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Introdução

Em Moçambique a educação escolar é em geral percebida como estando em crise, sendo que um
dos aspectos que contribuem para ela é a existência de uma escola “estrangeira”, quer dizer, que
não reflecte a realidade sociocultural das comunidades em que está inserida. Neste sentido, Dias
(2010) explica que uma das causas do fracasso escolar e da baixa qualidade e eficiência em
educação é a dissociação que existe entre a cultura escolar e a cultura social.

Quando se fala de espectativas sociocultural, a maioria das pessoas pensa em: literatura,
culinária, cinema, arte, música enfim, uma gama de habilidade que o ser humano desenvolveu ao
longo da sua trajectória de vida; porém seu sentido é bem mais abrangente, pois cultura pode ser
considerada como tudo que o homem, consegue produzir (OLIVEIRA, 2003). Segundo Lopes,
Mendes e Faria (2005:13), a cultura refere-se às “teias de significados tecidas pelo homem ao
longo de sua existência. Tudo o que envolve o homem e que é adquirido e significado por ele ao
longo de sua vida a partir da relação com a sociedade”.

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Significado de cultura no processo educativo
Quando falamos em cultura estamos nos referindo às produções humanas. E são produções que
podem ser repassadas, ensinadas e aprendidas. Não são espontâneas, mas resultado da acção
humana. Por esse motivo, a cultura também é um elemento que pode ser ensinado e deve ser
aprendido pelas novas gerações as quais se encarregam de preservar essa produção. O que
significa a palavra cultura, quando se fala da função de transmissão cultural da educação?

Essencialmente, um património de conhecimentos e competências, de instituições, de valores e


de símbolos, constituído ao longo de gerações e característico de uma comunidade humana
particular, definida de modo mais ou menos amplo e mais ou menos exclusivo, sendo obra
colectiva e bem colectivo. (FORQUIN, 1993:12).

Segundo Oliveira (2003:135), “cada povo tem uma cultura própria. Cada sociedade elabora sua
própria cultura e recebe a influência de outras. […]. Desde que nasce um individuo é
influenciado pelo meio social em que vive”. Logo, não há ser humano desprovido de cultura.
Conforme Freire (1979:30) “cultura é tudo o que é criado pelo homem”. A cultura é “a vida total
de um povo, a herança social que o individuo adquire de seu grupo. Ou pode ser considerada a
parte do ambiente que o próprio homem criou”, afirma o antropólogo, Kluckhohn (1963, apud
OLIVEIRA, 2003:135). Portanto, “cultura é o conjunto dos objectos resultantes das actividades
produtivas, sociais e simbólicas dos homens” (SEVERINO, 1994:81).

Olhando para esses conceitos e a partir dessas definições, podemos entender que pode ser
chamado cultura aquilo que está ao redor do homem, tudo o que ele vê, ouve, compreende ao
longo de sua vida, tudo o que ele aprende a conhecer por intermédio da sua relação com outros
homens e, em grande parte, aquilo que o constitui. Tudo o que diz respeito aos seres humanos e
suas interações, ou seja, a vida em sociedade. E, principalmente, tudo o que ele produz: bens
materiais (as coisas, os objetos) e bens simbólicos (os significados). Tudo o que nos rodeia e que
foi criado pela mão do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza,
tudo isso é produto da imaginação e da criação humana. (VYGOSTSKY, apud LOPES;
MENDES; FARIA (Orgs.) 2005:14

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Cultura: A fase inicial da educação
No decorrer da vida humana há algo muito relevante para o processo de ensino e aprendizagem:
trata-se do período compreendido entre o nascimento até sua puberdade. Este é um período
fundamental para o desenvolvimento da pessoa. Período em que a criança desenvolve sua
percepção do mundo. Pimentel (2008), afirma que é na infância que se desencadeia uma
dimensão privilegiada na aprendizagem significativa da criança. Seu desenvolvimento está
ligado à multiplicidade social. A formação histórico-cultural pressupõe afecto, valores,
desenvolvimento motor, cognitivo, psicomotor da criança. Essas dimensões, entretanto, jamais,
devem ser separadas, ou desintegradas na construção do saber científico. São na verdade, as
bases do conhecimento de toda a humanidade.

Concordando com Freire (1979), somos levados a concluir que a escola precisa, de fato,
fomentar ideias inovadoras ajudando a criança a ser um estudante. Contudo, já se passaram
alguns anos desde a proposição de uma escola voltada para o aluno e seus saberes e ainda não
temos a educação que almejamos. Entretanto, busca-se esse ideal: uma educação para a
mudança. Partindo desses desafios somos levados a nos indagar: a cultura, de que ela é capaz?
Cabe, ao problematizar dada situação, buscar nortes na busca de sua solução. No caso da cultura,
ela é intrínseca de cada indivíduo? Os saberes de uma pessoa são únicos? Nisso está à
importância cultural: ser o fundamento e ponto de partida para o desenvolvimento pessoal e
social.

Como afirma Freire (1979, p. 30), “O homem está no mundo e com o mundo. Se apenas
estivesse no mundo não haveria transcendência nem se objectivaria a si mesmo. Mas como pode
objectivar-se, pode também distinguir entre um eu e um não eu”. Esse indivíduo simboliza a
formação de elementos imaginários que vão tornar realidade a partir das experiências realizadas
no âmbito social. Atribui significação subjectiva a partir da consciência do objecto (SEVERINO,
1994), salientada em uma metáfora da rede e o peixe, (ALVES, 2007, p. 17), onde diz: “Meu
mundo é aquilo sobre o que posso falar. A linguagem estabelece uma ontologia. [...] O mesmo
aconteceria se as pessoas lhes falavam de cores, cheiros, sentimentos, música, poesia, amor,
felicidade. Essas coisas, não há redes de barbante que as peguem”.

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Construindo a identidade social no processo educativo
E aqui vem a grande questão. Em se tratando da construção da identidade infantil, qual é a
função da cultura no fomento do ensino-aprendizagem da criança? Ela pode direccionar o
posicionamento diante do mundo, bem como desenvolver o processo de aprendizado a partir dos
conhecimentos prévios. Esses conhecimentos visam uma educação plena, baseada na construção
da identidade do indivíduo e do seu carácter cidadão. É interessante notar que ao longo dos
tempos o ser humano desenvolveu habilidades para viver em sociedade a qual resulta de seu
trabalho, ou seja, de sua cultura (FREIRE, 1983).

Assim sendo, valorizar a cultura é uma forma de dar continuidade ao ser histórico, à sociedade
em que ele está inserido. Ou seja, a construção da sociedade se dá na mesma proporção em que
se preservam os valores culturais dessa sociedade. Nesse prisma, Kramer (1998, p. 22) afirma
que “a importância simultaneamente da tradição cultural de cada grupo, de seus valores, suas
trajectórias, suas experiências, seu saber, e do acesso ao acervo cultural disponível” podem
favorecer o desenvolvimento da pessoa. Dentro dele a principal fonte de inspiração filosófica que
caminha para saberes que proporcionam a aprendizagem como um todo. Os elementos culturais
ao serem disseminados entre os povos trouxeram influências que foram capazes de impulsionar
os indivíduos. Há muita relevância nisso, pois estes processos histórico-sociais caracterizam os
modelos de educação (REGO, 1995).

E são tão importantes que ainda hoje podemos observar suas influências. Além do mais, trazem
harmonia na construção do saber. Para cada período da história houve um ensino, uma medida e
um conceito. Por isso é fundamental conhecer os alunos e sua história de vida, sua cultura, seu
saber para que se desenvolvam métodos de ensino aprendizagem significativos para as crianças
hodiernas que conhecem muito.

A cultura no processo educativo em Moçambique


A cultura, no processo educativo está prevista na legislação. Visto que “nenhuma acção
educativa pode prescindir de uma reflexão sobre o homem e de uma análise sobre suas condições
culturais”. (FREIRE, 1979, p. 61, grifo nosso) Nesse sentido, Kramer (1998, p.16), afirma que
“uma escola básica que se compromete com a cidadania e com a democracia precisa ter na
formação cultural um de seus elementos básicos” para uma cidadania plena. Porque o processo

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de ensino-aprendizagem ao longo dos tempos foi muito diverso, ou seja, valorizava-se apenas a
proposta do professor em detrimento dos saberes do estudante (REGO, 1995).

Esses conhecimentos trouxeram à importância de perceber o quanto a cultura trabalhada de


forma diversificada pode possibilitar ao indivíduo mecanismos saudável de aceitação para as
futuras gerações. E isso acompanhará o indivíduo no decorrer de toda vida. [...] É crucial que
todos – crianças e adultos – possam, de um lado, apropriar-se dos conhecimentos científicos
básicos e, de outro aprender com a história, com os livros, com o cinema, com a música, a dança,
o teatro, com a linguagem e a arte, pois a experiência com essas produções constitui a formação
cultural e humana necessária para enfrentar desafios ainda mais graves da vida contemporânea.
(KRAMER, 1998, p. 22)

Segundo Libânio (2004, p. 61), “é preciso considerar, além disso, que os alunos trazem para a
escola e para as salas de aula um conjunto de significados, valores, crenças, modos de agir,
resultante de aprendizagens informais, que muitos autores chamam de cultura paralela ou
currículo extra-escolar”. Na verdade esses são conhecimentos construídos no seio do mundo.
Esses valores vão dar suporte fundamental na hora de elaborar uma ideia ou uma concepção da
realidade (FREIRE, 1996). No entanto, essa é uma perspectiva moderna, que se desenvolve a
partir do século XX. A afirmação que brota daí diz que a infância possibilita o desenvolvimento
de um processo simbólico, desenvolvedor da subjectividade humana (SARMENTO, 2000),
tendo por base elementos culturais simbólicos sedimentados ao longo dos tempos.

Para tanto Kramer (1998), em Moçambique a cultura no universo educativo é pouco conhecida
pelos profissionais da educação, porém configura-se como um interessante material teórico
especial que possibilita ao educador buscar métodos que se fundamentem na cultura. Entretanto
ela pode ser crucial na abertura de aceitação dos diversos valores, no processo de socialização, 8
baseado na passagem da teoria para a prática docente. Consequentemente pode ser um campo
promissor para o processo de ensino-aprendizagem para a criança. Utilizar os elementos da
cultura – música, teatro, e outros produtos culturais – pode ajudar a criança, (sujeito), a ampliar
seu modo de vida, suas relações com outras crianças, visto que elas também são atraídas por
manifestações da cultura. Haja vista a influência dos órgãos sociais sobre os comportamentos das
crianças e adultos.

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A relação cultura e educação
A cultura faz parte do nosso íntimo, somos criadores e propagadores da cultura, de forma que a
manifestamos de diversas maneiras. Mas o que é cultura e qual a sua relação com a educação?
Candau (2003) afirma que a cultura é um fenómeno plural, multiforme que não é estático, mas
que está em constante transformação, envolvendo um processo de criar e recriar. Ou seja, a
cultura é por sua vez um componente activo na vida do ser humano e manifesta-se nos actos
mais corriqueiros da conduta do indivíduo e, não há individuo que não possua cultura, pelo
contrário cada um é criador e propagador de cultura.

Darcy Ribeiro (1972): afirma que: "[...] cultura é a herança social de uma comunidade humana,
representada pelo acervo co-participado de modos padronizados de adaptação à natureza para o
provimento da subsistência, de normas e instituições reguladoras das reacções sociais e de corpos
de saber, de valores e de crenças com que explicam sua experiência, exprimem sua criatividade
artística e se motivam para acção".

Educação e Sociedade
A educação é, desde a sua génese, objectivos e funções, um fenómeno social, estando
relacionada ao contexto político, económico, científico e cultural de uma determinada sociedade.
O ato de educar é um processo constante na história de todas as sociedades, não é o mesmo em
todos os tempos e lugares, e é, em sua essência, um processo social. Além disso, educação e
sociedade se correlacionam porque a primeira exerce forte influência nas transformações
ocorridas no âmago da segunda.

A partir dessa concepção, pode-se deduzir que, embora a educação seja um processo constante
na história de todas as sociedades, o processo educativo não é o mesmo em todos os tempos e em
todos os lugares, e se acha vinculado ao projecto de cidadania e de sociedade que se quer ver
emergir por meio desse mesmo processo.

A educação é, portanto, um processo social que se enquadra numa certa concepção de mundo,
concepção esta que estabelece os fins a serem atingidos pelo processo educativo em
concordância com as ideias dominantes numa dada sociedade. A educação não pode ser
entendida de maneira fragmentada, ou como uma abstracção válida para qualquer tempo e lugar,
mas, sim, como uma prática social, situada historicamente, numa determinada realidade.
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Conclusão
Analisando a importância da cultura – dança, canto, teatro, entre outras – no processo de ensino-
aprendizagem, percebe-se o quanto é essencial que sejam consideradas as características prévias
dos estudantes. Analisando o que dizem vários autores percebemos que quão fundamentais são
os elementos culturais e artísticos para a formação da criança. Podemos até dizer que eles são o
centro da formação da criança. Esses elementos possibilitam aceitação nas mais diversas formas
de pensar, de questionar e agir no mundo hodierno, onde os saberes estão cada vez mais
supérfluos, a consequência disso é uma sociedade provisória.

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Bibliografia
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. (Trad.) Moacir Gadotti e Lillian Lopes Martins. 23. Ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

LIBANÊO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Ed. São Paulo:
Alternativa, 2004.

SEVERINO, António Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo:


FTD, 1994.

REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma pesquisa histórico-cultural da educação. Petropolis:


Vozes, 1995.

KRAMER, Sónia (Org.). Infância e produção cultural. 2ª. Ed. Campinas: Papirus, 1998.

OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à sociologia. 24 Ed. São Paulo: Ática, 2003.

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Índice
Introdução ....................................................................................................................................... 3

Significado de cultura no processo educativo ................................................................................. 4

Cultura: A fase inicial da educação ................................................................................................ 5

Construindo a identidade social no processo educativo ................................................................. 6

A cultura no processo educativo em Moçambique ......................................................................... 6

A relação cultura e educação .......................................................................................................... 8

Educação e Sociedade ..................................................................................................................... 8

Conclusão...................................................................................................................................... 10

Bibliografia ................................................................................................................................... 11

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