Sistema Único de Saúde (SUS) e outro privado, o Sistema
Supletivo de Assistência Médica (SSAM). Da perspectiva operacional há vários pontos de
contatos entre eles, principalmente em relação aos profissionais de saúde e alguns serviços
assistenciais, mas em termos da possibilidade do acesso da população há uma inespurgável
barreira, espécie de muro intransponível para a maior parte da população, justamente a parcela
relativamente mais necessitada.
O SUS
A rede contratada é composta em sua maior parte por serviços dos níveis secundários
(geralmente hospitais) e alguns terciários (principalmente na área de imagem e de diálise).
Por isso, há três interpretações principais da atenção primária à saúde (Mendes, 1999):
a atenção primária à saúde como atenção primária seletiva, a atenção primária à saúde como o
nível primário do sistema de serviços de saúde e a atenção primária à saúde como estratégia de
organização do sistema de serviços de saúde. Essas três decodificações da atenção são
encontradas, em vários países e, até mesmo, convivem dentro de um mesmo país.
Agregue-se, a isso, o fato de que o Ministério da Saúde propõe como política nacional
de atenção primária à saúde, a estratégia da saúde da família, denominada de Programa de
Saúde da Família (PSF).
Há muitas definições de atenção primária à saúde sendo uma das mais conhecida e
abrangente, a formulada pela Organização Mundial da Saúde: “A atenção essencial à saúde,
baseada em métodos práticos, cientificamente evidentes e socialmente aceitos e em tecnologias
tornadas acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis e a um custo
que as comunidades e os países possam suportar, independentemente de seu estágio de
desenvolvimento, num espírito de auto-confiança e auto-determinação. Ela forma parte integral
do sistema de serviços de saúde do qual representa sua função central e o principal foco de
desenvolvimento econômico e social da comunidade. Constitui o primeiro contacto de indivíduos,
famílias e comunidades com o sistema nacional de saúde, trazendo os serviços de saúde o mais
próximo possível aos lugares de vida e trabalho das pessoas e constitui o primeiro elemento de
um processo contínuo de atenção” (World Health Organization, 1978).
Este estudo, não apenas mostrou que os sistemas de serviços de saúde organizados
pela atenção primária à saúde são superiores àqueles que não dão grande importância aos
serviços básicos, como aponta no sentido de que os modelos de saúde da família são superiores
aos modelos do tipo convencional.
84
A mesma autora, Starfield (2000), estudando o sistema de serviços de saúde dos
Estados Unidos, onde, ainda, não predomina a organização pela atenção primária à saúde,
mostrou que, apesar de ser o país que mais gasta recursos no setor, seus resultados sanitários
são pobres em relação a outros doze países ricos: é o último colocado em baixo peso ao nascer,
em mortalidade infantil e em anos de vida potencial perdidos; e é o 11º no ranking de
mortalidade pos-neonatal. E que, a terceira causa de morte no país é por causas iatrogênicas,
assim distribuídas: 106.000 mortes/ano por efeitos adversos de medicamentos; 80.000
mortes/ano por infecções hospitalares; 27.000 mortes/ano por erros em hospitais; e 12.000
mortes/ano por cirurgia desnecessária.
Ainda que a introdução do PSF no Brasil seja muito recente, começa a tornar evidente a
eficácia desse modelo de atenção primária à saúde.
Nos sistemas fragmentados de serviços de saúde, vige uma visão de uma estrutura
piramidal, onde os pontos de atenção à saúde devem ser organizados por níveis hierárquicos de
atenção à saúde, segundo uma complexidade crescente que vai de um nível de baixa
complexidade, o nível primário, até um nível de maior complexidade, o nível quaternário.
Será mesmo que prestar serviços de qualidade na atenção básica à saúde, buscando
promover a saúde de indivíduos, famílias e grupos sociais - o que envolve um amplo conjunto de
conhecimentos interdisciplinares, além de atitudes e habilidades altamente especializadas – é
menos complexo do que realizar certos procedimentos de maior densidade tecnológica em
hospitais quaternários? Será mesmo que os procedimentos da atenção básica à saúde,
intensivos em cognição, são menos complexos que os procedimentos dos níveis de atenção
secundário, terciário e quaternário, mais intensivos em tecnologias de produto?
Uma comparação dos valores da tabela SUS com valores de procedimentos médicos
pagos nos Estados Unidos, sugere que há, no sistema SUS, uma sobrevalorização de
procedimentos de alta densidade tecnológica em relação aos procedimentos cognitivos
característicos da atenção básica à saúde (Janett, 2002).
Nos sistemas integrados de serviços de saúde a concepção de sistema piramidal
86
hierarquizado é substituída por uma outra, de uma rede horizontal integrada. Aqui, não há uma
hierarquia entre os diferentes pontos de atenção à saúde, mas a conformação de uma rede
horizontal de pontos de atenção á saúde de distintas densidades tecnológicas, sem hierarquia
entre eles.
Numa rede, conforme entende Castells (2000), o espaço dos fluxos está constituído por
alguns lugares intercambiadores que desempenham o papel coordenador para a perfeita
interação de todos os elementos integrados na rede e que são os centros de comunicação e por
outros lugares onde se localizam funções estrategicamente importantes que constroem uma
série de atividades em torno da função-chave da rede e que são os ‘’nós’’ da rede.
87
4º
3º
2º
1º
Para entender a diferença entre essas duas formas de organizar os sistemas de serviços
de saúde deve-se, primeiro, marcar as significações de condições agudas e condições crônicas.
As condições crônicas, contudo, não devem ser confundidas com as doenças crônicas,
ainda que possa haver certa relação entre elas, porque o que define uma condição crônica é,
fundamentalmente, o seu ciclo de vida que deve ser superior a três semanas (World Health
Organization, 2001); assim, muitas doenças infecciosas, como a tuberculose, a hanseníase e a
AIDS, pelo seu tempo de duração, devem ser consideradas como condições crônicas e
enfrentadas como tais.
Outro dado que mostra a irracionalidade da atenção aos diabéticos na lógica de uma
condição aguda, está no fato de que o custo de um único episódio de internação por diabetes
corresponde a uma atenção contínua ambulatorial de 10 a 20 diabéticos durante um ano
(England, Ken e Sancho, 1997).
De acordo com a Lei Federal 8080/90, o setor privado participa de modo complementar
ao sistema, através de convênios e contratos com o setor público (setor complementar). A
relação com o setor complementar tem sido regulada sucessivamente pelas Normas
Operacionais Básicas 01/93, 01/96 e a Norma Operacional de Assistência à Saúde
(NOAS/2002), que operacionalizam a descentralização e municipalização do sistema, a
integração das ações preventivas e curativas e a regionalização dos sistemas de referência e o
financiamento.
Os seguros e planos privados (setor suplementar) de saúde são regulados pela Lei
Federal 9656/98 que dispõe sobre: a criação de um plano-referência onde consta: a cobertura
para agravos anteriormente não incluídos; o impedimento da rescisão unilateral dos contratos; a
preservação de direitos de aposentados, desempregados e recém-nascidos na vigência do
contrato; o atendimento às urgências e emergências; e a limitação de prazos de carência. Prevê
ainda o ressarcimento ao SUS dos procedimentos realizados por beneficiários das seguradoras,
internados nos serviços estatais, nos privados contratados e filantrópicos conveniados.
A descentralização do sistema de saúde tem se desenvolvido de forma gradual,
heterogênea, conflituosa e também inovadora. Os obstáculos devem-se em parte à política
econômica (baseada na redução do gasto social e na crescente privatização das funções
anteriormente executadas pelo Estado), ao grande número de municípios no Brasil - mais de
cinco mil e quinhentos -, à diversidade das realidades regionais e locais no país. Todas estas se
constituem em dificuldades técnicas, políticas e administrativas na implementação das
transformações no setor saúde. A despeito disso, ou exatamente por isso, muitas estratégias
têm sido construídas pelas e entre as três esferas de governo e os agentes sociais para 92
assegurar a governança, buscando a redução das iniqüidades em saúde.
SUS.
Assim, a relação público e privado tem implicado num amplo leque de dificuldades para
os gestores do sistema, visto que é um tema que perpassa matricialmente as reais
possibilidades de implantação do SUS, e que a lógica do mercado leva, por definição, à exclusão
e à concentração, transformando pessoas e cidadãos em consumidores, ainda mais num
contexto onde a presença do Estado tem sido rarefeita.
93
Pode-se dizer que, no contexto brasileiro, a regulação tem como fundamentação, por um
lado, a macro política de ajuste econômico e da Reforma do Estado, a partir da privatização de
setores em que o Estado era provedor, tais como o das telecomunicações, o da energia elétrica
ou da saúde. Por outro lado, para o estabelecimento inicial do que se considera regulação,
partimos do que está presente na Constituição Federal de 1988 e na Legislação do SUS, criadas
anteriormente aos ventos internacionalizantes da Reforma do Estado, e fruto, portanto, dos
anseios por mudanças, rumo à plena construção da cidadania na nação brasileira. Assim,
conforme as atribuições e competências das três esferas de gestão do SUS especificadas no
capítulo da saúde da Constituição Federal de 1988 (BRASIL,1988), em seu Artigo de número
197 dispõe que:
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física
“Art. 6 - Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
saúde. (...)
saúde;
Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete: (...)
XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e
Além da restrição do leque das ações de saúde oferecidas pelos planos à dimensão
assistencial, a prática social correspondente à atuação dos planos não é universal, mas limitada
aos que podem pagar e só é integral para as modalidades de plano com custos mais elevados
para o consumidor. Em outras palavras, a assistência à saúde não se configura como direito
universal.
Nesse sentido, já se observou que: “As agências assumem diferentes estatutos jurídicos, de
participantes da administração direta à existência autárquica e independente. No Brasil, as
agências que têm sido criadas apresentam competências dos mais diversos tipos (...). Há uma
premente necessidade de se melhor delimitar as competências, atribuições e posicionamentos,
dentro da estrutura do Estado” (SALGADO).
Outro fator para a criação das agências é que a forma de regular através de agências
está integrado às iniciativas de defesa dos consumidores, feitas por entidades civis e instituições
e organizações públicas (GIOVANELLA)
A criação das agências em países como o Brasil seguiu o modelo dos países
desenvolvidos, o que se torna tarefa difícil devido às diferenças de volume de capital envolvido
nos mercados, e da força das partes envolvidas, por exemplo. Outro ponto levantado é em
relação ao papel efetivo das agências, quer compreendida como exclusiva regulação de
mercado ou como ação política, é que os próprios objetivos estabelecidos em lei não são
efetivados, isto é, apesar das atribuições e papéis serem claros, nem mesmo os consumidores
tem seus direitos garantidos.
Alguns estudiosos afirmam que existem aspectos inconclusos sobre a regulação, tais
como equilibrar correntes econômicas de flexibilização e as questões de eqüidade e
solidariedade. As perguntas sobre o que regular, como e até onde devem ser respondidas
juntamente com todos os interessados e, principalmente, com o Estado recuperando seu papel,
garantindo o equilíbrio social.
6.3 O Problema do Ressarcimento
Quanto à criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, com a Lei 9.961,
de janeiro de 2000 (BRASIL, 2000), não se observa referências específicas ao SUS, seja na
descrição de sua missão, competências, vinculação de fato, enfim, em seus 41 Artigos, 47
Parágrafos e 91 Incisos as únicas referências ao SUS são relacionadas à questão do
ressarcimento e à integração dos sistemas de informação – fato igualmente observado na Lei
9656, de 1998, sem avanços desde então.
Na estrutura da agência, por exemplo, o SUS restringe-se tão somente a uma gerência,
diluída entre outras vinte e cinco que a compõe denominada “Gerência-Geral de Integração com
o SUS”. Evidentemente, estes aspectos conformam – e dão margem – a se imaginar o grau e
tipos de dificuldades a serem enfrentadas no processo amplo de regulação e efetivação do
sistema.
7 EPIDEMIOLOGIA
Conceito
Segundo Rouquayrol; Filho a epidemiologia pode ser definida como uma disciplina
básica da saúde pública voltada para a compreensão do processo saúde-doença no âmbito de
98
populações, aspecto que a diferencia da clínica, que tem por objetivo o estudo desse mesmo
processo, mas em termos individuais. Como ciência, a epidemiologia fundamenta-se no
raciocínio causal; já como disciplina da saúde pública, preocupa-se com o desenvolvimento de
estratégias para as ações voltadas para a proteção e promoção da saúde da comunidade. A
epidemiologia constitui também instrumento para o desenvolvimento de políticas no setor da
saúde. Sua aplicação neste caso deve levar em conta o conhecimento disponível, adequando-o
às realidades locais. Se quisermos delimitar conceitualmente a epidemiologia, encontraremos
várias definições; uma delas, bem ampla e que nos dá uma boa idéia de sua abrangência e
aplicação em saúde pública, é a seguinte:
Essa definição de epidemiologia inclui uma série de termos que refletem alguns princípios da
disciplina que merecem ser destacados (CDC, Principles, 1992):
Estudo: a epidemiologia como disciplina básica da saúde pública tem seus fundamentos
no método científico.
Boa parte do desenvolvimento da epidemiologia como ciência teve por objetivo final a
melhoria das condições de saúde da população humana, o que demonstra o vínculo
indissociável da pesquisa epidemiológica com o aprimoramento da assistência integral à saúde.
Evolução da epidemiologia
"O fato da doença caminhar ao longo das grandes trilhas de convivência humana, nunca mais
rápido que o caminhar do povo, via de regra mais lentamente..." "Ao se propagar em uma ilha ou
continente ainda não atingido, surge primeiro num porto..." "Jamais ataca tripulações que se
deslocam de uma área livre da doença para outra atingida até que elas tenham entrado no
porto..."
101
"... doenças transmitidas de pessoa a pessoa são causadas por alguma coisa que passa dos
enfermos para os sãos e que possui a propriedade de aumentar e se multiplicar nos organismos
dos que por ela são atacados..."
Transmissão pessoa a pessoa: "... Os casos subseqüentes ocorreram sobretudo entre parentes
daquelas (pessoas) que haviam sido inicialmente atacadas, e a sua ordem de propagação é a
seguinte: ... o primeiro caso foi o de um pai de família; o segundo, sua esposa; o terceiro, uma
filha que morava com os pais; o quarto, uma filha que era casada e morava em outra casa; o
quinto, o marido da anterior, e o sexto, a mãe dele..."
Transmissão por veículo comum: "... Estar presente no mesmo quarto com o paciente e dele
cuidando não faz com que a pessoa seja exposta obrigatoriamente ao veneno mórbido... Ora,
em Surrey Buildings a cólera causou terrível devastação, ao passo que no beco vizinho só se
verificou um caso fatal... No primeiro beco a água suja despejada... ganhava acesso ao poço do
qual obtinham água. Essa foi de fato a única diferença..."
"... Todavia, tudo o que eu aprendi a respeito da cólera... leva-me a concluir que a cólera
invariavelmente começa com a afecção do canal alimentar".
"... Se a cólera não tivesse outras maneiras de transmissão além das já citadas, seria obrigada a
se restringir às habitações aglomeradas das pessoas de poucos recursos e estaria
continuamente sujeita à extinção num dado local, devido à ausência de oportunidades para
alcançar vítimas ainda não atingidas. Entretanto, freqüentemente existe uma maneira que lhe
permite não só se propagar por uma maior extensão, mas também alcançar as classes mais
favorecidas da comunidade. Refiro-me à mistura de evacuações de pacientes atingidos pela
cólera com a água usada para beber e fins culinários, seja infiltrando-se pelo solo e alcançando
poços, seja sendo despejada, por canais e esgotos, em rios que, algumas vezes, abastecem de
água cidades inteiras."
Na primeira das duas epidemias estudadas por Snow, ele verificou que os distritos de
Londres que apresentaram maiores taxas de mortalidade pela cólera eram abastecidos de água
por duas companhias: a Lambeth Company e a Southwark & Vauxhall Company. Naquela
época, ambas utilizavam água captada no rio Tâmisa num ponto abaixo da cidade. No entanto,
na segunda epidemia por ele estudada, a Lambeth Company já havia mudado o ponto de
captação de água do rio Tâmisa para um local livre dos efluentes dos esgotos da cidade. Tal
mudança deu-lhe oportunidade para comparar a mortalidade por cólera em distritos servidos de
água por ambas as companhias e captadas em pontos distintos do rio Tâmisa.
Os dados apresentados na tabela 1 sugerem que o risco de morrer por cólera era mais
de cinco vezes maior nos distritos servidos somente pela Southwark & Vauxhall Company do
que as servidas, exclusivamente, pela Lambeth Company. Chama a atenção o fato de os
distritos servidos por ambas as companhias apresentarem taxas de mortalidade intermediárias.
Esses resultados são consistentes com a hipótese de que a água de abastecimento captada
abaixo da cidade de Londres era a origem da cólera.
103
b. Busca de associações causais entre a doença e determinados fatores, por meio de:
Identificar fatores de risco de uma doença e grupos de indivíduos que apresentam maior
risco de serem atingidos por determinado agravo;
Prever tendências;
Objetivos da epidemiologia:
Segundo Oliveira essa concepção, que LUZ (1979) define como "organicista, localizante
e mecanicista em termos de causalidade", ainda subsiste no pensamento contemporâneo,
apesar das transformações históricas de que foi alvo. Para CANGUILHEM (1978), ela se faz
presente nas interpretações das doenças carenciais, infecciosas e parasitárias.
Há, por assim dizer, uma naturalização da doença em que o ser humano deixa de ter
papel passivo, podendo ativamente buscar diferentes procedimentos terapêuticos para a
restauração de suas forças vitais.
108
Hipócrates, considerado o pai da medicina moderna, reconhecia a doença como parte
da natureza, dando prosseguimento à vertente dinâmica, no processo gradual de transição da
consciência mítica ao pensamento racional, a que se fez referência e no qual a filosofia grega
teve papel fundamental. Para esse médico grego, a saúde era a expressão de uma condição de
equilíbrio do corpo humano, obtida através de um modo de vida ideal, que incluía nutrição,
excreção, exercício e repouso adequados (ROSEN, 1994). A medicina hipocrática dos séculos V
e IV a.C. valorizava a prática clínica e a observação da natureza, à qual atribuía grande
importância na causação das doenças, nela podendo ser encontradas as origens da corrente
ecológica moderna (BARATA,1990).
109
Já a revolução sanitária do século XIX pode ser visualizada como um conjunto de
intervenções sistemáticas sobre o ambiente físico para torná-lo mais seguro, apoiando-se em
abordagens tecnológicas que remontam à Antigüidade clássica. Já haviam sido lançadas as
bases da Epidemiologia, voltada para a observação e o registro da ocorrência das doenças nas
populações quando a teoria contagionista superou a atmosférico-miasmatica, após um embate
que perdurou do século XVI ao XIX. (ROSEN,1994; CZERESNIA, 1997)
A reforma sanitária, como movimento político, assim como a saúde pública, seu projeto
110
técnico de ação, no início pouco contaram com a adesão dos médicos, de modo que as medidas
de saneamento do meio foram implementadas por engenheiros e administradores públicos. Só
gradativamente a medicina abraçou a causa da saúde pública, pondo a seu serviço um
instrumental técnico em contínua expansão, especialmente após a Era Bacteriológica.
(SILVA,1979; SALUM, BERTOLOZZI,OLIVEIRA, 1998)
No projeto da saúde pública de então evidenciava-se, tal como ainda ocorre, a ação
supletiva do Estado, de forma sempre limitada e complementar à iniciativa privada, para a
solução dos problemas cuja magnitude excedesse as possibilidades da intervenção individual.
Contemporânea do movimento sanitário inglês, a medicina social, por sua vez, originou-se na
França, disseminando-se posteriormente para a Alemanha. Fundada no reconhecimento
empírico das relações entre a doença e as condições sociais, desenvolveu-se mais lentamente
que a saúde pública, vindo a institucionalizar-se tardiamente nos "Estados de bem-estar social"
da atualidade (SILVA,1979). "A característica mais geral desta transformação é o fato de a
medicina se tornar social. O objeto da medicina começa a se deslocar, portanto, da doença para
a saúde". (MACHADO et al., 1978:248)
O movimento higienista possibilitou à medicina substituir com seus preceitos para uma
vida sadia a ordem moral religiosa numa sociedade progressivamente mais laica. Entretanto, a
bacteriologia firmou-se como a concepção vitoriosa e as suas conquistas acabaram por levar ao
abandono dos critérios sociais na formulação e solução dos problemas de saúde das populações
que vinham sendo sistematicamente aplicados pela "polícia médica" alemã, pela "medicina
urbana" francesa e pelo "sanitarismo" inglês. (NUNES,1986)
Estas duas últimas tarefas foram levadas a cabo inicialmente nos Estados Unidos, com o
Informe Flexner, repercutindo daí para outros países, especialmente os da América Latina,
111
comentando sobre a relação de reciprocidade entre a investigação em saúde e a estrutura
social, afirma que na prática médica [e, por extensão, nas práticas de saúde] a concepção e a
proposição de ações são originárias das relações que os indivíduos estabelecem com o mundo
objetivo, "en las relaciones prácticas del hombre con las cosas y en las relaciones dos hombres
entre si". Daí que a investigação bacteriológica e parasitológica que se desenvolveu nas
Américas de 1880 a 1930 estivesse ligada aos problemas da produção agroexportadora, sendo
sucedida no decênio de 1930 a 1950 pela investigação básica e clínica, impulsionada pelo
crescimento hospitalar ocasionado pela industrialização e, a partir dos anos 70, pelos estudos
voltados à racionalização dos serviços de saúde, face à diminuição dos gastos estatais
destinados ao setor.
Vê-se, portanto, que as concepções sobre a saúde e a doença são limitadas pelo
desenvolvimento teórico-conceitual da ciência e, sobretudo, por condicionantes ideológicos que
tornam determinadas opções conceituais mais legítimas e mais potentes que outras. Ancora-se
em marcos teóricos e filosóficos distintos e expressam-se modelos de causalidade que, por sua
vez, desdobram-se em formas de registro, mensuração, análise, interpretação e intervenção
correspondentes. Retratam a diversidade conceitual e metodológica resultante das
transformações dos marcos de inferência causal ao longo da história da constituição desses
saberes - das crenças mágico-religiosas, passando pelo empirismo racional, até à ciência
moderna.
Dentre esses modelos de unicausalidade que acabam por operar na prática, Oliveira
apud Tesh distingue a teoria do germe, a dos estilos de vida, a ecologia ou ambiental e a teoria
genética. A primeira delas, cujo auge coincide com o advento da bacteriologia, ainda se mantém
como alternativa importante, a despeito da diminuição relativa do número de casos de doenças
infecciosas na maioria dos países, frente ao aumento das enfermidades crônico-degenerativas.
Isso porque as estratégias de intervenção nela ancoradas podem se limitar às medidas voltadas
ao controle do agente infeccioso, tendo como alvo privilegiado o corpo humano individualizado.
Como exemplos têm-se os programas de vacinação e as terapêuticas antibacterianas.
Em segundo lugar, a teoria dos estilos de vida, na qual a gênese da doença aparece
associada ao modo de vida das pessoas, seus hábitos e os comportamentos de risco a que se
submetem, tais como o estresse, a vida sedentária, a alimentação inadequada, a drogadição e
mesmos determinadas práticas sexuais, aí se encaixando, por exemplo, a AIDS e as doenças
sexualmente transmissíveis. Como conseqüência, as intervenções estariam voltadas justamente
para medidas individuais de proteção à saúde e à adoção de estilos de vida mais saudáveis,
com o devido estímulo e apoio de programas de educação em saúde. Dentro dessa concepção,
a informação e os programas de educação, mais gerais ou mais específicos, aparecem como
uma alternativa importante de intervenção no processo saúde-doença.
No terceiro modelo de interpretação, a teoria ambiental, o meio ambiente, especialmente
aquele deteriorado pelos processos de industrialização, é tido como o desencadeador da
doença, como no caso da cólera, do dengue, entre outras. Contraditoriamente, mesmo nesse
modelo, as alternativas de superação também são remetidas à esfera da proteção individual,
pouca atenção sendo dada às formas de organização da produção e de utilização da tecnologia.
Por último, a teoria genética, vem ganhando força à medida em que são divulgados os
resultados das pesquisas do genoma humano. Retoma-se assim a vertente ontológica, sendo
114
que neste caso as explicações para o adoecimento estariam adormecidas nos códigos genéticos
individuais, o que constitui " ... a expressão máxima da biologizacão na causação das doenças e
da individualização nas práticas de saúde".
Como alternativa para a superação dos modelos causais clássicos, centrados em ações
individuais, como os métodos diagnóstico e terapêuticos, a vacinação, a educação em saúde,
ainda que dirigidos aos denominados grupos de risco, haveria que privilegiar a dimensão coletiva
do fenômeno saúde-doença, através de modelos interativos que incorporassem ações
individuais e coletivas.
Uma nova maneira de pensar a saúde e a doença deve incluir explicações para os
achados universais de que a mortalidade e a morbidade obedecem a um gradiente que
atravessa as classes sócio-econômicas, de modo que menores rendas ou status social estão
associados a uma pior condição em termos de saúde. Tal evidência constitui-se em um
indicativo de que os determinantes da saúde estão localizados fora do sistema de assistência à
saúde.
Com tudo que foi exposto nesta sessão, pode-se concluir que o conhecimento cada vez
mais passou a ser definido como o resultado da aplicação de métodos reducionistas de
intervenção, aplicados ao extremo, numa perspectiva newtoniana. Tão grande foi a eficácia
obtida que em meados deste século os provedores de assistência à saúde haviam conquistado
um domínio institucional e intelectual tamanho que passaram a deter a prerrogativa da definição
da saúde e das estratégias para garanti-la. Evidências há, entretanto, de que essas práticas
estão muito frouxamente conectadas ao conhecimento científico, ao contrário do que assegura a
retórica oficial.
Se, por um lado, a prática médica e, por extensão, as demais práticas em saúde, são
trabalhos que buscam atender as necessidades humanas, intervindo sobre "valores vitais",
biológicos e psicológicos. Por outro, essas práticas constituem-se em valores de troca, de modo
que tais processos de trabalho, mesmo que reconhecidos por sua dimensão técnica, definem-se
à margem da própria técnica, no conjunto articulado das práticas sociais em que se inserem.
Esta sessão tem a finalidade de destacar alguns instrumentos que podem ser utilizados
no cotidiano dos trabalhadores de saúde, principalmente no que se refere à elaboração de
diagnósticos de saúde, um dos campos com maior potencial de ser utilizado nesses serviços.
Alguns desses dados (morbidade e eventos vitais) são gerados a partir do próprio setor
saúde, de forma contínua, constituindo sistemas de informação nacionais, administrados pelo
Ministério da Saúde. No Brasil, há, atualmente, cinco grandes bancos de dados nacionais
continuamente alimentados: o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM); o Sistema de
Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC); o Sistema de Informação sobre Agravos de
Notificação (SINAN); o Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde
(SIA/SUS) e o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).
Entre suas limitações, é importante destacar que a informação sobre mortalidade cobre
como já mencionado, apenas uma porção da população doente e uma parcela menor ainda da
população total.
Além disso, há, geralmente, um longo período de tempo entre o início da doença e a
morte, com exceção de algumas doenças infecciosas agudas e de acidentes ou violências. Outro
fator limitante é que as estatísticas de mortalidade trabalham, geralmente, como uma única
causa de morte (causa básica1), quando, na realidade, a morte é um fenômeno causado por
múltiplos fatores.
__________________________________________
1 Causa básica de morte, segundo a Organização Mundial de Saúde (CID-10) é: “(a) a doença ou lesão que iniciou a
cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte ou (b) as circunstâncias do acidente ou
violência que produziu a lesão fatal “
Apesar dessas limitações, acredita-se que a informação gerada a partir de dados de
mortalidade, muito utilizada no passado, reterá, por algum tempo ainda, o seu lugar central na
avaliação dos progressos em saúde e nas comparações internacionais, devido principalmente à
dificuldade de operacionalização de outros tipos de Indicadores.
Independentemente de que tipo de dado usar para avaliar o estado de saúde de uma
população é importante, portanto, conhecer as limitações inerentes ao próprio tipo de dado.
Além disso, é imprescindível levar-se em conta a qualidade dos dados e a cobertura do 120
sistema de informação, tanto em nível nacional, como local, para evitar conclusões equivocadas.
Nessa comparação, pode ser que, na realidade, a taxa de mortalidade por esta doença
seja maior na segunda localidade, mas o sistema de informação não possui qualidade suficiente
para detectar esse problema. O mesmo raciocínio pode ser feito para as demais variáveis do
Sistema de Informação sobre Mortalidade (ocupação, idade, escolaridade, etc.), bem como para
outros tipos de informação (peso ao nascer, doença que motivou a internação, etc.).
Com relação à cobertura dos eventos, há que se observar se todos os eventos estão
entrando no sistema de informação. Por exemplo, em locais onde existem cemitérios
“clandestinos” ou que façam o enterramento sem a exigência da declaração de óbito,
provavelmente estarão sendo enterradas pessoas sem a respectiva declaração de óbito, não
contando no respectivo sistema (mortalidade). Se a criança nasce e o hospital não emite a
Declaração de Nascido Vivo, esta também não contará no sistema (nascidos vivos). Se o médico
faz um diagnóstico de doença de notificação obrigatória na Unidade de Saúde, mas nada se
anota na ficha do SINAN, outro caso será “perdido”.
Além dos cinco grandes bancos de dados nacionais já mencionados, há, ainda, outros
que trabalham dados específicos e/ou não têm abrangência nacional, entre os quais se
destacam: o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN), o Sistema de Informação
da Atenção Básica (SIAB), o Sistema de Informação sobre Acidentes de Trabalho (SISCAT), o
Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI).
121
Após os cuidados a serem observados quanto à qualidade e cobertura dos dados de
saúde, é preciso transformar esses dados em indicadores que possam servir para comparar o
observado em determinado local com o observado em outros locais ou com o observado em
diferentes tempos.
• fazer comparações;
É preciso destacar, ainda, a diferença entre coeficientes (ou taxas) e índices. Índices não
122
expressam uma probalidade (ou risco) como os coeficientes, pois o que está contido no
denominador não está sujeito ao risco de sofrer o evento descrito no numerador. Assim, a
relação telefones/habitantes é um índice, da mesma forma que médicos/habitantes,
leitos/habitantes, etc. (os numeradores “telefones”, “médicos” e “leitos” não fazem parte do
denominador população). A rigor, portanto, tanto o Coeficiente de Mortalidade Infantil como
Materna não são coeficientes, mas índices.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
----------------------------------------------------------------------------------------------
Da fórmula acima fica evidente que a prevalência, além dos casos novos que acontecem
(incidência), é afetada também pela duração da doença, a qual pode diferir entre comunidades,
devido a causas ligadas à qualidade da assistência à saúde, acesso aos serviços de saúde,
condições nutricionais da população, etc. Assim, quanto maior a duração média da doença,
maior será a diferença entre a prevalência e a incidência.
A prevalência é ainda afetada por casos que imigram (entram) na comunidade e por
casos que saem (emigram), por curas e por óbitos.
---------------------------------------------------------------------------------------------
Seu resultado é dado, portanto, sempre em percentual (%). Não deve ser confundido
com coeficiente de mortalidade geral, que é dado por 1000 habitantes, e representa o risco de
óbito na população. A letalidade, ao contrário, representa o risco que as pessoas com a doença
têm de morrer por essa mesma doença.
• Coeficientes de mortalidade:
-------------------------------------------------------------------------
Este coeficiente, no entanto, não é muito utilizado para comparar o nível de saúde de
diferentes populações, pois não leva em consideração a estrutura etária dessas populações (se
a população é predominantemente jovem ou idosa). Um coeficiente geral de mortalidade alto
para uma população mais idosa significa apenas que as pessoas já viveram o que tinham para
viver e, por isso, estão morrendo. Já para uma população mais jovem estaria significando
mortalidade prematura. Para comparação de duas ou mais populações com diferentes estruturas
etárias, ou de sexo, há necessidade de padronizar os coeficientes, tendo como referência uma
população padrão (geralmente a mundial, quando se comparam diferentes países, ou nacional,
quando se comparam diferentes locais do mesmo país), mas isto não será abordado aqui.
--------------------------------------------------------------------------------------
Cuidado especial deve ser tomado quando se vai calcular o coeficiente de mortalidade
infantil de uma localidade, pois tanto o seu numerador (óbitos de menores de 1 ano), como seu
denominador (nascidos vivos) podem apresentar problemas de classificação. Para evitar esses
problemas, o primeiro passo é verificar se as definições, citadas pela Organização Mundial de
Saúde (1994), estão sendo corretamente seguidas por quem preencheu a declaração de óbito
da criança. Estas definições são as seguintes:
-Óbito infantil: é a criança que, nascida viva, morreu em qualquer momento antes de completar
um ano de idade.
Dessas definições, fica claro que uma criança que nasceu viva, nem que tenha
apresentado apenas batimentos do cordão umbilical, e morrido em seguida, deve ser
considerada como óbito de menor de 1 ano (óbito infantil) e entrar no cálculo do coeficiente de
mortalidade infantil (CMI). Nesse caso, deve ser emitida uma Declaração de Nascido Vivo (DN) e
uma Declaração de óbito (DO), indicando que se trata de óbito não fetal, e providenciado os
respectivos registros de nascimento e óbito em cartório de registro civil.
Caso essa criança tivesse, erroneamente, sido classificada como óbito fetal (natimorto),
além de possíveis problemas com relação a transmissão de bens e propriedades (direito civil),
ainda teríamos um viés no cálculo do coeficiente de mortalidade infantil e neonatal: o numerador
perderia um caso de óbito infantil e o denominador perderia 1 nascido vivo. Isso faria com que o
CMI calculado fosse menor do que realmente é (redução artificial, ou enganosa).
Dessa forma, nos países desenvolvidos, onde a mortalidade infantil é baixa e problemas
relacionados ao meio ambiente já se encontram quase totalmente resolvidos, o componente
neonatal predomina, enquanto em muitos países pobres ainda prevalece o componente pós-
neonatal.
------------------------------------------------------------------------------------------ x 1.000
------------------------------------------------------------------------------------
Para fins de comparação internacional, somente as mortes que ocorrem até 42 dias
após o parto entram no cálculo do coeficiente.
- Morte materna tardia: é a morte de uma mulher por causas obstétricas diretas ou indiretas
mais de 42 dias, mas menos de um ano após o término da gravidez.
- Morte relacionada com a gravidez: é a morte de uma mulher enquanto grávida ou até 42 dias
após o término da gravidez, qualquer que tenha sido a causa de morte.
129
------------------------------------------------------------------------------
Observamos que o denominar agora passa a ser a população estimada para o meio do
ano (01 de julho), que é considerada a melhor estimativa do número de habitantes expostos em
todo o ano. Em razão de alterações de doenças nos Capítulos das várias revisões da CID, é
necessário tomar cuidado em análises de séries temporais. Por exemplo, na CID-9 a Aids era
enquadrada no Capítulo III - “Doenças das glândulas endócrinas, da nutrição e do metabolismo e
transtornos imunitários” (código 279.1). Na CID-10, em vigor no Brasil desde 1996, essa doença
mudou para o Capítulo I – “Doenças Infecciosas e Parasitárias”. Dessa forma, se formos analisar
o coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis no Paraná desde 1980, por exemplo,
devemos ter em mente que a partir de 1996 poderá ocorrer um aumento artificial deste
coeficiente, simplesmente porque mais uma doença (a AIDS) passou a fazer parte do
agrupamento de causas infecciosas/parasitárias (Capítulo I da CID-10).
Cálculos de coeficientes por outras causas específicas ou por capítulos da CID (por
exemplo, causas externas, infarto do miocárdio, doenças cerebrovasculares, acidentes de
trânsito, etc.) também são possíveis, usando o mesmo raciocínio e padrão de equação utilizado
para o cálculo do coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis.
O coeficiente de natalidade, portanto, pode ser calculado pela seguinte equação (ou
também por regra de três):
--------------------------------------------------------------------
------------------------------------------------------------------------------------ x 1.000
• Mortalidade proporcional por idade: é um indicador muito útil e fácil de calcular. Com base
no total de óbitos, fazemos uma regra de três, calculando qual a proporção de óbitos na faixa
etária de 20 a 29 anos ou de menores de 1 ano, por exemplo. 131
A mortalidade proporcional por idade também pode ser representada em gráfico, sendo
conhecida como Curva de Mortalidade Proporcional (ou Curva de Nelson de Moraes, que foi
quem a propôs). Para isso, primeiro devemos calcular todos os percentuais correspondentes às
seguintes faixas etárias: menor de 1 ano, de 1 a 4 anos, de 5 a 19 anos, de 20 a 49 anos e de 50
anos e mais (a soma de todos os percentuais dessas faixas etárias deve dar 100%).
• Mortalidade proporcional por causas de morte: é a proporção que determinada causa (ou
agrupamento de causas) tem no conjunto de todos os óbitos. Por exemplo, a mortalidade
proporcional por doenças do aparelho circulatório é a proporção de óbitos por doenças do
aparelho circulatório em relação ao total de óbitos no mesmo período e local.
Atualmente, com a implantação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos
(SINASC) no Brasil, algumas proporções de importância epidemiológica também podem ser
calculadas, como por exemplo:
• taxa de nascidos vivos com baixo peso ao nascer: % nascidos vivos com peso ao nascer <
2500 gramas em relação ao total de nascidos vivos em determinado período de tempo e local;
• taxa de nascidos vivos com mães adolescentes: % de nascidos vivos com mães de idade < 20
anos (até 19 anos inclusive) em relação ao total de nascidos vivos em determinado período de 132
tempo e local;
• taxa de nascidos vivos por cesárea: % nascidos vivos por cesárea em relação ao total de
nascidos vivos em determinado período de tempo e local;
• taxa de nascidos vivos prematuros: % de nascidos vivos com menos de 37 semanas (até 36
inclusive) de gestação.
134
• tempo
• espaço
• pessoa
A análise dos dados, segundo essas variáveis, nos oferece pistas de possíveis causas
de doenças, permitindo a elaboração de hipóteses a serem posteriormente testadas.
• regular e, portanto, previsível, como é o caso da tendência secular, no eixo vertical do gráfico
(Y) e o período no eixo horizontal (X), como pode ser visto nos exemplos apresentados mais
adiante.
Esse tipo de gráfico nos oferece uma visão rápida da magnitude do problema, de sua
tendência num período passado, e nos dá uma idéia da importância potencial do problema para
o futuro.
Dependendo das características do agravo que está sendo analisado, o período de
interesse pode variar de décadas a intervalos mais limitados, abrangendo, por exemplo, somente
alguns dias, no caso de uma epidemia.
Variações regulares
Tendência secular
135
A tendência secular pode ser visualizada por um gráfico com o número ou taxa anual de
casos ou óbitos de uma doença referente a um período relativamente longo.
Variação sazonal
Um gráfico com o número de casos ou taxas de ocorrência de uma doença, mês a mês,
durante um período de alguns anos, identifica seu padrão de variabilidade sazonal numa
determinada comunidade.
Outro aspecto que nos chama a atenção nessa figura é um sucessivo achatamento da
curva que expressa a sazonalidade nas décadas de 70 e de 80. Esse comportamento é
característico do processo de controle das doenças infecciosas à medida que elas evoluem da
fase endêmica para a de controle e/ou de eliminação. Fenômeno semelhante poderia ser visto
se apresentássemos a evolução da variação sazonal da poliomielite em nosso país.
Variação ou flutuação cíclica
Essa variação ocorre regularmente, dependendo da doença, a cada dois ou três anos;
acompanha a tendência secular e está relacionada a variações normais na proporção de
suscetíveis na comunidade.
Da mesma forma que a variação sazonal, a variação cíclica tende a diminuir à medida
137
que a doença é controlada.
Na figura 6 apresentamos como exemplo uma série histórica de 1950 a 1993, referente
ao sarampo no município de São Paulo. Nessa figura verificamos nos períodos interepidêmicos
variações com picos em anos alternados, que se repetem de forma regular, expressando as
oscilações na proporção de suscetíveis na comunidade.
O processo epidêmico
Nos momentos em que essas variações apresentam-se de forma irregular, temos uma
epidemia, que pode ser definida como: a ocorrência de um claro excesso de casos de uma
doença ou síndrome clínica em relação ao esperado, para uma determinada área ou grupo
específico de pessoas, num particular período.
É também importante, para garantir a comparabilidade dos dados de uma série histórica,
que a definição de caso, assim como as técnicas laboratoriais utilizadas para o diagnóstico da
doença em questão, não tenham variado no tempo.
As epidemias podem evoluir por períodos que variam de dias, semanas, meses ou anos,
não implicando, obrigatoriamente, a ocorrência de grande número de casos, mas um claro
excesso de casos quando comparada à freqüência habitual de uma doença em uma localidade.
• tipo do agente;
• Ondas epidêmicas: quando se prolongam por vários anos; exemplo típico: as epidemias de
doença meningocócica.
No entanto, sob o aspecto operacional, talvez seja mais adequado conceituar surto como uma
forma particular de epidemia, na qual temos a ocorrência de dois ou mais casos relacionados
entre si no tempo e/ou no espaço. Atingindo um grupo específico de pessoas, configurando-se
um claro excesso de casos se comparado com a freqüência normal do agravo em questão no
grupo populacional atingido.
Patógenos envolvidos
Fatores do hospedeiro
Tipos de Epidemia
142
Um exemplo desse tipo de epidemia seria aquela causada pela introdução, numa escola,
de uma criança no período de incubação do sarampo. Tão logo tenhamos o início do período de
transmissibilidade e ultrapassado um intervalo de tempo equivalente ao período mínimo de
incubação, será possível observar o aparecimento de novos casos entre os contatos suscetíveis.
Temos, então, o início de um surto do tipo progressivo, ou seja, de transmissão pessoa a
pessoa, apresentando uma curva epidêmica semelhante à da figura 9. Outro exemplo é a
progressão de epidemias de doença meningocócica em comunidades.
143
Como exemplo, podemos citar a epidemia de cólera descrita por Snow, que, num
primeiro momento, pela contaminação da água que abastecia uma área de Londres, expôs,
simultaneamente, um elevado número de pessoas ao risco de infecção (transmissão por fonte
comum). Num segundo momento, os indivíduos infectados, ao iniciarem a eliminação do agente,
transmitem-no a outras pessoas que haviam ficado isentas da infecção no início da epidemia
(transmissão pessoa a pessoa). Fato relatado no início deste módulo.
Nessas situações, a curva epidêmica apresenta um declínio bem mais lento do que a
fase ascendente da epidemia (figura 10).
144
* A seta indicativa da curva ascendente demonstra a transmissão por fonte comum. A seta
indicativa da curva descendente demonstra a transmissão de pessoa a pessoa.
Identificação de epidemias
Como exemplo de doenças que preenchem essas características pode citar a gripe e a
doença meningocócica.
Para o uso dessa técnica, calculamos o nível endêmico da doença em questão, para
determinada população, utilizando como referência um período no qual, teoricamente, ela teria
apresentado somente variações regulares. Sempre que o período suspeito apresentar uma
freqüência em excesso, se comparada ao período normal (período endêmico), estará
caracterizada uma situação epidêmica (Diagrama de controle).
O diagrama de controle foi um instrumento muito útil para a identificação de epidemias,
especialmente em cidades médias e grandes, até duas ou três décadas atrás, quando a maioria
das doenças infecciosas, inclusive as preveníveis por vacinação, não estavam controladas.
Sempre que houver uma situação que se suspeite epidêmica, devemos investigar os
casos e, mediante as informações assim obtidas, caracterizar ou não a existência de um surto.
Tomemos como exemplo as figura 11 que se refere à evolução da mortalidade por AIDS
no município de São Paulo durante o período de 1988 a 1996: Verificamos que a curva relativa
às mulheres apresenta um aumento gradativo da mortalidade, com elevação contínua até 1996.
Por outro lado, a curva dos homens apresenta uma mortalidade bastante elevada em relação às
mulheres, mas com tendência à estabilização a partir de 1994.
Fogem aos objetivos deste texto analisar, em detalhe, esses dados, porém não é difícil
verificar que à medida que estratificamos os dados em um número maior de variáveis, segundo
os atributos da pessoa, maior facilidade teremos em identificar possíveis grupos e fatores de
risco envolvidos, permitindo, num segundo momento, a elaboração de hipóteses e o posterior
desenvolvimento de estratégias de controle.
146
A figura 13, relativa à distribuição etária dos casos de sarampo nas décadas de 70 a 90,
mostra-nos uma nítida modificação da participação relativa dos diferentes grupos etários, com
um contínuo decréscimo proporcional dos casos entre as crianças de um a quatro anos e
elevação nos menores de um ano e entre os maiores de quinze anos.
147
Feitas as críticas cabíveis aos dados, devido às características das fontes de informação
utilizadas, é possível levantar hipóteses a respeito de mudanças na estrutura imunitária da
população em relação ao sarampo e, ainda, de suas repercussões no comportamento futuro do
sarampo. Por exemplo, tais mudanças podem, de alguma forma, estar envolvidas na
característica principal da epidemia dessa doença, ocorrida em 1997 no município de São Paulo,
quando houve claro predomínio de menores de um ano (um terço deles em idade inferior a seis
meses) e de adultos entre os atingidos.
Para a localização dos casos no mapa podemos utilizar como ponto de referência o local
de residência, local de trabalho, escola, unidade hospitalar, sempre com o objetivo de identificar
locais ou grupos populacionais de maior risco para a ocorrência da doença. Da mesma forma,
podemos usar unidades geográficas, tais como países, Estados, municípios, setores censitários
ou ainda áreas rurais ou urbanas, etc.
148
No caso do Brasil as dificuldades em lidar com essas doenças têm um desafio a mais: a
dimensão continental do país para implementar programas abrangentes para DCNT. A literatura
na área da saúde pública é pobre em textos sobre vigilância epidemiológica (VE) para DCNT,
mas contém muitas propostas de programas e vários em andamento. O tema encontra-se em
destaque no momento, tendo em vista as perspectivas da disseminação das epidemias desse
tipo de doença, resultando em endemias e os custos sociais advindos.
A partir dos últimos anos da década de 1990 e neste início do século 21, a prevenção
para DCNT, em especial das cardiovasculares, vem sendo preocupação de várias organizações
internacionais, enfatizando os chamados países do Terceiro Mundo. Bilhões de pessoas estão
vivendo mais, enquanto as doenças cardiovasculares parecem novamente em ascensão. A
identificação da pandemia das doenças cardiovasculares em torno de 1997 foi a primeira de uma
série de outras esperadas. Seguiram-se as epidemias de sobrepeso e obesidade nos países
desenvolvidos, inclusive a detectada elevação das suas prevalências entre crianças e
adolescentes, com registros da ocorrência do diabetes tipo 2 nesses grupos etários. Essa
epidemia já ocorre em vários dos países emergentes, com perspectivas reais de pandemia.
Epidemias e pandemias de DCNT, associadas à crescente longevidade da população de países
emergentes, determinam graves conseqüências sociais, pois são países despreparados para
deter a carga de doença que prevalecerá nas próximas décadas.
Não sem razão, entre os modismos da literatura médico-social da atualidade encontram-
se, por um lado, os determinantes comportamentais e os político-econômicos e sociais para as
DCNT, destacando-se entre eles: síndrome plurimetabólica, inflamação, mensurada pela
Proteína C reativa de alta sensibilidade (seu marcador mais potente), aterosclerose, exposição a
fatores de risco nutricionais desde a vida intra-uterina ou nos primeiros anos de vida, carga de
doença, “globalização” e as iniqüidades sociais. Em grande parte desses fatores existe uma
intensa inter-relação. Por outro lado, ressalta-se o ressurgimento, com outros enfoques, das
doenças infecciosas entre os determinantes das DCNT. 150
A epidemiologia das DCNT é incompleta e complexa. Nenhum dos fatores de risco para
a quase totalidade das DCNT é necessário, suficiente, ou necessário e suficiente.
Curiosamente, a grande maioria dos fatores de risco para doenças cardiovasculares são
os mesmos para o diabetes, para a doença renal crônica e compartilhados por uma variedade de
neoplasias malignas.
A expressão clínica das DCNT faz-se após longo tempo de exposição aos fatores de
risco e da convivência assintomática do indivíduo com a doença não diagnosticada, mesmo
quando os fatores de risco são perceptíveis (tabagismo, obesidade generalizada, obesidade
central com ou sem obesidade generalizada, alcoolismo, sedentarismo, etc).
Conseqüentemente, os diagnósticos são em fases tardias, com a doença já complicada ou num
desfecho que pode ser o primeiro e fatal, como ocorre muitas vezes com a doença coronariana
aguda e com o acidente vascular encefálico. As DCNT correspondem à maior proporção das
mortes nos países industrializados e nos emergentes. Para esses últimos as projeções são
pessimistas: concentrarão o maior número de mortes por DCNT e a maior população mundial
com essas doenças em torno do ano 2050.
151
Especificamente nos Estados Unidos, destacam-se os projetos ARIC (White et al., 1996)
e o Minnesota Heart Survey (MHS) (McGovern et al., 1992), iniciados em 1978 e 1970,
respectivamente.
O ARIC é uma coorte sobre fatores de risco para doenças cardiovasculares e que
também atua na vigilância comunitária dos fatores riscos para aterosclerose. Outra fonte
importante de acompanhamento da morbidade, de alerta e de disseminação da informação é o
National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), do National Institute of Heart,
Blood, and Lung (NIHBL). Esse inquérito vem sendo realizado a cada 10 anos nos Estados
Unidos, desde o início da década de 1980 e complementado anualmente com outras
informações relacionadas à saúde.
Outras fontes de dados de morbidade são hospitalares e não têm a mesma validade dos
dados primários procedentes dos programas ou dos estudos referidos dos quais saem milhares
de publicações anuais. Os investimentos em monitoramento dos fatores de risco para DCNT são
os mais importantes. É neste ponto que se quebra a cadeia epidemiológica da doença com todos
os benefícios que não se alcançam com a prevenção secundária e menos ainda com a terciária.
Contudo, apesar de os fatores de risco mutáveis serem aqueles com as mais fortes e
consistentes associações com DCNT, eles são comportamentais, exigindo estratégias de
intervenção convincentes, consistentes, inovadoras, sem coerções e muito bem elaboradas para
serem bem-sucedidas. Não é tarefa fácil e o maior exemplo de fracasso é a citada epidemia de
obesidade, abrangendo faixas etárias precoces.
153
O mais conhecido e, provavelmente, o melhor e mais amplo acompanhamento dos
fatores de risco para DCNT, com excelente resposta de participação populacional, é o Behavioral
Risk Factor Surveillance Survey System (BRFSS, Estados Unidos, que monitora os fatores de
risco para DCNT em todos os estados americanos por inquéritos com conteúdos obrigatórios e,
paralelamente, outros de interesse de estados específicos, a depender de outras exposições das
suas populações).
A Vigilância Epidemiológica (VE) para DCNT foi aventada em 1993, quando gestores do 154
Ministério da Saúde promoveram um amplo seminário incluindo participantes das Secretarias de
Saúde da maioria dos Estados. Os documentos resultantes foram publicados no Informe
Epidemiológico do SUS, 1994. Em 2002, foram ministrados cursos especiais sobre a
epidemiologia das DCNT no Brasil e incursões sobre a VE para essas doenças patrocinados
pelo então Centro Nacional de Epidemiologia/MS (CENEPI/MS). Esses cursos contaram com a
participação dos Estados de todas as regiões do País.
155
O Brasil é um dos raros países a dispor de estatísticas atualizadas sobre internações por
todas as causas e em todo o país, porém, somente para aquelas financiadas pelo SUS, e
disponibilizadas pelo Datasus sob a denominação de Sistema de Informação Hospitalar (SIH).
Com essa restrição, desconhecem-se as estatísticas referentes a 25% da população brasileira,
que é a parcela assistida por planos e seguros privados de saúde, socialmente melhor inserida.
Por outro lado, a mortalidade hospitalar, que poderia ser outro bom indicador, inclusive
da qualidade da assistência, é subestimada em razão de o denominador dos cálculos
corresponder ao número de hospitalizações em substituição ao número de pessoas internadas
pelo evento que determinou a morte. Prestam-se melhor ao monitoramento do tempo médio de
permanência hospitalar e do custo médio por internação, mesmo que uma pessoa tenha sido
internada pela mesma causa por várias vezes, no período sob enfoque.
O atual Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou o SNVE, definindo em seu texto legal
(Lei nº 8.080/90) a vigilância epidemiológica como “um conjunto de ações que proporciona o
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as
medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos”. Além de ampliar o conceito, as
ações de vigilância epidemiológica passaram a ser operacionalizadas num contexto de profunda
reorganização do sistema de saúde brasileiro, caracterizada pela descentralização de
responsabilidades e integralidade da prestação de serviços.
Por sua vez, as profundas mudanças no perfil epidemiológico das populações, no qual
se observa declínio das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e crescente
aumento das mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas, têm propiciado a
discussão da incorporação de doenças e agravos não-transmissíveis ao escopo de atividades da
vigilância epidemiológica. Iniciativas nesta direção estão sendo adotadas tanto pelo Ministério da
Saúde/SVS como por algumas secretarias estaduais e municipais de saúde.
159
Propósitos e funções
• coleta de dados;
Portanto, os responsáveis pela coleta devem ser preparados para aferir a qualidade do
dado obtido. Tratando-se, por exemplo, da notificação de doenças transmissíveis, é fundamental
a capacitação para o diagnóstico de casos e a realização de investigações epidemiológicas
correspondentes.
Quando for necessário o envolvimento de outro nível do sistema, o fluxo deverá ser
suficientemente rápido para que não ocorra atraso na adoção de medidas de controle.
Tipos de dados
162
Dados de morbidade
O SNVE deve estimular, cada vez mais, a utilização dos sistemas e bases de dados
disponíveis, vinculados à prestação de serviços, para evitar a sobreposição de sistemas de
informação e a conseqüente sobrecarga aos níveis de assistência direta à população. As
deficiências qualitativas próprias desses sistemas tendem a ser superadas à medida que se
intensificam a crítica e o uso dos dados produzidos.
Dados de mortalidade
Em geral, esses fatos devem ser notificados aos níveis superiores do sistema para que
sejam alertadas as áreas vizinhas e/ou para solicitar colaboração, quando necessária.
Fontes de dados
• notificar a simples suspeita da doença. Não se deve aguardar a confirmação do caso para se
efetuar a notificação, pois isto pode significar perda da oportunidade de intervir eficazmente;
• a notificação tem de ser sigilosa, só podendo ser divulgada fora do âmbito médico sanitário em
caso de risco para a comunidade, respeitando-se o direito de anonimato dos cidadãos;
• o envio dos instrumentos de coleta de notificação deve ser feito mesmo na ausência de casos,
configurando-se o que se denomina notificação negativa que funciona como um indicador de
eficiência do sistema de informações.
Laboratórios
Entretanto, o uso do laboratório como fonte de detecção de casos tem sido restrito a
algumas doenças, em situações especiais. Há necessidade de se organizar um sistema
integrado de resultados das análises realizadas para diagnóstico das doenças sob vigilância,
abrangendo, inicialmente, a rede de laboratórios centrais de saúde pública nos estados (Lacens)
e também a rede de hemocentros, onde é realizada a triagem sorológica de doadores de
sangue. Complementarmente, esse sistema deve ser progressivamente estendido a outros
laboratórios públicos e privado.
Investigação epidemiológica
Os achados de investigações epidemiológicas de casos e de surtos complementam as
informações da notificação no que se refere a fontes de infecção e mecanismos de transmissão,
dentre outras variáveis. Também podem possibilitar a descoberta de novos casos não
notificados.
Imprensa e população
168
Estudos epidemiológicos
Além das fontes regulares de coleta de dados e informações para analisar, do ponto de
vista epidemiológico, a ocorrência de eventos sanitários, pode ser necessário, em determinado
momento ou período, recorrer diretamente à população ou aos serviços para obter dados
adicionais ou mais representativos, que podem ser coletados por inquérito, levantamento
epidemiológico ou investigação.
Sistemas Sentinelas
Existem vários tipos destes sistemas, como, por exemplo, a organização de redes constituídas
de fontes sentinelas de notificação especializadas, já bastante utilizadas para o
acompanhamento e vigilância da situação de câncer.
Outra técnica baseia-se na ocorrência de evento sentinela, que é a detecção de doença
prevenível, incapacidade ou morte inesperada cuja ocorrência serve como sinal de alerta de que
a qualidade terapêutica ou prevenção deve ser questionada. Entende-se que todas as vezes em
que isto ocorra o sistema de vigilância deve ser acionado para que o evento seja investigado e
as medidas de prevenção adotadas.
A instituição de unidades de saúde sentinelas tem sido muito utilizada no Brasil para a
vigilância das doenças infecciosas e parasitárias que demandam internamento hospitalar. O
170
monitoramento de grupos-alvos, através de exames periódicos, é de grande valor na área de
prevenção de doenças ocupacionais. Mais recentemente, tem-se trabalhado no desenvolvimento
da vigilância de espaços geográficos delimitados em centros urbanos, denominado vigilância de
áreas sentinelas.
Diagnóstico de casos
Normatização
Essas normas devem primar pela clareza e constar de manuais, ordens de serviço,
materiais instrucionais e outros, disponíveis nas unidades do sistema.
Tem especial importância a definição de caso de cada doença ou agravo, visando
padronizar os critérios diagnósticos para a entrada e classificação final dos casos no sistema.
Nesse sentido, a adaptação das orientações de nível central, para atender realidades
estaduais diferenciadas, não deve alterar as definições de caso, entre outros itens que exigem
padronização. O mesmo deve ocorrer com as doenças e agravos de notificação estadual
exclusiva, em relação às normas de âmbito municipal.
Retroalimentação do sistema
Avaliações periódicas devem ser realizadas em todos os níveis, com relação aos
seguintes aspectos, entre outros: atualidade da lista de doenças e agravos mantidos no sistema;
pertinência das normas e instrumentos utilizados; cobertura da rede de notificação e participação
das fontes que a integram; funcionamento do fluxo de informações; abrangência dos tipos de
dados e das bases informacionais utilizadas; organização da documentação coletada e
produzida; investigações realizadas e sua qualidade; informes analíticos produzidos, em
quantidade e qualidade; retroalimentação do sistema, quanto a iniciativas e instrumentos
empregados; composição e qualificação da equipe técnica responsável; interação com as
instâncias responsáveis pelas ações de controle; interação com a comunidade científica e
centros de referência; condições administrativas de gestão do sistema; e custos de operação e 173
manutenção.
A simplicidade deve ser utilizada como princípio orientador dos sistemas de vigilância,
tendo em vista facilitar a operacionalização e reduzir os custos. A flexibilidade se traduz pela
capacidade de adaptação do sistema a novas situações epidemiológicas ou operacionais
(inserção de outras doenças, atuação em casos emergenciais, implantação de normas
atualizadas, incorporação de novos fatores de risco, etc.), com pequeno custo adicional.
Essa articulação é importante por possibilitar a atualização dinâmica das suas práticas
174
mediante a incorporação de novas metodologias de trabalho, avanços científicos e tecnológicos
de prevenção (imunobiológicos, fármacos, testes diagnósticos, etc.) e aprimoramento das
estratégias operacionais de controle. A rápida evolução das ferramentas computacionais, aliadas
à redução dos seus custos, vem possibilitando o desenvolvimento de sistemas de informações
mais ágeis que contribuem significativamente para tornar mais oportunas as intervenções neste
campo da saúde pública.
Contexto histórico
175
Segundo Czeresnia (2003) a relação entre saúde e condições gerais de vida das
populações, foi constatada e explicitada na própria origem da medicina moderna. Especialmente
no final do século XVIII e na primeira metade do século XIX, o processo de urbanização e
industrialização na Europa provocou grandes transformações sociais: as condições de vida e de
trabalho nas cidades estavam deterioradas e se fizeram acompanhar de um aumento da
ocorrência de epidemias. Os médicos envolvidos com o intenso movimento social que emergiu
nesse período, ao relacionarem a doença com o ambiente, articulavam-no também às relações
sociais que o produziam.
Este movimento propôs uma mudança da prática médica através de reforma no ensino
médico, buscando a formação de profissionais médicos com uma nova atitude nas relações com
os órgãos de atenção à saúde. Ressaltou a responsabilidade dos médicos com a promoção da
saúde e a prevenção de doenças; introduziu a epidemiologia dos fatores de risco, privilegiando a
estatística como critério científico de causalidade. Czeresnia apud Arouca (1975), Torres (2002).
4º - Das relações da medicina com a comunidade, pois a medicina curativa, realizada dentro de
um contexto de interesses puramente individualista, desvinculou-se dos reais problemas de
saúde da população.
5º - Da educação médica que dominada pela ideologia curativa, estava formando profissionais
que não atendiam às necessidades de atenção médica das comunidades.
O termo promoção da saúde foi utilizado pela primeira vez por Sigerist, historiador da
medicina quando, em 1945, ele definiu quatro funções da medicina: promoção da saúde,
prevenção da doença, restauração do doente, reabilitação Czeresnia apud Terris (1996).
- A “tríade ecológica” que define o modelo de causalidade das doenças a partir das relações
entre agente, hospedeiro e meio-ambiente.
- O conceito de história natural das doenças definido como “todas as interrelações do agente, do
hospedeiro e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as
primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar
(pré-patogênese), passando pela resposta do homem ao estímulo, até às alterações que levam a
um defeito, invalidez, recuperação ou morte (patogênese)”. Czeresnia apud Leavell & Clarck
(1976).
No Quadro II, Czeresnia apud Parmenter (1996) apresenta alguns cenários que
evidenciam a magnitude dos custos da atenção à saúde:
181
A seguir será exposto um breve resumo sobre o fundamental papel de cada conferência
internacional no campo da promoção da saúde. O estudo de cada uma destas conferências é
primordial para o devido entendimento sobre a evolução e avanços deste conceito que permeia
todas as ações de saúde na atualidade mundial. Esta síntese foi retirada de uma publicação do
ministério da saúde do ano de 2002. 182
A Declaração de Alma-Ata
Chama ainda a atenção para que todos os governos cooperem, num espírito de
comunidade e serviço, para assegurar os cuidados primários de saúde a todos os povos, uma
vez que a consecução da saúde do povo de qualquer país interessa e beneficia diretamente
todos os outros países.
Conferência de Otawa
Esta conferência foi, antes de tudo, uma resposta às crescentes expectativas por uma
183
nova saúde pública, movimento que vem ocorrendo em todo o mundo. As discussões
focalizaram principalmente as necessidades em saúde nos países industrializados, embora
tenham levado em conta necessidades semelhantes de outras regiões do globo.
· paz
· habitação
· educação
· alimentação
· renda
· ecossistema estável
· recursos sustentáveis
· eqüidade
O incremento nas condições de saúde requer uma base sólida nestes pré-requisitos
básicos.
Os pré-requisitos e perspectivas para a saúde não são assegurados somente pelo setor
saúde. Mais importante, a promoção da saúde demanda uma ação coordenada entre todas as
partes envolvidas: governo, setor saúde e outros setores sociais e econômicos, organizações
voluntárias e não governamentais, autoridades locais, indústria e mídia. As pessoas, em todas
as esferas da vida, devem envolver-se neste processo como indivíduos, famílias e comunidades.
Os profissionais e grupos sociais, assim como o pessoal de saúde, têm, em relação à saúde,
maior responsabilidade na mediação entre os diferentes existentes na sociedade.
As estratégias e programas na área da promoção da saúde devem se adaptar às
necessidades locais e às possibilidades de cada país e região, bem como levar em conta as
diferenças em seus sistemas sociais, culturais e econômicos.
A Conferência de Adelaide
185
A Conferência aconteceu na cidade de Adelaide, Austrália, nos dias 5 a 9 de abril de
1988. Ela reafirmou as cinco linhas de ação da Carta de Ottawa, consideradas interdependentes,
mas destacou que as políticas públicas saudáveis estabelecem o ambiente para que as outras
quatro possam tornar-se possíveis. Brasil (2002).
A respeito das políticas públicas saudáveis, enuncia que estas caracterizam-se pelo
interesse e preocupação explícitos de todas as áreas das políticas públicas em relação à saúde
e à eqüidade, e pelos compromissos com o impacto de tais políticas sobre a saúde da
população, tendo como principal propósito a criação de um ambiente favorável para que as
pessoas possam viver vidas saudáveis. Afirma, também, que a saúde é ao mesmo tempo um
direito humano fundamental e um sólido investimento social, devendo os governos investir
recursos em políticas públicas saudáveis e em promoção da saúde, de maneira a melhorar o
nível de saúde dos seus cidadãos.
Assegurando-se que a população tenha acesso aos meios imprescindíveis para uma
vida saudável e satisfatória, aumentar-se-á, ao mesmo tempo, de maneira geral, a produtividade
da sociedade tanto em termos sociais como econômicos. Ressalta, ainda, que as iniqüidades no
campo da saúde têm raízes nas desigualdades existentes na sociedade. Brasil (2002).
As políticas públicas voltadas para a saúde devem responder aos desafios colocados
por um mundo de crescentes e dinâmicas transformações tecnológicas, com suas complexas
intenções ecológicas e crescente interdependência internacional. Os governos têm um
importante papel no campo da saúde, mas este é também extremamente influenciado por
interesses corporativos e econômicos, organizações não governamentais e organizações
comunitárias.
• Alimentação e nutrição
• Tabaco e álcool
Esta Conferência alerta todos os governos para o elevado potencial humano perdido por
doenças e mortes causadas pelo uso do fumo e abuso do álcool. Os governos deveriam se
comprometer em desenvolver uma política pública voltada à saúde, traçando metas nacionais
significativas na redução da produção de tabaco e distribuição de álcool, assim como do
marketing e do consumo.
188
Políticas que promovam a saúde só podem ser sucesso em ambientes que conservem
os recursos naturais, mediante estratégias ecológicas de alcance global, regional e local. São
necessários esforços para uma coordenação intersetorial, visando assegurar que as decisões
que levem a saúde em consideração sejam encaradas como prioridade ou pré-requisito para o
desenvolvimento industrial e da agropecuária.
Políticas públicas saudáveis requerem fortes defensores que coloquem a saúde no topo
da agenda dos políticos e dirigentes públicos. Isto significa promover o trabalho de grupos de
defesa da saúde e auxiliar a mídia a interpretar a complexidade dos assuntos de política de
saúde. Além disso, as instituições educacionais precisam responder às necessidades
emergentes da nova saúde pública, reorientando os currículos existentes, no sentido de
melhorar as habilidades em capacitação, mediação e defesa da saúde pública. No
desenvolvimento das políticas, o poder deve migrar do controle para o apoio técnico. Além disso,
são necessários eventos que permitam troca de experiências nos níveis local, nacional ou
internacional.
A Conferência de Sundsvall
189
Atingir estas duas metas deve ser o objetivo central ao se estabelecer prioridades para o
desenvolvimento e deve ter precedência no gerenciamento diário das políticas governamentais.
Esta Conferência chama a atenção, também, para a necessidade de ações urgentes para se
atingir uma maior justiça social em saúde. Milhões de pessoas estão vivendo em extrema
pobreza e privação, num meio ambiente cada vez mais degradado, tanto nas zonas rurais como
urbanas. Devido aos conflitos armados, um alarmante e nunca visto número de pessoas sofrem
trágicas conseqüências para a saúde e o bem estar. Brasil (2002).
A solução destes imensos problemas está além de um sistema de saúde nos moldes
tradicionais. As iniciativas devem vir de todos os setores que possam contribuir para a criação de
um ambiente mais favorável e fomentador de saúde, e devem ser levadas a cabo pelas pessoas
nas suas comunidades, nacionalmente pelos governos e ONGs e, globalmente, através das
organizações internacionais. As ações devem envolver, predominantemente, setores como
educação, transporte, habilitação, desenvolvimento urbano, produção industrial e agricultura;
devem ter diferentes dimensões (física, social, espiritual, econômica e política) e precisam ser
coordenadas tanto no nível local como nos níveis regional, nacional e mundial, para encontrar
soluções verdadeiramente sustentáveis. Brasil (2002).
Ainda segundo Brasil (2002) a conferência sublinha quatro aspectos para um ambiente
favorável e promotor de saúde:
1. A dimensão social, que inclui as maneiras pela quais normas, costumes e processos sociais
afetam a saúde;
2. A dimensão política, que requer dos governos a garantia da participação democrática nos
processos de decisão e a descentralização dos recursos e das responsabilidades e requer o
compromisso com os direitos humanos, com a paz e com a realocação de recursos oriundos da
corrida armamentista;
3. A dimensão econômica, que requer o reescalonamento dos recursos para a saúde e o 190
desenvolvimento sustentável;
se possa desenvolver uma infra-estrutura mais positiva para ambientes favoráveis à saúde.
Além disso, ações do setor público para criar ambientes favoráveis à saúde devem levar
em conta a interdependência entre todos os seres vivos, e gerenciar os recursos naturais,
levando em consideração as necessidades das futuras gerações.
2. Capacitar comunidade e indivíduos a ganhar maior controle sobre sua saúde e ambiente,
através da educação e maior participação nos processos de tomada de decisão;
A Conferência de Bogotá
A região, desgarrada pela iniqüidade que se agrava pela prolongada crise econômica e
pelos programas de políticas de ajuste macroeconômico, enfrenta a deterioração das condições
de vida da maioria da população, junto com um aumento de riscos para a saúde e uma redução
de recursos para enfrentá-los. Por conseguinte, o desafio da promoção da saúde na América
Latina consiste em transformar essas relações, conciliando os interesses econômicos e os
propósitos sociais de bem-estar para todos, bem como trabalhar pela solidariedade e eqüidade
social, condições indispensáveis para a saúde e o desenvolvimento. Brasil (2002).
A situação de iniqüidade da saúde nos países da América Latina reitera a necessidade
de se optar por novas alternativas na ação da saúde pública, orientadas a combater o sofrimento
causado pelas enfermidades do atraso e pobreza, ao que se sobrepõe os efeitos colaterais
trazidos pelas enfermidades da urbanização e industrialização. Dentro deste panorama, a
promoção da saúde destaca a importância da participação ativa das pessoas nas mudanças das
condições sanitárias e na maneira de viver, condizentes com a criação de uma cultura de saúde.
Brasil (2002).
192
Além disso, a violência – em todas as suas formas – contribui muito para a deterioração
dos serviços, causando inúmeros problemas psicossociais, além de constituir o fundamento de
significativos problemas de saúde pública.
5. Consolidar uma ação que se comprometa a reduzir gastos improdutivos, tais como os
pressupostos militares, desvios de fundos públicos gerando ganâncias privadas, profusão de
burocracias excessivamente centralizadas e outras fontes de ineficiência e desperdício.
193
6. Fortalecer a capacidade da população nas tomadas de decisões que afetem sua vida e para
optar por estilos de vida saudáveis.
9. Fortalecer a capacidade convocatória do setor saúde para mobilizar recursos para a produção
social da saúde, estabelecendo responsabilidades de ação nos diferentes setores sociais e seus
efeitos sobre a saúde.
10. Reconhecer como trabalhadores e agentes de saúde todas as pessoas comprometidas com
os processos de promoção da saúde, da mesma maneira que os profissionais formados para a
prestação de serviços assistenciais.
11. Estimular a investigação na promoção da saúde, para gerar ciência e tecnologia apropriada e
disseminar o conhecimento resultante, de forma que se transforme em instrumento de liberdade,
mudança e participação.
A Conferência de Jacarta
Os pré-requisitos para a saúde são: paz, abrigo, instrução, segurança social, relações sociais,
alimento, renda, direito de voz das mulheres, um ecossistema estável, uso sustentável dos
recursos, justiça social, respeito aos direitos humanos e eqüidade. A pobreza é, acima de tudo, a
maior ameaça à saúde.
1 - Reconhecem que a consecução do nível de saúde mais alto possível é um elemento positivo
196
para o aproveitamento da vida e necessário para o desenvolvimento social, econômico e a
eqüidade.
3 - Estão conscientes de que, nos últimos anos, através dos esforços sustentados dos governos
e sociedades em conjunto, houve uma melhoria significativa da saúde e progresso na provisão
de serviços de saúde em muitos países do mundo.
4 - Constatam que, apesar desse progresso, ainda persistem muitos problemas de saúde que
prejudicam o desenvolvimento social e econômico e que, portanto, devem ser urgentemente
resolvidos para promover uma situação mais eqüitativa em termos de saúde e bem-estar.
7 - Concluem que a promoção da saúde deve ser um componente fundamental das políticas e
programas públicos em todos os países na busca de eqüidade e melhor saúde para todos.
a) Colocar a promoção da saúde como prioridade fundamental das políticas e programas locais,
regionais, nacionais e internacionais;
b) Assumir um papel de liderança para assegurar a participação ativa de todos os setores e da
sociedade civil na implementação das ações de promoção da saúde que fortaleçam e ampliem
as parcerias na área da saúde;
e) Defender a idéia de que os órgãos da ONU sejam responsáveis pelo impacto em termos de
saúde da sua agenda de desenvolvimento;
• duplo impacto das doenças transmissíveis e não-transmissíveis sobre os custos de saúde; 198
• desenvolvimento da comunicação;
Para fortalecer a capacidade de promoção da saúde global e nacional, a Rede tem cinco
metas, segundo Brasil (2002):
199
2. Desenvolver a saúde promovendo estratégias em quatro áreas:
· Preservação de assentamentos.
3. Mobilizar os recursos existentes, redistribuídos, bem como recursos diversos de fontes não-
tradicionais, visando aumentar a condição da saúde como uma prioridade nacional;
5. Direcionar as questões comuns aos megapaíses, tais como: redistribuição de recursos nas
grandes burocracias, construir competências com parceiros nacionais, alcançar grandes
populações por meio da mídia - usando tecnologia para prover educação a distância e
treinamentos.
200
15 A AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR E O SEU PAPEL NA PROMOÇÃO
DA SAÚDE
§ 2o Na definição do termo de que trata este artigo serão considerados os critérios de aferição e
controle da qualidade dos serviços a serem oferecidos pelas operadoras.
- “algumas empresas só cumprem a lei se isso for economicamente racional para elas;
- uma estratégia baseada puramente na punição dissipa recursos em disputas litigiosas; que
poderiam ser mais bem gastos no monitoramento e dissuasão;
- a imposição da punição gera um jogo regulatório de gato e rato, por meio do qual as empresas
desafiam o espírito das leis, explorando as brechas da legislação, e o regulador escreve mais e
mais regras específicas para cobrir essas brechas;
- cooperação, dureza e complacência em relação às rotinas regulatórias devem ser utilizadas
considerando as várias audiências para prestação de contas”. Czeresnia apud Costa et alli,
(2001).
O discurso divulgado no site da “Corporate & Personal Health” evidencia como a lógica
econômica da racionalização de custos é central na estratégia de venda de projetos de
promoção da saúde para as empresas:
“Nós trabalhamos em colaboração com cada empresa na busca de soluções específicas que
influam positivamente nos custos de saúde relacionados a estilo de vida, na diminuição do
absenteísmo e na melhoria da saúde dos indivíduos”. “Se uma companhia tiver 1 000
empregados e cada um deles tiver 2 000 horas de trabalho por ano (40 horas por semana x 50
semanas), a capacidade máxima de trabalho sem horas extras que essa força de trabalho pode
fornecer é de 2 milhões de horas. Se a média de afastamento for de 10 dias por ano (8 horas por
dia), as horas de trabalhos reais, aplicadas a produtividade deverão ser ajustadas para 1,92
milhões de horas, uma queda de 4% da capacidade total. Vamos assumir que a capacidade de
trabalho de cada empregado é de quatro vezes seu salário total.
Se o salário for de 20 mil reais por ano, então a produtividade esperada será de 80 mil
reais ou 40 reais por hora. Para calcular a quantidade de reais perdida por dias ausentes pelos 1
205
000 empregados, simplesmente multiplique os 40 reais por hora x 80 000 horas ausentes no
ano, chegando a um valor de 3,2 milhões de reais como perda em produtividade. Se um
programa de promoção de saúde tiver sucesso na redução do número médio de dias de
afastamento de 10 para 7,5 dias, o ganho líquido em produtividade seria de 800 000 reais”.
“O clima organizacional eventualmente sai prejudicado devido à baixa moral, desânimo, aumento
do absenteísmo, rotatividade, etc. Além disso, os custos operacionais aumentam. Existem
inúmeros desafios para o praticamente novo conceito de Gestão de Saúde e Produtividade
(GSP). Produtividade é difícil de se medir de modo objetivo no ambiente administrativo. Muitas
companhias tentam faze-lo baseadas nas receitas ou lucros por empregado. Os itens
relacionados incluem absenteísmo, taxa de acidentes, etc. Estudos têm demonstrado que a
produtividade do empregado é afetada por condições muito freqüentes no ambiente de trabalho,
tais como depressão, enxaqueca, alergias, stress, ansiedade e dores costais. É essencial que as
unidades envolvidas com a promoção da saúde (saúde ocupacional, serviços médicos,
benefícios, programas de assistência ao empregado, etc) trabalhem em conjunto tendo suas
ações integradas em função de um objetivo comum. A saúde do empregado deve não só ser
gerenciada de maneira integrada, mas também ser ligada ao objetivo global do negócio”.
No que diz respeito à ANS, o aspecto central destes programas é a perspectiva que eles
trazem de efetiva diminuição dos gastos das empresas com assistência médica. Cabe avaliar de
que forma o incentivo a programas de promoção da saúde nas empresas pode articular-se com
os planos de saúde a elas vinculados.
Um aspecto crítico destes programas é que sua adoção é uma decisão dos gestores de
alto nível das empresas e os objetivos são centrados no interesse de
A promoção da saúde vai além dos cuidados de saúde. Ela coloca a saúde na agenda
de prioridades dos políticos e dirigentes em todos os níveis e setores, chamando-lhes a atenção
para as conseqüências que suas decisões podem ocasionar no campo da saúde e a aceitarem
suas responsabilidades políticas com a saúde.
208
A política de promoção da saúde combina diversas abordagens complementares, que
incluem legislação, medidas fiscais, taxações e mudanças organizacionais. É uma ação
coordenada que aponta para a eqüidade em saúde, distribuição mais eqüitativa da renda e
políticas sociais. As ações conjuntas contribuem para assegurar bens e serviços mais seguros e
Os ambientes favoráveis
Nossas sociedades são complexas e inter-relacionadas. Assim, a saúde não pode estar
separada de outras metas e objetivos. As inextricáveis ligações entre a população e seu meio
ambiente constituem a base para uma abordagem
socioecológica da saúde. O princípio geral orientador para o mundo, as nações, as regiões e até
mesmo as comunidades é a necessidade de encorajar a ajuda recíproca – cada um a cuidar de
si próprio, do outro, da comunidade e do meio ambiente natural. A conservação dos recursos
naturais do mundo deveria
Ação comunitária
Com isso, aumentam as opções disponíveis para que as populações possam exercer
maior controle sobre sua própria saúde e sobre o meio ambiente, bem como fazer opções que
conduzam a uma saúde melhor. É essencial capacitar as pessoas para aprender durante toda a
vida, preparando-as para as diversas fases da existência, o que inclui o enfrentamento das
doenças crônicas e causas externas. Esta tarefa deve ser realizada nas escolas, nos lares, nos
locais de trabalho e em outros espaços comunitários. As ações devem ser realizadas por
intermédio de organizações educacionais, profissionais, comerciais e voluntárias, e pelas
instituições governamentais.
Esta postura deve apoiar as necessidades individuais e comunitárias para uma vida mais
saudável, abrindo canais entre o setor saúde e os setores sociais, políticos, econômicos e
ambientais.
Isto precisa levar a uma mudança de atitude e de organização dos serviços de saúde
para que focalizem as necessidades globais do indivíduo, como pessoa integral que é.
A saúde é construída e vivida pelas pessoas dentro daquilo que fazem no seu dia-a-dia:
onde elas aprendem, trabalham, divertem-se e amam. A saúde é construída pelo cuidado de
cada um consigo mesmo e com os outros, pela capacidade de tomar decisões e de ter controle
sobre as circunstâncias da própria vida, e pela luta para que a sociedade ofereça condições que
permitam a obtenção da saúde por todos os seus membros. Cuidado, holismo e ecologia são
temas essenciais no desenvolvimento de estratégias para a promoção da saúde.
Além disso, os envolvidos neste processo devem ter como guia o princípio de que em
cada fase do planejamento, implementação e avaliação das atividades de promoção da saúde,
homens e mulheres devem participar como parceiros iguais.
De qualquer forma esta questão será discutida de forma mais abrangente nas sessões
seguintes deste módulo.
211
18 PROGRAMA SAÚDE DA FAMÍLIA
Contexto Histórico
217
Viana; Poz (1998) chamam a atenção para o fato de que foi a partir do Programa de
Saúde da Família que começaram as discussões para uma mudança nos critérios de distribuição
de recursos, de forma a romper com a exclusividade do pagamento por procedimentos. O PSF
evidenciou, para os técnicos do Ministério, como já foi dito, que determinadas atividades não
podem ser remuneradas por procedimentos e se adaptam melhor à uma remuneração de tipo
per-capita.
Dessa forma, o PSF foi peça importante para as mudanças propostas pela NOB 96. Por
essa nova norma, foi criado o Piso Assistencial Básico – PAB, que prevê a remuneração per-
capita para os municípios desenvolverem ações básicas de saúde, além de recursos adicionais
para aqueles que estiverem implementando o PSF: está previsto acréscimo de 3% sobre o valor
do PAB para cada 5% de população coberta pelo PSF, até atingir 60% da população total do
município; acréscimo de 5% para cada 5% da população coberta entre 60 e 90% da população
total do município; e acréscimo de 7% para cada 5% da população coberta entre 90 e 100% da
população total do município. Estão previstos, também, acréscimos para os municípios que
estiverem implantando o PACS, ressaltando-se, entretanto, no texto da NOB 96, que os
percentuais não são cumulativos (não podem exceder 80% do valor do PAB).
Esse tipo de incentivo deverá ocasionar uma rápida expansão do programa e a definição
da porta de entrada, do sistema municipal de saúde, pelo PSF. De certa forma, a tendência é do
PSF se tornar um programa para as populações mais deprimidas socialmente e de continuar o
modelo antigo em algumas áreas, de pouco risco, dentro dos municípios. Entretanto, em
municípios carentes, o PSF pode vir a ser o modelo único de assistência.
No documento citado de 1996, o programa já é definido como uma estratégia de reforma
do modelo de assistência do SUS, e é dito que o modelo tradicional impôs um descompasso
entre os princípios e objetivos do SUS e a realidade concreta de implantação do sistema de
saúde. Viana; Poz (1998).
Outra medida importante, desse período, foi a aproximação com a universidade, no
sentido da formação e treinamento dos recursos humanos requeridos pelo programa, que vão se
constituir, no ano de 1997, nos pólos de capacitação do programa. Viana; Poz (1998).
Com o intuito de atrair os melhores profissionais é que o PSF remunera-os de forma
diferenciada. Porém,um grande entrave na formação da equipe é que o sistema formador não
está orientado para a formação de médicos generalistas, o que dificulta a contratação desse tipo
de profissional e a expansão do programa. Os pólos deverão, então, solucionar esse problema
de forma, inclusive, a estimular uma mudança nos currículos das escolas médicas. 218
Os pólos, por outro lado, reforçam o papel dos estados na implementação do programa
e podem atuar como mecanismo de pressão para uma maior participação dessa instância de
governo nos rumos do PSF.
O programa foi incorporado, ainda, no projeto REFORSUS, do Banco Mundial, sendo
que serão privilegiadas as unidades básicas de saúde do PSF para os investimentos financiados
pelo REFORSUS.
Todos esses incentivos criados devem ocasionar uma maior expansão do programa e
uma redefinição do modelo assistencial do SUS.
De acordo com Vilaça (2002) ao longo dos anos, surgiram, no Brasil, como já foi visto,
várias propostas alternativas ao modelo convencional hegemônico, para organização da atenção
primária à saúde. Todas essas propostas foram importantes, algumas continuam vigentes, e
representam alternativas bem sucedidas de proporcionar atenção primária à saúde de qualidade
à nossa população e de concretizar os princípios do SUS, além de constituírem espaços
significativos de desenvolvimento científico e tecnológico. Não obstante, não se
institucionalizaram como políticas públicas de corte nacional. Isso só veio a ocorrer no final de
1993, com a criação do PSF.
4) Momento de consolidação.
1) Espaço político;
3) Espaço educacional;
4) Espaço corporativo;
Ainda de acordo com o mesmo autor o momento de transição inicial caracteriza-se por
uma cobertura populacional entre 10% e 25% e pela quase inexistência de institucionalização.
Esse momento apresenta grande instabilidade institucional.
O segundo aspecto, derivado do primeiro, está dado pelo papel que cumprem os
estímulos externos. Os momentos de transição inicial e intermediária são fortemente
dependentes de estímulos externos, para que o processo de implantação do PSF avance. O
momento de transição terminal ainda depende de estímulos externos, mas em menor
quantidade. O momento de consolidação do PSF é sustentado, quase inteiramente, por
mecanismos endógenos, tornando-se praticamente independente de estímulos externos. Vilaça
(2002)
Esse momento inicial de transição intermediária explica boa parte dos obstáculos que se
antepõem à implantação do programa em alguns municípios brasileiros expressa uma alta
dependência a estímulos externos. O PSF ainda não é um modelo organizacional de atenção
primária à saúde hegemônico em todo o Brasil. Neste momento temos um modelo dual de
atenção primária à saúde, composto, de um lado, pelo modelo convencional, ainda fortemente
hegemônico, e de outro, pelo PSF. Tal hegemonia do modelo convencional exige que se defina
uma estratégia local e até mesmo nacional para lidar com essa realidade de um sistema dual.
O modelo convencional é aquele que se manifesta através de uma unidade básica de
saúde que atende à demanda espontânea por atenção médica e exercita algumas ações
programáticas. Mas essas duas funções da atenção primária à saúde convencional mais se
justapõem que se integram. O modelo convencional de atenção primária à saúde apresenta uma
estrutura central comum, mas admite algumas variantes. A maioria das unidades básicas de
saúde não tem uma base populacional e a quase totalidade opera sem instrumentos de gestão
da clínica modernos. As unidades básicas de saúde convencionais articulam-se para a atenção a
condições agudas e a maioria não opera com agentes comunitários de saúde. 222
Nas grandes cidades predomina o trabalho médico realizado por clínicos, gineco-
obstetras e pediatras e nas pequenas cidades predomina o médico generalista. Não é incomum
a operação de unidades básicas de saúde por médicos plantonistas. O resultado da utilização de
médicos múltiplos é a falta de vínculo, o reforço da atenção a condições agudas e as deficiências
de ações programáticas importantes.
Introdução
Em nosso dia a dia estamos rodeados de informações. Seja através de jornais, revistas,
rádio, televisão, enfim, qualquer meio de comunicação. Ou através da expressão de nossas
opiniões sobre qualquer tema do cotidiano. Desde a hora que vamos apara o trabalho até a hora 223
que chegamos a casa, a comunicação é o que torna possível as relações com as pessoas,
define a maneira de nos posicionarmos no mundo e de conviver em sociedade.
Neste módulo, vamos tratar de um aspecto específico da comunicação, aquele que está
presente nas ‘relações entre as instituições de saúde’ (e suas políticas, seus processos e
práticas) e ‘a população’, ou mais especificamente, a comunicação entre o setor saúde e o
usuário. Vamos chamar esse conjunto de coisas – instituições, políticas, processos, práticas –
‘campo da comunicação em saúde’.
Este item abordará o tema da educação em saúde em seu contexto histórico mundial,
enfatizando a realidade brasileira de surgimento das ações deste campo da saúde.
Em um recente trabalho publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (2007), é realizado uma
periodização da educação em saúde. Esta se inicia no ano de 1949, quando o presidente
224
americano Henry Truman lançou um plano voltado para os países do chamado Terceiro Mundo,
o ‘Ponto 4’, no qual as técnicas de comunicação eram consideradas fundamentais na luta contra
os desequilíbrios sociais que, segundo seus mentores, favoreciam a implantação do comunismo
internacional. No seu discurso, ele usou, pela primeira vez na linguagem internacional, o termo
‘desenvolvimento’, para designar o seu contrário, o ‘subdesenvolvimento’.
Tem início, então, um longo período em que ‘comunicação’ passa a ser palavra de
ordem e palavra-chave para os países subdesenvolvidos: a comunicação era vista como fator
necessário e suficiente para o desenvolvimento.
O raciocínio era muito simples: pessoas não têm conhecimentos suficientes e hábitos
desejáveis; a falta de uns e outros instauram uma situação de carência e favorece a
disseminação de ideologias que ameaçam a segurança nacional; com informação adequada, as
pessoas desenvolvem uma atitude favorável ao progresso, adotam os hábitos recomendados e
mantêm-se ‘ideologicamente saudáveis’.
225
A perspectiva desenvolvimentista traz subjacentes modos de conceber os pólos da
relação comunicativa – emissor e receptor – e a função da comunicação.
Ainda segundo Fiocruz (2007), ao final da década de 1950 e início da década de 1960,
ocorreu um movimento de abrangência nacional que envolveu muitos campos de atividade e
possibilitou a emergência de críticas a esse modo de pensar e fazer comunicação voltada para o
desenvolvimento. Ele representava tudo aquilo que não se queria mais: vinha de fora, não
respeitava a história e os contextos locais, não permitia o desenvolvimento de um saber crítico.
Surgiram, então, algumas alternativas teóricas e metodológicas, entre as quais se destacou a
proposta dialógica de Paulo Freire.
A educação ficou restrita às áreas técnicas. A informação, por sua vez, ganhou uma
nova face, através dos serviços de informação voltados para a segurança nacional. Assim,
informação e comunicação foram separadas e ambas apartadas das atividades de educação.
‘para uma maior eficácia dessas estratégias, os inquéritos sanitários passam a incluir
questionários para levantamento de ‘crendices e superstições’, conhecimentos sobre
transmissão de doenças, costumes, identificação de lideranças locais, veículos de comunicação
existentes, igrejas e escolas. A partir daí, estratégias de persuasão passam a ser utilizadas com
227
o objetivo de ‘substituir o espírito de relutância’ dos indivíduos em ‘aceitar cumprir as
providências recomendadas pelas autoridades sanitárias’, conforme o ideário da tradicional
educação sanitária. ’
O modelo trazia também uma outra novidade, que era o reconhecimento de que as
pessoas pertencem a grupos sociais e que estes grupos têm suas próprias dinâmicas. Não há
dúvida que ele representa um avanço em relação ao modelo informacional, que falava de uma
transferência direta entre emissor e receptor sem levar em consideração nenhum aspecto
contextual, a não ser o código reconhecível.
No entanto, para que seu benefício seja maior, é preciso que o mediador não seja visto
como uma ‘correia de transmissão’, ou como ‘tradutor’, que apenas reproduz o que lhe repassam
em outra linguagem. O mediador é um elo a mais na rede de comunicação que permeia e move
as ações de saúde. Assim como os demais, ele pensa, sente, sabe, elabora estratégias, imprime
seus próprios sentidos no conteúdo que recebe para repassar. Fiocruz (2007).
Brasil (2006) relata que estas mudanças foram reflexo, também, de dois eventos
internacionais. A 12ª Assembléia Mundial da Saúde, em Genebra (1958) que reafirmou o
conceito "que a educação sanitária abrange a soma de todas aquelas experiências que
modificam ou exercem influência nas atitudes ou condutas de um indivíduo com respeito à saúde
e dos processos expostos necessários para alcançar estas modificações". Na 5ª Conferência de
Saúde e Educação Sanitária, realizada em Filadélfia, em 1962, o Diretor Geral da Organização
Mundial de Saúde assinalou que "os serviços de educação sanitária estão chamados a
desempenhar um papel de primeiríssima importância para saltar o abismo que continua
existindo. Este abismo encontra-se nos descobrimentos científicos da medicina e sua aplicação
na vida diária de indivíduos, famílias, escolas e distintos grupos da coletividade".
Este fato ocorreu devido ao vício antigo da centralização velada ou explícita, tanto nas
atividades dos programas ditos verticais quanto nas práticas de planejamento e coordenação
elaboradas e dirigidas pelo nível central sem que os executores das ações finalísticas delas
participassem.
Brasil (2006) assinala que dessas discussões entre os partidários da ação direta da
educação em saúde – a que privilegia a influência do contato humano e considera a outra
apenas propaganda, com os partidários da ação indireta – que se utiliza em grande escala dos
meios de comunicação de massa, todos perderam. O Ministério da Saúde porque restringiu a
área da educação à um serviço na Fundação Nacional de Saúde, sem estrutura administrativa,
234
sem programa e sem pessoal técnico. Os programas do MS por que deixaram de contar com
setor especializado para suporte de suas atividades. E a população por que deixou de receber
importantes insumos para conhecer, entender e modificar sua condição de saúde.
Mas, é apenas em 1996, com muito ânimo, ainda que sem muita coordenação e
conseqüência, que as atividades de educação em saúde voltaram a receber alguma atenção por
parte dos dirigentes do Ministério. Podemos citar como exemplo o projeto Saúde na Escola,
integrado a TV Escola do MEC e em execução desde 20 de agosto de 1997, compondo
semanalmente a grade de programação de 50.000 escolas do ensino fundamental. Outro passo
importante dado pelo Ministério da Saúde foi a definição, em 1998, de uma Diretoria de
Programas para a área o que naturalmente amplia a abrangência da proposta, fazendo-a evoluir
de um Projeto Saúde na Escola para um Programa de Educação em Saúde. Brasil (2006).
22 AS BASES CONCEITUAIS DA EDUCAÇÃO EM SAÚDE
De acordo com Brasil (2006) para o estudo das ações de educação em saúde é
importante o estabelecimento de duas tópicas conceituais. Ele relata que a primeira é chamada
de Tópica Conceitual que são as funções de técnica, método e meio de veiculação que
conformam os instrumentos de ação. Já a Tópica Epistemológica é a tríade formada pela ciência
(através do rigor científico), educação e comunicação, que fornecem as diretivas de ação.
É importante saber que considerar a educação em saúde como disciplina de ação 235
significa dizer que o trabalho será dirigido para atuar sobre o conhecimento das pessoas, para
que elas desenvolvam juízo crítico e capacidade de intervenção sobre suas vidas e sobre o
ambiente com o qual interagem e, assim, criarem condições para se apropriarem de sua própria
existência.
Outro fator importante é que os dados e informações devem ser claros, sem conter
ambigüidade, precisos e fidedignos e serem transmitidos de maneira adequada, através de
sistemas visuais e auditivos que mobilizem a atenção e motivem sua utilização.
E para concluir deve-se ficar absolutamente claro que assim como o indivíduo tem direito
à informação o cidadão tem o dever de se informar. As ações de educação em saúde devem
contribuir, decisivamente, para transformar o dever do estado (em relação ao disposto na
Constituição) em estado de dever, que é função de todos, indivíduos, instituições, coletividades e
governos.
22.1 A Técnica de aplicação da educação em saúde
Ainda segundo a publicação de Brasil (2006) a teoria da informação não trabalha com
significações, mas com elementos totalmente previsíveis dentro de um código. Assim se pode 236
dosar uma determinada mensagem entre um determinado produto e um determinado público. Já
no ano de 1958 Abraham Moles assinala que para a mensagem ser eficiente deve ser
redundante, ou seja, deve dispor-se a mensagem de tal modo que favoreça a maior coincidência
possível entre o que ela oferece e o nível de aspiração do público ao qual se dirige.
Desse modo, o rigor científico que preside a técnica, deve se apoiar na epidemiologia, já
como ferramenta do conhecimento das ciências da saúde, para instrumentar a informação a ser
trabalhada. Como se sabe o objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para reduzir os
problemas de saúde na população e suas principais aplicações podem ser colocadas em três
grandes grupos: descrever a situação de saúde da população, investigar os fatores
determinantes da situação de saúde e orientar e avaliar o impacto das ações para alterar a
situação de saúde.
Isto posto, pode-se afirmar que a informação de saúde a ser transmitida à população
deve estar alicerçada em bases epidemiológicas sólidas e critérios técnicos consistentes, que
esclareçam sobre os riscos e as doenças prevalentes ou que seja objeto da ação sanitária dos
indivíduos, de instituições privadas ou do poder público; sobre as formas de evitar ou lidar com
estas patologias; sobre as condições ambientais relacionadas ou não a esses agravos; sobre as
atividades desenvolvidas pelos órgãos de saúde, públicos ou privados e sobre a monitoração e
avaliação, continuadas, das condições de saúde e das ações em curso. Brasil (2006).
237
De acordo com a definição de Platão para a educação, esta "consiste em dar ao corpo e à alma
toda a perfeição de que são capazes". Já para outro filósofo, chamado Kant, a educação
significa "o desenvolvimento, no indivíduo, de toda a perfeição de que é capaz".
Portanto, a partir dessas definições Brasil (2006) conclui que o ideal da educação é a
perfeita realização da natureza humana. Sendo esta um fenômeno que tem o seu princípio e o
seu fim voltados para a pessoa humana, a educação só pode ser verdadeiramente
compreendida e analisada sob enfoques que definem o próprio ser humano, em particular o
biopsicológico e o sociológico.
Com isso, vamos estudar, de acordo com Brasil (2006), estes dois enfoques da
educação:
- Do ponto de vista biopsicológico: a educação tem por objetivo levar o indivíduo a realizar suas
possibilidades intrínsecas, com vistas a formação e ao desenvolvimento de sua personalidade.
- Sociologicamente, a educação é um processo que tem por fim conservar e transmitir cultura,
atuando como importante instrumento e técnica social.
5. Formação econômica;
7. Integração social.
De acordo com Brasil (2006), como a educação é um processo representado por toda e
qualquer influência sofrida pelo indivíduo, capaz de modificar-lhe o comportamento, distinguem-
se dois tipos de educação pelos quais essas influências são exercidas e sentidas pelo educando:
Saúde na Escola
Educação em Saúde para o Trabalhador
Canal Futura - TV do Conhecimento
Movimentos Comunitários
Humanização do Atendimento
DST/AIDS
PACS e PSF
Telemedicina
Comunicação Social, para atividade de suporte aos programas e atividades dos
órgãos técnicos do Ministério da Saúde e da política de saúde.
240
Portanto, estes são os instrumentos de educação em saúde utilizados pelo Ministério da
Saúde. A seguir serão descritos dois desses projetos, o Saúde na Escola e o Canal Futura.
Este projeto pretende disseminar informações de saúde entre os alunos da rede pública de
ensino, através da capacitação de professores do ensino fundamental, em todo o território
nacional, para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde de crianças e adolescentes,
com vistas à formação de hábitos saudáveis de vida, à adoção de comportamentos de baixo
risco à saúde. E, além disso, pretende contribuir para formação e desenvolvimento do espírito
crítico, desenvolvimento da capacidade criativa e para a assimilação dos valores e técnicas
fundamentais da cultura a que pertence o educando.
O primeiro programa foi levado ao ar, em 20 de agosto de 1997, foi um dos episódios da
série "De bem com a Vida", produzido pela Coordenação Nacional de DST/AIDS, da Secretaria 241
de Políticas de Saúde. Desde então o Saúde na Escola já faz parte da grade de programação da
TV Escola.
Na implantação do Canal, cada escola pública com mais de 100 alunos recebeu um kit,
composto por uma antena parabólica para sintonizar o canal e um vídeo-cassete. Assim, o
educador pode gravar os programas e exibi-los em sala de aula ou usá-los para uso próprio,
enriquecendo se conhecimento e sua prática pedagógica.
Existe ainda, em horário especial, uma faixa destinada a cursos para a formação
continuada de educadores, onde são oferecidos cursos de aperfeiçoamento das línguas inglesa,
espanhola e francesa.
Hoje a TV Escola atinge 400 mil professores em 21 mil escolas públicas do país (INEP,
2006).
As metas alcançadas pelo Saúde na Escola, na veiculação durante três anos, são:
3. Elaborar, imprimir e distribuir uma publicação semestral com material de apoio didático dirigido
ao professor.
4. Veicular um espaço de 15 minutos semanais programas versando sobre temas específicos de
promoção à saúde, baseados em dados epidemiológicos que justifiquem a importância de sua
abordagem.
243
22.5 O Canal Futura
O canal Futura é uma iniciativa das Organizações Globo, totalmente voltada para a
cultura e a educação. Este canal é supervisionado pela Fundação Roberto Marinho e operado
pela Globosat, tendo entrado no ar em 31 de julho de 1997. São 24 horas de programação,
transmitidas através de cabos, parabólicas e DTH (miniparabólicas), para todo país, para ser
reproduzida, gravada e utilizada nas escolas, empresas, entidades comunitárias e residências.
Este canal tem entre seus objetivos a difusão dos conhecimentos de saúde, através do
programa Viva Legal, de forma ampla e em linguagem acessível à população em geral.
Segundo Brasil (2006) os objetivos do Viva Legal são promover a saúde pública; colocar
ao alcance de jovens e adultos cursos completos de condicionamento físico, alimentação
balanceada, prevenção de acidentes e primeiros socorros; difundir noções de higiene pessoal e
coletiva; apresentar alternativas ao uso de medicamentos químicos para doenças de baixa
gravidade; estimular a prática de esportes e atividades físicas; divulgar e multiplicar experiências
bem sucedidas de saúde no trabalho e contribuir para a melhoria das condições de vida dos
brasileiros.
Ainda segundo Brasil (2006) a Fundação Roberto Marinho, responsável pela produção
do Viva Legal, o programa, "sem descuidar do rigor necessário à transmissão de informações
244
importantes para a saúde da população, tem uma linguagem jovem e descontraída, buscando
em todos os assuntos a alegria da saúde e nunca a tristeza da doença. As informações tem seu
rigor e coerência garantidos por consultores recrutados entre os mais renomados especialistas e
centros de pesquisa do Brasil, que serão os responsáveis também pela modulação dos cursos
veiculados pelo programa".
Definição
A Educação Popular, para formar pessoas mais sabidas e criar relações sociais mais 246
justas, exige um modo específico de conduzir as ações educativas. Uma das exigências é deixar
claro para os educandos, os objetivos de cada ato educativo, para que eles, conhecendo sua
intencionalidade mais geral, possam ser críticos e se situar diante de cada um de seus passos.
Mourão (2004).
Mourão (2004) salienta que na formação de pessoas mais sabidas, devem ser criadas
oportunidades de intercâmbio de culturas. E as pessoas mudarão quando desejarem mudar e
quando tiverem condições objetivas e subjetivas de optar por um outro jeito de viver. Certamente
não pretende formar pessoas mais sabidas quem tenta impor uma cultura pretensamente
superior.
O autor afirma que é muito conservador quem, desejando preservar um modo popular
idealizado de viver, deseja parar o mundo, privando as pessoas e grupos do contato com outras
pessoas e grupos portadores de marcas biológicas e culturais diferentes e, por isso mesmo,
enriquecedoras. Ao educador popular caberá o investimento na criação de espaços de
247
elaboração das perplexidades e angústias advindas do contato intercultural, denunciando
situações em que a diferença de poder entre os grupos e pessoas envolvidas transforme as
trocas culturais em imposição.
Segundo Mourão (2002) até o final do século XIX, a saúde das classes populares não
mereceu nenhuma ação significativa do Estado e da elite econômica. Foi para combater as
epidemias de varíola, peste e febre amarela nos grandes centros urbanos que, no final do século
XIX e início do século XX, se estruturaram as primeiras intervenções ampliadas do Estado
voltadas para a saúde da população.
O problema brasileiro não estava na raça, mas nas doenças que tornavam a população
preguiçosa e sem iniciativa. As ações médicas e a educação assumem então uma importância
central no debate político nacional. Apesar do relutante apoio do aparelho estatal, ainda
dominado pelas oligarquias rurais, surgem várias campanhas e serviços voltados para o
saneamento dos sertões, no final da Primeira República. Este auge político da educação em
saúde voltada para o controle das endemias estava, no entanto, marcado pela ausência do ator
popular como elemento ativo Mourão apud Costa (1986). Suas práticas eram normativas: os
técnicos tinham um saber científico que devia ser incorporado e implementado pela população
ignorante. Se já não se via mais o povo como culpado pela situação de subdesenvolvimento, ele
continuava, porém, sendo visto como vítima incapaz de iniciativas criativas, enquanto não
melhorasse sua situação de saúde pela implementação das medidas proclamadas.
De acordo com o autor o setor saúde é exemplar neste processo. Surge uma série de
serviços de saúde com grande controle pelas organizações populares locais em conexão com os
técnicos nelas engajados. Inicialmente surgem descolados das instituições oficiais, mas, com o
processo de abertura política, passam a criar vínculos e a buscar difundir sua lógica para outros
serviços. A experiência ocorrida na zona leste da cidade de São Paulo é o exemplo mais
conhecido, mas o MOPS - Movimento Popular de Saúde - chegou a aglutinar centenas delas nos
diversos estados.
O autor ainda afirma que as práticas de educação popular nos anos 70 ficaram muito
marcadas pelo contexto de sectarismo trazido pela ditadura militar, se centrando na dimensão da
luta política em detrimento de dimensões mais subjetivas, muito presentes nos escritos de Paulo
Freire. Revendo algumas experiências ocorridas, se percebe que apesar de insistirem em partir
do saber prévio do educando popular, na medida em que buscavam a construção de uma
consciência proletária, cujas características já estavam previamente delineadas pelo
pensamento socialista ortodoxo, elas acabavam por se tornarem uma educação
homogeneizadora. Partiam de diferentes para chegarem a iguais.
O balanço dos anos 80 e início dos 90 permite afirmar que os Movimentos Populares de
Saúde de então contribuíram de forma decisiva e significativa na formulação de novas políticas
para essa área. No entanto, o cenário dos anos 90 é diferente. O projeto neoliberal que foi sendo
implementado no país tem gerado inúmeras dificuldades em vários campos.
Com isso a autora destaca que essa situação crítica e de incertezas repercute nas lutas
por saúde, revela-se na desorganização daqueles movimentos que cresceram e germinaram nos
anos 80 e início dos anos 90. Pode-se dizer que há certa fragilização das forças progressistas no
contexto nacional, que a autora classifica como um momento de redefinições. Ela afirma ainda
que este é um momento de replanejar novas estratégias, buscar novas formas de produção de
conhecimento e de intervenção na realidade. Nesse contexto e com essas intenções surge o que
tem sido denominado Movimento de Educação Popular e Saúde, com origem nos anos 80,
mas que ganha um caráter diferenciado nos anos 90.
O Nascimento do Movimento de Educação Popular e Saúde
Ainda segundo Fantin (2000) o Movimento de Educação Popular e Saúde nasce a partir
de vários espaços que aglutinavam pessoas de diferentes áreas, tendo em comum a
problemática da saúde. Organizam-se fóruns de debate sobre a temática da saúde coletiva e
nesse processo germina alguns frutos. Um aspecto que será desenvolvido neste item é a
constituição de um espaço de construção de um novo campo de conhecimento e de um outro
252
movimento de gestação de novas experiências. Observa-se aí a necessidade de uma profunda
relação entre educação popular e saúde.
Nos anos 90, surge um novo movimento que reflete novas necessidades e desperta
novos questionamentos no campo da educação e saúde: trata-se do Movimento de Educação
Popular e Saúde. Esse movimento nasce no Rio de Janeiro no interior do grande Simpósio Inter-
Americano de Educação para a Saúde, organizado pela Organização Panamericana pela Saúde
- OPAS, em 1990, reunindo profissionais de saúde de todo o continente. Na ocasião, alguns
profissionais de saúde do Brasil apontavam a necessidade de um espaço diferente, que
possibilitasse aprofundar os desafios das práticas em saúde numa relação direta com a
educação. Desde então muito vem sendo feito nessa perspectiva, buscando pensar os múltiplos
cruzamentos entre teoria e prática no campo da saúde e no campo da educação.
Esse novo Movimento de Educação Popular e Saúde reúne diferentes grupos sociais
que buscam juntos refletir, agir, encontrar novas perspectivas na luta por saúde e educação.
Esses grupos são formados por lideranças comunitárias e populares e por profissionais da saúde
e professores e pesquisadores das Universidades e Programas de formação e das Pós-
Graduações nas áreas de educação e saúde. Um primeiro grupo, vindo do campo dos
Movimentos Sociais, inclui várias lideranças de bairro, membros de Conselhos de Saúde,
setores das Pastorais vinculados à Igreja Católica, entre outras atividades que estão no cerne de
todo o Movimento que luta por saúde neste país nas mais diversas formas e espaços de conflito.
Fantin (2000).
Por ser uma combinação de vários grupos com interesses comuns, mas com
particularidades, faz-se necessário conhecer melhor cada um deles, identificá-los no interior
desse Movimento, relacionar suas motivações e perspectivas, para investigar elementos que
sustentam suas relações entre si. Só dessa forma, poderemos conhecer profundamente esse
processo que está em curso. Fantin (2000).
Fantin ainda ressalta que o Movimento tem sido articulado e alimentado especialmente
através de alguns eventos. São esses eventos - encontros, seminários e debates - que se
constituem como o espaço aglutinador de inúmeras experiências em educação popular e saúde
que vêm ocorrendo no Brasil nas últimas duas décadas. Um primeiro fórum de discussão e
reflexão foi o I Encontro Nacional de Educação Popular e Saúde, que se realizou na cidade de
São Paulo, em 1991.
Importante registrar que esses eventos desenvolvem uma outra relação entre a
sociedade civil, movimentos populares, grupos organizados que lutam pela saúde, profissionais
de saúde e pesquisadores das universidades, associações, ONGs, entre outros.
Fantin afirma que o Movimento de Educação Popular e Saúde vem trilhando caminhos
256
muito interessantes que merecem ser aprofundados. A necessidade de aproximação saúde e
educação era um desejo e uma necessidade explícita, mas ficava a pergunta: como aproximar
diferentes práticas e reflexões sobre dois campos tão complexos? De um lado, havia uma
distância a ser superada e a necessidade de estabelecer alguns elementos de mediação que
pudessem construir um terreno comum para a discussão e apontar os caminhos para reflexões e
intervenções conjuntas. De outro lado, havia um acúmulo na reflexão quer seja da história de
luta por saúde no país, assim como as inúmeras lutas por uma nova concepção de educação
que constituía um ponto na linha no horizonte. Era como se fossem "matrizes referenciais" que
deviam ser consideradas ou submetidas a uma nova re-leitura tanto dos movimentos de saúde e
resoluções de Conferências Nacionais de Saúde, lutas pela implementação do Sistema Único de
Saúde–SUS, como na cobrança das responsabilidades do Estado frente ao direito à saúde.
Esses aspectos desafiam o cruzamento da problemática da saúde com as experiências de
educação popular.
Nas experiências populares de educação, cujo eixo central é a luta por saúde, a
concepção de saúde-doença tem sido a mais ampla possível e ganha novos enfoques. Permeia
uma concepção ampla dos determinantes de saúde, desde o cuidado com o corpo até a visão de
saúde associada à terra, à moradia, às políticas agrícolas e políticas sociais, ao meio ambiente,
à qualidade de vida, educação, solidariedade, cooperação, arte, participação e cidadania. Esse
redimensionamento do sentido do que é saúde provoca uma ampliação do sentido da luta, não
restringindo seus espaços e reivindicações apenas em torno da saúde, mas articulando-a com a
sociedade, vinculando a luta por saúde num contexto pela cidadania. Fantin (2000).
Na opinião da autora está em curso entre os grupos que lutam por saúde um
redimensionamento do conceito de saúde e com isso passam a percebê-la também como um
257
processo de formação, conhecimento, informação, educação e comunicação. A partir dessa
visão de saúde, intimamente relacionada com conquista de melhor qualidade de vida, esses
grupos apropriam-se do processo de busca de formação, conhecimento, forma e estratégia de
mudar a postura frente ao processo saúde-doença. Assim, fortalecem as inúmeras lutas por
saúde que vão na direção de transformar essa sociedade excludente numa sociedade mais
justa, humana, solidária. No coração desses movimentos, nos encontros, percebe-se um campo
novo sendo construído em torno da temática entre educação popular e saúde, que tem se
configurado como espaço-movimento de troca, de construção de conhecimento e de ação.
Como vimos, o Movimento Educação e Saúde é tanto um espaço de luta como um fórum
articulador de pesquisas. Ao mesmo tempo que dialoga com os Movimentos Sociais que lutam
por saúde, dialoga também com profissionais de saúde que atuam nesse campo.
A articulação de diferentes grupos possibilita a reflexão de práticas educativas, práticas
sociais, práticas de saúde. Nesse sentido, são essas múltiplas relações que se estabelecem
entre educação popular e saúde no interior desse Movimento que, ao entender da autora, vão
delineando um novo campo de conhecimento.
Embora cada área específica tenha acumulado uma bagagem vivida e solidificada e um
corpo teórico hegemônico, tem surgido e intensificado, a partir das experiências, dos encontros
sobre educação popular e saúde, a necessidade de pesquisas, bem como a elaboração de
258
novos suportes teóricos para melhor analisá-las e compreendê-las.
No campo da educação popular, a autora destaca ainda Brandão como outro grande
estudioso, que vem produzindo importantes estudos sobre a temática da educação popular. 3
Assim, acrescenta, ganha sentido e força a dimensão dialogal que é a própria vida das
inúmeras experiências atuais de educação popular como práticas que não querem possuir outro
projeto histórico senão o da emancipação plena das classes populares a quem aspiram servir
desde um setor específico de trabalho: o do saber. Fantin apud Brandão (1985).
O termo Popular foi incorporado como adjetivo ao termo educação porque representou,
no passado, e ainda muitas vezes representa um universo amplo de práticas que desejam
dialogar profundamente com esses significados dados às práticas culturais. 5 Fantin (2000).
Muitas vezes o Popular foi considerado como a negação do erudito, ou seja, um adjetivo
para cultura, educação, música, saúde, casa, movimento entre outros, caracterizando de
diferentes formas, práticas bastante diversas. O que acontece ainda com freqüência é que o
termo Popular tem sido confundido com significados atribuídos a tudo aquilo que se aproxime de
conceitos como pobreza – com violência, com doenças, com ausência de vida digna, feiura,
sujeira, grosseria, estupidez, ignorância, etc. (Fantin, 1997). Esse movimento vem estudando e
redimensionando o conceito de popular justamente pela sua importância em se tratando de um
novo campo de conhecimento. Fantin (2000).
O Movimento de Educação Popular e Saúde vem trilhando caminhos que trazem na sua
essência muitos desafios. No interior da luta por saúde, germina entre outros movimentos esse
espaço-movimento que aglutina práticas e conhecimentos num processo de construção de
cidadania e saúde e que na sua grande maioria tem como foco de articulação a defesa do
Sistema Único de Saúde de qualidade para toda a população.
Há um longo percurso a ser trilhado, mas faz-se necessário ampliar esse referencial
para aprofundar a relação entre Educação Popular e Saúde. Alguns autores têm realizado novas
análises, contribuindo com a edificação de novas teses e chaves de leituras teóricas que
procuram dar conta da complexidade do tema.
No interior dessa complexidade muitos desafios são tecidos. Na verdade, são desafios
do Movimento de Educação Popular e Saúde que, partindo das experiências locais, buscam
potencializar seu caráter de articulação, de produção de conhecimento e de intervenção na luta
por saúde. Esse tem sido o processo desencadeado nos eventos estaduais e nacionais que
permitem visualizar que um novo caminho para além das lutas em saúde está sendo traçado a
partir da articulação da saúde e educação popular, produzindo novos conteúdos e novas práticas
sociais. É nesse caminho que espaço-reflexão-movimento vem se constituindo e, desse modo,
há o tecer de um novo pano feito a muitas mãos e um entrecruzar de passos dos diferentes
grupos que compõem esse universo de teorias e ações concretas na luta por educação popular
e saúde. Fantin (2000). 261
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