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OSHO

Nem Água,
Nem Lua
Dez Discursos Sobre Histórias Zen

UNIVERSALISMO
Sumário

Introdução

Primeiro Discurso: Nem Água, Nem Lua

Segundo Discurso: Debate Por Um Alojamento

Terceiro Discurso: É Mesmo?

Quarto Discurso: A Resposta do Homem Morto

Quinto Discurso: O Dedo do Gutei

Sexto Discurso: Por Que Você Não Se Retira?

Sétimo Discurso: O Buda de Nariz Preto

Oitavo Discurso: Quem Dá é Que Deve Ficar Grato

Nono Discurso: Um Filósofo Interroga Buda

Décimo Discurso: A Passagem de Ninakawa


A Introdução

Osho nos diz — de maneira delicada, agradável até, mas absolutamente sem
nenhum contra-senso — que balbúrdia nós somos!

Com a sabedoria dos anos e com a arguta percepção de nosso estado atual, nos
encaminha ao reconhecimento, à aceitação e à profunda conscientização dos
fatos.

Mediante a ajuda e orientação segura de Osho, tal processo nos leva à


compreensão de que a resposta está em nosso interior. Não será através de
lutas e esforços que nós progrediremos, mas sim pela aceitação, entrega e
compreensão — e isso, tanto interna como externamente.

A chave, o solvente universal, aquele que supera distinções, transcende


julgamentos, divergências e dogmas — é o amor. E Osho é a personificação da
verdade amorosa — às vezes áspero, às vezes impiedoso, mas nunca ofensivo.
Sua guerra se dirige tão-só às nossas mentes, nossos egos, não à nossa
verdadeira natureza.

É com infinita paciência que Osho, mediante as palavras, se apossa de nossas


mentes e as põe de lado, surgindo daí uma forma nova de comunicação — bem
além das palavras, no âmago do ser, da energia, do amor. Quando a cabeça se
esvai e o coração se abre, o interior sente fome, sente sede, e então comida e
bebida são servidas através de seu olhar, de seus gestos e de seu fecundo
silêncio.

Nesta coleção de discursos, você pode sentir-lhe o sabor. São, esses discursos,
baseados em histórias Zen, e a energia atômica neles contida é libertada por
Osho, para com ela arrancar-nos de nossas mentes e entregar-nos aos nossos
sentidos.

Experimente ficar aberto às suas palavras: sinta-as, viva-as sem pensar nelas.
Você verá que elas são a floração verbal de alguém que explodiu para uma outra
dimensão do ser.

MA YOGA ANURAG

Poona
PRIMEIRO DISCURSO

Nem Água, Nem Lua


Por anos e anos,
a monja Chiyono estudou
sem conseguir chegar à Iluminação.

Um noite,
estava ela a carregar
um velho pote cheio de água.

Enquanto caminhava,
ia observando a lua cheia
refletida na água do pote.

De repente,
as tiras de bambu
que seguravam o pote inteiro
partiram-se
e o pote despedaçou-se.

A água escorreu,
o reflexo da lua desapareceu —
E Chiyono Iluminou-se.

Ela escreveu estes versos:

De um modo ou de outro
tentei segurar o pote inteiro,
esperando que o frágil bambu
nunca se partisse.

De repente, o fundo caiu.


Não havia mais água;
Nem mais lua na água —
O vazio em minhas mãos.
A Iluminação é sempre repentina. Não existe nenhum processo gradual que
possa alcançá-la, porque todas as graduações pertencem à mente, e a
Iluminação não é mental. Todos os degraus pertencem à mente; e a Iluminação
está além da mente. Assim é impossível crescer em direção à Iluminação; pode-
se apenas saltar para dentro dela. É impossível mover-se passo a passo; não
existe nenhum passo. A Iluminação é como um abismo: ou você salta ou não
salta.

É impossível iluminar-se aos poucos, parcialmente. A Iluminação é uma


totalidade — ou você está ou não está. Não acontece em progressões graduais.
Lembre-se disto como algo básico: acontece sem fragmentos, completa, total. E
justamente por ser um todo é que a mente não pode nunca compreendê-la. A
mente só entende o que pode ser dividido, o que pode ser alcançado por etapas
porque é analítica, divisória, fragmentária. A mente pode entender as partes, mas
o todo sempre a ilude. Por isso, se ouvir a mente, você nunca chegará à
Iluminação.

Foi o que aconteceu com a monja Chiyono: ela estudou por anos a fio e nada
aconteceu. A mente pode estudar sobre Deus, sobre Iluminação, sobre o
Supremo. Pode até fingir que compreende tudo. Mas Deus não é algo que possa
ser compreendido. Mesmo que você saiba algo sobre Deus, isso não quer dizer
que O conheça. O conhecimento não é “sobre”. Enquanto estiver dizendo “sobre”
ainda estará do lado de fora, estará caminhando na periferia, não terá entrado
no círculo.

Quando alguém diz: “Eu conheço sobre Deus”, está dizendo que não conhece
absolutamente nada, porque como alguém pode conhecer algo sobre Deus?
Deus é o centro, não a periferia. Você pode conhecer sobre a matéria, mas não
sobre a consciência porque a matéria não tem nenhum centro em si mesma, é
apenas periferia. Não possui nenhum eu, nenhum ser em seu interior. A matéria
é apenas o exterior. Você pode conhecê-la. Ciência é conhecimento. A própria
palavra “ciência” significa conhecimento — conhecimento da periferia;
conhecimento de algo que não contém o centro. Enquanto estiver procurando o
centro através da periferia, você não o compreenderá.

É preciso transformar-se nele; esta é a única maneira de conhecê-lo. Nada pode


ser conhecido sobre Deus. É preciso ser. Apenas sendo é que o conhecimento
existe. Com o Supremo, sobre e sobre significa perder e perder. É preciso entrar
e unificar-se.

É por isso que Jesus diz: “Deus é amor” e não amoroso; ele diz amor. Você não
pode saber algo sobre o amor, ou pode? Você pode estudar e estudar, tornar-se
um grande erudito, mas desse modo nunca conseguirá tocá-lo, penetrá-lo. O
amor só pode ser conhecido quando você se torna um amante. Não apenas isso,
quando se transforma no amor. Porque então, até o amante desaparece; ele
também pertence ao exterior. No amor, duas pessoas tornam-se ausentes. Não
existem. Apenas o amor, o ritmo do amor, os dois pólos do ritmo estão presentes.
Algo do além entrou em seu interior e eles desapareceram.

O amor acontece quando você está vazio. A erudição existe quando você está
repleto. A erudição pertence ao ego e o ego não pode nunca penetrar no centro;
é periférico. A periferia só pode conhecer a periferia. Ninguém pode conhecer o
centro através do ego. O ego pode estudar, pode torná-lo um grande erudito,
pode até transformá-lo num erudito religioso, numa grande autoridade sobre o
assunto. Você pode saber tudo sobre os Vedas, os Upanishads, a Bíblia, o
Alcorão e, mesmo assim, não conhecer nada — porque o centro não pode ser
conhecido a partir do exterior. É algo que acontece quando você já entrou e
tornou-se um.

“Por anos e anos, a monja Chiyono estudou...”

Ela deve ter estudado por vidas. Você tem estudado por muitas vidas. Tem
estado caminhando em círculo. Mas quando alguém caminha em círculo, cria
uma grande ilusão; sente que está progredindo. Você está sempre caminhando
e, mesmo assim, não está indo a lugar algum porque seu movimento é circular.
Você apenas se repete. É por isso que os hindus chamam este mundo de
sangsar. Sangsar significa roda, círculo. Você anda, anda e nunca chega a lugar
algum, embora sempre sinta que está chegando: “Eu já andei tanto que agora a
meta deve estar mais perto!” Experimente andar em um círculo bem grande.
Será difícil perceber que é um círculo porque você estará vendo apenas uma
parte dele. Assim, parecerá sempre uma estrada, um caminho. Isto é o que tem
lhe acontecido durante muitas vidas.

“Chiyono estudou e estudou, sem conseguir chegar à Iluminação.” Não que a


Iluminação seja difícil, mas porque, estudando, você perde a totalidade, a
essência. Segue pela trilha errada. É como se alguém estivesse tentando entrar
nesta sala pela parede. Não que entrar nesta sala seja difícil, mas é preciso
entrar pela porta. Se você tentar entrar pela parede parecerá difícil, quase
impossível. Mas não é. Você é que está usando o meio errado. Ao iniciar a
jornada, muitas e muitas pessoas começam pelo estudo, pelo aprendizado, pela
instrução, informação, filosofia, pelos sistemas teológicos. Começam pelo
“sobre” e, então, estão batendo no muro.

Jesus disse: “Bata na porta e ela será aberta.” Mas, por favor, veja se está
batendo na porta ou não. Não continue batendo no muro; do contrário, nenhuma
porta será aberta. Na verdade, quando você bate à porta, quando você realmente
chega diante dela, descobre que ela sempre esteve aberta, que sempre esteve
esperando por você. A porta é um servo, é alguém que acolhe com prazer, é
uma recepcionista. A porta tem estado à sua espera, mas você continua batendo
no muro. O que é o muro? Quando você começa pela erudição e não pelo ser,
está batendo no muro.
Converta-se, seja! Não acumule informações. Se quiser conhecer o amor, seja
um amante. Se quiser conhecer Deus, seja meditação. Se quiser entrar no
Infinito, seja prece. Seja! Não colete instruções sobre a prece. Não tente
acumular o que os outros dizem a respeito. Aprender não ajuda. Pelo contrário,
só o desaprender é que auxilia. Abandone tudo o que sabe; só assim poderá
conhecer. Abandone todas as informações, todas as escrituras. Abandone todos
os Alcorões, Bíblias e Gitas — eles são as barreiras, os muros. Se você continuar
batendo no muro, as portas não se abrirão — porque não estão nele. As pessoas
batem no Alcorão, nos Vedas, na Bíblia e nenhuma porta é aberta. Elas
continuam estudando e malogrando como a monja Chiyono que “estudou por
anos e anos, sem conseguir chegar à Iluminação”.

O que é iluminar-se? É tornar-se consciente de si mesmo. Não é nada que diga


respeito ao mundo exterior. Não é nada que se possa fazer com que os outros
dizem. O que os outros dizem é irrelevante. Você está aqui! Para que ir consultar
a Bíblia, o Alcorão, o Gita? Feche seus olhos — e eis você em sua infinita glória.
Feche seus olhos e as portas se abrem. Você está aqui, não precisa ir perguntar
a ninguém. Se perguntar, não compreenderá. O próprio perguntar demonstra
que você pensa que está em algum outro lugar. O próprio perguntar demonstra
que você está pedindo por um mapa. Para o mundo interior não existe nenhum
mapa; não há necessidade, porque você não está caminhando para um destino
desconhecido.

Na realidade, você não está caminhando.

Você está aqui. Você é a meta. Não é o caminhante, é o Iluminado. O que é estar
Iluminado? Um estado: quando você procura no exterior, não está iluminado;
quando procura no interior, está. A única diferença está no enfoque. Ao enfocar
fora, não está iluminado; ao enfocar dentro, está. Assim, tudo depende de uma
mudança de direção.

A palavra cristã “conversão” é bela. Mas os cristãos a têm usado de um modo


horrível. Conversão não significa fazer de um hindu um cristão ou tornar um
cristão hindu. Conversão significa retorno. Conversão significa retornar à fonte,
voltar para o interior. Só quando isto acontece, você está convertido. Sua
consciência pode fluir em duas direções: para fora ou para dentro. Estes são os
dois leitos pelos quais a torrente da sua consciência pode fluir. Para fora, pode
fluir por muitas e muitas vidas, sem nunca encontrar a meta, pois a meta está na
fonte. O objetivo não está na frente, está atrás. O objetivo não está em algum
lugar ao qual você possa chegar. Está em algum ponto que você já deixou. A
meta é a fonte. Isto tem de ser entendido profundamente. Se você puder retornar
ao primeiro ponto do seu ser, terá encontrado o alvo.

Iluminar-se significa retornar à fonte e a fonte está em seu interior: a vida está
aí, fluindo, palpitando, continuamente batendo. Por que perguntar aos outros?
Estudar significa perguntar aos outros. Perguntar sobre si mesmo aos outros?
Isto é uma tolice por excelência. Isto é um absurdo total — perguntar sobre si
mesmo aos outros. O significado do estudo é este: procurar pela resposta. Mas
você é a resposta!

“Chiyono estudou por anos e anos sem chegar à Iluminação.” É natural, é óbvio.
Está certo. Ela estava olhando para fora, estudando.

Outro ponto a ser lembrado: seu ser é vida e nenhuma escritura pode estar viva.
As escrituras estão fadadas a morrer. As escrituras são cadáveres. E você
pergunta à morte sobre a vida. Não é possível! Krishna não será de muita ajuda,
nem Jesus — a menos que você se torne Krishna ou Jesus. A vida não pode ser
respondida pela morte. E se você pensar que encontrará a resposta, ficará cada
vez mais limitado pelas respostas, e a resposta permanecerá desconhecida. Isso
é o que acontece a um homem que estuda, que pensa, que filosofa. Fica cada
vez mais limitado pelos seus próprios esforços — palavras, palavras e palavras
— e se perde. Mas a resposta sempre esteve nele. Apenas um retorno era
necessário.

Não, ninguém pode responder. Não vá a nenhuma pessoa, vá a si mesmo!


Quando você encontra um Mestre, tudo o que ele pode fazer é auxiliá-lo a
encontrar a si mesmo; só isso. Nenhum mestre pode lhe dar a resposta. Nenhum
mestre pode lhe dar a chave. O mestre só pode auxiliá-lo a olhar para o seu
interior. Apenas isto. A chave está aí, o tesouro está aí, tudo está aí.

“Uma noite, estava ela a carregar um velho pote cheio de água: Enquanto
caminhava, ia observando a lua refletida na água do pote. De repente, as tiras
de bambu, que mantinham o pote inteiro, partiram-se e o pote despedaçou-se.
A água escorreu, o reflexo da lua desapareceu — e Chiyono Iluminou-se.”

“Uma noite, estava ela a carregar um velho pote cheio de água.”

Você também está carregando um antigo, um muito, muito velho pote cheio de
água. Ele é a sua mente repleta de pensamentos. É a coisa mais antiga que você
carrega, e está quase morta.

A mente é sempre velha. Nunca é nova.

Não pode ser por sua própria natureza porque mente significa memória. Como
pode a memória ser nova? Mente significa o conhecido. Como pode o conhecido
ser novo? Mente significa passado. Como pode o passado ser novo? Olhe para
a sua mente; tudo o que ela carrega é velho, morto. Quando você chega a
conhecer um momento, ele já passou. Quando você reconhece que sabe algo,
esse algo já se foi. Não está mais aqui e agora. Moveu-se para o mundo da
morte.

Portanto, a mente por sua própria natureza, tal como é, já é velha. É por isso que
nunca cria algo original. A mente não consegue ser original, só consegue repetir.
Ela pode repetir de mil maneiras, pode repetir cada vez com novas palavras, mas
o ponto permanece o mesmo. A mente não tem capacidade para conhecer, para
encontrar o frescor, a juventude, o novo. Para encontrar o novo, sua mente tem
de ser colocada de lado, pois só assim seus olhos não estarão tapados pelo
passado, pelas cinzas do passado; só assim seu espelho poderá refletir o que
está aqui e agora.

Tudo o que é novo nasce da consciência, não da mente. A consciência é a sua


mais profunda fonte. A mente é a poeira acumulada em cada uma das suas
jornadas. É como se você tivesse viajado muitas e muitas vezes, apanhando
lama e acumulando pó, sem nunca tomar um banho. E isto é o que lhe tem
acontecido. Sua mente nunca tomou um banho. Mas você se apega a ela, a toda
essa sujeira. Todos os métodos de meditação nada mais fazem do que lavar a
mente, dar um banho, um banho interior, para que a poeira escorra e a
consciência que está oculta venha à tona e encontre a realidade.

A realidade está aqui, você está aqui, mas o encontro não acontece porque a
mente se interpõe entre você e a realidade. Tudo o que você vê, vê através da
mente. Tudo o que você ouve, ouve através da mente. Por isso, está quase
surdo, quase cego. Jesus dizia sempre a seus discípulos: “Quem tiver ouvidos,
que ouça! Quem tiver olhos, que veja!” Todos eles tinham olhos como os seus.
Todos eles tinham ouvidos como os seus. Mas Jesus sabe, como eu sei, o
quanto você está surdo, o quanto está cego...

Quando uma pessoa ouve pela mente, na verdade, não está ouvindo porque a
mente interpreta, colore, muda, confunde a si mesma, e quando algo chega até
você já está velho. A mente já fez o seu truque. A mente já deu seu próprio
sentido, sua própria interpretação. A mente já fez a crítica.

É por isso que, a menos que você se torne um verdadeiro ouvinte, não
compreenderá. Ouvir corretamente significa ouvir sem a mente. Olhar
verdadeiramente significa olhar sem a mente, sem interpretar, sem julgar, sem
condenar, sem avaliar, sem dizer sim ou não. Quando eu converso com você,
vejo sua mente balançando afirmativa ou negativamente. Mesmo que o balançar
seja invisível, eu o vejo. Pode ser que você não esteja consciente disso, mas,
algumas vezes, ao dizer “sim”, sua mente já interpretou; já avaliou. E você
perdeu.

Ouça simplesmente, sem julgar, e de repente, perceberá que a mente tem


confundido tudo.

Lembre-se disto: a mente é velha, não pode nunca ser nova. Portanto, não pense
nunca que a sua mente é original. Nenhuma mente pode ser original. Todas as
mentes são velhas, repetitivas. É por isso que ela gosta tanto das repetições e
está sempre contra o novo. Por ter sido criada pela mente, a sociedade também
está sempre contra o novo. Por terem sido criados pela mente, o estado, a
civilização, a moral estão sempre contra o novo. Nada pode ser mais ortodoxo
do que a mente.

Com a mente, nenhuma revolução é possível. Se você é um revolucionário


através da mente, pare de enganar a si mesmo. Um comunista não pode ser
revolucionário porque nunca meditou. Seu comunismo é mental. Apenas trocou
de Bíblia: não acredita mais em Jesus, acredita em Marx ou em Mao, a última
edição de Marx. O comunista é tão ortodoxo quanto qualquer católico, hindu ou
maometano. Seu ortodoxismo é o mesmo porque a ortodoxia não depende do
que é acreditado. A ortodoxia depende de se acreditar através da mente. E a
mente é o elemento mais ortodoxo, mais conformista do mundo.

Qualquer coisa que a mente crie, nunca será nova, será sempre anti-
revolucionária. É por isso que a única revolução possível no mundo é a religiosa,
não pode haver outra. Apenas a religião pode ser revolucionária porque só ela
chega à própria fonte. Só ela abandona a mente, o velho. Assim, de repente,
tudo é novo, porque era a mente que estava tornando tudo velho através de suas
interpretações.

De repente, você volta a ser criança. Seus olhos são jovens, inocentes. Você
olha sem informações, sem ensinamentos. De repente, as árvores têm um novo
frescor, o verde mudou — já não é mais opaco; é vivo, brilhante. De repente, o
canto dos pássaros é totalmente diferente.

Isso é o que tem acontecido a muitas pessoas pelas drogas. Aldous Huxley ficou
intensamente fascinado pelas drogas por causa disso. Em todo o mundo, a nova
geração sente-se atraída pelas drogas. A razão disso é que a droga, por um
momento, por algum tempo, coloca sua mente de lado quimicamente. Você olha
para o mundo e, então, as cores ao seu redor são simplesmente miraculosas.
Você nunca viu algo assim! Uma flor comum transforma-se em toda a existência,
traz consigo toda a glória do Divino. Uma folha comum adquire tanta
profundidade que é como se estivesse revelando toda a Verdade. Todas as
coisas imediatamente mudam. A droga não pode mudar o mundo; o que ela faz
é colocar sua mente de lado por um processo químico.

Mas a pessoa pode tornar-se viciada; então, a mente terá absorvido a droga
também. Apenas no começo, nas primeiras duas ou três vezes, é que a mente
pode ser enganada quimicamente. Depois, pouco a pouco, a mente entra num
acordo com a droga e novamente toma as rédeas. O choque original é perdido.
Torna-se viciado pela droga. O comando volta a pertencer à mente. Pouco a
pouco, mesmo quimicamente, torna-se impossível colocar a mente de lado. Ela
continua presente. Então, você está viciado. As árvores voltam a ser velhas, as
cores já não são tão radiantes, tudo está novamente opaco. A droga o matou,
mas não a sua mente.
A droga pode dar apenas um tratamento de choque. Ela é um choque químico
para todo o corpo. Nesse choque, o velho ajustamento é quebrado. As brechas
aparecem e, através delas, você pode olhar. Mas isso não pode se tornar um
hábito. É impossível fazer da droga uma prática. Cedo ou tarde, ela fará parte da
mente, a mente assumirá a direção. E tudo voltará a ser velho.

Só a meditação pode matar a mente — nada mais. A meditação é o suicídio da


mente, é a mente cometendo suicídio. Sem qualquer química, sem qualquer
meio físico, você põe sua mente de lado. Torna-se o mestre. E quando você é o
mestre, tudo é novo. Desde a própria origem até o derradeiro final, tudo é novo,
jovem, inocente. A morte não existe, nunca ocorreu neste mundo. A vida é
eterna.

“Uma noite, estava ela a carregar um velho pote cheio de água.” Você também
está carregando um velho pote cheio de água. A mente é o velho pote e os
pensamentos são a água. Você não pode jogar esse velho cesto fora porque,
então, o que acontecerá aos seus pensamentos? Você dá muito valor a eles,
apega-se a eles como se fossem a própria fonte da felicidade, a íntima fonte do
silêncio; como se através deles fosse possível encontrar a vida e seus tesouros
ocultos. Mas nunca nada assim foi encontrado pelos pensamentos. Essa é uma
esperança simplesmente inútil.

O que você tem alcançado pelos pensamentos? Nada mais que ansiedade,
tensão. Entretanto, continua apegado na esperança de que, um dia ou outro, em
algum lugar do futuro, a verdade seja alcançada através deles. Até agora, nada
assim aconteceu e nunca acontecerá. A verdade não tem nada a ver com os
pensamentos. Ela está aqui! Basta olhá-la. Não há necessidade de se pensar a
respeito. Pensar seria necessário se ela não estivesse aqui, se você estivesse
tateando no escuro. Mas, na existência, não existe nenhuma escuridão. A
existência é a luz absoluta. Não é preciso tatear. Você está com os olhos
fechados, por isso tateia desnecessariamente e pensa: “Se eu parar de tatear,
estarei perdido.” Pensar é tatear.

Meditar é abrir os olhos. Meditar é olhar. Os hindus chamam a meditação de


darshan, porque darshan significa olhar — olhar diretamente, sem pensar a
respeito. O próprio olhar transforma. Mas você carrega os pensamentos nesse
velho pote e vai remendando-o, tomando conta dele: se ele quebrar, o que
acontecerá a seus valiosos pensamentos? E, no entanto, eles não são
absolutamente valiosos.

Algum dia, faça esta pequena experiência: feche a porta de seu quarto, sente-
se e comece a escrever seus próprios pensamentos — tudo o que vier à sua
mente. Não os modifique porque você não precisará mostrar esse pedaço de
papel a ninguém. Por dez minutos, simplesmente escreva. Depois, olhe. Olhe o
que seus pensamentos são. Se você os olhar, pensará que algum maluco os
escreveu. Se mostrar esse papel ao seu amigo mais íntimo, ele olhará para você
e pensará: “Você ficou louco?” E a situação dele é idêntica à sua. Mas nós
continuamos escondendo a loucura. Temos máscaras atrás das quais
escondemos a nossa loucura.

Por que você valoriza tanto esses pensamentos? Eles são drogas, são química.
Observe bem: pensar é algo químico, é uma droga. Quando você começa a
pensar, entra num tipo de sono hipnótico. É por isso que se torna viciado — é
exatamente como o ópio. Com o pensar, você pode esquecer o mundo, os
problemas, as responsabilidades. Sonhando, pensando, pode criar um mundo
totalmente diferente dentro de si.

Aqueles que têm trabalhado por muito tempo com a ciência do sono dizem que
o sono é necessário para que a pessoa possa sonhar. E se você perguntar a
eles por que sonhar é necessário, eles lhe dirão que é para que você permaneça
são; porque nos sonhos você pode jogar toda a sua insanidade fora. A noite toda
é uma catarse. E, nos sonhos, a loucura é jogada fora. Assim, pela manhã, seu
comportamento pode ser saudável. Durante o dia todo, você pode agir de um
modo são porque teve a noite toda para portar-se como um louco.

Os cientistas dizem que se você for privado de sonhar e de dormir por alguns
dias ficará louco, porque a catarse não acontecerá e a loucura começará a entrar
em erupção. Explodirá. Durante a noite, você sonha — isso é uma catarse.
Durante o dia, você pensa — isso também é uma catarse que contribui para a
sua sonolência. É uma droga. Com os pensamentos, não é preciso preocupar-
se com o que está acontecendo. Basta fechar-se dentro deles. Os pensamentos
são sempre bem-vindos; com eles você se sente confortável: eles são seu
próprio lar, mesmo que estejam sujos e velhos. Depois de viver tanto tempo com
eles, você já se acostumou. Já se acostumou com sua prisão. Isso acontece com
os prisioneiros que ficam muito tempo encarcerados: ao sair, sentem medo,
sentem medo da liberdade: Sentem medo porque sabem que ela lhes trará novas
responsabilidades. E não existe nada como sair da mente — é a liberdade total.

Os hindus dão a esse estado o nome de moksha — liberdade total. Não existe
nada que se possa comparar a ele: é o estilhaçamento de todas as prisões.
Depois, simplesmente você, sob o céu infinito. O medo o agarra: você quer voltar
atrás, para sua casa, para o seu canto aconchegante, murado, protegido. No seu
canto, você não tem medo. Nele, o infinito não está presente.

O infinito assemelha-se sempre à morte. Você acostumou-se com o finito, com


os limites precisos, com as distinções bem delineadas. É por isso que não pode
jogar fora os pensamentos, não pode jogar fora o velho pote. Ao invés disso,
continua aumentando-o cada vez mais. E ele é exatamente como a sua barriga:
quanto mais pensamentos você coloca, mais ele se expande. A única diferença
é que a barriga pode arrebentar se você comer demais, mas a mente não.
Uma mente comum pode conter todas as livrarias do mundo. Em sua pequena
cabeça, existem setenta milhões de células e cada uma pode conter, pelo
menos, um milhão de informações. Nenhum computador foi desenvolvido ainda
que possa ser comparado com a sua mente. Em sua pequena cabeça, você
carrega o mundo inteiro. E ela continua se expandindo.

Chiyono estudou e estudou. Encheu o velho pote com mais e mais água. Ela não
conseguiu chegar à Iluminação. E “Uma noite, estava ela a carregar um velho
pote cheio de água. Enquanto caminhava, ia observando a lua cheia refletindo
na água do pote.” A lua cheia estava alta no céu e o seu reflexo aparecia na
água do pote Chiyono estava olhando para o reflexo.

Isso é o que está acontecendo com todos e com cada um. Isso não é uma
estória, não é um caso. É um fato — está lhe acontecendo. Você nunca olhou
para lua cheia. Você não pode. Está sempre olhando para a lua refletida em sua
água, em seus pensamentos. É por isso que os hindus — principalmente
Shankara — dizem: tudo o que você sabe é maya, ilusão. Você está olhando
para a lua refletida na água, para o reflexo, não para a verdadeira lua. E pensa
que o reflexo é a lua.

Tudo o que você vê, vê através dos reflexos. Seus olhos refletem; seus olhos
são exatamente como espelhos. Seus ouvidos refletem — todos os seus
sentidos são espelhos: refletem. E existe um que é o maior de todos os espelhos:
sua mente — ela reflete. Não apenas reflete, mas critica, interpreta. Lado a lado
com o reflexo vai fazendo a crítica, destorcendo.

Você já se olhou num desses espelhos que destorcem? Se não olhou, não vá a
lugar algum, você não precisa; ele já está dentro de você, é a sua mente
destorcendo tudo. Tudo o que você tem conhecido até agora não tem nada a ver
com a lua real no céu porque, com o velho pote cheio de água, como você pode
olhar para a lua real? Você continua olhando para o reflexo e o reflexo é ilusório.
Este é o significado de maya, ilusão. Tudo o que você conhece é maya, é apenas
aparência, não o real. O real só vem quando o pote se quebra — a água escorre,
o reflexo desaparece.

“De repente, as tiras de bambu que mantinham o pote coeso partiram-se e o pote
despedaçou-se.”

Aconteceu de repente, como um acidente. Tente entender esse fenômeno: a


Iluminação é sempre como um acidente porque é imprevisível, porque não é
possível planejá-la, não é possível providenciar para que aconteça, não é
possível provocá-la. Se fosse, não poderia estar além da mente. Se fosse, seria
apenas um truque da mente. Muitas pessoas tentam planejá-la. Fazem isso e
aquilo, apenas para criar uma causa; mas a Iluminação não é causal. Se você
pudesse induzi-la, ela não seria maior que você. Se você pudesse provocá-la,
ela seria absolutamente inútil. Ela acontece, mas não pode ser induzida. Não é
uma consequência da sua mente, e um descontínuo abismo. De repente, você
desaparece e ela surge. Como você pode preparar isso? Se preparar, você não
desaparecerá.

Quando Gautama Sidarta iluminou-se, tornou-se Buda; ainda era o mesmo


homem? Não! Iluminar-se e continuar sendo o mesmo homem... isso é
impossível. A continuidade é quebrada; o velho homem simplesmente
desaparece. Um homem totalmente novo surge. Sidarta Gautama, o príncipe, o
homem que deixou seu palácio, sua esposa, seu filho, não existe mais. O ego, a
mente, não existem mais. Aquele velho homem morreu — o velho pote partiu-
se. O que surgiu é um homem absolutamente novo, que nunca existiu! E por isso
lhe damos um novo nome; nós o chamamos de Buda. Abandonamos o velho
nome porque pertence a uma outra identidade, a uma outra personalidade. O
velho nome nunca pertenceu a este novo homem.

A Iluminação é um fenômeno descontínuo. Não pode ser contínuo. Se fosse,


seria apenas uma modificação do passado. Não seria novo, de modo algum,
porque o passado ainda estaria presente — modificado, um pouco diferente aqui
e ali, pintado, polido, mas presente. Seria uma melhora, mas ainda permaneceria
velho.

A Iluminação é como um acidente. Mas não me interprete mal! Quando eu digo


que a Iluminação é como um acidente não estou dizendo que não faça nada para
que aconteça! Não é esse o sentido. Se você não fizer nada, o acidente não
acontecerá. O acidente só ocorre para aqueles que têm feito muito para
consegui-lo. Entretanto, ele nunca acontece por causa do seu fazer. Este é o
problema: não acontece pelo seu fazer, mas nunca acontece sem o seu fazer. O
fazer nunca é a causa. Ele apenas cria condições propícias ao acidente. Apenas
isto!

Todas as suas meditações apenas criam as condições propícias ao acidente —


apenas isto. E é por isto que nem mesmo Buda é capaz de prever quando sua
Iluminação acontecerá.

As pessoas vêm a mim e perguntam: “Quando?” Eu respondo: “logo”. Isso não


significa nada. “Logo” pode ser o momento seguinte; “logo” pode demorar muitas
vidas. Um acidente nunca pode ser previsto. Se pudesse, não seria
absolutamente um acidente, seria uma consequência.

Mas não pare de agir! Não pense que se tiver de acontecer, acontecerá. Senão,
nunca virá. Você tem de estar pronto para quando o desconhecido chegar —
pronto, à espera, receptivo. Caso contrário, ele poderá vir, passar e você nem
perceber. Poderá bater à sua porta e você nem ouvir. Poderá encontrá-lo
profundamente adormecido ou conversando com alguém e você pensará que é
apenas o vento que está batendo à sua porta. Poderá pensar tantas coisas —
todo mundo é um grande pensador.
Esteja pronto para o acidente! E não se esqueça: todo o seu fazer não será a
causa, simplesmente criará condições propícias para que aconteça, será apenas
um convite. Existe nisto uma grande diferença. Se você pensar que o seu fazer
é a causa, começará a exigir. Começará a pensar: “Por que não está
acontecendo? Por que não aconteceu até agora?” Isto criará uma tensão interna
que impedirá o acidente. Você tem de ser pego de surpresa. É preciso que esteja
esperando, mas sem ansiedade — relaxado. Você deve convidá-lo, mas não
esteja certo de que o convidado virá.

Afinal, isso depende do convidado, não de você. Sem o convite, a visita nunca
acontecerá, isto é certo. Com seu convite, ele poderá não vir; mas sem o seu
convite, é certo que não virá. Assim, espere na porta, mas não fique ansioso,
nem esteja certo.

A certeza é da mente: o esperar é da consciência. A mente é superficial; assim,


todas as certezas também o são. O acidente pode acontecer a qualquer
momento. Quando você estiver pronto para ver, para olhar, perceberá que ele
sempre esteve acontecendo justamente ao seu lado. Mas você não estava
olhando para ele, não estava olhando para o seu lado.

Ouvi contar que certa vez Mulla Nasrudin estava descansando em sua poltrona.
Sua mulher estava olhando para a rua e ele para a parede. Estavam sentados
um de costas para o outro como os maridos e esposas costumam sentar-se.

De repente, sua mulher lhe disse: “Nasrudin, olhe! O homem mais rico da cidade
morreu e milhares de pessoas estão indo lhe dar o último adeus.”

Nasrudin disse: “Que pena! Não estou olhando para esse lado.” Ele não olhou.
Apenas um virar de cabeça era necessário...

Mas isso é o que está lhe acontecendo. Que pena! Você não está olhando para
este lado onde o acidente está passando, onde o desconhecido está passando.
Todas as meditações existem apenas para auxiliá-lo a olhar na direção do
desconhecido, a olhar na direção do incomum, a olhar para o estranho. Elas o
tornam mais aberto. Mas você não pode obrigar o convidado a vir.

Mesmo que esteja pronto, é preciso esperar. Você não pode forçá-lo. Não pode
trazê-lo para si mesmo. Se fosse possível forçá-lo, a religião seria como a
ciência. Esta é a diferença básica entre ciência e religião: a ciência pode forçar
as transformações porque depende das causas, não dos convites. Quando a
ciência descobre uma causa, pode induzir a transformação. Uma vez que a
causa é descoberta, algo pode ser feito. A ciência sabe que se você esquentar
a água a 100°C ela evaporará. Esquentar a água a 100°C é uma causa. Você
pode ter certeza de que quando a temperatura chegar a 100°C a água começará
a evaporar. Você pode forçar a água a evaporar pelo aquecimento. Você pode
misturar oxigênio com hidrogênio e forçá-los a transformarem-se em água. Você
pode provocar isto. A ciência procura sempre pelas causas.

A religião é diferente, basicamente diferente. Nesse sentido, a religião nunca


poderá tornar-se ciência porque está à procura do não-causal. Está procurando
pelo descontínuo; está em busca da conversão absoluta. Uma conversão relativa
pode ser provocada, uma transformação parcial pode ser induzida. Mas, uma
absoluta? Sem nada do velho, com tudo completamente novo? Para isto, é
necessária uma brecha, um intervalo. O elo não pode existir. É preciso dar um
salto! Então, de repente, o velho desaparece e o novo entra na existência; eles
não se reúnem, existe um intervalo. Sidarta Gautama simplesmente
desaparece... e surge Gautama Buda — há um intervalo.

Esse intervalo tem de estar presente. É por isso que eu digo que a Iluminação é
como um acidente. Mas é preciso estar trabalhando continuadamente para que
aconteça. Este é o paradoxo. Ouça-me, não vá dormir. Ouça-me, não comece a
pensar e raciocinar assim: “Se é um acidente e eu não posso provocá-lo, então
para que meditar? Por que fazer isto ou aquilo? Agora, simplesmente esperarei!”
Não! Seu esperar não pode ser preguiçoso.

Seu esperar deve ser vivo! Seu esperar deve ter toda a energia à sua disposição;
não pode ser como o de um homem morto. Seu esperar deve ser jovem, novo,
vivo, vibrante! Só assim o desconhecido poderá acontecer. Só quando você
estiver no melhor da sua vida, no ponto máximo da sua capacidade, no auge da
vivacidade, quando você estiver no ápice — o acidente acontecerá. Só um pico
pode encontrar esse grande pico; só os picos, só os semelhantes podem se
encontrar.

Vá trabalhando o máximo que puder, mas não crie qualquer exigência. Não diga:
“Tenho feito tanto que agora deve acontecer.” Não existe nenhum dever a esse
respeito. Ele é um estranho. Vá escrevendo os convites, mas como Ele não tem
endereço você não pode colocá-lo no correio. Assim, vá jogando seus convites
ao vento, talvez eles cheguem, talvez não cheguem. Deus é sempre um “talvez”;
mas é bonito quando tudo é talvez. Quando as coisas são certas, a beleza se
perde.

Você já observou que na vida a única certeza é a morte? Que tudo o mais é
incerto? Tudo é incerto! Se o amor acontecerá ou não, ninguém o sabe. Se você
será capaz de cantar uma bela canção ou não, ninguém o sabe. Apenas uma
coisa é certa: a morte. A certeza sempre pertence à morte, nunca à vida. E se
você está em busca da Vida Eterna, viva no talvez. Viva aberto, esperando. Mas
lembre-se de que não pode provocar o acidente. Quando acontecer, você
desaparecerá.

Este é o significado deste belo acontecimento: “De repente, as tiras de bambu


que seguravam o pote inteiro partiram-se...” De repente, aconteceu. Mas ela
estava trabalhando, estudando, meditando. Ela era uma grande monja. Viveu
pelo menos trinta ou quarenta anos com o Mestre e trabalhou incrivelmente.

Preciso lhe contar algo sobre Chiyono. Ela era uma mulher muito bonita — de
uma beleza rara, única. Quando jovem, até o Imperador e o Príncipe a quiseram.
Mas ela recusou porque queria ser amante apenas do Divino; ninguém estava à
altura das suas expectativas, nenhum mortal era capaz de satisfazê-la.

Chiyono andou de um mosteiro a outro para receber sannyas, para tornar-se


uma monja. Mas até os grandes mestres a recusaram porque era tão bela que
poderia criar problemas. Havia tantos monges — e os monges, é claro, são
pessoas muito reprimidas. Ela era tão bela que eles poderiam esquecer-se de
Deus e tudo o mais. Chiyono era realmente bela; assim, em todos os lugares as
portas eram fechadas. Um mestre lhe disse: “Sua busca está certa, mas tenho
de olhar pelos meus seguidores também. Quinhentos sannyasins estão aqui.
Eles ficarão loucos. Esquecerão suas meditações, suas escrituras, tudo! Você
tornar-se-á Deus. Assim, Chiyono, não perturbe essa pobre gente. Vá embora!”

Então, o que fez Chiyono? Não encontrando nenhum outro meio, queimou sua
face, fez cicatrizes em toda sua face. Depois, foi a um mestre; este não pôde
nem reconhecer se ela era mulher ou homem. Assim, ela foi aceita como monja.

Ela estava pronta. Sua busca era autêntica: Ela era digna do acidente; realmente
o merecia. Mas estudou, meditou por mais trinta, quarenta anos continuamente.
Então, de repente, numa noite, o estranho veio à sua porta.

“De repente, as tiras de bambu que seguravam o pote inteiro partiram-se. O pote
despedaçou-se. A água escorreu, o reflexo da lua desapareceu — e Chiyono
Iluminou-se.”

Chiyono estava olhando para a lua — estava linda. Mesmo os reflexos são belos
— porque refletem a Beleza Absoluta. O mundo é tão belo porque é um reflexo
de Deus. Assim, como é possível dizer que o mundo é feio? Como pode um
reflexo ser feio quando está refletindo o Divino? Aqueles que dizem que o mundo
é feio e renunciam a ele, estão absolutamente errados porque, se você renuncia
a este mundo, no fundo, está renunciando ao Criador. Não renuncie! O rosto de
uma mulher é belo porque reflete. O rosto de um homem é belo, seu corpo é belo
porque reflete. As árvores, os pássaros são belos porque refletem. Se o reflexo
é tão belo, o que dizer do original?

Assim, um verdadeiro seguidor não é contra o mundo. Um real seguidor ama


tanto o mundo, ama tanto o reflexo que quer ver o original. Ama tanto o reflexo
que surge em seu interior a vontade de ver o original, de ver a lua cheia no céu.
Deixa este reflexo, mas não porque seja contra ele; abandona este reflexo
justamente para encontrar Aquele que está refletido. Não é contra o amor. Ele
tem conhecido tanta beleza que agora quer entrar mais a fundo “no amor”. Tem
conhecido tanto com o reflexo, tanta formosura, tanta fragrância, tanta
musicalidade, que agora um desejo de conhecer a fonte surgiu. Se o reflexo é
tão musical, que harmonia deve ser a fonte original!

O real seguidor nunca está contra nada. É sempre a favor, jamais contra. É a
favor de Deus, mas nunca contra o mundo porque, afinal, o mundo pertence a
Deus. Se vejo sua face no espelho, sua beleza, como posso estar contra o
espelho? Na realidade, fico agradecido porque ele reflete. Mas não me fixo no
espelho. Vou em busca de você que está refletido no espelho. Deixo o espelho,
mas não por estar contra ele. Viro meu rosto, deixo de olhar para o espelho. Mas
continuo agradecido porque ele refletiu algo tão belo que senti necessidade de
encontrar a fonte original!

“A água escorreu, o reflexo da lua desapareceu — e Chiyono Iluminou-se.”

Ela estava olhando para a lua refletida no pote. De repente, o pote caiu, a água
escorreu, a lua desapareceu — aconteceu o estalo.

Há sempre um estalo no ponto onde o velho desaparece, o novo surge e você


renasce.

De repente, a água escorreu e não havia mais lua. Assim, ela deve ter olhado
para cima — lá estava a lua real! Neste momento, aconteceu um paralelo entre
o mundo externo e o interno. O mesmo fenômeno aconteceu dentro: tudo havia
sido visto através da mente, do espelho. De repente, Chiyono tornou-se
consciente de que tudo havia sido reflexo, ilusão porque tinha sido visto pela
mente. De repente, a mente despedaçou-se, exatamente como o pote.

Ela estava pronta. Tudo o que poderia ser feito, tudo o que era possível fazer,
ela havia feito. Nada fora deixado para trás. Ela estava pronta. Ela merecia o
acontecimento. Por isso, esse comum incidente tornou-se um estalo para
Chiyono.

Mas lembre-se: não seja Chiyono! A Iluminação não acontecerá a você do


mesmo modo. Por saber a estória, você pode despedaçar o pote, a água
escorrer, o reflexo desaparecer — e nada lhe acontecer. É impossível fazer de
um acontecimento um ritual. Mas isto é o que a tola humanidade tem feito por
séculos e séculos. Os estalos são conhecidos, mas são sempre individuais,
únicos. Não podem ser repetidos. Ninguém pode ser novamente Chiyono.

O mundo nunca se repete. Deus é tão original que nunca repete nada. Chiyono
nasceu apenas uma vez, nunca mais nascerá — nunca, nunca mais! Assim, o
mesmo fenômeno não poderá se repetir porque você não é Chiyono. Mas você
pensa que pode porque a mente trabalha como um sistema lógico. Por ter
acontecido a Chiyono carregando o pote de água, você faz disso — de carregar
o pote, de deixar o pote cair e despedaçar-se, da água fluir, do reflexo
desaparecer — um ritual! Isso é o que está sendo feito nas igrejas, nas
mesquitas, nos templos — rituais!

Como aconteceu a Buda? Encontre uma árvore “Bodhi”, sente-se em baixo dela
com os olhos fechados, na mesma postura de Buda, exatamente igual a ele e
você será apenas um tolo. Você não se tornará Buda, será simplesmente
estúpido! Do contrário não estaria repetindo. Os rituais são repetidos apenas
pelos idiotas. Por isso, é preciso que você compreenda muito bem como
acontece: não é uma questão de sentar-se sob uma árvore Bodhi. Buda sofreu
uma longa preparação, passou por milhões de vidas — é uma personalidade
única. O momento da Iluminação foi o último estalo, foi a conclusão. Muitas e
muitas vidas de esforço e busca foram necessárias para atingir o clímax.

O clímax aconteceu quando ele estava sentado sob a árvore Bodhi, apenas
acidentalmente. Teria acontecido de qualquer modo. Se ele não estivesse
sentado lá, também teria acontecido. Se não houvesse nenhuma árvore,
também teria acontecido. Não era necessário que ele estivesse sentado. Poderia
estar caminhando e aconteceria do mesmo modo. Foi uma conclusão! Estar
sentado sob a árvore Bodhi em uma determinada postura foi apenas uma
coincidência. A postura não foi a causa, assim como a árvore também não o foi.
Se tivessem sido, então poderia haver repetições. Aqueça a água a 100°C e ela
evaporará. Sente-se sob uma árvore Bodhi, exatamente na mesma posição de
Buda, até mais perfeitamente que ele, e a Iluminação acontecerá.

Não! Este não é o meio. Não seja estúpido, não siga cegamente, não faça dos
acontecimentos um ritual. Compreender é necessário, fazer rituais não... É bom
sentar-se na posição de Buda, mas tenha presente que você não é Buda! O
mesmo estalo não irá funcionar para você. Será um outro! Mas se você continuar
seguindo Buda totalmente cego, poderá perder seu próprio estalo, o qual nunca
acontecerá pela repetição dos rituais. É preciso que você siga a si mesmo.
Receba auxílio de todos os Budas, mas não seja cego. Compreenda-os o mais
profundamente que puder porque eles já chegaram — mas nenhum caminho
existe.

A dimensão espiritual é exatamente como o céu: não deixa nenhum traço; é


impossível segui-la. Um pássaro voa; nenhum traço é deixado. O céu permanece
vazio, nenhum caminho é criado. Não é como na terra onde as pessoas passam
e formam um caminho que pode ser seguido. A dimensão espiritual é a mesma
do céu, é não-material, não-terrena, não deixa nenhum traço. Buda está voando,
olhe para o vôo, veja sua beleza, seu lampejo, sua luz, celebre-o, compreenda-
o! Mas não tente segui-lo, não seja cego! A cegueira não auxiliará.

O modo pelo qual Chiyono iluminou-se nunca aconteceu com ninguém mais.
Buda não estava carregando um cesto d’água, nem Mahavir, nem Krishna, nem
Lao Tzu, nem Zaratustra — ninguém mais estava carregando um cesto de água.
E, depois de Chiyono, muitos carregaram porque isso parece tão simples que
você pode planejar; nenhuma dificuldade é envolvida. A noite de lua cheia vem
todos os meses; você pode esperar por ela e fazer como Chiyono. Não seja
ritualístico! Ritual não é religião. Ritual é a coisa mais anti-religiosa do mundo.
Você é único, lembre-se! Algo único irá lhe acontecer, algo que nunca ocorreu
antes e nunca ocorrerá outra vez. Não apenas suas impressões digitais são
únicas, sua alma também é.

Eu estava justamente lendo uma pesquisa científica que prova que todas as
partes do corpo são únicas — não apenas as impressões digitais; seu fígado é
diferente de todos os outros fígados, assim como seu coração e seu estômago.
Nos livros escolares, existem figuras de estômagos que nunca serão
encontrados em lugar algum. São apenas a média, são imaginários. Se você
olhar para o estômago de pessoas reais, verá que são todos diferentes.

A média não é a verdade. É apenas uma aproximação matemática; não um fato.


O real é sempre único. Você tem um tipo diferente de ser que não se parece em
nada com os outros! Isto é bom; é belo que você seja diferente, não apenas uma
repetição como os carros Ford. Um milhão de carros exatamente iguais podem
ser produzidos. Mas você não é uma máquina, é um homem. E no que se
constitui seu humanismo, sua humanidade? No que você é diferente de uma
máquina? Na sua singularidade. As máquinas são repetitíveis. Você pode
substituir um carro Ford por outro carro Ford, não há problema. Mas nenhum
homem jamais poderá ser substituído. Nunca! Cada homem é um florescimento
único, acontece apenas uma vez.

Assim, não seja ritualístico. Compreenda! Deixe que a compreensão seja a lei,
a única lei a ser seguida.

Chiyono escreveu estes versos depois. Celebrou o fenômeno com versos, com
uma canção. Escreveu:

“De um modo ou de outro


tentei manter o pote coeso,
esperando que o frágil bambu
nunca se partisse.

“De repente, o fundo caiu


não havia mais água
nem lua na água —
O vazio em minhas mãos.”

“De um modo ou de outro, tentei manter o pote coeso”. Você tem tentado manter
o pote coeso de um modo ou de outro. Tem carregado sua mente de todos os
modos para segurá-la inteira. A mente é a barreira e você pensa que é a amiga.
A mente é a inimiga e você a suporta de todos os modos possíveis.
Estou lhe dizendo muitas coisas que são contra a mente. Você as colocará em
sua mente e fará delas um suporte. Tudo o que eu digo torna-se informação.
Quando você me deixar e for embora, estará mais instruído. Então, até o que foi
dito contra a mente converter-se-á em um suporte para a mente. Tudo o que eu
digo tornar-se-á ensinamento. Não faça das minhas palavras uma nova
aquisição para a sua velha mente!

“De um modo ou de outro


tentei manter o pote coeso,
esperando que o frágil bambu
nunca se partisse.”

É possível encontrar algo mais frágil do que a mente? Algo mais enevoado do
que os pensamentos? Algo mais impotente do que os pensamentos? Nada
acontece a partir deles. Nada surge deles. Os pensamentos são apenas
prolongamentos. São feitos do mesmo material dos sonhos — não têm nada de
realmente existencial. São apenas voragem no vazio do seu ser.

“De repente o fundo caiu.” — E Chiyono disse: “Não fui eu que provoquei. Eu
estava fazendo precisamente o contrário: mantendo o pote coeso de todos os
modos, esperando que o frágil bambu nunca se partisse. De repente, o fundo
caiu — não foi pelo que fiz.”

“De repente, o fundo caiu.”


Foi um acidente.
“Não havia mais água;
nem lua na água —
O vazio em minhas mãos.”

“A água desapareceu. O pote desapareceu. O vazio em minhas mãos.”

Buda é exatamente isto: “O vazio nas mãos.” Quando você tem o vazio nas
mãos, tem tudo. O vazio não é algo negativo. O vazio é o que há de mais positivo
porque tudo surge do nada. Tudo nasce do vazio. O vazio nas mãos significa a
fonte nas mãos:

Uma pequena semente dá origem a uma grande árvore. De onde vem a árvore?
Olhe a semente, quebre-a, tente encontrar a árvore. Se você quebrar, encontrará
apenas o vazio. Desse vazio é que surge a grande árvore. Do vazio surge todo
o universo. Do nada surge o ser.

O vazio em minhas mãos significa tudo em minhas mãos: a própria fonte de onde
tudo nasce e para onde tudo volta, retorna. O vazio em minhas mãos significa
tudo em minhas mãos.
“De repente, aconteceu. Não posso me congratular por isso. De repente,
aconteceu! Eu estava fazendo precisamente o contrário.”

É por isso que os santos, aqueles que crêem, aqueles que usam a terminologia
de Deus, dizem: “Aconteceu pela Sua Graça.” Chiyono e os budistas não
acreditam em nenhum Deus, eles não usam essa simbologia, Assim, Chiyono
não pode dizer: “Pela Sua Graça”. Eckhart diria: “Por Sua Graça — não pelo meu
merecimento, não pelo meu fazer.” Meera diria: “Pela Graça de Krishna”. Teresa
diria: “Por Jesus e Sua Graça”. Mas os budistas não acreditam em nenhum Deus
personalizado: estão além desses símbolos. Não são antropocêntricos. Por isso,
Chiyono não pôde dizer: “Graças”. Disse simplesmente: “De repente,
aconteceu”; mas o significado é o mesmo. “De repente, aconteceu. Eu estava
fazendo precisamente o contrário.”

“Tudo desapareceu: a água escorreu, a lua desapareceu — o vazio em minhas


mãos.”

Isto é Iluminação: o vazio em suas mãos: Acontece quando tudo está vazio,
quando ninguém existe, nem mesmo você — porque se você estiver, o pote, o
velho pote também estará. Se você não estiver, a casa estará vazia, seu ser não
terá nada, você tornar-se-á a fonte. Chegará na face original.

Este é o mais glorioso momento possível. Este momento eterniza-se, não tem
nenhum fim, torna-se eterno. Então, você não pode se modificar porque não
existe mais. Quem então ficará triste? Quem se lamentará? Quem se
decepcionará? Quem desejará e se sentirá frustrado? O vazio não pode estar
frustrado. O vazio não deseja. O vazio não espera nada. Permanece em sua
Glória Absoluta.

Se você é, está na miséria. Se você não é, nenhuma miséria existe. Assim, todo
o problema é: “Ser ou não ser?”

E Chiyono, de repente, descobriu que não era: “O vazio nas mãos.”


SEGUNDO DISCURSO

Debate Por Um Alojamento

Em alguns templos Zen japoneses, existe uma antiga tradição: se um monge


errante conseguir vencer um dos monges residentes num debate sobre budismo,
poderá pernoitar no templo. Caso contrário, terá de ir embora.

Havia um templo assim no norte do Japão dirigido por dois irmãos.

O mais velho era muito culto


e o mais novo, pelo contrário, era tolo e tinha apenas um olho.

Uma noite, um monge errante foi pedir alojamento a eles.


O irmão mais velho estava muito cansado,
pois havia estudado por muitas horas;
assim, pediu ao mais novo que fosse debater:
“Solicite que o diálogo seja em silêncio”, disse o mais velho.

Pouco depois, o viajante voltou e disse ao irmão mais velho:


“Que homem maravilhoso é seu irmão.
Venceu brilhantemente o debate.
Assim, devo ir-me embora. Boa noite.”
“Antes de partir”, disse o ancião,
“por favor, conte-me como foi o diálogo.”

“Bem”, disse o viajante,


“primeiramente, ergui um dedo simbolizando Buda.
Seu irmão levantou dois dedos
simbolizando Buda e seus ensinamentos.

Então, ergui três dedos


para representar Buda, seus ensinamentos e seus discípulos.
Daí, seu inteligente irmão sacudiu o punho cerrado em minha frente,
indicando que todos os três vêm de uma única realização.”

Com isso, o viajante se foi.


Pouco depois, veio o irmão mais novo
parecendo muito aborrecido.
“Soube que você venceu o debate”, falou o mais velho.
“Que nada!”, disse o mais novo,
“esse viajante é um homem muito rude.”
“É?”, disse o mais velho,
“Conte-me qual foi o tema do debate.”

“Ora!”, exclamou o mais novo,


“no momento em que ele me viu, levantou um dedo insultando-me,
indicando que tenho apenas um olho.
Mas por ser ele um estranho, achei que deveria ser polido.
Ergui dois dedos congratulando-o por ter dois olhos.
Nisto, o miserável mal-educado levantou três dedos
para mostrar que nós dois juntos tínhamos três olhos.
Então, fiquei louco e ameacei lhe dar um soco no nariz — assim, ele se foi.”

O irmão mais velho riu.

Todos os debates são fúteis e estúpidos. O próprio debater é uma idiotice,


porque ninguém pode atingir a Verdade pela discussão e o debate. Você pode
conseguir, no máximo, abrigo por uma noite; mas isso é tudo. Vem daí a tradição.

A tradição é bela. Por muitos séculos, em qualquer mosteiro Zen do Japão, se


você pedisse abrigo, teria antes de debater. Se você vencesse o debate, poderia
permanecer por uma noite. Isto é muito simbólico: poderia ficar, mas apenas por
uma noite. Pela manhã, teria de ir embora. Isto indica que, pelo debate, pela
lógica, pelo raciocínio, você nunca consegue alcançar a meta; consegue, no
máximo, abrigo por uma noite. E não se iluda pensando que a noite de abrigo é
a meta. Pela manhã, será preciso caminhar outra vez.

Mas muitos têm-se iludido. Pensam que o que conseguiram pela lógica é o
objetivo. O abrigo noturno tornou-se a meta. Eles não estão caminhando e
muitas manhãs já se passaram. A lógica pode conduzi-lo para algo que está
próximo da verdade, mas nunca à verdade.

Lembre-se: o que está próximo da verdade também é mentira. O que isto


significa? Ou uma coisa é verdadeira ou não é; não existe meio termo. Ou algo
é verdadeiro ou não é. É impossível dizer que é meio verdadeiro. É como dizer
meio-círculo. O meio-círculo não existe porque a própria palavra “círculo”
significa completo. Se for “meio” não será um círculo.

Meias-verdades não existem. A verdade é total, você não pode obtê-la em


partes, fragmentada. Uma verdade aproximada é uma decepção, mas a lógica
só pode conduzi-lo a decepções. Com ela, e possível conseguir abrigo por uma
noite para descansar, relaxar, mas não faça dela seu lar. Pela manhã, você deve
caminhar novamente; a jornada não termina aí; ela recomeça todas as manhãs.
Relaxe na lógica, na razão, mas não se fixe, não fique estático. Lembre-se
sempre de que você tem de caminhar.

A tradição é bela. Mas é preciso que você entenda uma coisa a seu respeito e
sobre seu significado: ela é simbólica. Um segundo ponto a ser entendido: todas
as discussões são tolas porque provocam um clima no qual qualquer
entendimento entre duas pessoas se torna impossível; no qual qualquer coisa
dita é sempre mal-interpretada. Uma mente que está propensa a vencer, a
conquistar, não consegue compreender nada. Isto é impossível porque a
compreensão necessita de uma mente não-violenta. E quando você está lutando
pela vitória, você é violento.

Debater é um ato de violência. Através dele, você pode matar, mas não
ressuscitar. Através dele, a verdade pode ser assassinada, mas não
ressuscitada. O debate é sempre violento. Nele, sua própria atitude é violenta.
Na realidade, você não está em busca da verdade, está em busca da vitória.
Quando a vitória é a meta, a verdade é sacrificada. Quando a verdade é a meta,
você pode sacrificar a vitória.

Apenas a verdade pode ser a meta; a vitória não. Quando a vitória é a meta,
você se torna um político, não um homem religioso. Você fica agressivo, fica
tentando vencer o outro, fica tentando dominar e tiranizar de todos os modos
possíveis. A verdade não pode nunca se transformar em dominação, não pode
nunca destruir.

A verdade não pode ser uma vitória quando essa vitória significa derrotar
alguém. A verdade traz humildade, modéstia. Não é uma “viagem” de ego (ego-
trip) como o são todos os debates. O debate nunca conduz ao real; sempre
encaminha para o ilusório, para o não-verdadeiro porque a própria sensação de
vitória é tão estúpida! Verdade significa: nem “você”, nem “eu”. Na discussão, ou
você vence ou eu venço; a verdade nunca é a vencedora.

Aqueles que estão realmente na busca permitem que a verdade vença a ambos,
enquanto que os competidores pedem que a vitória pertença apenas a si
mesmos, não aos outros. Entretanto, na verdade, os outros não existem. Na
verdade, nós nos encontramos e nos tornamos um. Assim, quem pode ser o
vencedor? Quem pode ser o vencido? Na verdade, ninguém é vencido. Na
verdade, a VERDADE vence e nós somos vencidos. Na discussão, eu sou eu e
você é você. Não existe nenhuma ponte.

Como você pode entender o outro se está contra ele? O entendimento é


impossível. O entendimento necessita de simpatia, de participação. Entender
significa ouvir o outro totalmente: apenas desse modo acontece o florescimento.
Ao discutir, debater, argumentar, racionalizar, você não ouve o outro. Apenas
finge ouvir e, interiormente, fica se preparando. Por dentro, você está sempre se
preparando para a tacada seguinte, pronto para rebater quando o outro parar.
Você fica se preparando para refutar. Não ouve. Fica tramando como irá refutar
o outro.

Na discussão, no debate, a verdade não é significativa. Por isso, num debate, a


comunicação nunca acontece; é impossível atingir a comunhão. Você pode
argumentar e quanto mais argumentar mais se separará do outro. Quanto mais
argumentar, maior será a brecha — torna-se um abismo. Nenhum encontro
poderá acontecer. É por isso que os filósofos nunca se encontram. O mesmo
acontece com os eruditos. Eles são grandes polemistas — o abismo existe. Eles
não podem se encontrar. É impossível!

Apenas os amantes se encontram, mas amantes não debatem, comunicam-se.


É por isso que, no Oriente, existe tanta insistência sobre shraddha — verdade,
fé. Quando você argumenta com seu Mestre, a brecha se alarga. Neste caso, o
melhor é ir embora; o melhor é deixar que este Mestre seja apenas um abrigo
noturno e ir embora! Estar com ele não o levará a lugar algum, a brecha se
alongará. Se você estiver argumentando, não poderá haver uma ponte sobre o
abismo. Será impossível. Verdade significa simpatia; verdade significa não
argumentar. Você veio para ouvir, não para discutir. Você veio para entender,
não para debater. Você não veio para vencer; pelo contrário, está pronto para
perder.

Um discípulo verdadeiro está sempre em busca de ser derrotado pelo Mestre. O


maior momento na vida de um discípulo acontece quando ele é completamente
vencido, destruído. Não que o Mestre irá vencê-lo; ele é que se encaminhará
para a derrota; o discípulo é que se encaminha para a destruição. E quando o
discípulo não mais existe, quando está completamente derrotado, quando
desaparece, só então a ponte é atravessada. O abismo não mais existe e o
Mestre pode penetrá-lo.

Com Jesus aconteceu o seguinte: ele percorreu todo o seu país, mas todos os
discípulos que se reuniram a ele eram homens simples. Nem uma única pessoa
culta, nem um único erudito o seguiu. Não que lá não houvesse eruditos; havia
homens muito cultos nessa época. Os judeus estavam no pico de sua glória. Foi
por isso que puderam ter um filho como Jesus. Jesus foi o ápice, ele pôde
acontecer; isso mostra que os judeus realmente tocaram seu pico. Eles nunca
atingirão esse ponto outra vez. Havia grandes eruditos, grandes debates eram
marcados. A sinagoga judia era o centro da aprendizagem, uma verdadeira
universidade. De todas as partes do país vinham pessoas para debater,
argumentar, discutir, descobrir. Mas tudo isso não passava de um debate. Nem
um único letrado seguiu Jesus.

Na realidade, todos os letrados eram unânimes em dizer que esse homem devia
ser destruído. Todas as pessoas cultas, instruídas, estavam de acordo em matar
esse homem! Por quê? Porque esse homem era contra argumentos. Ele estava
solapando a própria base. Toda a estrutura poderia cair. Esse homem estava
falando contra a razão. Estava falando sobre fé, sobre amor; estava falando
sobre como criar uma ponte entre dois corações.

O debate ocorre entre duas mentes, duas cabeças. O amor, a comunicação a


confiança acontecem entre dois corações. Ele estava abrindo um novo caminho
— de amizade, de discipulado, de crescimento. Estava cogitando em termos de
uma dimensão totalmente diferente, de outra qualidade. Dizia: “Ponham suas
escrituras de lado! Suas Bíblias não são necessárias, são apenas palavras.” O
erudito, o culto, não poderia tolerar isso. Jesus foi crucificado.

Ele pôde encontrar apenas pessoas simples: pescadores, carpinteiros,


sapateiros — homens simples. Todos os seus discípulos, com exceção de
Judas, eram analfabetos. Apenas Judas era um homem realmente culto,
refinado, um “gentleman”. E vendeu Jesus por trinta peças de prata. Esse culto,
refinado Judas o traiu. E Jesus sabia disso. Sabia que se alguém poderia traí-lo,
esse alguém seria Judas. Por quê? Porque o coração só pode ser traído pela
cabeça. O amor só pode ser traído pela lógica. Nada mais pode traí-lo.

Este é o segundo ponto a ser lembrado antes de entrarmos na estória: pela


lógica, pela cabeça, pela argumentação, as pessoas tornam-se alheias umas às
outras, tornam-se estranhas; a ponte entre elas é perdida. Como você pode
achar a verdade se não consegue entender o outro, se não é capaz nem mesmo
de ouvi-lo, se a sua mente, por dentro, continua discutindo, brigando? Você é
violento, agressivo. Essa agressão não o ajudará. Todos os debates são fúteis,
nunca levam a nada. Mesmo que uma conclusão seja alcançada, essa conclusão
é forçada. Não vem através da discussão. Você pode silenciar o outro, mas a
convicção nunca chegará a partir disso, nunca! E eu digo isso categoricamente:
nunca! Se você tiver alguns truques lógicos, poderá silenciar o outro. Ele não
será capaz de lhe dar uma resposta. Você sentirá que sabe mais do que ele, que
conhece mais truques. Você poderá colocá-lo a nocaute pelas palavras e
racionalizações e ele será incapaz de responder. Mas, deste modo, você não
conseguirá convencê-lo. No íntimo, ele pensará: “Algum dia, encontrarei mais
truques e o colocarei em seu devido lugar. Por enquanto, não posso responder.
Está bem, eu aceito a derrota.” Assim ele é derrotado, mas não vencido.

E estas são duas situações diferentes. Quando você vence um coração, ele não
é derrotado — ele fica feliz. Ele se sente vitorioso com sua vitória, ele participa.
Esta não é uma vitória sua — a verdade venceu e ambos podem celebrar. Mas
quando você derrota uma pessoa, ela nunca é vencida. Permanece inimiga. No
íntimo, fica esperando pelo momento certo de reivindicar seus direitos.

Nenhum debate pode tornar-se uma convicção. E se a convicção não é


alcançada, o que dizer da conclusão? A conclusão é forçada, é prematura. É
justamente como um aborto, não é um nascimento natural. Você forçou — uma
criança morta ou uma criança aleijada, que permanecerá aleijada, fraca e morta
para sempre, nasceu.

Sócrates costumava dizer: “Eu sou uma parteira, auxilio o nascimento natural.”
Um Mestre é uma parteira. Ele não força, porque um nascimento forçado não
pode ser um verdadeiro nascimento. É mais como a morte do que como a vida.

Assim, um Mestre nunca é argumentativo. Se algumas vezes ele parece sê-lo, é


apenas para gracejar com você — ele graceja por uma certa razão. Não tornar-
se uma vítima. Ele o faz por uma determinada razão: ele argumenta apenas para
descobrir se a sua argumentatividade pode ser despertada ou não. Se ela for
despertada, você perderá. Se você puder ouvir suas argumentações, sem tornar-
se argumentativo, ele não voltará a gracejar com você. Ele o está olhando por
dentro. Você pode estar ouvindo conscientemente e argumentando
inconscientemente. Então ele precisa trazer seu inconsciente à tona para que
você possa se conscientizar dele.

Algumas vezes, o Mestre olha como se estivesse com raiva, como se tivesse
resolvido derrotá-lo. Mas ele nunca derrota ninguém; ele quer apenas a derrota
do seu ego, não a sua; quer apenas destruir seu ego, não você. E lembre-se de
que o ego é o veneno, ele o está destruindo. Quando o veneno for destruído,
você ficará livre e vivo pela primeira vez. Uma abundância de luz lhe acontecerá
pela primeira vez. O Mestre destrói a doença, não você.

Algumas vezes ele tem de ser argumentativo. Existiram mestres que foram muito
argumentativos. Era impossível derrotá-los, impossível fazer o jogo das palavras
com eles. Entretanto, eles faziam isso apenas para auxiliá-lo a trazer sua
inconsciência à tona; apenas para que você pudesse se conscientizar, saber se
a sua fé era verdadeira ou não.

Isto aconteceu: um sufi, Junnaid, estava vivendo com seu Mestre. O Mestre era
tão argumentativo que qualquer coisa que você dissesse, ele negava
imediatamente. Se você dissesse: “É dia”, ele dizia “Não, é noite”; sendo que, na
realidade, era dia.

Qualquer coisa que Junnaid dissesse, ele já sabia que o Mestre iria negar. Mas
ele simplesmente abaixava a cabeça e dizia: “Sim, Mestre, é noite.”

Um dia o Mestre lhe disse: “Junnaid, você venceu. Eu não pude criar
argumentações em você. E eu estava tão obviamente falso que qualquer um que
nunca discutiu teria dito: Que tolice! É dia. Não há necessidade de discutir, é tão
óbvio.” E ainda assim você dizia: “Sim, Mestre. É noite.” Sua verdade é profunda.
Agora, nunca mais discutirei com você. Agora, posso lhe dizer a verdade porque
você está pronto.

Quando o coração diz: “Sim!” totalmente, então você está pronto para ouvir. E
apenas então a verdade pode lhe ser revelada. Se um não permanecer em seu
interior, por mais insignificante que seja, você não poderá receber a verdade
porque esse não destruirá tudo. O não, por menor que seja, é poderoso, muito
poderoso, se ele existir, a verdade poderá ser contada, mas a revelação não
acontecera. O não a esconderá outra vez.

É por isso que eu digo que todos os debates são fúteis. E é por isso que eu
continuo repetindo outra e outra vez que todo o esforço da filosofia tem sido inútil.
Ela não chegou a nenhuma conclusão — ela não pode.

Agora, contarei uma estória; depois, entraremos na estorieta Zen.

Certa vez, o Primeiro-Ministro de um grande rei morreu. Esse Primeiro-ministro


era uma pessoa rara, muito inteligente, quase um sábio; era esperto, sagaz, um
grande diplomata. Seria muito difícil encontrar alguém que pudesse substituí-lo.
Então, todo o reinado foi pesquisado. Todos os ministros foram enviados para
procurar por três homens. Um desses três seria escolhido pelo rei para ser o
Primeiro-Ministro.

Por meses a procura continuou. Todo o reinado foi vasculhado; todos os


recantos e esquinas foram pesquisados. Então, três pessoas foram encontradas.
Uma delas era um grande cientista, um grande matemático. Ele podia resolver
qualquer problema de matemática, e Matemática é realmente a única ciência
positiva; todas as outras ciências são apenas ramos da matemática. Assim, ele
se achava na base.

O outro era um grande filósofo, um grande criador de sistemas. Do nada ele


podia criar tudo. A partir apenas de palavras, ele podia criar sistemas
maravilhosos — era um milagre. Apenas os filósofos podem fazer isso. Eles não
têm nada em suas mãos; são grandes mágicos. Criam Deus, criam a teoria da
criação, criam tudo; e sem nada em suas mãos. São brilhantes artesãos de
palavras, combinam as palavras de tal modo que lhe dão a sensação de
substância. E isso sem nada!

O terceiro era um homem religioso, um homem de fé, de prece, de devoção. As


pessoas que estavam procurando esses três homens devem ter sido muito
sábias, porque encontraram os três.

Esses três homens representam as três dimensões da consciência. Elas são as


únicas possibilidades: ciência, filosofia e religião — formam a base. O homem
de ciência interessa-se por experimentos: a menos que algo seja provado pelos
experimentos, não está provado. Ele é empírico, experimental; sua verdade é a
verdade do experimento.

O homem de filosofia é o homem da lógica, não dos experimentos; experimentar


não é a questão. Apenas pela lógica ele prova e refuta. Ele é um homem puro,
mais puro do que o cientista, porque o cientista tem de carregar seus
experimentos, seu laboratório. Um homem de filosofia trabalha sem laboratórios
— apenas com a mente, com a lógica, com as matemáticas mentais. Todo o seu
laboratório está em sua mente. Ele pode provar e refutar apenas pelos
argumentos lógicos. Ele pode resolver ou criar qualquer tipo de enigma.

O terceiro homem está na dimensão da religião. A vida não é problema para um


homem religioso. Ela não existe para ser solucionada; existe para ser vivida.

O homem religioso é o homem da experiência; o cientista é o homem dos


experimentos; e o filósofo é o homem dos pensamentos. O homem religioso é o
homem da experiência: ele olha a vida como algo a ser vivido. Se existe uma
solução, ela vira pela experiência, virá pela vida. Nada pode ser decidido de
antemão pela lógica porque a vida é maior do que a lógica. A lógica é apenas
uma bolha no vasto oceano da vida. Assim, ela não pode explicar tudo. Os
experimentos podem ser feitos apenas quando você não participa, podem ser
feitos apenas com objetos.

A vida não é um objeto; é o próprio cerne da subjetividade. Quando você faz


experiências, é diferente. Quando você vive, unifica-se. Assim, o homem
religioso diz: “A menos que você se unifique com a vida, nunca poderá conhecê-
la.” Como poderá você conhecê-la do lado de fora? Você pode andar e rodear
de um lado para outro, mas nunca acertará no alvo. Assim, o homem de fé não
se atém nem em experimentos nem em pensamentos, mas na experiência, na
simplicidade, na confiança.

Os ministros pesquisaram e encontraram esses três homens que foram, então,


chamados à capital para a decisão final. O rei disse: “Por três dias descansem e
preparem-se. Na manhã do quarto dia o exame final será realizado. Um de vocês
será escolhido e se tornará meu Primeiro-Ministro: aquele que provar ser o mais
sábio.”

Eles começaram a trabalhar cada um à sua própria maneira. Três dias não eram
suficientes! O cientista teve de pensar em muitos experimentos e trabalhar neles.
Quem sabe que tipo de exame seria? Assim, não pôde dormir por três dias, não
havia tempo; além disso, teria toda a vida para dormir depois que fosse
escolhido. Então, por que se preocuparia em dormir? Ele não dormiu nem comeu
nada — não havia tempo suficiente. Muitas coisas tinham de ser feitas antes do
exame.

O filósofo começou a pensar; muitos problemas tinham de ser resolvidos: “Quem


sabe que tipo de problema será questionado?” Apenas o homem religioso
continuou à vontade. Ele comeu e comeu bem. Apenas um homem religioso
pode comer bem porque a comida é uma oferenda, é algo sagrado. Ele dormiu
bem. Ele orava, sentava-se no jardim, passeava, olhava as árvores e era grato
a Deus; porque, para um homem religioso, não existe nenhum futuro, nenhum
exame final. Todo o momento e o exame final, então como preparar-se para ele?
Se algo está no futuro, você pode se preparar. Mas se algo está aqui, agora,
como pode você preparar-se para isto? Você tem de enfrentar a situação. E não
existe nenhum futuro.

Algumas vezes o cientista dizia: “O que você está fazendo? Perdendo tempo —
comendo, dormindo, rezando. Você pode fazer suas preces depois.” Mas o
homem religioso ria e não respondia nada, ele não era um homem de
argumentos.

O filósofo dizia: “Você fica dormindo, sentando lá fora no jardim, olhando para as
árvores. Isso não irá ajudá-lo. O exame não é uma infantil brincadeira. Você tem
de se preparar para ele.” Mas o religioso ria. Ele acreditava mais no riso do que
na lógica.

Na manhã do quarto dia, a caminho do palácio para o exame final, o cientista


não estava nem mesmo em condições de andar. Estava tão cansado por causa
de seus experimentos que era como se toda a sua vida estivesse se esvaindo.
Ele estava morto de cansaço, como se a qualquer momento pudesse cair e
dormir. Seus olhos estavam sonolentos e sua mente perturbada. Estava quase
louco!

E o filósofo? Não estava tão cansado, mas sentia-se mais incerto que nunca. Ele
havia pensado, pensado; discutido, discutido; e nenhum argumento chegava a
qualquer conclusão. Ele estava confuso, perturbado, num caos. No dia em que
chegara poderia ter respondido a muitas questões, mas agora não. Até mesmo
suas respostas certas tinham-se tornado incertas. Quanto mais você pensa,
mais a filosofia se torna inútil. Apenas os tolos podem acreditar em certezas.
Quanto mais você pensa, mais inteligente fica, melhor vê que todos os
pensamentos são apenas palavras, sem nenhuma substância. Muitas vezes ele
quis voltar atrás porque isso não seria de nenhuma serventia. Ele não se sentia
em boas condições. Mas o cientista lhe disse: “Venha! Vamos tentar! O que você
irá perder? Se nós vencermos, tudo bem. Se não vencermos, tudo bem. Vamos
tentar. Não seja tão desanimado!”

Apenas o homem religioso caminhava feliz, cantando. Podia ouvir os


passarinhos nas árvores, podia ver o sol surgindo, podia ver os raios do sol nas
gotas de orvalho. A vida toda era um milagre! Ele não estava preocupado porque
não haveria nenhum exame. Ele iria e encararia a situação. Iria simplesmente e
veria o que acontecesse. Ele não estava esperando por nada, não tinha
expectativas; estava saudável, jovem, vivo — e isso é tudo. Só deste modo é
que uma pessoa pode se aproximar de Deus; não com fórmulas prontas, não
com teorias prontas, não com montanhas de trabalhos de pesquisa
experimental, não com títulos e títulos de doutoramento. Não, isso não auxilia.
As pessoas devem ir para o templo assim — cantando e dançando.
Se você estiver alerta, poderá responder qualquer coisa que vier, porque a
resposta virá através da vida, virá através do coração e o coração está preparado
quando você está cantando, quando está dançando.

Eles chegaram. O Rei havia arquitetado algo muito especial. Eles foram levados
a uma sala onde havia sido montada uma fechadura, um enigma matemático.
Havia muitas figuras na fechadura, mas não havia nenhuma chave. Aquelas
figuras tinham de ser dispostas de um certo modo. O segredo estava nisso, mas
a pessoa teria de procurar e encontrá-lo. Se aquelas figuras fossem dispostas
de um determinado modo, a porta se abriria. O Rei colocou-os dentro da sala e
disse: “Este é um enigma matemático, um dos maiores já conhecidos. Agora
vocês terão de encontrar o segredo. Não existe nenhuma chave. Se vocês
puderem encontrar o segredo, a resposta para este quebra-cabeça matemático,
a fechadura abrirá. E o primeiro a sair desta sala será o escolhido. Agora, podem
começar.” Ele fechou a porta e foi-se embora.

Imediatamente o cientista começou a trabalhar sobre o papel: muitos


experimentos, muitos cálculos, muitos problemas. Ele olhou, observou as figuras
no cadeado. Não havia tempo a perder, era uma questão de vida ou morte. O
filósofo fechou seus olhos e começou a pensar em termos matemáticos sobre o
que fazer, como decifrar o enigma. O enigma era totalmente novo.

Esse é o problema: com a mente, se algo é velho, a resposta pode ser


encontrada; mas se algo é absolutamente novo, como resolvê-lo através da
mente? A mente é muito eficiente com o velho, com o conhecido, com o rotineiro,
mas é totalmente incapaz diante do desconhecido.

O homem religioso nem se aproximou da fechadura. Que poderia ele fazer? Ele
não sabia matemática, não conhecia nenhuma ciência experimental. O que
poderia fazer? Ele apenas se sentou em um canto. Cantou um pouco, orou a
Deus, fechou seus olhos. Os dois outros pensaram: “Ele não é um concorrente.
De certo modo, isto até é bom porque a escolha terá de ser decidida entre nós
dois.” Então, de repente, os dois perceberam que ele havia deixado a sala. Ele
não estava lá. A porta estava aberta!

O rei veio e disse: “O que vocês estão esperando? Acabou! O terceiro homem já
saiu!”

Mas eles perguntaram: “Como? Ele não fez nada!”

Então, quiseram saber do homem religioso: “Como?”

Ele disse: “Eu estava apenas sentado. Comecei a rezar e então uma voz interior
me disse: ‘Que tolo! Vá até lá e olhe. A porta não está fechada.’ Então, fui até a
porta. Ela não estava fechada. Não havia nenhum problema para ser resolvido
e eu saí.”
A vida não é um problema. Se você estiver tentando resolvê-la não a
compreenderá. A porta está aberta, nunca esteve fechada. Se a porta estivesse
fechada, os cientistas encontrariam a solução. Se a porta estivesse fechada, os
filósofos encontrariam um sistema pelo qual ela pudesse ser aberta. Mas a porta
não estava fechada. Assim, só a fé pode abri-la — sem qualquer solução, sem
qualquer resposta pré-fabricada. Empurre a porta e saia.

A vida não é um enigma para ser resolvido, é um mistério para ser vivido. É um
profundo mistério confiar e permitir a si mesmo a entrada. Nenhum debate pode
ser de qualquer ajuda: nem com os outros, nem consigo mesmo — nenhum
debate. Todos os debates são fúteis e estúpidos.

Agora, entremos nesta bela estória: “Em alguns templos Zen japoneses, existe
uma antiga tradição: se um monge errante conseguir vencer um dos monges
residentes num debate sobre Budismo, poderá pernoitar no templo. Caso
contrário, terá de ir embora.”

Os argumentos podem lhe dar isto — um abrigo noturno; apenas isto.

“Havia um templo assim no norte do Japão dirigido por dois irmãos. O mais velho
era muito culto, e o mais novo, pelo contrário, era tolo e tinha apenas um olho.”

Dois tipos de pessoas são necessários para dirigir um templo: o culto e o muito
tolo. É assim que todos os templos são dirigidos — por dois tipos: o instruído que
se tornou sacerdote e os tolos que o seguem. Deste modo é que todos os
templos são dirigidos.

Assim, estas estórias Zen não são apenas estórias, são indicações de fato
específicos. Se as pessoas tolas desaparecerem da terra, não existirão mais
templos. Se as pessoas instruídas desaparecerem dos templos, não haverá mais
templos. Uma dualidade é necessária para que um templo exista. É por isso que
você não pode encontrar Deus em um templo. Você não pode encontrá-Lo na
dualidade.

Esses templos são invenções de pessoas sabidas para explorar os tolos. Todos
os templos são invenções de pessoas astutas que estão explorando — elas
tornaram-se sacerdotes. Os sacerdotes são as pessoas mais sagazes, os
maiores exploradores que existem e o exploram de tal modo que você não pode
nem mesmo se revoltar contra eles. Eles o exploram para o seu próprio bem. Os
sacerdotes são muito hábeis porque conseguem tecer teorias a partir do nada:
todas as teologias, tudo o que eles criaram — é incrível!

A habilidade é necessária para a criação de teorias religiosas. E eles vão


construindo edifícios tão grandes que é quase impossível para o homem comum
entrar neles. Eles usam tantos jargões, usam tantos termos técnicos que você
não pode entender o que estão dizendo. E quando você não consegue entender,
pensa que eles são muito profundos. Quando você não consegue entender algo,
pensa que é muito profundo — que está além de você! Lembre-se disto: Buda
fala numa linguagem muito simples que pode ser entendida por qualquer pessoa:
Não é a linguagem de um sacerdote. Jesus fala por pequenas parábolas;
qualquer analfabeto pode entendê-las. Ele nunca usa qualquer jargão religioso.
Mahavir fala, transmite seus ensinamentos, na linguagem das pessoas simples,
as mais comuns.

Mahavir e Buda nunca usaram o sânscrito, nunca! Porque o sânscrito é a


linguagem dos sacerdotes, dos brâmanes. O sânscrito é a língua mais difícil que
há. Os sacerdotes a planejaram assim; eles a poliram, poliram e poliram. A
própria palavra “sanskrit” significa polimento, refinamento. Eles a refinaram a tal
grau que apenas as pessoas muito, muito instruídas podem compreendê-la; as
que não o são não podem compreendê-la.

Buda usou a linguagem do povo: pali. Pali é a língua do povo, dos aldeões.
Mahavir usou prakrit. Prakrit é a forma não-refinada, a forma natural do sânscrito:
com um mínimo de gramática. O erudito ainda não a burilou, não a refinou de
modo que as palavras se tornassem além do povo. Mas os sacerdotes têm usado
o sânscrito eles ainda o usam. Ninguém compreende o sânscrito agora, mas eles
continuam usando porque toda a profissão deles depende da criação de uma
brecha, não de uma ponte — da criação de um abismo. Se as pessoas comuns
não podem entender, apenas então os sacerdotes sobrevivem. Se as pessoas
comuns entenderem, eles estarão perdidos porque não dizem nada.

Certa vez Mulla Nasrudin foi ao médico — os médicos aprenderam o mesmo


truque dos padres. Eles escrevem em latim, em grego ou então escrevem de tal
modo que mesmo eles, se tiverem de ler o que escreveram, acharão difícil.
Ninguém pode entender o que eles escrevem. Assim, Mulla Nasrudin foi ao
médico e disse: “Ouça, seja franco. Diga-me apenas os fatos. Não use latim ou
grego.”

O médico disse: “Se você insiste e se me permite ser franco, você não está
doente de jeito nenhum. Você está apenas com preguiça.”

Nasrudin disse: “Está bem, obrigado. Agora escreva isto em grego ou latim para
que eu possa mostrar para a minha família.”

As pessoas astutas sempre exploraram as pessoas comuns. É por isso que


Buda, Jesus e Mahavir nunca foram respeitados pelos brâmanes, pelos eruditos,
pelas pessoas astutas, porque são elementos destrutivos, destroem todo o
negócio deles. Se o povo entender, então não haverá nenhuma necessidade dos
sacerdotes. Por quê? Porque o sacerdote é o mediador. Ele entende a língua de
Deus e a sua também. Traduz a sua língua para a de Deus. É por isso que eles
dizem que o sânscrito é dev-bhasa (a língua de Deus). “Você não sabe
sânscrito? — Eu sei, então serei o intermediário, serei o intérprete. Você me diz
o que quer e eu direi isso em sânscrito a Deus, porque Ele só entende sânscrito.”
E, é claro, você tem de pagar por isso.

Estes são os dois tipos necessários para um templo.

“Havia um templo assim... dirigido por dois irmãos. O mais velho era muito culto
e o mais novo, pelo contrário, era tolo e tinha apenas um olho.”

Qual é o simbolismo de um olho nesta estória? Uma pessoa tola está sempre
dirigida para um ponto; nunca hesita, está sempre certa. Uma pessoa instruída
é sempre dual; hesita, divide-se em duas continuamente. Seu interior está
sempre argumentando, em contínuo diálogo. Ela conhece os dois lados.

Uma pessoa instruída é uma dualidade — tem dois olhos. Um tolo tem apenas
um — está sempre certo, não tem nenhuma dúvida, não é dividido. É por isso
que se você olhar para uma pessoa tola, verá que ela se parece mais com um
santo do que com um homem instruído. Se você olhar para um santo, verá nele
algo de semelhante ao tolo, ao bobo. A qualidade difere. Mas existe um ponto
em comum. O bobo está no primeiro degrau e o santo está no último; entretanto,
ambos estão na extremidade da escada. O tolo não conhece; é por isso que é
simples, tem só um olho. O santo conhece; é por isso que é simples. Ele também
tem apenas um olho o qual chama de terceiro olho. Os dois olhos
desapareceram no terceiro. Ele também tem um olho — um! Ele é a unidade
assim como o tolo também o é. Mas qual a diferença?

A ignorância tem uma inocência exatamente igual à da sabedoria. O instruído


está no meio: é ignorante e pensa que é sábio. Esta é a divisão do homem culto:
é ignorante e pensa que é sábio. Não está nem neste nível nem naquele — está
pendurado no meio. É por isso que está sempre tenso. Um homem ignorante é
relaxado; um homem sábio também o é. O ignorante ainda não começou sua
jornada, está em casa. O sábio já alcançou a meta, também está em casa. O
culto está no meio: procurando abrigo em algum mosteiro. Mesmo que seja por
uma noite — ele é um andarilho.

Os budistas bhikkhus têm sido andarilhos. Buda disse: “A menos que você atinja
a meta, seja um andarilho. Seja um errante. Não apenas por dentro, mas por fora
também. Seja um andarilho, a menos que alcance a meta. Quando você alcançá-
la, quando tornar-se um siddha, um Buda, então — poderá sentar-se.

A ignorância e a sabedoria têm uma qualidade em comum, e esta qualidade é a


inocência; nenhuma das duas é astuta. Por isso, algumas vezes acontece ser
um homem de Deus conhecido como um homem tolo, bobo — um tolo de Deus.
São Francisco é conhecido como o tolo de Deus. E ele era! Mas ser um bobo de
Deus é a maior sabedoria possível, porque o ego não mais existe. Você não diz
que sabe; então é tolo porque não proclama seus conhecimentos. Se você não
proclamar, quem acreditará que você é conhecedor? Mesmo quando você
proclama, ninguém o aceita. Você tem de martelar na cabeça dos outros. Você
tem de fazê-los silenciar, tem de argumentar! Quando eles não podem dizer algo,
então com muita má vontade aceitam que talvez, talvez você seja. Mas sempre
dirão: “Talvez”. Eles esperarão pela oportunidade de algum dia poderem negar
isso. Se você não proclamar, quem o aceitará? E se você disser a si mesmo:
“Sou ignorante, não sei nada”, quem poderá pensar que você é um sábio? Se
você disser “eu não sei”, as pessoas aceitarão imediatamente.

Elas aceitarão imediatamente. Elas dirão: “Nós já sabíamos disso. Nós


acreditamos em você. Estamos totalmente de acordo: você não sabe nada
mesmo.”

Tolo de Deus! Se você ler Dostoievsky — um dos maiores novelistas, — sentirá


o que significa tolo de Deus. Em muitas de suas novelas, Dostoievsky coloca um
personagem que é o tolo de Deus. Nos “Irmãos Karamazov” ele está presente.
Ele é inocente, você pode explorá-lo. Mas, mesmo quando você o explora, ele
confia em você. Você pode destruí-lo mas não pode destruir sua confiança —
esta é a beleza.

O que aconteceu com você? Se um homem o engana, toda a humanidade torna-


se impostora. Se um homem o ilude, você perde a confiança na humanidade —
não neste homem, mas em toda a humanidade. Se duas ou três pessoas o
enganam, você julga que nenhum homem merece a sua confiança. Toda sua
crença se vai.

O que eu penso é que você, desde o princípio, nunca quis confiar e estas duas
ou três pessoas foram apenas a desculpa. Caso contrario, você diria: “Este
homem não merece confiança — mas e o resto da humanidade? Não sei. A
menos que o contrário seja provado, eu confiarei.”

E se você for um homem realmente confiante dirá: “Este homem não merece
nenhuma confiança neste momento, este homem também não a mereceu um
momento atrás; mas daqui a pouco — quem sabe? Porque os santos tornam-se
pecadores e os pecadores tornam-se santos.”

A vida é um contínuo movimento. Nada nela é estático. Naquele momento, o


homem foi fraco; mas no momento seguinte ele poderá ganhar controle e não
enganar novamente. Assim, se ele vier no dia seguinte, você acreditará nele
outra vez porque esse será um novo dia, ele será um homem diferente. O
Ganges tem desaguado tanto; ele não é o mesmo rio.

Certa vez, aconteceu o seguinte: Um homem veio a Mulla Nasrudin e pediu


algum dinheiro. Nasrudin conhecia esse homem, sabia bem que esse dinheiro
não seria devolvido; mas era uma quantidade tão pequena que ele pensou:
“Deixe que ele leve o dinheiro. Mesmo que ele não o devolva, nada estará
perdido. Por uma quantia tão pequena não vale a pena dizer não.” Assim, ele lhe
deu o dinheiro.

Após três dias o homem voltou. Nasrudin ficou surpreso. Que incrível! Era um
milagre que esse homem tivesse devolvido o dinheiro. Após dois ou três dias o
homem veio novamente e pediu uma grande quantia. Nasrudin disse: “Agora
não! Na vez passada você me enganou! Agora não permitirei que isso aconteça
outra vez.”

O homem disse: “O que você está dizendo? Na última vez eu voltei com o
dinheiro.”

Nasrudin disse: “Eu sei. Você o devolveu mas me enganou porque eu nunca
acreditei que você iria devolvê-lo. Mas desta vez, não! Agora basta! Eu não lhe
darei o dinheiro.”

É assim que uma mente esperta funciona.

Alguém no templo era ignorante — um homem simples com um olho só, um


homem seguro. O outro era culto e um homem culto está sempre cansado
porque trabalha tanto com nada. Tão ocupado sem ocupação, ele está sempre
cansado.

“Uma noite, um monge andarilho foi pedir alojamento. O irmão mais velho estava
cansado porque havia estudado por muitas horas...”

Você não pode encontrar um homem culto que não esteja cansado.

Vá e olhe! Vá aos sábios de Kashi e olhe! Sempre cansados, sempre cansados.


Trabalhando tanto — com palavras.

Observe: um lavrador não fica tão cansado porque está trabalhando com a vida.
Quando você está trabalhando com palavras, com palavras fúteis, apenas com
a cabeça, você fica cansado. A vida é revigorante! A vida rejuvenesce! Se você
vai trabalhar num jardim, você transpira mas ganha mais energia, você não a
perde. Você vai caminhar e ganha mais energia porque está vivendo um
momento. Se você se fecha em seus estudos com palavras, você começa a
pensar, pensar — este processo é mortal; você fica cansado. Um homem culto
está sempre cansado. Um tolo está sempre saudável, um santo também. Eles
têm muitas qualidades em comum.

“...então ele pediu ao irmão mais novo que fosse fazer o debate: ‘Solicite para
que o debate seja silencioso’, disse o irmão mais velho.” — Porque ele sabia que
seu irmão era tolo. Se você é tolo, o silêncio é precioso. Se você é um santo, o
silêncio também é precioso. Se você conhece algo, você permanece silencioso.
Se não sabe nada, o melhor é permanecer em silêncio.
Um homem sábio torna-se silencioso porque sabe. E tudo o que ele sabe não
pode ser dito. Um tolo tem de ser silencioso porque com qualquer coisa que ele
diga, será descoberto. Um tolo pode enganar se ficar silencioso, mas se falar
isso não será possível porque tudo o que vier dele mostrará sua tolice. Esse
irmão culto sabia muito bem que seu irmão mais novo não era um homem de
palavras. Ele era um homem simples, inocente, ignorante. Assim, disse a ele:
“Solicite para que o diálogo seja em silêncio.”

“Pouco depois, o viajante veio ao irmão mais velho e disse: ‘Que homem
maravilhoso é seu irmão!’”

Esse outro homem também devia ser muito culto. Se um tolo fica em silêncio,
pode derrotar um homem culto. Se falar, será vencido porque então entrará no
mundo do homem instruído. Com palavras, é impossível vencê-lo.

Esse outro homem também era um homem culto, um homem de palavras. Deve
ter sido muito difícil para ele permanecer em silêncio e debater. Como iria
discutir? Se não lhe é permitido falar, se você usa apenas gestos, tudo se torna
bobo e toda a sua esperteza é perdida porque falar é sua única competência.
Assim, se um homem instruído permanece silencioso pode ser derrotado por um
tolo, porque perde toda sua eficiência — ela pertencia às palavras.

Em silêncio, ele é um tolo! Este é o significado. É por isso que os eruditos nunca
ficam silenciosos, estão sempre tagarelando. Se estão a sós tagarelam consigo
mesmos, não param de matraquear. Eles vão falando, falando, falando, por
dentro e por fora, porque pelo seu falar sua eficiência cresce cada vez mais, eles
se tornam cada vez mais competentes. Mas, se eles encontram silêncio, de
repente, toda a sua arte se vai. Eles são mais estúpidos do que um homem tolo.
Mesmo um idiota pode derrotá-los. Eles estão fora de seu mundo profissional,
estão simplesmente desconectados. O andarilho deve ter ficado em grande
dificuldade.

Ele disse: “Que maravilhoso homem é seu irmão. Venceu o debate


brilhantemente. Assim, devo ir-me embora. Boa noite!”

Se você encontrar um homem culto, permaneça silencioso. Enfrente-o com


gestos. Você o derrotará porque ele não sabe nada sobre gestos, ele não sabe
nada sobre silêncio. Na realidade, é muito difícil para ele permanecer sem
palavras. Ele imediatamente pensará que foi derrotado — irá embora para
procurar outro mosteiro antes que seja muito tarde, para procurar um outro
monge com quem possa debater com palavras, intelectualmente.

Os gestos são vivos. Quando você movimenta sua mão, todo o seu ser se
movimenta. Quando você olha, todo o seu ser flui através dos seus olhos.
Quando você caminha, seu caminhar é inteiro. Suas pernas não podem
caminhar por si mesmas. Mas sua cabeça pode. Ela vai tecendo e tecendo por
si mesma. A cabeça pode tornar-se autônoma. Nenhuma outra parte do corpo
pode tornar-se autônoma. Assim, se você quiser estudar um homem, não ouça
o que ele diz. Ao invés disso, olhe como ele se comporta, como entra numa sala,
como se senta, como caminha, como olha. Observe seus gestos: eles revelarão
a verdade!

As palavras são enganadoras. Nós não falamos para revelar, mas sempre para
esconder. Assim, fique silencioso e olhe para uma pessoa: como ela se levanta,
como se senta, como olha, que gestos está fazendo. A linguagem do corpo é
mais verdadeira que a da cabeça. A linguagem do corpo é muito, muito natural;
ela vem da própria fonte. Assim, é muito difícil enganar através dela. Você pode
dizer uma coisa, mas sua face dirá outra. Você pode estar dizendo que está
certo, mas seus olhos, seu próprio jeito, seu modo de se levantar, dizem que
você sabe que está errado. Você pode afirmar-se com palavras que está
confiante, mas todo o seu corpo treme e mostra que você não está.

Quando um ladrão entra, entra de um modo próprio. Quando um mentiroso


aparece, aparece de um jeito próprio. Quando um homem de confiança caminha,
seu caminhar é diferente. Ele não tem nada a esconder, não tem nenhuma razão
para enganar. Ele é verdadeiro, seu caminhar é inocente. Faça uma coisa que
você precisa esconder, e observe a si mesmo — você verá como tudo é
diferente. Mesmo enquanto você estiver caminhando estará escondendo algo:
seu estômago estará tenso, você estará alerta, seus olhos correrão para todos
os lados, observando se alguém está vendo ou não, se você será apanhado ou
não. Seus olhos estarão furtivos, não serão poços de inocência — serão astutos.
Observe os movimentos do seu corpo, eles lhe darão um quadro verdadeiro de
si mesmo. Não ouça as palavras.

Eu tenho de fazer isto continuamente. As pessoas vêm a mim com todo o tipo
de decepções. Eu tenho de olhar para seus gestos, não para o que elas dizem.
Elas podem estar tocando meus pés, mas todos os seus gestos mostram o ego,
de modo que o tocar nos pés é inútil. Elas estão manipulando isso. Elas não
estão enganando apenas a mim. Estão enganando a si mesmas. Todos seus
gestos dizem “Ego!” e todas as suas palavras dizem humildade.

Você não pode enganar pelo corpo. Seu corpo é mais verdadeiro do que sua
mente. E todas as religiões inventadas por sacerdotes lhe dizem: “Seja contra o
corpo. Esteja a favor da mente!” Porque os sacerdotes vivem pela mente,
exploram pela mente. Com o corpo é impossível explorar. O corpo é autêntico,
mostra claramente quem você é.

“‘Ele venceu o debate brilhantemente; assim, devo ir-me embora. Boa noite.’

‘Antes de partir’, disse o irmão mais velho, ‘por favor, conte-me como foi o
diálogo’.”
Ele deve ter ficado perplexo. Como seu estúpido irmão pôde ser brilhante? O
que aconteceu? Ele é um perfeito bobo — como pôde discutir, como pôde
debater, como pôde vencer?

Assim, ele pediu: “‘Antes de partir, por favor, conte-me o diálogo.’

‘Bem’, disse o viajante, ‘primeiramente levantei um dedo para representar


Buda’”— Porque um homem culto, até mesmo ao fazer gestos, usa as palavras,
pois conhece apenas essa linguagem.

Se beija sua amada, no íntimo, ele diz a palavra ‘beijo’. Isto é uma tolice: ele está
beijando, não há necessidade de repetir a palavra ‘beijo’ em sua mente, mas ele
repete. Observe a si mesmo ao ter uma relação sexual: por dentro, você fica
dizendo “Estou amando”. Que insensatez! Ninguém está perguntando. Ninguém
está aí dentro para ouvir. Por que você fica repetindo isso? Por que você
verbaliza tudo o que faz? Porque sem a verbalização você não se sente à
vontade. Você se sente à vontade apenas com palavras. Com Deus você não
pode estar tranquilo, mas com a palavra ‘Deus’ tudo está bem. É por isso que
um homem culto vai ao templo, à mesquita, à igreja. Lá também ele fica
tagarelando. Ele tagarela com Deus, mas com palavras.

Kierkegaard, Soren Kierkegaard disse:

“Quando eu entrava na igreja, antigamente, costumava falar. Costumava dizer


coisas, me lamentar, rezar. Mas então, pouco a pouco, me senti tolo. Pensei!
Estou falando com Ele e não estou Lhe dando nenhuma chance para falar
comigo. É melhor eu ouvir; quando se está diante de Deus, o melhor é ouvir.”
Então ele parou de falar. Pouco a pouco, esqueceu todas as preces. Ia à igreja
e se sentava silenciosamente; mas em seu silêncio também havia palavras. Ele
não as estava usando do lado de fora, mas por dentro elas continuavam
revolvendo-se.

Assim, pouco a pouco, ele abandonou as palavras interiores também — apenas


então ouvir tornou-se possível. Quando isto acontece, você entra numa
dimensão totalmente diferente — de audição, de passividade, de receptividade.
Você se torna um útero, começa a receber a verdade. Então, você não fala mais,
não é agressivo.

E Deus inicia seu trabalho; você permite que Ele trabalhe. Então Kierkegaard
tornou-se absolutamente silencioso e parou de ir à igreja.

Alguém lhe perguntou: “Por quê? Por que você parou de ir à igreja?”

Ele disse: “Agora aprendi o que significa igreja; significa estar silencioso,
ouvindo. Isso pode ser feito em qualquer lugar, e é melhor fazer isso em outros
lugares porque na igreja muitas outras pessoas estão tagarelando. Elas me
perturbam. É melhor ficar sob uma árvore, ou sob o céu.”
Lá, a igreja é maior, mais natural. Se você ficar silencioso, Deus estará em todos
os lugares. Se você quiser falar, o melhor é ir ao templo! Mas se quiser ficar
silencioso, para que ir a qualquer lugar? Ele está em todo lugar. Você é que não
consegue ficar silencioso. Você faz algo e repete isso por dentro. Sente fome e
diz “Eu estou com fome”. Sentir a fome não é o suficiente? A menos que você
diga isso não se sente à vontade. Você se tornou viciado pelas palavras.

O andarilho devia ser um homem realmente culto — “Bem”, disse o viajante,


“primeiramente levantei um dedo para representar Buda. Então seu irmão
levantou dois para representar Buda e seus ensinamentos” — o dhamma.

Um homem que não consegue usar um gesto sem palavras interpreta os gestos
dos outros também com palavras! Agora, olhe para o elo. O que estava
acontecendo? Você analisa os gestos dos outros do mesmo modo que interpreta
os seus — por palavras.

Ele estava pensando: “Esse dedo... um dedo representa...”

Um dedo não representa ninguém! Um dedo é suficiente em si mesmo. Um dedo


é apenas um dedo! Por que fazer dele uma representação? Ele não é uma
representação de ninguém. Um dedo é algo tão belo, por que deveria representar
algo? Mas a mente sempre gosta das coisas de segunda mão. Um dedo em si
não é o suficiente, ele tem de representar alguém.

Quando você olha para uma flor, não consegue olhar diretamente para a flor;
imediatamente pensa que ela representa algo. Você diz: “Parece com o rosto da
minha mulher.” Ao olhar a lua, você diz: “Parece com o rosto do meu namorado.”
Que absurdo! A lua é a lua. E o homem, ao olhar para o rosto da namorada, diz:
“Parece com a lua.” Nem a lua, nem o rosto da namorada são suficientes em si
mesmos. E, na verdade, tudo é suficiente em si mesmo. Ninguém representa
ninguém.

Todo o mundo representa apenas a si mesmo. Cada ser é original, único.


Ninguém é uma reprodução. E quando você diz que um dedo representa Buda,
Buda torna-se o original e o dedo fica sendo a reprodução. Não! Buda não pode
permitir isso. Eu não posso permitir isso! O dedo é tão belo sem representar
ninguém! Quando você pensa que um de seus dedos está representando Buda,
então os dois dedos do outro representam Buda e seu dhamma — seus
ensinamentos.

Isso acontece porque você não ouve o que o outro diz. A sua compreensão do
que o outro diz vem do que você ouve da sua própria mente. Você interpreta o
outro. Quando eu digo algo, não pense que você ouviu o mesmo que eu disse.
Quando eu digo algo, você ouve alguma coisa que não está relacionada comigo;
está ligada com seu próprio processo de pensamento.
O processo mental do andarilho foi: “Este dedo representa Buda, então os dois
dedos do outro...” ele estava totalmente inconsciente do que estavam
representando. Você não pode entender o outro se tiver alguma palavra em seu
interior, porque então tudo se ligará com essa palavra, com o seu processo
mental e, então, tudo será destorcido. Ele pensou que o outro estava dizendo
que tinha duas coisas, não uma: Buda e seu dhamma — seus ensinamentos,
suas leis.

“Então eu ergui três dedos...” — olhe para o encadeamento interior.

Você não está se comunicando com o outro de modo algum. Você está se
comunicando consigo mesmo! Isto é o que a loucura significa. Loucura significa
não se relacionar com o outro, apenas consigo mesmo, num processo de
encadeamento do passado ao novo momento, do passado à nova experiência,
sempre através de interpretações de deformações.

“Assim eu levantei três dedos”, porque se ele diz: ‘Buda, dhamma’, eu digo:
‘Buda, dhamma, sangha — Buda, seus ensinamentos e seus discípulos.”

Os três estão presentes: são os três refúgios budistas. Quando um discípulo quer
ser iniciado, tornar-se um bhikkhu, diz: “Buddham shara nam gachhami — eu me
refúgio em Buda. Dhammam sharanam-gachhami — eu me refúgio nos
ensinamentos de Buda. Sangham sharanam gachhami — eu me abrigo no
sangha, nos discípulos de Buda.” Estes são os três refúgios, as três jóias do
budismo.

Mas esse homem não viu o que o outro estava fazendo. Uma desconexão total!

“‘Então eu levantei três dedos para simbolizar Buda, seus ensinamentos e seus
discípulos. Daí, seu brilhante irmão sacudiu seu punho cerrado em minha face
para indicar que todos estes procedem de uma única realização.'

Com isso o viajante se foi.”

Um pouco mais tarde, o irmão mais novo veio, parecendo muito aborrecido.

‘Soube que você venceu o debate’, disse o mais velho.

‘Que nada’, disse o mais jovem, ‘esse viajante é um homem muito rude!’

‘Oh!’ disse o mais velho, ‘Conte-me qual foi o tema do debate.’

‘Ora’, disse o mais jovem, ‘no momento em que ele me viu, levantou um dedo
insultando-me, indicando que tenho apenas um olho.’”

Você sempre compreende de acordo consigo mesmo. Você lê um livro e


compreende apenas o que já conhece. Você ouve, mas interpreta pelo passado;
seu passado interfere. Um homem com um olho só está sempre cônscio de seu
defeito. Ele carrega um defeito e espera um insulto em toda a parte. Ninguém
está preocupado com você, mas se você tem um sentimento de inferioridade
está sempre esperando que alguém o insulte. Você está certo disso, e então
interpreta. O outro pode estar dizendo “Buda”, mas você verá que ele está
indicando que você tem apenas um olho. Ninguém está preocupado com seus
olhos, mas nós interpretamos de acordo com a nossa compreensão.

Um homem encontrou Byazid, um místico sufi, e lhe fez uma pergunta. Ele disse:
“Venha daqui a um ano. Agora você está doente. Seu interior está em tumulto e
eu não posso lhe dizer a verdade porque você não a compreenderá — você a
interpretará de um modo errado. Por um ano, tente ficar saudável, silencioso,
meditativo. Depois disso, venha. Se eu sentir que você pode ouvir, responderei.
Caso contrário, você terá de ir a outra pessoa.”

O homem ouviu e foi embora. Por um ano fez todo o esforço possível para estar
saudável, silencioso, pacífico. Mas nunca mais voltou.

Então Byazid perguntou: “O que aconteceu com aquele seguidor?”

Alguém lhe disse: “Nós lhe perguntamos:

‘Por que você não foi saber a resposta?’ Ele disse: ‘Agora não preciso mais
porque daqui mesmo posso entender o que Byazid diz.’

Este é o paradoxo: quando você não está preparado, você pergunta, mas então
nada pode lhe ser dito. Quando você está preparado, você não pergunta, e
apenas então a verdade pode lhe ser dita.

Quando você tem um olho, está sempre esperando insultos e se você os está
esperando, você os encontra — este é o problema. Quando você procura
insultos, você os encontra — este é o infortúnio. Mesmo que ninguém o insulte,
você os encontra. Então não procure tais coisas, caso contrário você as
encontrará em todos os lugares.

Alguém rirá, não de você, porque, quem é você? Por que você pensa que é o
centro do universo? Esta é uma tendência egoística. Você está passando por
uma rua e alguém ri; você logo pensa que estão rindo de você. Por que de você?
Quem é você? Por que você imagina que é o centro do mundo? Alguém ri —
está rindo de você. Alguém insulta — está insultando a você. Alguém está com
raiva — está com raiva de você.

Em toda a minha vida, eu nunca encontrei uma pessoa que estivesse com raiva
de mim. Muitas pessoas estavam com raiva, mas ninguém com raiva de mim
porque eu não sou o centro do mundo. Por que estariam elas com raiva de mim?
Elas estavam com raiva — mas isso é algo ligado ao próprio ser delas, não a
mim. Eu tenho cruzado com pessoas que foram até violentas comigo, mas elas
não foram violentas comigo. Essa violência estava vindo do passado delas. Eu
não fui a causa que a originou. Eu fui a desculpa, não a causa. Apenas a
desculpa — se eu não estivesse lá, ela teria feito exatamente o mesmo com
outra pessoa. Outro teria se tornado a vítima. Assim, foi apenas uma
coincidência que eu estivesse lá.

Quando sua esposa fica com raiva de você, isto acontece apenas por
coincidência. Fuja! E não esteja tão certo de que ela está com raiva de você. Ela
está brava, você está lá, isso é tudo. Ela poderia ter ficado brava com a
empregada, com o filho, com o piano, com qualquer coisa!

Todo o mundo vive através do próprio passado. Apenas os Budas vivem no


presente. Ninguém vive no presente.

O irmão mais novo pensou “Está bem, então ele está indicando que eu tenho
apenas um olho. Ele é rude. Ele está me insultando por eu ter apenas um olho.
Mas por ser ele um estranho, achei que eu devia ser cortês.”

Mas no momento em que você pensa que deve ser cortês, você já não está
sendo cortês. Como pode ser? A idéia entrou. Ao pensar que o outro é grosseiro,
você já se tornou grosseiro, independente de qualquer motivo. A idéia de que “o
outro é rude” surgiu porque a sua própria rudeza veio à tona. Por causa da sua
rudeza, o outro lhe parece rude — você destorce tudo. O outro está mostrando
seu dedo representando Buda; ele nem mesmo olhou para o seu olho. Ele não
está interessado, ele quer apenas um refúgio.

Um Buda — e você interpreta que ele está mostrando seu único olho; ele é rude!
Quando você pensa que alguém está sendo rude, olhe para si mesmo: você verá
a sua rudeza. Por causa dela é que você o interpreta assim.

Mas por que você é rude? Por que sua rudeza é o meio de proteger seu defeito.
As pessoas rudes estão sempre sofrendo de sentimento de inferioridade. Se uma
pessoa não estiver limitada de modo algum por um complexo de inferioridade,
não será rude. A rudeza é a proteção. Pela rudeza a pessoa protege seu defeito.
Ela diz: “Eu não lhe permitirei tocar no meu defeito. Eu não permitirei que você
me machuque.

Ela se protege, mas a proteção torna-se projeção. Ela pensa que o outro é rude
porque assim pode ser rude também. Esta é apenas uma desculpa para a sua
rudeza. Primeiro, você tenta provar que o outro é rude para que seu ego ainda
possa dizer: “Eu tentarei ser polido.”

Quando você é polido, sua polidez é apenas uma fachada. Por dentro, a rudeza
entrou e cedo ou tarde explodirá.

“Mas eu pensei que por ele ser um estranho deveria ser gentil. Assim, levantei
dois dedos para felicitá-lo por ter dois olhos.”
Isto é totalmente falso. Como pode você congratular alguém se está se sentindo
insultado? Se você está sentido porque tem um olho e os outros têm dois, como
pode congratular-se? No íntimo, você está com ciúmes; senão, como pode
congratular-se?

Como congratulação vir dos ciúmes? Mas todas as suas congratulações vêm
desse modo. É um modo gentil, cultural, refinado. Você é derrotado por alguém
e felicita-o por sua vitória. Que absurdo! Se você fosse realmente tal pessoa, não
teria lutado de modo algum. Ao lutar, você era o inimigo e agora que está
derrotado vai felicitar o outro. No íntimo, existe a inveja, você está em ebulição.
Você gostaria de matar esse homem. No futuro, você tentará, você verá!

Mas a sociedade precisa de etiquetas.

Por que a sociedade necessita de etiquetas? Porque todo o mundo é muito


violento. Se não houvesse as etiquetas, nós estaríamos saltando um na garganta
do outro continuamente. A sociedade tem de criar barreiras. Não pode lhe
permitir pular na garganta dos outros o tempo todo; do contrário, a vida ficaria
impossível.

Mas vocês estão continuamente pulando na garganta dos outros. Sua etiqueta,
sua cultura, seus modos civilizados, suas maneiras escondem esse fato. Não
permitem que uma civilização verdadeira aconteça. Que coisa falsa! É por isso
que a cada dez anos uma grande guerra é necessária, na qual todas as
etiquetas, todas as boas maneiras, todas as moralidades são jogadas fora e
vocês podem pular na garganta um do outro sem qualquer culpa. Então matar
torna-se o jogo; quanto mais você mata, melhor é. Quanto mais você é rude,
maior guerreiro é.

E de volta a seu país você é recebido como herói. Padmabhushan, Mahavir


Chakra, Victoria Cross lhe são dadas. Você recebe medalhas. Por que essas
medalhas lhe são dadas? Por se ter tornado um bárbaro, por se ter tornado um
assassino. Por ter sido um grande assassino, uma medalha lhe é dada pelo seu
país. E nós chamamos esses países — onde os assassinos são reconhecidos e
apreciados — de civilizados. Isto em relação aos assassinos das massas. Agora,
quanto aos assassinos individuais, estes têm de ser enjaulados. Assassinatos
individuais não são permitidos. Apenas quando toda a sociedade fica louca e há
guerra — então, tudo é posto de lado, sua real natureza é permitida. É por isso
que todo o mundo se sente feliz quando há uma guerra. Deveria ser o contrário.
Mas todo o mundo se sente feliz porque tem permissão para ser animal; o que,
aliás, você sempre quis. Sua cultura, sua etiqueta, suas boas-maneiras são
apenas modos polidos de esconder o animal atrás de uma fachada.

O irmão mais novo disse: “Assim, ergui dois dedos para felicitá-lo por ter dois
olhos. Nisto, o miserável mal-educado levantou três dedos para mostrar que nós
dois juntos tínhamos três olhos.”
Em tudo o que você faz, seu defeito está presente. O outro está dizendo: “As
três jóias de Buda” e você pensa que ele está apenas cutucando de novo a sua
ferida. Você tenta ser polido, você tenta não ser rude, você tenta até felicitá-lo.
Mas você é você, sua mente continua.

Agora ele está mostrando três dedos. Novamente sua mente vem e diz: “Esse
miserável! Ele está dizendo que nós dois juntos temos três olhos.” Outra vez ele
está apontando que você tem um olho. Agora isso já é demais. Agora chega!

“Assim, eu fiquei louco e ameacei lhe dar um soco no nariz — então ele foi
embora.”

Ele estava louco desde o começo. Antes de se encontrarem, ele já estava louco,
porque você não pode criar a loucura se ela não estiver lá. Você pode criar
apenas coisas que já existem, sua criação não existe a partir do nada. Esse é
apenas um estado não-manifesto que se torna manifesto. A raiva existe, você
não precisa criá-la. Alguém se torna o pretexto — e ela vem à tona. Você não
está com raiva dele, ele não é a causa. Você já estava carregando a raiva — ele
tornou-se o pretexto. A loucura é interna; ninguém pode torná-lo louco se você
já não o estiver. Mas nós sempre pensamos que os outros é que nos tornam
raivosos, que os outros é que nos fazem deprimidos, que os outros é que nos
fazem isso e aquilo.

Ninguém lhe faz coisa alguma. Mesmo que o deixem sozinho, você ficará louco,
ficará com raiva. Mesmo que todo o mundo desapareça, haverá momentos em
que você estará triste; haverá momentos em que você estará feliz; haverá
momentos em que ficará com raiva; haverá momentos em que sentirá muita
compaixão — embora não haja ninguém.

É a sua estória interna que se desdobra.

Isto é o que um homem sábio conclui: que tudo é um desdobramento do eu.


Você apenas me dá a oportunidade, a situação; mas tudo é um desdobramento
do eu.

Uma semente cai no solo, germina, e uma árvore começa a crescer. O solo, o
ar, a chuva, o sol estão dando a oportunidade. Mas a árvore já estava escondida
na semente. Você carrega a árvore inteira do seu desdobramento e as outras
pessoas apenas lhe dão a oportunidade. Quando algo acontecer, não olhe para
fora, olhe para dentro, porque a coisa, como ela está acontecendo, está ligada
com o seu passado, não com a pessoa à sua frente.

“Eu fiquei louco e ameacei lhe dar um soco no nariz — então ele se foi. O mais
velho riu.”

O irmão mais velho pôde ver os dois pontos de vista. Pôde ver que o viajante
culto nunca falou com este homem, nunca gesticulou para este homem. Pôde
ver que seu tolo irmão nunca entendeu o que foi gesticulado. Eles
permaneceram intocáveis — separados por um abismo, sem nenhuma ponte.
Eles debateram, eles concluíram. Um foi derrotado, o outro tornou-se vitorioso,
mas eles nunca se encontraram — nem por um único momento. Ele riu.

Uma risada pode tornar-se Iluminação.

Uma risada pode ocasionar um profundo entendimento, uma transformação. Se


a risada não for por causa da estupidez de seu irmão ou do viajante; se a risada
acontecer por causa de toda a situação; por ver como a cabeça funciona, como
duas cabeças nunca conseguem se comunicar, como dois passados nunca
chegam a se encontrar, como duas mentes sempre permanecem separadas —
por ver que não existe nenhum caminho pelo qual elas possam se encontrar e
se fundir uma na outra... Se ele rir de toda a situação — não do irmão nem do
culto andarilho, porque se ele rir do irmão ou do viajante culto, esta risada não
se poderá tornar Iluminação, ele permanecerá o mesmo — mas se ele rir de toda
a situação: de como a mente funciona; de como a mente argumenta; de como a
mente continua dentro de si mesma, sem nunca se relacionar com o exterior; de
como a mente está sempre fechada, nunca aberta; de como a mente é apenas
um sonho interior, um pesadelo...

Se ele compreender isso, esta risada tornar-se-á um estalo. O pote, o velho pote
cairá, a água escorrerá — nem água, nem lua.
TERCEIRO DISCURSO

É Mesmo?

O Mestre Zen, Hakuin,


era respeitado por todos os seus vizinhos
como alguém que levava uma vida pura.

Um dia, foi descoberto


que uma moça muito bonita
que morava perto de sua casa
estava grávida.

Os pais da moça ficaram furiosos.


No início, a moça não quis dizer quem era o pai,
mas após muita pressão
falou que o pai era Hakuin.

Com muita raiva, os pais foram a Hakuin,


mas tudo o que ele disse foi:
“É mesmo?”

Quando a criança nasceu,


foi levada a Hakuin
que, a essa altura, já havia perdido sua reputação,
o que parecia não perturbá-lo absolutamente.

Hakuin obteve leite, comida e tudo o mais


que a criança necessitava,
pedindo esmola a seus vizinhos.
Cuidou da criança com todo o carinho.

Um ano mais tarde, não suportando mais a situação,


a mãe da criança contou a verdade a seus pais —
o verdadeiro pai era um jovem
que trabalhava no mercado de peixes.

O pai e a mãe da moça


foram imediatamente a Hakuin
contar-lhe toda a estória.
Desculparam-se muito, imploraram seu perdão
e pediram a criança de volta.

Enquanto entregava a criança,


de boa vontade, o Mestre simplesmente falou:
“É mesmo?”

O que é vida pura? Ao que você dá o nome de pureza? Tudo o que você chama
de pureza, na realidade, não é puro. O que você chama de pureza é apenas uma
avaliação, uma avaliação moral. O que você chama de pureza não é santidade.
A pureza de um santo é a inocência. Mas a sua é uma espécie de esperteza, de
sagacidade.

É preciso que isso seja compreendido antes de mais nada. Se você compreender
profundamente, poderá entender o que é um homem consciente, um santo, um
homem sábio. Porque se a sua medida estiver errada, se a própria base do seu
julgamento estiver errada, tudo o mais também estará.

A pureza real é exatamente como uma criança: inocente. Inocente sobre o que
é bom e o que é mau. Inocente sobre qualquer distinção. A pureza real não sabe
quem é Deus e quem é o demônio. A sua pureza, entretanto, é uma escolha,
uma escolha de Deus contra o demônio, do bem contra o mau. Você distingue,
divide a existência. E uma existência dividida não pode caminhar para a
inocência.

A inocência floresce apenas quando a existência não está dividida, quando você
a aceita totalmente: sem escolhas, sem divisões, sem distinções. Quando você
realmente não sabe o que é bom e o que é mau. Quando você sabe, avalia.
Então, sua pureza é uma manipulação, não é mais um florescimento.

Vou lhe contar uma estória. Ela foi escrita por Khalil Gibran; é muito bonita.

Um padre estava indo para o templo. Bem ao lado da estrada, viu um homem
quase à beira da morte: sangrando, morrendo, parecendo ter sido severamente
atacado. Havia feridas por toda parte; o sangue fluía: ele estava ensopado em
seu próprio sangue.

O padre estava com pressa. Tinha de chegar logo ao templo porque muitas
pessoas estavam lá à sua espera. Mas ele era um homem de moral — não direi
de pureza — era um homem de moral. Assim, ponderou sobre o que fazer.
Avaliou a situação e pensou: “É melhor auxiliar esse homem que está morrendo.
Jesus mesmo disse que é melhor esquecer o templo e os adoradores. Eles
podem esperar um pouco. Esse homem tem de ser auxiliado imediatamente. Do
contrário, morrerá.”
O padre dirigiu-se para o homem, mas no momento em que viu sua face ficou
assustado. Essa face lhe parecia familiar: era demoníaca. Então,
repentinamente, lembrou-se de que em seu templo havia uma figura do demônio.
E era esse homem! Esse homem era o demônio, o próprio! Então, começou a
correr em direção ao templo.

O demônio o chamou e disse: “Padre, ouça! Se eu morrer, você vai se


arrepender para sempre. Porque se eu morrer, onde ficará seu Deus? Se o mau
morrer, como você saberá o que é bom? Você existe por minha causa. Pense
melhor!”

O sacerdote parou. O demônio estava certo. Se ele morresse, não haveria mais
inferno. Se não houvesse medo, quem iria adorar a Deus? Todos os religiosos
se baseiam no medo!

Você está com medo. Seu amor a Deus está baseado no medo que tem do
demônio. Sua bondade é medida através da maldade. Deus precisa do demônio.

O demônio disse: “Deus necessita de mim! Ele não pode existir sem mim. Todos
os templos cairão e ninguém mais virá adorá-lo. Você não encontrará um único
religioso se eu não existir. Eu os tento. E, através da minha tentação, eles
tornam-se santos. Você já ouviu falar, alguma vez, de um santo que não tivesse
sido tentado pelo demônio? Seu Jesus, seu Zoroastro, seu Buda — todos foram
tentados por mim! Fui eu quem os fez santos. Volte!”

O padre hesitou um pouco. Mas o demônio era lógico. O demônio é sempre


lógico. É a lógica personificada. Ninguém consegue raciocinar e argumentar
como ele. Se argumentar, será derrotado. É impossível vencer uma
argumentação com o demônio.

O padre teve de ceder e concordar. Ele disse: “Parece que você está certo.
Como ficaremos sem você?” Então, carregou o demônio nas costas até o
hospital. Esperou lá até ter certeza de que o demônio estava fora de perigo, de
que sobreviveria. E com o demônio, todos os templos, todos os padres e todas
as religiões sobreviveram!

Esse padre era um homem moral, mas não puro. Sua vida era um cálculo
matemático. E quando você calcula é sempre derrotado pelo demônio. Ninguém
pode calcular melhor do que ele. Se você argumentar, estará dividindo a vida.
Se transformar a vida em um problema lógico, nunca vencerá. O jogo estará
perdido. Você estará perdido. Você estará lutando por uma batalha perdida.

Um homem inocente não sabe quem é Deus e quem é o demônio. Um homem


inocente vive de sua inocência, não de seu cálculo. Não é astuto, é simples. Vive
cada momento. O passado e o futuro não significam nada. Cada momento é
suficiente em si mesmo.
Mas sua moralidade! Sua moralidade é criada pelo padre, pelo homem que
auxiliou o demônio só porque ele argumentou corretamente. Sua moralidade não
é pura. Quando você conhece alguém que se comporta de um modo que você
acha puro, alguém que consegue manipular a si mesmo, você o honra, o
respeita, chama-o de santo. Mas seus santos são tão falsos quanto você, porque
é você quem decide e julga quem é santo. Sua moralidade é apenas um medo,
um medo disfarçado. E o disfarce é tão inteligente que você nunca o percebe.

Como uma avaliação pode tornar-se inocente? E sem se tornar inocente —


inocente como as árvores, inocente como os animais, inocente como os bebês
— como pode a pureza ser sentida? Não é algo que você possa controlar. Se
controlar, estará se reprimindo e o oposto permanecerá presente. Se você se
tornar um celibatário, o sexo permanecerá escondido no seu inconsciente,
esperando pelo momento de se declarar, de se rebelar. Se você se tornar não-
violento, a violência permanecerá em seu interior. O oposto não pode ser jogado
fora. Se existir escolha, o não-escolhido permanecerá em forma de repressão. E
é só isso que você consegue fazer. Apenas numa mente inocente o oposto
desaparece porque nada foi escolhido. O oposto não pode existir sem a escolha.

Eis por que Krishnamurti enfatiza constantemente a não-escolha, a não-opção:


ela é a base da inocência. Mas você pode se iludir, escolhendo a não-escolha.
Você diz: “Krishnamurti disse para não escolher, então não escolherei. Se você
decidir, a vontade entrará e a vontade é astuta. Se você decidir ser “sem-
escolha”, esta sua atitude será parte de uma moralidade, não de uma pureza.

Não escolha, apenas compreenda. Não escolha nem mesmo a não-escolha.


Simplesmente compreenda toda a situação. Observe como tudo o que escolhe,
tudo o que faz, vem da sua mente calculadora, não da realidade. Sua mente
produz apenas sonhos, não pode produzir a verdade. A verdade não pode ser
produzida por ninguém. Ela está aí! Basta vê-la. Não existe nada para ser feito,
somente um olhar é necessário, um olhar sem qualquer preconceito, um olhar
sem qualquer escolha, um olhar sem qualquer distinção.

Um homem de Deus que está reprimindo, que está negando o diabo, não é, na
realidade, um homem de Deus. Porque, neste caso, o demônio ainda continua
presente em algum canto de seu interior. Se você dividir, estará na batalha dos
opostos, será esmagado. Se não decidir, não saberá o que é bom e o que é mau.
O que quer que ocorra, aceitará simplesmente. Está acontecendo, o que você
pode fazer? Nada pode ser feito. Então, você fica flutuando como uma nuvem
branca. Não sabe para onde está indo. O vento sopra para o norte, você vai para
o norte. O vento desvia-se para o sul, você vai para o sul. Você flutua com o
vento! Não diz: “Estou indo para o sul, não posso ir para o norte”. Você não briga.

Um homem puro não é um soldado, é um santo. Um homem de moral é um


soldado, não um santo. Naturalmente, sua briga é interna, não externa. Sua briga
não é com os outros, é consigo mesmo. Mas continua existindo.
É preciso que você não seja um lutador. Se lutar, perderá a batalha. Como é
possível brigar com o Todo? Você é apenas uma ínfima, uma atômica parte.
Como pode brigar com o Todo? Um homem puro nunca briga nem se rende,
porque a rendição também pertence ao soldado. Primeiro, ele briga. Depois,
descobre que é impossível vencer e se rende. Sua rendição também é de
segunda mão, vem através da luta.

Um homem puro simplesmente existe. Não é um lutador, não precisa render-se.


Não existe nada para se render, ninguém a quem se render. A quem e ao que
ele se renderá se nunca lutou?

A compreensão o conduz à aceitação e é a aceitação que lhe dá pureza. Mas


esta pureza não pode ser honrada pelas pessoas, pelos vizinhos — eles não a
podem entender.

A moralidade pertence a um país; a pureza não tem pátria. A moralidade


pertence a uma era; a pureza é atemporal. A moralidade pertence a esta ou
àquela sociedade: existem tantas moralidades quantas sociedades; a pureza é
una. Onde quer que você vá, é sempre a mesma. Exatamente como o gosto do
mar! Onde quer que você vá, é salgado.

Se você experimentar Buda, Jesus ou Ramakrishna, sentirá que todos eles são
como o mar, têm o mesmo sabor. Mas com os homens de moral é diferente. Um
maometano é diferente de um hindu; não pode ser igual. Um cristão é
completamente diferente de um hindu ou de um maometano. Um homem de
moral tem de seguir o código, a lei da sociedade, e as sociedades são muitas,
as moralidades são milhares. Tanto as sociedades quanto as moralidades
mudam.

A pureza é eterna. Transcende tempo, espaço, clima, tribos, países. Transcende


tudo o que é feito pelo homem. A pureza não é feita pelos homens. Apenas as
moralidades o são.

Agora, vamos entrar nesta maravilhosa estória. Ela aconteceu na realidade. É


um fato histórico.

“O Mestre Zen Hakuin era respeitado por todos os seus vizinhos como alguém
que levava uma vida pura.”

Os vizinhos não sabiam, não estavam cientes de que a pureza concebida por
eles não podia ser aplicada a esse homem. Eles não estavam conscientes!
Pensavam que ele era um homem moral e ele não o era. Era um homem puro,
inocente — mas não moral. Era um homem religioso. Lembre-se da diferença:
ele pertencia à eterna inocência, era como uma criança. Mas as pessoas o
respeitavam porque ainda não sabiam da diferença que existe entre moralidade
e pureza amoral.
Elas pensavam que ele fosse um santo, mas ele não era o santo idealizado por
elas. Ele era um santo, mas não um santo que pudesse ser medido por elas. Os
moldes delas não se aplicavam a esse homem.

Você tem de jogar suas medidas fora e olhar. Jogar seus julgamentos fora e
olhar: Apenas então o santo, o verdadeiro santo, lhe será revelado.

“Um dia, foi descoberto que uma moça muito bonita, que morava perto de
Hakuin, estava grávida.

Os pais ficaram furiosos. No início, a moça não quis dizer quem era o pai, mas
após muita pressão falou que o pai era Hakuin.

Com muita raiva, os pais foram a Hakuin, mas tudo o que ele disse foi: “E
mesmo?”

Ele não negou — nem confirmou. Não se comprometeu. Não disse: “Eu não sou
o responsável!” Disse algo simplesmente não-comprometedor. Disse: “É
mesmo?”, como se não tivesse nenhuma relação com o caso. Foi tão
desprendido, tão absolutamente desidentificado! Simplesmente perguntou: “É
mesmo? Eu sou o pai da criança?”

O que isso significa? Significa uma aceitação tão total que nem a aceitação é
necessária. Porque quando você diz “eu aceito”, no fundo, está rejeitando.
Quando diz sim, o não está implícito. Hakuin não disse sim nem não. Quem era
ele para dizer sim ou não? Se isso estava acontecendo, se isso era um fato,
então ele seria apenas uma testemunha. Se as pessoas estavam pensando que
ele fosse o pai, para que perturbá-las desnecessariamente dizendo algo desta
ou daquela maneira? Ele não escolheu. Nem isso nem aquilo. Não se defendeu.

A pureza nunca está na defensiva. A moralidade, pelo contrário, está sempre na


defensiva, e é justamente por isso que sempre se ofende facilmente. Olhe para
o moralista, para o puritano e ele se sentirá ofendido. Diga algo ao puritano e ele
se sentirá ofendido, negará imediatamente e se defenderá. Esta é a percepção
psicológica básica de todos os pesquisadores: que quando você se defende de
algo isso significa que está com medo.

Se Hakuin fosse um santo comum ter-se-ia defendido. E teria sido verdadeiro


em sua defesa porque não era mesmo o pai; foi provado mais tarde que a criança
nunca lhe pertencera. Um santo comum ter-se-ia defendido mesmo que fosse o
pai. Hakuin não era o pai, mas não cogitou em defender-se.

A inocência é insegura; é por isso que é inocente. Se você defende alguma coisa
e a torna segura, ela deixa de ser inocente, pois o cálculo já entrou.

O que terá acontecido no interior de Hakuin? Nada! Ele simplesmente ouviu o


fato de que as pessoas acreditavam ser ele o pai e perguntou: “É mesmo?” Isso
foi tudo, isso é tudo! Ele não reagiu de modo algum, nem deste nem daquele
modo. Não disse sim nem não. Não ficou na defensiva. Ficou aberto, vulnerável.
Inocência é vulnerabilidade absoluta, é abertura.

Quando você se defende, quando diz que algo não é assim, demonstra que está
com medo. Somente o medo é defensivo. O medo sempre se encouraça. Se
alguém lhe diz que você é desonesto, você imediatamente se defende. Por quê?
Por que fica tão preocupado com isso? Por que reage? É porque sabe que é
desonesto; é por isso que se machuca.

A verdade machuca muito porque a ferida está presente. Você sabe que é
desonesto; e se alguém lhe diz isso, você não pode rir, torna-se sério, tem de se
defender. De outro modo, o fato será conhecido. Você precisa lutar. De outro
modo, todos começarão a pensar que você é desonesto. E se as pessoas
souberem que você é desonesto, então será difícil ser desonesto. Porque só
quando as pessoas acreditam que você é honesto é que você pode continuar
sendo desonesto. Isto é matemático. Só quando as pessoas acreditam que você
é um homem verdadeiro é que você pode mentir. Se todos souberem que você
é mentiroso, tudo estará terminado. Como poderá mentir? Mesmo para mentir é
necessário que as pessoas tenham uma espécie de confiança em você. Você só
pode ser um ladrão se as pessoas acreditarem que é um santo porque, assim,
não se protegerão de você.

Uma pessoa imoral sempre defende seu caráter. Tenta provar que é honesta;
mas isso mostra que ela não é. Se você não é desonesto e alguém lhe diz que
é, você responde: “É mesmo? Pode ser, quem sabe?” Você diz: “Eu me
examinarei outra vez. Darei mais uma olhada em meu interior. Você pode estar
certo.”

Isto é honestidade. Como pode um homem ser desonesto se ele diz: “Eu
observarei outra vez, tentarei descobrir. Você pode estar certo”. Esta
honestidade é autêntica. Este homem não pode ser desonesto. Mas se você é
desonesto e alguém lhe diz isso, você fica ofendido. Todas as suas defesas
existem porque fica ofendido. Você está sempre preparado e pronto para
responder. Carrega consigo certificados de caráter que dizem: “Sou um homem
honesto.”

O medo cria uma armadura. Agora, uma psicologia mais profunda chegou à
conclusão de que todos os caracteres são armaduras. Quando uma criança
nasce não sabe o que é bom e o que é mau. Então, é ensinada a fazer distinções.
É punida por continuar fazendo o que é considerado errado. O que ocorre em
sua mente? O que acontece em sua consciência? No que diz respeito à sua
inocência, não vê nada de errado no que faz. Por que é mal? Mas o pai e a mãe
são poderosos. Eles dizem: “Isso é mal e se você agir assim será castigado. Se
fizer tudo certo, ganhará um presente, será recompensado.”
A criança tem de reprimir sua própria inocência. Uma armadura é criada ao seu
redor. Torna-se temerosa das coisas que não deve fazer a fim de não ser punida.
E começa a fazer tudo o que lhe é dito a fim de ser recompensada. A cobiça é
criada, o medo é criado. E a criança atravessa por muitas experiências nas quais
é recompensada ou punida. Pouco a pouco, cria um caráter em torno da sua
consciência. Caráter significa: criação de hábitos que a sociedade considera
bons e destruição de hábitos que a sociedade julga ruins. Esse caráter torna-se
uma armadura; se você não o criar, a sociedade o destruirá. A sociedade não
permitirá que você exista. Para existir, para sobreviver, é preciso que crie um
caráter. De outro modo, irá para a cadeia, será punido.

Por que você é tão contra os criminosos? Por que os pune tanto? Não é por seus
crimes serem grandes, não é porque a justiça seja necessária. Não! É porque
você quer se vingar. Eles desobedeceram à sociedade, desobedeceram a você,
à estrutura, à ordem. Eles são rebeldes. Você estava dizendo “não façam isso”
e ainda assim eles fizeram. A sociedade vinga-se. Suas cortes e seus juízes não
são, na realidade, homens de justiça: são carrascos. São assassinos apontados
pela sociedade para ela se vingar em nome da justiça. Eles assassinam, matam,
mas em nome da justiça.

Um homem rouba, é um ladrão. É mandado para a prisão por cinco, sete, dez
anos. Isto o auxilia de algum modo? Quando ele sair, isso o impedirá de roubar
outra vez? Não, pelo contrário; ele tornar-se-á um ladrão mais perfeito porque lá
na prisão encontrará mestres. Lá, ele aprenderá muitos segredos, descobrirá
porque foi pego, onde falhou. Na próxima vez não será tão fácil pegá-lo. Ele
tornar-se-á mais eficiente, mais alerta.

Sua punição nunca muda ninguém. Mas você continua punindo e dizendo:
“Estamos punindo para mudá-lo!” Um homem mata e a sociedade o assassina
porque ele assassinou. Mas isso é tolo. Ele assassinou. Ele estava errado e,
agora, a sociedade o mata e a sociedade está correta. Como sua matança irá
mudá-lo? Ele não existirá mais.

Não! Você está se vingando. No fundo, sabe que não é somente a sociedade
que está fazendo isso, você também está. Você é um pai ou uma mãe e castiga
seu filho. Você já observou sua mente nessa hora? Observou por que o pune?
Olhe profundamente seu interior e encontrará a atitude vingativa. Você dirá: “Nós
o estamos ensinando. Como aprenderá se não o punirmos?” Mas isso são
apenas racionalizações. Por dentro, o pai sente-se ferido porque a criança
desobedeceu, porque tornou-se rebelde, porque fez algo que lhe foi dito para
não fazer. O ego do pai sente-se ferido.

Se você olhar nas velhas escrituras, no Velho Testamento, no Alcorão e em


outras escrituras, sentirá imediatamente que Deus é muito vingativo. Ele o
mandará para o inferno não porque a justiça assim o necessite mas porque você
desobedeceu. No Velho Testamento é dito: obediência é virtude; desobediência
é pecado. Não importa o que lhe mandem fazer. Obediência é virtude e
desobediência é pecado.

Se a obediência é forçada, um caráter aparece. Então, pouco a pouco a criança


começa a aprender. Aprende a tornar-se calculista: o que fazer, o que não fazer.
A inocência é envenenada. A inocência não existe mais. Agora, o cálculo entrou.
E ela sabe como influenciá-lo, como manipulá-lo, como ser uma boa criança.
Então, é recompensada por não ser uma criança má.

E esse caráter-armadura funciona em dois sentidos. Ele o protege da sociedade


mas, no íntimo, a consciência continua não sabendo o que é bom e o que é mau.
A pessoa tem de lutar consigo mesma continuamente. Esse caráter torna-se algo
com dois lados: do lado de fora, é uma proteção da sociedade, do lado de dentro
é uma briga constante.

Você se apaixona por uma mulher que não é sua esposa. O que fazer? A
sociedade ensinou-lhe que isso é imoral. Mas até a sua consciência se
apaixonou porque a consciência não sabe o que é imoral e o que é moral. Algo
aconteceu, você não pode fazer nada contra. Seu caráter começa a lutar e dizer:
“Isso é imoral, previna-se, controle-se. Não continue por esse caminho, está
errado.” Então você começa a lutar. Essa luta cria ansiedade. Sua
espontaneidade se perde. Aos olhos dos outros, você é um homem de caráter e
não pode perder sua reputação porque, com isso, o seu ego estará perdido. Por
dentro, você também pensa que é um homem de caráter. Começa a sentir-se
culpado, começa a punir-se. Desta maneira, tantos monges em tantos mosteiros
estão em abstinência — não como rezadores religiosos, mas apenas como seres
castigados por si mesmos. Eles sentem-se culpados. E é muito difícil encontrar
um monge que não se sinta culpado, muito difícil. Porque tudo é errado: olhar
para uma mulher bonita, comer com gosto, sentir-se confortável; tudo é errado.
Continuamente, ele se sente culpado. Então, o que fazer?

Resta somente uma coisa... Ele não é criminoso porque não fez nada. Então, a
sociedade não pode puni-lo. Todo o mundo o respeita. O que fazer então? Ele
tem de se punir. Entra em abstinência. Entra em uma vigilância contínua por sete
dias: não se permite dormir, não se permite estar confortável, não pode comer
com gosto, não olha nada bonito, não sente prazer com coisa alguma. Eis como
se pune. E quanto mais se pune mais digno se torna aos seus olhos. Mas ele é
apenas um homem doente, pervertido.

Ele é patológico, é um caso. Tem de ser estudado, não respeitado. Algo tem
estado errado dentro dele. Sua mente não está calma. Está dividida,
fragmentada. Ele está continuamente contra si mesmo. Isso é o que a ansiedade
significa: estar contra si mesmo. A luta contínua contra si mesmo é que cria a
tensão.
Você não pode permitir coisa alguma porque está sempre com medo de que, se
permitir, tudo o que reprimiu venha à tona. Não pode relaxar. As pessoas que
você chama de santos não podem relaxar! Mesmo dormindo não podem relaxar
porque têm medo do relaxamento. Se relaxarem, o que acontecerá? O corpo
dirá: “Esteja confortável!” A mente dirá: “Sinta o gosto da comida, descubra seu
sabor.” O corpo pedirá: “Encontre uma mulher, ache um belo corpo para abraçar.
Encontre alguém com quem você possa se fundir e derreter!”

Se relaxar, tudo o que reprimiu também relaxará. Por isso, os seus santos não
podem relaxar; eles têm medo do relaxamento. São tensos, continuamente
tensos. Você pode sentir essa tensão. Se ficar perto de um deles sentirá ao seu
redor um campo de tensão. E também se tornará tenso.

Mas um santo real, um sábio, um homem puro — não um homem moral — está
continuamente relaxado. Se você ficar perto dele se sentirá relaxado. Mas, daí,
ficará com medo porque se você se sentir relaxado, suas próprias repressões
começarão a vir à tona.

Muitas pessoas vêm a mim e dizem: “Isso é perigoso! Quando meditamos e


relaxamos, muitas coisas que não têm estado nos incomodando começam a nos
perturbar.”

Um homem casado, pai de seis filhos, veio a mim há poucos dias atrás e disse:
“Eu nunca olhei para outra mulher em toda a minha vida. Nunca! Mas agora, o
que está acontecendo? Estou meditando e, pela primeira vez, de repente, as
mulheres tornaram-se atraentes. Eu tenho agora quarenta e oito anos, seis
filhos, mulher e tudo está bem com eles. O que devo fazer?” Agora, ele está com
medo. Deve ter se reprimido continuamente por quarenta e oito anos. Agora,
repentinamente, aprendeu como relaxar. E quando você aprende a relaxar,
relaxa totalmente e tudo o que reprimiu relaxa também.

Pela primeira vez, esse homem está se tornando jovem. Eu lhe disse: “Na
realidade, você nunca foi jovem. Agora, está se tornando jovem e por isso as
mulheres tornaram-se atraentes. Mas não tenha medo, tudo se tornará atraente
agora: as árvores parecerão diferentes, as flores parecerão diferentes — e por
que não uma mulher? Tudo lhe parecerá diferente. Se você tiver medo disso,
então a existência nunca se tornará bela para você.

“Só quando toda a existência se tornar bela é que você estará à porta do Divino,
nunca antes. Se você tiver medo de uma mulher, o que acontecerá quando Deus
vier? Ele será tão maravilhoso que você se esquecerá da sua mulher
completamente! O que fará? Você está com medo de uma pequena mulher... O
que lhe acontecerá então quando uma tremenda beleza explodir por todo o
mundo, por toda a parte? Vamos, não se feche.”
Ele disse: “Você pode estar certo, mas o que acontecerá com a minha família?
Eu tenho filhos.”

Esses são os medos. Para uma mente reprimida, o relaxamento é a coisa mais
perigosa que existe. Você vem a mim e diz: “Como relaxar?” Você não sabe o
que está perguntando porque sua sociedade lhe tem ensinado a não relaxar, sua
sociedade lhe tem ensinado a se controlar e eu estou aqui para lhe ensinar como
relaxar. Isto é absolutamente anti-social. Mas Deus é anti-social. Sua sociedade
é criada por mentes patológicas exatamente como a sua. Elas fazem regras e
regulamentos — pessoas patológicas são sempre muito eficientes em fazer
regras e regulamentos. Elas mesmas estão reprimidas e na miséria. Então
querem ver os outros reprimidos e na miséria também. Não podem permitir que
você seja feliz.

Olhe para um professor na escola primária, com uma vara na mão, matando
pequenas crianças que ainda são felizes. A sociedade ainda não as destruiu,
elas ainda são espontâneas. Olhe para esse professor: triste, bravo, sempre com
raiva, sempre matando o natural, o Tao, o espontâneo. Ele ficará feliz apenas
quando essas crianças se tornarem velhas e mortas. Quando isso acontecer, ele
ficará calmo, sentirá que realizou seu trabalho.

A psicologia diz que as pessoas que são atraídas para o magistério são sádicas.
E não existe nada como uma escola para um sádico, porque as crianças são
sempre tão frágeis e indefesas que você pode fazer qualquer coisa com elas.
Você as repreende e elas não podem se rebelar. Você faz o que quer e elas não
reclamam, elas precisam sofrer. Você está fazendo isso para o próprio bem delas
e, por isso, está acima de qualquer repreensão. Você as está auxiliando a
crescer.

Pascal disse que toda a sociedade é louca e que as crianças sempre caem nas
mãos dos loucos. Vêm inocentes mas imediatamente as atacamos e as
tornamos loucas também. Algumas escapam pela porta de trás: são os
criminosos. Outras escapam pela porta da frente: são os sábios.

Sábios e criminosos têm uma qualidade em comum: a rebelião. Os criminosos


entram em sua rebelião de um modo errado, de um modo destrutivo, não criativo.
O santo também segue pela rota da rebelião, mas de um modo criativo.

“Os pais da moça ficaram furiosos. No início, a moça não quis dizer quem era o
pai, mas após muita pressão, falou que o pai era Hakuin.

Com muita raiva, os pais foram a Hakuin. Mas tudo o que ele disse foi: ‘É
mesmo?’

Quando a criança nasceu, foi levada a Hakuin que, a essa altura já havia perdido
sua reputação, o que parecia não perturbá-lo absolutamente.”
Quer você o respeite, quer não, isso não faz nenhuma diferença para o sábio,
para o homem puro. O que você pensa sobre ele é totalmente irrelevante.

Por que é tão relevante para você o que os outros pensam? Por que você se
importa tanto? É porque não sabe quem você é. É porque depende da opinião
que os outros têm a seu respeito. O que eles lhe dizem é o único conhecimento
que tem de si mesmo. Se dizem que você é bom, você é bom. Se dizem que
você é mau, você é mau. Você não tem algo por dentro que possa dizer: “A
opinião deles é a opinião deles. Se eu sou bom, sou bom e o que quer que digam
não faz diferença. Se eu sou mau, sou mau. Todo o mundo pode me respeitar
como um santo, mas se sou mau eu sei que sou mau. Essa reputação não pode
mudar, não adianta. E se sou bom, todo o mundo pode dizer que não sou bom,
que sou mau, nocivo, o próprio diabo encarnado, não faz nenhuma diferença.”

Quem se conhece nunca fica perturbado com o que os outros pensam a seu
respeito. Mas quem não se conhece fica sempre perturbado porque todo o seu
conhecimento consiste na opinião dos outros. Todo o seu conhecimento é
apenas um arquivo arrecadado da opinião dos outros. Mas isso não é
conhecimento, não é autoconhecimento. É auto-ignorância; nela você esconde-
se, disfarça-se. Toda sua identidade, toda sua imagem é feita pelos outros.
Assim, você está condenado a permanecer em constante ansiedade porque a
opinião dos outros sempre muda.

Opiniões são como o clima: estão sempre mudando. Pela manhã, o tempo está
nublado; a seguir, as nuvens se vão e o dia fica ensolarado; no momento
seguinte, começa a chover. As opiniões são exatamente como as nuvens, como
o clima. O que você pode fazer sobre isso?

Olhe para Richard Nixon. Há apenas um momento atrás ele era tudo. Agora, não
é nada. A opinião mudou, as pessoas que eram a seu favor agora estão contra.
As mesmas pessoas!

Nisso é que está a beleza do fato: as mesmas pessoas que o levam ao trono o
derrubam. Há uma dinâmica, uma lei secreta que faz com que as pessoas que
o respeitam, no íntimo, também o desrespeitem. As pessoas que o amam
também o odeiam porque estão divididas. Não são unas. Assim, logo depois de
ajudá-lo a subir ao trono, uma parte delas se acaba, a parte do amor. Então, o
que acontece com a parte do ódio? Imediatamente começa a funcionar. Mal um
homem se torna respeitável, seu clima já está mudando. Tão logo um homem se
torne presidente ou primeiro-ministro, seus eleitores já estão mudando. Na
realidade, no momento em que estão votando, uma parte, a parte do amor, já
acabou. A seguir, a parte do ódio virá à tona. Então, as mesmas pessoas que o
levaram ao trono se encarregarão de trazê-lo para baixo.

Somente um sábio permanece imperturbável. Por quê? Porque nunca presta


atenção ao que você diz. E o que você diz, na realidade, é bobagem. Você não
sabe nada sobre si mesmo e quer falar sobre Mahavir, Buda ou Cristo. Não sabe
coisa alguma sobre si mesmo mas é tão seguro sobre Jesus. Sabe dizer se ele
é bom ou mau. Isso é tolice! Uma pessoa só presta atenção no que você diz se
é igual a você. Um sábio não é como você. Esta é a diferença.

“Quando a criança nasceu, foi levada a Hakuin que, a essa altura, já havia
perdido sua reputação.”

É claro, é óbvio que as mesmas pessoas que pensaram que ele fosse um sábio
começaram a pensar que era um demônio. Ele havia cometido o maior pecado
do mundo porque, para as pessoas, o sexo é o maior pecado.

Você é tão contra a vida que o sexo tornou-se um grande pecado justamente por
dar origem à vida. Você está tão morto que o sexo tornou-se para você o maior
pecado porque o sexo é o fenômeno mais vivo do mundo. Não existe nada tão
vivo quanto o sexo. Você vem dele, as árvores vêm dele, os pássaros vêm dele,
tudo vem através dele. Tudo que se torna vivo vem através dele. Ele é a fonte
original.

Se fosse possível fazer algum paralelo entre Deus e algo deste mundo, este algo
seria o sexo. É por isso que os hindus fizeram de Shivalinga seu símbolo. Os
hindus são realmente raros, sem comparação. Só um povo corajoso poderia
fazer de Shivalinga o órgão sexual de Shiva, o símbolo do Divino.

O sexo é a coisa mais divina do mundo. Mas por que você o chama de pecado?
Porque desde sua própria origem lhe foi ensinado que é pecado. Você esqueceu
completamente que veio dele. E encobre completamente o fato de que quando
a energia sexual termina você também morre. Vida é energia sexual palpitando
em seu interior.

Por isso é que um homem jovem é mais vivo que um homem velho. Qual a
diferença entre um jovem e um velho? No jovem, a energia sexual está
transbordando. No velho, a provisão desapareceu, o fluxo está desaparecendo,
tornou-se exatamente como um veio gotejante. No momento em que a energia
sexual desaparece você morre. Sexo é vida e fizemos dele um grande pecado.
No fundo, somos contra a vida.

Quando você toma conhecimento de que um santo teve uma relação sexual,
toda a sua reputação desaparece imediatamente. Se ele tivesse roubado, não
teria sido mal, você poderia perdoá-lo. Se ele tivesse acumulado dinheiro — e
seus santos estão sempre acumulando dinheiro — você o teria perdoado. Isso
não seria um grande problema; a ganância não é um grande problema. Qualquer
outra coisa que ele tivesse feito, você poderia perdoar; mas sexo — impossível!

Nós nos tornamos tão mortalmente contra o sexo que os cristãos dizem que
Jesus não nasceu do sexo. Porque como pode Jesus nascer do sexo, do pecado
original? Como pode Jesus ter nascido do sexo? Todos nasceram do sexo,
menos Jesus. Por julgarem o sexo uma coisa perigosa, os cristãos dizem que
Jesus nasceu do Espírito Santo. Não houve pai para Jesus, não houve relação
sexual. Ele nasceu do útero sem qualquer encontro com o outro sexo. Por que
essa insensatez? Mas deixe Jesus e os cristãos de lado. Veja você mesmo! Se
pensar que o seu pai, num ou noutro tempo, fez amor com a sua mãe, você se
sentirá culpado. Mas como você nasceu? Você não é um bastardo. Mas só o
pensamento do seu pai fazendo amor com a sua mãe já faz com que tudo lhe
pareça horrível. O sexo lhe parece tão horrível que você não pode conceber seu
pai praticando-o. Os outros sim, mas seu pai? Impossível! Você nasceu de um
pai brahmachari, celibatário. Isso é o que os cristãos dizem de Jesus.

Quando você se certifica de que um santo, um grande sábio como Hakuin,


deixou uma moça grávida, obviamente não só o respeito se vai. Hakuin deve ter
sido insultado de todos os modos possíveis. Deve ter sido impossível para ele
andar pela cidade e mendigar. As pessoas devem ter atirado pedras nele; as
mesmas pessoas que lhe traziam coroas de flores e se atiravam a seus pés —
as mesmas pessoas! Mas Hakuin não ficou perturbado.

“Hakuin obteve leite, comida e tudo o mais que a criança precisava, pedindo
esmola a seus vizinhos. Cuidou da criança com todo o carinho.

“Um ano mais tarde, não suportando mais a situação, a mãe da criança contou
a verdade a seus pais — o verdadeiro pai era um jovem que trabalhava no
mercado de peixes.

“O pai e a mãe da moça foram imediatamente a Hakuin contar-lhe toda a estória.


Desculparam-se muito, imploraram seu perdão e pediram a criança de volta.

“Enquanto entregava, de boa vontade, a criança, o Mestre simplesmente disse:


‘E mesmo?’”

Na miséria ou na felicidade, o sábio permanece o mesmo. Respeitado ou


insultado, o sábio permanece o mesmo. Na vida ou na morte, o sábio permanece
o mesmo. Outra vez ele simplesmente disse: “E mesmo?” Outra vez não se
comprometeu. Outra vez não se comprometeu com coisa alguma. Não disse
nada, simplesmente aceitou o fato: “Se é assim, está bem.”

Assim é a consciência pura. O que quer que a vida traga, recebe bem. Se a vida
traz miséria e insultos, aceita-os, recebe-os bem. Se traz honra, felicidade,
recebe-as bem, aceita-as. Não faz distinções. Quando você faz distinções, seu
equilíbrio se perde e o equilíbrio é a pureza.

Quando você está equilibrado, é um sábio. Quando o balanço acontece, você


fica perdido, torna-se um pecador. Pecado não é algo que seja feito. É algo que
acontece dentro de você quando o equilíbrio é perdido. Não é uma ação, é um
equilíbrio interno. É o que Mahavir chama de samyaktva — equilíbrio interno;
nem isto, nem aquilo; é o que os Upanishads chamam de neti, neti: nem isto,
nem aquilo. Estar no meio, nem nisto nem naquilo. Porque se você vacilar,
mesmo levemente, de modo que ninguém possa detectar a não ser você...
Lembre-se disto: ninguém pode detectar seu equilíbrio interno. Somente você
pode detectá-lo. É tão sutil! Mas mesmo um leve movimento e você não estará
mais em paz, não estará mais em casa, terá perdido o Divino.

O que uma inclinação significa? Significa que fez uma distinção. Significa que
você disse que isto é bom e aquilo é mau! Significa que a expectativa entrou.
Significa que o desejo surgiu. Significa que agora você está motivado.

Se Hakuin dissesse: “Certo! Então vocês vieram para conhecer a verdade?” Isso
significaria que ele não era sábio de modo algum, mostraria que durante todo o
ano ele havia ficado esperando por esse momento. Neste caso, ele não estaria
no presente, estaria pensando no futuro: “Um dia ou outro a verdade será
conhecida. As pessoas me respeitarão outra vez. Quando elas souberem que a
criança não me pertence, me respeitarão outra vez. O respeito retornará a mim.”
Se fosse assim, ele teria esperado, mas o equilíbrio teria sido perdido.

Se Hakuin não fosse um sábio, certamente teria pensado e rezado a Deus para
revelar a verdade às pessoas. Mas para quê? Se uma criança acontece a você
e as pessoas pensam que ela é sua — e ele cuidou muito bem dela, exatamente
como um pai — se a vida lhe traz uma criança, que diferença faz quem é o pai
real? Nenhuma! A criança necessita de um pai — eis o fato. Hakuin foi para a
criança o mais amoroso pai possível. Mesmo que a criança fosse sua, teria sido
difícil ser mais carinhoso.

A criança não cometeu nenhum pecado. Ele não estava contra a criança. Se
você estivesse no lugar de Hakuin, certamente teria matado essa criança por ser
a causa da sua miséria. Você teria se livrado dela e mudado para outra vila onde
as pessoas pudessem respeitá-lo outra vez por não o conhecerem. Você teria
feito algo para defender seu respeito, para defender seu prestígio. Mas Hakuin
apenas carregava a criança sem se preocupar com o povoado. O que as
pessoas diziam era irrelevante. A criança necessitava de um pai e Hakuin tornou-
se o pai. Ele não ficou perturbado, não reagiu.

E depois de um ano, depois de ter cuidado amorosamente de uma criança, você


se torna apegado — e está sujeito a que seja assim. Mesmo que a criança não
seja sua, torna-se sua. Viver com uma criança por um ano, sofrer por ela,
sacrificar-se por ela, faz crescer uma profunda ligação, um íntimo
relacionamento. As pessoas tornam-se apegadas. Mas quando os pais vieram a
Hakuin, contaram-lhe toda a estória, pediram o seu perdão e quiseram a criança
de volta, o Mestre de boa vontade a entregou. Não teve nenhum simples tremor
de apego. Simplesmente entregou a criança e disse: “É mesmo?” como se nada
tivesse acontecido. Como se esse ano inteiro tivesse sido um sonho. Apenas um
sonho é interrompido e você está acordado.
Um sábio vive neste mundo, entre vocês, como se estivesse desempenhando
um papel; não se envolve. Fica aqui; mas não se identifica — permanece do lado
de fora. E se você puder permanecer como um espectador, mais cedo ou mais
tarde chegará à conclusão: nem água, nem lua. Porque quando você se torna
envolvido, a água é criada, você vive com o reflexo. Então, não pode mover-se
para o real; vive com o irreal.

O apego cria a ilusão. A ilusão não está lá, fora de você, maya não está lá, fora
de você. Está dentro, nas suas atitudes: no apego, nas escolhas, nas distinções,
no gostar e desgostar. Você cria sua ilusão e depois vive nela, cercado por ela.
Nesse estado de envolvimento consegue apenas ver o reflexo, não pode nunca
ver a lua real.

Hakuin permaneceu equilibrado. Tudo o que aconteceu fora não afetou o seu
interior de modo algum. O interior permaneceu equilibrado; nem ondas nem
vibrações externas entraram. Ele permaneceu silencioso como se aquilo fosse
um sonho. E tudo o que veio, ele aceitou. Não se tornou um atuante, um karta;
permaneceu um espectador.

Esta exclamação “É mesmo?” pertence a uma alma que testemunha, sem


nenhum julgamento, simplesmente dizendo: “É mesmo?” Isto era tudo o que
estava dentro dele: “É mesmo? Se é assim, está bem.”

Um sábio aceita tudo o que acontece, não faz opção. E quando não há escolha,
não há água. Nem água — o reflexo desapareceu, maya desapareceu — nem
lua.
QUARTO DISCURSO

A Resposta do Homem Morto

Mamiya tornou-se, mais tarde, um professor bastante conhecido, mas enquanto


estava estudando sob a orientação de um Mestre foi-lhe pedido para explicar
o som de uma mão batendo palmas.

Apesar de Mamiya estar trabalhando arduamente,


um dia seu Mestre lhe disse:
“Você não está trabalhando o suficiente.
Está muito apegado à comida, à riqueza, às coisas — e àquele som.
Seria melhor se você morresse.”

Quando Mamiya veio ao Mestre, na vez seguinte,


ele lhe perguntou novamente o que tinha para mostrar
quanto ao som de uma mão batendo palmas.
Mamiya imediatamente caiu, como se estivesse morto.

“Você está morto, tudo bem”, disse o Mestre,


“mas e quanto àquele som?”

Olhando para cima, Mamiya retrucou:


“Oh! Eu ainda não o solucionei.”

“O quê?”, berrou o Mestre,


“Homens mortos não falam. Fora daqui!”

O absurdo é necessário para trazê-lo fora de sua mente... porque mente é


raciocínio. Através do raciocínio você não pode sair da mente. Através do
raciocínio você se move e se move, mas continua no círculo.

Isso é o que você tem feito por muitas vidas. Uma coisa leva à outra, mas esta
outra faz parte do círculo do mesmo modo que a anterior. Você sente que está
se movendo porque a mudança está presente, mas continua seguindo num
círculo. Continua se movendo aqui e ali, mas sempre em voltas; não consegue
sair da periferia. Quanto mais raciocina sobre como sair, quanto mais cria
sistemas, técnicas e métodos para sair, mais se embaraça. O problema básico
é: a razão não pode trazê-lo para fora porque o raciocínio é o próprio estado no
qual você se encontra. Algo irracional é necessário. Algo além da razão é
necessário. Algo absurdo, louco — apenas isto pode trazê-lo para fora. Todos
os grandes Mestres têm inventado situações absurdas. Se você pensar sobre
elas, não compreenderá. É preciso seguir suas linhas sem nenhum raciocínio. É
por isso que a filosofia não auxilia muito. Somente a religião pode auxiliar porque
ela é a loucura absoluta.

Tertuliano disse: “Eu creio em Deus porque Deus é absurdo.” Não há razão para
se crer Nele. Há alguma razão para se crer em Deus? Alguém já foi capaz de
provar que Deus existe? Não há raciocínio que possa provar Sua existência, há
somente a fé. Fé significa absurdo. Fé significa não ter nenhuma razão para crer
e mesmo assim crer. Fé significa não ter nenhum argumento, nenhuma prova e
mesmo assim colocar toda a sua vida em jogo; não ter nenhuma prova de que
Deus existe e mesmo assim se atirar no abismo. Qualquer pessoa racional
sentirá que você enlouqueceu. É assim que os racionalistas sempre se sentiram.
Para eles, Buda, Krishna e Jesus enlouqueceram, estão falando absurdos.

Existe uma escola no Ocidente que prova que todas as religiões são absurdas.
Eu sou um homem religioso e digo que eles estão certos — por razões erradas,
eles estão certos. Eles pensam que se você provar que a religião é absurda você
a desprezará, a refutará. Não!

Os homens religiosos têm dito constantemente: “Nós somos absurdos! Nós não
pertencemos ao mundo sensato, pertencemos a algo que está além. E o além
está sujeito a ser absurdo.” Que sentido você pode fazer a partir da religião? Se
você fizer algum sentido, não a compreenderá. Estará, então, no mundo da
teologia, da filosofia, dos sistemas — mas não poderá tocar nunca na pureza
que está além da razão.

Tertuliano está certo, é verdadeiro. Ele diz: “Eu creio porque Deus é absurdo.”
Crença significa acreditar no absurdo. Você não precisa acreditar no mundo que
o circunda. Ele está aí! Ninguém precisa acreditar nele. Como pode você
desacreditá-lo? Está aí tão presente; tudo prova que ele está aí. Alguém atira
uma pedra em você e isso fica provado, porque você começa a sangrar, fica
ferido e a pedra está presente.

Mas Deus não pode atingi-lo como uma pedra. Você não pode nem sequer tocá-
Lo. Não há como! Não há como cheirá-Lo, como vê-Lo. E mesmo assim, você
crê. Crença significa acreditar no absurdo.

O que acontece quando alguém é capaz de acreditar no absurdo? Fica fora da


razão. Repentinamente, o círculo pára, a roda pára, porque você deixa de a
alimentar. Os argumentos cessam, os pensamentos cessam. De repente, você
está fora disso como se tivesse acordado de seu sono. E o maior sono é o da
razão, porque ela cria sonhos tão maravilhosos e tão reais que todos são iludidos
por eles.
Quando você está acordado e fora do círculo vicioso, Deus aparece e nada mais
existe. Então, não há necessidade de crer. Então, você sabe! Mas antes que
este conhecimento aconteça, a fé é necessária. Todos os filósofos que tentaram,
durante séculos, provar que Deus existe não são religiosos, não estão servindo
a Deus; estão fazendo um grande dano. Porque quando você dá uma prova,
você faz com que Deus seja parte da mente também. E quando alguém crê
porque Deus é um fato provado, não consegue sair da razão.

Por isso, todas as pessoas religiosas, todos os Mestres têm inventado truques a
fim de trazê-lo para fora da razão. O Zen tem a sua própria técnica que é
conhecida como “koan”. Um koan é um quebra-cabeça absurdo. Você não pode
solucioná-lo. Por mais que tente, seu esforço será irrelevante. Mas o Mestre
continuará insistindo para você trabalhar mais e mais intensamente: “Você não
está tentando o suficiente.” E ele estará apenas enganando-o porque o seu fazer
nunca será o suficiente para solucionar o problema: o problema é insolúvel! Não
depende de você trabalhar intensamente nele ou não. Mas se você o fizer, com
a sua totalidade, repentinamente se tornará consciente do absurdo; nunca antes.

De repente, você começará a rir: “Era tudo um absurdo!” Então, você poderá rir,
o riso louco que vem quando a razão não está funcionando — Você já viu um
louco rindo? O riso dele é totalmente diferente do seu. O seu é raciocinado, há
razão para ele. Alguém contou uma piada, alguém caiu na rua, escorregou em
uma casca de banana e você ri. Há uma razão: algo ridículo aconteceu. Por que
você ri quando um homem cai na rua ou escorrega numa casca de banana? Por
quê? O que há de hilariante nisso?

Existe algo nesse fato. O ego é a coisa mais ridícula no homem, e quando um
homem cai por causa de uma casca de banana, a casca de banana torna-se
mais forte do que ele. O total absurdo do ego é provado: o homem não é nada.
Mesmo uma casca de banana pode jogá-lo fora do equilíbrio.

Toda a civilização é egocêntrica. Culturas inteiras, nações, todos os sonhos de


grandeza vêm ao homem porque ele é o único animal que permanece ereto
sobre dois pés. Por isso é que o homem pensa que não é um animal. O homem
pensa que é diferente, único, que não pertence ao mundo animal. Mas quando
você escorrega numa casca de banana, de repente cai dentro do mundo animal;
é um animal indefeso, nada mais. Eis por que é ridículo ver um homem cair.

Pense! Se um mendigo cair por causa de uma casca de banana, você não rirá
tanto. Mas se um primeiro-ministro cair, você morrerá de rir. Por quê? Porque
um mendigo é um mendigo; ele já faz parte do mundo animal — nada de mais.
Mas se for o primeiro-ministro, o presidente, o rei, a rainha... Você não pode
imaginar a rainha da Inglaterra caindo... exatamente como um ser humano;
Impossível! Essas pessoas criaram uma falsa impressão em torno de si mesmas:
a impressão de que são infalíveis. E uma simples casca de banana arrebenta
toda a situação. Você fica exposto! É apenas um indefeso ser humano. E não
somente um indefeso ser humano, mas apenas um animal — sobre quatro
pernas, não sobre duas.

É ridículo. Você ri, mas há uma razão para isto. Observe um louco rindo — não
há razão nenhuma para ele rir. Por isso é que você o chama de louco. Você
pergunta a ele “Por que está rindo?” Se ele puder responder é porque não está
louco; se não puder, você dirá que ele está doido, fora de si.

O que ocorre quando um koan é compreendido pela primeira vez? Não


solucionado; porque um koan não pode ser solucionado, é insolúvel, não pode
ser resolvido. Não existe uma maneira de solucioná-lo, é uma impossibilidade,
um impasse para a mente — além, você não pode ir. De repente, você fica
atolado e o Mestre continua falando: “Trabalhe mais! Você não está se
esforçando o suficiente.” E quanto mais você se esforça, mais atola, continua
caminhando no mesmo lugar: não pode ir para a frente nem voltar atrás — fica
atolado. E o Mestre continua martelando: “Rápido, rápido, esforce-se mais.
Trabalhe duro!” Chega um momento em que nenhuma parte de seu ser está
resistindo; todo o seu ser está envolvido! E ainda assim você continua atolado.

De repente, quando toda a energia está envolvida, você se torna consciente. Isto
acontece apenas quando você está totalmente envolvido. Quando já deu de si
tudo o que podia. Somente neste pico, neste clímax de energia, você se torna
consciente de que o problema é absurdo — não pode ser solucionado. A risada
espalha-se por todo o seu ser; é uma risada louca. Com ela, tudo muda, tudo é
transformado.

Este é o primeiro ponto.

O segundo — e depois poderemos entrar na estória — é que vocês são todos


uns grandes imitadores. É mais fácil imitar do que ser autêntico porque a
imitação está apenas na superfície. A autenticidade necessita do seu centro,
necessita de você em sua totalidade. E isso é demais para você. Você se envolve
apenas na superfície; no íntimo, permanece desligado. A imitação é muito fácil:
toda a cultura, toda a sociedade baseia-se nela.

Todos estão lhe dizendo como se comportar, e tudo que eles lhe ensinam não é
nada mais que imitação. As pessoas chamadas de religiosas, os padres, os
teólogos — também estão lhe ensinando: seja como Jesus, seja como Buda,
seja como Krishna! Ninguém nunca lhe diz: Seja somente você mesmo!
Ninguém! Parece que todos estão contra você. Ninguém lhe permite ser você
mesmo, ninguém lhe dá nenhuma liberdade. Você pode estar neste mundo, mas
deve imitar alguém.

Isso tudo é muito ridículo porque as mesmas coisas foram ditas a Buda. Diziam
a Buda: Seja como Ram, seja como Krishna! Mas Buda não os seguiu e foi assim
que tornou-se Buda. Ele se iluminou porque nunca foi uma vítima da imitação.
Você não pode imitar. Se imitar, permanecerá falso.

Ouçam esta estória: Um leão e um coelho entraram em um restaurante. De


repente, todas as pessoas ficaram alertas; elas não podiam crer em seus
próprios olhos. Então, o coelho disse ao garçom: “Traga-me uma alface sem
tempero!”

O garçom estava amedrontado, mas ainda assim perguntou: “E para o seu


amigo? O que devo trazer?”

O coelho respondeu: “Nada.”

O garçom perguntou: “Ele não está com fome?”

O coelho encarou o garçom e disse: “Você acha que se ele fosse um leão de
verdade eu estaria sentado aqui? Ele é um ator.”

Todo o mundo tornou-se irreal, tornou-se ator. Ninguém é verdadeiro. É muito


difícil encontrar um homem real. Se você puder encontrá-lo, não o deixe. Fique
perto dele, sua realidade tornar-se-á infecciosa. Sua proximidade já será uma
transformação suficiente para você. Você não precisará fazer coisa alguma. Isso
é o que chamamos de satsang: estar perto de um homem verdadeiro, de um
homem real, de um homem autêntico. Nada mais é necessário! Apenas estar
perto dele, observá-lo, sentir o seu jeito de ser — isto é o suficiente.

Mas a sociedade fez de você um ator, um imitador. Você não é real, é falso.
Nunca lhe foi permitido ser você mesmo, e isto é a única coisa que você pode
ser. Você não pode ser mais nada. Pode tentar, imitar! Mas a imitação
permanecerá apenas na superfície. No íntimo, você permanecerá você mesmo
— e é assim que deve ser. A falsidade que você coloca sobre si mesmo não
pode se tornar o seu ser. Como poderia? Ela pode, quando muito, ser uma veste,
uma postura, um gesto superficial.

O mundo todo o ajuda a ser um imitador. Assim, quando você chega a um


mosteiro, perto de um Mestre, tenta usar outra vez os velhos métodos utilizados
no mundo. Começa a imitar lá também. Mas lá, isto não será de nenhuma ajuda;
lá isto será a barreira. No mundo, está bem imitar porque o mundo está cheio de
imitadores. Se você for real, terá problemas; se for falso, será aceito. Este assim
chamado mundo quer apenas que você seja uma sombra, não um homem real
porque um homem real é perigoso.

Apenas as sombras podem ser subjugadas, podem ser obedientes, podem


seguir; tudo o que lhes é dito para fazer, elas fazem. Um homem real não diz
sempre sim; algumas vezes ele diz não. E quando ele diz não, ele quer dizer
não! Você não pode subjugá-lo, não pode suprimi-lo.
Desde o nascimento, nós treinamos as crianças para serem falsas. Isto é o que
nós chamamos de caráter. Se elas se tornam falsas, irreais, nós as apreciamos,
as premiamos com medalhas, dizemos que são reais. A falsidade é chamada de
real, ideal. E se uma criança se rebela, tenta ser ela mesma, tornar-se uma
criança-problema. Precisa ser psicoanalisada ou enviada para alguma instituição
onde possam consertá-la — algo está errado com ela. Mas não há nada de
errado, ela está simplesmente se afirmando. Está dizendo: “Deixem-me ser eu
mesma.”

Um menininho chamado Tommy estava assistindo uma cerimônia de casamento


pela primeira vez. Uma pessoa, um visitante, lhe perguntou: “Tommy, com quem
e quando você gostaria de se casar?

Tommy (disse: “Nunca! Eu não quero me casar.”

O homem ficou surpreso e perguntou: “Por quê?”

Ele disse: “Eu já vivi demais com gente casada e eles são tão falsos!” — e seus
pais estavam lá. — “Não quero me casar porque quero ser eu mesmo.”

A esposa não permite que o marido seja ele mesmo. O marido não permite que
a esposa seja ela mesma. Ninguém permite a ninguém ser ele mesmo, porque
isto é considerado perigoso.

Reprima! E a sociedade é reprimida. Se a sociedade é triste, é natural que assim


o seja: não poderia ser de outro modo. Pessoas falsas não podem ser felizes.
Podem ser, quando muito, tristes, deprimidas. Freud disse que não existe
remédio para a humanidade, que não há esperança de felicidade. Ele está certo.
Do jeito que a humanidade está indo, se continuar assim, somente um estado de
tristeza, de depressão, de desespero será possível. Apenas um suportar a si
mesmo de algum modo, como uma carga — sem dança, sem energia
borbulhando, sem vitalidade, sem cantos, sem flores, sem nada — somente um
arrastar-se por aí.

As pessoas falsas só podem ser assim mesmo. Quando essas pessoas ficam
muito cansadas, muito enjoadas dessa assim chamada sociedade, vão a um
Mestre em busca da verdade. Lá também tentam suas velhas técnicas, mas lá
elas saem perdendo. Está certo ser falso com pessoas falsas porque com elas
é difícil ser verdadeiro. Mas quando você está em busca da verdade, quando
vem a um Mestre, quando a necessidade de conhecer o que é a realidade surge
em você, a imitação não é permitida. Se você imitar, estará carregando seu velho
padrão, seu velho modo de vida, e esse modo de vida tornar-se-á a barreira.

Em religião, nenhuma imitação é permitida. Mas olhe para as pessoas religiosas;


você verá igrejas, templos, mesquitas e lá encontrará os maiores imitadores. Isto
significa que já não existe mais religião — as igrejas, os templos e as mesquitas
são agora catacumbas. Com Jesus, você tinha de ser real, mas com o papa, no
Vaticano, você tem de ser um imitador. Agora, o cristianismo do Vaticano faz
parte da sociedade.

Jesus nunca foi parte da sociedade. Permaneceu sempre um estranho. Todas


as pessoas realmente religiosas têm permanecido estranhas, desligadas.

Quando morrem, então igrejas são fundadas sobre seus corpos mortos. Essas
igrejas são parte da sociedade, são manejadas pela sociedade, controladas por
ela.

A sociedade tem tramas muito engenhosas. Se você consegue escapar do


mercado, logo é fisgado pela igreja porque ela é apenas uma extensão do
mercado. O mercado alimenta a igreja, a controla. Na realidade, ele é o
proprietário da igreja. Um padre não representa o Divino, representa o mercado.

O padre representa a economia política da sociedade. Marx está certo quando


diz que a religião é apenas uma peça do jogo nas mãos dos capitalistas, dos
feudalistas ou daqueles que exploram e são poderosos. A religião tem servido
apenas como um instrumento de exploração. Marx está certo em relação à
religião do Vaticano, à do Puri Shankaracharya ou à de Meca e Medina. Mas
está errado sobre Maomé, sobre o original Shankaracharya, sobre Jesus. Está
errado porque eles existiram não como parte da sociedade; existiram na solidão,
como estranhos; existiram contra a sociedade e a imitação. Existiram como
mensageiros do Divino. Este é o significado de avatar, o significado de filho de
Deus, o significado de profeta, de paigamber — eles existiram como
mensageiros do Além.

Lembre-se destas duas coisas e então entraremos na estória.

“Mamiya tornou-se, mais tarde, um professor bastante conhecido.”

Lembre-se: somente alguém que foi um discípulo real pode tornar-se um


professor. Quem nunca foi discípulo, nunca soube o que é um aprendizado,
nunca foi um aprendiz, não poderá jamais ser um professor. Antes de poder
ensinar, você deve aprender. Mas todos querem ser professores sem terem sido
alunos. Seu ego quer ser o Mestre, não o discípulo. Então, você se torna um
falso Mestre. Neste caso, não apenas você estará em perigo, mas todos os
outros que você estiver conduzindo. Quando um cego está conduzindo outros
cegos, todos acabam caindo no buraco.

Lembre-se disto porque o ego sempre quer ensinar. É maravilhoso para ele dar
conselhos, ensinar. Aperceba-se deste ego em você porque você está fazendo
isto também. Você não pode perder uma oportunidade para ensinar. Você tem
perdido milhares de oportunidades para aprender, mas não pode perder
nenhuma oportunidade para ensinar. Se alguém está falando, você mete o seu
nariz na conversa. Se alguém faz uma pergunta — você não sabe o significado
da pergunta, não sabe qual é a resposta, mas logo arranja uma, porque o seu
ego se sente muito bem quando você se mostra sabido. Você sabe e o outro é
ignorante. Por isso é que existe tanta atração em ser professor. Ensine! Você é
conhecedor, os outros são ignorantes.

Este é o velho truque: você tem as riquezas e o outro é pobre; você tem um posto
e o outro é ninguém; você é conhecedor e o outro é ignorante. Quando você
pode sentir que o outro está por baixo, você se sente no pico. Isto é uma
utilização. Esta é a razão pela qual existem tantos professores no mundo, mas
muito poucos mestres de verdade. Entretanto, isto sempre foi assim, isto sempre
será assim.

Quando Mahavir nasceu, ele era um mestre de verdade e os Jains, na Índia,


estavam esperando por um Teerthanker há muitos anos. O vigésimo quarto
estava para vir, o vigésimo quarto era esperado. Os Jains têm um cálculo
segundo o qual, a cada “Kalpa” — cada criação — nascem vinte e quatro
grandes Mestres. Vinte e três já tinham nascido e o vigésimo quarto era
esperado. Havia muita expectativa em torno desse Mestre, mas como saber
quem era? Quando Mahavir veio, ele era o vigésimo quarto, mas outros oito
diziam ser os mestres reais. Esses oito desencaminharam muitos.

Eles eram grandes professores, mas não Mestres. Podiam falar, podiam pregar,
podiam argumentar. Eram argumentativos, debatiam muito bem e, com isso,
influenciaram muitas pessoas — porque você se deixa influenciar pelos
argumentos. Você não se deixa influenciar pelo ser porque para ver o ser você
deve elevar sua consciência cada vez mais alto. Somente então poderá ver os
picos. Se você mora num vale, como pode ver os picos? Você precisa se elevar.

Ver Mahavir é difícil; mas havia Goshalak, Prabuddha, Kattyayan, Poorn


Kashyap e outros. Eles eram pessoas comuns, mas tinham mentes
extraordinárias. Eram comuns no sentido de não terem a consciência evoluída,
de não serem Iluminados. Mas eram grandes estudiosos, maiores do que
Mahavir, eram grandes argumentadores. Podiam silenciar qualquer um — eram
perspicazes, detalhistas. E quando se proclamaram Mestres, muitos os ouviram,
mas Mahavir permaneceu em absoluto silêncio por doze anos.

Quem iria a ele? Mahavir era escorraçado de todas as vilas. Onde quer que
chegasse, as pessoas o mandavam embora porque, por alguma razão, ele
estava sempre silencioso. Para você, um homem silencioso é sempre suspeito,
ele pode ser do C.I.D., ou do F.B.I. Assim, todas as vilas suspeitavam dele
porque ele não falava nem olhava para ninguém. E andava nu! Isto criava mais
problemas ainda.

As pessoas lhe perguntavam: “Por que você está nu?” Mas ele permanecia
calado. “Ou você é um criminoso fugitivo ou um louco, porque só os loucos
andam nus. Por que você está nu? Deve ser algum imoral porque andar nu pelas
ruas é o que há de mais imoral!” Ele não respondia! “Ou é um estúpido e não
pode responder ou é alguém suspeito: talvez seja agente de algum país
estrangeiro ou qualquer coisa assim.” Eles o expulsavam para fora da cidade.
Mahavir foi perseguido por doze anos. E nós dizemos que as pessoas estavam
esperando por ele.

Mas só esperar não é o suficiente. Você precisa ter olhos para ver. Os judeus
esperaram por Jesus milhares de anos. Jesus já veio e eles ainda o estão
esperando. O que fazer com a mente humana? Os judeus ainda estão esperando
pelo Messias e ele já veio!

Vinte séculos já se passaram. Jesus veio a eles, bateu em suas portas e eles se
recusaram a crer, porque Ele não estava falando do jeito que esperavam. Como
pode o Mensageiro do Divino falar do jeito que você espera? Ele não é parte de
você, ele vem do além, não pode falar a sua língua. Qualquer coisa que ele diga
será destrutiva para você, ele o destruirá. Como você é, tem de ser destruído.
Somente assim o novo poderá nascer. Mas os judeus recusaram-se a acreditar
e ainda estão esperando.

E saiba! Se Jesus arranjar coragem outra vez — eu penso que Ele não o fará
porque o modo como vocês se comportaram com ele foi o suficiente! — mas se
ele arranjar coragem, esquecer o que ocorreu há vinte séculos, esquecer como
vocês o crucificaram, como o insultaram, como o desacataram, se Ele esquecer
e vier novamente bater à porta dos judeus que ainda o estão esperando, eles o
refutarão novamente.

Eles podem aceitar pessoas comuns com mentes extraordinárias, mas não
pessoas em extraordinário estado de ser. Porque, para ver este ser, você precisa
se transformar. Como você está, não pode ver, não pode compreender Jesus.

Lembre-se bem, o ego gostaria de se tornar um Messias, gostaria de ser um


Teerthanker, de proclamar algo que não é. O ego é um grande proclamador; não
possui nada, mas pretende muito. Existem muitos professores — fique alerta; do
contrário, você poderá se tornar uma vítima.

Lembre-se também de não dar nenhum conselho a ninguém, a menos que você
tenha aprendido, tenha passado pelo processo de aprendizagem. E a
aprendizagem é difícil porque requer uma rendição. Você tem de abandonar o
seu ego, tem de se tornar um não-eu. Este é o paradoxo: a menos que você se
torne um não-eu, nunca se tornará um Eu. O falso tem de ser abandonado para
que o real possa surgir. A falsa moeda tem de ser jogada fora para que a procura
do real, do autêntico, possa ser iniciada.

“Mamiya tornou-se, mais tarde, um instrutor bastante conhecido mas enquanto


estudava sob a orientação de um Mestre, foi-lhe pedido para explicar o som de
uma mão batendo palmas.”
Mamiya tornou-se um grande instrutor mais tarde. Mas, primeiro, teve de passar
pela aprendizagem sob a orientação de um Mestre. Foi-lhe dado um problema
para resolver, um dos mais famosos koans Zen: Qual o som de uma mão
batendo palmas?

Imediatamente a mente diz: “Inútil, a procura é inútil, fútil. Como pode uma mão
bater palmas? Para fazê-lo, necessita-se da outra mão. Como é possível o som
com uma só mão batendo palmas quando o som é criado por duas coisas que
se chocam? Se você for um bom lógico, se afastará imediatamente desse
Mestre, achará que ele está falando um absurdo. O problema é impossível e por
mais que você faça nunca será bem sucedido — isso é lógico, uma simples
questão de raciocínio. Mas então você não compreende o ponto. Este é o ponto!

Muitas vezes, em suas vidas passadas, você deixou um Mestre porque ele pediu
algo impossível. Mas um Mestre sempre pede o impossível, porque somente
assim você pode mudar. Com o possível, você permanece o mesmo. Tudo o que
a sua mente acha possível está dentro dela. O que ela diz que é impossível, está
além dela. Tente o impossível. Religião é o esforço para alcançar o impossível.
Religião é o esforço para fazer acontecer aquilo que não pode acontecer.

“...foi-lhe pedido para explicar o som de uma mão batendo palmas”.

Se Mamiya fosse um homem polemista, teria se retirado imediatamente. Mas


Mamiya permaneceu com o Mestre mesmo sabendo que isso era impossível.
Ele pensou: “Se o Mestre disse para fazer é porque deve haver algo nisso. Pode
ser impossível, pode parecer absurdo para mim, mas se o Mestre mandou deve
haver algo que eu não posso ver agora.” Isso é fé. Isso é confiança.

Se você disser: “Eu não consigo compreender. A menos que você me explique
primeiro, não farei nenhum esforço”, o Mestre não lhe explicará porque não há
nada para ser explicado; não existem explicações. Somente a mudança da sua
consciência lhe dará olhos capazes de saber e rir com o Mestre. Então, também
não haverá explicações.

O Mestre pede o impossível porque pede confiança. Se pedisse o possível, não


haveria necessidade de confiar. Quando você pode raciocinar, descobrir, está
confiando na sua mente. Mas quando não pode compreender, quando sua mente
sente-se incapaz de fazer algo sobre isso, simplesmente recusa-se a fazer, e
ainda assim você permanece, isso é confiança. Mamiya permaneceu, confiou no
Mestre.

“Apesar de Mamiya estar trabalhando arduamente” — ele começou a trabalhar!

Existem apenas duas possibilidades: ou você recusa o Mestre ou recusa sua


mente. A briga não é entre você e o Mestre; é entre a sua mente e o Mestre.
Quando ela é derrotada, não há barreiras entre você e o Mestre — vocês tornam-
se um. O discípulo torna-se o Mestre; o Mestre torna-se o discípulo: todas as
barreiras são rompidas. A barreira é a mente. Ela diz isto e aquilo; tenta dizer-
lhe que o Mestre é um louco: “Ele está pedindo algo impossível, algo que
ninguém pode fazer. Não perca tempo! Ache alguém que seja racional.”

Mas Mamiya tentou, trabalhou duro nisto.

Refutou a mente — refutar a mente é confiar. A mente é racional; a confiança é


irracional.

“Um dia, seu Mestre lhe disse:

‘Você não está trabalhando o suficiente.’”

Ele estava trabalhando arduamente, mas os Mestres são impossíveis; você


nunca pode satisfazê-los. Eles ficam martelando duramente, mais e mais —
porque você não sabe o quanto pode fazer. Não sabe coisa alguma sobre si
mesmo.

Quando você diz: “Eu estou trabalhando duro”, o Mestre sabe que apenas uma
parte de você está trabalhando. Os psicólogos dizem que mesmo um homem
talentoso, mesmo um gênio, nunca usa mais do que quinze por cento da sua
energia. Mesmo um Einstein nunca usa mais do que quinze por cento de sua
energia. E os homens comuns? Usam aproximadamente três por cento, cinco
por cento, no máximo. Noventa e cinco por cento da sua energia vital é
simplesmente perdida. Então você diz: “Estou trabalhando duro”; não sabe o que
está dizendo. O fragmento que você esteve usando pode estar trabalhando duro,
mas ele é apenas um décimo; as outras nove partes estão dormindo. O Mestre
quer você inteiro nisto, porque quando você é total... apenas então a
transformação acontece.

“Você não está trabalhando o suficiente. Está muito apegado à comida, à


riqueza, às coisas — e àquele som. Seria melhor se você morresse.”

O que este Mestre quis dizer? Estes são os apegos comuns do mundo. A comida
é um apego que se torna muito grande quando você renuncia ao sexo.

Num mosteiro, num mosteiro budista, você renuncia ao sexo, vive como um
celibatário. Quando isto ocorre, toda a sua energia torna-se mais e mais apegada
à comida. Isso é um problema para ser compreendido, porque o sexo e a comida
são o que há de mais profundo em você.

Se você está com o sexo, não se importa muito com a comida. Caso contrário,
toda sua energia começa a fluir em direção à comida. Assim, todos os seus
sadhus — aqueles que renunciaram ao sexo — estão sempre atrás de comida.
Olhe para os sadhus, olhe para os sannyasins hindus: são barrigudos. O que
aconteceu? Por que eles estão barrigudos? Eles comem, comem e comem —
mas isto é um fenômeno natural; é preciso compreender por que acontece. Eles
renunciaram ao sexo; então, a energia que se movia para essa direção, para
onde se move agora?

A comida e o sexo são básicos. A comida é mais básica do que o sexo pois você
pode viver sem sexo, mas não pode viver sem comida. Não existe nenhum
problema em viver sem o sexo. Na realidade, os que vivem com o sexo acham
mais fácil viver sem ele, porque nele outra pessoa está envolvida e ela cria
problemas também. Você já é um problema suficiente para si mesmo e a outra
pessoa ainda cria mais! Quando duas pessoas vivem um relacionamento sexual,
não acontece serem os problemas duplicados; não, eles são é multiplicados.
Não existe uma simples adição, existe uma multiplicação.

Assim, os que têm vivido com o sexo sabem muito bem que o sexo cria mais
problemas do que soluciona. Mas quando você o percebe, já está tão dentro dele
que não pode sair. Este é o problema: a experiência vem pela experiência —
mas, então, não serve para nada porque você já está dentro. E se você o disser
a alguém que ainda está fora, ele não o ouvirá; ele dirá que é muito difícil estar
só, que necessita de alguém para compartilhar. Ele não sabe o que acontecerá
quando começar a compartilhar. Ele começará a compartilhar os problemas
porque não existe mais nada para ser compartilhado.

A comida é mais básica do que o sexo. Ela é necessária no primeiro momento


em que a criança nasce; o sexo não. Uma criança pode viver quatorze anos sem
o sexo. Mas, no primeiro dia, no primeiro momento, o primeiro grito vem pela
comida; ela é a base da sua existência biológica. O sexo não é a base da sua
existência biológica; é a base da existência biológica da sociedade — não da
sua. Sem o sexo, a sociedade desaparecerá; você poderá viver, mas não poderá
reproduzir sem o sexo. As crianças não nascerão, a sociedade desaparecerá.

Se todos se tornarem brachmachari — o que é impossível — então haverá paz


no mundo, paz real porque não haverá mais nenhuma pessoa. Será um suicídio
global. Mas você pode existir sem o sexo; não há muito problema nisso.

Assim, toda vez que a energia que estava se movendo em direção ao sexo é
interrompida, essa mesma energia dirige-se para a comida. Ela e o sexo são os
dois elementos básicos.

Os sannyasins tradicionais comem muito. Por isso, em todas as escrituras —


Jains, Budistas, Hindus — existem leis impedindo os sannyasins de comerem
muito. Por quê? Porque eles pararam com o sexo e sabem que irão comer muito.
Assim, muitas regras tiveram de ser feitas para proteger o sannyasin. De outro
modo, ele se tornaria um viciado em comida, ficaria louco — só comendo,
comendo e comendo.

Comer pode lhe dar um prazer sexual porque o centro sexual e a boca estão
ligados. Por isso é que beijar é uma coisa tão sexual. Senão, por que seria? Se
você beijar alguém apaixonadamente, logo sentirá a energia sexual surgindo.
Por que, se a boca e o sexo estão tão distantes? É porque eles não estão
distantes, eles estão ligados; são dois pólos de uma mesma energia.

Assim, toda vez que você suprime o pólo sexual, toda a energia se move para a
boca. Você come mais, masca chicletes, chupa balas ou algo assim. Senão,
começa a falar continuamente pois assim a boca se move. É por isso que as
pessoas falam continuamente. Mesmo o dia todo não é suficiente. Se você
observar, verá que falam durante a noite também.

Uma vez, Mulla Nasrudin foi a um médico e disse: “Faça algo! Isso já está me
atacando os nervos. Minha mulher fala durante a noite toda”.

O médico disse: “Onde ela está? Traga-a aqui, eu darei um jeito.”

Mulla Nasrudin falou: “Você não me entendeu. Não há nada para se fazer com
ela. Faça algo comigo para que eu possa ficar acordado! É tão interessante! Ela
diz coisas tão maravilhosas, revela coisas tão lindas. Mas eu acabo dormindo.
Ela nunca fala assim quando está acordada. Acordada só fala besteiras. Dê-me
algo para que eu possa permanecer acordado e ouvir.”

Se você observar as pessoas, verá que elas falam a noite toda continuamente.
Suas bocas se movem, elas fazem sons e todo o tipo de coisas. Se um pólo da
energia está parado, o outro começa porque a energia tem de ser liberada de
alguma maneira. Você não pode contê-la. É como se você comesse e parasse
de defecar. O que aconteceria? Você teria de vomitar, não haveria nenhum outro
meio, porque se você come, então algo tem que ser posto para fora. Se você
come, a energia sexual é criada e tem de ser extravasada. Se você não usa o
sexo como válvula de escape, alguma outra válvula tem de ser encontrada.

Mamiya deve ter-se tornado muito aficcionado à comida. O Mestre lhe disse:
“Você está muito apegado à comida, à riqueza, às coisas. E àquele som.”

Quando um homem é padronizado, quando um homem é condicionado por


apegos, ele pode deixar o mundo, mas isso não faz nenhuma diferença. Ele pode
deixar tudo, mas seu apego permanece. Começa a trabalhar em novas direções.
Você pode deixar o palácio e ter apenas duas roupas, mas torna-se apegado a
essas duas roupas. Todo o apego, toda a energia que estava apegada ao
palácio, está agora apegado às duas roupas. Não faz nenhuma diferença. Você
pode continuar abandonando coisas, mas o apego permanece o mesmo.

Mamiya veio ao mosteiro, ele tinha deixado sua vida. Ele era um monge budista
e agora não tinha quase nada. A um monge budista poucas coisas são
permitidas: uma cuia para a comida, água, três roupas e uma esteira para dormir
— isso é tudo, nada de mais para se preocupar. Ele pode colocar estas coisas
nas costas e viajar, pois um monge budista tem de ser um andarilho, tem de
carregar a si mesmo e às suas coisas. Os outros não podem carregar nada para
ele. Buda fez disso uma regra para que você não continue juntando coisas. Se
for permitido que outra pessoa as carregue, então você poderá continuar
juntando-as.

Muito poucas coisas — mas o apego! O Mestre disse: “Você ainda está apegado
à comida, à riqueza...” Mamiya não tinha mais riquezas, mas o apego pode
continuar sem as riquezas porque não é uma questão de coisas objetivas. É uma
questão de sentimentos subjetivos.

“...e àquele som” — isso também se torna um problema. Se você está muito
apegado à meditação, a meditação torna-se o seu mundo. Quando você está
muito apegado à sua prece, a prece torna-se a barreira.

Existe uma bela estória na literatura hasid. Os hasids são as pessoas mais
maravilhosas do mundo; são rebeldes judeus. Eles têm uma tradição, uma
valiosa tradição, que diz: o que quer que a sua mente peça, não lhe dê. Espere!
Se você quiser dar, dê apenas quando a necessidade tiver passado. Se a mente
disser “estou faminta”, não coma. Espere! Quando o desejo passar, coma. Mas
não dê quando a mente pedir; não siga a mente, permaneça o Mestre.

Uma vez aconteceu o seguinte: Um dos discípulos de Baal Shem estava doente,
quase morrendo. E quando alguém está morrendo, tem de rezar a última prece
antes de deixar o corpo, o último agradecimento. O discípulo estava em seu leito
de morte, virando-se, muito perturbado. Baal Shem tinha vindo para vê-lo e lhe
dar o último adeus. Ele perguntou: “Algum problema?”

O discípulo disse: “Sim, minha mente está dizendo: ‘Faça a prece!’ e eu não
posso fazê-la até que a necessidade passe. Quando passar, eu farei a prece,
mas não sei se estarei vivo ou morto. Então, estou mudando de posição o tempo
todo para poder ficar vivo até que a necessidade desapareça.”

Baal Shem disse aos seus outros discípulos que estavam lá: “Vejam! Este
homem sabe o que é prece.”

Se o apego está presente e você está rezando, a prece torna-se deste mundo
porque o apego torna tudo material. Mesmo a prece é um pecado quando você
a faz com apego. Quando você faz uma prece, não como um apego, não como
uma necessidade da mente, somente então ela é bem sucedida.

O Mestre disse: “E aquele som, também tornou-se um apego. Você está


pensando continuamente em como solucioná-lo. Não se prenda. Resolva-o; isto
sim, mas não se prenda! Não enlouqueça. Trabalhe duro mas não seja louco.
Seria melhor se você morresse.”

Mas Mamiya não compreendeu; aliás os discípulos geralmente não


compreendem. O Mestre disse: “Seria melhor se você morresse.” Para quem o
Mestre estava dizendo “seria melhor se você morresse”? Para a mente, não para
Mamiya, pois este não pode morrer, ele é imortal. Estava dizendo para a mente,
para o ego que também estava tentando solucionar um problema que não pode
ser solucionado por ele.

O problema pode ser resolvido somente quando a mente está morta, quando já
fez tudo o que pôde, sentiu-se incapaz e disse: “Nada mais é possível, desisto.”
Quando a mente desiste e você é deixado só pela primeira vez, sem a mente —
a consciência se faz presente, o testemunho se faz presente, sem o pensamento
— o problema é solucionado, você ouve o som de uma mão batendo palmas.

Existe um som, os hindus o chamam de Omkar, AUM — este é o som. Quando


você está completamente silencioso, você o ouve. Ele não é criado por nenhum
encontro entre duas coisas. Não é por duas mãos batendo palmas, não vem
através do conflito. Ele é a música universal, é o próprio som da existência. Ele
não é criado. Está presente!

Os hindus dizem que o universo é criado justamente por causa deste som. O
universo é apenas uma transformação deste som, o som sem começo, o som
sem fim... a base de tudo. A experiência dos budistas, jains, sufis, hasids é a
mesma; a experiência de todos aqueles que conheceram é a mesma: que existe
um som, uma melodia contínua. Se você ficar silencioso e a mente não estiver
presente, você o ouvirá pela primeira vez. Ele está em toda parte! É o próprio
cerne da existência. Toda esta existência é apenas a transformação deste som.

Esses místicos dizem que até a matéria, a rocha, não é nada mais que Omkar,
AUM condensado. Exatamente como hoje os cientistas dizem que a matéria não
é nada mais do que eletricidade condensada, vibrações elétricas. Os místicos
dizem que a matéria não é nada mais do que som condensado, vibrações de
som.

Existe agora uma possibilidade de se fazer uma ponte entre a ciência e esses
místicos. Se você perguntar aos cientistas, eles dirão que o som nada mais é
que vibrações de eletricidade. Se você perguntar aos místicos, eles dirão que a
eletricidade nada mais é que vibrações do som. É por isso que os hindus têm
estórias em que, através da música, você pode criar o fogo. Uma onda de som
particular e o fogo pode ser criado. E agora, isto é também uma verdade
científica.

A criação contínua de um som particular pode produzir muito calor — você pode
experimentar. Quando a noite estiver fria, vá para fora e simplesmente faça o
Omkar. Vibre o AUM dentro de você, o mais que puder, de modo que o som AUM
vibre dos pés à cabeça. De repente, sentirá que o frio desapareceu, que o corpo
está quente. Se você continuar, mesmo que a noite esteja muito, muito fria, logo
começará a transpirar. Deste modo é que Mahavir vivia nu. É assim que os
monges budistas do Tibete, onde a temperatura vai abaixo de zero, conseguem
viver nus. Sentam-se a noite toda sob o céu, sob a neve caindo, e transpiram.
Ficam criando um som particular.

Mas o som que você cria não é Omkar, porque é criado, é outra vez o som de
duas mãos batendo palmas. Existe um som não-criado do qual vem a própria
criação. É por isso que AUM tornou-se o símbolo Universal da Realidade Última.
AUM não é uma palavra, é um símbolo sonoro. Tudo está condensado nele, tudo
é manifestado por ele.

O Mestre de Mamiya disse: “Seria melhor se você morresse, em vez de estar


apegado à comida, à riqueza, às coisas — e àquele som. Seria melhor se você
morresse.” Mamiya não compreendeu. Ele pensou que isso era uma técnica.
Pensou: “Então, eu posso manipular a morte, morrerei.” Mas como você pode
manipular a morte? Se a mente manipula, você está vivo. Você pode representar,
mas está vivo.

Mesmo o suicídio não é suicídio. Por tê-lo manipulado, você estará em algum
lugar. Você não pode cometer suicídio. O suicídio é impossível. Você vai e se
enforca — Você está fazendo isso, sua mente está presente. Esta mente o
conduzirá a uma nova vida, a um novo útero. Você não pode cometer suicídio —
existe apenas um suicídio, o Samadhi; nele, a mente não é a manipuladora. É
por isso que Buda morre, simplesmente morre e não nasce de novo. Eis por que
dizemos que quando um homem atinge o Samadhi — a iluminação final — ele
não nasce mais. Porque a mente se foi, quem poderá conduzi-la a novos
desejos, a novas motivações, a um novo corpo? A mente partiu.

Existe apenas uma morte que é a morte da mente. Mas a mente não pode
provocá-la. Se provocar, continuará sendo o agente e sobreviverá.

“Quando Mamiya veio ao Mestre, na vez seguinte, ele lhe perguntou novamente
o que tinha para mostrar”... porque estas questões não são algo que você possa
responder. A resposta tem de ser mostrada através dos olhos, da face, do seu
próprio ser, através de você. A resposta deve ser mostrada. Você deve se
transformar na resposta. Você não pode dizer a resposta; se disser, a mente é
que estará dizendo — e só você pode ser a resposta — então, ...“foi-lhe
perguntado novamente o que tinha para mostrar quanto ao som de uma mão
batendo palmas.”

“Mamiya imediatamente caiu, como se estivesse morto.’”

Mamiya representou, pensou: “O Mestre disse: ‘Morra!’ Então, é melhor eu


morrer.” Pensou que assim estaria muito bem e caiu. Mas a mente estava
trabalhando. Foi a mente que resolveu que deveria ser assim.

“‘Você está morto, tudo bem’, disse o Mestre, ‘mas e quanto àquele som?’
Olhando para cima, Mamiya retrucou: ‘Oh! Eu ainda não o solucionei.’”
Isto é maravilhoso porque o Mestre está dizendo: “Se você está morto, então o
problema está solucionado. E quanto àquele som? Você deve tê-lo ouvido.
Porque quando a mente não está, ele tem de ser ouvido.” Por isso, não há
possibilidade de você não o ter ouvido. Quando a mente não está presente, ele
sempre surge. É por causa da mente, do turbilhão da mente, que você não pode
ouvi-lo. Ele está presente, o ritmo está sempre presente. Quando a mente
desiste, mesmo por um simples momento, ele surge, você pode conhecê-lo —
não há como ignorá-lo!

“Você está morto, tudo bem, mas e quanto àquele som?”

Olhando para cima, Mamiya retrucou: “Ah, ah, ah... eu ainda não o solucionei!”
“O quê?”, berrou o Mestre, “Homens mortos não falam. Fora daqui!”

Apenas a mente fala. Se Mamiya tivesse ficado calado... Mas como ele poderia
ficar em silêncio? Ele estava só representando, não havia silêncio real. Você não
pode enganar um Mestre, mesmo que morra. A representação não pode enganá-
lo.

O Mestre disse: “Homens mortos não falam.” Quando a mente desaparece e o


Mestre pergunta “E quanto àquele som?” — nenhuma resposta vem. Todo o ser
é a resposta. O discípulo permanece em silêncio, ele está mostrando a si
mesmo. Não há necessidade de responder. O Mestre verá. Na realidade,
nenhuma resposta é solicitada. Se você responder, estará errado.

Isso já aconteceu muitas vezes com este mesmo koan — o som de uma mão
batendo palmas. Aconteceu com Rinzai. Foi-lhe dado o mesmo koan para
trabalhar. Ele trabalhou, trabalhou, trabalhou intensamente; e seu Mestre
continuava exigindo mais e mais. E um dia, aconteceu; a mente desapareceu, o
som foi ouvido.

Rinzai veio e o Mestre perguntou-lhe: “E quanto àquele som?” Rinzai deu-lhe


uma pancada no ombro. O Mestre disse: “Está certo, você ouviu!” — pois a
pergunta era tola. O Mestre continuou: “Eu estava esperando pelo momento de
não precisar mais dar-lhe pancadas. Agora, você pode me golpear. Agora, não
existe problema, não necessito mais lhe bater. Terminou! Agora, vá e ensine aos
outros sobre o som de uma mão batendo palmas.

Nenhuma resposta é necessária. Você tem de mostrar através de todo o seu ser.
Mas isto só pode ocorrer quando a mente desaparece — nem água, nem lua.
QUINTO DISCURSO

O Dedo do Gutei

O Mestre Zen Gutei


tinha o costume de erguer um dedo
ao esclarecer uma questão sobre o Zen.

Um discípulo muito jovem começou a imitá-lo:


quando alguém lhe perguntava
a respeito do que seu Mestre havia pregado,
ele erguia um dedo.

Gutei ficou sabendo disso.


Um dia, ao encontrar o menino imitando-o,
pegou o dedo do discípulo, puxou uma faca,
cortou o dedo e jogou-o fora.

Enquanto o menino corria, berrando,


Gutei gritou: “Pare!”
O menino parou, virou-se
e olhou para o seu Mestre através das lágrimas.

Gutei estava com um dedo levantado.


Quando o rapaz foi levantar o seu,
Percebeu que o dedo não estava lá
e inclinou-se.

Nesse instante, tornou-se iluminado.

Esta é uma estranha estória. É possível que você não a compreenda. Na vida a
coisa mais difícil de compreender é o comportamento de um iluminado.

As pessoas têm seus próprios valores e olham tudo através deles. Um iluminado
está numa dimensão totalmente diferente: vive sem valores, sem critérios, sem
moralidade; vive simplesmente sem o ego. E todos os valores pertencem ao ego.
Um iluminado simplesmente vive. Não manipula sua vida; é como uma nuvem
branca flutuando. Não tem para onde ir, nada para alcançar. Para ele, nada é
bom ou mau. Não conhece nenhum Deus, nenhum demônio. Conhece apenas
a beleza que é a vida em sua totalidade.

Até mesmo um deus é feio porque é apenas uma parte, não um todo. Um
demônio também é feio porque também é uma parte, e não o todo. Deus não
está vivo; o demônio também está morto porque a vida existe como um ritmo
entre os dois — o bom e o mau, Deus e o demônio. A vida existe entre esses
dois pólos. Não pode existir em apenas uma polaridade. Eles são as duas
margens no meio das quais o rio da vida flui. Um iluminado sabe disso. Nunca
está a favor nem contra algo. Responde a cada momento sem qualquer
julgamento. Eis por que é difícil compreendê-lo.

Um iluminado sempre tem alguma semelhança com um louco. Portanto, a


primeira coisa a ser compreendida é: não avalie um iluminado através de seus
próprios valores. Isto é muito difícil — mas o que mais você pode fazer?

Ouvi dizer que, certa vez, um grande pintor pediu a um médico amigo seu que
viesse ver uma de suas telas, uma que acabara de pintar. O pintor achava que
essa era sua obra-prima, o pico de toda sua arte. Por isso, naturalmente quis
que seu amigo viesse vê-la. O médico observou a tela minuciosamente, olhou-a
de um lado ao outro. Passaram-se dez minutos. O artista ficou um pouco
apreensivo e perguntou: “O que há? O que você acha do quadro?” O médico
respondeu: “Parece que está com pneumonia dupla.”

Isto está acontecendo com todo o mundo. Um médico tem suas próprias atitudes,
seu modo de olhar as coisas. Ele olhou para a pintura à sua maneira sempre
fixa; não poderia ter sido de outro modo. O médico diagnosticou o quadro... um
quadro não necessita de qualquer diagnóstico. Ele não compreendeu, e uma
bela pintura virou pneumonia.

É assim que a mente funciona. Quando você olha para algo, sua mente entra no
meio modificando. Não faça isso com um iluminado. Não fará qualquer diferença
para ele, mas a sua oportunidade de ver a beleza do fenômeno estará perdida.

Segunda coisa: um iluminado age do centro, nunca da periferia. Você sempre


age a partir da periferia, você vive nela, na circunferência. Para você, ela é o que
existe de mais importante. Você mata sua alma para salvar seu corpo. O
iluminado pode sacrificar seu corpo, mas não permite que sua alma se perca.
Está pronto para morrer a qualquer momento; isso não é mais um problema. Mas
não está disposto a perder seu centro, o âmago do seu ser.

Para o iluminado, o corpo é apenas um meio. Se for necessário, ele lhe dirá: —
Deixe o corpo, mas não abandone seu interior. É assim que toda tapascharya,
toda a sua austeridade nasce. A circunferência tem de ser sacrificada em favor
do centro. Se for necessário cortar a cabeça — se isso auxiliar, se com sua
cabeça o ego cair, o Iluminado lhe dirá: “Abandone a cabeça. Não a carregue.
Ela mantém o ego. Por nada, você está perdendo tudo!”

Isto deve ser lembrado: quando se vive no centro, a perspectiva é totalmente


diferente. Então, ninguém morre, ninguém pode morrer — a morte é impossível.
Quando se vive na periferia, todos morrem. A morte é o ponto final para todos.
Não há vida eterna.

Quando Krishna fala a Arjuna, no Gita, é realmente o centro falando para a


periferia. Arjuna vive na periferia, pensa a partir do corpo, não sabe coisa alguma
sobre a alma. Krishna fala do centro: “Não se preocupe com esses corpos. Eles
já morreram muitas vezes e ainda morrerão. A morte é apenas uma
transformação: como alguém que deixa suas roupas, sua velha casa, e entra
numa casa nova. Esses corpos não são nada. Não se preocupe com eles,
Arjuna. Olhe para o interior!” Mas como pode Arjuna olhar para o interior dos
outros se ainda não conseguiu olhar para o seu?

Lembre-se: este Mestre Zen Gutei é Krishna. Vive do centro e age de acordo
com ele. E este incidente ocorreu com um discípulo que estava na periferia. Gutei
poderia não ter cortado seu dedo. Mas o discípulo valia isso, ele merecia. Só
quando o discípulo merece é que o Mestre vai a tal extensão. Para Gutei ter
chegado a tal extensão, o discípulo deve ter aprendido, deve ter merecido; de
outro modo, Gutei não teria feito isso. Mesmo Arjuna não valia tanto quanto esse
discípulo de Gutei porque Krishna apenas falou com ele, enquanto que Gutei fez
algo.

Observe a diferença. Um Mestre só chega a agir quando você merece. Do


contrário, ele apenas fala. A ação só ocorre quando você está pronto, quando o
momento está tão próximo que não pode ser perdido; quando nada pode ser
dito; pode apenas ser feito. Quando uma pessoa fala, um tempo é necessário: o
outro tem de compreender o que foi dito. Algumas vezes, algo tem de ser feito
imediatamente, instantaneamente. Mas o Mestre só o faz quando vê que você
está na beira. Então, falar não ajudará; é preciso empurrá-lo: você está bem na
porta. Se um simples momento passar, a oportunidade estará perdida. E muitas
vidas talvez sejam necessárias para você chegar novamente à porta.

A vida é muito complexa. Raramente se está perto da porta. Se o Mestre diz:


“Olhe, a porta está aqui!” e começa a lhe explicar, até você compreender a porta
não estará mais lá. A vida está em constante movimento. O Mestre precisa fazer
algo. Se ele achar que matá-lo irá auxiliar, ele o matará. Eis por que a rendição
é necessária.

A rendição não é fácil porque render-se significa dizer ao Mestre: “De agora em
diante, minha vida e minha morte são suas. Estou pronto. Se você disser “morra”!
eu morrerei sem perguntar por quê.”
Se houver pergunta, a rendição não existirá, nem a confiança. Nos velhos
tempos muitas pessoas conseguiram iluminar-se porque puderam render-se. A
confiança estava na própria atmosfera, a fé circundava tudo, a confiança
florescia em toda parte. Não era possível passar um dia sem cruzar com um
homem cheio de confiança. E um homem com confiança é uma pessoa tão
maravilhosa que, ao vê-lo, você sente ciúmes.

Hoje em dia, isso tornou-se quase impossível. É difícil conseguir cruzar com um
homem desses. Essa beleza desapareceu. Só se cruza com céticos, com
pessoas cheias de dúvidas que sempre dizem não. Elas são feias mas estão por
toda parte. Então, pouco a pouco, você também se enche de dúvidas. Desde o
primeiro dia, desde a primeira vez em que a sua mãe o amamentou, você tem
se alimentado de dúvidas. Todas as descobertas da ciência dependem da
dúvida. É preciso ser cético, duvidar; só assim a ciência pode trabalhar.

A religião trabalha num rumo totalmente oposto. É preciso ser confiante, é


preciso dizer um profundo sim; só assim a rendição é possível. O discípulo de
Gutei havia-se rendido. Eis por que o incidente tornou-se sua Iluminação.

Agora, entraremos nessa estranha estória. Nela, cada palavra é significativa.

“O Mestre Zen Gutei tinha o costume de erguer um dedo ao esclarecer uma


questão sobre o Zen.”

Os Mestres nunca fazem algo desnecessariamente, nem mesmo levantar um


dedo. O desnecessário desapareceu. Com o Mestre, existe apenas o essencial.
Ele não fará um simples movimento, um simples gesto, se isso não for essencial.
O não-essencial existe com a ignorância. Com ela, o que quer que se faça é
trivial, não-essencial. Se for paralisada, nada estará perdido.

Olhe para a sua vida. Se você interromper o que quer que esteja fazendo, o que
será perdido? Nada se ganha com o seu fazer. De manhã à noite você se ocupa
com coisas triviais. Então, no fim do dia, fica cansado e vai dormir. Na manhã
seguinte está pronto para reiniciar outra vez as mesmas coisas não-essenciais.
É um círculo vicioso: um não-essencial encontra um outro não-essencial e os
dois se ligam. Mas você tem tanto medo de olhar a trivialidade dessa vida que
se mantém sempre de costas para ela. Se a olhar, sentirá muita depressão,
pensará: “O que estou fazendo?”

Se você vir que tudo o que está fazendo é absolutamente inútil, seu ego estará
perdido. O ego pode sentir-se significante somente quando você está fazendo
algo significante. Por isso você cria significados para as coisas triviais. Sente que
está desempenhando grandes feitos para a nação, para a família, para a
humanidade; como se sem você a existência fosse acabar. Nada do que você
está fazendo é importante. Mas você tem de dar significado a tudo, porque
através da significação seu ego é alimentado, fortalecido.
Na ignorância, tudo é não-essencial. O que quer que seja feito, mesmo sua
meditação, sua prece, seu ir ao templo: tudo é trivial. Até mesmo sua prece não
é mais profunda do que a leitura de um jornal. Porque a questão não é a prece,
é você. Se você tem profundidade, então cada movimento, cada ação é um ato
de profundidade. Mas quando ela não existe, mesmo ir a um templo não faz
nenhuma diferença: você entra no templo como se estivesse entrando em um
hotel. Você é o mesmo: assim, se é um templo ou um hotel, isso não faz
diferença. Dê a uma criança um brinquedo caríssimo feito de diamantes. Ela fará
com ele o mesmo que faria com um brinquedo comum, porque é uma criança.
Brincará com ele por alguns momentos; depois o jogará num canto e irá embora.

Sua profundidade traz profundidade às suas ações. Quando um Iluminado


levanta um dedo, até mesmo isso é importante, é repleto de significado. Por que
Gutei costumava levantar um dedo “quando explicava uma questão sobre o
Zen?” Não sempre — apenas quando explicava uma questão sobre o Zen? Por
quê? É porque estava explicando e demonstrando ao mesmo tempo. Pois o que
quer que se pergunte sobre religião, um dedo erguido é a resposta.

Todos os seus problemas existem por não ser um. Porque está fragmentado, em
desunião, em caos — não em harmonia. O que é Zen, o que é Yoga, o que é
Meditação? Nada mais do que chegar à unidade. A própria palavra “Yoga”
significa unidade, único, total, inteiro.

Quando Gutei estava explicando sobre Zen, a explicação era secundária; o dedo
levantado era o mais importante. Gutei explicava e demonstrava
simultaneamente. É assim que um Iluminado vive: fala e demonstra. Seu próprio
ser, seus gestos, seus movimentos demonstram o que é religião.

Se você não pode ver, se está cego ou se perdeu essa dimensão de


entendimento, de visão, ouve apenas as palavras. Mas se você sabe como olhar,
as palavras são desnecessárias. As palavras são inúteis, podem ser
dispensadas, tornam-se secundárias. Mas o dedo levantado não pode ser
suprimido; ele é primário, é a única resposta. Todos aqueles que conheceram,
em qualquer parte do mundo, todos levantaram um dedo. Estavam falando de
Um e você está vivendo na diversidade.

Quando se vive na diversidade, os problemas são criados, porque mover-se em


muitas direções simultaneamente torna-o dividido, impede sua união. Um desejo
o conduz para o norte, outro para o sul. Uma parte da mente ama, a outra odeia.
Uma parte da mente quer acumular riquezas e a outra diz: “Isso é inútil,
renuncie!” Uma das mentes quer meditar, tornar-se profunda, silenciosa, e a
outra diz: “Por que você está perdendo seu tempo?”

Ouvi dizer que uma vez aconteceu o seguinte: Um homem renunciou ao mundo
quando ainda era muito jovem e foi para os Himalaias. Meditou lá por quase vinte
anos. Aos quarenta, continuava sentado, meditando, sem fazer coisa alguma.
Os pássaros e os animais selvagens, pouco a pouco, perderam o medo dele. Ele
ficava lá, simplesmente sentado, o próprio amante da paz. Os animais sentavam-
se ao seu redor e quando iam caçar deixavam seus filhotes para que ele tomasse
conta. Seu cabelo tornou-se muito grande e os pássaros vinham fazer ninhos e
pôr seus ovos nele. E o homem tinha de cuidar deles.

Depois de vinte anos ele se fartou de tudo isso. Disse: “Se estou tomando conta
dos filhos dos outros por que não me caso e tomo conta dos meus próprios
filhos? Isso que estou fazendo é um absurdo, não estou chegando a nada. Esses
vinte anos que passaram estão perdidos. Agora, não tenho mais tempo a perder.
Já tenho quarenta anos e logo a vida começará a declinar.”

Qual era o problema? Ele estava realmente meditando. Qual era o problema?
Vinte anos é um longo tempo — mas sua mente esteve continuamente
fragmentada. Uma parte meditava e a outra dizia: “É inútil. Por que você está
perdendo tempo? Os outros estão se divertindo. Volte para os vales. As pessoas
de lá estão felizes, dançando, bebendo, comendo, amando. O mundo está em
êxtase e você aqui sentado como um tolo.” Ouvindo continuamente esse outro
fragmento durante vinte anos, o primeiro fragmento tornou-se fraco.

Na superfície, ele repetia mantras: Ram, Ram, Ram. Mas, no fundo, este era o
mantra: “Inútil! Sentado como um tolo e os outros aproveitando a vida enquanto
a minha se acaba. Logo serei incapaz de aproveitar algo. Estou me tornando um
velho.” Este era o mantra real. Na superfície rezava: Ram, Ram, Ram; mas no
íntimo, o mantra verdadeiro era outro.

Quando sua mente está dividida, você não pode orar nem meditar porque uma
parte fica sempre contra. E, mais cedo ou mais tarde, ela vencerá. Lembre-se
disto: a parte que está em ação perde energia a cada instante e a que não está,
a que critica, não perde nenhuma energia. Assim, mais cedo ou mais tarde será
a mais poderosa.

Uma de suas partes ama uma mulher e a outra odeia. A parte do ódio fica
escondida — todos escondem esta parte — e, a menos que você se torne um
Iluminado, ela permanece em seu interior. A parte que ama começa a se tornar
fraca porque está sendo usada, sua energia está sendo aplicada. A parte
escondida, a do ódio, fica cada vez mais forte. Assim, todos os casamentos
caminham para o divórcio. Quer o divórcio seja efetuado, quer não, todo
casamento acaba em divórcio, a menos que se esteja casado com um Iluminado,
o que é muito difícil.

Um dia, o homem se fartou. Começou a descer dos Himalaias. Pensou: “Por


onde vou começar?” Tinha-se esquecido completamente de como era o mundo!
Tinha estado fora tanto tempo! “Por onde vou começar? Se quero ser iniciado
neste mundo preciso de um guia, exatamente como se quisesse conhecer o
outro mundo. Quem será o guia certo para este mundo?” Então, lembrou-se de
que antigamente os reis mandavam seus filhos para as prostitutas a fim de
aprenderem como entrar neste mundo.

Não existe melhor guia para este mundo do que uma prostituta. Ela é o mundo
encarnado. Até o amor tornou-se um negócio para ela — este é o último estágio
do mundo — até o amor tornou-se uma profissão, uma comodidade; ela o vende.
O dinheiro tornou-se mais importante do que o amor. Esta é a última coisa no
mundo e pode tornar-se a porta.

Então, ele foi diretamente a uma prostituta. Era noite e ela estava se aprontando
para ir a um rei. Ela lhe disse: “Você é bem-vindo, mas eu fui convidada por um
rei. Ele é um avarento e, por isso, não espero ganhar muito. Mas quem sabe?
Às vezes até os avaros dão. Venha divertir-se conosco”. O monge foi.

Durante toda a noite, a prostituta dançou e cantou. O rei ficou sentado em


silêncio, sem lhe dar nada. Então, a última parte da noite já estava se esvaindo;
logo haveria luz e a mulher estava cansada. Então, numa canção, disse a seu
marido que tocava tabla: “Agora já fiz tudo o que podia fazer.” Ela cantou de
modo que ninguém pudesse compreender, pois era um código. Disse: “Tudo o
que podia ser feito, já fiz. Agora parece não haver nenhuma esperança. É melhor
partirmos.”

Dentro de sua mente, o monge pensou: “Ela está na mesma situação em que eu
me encontrava: tudo o que eu podia fazer já havia feito. Nada mais poderia ser
feito e o melhor era partir.” Então, ele ouviu atentamente quando o marido disse:
“Tudo o que podíamos fazer, nós já fizemos. Mas a noite ainda não acabou.
Quem sabe? Devemos ir até o final. Só falta um pouco mais. Seja paciente.”

Ouvindo isso, o monge pensou: “E agora, o que devo fazer? Talvez eu estivesse
na borda quando deixei os Himalaias. Talvez um pouco mais de paciência...”

O monge possuía apenas um lençol. Estava nu por baixo. Mas se sentiu tão
encantado que atirou seu lençol aos pés da prostituta e começou a correr para
fora do palácio. O rei, então, gritou: “Pare: isto é contra a convenção.”

A convenção era a seguinte: quando uma pessoa rica estava presente, ela
deveria contribuir primeiro; senão, seria um insulto. O rei estava presente e
aquele homem havia contribuído primeiro.

O monge respondeu: “Se é contra a convenção, pode me matar, mas ela salvou
minha vida. Foi um momento de tão grande êxtase que tive de dar algo. Eu não
tinha mais nada além desse lençol, mas não posso esperar por você, estou indo
para os Himalaias.

“Esta mulher e este homem que estava tocando tabla revelaram-me um segredo:
um pouco mais de paciência.” Dizem que o homem tornou-se Iluminado naquele
momento e que nunca mais voltou aos Himalaias. Ao descer as escadas do
palácio, iluminou-se.

O que aconteceu? Pela primeira vez as duas partes tornaram-se uma. Eis o
significado da paciência. Paciência significa permitir que a outra parte lute.
Paciência significa estar pronto para esperar infinitamente. Quando você está
pronto para esperar pelo infinito, não existe nenhuma possibilidade de a outra
parte dizer: “Não aconteceu ainda.” Não existe sentido em dizer: “você está
perdendo o seu tempo.” Se você está pronto para esperar infinitamente, então
nada é perdido. Se a sua espera é eterna, infinita, então a outra parte fica sem
ter o que dizer.

A unidade é necessária. Se não há unidade, a luta é constante. Eis por que Gutei
costumava levantar um dedo quando explicava sobre o Zen. Estava dizendo:
“Seja um! — e todos os seus problemas estarão solucionados.”

Existem muitas religiões, muitos caminhos, vários métodos, mas o ponto


essencial é o mesmo: a unidade. Seja qual for a sua escolha, seja um. Se você
puder ser infinitamente paciente, tornar-se-á um. Se puder render-se totalmente,
tornar-se-á um. Se puder silenciar completamente, será um. Se não houver
pensamentos e você estiver em meditação, será um. Se rezar a Deus e a reza
for intensa, a ponto de você não estar mais presente, a ponto de se dissolver
nela, tornar-se-á um, a unidade virá.

Se você puder trabalhar num jardim totalmente absorto, de modo que nenhuma
pessoa exista, nem mesmo quem está cavando; se você se transformar no ato
de cavar, então o agente será a ação, o observador a observação, o meditador
a meditação — de repente, todas as ondas de maya desaparecerão, todas as
ilusões terminarão. Você será elevado a uma camada diferente, a um diferente
plano de ser.

Quando você for um, alcançará o Um. Enquanto for muitos, estará no mundo. O
mundo é muitos e Deus é um. Para conhecer o Um, é preciso, antes, tornar-se
um. Não existe outro modo. Só quando você se transformar Nele é que será
capaz de conhecê-Lo.

“O Mestre Zen Gutei costumava erguer um dedo ao esclarecer uma questão


sobre o Zen.”

Zen é um termo sânscrito vindo da palavra dhyan. É a forma japonesa de dhyan.


Quando Bodhidharma levou para a China as técnicas de Buda, dhyan tornou-se
Ch’an. Quando Ch’an foi levado ao Japão, tornou-se Zen. Mas o termo original
é dhyan. Quando Gutei falava sobre dhyan (meditação), levantava um dedo. A
unidade é dhyan, a unidade é tudo o que deve ser atingido — é o fim.

“Um discípulo muito jovem começou a imitá-lo...”


É claro. Deve ter sido um discípulo bem jovem, pois só as crianças imitam.
Quanto mais maduro se é, menos se imita; quanto mais imaturo, mais se imita.
Se você ainda imita, ainda é um adolescente, ainda não atingiu a maturidade,
ainda não se tornou um adulto. O que é ser adulto? É compreender que você
tem de ser você mesmo e não um imitador, isto é que é maturidade.

Se você olhar para si mesmo, não encontrará esta maturidade. Você tem estado
imitando os outros. Alguém tem um carro novo — de repente, você começa a
imitar, precisa de um carro novo também. Alguém tem uma casa grande, você
precisa de uma também. Os vizinhos sempre o deixam nervoso. Estão sempre
comprando isso e aquilo e você tem de imitá-los. E quando isso ocorre, você é
exatamente como os macacos.

Não imite! Seja maduro! Imitar não o levará a lugar algum. Por quê? O que é
imitar e o que é ser autêntico, verdadeiro?

Imitar significa estabelecer um ideal a partir dos outros; significa ter um ideal que
não é seu, um ideal que não vem de dentro de você, que não é um florescimento
natural vindo do seu interior. Algum outro estabeleceu o ideal e você vai atrás.
Se não o alcança, sente-se miserável por não ter conseguido atingi-lo. Se o
alcança, sente-se miserável também porque esse nunca foi o seu ideal. Você
nunca o quis, isso nunca ocorreu no seu interior.

Eis por que existe tanta miséria no mundo: as pessoas ficam se imitando. Se
falham, sentem-se miseráveis porque não atingiram. Se são bem sucedidas,
também se sentem na miséria. Observe: nada fracassa tanto quanto o sucesso,
se for uma imitação. É possível alcançar um objetivo após longa e extenuante
jornada, após muito esforço e perda de tempo e energia. Mas então você
descobre: “Eu nunca quis ser isso. Alguma pessoa deve ter querido e eu peguei
emprestado o seu ideal.” Não pegue ideais emprestados, isso é infantil.

“Um discípulo muito jovem começou a imitá-lo...”

Deve ter sido um discípulo bem jovem mesmo, infantil. Começou a imitá-lo.

“Quando alguém lhe perguntava sobre o que o seu Mestre havia pregado, ele
levantava um dedo” — do mesmo modo, com o mesmo gesto que o Mestre havia
feito.

As pessoas devem ter gostado disso, devem ter rido. O rapaz era um imitador
perfeito: fazia a mesma cara, levantava o mesmo dedo, tentava olhar do mesmo
jeito. Ele representava muito bem.

Quanto mais eficiente é a representação, mais imaturo se permanece. É preciso


ser verdadeiro consigo mesmo. Se você não é muito eficiente, isto não importa;
o que importa é que você seja verdadeiro consigo mesmo, porque apenas a sua
própria verdade pode levá-lo à Verdade Última. A verdade de nenhuma outra
pessoa poderá ser a sua.

Você tem uma semente em seu interior. Só quando essa semente germinar e
tornar-se uma árvore é que você florescerá, entrará em êxtase, terá a bênção.
Mas se você estiver seguindo os outros, essa semente continuará morta. É
possível acumular todos os ideais do mundo e tornar-se bem sucedido, mas você
se sentirá vazio porque nada poderá preenchê-lo. Só a sua semente, quando se
tornar árvore, é que poderá satisfazê-lo. Você só se sentirá completo quando a
sua verdade florescer, nunca antes.

As pessoas podem apreciar seu sucesso na imitação — elas sempre o apreciam.


Esse rapaz deve ter sido apreciado no mosteiro por estar representando
exatamente como o Mestre. Deve ter ficado famoso; os imitadores ficam
famosos. Eles não sabem que estão cometendo suicídio. Entretanto, para que
os outros o apreciem, você é capaz até de se suicidar.

Ouvi dizer que um ator morreu. Seu funeral atraiu milhares de pessoas. Sua
mulher batia no peito, chorava e gritava. Quando ela viu que milhares de pessoas
tinham vindo, disse: “Se ele soubesse que tantas pessoas viriam, teria morrido
mais cedo.”

Você pode se suicidar para ser apreciado. Você está se suicidando apenas
porque os imitadores são apreciados. Uma pessoa autêntica não, porque ela é
rebelde. Não imita ninguém. Ela diz: “Eu não serei Buda, nem Krishna, nem
Jesus. Um já é o suficiente! Um Jesus já é o suficiente. Por que imitá-lo?” Um
segundo Jesus, embora belo, é apenas uma cópia, não tem valor. Por que imitar
Jesus? Deus não lhe perguntará, no fim, por que você não se tornou Jesus, mas
sim por que não se tornou você mesmo.

Ouvi falar sobre um místico hasid chamado Magid. Ele era muito pobre e
ninguém sabia muito a seu respeito, mas ele era um homem realmente autêntico.
Quando estava morrendo, alguém lhe perguntou: “Magid, você rezou a Deus
para fazê-lo como Moisés? Ele abriu os olhos e disse: “Pare! Não diga tais coisas
enquanto eu estou morrendo. Deus não irá me perguntar por que eu não me
tornei Moisés. Ele perguntará: “Magid, por que você não se tornou um Magid
real?”

Os outros não o compreenderam, não podiam compreender, pois isso parecia


um insulto a Moisés. Não é. Isso não é um insulto. Moisés tornou-se Moisés: esta
é a sua beleza. Magid tem de se tornar Magid: esta é a sua beleza. E somente
a beleza, somente o ser florescido pode ser ofertado a Deus. Como poderia Deus
perguntar a uma rosa: “Por que você não se tornou um lótus?” Como poderia
Deus ser tão tolo? Não! Ele não é tão tolo quanto você pensa. Ele perguntará à
rosa: “Por que não floresceu totalmente? Por que voltou como um botão e não
como uma flor?”
Florescer é o essencial. Se você é um lótus ou uma rosa ou alguma flor não
especificada, desconhecida, não faz diferença. Quem você é não é o essencial.
O essencial é que você chegue à porta do Divino como uma flor aberta, florescida
e não fechada como um botão.

“Um discípulo muito jovem começou a imitá-lo...”

Quando você chega perto de um Mestre, esta é a possibilidade — a primeira


possibilidade: começar a imitá-lo. Lembre-se de que isto não irá ajudá-lo, de que
isto é perigoso, de que estará cometendo suicídio. Compreenda o Mestre, beba
sua presença, alimente-se dela o máximo que puder, mas não se torne um
imitador. Não se torne falso.

“Gutei ficou sabendo disso. Então, um dia, ao encontrar o menino imitando-o,


pegou o dedo do discípulo, puxou uma faca, cortou o dedo e jogou-o fora.”

Parece que esse Mestre era muito duro, muito cruel. Os Mestres são cruéis. Se
não o forem, não poderiam auxiliá-lo. São cruéis porque têm uma profunda
compaixão. Por que o Mestre cortou o dedo dele? Se ele fosse um pouco menos
duro, não teria sido de nenhuma utilidade ao rapaz. Algo muito severo era
necessário. Algo que fosse direto ao coração. Isto deve ser compreendido.

Ouça-me. Se você está aqui apenas por curiosidade, não poderá ir muito a
fundo. Se a sua curiosidade é apenas intelectual; se você está interessado
apenas em saber o que estou dizendo, não poderá ir muito a fundo; não será
capaz de compreender o que estou dizendo. Mas, se a vida lhe deu muito
sofrimento e você está aqui por causa disso: para compreender como
transcendê-lo, então o que direi poderá ir até lá dentro. O sofrimento lhe dá
profundidade, o conduz em direção ao centro.

Se você me ama, se você não tem comigo um relacionamento intelectual — o


qual não é absolutamente um relacionamento — mas uma relação de amor; se
está emocionalmente tocado por mim, então irá compreender. Porque quando
você ama uma pessoa, você a ouve com o coração, não com a cabeça. A cabeça
é a pior coisa que existe: tola, fútil, exatamente como uma cesta de lixo — nada
mais. Tudo o que é tolice vai sendo colecionado por sua cabeça. As futilidades
nunca entram no coração, são acumuladas na cabeça. Só o que é essencial vai
para o coração. Assim, se você estiver aqui apenas por curiosidade, conseguirá
me ouvir apenas na superfície. Pouco poderá lhe acontecer. Mas se você estiver
aqui porque sofreu; se não veio como um curioso mas como alguém que tem
conhecido a vida, conhecido seu sofrimento e através dele a maturidade; se você
realmente quiser ser transformado — então, me ouvirá com muito mais
profundidade.

Mas sua profundidade poderá ir mais além ainda. Se você me amar, se tiver
confiança, estará mais aberto — só a confiança pode abrir; se você não confiar
estará sempre com medo e o medo é sempre fechado. Quando você está
totalmente aberto — você sofreu, a vida lhe deu profundidade e além disso você
confia, além disso está totalmente aberto — então, o que eu disser poderá ir
imediatamente ao seu coração. E, depois de ouvir, você nunca mais será o
mesmo.

“Gutei ficou sabendo disso.” Um Mestre sempre fica sabendo quem são os
imitadores. Eles são tão aparentes, tão óbvios! Eu sei muito bem quem são os
imitadores aqui. Um imitador não pode enganar a quem ele está imitando. Pode
enganar aos outros, mas não a quem está imitando. Sua falsidade é patente.

As pessoas vêm a mim e repetem minhas próprias palavras, meus próprios


gestos e pensam que podem me enganar. Elas podem enganar aos outros mas
não a mim porque suas palavras são tão superficiais! Você pode repetir as
mesmas palavras, não há problema: as palavras não são o problema — mas a
intensidade que você dá a elas, isso vem do seu próprio ser. A palavra pode ser
usada por qualquer um. Você pode recitar todo o Gita, mas suas palavras não
serão as mesmas pronunciadas por Krishna.

Você pode repetir toda a Bíblia, mas quando aquelas palavras foram usadas por
Jesus tinham uma tremenda energia, uma força de transformação — porque
Jesus estava naquelas palavras. Seu ser se movia através de cada uma delas.

Você pode usar as mesmas palavras. Para cada cristão, existem milhões de
padres repetindo as mesmas palavras. Repetem o Sermão da Montanha... e as
palavras são tão superficiais que acabam sendo um grande prejuízo. Seria
melhor que eles não as repetissem porque quando se repete muito certas
palavras, elas perdem a magia, tornam-se usadas e as pessoas ficam tão
acostumadas a ouvi-las que se tornam inúteis, apenas clichês.

Gutei ficou sabendo a respeito do jovem que o imitava e “...um dia, ao encontrar
o menino imitando-o, pegou seu dedo, puxou uma faca, cortou o dedo e jogou-o
fora.”

Quanta severidade! Mas Gutei deve ter tido muita, muita compaixão. Só deste
modo é que se pode ser tão duro. É difícil compreender porque pensamos que
a crueldade, a austeridade acontecem apenas quando não existe compaixão.
Não — se você pensar assim nunca entenderá um Mestre. Um Iluminado só é
vigoroso com o discípulo quando está repleto de compaixão. Se assim não fosse,
por que se preocuparia? Ele é rígido justamente porque se preocupa, porque
está aflito a seu respeito, quer auxiliá-lo. E menos do que tal atitude de nada
adiantará.

O que aconteceu? Quando ele puxou sua faca, pegou o dedo do rapaz, cortou-
o e jogou-o fora, o que aconteceu? Quando o rapaz viu o Mestre puxar sua faca,
o que lhe ocorreu? Se alguém chega, de repente, perto de você com uma faca,
o que lhe acontece? — Seus pensamentos param.

Você não pode pensar, é tudo tão novo, inédito. A velha mente simplesmente
pára, não pode compreender o que está acontecendo. Ninguém poderia sequer
supor que Gutei carregasse uma faca. É possível alguém me imaginar
carregando uma faca? É tão impossível, tão incompreensível. Mas Gutei puxou
a faca — o rapaz deve ter ficado em estado de choque, com o pensamento
parado. Era um tratamento de choque. Aquilo vindo de Gutei — quase
impossível! O rapaz não pensaria nisso nem em sonhos... e então Gutei não
somente puxou a faca, mas cortou seu dedo também.

Enquanto Gutei estava cortando o dedo do discípulo, enquanto o dedo era


decepado da mão, o que estava acontecendo dentro do rapaz? Pela primeira
vez em sua vida ele estava atento, sem pensamentos. Não podia estar
adormecido num momento desses. Você pode estar adormecido enquanto
alguém corta o seu dedo? Não, é impossível.

A dor foi tão intensa, o sofrimento foi tão intenso, que neste exato momento o
rapaz se transformou. Deixou de ser uma criança, tornou-se maduro. Isso pode
acontecer em apenas um instante, pode não acontecer por muitas vidas. A
imitação deve ser severamente cortada. O dedo era apenas simbólico. O rapaz
tinha de ser atingido severamente e o sofrimento devia ir até a raiz de seu ser.
Devia ser tão desconhecido que ele não pudesse teorizar a respeito. Não
pudesse pensar, nem filosofar, mas simplesmente ficar chocado. Assim, sua
mente não poderia mover-se para lugar algum. Pela primeira vez, ele deve ter
olhado com olhos novos, sem pensamentos flutuando, se interpondo. A dor foi
tão severa e súbita que deve ter atingido diretamente seu coração.

Lembre-se, o prazer nunca atinge tanto quanto a dor. O prazer nunca vai tão a
fundo! Não pode. A própria natureza do prazer é superficial. Assim, as pessoas
que vivem no prazer são sempre superficiais, frívolas. Você não pode encontrar
profundidade em um homem rico, é difícil. Mas pode encontrá-la em um
mendigo. Você pode não olhar para um mendigo porque pensa que ele é
simplesmente um mendigo; mas não se fixe em suas idéias. Quando cruzar com
um mendigo, olhe-o. Ele sofreu muito, sentiu muita dor e a dor dá profundidade.
Um rico é sempre superficial, frívolo. Vive no prazer e, por isso, não pode ir muito
a fundo.

No sofrimento do discípulo de Gutei, a dor foi tanta e tão repentina que a mente
parou de revolver e o coração foi atingido.

“Enquanto o rapaz corria, berrando, Gutei gritou: ‘Pare!’”

É sobre isto que eu estava falando. Primeiro, você deve estar em profundo
sofrimento, gritando; somente então o “Pare” pode ser significativo. O rapaz
correu uivando de sofrimento e dor e Gutei gritou: “Pare!” Se o “pare” é dito no
momento certo atinge diretamente.

De repente, ele parou! O que aconteceu nessa parada? Não havia mais dor. Se
você pára repentinamente, toda a sua atenção move-se para o som “pare”. O
corpo é deixado para trás e você se torna atento. Quando você está realmente
atento, o corpo não pode perturbá-lo, não pode distraí-lo. O dedo não estava
mais lá, o sangue fluía — havia dor, mas esse “pare” levou toda a atenção do
discípulo para o Mestre.

Quando não há atenção, não existe dor. A dor só existe no corpo se houver
atenção. Quando você está doente, deitado na cama, o que você faz? Fica
continuamente prestando atenção à sua doença, fica alimentando-a. Algo deve
ser feito a esse respeito, pois isso tornou-se um grande problema em todo o
mundo.

Os médicos sugerem que você se deite e descanse quando está doente. Mas
descansando, o que você fará? Prestará atenção à dor e assim a estará
alimentando; a atenção alimenta a dor. Então, você estará pensando nela
continuamente; isso torna-se um mantra, um canto interno: “Estou doente, estou
doente. Alguma coisa está errada.” Você reclama e percorre o corpo diversas
vezes, tentando encontrar o que está errado. Você fica remoendo isso. Que coisa
mais patológica! Isso faz com que a doença continue. Faz você ficar hipnotizado
pela doença!

Se muita atenção é dada à doença, você se torna uma vítima hipnotizada. Se


você reclama, se queixa constantemente de algo, isso entra num ciclo vicioso:
você reclama e, com isso, convida a doença, porque cada queixa significa dar
atenção outra vez e outra vez; torna-se algo repetitivo.

O que acontece? Ouvi dizer — e isso já aconteceu muitas vezes — que um


homem estava doente, paralisado há quinze anos sem poder andar. Uma noite,
de repente, sua casa começou a pegar fogo. Havia o fogo, a casa estava em
chamas e todos correram para fora. O homem esqueceu que estava paralisado
e correu para fora da casa. Só lá fora, quando sua família o viu correndo e lhe
disse “Como? Você está paralisado!” é que o homem caiu.

O que aconteceu? Nesse acidente, nesse particular momento de intensidade —


a casa estava em fogo — o homem esqueceu que estava paralisado. Se você
puder se esquecer da sua doença, ela irá embora mais rápido do que com
qualquer remédio. Se não puder esquecê-la, se ficar continuamente remoendo-
a, estará mexendo na ferida. E quanto mais você a remexe mais profunda ela se
torna.

O que aconteceu quando Gutei gritou: “Pare”? O rapaz olhou-o, seu grito parou
e a dor desapareceu como se o dedo não tivesse sido cortado.
“O menino parou, virou-se e olhou para o seu Mestre através das lágrimas.”

Seus olhos estavam cheios de lágrimas, ele estava gritando, chorando e


soluçando. Mas parou! Sua dor desapareceu mas as lágrimas não podiam
desaparecer tão de repente — elas estavam lá.

“Gutei estava com um dedo levantado. Quando o rapaz foi levantar o seu,
percebeu que o dedo não estava lá, e inclinou-se. Nesse instante, iluminou-se.”

“Gutei estava com um dedo levantado.” Este foi um momento de intensa


consciência; um grande truque foi feito, uma situação foi criada pelo Mestre. A
mente não estava mais lá, a dor havia desaparecido porque a atenção se
desviara para outro lugar... como se o rapaz não fosse capaz de respirar. “Pare!”
— e a respiração parou, o pensamento parou e ele se esqueceu de que não
tinha mais um dedo. De acordo com o velho hábito, quando o Mestre levantava
um dedo, o rapaz levantava também o seu — mas agora o dedo não estava mais
lá. Isto mostra que ele havia se esquecido completamente do que havia ocorrido.

Nesse momento, ele não era o corpo; de outro modo, como poderia ter
esquecido a dor, o dedo cortado, sangrando, os olhos ainda cheios de lágrimas?
Há apenas um momento ele uivava de dor. O “Pare” provocou o milagre.

“O rapaz parou, virou-se, olhou para seu Mestre através das lágrimas. Gutei
estava com um dedo levantado.”

De acordo com o seu velho hábito, o menino levantava o dedo sempre que o
Mestre ensinava sobre o Zen. Ele ficava em pé, ao lado ou atrás da cadeira, e
quando o Mestre levantava um dedo ele também levantava. Isso tornou-se um
gesto automático. O corpo é um autômato, é um mecanismo, é mecânico.

“O rapaz foi levantar seu dedo e quando percebeu que não estava lá — só então
ele viu que o dedo não estava lá — inclinou-se.”

O que aconteceu? Por que ele ficou tão agradecido e inclinou-se? Porque, pela
primeira vez, percebeu que não era o corpo. Que ele era a atenção, não o corpo;
a consciência, não o corpo. O dedo não estava lá e a dor desaparecera, os gritos
desapareceram. O pensamento não estava mexendo na ferida, remoendo-a. Ele
não era mais o corpo, não estava encarnado, estava simplesmente fora do corpo.
Pela primeira vez, pôde saber o que é a alma, a consciência; pôde saber que o
corpo é apenas a casa.

Você não é o corpo; está nele, mas não é ele. Se a sua atenção puder chegar a
tal intensidade, você perceberá que não é o corpo. Ao perceber isso, ficará
sabendo que é imortal. Quem então poderá lhe cortar o dedo? Como alguém
poderá ser violento com você? Ninguém poderá destruí-lo. Eis por que ele se
inclinou para o Mestre em profunda gratidão. “Por você me ter dado esta
oportunidade de conhecer o meu mais profundo ser que é imortal.”
“Nesse instante, iluminou-se.”

O que é iluminar-se? É chegar a entender, a perceber que você não é o corpo.


É a luz interna. Não o lampião, mas a chama. Não é o corpo, nem a mente. A
mente pertence ao corpo, não está além dele. É a parte do corpo mais sutil, mais
refinada, mas ainda assim é parte do corpo. A mente é tão atômica quanto o
corpo.

Você não é nem o corpo nem a mente. Então, fica sabendo quem é. E ficar
sabendo quem você é, é iluminar-se.

Quando Gutei cortou o dedo do discípulo, o pote, o velho pote caiu, quebrou-se,
a água escorreu — nem água, nem lua! O discípulo iluminou-se.

Gutei deve ter esperado pelo momento certo. O menino fazia aquilo há muitos e
muitos anos. Ele esperou e esperou. Não se pode forçar o momento certo.
Quando ele chega, chega. Você cresce em direção a ele e o Mestre espera.
Quando ele chega, quando ele está presente, qualquer coisa pode tornar-se a
desculpa, qualquer coisa. Mesmo um grito, “Pare!”, pode ser o suficiente para o
velho pote quebrar-se. De repente, os reflexos desaparecem porque não há mais
água. Você olha para a lua real, você está iluminado.

Iluminação significa compreender quem você é.


SEXTO DISCURSO

Por Que Você Não Se Retira?

Tokusan estava estudando Zen com Ryutan.


Uma noite, Tokusan veio a Ryutan
e lhe fez muitas perguntas.

O Instrutor disse:
“Já é tarde da noite.
Por que você não se retira?”

Tokusan inclinou-se
e, ao abrir a cortina para sair,
observou:
“Está muito escuro lá fora.”

Ryutan ofereceu-lhe uma vela acesa


para encontrar seu caminho.
Mas logo que Tokusan a recebeu
Ryutan assoprou-a.

Neste momento,
a mente de Tokusan abriu-se.

“Tokusan estava estudando Zen com Ryutan. Uma noite, Tokusan veio a Ryutan
e lhe fez muitas perguntas.”

O primeiro ponto a ser entendido é: você não pode estudar Zen. É impossível!
Você pode estar nele mas não estudá-lo — porque o Zen ou dhyan não é um
objeto de estudo, é um modo de vida; depende de como você vive. Você não
pode obtê-lo através das escrituras, você não pode obtê-lo dos outros. Ninguém
pode ensiná-lo a você, ele não existe para ser ensinado. Ele não é um
conhecimento — que possa ser transferido de uma mão para a outra. Ele é um
modo de vida. Você pode se permitir a caminhar nele: fluir, estar vulnerável,
aberto — e é assim que a pessoa deve estar em relação ao Mestre.

Você não pode estudar, pode apenas permitir a si mesmo ser infeccionado. Ele
é como uma infecção: se você estiver vulnerável, você o apanhará. Viver com o
Mestre é o suficiente: se você estiver silencioso, aberto, sem lutar —
simplesmente em sua presença — haverá momentos em que poderá aprender
o Zen.

Esta estória diz: “Tokusan estava estudando Zen...” Ele estava errado. Nenhuma
universidade pode lhe oferecer um curso de religião. Elas fazem isso, mas tudo
o que ensinam não é religião absolutamente.

Pode ser uma história da religião — não religião. Pode ser filosofia da religião —
não religião. Elas podem auxiliá-lo a aprender o Alcorão, a Bíblia, o Gita, mas
não religião. Elas podem falar sobre Jesus, Buda, Krishna e você aprenderá
muitas coisas, mas não compreenderá a verdadeira base, a própria essência.

Assim, o primeiro ponto a ser entendido é: ninguém pode ensinar o que é Zen, o
que é dhyan. Você pode aprendê-lo, mas ninguém pode ensiná-lo. Eu tenho dito
continuamente que não existem Mestres, existem apenas discípulos porque um
Mestre não pode fazer nada positivamente, diretamente. Ele não pode lhe dar,
não pode lhe ensinar o Zen.

O que ele pode fazer? Se ele pudesse ensinar, se pudesse lhe dar o Zen, então
um Buda seria suficiente para iluminar o mundo inteiro. Mas muitos Budas já
existiram e o mundo continua desse jeito. Diretamente, nada pode ser feito. O
essencial é tão sutil, tão delicado, que se você o transferir, na própria
transferência ele morrerá.

Eu ouvi que: Um sacerdote cristão enviou uma Bíblia de presente a um amigo —


fez um belo pacote. Foi ao correio e o empregado que recebeu o embrulho
perguntou: “Há alguma coisa frágil aqui?”

O sacerdote riu e disse: “Sim, os Dez Mandamentos.”

A religião é tão delicada, tão frágil, que nenhum invólucro pode protegê-la. No
momento em que você a transfere, ela já está morta. Ela vive numa vida interna.
Vive em um Buda, em um Mestre. Ele não a pode dar, mas você pode abrir-se
para ela.

É exatamente como quando o sol surge pela manhã. O sol não pode dar vida à
flor — não! Mas a flor pode abrir-se através dele e ser enriquecida pela sua
própria abertura. Se a flor permanecer fechada, o sol não poderá fazer nada. O
sol não poderá bater na porta, não poderá distribuir a luz, não poderá distribuir
vitalidade e vida — não! O sol passará desapercebido. Um Buda vem — Eu estou
aqui, você pode se abrir. Mas se permanecer fechado, nada poderá ser feito.
Assim, isso compete a você. Depende totalmente de você aprender ou não —
isto não é um estudo.

Estudar é algo morto, intelectual. Aprender é vivo! Não vem da cabeça, surge do
coração. Você aprende pelo coração e estuda pela cabeça. Quando estuda,
torna-se um grande erudito. Vá e olhe para os grandes homens cultos; todas as
universidades estão repletas deles. Você não encontrará pessoas mais mortas
do que eles. Estão quase na sepultura — estão quase enterrados! Nunca
viveram; estão tão obcecados pelas palavras que não levam em conta a vida.

Esses eruditos podem estar falando de amor, mas nunca amaram. Eles não
podem se permitir isto — é muito arriscado, e eles são tão instruídos, não podem
dar um passo tão perigoso! Eles falam sobre meditação, lêem a respeito, mas
nunca fazem nada. É perigoso! Nada pode ser mais perigoso que meditação. E
um erudito está sempre em busca de segurança: segurança nas palavras,
segurança nas doutrinas, segurança em tudo. Ele não é um jogador, não pode
apostar sua vida. E a menos que você arrisque sua vida, não poderá aprender.

Este aprendizado é do coração, é exatamente como o amor. É por isso que


Jesus repetia sempre que Deus é amor. Ele não estava dizendo — como os
cristãos entenderam, ou como não entenderam — que Deus é um amante. Não!
Ele não quis dizer que Deus ama. Ele simplesmente disse: se você quer
encontrar Deus, o método é o mesmo de quando você quer encontrar o amor.
“Deus é amor” significa: o caminho que conduz ao templo do amor é o mesmo
que conduz ao templo de Deus. Essa frase justamente indica que o caminho é
pelo coração, não pela cabeça.

“Tokusan estava estudando Zen com Ryutan.” — É nisto que ele estava
perdendo. Exatamente o primeiro passo estava errado; e quando o primeiro
passo está errado, então tudo o mais que se segue também está. Lembre-se
sempre de dar o primeiro passo de modo certo. Se o primeiro passo estiver certo,
então metade da jornada estará vencida, quase terminada. Se o primeiro passo
estiver certo, tudo o que vier se seguirá automaticamente, você chegará à meta.
Assim, não vá ao Mestre para estudar, vá para aprender. Se você for para
estudar, o Mestre lhe ensinará, mas o ponto mais significante não poderá ser
transmitido — vá para aprender.

Qual é a diferença entre essas duas atitudes? Muitas são as diferenças: quando
você vai para estudar, quer mais informações; quando vai para aprender, quer
mais ser — não informações. Quando você aprende, seu ser cresce. Quando
você estuda, sua memória é que cresce. Quando você estuda, sabe cada vez
mais e mais; quando aprende torna-se cada vez mais — e essas são coisas
totalmente diferentes. Um homem pode ter uma grande memória, saber muitas
coisas, e, no seu íntimo, ser completamente mendigo, pobre, não ter nada. Ele
pode estar-se iludindo que conhece muitas coisas, mas esse conhecimento não
o auxiliará — a menos que ele seja. O conhecimento é fútil! Apenas ser auxilia.

Se você estiver morrendo, quem irá com você? Seu conhecimento ou seu ser?
Quem o auxiliará? Quem será a ponte? O que você poderá carregar consigo
além da morte? Conhecimento? O cérebro será deixado para trás porque faz
parte do corpo. Apenas o ser é levado para lá. E como você nunca o olhou, ele
permaneceu pobre, faminto — você nunca o alimentou.

O aprendizado é do ser, o conhecimento é apenas da memória, da mente. As


universidades podem lhe dar conhecimento, os professores podem lhe dar
conhecimento, mas apenas um homem Iluminado pode lhe dar, pode auxiliá-lo
— e este auxílio é indireto — a ganhar mais ser. Você pode receber este auxílio,
mas isso depende totalmente de você.

Se você vier para estudar, perderá o primeiro passo. E o primeiro passo é muito
significativo, porque o primeiro eventualmente se transforma no último. A
semente é muito significativa: a semente é o primeiro passo e é ela que se
transforma na árvore. Ela pode levar muitos anos para florescer, mas se você
tiver plantado a semente errada, então mesmo um milhão de vidas não serão de
qualquer auxílio. Tokusan estava errado desde o início: estudando.

Estudando, ele estava mais interessado nas escrituras do que no Mestre. Que
tolice! Um Mestre está vivo e você fica obcecado pelas escrituras. Os diamantes
estão por toda a parte e você fica se apegando em bijuterias, em pedras
coloridas! O Mestre está vivo e você continua interessado em palavras mortas.

“Uma noite, Tokusan veio a Ryutan e lhe fez muitas perguntas.”

Um homem que está junto com o Mestre para estudar, está sempre repleto de
perguntas — porque é assim que as pessoas estudam. Você tem de criar
perguntas para obter respostas, então você vai colecionando as respostas e
torna-se mais instruído.

Um homem que não está querendo estudar, mas sim aprender, tem apenas uma
pergunta, não muitas. Lembre-se: muitas perguntas não podem ser respondidas
porque, se você é desse tipo de homem que tem muitas perguntas, qualquer
resposta obtida servirá apenas para criar mais perguntas — nada mais. Todas
as soluções apenas lhe darão mais problemas.

Você vem a mim e pergunta: “Quem criou o mundo?” Se eu lhe respondo “Deus”,
então você começa a perguntar sobre Deus. “Quem é Deus? Por que Ele criou
o mundo?” Se eu digo: “Por causa disto”, então você inventa mais perguntas.

Mas quando você tem apenas uma pergunta... isto é muito difícil. Só um homem
muito sábio faz apenas uma pergunta. Para chegar a ter apenas uma pergunta
é preciso que você esteja amadurecido — porque muitas perguntas demonstram
a sua curiosidade, uma pergunta demonstra que o seu ser chegou a uma
conclusão. Neste momento, isto está em jogo: se esta pergunta for resolvida,
tudo estará resolvido. É uma questão de vida ou morte.

Ter uma pergunta significa ter apenas uma direção. Ter uma pergunta significa
ter chegado à unidade! Só quando você chega à unidade a resposta pode lhe
ser dada; caso contrário, você não está preparado. E nenhum Mestre vai perder
seu tempo e energia, se você tiver muitas perguntas. Faça apenas uma
pergunta!

Em primeiro lugar, descubra o que é essa pergunta significativa. Não se mova


na periferia! Venha para o centro! Na periferia, podem existir muitos pontos a
serem questionados; mas no centro existe apenas um ponto. Quando você se
movimenta na periferia, está caminhando no círculo: uma pergunta o conduz a
outra que por sua vez o conduz a outra e assim por diante — ad infinitum. Mas,
no centro, há apenas uma pergunta.

E esta pergunta pode ser respondida até mesmo sem uma resposta: se você
tiver apenas uma pergunta, o Mestre olhará para você e a pergunta estará
respondida. O Mestre tocará em você e a pergunta estará respondida. Porque
quando você tem apenas uma direção, você está alerta: sua chama está tão
luminosa, sua mente tão clara — não repleta de nuvens, não com milhões de
nuvens, apenas com um sol — você está tão límpido, tudo está tão vívido, claro,
chamejante que apenas um olhar pode ser a resposta, apenas um toque já é o
suficiente. Mas se você estiver repleto de perguntas, mesmo que o Mestre o
martele com respostas, de nada adiantará.

“Uma noite, Tokusan veio a Ryutan e lhe fez muitas perguntas.”

Estas estórias Zen são muito belas; nelas, cada palavra é repleta de significado.
“Uma noite” — não de manhã, mas na escuridão. De manhã, você vem com uma
pergunta apenas; à noite, você vem com muitas perguntas. Pela manhã, você
está claro, limpo, jovem. À noite, está velho, roto. “À noite” significa que você
está no escuro, tateando. Mesmo que chegue na porta, não será capaz de vê-
la. Mesmo que a resposta seja dada, não a compreenderá.

A mente é a escuridão da alma, é a noite da alma. Mas você acredita nessa sua
mente que não lhe dá nada a não ser promessas. Ela lhe dá promessas, ela é
maravilhosa nisto — em dar promessas.

Certa vez, Mulla Nasrudin chegou muito, muito tarde em sua casa. Bateu na
porta e sua mulher lhe perguntou: “Nasrudin, que horas são?”

Prosaicamente, Nasrudin disse: “Ainda é cedo. Apenas onze e quinze.”

Sua mulher disse: “Não minta para mim. Eu estou olhando justamente para o
relógio. Não são onze e quinze; são três e quinze. A noite já se acabou.”

Nasrudin respondeu: “Espera aí! Você acredita mais nesse despertador


estragado de vinte rupias do que no seu amado marido! Que droga de
casamento é este? Que tipo de mulher você é?”
Você sempre acredita nessa mente estragada de vinte rupias que adquiriu numa
velha loja de mentes usadas. E ela nem mesmo é sua! Esteve em muitas mãos,
milhões de vezes. O que é novo em sua mente? Tudo nela é velho, usado. O
que é novo em sua mente? O que ela tem de original? Tudo nela é emprestado.
Quando um homem compra um carro usado, velho, antes fica pensando milhões
de vezes se deve adquiri-lo ou não. Mas você nunca pensa sobre o fato de que
a sua mente já foi usada por muitos; de que todos os seus pensamentos são
emprestados, velhos, tolos. Muitos o jogaram fora.

Entretanto, você continua acreditando na mente porque ela aprendeu um truque,


o truque das promessas. Ela vai prometendo: “Eu lhe darei tudo. Você precisa
de Deus? Eu lhe darei Deus, basta você esperar. Faça isto e aquilo. Esforce-se,
espere, reze e eu O darei a você.” Mas sempre adia: “Amanhã acontecerá.” E o
amanhã nunca vem — o amanhã não pode vir. Tudo o que vem é sempre hoje.
E tudo o que a mente faz é transferir todas as coisas para amanhã. Ela lhe
promete — no futuro. Se é o céu, se é Deus ou moksha ou nirvana que você
quer — ela sempre lhe promete: “no futuro”.

A meditação, o Zen, nunca lhe promete nada. Ela simplesmente lhe dá aqui e
agora. A mente sempre adia; ela diz: “Acontecerá. Acontecerá gradualmente.
Pouco a pouco. Não tenha pressa, nada pode lhe ser dado agora. É necessário
tempo. O caminho é longo. Muito tem de ser feito e, a menos que você o faça,
como chegará?” A mente sempre separa os meios dos fins.

Na realidade, não há nenhuma separação. Cada passo é a meta, cada momento


é nirvana. O presente é tudo o que existe. O futuro é o que há de mais ilusório:
é uma criação da mente. Mas você acredita na mente, e ela é realmente
maravilhosa: ela nem mesmo o desencoraja!

Eu ouvi contar o seguinte: Um homem adquiriu um velho carro usado. Após duas
semanas, voltou à mesma loja onde havia comprado o carro e perguntou ao
vendedor: “Você é o mesmo sujeito que me vendeu este carro?” O homem disse:
“Sim” um pouco apreensivo, meio amedrontado, porque sabia que tipo de carro
havia vendido. O comprador falou: “Então conte-me novamente as mesmas
coisas que me contou antes de me vender este carro — Eu estou tão
desanimado. Dê-me um pouco de coragem, e eu virei de vez em quando, apenas
para ser encorajado!”

Você não fica nem mesmo desencorajado sobre a mente. Você continua
ouvindo-a. A mente é a escuridão, a parte escura de seu ser onde nenhuma luz
entra. Ela é a noite.

Assim, isto está certo: “Uma noite, Tokusan veio até Ryutan e lhe fez muitas
perguntas. O Professor disse...”
Ele não respondeu. Ele não respondeu nenhuma única questão. Ele
simplesmente ouviu as perguntas e “O Professor disse: já é tarde da noite — por
que você não se retira?”

Para muitas perguntas esta é a única resposta possível: “Por que você não se
retira?

Você é a pergunta, você é o criador da questão. Você — o ego, a mente você é


a doença. Por que você não se retira? Muitas perguntas foram feitas — apenas
uma resposta foi dada, e mesmo esta não pôde ser compreendida. Porque uma
pessoa que faz muitas perguntas não pode compreender uma resposta. Sua
mente não consegue entender o que pertence ao um. Ela só entende a
diversidade. Diversidade significa estar sempre do lado de fora; a unidade está
sempre dentro — porque o centro está em seu interior e a periferia está do lado
de fora.

O Mestre lhe deu uma das mais belas respostas: “Já é tarde da noite — por que
você não se retira? Está na hora de se retirar.” — Parece irrelevante. Ele poderia
ter respondido as perguntas... Ele respondeu porque disse: “Retire-se, por favor.”

Se você ficar, as perguntas continuarão a vir. As perguntas vêm da mente


exatamente como as folhas vêm das árvores. Você continua regando a árvore e
as folhas continuam vindo. Naturalmente, as folhas velhas irão cair e as novas
virão. Assim, se o Mestre responder uma pergunta, a velha irá embora, mas uma
nova virá, a qual será novamente substituída. E uma nova pergunta é pior do
que uma velha porque da velha você está farto. Pode jogá-la fora. Você já viveu
o suficiente com ela.

Uma nova pergunta é como uma nova vida: novamente você está amando,
novamente o romance principia, novamente há poesia e novamente lá está todo
o absurdo. Um novo pensamento é mais perigoso do que um velho porque, do
velho, você já está farto. Você já se aborreceu com ele, quer jogá-lo fora. É por
isso que Buda, ou Ryutan, ou as pessoas como eles, nunca respondem suas
perguntas. Eles não gostam de dar novos abrigos para a sua mente. Eles não
gostam de lhe dar novos substitutos para o velho.

Buda costumava dizer: “Se quiser ter a resposta, não pergunte. Quando você
não perguntar, eu responderei. Se perguntar, a porta será fechada.”

Buda costumava insistir sobre isso com os recém-chegados: “Por um ano,


permaneça comigo sem perguntar nada. Se você perguntar, não poderá
continuar vivendo comigo, terá de ir embora. Por um ano, fique simplesmente
silencioso.” A pergunta não deve ser feita nem mesmo por dentro. Se você a
fizer, mesmo que seja invisível, Buda saberá.

Um dia aconteceu o seguinte: Mahakashyap estava sentado perto de Buda sem


perguntar nada. Ele foi um dos maiores discípulos de Buda, mas nessa época
ele havia chegado há poucos meses e Buda lhe dissera para permanecer
silencioso por um ano, sem perguntar nada. Alguns discípulos estavam sentados
com eles. De repente, Buda disse: “Mahakashyap, você perguntou?”

Então, Mahakashyap disse: “Eu não falei nada.”

Os outros também confirmaram: “Ele não falou nada.”

Então, Buda disse: “Olhe para dentro. Você perguntou. Você quebrou sua
promessa.”

Mahakashyap olhou, inclinou-se e disse: “Perdoe-me!” — Ele havia perguntado.

Ele não havia perguntado de modo que você pudesse ouvir, mas em seu íntimo
a pergunta existiu. Mesmo que você não pergunte, se a mente perguntar você
estará perguntando, porque o pensar é uma ação sutil. Mais cedo ou mais tarde,
ele se torna visível. A bolha está lá, ela virá à superfície. Você pode reprimi-la
mas não pode enganar um Buda.

Quando é que a pergunta pode ser admitida? Quando não houver nenhuma
pergunta. Isto parece paradoxal: se não há nenhuma pergunta, o que você irá
perguntar? Mas apenas então você pode fazer uma pergunta, e não há nenhuma
necessidade de verbalizá-la. Todo o seu ser torna-se uma pergunta, uma busca,
uma indagação. Então todo o seu ser é uma indagação. E quando você se coloca
diante de um Buda, com todo o seu ser transformado numa indagação, numa
sede, numa fome interna — tão interna que nem mesmo você esteja presente,
apenas a fome — então Buda pode alimentá-lo, então a resposta pode lhe ser
dada. Caso contrário, qualquer coisa que Buda diga parecerá irrelevante. E estas
estórias Zen são realmente irrelevantes.

Existem milhões de estórias Zen absolutamente irrelevantes. Você pergunta A e


o Mestre responde Z — nenhuma relação! Nós não sabemos quais foram as
perguntas de Tokusan. Sabemos apenas que o Professor, o Mestre, nunca as
replicou. Ele simplesmente disse: “Tokusan, está ficando tarde — por que você
não se retira? “Nisto está todo o Zen. Nisto está tudo o que o Zen é — retiro!

Você não está suficientemente cansado da mente? Então retire-se! A mente já


não fez o suficiente? A mente já não criou caos suficiente em você? Por que
você está apegado a ela? Qual esperança, qual promessa o mantém preso a
ela? Ela o tem enganado continuamente. Ela diz: “Lá — naquela meta, naquela
posse, naquela casa, naquele carro, naquela mulher, naqueles bens — tudo está
lá.”

Você caminha para lá e quando chega nada vem para as suas mãos, exceto a
frustração. Todas as expectativas o conduzem à frustração. Todos os desejos,
no fim, transformam-se num caso deplorável, numa grande tristeza.
E essa mente continua prometendo, prometendo — sem nunca cumprir
nenhuma promessa, mas você nunca lhe diz: “Você está me enganando, pare
com isso!” Você tem medo de dizer.

Uma vez, aconteceu o seguinte: Mulla Nasrudin estava saindo do bar quando o
novo sacerdote que estava passando pela rua o viu. O novo sacerdote lhe disse:
“Nasrudin, você, um homem religioso, o que estou vendo? Você! Saindo de um
lugar como esse? Meu filho, a bebida é do diabo. Quando o diabo o convidar
novamente recuse! Por que você não recusa?”

Nasrudin disse: “Reverendo, eu gostaria de recusar. Mas o diabo poderia ficar


sentido e não me convidar mais!”

Esse é o problema. Você gostaria de recusar essa mente. Ela nunca cumpriu
nada, mas você tem medo — a mente pode ficar sentida, pode não lhe prometer
mais nada. Então...? Você não pode viver sem promessas, não pode viver sem
esperanças — este é o mecanismo.

A menos que esteja pronto para viver sem esperança, você não pode se tornar
religioso. Até mesmo os homens que você chama de religiosos não têm nada a
não ser esperanças criadas pela mente. Você está pronto para viver sem
esperanças? Você está pronto para viver sem futuro? Então, é simples, não há
necessidade de se retirar — a mente se retirará por si mesma. Então não haverá
nenhum apego à mente. Mas você tem medo — a mente pode ficar sentida. A
mente é o demônio e ele pode não voltar a convidá-lo, então o que você fará?

As pessoas vêm a mim. Elas pensam que sua busca é religiosa — mas essa
busca ainda é mental. Elas ainda estão caminhando pelos escuros vales da
mente, ainda estão ouvindo a mente, ainda têm expectativas. Elas tiveram
expectativas em relação ao dinheiro e falharam. Elas tiveram expectativas em
relação ao sexo e falharam. Elas criaram expectativas em relação a muitos e
muitos caminhos e falharam. Agora, elas têm esperança na meditação, no
Mestre — a esperança continua presente. Lembre-se bem: se você tiver
qualquer expectativa em relação a mim, não me compreenderá. Eu não posso
preencher suas expectativas.

Por que você não pára de ter esperanças? Por que sempre as tem? Qual é a
base disso? É o descontentamento. Por causa dele é que as esperanças são
criadas. A esperança é o disfarce. Você está em tal estado de
descontentamento, de miséria, aqui e agora, que necessita de alguma
esperança no futuro. Essa esperança ajuda-o a mover-se. Com a esperança
você pode tolerar o presente de algum modo — a esperança é uma anestesia.
O presente é miserável, doloroso; a esperança é alcoólica, é uma droga que o
faz inconsciente o bastante para que você seja capaz de tolerar o presente.
Esperança significa que aqui e agora há descontentamento. Mas alguma vez
você já olhou para o fenômeno completo? Em primeiro lugar, por que você está
descontente aqui e agora? Por quê? Porque você teve esperanças no passado.
É por isso que aqui e agora você está descontente. Este hoje foi amanhã ontem.
Ontem você esperou por hoje porque então ele era amanhã. Agora essa
esperança não está sendo preenchida; então você está se sentindo miserável,
frustrado. E para ocultar essa miséria, para passar pelo dia de hoje de algum
modo, você novamente cria esperanças no amanhã.

Você vive na rotina e está de tal modo nela que será difícil conseguir sair.
Amanhã o mesmo acontecerá: você ficará frustrado porque a mente pode
prometer mas não pode cumprir. Se ela pudesse, não haveria nenhuma
necessidade de meditar; neste caso, Buda teria sido um tolo, meditando.

Se a mente pudesse cumprir, então todos os meditadores seriam tolos, todas as


pessoas Iluminadas seriam bobas. Mas a mente não pode cumprir, e eles
conseguiram compreender todo o mecanismo, toda a miséria que há nisto. Este
é o mecanismo: ontem, a mente prometeu que alguma coisa seria entregue a
você amanhã. Agora o amanhã chegou, é hoje, e a mente não cumpriu o
prometido — você se sente na miséria, suas expectativas foram frustradas.
Então a mente diz: “Amanhã eu lhe darei.” Novamente ela promete, e que tipo
de estupidez é essa que faz com que você a ouça outra vez? Amanhã o mesmo
mecanismo se repetirá — é um círculo vicioso.

Quando você ouve a mente torna-se miserável. Quando não a ouve, hoje é o
Paraíso! E não existe nenhum outro paraíso; hoje é nirvana. Se você não ouvir
a mente... simplesmente não a ouça e a sua miséria acabará, porque a miséria
não pode existir sem expectativas, sem esperanças. Quando a miséria existe,
você precisa ter esperanças para escondê-la, para viver de algum modo. Viva
sem esperanças — e você será um homem religioso; você terá se retirado.

Que beleza de palavras! O Mestre disse: “Já é tarde da noite — por que você
não se retira? Você já não teve o suficiente desta noite? Você já não ouviu e
atendeu essa mente demais? Abandone-a! Não a ouça mais. Retire-se!”

Mas Tokusan não o compreendeu, porque um homem que está cheio de


perguntas não pode entender uma resposta. Pela sua compaixão Ryutan lhe deu
a resposta, mas o discípulo não a compreendeu — os eruditos nunca
compreendem.

O que ele pensou? Ele pensou na noite exterior, mas ninguém se referiu a ela
absolutamente. Os Mestres nunca falam sobre o exterior. Sempre falam do
interior. O Mestre estava falando sobre a escuridão da noite interior e o discípulo
pensou: “Sim, está ficando tarde.” Ele olhou para fora, olhou para a periferia. O
Mestre falou sobre o centro. O Mestre estava usando a linguagem do interior e
o discípulo entendeu a linguagem do exterior. E a linguagem interna não pode
ser traduzida para a externa. Não, não existe nenhum meio de traduzi-la. Ou
você a compreende ou não a compreende — não existe nenhuma possibilidade
de tradução.

Hindi pode ser traduzido para o inglês, o inglês pode ser traduzido para o chinês
— mas a religião não pode ser traduzida para nenhuma língua. O interno não
pode ser traduzido para o externo. Por que o chinês pode ser traduzido para o
inglês? Porque ambos estão do lado de fora, ambos existem na periferia.

“Por que você não se retira?, disse o Mestre.

“Então Tokusan inclinou-se e, ao abrir a cortina para sair, observou: ‘Está muito
escuro lá fora.’”

Ele pensou que tivesse entendido. Ele inclinou-se: “Sim, é muito tarde. A noite
está ficando cada vez mais escura e fria. Está na hora de ir dormir.”

O que o Mestre quis dizer foi: “Está na hora de acordar!” Retire-se significa —
para um homem que conhece o interno — está na hora de sair do sono, de sair
da sua mente, porque a mente é que é o sono!

Você já ouviu falar sobre a doença do sono? A mente é essa doença; é o sono
íntimo. Mesmo enquanto você está acordado ela não lhe permite estar acordado,
você anda em profunda hipnose, é um sonâmbulo. Você faz as coisas
mecanicamente, exatamente como uma máquina automática. Você é como um
autômato: come, fala, faz as coisas, é eficiente; mas não pense que está
acordado. Você não está.

Você tem vários tipos de sono: algumas vezes, você dorme na cama; outras
vezes no templo, na rua. Algumas vezes você faz compras dormindo; outras
vezes dorme fazendo coisas ou não fazendo nada. Algumas vezes, você dorme
com sonhos; outras vezes dorme com pensamentos — mas seu sono continua.

Pela manhã, você não acorda. Pela manhã, um novo tipo de sono com os olhos
abertos principia — os sonhos vagueiam, os pensamentos continuam e você
entra na rotina. O acordar não é necessário para o ritual diário. É por isso que
ninguém gosta que coisas novas aconteçam todos os dias. Quando elas
acontecem você tem de ficar acordado. Com o velho, com a rotina, você pode
mover-se sonolentamente, não tem necessidade de estar acordado. Em uma
vida de setenta anos, se você conseguir ficar acordado por sete momentos, já
será muito. É por isso que quando Gautama Siddhartha acordou, nós o
chamamos de Buda, O Acordado. Porque este é um fenômeno raro — estar
acordado.

O Mestre quis dizer: “Retire-se da mente, só assim você poderá estar acordado.”
E o discípulo entendeu: “Certo, está muito escuro lá fora; preciso ir dormir agora.
Devo me retirar.” É assim que a verdade é dada pelo Mestre e destorcida pela
mente do discípulo.

“Assim Tokusan inclinou-se...” apenas para agradecer ao Mestre e mostrar-lhe


que havia observado corretamente que a noite já estava muito avançada”... e,
ao abrir a cortina, observou: “Está muito escuro lá fora.”

“Ryutan ofereceu-lhe uma vela acesa...” o Mestre ofereceu uma vela acesa ao
discípulo”... para que encontrasse seu caminho. Mas logo que Tokusan a
recebeu...” e foi se mover para sair”... Ryutan a assoprou.”

“Neste momento, a mente de Tokusan abriu-se.”

O que aconteceu? Ryutan ofereceu a Tokusan uma vela acesa. Ele disse: “Está
bem, lá fora está muito escuro; pegue esta vela acesa para ver o caminho.”

A vela pode ser oferecida para o lado de fora — não para o de dentro, porque
como uma vela pode ser levada para dentro? Para o interior, nenhuma vela pode
ser oferecida pelo lado de fora. O Mestre não pode lhe dar a luz que o iluminará
por dentro.

Na verdade, a luz sempre esteve acesa no interior. Ela está aí, mas você
continua olhando para fora. Quando olhar para dentro, verá que a luz está aí. Ela
sempre esteve aí! Você nunca a perdeu, nem por um só instante. Você não pode
perdê-la! Ela é o seu Tao, sua natureza, sua própria Vida. Não há necessidade
de alguém oferecer qualquer vela para o seu interior, assim como nenhuma vela
pode ser retirada dele. Entretanto, para o lado de fora, as velas podem ser
oferecidas.

Assim, lembre-se: todos aqueles que lhe oferecem alguma coisa para o seu
caminho, que lhe oferecem velas, estão dando algo apenas para o lado de fora.
As velas podem iluminar seu caminho no mundo, mas nunca em Deus.

Vendo que o discípulo não havia entendido, o Mestre tentou novamente. Ele
criou uma situação muito rara: ofereceu uma vela acesa a Tokusan.

Tokusan estava fazendo muitas perguntas e ele não ofereceu uma única vela
para o interior, não ofereceu nenhuma única resposta. Ele simplesmente disse:
“Retire-se!” Mas, se existe escuridão do lado de fora, algo pode ser feito, você
pode ser auxiliado. Se seu corpo está doente, você pode procurar um médico,
mas se é a sua alma que está doente, então nenhum médico poderá auxiliá-lo
— você é que tem de fazer algo. Então, o Mestre pode apenas trazê-lo para este
ponto onde apenas você pode fazer algo, porque ninguém pode penetrar em seu
interior, exceto você. Se alguém puder penetrar em seu interior, então esse lugar
não é o seu interior, porque como pode alguém entrar no templo mais interior de
seu ser? Não há nenhum espaço. Apenas você existe aí, em sua total solidão!
É por isso que Mahavir disse que nem mesmo o amor pode entrar aí. Você está
totalmente só. Mahavir usou uma palavra para a Liberação Final, para a
Salvação final: essa palavra é Kaivalya. Kaivalya significa solidão total. Em seu
mais íntimo ser, você é totalmente só — ninguém pode entrar aí. Nem mesmo
um Mestre pode entrar aí. Se alguém puder entrar, então esse ponto ainda está
do lado de fora, não é o âmago mais interno do seu ser. No centro de um círculo
pode haver apenas um ponto, não dois. Se existirem dois, ainda não é o centro.
Então ainda existe uma pequena periferia ao redor dele.

Você está só no ponto mais profundo do seu ser. O Mestre pode auxiliá-lo a
tornar-se alerta para este fato. E uma vez que você o conheça, toda doença
interior desaparecerá. Quando você aceitar sua total solidão, você será liberado,
não haverá nenhum apego — o amor poderá fluir!

Na realidade, apenas nesse momento o amor pode fluir, porque então o amor
não é uma dependência, você não é dependente do outro. Quando você
depende de outra pessoa, ao mesmo tempo se sente contra ela — porque tudo
o que o torna dependente é seu inimigo, não pode ser seu amigo. Assim, os
amantes continuamente brigam porque o amante é o inimigo, o amado é o
inimigo. Você torna-se dependente, não pode viver sem ele ou sem ela. Sua
liberdade é destruída, e qualquer amor que destrói a liberdade mais cedo ou
mais tarde transforma-se em ódio.

Apenas o amor que lhe dá liberdade nunca se transforma em ódio, é eterno.


Assim apenas um Jesus, um Buda, pode amar eternamente. Com eles, não
existe nenhuma mudança de clima, a mesma harmonia continua. Por quê?
Porque Buda ou Jesus chegaram à sua total solidão e aceitaram este fato. E ser
totalmente só, como um Everest, é muito bonito.

No verdadeiro pico, você está só. No mais íntimo centro do seu ser, você é só.
Quando você aceita isto, então o amor pode fluir como o Ganges. Então
nenhuma perturbação existe, você pode amar sem qualquer condição. Pode
amar sem tornar-se dependente, sem fazer a outra pessoa dependente de você.
O amor pode ser uma liberdade.

O Mestre o auxilia a conscientizar-se da sua total e definitiva solidão. A palavra


“solidão” não é boa porque carrega em si uma tristeza — por sua causa, não por
causa da palavra. Por causa das velhas associações, você sempre se sente
triste quando está sozinho.

No Japão, aconteceu uma vez o seguinte: Havia um Mestre Zen que era um
grande jardineiro, um amante da jardinagem. Até o rei tinha ciúmes do seu
jardim. Um dia, alguém chegou ao rei e lhe disse: “Você deve ir ver agora.”

Os japoneses têm uma verdadeira admiração pela ‘glória-da-manhã’. E o homem


falou para o rei: “Eu nunca vi tantas ‘glórias-da-manhã’ milhões delas, o Jardim
inteiro do Mestre Zen está repleto delas. E a fragrância — uma beleza! Não deixe
de ir! Você precisa ver.”

Era demais para o rei ir ver o jardim desse pobre homem: ele tinha um jardim
enorme em seu próprio palácio — centenas de acres de estufa, centenas de
jardineiros trabalhando.

Mas o homem lhe disse: “Isso pode não acontecer outra vez.”

Assim, o rei resolveu ir. Ele disse: “Vá e informe que eu irei amanhã cedo.”

O Mestre foi informado e na manhã seguinte o rei apareceu com sua corte, seus
generais, a rainha e os príncipes. Toda a capital foi paralisada; milhões de
pessoas reuniram-se ao redor do mosteiro. O rei veio, olhou em torno e disse:
“Como! Eu fui informado que havia milhões de flores e estou vendo apenas uma
‘glória-da-manhã’ no jardim.

O Mestre Zen disse: “Sim, havia milhões, mas durante a noite nós as
removemos, porque acreditamos no Um. Esta é a mais bela de todas — na
multidão você poderia não vê-la; assim, nós removemos todas as outras. Apenas
a melhor, a mais bela, foi conservada para você.”

O rei ficou um pouco triste e disse: “Ela parece tão solitária!”

O Mestre Zen riu e disse: “Ela não é solitária. Ela é só.”

Lembre-se disto: quando você chegar no âmago do seu centro, você não estará
solitário, estará só! Esta solidão não é um vazio — é um preenchimento. Esta
solidão não é vazia, é transbordante. Esta solidão não é um vácuo, é o Todo.

Tudo o que o Mestre pode fazer é torná-lo alerta para este fato — que já existe.
Ele não pode lhe dar algo novo. Ele lhe dá apenas o que você já tem, o que você
já é, o que você já está carregando consigo, mas para o qual nunca esteve alerta.
Ele apenas o torna consciente do fato — da solidão do seu ser. Ele apenas o
acorda para a verdade: o tesouro está escondido aí — e você nunca olhou para
ele. Seu ser já é Deus. O Mestre simplesmente o torna consciente deste fato, o
que não é uma obtenção.

“Ryutan ofereceu a Tokusan uma vela acesa.” Ele disse: “Está bem. Se você não
pode olhar para dentro e ver a escuridão em que está vivendo, a escuridão da
mente — eu estou falando de dentro e você olha para fora — se você está tão
enfocado, eu lhe darei uma vela.”

Ele lhe deu “...uma vela acesa para encontrar seu caminho, mas logo que
Tokusan a recebeu...” e estava se movendo, dando um passo para fora do
templo do Mestre “...Ryutan assoprou-a.”
De repente, a escuridão! Com a vela acesa, tinha havido luz. Mas mal a luz havia
sido dada, foi imediatamente retirada. De repente, a escuridão. “Nesse
momento...” o que aconteceu? “a mente de Tokusan abriu-se — Ele se Iluminou.”

O que aconteceu nesse momento? Muitas coisas aconteceram


simultaneamente. Aconteceram em uma fração de segundo. Nenhum tempo foi
perdido! Fora, a vela foi assoprada; dentro, imediatamente, o discípulo Iluminou-
se.

O que aconteceu? De repente, ele conscientizou-se de que o Mestre não havia


estado falando sobre a noite exterior; por isso é que apagara a vela — para
indicar que essa vela não era necessária. Ele estivera falando do interior, da
escuridão da noite interior. O Mestre não havia dito para ele ir embora dormir.
Dissera para ficar alerta e acordado. E quando a luz, de repente, se apagou, a
mente parou. Ele não podia conceber... — isso era tão incompreensível. O
Mestre lhe dera a vela e então a apagara. Era tão absurdo. Então, por que a
dera?

Era tão contraditório. Por um momento, a mente não pudera pensar — porque a
mente não pode pensar quando há uma contradição. Muitas vezes eu lhe dou
uma vela e a assopro imediatamente. E digo uma frase e a contradigo
imediatamente; justamente para que a sua mente não possa pensar a respeito,
não possa funcionar. Se a sua mente funciona, a oportunidade é perdida.

Foi tão contraditório: a noite estava escura e o Mestre lhe ofereceu uma vela e
justamente quando ele foi sair, o Mestre a apagou. O que ele quis dizer? Foi tão
inconsistente!

As pessoas iluminadas são sempre inconsistentes. A consistência é sempre da


mente: você pode encontrar um pensador consistente, mas não um Buda
consistente. A cada momento, ele se comporta de um jeito — porque seu
comportamento não está ligado com o passado, responde a cada momento
presente. Foi tão acidental que a mente não pôde funcionar. E, de repente, havia
escuridão ao redor.

O discípulo entendeu uma coisa: que o Mestre não havia estado falando do
exterior. Ele não falara da noite lá de fora, ele falara da noite aqui dentro. Ele
ofereceu uma vela e a assoprou. Ele estava dizendo que nenhuma ajuda interior
é possível. Você tem de caminhar em sua escuridão por si mesmo; as velas não
o auxiliam. Ninguém pode ser um guia aí, apenas indicações podem ser dadas.

Conta-se que Buda falou que os Budas só mostram o caminho — você é que
tem de caminhar; eles não podem ir com você. Se eles fossem, você se tornaria
dependente e eles seriam seu mundo, eles se tornariam seu apego. Eles não
podem ir com você. E é inerente, intrinsecamente impossível outra pessoa levá-
lo ao seu centro. Ela pode indicar o caminho, os Budas apontam o caminho. Mas
você é que tem de caminhar.

De repente, não havia escuridão — a mente parou. A mente não pôde conceber,
a mente não pode conciliar-se com um comportamento tão inconsistente. Houve
um intervalo, uma descontinuidade na mente — e o intervalo tornou-se
meditação. De repente, sua mente se abriu. Quando a mente não pode
funcionar, quando encontra algo impossível de conciliar, de resolver, a mente
cai.

Quando a mente consegue encontrar a lógica, ela continua. Assim, um Mestre


tem de ser ilógico por causa da sua mente. Apenas então os intervalos são
possíveis. Num momento, o Mestre se comporta de uma certa maneira e, no
momento seguinte, ele se contradiz. Num momento, ele diz uma coisa; no
momento seguinte diz exatamente o oposto.

Você não pode fazer um sistema a partir de um Mestre. Assim, quando Buda
morreu, muitos sistemas surgiram, porque todo o mundo começou a criar
sistemas por si mesmo. E ele era um homem inconsistente, não era um fazedor
de sistemas; tinha milhões de contradições. Mas todo o mundo — os filósofos —
começou a trabalhar e agora os budistas têm muitas filosofias. Nessas filosofias
as contradições foram deixadas de lado e um todo consistente foi formado.

Mas quando você exclui as contradições, exclui Buda também — porque Buda
está em suas contradições. Ele está nos intervalos. Ele está dando choques em
sua mente — A ação de Ryutan foi um choque. Nesse momento, de repente,
Tokusan tornou-se alerta. Ele não pôde prever a situação. Quando a mente
consegue prever algo, nenhum choque acontece. Se eu repetir esta estória com
você se eu lhe der uma vela à noite — você já conhece a estória, assim se eu
assoprar a vela — nada acontecerá porque você já está esperando por isso.

Assim, um truque não pode ser usado duas vezes, é impossível usá-lo mais de
uma vez. É por isso que novos Budas são sempre necessários. Os velhos Budas
— sua mente já absorveu, ela já os conhece muito bem. Assim, um novo Buda
deve fazer exatamente o oposto. Tem de lhe dar uma vela e não assoprá-la. E
você caminhará pela noite escura com essa vela continuamente pensando: “O
que aconteceu? A estória parece incompleta.” Um novo Buda tem de criar novos
truques, novos métodos, novas técnicas porque sua mente é muito esperta: uma
vez que ela conhece, absorve o conhecido.

Nesse momento, a mente de Tokusan abriu-se. E quando a mente é aberta você


se Ilumina. A mente é um fechamento, a mente é uma porta fechada. O ser é
uma porta aberta — esta é a única diferença. Quando a mente se abre — você
é um ser. Quando a mente se fecha — você é apenas um passado, uma
memória, não uma vida, uma força viva. Com a mente fechada, você pode olhar
apenas para fora porque como olhará para dentro? A mente está fechada, a
porta está fechada. Com a mente aberta, você pode olhar para dentro.

Ao olhar para dentro, você é totalmente transformado. Se você tiver um único


vislumbre do interior, nunca mais será o mesmo. Então, poderá caminhar, poderá
olhar para fora e andar no mundo: poderá ser um comerciante, poderá ser um
funcionário, poderá ser um professor na escola, poderá ser um açougueiro —
você pode ser tudo o que era antes — mas a qualidade terá mudado.

No Zen, eles dizem: Antes de um homem se Iluminar, os rios são rios e as


montanhas são montanhas. Quando ele inicia a busca, os rios não são mais rios
e as montanhas não são mais montanhas — tudo fica confuso, num caos.
Quando um homem se Ilumina, os rios são novamente rios e as montanhas são
outra vez montanhas.

Os Mestres Zen dizem que um homem Iluminado vive do mesmo modo que um
homem comum — sem nenhuma diferença exterior. Come quando sente fome,
dorme quando sente cansaço — no exterior, nenhuma diferença. Apenas a
natureza do ser, a qualidade do ser é que muda. Sua mente está aberta: ele
pode olhar para fora mas permanece dentro. Pode andar pelo mundo mas o
mundo não anda nele. Permanece no mundo, mas o mundo não é mais parte do
seu ser. Pode fazer qualquer coisa que seja necessária, mas nunca fica
apegado. Não que ele fique desligado, não; ele não fica nem ligado nem
desligado. O mundo torna-se um sonho, torna-se uma brincadeira, um jogo. Não
é mais real, não é mais substancial. Se ele for um açougueiro, continuará sendo
um açougueiro. Fará isso até o fim.

O Zen diz que a mente comum é a Mente Iluminada, — com apenas uma
diferença: a mente está aberta, alerta, acordada. O sono se foi. Você não está
mais hipnotizado, não está mais drogado. Está alerta.

Quando você tenta mudar demais o exterior, isso mostra que você ainda está
vinculado. Se um homem tenta se desvincular revela seu apego. Por que se
preocupar com o desapego se você não está apegado? Se um homem foge das
mulheres, isso mostra que o sexo ainda é sua obsessão. Caso contrário, por que
fugiria? Se um homem evita o mercado e vai para os Himalaias, de algum modo
continua no mercado ou o mercado continua nele. Ainda está com medo e o
medo sempre demonstra que você não mudou. Um homem Iluminado é tão
comum quanto qualquer um. Mais comum do que qualquer um!
Extraordinariamente comum!

Por quê? Por que ele não é um exibicionista. Ele pode ser justamente o seu
vizinho mais próximo e você nunca tê-lo reconhecido, porque você está atrás de
um homem extraordinário. Se um homem fica de pé por anos, você vai vê-lo.
Viaja muitas e muitas milhas. Isto se transforma numa peregrinação, porque você
está indo ver um homem que está de pé há dez anos. Isto pode ser uma proeza,
mas não significa coisa alguma. Isso mostra apenas um ponto de vista egoístico,
uma exibição. Você pode ir e inclinar-se diante de um homem que está jejuando,
porque não consegue jejuar e se sente inferior a esse homem. Você se inclina
porque, no íntimo, também gostaria de ser assim: extraordinário. Você gostaria
de ter alguns poderes, de fazer milagres e esse homem o conseguiu.

Um homem é um brahmachari, um celibatário. Você sente muita admiração, fica


muito impressionado porque não consegue viver sem uma mulher e esse homem
tem vivido sem ninguém. Ele conseguiu o que você tem desejado intimamente
— viver sem uma mulher, porque a mulher é a barreira. Você sente que ela cria
uma redoma ao seu redor, que ela o possui. Você não consegue ir além dessa
redoma, você tem medo da mulher.

Alguém perguntou a Mulla Nasrudin: “Nasrudin, por que você está indo embora
tão cedo?” — ele estava deixando o bar.

Ele disse: “É o mesmo problema todos os dias. Minha mulher!”

Então, o homem lhe disse: “Você tem medo da sua mulher? Você é um homem
ou um rato?”

Nasrudin disse: “Sou um homem.”

O homem falou: “Se você é um homem, então por que está indo embora tão
cedo? Como você pode ter tanta certeza de que é um homem?”

Nasrudin disse: “Eu tenho certeza, certeza absoluta! Porque minha mulher tem
medo de ratos. Eu tenho medo dela e ela tem medo de ratos. Se eu fosse um
rato...!”

A esposa, o marido, a família, o trabalho, a responsabilidade, o mundo — tudo


se transforma num fardo, numa redoma. Você se sente encarcerado,
aprisionado. E um homem que deixou tudo, que está de pé sozinho em sua
majestade, que não está limitado pela esposa nem pelos filhos, que não está
preocupado nem com medo — você se inclina diante dele porque sente: “Esta é
a meta. Nisto é que eu gostaria de ter chegado também.” Mas esse homem é
justamente o seu pólo oposto. Ele pode ter-se tornado o rato e você ainda ser o
homem; sua esposa pode ter medo dele, mas nada mudou. Ele é justamente o
oposto. Ele também está escondendo os mesmos medos. Ele também está
escondendo o mesmo desejo ardente, mas inverteu o processo. Ele está
flutuando contra a correnteza, isso é tudo — mas a correnteza é a mesma, a luta
continua. Ele pode ser um lutador maior do que você — porque as pessoas
estúpidas são sempre corajosas e conseguem nadar contra a corrente mais
facilmente do que qualquer outra. Os idiotas podem fazer coisas que os homens
inteligentes comumente não conseguem fazer.
Os tolos podem entrar onde até os anjos têm medo de ir. Assim, se você
enxergar nos monges dos mosteiros, nos sannyasins, nos homens chamados de
sadhus, pessoas estúpidas, isso será natural. Olhe em seus olhos: você nunca
verá o olhar de inteligência, nunca verá a clareza, nunca verá a chama. Você
verá apenas pessoas idiotas, estúpidas, bobas! Tolos! Eles podem fazer tais
coisas muito facilmente. Eles podem ficar de cabeça para baixo, shirshasan por
muitos anos — mas nunca mudaram; a transformação nunca aconteceu.

O Zen diz que a mente comum é a Mente Iluminada. Não vá a lugar algum. A
mente comum é o paraíso. Tudo está aqui e agora! Você não precisa ir a lugar
algum!

Um homem cuja mente está aberta não tem mais esposa. Não que ela tenha
fugido; sua esposa simplesmente desapareceu e um belo ser surgiu em seu
lugar. Quando não existe a esposa, um belo ser surge. Quando você faz de um
ser uma esposa ou um marido a feiura aparece. Do contrário, existe um amigo,
um belo e amoroso amigo — porque só as expectativas é que trazem a
inimizade. É a sua mente, sua fechada mente que cria o problema — não a
esposa.

Quando sua mente está aberta, você se torna alerta pela primeira vez para a
beleza do mundo. Tudo é jovem, novo, vivo e Deus está aqui! Se você pensa
que o seu Deus está em algum outro lugar é porque ainda está ouvindo a mente,
é porque está ouvindo a linguagem da mente: “Em algum outro lugar! Nunca
aqui!” Mas Ele sempre está aqui.

A meditação revela a você o aqui e agora. E então a mente comum torna-se a


mais extraordinária. A vida comum transforma-se no Supremo, no Superior. A
única diferença está na mente fechada ou aberta. Quando os pensamentos
existem, a mente está fechada. Quando os pensamentos não existem, as nuvens
desaparecem e a mente se abre. E quando a mente se abre, o velho pote se
despedaça, a água escorre, o reflexo desaparece — nem água, nem lua.
SÉTIMO DISCURSO

O Buda de Nariz Preto

Uma monja em busca da Iluminação


fez uma estátua de Buda em madeira
e folheou-a a ouro.
A estátua era muito bonita,
e ela a carregava para onde quer que fosse.

Anos se passaram e, ainda carregando seu Buda,


a monja instalou-se num pequeno templo no campo
onde havia muitas estátuas de Buda,
cada qual em seu próprio santuário.

A monja queimava incenso para o seu Buda dourado


todos os dias.
Mas, não gostando da idéia de o seu perfume
alcançar as outras estátuas,
inventou um funil através do qual
a fumaça ascendia apenas para a sua.
Isto escureceu o nariz da estátua dourada
que se tornou excepcionalmente feia.

Um dos maiores problemas que todos aqueles que estão trilhando o caminho
são obrigados a encarar é fazer uma clara distinção entre o amor e o apego.
Parecem iguais, mas não o são. Parecem similares, mas não o são. Muito pelo
contrário; até mesmo o ódio é mais similar ao amor que o apego. O apego
esconde a realidade que é o ódio com uma aparência de amor. Ele mata o amor.
Nada pode ser mais venenoso do que o apego, do que a possessividade. Tente
entender isto e depois entraremos nesta bela estória.

Isso tem acontecido a muitos. Isso está acontecendo a você — porque a mente
confunde amor com apego. E aqueles que olham tudo pela aparência sempre
são vítimas: o apego é tomado como amor e, quando você toma o apego, a
possessividade, como amor, acaba sempre perdendo a realidade. Uma falsa
moeda é escolhida. Nesse momento, você deixa de procurar a verdadeira moeda
porque pensa que já a tem. Você foi enganado.
Possessividade, apego, é falso amor. O ódio é melhor porque, pelo menos, é
verdadeiro, é um fato. O ódio pode tornar-se amor um dia, mas a possessividade
nunca se torna amor. Você precisa simplesmente abandoná-la para crescer no
amor. Por que o apego se parece com o amor? Qual a diferença? — o
mecanismo é sutil.

Amar significa estar pronto para mergulhar no outro. É uma morte, a mais
profunda morte possível, o mais profundo abismo possível; nele, você pode cair
e continuar caindo, caindo. Não tem nenhum fim, não tem nenhum fundo; é uma
queda eterna dentro do outro. Nunca termina. Amar significa tornar o outro tão
significante que você deixa de existir. Amar é render-se incondicionalmente; se
houver qualquer condição, então você é o importante, não o outro; você é o
centro, não o outro. E se você é o centro então o outro é apenas um meio. Você
utiliza o outro, explora-o, satisfaz-se, gratifica-se através do outro — mas você é
a meta. E o amor diz: faça do outro o fim, dissolva-se, mergulhe. O amor é um
fenômeno mortal, um processo de morte. É por isso que as pessoas o temem.
Você pode falar sobre ele, cantá-lo, mas intimamente o teme. Nunca o penetra.

Todos os seus poemas, todas as suas canções sobre o amor são apenas
substitutos para que você possa cantar sem penetrá-lo, para que você possa
sentir que está amando sem amar. O amor é uma necessidade tão profunda que
você não pode viver sem ele: seja real ou falso. O substituto pode ser falso, mas
pelo menos, por algum tempo, lhe dá a sensação de que você está amando. Até
o falso é celebrado! Mas, cedo ou tarde, você compreende que ele é falso; então,
não troca o falso amor pelo verdadeiro, troca de amante.

Quando você descobre que o amor é falso, estas são as duas possibilidades:
mudar, abandonar o falso amor e torná-lo real; ou mudar de parceiro. É assim
que a sua mente funciona quando você sente: “Este amor não me tem dado a
felicidade que prometeu. Muito pelo contrário, sinto-me mais miserável agora” —
você sempre pensa que o outro o está decepcionando, não que você está se
decepcionando.

Ninguém pode decepcioná-lo, exceto você mesmo... mas você sente que o outro
é que está decepcionando-o, que o outro é que é responsável: muda de mulher,
muda de marido, muda de Mestre, muda de deus, troca o templo de Buda pelo
de Mahavir, muda de religião, muda de prece, vai à igreja ao invés de ir à
mesquita — muda o outro. Então, por algum tempo, você sente que está
amando, que está em prece. Mas, cedo ou tarde, o falso é novamente
reconhecido — porque ele não pode satisfazer. Você pode enganar a si mesmo,
mas por quanto tempo?... Então, novamente você tem de mudar — o outro.

Quando você chega a compreender que o outro não é o problema, que o seu
amor é falso — você fala muito nele, mas não faz nada para penetrá-lo — você
fica assustado, com medo... O amor é como a morte e, se você tem medo da
morte, terá medo do amor. Na morte, apenas os corpos morrem. O essencial, o
ego — que parece essencial a você — permanece a salvo. A mente, que parece
significante a você, continua numa outra vida. Sua identidade interna permanece
a mesma, apenas a externa muda; apenas as roupas mudam com a morte.

Deste modo, a morte nunca é muito profunda, é apenas superficial. E se você


tiver medo da morte, como poderá estar pronto para penetrar no amor? Porque,
no amor, não são apenas as roupas, a casa, que mudam, é você que morre —
a sua mente, o seu ego. Este medo da morte transforma-se em medo do amor e
o medo do amor transforma-se em medo da prece, da meditação. Estes três
acontecimentos são similares: morte, amor, meditação. A rota a ser tomada é a
mesma. Se você nunca amou, não será capaz de estar em prece, não será capaz
de estar em meditação. Se você nunca amou nem meditou, não compreenderá
de modo algum a maravilhosa experiência da morte.

Se já amou, então a morte será uma experiência tão intensa e maravilhosa que
nada da vida poderá ser comparado a ela. A vida pode ser tão profunda quanto
a morte porque a vida se estende por setenta ou oitenta anos. A morte ocorre
num simples momento — é muito intensa; a vida não pode ser tão intensa assim.
A morte é a culminação, não o fim. É o próprio pico, o ponto pelo qual você se
esforçou durante toda a vida. E que estupidez! — quando o alcança, fica
amedrontado, sente-se tonto, fecha os olhos. Teme tanto que se torna
inconsciente e não aproveita a experiência.

Assim, o amor pode ajudá-lo porque o prepara para a morte, prepara-o para a
meditação. Na meditação, você tem de se perder — o outro não está presente
— você tem simplesmente de perder a si mesmo. O amor é mais profundo que
a morte, e a meditação é ainda mais profunda que o amor porque, no amor, o
outro ainda está presente — há algo em que se ligar. E quando você tem em que
se ligar, algo continua sobrevivendo. Na meditação, o outro não existe.

É por isso que Buda, Mahavir e Lao Tzu negam a existência de Deus. Por quê?
Eles sabem muito bem que Ele existe mas negam sua existência para que não
haja nenhum suporte na meditação. Se o outro existir, sua meditação poderá,
quando muito, tornar-se amor, devoção, mas a morte total não será vivenciada.
Ela só é possível quando não há mais ninguém e você se dissolve, simplesmente
evapora; não há mais ninguém em quem se ligar — então, o êxtase maior
acontece.

A palavra êxtase é muito significativa. Esta palavra inglesa “ecstasy” é belíssima,


muito significante, nenhuma outra língua possui uma palavra assim. Êxtase
significa estar completamente morto, estar do lado de fora de si mesmo, olhando
para a própria morte como se toda a sua existência se tivesse tornado um
cadáver. Estar do lado de fora, olhando a própria morte — e sentindo a suprema
alegria. Se eu dissesse que você está à procura da morte suprema, você se
assustaria — mas você está em busca disso. Religião é a arte de aprender como
morrer.
Amor significa morte, mas apego não é morte. No amor, o outro torna-se tão
significante que você pode dissolver-se; confia tanto no outro que não necessita
ter sua própria mente — pode colocá-la de lado. Por isso as pessoas dizem que
o amor é louco, que é cego. E é mesmo! Não que seus olhos fiquem cegos, mas
quando você coloca seu ego de lado, sua mente de lado, para todos os outros
você parece cego e louco. Este é um estado de loucura! Você já não pensa mais
em si mesmo. A confiança é tanta que já não há mais necessidade de pensar. O
pensamento só é necessário quando existe a dúvida. A dúvida cria o
pensamento. Ela é a base do pensamento. Quando você não duvida, o
pensamento some. E se isto ocorre, onde fica o ego, como ele pode
permanecer? Eis por que o ego sempre duvida, nunca confia.

Quando a confiança existe, o ego não aparece, vai-se embora. Eis por que todas
as religiões insistem em que somente através da fé, da confiança e do amor você
pode penetrar no templo do Divino — não há outra porta. Através da dúvida, não
se pode entrar. Através da dúvida, você permanece. Na confiança, você se
perde.

O amor é uma confiança, um dissolvimento do ego. O centro move-se para o


outro. O outro torna-se mais significante — sua própria vida, seu próprio ser.
Nem um lampejo de dúvida surge. É tão pacífico, tão maravilhoso quando não
há nem um lampejo de dúvida, nem uma ondulação na mente. A confiança é
completa, perfeita. E na confiança perfeita há uma beatitude, uma bênção. Até
mesmo quando você pensa sobre isso, um pequeno vislumbre do que pode ser
aparece. Mas quando você chega a sentir, é tremendo, não há nada igual. O
ego, no entanto, cria um truque.

Ao invés do amor, o ego lhe dá o apego, a possessividade. O amor diz: seja


possuído; e o ego diz: possua. O amor diz: dissolva-se no outro; e o ego diz: faça
o outro render-se a você, force o outro a ser seu, não permita que o outro se
mova em liberdade; corte sua liberdade, transforme-o em sua sombra, sua
periferia. O amor dá vida ao outro; o apego, a possessão, o mata, tira-lhe a vida.
Eis por que os amantes — as pessoas chamadas de amantes — sempre se
matam, são venenosos. Olhe para um marido e uma esposa: uma vez foram
amantes — pensaram que eram amantes e então começaram a matar-se. Agora,
são duas pessoas mortas; aprisionaram-se. Estão simplesmente com medo,
enjoados, assustados um com o outro.

Certa vez, num circo, havia uma domadora de leões. Os leões mais ferozes
estavam sob seu controle, obedeciam a qualquer ordem. A maior façanha, o
maior suspense, acontecia quando o leão mais feroz era chamado para comer
um pedaço de açúcar colocado na língua da domadora. Ficavam todos loucos
na platéia — totalmente excitados. Batiam muitas palmas mostrando o quanto
apreciavam.
Um dia, Mulla Nasrudin estava lá. Todos bateram palmas e ele nem se moveu.
Ele disse: “Qualquer um pode fazer isso.”

A domadora olhou-o desdenhosamente e disse: “Você pode fazê-lo?”

Ele disse: “Sim, se um leão consegue, qualquer um pode conseguir.”

O homem tem medo da mulher por causa da experiência do amor. Através do


que chamam de amor, vocês se matam. Senão, por que este mundo seria tão
feio? Há tantos amantes, todos o são: o marido ama a esposa, a esposa ama o
marido; os pais amam os filhos, os filhos amam os pais; há amigos, há parentes
— todos amam. Todo o mundo está amando... — tanto amor — e tanta feiúra,
tanta miséria, como pode? Em algum lugar, algo parece estar profundamente
errado — na própria raiz. Isso não é amor; se fosse, o medo desapareceria —
quanto mais se ama menos se teme. Quando o amor realmente é total, não há
medo. Mas na possessão o medo cresce cada vez mais porque quando você
possui uma pessoa, sempre teme que ela o deixe — sempre há a dúvida. O
marido sempre suspeita que a mulher ama outro. Eles se espionam e cortam a
liberdade um do outro para que não haja possibilidades.

Mas quando se corta a liberdade, quando a possibilidade do desconhecido é


cortada, a vida torna-se velha, morta. Tudo se torna chato, sem significado,
entediante, monótono. E quanto mais isto ocorre, mais possessiva a pessoa fica.
Quando a vida se esvai, quando o amor está fugindo, quando algo está
escapando de suas mãos, você fica mais possessivo, mais apegado, torna-se
mais protecionista, cria mais paredes e mais prisões. É um círculo vicioso.

Quanto mais prisões, menos vida existe. Há mais medo de que algo aconteça e
o amor desapareça; isto cria uma prisão maior. Então o amor diminui mais ainda
e uma prisão maior é necessária. E há meios muito sutis de fazê-la: ciúmes
contínuos e possessividade numa tal extensão que o outro não seja mais uma
pessoa. Transforma-se apenas em uma coisa, numa comodidade. Uma coisa
pode ser possuída mais facilmente que uma pessoa. Uma coisa não pode
rebelar-se, desobedecer; não pode ir embora sem a sua permissão, não pode
apaixonar-se por outro.

Quando o amor se transforma em frustração — e transforma-se porque não é


amor — então, pouco a pouco você começa a gostar de coisas. Olhe para as
pessoas quando lustram seus carros, o modo como olham para eles —
encantadas! Veja a luz romântica que vem às suas faces quando olham para
seus carros — estão apaixonadas pelo carro.

Principalmente no Ocidente, onde o amor tem sido assassinado por completo,


as pessoas amam coisas e animais: cães, gatos, casas, carros. É mais fácil amar
uma coisa ou um animal: um cão é mais fiel que uma mulher. Não se pode
encontrar um animal mais fiel do que um cão; ele permanece fiel, não há perigo.
Uma esposa é perigosa! Um marido é perigoso! A qualquer momento ele pode
ir embora e nada pode ser feito. E quando isto ocorre todo o seu ego fica
despedaçado, você se sente ferido. Para prevenir-se contra isto, você começa a
matar seu marido ou a sua esposa e ela passa a ser exatamente como um carro,
uma casa — uma coisa morta.

Esta é a miséria: quando se possui uma pessoa ela se torna uma coisa — mas
você quer amar uma pessoa, não uma coisa. Uma coisa pode ser possuída, mas
não pode reagir. Pode-se amar uma coisa mas ela nunca corresponde ao seu
amor. Você pode abraçar seu carro, mas ele não pode abraçá-lo. Pode até beijá-
lo, mas ele não retribui o beijo. Ouvi uma anedota sobre Picasso: Uma mulher,
uma apreciadora, fã de Picasso, certa vez lhe disse: “Vi seu auto-retrato numa
galeria de arte. É tão maravilhoso que me senti possuída por ele. Esqueci
completamente que era um retrato e o beijei.”

Picasso olhou-a e disse: “E o retrato retribuiu-lhe o beijo?”

A mulher respondeu: “Claro que não! Como pode um retrato retribuir um beijo?”

Picasso disse: “Então não era o meu retrato.”

Como pode uma esposa morta retribuir-lhe um beijo? E no momento em que


alcança a vitória, toda a glória é perdida, pois o outro não pode reagir. O outro
só pode reagir quando em liberdade, mas isto você não pode permitir porque
não ama. O amor nunca é possessivo. Ele não pode ser por sua própria
natureza.

Isto acontece não apenas entre um homem e uma mulher. Se começar a amar
um Buda, a coisa toda se repetirá. Fará o mesmo, será possessivo com ele
também. É por isso que tantos templos foram criados — possessividade. Os
cristãos pensam que Cristo lhes pertence. Cristo não pode pertencer a ninguém
mas os cristãos pensam que Cristo lhes pertence, que eles são os proprietários.
Os maometanos pensam que Maomé lhes pertence. Não se pode pintar uma
figura de Maomé sem que o arrastem para um tribunal; nem se pode fazer uma
estátua, porque os maometanos não o permitem. Mas quem são esses
maometanos? Como se tornaram proprietários? Transformaram Maomé em algo
morto.

Ninguém pode possuir Maomé, ninguém pode possuir Cristo — eles são muito
grandes e suas mãos são muito pequenas. Não podem ser possuídos. O amor
não pode nunca ser possuído: é uma força vital, uma força infinita e você é tão
insignificante, tão pequeno que não pode possuí-la. Mas os cristãos têm seu
Cristo, os maometanos têm seu Maomé, os hindus têm seu Krishna e os budistas
têm seu Buda.

Entre os jains há duas comunidades — pois dividiram o Mahavir deles. Há vários


templos na Índia que pertencem a ambas as comunidades e há sempre brigas e
processos jurídicos. Elas fazem uma divisão de tempo: pela manhã, são os
swetambers que fazem seu culto; e à noite são os digambers, a outra
comunidade. Mas eles brigam porque os swetambers colocaram olhos falsos na
estátua de Mahavir e os digambers a veneram com os olhos fechados; assim,
eles não podem venerar a mesma estátua. Primeiro, eles têm de fechar ou
remover os olhos falsos de Mahavir. Somente então se acalmam e estão diante
do seu Mahavir. Mas como pode Mahavir ser meu ou seu? Ele é uma coisa, uma
casa, uma comodidade, uma compra? Mas os amantes — os falsos amantes —
na realidade são proprietários, não amantes.

Isto aconteceu de tal modo às religiões que, ao invés de serem uma bênção para
o mundo, são até perigosas. Através dessa possessividade, a religião tornou-se
uma seita — então, você vai adorando essa coisa morta e nada acontece em
sua vida; assim, você começa a pensar que há algo de errado na religião. Não
há nada de errado na religião. Mahavir poderia tê-lo transformado. Krishna
poderia ter-lhe dado sua luz, mas você não o permitiu. Certamente Cristo poderia
ter sido a sua Salvação, mas você não o deixou. Os judeus o crucificaram e você
o mumificou nas igrejas. Agora ele é uma coisa morta — boa para se venerar,
para ser possuída. Mas como pode um Cristo morto transformá-lo?

E os padres sabem disso perfeitamente. Por isso, nunca cruzei com um que
fosse crente. No fundo, eles são sempre descrentes pois sabem do negócio todo.
Sabem que esse Cristo está morto. Quando eles o veneram é apenas um gesto,
apenas uma demonstração.

Aconteceu uma vez — e é um fato histórico — que no ano 999, no dia 31 de


dezembro, um rumor correu por todo o mundo, particularmente nas comunidades
cristãs, de que o último dia seria o primeiro de janeiro, o dia primeiro de janeiro
do ano 1000 seria o dia do Juízo Final, e esse dia estava se aproximando, o
mundo seria dissolvido e todos iriam encarar o Divino.

Então, em trinta e um de dezembro de novecentos e noventa e nove, todos os


cristãos do mundo fecharam suas lojas, seus escritórios — as pessoas até
distribuíram suas coisas — pois na manhã do dia seguinte não haveria mais
mundo. As pessoas abraçaram-se e beijaram-se, perdoaram seus inimigos e,
naquela noite, um mundo completamente diferente existiu. Tudo estava fechado
pois já não havia futuro. Então por que ter inimigos? Por que não amar? Por que
não apreciar as coisas? As pessoas estavam celebrando o último dia que estava
chegando.

Por todo o mundo, os cristãos fecharam tudo. Somente os escritórios do


Vaticano, em Roma, estavam abertos — pois o Papa, assim como os padres,
sabiam muito bem que isso não iria acontecer, que era apenas uma superstição.
Eles haviam inventado tudo. E nem uma única coisa foi distribuída pelo Papa.
Os sacerdotes sabem que Cristo está morto — e vocês são uns tolos, rezando
a uma coisa morta. Mas eles não podem lhes contar, porque é uma transação
secreta e somente através dela a exploração é possível. Isso é favorável a eles
também porque quando Cristo está vivo, eles não podem ser os intermediários.
Um Cristo vivo vem diretamente a você, não permite um mediador, um
intermediário. Cristo não permite um sacerdote entre ele e seus amantes — ele
o encara, vem diretamente a você. Então, para os sacerdotes, um Cristo vivo é
perigoso. Somente um Cristo morto é bom.

Os sacerdotes nunca gostaram de Mahavir enquanto ele vivia, nem de Buda —


eles sempre foram contra. Mas, quando Mahavir morreu, vieram imediatamente,
organizaram um templo ao seu redor e começaram a explorá-lo. Os sacerdotes
são contra Mahavir, Buda e Krishna, mas sabem que quando eles morrem seus
nomes podem ser explorados.

Mas você deve lembrar-se bem de que se o seu amor, a sua prece, o seu culto
tornarem-se possessivos, você estará matando. E se matar Krishna, como ele
poderá transformá-lo? Como poderá trazê-lo à Sua Consciência?

Agora, iniciaremos nossa estória. É maravilhosa!

“Uma monja em busca da Iluminação, fez uma estátua de Buda em madeira e


folheou-a a ouro. A estátua era muito bonita, e ela a carregava para onde quer
que fosse.”

Muitas coisas devem ser compreendidas: palavra por palavra.

Uma monja: assim é o coração de uma mulher — possuidor. Por isso é que na
estória não aparece um monge e sim uma monja. E não pense que apenas as
mulheres são possessivas. Os homens também o são, mas neste caso têm
coração de mulher, não de homem. Por que a mulher é mais possessiva do que
o homem? Porque a possessão vem do medo. O homem tem menos medo que
a mulher. Por ter menos medo, é menos possessivo. A mente feminina é mais
medrosa — o medo lhe é natural, o temor sempre existe. Por causa desse medo
a mulher é mais possessiva. A menos que ela se satisfaça completamente,
possuindo, não é feliz. E quando ela possui completamente não pode ser feliz,
porque o homem está morto. Somente em liberdade a vida existe.

Então, na estória foi escolhida uma monja. Mas lembre-se bem: não faz
nenhuma diferença se você é um homem — sua mente pode ser feminina.
Homens são raros. Você pode ser uma mulher e ter uma mente sem medo, uma
mente masculina. Assim, a distinção não é de sexo, é de atitude. Um homem
pode ser uma mulher, uma mulher pode ser um homem — o símbolo demonstra
apenas uma atitude. Que atitude?

Se você é um homem e mesmo assim possessivo, então tem uma mente


feminina. E se é uma mulher não-possessiva, tem uma mente masculina. Dizem
que Mahavir insistia em que nenhuma mulher pode se iluminar se não se tornar
um homem. As pessoas tomaram isto literalmente e não compreenderam o ponto
de vista de Mahavir. Pensaram que nenhuma mulher pudesse se iluminar e que
todas as mulheres que estivessem na busca teriam de nascer homem na
encarnação seguinte para então conseguir. Isto é tolice — mas nenhuma mente
feminina pode se tornar iluminada, isto é verdade, porque mente feminina
significa medo e possessividade. E, desse modo, nenhum amor, nenhuma
meditação é possível.

Uma mulher tornou-se iluminada. Os jains — seguidores de Mahavir e dos


“teerthankers” ficaram muito perturbados. O que fazer? Eles mudaram o nome
da mulher por um nome de homem e simplesmente deixaram por isso mesmo.
Uma mulher chamada Mallibai iluminou-se — e então, o que fazer da teoria?
Mudaram o nome de Mallibai para Mallinath. Mudaram a estátua, você nunca
encontrará sua estátua como mulher. E essa Mallibai ou Mallinath — era uma
pessoa tão rara que eles tiveram de conceder-lhe o título de Teerthanker. Assim,
entre os vinte e quatro Teerthankers há uma mulher, mas não se pode encontrá-
la pois o nome dado foi Mallinath.

Assim, pensa-se que nenhuma mulher se iluminou. Mas isto é verdade num
sentido diferente, mais profundo; nenhuma mente feminina pode se iluminar
porque o medo e a possessividade não o permitem.

“Uma monja em busca da Iluminação fez uma estátua de Buda em madeira...”

É muito difícil para uma mente feminina — de homem ou de mulher — estar só.
A mente, se for feminina, criará uma estátua, criará o outro. Não pode ficar só.

Uma estátua significa que o outro foi criado. Não há ninguém mas você não pode
contentar-se com o nada. Algo tem de existir para servir de apego. Eis por que
há tantos templos e tantas estátuas — são criados por mentes femininas. Por
isso é que também não se encontram muitos homens nos templos, mas muitas
mulheres. Se houver alguns homens é porque são maridos arrastados pelas
esposas até lá; foram apenas por causa de suas esposas.

Quando Mahavir pregou, quarenta mil pessoas receberam “Sannyas” — trinta


mil eram mulheres, apenas dez mil eram homens. O que aconteceu? Esta é a
proporção. Comigo acontece o mesmo. Se quatro pessoas vêm — três são
mulheres e uma é homem. O homem vem com muita dificuldade e se vai muito
facilmente; mas a mulher vem muito facilmente e dificilmente se vai. Ela se
agarra. Para ela é muito difícil ir embora.

A mente feminina pode criar dificuldades, barreiras. Se você começar a tornar-


se possessivo, perderá. Lembre-se sempre que o medo tem de ser deixado —
só então o amor pode crescer. O medo tem de ser derrubado, pois ele é do ego.
Se o medo existir, o ego persistirá; você poderá criar uma estátua e agarrar-se
a ela. Ela não irá lhe revelar o Supremo, porque é uma criação sua. Pode folheá-
la a ouro; ficará bonita, mas será uma coisa morta. Você pode fazer uma estátua
de ouro, mas isto não irá ajudar — ela é uma coisa morta!

“A estátua era muito bonita, e ela a carregava para onde quer que fosse.”

Tornou-se um fardo, tinha de ser carregada, protegida. A monja nem podia


dormir bem, porque alguém poderia vir roubá-la. Ela não podia ir a lugar algum
sem a estátua. Alguém poderia vir, pegar e levá-la embora. Toda sua mente
tornou-se possessiva em relação à estátua que passou a ser o centro da sua
possessividade, medo e culto. Mas isso não é amor.

“Anos se passaram e ainda carregando seu Buda, a monja instalou-se num


pequeno templo no campo, onde havia muitas estátuas de Buda, cada qual em
seu próprio santuário.”

Anos se passaram e nada aconteceu. Carregando um Buda, nada pode


acontecer. Como você pode carregá-lo? Pode carregar apenas uma estátua.
Buda tem de estar vivo, não carregado. Tem de ser amado, não possuído. Você
tem de dissolver-se em Buda, não carregá-lo como uma propriedade.

Buda está vivo quando você se dissolve nele. Mas, neste caso, Buda é perigoso
porque você não volta mais! É um ponto de onde ninguém pode voltar. Uma vez
que se cai dentro, não há retorno. Há medo, temor. Você fica com medo de estar
perdido. E o seu medo é verdadeiro porque você irá mesmo se perder.

Com uma estátua não há medo. Pode-se carregá-la. A estátua poderá se perder
algum dia, mas você não. Poderá criar outra até mais bonita. Não há dificuldade
— a criação é sua. Vá aos templos — o que o homem tem feito? Criado estátuas!
Agora se inclina diante delas, soluçando e chorando. Tudo isso é falso, porque
a base é falsa. Suas lágrimas, suas preces, a quem você as endereça? Diante
de quem você está soluçando e chorando?

De suas próprias criações, de seus próprios brinquedos, não importa quão lindos
ou caros sejam, não faz diferença. Você é o criador dos seus deuses e chora e
soluça diante deles pensando que algo irá acontecer. Está apenas agindo
estupidamente. Os templos estão cheios de pessoas estúpidas. Não estão
conscientes do que fazem: inclinam-se diante de suas próprias criações. Como
isso pode auxiliá-los?

Carregando sua estátua — muitos anos se passaram, muitas vidas podem ter
passado — carregando o seu Buda não chegou a lugar algum. Esteve apenas
peregrinando de um lugar a outro, de uma vida a outra, de um capricho a outro,
de uma mente a outra — apenas perambulando, sem atingir lugar algum. Então
cansou-se da jornada: o objetivo, a meta, parecia não estar em lugar nenhum.
Então, “...a monja instalou-se num pequeno templo no campo, onde havia muitas
estátuas de Buda, cada qual em seu próprio santuário.”

Havia muitas estátuas de Buda. Na China e no Japão, grandes templos foram


criados para Buda. Na China, há um templo com dez mil Budas — dez mil
santuários em um templo! Dez mil estátuas! Mas nem tantas estátuas podem
ajudar. Um Buda é suficiente mas dez mil estátuas não.

Por que a mente continua trabalhando em tolices? — Uma estátua não adianta,
então criam-se duas. Isto é aritmético: duas não resolvem, então criam-se três
— dez mil! Um homem perambula por entre dez mil estátuas e nada acontece.
Nada acontece porque a vida não surge de coisas mortas. Um homem nunca é
transformado a partir de uma estátua morta.

Procure por um Buda vivo! Se não puder encontrá-lo, feche seus olhos e procure-
o aí. Se não puder encontrá-lo fora, encontre-o dentro, porque os Budas nunca
estão mortos. Eles existem para serem procurados — estão sempre por perto.
Podem estar exatamente na esquina da sua casa, mas você nunca os olhou.
Está tão acostumado com o vizinho, com a esquina, que acha que os conhece.
Ninguém os conhece. — Você pode encontrar Buda num mendigo.

Fique de olhos abertos! Quando você está carregando uma estátua, seus olhos
estão fechados. Esta mulher pode ter perdido muitos Budas por causa dessa
estátua — porque pensou que já o possuía. Pensou que já tinha Buda e não
precisava mais procurá-lo. Então, instalou-se num templo. As pessoas que vivem
com estátuas sempre instalam-se em templos. Elas não podem alcançar o
Objetivo Último, elas têm de se instalar em algum lugar ao lado do caminho —
num santuário, num templo.

Muitas pessoas instalam-se em templos. Elas perambulam, procuram e


descobrem que nada pode ser encontrado; é impossível. Não que o objetivo
esteja muito distante — está mais perto do que podem imaginar, mas por
estarem carregando estátuas, tornaram-se cegas. Seus olhos estão fechados
por suas estátuas. Seus corações estão carregados de estátuas, palavras e
escrituras — coisas mortas.

Aconteceu nos velhos tempos que um rei, um homem erudito, queria se casar,
mas não com uma moça comum. Ele queria uma mulher perfeita,
astrologicamente perfeita. Assim, consultou muitos astrólogos. Foi muito difícil
— muitos anos se passaram e sua juventude estava quase no fim. Não era mais
jovem porque os astrólogos são gente difícil e a matemática leva tempo. Quando
encontravam uma mulher, sempre lhe faltava um atributo — não era perfeita.

Na verdade, não se pode encontrar alguém que seja perfeito. É impossível


porque a perfeição sempre significa morte. Se alguém está vivo, significa que
não é perfeito. Por isso é que dizemos que quando alguém é perfeito não nasce
mais. Como pode nascer se é perfeito? Neste caso, você já passou por este
mundo, já ganhou, cresceu e a volta não lhe é permitida.

Então o rei disse a seus conselheiros: “Já chega. Se não há uma perfeita, uma
quase perfeita servirá. Minha juventude está passando, estou com quase trinta
e oito anos. Encontrem uma mulher!”

E então ela foi encontrada — não exatamente cem por cento mas noventa e
nove por cento. A partir daí, a pesquisa passou a ser para se descobrir a hora
certa em que o rei deveria ter relações sexuais com a mulher porque ele queria
uma criança rara, extraordinária. Foi muito, muito difícil. Muitas escrituras foram
consultadas: o I-Ching e outras. Muitos entendidos foram chamados de países
distantes para debater — o rei já estava com quase quarenta e quatro anos.

Um dia, ele se aborreceu e dispensou-os. Queimou todas as escrituras e disse


à esposa: “Chega! Agora, vamos nos amar.” Eles ainda não haviam tido relações
sexuais. A mulher já estava velha, assim como ele, e com o amor há um
problema. Se você começa cedo, pode continuar até o fim da vida. Mas se não
começa, não pode fazer amor mais tarde, pois isso é uma coisa mecânica.

O mecanismo precisa de eficiência. Então, se um homem começa a ter relações


aos quatorze anos, pode ir até os oitenta. Não pense que se tiver muitas relações
quando jovem não conseguirá fazê-lo quando velho. É um engano. Só sendo
bastante ativo no começo é que poderá continuar até mais tarde. Além disso,
você nunca pode fazer amor demais, o corpo não o permite, muito é impossível.
Há um termostato no corpo — demais não é possível. O que quer que você faça
é sempre dentro de um limite. Mas, a essa altura, o rei tinha-se tornado impotente
— não podia mais fazer amor, e sua esposa estava frígida. Eles perderam o
momento certo. Nunca tiveram uma criança. Assim, tiveram de adotar uma.

Isto é o que está lhe acontecendo: você tem de adotar um Buda, um Deus. Ele
não nasceu de você — e Deus deve nascer de você: de outro modo, será um
deus falso. Mas você não tem compreendido, porque está muito ocupado com
escrituras, homens sábios, astrologia e todo tipo de tolices. Está obcecado por
palavras, estátuas, templos, rituais e formalidades; e quando as formalidades
forem preenchidas, sua vida já terá ido embora. Quando chegar a uma conclusão
lógica, a vida já não estará presente.

A monja finalmente instalou-se num templo. Eu lhe digo: nunca faça isso! Um
templo pode ser apenas um alojamento noturno, não uma estadia permanente.
Nunca se instale numa seita, num templo, como o Vaticano ou o Puri
Shankaracharia; nunca se instale com uma mente sectária.

Você pode ter um descanso, está certo. Fique lá por uma noite; mas pela manhã,
antes que o envolvam, afaste-se! Continue mudando — a menos que encontre
o Supremo, que é o único templo. Mas lá não encontrará estátuas. Encontrará o
real — não a estátua, o retrato, mas a coisa real. Não se instale com um retrato,
não se instale com o falso, não se instale com uma reprodução em carbono.
Procure pelo original, pela fonte.

A monja instalou-se — tinha de fazê-lo. Quando alguém carrega um Buda de


madeira, como pode se iluminar? Se um Buda de madeira pudesse lhe dar a
iluminação, não haveria problema. Mas um Buda de madeira é um Buda de
madeira. Você só pode carregá-lo e brincar com ele.

“A monja queimava incenso para o seu Buda dourado, todos os dias.”

O Buda era de madeira, apenas coberto de ouro, mas ela costumava chamá-lo
de “Buda de Ouro”. O ouro tinha apenas a profundidade da pele; no fundo, havia
madeira, nada mais. Mas você pode esconder as coisas. Com ouro pode-se
esconder qualquer coisa. Quando não há amor, há muito ouro em torno da
esposa. Um Buda de madeira folheado a ouro — e você pensa que está tudo
bem porque o marido traz cada vez mais enfeites. Quando o amor está morto,
os ornamentos tornam-se muito vivos. Quando há amor, os ornamentos não são
necessários.

Você não pode cobrir um Buda real com ouro, ou pode? Ele não permitirá. Dirá:
“Espere! O que está fazendo? Assim me matará,” O ouro mata. A vida não pode
nunca ser coberta com ouro — apenas a morte. Só a morte lhe permite fazer
isso. A vida não concorda com tal tolice. Mas ela chamava o seu Buda de
madeira de “Buda de Ouro”.

“A monja queimava incenso para o seu Buda dourado, todos os dias; mas não
gostando da idéia de o seu perfume alcançar as outras estátuas, inventou um
funil através do qual a fumaça ascendia apenas para a sua.”

Assim é a mente de uma pessoa possessiva: nem o perfume, o incenso, a


fumaça, ela permite que alcance outros Budas — e os outros são Budas também.
“Mas o meu Buda é melhor. O seu Buda não é nada.” No templo, todos os outros
eram Budas. Não havia uma estátua de Krishna ou de Ram — tal diferenciação
seria demais. Ela nem teria ficado nesse templo. Mas era um templo budista;
assim, ela pôde ficar. Essa era a sua estátua. As outras não eram dela.

Quando há amor realmente, você não se importa a quem ele alcance. Quando
há amor, ama-se uma pessoa, mas não se pode inventar um funil para que o
amor atinja apenas essa pessoa. O amor quando acontece é um fenômeno que
vai além da pessoa amada; ele sempre se espalha para todos. É exatamente
como uma ondulação num lago.

Quando se atira uma pedra num lago, nasce uma onda que vai se propagando
e propagando até o fim. Se você ama alguém, isso não é linear; é circular, uma
onda é criada. Quando você ama alguém, está atirando uma pedra no lago do
amor. Agora, todos serão beneficiados, não apenas o ser amado. Se tentar
beneficiar só o amado, estará simplesmente fazendo o mesmo que a monja fez.
É impossível! Quando alguém ama, este amor escorre por todos os lados. Você
não pode canalizá-lo, não é possível. Os rios podem ser canalizados — mas o
amor é oceânico, não pode ser canalizado. O apego pode ser canalizado, mas
o amor não.

Quando se joga uma pedra no lago, ela cai num determinado ponto, está certo,
mas as ondas vão se espalhando. Quando você se apaixona, atinge um
determinado ponto com uma pessoa em particular; mas é apenas o começo, não
o fim. Aí o amor se esparrama e o mundo todo é beneficiado. Sempre que há
uma pessoa amando, o mundo todo é beneficiado. Há um centro onde a pedra
cai e de onde as ondas nascem e se propagam até o fim. Há um centro — o
amado, o amante; mas o amor não pode ser contido aí. Ele é um crescendo,
ninguém pode contê-lo. Assim, o amante torna-se apenas a porta, a abertura —
e todo o universo é beneficiado.

Mas essa pobre monja era exatamente como você. Apenas uma mente humana,
trabalhando através da estupidez humana. Ela não gostou da idéia de seu
perfume atingir outras estátuas — e as outras estátuas também eram de Buda.

Quando amo alguém, encontro o Divino. O amor revela o Divino na pessoa. Uma
vez revelado, então todas as estátuas de todos os Budas — tudo é divino: a
árvore, a nuvem, o mendigo na rua; tudo é divino. Se o amor acontece e você vê
a face original da pessoa — que é revelada apenas no amor — então os Budas
estão em toda parte, todas as estátuas são Buda — então, o mundo torna-se um
templo.

Mas então não há preocupação. Então você não se preocupa se o seu perfume
está atingindo alguém, nem se o perfume do seu amante está alcançando
alguém mais. Está feliz porque através de você todo o mundo está sendo
beneficiado, todo o mundo está recebendo a bênção. Se você ficar com medo e
tentar contê-lo será possessivo e o matará. Não tente contê-lo, nem possuí-lo.
Permita que cresça, auxilie-o a crescer, a atingir a todos! Somente então o
receberá, porque você só pode recebê-lo quando todo o mundo o receber.

Este é o problema — quando você ama alguém, o quer refreado, confinado. É


como se estivesse confinando uma árvore num pote; não apenas a raiz mas a
árvore toda — então você a mata. A árvore tem de mover-se para o céu,
expandir-se nele. Suas flores darão perfume a muitos, seus galhos sombrearão
a muitos e muitos se beneficiarão com seus frutos. É claro que as raízes estão
contidas em você, mas a árvore continua em crescimento. O amor é a maior
árvore possível: pode se expandir por todo o céu, mas não pode ser confinado,
nem contido. Você não pode fazê-lo finito — sua própria natureza é infinita.
“Mas, não gostando da idéia de o seu perfume alcançar as outras estátuas,
inventou um funil através do qual a fumaça ascendia apenas para a sua.” E então
o que aconteceu? Tinha que acontecer.

“Isto escureceu o nariz da estátua dourada que se tornou excepcionalmente


feia.”

Isto está acontecendo com todos os amantes e amados, porque assim o perfume
deixa de ser perfume — vira uma fumaça — o perfume precisa expandir-se.
Assim, o nariz escureceu, e todos os Budas agora têm nariz preto.

Olhe para o seu Krishna, para o seu Buda, seu Mahavir: o nariz deles escureceu
— por sua causa, por sua possessividade. Sua prece é posse; não é real. Os
jains não permitem que ninguém entre nos templos deles se não for jain. Os
hindus não permitem que os intocáveis entrem, porque não pertencem à casta
mais alta. Todos os templos escureceram porque estão possuídos: “Meu
templo!” No momento em que eu coloco o “meu”, não é mais um templo. Como
pode um templo ser meu ou seu? Um templo é simplesmente um templo.

Uma vez fui arrastado para o Tribunal porque inaugurei uma igreja. Ela tinha
estado fechada por pelo menos vinte anos. Os devotos dessa igreja tinham-se
mudado para fora da Índia — era propriedade de uma seita cristã inglesa. Era
uma igreja maravilhosa, mas completamente dilapidada. Não havia ninguém
para tomar conta dela. Então, alguns cristãos vieram a mim e disseram: “Nós
não pertencemos a essa seita, mas estamos sem igreja. Você poderia nos
ajudar? Poderia inaugurar aquela igreja para nós?” Eu disse: “Está bem.” Então
eles quebraram a fechadura e limparam a igreja, limparam o nariz escurecido de
Cristo.

Inaugurei a igreja para todos, dizendo: “Agora, esta igreja não pertence a
ninguém. É daqueles que fizerem o culto.” Mas dentro de dois ou três meses a
notícia chegou aos ouvidos dos proprietários. Eles contrataram um advogado e
levaram-me ao tribunal. Eles queriam saber por que eu havia aberto essa igreja.

O magistrado perguntou-me: “Por que você abriu a igreja? Ela não pertence a
essas pessoas. Não é propriedade delas.”

Eu lhe disse: “Uma igreja não pode ser propriedade de ninguém. Ela é de quem
faz o culto. Uma igreja não é uma propriedade. Não é de modo algum uma
questão legal!

O magistrado disse: “Não saia do assunto. Nós não podemos entrar em


filosofias. Esta é uma questão legal!”

A igreja é uma questão legal? Sim, ela tornou-se uma questão legal. Um templo
é uma questão legal? Se um templo é uma questão legal, então ele pertence a
este mundo não àquele. Então eu disse: “Está bem, se é uma questão legal você
pode fechá-la. Mas lembre-se bem de que é assim que a religião é morta,
assassinada.” Não é absolutamente uma propriedade. Mas todas as igrejas e
templos tornaram-se propriedades. São meus ou seus. Assim, o nariz de Buda
ficou escuro e excepcionalmente feio. Todos os templos e igrejas ficaram feios.

É preciso que sejam realmente destruídos, limpos, para que a terra fique limpa
e o templo verdadeiro possa existir. Eles passaram a ser parte da sociedade,
das leis. Já não são símbolos do além.

Tal atitude é possível com a mente; ela transforma tudo numa possessão, pois
somente possuindo é que o ego pode existir. O ego é a barreira. O ego é a água
onde apenas os reflexos são vistos, onde o real não pode ser conhecido. Vamos,
derrube esse pote! Por que esperar por um acidente? Deixe esse velho pote cair
e a água escorrer — nem água e nem lua.
OITAVO DISCURSO

Quem Dá é Que Deve


Ficar Grato

O mestre Seistsu
precisava de acomodações maiores,
uma vez que o prédio no qual ensinava
estava superlotado.

Umezu, um comerciante,
decidiu doar quinhentas peças de ouro
para a construção do novo edifício.

Umezu levou o dinheiro ao Instrutor


e Seistsu lhe disse:
“Está bem, eu o aceito.”

Umezu deu-lhe o saco de ouro,


mas ficou aborrecido
com a atitude do Instrutor,
pois dera uma quantia alta —
uma pessoa poderia viver o ano inteiro
com três peças de ouro —
e o Instrutor nem sequer lhe agradecera.

“Neste saco há quinhentas peças de ouro”,


insinuou Umezu.
“Você já disse isto antes”, disse Seistsu.

“Até mesmo para mim que sou um rico comerciante


quinhentas peças de ouro é muito dinheiro”,
disse Umezu.

“Você quer que eu lhe agradeça por isso?”,


disse Seistsu.
“Deveria”, respondeu Umezu.

“Por que deveria?”, perguntou Seistsu.


“Quem dá é que deve ficar grato.”

Existem apenas duas maneiras de se viver, apenas duas vias: uma é a certa, e
a outra é a errada. A certa é dar, repartir, amar. A errada é tirar, explorar,
acumular. O amor e o dinheiro são os símbolos desses dois caminhos.

O amor é a via certa; o dinheiro é a via errada. Todos estão vivendo na via errada.
Por quê? Qual é a dinâmica disso? Por que todos erram? Onde estão as regras?
Teremos de penetrar profundamente nesta bela estória, só assim poderemos
compreendê-la. Se você não puder compreendê-la, não compreenderá Buda,
Jesus, Mahavir. Será impossível, porque eles andam no caminho do amor e você
no do dinheiro, e esses dois caminhos nunca se encontram. Não podem!

Algumas vezes, você tenta compreender Mahavir, Buda e Jesus, mas sempre o
faz em termos de dinheiro. Os jains vivem falando do quanto Mahavir renunciou
— quanto é o ponto. Se Mahavir fosse filho de um mendigo, os jains não o
cultuariam. Mas ele era filho de um rei, tinha um grande reinado, dinheiro, ouro,
diamantes — e renunciou a tudo. De repente, ele se tornou importante. A
importância está no dinheiro que ele renunciou, não nele.

Mesmo quando você se aproxima de Mahavir, sua abordagem é através do


dinheiro. Que absurdo! E então os jains enfatizam e exageram o fato uma vez
que, na realidade, o reinado não era assim tão grande. Era um pequeno
principado. Naquela época, na Índia, havia dois mil reinados. Esse era apenas
um pequeno distrito. E o pai de Mahavir nem era muito rico, mas era rico, é claro.
Inicialmente, eles olharam para Mahavir apenas porque ele renunciou ao
dinheiro, apenas por causa disso ele se tornou muito importante. Depois,
começaram a exagerar sobre a quantia que ele havia renunciado. Agora, estão
chegando a extensões absurdas, fantásticas, mas tudo o que eles dizem está
simplesmente errado. Assim, Mahavir tornou-se importante através do dinheiro
que renunciou. Quem é realmente importante a seus olhos?

Por que nunca aconteceu de um Teerthanker jain ter vindo de uma família
comum? Todos os vinte e quatro eram filhos de reis. Por que aconteceu de
nenhum homem pobre ter-se tornado um avatar hindu? Por que somente Ram,
Krishna — os reis? Por que aconteceu de nenhum homem pobre ter se tornado
Buda? — somente Gautama Siddhartha, o príncipe. Como ocorreu?

Estas três religiões nasceram na Índia, e são as maiores! Não que um


Teerthanker não possa nascer em uma família pobre; é que se ele nascer você
não o reconhecerá. Não que um Buda não possa nascer na casa de mendigos;
é que, se ele nascer, você não o reconhecerá. Seu reconhecimento só acontece
por causa do dinheiro que ele renunciou. Buda não tem valor — o que vale é o
dinheiro renunciado, o qual o atrai e o hipnotiza.

Um homem no caminho do dinheiro não pode compreender um homem no


caminho do amor — é impossível, eles nunca se encontram. Você pode venerá-
lo mas o fará por razões erradas pois não pode compreendê-lo. Todo o seu culto
está baseado em algo errado. Qual o mecanismo?

Primeiro, procure entender por que o amor se tornou impossível, por que você
não pode amar — esta é a raiz. Se você puder amar, então o dinheiro nunca
será o apego, não pode ser. Por que você não pode amar? Desde o próprio
início, algo aconteceu de errado na mente da criança que a impediu de amar.
Um dos motivos é que o amor é um fenômeno espontâneo. Você não pode
manipulá-lo e, se começar a fazê-lo, o perderá. Este é o problema com as coisas
espontâneas. Elas são belas, as mais belas — mas você não pode manipulá-
las. Do contrário, tornam-se artificiais, algo de errado ocorre.

Quando uma criança nasce, você começa a manipular seu amor, dizendo: “Sou
seu pai, ame-me.” Como se o amor fosse um silogismo lógico! Sou seu pai,
portanto ame-me. Sou sua mãe, portanto ame-me. Ele é seu irmão, portanto
ame-o.

Mas o amor não conhece a palavra “portanto”, ele não é um silogismo. Nós
nunca esperamos que o amor aconteça para a criança. Começamos a manipulá-
la, a controlá-la, como se temêssemos que deixando-a entregue à sua própria
espontaneidade, ela não poderá amar sua mãe — não há necessidade disso;
ela poderá amar seu pai — não existe nada inevitável — você não pode
depender disto: talvez aconteça, talvez não aconteça.

Então, antes que a espontaneidade ocorra, começamos a forçar a criança. E ela


tem de aceitar porque é indefesa. Deste modo ela começa a vender seu amor.
A política nasce, ela se torna politiqueira: sorri quando no fundo está irada;
demonstra seu amor quando, na verdade, ele não está presente, quando está
odiando seu pai. Todo filho odeia o pai. É por isso que toda a sociedade força a
criança a amar e respeitar seu pai. Toda cultura sabe que um filho sempre acaba
odiando seu pai. Então diz: “Criem o oposto antes que o ódio expluda!” Toda
filha, toda menina odeia sua mãe. Então, vem a frase: “Ame-a, ela é sua mãe.
Respeite-a!” Temos tanto medo que criamos o oposto exatamente como uma
proteção.

Por que um filho odeia seu pai? Não é porque ele esteja destinado a isso. Há um
círculo vicioso: em primeiro lugar, o conflito é necessário, é parte natural do
crescimento. A criança tem de lutar com seus pais, senão não crescerá. A luta
começa no próprio momento do nascimento, começa com o parto. A criança quer
nascer e a mãe quer conservá-la. Eis por que há tanta dor.
Atualmente, os fisiologistas estão dizendo que a dor existe por causa do conflito.
A criança quer vir para fora e a mãe quer segurá-la dentro — este é o conflito, é
a razão de tanta dor no parto. De outro modo, não haveria dor, como não há
entre os animais e nas sociedades primitivas. Por que quanto mais civilizada é a
mulher, mais doloroso torna-se o parto? Porque quanto mais civilizado você é,
maior o seu ego, mais forte ele é.

A mãe quer segurar a criança dentro — por um medo inconsciente de que a


criança a deixe. E isto continuará com a criança por toda sua vida: a sensação
de estar deixando a mãe. Mas a criança tem de sair, senão morrerá no útero.
Tem de chutar o útero, sair dele — é natural. E, quando uma mãe compreende
isso, não há nenhuma dor no nascimento, ela auxilia a criança a sair.

Se você auxiliar a criança a sair, ela jamais a odiará. Este é o problema: se você
não permitir que a criança saia, se criar barreiras, ela a odiará. E por ter medo
do ódio você acaba criando o oposto. Força a criança a amá-la e como ela é
indefesa, rende-se contrariada; cede de má vontade. No fundo, o ódio
permanece; o amor é apenas uma máscara, uma fachada. A criança nasce e
então, a cada dia, afasta-se para mais longe da mãe. Tem de ser assim, senão
ela nunca será independente, nunca será ela mesma. Tem de se afastar todos
os dias, de todos os modos, mas a mãe não lhe permite: “Não saia destes limites!
Não saia de casa! Não vá para a rua! Não brinque com aquele menino! Não se
afaste!”

A mãe cria cada vez mais limites. E quanto mais limites são criados, mais a
liberdade é morta, mais a criança sofre — o ódio nasce. E então, o que fazer
com esse ódio? — a mãe cria o oposto. Quando você cria o oposto está se
dirigindo para o rumo errado.

O ódio deve ser compreendido, aceito. O oposto não deve ser criado. Você tem
de saber que isto faz parte do crescimento. A criança tem de se distanciar e você
tem de permitir cada vez mais a liberdade. É claro que você tem de estar alerta
porque a criança pode se machucar.

A liberdade não deve se tornar um caos — isto é muito delicado. Mas se você
cortar toda a liberdade tendo em vista que a criança poderá se machucar, estará
criando uma mente cheia de ódio. E se a criança começar a odiar sua mãe,
nunca será capaz de amar uma mulher, porque a primeira mulher tornou-se
associada ao ódio. Eis por que você odeia sua mulher. Por ter odiado, no
princípio, sua mãe, nunca estará bem com uma mulher. A mulher sempre criará
um clima de tensão. Ela o atrairá e ao mesmo tempo o repelirá. Tornar-se-á o
foco do seu amor, mas o amor será superficial, porque se você não puder amar
profundamente sua mãe, como amará qualquer outra mulher? Impossível!

Por trás de todo amor corre uma corrente de ódio. O amor torna-se dividido, o
oposto esconde-se nele, então tudo se torna venenoso. A criança afasta-se cada
vez mais e um dia apaixona-se por outra mulher. Esta é a ruptura final. Na
realidade, é nesse dia que a criança nasce. O parto termina nesse dia. Continuou
por vinte, vinte e cinco anos com dor e conflito todos os dias. E então o passo
final acontece quando a criança se apaixona por outra mulher — este é o ponto
de ruptura.

Nesse momento, ela deixa sua mãe completamente. Outra mulher entrou. Eis
por que as mães nunca se dão bem com as noras, é impossível! E esta é a razão
de haver tantas estórias contra a sogra — ela não pode se sentir bem.
Impossível! A outra mulher é a inimiga, o outro homem é o inimigo que levou sua
criança para sempre.

Há um dizer de Jesus — um dos mais misteriosos; é impossível reconciliá-lo com


a mente de Jesus, ele é muito perigoso, suas palavras também o são. Jesus
disse a seus discípulos: “A menos que vocês odeiem seu pai e sua mãe, não
poderão vir a mim!” Um homem como Jesus que diz que o amor é o caminho,
que Deus é amor, que eleva o amor ao pico mais alto e o faz equivalente à
meditação, dizendo: “A menos que odeiem seu pai e sua mãe, não poderão vir
a mim!” Mas ele está certo porque, a menos que Jesus se torne seu pai e sua
mãe, você não poderá vir a um Mestre. A menos que deixe seu pai e sua mãe
completamente — isto é, seu passado, suas associações e relações com o
passado... completamente, totalmente — como poderá vir a Jesus, ao Mestre?

Se você ainda estiver comprometido com o passado, o presente será um fardo


e o futuro uma escuridão. Você tem de estar descomprometido com o passado,
completamente desconectado. Somente assim seu presente poderá brilhar e seu
futuro não será uma progressão mecânica do passado.

Jesus está certo: a menos que você odeie seu pai e sua mãe, não poderá vir ao
Mestre. Eis por que sempre que você vai a um Mestre seu pai e sua mãe ficam
muito perturbados. Eles não se preocupam tanto se você vai a uma prostituta,
ou torna-se alcoólatra — eles não ficam tão perturbados.

Mas se você vai a Buda, a Jesus, ao Mestre, então sim, eles se perturbam. Algo
no inconsciente deles diz: “Esta é a última ruptura. Se este menino, ou menina,
for a um Mestre, então nós, o pai e a mãe, ficaremos completamente esquecidos”
— o medo! Quando o filho se afasta com uma mulher, a mãe ainda pode ter
algum tipo de relacionamento com ele. Mas, quando o filho vai para Jesus, todo
tipo de relacionamento é rompido. Não existe outra possibilidade, porque Jesus
requer a entrega total. Nenhuma mulher, nenhum marido, pode requerer tal
coisa, apenas um Mestre pode exigir uma total rendição, sem nenhum
empecilho.

O filho tem de se afastar e quando ele se torna iluminado, então a ruptura é total,
absoluta; torna-se completamente desconectado de todo o passado, da mãe, do
pai — de tudo!
Há um outro dizer que também é muito misterioso. Parece bem violento, vindo
de Jesus. Ele estava falando a uma multidão e alguém lhe disse: “Jesus, sua
mãe está esperando lá fora. A multidão é tão grande que ela não conseguiu
entrar. Ela quer vê-lo!”

Jesus disse: “Ninguém é minha mãe! Diga àquela mulher que ninguém é minha
mãe” — parece tão rude, muito severo. Mas Jesus não pode ser rude nem
severo. Contudo, algumas vezes, a verdade o é. E Jesus não pode mentir, ele
está certo, “Ninguém é minha mãe.”

Uma vez aconteceu o seguinte: Jesus era uma pequena criança e seus pais
foram ao grande templo judeu para o festival anual. Jesus perdeu-se na multidão;
então, seus pais o procuraram e procuraram e somente à noite — quando já
estavam muito perturbados e preocupados — eles o encontraram. Jesus estava
sentado com alguns intelectuais, conversando sobre o Desconhecido. Então seu
pai lhe disse: “Jesus, o que você está fazendo aqui? Estivemos o dia todo
preocupados com você.”

Jesus lhes disse: “Não se preocupem comigo. Eu estava a serviço do meu Pai.”

O pai falou: “Eu sou seu pai, e que tipo de serviço há por aqui se eu sou um
carpinteiro?”

Jesus disse: “Meu pai está lá em cima no Céu. Você não é o meu Pai.”

Exatamente como a criança deve deixar o corpo da mãe, senão morrerá no


útero, também mentalmente um dia terá de sair do útero de seu pai e de sua
mãe. Não apenas fisicamente, mentalmente também; não apenas mentalmente,
espiritualmente também. E quando uma criança nasce espiritualmente, desliga-
se completamente do passado, rompe com ele completamente. Somente então,
pela primeira vez, ela se torna um “eu”, uma realidade independente, sustentada
pelos seus próprios pés. Ela é! Antes disso, era apenas parte de sua mãe, parte
de seu pai ou da família — mas nunca ela mesma.

Desde o começo, os pais tentam não dar liberdade. E o amor só nasce na


liberdade porque é um fenômeno espontâneo. Você não pode fazer nada sobre
isso. Se fizer, destruirá toda possibilidade. Eles tentam: “Ame-nos!” — e a criança
tem de ceder, é indefesa. Apenas para existir, ela começa a barganhar. Quando
uma criança diz: “Sim, eu a amo, mamãe”, “Não, não amo ninguém mais como
a você”, isto é uma barganha. Quando diz: “Eu o amo, papai, não há ninguém
como você. Você é o único, o maior, o melhor pai do mundo”, está apenas sendo
política, tornou-se parte de um jogo de enganações.

Mas, então, as fontes já se envenenaram. Desde sua origem, a criança não está
consciente de que o amor é um fenômeno espontâneo. Você tem de estar livre,
esperando, orando para que ele venha. Você não pode fazer nada sobre ele. Ele
é um acontecimento. E, desse modo, tal acontecimento nunca ocorrerá em sua
vida. A criança continuará manipulando, tentando controlar, será sempre
artificial.

Você já observou que toda vez que está apaixonado, divide-se em dois? Uma
parte fica manipulando... E no fundo sempre sabe que está manipulando: o
homem tenta explorar a mulher e a mulher tenta explorar o homem. E uma vez
casados, isto é, uma vez que o amor tornou-se um vínculo — toda a falsidade
vai desaparecendo pouco a pouco. E, então, a pessoa real, autêntica, vem à
tona, e há conflito. Todo o amor desaparece — pois, para começar, ele nem
existia. Senão, como poderia desaparecer?

O amor é o que há de mais eterno no mundo. A terra pode desaparecer, as


estrelas podem desaparecer, o mundo todo pode desaparecer — mas o amor
não! O amor é o mais divino fenômeno, o mais eterno. Como pode desaparecer
tão cedo? A lua de mel nem terminou e o amor já desapareceu. Em primeiro
lugar, ele nunca esteve presente. Na verdade, o que ocorreu é que você estava
apenas tentando enganar o outro e a si mesmo. Por quanto tempo você pode
enganar? E se você enganar por muito tempo, isto se tornará um fardo tão
pesado que será impossível suportar. Não se pode ser um ator vinte e quatro
horas por dia. Por alguns minutos, está bem — na praia, nas montanhas, tudo
bem, pode-se ser romântico artificialmente.

Por alguns minutos, tudo bem. É gostoso, é um jogo — mas durante o dia todo?
Se você for artificial vinte e quatro horas por dia, isto desenvolverá em sua mente
uma grande tensão e criará muita ansiedade pois você se sentirá confinado,
preso! E quando você se sente encarcerado, na prisão, fica achando que a culpa
é do outro. E então se vinga, reage: tudo o que a esposa diz, o marido fica
zangado; tudo o que o marido diz, a esposa fica zangada. Então o silêncio torna-
se precioso, quanto mais calado você ficar, melhor. Mas isto ocorre porque
desde o começo a verdade não estava lá.

Mulla Nasrudin estava apaixonado por uma mulher. Ela era muito alta e morava
quase uma milha depois do terminal do ônibus. Nasrudin costumava levá-la a pé
para casa, todas as noites. Um dia, após alguns minutos de caminhada, Nasrudin
lhe disse: “Dê-me um beijo.” Mas ela era tão alta que Nasrudin precisava de um
banco ou algo assim. Ele olhou em volta e viu uma ferraria abandonada. Lá
encontraram uma bigorna, na qual ele subiu e, assim, pôde beijá-la. Eles
continuaram a caminhada. Após andar meia milha, Nasrudin lhe disse: “Mais um,
querida!”

A mulher respondeu “Não”! Já lhe dei um e é o suficiente por esta noite.”

Então Nasrudin falou: “Então, por que serve esta ferramenta estúpida?” — ele
estava carregando a bigorna.
Se você carregar um fardo, mais cedo ou mais tarde perguntará: “Para que
serve?” Se o seu amor é apenas um meio para conseguir algo mais e não um
fim em si mesmo, então ele pode ser um jogo, mas não se transformará numa
existência realmente significativa. Então, você estará apenas jogando.

Nasrudin deu um anel de casamento a essa mulher, um anel de diamante. Ela o


olhou e disse: “Maravilhoso! Pena que o diamante tenha um defeito!”

Nasrudin disse: “Docinho, você nunca ouviu falar que o amor é cego?”

A mulher disse: “Sim, ouvi, e eu sei que o amor é cego, mas não completamente
cego.”

A esperteza! A mente manipulando! Você pode até brincar que está cego, mas
como pode estar realmente cego? Você pode jogar, mas o jogo não se torna
vida. E, no fundo, você não se relaciona com ele — então começa a odiar.

O amor só pode ser espontâneo. Não há outro jeito, você não pode ser treinado
para ele. Pelo treinamento, você nunca o encontrará. É preciso apenas esperar,
esperar em prece. A liberdade deve ser permitida à criança para que, algum dia,
o amor possa surgir. Mas para isso é necessário uma mãe e um pai muito
corajosos.

É por isso que eu sempre digo que ser mãe é uma das coisas mais difíceis do
mundo. Qualquer uma pode dar à luz uma criança, mas muito poucas estão
qualificadas para ser mãe. São raras porque ser mãe significa dar liberdade e
amor à criança de tal modo que o amor espontâneo surja.

A criança deve apaixonar-se pela mãe, mas não pode ser forçada. Isto pode
acontecer — isto pode não acontecer. Eis por que é um ato de coragem; pode
ser que não ocorra. Ninguém sabe! Não se pode predizer, não é mecânico. Se
acontecer, será maravilhoso para a mãe; de outro modo, a mãe deve continuar
rezando para que isto ocorra com alguma outra mulher — mas não pode forçar.
Se forçar, a criança aprenderá um truque, e então continuará usando esse truque
para sempre — com esta ou aquela mulher, com este ou com aquele homem.
Toda sua vida se tornará um truque. Ela não será real, tornar-se-á artificial.

Quando o amor se torna artificial, o dinheiro torna-se importante. Isto tem de ser
compreendido. Por que o dinheiro se torna importante quando o amor é artificial?
Porque o amor lhe dá uma segurança interna. Quando a pessoa ama, sente-se
absolutamente segura, nenhuma outra segurança é necessária. Quando você
está amando, sente-se totalmente seguro — nenhuma outra segurança é
necessária — o amor é suficiente, nada mais é necessário. Você pode ser um
mendigo pelas ruas, mas se estiver apaixonado, nenhum imperador poderá
competir com a sua segurança; mesmo Salomão será um homem pobre diante
de você. Quando está amando, você é o mais rico. Nada é comparável à riqueza
do amor. Você pode não ter nada, mas tem tudo. Um simples momento de amor
preenche toda a sua vida. Quando você está amando, não teme a morte, porque
já conhece uma morte — a morte por amor. E ela é tão maravilhosa, tão
melodiosa, uma tal bênção, que você pode aceitar até a morte real, a morte do
corpo. Você pode aceitá-la! Então, não há mais medo, pois você já se uniu a
uma mulher ou a um homem e foi tão belo — que beleza será então quando você
se unir a toda uma existência!

A morte é uma fusão. Se você conhece o amor, nenhum medo da morte existe.
Mas se não conhece o amor, o medo torna-se o centro da sua vida. Como
proteger-se? Você faz castelos, abre contas no banco; estas são as suas
proteções contra a morte. E quando se teme a morte, teme-se a vida porque a
vida é sempre perigosa.

Para viver, você tem de andar por caminhos desconhecidos. Há perigo: a cada
esquina, a morte pode estar esperando. Um homem que teme a morte se
encolhe gradualmente e fica com medo da vida também. Não pode voar num
avião, viajar de trem, pois existem acidentes. Não pode ficar amigo de um
estranho, pois quem sabe?... Não pode se apaixonar por uma mulher, pois quem
garante que ela não irá enganá-lo? Ele não acredita em nada. Se o amor não
acontece, você nunca se sente confiante. É sempre cético, tem dúvidas. E como
pode um relacionamento crescer quando se tem dúvidas?

Se o amor nunca lhe aconteceu, você não poderá alcançar UM Mestre. Mesmo
que um Buda venha à sua cidade, você não se encontrará com ele. Não irá lá,
pois essas pessoas são perigosas. Podem hipnotizá-lo e desviá-lo. Podem
perturbar seu mundo rotineiro onde você está ganhando, acumulando e
tornando-se cada vez mais bem-sucedido; sua fábrica está crescendo, sua conta
bancária aumentando e tudo está indo tão bem! Por que perturbar-se com um
elemento estranho? Então, você não permitirá nenhum elemento de fora. Viverá
em sua prisão, alojado, seguro.

Quando você conhece o amor, não teme a morte. E somente quando você não
teme a morte torna-se capaz de viver! De outro modo, como poderá viver? Você
terá medo até de respirar. Afinal, existem germes.

Conheço um poeta. É um grande poeta, mas sempre me pergunto como é que


ele pode ser um grande poeta — ele não pode ser nem um homem. Ele deve
conhecer truques de linguagem, deve ser um gramático. Provavelmente, faz
truques com as palavras. Mas não pode ser um grande poeta, porque a poesia
vem da vida — ele é um medroso. Uma vez, ele viajou comigo. Sua mulher me
disse: “Não o leve com você, ele lhe criará problemas” — e os problemas
realmente começaram, pois ele não tomava nem o chá do hotel.

Ele dizia: “Quem sabe? Alguém pode ter colocado veneno.”


Então eu dizia: “Quem estaria contra um poeta? Quem iria envenená-lo?
Ninguém se aborrece com você!” Mas ele não tomava o chá.

Ele dizia: “Trarei um fogão e prepararei o chá.” Ele não comia a comida do hotel
porque, quem sabe? Ele tinha medo de tudo. Como tal homem podia viver? Era
como se a sua única meta fosse não morrer.

Mas a vida traz a morte, a morte é o único ápice, o cume. Se você não quiser
morrer, não viva — é o único jeito, pois se viver estará se dirigindo para a morte.
A vida traz a morte! Então, o caminho lógico é não viver. Quanto menos viver,
menor será a possibilidade de morrer. Se você não viver completamente, se
cometer suicídio, não morrerá outra vez. Não havendo vida, não pode haver
morte. Assim, tais homens tornam-se homens mortos. Você encontrará tais
cadáveres movendo-se no mercado, nas universidades; trabalhando, fazendo
coisas — mas são apenas cadáveres.

A vida necessita de expansão. O medo não a permite. Então, a segurança torna-


se tudo — como estar seguro? Como não morrer passa a ser toda a arte da vida?
E eu lhe digo, toda a arte da vida está em saber como morrer alegremente, como
permitir a morte — porque se estiver pronto para morrer também estará para
viver. Se você estiver pronto para morrer, estará pronto para amar. Se você
estiver pronto para morrer, estará pronto para encontrar o Divino. Não há outro
caminho; a morte é a porta.

O que eu quero dizer com isto? “Você” não deve existir, tem de se dissolver, de
se perder. O que significa a segurança? O que quer que aconteça, você tem de
existir, você tem de persistir em seu ego. Eis por que o dinheiro é tão significante;
ele o ajuda a não viver. Um homem pobre tem de viver, um rico não.

Ouvi contar a respeito de um homem rico que só andava carregado; mesmo da


varanda ao quarto tinha de ser carregado numa padiola. Um dia, ele teve de ir a
uma outra cidade, a um hotel onde nunca tinha estado antes. Ao entrar,
carregado na padiola, o gerente pensou que ele fosse paralítico ou algo assim.
E, então, perguntou à sua mulher: “O que aconteceu?” Ele sentira-se penalizado.
“Seu marido parece tão bem; ele é paralítico? Há algum problema em suas
pernas?”

A esposa respondeu: “Não! Suas pernas estão ótimas. Mas ele não precisa
andar — é um homem rico.”

Um homem rico não precisa viver, ele tem recursos para isto! O pobre tem de
viver, tem de ir para as ruas, mover-se no perigo, nas multidões, não pode se
permitir não viver. Eis por que um rico, pouco a pouco, fica encarcerado em sua
riqueza, isolado. Mora só, não pode permitir nem sua esposa em seu quarto. Ele
dá explicações para isto: “Não somos pobres; por que deveríamos morar em um
quarto? Somos ricos, podemos ter quartos separados” — mas, na verdade, o
que ocorre não é bem isso.

Hitler nunca permitiu que ninguém morasse em seu quarto porque tinha medo.
Quem sabe? A esposa poderia ser uma espiã. Ele nunca se casou. Casou-se
apenas pouco antes de se suicidar — três horas antes, pois então já não havia
medo. Quando a morte era certa, ele se casou, não antes — pois uma esposa é
algo perigoso. Quem sabe? Ela poderia estar associada a algum poder
estrangeiro ou ser uma comunista e matá-lo durante a noite.

Ele amou muitas mulheres, mas nunca permitiu que nenhuma morasse com ele,
que passasse a noite em seu quarto. Somente três horas antes de morrer,
quando decidiu que já não havia escapatória — a morte era certa, o inimigo
bombardeava Berlim — chamou um padre. O padre foi acordado de seu sono no
meio da noite e trazido imediatamente para a câmara subterrânea onde Hitler
estava. Ele lhe disse: “Agora, realize a cerimônia do casamento!” E quando a
cerimônia terminou, o casal foi para o quarto dele. Tomaram veneno e morreram.

Que tipo de homem é esse? Você o encontrará por toda a parte. Onde há medo,
ninguém pode ser um amigo. Todos são inimigos e você tem de se proteger. Um
rico pode proteger-se mais; eis por que há tanta ênfase em torno do dinheiro,
tanta loucura! Você não pode sequer compreender o que está acontecendo. Por
que tal neurose por causa do dinheiro?

Mulla Nasrudin estava morrendo. Abriu seus olhos e olhou sua esposa. Ela disse:
“Estamos aqui, Mulla. Vá para o Divino silenciosamente, na paz e em prece.
Estamos todos aqui.”

Mulla Nasrudin olhou para eles — seus olhos estavam opacos, era difícil ver,
estava quase morto. Ele perguntou: “Onde está Rehman?” — o filho mais velho.

Sua mulher disse: “Está aqui, do seu lado direito.” Então ele perguntou: “Onde
está Rahim?” — um outro filho. Ela respondeu: “Está aqui, aos seus pés.” “E
onde está Abdul e Farid?” perguntou ele. Estavam todos lá, e sua esposa disse:
“Descanse, estamos todos aqui.”

Nasrudin imediatamente se aborreceu e disse: “Então, quem está tomando conta


da loja? Se estão todos aqui, quem está cuidando da loja?” Ele estava em seu
leito de morte. Apenas um momento mais e ele morreu.

Não, nem a vida nem a morte são significativas — a loja: quem está cuidando
dela? Mesmo no último instante o templo não existe na mente — apenas a loja,
o mercado, o dinheiro.

Por que o dinheiro é tão importante? É a sua proteção contra o amor, contra a
vida e a morte, contra Deus. Por isso Mahavir e Buda renunciaram a ele. A
renúncia foi apenas para demonstrar que todo esse jogo é contra a vida, o amor,
Deus. Eles simplesmente renunciaram! Não por causa do dinheiro, mas porque
compreenderam que através dessa proteção eles estavam se matando, que isso
era veneno. Então, simplesmente fugiram de seus palácios.

Uma vida nova começa quando se compreende que dinheiro é neurose. A


segurança — a ânsia de segurança e salvação — demonstra que você já está
morto, que a vida o deixou. Esforços contínuos para a segurança significam que
você ainda não foi capaz de amar; senão, o amor teria sido segurança suficiente
— não haveria necessidade de outra. Um momento de amor é uma eternidade.
O medo da morte não existe — um amante pode morrer facilmente,
amorosamente. Ele conheceu a vida, está grato. Se o amor aconteceu, mesmo
por um só momento, ele conheceu a glória, a bênção, teve todas as alegrias. Ele
pode agradecer a Deus por esse único momento que lhe foi dado — o qual ele
não merecia.

Quem merece? Ninguém. Você já pensou no fato de que está vivo? E você
merece isso? Como conseguiu? Você viu flores, árvores, pássaros voando e o
sol surgindo tantas manhãs, viu tantas noites e estrelas. Como conseguiu
merecer estar vivo? É simplesmente uma graça. Você não merece. Não fez nada
por isso. É uma graça de Deus.

Mas quando alguém conhece apenas um momento de amor, toda esta vida não
é nada. Então, todos os pássaros que você já viu, todas as canções que você
ouviu, todos os músicos do mundo — não são nada! Todo esse verde das
árvores não é nada. Não há música nas estrelas, o sol não é radiante. Quando
você conhece um momento de amor todo o mundo torna-se opaco, sombrio. É
apenas um reflexo, não uma coisa real.

Se por um único instante você conhece o amor, estará grato por toda a
eternidade, cantando cantigas de gratidão ao Divino. Então, não haverá morte
— o amor não conhece a morte; conhece apenas a vida. Você conhece apenas
a morte. O amor, você não o levou em conta; de alguma maneira não penetrou
nele, não fez caso dele, e então o dinheiro tornou-se significante. O dinheiro é o
símbolo de um homem morto, é o amor de um morto.

Olhe para um avarento. Quando ele pega suas notas, elas não são apenas
dinheiro. Eu vi um pão-duro — quanto romantismo em seus olhos ao olhar para
suas notas! Nunca um amante olhou tão amorosamente sua amada. Ele as
sentia, as tocava, e seus olhos! A radiação que vinha de seus olhos, a poesia
que tomava conta de todo seu ser! Ficava completamente transformado... Não,
Majnu não era tão feliz ao olhar para Laila. Não, Shiri não ficava tão feliz ao olhar
Farihad.

Esse homem era meu parente; por isso, tive muitas chances de vê-lo e
compreendê-lo: ele era um perfeito homem de dinheiro, um Buda nesse
caminho! Nunca se casou. Dizia sempre: “É tão caro que não posso me permitir.
Algum dia me casarei.” Ele morreu e nunca se casou; permaneceu solteiro. Ele
racionalizava sobre isso dizendo: “Isto é brahmacharya. É celibato. Nas
escrituras, nos Vedas, a vida de um celibatário é a mais alta.” Mas ele era
simplesmente um avarento, sovina até com seu sêmen. Este era o seu celibato,
ele não era um brahmachari.

Noventa e nove por cento dos celibatários que se encontram por aí são apenas
sovinas com seu sêmen. Têm medo que ele saia; se o sêmen sair de seus
corpos, suas contas bancárias cairão. Sua brahmacharya é um tipo de
constipação. Eles cheiram mal! Nenhuma fragrância vem deles. Eles são
mesquinhos mas racionalizam. Vivem sempre pela razão, nunca através do
coração — pois o coração é uma coisa perigosa.

A razão sempre agarra as coisas e o coração sempre quer dar. O coração é um


doador, nunca é avarento; assim, um avaro nunca pode acreditar nele. Pouco a
pouco, ele mata seu coração; torna-se apenas cabeça. Não tem sentimentos —
sentir é perigoso. Ele não sente, torna-se insensível. Não permite nenhuma
sensibilidade em seu ser. Quando um mendigo vem e lhe pergunta se você tem
sentimentos, é difícil dizer não. Mas se você tiver apenas cabeça, racionalizará
e dirá: “Não acredito em esmolas: é ruim para a economia, não é bom para a
cultura — e você me parece perfeitamente saudável. Vá trabalhar!” Você
racionalizará, mas também saberá que estas razões são superficiais. No fundo,
você não quer dar — eis a base. Mas você não pode aceitar o fato de que não
gosta de dar.

Você vive nas razões, nas palavras, nos raciocínios, e esconde o fato básico,
esconde que está matando seus sentimentos. Se você estiver no caminho do
dinheiro — e quase todos estão mais ou menos nele — então olhe para o
fenômeno completo, olhe o que está lhe acontecendo: você está se matando.
Você não pode impedir a vida de se movimentar, a vida chegará na morte. Você
não pode evitar isto, não está no seu controle. Terá de ir como veio, irá. Antes
que ela o deixe, a única coisa que você conseguirá fazer é criar ansiedade.

Se você aceitar o fluxo e o refluxo da vida, o nascimento e a morte, se você


aceitar, não precisará criar nenhuma ansiedade. Poderá amar. Quando estiver
morrendo, ame! E permita que o amor aconteça. Não tente estar seguro, não
tema a morte; ela virá. Dê à vida uma chance de florescer. Se ela realmente
florescer, a morte será a culminação, não o fim. Será o clímax, o auge. O pico
mais alto, o Everest, não o fim!

E no momento da morte, um homem que viveu corretamente através do amor —


e este é o único meio correto para se viver — sentirá na morte o mais
maravilhoso êxtase. Morrerá com uma canção em seu coração. Morrerá com o
êxtase palpitando por todo o corpo. Irá encontrar-se com o Divino Amado.
Aprendeu como amar e como dar. Então, no momento da morte, também poderá
dar.
Dará todo o seu ser de volta à natureza: o corpo, o ar para o ar, o fogo para o
fogo, a terra para a terra, o céu para o céu. Ele dará — ele é um doador — e o
ser irá para a fonte, para Brahma. Ele não se prenderá. Se você se prender no
momento da morte, tudo será horrível. Você não poderá se soltar se tiver sido
um apegado durante toda a vida. Se você esteve se prendendo, se apegando e
se agarrando, sempre amedrontado e temeroso, nunca permitindo o amor,
então, no momento da morte, perderá o pico mais elevado que é possível, que
foi possível. Estes são os dois caminhos: um é o certo; o outro, o errado.

Agora, tentaremos entrar nesta estória. Você será capaz de compreendê-la —


mas compreenda-a através do coração:

“O Mestre Seistsu precisava de acomodações maiores, uma vez que o prédio no


qual ensinava estava superlotado.” — Ele devia estar nas mesmas condições
em que estou.

“Umezu, um comerciante...” ele ainda não veio a mim — “Umezu, um


comerciante, decidiu doar quinhentas peças de ouro para a construção de novo
edifício”. — Quinhentas peças de ouro é dinheiro mesmo.

“Umezu levou o dinheiro ao Instrutor e Seistsu disse: “Está bem, eu aceito” —


Mas isto não é jeito de se comportar!

Umezu deve ter sido um avarento; de outro modo, como poderia ter acumulado
tanto dinheiro? E quinhentas peças de ouro não era tudo o que ele havia
acumulado, devia ser uma pequena parte, um centésimo de sua fortuna. Mas
por que ele deu dinheiro ao Mestre se era avarento? Parece contraditório. Se ele
era um avarento, um homem de dinheiro, não deveria ter dado. Mas eu sei a
razão, isto também faz parte do medo, isto também é feito para criar segurança,
segurança no outro mundo.

Ele devia estar próximo da morte, devia ser um ho em velho. As pessoas de


dinheiro são sempre velhas — nunca são jovens porque a morte está sempre
por perto e elas estão tremendo. Ele devia estar sentindo que a morte estava
próxima; então, resolveu fazer arranjos para o outro mundo também. Ele devia
ter milhares de peças de ouro... deu apenas quinhentas. Foi apenas para se
salvar: “Dê ao Mestre. As pessoas dizem que ele é Iluminado. Dê quinhentas
peças a esse homem; ele cuidará do outro mundo; poderá até lhe dar um
certificado. As pessoas dizem que ele está em boas relações com Deus; seu
nome está nos bons livros. De algum modo ele o ajudará.”

Isto é tatear no escuro. Um homem que perdeu esta vida fica pensando na outra.
Lembre-se; somente as pessoas que perderam esta vida pensam assim. E se
esta for perdida, a outra também será, pois “você” permanecerá o mesmo.
Mesmo que seja forçado a entrar no paraíso, fará dele um inferno porque levará
consigo seus hábitos, o mecanismo da sua mente, seu trabalho — levará todo o
seu passado. Fará o seu próprio inferno!

Você pode estar no paraíso? Não vejo como. Você não pode estar. Onde quer
que vá, arrasta consigo seu inferno. Ele é parte de você. É por isso que aqueles
que conhecem dizem que o inferno e o paraíso não estão fora, estão dentro de
você, são qualidades do seu ser. Nesta terra, pessoas viveram no paraíso, e
nesta terra você está no inferno. Lembre-se bem, onde quer que você vá,
improvisará, estabelecerá seu próprio inferno. Assim que chegar, criará seu
inferno. Você não poderá fazer nada novo. A mente é velha, move-se num
círculo, segundo um padrão.

Umezu deve ter sido um avarento, mas como a morte estava se aproximando,
ele teve de pensar no outro mundo também. Este ele o havia perdido, mas o
outro não poderia ser perdido. Algo devia ser feito, mas isto também devia ser
feito através do dinheiro. Olhe para a mente: ele pensou que com dinheiro
compraria a vida; agora, pensa que pode comprar Deus. Pensou que com
dinheiro compraria amor. Agora, pensa que pode comprar o paraíso. Mas sua
mente continua focada na neurose do dinheiro. Ele ainda está louco, o dinheiro
ainda é o meio. Tudo que ele faz é sempre com dinheiro.

Eis porque o Mestre comportou-se dessa maneira. Ele disse: “Está certo, eu
aceito”, como se não fosse nada. Este é o significado: como se quinhentas peças
de ouro não fossem nada — apenas poeira.

O Mestre disse: “Está certo, eu aceito”, como se estivesse recebendo um fardo,


como se ele estivesse servindo Umezu. Lembre-se sempre de que, se der
dinheiro a um Mestre, este será o tratamento. É muito fácil entender esta estória.
Entretanto, ela torna-se difícil quando o tratamento é dado a você.

Há apenas alguns dias atrás, alguém telefonou para cá. Ele costumava dar
algum dinheiro para o Ashram e disse: “Agora, não darei mais porque acho que
não há nenhuma gratidão por isso. Nem sequer me permitem uma entrevista
especial com o Bhagwan. Por isso, não darei mais” — ele está aqui. Deveria
tentar entender bem esta estória, pois é mais fácil entender uma estória quando
não se é parte dela. É mais fácil! Quando você faz parte dela, torna-se muito
difícil. Se esse homem trouxesse quinhentas peças de ouro para mim, eu lhe
diria: “Está bem, eu aceito.”

“Umezu deu-lhe o saco de ouro, mas ficou aborrecido com a atitude do professor,
pois dera uma quantia alta — uma pessoa poderia viver um ano inteiro com três
peças de ouro — e o Instrutor nem sequer lhe agradecera.”

Olhe para a mente, para a mente neurótica por dinheiro. O que ela está dizendo?
Está dizendo: “Olhe para o saco de ouro que estou lhe dando — um homem
pode viver um ano inteiro com apenas três dessas peças.” Ele pensa que a vida
vem do dinheiro. Ele pode ser necessário, mas ninguém pode viver através dele.
Ele é necessário, mas não é o suficiente. Se houver apenas dinheiro e nada
mais, quanto mais cedo você morrer, melhor. Pois estará vivo
desnecessariamente, estará apenas passando os dias — isto não é vida.

Contam que Jesus falou: “Nem só de pão vive o homem.” Ele sabe que o pão é
necessário. Ninguém pode viver sem ele. Mas há uma dimensão mais alta de
vida onde ninguém pode viver apenas de pão. Se houver apenas pão, suicide-
se! Pois comer o mesmo pão muitas vezes é inútil!

Mas o homem que vive pelo dinheiro pensa: “Pode-se viver o ano todo com
apenas três peças e aqui estão quinhentas — com elas, um homem pode viver
para sempre! A vida eterna é possível através de 500 peças de ouro. E que tipo
de homem é esse? — nem sequer me agradeceu.”

Ele ficou muito aborrecido. Quando você dá algo com uma condição, fica sempre
insatisfeito se ela não pode ser preenchida.

Quando dá sem condições, sente um íntimo contentamento, não tem nenhuma


razão para ficar descontente. Quando você dá e se alegra com isto, quando o
seu dar é um fim em si mesmo... este homem teria dançado porque o Mestre
aceitou — isto teria sido o suficiente! Ele teria agradecido ao Mestre: “Preocupei-
me por não saber se você iria aceitá-lo ou não. Pois conheço-o bem, isto é
apenas pó para você e você aceitou. Você é tão bom. Sua compaixão é tão
profunda!” Ele deveria ter dançado e agradecido. Deveria ter ficado
profundamente feliz. Mas não, isto não foi possível, pois isto não era um fim em
si mesmo, era apenas um meio. Ele queria que o Mestre ficasse agradecido a
ele.

Se este homem se encontrasse com Deus, lhe daria dinheiro e esperaria pelo
agradecimento. O que você pode dar a Deus que lhe deu Tudo? E um Mestre
nada mais é que um representante do Divino, tem a mesma qualidade. Eis por
que chamamos Mahavir de “Bhagwan”, porque chamamos Buda de Bhagwan —
por causa da mesma qualidade. O que você pode Lhe dar? Tudo lhe vem através
Dele. No máximo, você está dando algo de volta, no máximo. Deveria ser grato
por ter sido aceito.

Mas um homem louco por dinheiro não pode compreender isso. Ele quer que o
Mestre fique agradecido por ele ter dado dinheiro. Isto é tanto! Para ele isto foi
tanto! De acordo com a sua compreensão, era uma grande quantia de dinheiro
— 500 peças de ouro; um homem poderia viver um ano com apenas três delas
— a mente pensa em termos relativos. Não conhece nada do Absoluto. Conhece
apenas a relatividade. Sua mente é assim!

Eu ouvi dizer que Mulla Nasrudin morreu e foi imediatamente, ou melhor, foi
enviado imediatamente para o inferno. Lá encontrou Satanás que o esperava há
longo tempo — ele estava sendo esperado lá há muito tempo. Satanás recebeu-
o, deu-lhe as boas-vindas e Mulla Nasrudin lhe disse: “Menino, como estou feliz
por estar aqui no Céu!”

O demônio disse: “Nasrudin, você está enganado. Aqui não é o céu!”

Nasrudin respondeu: “Isto pode ser o seu jeito de encarar. Eu venho da Índia —
e para mim isto parece o Céu.”

A mente é relativa — 500 peças de ouro! Ele estava dando sua própria vida. Seu
coração estava ali no saco de ouro. Aquelas peças não eram de ouro, eram do
seu coração. Ele havia vendido e barganhado sua vida por esse ouro. Morreu
por esse saco de ouro — e agora nem sequer um obrigado. Era demais. O
Mestre não estava agindo corretamente e ele ficou insatisfeito.

Se você pensar a respeito de qualquer Mestre, sempre chegará à conclusão de


que ele não agiu corretamente. Lembre-se disto: se você pensar — eu repito —
sempre chegará à conclusão de que ele não agiu corretamente. Se você olhar
— sem pensar — então saberá que ele sempre esteve certo.

Ele pensou, calculou. Estava tão claro para ele: eram 500 peças de ouro — toda
sua vida estava naquele saco. E esse homem dizia apenas: “Está bem, eu
aceito.”

“‘Neste saco há quinhentas peças de ouro’, insinuou Umezu.” Ele pensou:


“Talvez ele não tenha compreendido. Talvez esteja em meditação ou alguma
coisa assim. Como pode ser possível receber 500 peças de ouro e dizer apenas:
‘Está bem, eu aceito.’ Ele está fora de si.” Então ele insinuou:

“Neste saco há quinhentas peças de ouro.” “Você já havia dito isto antes”, disse
o Mestre. “É desnecessário ficar repetindo, eu já ouvi!”

Isto foi pior ainda, nenhum agradecimento veio do homem, nem se tocou com a
insinuação — parece até que se zangou um pouco porque falou: “Você já me
disse isto antes. Não precisa repetir.”

“Até mesmo para mim que sou um rico comerciante, 500 peças de ouro é muito
dinheiro.” Disse Umezu.

Este é o problema da mente. Ele disse: “Até mesmo para mim que sou um rico
comerciante” — tenho muito dinheiro comigo, mas mesmo assim — “500 peças
de ouro é uma grande quantia”. Para você, então — que é apenas um mendigo
— deve ser equivalente ao mundo todo. Até para mim isto é muito dinheiro e
você o trata como se não fosse nada. É um insulto.

Um homem que está focado no dinheiro, não pode compreender um homem de


amor. O homem de amor sempre lhe parece um mendigo, um louco, alguém do
outro mundo — você não o compreende. Ele age de um modo maluco. Por mais
que você venere Mahavir e Buda, se algum dia os encontrasse em algum lugar
pensaria que são loucos. Mesmo que não o dissesse — pois seria muito rude —
pensaria que Buda estava desperdiçando sua vida sentado debaixo de uma
árvore. Ele poderia ter ganho muito dinheiro — disseram isso a Buda inúmeras
vezes.

Buda deixou seu reinado e foi para outro apenas para se livrar de seus parentes,
de sua família pois, do contrário, eles o perturbariam, ficariam vindo sempre para
tentar persuadi-lo a voltar. Entretanto, ao chegar no outro reinado, percebeu que
esse tipo de pessoas está por toda parte — não se pode escapar delas. Havia
um rumor de que um príncipe havia deixado um dos reinados vizinhos e estava
lá. Então, até o rei desse reinado veio e lhe disse: “Meu filho, você é jovem e não
conhece os caminhos do mundo. É imaturo — Eu tenho experiência e lhe digo,
através dela: volte para casa. Isto é tolice! Nesta idade tais idéias tolas tomam
conta da mente. Você tem de resistir. Nesta idade, quando se é jovem, tende-se
a ser idealista. Mais tarde, porém, a experiência lhe mostrará que isto está
errado. Não seja um “hippie”, volte!”

Buda ouviu e disse: “Você pode estar certo no que diz respeito à sua experiência,
mas eu já vivi muitas vidas neste mundo e não há nada para se obter. Agora
basta. Foi através da experiência que eu parti, não através de idealismos
românticos da juventude.”

O velho não ouviu. Ele disse: “Se você não quer voltar, eu compreendo — deve
haver algum problema. Talvez você não se sinta bem com seu pai ou com a sua
família; talvez tenha ocorrido algo errado. Então, não volte; venha comigo. Eu
tenho uma filha maravilhosa; case-se com ela e este reinado será seu.”

Buda disse: “Sou casado e deixei uma mulher muito bonita. É impossível
encontrar outra como ela. Mas até mesmo essa bela mulher não pode me dar o
Supremo — e é isto que procuro.”

O velho rei foi embora dizendo: “Você está louco, incuravelmente louco.”

Isto ocorria onde quer que ele fosse. Ele era jovem e muito bonito, nunca havia
andado pelas ruas. Quando ele se foi, qualquer um podia reconhecer que ele era
um príncipe e não um mendigo — assim todos o aconselhavam a voltar.

A mente vive através de suas próprias idéias, pensa através de suas próprias
idéias. Você não pode colocar a mente de lado e olhar. Esse velho que foi a
Buda perdeu uma oportunidade. Talvez ela não ocorra novamente em milhões
de vidas. E ele ficou ensinando o maior Professor, ficou tentando ensinar-lhe
algo, quis que Buda aprendesse algo com ele. E ele mesmo não havia ganho
nada, não havia atingido coisa alguma.

Umezu disse: “Neste saco estão 500 peças de ouro... Até mesmo para mim que
sou um rico comerciante, 500 peças de ouro é muito dinheiro, quanto mais para
você que é apenas um mendigo.” — Isto não foi dito, mas estava implícito. “Você
deveria saber o que significa isto que estou fazendo. Uma doação tão grande e
você diz simplesmente: “Está bem, eu aceito”.

“Você quer que eu lhe agradeça por isso?” perguntou o Mestre — porque os
Mestres nunca respondem o que você lhes pergunta. Respondem o que você
quis dizer com a sua pergunta. Nunca respondem suas perguntas, porque elas
são irrelevantes. Eles sempre respondem ao que está oculto por trás delas — ao
que você está insinuando.

Você não está interessado em provar que o ouro é significativo, nem que 500
peças é uma grande soma — isto são apenas racionalizações. Você está
insinuando algo mais. O mestre percebeu-o imediatamente e disse: “Você quer
que eu lhe agradeça por isso?” Acertou em cheio.

“Deveria”, disse Umezu. Ele não disse: eu esperava ou eu gostaria, mas sim:
“deveria”.

Esse homem não era um doador, ele nunca foi um doador. Mesmo quando
estava dando, não estava dando. Mesmo quando fez a doação estava
barganhando. Ele disse: “Você deveria. Eu fiz uma coisa tão grande e agora é
seu dever me agradecer, não que eu esteja desejando ou pedindo isso. É seu
dever.”

“Por que eu deveria?” disse Seistsu. “Quem dá é que deve ficar grato.”

Isto é algo impossível para uma mente compreender, para uma mente orientada
pelo dinheiro: quem dá é que deve ficar grato. Este é o pico no caminho do amor.

Aqueles que amam sabem que dar é maravilhoso, que traz felicidade, sabem
que quanto mais você dá mais tem, que quanto mais amor você dá, mais amor
tem dentro de si, que quanto mais o reparte, mais ele cresce — é uma fonte
eterna. Quando você descobre que quanto mais dá mais tem, já aprendeu a
aritmética básica da espiritualidade. Então nunca mais segurará, estará sempre
procurando alguém para dar, alguém para compartilhar com você, porque isto o
rejuvenesce; o velho se vai e o novo nasce. A consequência é sempre esta.

Você é como um poço que apodreceu porque não deu nada a ninguém. Nunca
compartilhou sua água e ela apodreceu. — Dê! Deixe as pessoas virem beber
em você; então fontes frescas sempre estarão à sua disposição. No momento
em que a velha água for removida, água fresca virá. Seu poço unir-se-á ao
oceano infinito — profundamente. Seu poço é apenas uma porta para o oceano.
O doador, aquele que compartilha — percebe — então sente-se agradecido.
Quando alguém pega algo de você, algo novo vem ao seu ser, ele é renovado.
Quanto mais você dá, mais jovem se faz. Quem dá permanece sempre jovem.
Quem não dá é sempre velho, morto, estragado.
O Mestre disse: “Quem dá é que deve ficar grato.” Você deveria estar grato a
mim por eu ter aceitado — por ter aceitado algo como o dinheiro. Deveria estar
grato pois o dinheiro não significa nada para mim. Ele pode ser necessário no
mundo, e um Mestre também tem de viver no mundo. Ele pode ser o meio de
troca neste mundo louco, e um Mestre tem de viver neste mundo louco — mas
não é nada. É apenas um meio inventado e reconhecido por todos para que as
coisas possam ser trocadas.

A sociedade pode viver sem dinheiro; por milhares de anos foi assim. E mais
cedo ou mais tarde virá o dia em que ela viverá sem dinheiro novamente, porque
o dinheiro é muito extenuante, desnecessário e inútil. Por causa da pobreza que
o mundo tem vivido até agora é que o dinheiro tem de ser usado; mas quando
houver mais abundância... A América será a primeira a abandoná-lo. Onde
houver dinheiro suficiente, não haverá necessidade de carregá-lo. Carregá-lo
para quê? Será uma tolice, uma canseira. Logo a terra não precisará mais disso.
Os Mestres sempre souberam que o dinheiro é apenas uma invenção do
mercado, mas o Mestre tem que viver com vocês.

Se você for a um hospício, é melhor fingir que é louco também, senão ficará em
dificuldade. Se tentar provar que é são, os loucos o matarão. Eles o fizeram com
Jesus, com Sócrates, com Mansor. Eles eram pessoas inocentes. Tentaram
viver num hospício como eram — sãos. Eram inocentes e não sabiam que a
regra de um hospício é: mesmo que você não esteja louco, finja sê-lo. Pois nele
a loucura é a moeda prevalecente, a moeda corrente. Não se exclua num
hospício, senão os loucos se juntarão e o matarão. Se proclamar que não é
louco, isto significará que está chamando os outros de loucos — e isto não pode
ser tolerado.

Um Iluminado tem de viver neste mundo com você. Tem de usar suas técnicas,
seus truques.

Certa vez, no Japão, descobriu-se que um Iluminado era sempre pego —


algumas vezes roubando, outras fazendo algum outro ato criminoso, coisas
pequenas; ele roubava apenas pequenas quantias de dinheiro. E ele era
Iluminado! Foi preso vinte e seis vezes durante sua vida. Na última vez que saiu
da prisão estava com 78 anos. Aqueles que o conheciam, que eram seus
discípulos, uma vez, ao ser ele preso, lhe disseram: “Não faça mais tal coisa!
Afinal, por que insiste tanto nisso?”

Ele disse: “Então, quem irá para a cadeia e tentará fazer daqueles pássaros
aprisionados meditadores? Quem chegará lá? Eu tenho de roubar; é o único
meio de atingir essas pessoas. Não é nada para mim. Eu tenho ajudado; há uma
doença real lá, sou necessário. E esta é a única maneira de chegar lá; de outro
modo não me permitirão. Este é o único meio que eles aceitam.” — Um Iluminado
tem de viver com vocês, com os pássaros aprisionados.
Mas se você estiver pronto para entender a neurose do dinheiro e o êxtase do
amor, então será capaz de compreender que quem dá é que deve ficar grato. Dê
e seja grato! Pois o outro poderia recusar. Esta possibilidade não existia para
esse avarento. Ele não podia conceber a idéia de alguém recusar 500 peças de
ouro. Ele não sabe que o Mestre poderia ter recusado, poderia ter atirado o saco
para fora do templo e dito: “Não traga esse lixo aqui.”

Aconteceu uma vez que um homem veio trazendo 500 peças de ouro também
— esses avarentos também têm sua matemática, 500 parece ser o máximo, o
limite, não podem ultrapassar — ele veio a Ramakrishna, que era bem mais
perigoso. Ramakrishna não disse apenas: “Está certo, eu aceito.” Ele agiu mais
rudemente. Disse: “Está bem; vá ao Ganges e atire tudo lá.” O homem não pôde
fazer nada, porque era Ramakrishna que estava falando — ele ficou com medo.
Era impossível para ele ir ao Ganges e jogar 500 peças de ouro, mesmo que isto
tivesse sido dito por Ramakrishna. Ele hesitou. O Mestre lhe disse: “Por que está
hesitando? Você não me deu o dinheiro? Então ele é meu! Vá ao Ganges e atire-
o lá pois eu não preciso de dinheiro agora e o Ganges precisa.”

Então o homem foi, vagarosamente, é claro, e não retornou! Uma hora, duas
horas se passaram. Então, Ramakrishna enviou alguns discípulos para ver o que
havia acontecido com o homem. Teria ele se afogado para salvar o dinheiro? —
Os avarentos estão sempre fazendo isso. Os discípulos foram ver o que ele
estava fazendo: havia uma multidão, o homem havia feito disso um grande show.
Estava contando!... Cento e um, cento e dois, cento e três... atirando as moedas
— uma a uma, no Ganges, e havia muita gente lá.

Então os discípulos retornaram dizendo: “Aquele homem é um perfeito


exibicionista! Juntou uma multidão e está atirando uma moeda de cada vez,
contando-as, fazendo tudo bem lentamente.”

Ramakrishna foi até lá, esbofeteou-o e lhe disse: “Quando se acumula, é


necessário contar, mas quando se renúncia... que você está fazendo? Quando
se tem de jogar fora, pode-se jogar o saco todo!” Mas as pessoas renunciam e
ainda contam — na verdade, não renunciaram.

Quem dá é que deve ficar grato. Dê e agradeça. Se puder seguir esta regra, o
velho pote cairá e a água fluirá. Todo o maya desaparecerá. Nem água — nem
lua. Então você poderá olhar o céu e ver a lua real. Ela está sempre lá, mas você
está preso no reflexo.

O amor é a lua real, o dinheiro é o reflexo.


NONO DISCURSO

Um Filósofo Interroga Buda

Um filósofo veio a Buda um dia


e lhe perguntou:
“Sem palavras e sem ficar mudo,
você me contará a Verdade?”

Buda permaneceu em silêncio.

O filósofo inclinou-se.
e agradeceu a Buda, dizendo:
“Pela sua ternura,
livrei-me das ilusões
e entrei no Caminho da Verdade.”

Depois que o filósofo saiu,


Ananda perguntou a Buda
o que ele havia atingido.

Buda respondeu:
“Um bom cavalo corre
mesmo à sombra do chicote.”

Um filósofo veio a Buda um dia e lhe perguntou: “Sem palavras e sem ficar mudo,
você me contará a Verdade?”

É muito raro um filósofo vir a Buda. É quase impossível. Mas, quando acontece,
isto pode tornar-se uma revolução, pode tornar-se uma transformação para o
filósofo. Por que é tão impossível para um filósofo vir a Buda? Porque a religião
e a filosofia são realmente antagônicas, suas abordagens são totalmente
opostas, diametralmente opostas.

A filosofia crê no pensamento e a religião crê na confiança. Um pensador duvida


facilmente, mas não pode confiar tão facilmente assim. Para ser um filósofo é
preciso ter uma mente que duvide, uma mente cética. Para ser um religioso é
preciso ter uma confiança profunda, sem nenhum ceticismo, sem nenhuma
dúvida. O filósofo vive através da lógica, o religioso vive através do amor e não
há como fazer a lógica e o amor se encontrarem. Não é possível; eles nunca se
encontram. Seus caminhos nunca se cruzam. Podem correr paralelos — como
os trilhos do trem — mas nunca se encontram. Podem estar muito próximos, mas
sempre correm paralelamente. Quando você pensa que eles se encontram em
algum ponto, isto é uma ilusão.

Fique em pé no meio de dois trilhos de trem e veja-os correrem paralelos: você


terá a impressão de que, num horizonte bem distante, eles se encontram — eles
nunca se encontram, isto é apenas uma ilusão. Vá a esse ponto e verá como
eles continuam paralelos. Duas linhas paralelas nunca se encontram. O coração
e a cabeça são linhas paralelas, nunca se encontram. Você poderá pular de uma
linha para a outra, isto é possível. Pode pular da cabeça para o coração, mas
não há continuidade, é um pulo.

Quando você acredita muito na cabeça — isto significa que acredita na dúvida
— tal pulo é impossível. Houve grandes filósofos: eles pensaram e pensaram,
ponderaram e contemplaram, criaram grandes sistemas, milagres com palavras,
mas nunca estiveram mais próximos da Verdade do que qualquer ignorante. Na
verdade, um ignorante pode estar até mais próximo porque, pelo menos, não é
egoísta; pelo menos, ouve os outros. Se um Buda vier à cidade, o ignorante
poderá ir vê-lo porque sabe que não sabe nada; a humildade existe. Um filósofo
não poderá ir, pois ele já sabe. Eis o problema: sem saber nada ele pensa que
já sabe.

Isto acontece comigo todos os dias. Se um filósofo ou um psiquiatra vem — ou


algum outro homem que tenha estudado filosofia, psicologia ou religião em
alguma universidade — é dificílimo, quase impossível, me comunicar com ele.
Pode-se discutir, mas não há um encontro — o movimento é paralelo. Pode
parecer próximo, pois as mesmas palavras são usadas, mas só o é na aparência.

E por que é tão difícil para a lógica amar? Porque o amor requer um ato de
coragem e tal ato é mover-se no desconhecido. A lógica é sempre uma covarde.
Nunca se move no desconhecido. Ela diz: “Primeiro, devo conhecer o território e
só quando ele for bem conhecido me moverei.”

Na lógica não há aventura. E o amor é uma aventura total. Algumas vezes,


parece até tolo. Para a mente lógica, o amor sempre parece tolo porque ele
pensa: “O que você está fazendo? Movendo-se no desconhecido sem saber
aonde vai dar? O que é isso? Está deixando o seu são e seguro território para
tornar-se desnecessariamente desabrigado? Ora, não perca o que já tem.
Primeiro, certifique-se do que irá ganhar com isso.” Este é o problema. A lógica
diz: “Primeiro, conheça bem o próximo degrau para, somente então, deixar este
no qual você está.” Acontece que assim você jamais poderá deixar o degrau em
que está, pois o único jeito de conhecer o degrau seguinte é indo até ele.
Uma vez ouvi dizer que Mulla Nasrudin queria aprender a nadar. Ele foi ao
professor e este lhe disse: “Venha comigo, estou indo ao rio. Não é difícil e você
logo aprenderá. É simples, qualquer criança pode fazê-lo.”

Mas quando Nasrudin chegou perto da margem, acidentalmente escorregou.


Havia muita lama e, depois de cair, ele ficou com medo. Assim, correu até uma
árvore, bem longe da margem. O professor foi atrás dele e perguntou: “Por que
está fugindo? Aonde está indo?”

Nasrudin lhe disse: “Olhe! Primeiro, você me ensina a nadar. Depois eu vou até
lá perto outra vez. É muito perigoso. Se algo ocorrer de errado, quem se
responsabilizará? Assim, só irei para perto do rio quando tiver aprendido a
nadar.” Mas, existe algum jeito de aprender a nadar sem entrar na água? Deste
modo, Mulla Nasrudin nunca aprendeu a nadar. É muito perigoso. O passo é
muito insensato. Um homem sabido, um homem da lógica, não se arrisca assim.
A lógica torna-se o túmulo. Ela o torna mais e mais confinado porque a vida é
perigosa. Não há como escapar. Está sempre se movendo para o desconhecido.
O rio sempre vai para o mar. Eis como a vida se processa: sempre abandonando
o conhecido e rumando para o desconhecido. A vida é assim. Não se pode fazer
nada sobre isso. Se você tentasse seria como se o Ganges começasse a se
mover em direção ao Gangotri, pois esta é a parte conhecida, e não em direção
ao Ganga Sagar, não em direção ao oceano.

Na mitologia africana há um pássaro, cujo nome é “Woofle-woofle”. Ele é um dos


pássaros mais místicos de toda a mitologia mundial. Este pássaro tem apenas
uma peculiaridade: não está interessado para onde está indo e sim de onde está
vindo. Ele voa de trás para a frente. Nunca chega a lugar algum porque está
sempre interessado em saber de onde veio, interessa-se pelo passado. É como
se fosse velho e estivesse voltando para o útero materno. É impossível. Mas é
assim que a mente humana funciona.

Com a lógica, o movimento é em direção à fonte. Com o amor, o movimento é


em direção ao supremo florescimento. As dimensões são diferentes.

A lógica pergunta: “Quem criou o mundo?” Interessa-se pelo criador, pelo


passado, pela fonte original, pelo Gangotri de onde o Ganges flui. O amor nunca
pergunta isso. Ora, se o mundo já está aqui, por que se preocupar? Quem quer
que o tenha criado, A, B ou C, não faz nenhuma diferença. Se foi o deus Hindu,
Brahma ou a Trindade cristã, qual a diferença? O amor interessa-se pelo
florescimento supremo, pelo estado de Buda; interessa-se pelo que acontece a
ele, à sua semente, como ela florescerá. Note a diferença: a lógica interessa-se
pelo conhecido, pelo passado, pelo caminho que você já trilhou; o amor pelo
desconhecido, pelo florescimento supremo, pelo caminho não-viajado, nem
sequer imaginado ou sonhado.
Eis por que um filósofo raramente vem a um Buda. Movem-se em direções
diametralmente opostas. O filósofo para o passado e Buda para o futuro. O ponto
de partida pode ser o mesmo, mas não há ponto de encontro. Entretanto, quando
um filósofo vem a um Buda — isto raramente acontece, mas quando acontece,
uma transformação ocorre imediatamente.

Por quê? Porque se um filósofo vem, isto significa que, no fundo, compreendeu
o fracasso da filosofia. Se não, por que viria? Ele só vem quando já sentiu
profundamente o fracasso da lógica, quando já fez todo o esforço para conhecer
a Verdade através dela, argumentando contra e a favor, a favor e contra; quando
já argumentou tanto que chegou ao ponto de saber que tudo isso é fútil, que
nada pode ser conhecido através da lógica. Tal fracasso lhe dá a mais profunda
humildade possível neste mundo. Mesmo um homem ignorante não é tão
humilde, porque não passou por um fracasso tão profundo, não conheceu o
sofrimento do fracasso, não foi atirado do pico para o vale.

O filósofo pensava que estava no pico. De repente, percebeu que estava de pé


no vale, sonhando com o pico. Nunca houve um pico. Ele não se moveu um só
centímetro. A verdade permaneceu tão desconhecida como sempre. Toda sua
vida foi um desperdício. Quando alguém chega a sentir isso, de repente o ego
desaparece e a pessoa torna-se humilde. E, a menos que você seja humilde,
não poderá vir a um Buda. Só a humildade, profunda, pode trazê-lo a um Buda.
Só então você está pronto para aprender, pois sabe que não sabe nada.

Há dois tipos de ignorância: a ignorância comum — quando um homem é


ignorante mas não sabe disso; e o segundo tipo, bem mais profundo, quando um
filósofo torna-se consciente de que é ignorante. Quando ele compreende que é
ignorante, torna-se completamente consciente disso. Quando a ignorância toma
consciência de si mesma, transforma-se no primeiro passo para a sabedoria.

Assim, eis o primeiro ponto a ser entendido: “Um filósofo veio a Buda um dia e
perguntou...”

Havia muitos filósofos nos dias de Buda. Na realidade, nunca mais houve tal
florescimento do intelecto como o ocorrido naquele tempo. E não apenas na
Índia, mas em todo o mundo.

Buda estava aqui, Mahavir também. Em Bihar estavam: Prabhuddha Katyayan,


um grande lógico, Ajit Keshakambal, um grande filósofo, Makhali Goshal, um
raro intelecto, Sanjaya Vilethiputta e muitos outros. Atualmente, seus nomes não
são conhecidos porque não tiveram seguidores. Precisamente nesse período,
na Grécia, havia Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais criaram toda a mente
do Ocidente. Exatamente nesse tempo, na China, havia Confúcio, Lao Tzu,
Chuang Tzu, Mêncio. Parece que, nesse pico intelectual, a mente estava em seu
Everest no mundo inteiro.
Existem apenas três culturas: uma é a chinesa; a outra é a hindu e a terceira é
a grega. Há apenas estas três culturas na existência; todas as outras são
subprodutos. Todo o Ocidente originou-se da mente grega, em Atenas. Toda a
civilização chinesa, que é completamente diferente, emergiu da confrontação
entre Confúcio e Lao Tzu. Tudo que há de belo na Índia veio de Buda e Mahavir.
E estas pessoas existiram num único momento da história.

Os historiadores dizem que a história se movimenta como uma roda: há


momentos em que a inteligência está em seu pico, há momentos em que a
inteligência desce. Naquele tempo, a inteligência estava no seu pico. Havia
muitos filósofos, particularmente na Índia, o país todo era filosófico. As pessoas
viajavam de um canto ao outro em busca da Verdade. Havia milhões na busca!

Somente quando há milhões na busca é que é possível para alguns a


Iluminação, porque isto funciona como uma pirâmide. Uma pirâmide é muito
larga na base e, lentamente, afina-se até o pico. Um Buda existe apenas quando
há uma larga base de pessoas buscando a Verdade; de outro modo, ele não
pode existir, não tem como se sustentar de pé. Onde ele ficará em pé? É preciso
que haja milhões de pessoas buscando; elas tornam-se a base.

Naqueles dias criavam-se sistemas por todos os cantos. Eram tão complicados
e complexos que nunca houve nada comparado a eles. Historiadores de filosofia
e religião dizem que a Índia conhecia, naquele tempo, tudo o que se conhece
em filosofia: cada sombra e nuance do pensamento, cada via de abordagem. A
Índia descortinou todos os caminhos e possibilidades. Desde aquele tempo não
houve nada de novo em filosofia. E se você pensa que há algo de novo é porque
não está bem a par do que se passou pela Índia. Não houve nada de novo depois
de Buda, porque nesse período tudo foi explorado, quase toda a possibilidade
foi exaurida.

No Ocidente, muitas pessoas vêm a compreender um fato e pensam que estão


contribuindo com algo de novo. Parece novo porque não estão familiarizadas
com o fato, não sabem que já existia. Até agora, todo o tesouro ainda está
escondido em Pali, Prakrit e Sânscrito, que são línguas mortas, não usadas;
nelas estão todas as nuances do pensamento.

Quando Sigmund Freud, por exemplo, disse pela primeira vez: “Suspeito que a
mente consciente não seja a única parte da mente. Penso que no fundo da
consciência há uma camada subconsciente. E, além dela, suspeito que haja uma
camada inconsciente”, pensou-se que isso era algo revolucionário. Mas no
tempo de Buda elas já eram conhecidas; e não apenas estas. Buda fala de outras
camadas além dessas. Fala sobre sete camadas da mente. Essas três estão lá,
como Freud afirmou; entretanto, há mais quatro. Se ele está certo até a terceira,
há uma grande possibilidade de que acerte as outras também pois está no
caminho certo.
Jung sugeriu que, além do inconsciente, existe uma inconsciência coletiva; esta
é a quarta camada de Buda. Agora, toda a psicologia chegou à quarta camada.
Quatro foram sugeridas por Jung, mas ainda existem mais três. Mais cedo ou
mais tarde as descobriremos.

Nunca houve tanta apreciação pelo pensamento e pela lógica como naquele
tempo, e isto foi levado às últimas consequências. Buda fala sobre as sete
camadas da mente e Prabuddha Katyayan fala sobre 700 camadas.
Incompreensível! Mas muito lógico, sempre há a possibilidade de a mente ser
dividida em 700 camadas. Nada é impossível.

Neste contexto, um filósofo veio a Buda. Tente primeiro compreender a situação


de Buda. Ele não é um filósofo, aliás é o mais antimetafísico possível.

Realmente, não se pode encontrar alguém mais antifilosófico que Buda, pois ele
diz que todas as questões filosóficas são tolices. Há agora no Ocidente dois
pontos de vista: o de Bertrand Russel e o de Wittgenstein — a última descoberta
do Ocidente. Wittgenstein responde às perguntas e respostas filosóficas dizendo
que são tolices. E Bertrand Russel responde a elas dizendo sim ou não.

Buda nunca responde nada, pois se as perguntas são tolas, por que perder
tempo em responder?

Buda permanecia em silêncio. Assim, isto tornou-se uma rotina: quando Buda ia
a alguma cidade, seus bhikkhus iam na frente e informavam às pessoas: “Por
favor, não façam nenhuma destas onze questões.” Eles tinham uma lista com
onze questões, as quais continham toda a metafísica. Nada além dessas onze
questões era possível; elas abrangiam todos os questionamentos filosóficos.

Antes de Buda chegar à cidade, os bhikkhus iam e espalhavam que se tais


perguntas fossem feitas, Buda não as responderia. As pessoas que quisessem
saber algo além delas, que viessem, estavam convidadas. Mas como não havia
nada além dessas onze, o que fazer?

Buda não era um filósofo nem um cético.

Não acreditava em dúvidas; e não acreditava de tal maneira que nunca falava
sobre a confiança. Isto deve ser compreendido, porque a confiança é necessária
apenas se você tem dúvidas. Se não houver a dúvida, por que falar de
confiança? Qualquer conversa sobre fé mostra que a dúvida entrou. Ele nunca
disse “Creia!”, pois não é uma questão de crença ou dúvida. As pessoas têm de
ser. Esta não é uma questão filosófica, intelectual, porque tanto a fé como a
dúvida são intelectuais. De onde vem a dúvida? Da mente. De onde vem a
crença? Da mente.

Sua crença tem a mesma raiz. Está envenenada. Quem acredita? E quem
duvida? A mente. Você permanece o mesmo: você é o problema. Então, Buda
atinge a raiz dizendo: “Não é necessário duvidar, nem crer. Simplesmente venha
a mim e seja. Não vá nem para um extremo nem para o outro. Não assuma
posição alguma: esteja no meio simplesmente.” Eis por que seu caminho é
conhecido como o caminho do meio — Majjhim Nikaya: “nunca se dirija para os
extremos”. Esta é uma das descobertas mais originais sobre a mente humana e
seu funcionamento, porque a mente sempre gosta de se mover para os
extremos.

Você ama uma pessoa. Através do amor você eleva tal pessoa a um pedestal,
ela torna-se um deus. Quando o amor desaparece, você começa a odiá-la
imediatamente. Ninguém fica no meio, parte exatamente para o oposto. Assim,
a pessoa encolhe-se tanto sob o seu ódio que se torna o demônio. Há algum
meio de estar entre Deus e o demônio sem se mover para os extremos? Para a
mente, é muito simples correr de um lado para o outro. Não há problema, é o
que você tem feito. Duvida de uma pessoa, depois confia; confia e depois duvida.

Buda diz: “Permaneça no meio porque aí não há mente.” Ela existe apenas nos
extremos. No amor, no ódio, contra, a favor: a mente sempre está presente.
Somente no meio ela não pode existir. No meio, não há possibilidade de qualquer
pensamento porque o pensamento vem da dúvida ou da confiança, do amor ou
do ódio, da amizade. E você sabe que em cada amigo se esconde um inimigo e
em cada inimigo um amigo é possível.

O autor do livro O Príncipe, Maquiavel, uma das mentes mais astutas do mundo,
diz: “Não diga a um amigo o que você não diria a um inimigo porque um amigo
é um inimigo em potencial. E não diga nada contra um inimigo que você não diria
contra um amigo — porque, algum dia, isto lhe trará problemas. Se o inimigo
tornar-se amigo, você ficará embaraçado.”

Esta é a sugestão de um político aos príncipes, que também são políticos. Os


políticos permanecem alertas. Quanto mais experientes se tornam, mais difícil é
encontrar em suas palavras, em suas declarações, contra ou a favor de quem
estão falando. Suas palavras tornam-se cada vez mais evasivas, e de tal maneira
que se um amigo torna-se um inimigo, ou um inimigo torna-se um amigo, eles
não têm problemas. A política é como o clima: muda a cada dia, nunca se sabe.

Ouvi contar que dois políticos falavam sobre um terceiro companheiro de viagem.
Um disse: “Esse homem é tão desonesto, astuto e grosso como nunca vi em
minha vida. É o mais desonesto. Penso que você não o conhece tão bem quanto
eu.”

O outro respondeu: “Não, você está enganado. Eu também o conheço bem.”

O primeiro disse: “Como é possível que você o conheça melhor do que eu se


sou seu melhor amigo?” Apenas os amigos se conhecem bem. Ele estava
dizendo que o outro era o mais desonesto, o maior patife das redondezas e,
mesmo assim: “Como você pode conhecê-lo melhor do que eu se sou seu melhor
amigo?”

A amizade e a inimizade são as duas faces de uma mente. Pare no meio! Assim
como Buda fez e ajudou muitas pessoas a fazerem. Isto é exatamente como
andar numa corda. Já observou um equilibrista andando numa corda suspensa?
O que ele faz?

Uma das mais profundas verdades da vida está aí revelada. Quando ele sente
que cairá para a esquerda, move-se imediatamente para a direita. Pode não ser
visível para você, parecerá apenas que está se inclinando para a direita. Mas,
na verdade, quando se inclina para a direita, sabe que ia cair para a esquerda.
Moveu-se para o oposto para contrabalançar. Se vai cair para a direita, move-se
imediatamente para a esquerda. O oposto é escolhido para criar o equilíbrio.
Quando você ama muito alguém pela manhã, à noite terá de odiá-lo. Senão,
cairá da corda. É um malabarismo.

Se você ama muito uma pessoa, inclina-se demais para a esquerda; assim, você
cai. Para adquirir o equilíbrio você tem de inclinar-se para a direita. Os amantes
estão sempre brigando: é um tipo de oscilação, nada de mais, nada sério; é
natural. A menos que você desça da corda; isto é outra coisa. Isto é o que Buda
diz: “Não se incline nem para a direita nem para a esquerda.” E o que
acontecerá? Você cairá da corda. E tal corda é a mente, é o ego. Você tem de
equilibrá-lo constantemente. Parece tão paradoxal!

Quando você odeia o seu amado, sua esposa, seu amigo, você está, na
realidade, tentando restabelecer o equilíbrio de maneira que possa amar
novamente; senão, cairá fora de sua mente. E, sem ela, não há amor, nem ódio
— pelo menos não o ódio nem o amor que você conhece. Um tipo diferente de
compaixão nasce, o qual está além da dualidade. Mas nasce apenas quando
você cai da corda, desiste de tentar o equilíbrio nela. Quando você cai, seu ego
fica perdido e ele é um sutil balanço.

Um filósofo veio a Buda um dia e perguntou: “Sem as palavras e sem ficar mudo,
você me contará a Verdade?”

Ele está pedindo algo impossível. Mas, perto de um Buda, o impossível


acontece. Só perto de um Buda o impossível torna-se possível. E todas as leis,
as leis comuns são rompidas.

O que ele está pedindo? “Sem as palavras e sem ficar mudo você me contará a
Verdade?” Isto aconteceu muitas vezes. Já havia acontecido antes com Buda.
Um outro homem havia vindo, mas deve ter sido um homem totalmente,
qualitativamente diferente, pois Buda agiu de modo diferente.

Um Buda não tem respostas fixas. Não tem obsessões, pois não tem mente.
Quando uma pessoa vem, ele é como um espelho — reflete a pessoa. Um outro
homem veio e fez a mesma pergunta: “Senhor, pode me dizer algo sobre a
Verdade, sem usar as palavras?”

Buda disse: “Terá que me perguntar sem usá-las também. Pergunte e lhe direi.
Se não pode fazê-lo, como espera que eu possa? Vá, treine! Esteja pronto para
perguntar sem usá-las, então venha.”

Mas com esse filósofo Buda não reagiu assim. Este homem estava fazendo uma
pergunta diferente, porque era diferente. A pergunta carrega o significado da
pessoa. As palavras não têm significação na pergunta. Elas carregam você, sua
qualidade. Você poderá fazer a mesma questão, mas ela não significará a
mesma coisa. Se você for diferente, a pergunta também o será. A palavra
carrega o significado que você lhe dá. A palavra, em si mesma, nada significa.
Você pode consultar dicionários, vir a saber o significado dela; mas esta não será
uma significação real, viva. Será morta. Quando você usa a palavra, dá a ela um
significado real, vivo, que vem de você mesmo.

O que este homem perguntou? Uma pergunta muito sutil. Disse: “Sem as
palavras e sem ficar mudo, você me contará a Verdade?”

Sem as palavras, é fácil — pode-se permanecer sem falar. Mas também sem
ficar mudo, torna-se impossível porque se você permanecer quieto estará
usando o mutismo. E o homem pediu: “Não use as palavras, não fique mudo e
me conte a Verdade.” O silêncio não ajudará, nem as palavras tão pouco. A
linguagem não será de muita utilidade assim como ficar sem falar também não
o será. Então, o que Buda fará?

“Buda permaneceu em silêncio.” Mas este silêncio é diferente.

Há dois tipos de silêncio. Quando você fica mudo, há uma parada forçada. As
palavras continuam lá dentro de você, há barulho; o silêncio é apenas superficial.
Parecerá silencioso, mas não será. Este é um tipo de silêncio, o que você
conhece. Há um outro, onde se está silencioso na superfície, mas um silêncio
interior pode ser forçado também. Se você estiver em perigo, se alguém o
ameaçar de morte, você tornar-se-á silencioso por dentro, tal silêncio será sem
palavras. O primeiro tipo quando você está quieto por fora, mas cheio de
palavras por dentro, é o silêncio com palavras. O segundo é o silêncio sem
palavras, sem ruído por dentro, provocado por uma situação perigosa, um estado
de choque onde o barulho cessa.

Mas este ainda não é o silêncio de um Buda. O silêncio de Buda é de um outro


tipo que você não conhece. Não tem barulho e nem é mudo. Buda é silencioso,
não porque forçou suas palavras ao silêncio — não fez uma parada forçada. —
Ele é silencioso simplesmente porque não há outra coisa a fazer. Tal silêncio é
positivo, não é o oposto das palavras. Está no meio, não no extremo. Num
extremo estão as palavras; no outro, o mutismo. Este silêncio está exatamente
no meio, sem palavras e sem mutismo.

Ele é simplesmente silencioso — não está contra as palavras, nem contra o


barulho.

Se você estiver contra o ruído, o silêncio poderá ser perturbado muito facilmente.
Você conhece muitas pessoas que enquanto estão rezando ou meditando ficam
perturbadas se alguma criança ri ou brinca, se há algum barulho na rua, se
alguém toca uma buzina. Um silêncio forçado é facilmente perturbado. Mas
quando o silêncio é real, como o de Buda, então se uma criança começar a fazer
barulho, se um pássaro começar a cantar ou alguém buzinar, você não será
perturbado. O ruído virá e passará, como se você fosse um cômodo vazio: virá
por uma porta e sairá pela outra. Não haverá ninguém dentro que possa ficar
perturbado.

Mas se for um silêncio forçado, então, você, seu ego, estará lá. Escondido na
mente, forçando a mente, esforçando-se para ficar em silêncio. Este é um
silêncio tenso, constrangido. Pode ser facilmente perturbado, até mesmo por
uma criança. Então, que tipo de Buda você será? Não, este não será um estado
de Buda. Será apenas uma moeda falsa.

Lembre-se: enquanto você estiver meditando este será seu maior problema.
Geralmente, você está tagarelando, mas você pode mover-se para o lado oposto
facilmente; pode forçar a tagarelice a cessar. Isto acontece, por exemplo, com
uma criança quando está brincando, correndo, fazendo uma porção de tolices e
você a ameaça de castigo: “Sente-se naquele canto!” Como você é forte e a
criança indefesa, ela se senta no canto, parecendo um Buda. Mas, por dentro,
estará borbulhando, explodindo, esperando pela primeira oportunidade para
começar a correr novamente.

Olhe para uma criança quando obrigá-la a fazer algo: este será o segundo tipo
de silêncio. Ela não se moverá; se for forçada demais, nem mexerá o corpo.
Fechará seus olhos — mas o que estará fazendo? Forçando-se, lutando consigo
mesma, num esforço constante. Estará se segurando, sufocando seu próprio
peito. Não será capaz de respirar porque estará com medo; se respirar, o
movimento começará.

Eis porque as pessoas não respiram profundamente. Você perdeu a dimensão


da respiração quando foi forçado na infância. Todos respiram apenas com a
parte superior dos pulmões. A respiração não pode ser profunda porque você
tem medo.

Você tem sido forçado desde a sua infância. Olhe para uma criança dormindo.
Veja o que acontece: seu peito permanece imóvel, sua barriga é que se
movimenta. Sua respiração vai até o fundo. Sua barriga movimenta-se, seu peito
fica imóvel. Esta criança não é parte da sociedade, não é um cidadão, ainda é
selvagem. Você terá de treiná-la, terá de forçá-la. Quando você diz para uma
criança: “Não faça isso!”, como ela se controla?

A primeira coisa que faz é não respirar. Quando você reprime algo, inicia-se uma
respiração bem superficial. Supressão e respiração superficial são sinônimos.
Quando você se liberta da supressão, quando se expressa, a respiração é
profunda. A respiração é completa somente quando você dorme profundamente,
porque no sono você não pode suprimir, o ego está inconsciente.

Adormecido, você respira com a barriga, que é o jeito certo de respirar. Durante
a relação sexual, sua respiração também é profunda. Tem que ser porque todas
as supressões existem em torno do sexo e se você estiver no sexo, se o permitir,
todas as supressões serão jogadas fora. Então a respiração irá a fundo, irá para
a barriga; você respirará como uma criança novamente. Tornar-se-á selvagem,
natural outra vez, espontâneo.

Olhe para uma criança quando a estiver ameaçando. Olhe para os monges no
mosteiro! Você os tem ameaçado também. Com medo do inferno, afoitos pelo
céu, eles estão lá sentados — suprimidos. Seu silêncio é o do outro pólo, o do
outro extremo: eles estão mudos, forçaram as palavras a desaparecerem, mas
não estão além do segundo silêncio.

Buda permaneceu silencioso. Ele está na 3.ª dimensão. Não disse nada: as
palavras não eram permitidas. Nem sequer suprimiu as palavras, pois ficar mudo
não era permitido. Ele simplesmente permaneceu lá — nem pensando, nem
meditando, apenas lá: como uma árvore.

Após a morte de Buda, durante 500 anos, sua estátua não foi feita. Nesse tempo,
não havia nenhuma figura de Buda e, quando queriam representá-lo, as pessoas
desenhavam a árvore “Bodhi”. Era maravilhoso, porque ele era exatamente
como uma árvore. Você pode dizer que uma árvore está silenciosa? Não pode
porque ela nunca foi barulhenta. Então, como pode estar silenciosa? Pode-se
dizer que ela é meditativa? Como ela pode meditar? Nunca pensou; então, como
pode meditar? Deste modo, onde está esta árvore? Está na terceira dimensão,
onde não existe o tagarelar nem o não-tagarelar. Esta árvore está no meio,
exatamente no meio.

Você pode não ser um Buda mas esta árvore é uma árvore “Bodhi”. Se você
puder sentar-se sob uma árvore e ficar exatamente como a árvore, tornar-se-á
um Buda. E qualquer árvore pode tornar-se uma árvore “Bodhi”, todas elas o
são; o que se necessita é de Budas para descobrirem qual árvore é a “Bodhi”.
Sente-se sob uma árvore e se estiver no meio, ela se tornará uma árvore “Bodhi”.
Todas as árvores o são, só que alguém é necessário para revelar este fato,
porque as árvores não acreditam em propaganda — do contrário, elas
revelariam.
“Buda permaneceu em silêncio. O filósofo inclinou-se e agradeceu a Buda
dizendo: ‘Pela sua ternura, livrei-me das ilusões e entrei no Caminho da
Verdade.’”

Isto parece miraculoso, ou absurdo, pois Buda não disse nada e ele havia
compreendido. Eu tenho dito coisas e você não tem compreendido. Havia muitos
com quem Buda falava; falava e eles também não compreendiam. E este homem
compreendeu sem as palavras e sem o silêncio. O que aconteceu? Que tipo de
comunicação houve no momento em que Buda permaneceu silencioso?

Não houve transferência de conhecimento. É óbvio, pois não se pode transferir


conhecimento sem as palavras.

E nem tampouco fazê-lo sem o silêncio porque há dois tipos de conhecimento:


um, o comum, que pode ser transferido através das palavras. E outro, oculto,
que pode ser transferido através do silêncio oculto, telepático. Você não precisa
falar, mas ele pode ser transferido. Ambos não eram permitidos.

O filósofo disse: “Não use as palavras e não fique mudo. Estou farto dos dois.
Farto de todas as polaridades extremas. Já estive demais na lógica — disto para
aquilo. Vivi todas as suas possibilidades e agora basta, já foi o suficiente! Dê-me
simplesmente a Verdade sem palavras e sem ficar mudo.”

O que aconteceu? Que tipo de transferência? Que comunhão ocorreu naquele


momento? Num único momento aconteceu. E o filósofo inclinou-se, agradeceu
a Buda e disse: “Com sua ternura livrei-me das ilusões e entrei no Caminho da
Verdade.”

Quando um Buda está silencioso e você também está, o ser é transferido, não o
conhecimento. Não o que Buda conhece, mas o que Buda é. O ser é transferido.
Se você estiver silencioso, de repente, ele entra em você. E este homem, que
genuinamente perguntava pela Verdade e pedia para ele não usar as palavras,
nem o silêncio, que estava negando toda a dualidade, estava pronto. Buda
permaneceu silencioso. O filósofo olhou-o, o olhar estava lá. Ele estava atento,
deu-lhe sua total atenção. O que estava acontecendo?

Ele não estava pensando — havia parado com isso, já havia pensado o
suficiente! É por isso que eu digo: quando um filósofo vem, há uma
transformação. Ele já estava farto disso. Mas você ainda não está. Ainda tem
esperança de que algum dia, através do pensamento, chegue a uma conclusão
porque ainda não foi às últimas consequências. Se tivesse ido até o fim saberia
que o pensamento nunca leva a nenhuma conclusão, nunca é conclusivo.
Apenas lhe dá a sensação de que a porta se abrirá logo. Ela se abre, é claro,
mas apenas para um outro quarto.

Então, há uma outra porta que, por sua vez, também se abre para um outro
quarto. Você nunca escapa. A casa parece ser infinita, com milhões de quartos.
De um quarto, você passa para outro; do outro, para o outro; e ainda assim você
continua sempre esperançoso: “esta porta me conduzirá para fora” — mas ela o
conduz apenas para um outro quarto.

Se você tiver ido até o fim como este homem foi, poderá ouvir em silêncio. Ele
não estava esperando por respostas, porque ele sabia que elas não podem ser
dadas sem palavras e sem o silêncio. Todas as respostas são dadas de um jeito
ou de outro.

Buda permaneceu silencioso. O homem o olhou. Neste olhar, as duas


personalidades se dissolveram. Eles não eram dois. Neste momento, havia um:
dois corpos, dois corações pulsando, mas um ser. Todos os limites
transcendidos. Buda invadiu-o, entrou. Houve uma transferência de ser.

O homem experimentou o que Buda é, não o que ele sabe. Ele não sabe muito.
Você pode vencer Buda facilmente. Pode, facilmente, saber mais; atualmente há
mais conhecimento disponível. Esta não é a questão. Mas Buda tem mais ser.

Gurdjieff costumava fazer perguntas àqueles que o procuravam. A primeira delas


era se estavam em busca de conhecimento ou do ser. “Você quer saber mais ou
ser mais?” Estas são duas dimensões basicamente diferentes. E se alguém
dissesse: “Quero saber mais”, Gurdjieff dizia: “Esta porta está fechada. Não
estou aqui para revelar conhecimentos. Há muitos departamentos,
universidades, faculdades que estão dando conhecimentos. Vá lá. Quando
estiver cheio desses conhecimentos, venha e bata à porta. Se eu estiver vivo,
ela estará aberta, mas apenas àqueles que estão em busca do ser.”

Se você vier para saber, para onde isto o levará? Como isto poderá ajudá-lo?

Um homem pode saber tudo sobre a água, mas como irá saciar sua sede? É tão
tolo! Você pode saber que H2O é a base de toda a água. Se um homem estiver
morrendo de sede no deserto, e você escrever essa fórmula no papel, dizendo:
“Este é o segredo da água”, ele dirá: “Está bem, este é o segredo. Mas e a minha
sede?”

Um homem está morrendo por falta de amor e você o alimenta com


conhecimentos sobre o amor. Em que isto o ajudará? Há milhões de livros sobre
o amor, mas nem sequer um amante se satisfez com eles. De que adiantam? Se
um homem estiver morrendo, e você lhe falar sobre a imortalidade, isto não irá
fazê-lo melhor, não criará a imortalidade para ele.

O ser é necessário, alguém para partilhar o ser, não o conhecimento. O


conhecimento é em torno, o ser é o centro; o conhecimento está na periferia.
Você que veio a mim — veio para coletar mais conhecimentos? Então veio à
pessoa errada; está perdendo o seu tempo. Mas se estiver em busca do ser,
algo é possível.
Naquele momento, este milagre aconteceu. O mistério de Buda abriu-se. Ele
sempre se abre no silêncio, exatamente como uma flor desabrochando à meia-
noite; ninguém percebe. Abre-se no silêncio. Se houver alguém esperando
pacientemente, a flor poderá dar, dividir o seu ser. Buda entrou naquele
momento.

Ananda, o chefe dos discípulos de Buda, não pôde compreender o que estava
acontecendo porque estava em busca de conhecimento. De certo modo, ele era
necessário, mas não era um discípulo certo. É por causa dele que sabemos tudo
o que Buda disse. Ele coletou, era um gravador. Mas, hoje, os gravadores estão
disponíveis; assim, não preciso de nenhum Ananda. E isto é bom, pois algo que
pode ser feito por um invento mecânico não deveria ser feito por um homem,
porque fazendo isto ele se torna mecânico.

Ananda era capaz de repetir cada palavra de Buda dita no decorrer dos quarenta
anos. Tinha uma dessas memórias raras. Quando Buda morreu, repetiu todos
os quarenta anos, milhares de páginas: ele os gravou. Ele era necessário, mas
não era um seguidor real. Era um gravador, um bom gravador, mas no que diz
respeito a ele mesmo estava perdendo algo.

Se você estiver gravando o que estou dizendo, estará perdendo algo. Não seja
uma memória diante de mim. Não grave, compreenda! Enquanto estiver
envolvido na tentativa de gravar, não me compreenderá. Há muitas pessoas que
pensam: “Primeiro gravaremos e depois tentaremos entendê-lo.”

Tenho visto muitas pessoas que anotam coisas. Aqui estou eu falando e elas
anotando. Aqui, não me compreenderão e, em casa, olharão para suas
anotações e procurarão compreender. Há pessoas que vão para os Himalaias e
o que fazem? Apenas buscam um bom ângulo e tiram fotografias. Lá, os
Himalaias não existem; apenas a câmara. De volta à casa, olham o álbum com
prazer. Poderiam ter comprado fotos, não necessitariam ir. Fotógrafos
profissionais fazem isto, não há necessidade de elas irem. Elas não podem fazer
melhores fotos do que os profissionais; suas fotos serão amadoras. Mas,
sentados em casa, as verão com prazer. Não viram os Himalaias e trouxeram
apenas fotos de segunda mão.

Tente compreender o que estou dizendo! Tente ser! Não grave isto, não há
necessidade. Esqueça o que eu disser. Se você realmente compreender, isto o
seguirá como um perfume. Não há necessidade de carregar na memória, será
parte do seu ser.

Naquele momento, o filósofo compreendeu. Inclinou-se em profunda gratidão. E


o que disse? Suas palavras são muito significativas.
Disse: “Pela sua ternura...” e não “Pela sua sabedoria”. Não, ele não disse: “Você
sabe tanto, é todo o conhecimento. Sua sabedoria, seu conhecimento!” Não, este
não era o ponto. “Pela sua ternura...”, foi o que disse.

Buda diz que quando uma pessoa se ilumina, há dois elementos que florescem
nela, simultaneamente. Um é karuna — bondade, compaixão amorosa, ternura;
o outro é sabedoria — prajna. Estes dois elementos florescem. Se você for uma
pessoa em busca de conhecimento, ele lhe falará através de sua sabedoria, mas
isto é secundário. Se estiver em busca do ser, falará através de sua bondade,
através de seu karuna. A sabedoria pode não acertar no alvo, mas karuna nunca
se engana.

Quando este homem disse: “Sem palavras e sem ficar mudo você me contará a
Verdade?” Estava dizendo: “Não estou aqui para saber mais. Já fiz isso até
demais, coletei muito conhecimento, mas ele jamais me deu liberdade. Muito
pelo contrário, tornou-se uma prisão. Estou aqui agora para saber algo sobre o
ser. Para ser eu mesmo! Não quero experimentar as palavras. Quero entrar!”

Buda permaneceu silencioso e olhou com todo o seu ser para o homem, com
uma profusão de amor e bondade. Quando você olha para alguém, com profundo
amor, algo flui de você para a outra pessoa, exatamente como o rio flui para o
mar. Mas a outra pessoa precisa ser como um vale, somente então isto pode
ocorrer.

Justamente outro dia alguém me perguntou: “Vim vê-lo e você se senta numa
cadeira enquanto fico sentado no chão. Por quê? Por que não tem uma cadeira
para mim?”

Eu disse: “Isto é possível, mas não serei eu que perderei com isso. Você poderá
sentar-se numa cadeira até mais alta que a minha ou ir até o telhado e sentar-
se lá; não perderei nada. Você é que perderá, porque isto é muito simbólico.”

Você tem que ser um vale, somente então o rio pode fluir como a água flui em
direção ao vale. Tem que ser um vale, uma profunda humildade, uma
receptividade, um útero — de modo que possa receber.

Este homem permaneceu silencioso diante de Buda — humilde, pronto para


receber. E Buda olhou-o com profundo amor, um amor infinito fluiu para dentro
do homem... e ele pôde então experimentar! Ele viveu Buda por um momento.
Ele teve um vislumbre, como se por um único momento desaparecesse a
escuridão e houvesse luz. Por um único momento, quando Buda o tocou, houve
luz — tudo mudou.

Ele inclinou-se em profunda gratidão e disse: “Pela sua ternura, livrei-me das
ilusões...”
As ilusões não podem ser abandonadas através das teorias. A filosofia não
ajuda. As ilusões são bem reais, necessitam de algo mais real do que elas,
somente então desaparecem.

Se você estiver numa ilusão de sexo, nenhuma teoria ajudará. Somente o amor
fluindo em sua direção a dissipará, porque o amor é uma realidade mais alta que
o sexo. Se você estiver iludido com o mundo, só um Buda poderá dissipar isto.
Se ele fluir dentro de você, neste momento, não haverá mundo. Apenas Buda
existirá. Nem mesmo aquele que busca existirá neste momento. O homem disse:
“Livrei-me das ilusões e entrei no Caminho da Verdade.”

“Depois que o filósofo saiu, Ananda perguntou a Buda...”

Devia estar pasmado com o que estava acontecendo. Buda não havia dito nada.
Se tivesse, Ananda teria gravado. Se eu ficar calado, este gravador será inútil.
Se o gravador pudesse perguntar, perguntaria: “O que aconteceu?” pois grava
apenas o som visível, físico. O espiritual está completamente além dele.

Ananda ficou profundamente perplexo. “O que está acontecendo?” Ele deveria


estar ansioso pela resposta. Este homem levantou uma grande pergunta. “O que
Buda dirá?” E Buda não disse nada. Não apenas isso — Buda não dizer nada
não era novidade, acontecera muitas vezes — mas este homem inclinou-se
como se houvesse recebido algo e disse: “Entrei no caminho da Verdade.” Disse
também: “Pela sua ternura, livrei-me das ilusões...”

Ananda estava presente mas não percebeu nada. Como poderia compreender
o que aconteceu? Por que Ananda não percebeu? Não era humilde, este era
todo o seu problema. Era primo-irmão de Buda, o primo mais velho e isto criou
todo o problema. No fundo sempre acreditou ser mais velho que Buda —
conhecera-o desde a sua infância: “Ele pode ter se tornado mais sabido em
algumas coisas, pode estar um pouco na minha frente, mas sou seu primo mais
velho.” Isto permaneceu em seu inconsciente e criou a barreira. Era muito difícil
para ele.

Se Jesus nascesse em sua família, seria muito difícil para o pai, para a mãe,
irmãos e irmãs, para toda a família e mesmo para toda a cidade, reconhecê-lo.
Impossível! Como você pode acreditar que um milagre tenha acontecido em sua
família? Como pode acreditar que o milagre tenha ocorrido a essa pessoa e não
a você? Não! Isto é impossível. Você se conhece bem e aos outros também. Ou
este homem está enganado ou algo de pouca importância aconteceu a ele e
poderá acontecer-lhe também. Um pequeno esforço é necessário, sem maiores
problemas.

Isto permaneceu uma barreira para Ananda e ele continuou cego. Depois que o
filósofo saiu, ele perguntou o que o filósofo havia atingido: “Porque não vi nada
ser comunicado. Não vi nada acontecer e este homem diz que atingiu o
Caminho, que penetrou. O que aconteceu?”

Buda respondeu e a resposta foi maravilhosa: “Um bom cavalo corre mesmo à
sombra do chicote.”

Há três tipos de cavalo — e todos os três estão aqui. O primeiro tipo não se
move, a menos que seja espancado. Você bate nele e de alguma maneira ele
carrega a carga um pouco. Se parar de bater, ele parará de andar. Você deve
ficar em cima o tempo todo: batendo, chicoteando. Só assim há um pouco de
progresso. O segundo não precisa apanhar tanto. Ameace-o uma vez ou mostre
que irá espancá-lo e ele se moverá.

E há o terceiro tipo de cavalo, o melhor. Não é necessário nem levantar o chicote,


apenas a possibilidade, apenas sua sombra... e ele correrá. Este terceiro tipo de
cavalo consegue tornar-se iluminado, num simples momento.

Buda não fez nada. Nem chicoteou nem ameaçou este homem com o céu ou
com o inferno. Nem sequer disse algo; permaneceu em silêncio. E, nesse
silêncio, a sombra foi vista. Foi o suficiente.

Uma vez, aconteceu: três ministros de Akbar, o grande Moghul, fizeram algo
errado, um crime. Ele perguntou a um deles: “O que devo fazer? Que punição
devo lhe dar?” O homem disse: “Tê-lo perguntado foi o suficiente.” Foi para casa
e suicidou-se. O segundo foi para a cadeia por dois anos e o terceiro para a
forca.

Os outros ministros ficaram perplexos, pois o crime havia sido o mesmo: eles
haviam sido parceiros em um crime e todos os três confessaram. Eles disseram:
“Que tipo de justiça é essa? A um homem não se fala nada e deixa-se que vá
para casa; o outro fica preso por dois anos e o outro é enforcado?” Akbar disse:
“Eles são três diferentes tipos de cavalo. Para o primeiro, a sombra do chicote
foi o suficiente. Eu lhe perguntei que tipo de punição merecia e ele disse que isto
era o suficiente. Foi para casa e suicidou-se. Foi demais até! Já tinha sido
suficientemente punido.

O segundo foi para a cadeia por dois anos, pois menos que isso de nada
adiantaria. Agora ele está continuamente conscientizando-se do mal que fez.
Pensará que assim que sair da prisão fará algo de bom para se equilibrar. Não
se sente culpado; apenas se enganou e se recuperará mais tarde.

Para o terceiro homem nem mesmo a prisão-perpétua seria o suficiente, pois ele
não sentia absolutamente que um crime havia sido cometido. Muito pelo
contrário, pensava que havia sido preso porque não fora suficientemente
esperto, mas que aprenderia mais segredos, melhores truques — isto era tudo.
Não se sentia culpado. Nenhuma punição poderia ajudá-lo. Ele tinha de ser
removido da sociedade. O primeiro removeu a si mesmo, pois tinha sido demais
o que havia feito.”

Buda disse: “Um bom cavalo corre mesmo à sombra do chicote.”

Se você é compreensivo, a sombra é o suficiente. Não há necessidade de


inferno, pois isto se cria para o terceiro tipo de cavalo: aquele que não ouve. Se
você compreender, não haverá necessidade do céu, como gratificação, pois a
vida será o suficiente.

Se você puder sentir, começará a mudar através dos seus sentimentos. A


mutação acontecerá se você se tornar mais e mais sensível para com a vida. A
própria sensibilidade lhe dará consciência, o fará alerta. De outro modo, nem um
Buda poderá ajudá-lo.

Ouvi contar que Mulla Nasrudin foi até um banqueiro que estava saindo do
escritório e disse: “Que tal duas annas para uma xícara de café?”

Mulla estava com uma aparência tão comovedora e triste que o homem sentiu
pena e disse: “Aqui está uma rupia. Pegue-a e tome oito xícaras de café.” Mulla
se foi.

No dia seguinte, estava novamente em frente ao escritório e assim que o


banqueiro saiu, Mulla o esmurrou.

O homem perguntou: “Ei, o que está fazendo? E isto depois de ter-lhe dado uma
rupia ontem? Que tipo de gratidão é essa?”

Mulla disse: “Você e suas oito xícaras de café!” E o esmurrou novamente,


dizendo: “Elas me fizeram ficar acordado a noite inteira.”

Ninguém disse a ele: “Vá e tome oito xícaras de café de uma vez.”

Não beba nem mesmo um Buda em doses tão grandes, isto o manterá acordado
a noite toda — e você poderá esmurrá-lo no nariz! Seja compreensivo, sensível!
Mova-se em harmonia, de acordo com sua compreensão, com sua possibilidade
e capacidade. Olhe sempre para a sombra do chicote e mova-se de acordo com
ela. Esteja mais alerta, esteja cada vez mais alerta. Senão, mesmo a religião
poderá ser venenosa. Senão, você poderá cair no inferno por causa de um Buda.

Buda não é a certeza, não é a garantia — no final, a sua própria consciência...


Se você estiver atento, aos poucos perceberá que cada vez menos pensamentos
virão à sua cabeça.

O velho pote se quebrará. A água escorrerá. Não haverá mais o reflexo da lua.
E apenas quando não houver mais o reflexo você poderá olhar para o céu e ver
a lua real. Nem água, nem lua.
DÉCIMO DISCURSO

A Passagem de Ninakawa

Pouco antes de Ninakawa falecer,


o Mestre Zen Ikkyu visitou-o.
“Devo conduzi-lo adiante?”, perguntou Ikkyu.

Ninakawa respondeu:
“Vim só e partirei só.
No que você poderia me auxiliar?”

Ikkyu respondeu:
“Se você realmente pensa que veio e vai,
esta é a sua ilusão.
Deixe-me mostrar-lhe o caminho
no qual não há vir nem ir.”

Com estas palavras,


Ikkyu revelou o caminho tão claramente
que Ninakawa sorriu e expirou.

A morte é o auge, o pico mais alto que a vida pode atingir. No momento da morte,
muito é possível. Se você estiver se preparando, meditando e esperando, então,
no momento da morte, a Iluminação poderá ser facilmente atingida — porque a
morte e a Iluminação são similares. Um Mestre, um Iluminado, pode facilmente
fazê-lo iluminar-se no momento da morte. Mas, antes que tal aconteça, você tem
de estar pronto para morrer.

O que ocorre na morte? Repentinamente você está perdendo seu corpo e sua
mente. Repentinamente, sente que está saindo de si mesmo — de tudo o que
você acreditava ser. É doloroso porque você sente que será atirado no vazio,
que não estará em lugar algum! Isto porque esteve sempre identificado com o
corpo, com a mente e nunca conheceu o além, nunca soube quem é além do
corpo e da mente. Esteve tão obcecado pela periferia que se esqueceu por
completo do centro.
Na morte, você tem de encarar este fato: que o corpo está indo, não pode mais
ser retido. A mente o está deixando — você não está mais sob o controle dela.
O ego está se dissolvendo — você não pode dizer nem mesmo: “Eu”. Treme de
medo, na margem do vazio. Você não existirá mais.

Mas se você estiver preparando-se, meditando — preparar-se significa fazer


todos os esforços para usar a morte, para usar este abismo, este vazio — se
estiver pronto para dar o salto dentro dele ao invés de ser empurrado... isto fará
uma grande diferença.

Se você tiver de ser empurrado, rudemente — se não quiser ir e tiver de ser


forçado — isto será doloroso. Haverá muita angústia! E a angústia será tamanha
que no momento da morte você se tornará inconsciente. Então, você não
compreenderá. Mas se estiver pronto para pular, não haverá angústia — se
aceitar a morte e recebê-la bem, se não reclamar — pelo contrário, ficar feliz,
celebrando o momento que chegou no qual você poderá pular para fora desse
corpo que é uma limitação, que é um confinamento; no qual você poderá pular
para fora desse ego que tem lhe causado tanto sofrimento — se você puder dar
as boas-vindas à morte, então não será necessário tornar-se inconsciente. Se
puder tornar-se receptivo — o que Buda chama de tathata, aceitação, e não
apenas isso (porque a palavra aceitação não é muito boa; no fundo, guarda algo
de inaceitável) — se você puder acolhê-la bem, como uma celebração, como um
êxtase, uma bênção, então não haverá necessidade de tornar-se inconsciente.

Quando a morte é uma bênção, nesse momento você se torna perfeitamente


consciente. Lembre-se destas duas coisas: se rejeitar, se disser “não”, tornar-
se-á totalmente inconsciente, se aceitar, dizendo de todo o coração “sim”, tornar-
se-á perfeitamente consciente. O “sim” à morte o faz perfeitamente consciente,
o “não” o torna perfeitamente inconsciente — estas são as duas maneiras de
morrer.

Um Buda morre em total aceitação. Não há resistência, não há luta entre ele e a
morte. Ela é divina... mas você morre lutando.

Se um homem estiver se preparando, se aprontando, no momento da morte o


Mestre poderá ser um ajudante miraculoso. Apenas uma palavra no momento
certo e repentinamente a chama interior explodirá — e você se Iluminará porque
o momento é muito intenso e você está concentrado em um ponto.

Isto é o que está acontecendo nesta estória. Ikkyu é um dos grandes Mestres,
um Mestre muito raro, revolucionário, não conformista. Certa vez, ele estava num
templo. A noite estava fria demais e havia três Budas de madeira no templo.
Então ele queimou um deles para se aquecer. O sacerdote percebeu — ele
dormia, pois estava no meio de uma noite muito fria — ele percebeu que algo
estava acontecendo e foi verificar.
Um Buda estava sendo queimado! E Ikkyu sentado alegremente esquentando
suas mãos. O sacerdote ficou furioso e disse: “O que você está fazendo? Está
maluco? Pensei que fosse um monge budista, por isso permiti que ficasse no
templo. E agora você comete tal sacrilégio?”

Ikkyu olhou-o e disse: “O meu Buda interior estava sentindo frio. Assim, a
questão era: sacrificar o Buda vivo ao Buda de madeira ou sacrificar o de
madeira ao vivo? Eu me decidi pela vida!”

Mas o sacerdote estava tão louco de raiva que não pôde ouvir o que Ikkyu dizia.
Ele disse: “Você é um louco. Saia daqui! Você queimou um Buda.”

Então Ikkyu começou a cutucar o Buda queimado — havia apenas cinzas, a


estátua estava quase completamente perdida. E ele cutucando com um pau. O
sacerdote perguntou: “O que você está fazendo?”

Ele disse: “Tentando encontrar os ossos de Buda!”

O sacerdote riu e disse: “Ou você é tolo ou é um louco. Acho que é


completamente louco! Não vai encontrar ossos aí porque é apenas um Buda de
madeira.”

Ikkyu também riu e disse: “Ora, então traga os outros dois. A noite está muito fria
e ainda falta muito para o amanhecer.”

Este Ikkyu era mesmo muito raro. Foi posto imediatamente para fora do templo.
Pela manhã, ele estava sentado na calçada em frente ao templo — venerando
uma pedra, colocando flores nela e rezando. Então o sacerdote lhe disse: “Seu
tolo! Na noite passada desrespeitou Buda. E agora, o que está fazendo?
Cometeu um pecado. E agora, o que está fazendo com essa pedra? Ela não é
uma estátua!”

Ikkyu disse: “Quando quero orar, tudo é uma estátua. Naquela hora o meu Buda
interior estava com frio. Agora ele se sente repleto de prece.”

Esse homem, Ikkyu, tinha milhares de discípulos por todo o país e costumava
andar de um lado para o outro, auxiliando-os. Esta estória é sobre um de seus
discípulos, Ninakawa. Ele estava justamente na margem, quase Iluminado. Mas
isso não quer dizer nada — ele ainda podia voltar atrás. Você pode cair até do
último ponto. A menos que a Iluminação tenha acontecido, ela não aconteceu.
Até o último momento, quando falta apenas um passo para a Iluminação, você
pode voltar atrás. Este Ninakawa estava quase Iluminado, mas ainda ligado às
escrituras, porque a menos que você atinja a Verdade, é muito difícil livrar-se
das escrituras.

É difícil ver-se livre da prisão das palavras. Isto ocorre apenas quando se está
realmente Iluminado. Então você pode ver que as palavras são apenas palavras:
não têm nada, não são substanciais; são feitas do mesmo material que os
sonhos. São apenas fragmentos da mente, músicas da mente, nada mais. E o
significado? O significado é dado por nós, ele não existe; nenhuma palavra é
significativa, mas pode adquirir significado através de um acordo comum.

Então ela é apenas um fenômeno social, não tem nada a ver com a Verdade.
Mas as pessoas vivem por elas; se alguém diz algo contra Jesus e você é um
cristão, sente-se pronto para matar ou ser morto — é uma questão de vida ou
morte. Alguém diz algo contra Maomé e um maometano fica furioso. Apenas
uma palavra — “Maomé” é apenas uma palavra, “Jesus” é apenas uma palavra!
Mas as pessoas vivem ligadas nas palavras.

Eu ouvi contar que Mulla Nasrudin pegou um homem na rua e disse: “Estou
numa situação muito difícil: minha mulher passa fome e meus filhos estão
doentes. Você pode me ajudar um pouco?”

O homem olhou para Nasrudin e viu que sua aparência era realmente deplorável.
Disse: “Por que deveria ajudá-lo? — Mas gostaria de saber uma coisa: o que o
fez assim tão miserável? Como você se tornou tão miserável? O que lhe
aconteceu?”

Nasrudin disse: “É uma longa estória. Mas, para encurtar, há apenas um ano
atrás eu era um negociante como você e os mendigos costumavam me assediar
na rua. Tudo ia maravilhosamente bem. Então, aconteceu uma catástrofe...”

O homem tornou-se interessado: “O que aconteceu?” Mulla Nasrudin disse:


“Meu negócio estava indo muito bem e jorrava dinheiro. Eu era um trabalhador
muito empenhado, totalmente absorvido pelo meu trabalho. Tinha até uns
lembretes na minha mesa: ‘PENSE CONSTRUTIVAMENTE! AJA COM
DECISÃO!’ E o dinheiro jorrava. E então...” Mulla começou a tremer e disse:
“Então minha esposa queimou estes lembretes — ‘PENSE
CONSTRUTIVAMENTE’ e ‘AJA COM DECISÃO’ — e tudo dependia deles. Ela
os queimou. Foi a maior catástrofe e isso me deixou neste estado.”

Você já pensou se queimassem suas escrituras, o que lhe aconteceria? Se seus


lembretes fossem queimados, o que lhe aconteceria? Se as suas palavras
fossem queimadas, o que lhe aconteceria? Ficaria num estado deplorável. É por
isso que quando alguém fala algo contra a Bíblia você fica furioso. Não é porque
esteja falando mal da Bíblia. Mas porque está queimando o seu lembrete. Você
depende da palavra. E isto acontece porque você não conhece a Verdade. Se
conhecesse o que a Verdade é, jogaria fora todas as palavras, queimaria todos
os seus lembretes.

Mulla Nasrudin parece tolo — mas não é. É apenas um representante do ser


humano, o mais representativo, o normal. Ele é você, com todos os seus
absurdos — entretanto, mais convicto, naturalmente.
Este Ninakawa batalhou toda sua vida, meditando, assentando-se, usando
diversas técnicas, tentando tornar-se calmo, quieto e inativo sob todos os
aspectos, mas ainda estava nas garras das escrituras.

No dia da sua morte, Ikkyu visitou-o. Era o momento de empurrar esse homem
no abismo infinito. Ele poderia perder porque, se as escrituras estão presentes
na hora da morte, você acaba perdendo.

Você precisa estar totalmente vazio, só então pode encontrar a morte, porque
ela é o vazio. E só os similares podem se conhecer, só os iguais podem se
compreender. Se você tiver algo, mesmo uma simples palavra, perderá porque
então a mente estará presente e a morte não tem mente. A morte não tem
pensamentos. Ela é simplesmente um cair no vazio.

Assim Ikkyu veio empurrar esse discípulo no último momento. Ele perdera a vida
toda — não deveria perder esse último momento. E eu também lhe digo: se você
não conseguir durante toda a sua vida, então há apenas uma possibilidade,
apenas uma esperança — o momento da morte. Mas não há necessidade de
esperar por ela; ela pode ocorrer agora mesmo! Se não está acontecendo agora,
continue tentando. Mas prepare-se para morrer! Se você estiver pronto, então
será muito fácil, apenas uma pequena sacudidela e a mente cairá.

“Pouco antes de Ninakawa falecer, o Mestre Zen Ikkyu visitou-o.”

Os Mestres sempre estão visitando. Pode ser que não tenha acontecido
realmente — lembre-se disso — pode ser que não tenha acontecido de fato, é
possível que ninguém mais a não ser Ninakawa tenha visto o Mestre visitando-
o. E pode ser que tenha realmente acontecido — mas isto é irrelevante. Uma
coisa é certa; enquanto Ninakawa estava morrendo, no último momento, o
Mestre estava presente. Este diálogo ocorreu entre Ninakawa e Ikkyu. Pode ser
que muitos não tenham ouvido e nem sequer tenham visto Ikkyu. Ou que esta
não tenha sido uma visita física. Mas aconteceu, foi feito o que era necessário
fazer.

“Devo conduzi-lo adiante?”, perguntou Ikkyu.

“Ninakawa respondeu...”

Um homem de escrituras acha isso difícil, particularmente um budista, porque no


budismo o Guru não é aceito. Buda foi o maior Guru. Mas, no budismo, o Guru
não é aceito. Eles têm uma razão para isso; é porque a mente humana é muito
complexa e cria problemas em tudo. O Guru existe para libertá-lo, mas pode
tornar-se uma amarra. Os hindus têm ensinado que, sem o Guru, sem o Mestre,
não há libertação. E é verdade, absolutamente verdade, mas no tempo de Buda
isto tornou-se uma escravidão.
Sem o Guru, sem o Mestre, não há libertação. Então, as pessoas começaram a
tornar-se escravas dos Mestres, porque sem eles não há libertação. Veja só a
mente humana, que estupidez: o Mestre existe para libertá-lo e você torna-se
escravo dele porque só ele pode libertá-lo. Então, a única coisa que você pode
fazer é ser manejável — com isso muita escravidão foi criada. Ninguém nesta
terra criou tanta escravidão quanto os hindus. Não se encontra na história do
hinduísmo uma única revolução contra o sacerdote. Tudo estava estabelecido,
fixado e sistematizado de modo que se houvesse rebelião contra o sacerdote,
não haveria libertação — ele era o Guru, ele era o Mestre.

Os Intocáveis — os Sudras — existiram nas condições mais miseráveis. Eles


foram os maiores escravos e têm a mais longa história de escravidão, mas nunca
se revoltaram, isto não era possível. O Guru, o Mestre, o Brâmane — é a porta
para o divino. Você já perdeu esta vida e se rebelar-se perderá a outra também
— então permaneça um escravo!

Por isso Buda veio e disse que não havia necessidade de Guru, não porque o
Guru não seja necessário; ele disse que não havia necessidade de nenhum Guru
e o que ele quis dizer é que não há necessidade de tornar-se um escravo — mas
esse era o único modo de dizer isso.

Assim, Buda disse: “Seja uma luz para si mesmo. Não é necessário ninguém
para conduzi-lo, para guiá-lo. Você é suficiente em si mesmo.”

Esta é a maior possibilidade de liberdade, de libertação. Mas ela também pode


ser mal empregada por você, este é o problema. Você pensa: “Bem, se não é
necessário um Mestre, então para que ouvir o que Buda está dizendo! Por que
procurá-lo? Se você for totalmente independente, será o próprio Buda.” O que
aconteceu através do budismo? A escravidão desapareceu, mas um profundo
egoísmo surgiu. Mas estes são os dois extremos; num extremo, você se torna
egoísta — porque não tem Mestre nem Guru para seguir; no outro, torna-se um
escravo — porque sem o Guru não há libertação.

Você não pode ficar no meio? Não pode permanecer no meio sem ir para os
extremos? Se puder ficar no meio, a mente desaparecerá.

Ikkyu veio e disse: “Devo conduzi-lo adiante?”

Ikkyu fez a pergunta básica do budismo, porque sabia que se ele ainda estivesse
preso às escrituras, diria: “Não, quem pode conduzir alguém? Ninguém é um
Guru. Toda alma é absolutamente independente. Sou uma luz para mim
mesmo.” Se ele estivesse preso nas escrituras esta seria sua resposta, mas se
não estivesse, a resposta poderia ser tudo — infinitas possibilidades abertas.

Ninakawa respondeu, “Vim só...” é o que Buda diz “...e irei só. No que você
poderia me auxiliar?”
Todos nascem e partem sozinhos, e, no meio, entre o ir e vir, se iludem pensando
que estão junto com alguém; mas você permanece só. Porque se você está só
no começo e no fim, como poderia estar com alguém no meio? A mulher, o
marido, o amigo, a sociedade são apenas ilusões. Você permanece só; a solidão
é a sua natureza. Poderá quando muito iludir-se, ter sonhos, mas o outro será
sempre o outro, não há nenhum ponto de encontro. Este é o ensino básico do
budismo para tornar o homem livre.

Eis por que Buda negou até Deus; porque, se Deus existe, como você pode estar
só? Ele está sempre aqui. Mesmo quando você vai ao banheiro. Ele está
presente porque é Onipotente, Onipresente. Você não pode escapar Dele, onde
quer que vá, lá estará Ele. É o olho cósmico, o espião cósmico, seguindo-o. O
que quer que você faça, ele está vendo! É muito difícil escapar de Deus, se Ele
existe, está em toda parte. Você não pode esconder-se Dele — Isto é
maravilhoso se você consegue compreender.

As pessoas religiosas usam isso como uma ajuda. Hindus, maometanos,


cristãos, todos têm usado a Onipresença Divina. É de grande ajuda, porque se
você puder realmente sentir Deus seguindo-o como uma sombra, tornar-se-á
muito mais alerta e consciente — porque Ele está presente. Você não está só,
não pode relaxar no pecado, na ignorância, no sono — Ele está presente. Isto o
torna alerta,

Este é o uso correto. Mas, visto de um outro ângulo, pode tornar-se uma
escravidão, um pesado fardo, uma ansiedade.

Ouvi contar de uma freira cristã que nem tomava banho nua. Ficava vestida
debaixo do chuveiro. Até que alguém lhe perguntou: “O que você está fazendo?”

Ela respondeu: “Como posso ficar nua, se Deus está em toda parte?” Mas se
Deus está em todo lugar — no banheiro — então estará dentro das roupas
também. Você não terá escapatória! Ele estará dentro de você! Em toda parte.

Isto pode tornar-se uma profunda ansiedade, exatamente como quando você
está no banho e percebe que alguém está olhando pelo buraco da fechadura. E
Deus é o espreitador cósmico. Olhando por todos os buracos de fechadura, nada
pode ser ocultado d’Ele; você faz amor e lá está Ele!

O que quer que faça, Ele sabe e grava tudo. Isto pode tornar-se uma profunda
ansiedade, uma neurose! Pode criar um sentimento de culpa e então você
perderá. Lembre-se: toda chave que abre uma porta pode também destruir a
fechadura se for usada erradamente. Há um jeito certo de usá-la; somente assim
a tranca se abre. Se usar de um modo errado, a fechadura será destruída. E, do
jeito que a mente é, sempre usa as chaves de um modo errado; então é
necessário alguém para lhe dizer: “Jogue fora essa chave porque agora ela está
imprestável. Está apenas destruindo a fechadura e não o ajuda em nada!”
Buda disse que não havia necessidade de um Guru, porque no seu tempo Guru
significava Brâmane.

Krishnamurti está dizendo o mesmo: não há necessidade de Guru. Mas há outra


possibilidade — isto pode lhe dar liberdade e, se isto ocorrer, tudo bem. Mas
poderá também dar-lhe egoísmo — este é o problema, o obstáculo. Se lhe der
egoísmo, você poderá não ser escravo de ninguém, mas terá se tornado escravo
do seu próprio ego. E lembre-se: ninguém pode ser um Mestre mais perigoso
para você do que o seu ego. Ninguém pode fazê-lo tão cego quanto o seu ego.
Ninguém pode conduzi-lo ao inferno como ele pode.

Ikkyu queria apenas saber se esse homem ainda estava preso às escrituras ou
se havia compreendido Buda. Compreensão é uma coisa, “apego” é outra.
Apego significa letra morta. Se ele houvesse entendido, então Buda seria o maior
Mestre. Se ele não tivesse compreendido, então não se soltaria, mesmo no
momento da morte se apegaria às escrituras.

Ikkyu estava lá e perguntava: “Posso conduzi-lo? Posso levá-lo adiante? —


Porque o caminho é desconhecido. Você nunca esteve lá, eu já. Eu sei como
morrer. Sei como celebrar a morte, como perder-me; nela, o seu Real Ser nasce
pela primeira vez. Eu conheço o segredo da morte e da ressurreição. Posso
conduzi-lo?”

Ninakawa retrucou — ele recusou — dizendo: “Vim só e partirei só. No que você
poderia me auxiliar?”

E ele necessitava de ajuda. Se não precisasse teria simplesmente rido, sorrido


e dito: “Obrigado”. Não teria necessidade de usar as palavras da escritura. Por
que você usa as escrituras? Elas são racionalizações. Quando você está incerto
usa as escrituras, porque elas são sempre incontestáveis. Quando você tem
dúvidas, usa Buda, Krishna, Cristo, porque eles podem ocultar sua hesitação,
sua realidade, podem lhe dar confiança.

Sempre que você usa as palavras dos outros está escondendo sua ignorância.
Este homem não estava dizendo: “Eu vim aqui sozinho.” Isto não era uma
experiência dele. Ele não disse “...e eu partirei só.” Estava apenas repetindo
palavras e com elas você não engana um Mestre.

Ikkyu respondeu: “Se você realmente pensa que veio e vai...”

Estas são as mais maravilhosas palavras já proferidas, a essência de todos


Upanishads, a essência dos Budas e Mahaviras — em apenas uma sentença.

“Se você realmente pensa que veio e vai, esta é a sua ilusão. Deixe-me mostrar-
lhe o caminho no qual não há vindas nem idas.”
Isto é realmente muito difícil e sutil. Ikkyu diz: “Se você pensa realmente que veio
e vai, então o ego está aí. Quem vem? Quem vai? Se pensa que vai e vem,
então não sabe, está apenas repetindo as palavras de Buda — isto é um apego.

Se você sabe que “Vem só e vai só”, então não há vindas e idas, porque a alma
nunca nasce, nem morre.

A vida é um contínuo eterno. Continua. Nunca vem nem vai. Este corpo pode ter
nascido e poderá morrer — mas a vida, a energia, o eu, a alma, ou como quer
que se chame esta consciência que há neste corpo, nunca nasceu nem morrerá.
Esta consciência é contínua. Nunca houve uma ruptura. Se você conhece
realmente, então sabe que não há idas nem vindas. Quem vem? Quem vai? Se
você não compreendeu, se não percebeu isto, então dirá: “Eu vim só.” Mas então
esse “Eu” é o ego, não o “Ser”.

Quando você diz “Eu partirei só”, a ênfase está no “eu” — e o ‘eu’ é o cativeiro.
Se não houver o “eu”, de repente você perceberá que nunca nasceu nem nunca
morrerá, que não há começo nem fim.

Alguém perguntou a Jesus: “Você é o Messias por quem estamos esperando?


Quem é você? Fale-nos sobre a sua pessoa.”

Jesus disse, “Antes que Abraão fosse, eu sou.”

Abraão viveu milhares de anos antes de Jesus e ele disse que antes de Abraão
ser, ele é. A sentença é realmente absurda, logicamente absurda,
gramaticalmente errada: “Antes que Abraão fosse, eu sou.” Abraão é o passado,
Jesus diz: “Antes que ele fosse...” Abraão foi o primeiro profeta. Há grande
possibilidade de que Abraão seja uma variação de Ram porque, no antigo
hebraico, não era Abraão, e sim Abrão. E “Ab” simplesmente indica respeito,
exatamente como “Shree Ram”, só para demonstrar respeito. Há grande
possibilidade de que Abraão não seja outro senão Ram.

Jesus disse: “Antes que Abraão fosse, eu sou.” Referiu-se a Abraão usando o
verbo no passado: ele foi e não é mais, a manifestação que existiu não existe
mais. Mas ele diz: “Eu sou” porque “eu sempre sou: eu fui, sou e serei.”

A consciência interna não conhece nascimento ou morte; desconhece passado,


presente e futuro; não conhece o tempo. Ela é eterna e a eternidade não faz
parte do tempo.

Ikkyu disse: “Se você realmente pensa que vem e vai — se pensa que há idas e
vindas, esta é a sua ilusão. Deixe-me mostrar-lhe o caminho no qual não há vir
nem ir.”

O que os Budas têm feito? Simplesmente têm-lhe mostra que você é perfeito —
assim como é. Não há necessidade de mudança. Não é preciso ir a lugar algum,
nem mover-se um centímetro sequer. Como você é, está em sua perfeita glória,
aqui e agora. Não há idas nem vindas. Apenas torne-se consciente do fenômeno
que você é. Conscientize-se de quem você é. Esteja apenas alerta. E então não
haverá nada mais a ser alcançado. Não há necessidade de esforço, porque
desde o início, antes que Abraão fosse, você é. Você viu a criação do mundo e
verá o fim dele; mas para você não há começo nem fim.

Você é a testemunha e ela não pode ter começo nem fim. Se estivesse estado
alerta, teria visto o seu próprio nascimento. Se você puder morrer
conscientemente, verá que a morte está ocorrendo no corpo e você é apenas
um espectador. O corpo morre e você é testemunha. Se puder ser uma
testemunha da sua morte então, na próxima vida, será uma testemunha do
nascimento também. Verá que a mente está escolhendo um útero, rodando a
terra toda procurando uma mulher, um casal fazendo amor — você verá isto.

É da mesma maneira quando você sente fome; vai à praça e pode testemunhar
que seus olhos, sua mente estão olhando para todos os hotéis e restaurantes,
procurando um lugar para comer. Mas se você torna-se muito identificado com
a fome, então não poderá ser uma testemunha. A fome pode estar presente, mas
você não é a fome. Como você pode ser a fome? Se fosse, quem saberia que
você está com fome?

Para que a fome seja percebida, é necessário alguém além dela que possa olhar
e ver, que possa tornar-se alerta. Se você conseguir tornar-se alerta na fome
perceberá como sua mente procura pelo lugar certo para comer. O mesmo
ocorre após a morte. Sua mente fica em busca de um útero certo. Você escolhe,
vê o que está acontecendo. Se estiver buscando um útero em particular, isto é,
se você for muito bom ou muito ruim, então poderá levar anos para encontrar o
útero certo, será muito difícil.

Se você for apenas um homem comum, normal, nada especial — nem bom nem
ruim, nem um Hitler nem um Gandhi, então poderá renascer imediatamente, não
haverá necessidade de muita pesquisa porque úteros comuns, normais, de
acordo com o padrão, estão disponíveis em toda parte. Então você morre neste
momento e nasce no seguinte, não perde um momento sequer. Mas, para Hitler,
pode levar muitos e muitos anos. E isto é bom, sorte nossa, porque ele é uma
alma muito pervertida, até demais.

Você não pode nem imaginar a perversão dele; ele perverteu tudo. E quando um
homem torna-se pervertido, a primeira coisa a ser pervertida é o seu amor,
porque o sexo é a raiz do seu ser. A primeira coisa a ser pervertida é o sexo.
Quando o sexo vai por um mau caminho, tudo vai mal; quando o sexo é natural,
tudo é natural também.

Estude a vida sexual de Hitler e ficará simplesmente pasmado. Não poderá


acreditar no que ele fazia. Encontrava mulheres bonitas, mas não se relacionava
sexualmente com elas. O que ele fazia? Você nem pode imaginar! Sentava-se e
forçava-as a urinar na cabeça dele. Que tipo de homem é esse? O que estava
fazendo? E ele gostava muito. E não apenas isso, também as forçava a defecar
nele. As mulheres sentiam-se culpadas com isso, mas ele era muito poderoso;
se elas não obedecessem... ele já havia matado muitas. Todas as suas amadas
ou eram mortas por ele ou se suicidavam, porque ele era pervertido demais! Mas
ele gostava. O que lhe importava?

Ele era tão culpado que queria punir a si mesmo, mesmo através do amor.
Sentia-se muito culpado e a sua culpa era muito forte... Quando você sente muita
culpa, não pode amar, porque o amor só pode vir do coração daqueles que não
se sentem culpados, que são como uma criança — inocentes. Então, o amor flui,
torna-se uma celebração! Mas havendo culpa, você começa a punir a si mesmo
pelo amor, ou começa a punir os outros. Você não pode se alegrar no amor,
porque se sente tão culpado, tão mau que não consegue celebrar o amor. Você
cria um inferno do amor. Isto parece impossível porque, do lado de fora do seu
quarto, Hitler era quase um deus, as pessoas o veneravam. E dentro do seu
quarto sentia-se tão inferior, culpado, condenado que queria punir-se — mesmo
através do amor.

Esse tipo de homem não encontra um útero facilmente, é quase impossível.


Precisa esperar por séculos. Somente assim consegue encontrar um homem e
uma mulher fazendo amor; pessoas que sejam tão carregadas de culpa, com
tanta autocondenação, que então ele é capaz de escolher o útero. Mas isto
acontece inconscientemente; assim, não se preocupe muito com isso. Você
morre inconsciente e nasce inconsciente — acontece automaticamente. A mente
apenas se move: tateando no escuro, entra no útero. Mas se você morrer
conscientemente, o próximo nascimento será consciente. Se você morrer
conscientemente e nascer conscientemente saberá que não há nascimento sem
morte; apenas um corpo é escolhido. Se você se mudar para uma casa nova,
dirá que foi um novo nascimento? Só a sua casa mudou, você permaneceu o
mesmo. Se você trocar de roupa, dirá também que foi um novo nascimento?
Não, porque você apenas trocou de roupa, permaneceu o mesmo.

Desse modo, as pessoas que se tornaram alertas sabem que todas as mudanças
são como mudanças de roupas, casas, lugares, situações, circunstâncias;
sabem que o ser permanece o mesmo, o centro nunca muda, é eterno.

Ikkyu disse: “Se você pensa realmente que veio e vai, esta é a sua ilusão. Deixe-
me mostrar-lhe o caminho no qual não há vir nem ir.”

Que caminho é esse? É realmente um caminho? Ele disse ‘caminho’ apenas


porque temos que usar as palavras. Mas, na verdade, não há nenhum caminho
porque um caminho sempre leva a algum lugar. Nenhum caminho pode conduzi-
lo aonde você já está. Se você quiser vir a mim, existe um caminho: seja! Quando
você vai a alguém, tem de seguir um caminho, atravessar uma passagem, uma
ponte, ou algo assim — porque está movendo-se para o exterior.

Mas se quiser mover-se internamente não há caminho. Você já está aí. Apenas
uma sacudida repentina é necessária para que você sinta que já está aí.

É exatamente como quando você sonha durante a noite: adormece aqui em


Poona e, nos sonhos, está de volta à sua casa em Londres, em Nova York,
Calcutá ou Tokyo. No sonho, você se esquece que está em Poona. Então, o que
é necessário? Apenas uma sacudida. Alguém vem e o acorda. Você acorda em
Londres, Tokyo, Nova York ou Poona? Seria muito difícil, haveria um mundo
absurdo, se quando você sonhasse com Nova York acordasse lá. Este mundo
seria um pesadelo. Mas você acorda em Poona e o sonho desaparece.

Os Budas têm ensinado isto, que não há necessidade de ir a lugar algum pois
você já está no lugar para onde quer ir, só que está sonhando. No sonho, você
apenas deslocou-se do centro — mas você não pode sair dele, você está nele.
Você tem sonhado por milhões de vidas mas não se moveu do centro onde está.
Ninguém pode sair dele. Só uma sacudidela é necessária, alguém para dar-lhe
um choque e torná-lo alerta. Então, repentinamente, o sonho desaparece — toda
a terra dos sonhos, Nova York, Londres desaparecem — e você está aqui e
agora.

Esta sacudida, este choque pode ser dado muito facilmente na hora da morte —
pois todo o corpo e a mente estão passando por uma grande mudança. Tudo é
um caos. E nesse estado caótico, você pode tornar-se alerta mais facilmente,
pois tudo é desconfortável. Quando há comodidade, é difícil trazer alguém para
fora do sonho. Ninguém quer realmente se ver livre de um sonho confortável. Só
quando o sonho se torna um pesadelo você grita.

Numa noite, Mulla Nasrudin gritou tão alto que até os vizinhos vieram perguntar
o que tinha acontecido. Nasrudin estava sentado na cama, soluçando, e as
lágrimas rolavam enquanto sua mulher o consolava, dizendo: “Foi só um sonho,
Nasrudin. Por que você está criando tanta confusão? — os vizinhos estão aí, há
uma multidão lá fora.”

Nasrudin disse: “Mas o sonho era tão... primeiro vou lhe contar o sonho — Fui a
um leilão de mulheres — e havia cada mulher tão linda! Uma delas alcançou
cinco mil rupias, outra dez mil e outras alcançaram mais ainda.

“Eu não tinha dinheiro. Procurei e procurei, mas não tinha mesmo. Olhei em
todos os bolsos” — e Nasrudin tinha um bolso no qual jamais olhava. Ele disse:
“Pois olhe, procurei até naquele bolso.”

Era um bolso especial no qual ele jamais olhava. Sempre que perdia algo, as
pessoas perguntavam: “Você olhou em todos os bolsos, menos naquele; por
quê?” Ele respondia: “Porque ele me deixa esperançoso. Se olhar neste perco
toda a esperança; se não olhar penso que ainda há alguma possibilidade — mas
nunca olho porque sei muito bem que não há nada dentro dele.”

“Até no bolso especial eu olhei”, continuou Nasrudin, “e nada de dinheiro. Eu


soluçava e chorava.”

Mas sua esposa não estava interessada nisso. Ela perguntou tolamente:
“Nasrudin, havia esposas como eu?” — assim como qualquer esposa
perguntaria, porque nenhuma mulher se interessa por outras mulheres bonitas;
pelo contrário, sente ciúmes. Perguntou: “E as esposas como eu? Quanto
alcançavam?”

Nasrudin disse: “Foi por isso que eu gritei. Esposas como você as pessoas
juntavam em bando — uma, duas dúzias — e vendiam o bando por uma rupia.
Por isso gritei. Além de não ter dinheiro para comprar, ainda ver isso ocorrendo
com a minha mulher.”

Mas ele chorava e soluçava mesmo fora do sonho.

Os sonhos são bem reais, entram a fundo porque numa mente inconsciente há
apenas uma vaga distinção entre o sonho e o real. Eles se misturam, os limites
não são claros, nítidos.

Você já viu uma criança acordar soluçando, porque não acha o brinquedo que
viu nos sonhos? Ela quer saber para onde ele foi.

Mas a criança nunca morre em você — só morre quando você se esforça o


suficiente para tornar-se alerta; só quando o sonho e a realidade tornam-se
distintos. Isto porque quando esta distinção é alcançada, quando os limites ficam
claros e você se torna consciente do que é sonho e do que é realidade, o sonho
desaparece — então, já não pode mais continuar. Mesmo durante o sonho, se
você perceber que é um sonho, ele desaparecerá imediatamente!

Por isso, você nunca fica consciente do sonho enquanto está sonhando. Acha
que ele é real. Para que tudo continue é necessário que você acredite que é real.
E você o faz real através dos seus sentimentos. Quando você transcende os
sentimentos, o sonho desaparece; só a realidade permanece.

É um sonho o fato de você estar neste mundo; na realidade, você nunca se


moveu do centro da existência, de Deus. Um sonho pode continuar sem limite
de tempo. Quando você pensa que é o corpo, isto é um sonho — você nunca foi
um corpo. Quando pensa que nasceu e morrerá, isto é um sonho também — é
impossível nascer e morrer.

Ikkyu disse: “É ilusão sua dizer ‘eu vim e vou’. Não há ninguém para quem ir e
vir, nenhum lugar para onde ir e vir. Deixe-me mostrar-lhe o caminho sem
caminho. Pois não existe nenhum caminho: se não há ninguém para quem ir
nem vir, nenhum lugar para onde ir nem vir, então, como pode um caminho
existir? Deixe-me mostrar-lhe o caminho sem caminho no qual não há idas nem
voltas.”

Com estas palavras, Ikkyu revelou o caminho tão claramente que Ninakawa
sorriu e expirou”.

Isto aconteceu! Você ouviu as palavras mas você não é Ninakawa, não está
pronto nem está no seu leito de morte — este é o problema. Você ainda tem
esperança em algo da vida; seu sonho ainda tem muito significado, você ainda
investe nele. Talvez você deseje cair fora dos seus sonhos, mas este desejo não
é de todo o coração. Uma parte do seu coração continua dizendo: “Sonhe mais
um pouquinho, é tão bonito!”

Uma noite, Mulla Nasrudin chamou sua esposa e disse: “Traga meus óculos.
Estou tendo sonhos maravilhosos e com os óculos serão melhores. Traga os
óculos porque o lugar é meio escuro e não posso ver bem.”

Você pode estar tendo pesadelos e nestes momentos sentirá: “Como posso me
ver livre disso?” Mas acontece que você tem sonhos maravilhosos também, não
apenas infernais. E este é o problema: a menos que você se torne consciente de
que mesmo um sonho maravilhoso é apenas um sonho inútil, você não estará
no seu leito de morte. Continuará desejando, regando o mundo dos sonhos,
alimentando-o, ajudando-o a crescer.

Ninakawa estava em seu leito de morte, morrendo, já não tinha mais futuro. Ele
estava no caos! Todo o seu sistema, todo o ajustamento do seu corpo, da sua
mente, da sua alma estavam se tornando mais e mais distantes. Tudo estava
caindo, ele já se sentia despedaçando. O pesadelo era intenso porque sempre
é mais intenso na morte. Ele sentia-se miserável naquele momento: à sua frente,
apenas a morte sem nenhum futuro.

Quando não há futuro, você não pode sonhar, pois os sonhos necessitam de
espaço e tempo para se moverem. Eis por que a morte parece tão perigosa: ela
não dá tempo para se pensar. Você já não pode mais ter esperanças pois não
existe o amanhã. A morte não o mata, mata apenas o amanhã e ele é que tem
sido a sua existência. Você nunca viveu o hoje, tem sempre adiado para amanhã.
E a morte vem e destrói o amanhã, simplesmente queima o seu calendário.
Repentinamente o relógio pára, o tempo não se move.

Sem o tempo, o que você pode fazer? Sem o tempo, como pode a mente pensar,
desejar, sonhar? A morte fecha a porta — eis o medo.

Por que a morte o faz ficar tão amedrontado, trêmulo e medroso? Porque parece
não haver além, não há como escapar. Você não pode fazer nada, porque não
pode pensar e isto é tudo o que você sabe fazer. Durante toda a sua vida não
fez outra coisa e agora a morte não permite o pensamento. Somente um homem
que meditou e realizou o não-pensamento antes da morte não tem medo — pois
sabe que o pensamento não é a vida.

Conhece um plano diferente de existência. Conhece a profundidade e não o


comprimento da existência. Ele não está se movendo deste momento para o
outro, de hoje para amanhã. Move-se neste momento, cada vez mais
profundamente. Move-se aqui e agora nas profundezas do seu ser.

Você toca neste momento e move-se para o seguinte: possui um movimento


horizontal: de A para B, de B para C, de C para D. Um homem que medita move-
se de A1 para A2 para A3 — para a profundidade — não para B. Ele não tem
amanhã. O aqui e agora é a sua única existência. Então, como poderá haver
morte para ele? As pessoas sempre morrem no momento seguinte, nunca neste
momento. Uma pessoa que medita move-se dentro deste momento. Assim,
como poderá morrer?

Para ela, a morte ocorre na periferia. Fica sabendo da própria morte exatamente
como toma conhecimento da morte do vizinho. Vem a saber que o corpo está
morto — esta é a notícia. Ela pode até sentir-se triste pelo corpo, mas sabe que
não está morta.

Ninakawa era um meditador à beira da iluminação, mas ainda apegado. Você


pode dar um pulo no abismo, agarrar-se em algo no caminho — e continuar
apegado, com medo. Você está quase no abismo, mais cedo ou mais tarde cairá,
mas a mente lhe diz: “Só mais um momento, apegue-se!” Ele estava preso às
escrituras, aos Budas, às palavras, doutrinas; ainda repetia informações. Mas
isto era apenas um galho de árvore no qual ele se apegara para não cair no
abismo — mais cedo ou mais tarde teria de largá-lo porque, quando a vida o
deixa, como você pode manter as palavras? Elas o deixam também.

Com a revelação de Ikkyu ele compreendeu e parou de se agarrar: sorriu e


expirou.

Você nunca sorri. Chora ou ri, mas nunca sorri. Um sorriso está no meio e isto
lhe é difícil. Ou a risada ou o choro — estes são os dois extremos. Procure
descobrir que fenômeno é o sorriso.

Somente um Buda sorri, porque está no meio. O sorriso tem os dois extremos: a
tristeza das lágrimas e a felicidade da gargalhada. Sorrir é ambos! Sorrir nunca
é uma simples risada, tem a expressão do riso e a profundidade da tristeza —
ele é ambos. Olhe para Buda, medite sobre ele e verá em seu rosto os dois: a
tristeza e a alegria, um fluir alegre do seu ser e ainda assim uma profunda
tristeza.

Com estes dois componentes, um sorriso é criado. Quando você se sente triste
por todos, por toda a humanidade, porque ela sofre desnecessariamente... Você
não pode imaginar a tristeza de Buda, é difícil para você. Você pensa que Buda
é feliz. Ele é feliz com relação a si mesmo, mas e com relação a você? Você nem
pode conceber sua dificuldade — pois ele olha para você, o vê sofrendo
desnecessariamente e nada pode fazer; você não pode ser ajudado. Uma
doença que não existe — é incurável! E ele sabe que com uma virada de ângulo
— apenas uma virada no seu ser — tudo está resolvido. Mas você não dá a
virada. Pula e faz muitas coisas mas nunca dá a virada. Você vai tateando no
escuro, mas de alguma maneira, miraculosamente, nunca encontra a porta.
Você é perfeito nisso: em não encontrar a porta e continuar tateando.

Um Buda está em dificuldade porque percebeu algo que já está em você. Sabe
que a mesma existência feliz, a mesma beleza, o mesmo êxtase que ele tem
você tem! E você fica chorando, batendo no peito, em tanto sofrimento — e nada
pode ser feito. Uma tristeza...

Conta-se que quando Buda alcançou a porta — a porta final além da qual não
há mais nenhuma porta e de onde você não pode voltar atrás porque ela é a
Suprema — quando ele chegou à porta do Nirvana, ela abriu-se e ele foi bem-
vindo porque apenas uma vez em cada milhões de anos alguém chega ao
Supremo. Mas ele virou-se de costas e olhou para o mundo — e dizem que ele
ainda está lá, parado, não entrou ainda.

O porteiro perguntou: “O que você está fazendo? Para isso você precisou de
muitas e muitas vidas! Agora a porta está aberta, entre!”

E Buda disse: “A menos que todos que estão sofrendo entrem, não posso entrar.
Serei o último” — Esta é a tristeza.

A estória é realmente maravilhosa. Ninguém pode ficar parado nesta porta. Na


verdade, não há porta alguma e nem porteiro. Você cai e não há como parar.
Mas a estória é maravilhosa, mostra simbolicamente a consciência de um Buda
— seu pesar, sua angústia, seu sofrimento. Agora já não é mais o seu sofrimento
que o faz triste, mas o dos outros.

É como se você estivesse acordado e todos profundamente adormecidos,


sonhando, tendo pesadelos — gritando, pulando, chorando e soluçando. E você
sabendo que é apenas um pesadelo. Mas as pessoas estão tão bêbadas e
adormecidas que não há como ajudá-las. Se tentar acordá-las, elas ficarão
zangadas, dirão: “Por que você está perturbando nosso sono? Quem é você?”

Você não pode acordá-las e tem que presenciar seu sofrimento e sofrer. Buda é
triste — por você.

E Buda ri intimamente, todo o seu ser é repleto de riso — como uma árvore que
floresceu, tudo tornou-se uma dança. Estes dois pólos encontram-se nele: o riso
que borbulha e continua surgindo — ele ainda não pode rir por sua causa — e a
tristeza que você criou, ambos se encontram e nesse encontro cria-se o sorriso,
que é ambos: o riso e as lágrimas.
Você não pode sorrir: pode rir ou chorar. Quando você chora, pode rir também?
O seu choro é por si mesmo, é um elemento simples. Quando você ri, você ri,
como pode chorar? Seu riso é por você mesmo. Em Buda, o ego desapareceu,
não existe mais, dissolveu-se no todo. Neste momento, dois elementos
encontraram-se: sua consciência que se tornou perfeita e os milhões de
consciências à sua volta, que são perfeitas mas com sofrimento desnecessário,
sem razão de ser. Deste encontro, um sorriso triste e feliz surgiu em sua face.

Ele não pode chorar porque o que você está fazendo é tão tolo! E não pode rir,
pois isto seria muito duro para você. Quando muito pode sorrir. Isto aconteceu e
o sorriso tornou-se o símbolo de alguém que se Iluminou.

“Com estas palavras Ikkyu revelou-lhe o caminho tão claramente que Ninakawa
sorriu e expirou.”

Então, não foi uma morte, apenas uma passagem para um outro mundo, para
um outro nascimento: ninguém estava morrendo. Se você puder morrer com um
sorriso é porque conhece a arte de nascer e é nisto que consiste o todo da
religião; nada existe além disso.

Agora, repetirei a primeira estória com a qual iniciamos esta série para que você
não a esqueça. É tão fácil esquecer e você bem que gostaria — o esquecimento
é um truque.

Nestes dez dias temos falado sobre “Nem água, nem lua”. Mas isto permanecerá
apenas como discursos — palavras e palavras — se você não estiver pronto
para morrer. Esteja no seu leito de morte! Seja um Ninakawa! Então estas
palavras estarão bem claras, mais claras do que as de Ikkyu jamais foram. Eu
repito: estas palavras estarão bem mais claras do que as de Ikkyu jamais foram.
Lembre-se: você também pode sorrir e fazer a passagem.

“Por anos e anos Chiyono estudou sem conseguir chegar à Iluminação.

“Uma noite, estava ela a carregar um pote cheio de água. Enquanto andava, ia
observando a lua cheia refletida na água do pote.

“De repente, as tiras de bambu que seguravam o pote partiram-se e o pote


despedaçou-se.

“A água escorreu: o reflexo da lua desapareceu e Chiyono tornou-se Iluminada.

Ela escreveu estes versos:


“De um modo ou de outro
tentei manter o pote coeso,
esperando que o frágil bambu nunca se partisse.

“De repente, o fundo caiu.


Não havia mais água,
não havia mais lua na água —
o vazio em minhas mãos.”

Vá com o vazio em suas mãos, pois isto é tudo o que posso lhe oferecer e nada
é maior do que isto.

Este é o meu presente. Vá de mãos vazias. Se puder carregar o vazio em suas


mãos tudo se tornará possível. Não carregue possessões, conhecimentos, nada
que encha o pote, porque senão você estará vendo apenas o reflexo. Na riqueza,
nas possessões, nas casas, carros, prestígios, você verá apenas o reflexo da
lua cheia. E a lua está esperando por você.

Deixe o fundo cair. Não tente deste ou daquele modo proteger o velho pote. Não
vale a pena! Não se proteja, não compensa! Deixe o pote quebrar-se, a água
escorrer e a lua desaparecer da água, pois só assim você será capaz de levantar
os olhos para a verdadeira lua. Ela sempre está lá no céu — mas é necessário
ter as mãos vazias. Torne-se mais e mais vazio; pense em você mais e mais
como um vazio; comporte-se assim, como se estivesse vazio. Aos poucos, você
experimentará a sensação. E uma vez que tenha experimentado, tudo será
maravilhoso.

Uma vez experimentado o vazio, você conhecerá o próprio significado da vida.


Carregue o vazio, deixe cair o pote de água que é o seu ego, sua mente e seus
pensamentos. E lembre-se: nem água, nem lua o — vazio nas mãos.

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