Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
HISTÓRIA E CARISMA
2
Expansão: de Valdocco a Roma
(1850-1875)
DOM BOSCO:
HISTÓRIA E CARISMA
2
Expansão: de Valdocco a Roma
(1850-1875)
EDB
©2007. LAS Librería Ateneo Salesiano, Roma. Editor da obra original: Aldo Giraudo.
©2010. Editorial CCS, Madri. Editores da edição espanhola: Juan José Bartolomé e Jesús
Graciliano González.
©2013. Editora Dom Bosco. Brasília.
LENTI, Arthur J.
Isbn 978-85-7741-255-6
CDD 922.22
Annali I-IV Eugenio Ceria, Annali della Società Salesiana. Vol. I: Dalle
origini alla morte di S. Giovanni Bosco (1841-1888). Tu-
rim: SEI, 1941. Vol. II: Il rettorato di Don Michele Rua,
parte I (dal 1888 al 1898). Turim: SEI, 1943. Vol. III: Il
rettorato di Don Michele Rua, parte II (1899-1919). Turim:
SEI, 1946. Vol. IV: Il rettorato di Don Paolo Albera (1910-
1921). Turim: SEI. 1951.
ASC Archivo Salesiano Central. Direzione Generale Opere Don
Bosco. Primeiro em Turim e depois em Roma.
BS Bolletino Salesiano. Edição italiana.
CCS Editorial Central Catequística Salesiana (Madri).
CFP Cuadernos de Formacíon Permanente (Editorial CCS, Madri).
Documenti 45 volumes de documentos para escrever a história de Dom
Bosco. Recompilados por Giovanni Battista Lemoyne.
Epistolario Ceria Epistolário de Dom Bosco, 4 volumes publicados por Euge-
nio Ceria. Turim: SEI, 1955-1959.
Epistolario Motto Epistolário: introdução, textos críticos e notas, 4 volumes edi-
tados por Francisco Motto. Roma: LAS, 1991-2003.
FDB Fondo Don Bosco. Microfichas. Direção Geral Obras
Dom Bosco: Roma.
F. Desramaut, Don Bosco Francis Desramaut, Don Bosco en son temps. Turim: SEI,
1996.
F. Desramaut, Memorie Francis Desramaut, Les memorie I de Giovanni Battista Le-
moyne: etude d’un auvrage fondamental sur la jeunesse de Saint
Jean Bosco. Lyon: Maison d’etudes Saint Jean Bosco, 1962.
G. Bonetti, Storia Giovanni Bonetti, Storia dell’Oratorio, publicada em capí-
tulos no Bolletino Salesiano, entre 1879 e 1886. Publicada
depois em um volume com o título Cinque lustri di Storia
Salesiana. Turim: Tip. Salesiana, 1892 (há uma tradução
em espanhol: Cinco lustros de historia salesiana. Buenos Ai-
res, Tip. e Librería Salesiana, 1897).
A DÉCADA 1850-1861
2
Os jesuítas eram considerados os líderes da reação contrária às reformas liberais.
10
tema e esboçara algumas linhas de negociação com a Santa Sé. Depois de, por
carta, abordar o tema com Pio IX, o rei enviou três delegados, a intervalos de
seis meses, para estipular a nova concordata. O primeiro entrevistou-se com o
Papa em Roma; o segundo, em Gaeta. O terceiro, em Nápoles; nenhum de-
les conseguiu chegar a um acordo. A missão mais importante foi a do conde
José Siccardi, que encontrara o Papa em seu exílio de Gaeta, durante a época
da República Romana. O conde tinha poderes para negociar dois temas: as
novas designações episcopais para as sedes de Turim e Asti, cujos bispos não
eram aceitos pelo Estado, e a nova concordata. Turim queria negociar os dois
assuntos juntos, enquanto Roma recusou-se a fazê-lo dessa maneira. A missão
Siccardi foi um fracasso. Pio IX foi considerado o responsável.
As Leis Siccardi
A Constituição do rei Carlos Alberto, baseada como estava em mode-
los franceses, declarava que todos os cidadãos, sem distinção, eram iguais
perante a lei. A Igreja, porém, dispunha de seu próprio sistema de tribunais
para julgar os membros do clero. Reclamava, também, o direito de dar asilo
nos locais de culto, tanto para clérigos como para leigos que fugiam a uma
acusação criminal.
Era inevitável que os liberais de todas as facções quisessem tomar medi-
das quer no Parlamento quer no Senado. Eles eram maioria, levando-se em
conta que apenas 2% da população masculina (aristocratas e profissionais)
estavam aptos a escolher por voto os seus representantes. Os bispos, padres
e leigos católicos de tendência conservadora representavam a Igreja nas duas
câmaras, mas estavam em minoria.3
Em fins de fevereiro de 1850, o conde Siccardi, ministro da Justiça,
apresentou um projeto de lei para abolir os tribunais eclesiásticos. Foi o pri-
meiro de uma série de projetos conhecidos como “Leis Siccardi”. Além da
lei relativa aos tribunais, o ministro também dispôs a abolição do direito de
asilo, a limitação dos dias festivos de preceito [dias santos] e a necessidade da
aprovação do Estado para a Igreja adquirir terras.
Os debates no Parlamento e no Senado mostraram como a opinião públi-
ca estava dividida em relação a esses temas. Até mesmo alguns liberais se opu-
seram por considerar que essas leis, embora necessárias, eram prematuras. As
negociações com o Papa deviam continuar para se chegar a um acordo bilateral.
3
Os liberais aduziam que na França, como também na Áustria, a Igreja aceitara essas reformas
já há alguns anos. Os conservadores citavam a recente concordata de 1841, negociada entre a Igreja
e Carlos Alberto, que mantinha esses privilégios. Arguiam que foram o galicanismo e a revolução, na
França, e o josefinismo, em Viena, que forçaram a Igreja a ceder.
11
4
Nas primeiras eleições celebradas depois de Carlos Alberto conceder a Constituição, Cavour
apresentara-se como deputado por quatro distritos e fora derrotado em todos eles. Numa eleição suple-
mentar conseguiu conquistar um distrito, mas em seguida foi derrotado nas eleições gerais. Foi eleito,
enfim, para o Parlamento em julho de 1849. Contudo, continuava a ser pouco popular e desconfiava-
-se dele. Brofferio, mais tarde, descreveu-o, certamente por inveja, como grosseiro e pouco refinado.
12
13
14
Disposições da lei
A lei postulava a abolição de todas as ordens religiosas, exceto aquelas que
se dedicavam a pregar, cuidar dos doentes ou ensinar. Proibia a fundação de
qualquer nova ordem, a não ser que houvesse uma permissão especial do Es-
tado. Previa a supressão, com algumas exceções, dos cabidos e seus benefícios.
Propunha usar as entradas vindas das congregações suprimidas para pagar
pensões aos religiosos cujas ordens e prebendas fossem suprimidas. Também
sugeria reduzir o estipêndio dos bispos e direcionar o dinheiro economizado
para os padres que recebiam menor remuneração.
Havia outros motivos, basicamente financeiros, mas eram menos conhe-
cidos. A guerra de 1848-1849 esgotara as arcas do tesouro; o déficit financei-
ro estava incontrolável. O Fundo Eclesiástico do Estado (Cassa Ecclesiastica)
já não conseguia manter o baixo clero nem as paróquias mais pobres. Em
maio de 1854, o governo de Cavour-Rattazzi comunicara essa situação à San-
ta Sé, insinuando que estavam pensando em tomar algum tipo de medidas
oportunas.
5
Cf. G. Martin, The red shirt, 433-445. Urbano Rattazzi (1808-1873), embora com ideias
políticas diferentes, uniu-se a Cavour em 1851, atuando como presidente da Câmara dos Deputados
(1852-1853); mais tarde foi ministro da Justiça (1853-1854) e do Interior (1854-1860) nos governos
de Cavour.
15
Tentativas de negociação
Enquanto isso, Cavour, fiel à sua promessa ao rei, retomara as negocia-
ções com a Santa Sé na esperança de chegar a um acordo, mas, como ante-
riormente, as negociações fracassaram. Contudo, o rei, que ansiava por ter-
minar com as disputas religiosas, enviou em seguida uma delegação pessoal
de três bispos até o Papa. Fê-lo sem a aprovação do governo, o que constituía
um perigoso ato inconstitucional que, por sorte, fracassou. Em seu relatório
ao rei, os três bispos expunham a posição da Santa Sé.
A lei baseia-se em princípios que a Igreja jamais poderá aceitar e que sempre
repeliu. Pressupõe que o Estado possa suprimir à vontade as comunidades
religiosas e seja senhor das posses da Igreja. Nesses termos, não é possível
chegar a um acordo.7
16
Cf. explicação do ministro Rattazzi sobre aspectos legais da lei discutidos em profundidade, em:
9
17
A Igreja é de uma ordem superior à sociedade civil. O Estado não pode dar
ou receber uma constituição que tenha o efeito de submeter pessoas e bens da
Igreja às leis civis. A igualdade perante a lei não pode ser aplicada às pessoas
e bens eclesiásticos.
O Estado não pode permitir o culto público das religiões não católicas. A
permissão concedida em Turim e Gênova para a edificação de templos protes-
tantes é uma ofensa à Igreja católica.
O Estado não pode aprovar uma lei que regule o estado civil dos membros da
Igreja sem primeiro consultar a Santa Sé.
A liberdade de imprensa é inconciliável com a religião católica num Estado
católico.
O Estado não tem o direito de exigir que os atos da Santa Sé, mesmo sem
ser matéria de fé, sejam submetidos à aprovação real antes de se tornarem
efetivos.
Os bispos e o clero que recusam obedecer ou esboçam resistência a uma lei
civil como a que pretende abolir os tribunais eclesiásticos estão simplesmente
cumprindo seu dever.10
10
Cf. G. Martin, The red shirt, 438-439.
18
Sua Santidade deveria saber que fui eu quem evitou que a lei sobre o matri-
mônio civil chegasse à votação no Senado, e serei eu quem fará agora o que for
possível para evitar que se vote a “lei dos conventos”. Talvez, em poucos dias,
caia o governo de Cavour e seja nomeado alguém da direita; porei como con-
dição sine qua non que se chegue a um acordo com a Igreja tão logo quanto
possível. (Faça o favor de ajudar-me.) De minha parte, sempre fiz o que pude.
(As palavras [da alocução] contra o Piemonte não nos ajudaram; e temo que
tenham destruído tudo para mim.) Devo estar atento para que a lei não passe,
mas ajude-me, também, Santo Padre.
Por favor, queime esta folha.11
11
Cf. G. Martin, The red shirt, 439.
19
20
Comentário
A “lei dos conventos” foi, na história da Revolução Liberal, mais impor-
tante do que todas as outras reformas sociais juntas, inclusive a Lei Siccardi
de 1850. Graças a ela, o Reino da Sardenha converteu-se num estado secular.
Note-se que a lei não proibia a ninguém o direito de levar uma vida de con-
templação e oração, vestir roupa especial ou associar-se a outros para o mesmo
fim. Negava, porém, a essas pessoas, o direito de receber privilégios especiais, a
não ser que se dedicassem ao ensino, ao cuidado dos doentes ou à pregação. Fora
dessas instituições úteis à sociedade, não tinham direito à existência no interior
de um sistema legal e social diferenciado. Dessa forma, por exemplo, sem auto-
rização do Estado, não podiam possuir terras vitalícias, livres de impostos, nem
serem isentas de pagar impostos pessoais ou do recrutamento militar.
Tudo isso, em conformidade com os princípios básicos da jurispru-
dência liberal; enquanto, de um lado, todo direito individual é natural
(vem de Deus) e ninguém pode violar esse direito, por outro, todo direito
coletivo depende do Estado. O Estado é a única fonte de direito coletivo
12
Foi nesse contexto que Dom Bosco teve o sonho dos “funerais na corte” e escreveu a Vítor
Emanuel. Pode-se perguntar se Dom Bosco estava ciente dos apuros do rei e de sua difícil decisão.
13
As ordens masculinas diretamente afetadas foram: agostinianos (descalços ou não), regulares de San-
to Egídio, carmelitas (descalços ou não), cartuxos, beneditinos de Monte Cassino, cistercienses, olivetanos,
franciscanos menores, conventuais, da observância e reformados, capuchinhos, oblatos de Santa Maria, pas-
sionistas, dominicanos, mercedários, servos de Maria e filipinos. As ordens femininas foram: clarissas pobres,
beneditinas de Monte Cassino, cônegas de Latrão, capuchinhas, carmelitas (descalças ou não), cistercienses,
beneditinas da crucifixão, dominicanas, terciárias dominicanas, franciscanas, celestinas e batistas.
21
Gabriel Casati era um patriota liberal que estava exilado. Nascido em Milão em 2 de agosto
15
de 1798, fora prefeito no final da década de 1830 sob o imperador austríaco Fernando I. Durante
a Primeira Guerra de Independência Italiana (1848-1849), foi presidente do governo provisório da
Lombardia depois dos Cinco Dias de Milão e a expulsão temporária dos austríacos. Exilado em Turim,
foi primeiro-ministro do governo constitucional. Depois da derrota de Carlos Alberto e a reocupação
austríaca de Milão, permaneceu ali e foi muito ativo na política. Seu nome está ligado à reforma edu-
cacional que concluiu como ministro da Instrução Pública (1859) no governo de Cavour. Faleceu em
Milão em 16 de novembro de 1873.
22
Comentário
Embora a Lei Casati representasse para a Itália uma evolução na edu-
cação, também tinha sérios inconvenientes. Os dois anos de educação pri-
mária obrigatória eram pouco para permitir uma transformação social su-
ficiente. A situação tornava-se ainda pior pela habitual falta de fundos das
pequenas cidades que não recebiam ajuda estatal. A lei dava prioridade à
educação humanista e negligenciava a formação “técnica”. Não contemplava
normas para a educação profissional e a formação de professores para os
níveis inferiores. Enfim, o sistema estava demasiadamente centralizado, pois
era administrado por funcionários reais alocados em Turim.
Convém recordar que a escola de Dom Bosco, anexa ao Oratório de São
Francisco de Sales, teve início com a Lei Boncompagni e, em 1859, precisou
adaptar-se às disposições da Lei Casati. Da mesma forma, todas as suas es-
colas, a partir de 1863, deviam funcionar teoricamente de acordo com a Lei
Casati, embora nem sempre tenha sido assim.
23
Data do sonho
Lemoyne deu uma atenção considerável a este duplo sonho e aos acon-
tecimentos que o envolveram.16 Ele menciona que Dom Bosco contou o pri-
meiro sonho a um numeroso grupo de salesianos, e nomeia 11, entre eles o
seminarista Ângelo Sávio, que atua como intermediário e secretário, e Pedro
Enria, posteriormente coadjutor. Lemoyne não estava presente, pois se uniria
a Dom Bosco uns dez anos depois, em 1864.
Parece fora de dúvida que o “sonho” aconteceu como conta a tradição
biográfica. As numerosas testemunhas mencionadas por Lemoyne deveriam
ser suficientes para confirmá-lo. Há também o testemunho do coadjutor Pe-
dro Enria em suas memórias posteriores. Entretanto, até o momento, não
nos chegou nenhuma das cartas de advertência escritas por Dom Bosco ao
rei. Uma carta, porém, datada em 7 de junho de 1855, escrita a um padre
benfeitor, recentemente publicada, é o testemunho de maior autoridade que
temos. Depois de se referir à situação desconcertante vivida em Turim após a
aprovação da Lei Rattazzi, Dom Bosco acrescenta:
16
MB V, 176-181.
24
Certa pessoa, inspirada por Deus e com grande audácia, escreveu várias
vezes ao rei avisando-o de que adviriam males sobre males, caso não vetas-
se esta lei fatal; manifestou-lhe e descreveu-lhe a morte das duas rainhas
vinte dias antes que ocorressem; a morte do duque de Gênova um mês
antes; a do filho do rei também um mês antes que acontecesse. Antes que
o rei assinasse a lei, foi-lhe escrito: “Se V. S. assinar esse decreto estará
assinando o fim da real casa de Saboia e não gozará mais da saúde de an-
tes. Em seguida, terá que deplorar novas perdas em sua casa; neste ano,
haverá graves desastres em seus campos; grave mortalidade entre seus sú-
ditos”. Logo veremos como isso ocorrerá. Não sabemos se será uma nova
epidemia de cólera ou de tifo, que há alguns dias se manifestou em vários
lugares do Piemonte.17
A carta, tal como foi redigida, revela uma série de coisas: 1ª) a pessoa de
que se fala foi identificada na tradição salesiana com o próprio Dom Bosco,
embora pelo estilo pudesse indicar uma terceira pessoa. Dom Bosco, porém,
foi o transmissor da profecia à corte. 2ª) A expressão “inspirada por Deus”
deve referir-se ao sonho ou experiência de “visão”. 3ª) Dom Bosco escreveu
mais duas cartas ao rei. 4ª) Estas cartas alertaram Vítor Emanuel não só sobre
“funerais na corte” como também sobre a morte de pessoas concretas. 5ª)
Uma última (?) carta, escrita quando o rei se preparava para assinar a lei, pre-
dizia maiores catástrofes. 6ª) Tendo “cumprindo com seu dever”, Dom Bosco
adota uma atitude de distanciamento esperando para ver como tudo termina.
Lemoyne data o primeiro sonho “em fins de novembro de 1854”, e o
segundo, “cinco dias depois”.18
Entretanto, a carta citada anteriormente diz-nos que o primeiro aler-
ta fora enviado “vinte dias” antes da morte das duas rainhas. A rainha-mãe
morreu em 13 de janeiro e a rainha consorte em 20 de janeiro de 1855. Isso
situaria o sonho entre dezembro de 1854 e janeiro de 1855. Em todo caso, o
terminus ad quem é 13 de janeiro (primeira morte).
17
Dom Bosco a Daniel Rademacher, 7 de junho de 1855, Epistolario I Motto, 257. Rademacher
era um padre português que ajudara Dom Bosco.
18
MB V, 178.
19
A tradição assume a natureza onírica da experiência, mas chamá-la de “visão” (alucinação
visual) ou simplesmente “imaginação” seria válido da mesma forma.
25
Quanto à fonte do relato, há que se notar que Lemoyne não foi teste-
munha dos fatos. Contudo, pode ter chegado ao seu conhecimento através
das testemunhas nomeadas. A narração da história como tal é possivelmen-
te uma adaptação daquela narrada por Pedro Enria em suas memórias.22
Ao falar dos sonhos ou “visões com que Deus tinha honrado Dom Bosco”,
Enria escreve:
MB V, 176.
20
MB V, 178.
21
22
Pedro Enria, órfão aos 14 anos por causa da epidemia de cólera de 1854, foi acolhido por Dom
Bosco no Oratório. Mais tarde professou como salesiano coadjutor e foi enfermeiro de Dom Bosco até
sua morte em 1888. Além de escrever crônicas sobre as doenças de Dom Bosco, em 1892, por orien-
tação do padre Lemoyne, escreveu suas memórias autobiográficas. Nessas memórias, ele também fala
dos sonhos dos quais estamos tratando.
26
Recordo que certa noite, em 1854 ou 1855, se não me engano, Dom Bosco
contou um sonho que tivera quando estava em seu quarto. Um indivíduo
vestido de libré vermelha, um pajem da casa real, apareceu diante dele e disse:
“Dom Bosco, há funerais na corte”. Dom Bosco acordou agitado. Mas (pen-
sou) é apenas um sonho. Na noite seguinte, a mesma pessoa apareceu-lhe
(em sonho) e disse-lhe: “Dom Bosco, há grandes funerais na Corte”. E, de
fato, algum tempo depois, as duas rainhas, Maria Teresa e Maria Adelaide,
faleceram, e também o príncipe Fernando, duque de Gênova, e outro jovem
príncipe cujo nome não me recordo.23
Predições realizadas
A rainha-mãe, Maria Teresa, faleceu em 13 de janeiro de 1855, aos 54 anos
de idade, depois de “breve enfermidade”.24 Uma semana depois, em 20 de janei-
ro, a rainha Maria Adelaide, esposa do rei Vítor Emanuel, falecia aos 32 anos após
dar à luz, tendo contraído febre puerperal; por isso, já no dia 19 de janeiro fora
ordenado um tríduo de orações para obter sua recuperação. Algumas semanas
depois, em 10 ou 11 de fevereiro, o irmão do rei, duque Fernando de Gênova,
morreu por causa de “febres pulmonares”. Nesse momento, a Lei Rattazzi era
submetida ao debate. Em 17 de maio, poucos dias antes de o rei assinar a lei, em
29 de maio, morreu também o jovem príncipe Vítor Emanuel Leopoldo.
Teologia da retribuição
O rei Vítor Emanuel não era favorável ao projeto de lei; embora fosse,
pelo Statuto, chefe do Executivo com poder de veto, uma das grandes vitórias
políticas de Cavour fora tornar, na prática, o governo e não o rei o responsá-
vel pelo Executivo. Os escrúpulos pessoais e os de sua mulher e família leva-
ram Vítor Emanuel a opor-se à medida “anticlerical”. Ele mantinha contato
epistolar com Pio IX e, enquanto se debatia a lei, “conspirava” com os bispos
do Senado para bloqueá-la.25 Cavour descobriu “a conspiração” e, na noite de
26 de abril de 1855, com todo o seu governo, apresentou demissão. O rei não
encontrou um substituto conservador e viu-se forçado a nomear novamente
Cavour e ver a aprovação da lei que, “coagido”, assinou em 29 de maio.
P. Enria, Cronaca di Enria Pietro 1854-1888, ASC A013; FDB 932 E12.
23
Jornal católico L’Armonia, 13/1/1855. In: F. Desramaut, Don Bosco, 427, 459.
24
25
Como já se disse, o rei subscreveu uma proposta do bispo Luís Nazari di Calabiana, de Casale,
pela qual uma soma anual em dinheiro, quase 1 milhão de liras, seria garantida para o sustento de
paróquias (motivo alegado que justificava a lei) se o projeto de lei fosse retirado.
27
26
T. Chiuso, La Chiesa in Piemonte dal 1797 ai nostri giorni. Turim, 1887ss. [5 vols.], IV, 197.
In: F. Desramaut, Don Bosco, 428, 459.
27
A. Monti, “Nuova antologia”, 1o/1/1936, 65. In: MB XVII, 898 (Documentos e fatos ante-
riores XXV).
28
Não digo que Deus quisesse a morte dessas pessoas inocentes devido a essa
lei. Contudo, é o que muitas pessoas acreditavam então, e ainda acreditam.
De fato, se diz que Deus quis levar essas boas pessoas com ele justamente para
castigar os malvados envolvidos nela.29
28
Jacques-Albin Collin de Plancy, baron de Nilinse, I beni della Chiesa, come si rubino [...]
(Como estão sendo roubadas as propriedades da Igreja [...]). In: Leituras Católicas, abril/1855.
29
Il Galantuomo (O Homem de Bem) [...] para o ano 1856 (Turim, 1855), 46. In: F. Desramaut,
Don Bosco, 428, 459.
29
30
Crimeia é uma península da Ucrânia, que adentra pelo mar Negro. A guerra foi feita ali para
30
31
31
V. Ceppelini; P. Boroli; L. Lamarque (eds.), Storia d’Italia, 124-126.
32
33
Legnago, e dominava os vales dos rios Ádige e Míncio e as estradas até a Áustria.
34
O periódico Il Giornale di Roma tachou a ideia como rendição à revolução e uma coleção de
33
muitos erros e insultos contra a Santa Sé, já rebatidos no passado. Pio IX, em sua alocução ao corpo
militar francês em Roma (1o de janeiro de 1860), descreveu o opúsculo como ignóbil e contraditório,
e acrescentou ter testemunhos escritos de que as opiniões do imperador sobre o tema eram diametral-
mente opostas às manifestadas no texto.
35
34
Contado com detalhes (com mapas) em G. Martin, The red shirt, 532-626.
36
37
38
39
40
36
A Romanha, região ao norte dos Estados Pontifícios, compreendia as chamadas legações de
Bolonha, Ferrara e Ravena.
37
As Marcas e a Úmbria eram as regiões centrais dos Estados Pontifícios.
41
42
precisou ser não só uma luta contra a opressão estrangeira, mas uma série
de guerras civis. Inevitavelmente, isso abriu feridas que não se curaram fa-
cilmente. Cavour teve êxito ao conseguir apoios, mas foi impossível compor
algumas divisões internas (não simplesmente a divisão entre conservadores e
radicais, mas entre Igreja e Estado, entre os ricos latifundiários e os pobres
camponeses, entre as ricas regiões do norte e o sul empobrecido).
Contudo, a unificação da Itália foi afinal um grande sucesso. Só se pode
lamentar que Cavour não tivesse vivido o suficiente para aplicar sua habilida-
de e inteligência aos problemas iniciais do Estado que ele tanto contribuíra
para criar.
43
Os serviços prestados por Garibaldi no passado e sua popularidade na Itália e no exterior evitaram
38
44
esquerda radical, no poder desde 1876, foi eleito várias vezes deputado, mas
raramente participava do Parlamento ou dos processos políticos, decepciona-
do com sua corrupção e seus comprometimentos.
Faleceu em 2 de junho de 1882, como último sobrevivente dos princi-
pais protagonistas do Risorgimento.39
39
Cavour morreu em 1861; Mazzini, em 1872; o rei Vítor Emanuel e o papa Pio IX, em 1878.
45
1850
9 de março: Leis Siccardi, que aboliram os privilégios especiais do clero,
principalmente os tribunais eclesiásticos e o direito de asilo, reduziram o
número das festas religiosas e proibiram que as congregações adquirissem
propriedades ou aceitassem doações sem permissão do Estado (discussão no
Parlamento sobre o casamento civil).
10 de abril: em protesto a essa discussão, o núncio abandona Turim.
1850, 12 de abril: Pio IX retorna a Roma com a ajuda francesa depois do
exílio em Gaeta.
4 e 23 de maio: o arcebispo Luís Fransoni é preso e encarcerado (um mês).
5 de agosto: são negados os últimos sacramentos a Pedro De Rossi di Santa Rosa no
leito de morte. O arcebispo Fransoni é preso e levado para o exílio (25 de agosto).
46
1851
19 de abril: o conde Camilo Benso de Cavour é nomeado ministro das Fi-
nanças.
2 de dezembro: na França, o golpe de estado do presidente Luís Napoleão
Bonaparte acaba com a Segunda República (coroa-se como Napoleão III).
Aliança política (Connubio) entre o moderado Cavour e o esquerdista Rattazzi.
1851-1852: primeiras versões do Regulamento do Oratório.
1852
7 de janeiro: o latim é substituído pelo italiano como língua oficial para o
ensino universitário no Reino da Sardenha.
31 de março: crise do Oratório; com decreto do arcebispo Fransoni, Dom
Bosco torna-se diretor espiritual geral dos três Oratórios.
20 de junho: bênção da igreja de São Francisco de Sales.
24 de setembro: Miguel Rua passa a viver com Dom Bosco como interno.
Rua e Rocchietti recebem a batina (3 de outubro).
21 e 22 de outubro: o rei Vítor Emanuel II veta a lei do casamento ci-
vil, aprovada pelo Parlamento. O primeiro-ministro Máximo d’Azeglio
demite-se; Camilo Cavour forma o novo executivo como primeiro-mi-
nistro (4 de novembro).
1853
Fevereiro: Dom Bosco começa a publicar as Leituras Católicas, planejadas em
1852 com o bispo Luís Moreno, de Ivrea (apostolado da imprensa).
Outubro: Dom Bosco inicia as oficinas de sapataria e alfaiataria.
27 de outubro: Urbano Rattazzi (da esquerda anticlerical) é nomeado mi-
nistro da Justiça.
15 de novembro: em Turim, nas imediações do Oratório de São Luís, abre-se
ao culto uma igreja valdense.
Desaba a primeira parte do novo edifício que serviria como casa de acolhi-
da (a casa de Dom Bosco), mas é reconstruída e inaugurada na primavera
de 1854.
47
1854
26 de janeiro: constitui-se o grupo dos 4 (Rocchietti, Artiglia, Rua e Caglie-
ro), mais tarde referidos por Rua como salesianos (?), para se comprometerem
no “exercício prático da caridade”.
3 de março: Urbano Rattazzi, ministro do Interior e da Justiça.
10 de março: o seminário é confiscado e transformado em quartel.
19 de abril: surge a “questão do Leste” (repartição do instável Império Oto-
mano entre as potências ocidentais). Cavour propõe no Parlamento que o
Piemonte participe da Guerra da Crimeia contra a Rússia.
Abril: Rattazzi visita o Oratório e entretém-se em conversa com Dom Bosco
sobre a educação; em seguida, acontece o episódio da Generala [segundo a
Storia de Bonetti].
Julho-novembro: surto de uma epidemia de cólera em Turim e em outros
lugares.
Agosto: padre Vitório Alasonatti une-se a Dom Bosco no Oratório.
29 de outubro: Domingos Sávio (1842-1857) entra no Oratório.
Tem início a oficina de encadernação.
28 de novembro: a lei (Cavour-Rattazzi) para a supressão das ordens religio-
sas é apresentada na Câmara baixa.
8 de dezembro: proclamação do dogma da Imaculada Conceição.
1855
1854-1855: o duplo “sonho” de Dom Bosco sobre os funerais na corte e as
cartas de advertência ao rei.
12 de janeiro: morre a rainha-mãe, Maria Teresa (54 anos de idade).
20 de janeiro: morre a rainha consorte, Maria Adelaide (33 anos de idade).
26 de janeiro: Cavour apresenta no Parlamento um tratado com a França e
a Inglaterra, para a participação na Guerra da Crimeia. O tratado é aprova-
do em 10 de fevereiro e, em 4 de março, é publicada a declaração de guerra
contra a Rússia.
11 de fevereiro: morre Fernando, duque de Gênova, irmão do rei.
2 de março: é aprovada na Câmara baixa a Lei Rattazzi-Cavour, para a su-
pressão das ordens religiosas.
26 de abril: proposta de acordo do bispo Calabiana, de Casale, apresentada no
Senado, para evitar a aprovação da lei da supressão. Garantia-se o pagamento
48
de 1 milhão de liras à Igreja para cobrir o salário dos párocos. O rei apoia o
plano e é acusado de conspiração. Demite-se o governo de Cavour.
17 de maio: morre o filho mais novo do rei, príncipe Vítor Emanuel.
29 de maio: a lei da supressão é aprovada pelo Senado (23 de maio) e assi-
nada pelo rei. São suprimidas em todo o reino 35 ordens religiosas com 334
casas e 5.456 membros.
1o de julho: morre padre [beato] Antônio Rosmini Serbati.
16 de agosto: batalha de Chernaja (Guerra da Crimeia), a única em que os
piemonteses, devastados pela cólera, participam com os franceses. O exército
russo é derrotado.
8 de setembro: os franceses tomam Sebastopol.
4 de outubro: João Batista Francésia recebe a batina.
Outubro: Dom Bosco inicia em casa o gimnasio (escola secundária) de três
anos, tendo Francesia (de 17 anos) como professor e moderador.
24 de novembro: João Cagliero recebe a batina.
Dom Bosco publica a sua História da Itália.
1856
Janeiro: os Irmãos das Escolas Cristãs são expulsos das escolas de Turim.
15 de fevereiro a 16 de abril: Congresso de Paris. Cavour pede uma solução
para “a questão italiana”.
11 de maio: a Conferência “adjunta” de São Vicente de Paulo é aprovada no
Oratório.
25 de novembro: morre de pneumonia Mamãe Margarida, a mãe de Dom
Bosco, aos 68 anos de idade.
Construção de um novo edifício na casa (o piso afunda), que substitui a casa
Pinardi. Dom Bosco inicia a oficina de carpintaria.
Têm início o primeiro e segundo anos do gimnasio (escola secundária) no
Oratório (currículo de três anos).
É fundada a Companhia da Imaculada Conceição.
1857
22 de março: Áustria e Piemonte rompem as relações diplomáticas por causa
da visita do imperador Francisco José à Lombardia e ao Vêneto.
9 de março: Domingos Sávio morre em sua casa de Mondônio.
49
Maio: conversa de Rattazzi com Dom Bosco sobre uma Sociedade que dê
continuidade à obra do Oratório.
20 de junho: reforma educacional de Lanza: confirma o sistema Boncompag-
ni, mas estende a “liberdade na educação” ao nível local, especifica a liberação
das escolas particulares, coloca todos os centros de ensino sob o Ministério da
Instrução Pública.
1o de agosto: José La Farina funda a Sociedade Nacional Italiana (idealizada
um ano antes) com a finalidade de promover a causa da unidade italiana (li-
derada por Cavour e a casa Saboia).
Uma coalizão clerical-conservadora é criada para apresentar-se às eleições,
mas é derrotada. O partido de Cavour mantém o controle nas duas câmaras.
O periódico católico L’Armonia conclama os católicos a se afastarem da
vida política.
Dezembro: é fundada no Oratório a Companhia do Santíssimo Sacramento.
1858
14 de janeiro: um atentado falido do extremista Félix Orsini contra Napoleão
III põe em perigo as relações entre o Piemonte e a França, e a causa da unidade
italiana. Cavour, porém, argumenta que a unidade italiana é a única forma de
deter os extremistas, o que abre o caminho para a reunião de Plombières.
Fevereiro: aparições em Lourdes, conhecidas no mundo todo.
18 de fevereiro a 16 de abril: primeira viagem de Dom Bosco a Roma, tendo o
clérigo Rua como secretário. Depois de conversar com o padre Pagani, superior
geral dos rosminianos, Dom Bosco conversa em 9 de março com Pio IX sobre
a fundação e a “forma” da projetada Sociedade. Após a segunda audiência (6 de
abril) e a partida de Roma, primeiro rascunho das Constituições Salesianas.
13 de março: enquanto Dom Bosco está em Roma, o marquês Gustavo Ca-
vour, irmão do primeiro-ministro, pede-lhe que pergunte ao Papa sobre a
possível designação de um novo bispo para Turim; dessa forma, é estimulado
a ser intermediário no “caso Fransoni”.
20 e 21 de julho: Acordos de Plombières entre Napoleão III e Cavour sobre o
apoio francês ao projeto de unificação da Itália.
Outubro de 1858 a abril de 1859: aliança franco-piemontesa, e preparati-
vos para a guerra contra a Áustria.
1859
Janeiro: Dom Bosco publica a Vida de Domingos Sávio.
10 de janeiro: o rei Vítor Emanuel II dirige-se ao Parlamento (“O lamento”).
50
1860
7 de janeiro: Pio IX responde brevemente à carta de Dom Bosco de 9 de
novembro de 1859, em que lamenta e condena os recentes acontecimentos
políticos e louva Dom Bosco e sua obra.
51
1861
27 de janeiro: primeiras eleições gerais para o Parlamento italiano; vitória de
Cavour e da ala liberal moderada.
52
53
1. A década 1852-1862
A certeza à qual Dom Bosco chegou por meio dos acontecimentos já
mencionados permitiu-lhe reforçar e ampliar seu apostolado numa década de
opções e sucessos. Com visão clara e plano preciso, mas sempre respondendo
às circunstâncias e necessidades históricas, seu apostolado desenvolveu-se em
muitas frentes.
54
55
56
57
MB III, 574. Essa viagem, de fato, deve ter acontecido com outro propósito diferente daquele
1
que Lemoyne supõe. Em 1849, surgiram divergências entre os padres do Oratório em Turim. Padre
58
Estratégia preventiva
Dom Bosco recorreu a todas as estratégias imagináveis de proteção. Ao
solicitar contratos e visitar os jovens em seus locais de trabalho, Dom Bosco
erigia-se em protetor e garantidor do jovem no lugar de seus pais. A Socieda-
de de Mútuo Socorro garantia o básico nos períodos de desemprego “a fim
de impedir que os nossos jovens se inscrevessem”3 em sociedades perigosas.
As oficinas criadas por Dom Bosco na casa foram uma inovação posterior,
dentro do espírito educacional do Oratório, demonstrando sua preocupação
pessoal com a educação. Seu principal objetivo era proporcionar aos jovens a
maior proteção possível, afastando-os dos perigos que podiam encontrar nas
oficinas da cidade. Era uma finalidade de educação protetora.
Existe uma grande quantidade de obras escritas sobre o ambiente moral
reinante nas oficinas e fábricas nas quais trabalhavam os meninos corroboran-
do a afirmação de Lemoyne:
Aquele vai e vem todos os dias dos seus meninos às oficinas da cidade, por mui-
to que fossem escolhidos, vigiados e transformados, era um perigo, quando não
um dano, para a disciplina e o aproveitamento dos internos. Os maus costumes
e a irreligiosidade aumentavam entre os operários, e Dom Bosco percebia que
os desafios aos quais os seus alunos eram submetidos podiam destruir em mui-
tos deles o fruto da educação moral e religiosa que procurava dar-lhes.4
Ponte, apesar de ser diretor do Oratório de São Luís, era da oposição e estava próximo das ideias do
padre Cocchi. Não parece provável que Dom Bosco pudesse ou quisesse servir-se dele. Padre Ponte deve
ter feito a viagem por própria conta ou por conta do padre Cocchi que, associado com padre Roberto
Murialdo, naquele momento organizava uma Sociedade de Caridade com a finalidade de fundar o Col-
legio degli Artigianelli. Contudo, as divergências não devem ter sido muito importantes para impedir
que Dom Bosco se servisse dos préstimos do padre Ponte.
2
P. Stella, Economia, 170-171.
3
MO, 230s. Estatutos, MB IV, 74-77.
4
MB IV, 659.
59
60
61
Oficina de encadernação
Em 1854, Dom Bosco fundou a terceira oficina, a de encadernação.9 Le-
moyne parece sugerir que essa oficina teve início casualmente, quando Dom
Bosco, ajudado por Mamãe Margarida, demonstrou como se encadernava
um livro. Na verdade, como as duas primeiras, também esta foi criada para
afastar outro grupo de meninos dos perigos da cidade e para responder a uma
necessidade concreta.
Em 1853, Dom Bosco iniciara as Leituras Católicas, publicadas pelo im-
pressor De Agostini. Contudo, pode ser que tenha pensado em publicar esses
opúsculos no Oratório. Rosmini, em 1853, sugerira a Dom Bosco que crias-
se uma tipografia em Valdocco, como o padre Pavoni fizera em sua Scuola
d’Arti, de Bréscia. Dom Bosco respondeu que “tal projeto esteve presente em
minha mente nos últimos anos; a falta de dinheiro e de um lugar adequado
são as únicas razões pelas quais preteri a sua realização até agora”.10 Nesse
momento, mesmo sem estar equipado para a impressão, podia, ao menos, as-
sumir uma fase da produção de livros em sua própria oficina de encadernação
com preço reduzido.
Do ponto de vista prático, para esta e para suas futuras oficinas, Dom
Bosco já buscava uma clientela maior. No outono de 1854, foi colocado um
anúncio no periódico católico L’Armonia procurando clientes para sua oficina
de encadernação. Oferecia aos seus possíveis clientes um preço reduzido e a
oportunidade de ajudar os meninos pobres que ficaram órfãos recentemente
por causa da epidemia de cólera e foram acolhidos no Oratório.
Aos poucos, a partir da oficina de encadernação, surgiu uma pequena livra-
ria que, dez anos mais tarde, se converteria num estabelecimento independente.
8
MB IV, 660.
9
Lemoyne situa o fato em maio; Stella, no outono de 1854; Wirth, em 1856.
10
Carta de Dom Bosco ao padre Rosmini, 29 de dezembro de 1853, Epistolario I Motto, 211.
62
Oficina de carpintaria
A quarta oficina, de carpintaria e marcenaria, foi criada em novembro
de 1856 na ala do novo edifício, em frente à igreja de São Francisco de Sales.
Seu primeiro mestre foi um senhor chamado Corio, que tinha uma bela voz
de tenor e estudava música.11
Com as finalidades descritas acima, havia também o interesse prático de
preencher as novas necessidades da casa. A projetada ampliação do edifício e das
salas de aula precisava de muitos trabalhos de carpintaria, caixilhos de janelas,
portas, mobiliário, mesas etc. Como para as oficinas anteriores, também para
esta Dom Bosco saiu à procura de clientes. Parece que, apesar de não contar com
os melhores meios, em comparação com as outras três, a oficina de carpintaria
era consideravelmente mais bem equipada e podia oferecer um projeto aceitável.
Em todo caso, as oficinas não podiam competir com estabelecimentos similares
na cidade e, muito menos, com os da produção industrial que começava a sur-
gir no mercado. Dom Bosco procurava evitar o menor indício de competição
com outras oficinas ou empresas, o que poderia criar problemas e dificuldades
em suas relações. Nesse momento, procurava não se aventurar. Era tempo de
recessão econômica e oficinas como as do Albergo di Virtù e da Generala, prisão
correcional para jovens fundada em 1845, passavam por dificuldades.
Número de aprendizes
Citando os registros de Dom Bosco, Lemoyne conta que nos anos 1857
e 1858 os internos em Valdocco somavam 199: 121 estudantes e 78 apren-
dizes, mas destes, ele não indica a distribuição nas várias oficinas.13 Estes
números também incluem, sem dúvida, alguns que ainda trabalhavam em
oficinas da cidade.
11
MB V, 540.
12
Cf. MB IV, 662. Essas normas aparecem no capítulo 9, do Primeiro plano para as normas da
casa, p. 571. Não resta em ASC nenhum original ou cópia impressa dessas normas.
13
MB VI, 40.
63
A jornada de um aprendiz
A jornada de trabalho dos aprendizes foi reconstruída através de teste-
munhos dispersos.15 Deve-se advertir que, nessa etapa, os aprendizes passa-
vam a maior parte do tempo trabalhando, sendo as aulas noturnas a única
instrução formal que recebiam. Era uma instrução principalmente elementar
(catequese, leitura, escrita e um pouco de aritmética), pois muitos deles não
14
MB V, 756ss.
15
Cf. M. Wirth, Da Don Bosco, 67ss.
64
16
MB VI, 193-197.
65
espaço que lhe fora destinado no edifício construído ao longo da rua da Jar-
dineira. No seu lugar foi criada uma fundição de caracteres tipográficos.
Dom Bosco fez um pedido ao governador da província de Turim solici-
tando a licença para abrir uma oficina de tipografia. Inicialmente, ele negou
devido a uma norma legal de 13 de novembro de 1859 (não a Lei Casati, mas
outra aprovada na mesma data); ela exigia que o mestre de tipografia a serviço
da oficina fosse qualificado por ter cursado três anos de aprendizagem e que
a oficina estivesse num lugar acessível ao público. Quando Dom Bosco apre-
sentou os documentos adequados que garantiam esses requisitos, a permissão
foi concedida em 31 de dezembro de 1861.17
O primeiro mestre impressor foi um leigo chamado André Giardino. A
tipografia iria desenvolver-se mais do que as outras oficinas. De fato, quando
em 1883, foram instaladas máquinas de última geração, ela converteu-se na
oficina mais bem equipada de Turim.18 Era uma comprovação do compro-
misso de Dom Bosco com o “apostolado da imprensa” e não tanto para for-
mar impressores para a indústria.
A oficina de ferreiro
Em 1862, Dom Bosco fundou sua sexta oficina, a de ferreiro, na sala
que fora o primeiro local da tipografia. Os dois primeiros mestres foram des-
pedidos por motivos disciplinares e substituídos em 1863 por certo João B.
Garando, hábil artesão da velha escola. Trabalhar o ferro convertera-se num
importante negócio com a expansão imobiliária e industrial. Contudo, os
motivos de Dom Bosco eram mais práticos e domésticos: as necessidades
surgidas pela expansão da casa, com seus novos edifícios, e a igreja de Maria
Auxiliadora já na mesa de desenho. De fato, a oficina fabricou os caixilhos de
ferro forjado para as janelas da igreja.19
17
Cf. MB VII, 56-60. P. Stella, Economia, 246, enfatiza que Dom Bosco tinha em mente “um ne-
gócio e não uma escola” e, por isso, pediu ao governador da província a permissão para abrir um negócio e
não pediu ao superintendente de escolas a permissão de abrir uma escola profissional, “técnica”, segundo a
Lei Casati. L. Pazzaglia, Apprendistato, 30s., nega que a Lei Casati tenha importância neste caso, mas está
de acordo que nos inícios dos anos de 1860 Dom Bosco não estivesse pensando numa escola profissional.
18
MB XVI, 402.
19
Lemoyne, MB VII, 116, também menciona oficinas de tinturaria e chapelaria (1862?), mas pode
referir-se a atividades relacionadas com a alfaiataria, não a oficinas à parte. Ainda mais, nas Memórias da
Pia Sociedade de São Francisco de Sales, de 23 de fevereiro de 1874 (Documento n. 15 da Positio apresen-
tada para a aprovação das Constituições Salesianas), Dom Bosco escreve: “Os aprendizes exercitam-se
nas diversas oficinas do Instituto nos ofícios de sapateiro, alfaiate, serralheiro, carpinteiro, marceneiro,
padeiro, livreiro, encadernador, compositor de tipografia, impressor, chapeleiro, músico, artista, fundidor
de caracteres tipográficos, produtor de calcógrafo e litógrafo” (MB X, 946). Obviamente, muitos desses
são ofícios distintos, não oficinas distintas.
66
A livraria
Em dezembro de 1864, surgiu oficialmente a livraria como atividade
independente. Anteriormente, existira uma pequena livraria ligada à ofici-
na de encadernação. Um folheto anexado ao número das Leituras Católicas
correspondente a esse mês chamava a atenção do público para a livraria. O
“catálogo” incluía alguns livros de texto em latim, obras teológicas, números
atrasados das Leituras Católicas, desde 1853, obras do mesmo Dom Bosco,
composições musicais do padre Cagliero etc.20 Com a tipografia, a livraria
iria adquirir grande importância e se converteria numa próspera aventura co-
mercial. Seu desenvolvimento também se alinhava ao compromisso de Dom
Bosco com o apostolado da imprensa.
O salesiano coadjutor
Contar com membros leigos, os salesianos coadjutores, certamente fez
parte da ideia de Dom Bosco em relação à Sociedade Salesiana desde o prin-
cípio, embora não possamos dizer com segurança como ele concebeu seu
ministério específico. Seria simplista pensar que Dom Bosco decidiu incluir
membros leigos pela pressão de problemas práticos e organizativos, como a
necessidade de contar com mestres artesãos de confiança nas oficinas, e não
como fruto de uma profunda compreensão da espiritualidade da vocação re-
ligiosa laical. O fato, porém, é que as oficinas só começaram a funcionar com
eficiência quando os coadjutores assumiram sua direção.
Em 1860, a Sociedade Salesiana, fundada oficialmente em 1859, acolhe
seus primeiros coadjutores. Na reunião do Conselho de 2 de fevereiro de
1860, José Rossi (1835-1908) foi admitido como membro leigo para “a prá-
tica do regulamento”, como aspirante a noviço. Em 1864, fez sua primeira
profissão e, em 1868, os votos perpétuos; chegou a ocupar postos impor-
tantes na Sociedade. Mais ou menos na mesma época, alguns cristãos leigos
adultos foram admitidos como coadjutores, por exemplo, o cavalheiro Frede-
rico Oreglia di Santo Stefano (1830-1912), que emitiu a primeira profissão
em 1862 e os votos perpétuos em 1865, e José Buzzetti (1832-1891). Oreglia
seria o motor do negócio da tipografia e da produção de livros.21
67
Formas de aprendizagem
Levando-se em conta a idade e os requisitos de admissão,24 mais ou me-
nos até 1860, a média de idade dos aprendizes era de 14-15 anos, semelhante
à dos estudantes. Nos anos de 1860, porém, de acordo com os livros de regis-
tro, a idade média aumentou para 18-19 anos.25 Isso aconteceu pelo fato de
o termo “aprendiz” designar também aqueles que, com mais idade, trabalha-
vam nas oficinas [tratados nesta obra como mestres artesãos].
Não existem informações disponíveis sobre a duração do período de
aprendizagem, os programas de instrução, a qualidade da aprendizagem e exa-
mes, se é que havia. Parece que variassem de caso a caso. Exigente como era,
a aprendizagem parece ter-se baseado na prática, e era organizada segundo
as necessidades pessoais. Alguns aprendizes permaneciam como trabalhadores
contratados. Outros se estabeleciam por conta própria.26
22
Deve-se dizer que, ao relacionar a vocação de coadjutor com o “trabalho” e ao oferecer a esses
leigos uma forma de expressão no “trabalho”, Dom Bosco respondia a circunstâncias históricas concre-
tas e tentava adaptar-se a elas. Não estava definindo a vocação leiga salesiana nesses termos.
23
Cf. MB VII, 116-117, com o texto das normas de 1862. Relacionado com isso, Lemoyne dedica
um espaço considerável a um incidente que possivelmente motivou a quarta revisão que Dom Bosco fez
das normas. Um de seus artigos proibia comer e beber nas oficinas. Mas os jovens da oficina e seus mestres
fizeram uma festa na oficina no dia do seu padroeiro, apesar da norma e da proibição de Dom Bosco,
e sofreram as consequências: os dois mestres, como se diz acima, foram despedidos. MB VII, 118-119.
24
Cf. MB IV, 735: Normas para a Casa Anexa, capítulo 1.
25
P. Stella, Economia, 183.
26
Como indicado em MBe VII, 42.
68
Números
Do número crescente de meninos acolhidos como internos em Valdoc-
co, a partir de 1853 – os novos edifícios tornaram isso possível – os aprendizes
(AA), inicialmente em maior proporção, foram aos poucos perdendo terreno
para os estudantes (EE). Até 1868, a proporção era inversa, segundo consta
nos registros: 1853: AA, 66%; EE, 26%. 1854: AA, 53%; EE, 33%. 1855:
AA, 37%; EE, 49%. 1856: AA, 36%; EE, 54%. 1860: AA, 18%; EE, 63%.
1861: AA, 13%; EE, 70%. 1867: AA, 22%; EE, 68%. 1868: AA, 23%; EE,
66%.29 Isso não foi casual; reflete o pensamento de Dom Bosco em relação às
grandes oportunidades oferecidas pela educação humanista.
Crise e recuperação
Algumas oficinas passaram por um período de crise nos anos sessenta,
durante a construção da igreja de Maria Auxiliadora e a desordem econômica
que supôs. A carta de Dom Bosco de 21 de janeiro de 1868 ao coadjutor
Frederico Oreglia di Santo Stefano, chefe da tipografia e da oficina de encader-
nação, afirma de forma um tanto crítica: “Os tipógrafos estão sem trabalho”.30
Isso pode referir-se apenas aos pedidos de fora, que aumentaram muito com
Oreglia. A crise econômica que sacudiu Turim com a transferência da capital
27
Cf. P. Stella, Economia, 374f.
28
L. Pazzaglia, Apprendistato, 35.
29
Cf. P. Stella, Economia, 180.
30
Epistolario II Motto, 488.
69
70
consideração, porém, que isso não foi além do curso elementar que se minis-
trava nessa época nas aulas noturnas.
Ceria, por sua vez, anota que em 1875 foi decidido dar instrução aos
aprendizes também nas aulas diurnas. Essa medida, em sua opinião, assinala
o início da transformação das oficinas em “verdadeiras escolas profissiona-
lizantes”. Pazzaglia, porém, diz que para além do fato de Ceria não dizer o
que se ensinava nessas aulas noturnas, o assunto das aulas para os aprendizes
também foi debatido no Capítulo Geral II.35
Não resta dúvida de que algo estava mudando nos anos setenta. O te-
mor da mistura de classes sociais dava lugar ao temor de conflito entre as
classes sociais. Os reformistas começaram a pedir que se suavizasse a grande
diferença entre a educação humanista e profissional ou “técnica”, segundo a
Lei Casati, e se criasse um sistema educacional unificado, que não separasse
as duas categorias.
A educação [...] não deveria ser dada aos adolescentes através de programas total-
mente opostos, como se o objetivo fosse criar castas separadas, uma para os zan-
gões da aristocracia e outra para as abelhas trabalhadoras das classes inferiores.36
35
L. Pazzaglia, Apprendistato, 38.
36
Debate parlamentar citado em P. Stella, Economia, 244.
71
Chefes de oficina37
1. Os chefes de oficina são encarregados de instruir os jovens da casa
na arte a que foram destinados pelos superiores. Seu primeiro de-
ver é a pontualidade e, na oficina, dar trabalho aos alunos à medi-
da que entram.
2. Sejam cuidadosos em tudo que se refira ao bem da casa e re-
cordem que seu principal dever é ensinar aos aprendizes e fazer
com que não lhes falte trabalho. Conservem e, dentro do possí-
vel, façam conservar silêncio durante o trabalho; não permitam
que alguém fale, ria, brinque ou cante, fora do tempo de recreio.
Jamais permitam aos alunos saírem para outros encargos. Se for
necessário, peça-se a oportuna permissão ao Prefeito.
3. Não devem fazer contratos com os jovens da casa, nem aceitar, por
própria conta, qualquer trabalho de sua profissão. Conservem o
registro de todos os trabalhos realizados na oficina.
4. Os chefes de oficina são estritamente obrigados a impedir qual-
quer tipo de más conversas e, chegando ao conhecimento de al-
gum culpado, deverão avisar imediatamente ao Superior.
5. Mestres e alunos devem permanecer na própria oficina e ninguém
deve ir a outra oficina sem absoluta necessidade.
6. É proibido fumar, jogar e beber vinho nas oficinas àqueles que ali
vão trabalhar e não se divertir.
7. Antes de iniciar o trabalho deve-se rezar o Actiones quaesumus
(oração de oferecimento) e uma Ave-Maria. Ao meio-dia será dito
o Angelus Domini (Anjo do Senhor), antes de sair da oficina.
37
MB IV, 661-662.
72
38
MB VII, 116-118.
73
74
75
76
Queridos jovens: eu vos amo com todo o meu coração, e basta-me que se-
jais jovens para que eu vos ame muito. Garanto-vos que encontrareis livros
escritos para vós por pessoas muito mais virtuosas e sábias do que eu, mas
dificilmente podereis encontrar alguém que vos ame mais do que eu em Jesus
Cristo e que mais deseje a vossa felicidade.3
[Dom Bosco] não deu passo, não proferiu palavra, não iniciou qualquer traba-
lho que não tivesse como objetivo a salvação da juventude. Deixou que outros
acumulassem tesouros, que outros buscassem prazeres e corressem atrás das
honras. Dom Bosco realmente não amou outra coisa que não fossem as almas;
disse com os fatos, não só com as palavras: “Da mihi animas cetera tolle”.4
77
Isso era evidente em todas as situações nas quais Dom Bosco se encon-
trava com os jovens. Sem qualquer dúvida, vê-se melhor o seu estilo nas
ocasiões em que podia estar com eles de modo permanente. Isso foi possível
com a criação da Casa Anexa, que acolhia jovens residentes, os mais pobres
entre os pobres, para aprenderem um ofício, enquanto aos demais, também
eles pobres, dava formação escolar de nível secundário. As décadas de 1850 e
1860 foram o período em que Dom Bosco se envolveu de maneira direta na
educação, embora não em sala de aula como forma habitual. Foram os anos
de Domingos Sávio (1854-1857), Miguel Magone (1857-1859), Francisco
Besucco (1862-1864) e outros.
6
MB III, 115-116.
78
Que tipo de ambiente educativo e espiritual foi criado por Dom Bosco?
Foi um estilo educativo que se converteu depois em “norma” para a educação
salesiana em todos os lugares?
79
• Biografias e histórias
As biografias de Comollo (1844…), Sávio (1859…), Magone (1861) e Besucco
(1864) têm um objetivo educativo e espiritual específico. Sobre isso, as de Sá-
vio, Magone e Besucco são especialmente importantes, e nos oferecem em seu
conjunto um compêndio do estilo educativo e da direção espiritual de Dom
Bosco para com os jovens da comunidade de estudantes nas décadas de 1850
e 1860. Os vários tipos (Sávio, de boa família cristã; Magone, de lar “desfei-
to”, mas de modo algum um delinquente juvenil; Besucco, inocente pastor da
montanha) apresentam-nos três aspectos do enfoque de Dom Bosco.
O jovem instruído, 1847.7 A Introdução e a Parte I (Instruções introdutórias
e meditações) contêm teses importantes.
Os livros históricos, História eclesiástica (1845...), História da Itália (1855...),
História sagrada (1847...), foram escritos para educar, inculcando valores mo-
rais e espirituais.8
• Regulamentos
Tanto o Regulamento para o Oratório (festivo) com o título Regolamento
dell’Oratorio di San Francesco di Sales per gli esterni (Regulamento do Oratório
de São Francisco de Sales para alunos externos), como o da Casa Anexa ou Re-
golamento per le case della Società di San Francesco di Sales (Regulamento para
as casas da Sociedade de São Francisco de Sales) foram concluídos em 1877.
Os dois regulamentos, dos inícios de 1850, foram corrigidos e acrescidos antes
de serem impressos pela primeira vez em 1877. Eles estabelecem o ambiente em
que a obra educativa, como Dom Bosco a entendia e praticava, ia ser praticada.9
• Outros escritos
Memórias do Oratório (1873-1877).10 Nesta obra, Dom Bosco, entre outros
objetivos, procura mostrar como surgiu e evoluiu seu estilo e método de edu-
cação dos jovens.
7
Mais tarde, Dom Bosco escreveu uma obra semelhante para meninas, que não obteve o mesmo
sucesso: La figlia cristiana provveduta (A jovem instruída, 1878).
8
Sobre isso, tem especial importância a História eclesiástica ao tratar dos santos que se distingui-
ram pela caridade preventiva, especialmente pelos jovens e pelos pobres.
9
Sobre o Regulamento do Oratório, cf. MB III, 86-108, 574-575. Sobre o Regulamento da Casa,
cf. MB IV, 735-755.
10
Edição crítica publicada por A. da Silva Ferreira [Roma: LAS, 1991]. Esta obra, traduzida por
Fausto Santa Catarina para a Editora Salesiana: São Paulo, com várias edições, foi revista e ampliada
por A. da Silva Ferreira e reeditada pela Editora Dom Bosco [Brasília, 2012].
80
11
Edição crítica: Francesco Motto, I “Ricordi confidenziali ai direttori” di Don Bosco (Piccola
Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 1). Roma: LAS, 1984.
12
Cf. Pietro Braido (ed.), Giovanni (San) Bosco, Il sistema preventivo nella educazione della
gioventù: introduzione e testi critici (Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 5). Roma: LAS,
1985. Cf. também RSS 4 (1985), 171-321. Cf. Constituições e Regulamentos da Sociedade de São Fran-
cisco de Sales (1984), 266-274.
13
Epistolario Ceria IV, 201-209. José Manuel Prellezzo (ed.), “Dei castighi da infliggersi nelle
case salesiane: una lettera circolare attribuita a Don Bosco”, RSS 5 (1986), 263-308. Id., “Fonti lette-
rarie della circolare ‘Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane’”, Orientamenti Pedagogici 27 (1980),
625-642. Id., “‘Dei castighi’ (1883): puntualizzazioni sull’autore e sulle fonti redazionali dello scritto”,
RSS 52 (2008), 287-307.
14
Pietro Braido (ed.), La lettera di Don Bosco da Roma del 10 maggio 1884 (Piccola Biblioteca
dell’Istituto Storico Salesiano, 3). Roma: LAS, 1984. Também em RSS 3 (1984), 296-374. Cf. Cons-
tituições e Regulamentos da Sociedade de São Francisco de Sales (1984), 275-287.
81
Carta sobre livros e leituras nas casas e escolas salesianas (1o de novembro de
1885).15 Esta circular expressa as ideias de proteção e prevenção de Dom Bos-
co em relação à educação, embora redigida por outrem.
Testamento espiritual (Memórias de 1841 a 1884-5-6).16 Foi escrito de modo
intermitente entre janeiro-fevereiro de 1884 e fins de 1886, com notas adicio-
nais finais entre 8 de abril e 24 de dezembro de 1887, ou seja, 38 dias antes
de sua morte. Esta é a data em que Dom Bosco confiou a obra a Carlos Ma-
ria Viglietti para que fosse entregue ao padre João Bonetti, diretor espiritual
geral. Esta última e importante obra de Dom Bosco contém muitas de suas
ideias sobre educação.
Cartas pessoais. Várias cartas de Dom Bosco, de vários períodos, evidenciam
suas preocupações educativas e espirituais.17
15
MB XVII, 197-200.
16
Francesco Motto (ed.), Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac. Gio. Bosco a’ suoi figliuoli Sa-
lesiani [Testamento spirituale] (Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 4). Roma: LAS, 1985.
Também em RSS 4 (1985), 73-130.
17
Para a coleção das cartas de Dom Bosco, cf. o antigo Epistolario Ceria (4 volumes), editado por
Eugênio Ceria, e mais recente, ainda incompleto, com edição aos cuidados de F. Motto, Epistolario
Motto (4 volumes até 1875).
82
83
Sem familiaridade não há afeto, sem afeto não há confiança recíproca e sem
confiança recíproca não há contato pessoal e, portanto, não há educação.
Em 1883, um correspondente do jornal parisiense Le Pèlerin escre-
veu sobre a relação de proximidade observada no Oratório de Valdocco:
“Vimos este sistema em ação. O Oratório de Turim é um grande colégio
para internos, no qual não se conhecem filas, mas no qual se vai de um
lado para outro como numa família. Cada grupo rodeia um professor,
sem algazarra, sem alvoroço, sem resistência. Admiramos o rosto sereno
daqueles meninos e tivemos de exclamar: Aqui está o dedo de Deus!”.18
Aquilo que o repórter observou foi apenas um pequeno reflexo exterior do
espírito de família.
Por espírito de família Dom Bosco entendia que a casa salesiana (ora-
tório, internato ou escola, mesmo grande) fosse como um lar, e todas as
pessoas que formavam a comunidade educativa vivessem em comunhão
como numa família. O conceito de família-lar funciona aqui como modelo
do qual aproximar-se o mais possível. Em nossos tempos, a imagem da fa-
mília perdeu muito do seu valor real e simbólico. A própria ideia de família
perdeu grande parte de sua atração numa cultura que praticamente conse-
guiu despojar o lar da sua condição de espaço afetivo no qual o indivíduo
recebe amor e cuidado de forma incondicional das pessoas às quais ele ou
ela corresponderão com amor. No entanto, este é o conceito que Dom Bos-
co tinha de família. Suas experiências infantis, boas ou más, convenceram-
-no de que a vida familiar era um valor do qual não se podia prescindir. A
comunidade educativa, na opinião de Dom Bosco, só era verdadeiramente
educativa se promovesse ao máximo os laços afetivos e as relações existentes
numa família biológica.
Podem-se citar muitos testemunhos sobre o modo de Dom Bosco tentar
criar um ambiente familiar na comunidade do Oratório:
A vida em comum vivida por nós persuadia-nos de que vivíamos como numa
família, mais do que num colégio ou internato, sob a direção de um pai que
nos amava e só se preocupava com o nosso bem espiritual e material.19
Vivia-se no Oratório uma vida de família, em que o amor a Dom Bosco, o
desejo de vê-lo contente, a ascendência que se pode recordar, mas não descre-
ver, faziam florescer entre nós as mais belas virtudes.20
18
MB XVI, 168-169.
19
Padre João Cagliero, em MB IV, 292.
20
Padre Jacinto Ballesio, em MB V, 736.
84
Estar com os jovens era a santa e irresistível paixão de Dom Bosco. Se alguma
vez ele se irritava com alguma coisa era quando se via forçado a abandonar a
doce e familiar companhia dos jovens para fazer alguma visita.21
Dom Bosco entendia que viver juntos numa comunidade educativa era como vi-
ver numa família que compartilha afetos. Ele diria: “Quero que todos nós tenha-
mos um só coração”. Gostaria de ser capaz de descrever a vida que vivíamos, por-
que estive ali, no Oratório, na época de Dom Bosco. [...] Todos nós nos sentíamos
parte de uma família. Dom Bosco sempre se referia [ao Oratório] como a casa.22
21
Padre Jacinto Ballesio, em A. Amadei, Don Bosco I, 350. A obra de Amadei está repleta de citações e
testemunhos que descrevem o ambiente educativo e espiritual do Oratório e o estilo educativo de Dom Bosco.
22
A. Caviglia, La pedagogia, 18-19.
85
Havia ainda razões pessoais por trás dessa preferência de Dom Bosco.
Lemoyne afirma que “o amor espiritual tal qual se experimenta numa família
era uma necessidade imperiosa do seu coração”.23 Braido fala da sua paixão
pela intimidade familiar como de uma característica do temperamento de
Dom Bosco.24 Stella acredita que esse aspecto da personalidade de Dom Bos-
co é resultado da orfandade quando ainda criança.25
23
MB IX, 687.
24
P. Braido, Il sistema preventivo, 159.
25
P. Stella, Vita, 253.
26
MB XVIII, 866.
27
Regulamento do Oratório [Festivo] (1877), 6.
28
Epistolario Ceria IV, 265.
29
Regulamento das casas (1877), 61.
86
Padre Francésia contou ao padre Ceria que, sendo ele jovem seminarista na
época de Domingos Sávio, este ficou doente, com febre. Dom Bosco fora vê-lo na
enfermaria para animá-lo; quando estava para sair, perguntou-lhe se podia fazer
alguma coisa por ele. Sávio, doente como estava, pediu-lhe um gole de água do
balde usado pelos pedreiros.31 Dom Bosco saiu silenciosamente e, depois de algum
tempo, voltou com o balde dos pedreiros cheio de água fresca. Levantou a cabeça
do jovem e deu-lhe a beber da água fresca. Sávio bebeu e adormeceu.32
Pequeno tratado sobre o Sistema Preventivo em edição bilíngue: italiano e francês (1877).
30
G. Brosio, Memoria, FDB 554 E10 - 555 D8. José Brosio, apelidado Il bersagliere, por ter sido
membro de um regimento militar de batedores (bersaglieri), foi um grande ajudante de Dom Bosco
nos inícios do Oratório.
31
Nessa época, estava em construção o edifício que substituiu a casa Pinardi; os pedreiros usavam
um balde de cobre para manter o cimento úmido, enquanto punham os tijolos.
32
Fato narrado pelo padre Ceria no Bollettino Salesiano, 15/6/1950, reproduzido por Terésio
Bosco. In: San Giovanni Bosco, Vita del giovanetto Domenico Savio: trascrizione e complementi di
Teresio Bosco. Turim: LDC, 1991, 120-121.
87
MB III, 30s. O edifício no qual ficavam os aposentos de Dom Bosco, desde 1853, era conhe-
33
88
Religião
Certa ocasião, fevereiro de 1878, Dom Bosco escreveu um memorando
sobre o seu sistema educativo para o ministro do Interior, Francisco Crispi,
sem fazer qualquer referência à religião. A explicação deve ser buscada na
situação “política” ou também na convicção de Dom Bosco de que os jovens
em situação de risco podiam ser ajudados pelo método da razão e do amor,
mesmo sem referência à religião. Mas parece que ele, pessoalmente, acredita-
va não ser possível conseguir a educação de uma pessoa sem tomar por base
a religião cristã. Na cultura europeia ocidental de sua época, não era possível
conceber um bom cidadão que não fosse um bom cristão, e vice-versa.
A religião como base do sistema educativo de Dom Bosco deve dis-
tinguir-se da “prática religiosa” como reforço educativo. Sobre este reforço,
não há dúvida de que Dom Bosco dava grande importância às práticas re-
89
34
“Lembranças confidenciais aos diretores”, 5. In: J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), Juan
Bosco, Obras fundamentales, 550.
35
As duas citações são da “Carta de Roma” (1884). In: Juan Bosco, Obras fundamentales, 612.614.
90
Confiança
“A familiaridade gera afeto, e o afeto, confiança.”36 Há uma razão pela
qual Dom Bosco dava tanta importância à confiança considerando-a essen-
cial para a educação. Seu método educativo baseia-se numa relação afetiva;
a primeira consequência disso é a confiança, ou seja, o fato de abrir-se e
entregar-se a outrem de forma pessoal.
A “Carta sobre os castigos”, de 1883, finaliza com estas palavras que,
embora não sejam escritas por Dom Bosco, refletem bem seu pensamento:
“Recorda que a educação é coisa do coração e que só Deus é dono dele”.37
Braido comenta: “Se o educador não consegue conquistar o coração do jo-
vem, trabalha em vão. Se o jovem não abre o coração ao educador, a educação
é imperfeita”.38 Deveria haver, ainda, reciprocidade, confiança dada e recebi-
da. Isso é decisivo, mas, ao mesmo tempo, não está isento de dificuldades.
Não se estabelece facilmente a confiança. Dom Bosco estava plenamente
consciente das dificuldades inerentes a essa fase crucial do processo educa-
tivo. Maturidade espiritual, entrega e amor, expressos com a amorevolezza,
são condições necessárias para a confiança. Mas mesmo assim isso não se dá
facilmente. A confiança não pode ser comprada, forçada ou ordenada. E é
muito difícil aos educadores, mesmo aos pais, estabelecer uma relação de tan-
ta confiança e receptividade com os jovens, sobretudo com os adolescentes.
Dom Bosco nem sempre teve êxito na aproximação de um jovem, embora
geralmente o conseguisse.
Como se explica esse êxito? Primeiro, porque ele estava de tal modo
consagrado à sua missão, que sua sinceridade e autenticidade como educador
não eram postas em dúvida. Sua presença constante e sua disponibilidade,
sua maneira franca e simples de falar e agir, seus modos respeitosos e amáveis,
sua atitude não ameaçadora e cativante abriam-lhe normalmente o caminho
da confiança.
Em segundo lugar, Dom Bosco era um educador excepcionalmente do-
tado. Possuía uma empatia extraordinária e uma capacidade intuitiva inata.
Mesmo quando ainda era uma criança, conseguia adivinhar os pensamentos
e intenções dos outros meninos. Era capaz de falar com os jovens de modo
que eles não só entendiam o que ele dizia como também eram entendidos por
ele. Estabelecia-se de imediato uma relação de comunicação. Sua maneira de
MB XVI, 447. Há base suficiente para, aparentemente, afirmar que Dom Bosco não foi o
37
91
falar não era demasiadamente culta nem elaborada, mas sempre a conversa
informal de um amigo. Falava sem pressa, com clareza, com simplicidade, di-
retamente, com persuasão e, sobretudo, com total sinceridade: “Eu vos abro o
meu coração: se houver alguma coisa que não me agrade, eu o digo; se houver
um aviso a dar, eu o darei prontamente, em público ou em particular. Não
tenho mistérios: aquilo que trago no coração, eu o ponho nos lábios. Vós
também deveis fazer o mesmo, meus queridos filhos”.39
O episódio de Dom Bosco e o cardeal Tosti com os meninos de rua, na
Piazza del Popolo, em Roma, demonstra como Dom Bosco sabia “fazer-se
próximo” e “estar com” os jovens. Os fatos acontecem na sequência de um
diálogo sobre o modo de aproximar-se dos jovens e conquistar a sua confian-
ça. Padre Lemoyne conta o episódio assim:
39
MB VII, 506.
40
MB V, 917.
41
MB XIV, 846.
92
93
Uso da religião
Já mencionamos a religião no sentido de ela desenvolver um contexto de
vida e fé cristãs e expressar-se em práticas de piedade adequadas para apoiar o
trabalho educativo e moral. A religião também deve ser considerada como estra-
tégia educativa que dirige e sanciona a forma de pensar e agir dos jovens. Dom
Bosco, certamente, usou a religião como estratégia. Ele enfatizou, por exemplo,
o exercício da presença de Deus e a meditação sobre os novíssimos, como no
Exercício da boa morte, para trabalhar a moral e o cumprimento do dever.
Deve-se falar da estratégia da palavra, ou seja, da contínua animação e
direção espiritual feita por Dom Bosco. Ele se dirigia a cada jovem com “pou-
cas palavras ao ouvido”, nas conversas pessoais e no confessionário, ministério
ao qual dedicava várias horas por dia. Exortava a comunidade dos estudantes
e aprendizes por meio de colóquios, especialmente nos “boas-noites”. Como
confirmado pelo testemunho de Pedro Enria, essas breves palavras familiares
dadas no fim do dia demonstraram-se de grande valor educativo.
Prevenção e assistência, como estratégias, ocupam um lugar de honra. Es-
tes conceitos são rapidamente reconhecidos como parte integral do método
educativo de Dom Bosco.
Prevenção
O método educativo de Dom Bosco é conhecido no mundo todo como
Sistema Preventivo. E, certamente, a preocupação com a prevenção é uma carac-
terística específica do método e um sinal reconhecível na tradição educativa
salesiana. Contudo, deve-se advertir que o método não pode ser descrito sim-
plesmente em termos de prevenção. De fato, até onde sabemos Dom Bosco só
94
depois de 1877 usou o termo preventivo para referir-se ao seu método. Parece
que ele adotou o termo para dar ao seu sistema um marco teórico, ou seja,
classificá-lo na história da pedagogia. O termo preventivo, em clara oposição a
repressivo, manifesta as preferências de Dom Bosco na prática educativa, mas
não expressa a riqueza e a complexidade do método. A prevenção, contudo,
é uma estratégia importante da sua metodologia.
A obra do Oratório tinha um caráter preventivo em seu conjunto. Preten-
dia proteger o jovem de influências maléficas ou reparar o dano afastando-o
de situações morais e fisicamente hostis. Essa é a razão pela qual Dom Bosco
abriu as oficinas na casa do Oratório entre 1853 e 1862. Queria afastar seus
meninos dos perigos físicos e morais das oficinas da cidade.
Num nível básico, a prevenção é uma estratégia desenhada para dar
apoio aos jovens em seus problemas pessoais e ajudá-los a confrontar-se de
maneira construtiva com as dificuldades e tentações que se apresentam em
sua vida como pessoas e como cristãos. Num segundo nível, a prevenção pre-
tende delimitar e controlar o perigo enfrentado pelos jovens, de modo que
possam ser resgatados ou, ao menos, possam evitar situações de alto risco.
Dom Bosco, certamente, teria preferido aplicar essa estratégia no nível
básico, isto é, com bons meninos que não corressem perigo, impedindo, por-
tanto, que as situações de risco fossem maiores e construindo em bases seguras.
Ele valorizava enormemente a “inocência”. Mas, apesar de ter sido beneficiado
em situações educativas ótimas com “Sávios” e “Besuccos”, o trabalho do Ora-
tório em seu conjunto era com jovens que viviam em situação de risco. Vemos
na prática de Dom Bosco sua estratégia em funcionamento com os jovens das
prisões de Turim. Vemo-la, também com os internos na casa do Oratório.
Assistência
Dom Bosco tinha um conceito amplo de assistência, como o tinha de
educação. Por assistência, referia-se a toda atividade caridosa em benefício
dos jovens. A palavra e o conceito estão disseminados nas Memórias; são pre-
cursores do termo “Sistema Preventivo” ou método educativo.
Prioridade educativa
“Assistência” e Sistema Preventivo compartilham significado em dois ní-
veis fundamentais: no nível de conteúdo e de objetivos, porque designam o
que se faz para satisfazer as necessidades espirituais e materiais do jovem; e no
nível de estratégia educativa, porque designam a “vigilância” e a “presença” do
educador em relação ao jovem.
95
Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso
encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure
arranjar-lhes emprego com bons patrões e vá visitá-los de quando em quando
ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o pas-
sado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Essa é a origem do nosso
Oratório [...].
Consagrava o domingo inteiro à assistência dos meus meninos; durante a
semana ia visitá-los em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Isso muito con-
solava os rapazes, que viam um amigo interessar-se por eles; e agradava aos
patrões, que ficavam satisfeitos por terem sob sua dependência rapazes assis-
tidos durante a semana e, sobretudo, nos domingos, dias mais perigosos.42
Estratégia educativa
Em geral, a literatura salesiana e não salesiana fala de “assistência” ape-
nas como estratégia. O pior é que só destacam o seu aspecto estritamente
“preventivo”, a “supervisão”, ou seja, a presença “preventiva” moral e física do
educador. É evidente que, neste sentido empobrecido, o conceito de assistên-
cia não faz justiça à concepção de Dom Bosco, nem sequer como “estratégia”.
Dom Bosco entendia “presença” e “disponibilidade” ao jovem em relação a
toda carência e em toda situação educativa. Obviamente, isso inclui “supervi-
são”, se fosse necessária, especialmente no internato.
O objetivo da assistência era colocar o jovem na impossibilidade mo-
ral de fazer algo deplorável e ajudá-lo a evitar experiências potencialmente
danosas. Isso é verdade. Mas considerada em si só, separada de toda a ação
educativa de Dom Bosco, essa visão redutiva e a prática da prevenção não
podem escapar à crítica que foi feita por alguns educadores. Pensam estes que
42
MO, 125. 128.
96
Que ao serem amados nas coisas que lhes agradam, participando de suas in-
clinações infantis, aprendam a ver o amor também nas coisas que pouco lhes
agradam, como a disciplina, o estudo, a abnegação de si mesmos, e aprendam
a agir com generosidade e amor.
97
43
Constituições e Regulamentos da Sociedade de São Francisco de Sales. 2ª ed. 2003, p. 281-282.
98
Grupos juvenis
As associações juvenis eram ferramentas educativas importantes. Na dé-
cada de 1850, quando Dom Bosco carregava praticamente sozinho o peso de
uma enorme e crescente iniciativa educacional, precisou confiar amplamente
nos grupos juvenis e na mediação deles para realizar seu programa educa-
cional. Esta mediação educativa reside no fato de ter sido capaz de cultivar
um seleto grupo de jovens que responderam mais rapidamente à sua direção
espiritual e às suas sugestões de se preocuparem com os companheiros. A
Companhia de São Luís foi exemplo dessa mediação entre os meninos do
Oratório. Na casa, o exemplo mais conhecido disso, mas não único, foi Do-
mingos Sávio e a Companhia da Imaculada.
99
Dom Bosco usa com frequência a expressão “jardim de entretenimento” (giardino di ricreazione)
44
para descrever o pátio do Oratório, mas o faz unicamente por motivos políticos e pragmáticos.
45
Uma das críticas feitas a Dom Bosco por padres e seminaristas durante o processo de aprovação
da Sociedade Salesiana e de suas Constituições era que brincavam com os jovens sem qualquer tipo de
decoro eclesiástico.
100
Excursões outonais
Eram passeios que aconteciam por ocasião da festa de Nossa Senhora do
Rosário, no primeiro domingo de outubro. Em 1848, Dom Bosco começou a
levar um grupo de jovens aos Becchi, lugar do seu nascimento, para a festa de
Nossa Senhora do Rosário, celebrada na capela que criara na casa de seu irmão
José, com uma entrada pelo pátio. Nessa ocasião aconteciam excursões aos ar-
redores. Essas saídas anuais continuaram até 1864, em itinerários sempre mais
amplos, com a banda e um grupo de atores, liderados pelo próprio Dom Bos-
co. Era uma recompensa pelo bom comportamento e pelas notas, e os jovens
competiam ao longo do ano para ter a honra de estar entre os escolhidos.46
Música
A música era algo comum no Oratório. Dom Bosco possuía dotes musi-
cais; apesar de não ter recebido educação musical formal, sabia solfejar, canta-
va com voz de tenor, tocava alguns instrumentos e ainda compunha canções
simples. O canto e a música coral foram logo introduzidos na programação
educativa. Naquela época, nas igrejas do Piemonte, o único canto ouvido,
além de simples canções piedosas cantadas pela comunidade ou por um gru-
po, era o solo masculino no ambão. Normalmente, a instrução musical era
recebida de forma individual e os coros eram criados por pessoas que se ti-
nham formado sob a direção de um mestre de coro.
Ainda em 1845, o próprio Dom Bosco começou a ensinar música aos
jovens em grandes grupos com a admiração de professores de música e edu-
cadores.47 Todos os meninos do Oratório recebiam algum tipo de instrução
musical, incluindo o canto, e o canto de um grupo de jovens no Oratório
era uma característica comum das celebrações religiosas. Foi organizado um
grande coro, que se converteu em instituição no Oratório. Na consagração
das igrejas de Maria Auxiliadora (1868) e do Sagrado Coração em Roma
(1887), os corais do Oratório executaram programas elogiados pela crítica.
A música instrumental também era importante. Tendo iniciado apenas com
um tambor, uma trombeta e um violão no prado Filippi em 1846,48 Dom
Bosco por volta de 1855 já tinha uma banda propriamente dita sob a direção
46
Para uma descrição mais longa e uma lista de obras que tratam das “excursões outonais”, cf.
o ensaio de Michael Mendl, “Comment on the fall outings as a synthesis of Don Bosco educational
method”. In: Memoirs of the Oratory of Saint Francis de Sales from 1815 to 1855. An Autobiography of
Saint John Bosco. Notes and Commentaries by Eugenio Ceria, Lawrence Castelvecchi and Michael
Mendl. New Rochelle: Don Bosco Publications, 1989, 332-338.
47
MO, 198.
48
MO, 151.
101
49
MB V, 346-347.
50
MB V, 347.
102
Representações dramáticas
Dom Bosco também se serviu muito de representações teatrais com fi-
nalidade educativa e de entretenimento. Chamava-o de “teatrinho” (teatrino),
não só por modéstia, mas para distinguir essa forma de entretenimento edu-
cativo do teatro para o público. Desde os inícios, ele se serviu da apresentação
de diálogos, tendo escrito pessoalmente algumas pequenas peças. A casa da
fortuna e as cenas sobre o sistema métrico são um exemplo disso.51 A finalida-
de educativa do teatrinho, concebida por Dom Bosco, é expressa com clareza
nas normas escritas por ele.52 Até 1866, as representações aconteceram no
espaçoso refeitório do porão da igreja de São Francisco de Sales, e, depois,
na grande sala de estudo.53 Dom Bosco não podia permitir-se um teatro ou
salão de atos. O primeiro teatro-salão de atos foi construído pelo padre Rua
em 1895.
Conclusão
Padre Caviglia, testemunha ocular da vida vivida no Oratório, escreve
sobre a maneira como Dom Bosco tratava os jovens:
51
La casa della fortuna: rappresentazione drammatica, pel sacerdote Bosco Giovanni [ ]. Turim: Tip.
dell’Oratorio di S. F. di S., 1865, ver MB VIII, 443. Para as cenas escritas em 1849 por Dom Bosco sobre
o sistema métrico, cf. MB III, 623-652.
52
MB X, 1059-1061.
53
MB VI, 106.
54
A. Caviglia, Don Bosco: profilo, 91.
103
104
para gente jovem. Apesar disso, em 1856, foi reconhecida oficialmente pelo
Conselho Geral como Conferência “associada” de São Vicente de Paulo.55
Em 1857, a Conferência “associada” de São Vicente de Paulo absorveu a
Sociedade de Mútuo Socorro e, mais tarde, agregou à sua estrutura também a
Conferência de São Francisco de Sales que tivera início em 1854.
55
MB V, 468-477. Para um estudo amplo dessa pequena, mas importante associação, cf. F.
Motto, “Le Conferenze ‘annesse’ di San Vicenzo d’ Paoli negli oratori di Don Bosco: ruolo storico
di un’esperienza educativa”. In: J. M. Prellezo (ed.), L’impegno, 468-492. Dom Bosco queria que se
criassem conferências em todos os seus oratórios (onde absorveriam ou somariam forças com os grupos
locais). A organização oficial das Conferências apoiou generosamente o trabalho de Dom Bosco em
todos os lugares.
56
Sobre a pertença, os fundos e as atividades, como foram comunicados ao Conselho Geral das
Conferências e anotados nos registros do presidente, conde Cays, cf. P. Stella, Economia, 266-267.
105
Motivado pelo zelo na caridade que lhe era habitual, [Domingos] escolheu
alguns companheiros nos quais mais confiava e propôs-lhes unirem-se numa
57
Em um pedaço de papel que se conserva em ASC, Miguel Rua anotou os 12 nomes: Beglia
(Bellia), Buzzetti, Francisco Bosco, Cagliero, Francésia, Germani, Gianinati, Marchisi (aprendiz de
12 anos), Ângelo Sávio, Estêvão Sávio, Rua, Turchi (com idades entre 12 e 20 anos), além de Dom
Bosco e do padre Guanti. Padre Rua acabara de entrar como interno no Oratório e tinha 15 anos. Cf.
P. Stella, Economia, 262.
58
Em ASC, como também em P. Stella, Economia, 263. Contudo, acredita-se que o título
“salesiano” nesta nota de Rua foi acrescentado posteriormente.
59
Carta autógrafa transcrita em A. Caviglia, Opere e scritti IV, 86-87; a carta, um texto difícil, tam-
bém é discutida em A. Lenti, Life of Dominic Savio, 1-52, especificamente 23-24 e, em especial, nota 60.
60
Para um estudo mais amplo do tema, sobretudo em relação ao papel de Domingos Sávio na
fundação e organização da Companhia, ver A. Caviglia, Opere e scritti IV, 441-464.
106
61
Giovanni Bosco, Vita di Domenico Savio (1859), 76. In: OE XI, 226. Também: J. Canals; A.
Martínez Azcona (eds.), Juan Bosco, Obras fundamentales, 180.
62
OE X, 226. Cf. J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), Juan Bosco, Obras fundamentales, 180-181.
63
ASC A492.
107
Certo dia da semana, coisa insólita, ninguém se aproximou para comungar [...].
O menino Celestino Durando estava presente [...]. Enquanto o acompanhava
[à escola], Durando disse-lhe [a Domingos]: “Percebeste esta manhã? Deve ter
sido muito triste para Dom Bosco”. Quando os dois voltaram para casa, deci-
diram, junto com os companheiros Bonetti, Marcellino, Rocchietti, Vaschetti
e Rua criar entre eles uma sociedade, cujos membros escolheriam um determi-
nado dia da semana para comungar, de modo que houvesse todas as manhãs al-
guns comungantes [...]. Domingos Sávio aderiu com entusiasmo a essa piedosa
associação e, aconselhado por Dom Bosco, pensou o que fazer para que fosse
64
A. Caviglia, Opere e scritti IV, 444. In: Summarium (coleção resumida de testemunhos dados
no processo de beatificação), 480. Testemunho escrito, número 14.
65
Dom Bosco elogiou padre Bongiovanni na quinta edição da Vida (1878). Esse dinâmico
salesiano, que faleceu repentinamente em 1868, fundou as Companhias do Santíssimo Sacramento e
do Pequeno Clero.
108
duradoura. Orientado, pois, pela sua caridade engenhosa, escolheu alguns dos
melhores companheiros e convidou-os a se unirem a ele para formar a pequena
Companhia que chamaram de Imaculada Conceição [...]. De acordo com seus
amigos, e com a ajuda eficaz de José Bongiovanni, redigiu um regulamento e,
depois de não poucos retoques, em 8 de junho de 1856, nove meses antes de
sua morte, lia-o com eles diante do altar de Maria Santíssima.66
66
MB V, 479-480.
67
A. Caviglia, Ricordo, 117, nota 2.
68
Sobre a origem, normas, fundador e primeiro diretor, o clérigo José Bongiovanni, ver MB V,
759s. Outras passagens: duas conferências de Dom Bosco: MB VI, 185-189. Exemplo de atas: MB
VIII, 1056ss.
109
À moda de conclusão
Características gerais
Neste acúmulo de atividades associativas, nunca em contraposição, mas
frequentemente sobrepondo-se umas às outras, podem-se identificar as se-
guintes características gerais:
110
Características especiais
As várias associações também respondiam a necessidades específicas e
apresentavam traços característicos:
111
71
MB IX, 455.
112
72
Publicada em capítulos no Bollettino Salesiano, outubro e novembro de 1882, p. 171-172 e
179-180. O texto italiano da conversa na Storia, do Boletim Salesiano, foi editado criticamente e com
comentários, por Antônio da Silva Ferreira, “Conversazione con Urbano Rattazzi (1854)”. In: G.
Bosco, Scritti pedagogici e spirituali. Roma: LAS, 1987, 53-69.
113
O colóquio entre Rattazzi e Dom Bosco, tal como editado por Bonetti,
tem o estilo de um artigo de revista escrito para fazer publicidade, partilhan-
do da mesma preocupação educativa das Memórias e do restante da Storia.
Bonetti escreve em 1882, vinte e oito anos depois do fato. Deve ter
obtido o essencial do episódio e do diálogo do mesmo Dom Bosco; é menos
provável que a fonte fosse padre Francésia, que afirma ter estado presente.
Dom Bosco escrevera seu pequeno tratado sobre o Sistema Preventivo alguns
anos antes (1877) e, àquela época, refletia sobre vários aspectos de sua obra
e os horizontes de expansão do apostolado salesiano. Entretanto, a forma de
Dom Bosco recordar e narrar episódios dos primeiros tempos do Oratório é,
frequentemente, “imaginativa”, como se documenta, por exemplo, na crôni-
ca do padre Júlio Barberis.
Está comprovado que Rattazzi visitou o Oratório, pela primeira vez,
provavelmente em 1854. Naquele momento, Rattazzi era ministro de Justiça
e Graça no governo La Mármora. Era advogado e trabalhara na reforma do
Código Penal. Estava interessado especialmente em delinquentes juvenis e,
portanto, no trabalho humanitário e “reformatório” de Dom Bosco com os
jovens. Nessas circunstâncias, é mais provável que sua conversa tenha tocado
o tema da educação dos jovens.
Contudo, não parece verossímil que Dom Bosco lhe tivesse explicado o
Sistema Preventivo, citando quase ao pé da letra o que mais tarde escreveria
no pequeno tratado de 1877. Teria sido algo prematuro, se não anacrônico
em 1854!
O episódio da Generala
Tanto na Storia como em Cinque lustri, a conversa com Rattazzi conti-
nua com o episódio da Generala.73 Bonetti situa-o em 1855, apresentando-o
como exemplo de que o “sistema” funciona. Cita como referência, não Dom
Bosco, mas um esboço biográfico do Oratório, do conde Carlos Conestabile
(1878), com algum material adicional. Bonetti também menciona alguns
registros públicos.
Deve-se ter em consideração o seguinte:
73
A Generala era uma “moderna” prisão correcional para jovens, construída em 1845, como
parte das reformas do rei Carlos Alberto. Situava-se uns 16 quilômetros a sudoeste de Turim, na estrada
que levava à pequena localidade de Stupinigi.
114
115
Para a primeira parte, seguimos P. Stella, Spiritualità, 205-275, e A. Lenti, Don Bosco’s second
1
great hagiography, “The life of young Dominic Savio”, JSS 12 (2001), 1-52.
116
117
(capítulos 25-26) demonstram que, na verdade, ele era modelo para todos e
candidato à canonização.6
6
Cf. J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio. J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.). Juan
Bosco, Obras fundamentales, 217-220. É citada uma carta do pai de Domingos na qual escreve que seu
filho lhe aparecera, garantindo que estava no paraíso.
7
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 143-146.
118
Domingos no Oratório. A antiga casa Pinardi foi demolida em 1856 para dar
lugar a uma segunda seção da casa de Dom Bosco. O número dos internos
subiu a 153. Quando, em 1o de março de 1857, Domingos deixou o Orató-
rio para não mais voltar, os internos eram 199.
Enquanto isso, a principal preocupação de Domingos era ser um bom
tecido nas mãos do alfaiate, e, obviamente, continuar seus estudos secundá-
rios para o sacerdócio.
8
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 135s.
9
J. Cagliero, Summarium, 132-133; A. Caviglia, Ricordo, 101.
10
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 145.
11
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 147-148.
119
12
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 148.
120
Fatos edificantes
Durante o primeiro ano no Oratório, Dom Bosco recorda com detalhes
a heroica intervenção de Sávio para deter uma briga entre dois companheiros
e conseguir que se reconciliassem. Ele também fala da conduta exemplar de
Domingos no caminho para a escola e da sua contínua recusa aos apelos dos
companheiros para ir brincar em vez de voltar diretamente para casa.13 Do-
mingos vivia muito atento para ajudar seus companheiros de outras formas,
com o bom exemplo, com preocupação e zelo, dando conselhos aos novos,
ajudando na catequese etc.
João Roda-Ambrè, aprendiz que também entrou no Oratório em 1854,
testemunhava no processo apostólico de beatificação:
13
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 150-153.
14
Summarium, 22 e 55; A. Caviglia, Ricordo, 15.
121
A primeira coisa que lhe aconselhou para chegar a ser santo foi que trabalhas-
se para conquistar almas para Deus, pois não existe coisa mais santa na vida
do que cooperar com Deus na salvação das almas, pelas quais Jesus Cristo
derramou até a última gota do seu preciosíssimo sangue.17
15
Summarium, 55 e 220; E. Ceria (ed.), San Giovanni Bosco, Il beato Domenico Savio allievo
dell’Oratorio di San Francesco di Sales. Turim: SEI, 1954, 82.
16
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 156.
17
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 157.
122
Verão de 1855
Dom Bosco dissuadia seus jovens de passarem as férias em família, pois
acreditava que ficariam expostos a perigos morais e espirituais. Animava-os a
ficar no Oratório e assegurava-se de que eles desfrutassem desse tempo. Do-
mingos queria ficar, mas Dom Bosco afastou essa ideia. Terminada a escola
18
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 159.
19
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 162ss.
20
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 166ss.
21
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 169ss.
22
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 174ss.
123
A passagem da carta em que fala da cólera e da associação é pouco clara. Creio que Domingos
24
escreve dizendo que falou com Dom Bosco sobre o grupo (associação) que estivera ativo durante o
apogeu da epidemia do ano anterior. Talvez, ele sugira que o grupo voltasse a se reunir e que lhe seria
permitido unir-se ao grupo. Dom Bosco respondeu dizendo que não era necessário, pois apesar do
recente surto, a cólera estava sendo contida pelo frio. Contudo, permitiu que Domingos se unisse ao
124
Amigos especiais
Ao chegar ao Oratório, no outono de 1854, Domingos fez-se amigo
de um bom menino, João Massaglia, que entrara no ano anterior.25 Fica-
ram grandes amigos e mantiveram uma relação espiritual que se fortaleceu
durante o verão que passaram juntos no Oratório em 1855. O jovem, apa-
rentemente com boa saúde, caiu doente e precisou ir embora. Morreu em
sua casa em 20 de maio de 1856. Em fins de outubro (1855), chegaram os
novos alunos para o ano escolar 1855-1856 e Domingos estava pronto para
conhecê-los e ajudá-los no novo ambiente. Nessas circunstâncias, Domingos
conheceu outro bom menino, Camilo Gávio; novamente, surgiu uma grande
amizade entre os dois. Gávio, que estivera doente, sofreu uma recaída quase
imediatamente, e viu-se obrigado a voltar para sua casa, falecendo em 26 de
dezembro de 1855. Dom Bosco dedica dois capítulos inteiros a essas ami-
zades, incentivadas por ele, tendo em mente um claro objetivo educativo.26
Durante o ano escolar 1855-1856, Dom Bosco iniciou um programa
próprio de estudos secundários, a começar do terceiro ano de gramática. O
professor foi o seminarista salesiano de 17 anos João Batista Francésia (1838-
1930). Domingos estudou com ele nesse ano. Dom Bosco comenta que a
saúde de Domingos estava sempre pior e acrescenta que foi essa a razão pela
qual abriu o terceiro ano de gramática no Oratório. Dessa forma, Domingos
não precisaria ir e vir da escola duas vezes por dia.27
Experiências místicas
Dom Bosco dá espaço na biografia às experiências místicas de Sávio:
Até agora, não contei nada de extraordinário [sobre Domingos], exceto se le-
varmos em conta como extraordinárias a conduta inatacável [...], a vitalidade
na fé, a esperança firme e a caridade ardente. Agora, porém, pretendo falar
de algumas graças especiais e experiências pouco comuns que podem atrair
alguma crítica sobre sua pessoa. Contudo, quero garantir ao leitor que [...]
estas são coisas das quais fui testemunha pessoal e direta.28
grupo (associação) que então se dedicava apenas à oração. Pela frase “tornou-me membro”, parece pou-
co provável que Domingos tivesse pedido a Dom Bosco para fundar uma nova associação. Relacionado
com isso, Lemoyne conta o episódio no qual Sávio descobre uma mulher doente de cólera numa casa
próxima. Cf. MB V, 342s.
25
Cf. M. Molineris, Nuova vita, 167-168, cita documentos de arquivo e corrige Caviglia.
26
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 185ss.
27
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 153.
28
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 193ss.
125
A finalidade [do fundador] era garantir a proteção da Mãe de Deus [aos mem-
bros] na vida e especialmente no momento da morte. Para obter essa finalida-
de, Sávio propôs dois meios: fazer e promover práticas de piedade em honra
de Maria Imaculada e comungar frequentemente.31
126
127
A dor que sofria em sua doença era extrema, mas durante o tempo todo
em que esteve no Oratório, não foi ouvido queixar-se nem uma única vez.
Em certa ocasião, eu o vi calado e perguntei-lhe por que não queria falar.
Respondeu-me que tinha uma dor de cabeça tão forte que lhe parecia sentir
estiletes cravando-se em sua fronte. Acrescentou, porém, que suportava tudo
com paciência e na esperança de que a sua dor, unida aos merecimentos de
Nosso Senhor Jesus Cristo, haveria de abrir-lhe o paraíso. Jesus sofrera mais
sem se queixar.
Quando recuperou um pouco de suas forças, levantou-se da cama. Certa vez,
encontrei-o no quarto da “Tita”, aquecendo-se ao fogo, enquanto ela se quei-
xava de suas dores e achaques. Domingos, apesar de ser tão jovem, não duvi-
dou em repreendê-la pela sua impaciência.34
128
39
Reproduzida por A. Caviglia, Vita Domenico; Id., Opere e scritti IV, 560. Cf. também J. Bosco,
Vida del joven Domingo Savio, o. c., 213.
129
Retrato de Domingos Sávio, imaginado pelo pintor Mário Caffaro Rore (1960).
Algum de vós poderá perguntar por que escrevi a vida de Domingos Sávio
e não a de outros jovens que viveram entre nós com fama de ilibada virtude
[...], como Gabriel Fassio, Luís Rua, Camilo Gávio, João Massaglia e outros;
40
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 213ss.
41
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 128.
130
seus feitos, porém, não foram tão notáveis como os de Sávio, cujo teor de vida
foi nitidamente admirável [...]. Aproveitai os ensinamentos que encontreis
nesta vida de vosso amigo e repeti em vosso coração o que Santo Agostinho
dizia para si: “Se ele pôde, por que não eu?”.42
Elenco
– 1847. Sonho relacionado com o trabalho de Dom Bosco – Pre-
monitório.43
O sonho do caramanchão de rosas aconteceu em 1847; repetiu-se com varia-
ções em 1848 e 1856. Dom Bosco contou-o pela primeira vez aos salesianos
em 1864.
42
J. Bosco, Vida del joven Domingo Savio, o. c., 128-129. Luís Rua era irmão do padre Rua.
43
MB III, 33-35. Para alguns sonhos de Dom Bosco, ambientados em sua situação histórico-so-
cial, cf. A. da Silva Ferreira, Acima e além: os sonhos de Dom Bosco. São Paulo: Editora Salesiana, 2011.
44
MB III, 442-443.
45
MB III, 575.
131
– 1849. Sonho.48
Dom Bosco sonhou um encontro com o rei Carlos Alberto depois da sua morte,
em 28 de julho de 1849 no Porto (Portugal); contou-o “muitos anos depois”.
MB VI, 777.
46
MB VI, 777.
47
48
MB III, 539.
49
MB III, 495; citam-se dez testemunhas.
50
Ver estudo crítico das “evidências”. Cf. “Appendice: Carlo il risuscitato da Don Bosco, Postille
alle Memorie Biografiche”. In: P. Stella, Vita, 257-293.
51
MB IV, 302.
52
MB IV, 302.
53
MB IV, 710ss, citando algumas testemunhas.
54
MB V, 178ss.
132
55
MB V, 377ss.
56
MB V, 375ss.
57
MB V, 456.
58
MB V, 456.
133
59
MB V, 722s.
60
MB VI, 301ss.
61
MB VI, 118ss.
62
MB VI, 509.
63
MB VI, 510.
64
MB VI, 797.
65
MB VI, 511.
134
66
MB VI, 546s.
67
MB VI, 708s.
68
MB VI, 797s.
69
MB VI, 818ss.
70
MB VI, 822ss.
71
MB VI, 823s.
135
72
MB VI, 827.
73
MB VI, 828s.
74
MB VI, 864s.
75
MB VI, 879s.
76
MB VI, 885s.
77
MB VI, 897ss. Ver comentários das testemunhas sobre efeitos e imagens do sonho. Ibid., 917ss.
78
MB VI, 792ss.
79
MB VI, 1061s.
136
80
MB VII, 50s.
81
MB VII, 130ss.
82
MB VII, 169ss.
83
MB VII, 193.
84
MB VII, 217s.
85
MB VII, 223ss.
137
em sua casa de Chieri. Segundo Bonetti, Dom Bosco, embora estivesse para
o retiro em Santo Inácio, a uns quarenta quilômetros de distância, anunciara
aquela morte na hora em que acontecera.
86
MB VII, 225s.
87
MB VII, 237s.
88
MB VII, 238s. 242s.
89
MB VII, 284s.
138
90
MB VII, 344ss.
91
MB VII, 345.
92
MB VII, 347s.
93
MB VII, 357ss.
94
MB VII, 472.
95
MB VII, 402.
139
96
MB VII, 550.
97
MB VII, 550s.
98
MB VII, 575s.
99
MB VII, 575ss, 589ss.
100
MB VII, 597s.
140
101
MB VII, 614s. 543ss. Ver reprodução fotográfica do memorando de Mancardi e da aprovação
do padre Alasonatti. In: G. B. Lemoyne, Vita I, 656.
102
MB VII, 649s.
103
MB VII, 676s.
104
MB VII, 698.
105
MB VII, 795ss.
106
MB VII, 819.
107
Ibid., 820s.
141
Comentário
Como se pode ver com a exposição deste panorama, de forma abrangen-
te, Dom Bosco contava “sonhos” que tinham a ver com a condição moral e
espiritual dos jovens, como também “sonhos” puramente moralizantes.
Quanto aos “sonhos” premonitórios de mortes, o próprio Dom Bosco
revela como chegava ao conhecimento de que alguém ia morrer. Nem sempre
era uma premonição claramente definida. Algumas vezes, ele mesmo devia
esperar para ver como resultavam os acontecimentos. Contudo, por finalida-
de educativa e para o bem dos meninos, não duvidava em anunciá-lo publi-
camente. Ele certamente acreditava que desafiar os meninos com a morte era
espiritual e educativamente muito eficaz.
É significativo que estas narrações de “sonhos” se concentrem no perío-
do em que Dom Bosco estava pessoalmente mais envolvido na educação.108
108
A frequência com que as mortes ocorriam no Oratório parece indicar que a taxa de mortali-
dade era bastante elevada. P. Stella, Economia, 220, porém, descobriu que a mortalidade no Oratório
tinha os mesmos níveis de instituições similares no resto do Piemonte.
142
Aqui está uma prática comovedora estabelecida por ele [Dom Bosco]: o Exer-
cício da Boa Morte. “Não esqueçais”, dizia, “que no momento da morte,
recolhe-se o fruto do que semeamos durante a vida. Bem-aventurados sere-
mos se tivermos agido bem; a morte haverá de nos encher de alegria [...]. Se
for o contrário, ai de nós! Remorsos de consciência em ponto de morte e um
inferno aberto a nos esperar” [...]. Quae seminaverit homo haec et metet (O
homem recolherá o que semear). E repetia: “A vida do homem deve ser uma
preparação contínua para a morte”. Em 1847, Dom Bosco começou a fixar
o primeiro domingo de cada mês para este exercício tão salutar, convidando
todos a comungarem e recomendando-lhes que fizessem a confissão como
se fosse a última de sua vida. [...] Atendia uma multidão de penitentes, que
se renovava a cada hora, com caridade e paciência inalteradas. Ao terminar
a missa, Dom Bosco tirava os paramentos sagrados, ia ao pé do altar, onde
tinha um genuflexório preparado, e ali recitava uma afetuosa oração para im-
plorar de Deus a graça de não morrer de morte repentina e uma oração a São
José para obter a sua assistência nos últimos momentos [...]. Em seguida, lia
com grande devoção as ladainhas que recordam as várias fases da agonia de
um cristão, às quais os meninos respondiam: “Jesus misericordioso, tende
piedade de mim!”.109
Outro meio muito eficaz foi o Exercício da Boa Morte. Tão logo teve
meninos internos, fez com que participassem desse exercício com os ex-
ternos; depois, separou-os, destinando-lhes o último domingo do mês, e
o primeiro [domingo] aos do Oratório festivo. Ensinava-lhes o modo de
fazê-lo com proveito. Exortava-os a dispor tudo o que fosse espiritual ou
temporal como se naquele dia devessem apresentar-se perante o tribunal
de Deus e com o pensamento de um chamado imprevisto para a eter-
nidade […]. Pode parecer aos amantes do mundo que a lembrança da
morte enchesse a fantasia juvenil de pensamentos funestos, mas ela era
a razão de sua paz e alegria. O que perturba a alma é estar em desgraça
diante de Deus.110
109
MB III, 18-19.
110
MB III, 354.
143
111
MB IV, 683.
144
112
MB VI, 388s.
145
Alguém dentre vós não o fará de novo. Quem será? Serei eu ou será alguém de
vós! [...]. Eu vos poderia revelar, mas só vos digo que, no seu devido tempo, o
sabereis, e então direis: “Não acreditava que o tal devesse morrer!” [...]. Antes
de ontem, deixei-vos um pensamento para meditar, que deveria servir-vos
para a vida inteira. Ah! se considerássemos que temos apenas uma alma e
que, sendo ela perdida, fica perdida para sempre [...]. Eu sei que, em geral, os
jovens pouco refletem; às vezes, fazem coisas ruins com rapidez inconcebível
e até dormem com isso durante muito tempo, com um monstro horrível que
poderia destruir-vos de um momento a outro. Mas, qual será o despertador
que nos recordará a todo instante esse grande pensamento da alma? Tenho
aqui outra ideia: esse despertador é a morte! Virá um tempo em que deverei
morrer! [...] Será breve ou longo? Será neste ano, neste mês, hoje, nesta noite?
E, no entanto, o que será desta alma naquela hora fatal? Se a perder, ficará
perdida para sempre.114
146
Da mesma forma como o praticavam os adultos, padres e religiosos de modo especial, o exer-
116
cício mensal deriva em última instância dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio. O padre jesuíta João
Croiset promoveu o retiro mensal na França acreditando que muitos dos que não podiam reservar sete
dias por ano para o retiro anual podiam facilmente reservar um dia por mês. Nos inícios do século XVIII
o padre jesuíta Antônio José Bordoni promoveu o retiro mensal em Turim. Fundou a Companhia da
Boa Morte e seus sermões sobre o Exercício converteram-se em referência normal do tema para um pre-
gador. Até sua supressão, os jesuítas promoveram essa Companhia e o retiro mensal. O Capítulo Geral
II (1880) recomendava aos salesianos que meditassem sobre os sermões a respeito da morte e dos “no-
víssimos”, do padre jesuíta Carlos Ambrósio Cattaneo. Da mesma forma, entre outras, as obras de Santo
Afonso eram um recurso habitual para os temas e a muita retórica que acompanhava esses exercícios.
147
117
P. Stella, Spiritualità, 177-185, analisa o papel da morte e dos “novíssimos” na espiritua-
lidade de Dom Bosco, e, portanto, na do Oratório. Ele discute, em dois capítulos adicionais, alguns
componentes dessa espiritualidade; ibid., 187-225.
118
J. Bosco, “Rasgos biográficos del clérigo Luís Comollo”. In: Juan Bosco, Obras fundamentales, 101.
119
Entre as canções incluídas em O jovem instruído havia, para o Exercício da Boa Morte, uma
com o título “Ah! ressoa a terrível trombeta!” (“Ahi! che l’orribil tromba”). No momento da morte, e
diante da perspectiva do juízo e do inferno, o pecador ver-se-á a lamentar (letra da canção): “Mon-
tanhas, caí sobre mim; terra, engoli-me”; “Devemos enfrentar a terrível presença do Juiz supremo e
suportar sua condenação. O Senhor, sem piedade, cheio de terrível ira, nos pedirá contas. Senhor, tem
piedade de mim, pobre pecador [...]”.
148
O biógrafo informa, então, as palavras que Dom Bosco disse anos de-
pois ao padre Francisco Cerruti, quando este escrevia as normas para Filhas
de Maria Auxiliadora sobre a acolhida das crianças:
Queres saber, realmente, quem era Aporti? O corifeu dos que reduzem o en-
sino da religião a puro sentimentalismo. Recorda bem que um dos equívocos
da pedagogia moderna é a de não querer que na educação se fale das máximas
eternas e, sobretudo da morte e do inferno.121
3. Comentário final
A questão do valor desta orientação na educação e na vida espiritual
dos jovens foi muito discutida. Talvez, de um ponto de vista não técnico
e prático, deveríamos distinguir entre preparação para a morte a partir
do temor e preparação para a morte a partir da esperança. A esperança
baseia-se no imutável e fiel amor de Deus, que foi conquistado por Cristo
a nosso favor.
O medo jamais pode ser um incentivo para a educação e a vida espiritual.
Claramente, algumas das premissas teológicas e muito da retórica relaciona-
da com a “preparação para a morte”, e em geral, com a pregação sobre seus
antecedentes, eram apropriadas para gerar medo e não esperança. Se a ênfase
dada por Dom Bosco aos “novíssimos”, especialmente pelo Exercício da Boa
Morte, produziu resultados salutares e transmitiu uma atmosfera de alegria e
liberdade, como garante o seu biógrafo, então devia estar funcionando outra
força que não o medo.
Em todo caso, a importância educativa de que, dada a condição especial
de uma criança ou de um adolescente, a ênfase nos “novíssimos” pudesse ser
danosa e contraproducente, deve ser levada a sério. Contudo, parece que pri-
var os jovens, mesmo os menores, de um aspecto tão importante da fé cristã
como o que se apresenta nos “novíssimos”, poderia ser contraproducente.
120
MB II, 212.
121
MB II, 213.
149
1. Contexto histórico
Dom Bosco já foi apresentado como escritor de obras educativas e
devocionais.1 Sua atividade literária prolongou-se ao longo de toda a vida
e, a partir de 1850, suas obras converteram-se num verdadeiro “apostola-
do da imprensa”. Assim ele o sentia e assim o assumiu como vocação. As
razões a serem encontradas na situação sociorreligiosa em mudança pro-
vocada pela Revolução Liberal e suas reformas, referem-se especialmente
a três áreas:
1
Cf. volume 1, p. 585-598.
150
2
A Lei Casati, redigida pelo ministro conde Gábrio Casati e promulgada pelo rei Vítor Emanuel
II em 13 de novembro de 1859, reestruturou o sistema educacional já reformado pelos ordenamentos
de Boncompagni e Lanza.
3
P. Stella, Economia, 348.
151
Escritor e editor
Dom Bosco logo percebeu a importância de mover-se nesse campo,
como autor e editor. Como autor, já experimentara vários gêneros; entraria,
agora, nesse campo de forma mais decisiva. Em 1856, ele podia proclamar-
-se autor de 26 obras.4 Entraria em cena como editor em 1862, ao criar a
4
Últimas vontades e testamento, de 26 de julho de 1856, em MB X, 1331ss. Cf. lista e comentá-
rios no volume 1 desta série, capítulo XXI, p. 585-587. P. Stella, Vita, 229ss; Michel Ribotta, “Don
Bosco’s history of Italy: a morality play of an exercise in history”, JSS 4:2 (1993), 107-129.
152
Finalidade e estilo
Sua finalidade era religiosa, moral e apologética, ou seja, para ensinar
que a Itália era o que era por causa da religião católica, a mesma que estava
sendo vilipendiada pela imprensa liberal.
Destinava-se às crianças, aos jovens e à gente do povo. Como na História
sagrada e na História eclesiástica, sua linguagem era essencial, simples e direta.
5
Cf. texto completo da carta no Apêndice deste capítulo.
6
Storia d’Italia narrata alla gioventù da’ suoi primi abitatori sino ai nostri giorni corredata di una
carta geografica d’Italia, dal sacerdote Bosco Giovanni [História da Itália narrada à juventude desde os pri-
meiros habitantes até nossos dias, acompanhada de um mapa da Itália, pelo padre João Bosco]. Turim: Tip.
Paravia e Co., 1855, 560 p. Embora datada em 1855, saiu da gráfica somente em agosto de 1856. Cf.
A. Caviglia, Opere e scritti III. Turim: SEI, 1935. Reimpressão anastática: OE VII [Roma: LAS, 1976].
7
Dom Bosco ao editor Marietti, carta de 14 de fevereiro de 1853, Epistolario I Motto, 190.
153
Fontes
Na introdução, Dom Bosco assegura ao leitor que, embora dirigida à
gente simples, a história baseia-se nos melhores estudos. Suas fontes, porém,
são escassas. Ignorou as obras mais eruditas e usou umas poucas que tinham
finalidade didática e eram dirigidas aos jovens. Além de recorrer a obras que
já empregara em sua História eclesiástica, como a adaptação de Bérault-Ber-
castel continuada por Henrion, serviu-se de alguns livros de texto escritos por
professores da época. Entre estes estavam a História da Itália, de León Tettoni
(editada por Paravia, 1852) e uma História da Europa, com foco na Itália,
totalmente confiável, em três pequenos volumes, obra do professor universi-
tário Hércules Ricotti (1816-1883).8
Todavia, os dois livros em que ele mais se baseou, ambos escritos para crian-
ças, foram a série de história universal de Jules-Raymond Lamé-Fleury (1797-
1878) e a série sobre a história italiana intitulada Giannetto: letture elementari
per fanciulli, de Luís Alexandre Parravicini (1799-1880). A linguagem adaptada
para crianças e a apresentação agradável e direta, além do propósito moral explí-
cito dos dois autores, propiciaram a Dom Bosco o modelo que buscava.
Organização e conteúdos
Dom Bosco estruturou sua História da Itália em quatro partes: a Itália
pagã, de suas origens ao início da Era Cristã; a Itália cristã, desde Cristo até
o final do Império Romano do Ocidente (476 d.C.); a Itália medieval, de
476 até o descobrimento da América (1492); e a Itália moderna, de 1492 até
março de 1856.
Cada seção é dividida em capítulos com títulos concisos, centrados nas
pessoas ou nos acontecimentos, preferencialmente de natureza religiosa: “A
era dos mártires”, “As cruzadas”, “A batalha de Lepanto”, “Juliano, o apósta-
ta”, “Gregório VII”, “O imperador Napoleão” etc. Os temas sociais, políticos,
econômicos... são evitados.
Dom Bosco, na composição do texto, selecionou o que era mais atraente
e edificante. Utilizou as fontes sem qualquer tipo de crítica. Algumas vezes,
citava a fonte literalmente, em outras, reelaborava-a ou fazia uma recompilação
de diversas fontes. O texto da História da Itália é, portanto, fruto de numerosas
Breve storia d’Europa e specialmente d’Italia [E. Ricotti, professore di storia moderna nella Reale
8
154
fontes; sua confiabilidade é a das obras menores que foram usadas na sua com-
pilação; o mais discutível, porém, é sua ideologia.
Ideologia
A História da Itália era claramente uma longa lição de moral social e pes-
soal, uma lição modelada pelas ideias morais, religiosas e políticas do próprio
Dom Bosco. Por exemplo, ao elogiar Arquimedes de Siracusa, ele escreve:
“Uma pessoa virtuosa é honrada por todos, também pelos inimigos”. A his-
tória dos irmãos Graco, revolucionários, é encerrada com as palavras: “Assim
pereceram os dois irmãos Graco. Poderiam ter sido estimados como homens
bons e honestos se não tivessem tentado tomar pela força e a violência aquilo
a que não tem direito um cidadão honesto”.9 Seu comentário sobre o suicídio
de um dos seus heróis, Sêneca (65 d. C.) é: “A religião cristã, porém, conside-
ra como grande herói a pessoa que sabe suportar o peso da desgraça”.10
Para Dom Bosco, a virtude e o vício determinam o destino das nações,
assim como as ações dos líderes políticos, dos artistas e, sobretudo, dos santos.
Ele explica dessa forma a queda de indivíduos e nações por causa do orgulho,
da inveja, do egoísmo, da infidelidade aos tratados, da traição e do sacrilégio.
Átila e Napoleão tornam-se culpáveis não pela sua política, mas pelo seu orgu-
lho e crueldade. Por outro lado, o imperador Carlos Magno era “admirável em
todas as coisas”, “simples em seu modo de vida”, soldado piedoso e mecenas
das novas “artes, ciências, civilização e virtude”.11 Entre os papas, Gregório VII
(1073-1085) é o mais admirado. “Nós, italianos, não podemos deixar de admi-
rar muitíssimo este papa: primeiro, porque, em alguns aspectos, libertou a Itália
da dominação estrangeira; e, depois, porque, desde aquele momento, os impe-
radores e reis perderam o poder de interferir na eleição do romano pontífice”.12
Insiste-se no papel da Providência e passa-se por alto pelas forças da
história. Assim “a Providência decreta que Roma deve dominar toda a Itália”.
A Providência também se manifesta nas catástrofes que acontecem entre o
povo e as nações. Por exemplo, Savonarola foi castigado por ter enfrentado
o Papa, representante de Deus na terra: “Se Savonarola tivesse se submetido
aos seus superiores, não teria sofrido essas desgraças”. Ele escreve ao comentar
a morte terrível pela fome, na torre, do tirano de Pisa, conde Ugolino della
Gherardesca, e seus filhos:
9
Storia d’Italia, 76 e 80, os dois comentários são de Lamé-Fleury.
10
Storia d’Italia, 95.
11
Storia d’Italia, 219, 221, 222.
12
Storia d’Italia, 244-249.
155
13
Storia d’Italia, 293.
156
14
Storia d’Italia, 522-523. Estas avaliações foram escritas em 1855.
15
Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 547-560.
157
158
16
L’Istitutore, 26 de novembro de 1859.
159
Propósito da série
Este projeto tinha a finalidade apologética de defender o papado e, de
modo especial, Pio IX, que se tornara muito impopular a partir de 1848. Se-
gundo afirma Dom Bosco na introdução, o conhecimento dos fatos relacio-
nados com o papado proporcionaria um antídoto contra “o ódio e a aversão
dirigidos contra os papas e sua autoridade”. Começou, assim, um projeto,
certamente hagiográfico, cuja dificuldade talvez não tenha previsto.
Ele tinha experiência no tema dos inícios da cristandade. Além da His-
tória eclesiástica, publicara recentemente, nas Leituras Católicas, a vida de São
Martinho de Tours (século IV) e a vida de São Pancrácio, mártir (século I).18
Para estes opúsculos, ele afirma nas introduções, recorrera, direta ou in-
diretamente, a várias fontes antigas, aos bolandistas e a outras obras moder-
nas. Para as vidas dos primeiros papas, precisou recorrer a fontes análogas,
um material que era hagiográfico e, com exceção dos bolandistas, em certa
medida com base em legendas. E o fez sem qualquer tipo de crítica; de aí que,
desde o início, a série sofresse as consequências de suas raízes duvidosas.
A. Caviglia, “Le vite dei papi”. In: Opere e scritti. Turim: SEI, 1929-1965, II 1ª e 2ª, XLIII,
17
446 e 592; F. Desramaut, Don Bosco, 478-485. Como para a História da Itália, guiar-me-ei aqui pela
apresentação de Desramaut.
18
Letture Cattoliche, ano III, fascículos 15 e 16 (10 e 25 de outubro) de 1855, e ano IV, fascículo
3 (maio) 1856.
19
“Vita di San Pietro principe degli apostoli, primo papa dopo Gesù Cristo”. Per cura del sac. Bos-
co Giovanni. Turim: G. B. Paravia, gennaio 1857. Letture Cattoliche ano IV, fascículo 11 (janeiro), 1857.
160
161
20
“Il mese di maggio consacrato a Maria SS. Immacolata ad uso del popolo”. Per cura del sac. Bosco
Giovanni. Turim: G. B. Paravia e Co., abril de 1858. Letture Cattoliche ano VI, fascículo 2 (abril), 1858.
Estudos: P. Stella, “I tempi e gli scritti che prepararono il ‘Mese di Maggio’ di Don Bosco”. Salesianum
20 (1958), 648-694; F. Desramaut, Don Bosco, 508-513. Ver mais adiante, capítulo XIX, p. 606-610.
21
Em 1726, o jesuíta Aníbal Dionisi escreveu o Mês de maio em honra de Maria e, em 1758, outro
jesuíta, Francisco Lalomia, fez o mesmo. Em 1785, o também jesuíta, Afonso Muzzarelli, escreveu um
Mês de maio, que se tornou de uso comum. A prática consistia num exercício “de flores” (virtudes) com
orações, meditações e cânticos. A obra de Santo Afonso, Glórias de Maria, apresentava modelos para me-
ditações, mas formulavam-se temas morais, religiosos, também políticos, e sugeriam-se “modos de agir”.
162
22
A lista dos temas é esta: Deus criador, a alma, o Redentor, a Igreja de Cristo, a cabeça da Igreja,
os pastores da Igreja, a fé, os sacramentos, a dignidade de ser cristão, o valor do tempo, a presença de
Deus, o fim da vida humana, a salvação da própria alma, a morte, o pecado, o juízo individual, o juízo
universal, as penas do inferno, a eternidade das penas do inferno, a misericórdia de Deus, a confissão,
o confessor, a Santa Missa, a Santa Comunhão, o pecado de impureza, a virtude da pureza, o respeito
humano, o paraíso, maneiras de conseguir entrar no Paraíso, Maria nossa protetora nesta vida e Maria
nossa protetora na hora da morte.
23
“Porta teco, cristiano, ovvero avvisi importanti intorno ai doveri del cristiano, acciocchè cias-
cuno possa conseguire la propria salvezza nello stato in cui si trova” [Leva contigo, cristão, ou, avisos
importantes sobre os deveres do cristão para que cada um possa obter a própria salvação no estado em
que se encontra]. Turim: G. B. Paravia e Co., julho de 1858. Letture Cattoliche, ano VI, fascículo 5
(julho) 1858 (Dom Bosco assinou a introdução). Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 513-515.
163
Ao insistir nos deveres das diversas categorias, estará Dom Bosco dando
simplesmente conselhos básicos ou estará propondo uma “moral do dever”
com a acentuação incômoda do dever de aceitar a própria condição? E, se for
assim, refletiria a sua moral e espiritualidade? Sobre isso, deve-se ir além da
ênfase dada pela obra aos deveres próprios de cada estado de vida e considerar
a vida de Dom Bosco em seu conjunto. É certo que o dever era um compo-
nente importante, mas somente em vista de fazer a vontade de Deus, e por
amor a Deus e ao próximo.
24
A. Caviglia, “La vita di Domenico Savio” e “Savio Domenico e Don Bosco”. Studio di Don
Alberto Caviglia. Turim: SEI, 1943. In: A. Caviglia, Opere e scritti. IV. Turim: SEI, 1965; A. Caviglia,
San Domenico Savio nel ricordo dei contemporanei. Turim: Libreria Dottrina Cristiana, 1957. Docu-
mentação e testemunhos: C. Salotti, Domenico Savio. Turim: Libreria Editrice Internazionale, 1915;
M. Molineris, Nuova vita di Domenico Savio: quello che le biografie di San Domenico Savio non dicono.
Castelnuovo Don Bosco: Istituto Salesiano Bernardi Semeria, 1974; San Giovanni Bosco, Il Beato Do-
menico Savio allievo dell’Oratorio di San Francesco di Sales. E. Ceria (ed.). Turim: SEI, 1950; A. Lenti,
“Don Bosco’ second great hagiography essay ‘The life of young Dominic Savio’”. JSS 12:1 (2001), 1-52.
J. Canals; A. Martínez Azcona (eds.), J. Bosco, Obras fundamentales, 120-221.
25
“Vita del giovanetto Savio Domenico allievo dell’Oratorio di San Francesco di Sales, per cura
del Sacerdote Bosco Giovanni”. Turim: Tip. G. B. Paravia e Comp., 1859. Letture Cattoliche 7:11
(janeiro de 1859).
26
Na primeira edição da Vida, Dom Bosco escreveu que Domingos sempre recusara o convite
para ir nadar. João Zucca revelou (publicamente) que Domingos tinha ido uma vez nadar com ele.
164
Ven. Giovanni Bosco, Il Servo di Dio Domenico Savio. Con illustrazioni originali di Giovanni
27
165
Bosco. Caviglia escreve que é uma “verdadeira, autêntica e definitiva edição que
nos é oferecida pelo santo autor, com suas próprias palavras e somente com elas”.28
As edições feitas pelo padre Ceria em 1950 e 1954 apareceram respec-
tivamente por ocasião da beatificação e da canonização de Sávio. O texto é
novamente o da quinta edição. Cada capítulo termina com comentários e
citações dos processos.29
Este resumo da história editorial é suficiente para demonstrar a importância
da biografia de Sávio na mente do seu autor e na história da Sociedade Salesiana.
Fontes
Para esta biografia, Dom Bosco serviu-se dos seus conhecimentos pessoais
e do testemunho de pessoas que conheceram Domingos nas localidades onde
ele vivera. Ao longo da sua curta vida de quase quinze anos, Domingos viveu
em quatro lugares diferentes. 1o No povoado de San Giovanni, município de
Riva, perto de Chieri, onde viveu os primeiros dezoito meses de vida, de 2 de
abril de 1842, dia em que nasceu, até novembro de 1843, quando a família
se transferiu para Murialdo, que pertencia a Castelnuovo, município de Dom
Bosco. 2o Permaneceu em Murialdo por nove anos e uns quatro meses, até fe-
vereiro de 1853. 3o Em Mondônio, para onde a família Sávio se transferiu. Esta
localidade, hoje pertencente a Castelnuovo, era um pequeno município na-
quela época. Após conhecer Dom Bosco em 2 de outubro de 1854, Domingos
deixou Mondônio. 4o Ingressou no Oratório de Turim em 29 de outubro e ali
viveu até 1o de março de 1857, quase dois anos e meio. 5o Voltou, em seguida,
para Mondônio, onde faleceu nove dias depois, em 9 de março de 1857.
Domingos, como se vê, passou dois terços de sua vida em Murialdo. Ali
começou seus estudos primários com o pároco, continuou em Castelnuovo e
completou em Mondônio.
Dom Bosco escreveu pedindo informações aos três padres que foram
professores de Domingos: João Batista Zucca (1818-1878), capelão da igreja
de São Pedro de Murialdo e professor; Alexandre Allora (1819-1880), profes-
sor primário na escola de Castelnuovo; e José Cugliero (1808-1880), profes-
sor primário na escola de Mondônio. Suas respostas foram incluídas nas atas
dos processos de beatificação de Sávio.30
O primeiro a responder, por carta de 19 de abril de 1857, apenas qua-
renta dias depois da morte de Domingos, foi o professor de Mondônio,
28
A. Caviglia, “Vita Domenico Savio” (Introdução). In: Opere e scritti IV, XVII.
29
A. Caviglia, “Vita Domenico Savio” (Introdução). In: Opere e scritti IV, X-XVII.
30
Positio super introductione causae y Summarium (Roma: Typ. Pont. Instituti Pii IX, 1913). Não ten-
do acesso à Positio ou ao Summarium, baseio-me nas obras citadas na nota biográfica citada anteriormente.
166
31
Cenni storici sulla vita del giovane Domenico Savio di Riva di Chieri, frazione borgata di San
Giovanni [Nota histórica sobre a vida do jovem Domingos Sávio, de San Giovanni, povoado de Riva
di Chieri], in Summarium, 212-214.
32
Summarium, 207-208.
33
Summarium, 209-212.
34
Summarium, 219-220, 241-243, 225-227, 236-238, 231-233, 233-235, 239, 240.
167
Deste modo, tomando Maria como apoio de sua piedade, sua conduta moral
pareceu tão edificante e adornada de tais atos de virtude, que comecei a anotá-
-los para não me esquecer deles.35
Conteúdo
Os primeiros sete capítulos (páginas 11-33) da biografia propriamente
dita descrevem os primeiros anos da edificante vida de Domingos e sua edu-
cação antes de ingressar no Oratório de São Francisco de Sales. Esta seção
cobre seus primeiros doze anos e meio, de 2 de abril de 1842 a 2 de outubro
de 1854.
A parte principal do livro (capítulos 7-22, páginas 34-109) ocupa-se do
encontro de Sávio com Dom Bosco e sua posterior entrada e vida virtuosa
no Oratório. Este período cobre de 2 de outubro de 1854 a 1o de março de
1857, cerca de dois anos e meio.
Os capítulos finais (23-26, páginas 110-136) relatam a partida de Do-
mingos do Oratório, o avanço da doença e sua santa morte (1 a 9 de março
de 1857), com testemunhos adicionais.
O início descreve simplesmente a organização estrutural da biografia,
mas o objetivo de Dom Bosco, patente em toda a obra, é desafiar os jovens
a seguirem o caminho da santidade. Para consegui-lo, apresenta-lhes como
exemplo um de seus companheiros que aceitou o desafio e completou a via-
gem espiritual (o ideal levado a termo).
35
J. Bosco, “Vida del jovem Domingo Savio”. Juan Bosco, Obras fundamentales, 148.
168
[Base teológica]
Um destes meios, que vos desejo recomendar mais vivamente, é a difu-
são de boas leituras. Não duvido ao chamar tal atividade de divina, porque o
mesmo Deus fez uso dela para a regeneração da humanidade. Os livros que
ele inspirou foram o meio pelo qual a verdadeira doutrina chegou ao mundo.
Ele quis que esses livros estivessem disponíveis em cada povoado e cidade
da Palestina, e quis que fossem lidos aos sábados nas assembleias religiosas.
Inicialmente, estes livros estavam na posse exclusiva dos judeus, mas depois
que as tribos foram para o exílio na Assíria e na Caldeia, foram traduzidos na
36
Epistolario IV Ceria, 318-321.
169
língua siro-caldaica para que todo o Oriente Médio pudesse aproximar-se de-
les usando sua própria língua. Quando a potência grega se impôs, os judeus
estabeleceram colônias no mundo todo e os Livros Sagrados foram copiados
e distribuídos. Uma nova tradução das Escrituras encontrou seu lugar nas
bibliotecas dos gentios. Assim, oradores, poetas e filósofos daquela época re-
correram à verdade da Bíblia em não poucas ocasiões. Por meio desses escritos
inspirados, Deus preparava o mundo para a vinda do Salvador.
Cabe-nos, pois, imitar a obra do nosso Pai celestial. A difusão de boas
leituras entre o povo é um dos meios mediante os quais o Reino do Salvador
pode estabelecer-se e manter-se em muitas almas. As ideias, os princípios e
o ensinamento moral de um livro católico provêm dos livros divinos e da
tradição apostólica. Os livros católicos são muito mais necessários hoje em
dia, quando a irreligiosidade e o uso imoral da imprensa são uma arma para
saquear o rebanho de Jesus Cristo e arrastar para a perdição o incauto e o
desobediente. Devemos, então, contra-atacar com armas semelhantes.
[O poder do livro]
Deve-se dizer, não obstante, que os livros, mesmo sem ter a força da pa-
lavra viva, contam com vantagens em certas situações. Um bom livro chega à
casa em que o sacerdote não é bem-vindo. Será conservado como recordação
ou recebido como presente mesmo por uma pessoa ruim. O bom livro entra
numa casa sem se envergonhar. Sendo recusado, não desanima. Sendo pego e
lido, ensina a verdade calmamente. Sendo afastado, não se queixa, mas espera
pacientemente o momento em que a consciência reavive o desejo de conhecer
a verdade. Talvez seja deixado a empoeirar-se numa mesa ou numa estante, e
não se lhe dê atenção durante muito tempo. Mas chegará o momento da so-
lidão, da dor, do desgosto, da necessidade de descansar ou da ansiedade pelo
futuro. Então, este amigo fiel sacudirá a poeira, abrirá suas páginas e, como
aconteceu com Santo Agostinho, com o Beato Columba e com Santo Inácio,
levará à conversão.
Um bom livro é amável com aqueles a quem o respeito humano apre-
senta dificuldades e se dirige a eles sem levantar suspeitas. Ele se dá bem com
as pessoas de bem e está sempre preparado para criar uma boa conversação
e caminhar com elas para qualquer parte e em qualquer momento. Quantas
almas se salvaram, foram afastadas do erro, incentivadas na prática da virtude
mediante bons livros!
Quem dá um bom livro de presente adquire grande merecimento dian-
te de Deus, mesmo se não conseguir provocar qualquer pensamento sobre
170
Deus. Em muitas ocasiões, porém, o bem que faz é muito maior. Mesmo
quando a pessoa que recebe o livro não o lê, quando é levado a uma família,
pode ser lido por um filho ou uma filha, por um amigo ou vizinho. Numa ci-
dade pequena pode tocar as vidas de cem pessoas. Só Deus sabe quanto bem
pode fazer um livro numa cidade, numa biblioteca pública, num sindicato ou
num hospital onde o carinhoso presente de um livro é tão apreciado.
O temor de que alguém recuse o presente de um bom livro não nos deve
deter; pelo contrário. Um nosso irmão de Marselha costumava visitar o porto
e levar uma abundante provisão de bons livros para dar a estivadores, técnicos
e marinheiros. Tais presentes eram sempre aceitos, e muitas vezes esses ho-
mens punham-se imediatamente a olhá-los com curiosidade.
171
cristã lhes inspire. Enfim, devem tentar levantar, tanto por pala-
vras quanto por escritos, uma barreira à irreligiosidade e à heresia,
que tentam abrir caminho entre os incultos e ignorantes através de
muitos meios. Com esta finalidade, podem-se fazer homilias oca-
sionais, tríduos, novenas, e a difusão de bons livros” [Constituições
Salesianas (1875), “Finalidades”, art. 7].
4. Consequentemente, os livros que se escolhem para serem distri-
buídos são em geral bons, morais e religiosos. Mais ainda, aque-
les produzidos por nossas gráficas devem ser preferidos por duas
razões. Primeiro, os benefícios derivados podem ser canalizados
para ajudar muitos jovens carentes. Segundo, nossas publicações
pretendem cobrir o campo sistematicamente, e em grande escala,
e assim chegar a cada camada da sociedade.
172
[Exortação final]
São estes os meus assuntos. Depois de ler esta carta, tirai vossas conclu-
sões pessoais. Vede que nossos jovens aprendem moral e princípios cristãos
especialmente através de nossas publicações, mas sem desprezar as dos ou-
tros. Deixai-me mostrar-vos meu descontentamento ao saber que em algu-
mas de nossas casas, livros editados por nós especificamente para os jovens
são ou muito desconhecidos ou bem pouco apreciados. Não ameis nem fa-
çais amar aos outros aquela ciência que, segundo diz o apóstolo, inflat [in-
cha]. Recordai que Santo Agostinho, que era um renomado mestre das letras
e orador eloquente, uma vez nomeado bispo, escolheu um linguajar simples
e a pouca elegância de estilo para evitar o risco de não ser compreendido
pelo seu povo.
173
A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja sempre convosco. Rezai por mim.
Afeiçoadíssimo em Jesus Cristo,
Sac. Gio. Bosco [Padre João Bosco]
174
Antes de 1850
Em outubro de 1847, circulava uma petição de emancipação ou reco-
nhecimento oficial dos direitos dos valdenses e judeus. Dom Bosco, entre
outros, recusou-se a assiná-lo.1 A Constituição (Lo Statuto), outorgada pelo
rei Carlos Alberto em 4 de março de 1848, declarava que “a religião católica,
apostólica e romana é a única religião de Estado. Os credos já estabelecidos
são tolerados de acordo com as leis” (art. 1o). Em 29 de março de 1848, um
Decreto Real interpretava em sentido amplo os artigos 1 e 24, que se referiam
à tolerância de outros credos, outorgando, de fato, aos valdenses e judeus não
só “tolerância” social, mas todos os direitos civis e religiosos.2 O processo ter-
minou quando uma lei foi aprovada em 19 de junho de 1848 que lhes conce-
dia oficialmente a emancipação. Havia, naquele momento, no Piemonte, uns
21 mil valdenses e 7 mil judeus.
O governo liberal do Reino da Sardenha e mais tarde da Itália unificada
favoreceu os valdenses com esta política prática e anticlerical. Como conse-
quência, eles apoiavam o governo liberal contra a Igreja oficial. Os líderes
1
MB III, 272s.
2
MB III, 291s.
175
3
Os valdenses combateram o Oratório de São Luís, localizado em sua região, com todos os meios
disponíveis, bons e maus. Cf. G. Bonetti, Storia, 113-117; MB III, 401ss.
4
Este último fora religioso da Congregação dos Ministros dos Enfermos, de São Camilo de Lellis.
5
MB IV, 695, também narra a forma com que o governo favorecia os valdenses, assim como a
agressão sofrida por Dom Bosco.
176
Eminência, a besta feroz saiu de seu covil, e já não há qualquer caçador que
seja capaz de abatê-la com sua arma. Há apenas alguns poucos subordinados
que se lamentam com desespero, mas cuja voz é sufocada pelo seu tremendo
e ensurdecedor rugir [da besta]. O fato é que os protestantes [valdenses] co-
meçaram a construir um segundo templo, aqui em Turim.6
MB IV, 574. A apologia antivaldense de Dom Bosco será descrita mais adiante.
7
8
MB V, 490s.
9
MB V, 622ss.
10
Atentou-se contra a sua vida, cf. MO, 201ss; MB IV, 696ss. Sobre o cão cinzento (Grigio), cf.
MO, 247ss. e MB IV, 710ss.
177
Encontros pessoais
As Memórias Biográficas contêm numerosos exemplos de debates entre
Dom Bosco e valdenses, e também casos de conversões.11
É interessante a correspondência entre Dom Bosco e o engenheiro e
arquiteto valdense João Priana Carpani, um fanático de convicções evan-
gélicas.12 Motivo do intercâmbio foi organizar um debate “para descobrir
a verdade”. O segundo ponto da proposta de Dom Bosco diz: “Se o senhor
pretende servir-se apenas da Bíblia ou mesmo da tradição e, no primeiro
caso, qual Bíblia quer usar: a grega ou a hebraica, a latina, a italiana, ou a
francesa?”.13
Dom Bosco ajudou alguns ministros valdenses, que tinham sido católi-
cos, a regressarem à Igreja.14 A relação e a história das numerosas entrevistas
entre Dom Bosco e Luís De Sanctis, que era ministro evangélico expulso da
igreja valdense, são de grande interesse.15
Os anos seguintes
Em 1861, Dom Bosco escreveu ao arcebispo Joaquim Limberti, de Flo-
rença, para preveni-lo sobre o perigo da atividade protestante na Toscana.
Depois de falar da atividade missionária anglicana naquela cidade, continua
a descrever os “métodos protestantes”:16
11
MB IV, 616ss; V, 449ss; 658ss; VI, 475ss; VII, 64ss.
12
MB V, 403s.
13
MB V, 450s.
14
MB VII, 177.
15
MB V, 138ss.
16
Epistolario I Motto, 448-450.
178
para obter seus fins e oferecem presentes e dinheiro como isca. São esses os
meios pelos quais nestes anos tiveram êxito ao conseguir arrebatar-nos alguns
milhares de nossos católicos.
O senhor sabe melhor do que eu o que deve fazer. Em todo caso, esteja alerta
e faça todos os esforços necessários para evitar deserções danosas entre o
clero. Promova a difusão de bons livros entre o povo, especialmente aqueles
que desmascaram o absurdo do protestantismo. Contudo, o principal objeto
da sua preocupação pastoral deve ser a instrução catequética dos jovens, pre-
ferivelmente em grupos pequenos.
É isso que estamos fazendo aqui [em Turim], e creio que seja a única coisa que
podemos fazer se quisermos levantar alguma barreira entre nós e o demônio
que nos invade. [...]
179
18
MB VII, 568ss.
19
MB IX, 691ss.
20
MB XI, 411s.
21
MB XIII, 538s.
22
MB XVII, 243ss.
180
23
História eclesiástica (1845), 227-228. OE I, 364-365. Os valdenses foram excomungados no
Concílio de Verona (1184), que não foi ecumênico.
24
Storia ecclesiastica (1845), 9, Prefazio. OE I, 167.
181
épocas contém exemplos de agressões das forças do mal com o resultado final
da vitória da Igreja.
Dom Bosco também trata de outros aspectos da vida da Igreja. Louva a
atividade missionária e a contribuição cultural e civilizatória dos mosteiros e
das congregações religiosas. Faz menção especial da atividade de beneficência
das congregações envolvidas em obras de caridade e não deixa de mencionar
a contribuição dos leigos.
Tema recorrente ao longo do livro é que assim como Deus é autor de
tudo o que é bom, o demônio é autor de tudo o que é ruim encontrado pela
Igreja. Satanás é o instigador de todas as heresias e de todas as perseguições.
Deus, sem dúvida, é “o responsável” final e não os livra do castigo. Dom Bos-
co ressalta as mortes ignominiosas de hereges e perseguidores. Sobre isso, em
resposta à pergunta do livro, “O que devemos aprender então sobre a história
da Igreja?”, Dom Bosco responde:
25
Storia ecclesiastica (1845), 587-588. OE I, 645-646.
182
Inícios polêmicos
A comunidade valdense proclamava que era uma igreja evangélica, pura,
longe de tudo que tivesse a ver com Roma. Condenava a tradição católica
religiosa, litúrgica e devota e, como consequência, a maioria das ideias reli-
giosas professadas por Dom Bosco e inculcadas nos seus jovens. A Revolução
Liberal de 1848 marcou o ressurgimento dos valdenses no Reino da Sarde-
nha, sendo um exemplo disso o livro de Amadeu Bert sobre eles.
Foi nesse contexto que Dom Bosco decidiu enfrentar os valdenses, fa-
zendo-o com critérios usuais na apologética do tempo, que eram ditados por
uma teologia discutível e pelo conhecimento imperfeito das origens da Igreja
e da sua evolução histórica. Essa apologia era dirigida não só contra os val-
denses, mas contra todas as outras heresias e, ocasionalmente, também contra
os não crentes.
O combate apologético de Dom Bosco materializou-se em algumas
obras, das quais as duas primeiras são os Avisos aos católicos, editada pela pri-
meira vez em 1850, e O católico instruído em sua religião, publicada em 1853.
Enquanto na História eclesiástica (1845), Dom Bosco descrevia breve-
mente os valdenses sem dar-lhes muita importância, nos Avisos aos católicos
(1850), começou a aludir a eles diretamente, pois já estavam livres para suas
atividades religiosas e para fazer proselitismo. Organizou o tratado em 6 capí-
tulos breves em forma de pergunta e resposta, como um pequeno catecismo.
Neles, procura demonstrar que a verdadeira religião é a que foi revelada por
Deus, e que só pode ser aquela fundada por Cristo, ou seja, a religião católi-
ca, porque somente ela possui as características de uma origem divina: una,
santa, católica e apostólica. Às demais, embora se digam cristãs, falta alguma
dessas características essenciais, ou todas elas.
26
[Giovanni Bosco] La Chiesa cattolica-apostolica-romana è la sola e vera Chiesa di Gesù Cristo: avvisi
ai cattolici (Avisos aos católicos). I nostri Pastori ci uniscono al Papa, il Papa ci unisce con Dio (Nossos pastores nos
unem ao Papa; o Papa nos une a Deus). Turim: Tipografia Speirani e Ferrero, 1850. OE IV, 121-143. Apare-
ceram edições posteriores ligeiramente revistas. Em 1851, uma edição revista e ligeiramente aumentada foi
incluída como apêndice de O jovem instruído com o título Fondamenti della cattolica religione (Fundamentos da
religião católica). Em 1853, a edição de 1851 dos Avisos (praticamente idêntica) serviu como volume introdu-
tório à coleção das Leituras Católicas (veja-se mais adiante). O texto aparece em OE IV, 165-193. Dom Bosco
diria mais tarde que produziu e fez circular em dois anos umas 200 mil cópias deste fascículo. MO, 237.
183
Dom Bosco conclui o livro pedindo aos leitores que agradeçam a Deus
pelo fato de serem católicos e rezem pela própria perseverança e a conversão
daqueles que vivem separados da Igreja de Deus. E escreve no final: “Ficai
atentos diante dos protestantes e dos maus católicos”.27
A apologética refletida nos Avisos aos católicos vista com os critérios de
hoje, é seriamente defeituosa. Baseia-se em premissas eclesiológicas ultra-
montanas, muito comuns nos tempos de Dom Bosco e mesmo depois. A
visão simplista das origens do cristianismo, a concepção não histórica do
magistério dogmático, a sucessão apostólica restrita praticamente aos papas,
a exclusão total dos não católicos, a condenação em bloco de valdenses, pro-
testantes, judeus, muçulmanos, hereges e descrentes são premissas deficientes
apresentadas também com estilo nada sutil.
27
Avisos aos católicos, 21-25. OE IV, 183-187.
28
A apologia valdense de Amadeu Bert intitulava-se: I valdesi, ossieno i cristiani-cattolici secondo
la Chiesa primitiva abitanti le così dette valli di Piemonte. Cenni storici, per Amedeo Bert, “ministro del
culto valdese e cappellano delle delegazioni protestanti a Torino” (Os valdenses, ou seja, os cristãos católicos
[que vivem] de acordo com a Igreja primitiva nos vales chamados do Piemonte, por Amadeu Bert, ministro
do culto valdense e capelão da delegação protestante de Turim). Turim: Gianini e Fiore, 1849, XXXV-498.
29
A obra de Dom Bosco escrita para refutar Bert intitulava-se: Il cattolico istruito nella sua reli-
gione. Trattenimenti di un padre di famiglia co’ suoi figliuoli secondo i bisogni del tempo, epilogati dal sac.
Bosco Giovanni (O católico instruído em sua religião. Conversações de um pai de família com seus filhos
levado pela necessidade destes tempos, compiladas pelo padre João Bosco). Turim: Tipografia dir. pelo P.
De Agostini, 1853, 111 p. + 340 p. OE IV, 195-305 (Conversações I-VII) + 307-646 (Conversações
VIII-XLIII + Nota em interpretação privada). Tratava-se de uma coleção de tratados publicados nas
Leituras Católicas em 6 capítulos, todos em 1853. Apareceram em março, abril, maio, julho e setembro.
184
História
Bert argumenta que o movimento valdense teve sua origem no tempo do
imperador Constantino, quando a doutrina, o culto e o governo da Igreja de
Cristo começaram a perder sua pureza original. Nessa época, diz ele, um gru-
po de cristãos iluminados resistiu ao desvio do modo de vida do Evangelho.
Bert não vai além e não proclama, como fazem outros, que os valdenses têm
sua origem nos tempos de São Paulo ou São Tiago.
Durante o primeiro milênio, os valdenses viveram nos vales alpinos seguindo
o modo de vida do Evangelho e recusaram-se a aceitar o domínio papal. Estes
cristãos evangélicos não eram nem loucos nem mentirosos. Mesmo antes de
Valdo, no século XII, os valdenses preservaram a doutrina e o culto cristãos
das origens. Mas os papas da Idade Média e seus inquisidores acusaram-nos
de heresia e bruxaria, embora na simplicidade de sua religião só desejassem
levar uma boa vida moral e litúrgica, mais do que dogmática.
Gostariam de viver em paz no sul da França, na Boêmia e na Apúlia, mas a
história da comunidade durante a Idade Média também é a história da “dege-
neração permanente do papado”.
A Reforma protestante foi um acontecimento que reavivou o entusiasmo e
a alegria entre os valdenses. A ignorância e a corrupção do clero, a venda de
indulgências e outros abusos tolerados pela Santa Sé fizeram com que Lutero
retornasse ao cristianismo do Evangelho. E recordou que “o Papa não é infa-
lível”. Os valdenses que viviam nos vales do Piemonte fizeram causa comum
com a Reforma, e, por isso, foram objeto de perseguição incessante. Centenas
de pessoas foram expulsas de suas terras ancestrais e forçadas a fugir e refugiar-
-se na Suíça ou Alemanha.
A Revolução Francesa, até 1830, não fez muito para melhorar a situação dos
valdenses. Só no Piemonte, com a subida ao trono do rei Carlos Alberto em
1831, ela melhorou gradualmente. O rei fora discípulo do ministro valdense
Vaucher, professor na academia protestante do cantão de Genebra.
Finalmente, sob Pio IX, um papa reformista, e com o início de uma nova
ordem política e social na Itália, o rei Carlos Alberto concedeu liberdade e
direitos civis aos valdenses em 27 de fevereiro de 1848, sem levar em conta os
protestos de alguns membros da hierarquia. Foi de fato um ato de graça, mas
também de justiça, retardado por longo tempo. Bert acrescenta que os gover-
nantes da Casa de Saboia só perseguiram os valdenses quando eram instigados
pelos líderes de um falso catolicismo.
Agora, que teve início uma nova era de liberdade para os valdenses, a Igreja
Católica Romana nada tem a temer. Nosso desejo é que um dia a Itália não
seja nem valdense nem católico-romana, mas simplesmente cristã.
185
Crenças
Enquanto narra a suposta história dos valdenses, Bert também explicita suas
crenças religiosas. Os valdenses professam a fé cristã pura da Igreja primi-
tiva. Jesus pregou uma doutrina simples e pura, e com sua morte deu-nos
um exemplo de sacrifício e amor. Com isso, “restituiu à família humana sua
liberdade original”.
Durante os 3 primeiros séculos, os fiéis não tinham lugares especiais de cul-
to, não possuíam uma hierarquia, viviam em comunidades independentes
unidas tão somente pelos “laços sagrados da fé e da caridade”. Seus bispos e
186
outros ministros não tinham nem riquezas nem poder temporal. Os cristãos
reuniam-se em assembleias só para ler e escutar as Sagradas Escrituras expli-
cadas no próprio idioma, e para cantar os louvores do Senhor. Para os fiéis, o
único dia santo era o domingo, e havia alguns dias de jejum e a comemoração
dos fatos mais importantes da vida de Jesus Cristo.
Os valdenses reverenciavam a Bíblia; acreditavam nas verdades do credo dos
apóstolos e do magistério dos primeiros 4 concílios. Mas recusavam todas as
inovações que causaram e continuaram a causar problemas à Igreja de então.
Recusavam, portanto, o primado de Pedro, a autoridade suprema do Papa,
o poder dos bispos como este evoluíra, a hierarquia eclesiástica e qualquer
domínio clerical.
Os valdenses celebravam o Batismo e a Eucaristia, mas não aceitavam os
outros 5 sacramentos do catolicismo romano porque eram antiapostólicos e
iam contra as escrituras. Os ritos, os símbolos materiais e as fórmulas desses
sacramentos eram não só “estranhos, inúteis e censuráveis”, mas também
“blasfemos”.
Recusavam a doutrina do purgatório e a oração pelos mortos. Consideravam
que o culto aos santos era uma prática de “idolatria”, contrária à doutrina da
mediação única de Jesus. Reverenciavam a Virgem Maria como santa, hu-
milde e cheia de graça, mas de uma graça que não podia ser compartilhada.
Também recusavam a veneração das imagens dos santos e de suas relíquias.
Não aceitavam as peregrinações, a água benta, a sacralidade dos cemitérios, a
cruz, a bênção de ramos, os vasos sagrados ou os adornos nas igrejas.
187
Dom Bosco.
Como o título indica, o livro foi escrito segundo a ficção literária de uma
conversação.
Estrutura e conteúdo30
A primeira parte, sem título, de O católico instruído, é uma defesa da verda-
deira religião e compreende as conversações I-XIV: Deus existe. A religião ou
honrar a Deus é uma necessidade dos indivíduos e da sociedade. A revelação,
de Adão a Cristo, é necessária porque a religião natural é insuficiente. A Bíblia
é o veículo da revelação e é verdadeira em sua totalidade. A Bíblia é divina. A
história da salvação é uma história de profecias e milagres, de Adão a Davi, de
Davi a Cristo, o Messias, em quem se realizam todas as profecias. O Evange-
lho, o mais perfeito de todos os livros, é a história de Cristo. Ele é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem. Ressuscitou dentre os mortos e subiu ao céu, “ou-
tra prova da sua divindade”. A incredulidade judaica era censurável.
A segunda e última parte, mais longa, intitulada “A Igreja de Jesus Cristo”, é
uma compilação mais completa.
As conversações I-XII são dedicadas a comprovar que a Igreja Católica Roma-
na é a única e verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Sua expansão prodigiosa de-
monstra que é divina. É uma sociedade estabelecida para preservar a religião
de Cristo. Está edificada sobre Pedro. É a única. É santa. É apostólica, porque
remonta aos apóstolos, enquanto as outras só podem remontar a Calvino, Lu-
tero, Valdo etc. A autoridade na Igreja (hierarquia) foi instaurada por Cristo
e exprime-se em concílios ecumênicos, nacionais, provinciais e diocesanos.
A Igreja de Cristo é visível, com uma cabeça visível, o Papa, Vigário de Cristo.
As 31 conversações restantes, cerca de 300 páginas, são completamente po-
lêmicas; dedicam-se a desacreditar outras religiões, sobretudo os valdenses e
os protestantes.
As conversações XIII-XIX (não há a de número XVI) começam por descartar
o Islã (Maomé, o Corão e sua doutrina) e a ortodoxia grega (um cisma feito
de má-fé). Os valdenses são atacados sem piedade em quatro conversações
que contam a origem da seita, criticam a má-fé de seus ministros e desquali-
ficam-na como verdadeira Igreja de Cristo.
As conversações restantes, XX-XLIII, que ocupam os últimos três opúsculos,
são um ataque contra os protestantes. O primeiro dos 3 (9 conversações) fala
de Lutero, Calvino, Teodoro de Beza, Henrique VIII e o anglicanismo e os
30
Ver tabela detalhada dos conteúdos de O católico instruído, em OE, IV, antes da primeira página.
188
Comentário
Como no caso de Avisos aos católicos, de 1850, são evidentes as fragi-
lidades deste tipo de apologética, comum nos tempos de Dom Bosco. Não
há uma interpretação crítica da Bíblia e dos primeiros textos cristãos, nem
conhecimento da história da antiguidade. Não se distingue entre causalidade
primária e secundária etc. A ausência de espírito crítico invalida a muitos
dos argumentos apologéticos. Contudo, o que levanta sérias dúvidas sobre a
eclesiologia de Dom Bosco é a recusa de reconhecer valores nas religiões não
católicas e não cristãs.
189
valdense. Em seu relatório Ad limina à Santa Sé, de janeiro de 1852, ele men-
ciona uma coleção de tratados religiosos populares cuja publicação pretende
iniciar no ano seguinte.
Enquanto isso, nos inícios de 1852, Dom Bosco escrevera um tratado
antivaldense de extensão considerável com o título de O católico instruído,
redigido depois de ler o trabalho de Amadeu Bert sobre os valdenses. O ardor
e o estilo apologético do tratado de Dom Bosco eram basicamente os mesmos
do primeiro opúsculo, de menor dimensão, os Avisos aos católicos. Como ele
mesmo relata nas Memórias,31 pretendia iniciar imediatamente com a publi-
cação da série sobre O católico instruído, mas nenhum bispo o apoiava. Foi
nesse momento que o exilado arcebispo Fransoni pediu a dom Moreno que se
ocupasse do assunto. O bispo percebeu, então, ter encontrado o homem que
realizaria o plano que ele mesmo concebera. O católico instruído seria final-
mente publicado em capítulos durante o primeiro ano das Leituras Católicas.
Ao longo de 1852, dom Moreno pressionou Dom Bosco para que de-
senvolvesse o projeto de uma nova aventura editorial e criasse um programa
para ele. A correspondência relativa ao tema mostra que Dom Bosco foi o
autor do programa e que o bispo fez observações frequentes e deu contri-
buições. Na primeira fase, dom Moreno foi também o responsável de obter
apoio financeiro para a coleção que se chamaria Leituras Católicas. Dom Bos-
co propôs uma nova edição de seus Avisos aos católicos, que serviria, com uma
introdução adequada, como apresentação da série ao público. Dom Moreno
concordou. Em março de 1853, Dom Bosco iniciou a publicação.
190
Sucesso da coleção
De março de 1853, ano da fundação, até dezembro de 1888, ano da
morte de Dom Bosco, foram publicados 432 opúsculos. Deles, cerca de 130
foram reimpressos várias vezes. Havia uma grande demanda do Catecismo
sobre a Igreja Católica para uso do povo, do jesuíta João Perrone, que alcançou
32 reimpressões.32
O próprio Dom Bosco escreveu uns 70 opúsculos para a série; mais
decisivo, porém, foi conseguir reunir um grupo de bons escritores que ga-
rantiram a continuidade da publicação. Entre eles, destaca-se o padre José
Frassinetti, de Santa Sabina de Gênova, que contribuiu com uns 15 números.
Outros foram os padres Francisco Martinengo, da Congregação da Missão,
os jesuítas Lourenço Gerola e Segundo Franco, o capuchinho Felipe de Poi-
rino, o cônego Lourenço Gastaldi e outros. Dom Bosco também incentivou
seus salesianos a escreverem e criou entre seus seguidores o que se pode cha-
mar de “escola de escritores”. Os mais conhecidos são os padres João Batista
Lemoyne, João Bonetti, Júlio Barberis e João Batista Francesia.
Quanto aos conteúdos, além da controvérsia valdense da década de
1850, cerca de metade das publicações das Leituras Católicas referem-se ao
campo da instrução moral e dogmática; um terço trata do campo histórico-
-biográfico, com ênfase especial nas vidas dos santos; os demais são histórias
agradáveis. A publicação permaneceu fiel ao seu programa original para a
educação religiosa e moral das massas.
As Leituras Católicas foram, sem dúvida, um sucesso editorial que dei-
xou sua marca, o que explica a reação violenta dos valdenses. Em fevereiro de
1856, Dom Bosco escrevia: “Pelo que sabemos, cremos que conseguimos o
que prometíamos. Em apenas três anos, com grande sacrifício, pusemos em
circulação cerca de 600 mil cópias das Leituras Católicas. Poderíamos ter feito
melhor se pudéssemos penetrar naquelas cidades e povoados nos quais ainda
são praticamente desconhecidas”.33
Além de ser uma série de opúsculos, as Leituras Católicas também era
uma associação. O povo unia-se para apoiar a produção e a maior difusão
32
Diga-se que a apologética de Perrone era do tipo mais reacionário.
33
Leituras Católicas III: 23 e 24. Turim: Tip. G. B. Paravia, 1856, 5s.
191
possível de livros que tinham a ver com a fé católica. O primeiro artigo das
regras escritas por Dom Bosco para a associação dizia:
Até 1856, Dom Bosco conseguira criar uma rede de 100 associações
que lhe garantiam a distribuição em cidades e aldeias de todo o Piemonte e,
depois da carta de recomendação do Papa, de novembro de 1853, um pouco
por toda a Itália.35
A edição em francês das Leituras Católicas teve início em 1854. Mais tarde
houve também edições em espanhol e em português. Inicialmente eram sim-
ples traduções do italiano, mas não demorou muito para que cada país admi-
nistrasse a sua própria produção, sempre em linha com o programa original.
Piano d’associazione alle Letture Cattoliche (Plano de regras para a Associação de Leituras Católicas).
34
Detalhes sobre a circulação nos anos 1853-1860, cf. MB IV, 523s. As Memórias Biográficas
35
192
[L. Rendu, trad. por Bosco] O comércio das consciências e da agitação pro-
testante na Europa. Turim De Agostini. – Leituras Católicas 2 (1854-1855).
Números 13 e 14.
[Bosco] Conversas entre um advogado e um padre de aldeia sobre o sacra-
mento da confissão, editado pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co.
– Leituras Católicas 3 (1855-1856). Números 7 e 8.
[?] Esboço biográfico de Carlos Luís Dehaller, membro do alto conselho de
Berna, Suíça, com uma carta à sua família explicando seu regresso à Igreja
católica, apostólica e romana. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 3
(1855-1856). Números 13 e 14.
[Bosco] Importância da boa educação. Fato curioso contemporâneo, editado
pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 3 (1855-
1856). Números 17 e 18. (Reimpresso em 1881 com o título Pedro ou a
importância [...].)
[Bosco] Vida de São Pedro, príncipe dos apóstolos, primeiro Papa depois de
Jesus Cristo, editado pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras
Católicas 4 (1856-1857). Número 11. (Esta é a primeira das vidas de [25]
papas desde São Pedro até São Marcelo, publicadas por Dom Bosco entre
1856 e 1864.)
[Bosco] Duas conversas entre dois pastores valdenses e um sacerdote católico
sobre o Purgatório e os sufrágios dos defuntos, com um apêndice sobre a
liturgia, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 4
(1856-1857). Número 12.
[Bosco] Vida do apóstolo São Paulo, doutor das gentes, pelo padre João Bos-
co. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 5 (1857-1858). Número 2.
[Bosco] O mês de maio consagrado a Maria Imaculada, para uso do povo,
pelo padre João Bosco, Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 6 (1858-
1859). Número 2.
[Bosco] Vade-mécum do cristão: avisos importantes sobre os deveres do cris-
tão para que cada um possa alcançar a salvação no estado em que se encontra.
Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 6 (1858-1859). Número 5.
[Bosco] Vida do jovenzinho Domingos Sávio, aluno do Oratório de São
Francisco de Sales, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras
Católicas 6 (1858-1859). Número 11.
[G. Frassinetti] Astúcias espirituais segundo as necessidades dos tempos, por
José Frassinetti, prior de Santa Sabina em Gênova. Anexo: O Papa: questões
193
do dia por M. Segur. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 7 (1859-1860).
Número 12. (É a primeira de várias contribuições do padre Frassinetti.)
[Bosco] Angelina ou uma boa menina instruída na verdadeira devoção à Vir-
gem. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 8 (1860-1861). Número 3.
[Bosco] Biografia do sacerdote José Cafasso, apresentada em duas orações
fúnebres, pelo padre João Bosco. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 8
(1860-1861). Números 9 e 10.
[Bosco] Exemplos edificantes propostos à juventude. Florilégio linguístico.
Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 9 (1861-1862). Número 2.
[Bosco] Breves notas biográficas do jovenzinho Miguel Magone, aluno do
Oratório de São Francisco de Sales, pelo padre João Bosco. Turim Paravia &
Co. – Leituras Católicas 9 (1861-1862). Número 7.
[?] Diário Mariano ou estímulo à devoção da Virgem Maria em cada dia do
ano, por um devoto seu. Turim: Paravia & Co. – Leituras Católicas 10 (1862-
1863). Números 4 e 5.36
[Bosco] A agradável história de um velho soldado de Napoleão I, narrada pelo
padre João Bosco. Turim: Tip. Orat. SFdS. — Leituras Católicas 10 (1862-
1863). Número 10.
Comentário
Os Avisos aos católicos e O católico instruído, comentados anteriormen-
te, marcam o tom apologético de Dom Bosco ao longo da década de 1850.
Na década de 1860, as Leituras Católicas tornam-se menos polêmicas e, em
geral, mais religiosas. Abordam temas de instrução moral, temas edificantes,
hagiográficos etc.
Stella estudou detalhadamente a história da publicação das Leituras Ca-
tólicas, incluindo a transferência da sua publicação dos impressores Paravia à
gráfica do Oratório, depois de 1862, e a subsequente questão com dom Mo-
reno sobre a sua propriedade. Em 1867, os tribunais pronunciaram-se a favor
de Dom Bosco e as Leituras Católicas passaram a ser de propriedade coletiva
a propriedade pessoal de Dom Bosco.37
36
Este é último número impresso por Paravia. A partir dele, a começar pelo número 6, as Leituras
Católicas foram impressas na nova gráfica do Oratório.
37
P. Stella, Economia, 366-368.
194
38
“Notizie storiche intorno al miracolo del SS. Sacramento avvenuto in Torino il 6 giugno 1453,
con un cenno sul quarto centenario del 1853” (Leituras Católicas, 10 de junho de 1853).
39
“Fatti contemporanei esposti in forma di dialoghi” (Leituras Católicas, 10 e 25 de agosto de
1853), 33-34.
195
196
45
Leituras Católicas, 25 de abril de 1853.
46
Epistolario I Motto, 197.
47
Carta de 7 de abril de 1853. Epistolario I, Motto, 194.
48
Il Galantuomo. Almanacco nazionale pel 1854 coll’aggiunta di varie utili curiosità. Strenna
offerta agli associati delle Letture Cattoliche. Turim: De Agostini, dezembro, 1853, 119 p. (Il Galan-
tuomo. Almanaque nacional para 1854, com o acréscimo de várias informações úteis. Um presente de
ano-novo para assinantes das Leituras Católicas).
197
Discutindo o título com seus amigos, Dom Bosco propôs muitas ideias, até
que: “Nós o chamaremos de Il Galantuomo”.49 O título prevaleceu.
Na verdade, o almanaque foi idealizado por diversas circunstâncias e sua
finalidade era competir contra as atividades liberais anticlericais mais do que
contra as dos valdenses. A ideia surgiu das Conferências de São Vicente de
Paulo em Paris, por meio de Francisco Faà di Bruno, que lá estudara des-
de 1849. A Sociedade de São Vicente de Paulo produziu, por orientação das
Conferências, um almanaque anual que estava pronto para sua distribuição no
mês de agosto. Chegou à massa popular porque era barato e apresentava com
simplicidade temas morais e religiosos, como também com muito humor ou-
tros assuntos relacionados com a administração, a agricultura e a vida diária.
O periódico anticlerical La Gazzetta del Popolo publicava seu próprio
almanaque desde 1850. Faà di Bruno apresentou a ideia de um almanaque
no verão de 1853, e o bispo Moreno com o grupo ligado ao periódico cató-
lico L’Armonia, Dom Bosco entre eles, demonstraram grande entusiasmo e
deixaram nas mãos de Faà di Bruno a tarefa de realizar o projeto. Faà, então,
escreveu ao presidente do Conselho Central das Conferências de São Vicente
de Paulo solicitando exemplares de todos os seus almanaques, mencionando
o dano causado pelo corrupto almanaque da Gazzetta del Popolo.50
Parece que Faà di Bruno escreveu a introdução, “Aos meus leitores”,
e alguns artigos. Seu irmão Alexandre também colaborou, e o restante do
material foi adaptado dos almanaques franceses.51 Em novembro de 1853,
L’Armonia anunciou a iminente aparição do almanaque, seu título (Il Galan-
tuomo) e seu preço (20 centavos).
49
MB IV, 644ss.
50
Ao descrever a origem do almanaque, cf. M. Ribotta, “The gentleman’s almanac: Don Bosco’s
venture into popular education”. JSS 2:2 (1991), 54-77, segue as Memórias Biográficas numa crônica
que, como indica Desramaut, deve ser corrigida. Sem dúvida, Ribotta dá o crédito a Faà di Bruno,
baseando-se no artigo de N. Cerrato, “Il Galantuomo”, Il Tempio di Don Bosco (1991), 29. Também
oferece uma descrição útil do primeiro número do almanaque com citações. Deve-se dizer que a pala-
vra “galantuomo”, em piemontês, significa “homem honesto, digno de confiança e fiel à sua palavra”, e
não “homem gentil”, como Ribotta afirma.
51
P. Stella, Scritti a stampa 29, 032, escreve: “É provável que ao menos a introdução ‘Aos meus
leitores’ fosse escrita por Dom Bosco. Francisco e [seu irmão] Alexandre Faà di Bruno colaboraram [ao
redigir o almanaque]”.
198
acrescentou então ao título original: “Strenna offerta agli associati delle Letture
Cattoliche” (Presente de ano-novo oferecido aos assinantes das Leituras Católi-
cas). Dessa forma o almanaque de Faà di Bruno foi associado às Leituras Católicas.
Além do calendário e das festas, o almanaque cobria uma vasta gama de
temas de interesse, especialmente para a gente do campo. Inculcava a religião e a
moralidade por meio de histórias e conselhos; e, em geral, abstinha-se de qualquer
tipo de polêmica. Quanto à participação nas eleições, Il Galantuomo escrevia:
52
II Galantuomo [...], 1854, 88.
199
53
Il Galantuomo. Almanacco nazionale pel 1855, coll’aggiunta di varie utili curiosità. Turim: De
Agostini [meados de novembro] 1854), 128 p.
54
Leituras Católicas, 10 e 25 de janeiro de 1857.
200
201
para falar em nome de Deus. Todos os cristãos podem pregar, pois o Espírito
Santo habita em cada um deles. Os valdenses conservam os ideais do cristia-
nismo primitivo e a Igreja oficial é a comunidade de Satanás. A eficácia dos
sacramentos depende da santidade do oficiante, e a prática da pobreza dá a
alguém o poder de administrar todos os sacramentos. Refutam o purgatório,
as indulgências, o jejum e o culto dos santos.
Na Quinta-feira Santa, os valdenses celebravam a Ceia do Senhor com
um rito simples, mas não acreditavam na presença real de Cristo na Euca-
ristia. As cerimônias religiosas consistiam em ler as escrituras, ouvir uma ho-
milia e rezar o Pai-nosso. Algumas de suas crenças e práticas foram tomadas
dos cátaros. Como estes, os valdenses dividiam-se entre perfecti [perfeitos] e
os simples crentes. Os primeiros eram celibatários que se abstinham de tra-
balhos manuais e peregrinavam como pregadores mendicantes. Os simples
crentes eram casados e trabalhavam para atender às necessidades materiais
dos perfecti. Os ministros (barbes, tios) pertenciam à classe dos perfecti.55 De
aqui, os valdenses no Delfinado e no Piemonte serem chamados barbets. Seu
estilo de vida recatado granjeou a simpatia do povo simples, mas sua po-
pularidade perdeu a intensidade no século XIII com a fundação das ordens
mendicantes (franciscanos e dominicanos).
Apesar das medidas repressivas tomadas contra eles, os valdenses sobre-
viveram através dos séculos, especialmente em lugares remotos. Em 1532,
aderiram a algumas doutrinas protestantes e, com o passar do tempo, a maior
parte deles adotou a teologia calvinista.
Os valdenses continuaram a ser um grupo compacto e homogêneo nos
vales do Piemonte e de Briançon. Em 1403, Vicente Ferrer pregou com gran-
de efetividade entre eles durante três meses Os valdenses converteram-se em
objetivo da Inquisição e sofreram multas e confiscos de bens. Uma cruzada foi
organizada contra eles em 1487-1488, mas em 1509 foi-lhes permitido viver
em paz. Depois, porém, no século XVI, foram novamente perseguidos com
crueldade pelas autoridades civis. Os valdenses franceses, reduzidos em nú-
mero, somaram-se às fileiras das igrejas reformadas. Os do Piemonte, porém,
resistiram. Períodos de tolerância alternaram-se com períodos de repressão
violenta da parte dos duques de Saboia, normalmente depois de tentativas de
revolta. O episódio mais conhecido é o massacre após a insurreição de 1655.
55
Fora estes dois níveis de pertença, os valdenses não tinham ligação com os cátaros. Os cátaros
(do grego katharioi, os puros) eram um conjunto de seitas neomaniqueístas surgidas na Europa oci-
dental no século XII. O catarismo foi a heresia medieval mais difundida. Como o maniqueísmo, era
dualista, e também anticristão, anticlerical, antissacramental e antissocial.
202
203
204
205
F. Desramaut, “La fondazione della Famiglia Salesiana”. In: M. Midali (ed.), Costruire insie-
1
me la Famiglia Salesiana. Atti del Simposio di Roma, 19-22 febbraio 1982. Roma: LAS, 1983, 75-102.
Anteriormente, F. Desramaut, “La storia primitiva della Famiglia Salesiana secondo tre espositi di
Don Bosco”. In: La Famiglia Salesiana: colloqui sulla vita salesiana. Luxemburgo, 26-30, 1973. Turim:
LDC, 1974, 337-343.
206
Esta Congregação não era uma entidade independente, mas era consti-
tuída por essas mesmas pessoas, pois Dom Bosco acrescenta:
207
208
dos mais destacados: teólogo Borel, sacerdote José Cafasso e cônego Borsarelli
foram os primeiros cooperadores dentre o clero.
Os citados são apenas três dentre muitos outros nomes. Alguns dos pa-
dres cooperadores chegaram a ser bispos: Emiliano Manacorda (1833-1909),
bispo de Fossano; Eugênio Galletti (1816-1879), bispo de Alba; Lourenço
Gastaldi (1815-1883), bispo de Saluzzo (1867-1870) e arcebispo de Turim
(1871-1882).
A maioria destes padres, porém, era muito ocupada. Dom Bosco preci-
sou recorrer a leigos que, mais livres, tinham dinheiro suficiente para permi-
tir-se dispor do próprio tempo:
Aqui Dom Bosco menciona os nomes dos que, entre muitos, mais se
destacavam nesta tarefa, inclusive mulheres, que ajudavam. Entre as mencio-
nadas, a senhora Margarida Gastaldi, encabeçava a lista.
Alguns dos nossos alunos não eram nada mais do que moleques sujos e mal-
vestidos. Ninguém podia suportá-los e nenhum patrão os queria em sua ofici-
na. Algumas mulheres piedosas vieram para o resgate. Lavavam, costuravam,
remendavam e também proviam estes meninos de roupas limpas e lençóis,
conforme a necessidade.
209
210
Foi unânime o pedido para que Dom Bosco aceitasse o ofício de superior,
se reservando o direito de escolher o prefeito, e o padre Vitório Alasonatti
continuou no cargo. O subdiácono Miguel Rua foi eleito por unanimidade
Dom Bosco ao padre Guiol, 6 de outubro de 1880. Desramaut cita esta carta, não publicada,
2
dos arquivos da paróquia de São José, de Marselha. Deve-se recordar que, na França em 1880, sob os
ministros Grévy e Ferry, a educação era secularizada; os jesuítas e as congregações religiosas dedicadas
ao ensino eram perseguidas e depois suprimidas. Para saber como os salesianos se livraram do fecha-
mento, cf. MB XIV, 594ss.
211
3
Cf. Jesús-Graciliano González, “Acta de fundación de la Sociedad de San Francisco de Sa-
les-18 de dezembro de 1859”, RSS 27 (2008), 287-307.
4
Por exemplo, Eugênio Ceria, Agostinho Auffray, Guido Favini, José Aubry.
212
213
214
dos Oratórios, desde 1844, alguns sacerdotes de uniram para formar uma
espécie de congregação, ajudando-se uns aos outros com o exemplo recíproco
e a instrução.
Não fizeram nenhum voto propriamente dito, mas tudo se limitou a
fazer uma simples promessa de não mais se ocuparem senão das coisas que
seu superior julgasse da maior glória de Deus e o bem da própria alma. Re-
conheciam como seu superior a pessoa do sacerdote João Bosco. E, embora
não se tenham formulado votos, na prática observavam-se as regras que aqui
se apresentam. Os indivíduos que no presente [1858] professam estas regras
são 15, ou seja: 5 sacerdotes, 8 clérigos e 2 leigos.
7
Giovanni Bosco, Cooperatori Salesiani ossia un modo pratico per giovare al buon costume e alla ci-
vile società. Turim: Tipografia Salesiana, 1876, ASC A230, 2-3; FDB 1,886 E81-1,887 A2: OE XXVIII,
255-270. SS. N. 246. Cf. MB XI, 82s. Aparentemente o documento foi deixado de lado e substituído
por outro mais “suave”, publicado no Bollettino Salesiano (Bibliofilo Cattolico), 3, setembro de 1877, 6.
215
216
217
8
La Storia dei Cooperatori Salesiani era um manuscrito do padre Berto, corrigido por Dom Bosco
e publicado no Bibliofilo Cattolico (Bolletino Salesiano) em 3 de setembro de 1877, 6. Cf. uma trans-
crição e comentários em E. Valentini, “Preistoria dei Cooperatori Salesiani”, Salesianum 39 (1977),
114-150.
218
219
Recorde-se que este documento foi escrito no final de 1877, num momento em que o conflito
9
com o arcebispo Gastaldi, depois de uma série de choques, chegava ao seu ponto mais elevado com a
publicação do primeiro panfleto difamatório anônimo.
10
A esta altura, um breve parágrafo descreve como se mantinha a ordem e se dirigia o Oratório
segundo uma série de normas, sem recorrer a ameaças ou castigos.
220
1873. Cf. G. Bosco, Costituzioni, 210-211. [Paras as siglas, ver o capítulo XI, nota 4].
221
Interpretação de Desramaut
Em vários de seus trabalhos,12 Desramaut cita documentos do próprio
Dom Bosco, tendentes a comprovar que existia, desde 1841, uma congre-
gação em sentido amplo formada por padres e leigos, mulheres e homens
12
Além dos citados na nota 1 deste capítulo, ver Francis Desramaut, “Da Associati alla Congre-
gazione salesiana del 1873 a Cooperatori salesiani del 1876”. In: Il Cooperatore nella società contempo-
ranea. Friburgo, 26-29 de agosto de 1974. Turim: LDC, 1975, 23-50.
222
13
Sobre os Filhos de Maria, ver o pedido e o decreto em MB XI, 531ss. Para os Cooperadores,
ver o pedido em MB XI, 536s.
14
Esta foi a quarta e definitiva redação dos estatutos, intitulada “Cooperatori Salesiani ossia un modo
pratico per giovare al buon costume ed alla civile società” (Os Salesianos Cooperadores, ou seja, uma associação
dedicada a promover a moral cristã e o bem da sociedade). Cf. o capítulo VII do volume 3 desta série.
223
224
16
Cf. neste capítulo VII, p. 218.
225
Crítica de Stella17
Stella manifestou muitas vezes a própria convicção de que a ideia de
Dom Bosco sobre o modo de encaminhar a obra do Oratório mudou várias
vezes. Mas sustenta não ter existido qualquer sociedade oficialmente apro-
vada antes da aprovação da Sociedade de São Francisco de Sales em 1869, e
que não foi apresentado nenhum projeto de qualquer outra sociedade antes
das Constituições de 1858 e da fundação em 1859. De forma extraoficial,
porém, Dom Bosco reunia e cultivava alguns jovens ao longo da década de
1850 para se unirem a ele e à obra do Oratório.
17
Cf. comentários de P. Stella, RSS 2 (1983), 451-454.
226
227
18
De acordo com Motto (G. Bosco, Costituzioni, 17), os artigos sobre os membros externos são
os primeiros documentados num rascunho manuscrito das Constituições, não anterior a 1860. Isso não
invalida o argumento de Stella, pois estes artigos não aparecem em versões anteriores das Constituições.
19
Desramaut também menciona este fato, mas considera que os dois membros externos oficial-
mente listados representam os muitos não listados que trabalharam para o Oratório com diversos níveis
de compromisso.
228
À maneira de conclusão
O que pensar disso tudo? Esta é a minha proposta.
20
Cf. p. 218 deste volume.
229
230
1858
18 de fevereiro: Primeira viagem de Dom Bosco a Roma e audiência com Pio IX,
para apresentar o plano de uma sociedade religiosa e as Constituições.
Meados ou final do ano: Primeiro rascunho das Constituições salesianas (M. Rua).
1859
Janeiro: Dom Bosco publica a biografia de Domingos Sávio.
21 de janeiro: Morte de Miguel Magone.
Outubro: A escola secundária em Valdocco se completa com um plano pa-
drão de estudos de cinco anos.
18 de dezembro: Fundação oficial da Sociedade Salesiana (precedida da pro-
posta de Dom Bosco na conferência de 9 de dezembro) com 18 membros
(nenhum leigo). Elege-se o “Primeiro Conselho Geral”.
1860
O primeiro membro leigo, ou coadjutor, José Rossi, é recebido por Dom Bosco
na Sociedade.
26 de maio: Primeiro dos 11 [?] registros dos que moravam no Oratório.
2 de junho: Primeira ordenação de um sacerdote salesiano, padre Ângelo Sávio.
11 de junho: Envia-se ao arcebispo Fransoni o projeto das Constituições,
assinado pelos 26 membros da Sociedade.
29 de julho: Ordenação sacerdotal do padre Rua.
Agosto: Dom Bosco aceita dirigir e dotar parcialmente de pessoal o seminário
menor em Giaveno.
231
1861
3 de março: Constitui-se o “comitê histórico” para recolher as palavras e as
ações de Dom Bosco.
Estabelece-se em Valdocco a escola elementar como internato.
1862
Final de 1861 ou início de 1862: Cria-se a oficina gráfica em Valdocco.
26 de março: dom Fransoni morre no exílio: a sede de Turim permanece
vacante (1862-1867).
Cria-se a oficina de serralheria em Valdocco.
14 de maio: Primeiros votos públicos [trienais?] de 22 salesianos.
14 de junho: Cagliero e Francésia são ordenados padres.
1863
Começam as obras da Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
Outubro: Tem início em Mirabello a escola particular salesiana como inter-
nato, sendo padre Rua seu diretor; a escola serve como seminário menor para
a diocese de Casale.
1864
9 de janeiro: Morte de Francisco Besucco.
Abril: Dom Bosco coloca pessoalmente a primeira pedra nas fundações da
Igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
23 de julho: Dom Bosco, sem ir a Roma, solicita a aprovação da Sociedade e
de suas Constituições, e obtém o Decretum laudis recebendo as 13 observa-
ções de Savini-Svegliati.
Cria-se uma livraria em Valdocco.
15 de outubro: Abre-se em Lanzo o colégio salesiano municipal; o contrato
fora firmado em 30 de junho.
Outubro: Primeiro encontro de Dom Bosco com Maria Mazzarello e as Fi-
lhas de Maria Imaculada em Mornese.
Dezembro: Cria-se em Valdocco a banda de música.
1865
27 de abril: Bênção solene e colocação da pedra angular da igreja. Tem início
a Biblioteca de clássicos latinos.
232
1866
2 de agosto: Primeiros exercícios espirituais dos Salesianos em Trofarello.
23 de setembro: Colocação do último tijolo e conclusão da cúpula da igreja
de Maria Auxiliadora.
1867
Janeiro: O bispo Alexandre Otaviano Riccardi dei Conti di Netro é nomeado
arcebispo de Turim.
7 de janeiro: Segunda viagem a Roma para pedir a aprovação da Sociedade e
suas Constituições. O pedido foi recusado.
27 de março: O cônego Gastaldi é nomeado bispo de Saluzzo.
21 de novembro: Inauguração da estátua de Maria Imaculada na cúpula da
igreja de Maria Auxiliadora.
1868
19 de janeiro: Aprovação diocesana da Sociedade Salesiana por dom Pedro Ferré,
bispo de Casale.
21 de maio: Bênção das cinco campanas da igreja de Maria Auxiliadora
dos Cristãos.
Maio: Dom Bosco publica o livro Maravilhas da Mãe de Deus.
9 de junho: Consagração da igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
29 de outubro: Grave enfermidade do padre Rua.
1869
9 de janeiro: Começa a publicação da Biblioteca da Juventude de clássicos italianos.
15 de janeiro: Terceira viagem de Dom Bosco a Roma para solicitar a aprovação
da Sociedade e suas Constituições.
233
1870
20 de janeiro: Quarta viagem de Dom Bosco a Roma; durante o Concílio Vati-
cano I, Dom Bosco trabalha em apoio da infalibilidade papal.
24 de junho: Primeira celebração do onomástico de Dom Bosco: funda-se a
Associação dos Ex-Alunos do Oratório de Valdocco.
Outubro: Abertura da escola municipal salesiana de Alassio, a primeira fora
do Piemonte.
Outubro: A escola de Mirabello transfere-se para Borgo San Martino, com
melhores instalações e localização mais saudável.
1871
Junho: Quinta viagem de Dom Bosco a Roma. Dom Bosco trabalha em vista
da nomeação de bispos para as sedes vacantes; apresenta-se o nome de Gas-
taldi para Turim.
Setembro: Sexta viagem de Dom Bosco a Roma.
Outubro: Abre-se uma casa salesiana particular para aprendizes em Marassi,
que se transfere no ano seguinte para Sampierdarena (Gênova).
Outubro: Abre-se a escola municipal salesiana de Varazze, com internato.
26 de novembro: O arcebispo Gastaldi entra na sede de Turim.
6 de dezembro: Longa e grave enfermidade de Dom Bosco em Varazze, pros-
trado no leito até 30 de janeiro de 1872.
1872
29 de janeiro: Fundação do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora; suas
Constituições tinham sido redigidas em 1871.
Outubro: A escola diocesana de Valsálice é passada aos salesianos por insistência
de dom Gastaldi; a transferência fora acordada em julho.
234
1873
Cresce a oposição de dom Gastaldi à Sociedade Salesiana, já detectada em
1872.
18 de fevereiro: Sétima viagem de Dom Bosco a Roma, para solicitar a apro-
vação das Constituições, que são recusadas; recebem-se 28 observações de
Bianchi-Vitelleschi.
Primeira revisão do texto de 1873.
9 de setembro: Morte do teólogo João Borel.
Dom Bosco redige os dois primeiros cadernos das Memórias do Oratório.
30 de dezembro a 14 de abril de 1874: Oitava viagem a Roma para solicitar a
aprovação das Constituições; Dom Bosco trabalha para a nomeação de bispos
e a obtenção dos bens temporais [das dioceses] (Exequatur).
1874
31 de março: Aprovação definitiva das Constituições Salesianas corrigidas. O
decreto é publicado em 3 de abril.
15 de junho: Primeiro Capítulo Geral das Filhas de Maria Auxiliadora. Maria
Mazzarello é eleita superiora-geral.
1874-18...: Dom Bosco redige o terceiro caderno das Memórias do Oratório.
235
A FUNDAÇÃO
DA SOCIEDADE SALESIANA (1859)
1
O processo pelo qual Dom Bosco reuniu “seus meninos” é descrito tanto nos Documenti como
nas Memórias Biográficas. Lemoyne, que só se uniu a Dom Bosco em 1864, descreve os fatos tendo por
base os escritos de Dom Bosco e documentos dos participantes e cronistas, além da Storia, de Bonetti, dos
anos 1857-1858. Bonetti é uma fonte importante para 1857 (diálogo com Rattazzi) e 1858 (audiência
com Pio IX), mas não descreve a fundação de 9 e 18 de dezembro de 1859.
2
Estes quatro devem ser distinguidos do segundo grupo de 1854.
236
Veja-se também o questionamento feito por Desramaut sobre o termo e a crítica de Stella neste
3
237
De uma nota escrita mais tarde pelo padre Rua, não encontrada nos Documenti, mas conserva-
4
da manuscrita no ACS. O uso da designação salesiano numa data tão precoce (1854) é discutido. Vale
a pena ressaltar que 1854 foi o ano em que se introduziu no Parlamento a Lei Cavour-Ratazzi, quando
se deu a primeira visita de Ratazzi a Dom Bosco e sua conversa sobre o método educativo; foi também
o ano da grande epidemia de cólera (verão) e da entrada de Domingos Sávio no Oratório (outono).
238
“Em 26 de janeiro de 1854, à noite, nós nos reunimos no quarto de Dom Bosco”
(breve crônica de Miguel Rua).
239
5
G. Bosco, Costituzioni, 70.
240
traz a assinatura autenticada de Dom Bosco.6 Stella, porém, escreve: “Os no-
mes dos que se uniram à Sociedade de São Francisco de Sales são obtidos nas
Atas do Conselho fundacional, num manuscrito de Júlio Barberis no Arqui-
vo Histórico Salesiano 055”. Apresenta 19 nomes, com o acréscimo de “José
Gaia, coad. [coadjutor]”, de 35 anos de idade. Contudo, a opinião de Stella
foi criticada por J. Graciliano González, que publicou o texto crítico da ata.7
Embora Dom Bosco estivesse cultivando um grupo selecionado de jo-
vens desde 1849, 1854 é o ano em que decidiu ir adiante e criar uma congre-
gação religiosa. Sabemo-lo por ele mesmo, conforme citação do padre Barbe-
ris em sua crônica.
Ao falar dos inícios do Oratório, Dom Bosco disse: “Na verdade, a história do
início do Oratório é tão memorável e tão poética que eu gostaria de reunir os
nossos salesianos e contá-la pessoalmente com detalhes [...]. Escrevi os prin-
cipais fatos até o ano de 1854. Foi nesse momento que o Oratório adquiriu
estabilidade e assumiu gradualmente sua atual estrutura. Pode-se dizer que
nesse ano terminou o período poético e começou o período normal”.8
Foi o ano em que Dom Bosco redigiu pela primeira vez uma lista com-
pleta de normas para o Oratório festivo. O novo edifício, capaz de acolher
uns 100 meninos, estava pronto para ser ocupado. Nesse mesmo ano, o fa-
moso segundo grupo de quatro uniu-se “para o exercício prático da caridade”.
Durante as Conferências de São Francisco de Sales, Dom Bosco voltou
ao tema.9 Barberis conta que Dom Bosco falou da importância crucial de
6
ASC D8680101, Verbali dei Capitoli - Adunanze Capitolo Superiore, 1-3.
7
P. Stella, Economia, 295, nota 1 e texto relacionado. Cf. J. Graciliano González, Acta de
fundación, 331.
8
Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 1o de janeiro de 1876, caderno III, 46-47, FDB
835 D9-10.
9
As Conferências de São Francisco de Sales, assim chamadas por serem celebradas ao redor da
festa do santo (29 de janeiro, naquele tempo), eram reuniões gerais de diretores e outros superiores
com o propósito de discutir os assuntos da Congregação. Foram precursoras dos capítulos gerais e
aconteceram todos os anos de 1865 a 1877, quando, de acordo com as Constituições, foi celebrado
o Primeiro Capítulo Geral.
241
Dom Bosco disse: “Quanto a mim, escrevi um resumo dos fatos relacionados
com o Oratório desde seus inícios até o momento presente10 e, até 1854 [nas
Memórias do Oratório], a narração entra muitas vezes em detalhes. A partir de
1854, a exposição começa a tratar da Congregação enquanto os problemas
começam a ser mais generalizados e de aspecto diverso [...]. Percebo, agora,
que a vida de Dom Bosco está totalmente unida à da Congregação e, portan-
to, temos de falar de algumas coisas [...].11
10
O “momento presente” seria os inícios de 1876 e, portanto, não pode referir-se às Memórias do
Oratório. Dom Bosco, porém, redigiu alguns resumos históricos na década de 1870 nos quais descreve
o desenvolvimento da sua obra. Contudo, o resumo histórico ao qual se refere aqui pode ser aquele
que compilou em 1874 para a aprovação das Constituições: Relatório da Sociedade de São Francisco de
Sales em 23 de fevereiro de 1874. Foi transcrito com comentários em P. Braido, Don Bosco per i giovani,
147-155. Também em OE XXV, 377-384.
11
G. Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 2 de fevereiro de 1876, caderno IV, 41, FDB
837 D1.
242
vida religiosa é vista sob uma luz diferente. Durante muito tempo, por exem-
plo, evitei usar a palavra ‘noviciado’ para não despertar suspeitas nas pessoas
sobre se nós éramos uma ordem religiosa. Vejo agora que a palavra é usada de
forma natural. Mas há apenas dois anos usar a palavra ‘noviciado’ teria sido,
poderíamos dizer, contraproducente. Percorremos um longo caminho!”.
Dom Bosco continuou: “As coisas mudaram também em relação à disciplina
exterior. Naqueles dias, os clérigos eram formados com grande liberdade. A
cada momento, podia-se ouvi-los a gritar e discutir sobre literatura ou teolo-
gia. Armavam discussões na sala de estudo quando os meninos não estavam
ali. Ficavam na cama a manhã toda e não apareciam na aula sem serem re-
preendidos. Com frequência, faltavam à meditação e à leitura espiritual, e
era-lhes suficiente o retiro espiritual dos meninos. Eu estava ciente de tudo
isso e gostaria de tê-lo impedido, mas preferi deixar as coisas como estavam.
A situação foi melhorando aos poucos e instauraram-se a ordem e a disciplina.
Se tivesse atuado para reforçar imediatamente a disciplina religiosa, meus clé-
rigos teriam ido embora, e seria preciso mandar os meninos para casa e fechar
o Oratório. Pude ver, porém, que muitos desses jovens tinham boas intenções
e bom coração. Soube que, uma vez passados os dias insensatos da juventude,
assentar-se-iam e ser-me-iam de grande ajuda. Alguns sacerdotes de nossa
congregação são dessa geração e são exemplares pela dedicação ao trabalho e
pelo espírito sacerdotal”.12
12
G. Barberis, Cronachette, Crônica autobiográfica, 7 de dezembro de 1875, caderno III, 43-45,
FDB 835 D6-8.
13
[1] P. Braido, Don Bosco per i giovani: l’“Oratorio”: una “Congregazione degli Oratori”. Docu-
menti. Roma: LAS, 1988. [2] “Apunte histórico del Oratorio de San Francisco de Sales”. In: J. Bosco,
El sistema preventivo en la educación, José Manuel Prellezo (ed.). Madri: Biblioteca Nueva, 2004, 73-
86. [3] “Apuntes históricos sobre el Oratorio de San Francisco de Sales”. In: Ibid., 87-97; [4] Riassunto
della Pia Società di San Francesco di Sales nel 23 febbraio 1874.
243
14
“Regulamento do Oratório: resumo histórico”. In: P. Braido, Don Bosco per i giovani, 33.
Como já se discutiu anteriormente, Dom Bosco considerava as pessoas que colaboravam (clérigos e lei-
gos, homens e mulheres) como parte de uma espécie de congregação (a Congregação de São Francisco
de Sales) da qual ele era o superior.
15
Isso está confirmado pelo padre João Anfossi e por José Brósio, o “bersagliere”. Cf. carta de
Anfossi a Lemoyne e a Memória, de Brósio, ambas em ASC A102.
16
P. Stella, Vita, 109s. A maioria dos cooperadores, como já se disse anteriormente, perma-
neceu como estava, embora não devem ter-se constituído em congregação como afirma Dom Bosco.
17
Cf. G. Barberis, Cronaca, caderno III, 46-56, 1o de janeiro de 1876, FDB 835 D9-E7, anexo;
e MB III, 250-251.
244
18
Cf. P. Braido, Don Bosco per i giovani, 116s.
19
ASC A 4630102; MB V, 9-10.
245
mais próximo de Dom Bosco nessa época era o padre Alasonatti, que não
fora um dos primeiros colaboradores do Oratório. O teólogo João Borel esta-
va se retirando, por causa dos compromissos com a instituição da marquesa
Barolo. Havia também alguns jovens como Rua, Cagliero e Francésia. Padre
Alasonatti e o clérigo Miguel Rua fizeram um voto ou promessa em 1855, e o
clérigo João Batista Francésia, em 1856. Estes, e talvez alguns outros, forma-
ram o grupo que começou a viver na Casa Anexa sob o regulamento vigente
na época e a direção de Dom Bosco. Tinham-se comprometido a fazer um
exercício prático de caridade para com o próximo; foi esse o primeiro “voto”
ou promessa que fizeram, e não os votos de pobreza, castidade e obediência.
A existência de um grupo ligado a Dom Bosco por meio de votos ou
promessas, significaria que, em meados da década de 1850, Dom Bosco já
teria tomado alguma decisão sobre uma congregação religiosa para garantir o
futuro de sua obra? Poderia ser assim, mas a documentação de que dispomos
permite-nos situar essa decisão só por volta de 1857, quando Dom Bosco se
reúne com Rattazzi e é iluminado com as sugestões do ministro.
20
F. Desramaut, Don Bosco, 521-522, nota 35.
246
Rattazzi: [...] o senhor é tão mortal quanto qualquer outro. [...] Quais as me-
didas que pensa adotar para garantir a existência permanente do seu instituto?
Dom Bosco: A dizer a verdade, excelência, não tinha pensado em morrer tão
cedo. Procurei buscar ajuda para o momento presente, não, porém para con-
tinuar a obra dos Oratórios depois da minha morte. Agora, como menciona
o tema, poderia perguntar-lhe, como o senhor acredita ser possível criar tal
instituição com tudo em regra?
Rattazzi: Em minha opinião – respondeu Rattazzi –, deveria escolher alguns
leigos e religiosos, criar uma sociedade com algumas regras, imbuí-los do seu
espírito, ensinar-lhes seu sistema, para que não lhe deem apenas ajuda [ago-
ra], mas possam continuar a sua obra depois de sua partida.
Comentário de Bonetti I: Pareceu estranho a Dom Bosco que o mesmo homem
[que autorizara a lei de supressão das ordens religiosas] o aconselhasse a instituir
uma dessas congregações. Responde, por isso:
Dom Bosco: Sua excelência crê que, nestes tempos, seria possível fundar uma
sociedade como essa? Há dois anos o governo suprimiu algumas comunidades
religiosas e talvez agora mesmo esteja a preparar-se para desfazer-se das que
restaram. Acredita o senhor que [o governo] permitiria a fundação de outras
da mesma natureza? [...].
Rattazzi: Não deveria ser uma sociedade de tipo coletivo, mas uma [socieda-
de] em que cada um de seus membros conserve seus direitos civis, submeta-se
às leis do Estado, pague seus impostos etc. Numa palavra, a nova sociedade,
em relação ao governo, não deveria ser nada mais do que uma associação de
cidadãos livres, unidos [entre si] e que vivam juntos, com o mesmo propósito
caritativo em mente.
Dom Bosco: E sua excelência está certo de que o governo permitirá a fundação
de tal sociedade e sua subsequente existência?
Rattazzi: Nenhum governo constitucional ou regular se oporá à fundação
e desenvolvimento de uma sociedade assim, como também não impede, de
fato, promove companhias industriais, comerciais e outras semelhantes. Toda
associação de cidadãos livres é autorizada sempre e quando seus propósitos e
suas atividades não se oponham às leis e às instituições do Estado.
Dom Bosco: Bem – disse Dom Bosco, concluindo –, refletirei sobre o assunto [...].
247
Comentário de Bonetti II: As palavras de Rattazzi [...] foram para Dom Bosco
como um raio de luz e fizeram parecer factíveis coisas que acreditara impossíveis.21
porque emana da natureza. Portanto, as liberdades individuais exercidas dentro das legítimas leis do
Estado não podem ser tolhidas. Por outro lado, o direito coletivo é do Estado, e só dele. Por isso, só
o Estado tem faculdade para autorizar qualquer corporação, inclusive as religiosas (como as congrega-
ções). A Igreja é uma entidade espiritual que não pode gerar uma ordem jurídica própria.
248
Essa é a base do artigo sobre Direito Civil que Dom Bosco introduziu
nas Constituições, no capítulo sobre a Forma da Sociedade. Antes de aprovar
as Constituições, porém, as autoridades romanas eliminaram o artigo por
várias razões. Dom Bosco, contudo, sempre defendeu que a Sociedade Sale-
siana era uma associação de cidadãos livres e não uma corporação religiosa
que precisasse da aprovação do governo.
Bonetti continua sua narração:
Assentadas assim as bases, Dom Bosco logo percebeu que [...] era necessá-
rio fazer muito mais. A sociedade sugerida por Rattazzi era simplesmente
humana [...]. Começou, então, a refletir e a perguntar-se: “Não poderia essa
sociedade ter ao mesmo tempo um caráter civil para o governo e a natureza de
instituto religioso diante de Deus e da Igreja, sendo seus membros cidadãos
livres e religiosos ao mesmo tempo?”.24
249
secular de cidadãos livres unidos para uma finalidade legítima. Contudo, como
já se disse, Dom Bosco esperava que essa associação religiosa tivesse o direito de
ser uma congregação religiosa aos olhos da Igreja. Um ano depois, a conversa
de Dom Bosco com Pio IX sobre esse plano desencadeou um processo que,
contudo, acabaria enfim com a conformação da Sociedade Salesiana ao modelo
tradicional quase completo de uma congregação religiosa.
A passagem, muitas vezes citada, em que Dom Bosco concede o mérito
a Rattazzi aparece na Crônica autobiográfica de Barberis. Certa noite, Dom
Bosco falou sobre a orientação providencial que permitiu criar a Sociedade
Salesiana e sobreviver em meio “aos tempos difíceis”. Sobre isso, Dom Bosco
fala de figuras políticas como Camilo Cavour, Urbano Rattazzi, Paulo Viglia-
ni etc. Barberis recolhe o comentário de Dom Bosco.
250
26
G. Bosco, Costituzioni, 70.
251
É preciso que o senhor crie uma sociedade na qual o governo não possa interfe-
rir. Ao mesmo tempo, porém, não deve contentar-se em reunir seus membros
apenas mediante uma simples promessa, pois dessa forma nunca ficará seguro
desses indivíduos, nem poderá contar com eles por um período de tempo.28
27
Carta de 6 de fevereiro de 1858, Archivo Storico Salesiano, B505: Alasonatti.
28
G. Bonetti, Storia, 356.
29
G. Bonetti, Storia, 357.
30
Cf. pedido a Pio IX, 12 de fevereiro de 1864, em: G. Bosco, Costituzioni, 228.
31
Breve notizia, 1864, cf. MB VII, 892.
252
34
Audiências descritas por Lemoyne: 9 de março (MB V, 855ss.); domingo 21 de março (MB
V, 880ss), 6 de abril (MB V, 906ss.).
253
254
Dia 32. 21 de março, domingo: [visitas:] Santa Maria do Carmo, festa das
sete dores; fórum romano e coluna Trajana; tumba de Públio Bíbulo; Via
Argentaria; campo do gado, arco de Setímio Severo; fórum; Santos Cosme
e Damião.
Dia 33. 22 de março, segunda-feira: Visita ao cardeal [Gaude] […].
É estranho que tenham sido anotadas algumas visitas triviais e uma visita
ao cardeal, enquanto uma audiência importante com o Papa, se é que aconte-
ceu, fosse ignorada. Não parece muito provável que a audiência tenha acon-
tecido; é provável que se trate de uma dedução de Lemoyne, interpretando
Bonetti, em busca de espaço, primeiro, para uma discussão inicial do projeto
da Congregação, em 9 de março; segundo, para rever os textos das Consti-
tuições que, supostamente, Dom Bosco teria levado consigo, de acordo com
as “duas bases” de Pio IX, e apresentá-los ao Papa numa segunda audiência,
que se deduz, em 21 de março; e, terceiro, para recolher as Constituições com
anotações do Papa, numa terceira audiência, em 6 de abril.
Este “castelo de cartas” vem abaixo ao saber que Dom Bosco não levara
consigo para Roma uma cópia das Constituições, nem mesmo um esboço,
como deixa claro ao [superior] geral dos rosminianos. O primeiro rascunho
das Constituições foi redigido depois de sua volta a Turim, em fins de 1858
ou inícios de 1859.
36
Viaggio a Roma, 1858, FDB 1,352 E3 - 1,354 A5. Trata-se de um caderno de 75 páginas
escritas, em sua maior parte, pelo padre Rua, mas aparecem acréscimos de outras pessoas, inclusive de
Dom Bosco (por exemplo, 51-52, 8 de março). O diário é escrito em primeira pessoa (Dom Bosco),
mas não há dúvidas de que o autor foi o padre Rua.
255
37
G. Bosco, Costituzioni, 44-45.
38
G. Bosco, Costituzioni, 82.
256
257
O texto, que se refere mais propriamente ao ano 1859, levanta uma série
de questões críticas já tratadas no capítulo anterior, com referência especial
aos modos de ver de Desramaut e de Stella. Baste dizer que o grupo reunido
ao redor de Dom Bosco, antes de sua viagem a Roma, e as resultantes Consti-
tuições existiram como “pia associação religiosa” com uma simples promessa
de dedicar-se ao “exercício prático da caridade” com a opção de viver ou não
em comunidade.
258
39
Cf. Jesús Graciliano González, “Don Bosco, fundador de la Sociedad de San Francisco de Sales”,
CFP 15 (2009), 164-165. Cf. a edição crítica da ata de fundação: J. Graciliano González, Acta de funda-
ción, 309-346. Esta tradução da Ata da reunião fundacional, em português, é de Antônio da Silva Ferreira.
259
Tendo agora sido feito Secretário para este fim quem escreve, ele protesta que
cumpriu fielmente o encargo que lhe fora confiado pela confiança comum,
atribuindo o sufrágio a cada um dos Sócios à medida que era anunciado na
votação; e assim resultou na eleição do Diretor Espiritual por unanimidade a
escolha do clérigo subdiácono Miguel Rua que não se recusava a aceitar. O que
se repetiu para o Ecônomo: foi eleito e reconhecido o diácono Ângelo Sávio o
qual prometeu também assumir o relativo encargo.
Faltava ainda eleger os três conselheiros; como primeiro dos quais, tendo-se fei-
to como de costume a votação foi eleito o clérigo João Cagliero. Como segundo
conselheiro saiu o clérigo João Bonetti. Para o terceiro e último, tendo saído
iguais os sufrágios a favor dos clérigos Carlos Ghivarello e Francisco Provera,
feita outra votação a maioria resultou para o clérigo Ghivarello, e assim foi
definitivamente constituído o corpo de administração para a nossa Sociedade.
O qual fato, como veio complexivamente exposto até aqui, foi lido em plena
reunião de todos os acima mencionados Sócios e superiores por agora nomea-
dos, os quais, uma vez reconhecida a sua veracidade, concordes fixaram que se
conservasse esse original, para cuja autenticidade assinaram o Superior Maior
e como Secretário, Padre João Bosco, Padre Vitório Alasonatti, Prefeito.”
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 339; MB VI, 333. Depois da palavra “terciá-
40
260
41
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 340-341. Padre Lemoyne acrescenta nas
Memórias Biográficas os nomes de José Bongiovanni, José Lazzero, Francisco Provera, João Garino,
Luís Jarac e Paulo Albera; os leigos, cavalheiro Frederico Oreglia di Santo Stefano e José Gaia, que não
aparecem nas Atas, mas constam no registro dos professos desse dia, MB VII, 160-161.
42
Cf. J. Graciliano González, Acta de fundación, 341; MB VII, 160s.
43
ASC A012: Bonetti, Cronachette; Bonetti, Annali III. FDB 992 E10; MB VII, 163.
261
262
263
264
1. A unificação da Itália1
O armistício assinado em 10 de novembro de 1859 entre França e Áus-
tria, do qual o Piemonte não participou, pôs fim à Segunda Guerra de In-
dependência Italiana e terminou na Paz de Zurique. O tratado previa em
termos gerais uma federação de Estados regionais italianos com a restauração
de seus legítimos governantes.
Em decorrência, a Lombardia foi anexada ao Piemonte e, em março de
1860, após referendo, a Toscana, Parma, Módena e as Legações da Romanha
também foram oficialmente anexadas ao Piemonte. Em reconhecimento ao
apoio da França, por um acordo em separado, Nice e a Saboia, que até o
momento, junho de 1860, faziam parte do Reino da Sardenha, eram cedidas
à França.
Depois de um levante contra o governo dos Bourbon em Palermo (Si-
cília), Garibaldi, instado pelos líderes do Partido da Ação, liderou uma ex-
pedição à Sicília em apoio aos revolucionários, apesar da oposição de Vítor
Emanuel II e de Cavour. Em várias batalhas, em sua marcha para Nápoles,
entre maio e outubro de 1860, ele derrotou as forças bourbônicas e derrubou
a monarquia. Nesse momento, o exército de voluntários de Garibaldi chega-
va a ser de quase 50 mil homens.
O Piemonte precisou mobilizar-se preventivamente para tomar a ini-
ciativa de “libertar a Itália” sem Garibaldi. Em 26 de outubro, Garibaldi
reuniu-se com Vítor Emanuel em Teano, ao norte de Nápoles, não lhe
1
Ver uma explicação mais ampla neste mesmo volume 2, no primeiro capítulo, p. 29-38.
265
A “questão romana”
Territorialmente, a Itália não estava completamente unida. Se, por um
lado, o Vêneto e outras regiões do extremo noroeste continuavam sob o do-
mínio da Áustria, por outro, o Papa ainda mantinha seu poder em Roma
e nos territórios próximos (o Lácio). Do ponto de vista do Risorgimento
italiano, essa deficiência deu lugar a duas questões críticas: uma, em relação
aos territórios que permaneciam sob o domínio da Áustria no norte; a outra,
em relação aos que ainda estavam sob o domínio papal, conhecida como a
questão romana.
A Terceira Guerra de Independência Italiana (1866) solucionaria, em-
bora de forma incompleta, a primeira questão. A questão romana era, de
longe, a mais sensível, porque implicava, de um lado, despojar o Papa da
capital e dos territórios sob a sua soberania; e, de outro, precisar tratar com
Napoleão III, que mantinha uma guarnição em Roma para protegê-la contra
as possíveis tentativas de conquista. A questão romana prometia ser, portan-
to, o tema mais polêmico na sociedade italiana.
Em 23 de março de 1861, foi formado o primeiro gabinete da nova
nação, tendo o conde Camilo Benso de Cavour como primeiro-ministro.
Como a unificação da Itália fora obtida pela anexação ao Piemonte dos Esta-
dos regionais italianos e não por meio da união federal, Turim funcionou na-
turalmente como primeira capital. Contudo, surgiu imediatamente a questão
de saber se Roma devia ser reclamada ao Papa como a capital histórica da Itá-
lia. Em 26 e 27 de março, com dois discursos pronunciados no Parlamento,
Cavour apresentou a posição e a estratégia do governo. A unificação da Itália
só poderia ser considerada completa quando Roma se convertesse na sua ca-
pital. A libertação de Roma continuaria a ser, portanto, o objetivo do Risor-
gimento, a se obter com a aquiescência da França e realizado sem prejuízo da
liberdade espiritual e da independência do Papa, que a Itália devia garantir
diante do mundo. Além disso, a Itália deveria garantir ao Papa o pagamento
de uma soma anual equivalente às suas entradas anteriores. Esta política seria
um exemplo do princípio liberal: “Uma Igreja livre num Estado livre”.
266
267
Teremos Roma não para destruir, mas para construir, uma vez que se oferece-
rá à Igreja a oportunidade e os meios para sua autorreforma. Garantiremos a
liberdade e a independência da Igreja como meio pelo qual possa renovar-se
na pureza da fé religiosa, na simplicidade do estilo de vida, na austeridade da
disciplina que era a honra e a glória do papado dos primeiros tempos. Tal re-
novação derivará naturalmente da entrega voluntária do poder temporal, que
é diametralmente oposto à natureza espiritual da Igreja.2
Além da discutível noção de Ricasoli sobre a Igreja, não era provável que
essa retórica promovesse o diálogo. A Santa Sé ignorou o discurso. A França
negou-se a entrar em qualquer discussão sobre a questão romana, fossem
quais fossem as condições. Além disso, a política eclesiástica do governo ita-
liano, mais do que suas palavras, agravou a situação já tensa.
268
A Convenção de setembro
O ano 1864 marcou uma virada na história da questão romana, como
também nas relações Igreja-Estado na Itália. A turnê triunfal de Garibaldi
pela Inglaterra, em abril, seu encontro com Mazzini e a menção da unificação
italiana na imprensa britânica, alertaram a França e a Itália sobre o perigo
de uma possível reconciliação dos dois patriotas. Por isso, em junho, houve
conversas sobre a questão romana entre o ministro das Relações Exteriores
5
Cf. Ch. Dugan, History of Italy, 135. Cf. G. Bonfanti, La politica ecclesiastica nella formazio-
ne dello Stato unitario. Brescia: La Scuola, 1977, 89-90.
269
6
Com a encíclica Quanta Cura, Pio IX deu o toque final a um intenso programa doutrinal e
disciplinar, cujo objetivo era reafirmar a autoridade da Igreja em todos os âmbitos da sociedade con-
temporânea. O Syllabus era uma condenação intransigente dos “erros mais perniciosos” da Revolução
Liberal. Condenava a liberdade de consciência, a tolerância religiosa, a laicidade da escola, o progresso
científico, a liberdade de pensamento etc. O último artigo condenava “o progresso, o liberalismo e
a civilização moderna”. O Syllabus foi recebido com orgulho e alegria pelos católicos conservadores.
Contudo, também significou o final do liberalismo católico e alimentou a hostilidade anticlerical.
270
271
272
O imposto incidia sobre os grãos de todos os cereais levados para serem moídos nos moinhos
7
273
Em 1868, Garibaldi foi eleito pela segunda vez para o Parlamento pelo
seu distrito, mas renunciou. Em carta de 24 de dezembro de 1868, denunciou
o governo como “a negação de Deus”, por ter traído a causa durante a recente
tentativa falida contra Roma. E acrescentava: “O que esperar de um governo
que não é nada mais do que um encarregado da divisão de rendas, um devora-
dor corrupto da riqueza pública e um agente pago por um tirano estrangeiro?”.8
8
V. Ceppellini, P. Boroli e L. Lamarque (eds.), Storia d’Italia, 161.
274
275
276
277
278
279
12
Ver o texto em H. Denzinger e P. Hünermann, El Magisterio de la Iglesia: enchiridion symbolorum
definitionum et declarationum de rebus fidei et mourm. Herder: Barcelona, 381-999, 2901-2980, 753-761.
13
MB VII, 830s.
280
MB XIV, 188s.
14
Epistolario III Motto, 153-154, hológrafo de Dom Bosco. Joseph Fessler, nascido em 1813 no
15
Tirol (Áustria), doutorou-se em teologia na Universidade de Viena tendo sido ali professor de história
da Igreja. Foi ordenado bispo em 1862 e exerceu o cargo de secretário do Vaticano I (1868-1870).
281
Comentário
A resposta, negativa, foi imediata. Os superiores-gerais das congregações
com votos simples, inclusive perpétuos e reservados à Santa Sé, não têm di-
reito de participar no Concílio.16 A motivação dada por Dom Bosco para a
pergunta é interessante: ele não quer “parecer negligente em algo que signifi-
que uma homenagem à Santa Sé”.
16
Epistolario III Motto, 153.
282
1. A guerra franco-alemã
(19 de julho de 1870-10 de maio de 1871)
Grande parte da opinião pública francesa, mantida viva pelos intelec-
tuais e a imprensa diária, pensava que a França deveria retornar à margem
esquerda do Rin, suas fronteiras naturais. Não compreendendo a longa luta da
nação alemã pela sua unidade política, os franceses consideravam a consuma-
ção dessa união como uma expansão forçada da Prússia, e vitória desta sobre
a Áustria (1866), um ataque à honra militar francesa.
A eleição do príncipe Leopoldo de Hohenzollern para o trono da Espa-
nha em julho de 1879 foi apresentada em Paris como um projeto da Prússia
para pôr em perigo a segurança da França. Depois da renúncia voluntária do
príncipe, o governo francês esperava que o rei da Prússia fizesse um pronun-
ciamento claro de que “jamais voltaria a permitir a candidatura do príncipe
à coroa espanhola”. O rei Guilherme negou-se a discutir o assunto, o que a
França considerou como um insulto. Em Paris, surgiu uma grande agitação,
orquestrada artificialmente.
Embora um pequeno grupo no Parlamento se opusesse à declaração de
guerra, por considerar que a França não estava preparada, o governo de Na-
poleão III declarou guerra à Prússia em 15 de julho de 1870. Na Alemanha,
a atitude do governo e do povo era tranquila, mas decidida. Guilherme I re-
cebeu aclamações entusiastas em Berlim e, nessa mesma noite, foi ordenada a
mobilização do exército do norte da Alemanha. O sul da Alemanha entendeu
que um ataque francês, não obstante dirigido aparentemente apenas contra
a Prússia, era na realidade um ataque contra a nação alemã; o objetivo dos
283
284
ASC 223, FDB 1346 Ai-1347 D3. Estes dez textos foram editados por Cecilia Romero,
2
285
Conteúdo
Introdução
Circunstâncias e natureza da experiência profética nas palavras de
Dom Bosco:
3
No texto editado por Amadei, MB X, 60s, a Mensagem a Pio IX está marcada com asteriscos.
4
Padre Berto faz notar que manteve o pedido de sigilo durante o tempo em que Dom Bosco
viveu “apesar das pressões que tive de suportar de algum superior (padre Rua?)”. Esta afirmação de-
monstra que Berto escreveu sua nota de arquivo depois da morte de Dom Bosco (1888). O sigilo deve
referir-se ao autor da profecia mais do que ao seu conteúdo, porque a profecia em si era conhecida.
5
Em MB X, 57s estas anotações estão em cursivo à margem, não no interior do texto. Na trans-
crição apresentada por Lenti, aparecem no interior do texto entre parênteses e em cursivo.
6
MB X, 62s.
286
Parte primeira
Predição do castigo de Deus sobre a França-Paris mediante uma tríplice
visita, no contexto da desastrosa guerra franco-alemã.
Parte segunda
Intervalo: Visita do “Guerreiro do Norte”, que se encontra com o “Ve-
nerável Ancião do Lácio”.
Inserção
Mensagem a Pio IX (“Agora a voz dos céus dirige-se, então, ao Pastor dos
Pastores”). Trata-se de uma exortação ao Papa para que continue a “solene
assembleia” (o Concílio Vaticano I fora apenas iniciado) “até que a hidra do
erro tenha sido decapitada”.
Invectiva e oráculo contra a Itália, também severamente castigada por
Deus, e contra Roma, que será visitada quatro vezes com castigos; a terceira
visita culminará com a queda da cidade e um banho de sangue.
Epílogo
Mensagem de esperança: “aproxima-se a grande rainha dos céus” para
restaurar o Papa em sua situação anterior, pôr fim ao reino do pecado e trazer
o arco-íris da paz “antes que brilhem as luas cheias no mês das flores”.
Documentação
Uma nota anexa ao texto de Dom Bosco parece dar a esta segunda pro-
fecia o mesmo sentido profético da primeira. A nota diz: “A pessoa que co-
munica estas coisas é a mesma que predisse acertadamente o que aconteceu
287
Conteúdo
Pio IX e seus seguidores fogem de Roma, mas logo retornam – em três
partes.
1. Pio IX abandona o Vaticano e Roma à frente de uma multidão de
homens, mulheres, crianças, monges, monjas e sacerdotes, muitos dos quais
morrem ou são feridos; detêm-se depois de 200 dias de caminhada.
2. Dois anjos aparecem e oferecem ao Papa um estandarte com a ins-
crição: “Rainha concebida sem pecado” e “Auxiliadora dos Cristãos”. Pede-se
ao Papa que retorne com seus seguidores, e começa um movimento para a
reevangelização do mundo.
3. O Papa e seus seguidores, então em número crescente, retornam a
Roma (outros 200 dias de viagem) e encontram devastadas a cidade e toda
a terra. Fazem uma ação de graças em São Pedro. A escuridão desaparece e o
sol começa a brilhar.8
7
Em MB X, 62s, estas anotações estão à margem, não no texto como aqui em Lenti, e em cursivo.
8
A profecia chegou a Pio IX, oralmente ou por escrito, por meio de um cardeal, ver MB X, 59s.
288
Conteúdo
Nesta breve mensagem, “o Senhor” adverte o imperador para que seja “a
vara do meu poder” e “leve a cabo meus desígnios inescrutáveis e se converta em
benfeitor do mundo”, seguindo as sugestões em relação às alianças e as táticas.
Quadro cronológico
Cronologia da tradição do Cronologia de fatos
texto da profecia de 1870 contemporâneos pertinentes
8 de dezembro de 1869-20 de outubro
de 1870: Primeiro Concílio Vaticano.
5 de janeiro de 1870: a experiência profética.
6-20 de janeiro de 1870: o autógrafo de Dom
Bosco é escrito e fazem-se cópias da profecia.
(Ele possivelmente destruiu o seu autógrafo.)
Dom Bosco leva uma cópia consigo para Roma
(20 de janeiro-23 de fevereiro de 1870), mas não
a entrega ao Papa. Não se conserva nenhuma
dessas cópias.
20 de janeiro-25 de fevereiro de 1870: Dom Bos-
co em Roma com o secretário padre Berto.
8 de fevereiro, e talvez 15 (a audiência de 12 de
fevereiro é dedução de Lemoyne, baseando-se na
anotação de arquivo do padre Berto de 1874).
12 de fevereiro de 1870: cópia recebida por uma
“pessoa importante” em Roma e apresentada em
La Civiltà Cattolica. Não se conserva.
9
MB IX, 827ss.
289
290
Introdução
Só Deus pode tudo, conhece tudo, vê tudo. Deus não tem nem passado
nem futuro; para Deus, nada há de oculto; todas as coisas são-lhe presentes.
Nada lhe passa inadvertidamente. Para Ele, não existe distância de lugar ou
de pessoa. Só Ele, em sua infinita misericórdia e para sua glória, pode mani-
festar aos homens as coisas futuras.
Profecia
“Do sul vem a guerra, do norte vem a paz.”
[Primeira parte. Contra a França e Paris]
As leis da França já não reconhecem o Criador e o Criador se fará conhe-
cer e a visitará três vezes com a vara do seu furor.
A primeira abaterá sua soberba com as derrotas, o saque e os danos nas
colheitas, nos animais e nos homens.
Na segunda, a grande prostituta da Babilônia, aquela que, suspirando,
os bons chamam de o prostíbulo da Europa, ficará sem chefe e será entregue
à desordem.
Paris! Paris! Em vez de armar-te com o nome do Senhor, rodeias-te de
casas de imoralidade. Elas serão destruídas por ti mesma: teu ídolo, o Pan-
teão, será reduzido a cinzas, para que se cumpra o que está escrito: mentita est
iniquitas sibi (a iniquidade enganou-se a si mesma: Sl 26,12). Teus inimigos
encher-te-ão de angústia, de fome, de espanto e haverão de te converter em
abominação das nações. Mas ai de ti se não reconheces a mão que te fere! Que-
ro castigar a imoralidade, o abandono, o desprezo da minha lei, diz o Senhor.
MB X, 57ss. Os cursivos entre parêntesis são as anotações marginais de Dom Bosco na cópia
10
291
292
filhos pedem o pão da fé e não encontram quem o distribua para eles? Que
farei? Ferirei os pastores, dispersarei o rebanho, para que os que se sentam
na cátedra de Moisés busquem boas pastagens e a grei ouça docilmente e se
alimente. [Provável alusão ao ensino religioso deficiente.]
Minha mão, porém, cairá sobre o rebanho e sobre os pastores; a carestia,
a peste, a guerra farão com que as mães chorem o sangue dos filhos e dos
esposos mortos em terra inimiga. [Provável alusão ao ano de fome; seguirão a
peste e a guerra.]
E o que será de ti, Roma? Roma ingrata, Roma efeminada, Roma soberba!
Chegaste a tal ponto de insensatez que não buscas nem admiras outra coisa
em teu Soberano a não ser o luxo, esquecendo que tua glória e a dele estão no
Gólgota. Agora, ele é velho, decrépito, inerme, despojado [Situação atual do
papa]; todavia, embora humilhado, faz tremer o mundo todo com sua palavra.
Roma... eu virei quatro vezes sobre ti!
Na primeira, ferirei tuas terras e seus habitantes.
Na segunda, levarei a ruína e o extermínio até tuas muralhas. Nem se-
quer abrirás os olhos?
Virei a terceira vez, abaterei defesas e defensores [A situação atual em Roma]
e, à ordem do Pai, começará o reinado do terror, do assombro e da desolação.
Meus sábios, porém, fogem [Muitos vivem distantes de Roma, muitos são
obrigados a dispersar-se]; minha lei, contudo continua a ser transgredida; por
isso farei uma quarta visita. Ai de ti, se minha lei continuar a ser letra morta
para ti!
Haverá prevaricações entre os sábios e entre os ignorantes. [Aconteceu e
está a acontecer.]
Teu sangue e o de teus filhos lavarão as manchas que deixastes na lei de
teu Deus. [Parece aludir a um desastre futuro.]
A guerra, a peste, a fome são os flagelos com que serão castigadas a so-
berba e a malícia dos homens. [Resume o que diz em outro lugar.] Onde estão,
ó ricos, as vossas magnificências, as vossas vilas, os vossos palácios? [Veremos!]
Converteram-se em lixo em vossas praças e ruas.
Vós, porém, sacerdotes, por que não correis a chorar entre o vestíbulo e
o altar, invocando a suspensão dos flagelos? Por que não tomais o escudo da
fé e não pregais desde os telhados, e nas casas, nas ruas, nas praças, e também
nos lugares inacessíveis? Ignorais que esta é a terrível espada de dois gumes
que abate os meus inimigos e libera a ira de Deus e dos homens?
Estas coisas haverão de acontecer inexoravelmente, uma após a outra.
293
Conclusão
As coisas caminham muito lentamente. Mas a Augusta Rainha do Céu
está presente. O poder de Deus está em suas mãos. Dissipa os seus inimigos
como a névoa. Reveste o Venerado Ancião de todas as suas antigas insígnias.
Dar-se-á, também, um violento furacão. A iniquidade consumou-se, o
pecado terá fim e, antes que passem dois plenilúnios do mês das flores, apa-
recerá sobre a terra o arco-íris da paz.
O grande Ministro verá a esposa do seu Rei revestida para festa. No
mundo todo aparecerá o sol, tão luminoso como jamais existiu desde as cha-
mas do Cenáculo até hoje, nem se voltará a ver até o fim dos tempos.
Esclarecimentos11
1. “Do Sul vem a guerra (…)”. Da França, que declarou guerra à
Prússia.
2. “(...) do Norte, vem a paz.” Do norte da Espanha, onde começou a
atual guerra (carlista). Além disso, dom Carlos residia em Viena,
que está a norte da Itália.
3. “O Panteão será reduzido a cinzas!” Os jornais contemporâneos di-
ziam que fora danificado com várias bombas. O que se refere à
França, porém, ainda não se realizou totalmente.
4. “Eis que aparece aqui um grande Guerreiro (...).” Dom Carlos [que
chega] do norte da Espanha.12
5. “O venerado Ancião de Roma foi ao seu encontro, levando uma tocha
de intensíssima luz.” A fé em Deus, que orienta e sustenta o grande
Guerreiro em suas empresas.
6. “Então, o estandarte se fez maior ainda e, embora negro, tornou-se
branco como a neve (...).” Cessou o massacre: a “cor negra”, símbo-
lo da morte ou, melhor, a perseguição, como a Kulturkampf.
7. “(...) No centro do estandarte, com caracteres de ouro, está escrito o
nome do Todo-poderoso.” Dizem os jornais que na bandeira de dom
Carlos está pintado o Coração de Jesus de um lado e, do outro, a
Imaculada Conceição.
profecia de 1870.
12
Mais tarde, padre Berto, parece, acrescentou uma pergunta e estas palavras: “Não! O impera-
dor Guilherme [I] da Prússia” [Amadei]. Isso reflete a ideia (surgida em Dom Bosco?) de que não dom
Carlos, mas Guilherme I pudesse ser o “Guerreiro do Norte”.
294
8. “(...) Mas, para onde quer que fores (...).” Parece referir-se ao des-
terro do Pontífice, o imortal Pio IX. Veja-se a segunda profecia;
9. “(...) as mães choram o sangue dos filhos (…) derramado em terra
estrangeira.” Isto ainda deve acontecer.
10. “(...) Farei uma quarta visita.” A quarta visita a Roma ainda há de
acontecer.
11. “(...) Produzir-se-á um violento furacão.” Veja-se a profecia seguin-
te. Faz-se alusão ao temporal, descrito ali por extenso.
12. “(…) Antes que passem dois plenilúnios do mês das flores.” Neste ano
de 1874, o mês de maio tem dois plenilúnios. Um no dia primeiro
e outro no dia 31 do mesmo mês.
13. “(...) O arco-íris da paz (...).” Uma esperança, que parece começar
a se realizar na Espanha hoje, 1o de março de 1874.
14. “No mundo todo aparecerá um sol, tão luminoso...” Triunfo e expan-
são do cristianismo.
[Em 1o de abril, Dom Bosco acrescentou um último esclarecimento.]
15. “(...) Na mão direita (do Guerreiro) está escrito IRRESISTÍVEL é
a mão do Senhor!” Dizem os jornais que dom Carlos iniciou suas
empresas com 14 homens, sem armas nem dinheiro nem víveres
e que, contudo, conta hoje, 1o de abril de 1874, com um exército
de mais de 100 mil soldados. E não se sabe que até agora tenha
perdido alguma batalha.
Segunda profecia (24 de maio-24 de junho de 1873)
Era uma noite escura (o erro) e os homens não podiam distinguir o cami-
nho a seguir para regressar aos seus países. De repente, apareceu no céu uma
luz esplendorosa (a fé em Deus e no seu poder) que iluminava o caminho como
se fosse meio dia. Viu-se naquele momento uma multidão de homens, mu-
lheres, velhos, crianças, frades, monjas e sacerdotes, com o Pontífice à frente
(parece referir-se à dispersão de conventos, colégios e escolas, e depois, ao Pontífice),
que saíam do Vaticano, colocando-se em filas como para uma procissão.
Eis, porém, que se desencadeou um intenso temporal, encobrindo um
pouco aquela luz, e parecia travar-se uma batalha entre a luz e as trevas.13
13
Aqui, um acréscimo marginal a lápis diz Dogali [Amadei]. Em Dogali, pequena localidade a
cerca de 50 quilômetros de Massaua, Eritreia, 500 soldados italianos sofreram uma emboscada e foram
mortos, em 1887 [Aldo Giraudo].
295
(Pode ser que se trate do combate entre o erro e a verdade, ou também de uma
guerra sangrenta.)
Enquanto isso, a longa procissão chegou a uma pequena praça, coberta
de mortos e feridos, alguns dos quais pediam ajuda em voz alta. As filas que
formavam a procissão iluminaram-se bastante.
Depois de caminhar pelo tempo correspondente a 200 saídas do sol, to-
dos perceberam que já não estavam em Roma. O desalento invadiu o espírito
de todos, que se agruparam ao redor do Pontífice, para defendê-lo e assisti-lo
em suas necessidades.
[Entreato: dois anjos entregam um estandarte ao Papa]
Nesse momento, foram vistos dois anjos que traziam um estandarte e o
apresentaram ao Pontífice, dizendo: “Recebe o estandarte d’Aquele que com-
bate e dispersa os mais fortes exércitos da terra. Teus inimigos desapareceram
e teus filhos imploram teu retorno com lágrimas e gemidos”.
Fixando o olhar no estandarte, via-se escrito, de um lado: Regina sine
labe Concepta (Rainha concebida sem pecado), e, de outro: Auxilium Chris-
tianorum (Auxiliadora dos Cristãos).
O Pontífice tomou com alegria o estandarte, mas afligiu-se muito ao ver
os poucos que ficaram a seu lado.
[Ordem ao Papa e a viagem de volta de 200 dias]
Os dois anjos acrescentaram: “Vai dominar imediatamente os teus fi-
lhos. Escreve aos teus irmãos dispersos pelas diversas partes do mundo, que
é necessária uma reforma nos costumes dos homens. Isso já não pode ser
obtido senão repartindo entre os povos o pão da divina palavra. Catequiza
as crianças, prega o desapego das coisas da terra. É chegado o momento,
concluíram os anjos, em que os pobres serão evangelizadores dos povos. Os
levitas serão buscados entre a enxada, a pá e o martelo, a fim de cumprirem as
palavras de Davi: Deus levantou o indigente da terra para colocá-lo no trono
dos príncipes de seu povo”.
Ouvido isso, o Pontífice pôs-se em movimento e as filas da procissão
começaram a engrossar-se. Quando pôs o pé na Cidade Santa começou
a chorar diante da desolação dos cidadãos, muitos dos quais já não exis-
tiam. Ao entrar em São Pedro, entoou o Te Deum, ao qual respondeu um
coro de anjos cantando: “Gloria in excelsis Deo, et in terra pax hominibus
bonae voluntatis” (Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens de
boa vontade).
296
[Conclusão: esperança]
Terminado o canto, a escuridão desapareceu totalmente e brilhou um
sol esplendoroso.
As cidades, os povoados, os campos tinham a população diminuída, a
terra estava como que arrasada por um furacão, pela borrasca e pelo granizo,
e as pessoas dirigiam-se umas às outras comovidas e dizendo: “Est Deus in
Israel” (Há um Deus em Israel).
Do início do desterro até o canto do Te Deum o sol saiu 200 vezes. O
tempo transcorrido para o cumprimento dessas coisas durou 400 dias.
[Segunda conclusão: inspiração profética do vidente e uma predição]
A pessoa que comunicou estas notícias é a mesma que predisse os acon-
tecimentos da França um ano antes, que se cumpriram literalmente. Em
muitos lugares liam-se essas predições que se cumpriam dia após dia, como se
fossem escritas num jornal depois dos fatos.
Segundo a mesma pessoa, a França, a Espanha, a Áustria e uma potência
da Alemanha seriam eleitas pela divina Providência para impedir a ruína social
e trariam paz à Igreja, combatida de muitas maneiras há muito tempo. Os fatos
começariam na primavera de 1874 e sua duração seria de um ano e alguns me-
ses, desde que não se oponham novas iniquidades à vontade de Deus.
Terceira profecia (julho de 1873)
Isto diz o Senhor ao imperador da Áustria: “Coragem! Olha para meus
servos fiéis e para ti mesmo. Meu furor se lança sobre todas as nações da terra,
porque se quer fazer esquecer a minha lei, levar em triunfo os que a profa-
nam, oprimir os que a cumprem. Queres ser a vara do meu poder? Queres
realizar meus arcanos desígnios e vir a ser o benfeitor do mundo? Apoia-te
nas potências do Norte, mas não na Prússia. Estabelece relações com a Rússia,
mas nada de alianças. Associa-te à França católica; depois da França, terás a
Espanha. Une-as num só espírito, num só combate!”.14
Máximo segredo com os inimigos do meu santo Nome. Com prudência
e energia, chegareis a ser invencíveis. Não creias nas mentiras de quem te diz o
contrário. Abomina os inimigos do Crucificado. Espera e confia em mim, que
sou o doador das vitórias aos exércitos, o salvador dos povos e dos Soberanos.
Amém. Amém.
Padre Berto acrescentou esta nota: “Esta profecia coincidia com a situação política na Europa
14
nesse ano. Mais tarde, as coisas mudaram muito para a França e para a Prússia” [Amadei].
297
15
Aqui Dom Bosco acrescentou o nome da pessoa de confiança: condessa Lutzow. Ver comen-
tário final de Amadei em MB X, 64.
16
Epistolario III Motto, 267-268, já editada no Epistolario II Ceria, 127, e em MB IX, 828.
Pensou-se que a carta fosse dirigida ao cardeal Bilio.
17
As Memórias Biográficas completam: “Como um tema acrescentado a estas predições”, garante
padre Berto, “Dom Bosco declarou: ‘Estourará uma revolução. Haverá apostasias entre sábios e igno-
rantes, a Prússia se converterá. Depois, seguirá uma grande vitória para a Igreja e um grande triunfo
para o Papa’” (MB IX, 829).
298
janeiro-23 de fevereiro de 1870), Francis Desramaut, “Le récit de l’audience pontifical du 12 février
1870 dans les Memorie Biografiche de Don Bosco”, RSS 6:1 (1987), 82-104, corrigiu as datas de Berto
e de Lemoyne. A data 8 de fevereiro para a primeira audiência é certa. Quando Berto apresentou o
autógrafo de Dom Bosco, “Mensagem a Pio IX”, situou-a em 12 de fevereiro, data do envio da pro-
fecia ao Papa. Lemoyne deduziu que se tratava da data da audiência em que Dom Bosco apresentou
a profecia ao Santo Padre. Contudo, em sua carta de 29 de outubro ao cardeal Berardi, Dom Bosco
especifica que, mesmo tendo uma cópia da profecia com ele em Roma, não a apresentou ao Papa.
A data mais provável em que a cópia da profecia enviada a algumas pessoas muito importantes de
Roma (não ao Papa) chegou às mãos de um diretor da Civiltà Cattolica é, segundo Desramaut, 12 de
fevereiro. Uns dois anos depois, a revista dos jesuítas publicou um artigo sobre mensagens proféticas,
referindo-se (anonimamente) à profecia de Dom Bosco. Assinalava que a profecia fora feita antes dos
acontecimentos da guerra franco-prussiana e a tomada de Roma e (com reservas) tinha-se realizado
nesses acontecimentos [“Os vaticínios e os nossos tempos, segunda parte”, Civiltà Cattolica, Série VIII,
6: 525 [23 de abril de 1872], 303-304]. Desramaut também prescinde da terceira audiência de 23 de
fevereiro, de Lemoyne, e das datas de uma segunda audiência em 15 de fevereiro, quando Dom Bosco
apresentara a “Mensagem a Pio IX”, por escrito e verbalmente.
299
19
Sobre o carlismo e dom Carlos, ver no Apêndice deste capítulo X, p. 305-307.
20
Epistolario III Motto, 320-322.
300
301
302
22
La Biblioteca della Gioventù Italiana (Biblioteca da Juventude Italiana) era uma publicação
em série dos clássicos italianos, editada para ser usada nas escolas. Foi lançada em 18 de novembro
de 1868. Como parte de sua política editorial, Dom Bosco pensava que “os clássicos que tratam de
matéria ofensiva à religião ou aos bons costumes devem ser apresentados expurgados ou totalmente su-
primidos, sem importar o quanto sejam suas credenciais” [MB IX, 427]. Depois de conseguir iniciar a
série, Dom Bosco nomeou o padre Celestino Durando como seu editor-chefe. A publicação continuou
até 1885 e chegou ao seu fim com a publicação do volume 204. Os trabalhos escolhidos representam
cerca de 100 autores que vão do século XIII ao século XIX.
303
Nesta manhã, depois de ter lido os jornais, Dom Bosco disse: “Espera e verás
que será formada uma grande cruzada contra os revolucionários, se não no mo-
mento do jubileu do Papa, sem dúvida em algum momento do futuro próximo.
Não pode ter nenhum derramamento de sangue, mas eles estão entre a espada
e o muro e se verão obrigados a devolver ao Papa o que é dele por direito”.24
23
C. M. Viglietti, Cronaca, 215 [2 de setembro de 1887].
24
C. M. Viglietti, Cronaca, 220 [27 de setembro de 1887].
304
305
[No refeitório, depois de uma ceia tardia] surgiu na conversa o tema de dom
Carlos. Alguém mencionou que o arcebispo Simeoni fora acreditado como
núncio papal em Madri na corte de Afonso [XII] (rival de dom Carlos), e
que esta nomeação seria muito prejudicial à causa carlista. Dom Bosco não
acreditava nisso, porque dom Carlos não considerava este ato da Santa Sé
contrário aos seus interesses e explicara o significado dele aos seus seguidores.
Em outras palavras, [dom Carlos] sabia que a Santa Sé era favorável à sua
causa, mas precisou nomear um núncio porque estavam para ser negociadas
questões de importância para a Igreja, tais como a garantia dos benefícios
aos bispos. “Esta é a verdadeira razão da nomeação”, disse Dom Bosco; e
continuou: “Quando estive em Roma no inverno passado, falei desse mesmo
assunto com o arcebispo Simeoni. Perguntei-lhe como iria tratar dos assuntos
em Madri [como núncio]. Disse-me que tinha dois tipos de credenciais do
Santo Padre, uma nominatim para dom Afonso, e outra em branco que seria
306
26
Barberis, Cronaca, 2 de junho de 1875, caderno I, 43-44, FDB 833 E5-6.
27
Barberis, Cronaca, 5 de julho de 1875, caderno II, 31-32, FDB 834 C8-9.
28
O cardeal José Berardi era grande amigo de Dom Bosco e dos salesianos. Chegou incógnito, em
traje civil com dois jovens companheiros, em missão secreta. Hospedou-se num hotel e celebrou a missa na
catedral. Dom Bosco foi seu acompanhante constante nas visitas ao Oratório e a outros locais da cidade.
29
Louis François Veuillot (1813-1883) foi um influente escritor e periodista francês. Henry
Edward Manning (1808-1897) foi cardeal, arcebispo de Westminster. Gaspard Mermillod (1824-
1892) foi bispo de Genebra.
307
30
Barberis, Cronaca, 16 de março de 1876, caderno V, FDB 839 C11. ASC A0000105.
308
A devoção de Dom Bosco ao Papa era para ele uma segunda natureza
desde a infância, por causa da cultura campesina piemontesa em que foi
criado, bem como da educação recebida de sua mãe Margarida Occhiena.
Quando se fala da devoção de Dom Bosco ao Papa, devoção que chegou
aos seus salesianos, não referimo-nos à sua infância, mas a uma espécie de
segunda conversão à qual chegou na maturidade. Motivos históricos, teoló-
gicos e eclesiológicos tiveram muito a ver com essa conversão, que precisa
uma explicação.
A educação de João Bosco no seminário não fez progredir significati-
vamente sua compreensão sobre a função do papado. Quando, mais tarde,
pôde refletir sobre sua experiência de seminário, percebeu que a ênfase no
ensino do seminário era colocada em questões teológicas especulativas, como
a predestinação e os novíssimos, mais do que na história da Igreja e na ecle-
siologia, que devia enfrentar o nacionalismo de igrejas locais (galicanismo e
josefinismo). Do mesmo modo, o ensino de teologia moral no seminário, a
prática pastoral e a vida espiritual foram marcados pelo rigorismo derivado,
em última análise, do jansenismo.31 As duas tendências foram enfrentadas
pelos jesuítas.
Nos tempos de Dom Bosco, quem se opunha ao rigorismo jansenis-
ta e ao galicanismo e se mantinha na tradição jesuítica e numa eclesiologia
centrada no papado, era denominado, pejorativamente, “ultramontano”. Era
esse o ambiente que prevalecia no Colégio Eclesiástico quando Dom Bosco
nele entrou em 1841. Dom Bosco, ali vivendo e estudando durante três anos
sob a direção do padre José Cafasso, professor residente de teologia moral e
pastoral e seguidor de Santo Afonso, foi capaz de afastar-se de todo vestígio
de rigorismo e “aprendeu a ser padre”, como ele declara. Mais decisiva para
compreender a devoção de Dom Bosco ao Papa foi, portanto, a nova compre-
ensão sobre a Igreja, a natureza e a função do papado que ali obteve. Como
padre Cafasso, seu mestre e diretor espiritual, Dom Bosco foi um conserva-
dor ultramontano.32
31
Ver volume 1, p. 318-324.
32
Ver volume 1, p. 360-363.
309
310
311
AS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS.
PRIMEIRA ETAPA (1858-1867)
1
Ver volume 2, capítulo VII (3. Comentário dos textos e interpretação), p. 222-230.
312
e, com ela, o tempo das congregações modernas, diversas das antigas ordens.
Este período caracteriza-se pela ampla transformação e proliferação de congre-
gações religiosas e, portanto, de Constituições.
das Constituições. Talvez não tenha percebido inteiramente a importância da reforma levada a efeito
por Roma nessa época. As dificuldades surgiram porque ele desejava uma congregação diferente dos
modelos canônicos.
313
314
4
Motto estudou e classificou todos os textos de arquivo disponíveis das Constituições. Organi-
zou os textos em ordem cronológica e deu a cada um deles uma letra maiúscula romana (ou grega), por
ordem alfabética. Além disso, identificou o redator por uma letra minúscula acrescentada, por exem-
plo, r = Rua, b = Bosco, o = Boggero, s (de stampa, em italiano) = indica uma edição impressa. Em seu
estudo crítico dos documentos e da relação com as autoridades citadas (Giovanni Bosco, Costituzioni
della Società di San Francesco di Sales [1858] - 1875. Edizione critica di Francesco Motto. Roma:
LAS, 1982), Motto foi capaz de indicar 8 rascunhos que representam 8 pontos de chegada ou 8 etapas
sucessivas no desenvolvimento do texto das primeiras Constituições, de 1858 a 1875.
315
5
ASC D4720101, FDB 1893 E5ss.
6
ASC D4720108, FDB 1895 B10ss.
7
ASC D4720205, FDB 1902 E1ss.
8
ASC D4720308, FDB 1904 C11ss.
9
ASC D4720402, FDB 1907 C9ss.
316
10
ASC D4730106, FDB 1912 E2ss. À letra Q não se acrescenta uma letra minúscula, porque
era um manuscrito caligráfico como pedia o protocolo.
11
ASC D4730202, FDB 1916 C5ss.
12
ASC D4730302, FDB 1920 B2ss.
317
13
Ver volume 2, capítulo VIII, p. 258-260.
318
319
Estou muito contente por saber que Dom Bosco aceitou as sugestões feitas
em relação às suas regras e que está ocupado em sua reelaboração.16
Quanto à Sociedade de São Francisco de Sales, foi-me dito que foram feitas
diversas observações, algumas delas importantes, como por exemplo, sobre
de quem a Sociedade deve depender, e que as Regras fossem devolvidas ao
senhor para que as emendasse e completasse. Creio recordar-me que me foi
dito que o senhor fizera alguma concessão, mas que ainda continuavam defi-
ciências notáveis que precisam de correção. A prudência pede que o examine
o quanto antes possível.17
15
O beato Marco Antônio Durando (1801-1880) provinha de uma rica família turinesa. Seus
irmãos distinguiram-se, um (João) como general do exército, o outro (Tiago), como general, escritor e
estadista. Depois de se unir aos Padres da Missão (de São Vicente de Paulo), Marco Antônio foi orde-
nado padre por dom Fransoni, em 1824. De 1837 até sua morte, desempenhou o cargo de visitador
(provincial) da província dos Padres da Missão em Turim. Foi fundador e diretor de várias congregações
e comunidades religiosas além de conselheiro de confiança de dom Fransoni antes do seu exílio (1850).
Posteriormente, até a morte do arcebispo, foi membro da comissão arquidiocesana encarregada de aju-
dar o vigário-geral no governo da arquidiocese. (Para as relações entre Dom Bosco e padre Durando, cf.
Luigi Chierotti, Il P. Marcantonio Durando. Sarzana, 1971, p. 387-398. In: G. Bosco, Costituzioni,
17, nota 13; Sussidi 2, p. 262-263.
16
“O arcebispo Fransoni ao vigário-geral Fissore”, 11 de novembro de 1860. In: G. Bosco,
Costituzioni, 17, nota 12.
17
“O arcebispo Fransoni a Dom Bosco”, 23 de outubro de 1861. Carta publicada em MB VI, 1041.
320
18
A arquidiocese de Turim ficara vacante desde a morte do arcebispo Fransoni em 1862. O
arcebispo Alexandre Riccardi só foi nomeado em 1867.
19
O cônego José Zappata, vigário-geral capitular, emitiu a carta comendatícia em 11 de feve-
reiro de 1864. Após descrever brevemente a obra do Oratório, escreve: “Por esse motivo, creio que seja
digno deste piedoso sacerdote ser recomendado à Santa Sé para que alcance as graças e favores que
possam dar desenvolvimento ao Oratório e família religiosa, e conseguir maior bem espiritual à cidade
e diocese de Turim” (MB VII, 618).
321
20
Para o texto da solicitação ou carta de apresentação, o memorando (Cose da notarsi), o De-
creto e as 13 observações Savini-Svegliati com a resposta de Dom Bosco, cf. G. Bosco, Costituzioni,
228-234, também em MB VII, 710s. Apresenta-se, na sequência, uma tradução desses documentos.
21
Para as duas premissas básicas sugeridas pelo papa Pio IX a Dom Bosco em 1858, cidadão
livre em relação ao Estado e religioso regular em relação à Igreja, ver comentário no capítulo VIII deste
volume 2, nas p. 252-253.
322
Por isso, rogo a Sua Santidade ou a quem se dignar encarregar que corrija,
acrescente, suprima o que acreditar ser para a maior glória de Deus. Eu não
farei a menor objeção; antes me ofereço para dar as explicações que se creiam
oportunas e necessárias.
Professo-me, desde já, devedor de quem me ajudar a aperfeiçoar os estatutos
desta Sociedade e conseguir que eles sejam permanentes o mais possível e de
acordo com os princípios da nossa santa religião católica.
As Constituições compõem-se de 16 capítulos, divididos em artigos breves,
cuja cópia anexo. Em folha à parte apresenta-se a razão de algumas coisas mais
importantes.
Os bispos de Acqui, Cúneo, Mondoví, Susa, Casale e o vigário capitular desta
nossa arquidiocese tiveram a bondade de escrever cartas comendatícias em
favor desta Sociedade. Ela tem atualmente mais de 75 sócios, todos dispostos
a entregar vida e bens para a glória de Deus e a salvação das almas.
Enquanto todos nós esperamos as decisões do supremo Hierarca da Igreja,
de Sua Santidade, prostramo-nos suplicando queira acelerar o insigne favor
dando a cada um a sua santa bênção apostólica.
Em nome de todos, tem a máxima honra de poder declarar-se aos pés de Sua
Santidade.
Humilde servidor, afeiçoadíssimo filho da Santa Igreja e de Sua Santidade.
João Bosco, sacerdote.22
22
MB VII, 621s.
23
G. Bosco , Costituzioni, 229; encontra-se editada com pequenas alterações em MB VII, 622s.
323
[Em defesa da norma de que os clérigos salesianos deveriam estar sob a juris-
dição do superior religioso, não do ordinário da diocese]
Pede-se no artigo 2o do capítulo 8o que os clérigos se coloquem sob a jurisdi-
ção do superior-geral da Sociedade. Aqui estão algumas razões:
1o Esta Sociedade, sendo formada por casas em diversas dioceses,25 não po-
deria dispor de seus membros segundo as necessidades, pois poderiam ser
enviados a outros lugares de acordo com a vontade do ordinário [o bispo].
2o Em nossos Estados, as ordens religiosas foram suprimidas por lei e, como
consequência, as poucas que foram excetuadas já não podem gozar de qualquer
privilégio relativo ao recrutamento militar e devem recorrer aos bispos que,
24
Na realidade, estes capítulos, especialmente o 5o, sobre a obediência, devem-se mais às cons-
tituições das Escolas de Caridade dos irmãos Cavanis. Cf. Francesco Motto, “La figura del superiore
salesiano nelle Costituzioni della Società di San Francesco di Sales”, RSS 2 (1983) 13ss.
25
A Sociedade já não se restringia à Diocese de Turim.
324
conforme as leis vigentes até agora, podem reivindicar [a dispensa de] alguns,
ou seja, um clérigo anualmente para cada 20 mil habitantes. Por isso, é preciso
que os membros aspirantes ao estado eclesiástico possam ser mandados de uma
casa a outra desde que o bispo ordinário da mesma possa ou não reivindicar a
sua [dispensa] do serviço militar.
3o Há, ainda, uma terceira razão que se refere ao sagrado ministério. Os mem-
bros desta Sociedade têm por fim exercê-lo em favor da juventude, que é um
trabalho delicado e difícil, que geralmente não se aprende senão com a expe-
riência e a longa dedicação, especialmente vivendo e tratando com aqueles dos
quais se quer cuidar. Dificilmente se poderia conseguir e manter essa experiência,
essa unidade de espírito, se o superior-geral não tivesse plena jurisdição sobre os
membros da Sociedade.
Compadecido pela condição dos meninos mais pobres, o sacerdote João Bos-
co, da diocese de Turim, a partir de 1841, com a ajuda de outros sacerdotes,
começou a recolhê-los e ensinar-lhes os primeiros elementos da fé católica e
socorrê-los com ajudas materiais. De aqui surgiu a Pia Sociedade, que, as-
sumindo o nome de São Francisco de Sales, consta de sacerdotes, clérigos e
leigos. Os sócios fazem profissão dos três tradicionais votos simples de po-
breza, obediência e castidade, estão sob a direção do superior-geral, que é
chamado de Reitor-Mor, e, além da própria santificação, se propõem como
fim principal atender às necessidades tanto materiais quanto espirituais dos
jovenzinhos, especialmente, os mais pobres.
Desde o início da Pia Congregação, [os sócios] preocuparam-se com grande
atenção e diligência no que julgaram poder ajudar a sua finalidade, que todos
reconheceram a grande utilidade que proporcionaram à religião cristã com suas
fadigas; e muitíssimos bispos chamaram-nos a suas respectivas dioceses asso-
ciando-os como solícitos e laboriosos operários para cultivar a vinha do Senhor.
Contudo, o já nomeado sacerdote João Bosco, que é o fundador e também
superior-geral da Pia Sociedade, acreditou que lhe faltaria muito, a ele e a seus
sócios, se não se acrescentasse a aprovação apostólica à mesma Pia Sociedade.
Recomendado, portanto, por muitos bispos, pediu há pouco com humilíssima
súplica a referida aprovação à Santidade de nosso Senhor Pio IX e apresentou
26
G. Bosco, Costituzioni, 231; MB VII, 705.
325
326
Memorando
Sobre as observações às Constituições da Sociedade de São Francisco de
Sales na Diocese de Turim.
Em 1o de julho do ano do Senhor de 1864, a Santidade de Nosso Senhor o
papa Pio IX, dando benignamente sua aprovação, dignava-se louvar e recomen-
dar a Sociedade de São Francisco de Sales, de acordo com as prescrições dos sa-
grados cânones, deixando, porém, para tempo mais oportuno a aprovação das
Constituições. Sua Santidade, atendidas as circunstâncias peculiares, também
concedeu que, enquanto vivesse, o sacerdote João Bosco permanecesse em seu
cargo de superior-geral determinando, ao mesmo tempo, que posteriormente
o superior-geral desta Sociedade exercesse o seu cargo somente por doze anos.
Acrescentavam-se 13 observações ao acima citado decreto sobre as
Constituições desta Sociedade. O solicitante recebeu de bom grado as obser-
vações apresentadas neste decreto e preocupou-se imediatamente em colocar
em prática essas observações para que, se surgisse alguma dificuldade, esta
fosse conhecida e, uma vez conhecida, fosse explicada.
Considerado tudo o que lhe pareceu relacionado com a maior glória de
Deus e o bem das almas, acreditou que assim se devem dispor as observações
anteriormente recordadas.
Observação 1: O Reitor-Mor, ou superior-geral, permanecerá no cargo
por um período não superior a doze anos e não poderá ser novamente confir-
mado nesse cargo sem a licença da Santa Sé.
Resposta: Esta observação é aceita sem qualquer reserva.
Observação 2: Recomenda-se que sejam eliminadas as palavras das
Constituições [artigo 7 do capítulo: “Fim desta Sociedade”] com que se proíbe
aos membros a participação na política.
Resposta: Essas palavras já foram eliminadas. O artigo foi colocado sim-
plesmente como salvaguarda contra possíveis contrariedades, caso as Consti-
tuições caíssem nas mãos de certos leigos. Portanto, em conformidade com a
observação sobre todo o artigo, [este] foi eliminado.
27
O memorando com as 13 observações e a resposta de Dom Bosco são comentados em MB
VII, 709. Quando, em 1867, Dom Bosco buscou a aprovação da Sociedade com uma nova redação dos
textos constitucionais em latim, incorporara apenas em parte as observações de 1864. Nesse momento,
não conseguiu obter a aprovação. Foi aprovada depois de nova tentativa em 1869, mas com a ordem
de cumprir todas as observações críticas recebidas.
327
Observação 3: Os votos que se fazem num Instituto deste tipo são re-
servados à Santa Sé. Portanto, deve ser eliminada das Constituições a cláusula
que faculta ao superior-geral dispensar desses votos.
Resposta: Nós aceitamos sem reservas tudo o que seja melhor e mais
adequado para nos unirmos mais estreitamente ao Chefe supremo da Igreja.
A cláusula em questão só se refere aqui a votos trienais. Pedimos que, por
razões práticas e para uma maior flexibilidade no interior da Congregação,
se conceda ao superior-geral o poder de dispensar dos votos trienais. Este
favor não parece especialmente importante, já que a Santa Sé, facilmente e
com regularidade confere aos simples confessores o poder de dispensar dos
votos temporais.
Observação 4: O superior-geral não tem poder para emitir cartas di-
missórias para a recepção das ordens sacras para os membros do pio Instituto.
Assim sendo, esta cláusula também deve ser eliminada das Constituições.
Resposta: Se esta demanda for cumprida, sem dúvida, surgiriam na prática
dificuldades muito graves. Elas seriam tais que perturbariam a vida organizada
da Sociedade e a tornaria praticamente impossível pelas seguintes razões:
(1) [Unidade de governo e administração] Se o bispo tiver o poder de mu-
dar os membros da Sociedade e suas destinações e os obrigar a outras tarefas
na Igreja [em sua diocese], então, não se poderá preservar a unidade de go-
verno e a administração. O bispo poderá remover um administrador da casa
salesiana, embora este esteja obrigado pelo voto de obediência ao seu supe-
rior. (Os votos, é claro, são reservados à Santa Sé.) Tampouco o superior-geral
poderia desfrutar por mais tempo do direito de determinar a seus súditos a
direção de algumas casas, especialmente quando estão em outra diocese que
não a da casa mãe. O bispo que desejar exercer sua jurisdição, como prova-
velmente o faria, pode ordenar e determinar a um ou vários membros, ou ao
próprio superior-geral, alguns cargos no ministério sagrado ou nas paróquias.
Então, como ficaria?
(2) [Unidade de espírito] Tampouco [se o bispo mantiver o controle dos
membros] seria possível preservar a unidade do espírito, pois uma pessoa que
participe do difícil ministério sagrado em favor dos jovens pobres e abando-
nados deve aplicar-se em especiais atividades, estudos e estilo de vida. E não
se pode ser competente nessas matérias, a não ser pela experiência prática
prolongada, por meio da qual se aprende o que se deve fazer, evitar ou mudar,
e os modos e meios para fazê-lo. Tudo isso não pode ser efetivado, se o bispo
puder mudar os sócios para outras tarefas e se continuar incerta a duração do
tempo no qual o membro está à disposição da Congregação.
328
329
28
A expressão “comunidade de casas” significa ter casas em diversas dioceses sob o mesmo superior.
330
“Escolas de Caridade” eram uma antiga fundação veneziana dos irmãos Cavanis, aprovada por Leão XII.
331
como parte do texto das Constituições, ao menos como apêndice no final das
Constituições.30
Observação 10: Deve-se acrescentar na fórmula da profissão o nome do
Reitor [-Mor], diante do qual se faz a profissão dos votos. Além disso, as pa-
lavras “mandar sem reservas”, deveriam ser substituídas por outras: “mandar
de acordo com nossas Constituições”.
Resposta: As duas sugestões são aceitas e cumpridas.
30
Esta observação e sua resposta referem-se ao capítulo, ou melhor, apêndice, sobre os membros
externos, já comentado no capítulo VII deste volume 2, p. 206ss. Dom Bosco escreveu os artigos sobre
os membros externos em 1860; precisou retirá-los em 1873. Nesta resposta, Dom Bosco identifica os
membros externos como cooperadores.
332
31
Dom Bosco escrevera rascunhos em latim, pois parece que sabia ser “exigência habitual”. O
primeiro texto latino impresso das Constituições data de 1867. Foi esse o texto apresentado em Roma
em 1867 [G. Bosco, Costituzioni, 31ss]. Recorde-se que Dom Bosco apresentou sua resposta acompa-
nhando o novo texto das Constituições de 1867, que não conseguiu ver aprovado precisamente porque
lhe faltava concordância.
32
Esta observação refere-se à normativa do art. 14 (última cláusula) do capítulo sobre a “Forma
da Sociedade” [rascunho Ar de 1858, G. Bosco, Costituzioni, 90]. Comparar com a “conclusio” do
capítulo sobre “Profissão” [texto aprovado Q de 1874, G. Bosco, Costituzioni, 209].
333
O METHODUS33
33
“Methodus quae a Sacra Congregatione Episcoporum et Regularium servatur in approbandis novis
institutis votorum simplicium ab A. Bizzarri Archiepiscopo philippen., secretario exposita” [Método pelo
qual a Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares se orienta para aprovar novos Institutos de votos
simples, apresentado por [José] A[ndré] Bizzarri, arcebispo de Filipos, secretário. In: Collectanea [...].
Roma, 1863, p. 829-830; 2ª edição, 1883). Cf. G. Bosco, Costituzioni, 228.
34
Às vezes, pode ser necessário perguntar sobre as doutrinas sustentadas pelos membros do
Instituto. Igualmente, devem-se apresentar as diretrizes e documentos similares [do Instituto], mesmo
que seja apenas na forma de manuscritos, para permitir à Sagrada Congregação conhecer o espírito pelo
qual se guiam os superiores e os membros [do Instituto]. [Nota do Methodus]
334
As constituições, por outro lado, não podem ser aprovadas antes de te-
rem sido testadas por um período adequado de prova, e só depois de terem
sido emendadas de acordo com as observações feitas. Em termos gerais, a
autorização é concedida por um período de prova, por exemplo, de três ou
cinco anos. Depois disso, a menos que ainda restem obstáculos, emite-se o
Decreto definitivo de aprovação das constituições.
Na redação das cartas comendatícias ou de aprovação empregam-se as
fórmulas apresentadas a seguir. Começam com uma descrição de sua funda-
ção e finalidade, de [seus] votos, e da autoridade dos superiores ou das supe-
rioras. E conclui-se com o pedido de recomendação ou aprovação.
Em cada etapa do processo, esses dados devem ser levados ao conheci-
mento do Sumo Pontífice. Em audiência concedida no dia 22 de setembro de
1854, Sua Santidade o papa Pio IX ordenou que todo pedido futuro de lou-
vor e aprovação de qualquer Instituto ou de suas constituições seja dirigido ao
Sumo Pontífice antes de a Sagrada Congregação iniciar qualquer ação. (Veja-
-se Burdigalen, super instituto Sororum Doctrinae Christianae.) Para ilustrar
o modo como as observações são ordinariamente apresentadas, oferecem-se
alguns exemplos em anexo.
[Assinado]
A. Bizzarri, arcebispo de Filipos, Secretário.
335
AS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS.
SEGUNDA ETAPA (1867-1871)
336
1
Dom Riccardi di Netro a Dom Bosco, 11 de setembro de 1867, em MB VIII, 944s.
2
Dom Bosco ao cardeal De Angelis, 9 de janeiro de 1868, em Epistolario II Motto, 479.
3
Francis Desramaut, “Chronologie detaillee”, Cahiers Salesiens, Etudes IX, 13-129 (50-57).
337
Data Acontecimento
1867
6 de janeiro Dom Bosco em Roma com o padre Francésia, provavelmente com
o texto das Constituições (Ls).
12 de janeiro Audiência papal.
1868
7 de março Carta de dom Riccardi elogiando a Sociedade Salesiana.
14 de março Carta confidencial de dom Riccardi ao cardeal Quaglia (prefeito da
Congregação dos Bispos e Regulares), com críticas relacionadas à
Congregação Salesiana e às suas Constituições.
338
Novembro Dom Bosco pede uma carta conjunta de recomendação dos bispos
da província eclesiástica de Turim; a carta foi-lhe negada.
1869
8 de janeiro Terceira carta de dom Gastaldi ao cardeal Quaglia, em apoio à Con-
gregação Salesiana e às suas Constituições.
15 de janeiro Dom Bosco vai novamente a Roma para suplicar a aprovação das
Constituições.
23 de janeiro Audiência papal.
7 de fevereiro Audiência papal.
339
4. Cartas de recomendação
De volta a Turim, em 1o de março de 1867, depois de quase dois meses
de permanência em Roma, quando renovou o pedido de aprovação, Dom
Bosco continuou a solicitar cartas de recomendação dos bispos, cartas que
seriam incluídas no recurso (Positio) apresentado à Congregação dos Bispos
e Regulares.
A resposta de dom Gastaldi foi totalmente favorável.4 Acabara de ser
nomeado bispo de Saluzzo, e Dom Bosco desempenhara um papel importan-
te na sua nomeação. Entre Dom Bosco e Lourenço Gastaldi existiu durante
longo tempo, praticamente desde os inícios do Oratório, uma recíproca esti-
ma, amizade e colaboração ativa.
Nos anos 1867 e 1868 foram recebidas em Roma muitas cartas de re-
comendação de bispos e arcebispos, de dentro e de fora do Piemonte.5 Tais
demonstrações de apoio foram especialmente bem-vindas, num momento
em que influentes bispos piemonteses se opunham à aprovação, aduzindo,
entre outros motivos, falta de formação intelectual adequada, de disciplina
religiosa e de espírito eclesiástico.
cartas de louvor. De fora do Piemonte, receberam-se cartas, por exemplo, do arcebispo cardeal Anto-
nucci, de Ancona, do bispo Macchi, de Reggio Emilia, e de outros.
340
MB IX, 91; MB IX, 417s.; Epistolario I Ceria, 561s.; 590-593. Em seu pedido à conferência,
7
Dom Bosco declarava contra o que alguém informara à congregação romana, que os estudantes clérigos
pertencentes à Congregação Salesiana tiveram sucesso nos estudos e que estava decidido a corrigir
qualquer deficiência.
8
Para as observações do padre Durando, cf. G. Bosco, Costituzioni, 235 (Documento 9),
e MB VI, 723s. Lemoyne acredita que essas observações são as de 1860. Mas, no Arquivo secreto
da Congregação dos Bispos e Regulares (ASCVVRR, T 9.1), estão anexadas ao documento (Positio)
apresentado por Dom Bosco em 1867; o manuscrito, sem data, é assinado por C. André Astengo, em
nome de dom Riccardi.
341
religiosa, é pouco provável que a Congregação seja reconhecida como tal e lhe
seja concedido o status jurídico.
Por outro lado, de acordo com estas normas ou Constituições, a Congregação
de São Francisco de Sales possui edifícios próprios, ativos e bens. Contudo,
como pode a Congregação possuir alguma coisa, se o Estado não reconhece
sua existência como associação? Como e com que meios poderá manter suas
posses? Tudo está em nome do reverendo Dom Bosco; o que acontecerá com
esses bens depois da morte de qualquer herdeiro que possa ser nomeado por
Dom Bosco, especialmente enquanto o Reitor-Mor deve ser mudado a cada
doze anos? Este ponto muito importante deve ser bem compreendido e expli-
cado nestes mesmos regulamentos ou numa nova Constituição.
342
[Assinado]
Padre Marco Antônio Durando, visitador da Missão.
MB VI, 724. Para a atitude do arcebispo Fransoni em relação às Constituições de 1860, ver o
9
capítulo anterior.
343
O que pode obter uma Congregação composta de elementos tão díspares aos
quais falta a unidade de finalidade? O colégio de Turim [o Oratório] já é uma
mistura caótica de aprendizes, estudantes, leigos, seminaristas e sacerdotes. E,
ao ampliar o seu campo de ação, este caos será sempre maior.12
12
O arcebispo Riccardi ao Prefeito da Congregação dos Bispos e Regulares (cardeal Quaglia), 14
de março de 1868, em G. Bosco, Costituzioni, 236-237; MB IX, 95s.
13
O bispo Gastaldi ao cardeal Quaglia, 25 de maio de 1868, em MB IX, 235s.
344
Tive a oportunidade de visitar várias vezes aquele instituto nas horas de re-
creio, e confesso que sempre tive uma impressão muito penosa ao ver aqueles
clérigos misturados com os outros jovens que aprendiam a profissão de al-
faiate, carpinteiro, sapateiro etc., correr, jogar, saltar e também dar-se algum
tapa com pouco decoro da parte de uns e pouco ou nenhum respeito da
parte de outros. O bondoso Dom Bosco, satisfeito com o fato de os clérigos
se manterem recolhidos na igreja, bem pouco se preocupa em formar os seus
corações no verdadeiro espírito eclesiástico e infundir-lhes no tempo devido
os sentimentos de dignidade do estado que desejam abraçar.14
345
[...] Desde os inícios, Dom Bosco começou a educar seus próprios estudan-
tes clérigos e sacerdotes, impregnando-os do seu espírito. Com a ajuda deles
desenvolveu suas instituições com sucesso. Agora, estes mesmos estudantes
e sacerdotes estão dando forma a uma Sociedade que perpetue uma obra
já tão bem estabelecida. O abaixo assinado [Gastaldi] foi testemunha do
nascimento e desenvolvimento desta Sociedade, conheceu e conhece cada
um de seus membros e só pode elogiá-la e expressar seu desejo de que se
estabeleça de forma permanente. Para isso, é preciso urgentemente a apro-
vação oficial da Santa Sé, sem a qual não poderia chegar à estabilidade.
Dom Bosco já apresentou à Santa Sé as regras de sua nascente Sociedade,
juntamente com um pedido de favores e isenções, necessários para todas as
sociedades religiosas [...]. Como no passado, esta Sociedade, sem dúvida,
continuará a promover a educação cristã da juventude, que é a necessidade
mais premente em nosso tempo.17
Em Roma, Dom Bosco teve duas audiências papais, nos dias 23 de ja-
neiro e 7 de fevereiro, nas quais, segundo se depreende do Decreto, precisou
lutar com paixão pela aprovação.
Talvez também para surpresa de Dom Bosco, a Congregação dos Bispos
e Regulares, em 19 de fevereiro, decidiu aprovar a Sociedade e, em 1o de mar-
ço de 1869, emitiu o relativo Decreto. Dom Bosco, deixando Roma quase
imediatamente, estava de volta a Turim em 5 de março. No dia seguinte, sem
perder tempo, apresentava o Decreto ao arcebispo Riccardi.
16
S. Svegliati a Dom Bosco, 2 de outubro de 1868, em G. Bosco, Costituzioni, 237-238, 239.
17
O bispo Gastaldi ao cardeal Quaglia, 8 de janeiro de 1869, em MB IX, 479s.
346
18
G. Bosco, Costituzioni, 239s; MB IX, 505 (texto do decreto).
19
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 261-262.
20
Dom Bosco a Pio IX [antes de 13 de agosto de 1869], em Epistolario III Motto, 122-124.
347
21
As Memórias Biográficas narram assim o episódio: “Em fins de abril aconteceu um fato desa-
gradável que, parece-nos, não deve passar em silêncio. Não se poderia ter uma ideia adequada da luta
sustentada pela nascente Pia Sociedade, caso se calasse sobre alguns episódios.
O arcebispo dom Riccardi fora administrar a confirmação em None, cidade natal do padre Paulo
Albera. O pároco, teólogo Abrate, reunira os padres de sua paróquia e muitos outros párocos vizinhos; e,
com eles, o teólogo Borel e o padre Paulo Albera, salesiano, a quem ele ajudara. Padre Paulo Albera, para
agradar ao pároco, que muito agradeceu pela ideia, leu uma poesia ao arcebispo, que nem sequer lhe diri-
giu o olhar, de modo que um familiar de sua Excelência resmungava lamentando-se daquela desatenção.
Ao final da refeição, padre Paulo Albera foi apresentado ao arcebispo. Este o tomou pela mão,
colocou-lhe um braço ao redor do pescoço e, apertando-lhe a cabeça contra o peito, começou a dizer:
– Vocês não conhecem o seu arcebispo, nem o amam; só amam Dom Bosco: Dom Bosco é tudo
para vocês e não pensam senão nele.
Padre Paulo Albera respondeu:
– Eu amo o meu arcebispo, mas se sou padre, eu o devo...
O arcebispo interrompeu-o, dizendo:
– Cale-se, cale-se. Não posso explicar-me o quanto amam Dom Bosco. Que santidade é a dele?
Um padre que se atreve a escrever ao seu bispo, dizendo estranhar que lhe tenha mandado enviar seus
clérigos a estudar o quarto ano de teologia no Seminário. É um soberbo, que não quer se submeter.
Quer fundar uma Congregação para subtrair-se à autoridade do arcebispo. Se for santo, demonstre-o
sendo obsequioso com o seu Superior.
Padre Paulo Albera caiu em prantos; queria falar, queria defender Dom Bosco e começou a dizer:
– Monsenhor...
Mas o arcebispo, interrompendo-o, continuou a dizer:
– Cale-se, cale-se. Eu soube por Roma que aprovaram a sua, assim chamada, Congregação; mas,
o que é essa sua Congregação? É uma miséria, e estou convencido de que dentro de dez anos não se
falará mais dela; não pode ser de outra maneira. Veremos, veremos!
E continuou a gritar contra Dom Bosco. Quase todos os presentes aprovavam o que o arcebispo dizia.
Padre Paulo Albera, triste e magoado, via-se perante uma nova aflição. Tentou afastar-se, mas
não pôde; o braço do arcebispo manteve-o apertado durante os dez minutos que durou o colóquio.
Depois, o arcebispo subiu ao coche, acompanhado pelo clero, mas não disse uma palavra ao
padre Paulo Albera, que o acompanhava respeitosamente.
Ao ser informado do acontecido, o pároco, que estivera ausente durante o colóquio, exclamou:
– Sinto não ter estado presente, porque eu lhe teria contestado e lhe teria dito que Dom Bosco,
depois de minha recomendação, continua a manter, instruir e educar em seu Oratório uma dezena de
alunos da minha paróquia, dando esperanças de chegarem a ser piedosos e zelosos sacerdotes” (MB IX,
627s). Cf. F. Desramaut, Don Bosco, 739.
348
Dom Bosco ao arcebispo Riccardi, 28 de novembro de 1869, Epistolario III Motto, 159-161.
22
O fato, com alguma alteração, é narrado por Lemoyne em MB IX 82s. e 751s. (no capítulo
23
349
350
Dom Bosco ao reitor do seminário, cônego Alexandre Vogliotti, Turim, 26 de junho de 1866,
24
351
A Dom Bosco
O arcebispo de Turim, Alexandre Otaviano Riccardi dei Conti di Netro,
por graça de Deus e da Sé Apostólica, arcebispo de Turim:
25
Sussidi 2, 310.
26
MB IX, 95s.
352
27
MB IX, 96s.
353
envie uma carta comendatícia a fim de obter da Santa Sé que essa Sociedade
seja aprovada como congregação religiosa, de acordo com as Constituições
apresentadas por ele. Querendo porquanto de mim dependa favorecer-lhe
nesse seu desejo, só na parte em que eu creio que sua instituição seja benéfica
para a Igreja, entreguei-lhe a carta de recomendação, cuja cópia anexo. Por
ela, pode Vossa Eminência Reverendíssima perceber que minha aprovação se
refere à Sociedade quando esta não se propunha outra finalidade senão reco-
lher e catequizar os meninos e adestrá-los em alguma arte ou ofício e que, se
suplico a sua ereção em Congregação religiosa, subordino esse pedido a que a
Santa Sé faça uma sábia revisão e correção das Constituições. E, se verdadei-
ramente eu não estivesse convencido de que esta Sagrada Congregação mo-
dificará essencialmente as Constituições apresentadas, jamais estaria decidido
a este passo, mesmo que a minha oposição pudesse acarretar-me graves des-
gostos, pois acreditaria atraiçoar a minha obrigação de bispo se eu me fizesse
protetor de uma Congregação que, se fosse aprovada como se propõe, não
poderia acarretar senão um gravíssimo dano à Igreja, à diocese e ao clero. Em
benefício, portanto, da própria Congregação, e mais ainda para utilidade da
Igreja, acreditei acertado fazer à parte as observações apresentadas, anotando
também, à margem, alguns artigos que, parece-me, devem ser reformados.
Temendo, depois, que a minha razão pudesse enganar-me, quis submeter
as Constituições em questão ao exame do padre Antônio Maria Durando,
Visitador da Missão, homem experimentado e douto, estimado e apreciado
por todos, o qual também constatou que mereciam reforma. Submeto, pois,
todas essas observações à sábia consideração de Vossa Eminência Reverendís-
sima, para que se digne tê-las presentes quando essa Sagrada Congregação for
chamada a examinar as Constituições de que se trata.
Bem quisera que a Pia Sociedade encontrasse a maneira de perpetuar-
-se e difundir-se, mas quisera também que se limitasse ao fim pelo qual foi
instituída e que procurasse eliminar todo inconveniente que possa derivar de
sua ereção como Congregação Religiosa. Mais ainda, quisera fazer um pedido
a esta Sagrada Congregação para que, antes de conceder qualquer aprovação,
se dignasse encarregar uma pessoa alheia, piedosa, douta, experimentada e
prática na educação da juventude para que, localmente, examinasse as coisas
e prestasse conta das mesmas. Essa inspeção, feita sem que ninguém seja pre-
viamente informado de sua finalidade, talvez pudesse revelar muitos incon-
venientes que escapam a minhas observações e iluminar a Sagrada Congrega-
ção, que assim poderia, com maior conhecimento de causa, emendar e refazer
as Constituições, adaptando-as às necessidades das mesmas e aos tempos em
que vivemos. E na confiança de que tanto Vossa Eminência Reverendíssima
354
28
MB IX, 97s.
355
356
357
AS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS.
TERCEIRA ETAPA (1872-1874)
358
3
MB X, 442s. Para detalhes e documentação, ver F. Motto, L’azione, 307-315.
4
MB X, 220s. O arcebispo Riccardi foi poupado largamente pela imprensa anticlerical por causa
da sua posição no Concílio Vaticano e da sua política de reconciliação; mas, tendo agora em vista as
novas nomeações, montou-se uma feroz campanha contra todos os possíveis candidatos, sobretudo,
contra os candidatos que eram sussurrados para a sede de Turim. Quando se soube da nomeação de
Gastaldi, este se converteu em alvo dos ataques mais pessoais e vis, e subornou-se o populacho para que
atuasse em sua entrada. Cf. F. Motto, L’azione, 313, n. 173.
5
La Gazzetta del Popolo, 2 de novembro de 1872, n. 306, 2, citado por G. Tuninetti, L’immagine,
219. Padre Tiago Margotti era o poderoso editor do periódico católico integrista, L’Unità Cattolica.
“Baseia-se em Dom Bosco como fornecedor de madeira” é um jogo de palavras (Bosco-bosque), refere-se
ao fato que, no tempo em que o seminário diocesano esteve fechado (1848-1863), o Oratório funcionou
como um seminário que “fabricava títeres sacerdotais”.
359
Dom Bosco, o famoso santo beato, sabia que Gastaldi era mercadoria à venda,
que poderia ser utilizado para favorecer seus planos pessoais. Ele apresentou
seu nome ao Vigário de Deus, o ainda não infalível Pio IX, para a nomeação
como bispo de Saluzzo, e assim se fez [...]. Contudo, na recente remodelação
dos bispos, Dom Bosco transferiu-o da Igreja de Saluzzo, onde se derramaram
lágrimas ao ir embora, à Igreja de Turim.6
6
Il Fischietto, 14 de setembro de 1872, n. 111, em G. Tuninetti, L’immagine, 225.
360
Primeiro distanciamento
É fácil entender a necessidade que dom Gastaldi tinha de distanciar-se
de Dom Bosco. Aconselhava-o a estreita familiaridade que mantivera ante-
riormente com Dom Bosco. Dom Gastaldi estava muito ciente de seus méri-
tos pessoais, pois tinha “servido muito bem à Igreja”, não só com a defesa da
infalibilidade papal no Concílio Vaticano I como também pela sua história
de bispo eminente. Em seu discurso inaugural, insistiu no fato de que agora
não era arcebispo de Turim por vontade dos homens, mas pela ação do Es-
pírito Santo.7 Ele, certamente, reconhecia sua dívida para com Dom Bosco,
mas é provável que se aborrecesse ao recordá-la.
Dom Bosco, porém, fez-se logo adiante. Com permissão do Papa, foi o
primeiro a comunicar a promoção por telegrama ao arcebispo eleito.8 Não he-
sitou em oferecer sua assessoria e, numa nota informal, também sugeriu que
o padre João Batista Bertagna fosse nomeado pró-vigário da arquidiocese,9
“pessoa muito piedosa, douta, prática e de boa posição”. Talvez, a nova situa-
ção de dom Gastaldi e de seu novo ministério exigisse que a relação tomasse
outra orientação. Além disso, vindo de uma cidade de província relativa-
mente pouco importante para a arquidiocese de São Máximo, dom Gastaldi
assumia responsabilidades muito sérias, fazendo com que tudo, inclusive a
amizade, parecesse secundário. É verdade que, mesmo nessas circunstâncias,
a expressão da amizade seja sempre possível, mas só na medida em que for
compatível com as novas relações criadas.
Parece que houve, enfim, uma razão mais convincente. Em seu novo
serviço, dom Gastaldi reencontrou-se com a identidade de bispo pastor e
reformador que sempre se sentira chamado a ser. Mais importante ainda,
herdava uma política eclesiástica relacionada com a educação e a formação
do clero secular e regular que, embora não fosse estabelecida por ele mesmo,
correspondia à sua mais profunda convicção e estava em consonância com a
tradição canônica.
Antes de ser bispo e já o sendo em Saluzzo, dom Gastaldi fora um dos
melhores amigos e partidários de Dom Bosco. Além disso, ele, sem dúvida,
reconheceu a dívida que tinha para com Dom Bosco pelas suas nomeações.
7
MB X, 221s.
8
MB X, 442s.
9
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi [início de novembro de 1871], em Epistolario III Motto,
383-384; MB X, 220. A sugestão de que o padre Bertagna fosse promovido devia parecer-lhe um ab-
surdo. Gastaldi não só não o nomearia pró-vigário, como também em 1876 haveria de dispensá-lo de
sua cátedra de teologia moral no Colégio Eclesiástico.
361
Mas com a nomeação para Turim, sua atitude começou a mudar; os sinais
foram inconfundíveis.
Em 17 de fevereiro, o arcebispo assistiu no Oratório à celebração de ação
de graças pela recuperação de Dom Bosco da enfermidade em Varazze; mas
ignorou o convite para permanecer na recepção que se seguiu.
Em março ou abril de 1872, surgiu novamente a incômoda questão das
ordenações, que se prolongou durante os meses seguintes.10 O fato arrancou
de Dom Bosco um comentário que expressava não só decepção, mas também
percepção da mudança: “O que podemos fazer? O arcebispo quer ser a cabeça
da nossa Congregação. Isso é demais. Mas vamos ver”.11
Contudo, justamente nessa época, dom Gastaldi pressionava Dom Bos-
co para que recebesse e dotasse de pessoal a escola diocesana de Valsálice,
que corria o risco de ser fechada. Na verdade, a proposta fora feita em 1869.
Dom Bosco comentara-o com seus conselheiros, que votaram contra, por-
que era uma escola para ricos. Depois de muito hesitar, aceitou o projeto do
arcebispo em junho de 1872. A oferta queria demonstrar que não mudara
a consideração de dom Gastaldi por Dom Bosco e sua obra, apesar de, ao
aceitá-la, Dom Bosco estar fazendo um favor ao arcebispo. Chama ainda a
atenção o fato de a correspondência entre ambos não demonstrar qualquer
animosidade de um pelo outro, mas revelar a vontade do arcebispo de aceitar
os termos de Dom Bosco.12
10
Cf. MB XVI, 88ss. Esta Informação está entre os comentários sobre o conflito feitos por
Ceria depois de informar sobre a morte de Gastaldi.
11
MB X, 310s. Neste episódio, o biógrafo cita o relato de uma “testemunha visual” do cônego
João Batista Anfossi. Leve-se em conta que Anfossi, padre diocesano e aluno do Oratório, interviria
poucos anos depois no conflito contra o arcebispo.
12
MB X, 344s. Carta do arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 23 de abril de 1872, e de Dom
Bosco ao arcebispo Gastaldi, 22 de março de 1872, em Epistolario III Motto, 410-411. Em junho de
1872, Dom Bosco aceitou oficialmente a atividade da escola. Arrendou os locais dos Irmãos das Escolas
Cristãs por cinco anos, até 1877. Em 1879, comprou a propriedade. Em 1887 decidiu-se a converter
Valsálice em Seminário para as Missões Estrangeiras, na verdade, seminário menor para a Sociedade
Salesiana. Detalhes em E. Pederzani e R. Roccia, Don Bosco a Valsalice: un contributo per il centenario.
Turim: Scuola Grafica Salesiana, 1987.
362
13
O cardeal Berardi a Dom Bosco, 27 de agosto de 1872, em MB X, 673.
14
O arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 24 de outubro de 1872, em MB X, 683. Anteriormente,
iniciando pela questão de 24 de junho (1872), uma folha escandalosa do Il Ficcanaso (O Intrometido),
começara a apresentar trechos de uma novela difamatória, intitulada Don Broschi. Descrevia um semi-
nário no qual a desordem e a grosseria reinavam maximamente, e onde alunos e professores, todos, e
seu chefe (Don Broschi), em particular, eram uns hipócritas com a mente distorcida [MB X, 459]. A
carta do arcebispo não fora motivada por tão malvada publicação, mas as acusações, manifestamente
falsas, aumentaram sua preocupação.
363
364
Se este noviciado não existe ou, se existir, sem se parecer muito com o da Com-
panhia de Jesus, vossa Sociedade não terá estabilidade [...]. Com demasiada
frequência, ouve-se repetir a queixa de que muitos destes membros não são
modelos de virtude e, entre elas, de humildade [...]. Isso se poderia remediar
com um bom noviciado que, parece-me, ainda não existe na Congregação
de São Francisco, e, por isso, não poderei promover a aprovação pontifícia desta
Congregação, senão com a condição expressa de que se estabeleça tal noviciado.18
Comentário
Apesar de seu aspecto autoritário, as exigências do arcebispo devem ser
entendidas como expressão de uma preocupação legítima em vista da prepa-
ração adequada dos candidatos à ordenação, assim como da responsabilidade
na matéria, que sentia intensamente. Deve-se notar que de sua declaração
sobre a isenção dos religiosos, segue-se que não era contrário à necessária
isenção dos religiosos, mas sim aos privilégios desnecessários e prejudiciais,
entre eles, em sua opinião, o privilégio de emitir cartas dimissórias.19
Dom Bosco, porém, acreditava que os privilégios tradicionais de isenção
eram necessários para o bom funcionamento das congregações religiosas. Por
conseguinte, assumira essa disposição nas Constituições e a defendera contra
as objeções da Congregação dos Bispos e Regulares em 1864 e 1867.
Quanto à formação religiosa e ao noviciado, ele acreditava na validade
da sua opinião e expôs suas razões ao arcebispo em carta de 23 de novembro
de 1872. Escreveu que, antes da aprovação da Sociedade em 1869, explicara
a praxe da formação salesiana com plena satisfação de Pio IX. É certo que os
documentos oficiais da Sociedade Salesiana – por causa das leis de supressão!
– não previam um noviciado formal, mas na prática sempre existira um novi-
ciado. Ele também questionava a afirmação do arcebispo de que os salesianos
não possuíam as virtudes religiosas necessárias. Se fosse o caso, como explicar
o fato de o arcebispo falar do Oratório até pouco tempo atrás como uma casa
de piedade e virtude?20
18
O arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 9 de novembro de 1872, em MB X, 683s (os cursivos
são do autor).
19
G. Tuninetti, Gastaldi II, 261-262, faz notar que o arcebispo Gastaldi parece opor-se não
só à concessão de determinados privilégios especiais aos religiosos, como também à própria prática de
conceder privilégios. Por outro lado, estava intensamente a favor da vida religiosa como tal, e era muito
agradecido pelo trabalho das congregações religiosas.
20
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 23 de novembro de 1872, em Epistolario III Motto, 493-
495; MB X, 686s.
365
21
P. Stella, Vita, 159.
366
22
Carta em ASC A110504: Gastaldi, Lettere pastorali, 30-11-72, FDB 616 A7-B3.
23
Inicialmente, o arcebispo permitiu que se celebrasse uma missa na Noite de Natal januis
clausis [o arcebispo Gastaldi a Dom Bosco, 19 de dezembro de 1872]. Mais tarde, mudou e permitiu a
celebração de três missas consecutivas também januis clausis [carta de 21 de dezembro de 1872]. Estes
fatos são narrados com a relativa correspondência em MB X, 690s.
24
“Parece ao arcebispo conhecer melhor o espírito da Igreja do que o Papa”, em G. Bosco,
Esposizione 1881, 9, em OE XXXII, 37.
25
Para um estudo desta complicada história, ver MB X, 661 (Capítulo VII), com abundante
documentação. Recordemos que o tomo X das Memórias foi escrito por Amadei. A documentação de
MB X é confiável, transcrita dos Documenti de Lemoyne e de outras fontes de arquivo. Obviamente, a
tradição biográfica salesiana está invariavelmente do lado de Dom Bosco e não tem nenhuma intenção
de compreender o ponto de vista do arcebispo Gastaldi.
26
De Societate San Francisci Salesii Brevis notitia et nonnulla decreta ad eandem spectantia, em
OE XXV, 103-121, e parcialmente em MB X, 890s. Trata-se da penúltima parte de uma longa lista de
resumos históricos das origens e do desenvolvimento de sua obra, que Dom Bosco elaborou nos últimos
367
anos, principalmente com a finalidade de obter opiniões ou aprovação das autoridades da Igreja. Esta é
a lista: Apresentação ao cônego Zappata, de 1863; Breve nota, de 1864; A Sociedade de São Francisco de
Sales, para o arcebispo Riccardi, 1867; Resumo histórico, para o bispo Ferré, de Casale, 1868; Breve comu-
nicação e Decretos, de 1868; Meu propósito, aos bispos da província eclesiástica de Turim, 1869; Estado da
sociedade, de 1870; A Pia Sociedade de São Francisco de Sales, de 1873; o presente Breve Resumo Histórico,
de 1874; Resumo, de 1874: os três últimos preparados especificamente para a aprovação definitiva. Para
mais detalhes e referências, ver P. Braido, L’idea, 255-256. Nestes documentos, Dom Bosco apresenta
diversas descrições dos inícios de sua obra e de seu desenvolvimento (o ponto habitual de referência
para o início é 1841) e, em seguida, apresenta o estado atual da Sociedade com uma “eficaz” mescla de
verdade e ficção.
27
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 23 de dezembro de 1872, em Epistolario III Motto, 499.
Se Gastaldi já tinha “visto as provas tipográficas das Constituições”, pode não ser esse o texto de 1873,
que ia ser apresentado em Roma para aprovação.
28
Brevis notitia, em OE XXV, 121, citado em MB X, 692s. Na carta, Dom Bosco escreve: “Se
Sua Excelência desejar que eu imprima sua carta comendatícia na Brevis Notitia para sua melhor leitu-
ra, por favor, que ela me seja enviada”.
368
suas condições. Dom Bosco recebeu uma cópia de dom Pedro José de Gau-
denzi, de Vigévano, um bom amigo; inteirou-se assim das exigências do ar-
cebispo. Posteriormente, quando em 17 de fevereiro visitou o arcebispo antes
de partir para Roma, deu-lhe a conhecer pessoalmente que sabia do seu elo-
gio juntamente com as condições. O arcebispo de Gênova, Salvador Magnas-
co, que o apoiava, tinha reservas semelhantes.29 Por outro lado, Dom Bosco
contava com a recomendação e o apoio dos bispos piemonteses, Pedro Maria
Ferré, de Casale, João Batista Cerruti, de Savona, Pedro José De Gaudenzi,
de Vigévano, Anacleto Pedro Siboni, de Albenga e, mais favorável, Emiliano
Manacorda, de Fossano. A recomendação deste último rebatia, ponto por
ponto, as acusações de dom Gastaldi.30
29
MB X, 692.
30
Todas as cartas estão na Positio, transcrita em MB X, 875s.
31
MB X, 927s.
32
MB X, 928s.
369
33
MB X, 711ss. Algumas exigências de Gastaldi eram nitidamente razoáveis, apesar de Dom
Bosco ter provavelmente pensado que nenhuma delas o era. Outras, porém, não. Eram uma tentativa
do arcebispo de colocar a Sociedade Salesiana sob o seu controle; embora não se possa deduzir disso
que quisesse criar uma congregação diocesana. Afinal, a Sociedade Salesiana fora aprovada por Roma
em 1869. Entretanto a Sociedade nesse momento, por um lado, não alcançara o status de congregação
clerical nem de congregação isenta; e, por outro, Gastaldi falava e atuava a partir de um conceito muito
particular de autoridade e responsabilidade do Ordinário.
370
Isso se podia fazer em outros tempos, mas não no presente, em nossos países;
além disso, a Congregação Salesiana seria destruída, pois, a autoridade, perce-
bendo a existência de um noviciado, o eliminaria em seguida e dispersaria os
noviços. Além disso, este noviciado não poderia adequar-se às Constituições
Salesianas, que têm como base a vida ativa dos sócios, conservando como
ascética somente as práticas necessárias para formar e conservar o espírito
de um bom eclesiástico; tal noviciado tampouco serviria para nós, pois os
noviços não poderiam pôr em prática as Constituições, segundo a finalidade
da Congregação.34
34
MB X, 794; Epistolario IV Motto, 268-270. Para a “segunda prova” [ele, em geral, evitava o
termo “noviciado”], Dom Bosco pensava num ano passado numa casa salesiana, comprometido nos
trabalhos da Sociedade como adequado e suficiente para a formação do salesiano (G. Bosco, Costitu-
zioni, 196, 192-193).
35
MB X, 728.
36
MB X, 728.
371
MB X, 735s.
37
MB X, 759s. Amadei descreve o ardil desta carta anônima, cujo original está em ASC. O autor
38
anônimo acusava Gastaldi de procurar destruir o bom nome da Sociedade, cobrindo-a de uma negra
infâmia, e de tratar os membros da Congregação dos Bispos e Regulares como crianças e de não saber
nem sequer um pouco de latim. Acrescentava: “Foi Dom Bosco quem o tirou [Gastaldi] da poeira, deu-
-lhe um trabalho e um nome, imprimiu seus livros e trabalhou duramente para conseguir que lhe dessem
o posto que agora ocupa [...]. Teme que os sacerdotes de Dom Bosco possam superar os de sua diocese,
tanto mais quanto seus próprios seminaristas querem ir embora e unir-se a Dom Bosco [no Oratório],
onde se vive melhor”. De fato, alguns seminaristas diocesanos passaram ao Oratório.
372
Novos incidentes
Embora as Constituições Salesianas estivessem em exame em Roma, o
arcebispo esperava que Dom Bosco cumprisse suas exigências em tudo que
se referisse à faculdade do ordinário sobre os candidatos e as ordenações
sacerdotais. A menor falha de Dom Bosco em satisfazer as exigências do
arcebispo provocaria atrito entre eles. Alguns incidentes contribuíram para
aguçar ainda mais os temas já em discórdia.
39
De Regulis Societatis Salesiane aliqua declaratio [Uma declaração sobre as constituições da
Sociedade Salesiana], em MB X, 893, editada criticamente em G. Bosco, Costituzioni, 248.
40
Para o texto crítico destas Constituições, cf. G. Bosco, Costituzioni, 18-19 e 59ss. O trabalho
de revisão é descrito em MB X, 673ss.
41
MB X, 956s.
373
MB X, 708.
42
MB X, 709s. Como se sabe, o arcebispo fixara anteriormente essas condições para a ordenação.
43
44
MB X, 735s. A profissão perpétua voltaria a ser também uma exigência de Roma para a orde-
nação titulo mensae communis (sobre a base da vida comum) quando as Constituições Salesianas foram
apresentadas para a aprovação definitiva.
45
MB X, 708s.
46
MB X, 718.
374
47
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 14 de maio de 1873, em Epistolario IV Motto, 96-98;
MB X, 718s.
48
Arquivos Vaticanos, citados em G. Tuninetti, Gastaldi II, 267, nota 37. Entretanto, mais
tarde, numa carta ao arcebispo, de 28 de outubro de 1875, Dom Bosco escreveu: “Com todo o respeito
[…], posso garantir-lhe, e o senhor o sabe perfeitamente, que se foi nomeado bispo de Saluzzo e depois
arcebispo de Turim [...], foi tudo devido às propostas e aos esforços do pobre Dom Bosco” (Epistolario
IV Motto, 536). Dessa forma, parece que a carta de 14 de maio de 1873 não foi a única vez em que
Dom Bosco alardeou seus bons serviços em favor do arcebispo.
375
49
MB X, 719.
50
Sobre a troca de correspondência, ver MB X, 729s.
51
Cf. G. Bosco, Esposizione 1881, em OE XXXII, 49-124, em que, mais tarde, Dom Bosco
enumerava com detalhes as situações dos empecilhos de Gastaldi ao longo de muitos anos em todas as
áreas da atividade salesiana.
376
52
Sínodo de 25-27 de junho de 1873, nos Títulos XIV (sagradas ordens) e XXIV (os religiosos). O
Sínodo de 1873 e suas deliberações, as facções criadas entre o clero e os ataques da imprensa liberal hostil são
estudadas em G. Tuninetti, Gastaldi II, 85-107, 268. Ver também F. Desramaut, Don Bosco, 855-857.
377
modo algum queria aceitá-lo. Vê, agora, como me trata!”. Dom Bosco cita
depois o Salmo 55,12-13. Em 9 de junho de 1873, padre Berto registrou pala-
vras semelhantes de Dom Bosco que, talvez em relação à controvérsia Borelli-
-Rocca, se queixava da atuação do arcebispo Gastaldi, e citou a lamentação de
Deus em Isaías 1,2-3.53
Que, antes de serem apresentadas para a aprovação pela Santa Sé, estas Consti-
tuições sejam diligentemente corrigidas em conformidade com as observações
críticas anteriores, e em conformidade com todas as que Sua Santidade julgar
necessário apresentar. Seria também conveniente que, antes da aprovação, as
53
MB X, 688 e 711ss. Padre Berto, secretário de Dom Bosco desde 1872, escreveu uma espé-
cie de diário, especialmente quando acompanhou Dom Bosco em sua viagem, no qual anotava estas
e outras manifestações. ASC A004: Berto, Cronichette, 1873 e 1873-1874, FDB 907 D8 - 911 A8.
54
As 38 observações do padre Bianchi estão em MB X, 932ss; foram publicadas criticamente
em G. Bosco, Costituzioni, 241-244.
55
Ver as observações Savini-Svegliati de 1864 e a resposta de Dom Bosco no capítulo XI, p. 326-333.
378
Em sua maior parte, estas observações são a aplicação das fórmulas estabeleci-
das por Roma para os novos institutos. Dou-me conta de que o exigido para
os novos noviciados e para os estudos e as ordenações é o mesmo que o senhor
desejaria modificar ou eliminar; contudo, por outro lado, tudo isso é precisa-
mente aquilo que os ordinários sempre insistiram e a Santa Sé considerou fir-
me e inquestionável [...]. Os homens passam [...], mas a Santa Sé deve tomar
as providências que garantam a existência e a continuidade de seu instituto.
56
O arcebispo Vitelleschi a Dom Bosco, 19 de maio de 1873, em MB X, 725s. Os fatos são
relatados em seu contexto em MB X, 726s.
57
O arcebispo Vitelleschi a Dom Bosco, 26 de julho de 1873, em MB X, 728s.
379
380
absoluta”. Dom Bosco, como indica na resposta, “aceitara a maior parte” das
28 observações críticas que lhe foram apresentadas. Contudo, “no caso de
várias delas”, “fizera alguns ajustes”; em “alguns artigos” mantivera-se firme
“unicamente para salvar seu Instituto de um naufrágio na feroz tormenta das
leis civis”; fizera-o apoiado na “assessoria recebida recentemente”.
Em sua resposta, Dom Bosco aceitava só em parte as seis observações
importantes mencionadas anteriormente:
A primeira observação queria suprimir os dois primeiros capítulos das
Constituições: o Preâmbulo e o Resumo histórico.
Dom Bosco tirou-os do texto, mas manteve-os em letra cursiva, como uma
dupla introdução. Considerava os dois textos importantes, pois eram a base
para se entender o breve primeiro artigo do capítulo sobre a finalidade.
Dom Bosco aceitou só em parte esta observação. Suavizou-a, mas não elimi-
nou as cláusulas sobre direitos civis e lei civil. Por exemplo, no artigo 2 do capí-
tulo, Forma da Sociedade, ideou uma fórmula mais simples: “Todo aquele que
entra na Sociedade não perde, nem mesmo depois de fazer os votos, os direitos
civis, pelos quais pode válida e licitamente adquirir, vender, fazer testamento
e herdar”. Por outro lado, considerava que a fórmula satisfazia a exigência da
Igreja sobre o voto canônico de pobreza, embora expressasse a essência da po-
breza religiosa em termos de renúncia à administração dos bens, em lugar do
mero “domínio radical” da fórmula canônica. E também a menção dos direitos
civis e seu exercício era uma garantia suficiente diante da lei civil.
O artigo 859 da coleção da Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares dizia: “Os religiosos
58
professos com votos simples poderão manter o domínio radical (como se diz) de seus bens, mas não
podem administrar ou utilizar ou dispor das entradas derivadas deles. Por isso, antes da profissão, de-
vem ceder tanto a administração de bens quanto a entrada e o uso dos mesmos, durante todo o período
de seus votos, a quem desejar, inclusive à sua Congregação, se assim o quiserem fazer” (MB X, 747s).
381
nada possuía, com a convicção de que esta solução oferecia maior garantia
contra as represálias do governo. Limitou-se a acrescentar uma nota indican-
do que os dois capítulos em questão foram tomados quase literalmente das
Constituições da Congregação das Escolas da Caridade (Cavanis, de Veneza),
aprovadas pelo papa Gregório XVI.
bres, na ciência e na religião [...]. Por isso, durante a segunda prova, todos
os noviços se exercitarão seriamente no estudo, assim como em dar aulas
diurnas e noturnas, catequizar as crianças e assisti-las também nos casos
382
mais graves. E se o sócio tivesse dado provas em todas essas coisas de que
pode trabalhar para a maior glória de Deus e proveito da Congregação e foi
exemplar no cumprimento das práticas de piedade, e também no exercício
das obras de caridade, será considerado cumprido o ano da segunda prova;
caso contrário, ela se prolongará por alguns meses, até um ano.
11 Durante o tempo destas provas, o mestre de noviços procurará recomendar
o
Dom Bosco anotou que, no momento, não podia estabelecer uma casa se-
parada especial para este fim e que, em todo caso, teria que ser submetida à
aprovação do Ministério da Educação Pública, conforme as leis do Estado.
Anotava, ainda, que o ensino do catecismo e a assistência dos alunos não
tinham por que ser incompatíveis com um curso adequado de estudos; e que
ao fazê-lo, os clérigos demonstrariam sua capacidade e disposição de assumir
o trabalho do Instituto. Dom Bosco, porém, declarava-se de acordo com um
programa de quatro anos de estudos teológicos, e redigiu e inseriu um breve
capítulo sobre os estudos da seguinte forma:
59
Como se pode ver, o noviciado descrito nestes artigos não está de acordo com as exigências
da observação 16. O noviciado de Dom Bosco carece de uma casa de noviciado, não é um noviciado
ascético, os noviços não estão separados dos professos, os noviços participam do trabalho do Instituto.
Além disso, parece que o mestre de noviços é responsável pelas (três) etapas de formação.
383
384
Excelência:
À primeira vista, as observações críticas em relação às nossas Regras não pare-
cem ser impossíveis de cumprir. Contudo, quando me pus ao trabalho, expe-
rimentei todo tipo de dificuldades. Caso se aceitassem essas observações críticas,
eu teria de suprimir uma série de disposições que, em geral, foram aprovadas
no caso de outras ordens ou congregações religiosas. Porque, em questão de
princípios, guiei-me com fidelidade pelas Constituições já aprovadas no caso
de outras congregações, como as dos jesuítas, redentoristas, oblatos e rosmi-
nianos. Além disso, precisaria afastar-me dos princípios que o Santo Padre me
indicou, aos quais se adéquam todas as Regras salesianas [...].61
Tendo isso em consideração, cumpri as exigências na medida em que era
possível, sem reduzir a nossa Sociedade a uma congregação diocesana; caso
contrário, a nossa Sociedade deixaria de existir segundo o previsto. Ao ter
casas em várias dioceses, nossa Sociedade deveria sujeitar-se aos ordinários só
em assuntos relativos à prática externa da religião.
Por outro lado, minha preocupação foi não mudar ou destruir o que já se
tinha estabelecido nos decretos de 1864 e 1869. E para que esses assuntos
sejam entendidos em seu contexto apropriado, escrevi um Resumo histórico.
Peço a Vossa Excelência que leia o Resumo histórico e minha resposta às
observações críticas e, em seguida, por favor, seja muito amável em dizer-me
se, depois das modificações que fiz, poderia voltar a apresentar as Consti-
tuições à Congregação dos Bispos e Regulares com alguma possibilidade de
sucesso. Caso seja preciso cumprir todas as observações críticas, então, prefiro
desistir de apresentar outro pedido, pois uma aprovação conseguida nessas
condições poria a Sociedade Salesiana numa situação muito pior da que
está agora. Escrevo também ao cardeal Berardi [...]. Como explicar que,
enquanto os examinadores de 1869 não puseram nenhuma objeção, agora
há de se fazer tudo de novo?62
61
Os dois fundamentos apresentados por Dom Bosco com tanta frequência são que a Socie-
dade deveria ser, de um lado, uma união de cidadãos perante o Estado e, de outro, uma congregação
religiosa com votos, plenamente reconhecida perante a Igreja. Cf. MB V, 856ss: primeira audiência de
Dom Bosco com o papa Pio IX, 1858.
62
Dom Bosco ao arcebispo Vitelleschi, 5 de agosto de 1873, em Epistolario IV Motto, 151-152,
385
em parte também em G. Bosco, Costituzioni, 19, nota 41, e em sua totalidade em P. Braido, L’idea,
252-253. Motto especula que, apesar do tratamento (“Sua Excelência”), a carta pode ter sido dirigida
ao cardeal prefeito Bizzarri, não ao secretário Vitelleschi. Cabe assinalar, também, que os “examina-
dores” de 1869 tinham indicado claramente que as observações de 1864 deviam ser “absolutamente”
cumpridas. Não se fizeram novas observações nesse momento (1869), porque as Constituições só
foram apresentadas para aprovação em 1873.
63
MB X, 699s.
64
A resposta de Dom Bosco é descrita em MB X, 819ss.
386
65
Riassunto della Pia Società di San Francesco di Sales nel Febbraio 1874, em OE XXV, 377-384;
MB X, 943ss.
66
MB X, 757s.
67
Cf. MB X, 757s para a carta de Gastaldi, de 9 de janeiro, e para a carta “anônima”.
387
388
Primeira sessão
A primeira sessão foi celebrada no dia 24 de março de 1874. Apesar de
os cardeais se inclinarem pela aprovação, “o debate prolongou-se por causa
das cartas do arcebispo Gastaldi, em especial a de 20 de abril de 1873”.70 A
discussão ficou pendente e a reunião foi adiada para 31 de março.
Enquanto isso, os cardeais continuaram trabalhando e corrigiram o tex-
to das Constituições. Se as iam aprovar, estavam decididos a corrigir as (mui-
to lamentadas) deficiências colocando-as em todos os seus termos de acordo
com o modelo canônico tridentino preestabelecido.
Foram eliminados os capítulos do Preâmbulo e o Resumo histórico, que
eram uma espécie de prólogo, ficando assim os 16 capítulos: Finalidade, For-
ma, Obediência, Pobreza, Castidade, Governo religioso, Governo interno,
O Reitor-Mor, Os demais Superiores, Cada Casa particular, Admissão, Es-
tudos, Práticas de piedade, Noviciado, Hábito, Fórmula da Profissão.
O texto sofreu profundas modificações, especialmente nestes temas: as
cláusulas sobre direitos civis foram quase totalmente eliminadas ou redigi-
das no âmbito da prática do voto de pobreza; os capítulos dos estudos e do
noviciado foram praticamente reelaborados; o capítulo sobre as práticas de
piedade foi consideravelmente ampliado. A faculdade de conceder cartas di-
missórias foi negada e o artigo, suprimido. Sugeria-se em contrapartida que,
se o Santo Padre quisesse conceder a faculdade de apresentar cartas dimissó-
rias, pudesse fazê-lo como privilégio por um período de dez anos.71
Enquanto isso, Dom Bosco não ficou ocioso. Os cardeais pediram a
Dom Bosco que apresentasse um regulamento para o noviciado; Dom Bosco
respondeu imediatamente. Depois de tomar as constituições de outras con-
gregações religiosas, trabalhou a noite toda de 27 a 28 de março e apresentou
o capítulo aos cardeais.72 Como o cardeal Bizzarri já tinha mostrado a carta de
Gastaldi, de 20 de abril de 1873, Dom Bosco, em 29 de março de 1874, pôs-
-se a escrever a resposta na forma de memorando com 12 pontos, enviando-a
aos cardeais e a dom Vitelleschi.73
389
Gastaldi sobre a formação, foi finalmente aprovado, embora não sem luta.
O debate girou ao redor de uma proposta formulada por um dos cardeais
de que as Constituições fossem aprovadas por um período de prova de dez
anos. Os bons serviços do cardeal Berardi e do próprio Santo Padre ajuda-
ram a ganhar a votação por 3 a 1 para sua aprovação definitiva.
Em 3 de abril, numa longa audiência, dom Vitelleschi deu conheci-
mento disso a Pio IX, que emitiu seu voto pessoal para que o resultado fosse
unânime. Na mesma data, Vitelleschi redigiu o relatório anunciando o voto
afirmativo, com uma explicação de 5 pontos que deixava entrever sua inter-
pretação da votação. Eis o texto:74
Explicação:
74
MB X, 795.
390
Resultados obtidos
Dom Bosco, porém, não conseguiu impor seu critério, apesar de seus
esforços diplomáticos pelo Exequatur e o prestígio adquirido em círculos ro-
manos por esse serviço, apesar da constante apresentação de memorandos
em sua própria defesa e de sua frenética atividade para levar a causa adiante,
apesar da sua amizade com Pio IX, com o cardeal Antonelli, com o cardeal
Berardi e o arcebispo Vitelleschi. Os cardeais da Congregação Especial tra-
balharam dentro dos princípios jurídicos tradicionais, que eram princípios
relativos à aprovação de uma congregação religiosa, ou seja: a centralização
eclesiástica, a força totalmente vinculante dos votos, mesmo simples, re-
servados ao Papa, a independência em relação à ordem jurídica do Estado,
o gradualismo experimental, a liberdade de consciência dos membros etc.
O trabalho dos cardeais orientou-se mais ou menos pelas Observações críti-
cas de 1864, pelas mais minuciosas de 1873 e, também sem dúvida, pelas
insistentes exigências do arcebispo Gastaldi.
Portanto, os conceitos inovadores de Dom Bosco, que tornavam a So-
ciedade nova e especial, ou seja, flexibilidade nas estruturas, liberdade de ação
em relação às novas realidades políticas etc., foram eliminados ou notavel-
mente reduzidos em sua força. Igualmente, as referências aos tempos e luga-
res, que explicitavam as experiências que Dom Bosco considerava carismáti-
cas e normativas, foram suprimidas ao eliminar os dois primeiros capítulos
e suas referências no restante do texto. As orientações sobre os salesianos
externos, uma ideia totalmente nova, já tinham sido previamente suprimidas.
75
O texto aprovado está em G. Bosco, Costituzioni, 73ss. Não se trata de um texto impresso,
pois o protocolo requeria que o texto aprovado fosse apresentado e arquivado na forma de manuscrito.
Tampouco atribui ao amanuense da edição crítica a letra minúscula por ser uma cópia caligráfica. Para
o decreto, ver G. Bosco, Costituzioni, 253, e MB X, 802.
391
4. Conclusão
Ao longo de todo o processo de aprovação, a questão estava entre o que,
na opinião de Dom Bosco, era requerido pelos tempos, um tipo diferente de
congregação para uma nova situação histórica, e a tradição canônica estabe-
lecida, que orientava as ações das autoridades romanas. Enquanto a tradição
estabelecida exigia o controle e a centralização eclesiástica, Dom Bosco queria
caminho livre, ou seja, independência em relação aos ordinários locais e, de
certo modo, também de Roma. Da mesma forma, a tradição estabelecida con-
siderava os votos, mesmo os votos simples, como totalmente vinculantes e sob
o controle exclusivo do Papa; Dom Bosco tinha uma ideia mais flexível e queria
poder dispensar deles quando fosse necessário.78 Na normativa tradicional, as
congregações religiosas estavam sujeitas à ordem jurídica da Igreja e eram inde-
pendentes do Estado. Dom Bosco, porém, queria que a sua congregação fosse
reconhecida como tal pela Igreja e, ao mesmo tempo, estivesse em consonância
com os princípios jurídicos do Estado liberal; pensava uma associação de cida-
dãos livres, que mantivessem seus direitos civis, e não uma congregação religio-
sa ou de outro tipo. A tradição estabelecida concedia o reconhecimento e os
privilégios apenas gradualmente; Dom Bosco queria tudo logo. Se a normativa
tradicional salvaguardava a liberdade de consciência dos sócios, Dom Bosco
pretendia de seus membros a prestação de contas da consciência, não só em vis-
ta da direção espiritual, mas também da sua disponibilidade para o apostolado.
76
Cf. rescrito à parte em MB X, 801.
77
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 13 de abril de 1874, em Epistolario IV Motto, 277. Nota
do comentário de Amadei em relação a esta comunicação da aprovação, em MB X, 808-809.
78
Esta é a interpretação que Dom Bosco faz da afirmação de Pio IX, que cita: “Esta Sociedade
deve ter votos [...], mas estes votos devem ser simples e como tais possam ser facilmente dispensados”
[Breve notizia, 1864, em MB VII, 892].
392
393
Talvez, por não ter recebido uma comunicação oficial de Roma nem
uma cópia autêntica das Constituições e do Decreto, dom Gastaldi tenha
insistido em exigir da Congregação Romana uma declaração explícita sobre
a aprovação da Sociedade Salesiana.83 Seu pensamento expressa-se mais clara-
mente nos meses seguintes, numa carta a Pio IX, de 4 de outubro de 1874,84
como também no citado Relatório ad limina. Nos dois documentos, ele reu-
nia suas queixas habituais sobre Dom Bosco e os salesianos. E no Relatório
atreveu-se a expressar a esperança de que, quando o Concílio Vaticano vol-
tasse a reunir-se e fosse abordada a questão do noviciado e da formação dos
82
Ver MB X, 821ss, sobre a crescente animosidade da correspondência.
83
O arcebispo Gastaldi ao arcebispo Vitelleschi, 2 de setembro de 1874, em MB X, 842s. Em
seu relatório ad limina, de 31 de dezembro de 1874, Gastaldi lamentava-se: “[A Congregação Salesia-
na] agora reivindica ter a aprovação definitiva da Santa Sé. Mas o Decreto Pontifício que concede esse
tipo de aprovação ainda não me foi mostrado”. Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 270, nota 49, citando
um documento dos arquivos diocesanos.
84
O arcebispo Gastaldi ao papa Pio IX, 4 de outubro de 1874, em MB X, 847ss.
394
85
Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 270, nota 49, citando documento dos arquivos diocesanos.
86
MB X, 808; a fonte não é citada.
395
O Noviciado
As Constituições Salesianas eram criticadas por não oferecerem estrutu-
ras adequadas para a formação religiosa e sacerdotal; deficiência que refletia,
talvez, uma carência real no grupo. Como se disse anteriormente, essa era a
opinião de dom Gastaldi e uma das razões pelas quais se opôs à aprovação das
Constituições nos anos setenta e à concessão de privilégios nos anos oitenta.
A falta de uma norma sobre o noviciado era especialmente notável.
Diz-se, às vezes, que Dom Bosco era partidário de um noviciado aberto,
diferente de um noviciado fechado. Contudo, ele não pensava nesses ter-
mos. O noviciado significava apenas uma coisa: o internamento espiritual
e ascético preparatório no qual se iniciava no trabalho da missão de uma
congregação. Se a Sociedade que tinha em mente era uma associação mais
flexível, unida pela vontade pessoal e pela promessa de trabalhar pelos jovens,
é provável que seja mais justo dizer que Dom Bosco não estava pensando
absolutamente num noviciado. Ele evitou usar o termo “noviciado” enquanto
Roma não o obrigou a fazê-lo, e isso não foi apenas por razões políticas. Dom
Bosco falava de “uma primeira e segunda prova” e de “admissão à prática da
regra”. Por isso, os primeiros rascunhos das Constituições continham um
capítulo sobre a admissão de candidatos, mas nenhum sobre o noviciado.
Parece, portanto, que, embora cedendo à vontade superior, aceitando o mo-
delo tradicional para sua congregação, ele insistia em continuar com as ideias
do modelo anterior, que para ele eram importantes. Uma delas era que seus
jovens candidatos deviam iniciar-se no interior de um grupo que praticava
algumas regras para obras de caridade, mediante a prática dessas normas para
as obras de caridade. Essa iniciação não estaria vinculada a uma determinada
396
Privilégios e dimissórias
Há que se levar em conta que nos anos 1860 a 1870, a Igreja fazia um
grande esforço para acabar com os abusos do clero, tanto secular quanto
regular, a fim de fazer cumprir a disciplina eclesiástica e reforçar a autori-
dade episcopal. Dentro desse programa reformador, a tendência de Roma
era reduzir os privilégios concedidos quase rotineiramente às congregações
religiosas clericais.
Os privilégios consistiam na isenção parcial da autoridade episcopal e
que se referiam ao governo e à disciplina de uma congregação religiosa. Um
aspecto importante da isenção tinha a ver com o programa de capacitação e
formação dos candidatos às ordens sacras e com a faculdade do Superior de
julgar os méritos dos candidatos concedendo cartas dimissórias ao bispo local
ou a qualquer outro bispo para sua ordenação. As congregações que gozavam
desses e de outros privilégios menores eram chamadas congregações isentas
(ou seja, não sujeitas à jurisdição episcopal em determinadas áreas).
Além do fato de, nessas circunstâncias históricas, a Santa Sé procurar
reforçar a autoridade episcopal e reduzir as isenções fáceis, também havia a
questão jurídica de quando uma congregação podia obter a isenção e quais
credenciais podiam ser necessárias. Por exemplo, segundo o Direito Canô-
nico então vigente não era suficiente para a isenção que a congregação fosse
aprovada como congregação clerical.
397
MB X, 849ss. O texto está em OE XXV, 231-250: Cenno istorico sulla Congregazione di San
87
Francesco di Sales e relativi schiarimenti. Roma: Tipografia Poliglota da S.C. de Propaganda, 1874, con
approvazione dell’Autorità ecclesiastica. Foi editado, a partir de manuscritos de arquivo, por P. Braido,
Don Bosco per i giovani, 112-146, com aparato crítico, apresentando as variantes dos rascunhos que
precederam a edição final. Estes primeiros rascunhos apareceram na forma de manuscritos: um com-
pletamente da mão de Dom Bosco e dois transcritos pelo padre Berto, ambos com correções de Dom
Bosco. Os manuscritos estão em ASC A230 Pubblicazioni, FDB 302 A4-E11. A edição crítica de
Braido é precedida por um importante estudo introdutório, intitulado L’Idea della Società Salesiana nel
“Cenno Istorico” di Don Bosco del 1873/1874, ibid., 81-111.
398
88
Em 30 de maio de 1869 foi abolida a isenção limitada do clero quanto ao serviço militar,
concedida a cada diocese na proporção da população. Entretanto, podia-se obter a isenção por resgate,
ou seja, podia-se comprar a isenção do serviço militar pagando taxas um tanto elevadas. Essa prática
tornou-se descontínua pela lei de 7 de junho de 1875.
89
“Provas, sofrimentos e dificuldades” podem referir-se ao tempo dos primeiros problemas do
“oratório itinerante” ou à perseguição do oratório por parte do vigário Miguel de Cavour (antes, por-
tanto, de 1852, como se deduz do texto), MO, 152ss.
399
– Meu querido (filho), estais realizando muitas coisas; mas sois um homem e,
se Deus vos chamasse para onde todo homem deve ir, o que seria de todos os
vossos empreendimentos?
– Beatíssimo Padre – respondi –, esta é a finalidade da minha vinda e o moti-
vo pelo qual estou aos Vossos Pés. [Estou aqui] para suplicar a Vossa Santida-
de ter por bem dar-me as bases de uma Instituição compatível com os tempos
e lugares em que vivemos.
– A empresa não é tão difícil. Trata-se de viver no mundo sem atrair a atenção
do mundo. Contudo [não tenhais medo]; se Deus quer esta obra, Ele nos
iluminará. Ide e orai; voltai dentro de alguns dias e vos direi meu pensamento.
– Vosso projeto pode fazer muito bem à juventude pobre. Uma Associação,
uma Sociedade ou Congregação religiosa parece necessária nestes tempos lu-
tuosos. Deve-se fundamentar nestas bases: uma Sociedade de votos simples,
porque sem eles não existiriam os vínculos oportunos entre os sócios e entre
superiores e inferiores.
O modo de vestir, as práticas de piedade sejam tais que não chamem a aten-
ção do mundo. As regras sejam suaves e de fácil observância. Estude-se a
maneira de todo membro ser um religioso diante da Igreja e um cidadão livre
400
Apoiado nas bases sugeridas pelo Santo Padre, depois de receber sua
bênção, comecei logo a adequar as Constituições, escritas e praticadas há
alguns anos em Turim, com o que me fora proposto.
O cardeal Gaude leu tudo com muita bondade e eu, conservando como
ouro os seus sábios conselhos e reflexões, depois de receber outra vez a bên-
ção e o incentivo do Santo Padre, voltei a Turim e ao seio da nossa família de
Valdocco.90
Ordem [dominicana], foi nomeado cardeal em 1855 e vigário de Roma. Era do Piemonte e amigo de
Dom Bosco a vida toda. Supõe-se que Dom Bosco lhe apresentou uma cópia das Constituições de
1860, como fez com o exilado arcebispo Fransoni. Entretanto, o cardeal morreu em 1860 e não se sabe
se conseguiu informar ao Papa.
91
O primeiro rascunho das Constituições é de 1858.
401
92
Com quase toda a segurança, a referência aqui é ao cardeal José Berardi que, desde 1867,
aparece como defensor tenaz e conselheiro de Dom Bosco. José Berardi (1810-1878), substituto do
secretário de Estado, cardeal João Antonelli, foi nomeado cardeal em 1868.
93
Ângelo Quaglia (1802-1872), criado cardeal em 1861, foi prefeito da Congregação dos Bis-
402
403
uma loa religiosa, leem a vida do santo do dia, cantam as ladainhas da Virgem
e assistem à bênção com o Santíssimo Sacramento. Além destas coisas espe-
ciais, os noviços assistem também a todas as práticas comunitárias de piedade
dos outros jovens da casa, como as orações da manhã e da noite, com uma
pequena prática adequada, as funções sagradas dos dias festivos, ou seja: duas
missas, matinas e laudes da Virgem (do Ofício breve), explicação do Evan-
gelho pela manhã; assistem à tarde ao catecismo ou o ensinam aos meninos;
intervêm na instrução comunitária com pregação, vésperas, bênção etc.
[6] P. - Com que frequência (os noviços) se confessam?
R. - Segundo nossas Regras, confessam-se todas as semanas com confes-
sores designados pelo Superior.
[7] P. - Que instruções ascéticas especiais ofereceis aos que fazem essa prova?
R. - Além do que foi exposto, o mestre de noviços faz semanalmente
uma conferência moral sobre as virtudes que se devem praticar e os defeitos
que se devem evitar, tomando como tema um artigo das Constituições.
[8] P. - Em que mais se ocupam?
R. - Durante o tempo de prova, os noviços ensinam o catecismo sempre
que isso seja necessário, assistem os meninos da casa e, às vezes, também dão
alguma aula diurna ou noturna, preparam os mais atrasados para a confirma-
ção, a comunhão e ajudam a Santa Missa e coisas deste tipo. Nisso consiste
a parte mais importante da prova. Quem não tiver aptidão para esse tipo de
ocupações, não é aceito na Congregação.
[9] P. - Quais são os resultados morais (das pessoas em questão)?
R. - Até agora, os resultados têm sido muito satisfatórios. Os que saem
bem destas provas são bons sócios, apegam-se ao trabalho, fogem do ócio. O
trabalho torna-se uma necessidade para eles; por isso, prestam-se com prazer
para qualquer ocasião que possa redundar na maior glória de Deus. Os que
não têm aptidões para esse gênero de vida ficam livres para seguir sua vocação
em outros lugares.
Programa de estudos
[10] P. - Que plano seguis para os estudos?
R. - Não se aceita ninguém como clérigo da Congregação se este não
foi aprovado com sucesso no curso de estudos secundários. Depois, são ad-
mitidos aos cursos de Filosofia; reúnem-se todos em nossa casa (mãe) de
Turim e dedicam-se a esses estudos por ao menos dois anos. Os que devem
preparar-se para exames oficiais fazem um curso de três anos. Digo exames
404
oficiais porque as leis exigem que os professores, tanto das escolas públicas
quanto particulares, tenham um título oficial, e é preciso que nossos profes-
sores possuam um título ou diploma, porque os que não o têm são excluídos
do ensino.
[11] P. - Tendes professores aptos para ensinar os membros da vossa
Congregação?
R. - Entre os muitos que se submetem aos exames oficiais, temos um
número suficiente. Quando é preciso, ajudam-nos alguns de nossos ex-alu-
nos, hoje professores oficiais, que de muito bom grado vêm ajudar sempre
que são chamados.
[12] P. - Como organizastes o estudo da Teologia?
R. - Estabelecemos os cursos normais de Teologia no Oratório de São
Francisco de Sales.
[13] P. - Que partes da Teologia são especificamente ensinadas?
R. - Estudamos normalmente Hermenêutica bíblica, História eclesiásti-
ca, Teologia moral e Teologia dogmática especulativa.
[14] P. - De onde obtendes professores para o ensino da Teologia?
R. - Temos vários membros da Sociedade que conseguiram o doutorado
e ensinam como professores. Até agora sempre tivemos um dos mais célebres
professores do seminário arquiepiscopal, que pontualmente ainda dá aula
durante o ano todo e preside os exames ao final do curso. Pertence à Congre-
gação como membro externo.95
[15] P. – De que autores vos servis? E quantos anos duram os cursos
que fazeis?
R. - Em geral, o nosso mestre é São Tomás de Aquino. (Especialmente)
para a Teologia moral nos atemos às obras de Santo Afonso, segundo os tra-
tados de monsenhor (Pedro) Scavini e (usamos os tratados) do padre (João)
Perrone para a Teologia dogmática especulativa. Nosso curso teológico (nor-
malmente) tem a duração de cinco anos. Contudo, por causa da (avançada)
idade e de alguma outra grave razão, um candidato pode apresentar-se às or-
dens no quarto ano. Não obstante, obriga-se a fazer o quinto ano de Teologia
depois do sacerdócio.
Dom Bosco pode estar se referindo ao cônego doutor Francisco Marengo que, com padre
95
Roberto Murialdo, é louvado no Bollettino Salesiano [6 (1882) n. 5, 92] como professor responsável e
confessor dos meninos mais velhos no Oratório. Cf. P. Braido, Don Bosco per i giovani, 132.
Por “membros externos, Dom Bosco pode querer indicar os que se afiliam à Sociedade Salesia-
na, embora sem votos e que não vivem comunidade. Ou, talvez, quer simplesmente dizer “um grande
amigo e um seguidor”.
405
Se este memorando foi escrito em 1874, “trinta e três anos” deve se referir a 1841, ano em
96
406
As cartas dimissórias
Assim expostas literalmente as coisas que se referiam aos estudos, ao
noviciado e à observância prática das regras, todos os personagens menciona-
dos deram-se por satisfeitos. Continuava, porém, a dificuldade da concessão
das dimissórias, parte fundamental das Congregações Eclesiásticas.97 Salvo as
congregações diocesanas, as demais que têm comunhão de casas em diversas
dioceses, todas gozam entre nós dessa faculdade. Os bispos desejavam coope-
rar na consolidação da Sociedade Salesiana e favorecê-la no que julgavam ser
útil e conveniente. Pois bem, a faculdade de conceder as cartas dimissórias
seria incluída nas Constituições com sua aprovação. Esta faculdade estava
incluída (nos textos de 1864 e 1869) quando se tratou da aprovação da So-
ciedade em geral, e não das constituições. (Por essa razão) chegou-se a um
compromisso: conceder, não em força das constituições, mas como concessão
pessoal ao superior da Congregação, a faculdade de conceder as dimissórias
durante dez anos a todos os que, tendo ingressado em nossos colégios ou
residências antes dos 14 anos, tivessem a seu tempo abraçado a Congregação.
Para os de maior idade, o pedido seria feito vez por vez (à Santa Sé), para um
determinado número (de candidatos), sempre que fosse preciso.
O Santo Padre era favorável à concessão (temporária), e despediu-me
com estas palavras consoladoras:
– Caminhemos passo a passo; a pressa não é coisa boa. Quando vossos
assuntos caminham bem, a Santa Sé costuma aperfeiçoar e não proibir.
E, de fato, quando se pediu à Sagrada Congregação dos Bispos e Regulares
a faculdade de dar as dimissórias, esta foi concedida uma vez a 7 (candidatos),
outra a 10, ultimamente a 6, à escolha do Superior da Congregação à medida
que via sua necessidade. Esquivou-se, assim, da dificuldade das ordenações e
desde então não houve problema de qualquer gênero em relação a isso.
97
Por “congregações eclesiásticas”, Dom Bosco pode simplesmente indicar “congregações reli-
giosas” (de homens) aprovadas pela Igreja ou, talvez, “congregações clericais”.
407
98
Dom Bosco dera a mesma razão, pois se manteve firme em sua solicitação dessa faculdade
quando respondeu às 13 observações de Savini-Svegliati, de 1864.
99
José André Bizzarri (1802-1877), criado cardeal em 1863, foi prefeito da Congregação dos
Bispos e Regulares e de Disciplina Religiosa desde 1872.
100
Salvador Nobili Vitelleschi (1818-1875) era secretário da Congregação dos Bispos e Regula-
res desde 1871. Foi criado cardeal em 1875, mas morreu repentinamente.
408
Estas disposições são essenciais. Porque, se forem alteradas, a base em que este
instituto repousa ficará irreconhecível.
Quanto à faculdade de expedir cartas dimissórias, espero que não seja limi-
tada, mas ampliada. De fato, confio plenamente que será concedida [com as
Constituições], sem qualquer restrição.
Em todo caso, sei que o Santo Padre, o cardeal Bizzarri, o cardeal Berardi e o ar-
cebispo Vitelleschi só querem o que redundar na maior glória de Deus e no bem
de nossa congregação. Portanto, coloco meus assuntos em suas mãos, confiando
plenamente em seu juízo sobre qualquer adição ou correção que desejem fazer.
O sentido da frase de Dom Bosco é um tanto confuso: “Siccome è stabilito, usato nel direttorio,
101
409
quisesse receber as ordens. Contudo, estas cartas devem ser apresentadas so-
mente ao bispo em cuja diocese estivesse aquele mosteiro, a cuja comunidade
o religioso em questão tivesse sido destinado por quem tem autoridade para
isso; e se o ordinário estivesse ausente, ou não conferisse as ordens (podem-se
apresentar as dimissórias) a qualquer outro bispo etc.”. Ver a Constituição
sobre a Ordenação de Religiosos, de Bento XIV.102
Os alunos aos cuidados dos sócios salesianos passam de 7 mil. Os mem-
bros desta Congregação são quase 330.103 Alguns deles exercem o ministério
da confissão e pregação com tríduos, novenas, exercícios espirituais, nas casas
de educação, hospitais, cárceres e nos povoados, segundo a necessidade das
dioceses que o solicitam.
Estuda-se agora junto à Sagrada Congregação de Propaganda Fide a
abertura de casas e escolas cristãs para os meninos da ilha de Hong Kong na
China e se chegará à conclusão favorável tão logo a clemência do benemérito
Sumo Pontífice tenha concedido o suspirado favor da aprovação definitiva
desta Pia Sociedade Salesiana.
102
Clemente VIII (papa, 1592-1605) fez da reforma das ordens religiosas uma das principais
finalidades do seu pontificado. Bento XIV (papa, 1740-1758) refere-se ao decreto de Clemente VIII
em sua Constituição Impositi Nobis, de 7 de fevereiro de 1747, e não em De Regularium Ordinatione
(Sobre a ordenação de religiosos).
103
As estatísticas recolhidas nas duas últimas frases são um tanto exageradas. Em 1874, os sale-
sianos professos chegavam a 148, os noviços a 103 e as casas (escolas etc.) a 8. O número de meninos
nas escolas salesianas pode ser de cerca de 2 mil, sem contar o grande número, mas incerto, dos jovens
que participavam dos oratórios aos domingos e dias festivos.
104
MB X, 683s.
410
411
105
MB X, 684ss.
412
413
414
– Deus vos abençoe, meu filho; fazei as coisas do modo como me dizeis,
e vossa Congregação alcançará a sua finalidade e, se tiverdes dificuldades,
comunicai-as a mim e estudaremos a maneira de superá-las.
Depois disso chegou-se ao Decreto de aprovação já visto por V. E. E nós
temos feito o que se disse.
Pelo que acabo de expor pode V. E. compreender facilmente que, se o
noviciado não existe de nome, parece-me que exista de fato.
Acrescenta V. E. que, salvo pouquíssimas exceções, nenhum membro
da Congregação Salesiana manifesta as virtudes necessárias e que os encontra
carentes especialmente de humildade. Rogo humilde e respeitosamente a V.
E. que me indique quem, não assim em geral, mas pelo seu nome, e garanto-
-lhe que esses indivíduos serão severamente corrigidos, e uma única vez. Isso
seria um segredo a descobrir, segredo desconhecido por mim até o presente e
segredo desconhecido por V. E. até o mês de abril do corrente ano. Até essa
data sempre proclamou com seus escritos e sua palavra, pública ou privada,
que esta casa era como a arca da salvação da juventude, onde se aprende a
verdadeira piedade e coisas desse tipo. Teria mais coisas a dizer, que não que-
ro confiar ao papel, e que espero expor-lhe de viva voz, quando V. E. puder
ouvir-me.
Agradeço as benévolas expressões de sua carta, e este é o único consolo
que posso ter ao mesmo tempo em que, com a mais profunda gratidão, tenho
a honra de professar-me
De V. E. Revma.,
Afeiçoadíssimo em Jesus Cristo JOÃO BOSCO, Presbítero.
107
MB X, 711s.
415
416
ordenação os jovens que ingressaram em suas escolas antes dos 14 anos, em-
bora careçam de patrimônio desde que tenham feito os votos trienais. Se,
terminados esses votos, os ordenados o renovassem e continuassem depois a
serviço da Congregação, tudo poderia caminhar bem. Mas, infelizmente,
acontece com frequência que alguns jovens, que carecem de meios com que
pagar sua pensão no seminário, ingressam nesta Congregação na qual cursam
gratuitamente seus estudos e são ordenados titulo Mensae communis; depois,
terminados os votos trienais, saem da Congregação e apresentam-se ao bispo
para que os incorpore em sua Diocese. Contudo, falta o patrimônio, e que
educação, que instrução receberam? Está de acordo com a que se dá na Dio-
cese? Se ao menos fosse Dom Bosco quem examinasse e formasse esses sujei-
tos; mas não é assim; foram outros nos quais não se encontra a mente nem a
visão nem o espírito de Dom Bosco. Estando eu em Saluzzo, um dos meus
diocesanos ordenou-se nesta Congregação e, pouco tempo depois, foi man-
dado embora por ter sido descoberta sua intemperança na bebida; e ainda
continua com ela. Penso, pois, que a faculdade de apresentar à ordenação
sujeitos ligados apenas com os votos trienais oferece um caminho demasiado
fácil aos jovens que não têm qualquer intenção de serem religiosos e que não
buscam no santuário mais do que pão, e assim, sem gastar um centavo, in-
gressando na Congregação de Dom Bosco, encontram o meio de serem orde-
nados e, depois, terminado o triênio dos votos, apresentam-se ao bispo para
que lhes busque uma pensão eclesiástica e um emprego. E o bispo, por con-
sideração ao caráter sacerdotal, vê-se na necessidade de proporcionar-lhes o
essencial, mesmo depois de tê-los recusado no início quando se apresentaram
para pedir-lhe o hábito eclesiástico. O assunto é mais grave, e seria consequên-
cia de outra faculdade, que Dom Bosco afirma ter, de apresentar à ordenação
jovens que ingressaram em sua Congregação depois dos 14 anos e até mesmo
depois dos 20 anos. Algum clérigo, expulso do seminário, apresenta-se a Dom
Bosco e este o recebe, mesmo sem o consentimento explícito do bispo, envia-
-o como professor a um de seus colégios localizado numa diocese distante;
por exemplo, de Turim, envia-o a Varazze, diocese de Savona, ou a Alassio,
diocese de Albenga; este jovem, enquanto exerce a profissão do magistério,
estuda Teologia; e depois, ao chegar o tempo, Dom Bosco apresenta-o ao
bispo que, sem maiores informações o ordena; e o jovem ordenado, tão logo
cumpra os três anos dos votos, volta para casa, já sacerdote, sem qualquer
intervenção do seu bispo diocesano; antes, ao contrário, depois de tê-lo jul-
gado não apto (para o sacerdócio). Por fim, nesta Congregação não se po-
dem formar eclesiásticos bem instruídos na filosofia racional nem em outras
ciências sagradas, porque a maioria faz esses estudos enquanto dá aulas de
417
418
Agora, porém, que esta Congregação faz parte da minha diocese e sinto o
dever que me incumbe de examinar as coisas tal como são, e percebo que a
obra, por muito desenvolvida que pareça, está longe de ter a solidez que seria
de se esperar, julgo que é meu estrito dever expor as coisas à Sagrada Congre-
gação, como o instrumento de que Deus se servirá certamente para ordenar
nesta obra o que fosse preciso ordenar para torná-la sólida e duradoura. Incli-
nando-me ao beijo da sagrada Púrpura, com o máximo respeito, sinto-me
honrado por ser,
De V. Eminência Revma.
Lourenço, arcebispo de Turim.
419
1
O conflito entre Dom Bosco e dom Gastaldi não terminou com a aprovação das Constituições
Salesianas em 1874. Como se comentará mais adiante, tornou-se mais amargo e destrutivo nos anos
1875-1882.
420
2
As propriedades da família Gastaldi estavam avaliadas em meio milhão de liras anteriores
à revolução. À morte do pai, em 1843, a administração da propriedade caiu sobre padre Gastaldi, o
primogênito, até sua divisão em 1864. Cf. G. Tuninetti, Gastaldi I, 12-16.
3
Como já foi comentado no primeiro volume, p. 257-259, a instituição de seminaristas que
não residiam num seminário era comum na primeira metade do século XIX. Muitos candidatos ao
sacerdócio fizeram uso dela, especialmente em Turim. Os seminaristas não residentes viviam com a
família ou em residências e assistiam às aulas no seminário ou na universidade. Pertenciam a “comuni-
dades de clérigos”, criadas nas paróquias designadas em Turim, onde se reuniam em determinados dias
para a oração e para receber formação e orientação. Acredita-se que esta prática foi responsável pela
escassa educação e formação espiritual do clero na Itália durante os séculos XVIII e XIX. A maioria
dos bispos piemonteses dessa época tinha estudado na universidade como seminaristas não residentes.
4
G. Tuninetti, Gastaldi I, 16-23.
5
G. Tuninetti, Gastaldi I, 23-36. Cf. Arthur J. Lenti, “The Convitto Ecclesiastico: where
one learnt to be a priest”, JJS 3:1 (1992), 39-77, ver especialmente 40-54 e notas 6, 7 e 10.
421
6
G. Tuninetti, Gastaldi I, 37-52.
7
Sobre esta influente obra de Rosmini, ver a nota 33 deste capítulo.
8
G. Tuninetti, Gastaldi I, 53-88.
422
9
G. Tuninetti, Gastaldi I, 89-96. Gastaldi continuou a ser admirador dos jesuítas durante
toda a vida pela sua sabedoria e disciplina religiosa; mas era crítico em relação à sua defesa do probabi-
lismo afonsiano e sua oposição a Rosmini.
423
10
G. Tuninetti, Gastaldi I, 97-110.
11
Segundo G. Tuninetti, Gastaldi I, 110-122, o conflito entre o padre Gastaldi e seu superior,
motivado pela administração da missão de Cardiff e de sua estratégia foi apenas o último episódio de
uma profunda crise pessoal em curso. A causa fundamental da “solução final” estava principalmente
na incapacidade de Gastaldi de abraçar plenamente, talvez também de entender, o tipo de consagração
religiosa exigida por Rosmini.
424
12
G. Tuninetti, Gastaldi I, 122.
13
G. Tuninetti, Gastaldi I, 123-124, 135-138.
14
G. Tuninetti, Gastaldi, Gastaldi I, 124-129.
15
G. Tuninetti, Gastaldi, Gastaldi I, 129-132.
425
426
O homem e o sacerdote
O cônego Gastaldi apresentava-se como candidato qualificado para
o ministério episcopal. Ele viveu em plenitude sua vida em meio às expe-
riências mais variadas. O pensamento rosminiano ajudou-o a corrigir o
seu probabiliorismo e levou-o ao ultramontanismo e a configurar sua per-
sonalidade espiritual: homem de fé, espiritualidade e piedade profundas;
austero em seus hábitos pessoais e no comportamento. O livro Das cinco
chagas da Santa Igreja, de Rosmini, ajudou-o a formular a doutrina das
necessidades atuais da Igreja e uma concepção do papel do bispo na Igreja
moderna. Parece que seu caráter e personalidade assentaram-se durante
os anos de reflexão, depois de sua saída do Instituto da Caridade, e que
chegara à maturidade.
Entretanto, autoconfiante, não estava livre de dúvidas, incertezas e in-
quietudes; havia nele a tendência de buscar compensação na atividade fe-
bril. Estava consciente de seus próprios dons e méritos até a soberba; com
frequência, quando ofendido, reagia com dureza. Uma pessoa, em síntese,
de qualidades proeminentes e deficiências trágicas, mas definitivamente um
digno candidato ao episcopado, embora não haja dúvida de que também
pesaram razões de amizade pessoal na decisão de Dom Bosco de colocar
o nome de Gastaldi em sua lista de candidatos. Em 27 de março de 1867,
o cônego Gastaldi foi nomeado bispo de Saluzzo. Foi consagrado em 2 de
junho na igreja de São Lourenço pelo recém-nomeado arcebispo de Turim,
Alexandre Otaviano Riccardi, dos Condes di Netro. Em 9 de junho, ele
entrou em sua sede.22
21
MB VIII, 531s; G. Tuninetti, Gastaldi I, 145, nota 2. Mais recente, e crítico, F. Motto,
L’azione, 283-299, especialmente 291-294.
22
G. Tuninetti, Gastaldi I, 145-146.
427
Visita pastoral
Dom Gastaldi, sem dúvida, pretendia exemplificar em seu ministério
episcopal o ideal do bispo pastor reformador. Os dois atos mais importantes
de seu ministério episcopal durante a breve permanência em Saluzzo foram a
visita pastoral a todas as paróquias da diocese, feitas nos anos 1868 e 1869, e
sua participação no Concílio Vaticano I, em 1869-1870.
O conteúdo e a forma da visita pastoral deixaram bem claro que as prio-
ridades imediatas do bispo eram a verdadeira reforma e renovação. Serão estes
os objetivos que caracterizarão toda a sua futura administração. Contudo, a
visita também expôs suas limitações no estilo pastoral. Mesmo inspirado por
um espírito de serviço sacerdotal, seus esforços para obter a unidade plena
e reforçar a disciplina eclesiástica traziam a marca de uma tendência à cen-
tralização, agravada pelo caráter inflexível. Também seu ascetismo austero
contribuía para afastá-lo da simpatia do clero.25
23
G. Tuninetti, Gastaldi I, 147-172.
24
G. Tuninetti, Gastaldi I, 178-182. O Exequatur era a permissão oficial do governo que permi-
tia ao bispo recuperar as entradas diocesanas e os lucros. O Placet, em contrapartida, era um documento
semelhante, relativo ao pároco, que lhe permitia servir-se dos bens da paróquia para a qual era nomeado.
25
G. Tuninetti, Gastaldi I, 185-188.
428
Concílio Vaticano I
O Concílio foi proclamado publicamente em 29 de junho de 1868 e
dominou todo o período de dom Gastaldi em Saluzzo. Ele foi para Roma em
16 de novembro e, desde seu primeiro período de sessões em 8 de dezembro
de 1869, participou ativamente dos trabalhos conciliares.
Os bispos piemonteses estavam profundamente divididos, especialmen-
te na questão da infalibilidade. Suas posições refletiam, em geral, as duas con-
cepções básicas da essência da Igreja e do Direito Canônico, a ultramontana
e a galicana em seus diversos matizes e graus.
Gastaldi, num primeiro momento, parece ter passado por um período
de incerteza; depois, durante algum tempo, manteve uma posição indepen-
dente na matéria. Porém, em 23 de janeiro de 1870, em carta ao cardeal
Filipe de Angelis, declarava seu apoio à infalibilidade papal e à sua definição.
Mas também expressava suas reservas quanto à forma que fora apresentada
no documento conciliar. Explicou que lhe resultava difícil conceber um ma-
gistério papal infalível isolado, separado dos bispos.
Lemoyne refere que foi pelos esforços de Dom Bosco, graças aos quais
deixou de lado essas reservas. Quando a questão foi debatida na Congregação
geral, foi o primeiro dentre os bispos piemonteses a falar a favor da infalibili-
dade, em 30 de maio de 1870.26
26
G. Tuninetti, Gastaldi I, 189-211; MB IX, 794s. Como já mencionado, Gastaldi fora
partidário da infalibilidade papal desde 1858. Era também defensor de sua definição. A incerteza (se
efetivamente passou por um período de incerteza) vinha do fato não de o Papa ser ou não infalível, nem
tampouco se a definição era ou não oportuna, mas da maneira como era expressa (sem uma referência
significativa ao magistério dos bispos). Tuninetti [ibid., 198] considera que as declarações de Lemoy-
ne devem ser interpretadas nesse sentido.
429
430
Nomeação
Dom Riccardi di Netro morreu em 16 de outubro de 1870. Em se-
guida, Turim continuou com sede vacante quase por um ano por causa do
“estado de guerra” entre a Santa Sé e o governo italiano depois da tomada de
Roma e da expropriação definitiva do Papa. Muitas outras dioceses estavam
vacantes no momento, porque a situação de conflito impedia a liberdade
de nomeação de bispos. Mas, no final do verão de 1871, Pio IX começou a
dar andamento ao processo de apresentação de candidaturas e nomeações.
Em setembro, foi pedido a Dom Bosco que atuasse como intermediário a
título privado. Ele apresentou ao Papa uma lista de 18 nomes para as sedes
vacantes no Piemonte e na Ligúria, recomendando especificamente a trans-
ferência de dom Gastaldi, bispo de Saluzzo, para Turim. Sugerira também
a nomeação de Salvador Magnasco para Gênova e José M. Sciandra para
Acqui. Dom Bosco obteve o seu intento e notificou-o imediatamente a dom
Gastaldi. A bula de nomeação oficial foi entregue em 23 de setembro.28
O arcebispo Gastaldi entrou na sede de Turim em 26 de novembro de
1871. Por motivos políticos, sua entrada foi menos solene e pública do que
previsto inicialmente, dificultada pelas manifestações hostis por parte do po-
pulacho. O novo arcebispo foi objeto de ataques hostis da imprensa secular e
recebido com ambivalência, embora educadamente, pelas autoridades locais.
A imprensa católica, o clero e o laicato católico, em geral, não limitaram seus
louvores, mas ouviram-se vozes discordantes, também nestes setores.29 Afinal,
era muito bem conhecido e, em muitos aspectos, também uma figura polê-
mica. Não fora espectador passivo dos acontecimentos religiosos e políticos
do último quarto de século.
28
Cf. MB X, 219, 443s, e criticamente, F. Motto, L’azione, 308-315. A esta altura, a mediação
de Dom Bosco reduzia-se à nomeação dos bispos. Mais tarde, entre 1872 e 1874, estará ocupado no
assunto do Exequatur.
29
G. Tuninetti, Gastaldi II, 15-25. Sobre a participação de Dom Bosco neste acontecimento
e sua subsequente enfermidade em Varazze, ver MB X, 219s.
431
30
G. Tuninetti, Gastaldi II, 34-41.
31
G. Tuninetti, Gastaldi II, 41-49.
32
Cf. MB X, 528, 534, 548s, 567s. G. Tuninetti, Gastaldi II, 51-58; cap. XX, 627-674. Para
uma descrição detalhada da atividade de mediação de Dom Bosco, ver MB X, 534s; também uma relei-
tura crítica, em F. Motto, “La mediazione di Don Bosco fra la Santa Sede e governo per la concessione
degli Exequatur ai vescovi d’Italia (1872-1874)”, RSS 6:1 (1987), 3-79.
432
Pastor reformador
Dom Gastaldi começou imediatamente a pôr em prática seu projeto
pastoral. Ele era partidário convicto da necessidade de reformas estruturais
e espirituais na Igreja, especialmente em relação à formação do clero. Para
tanto, de acordo com o pensamento de Rosmini era preciso uma nova con-
cepção da centralidade do papel e da função do bispo local.33 Seu elevado
conceito da dignidade episcopal foi um ponto decisivo na concepção e no
exercício de sua autoridade. Apesar da influência rosminiana, jamais assu-
miu as ideias de Rosmini sobre a consagração religiosa e a espiritualidade,
nem abandonou a rígida institucionalização hierárquico-clerical em seu
modelo de Igreja. Durante o Concílio Vaticano, ele expressou suas reservas
à formulação doutrinal da infalibilidade, porque não a relacionava com o
magistério dos bispos; e, em seus comentários posteriores aos documentos
do Concílio, falou dos bispos reunidos em concílio ecumênico como co-
laboradores do Papa em questões de fé, não só como assessores, mas como
juízes de jure divino nos decretos e nas definições, e autoridade docente
em suas dioceses.
Em sua primeira carta pastoral como bispo de Saluzzo, descrevera o bis-
po como “um novo Moisés”, como “aquele que tem a perfeição do sacerdó-
cio” e foi chamado a uma espécie de “santidade mais perfeita do que a dos
religiosos com votos”. Os bispos eram “os sucessores dos Apóstolos, aos quais
33
Foi decisiva a obra de Rosmini, As cinco chagas da Santa Igreja, publicada primeiramente como
anônima em 1832, e depois com o nome do autor em 1846. Estas chagas – sustentava Rosmini – são
uma herança do feudalismo medieval; a Igreja precisa de uma reforma para poder recuperar sua antiga
pureza. A primeira chaga, “na mão esquerda”, representa a falta de unidade entre clero e povo no culto
público, que se originara não só pelo uso de uma língua morta nos serviços litúrgicos da Igreja, como
também pela pregação e catequese inadequadas feita pelo clero. O fracasso desta última é uma conse-
quência da segunda chaga, “na mão direita”, que é a insuficiente educação e formação do clero. Esta
situação deplorável perpetua-se na terceira chaga, a grande “chaga no peito”; é a chaga da divisão entre os
bispos e sua separação entre si e de seus sacerdotes e o povo. A principal causa que contribuiu para a divi-
são foi a nomeação dos bispos pelo poder civil. É a quarta chaga, “no pé direito”, porque tal interferência,
com demasiada frequência, fez os bispos serem nada mais do que intrigantes e políticos, imiscuídos nos
assuntos seculares e, em geral, dedicados mais a buscar seus interesses pessoais do que cuidar do seu
rebanho. Historicamente, a exigência do poder civil de designar os bispos remonta à época feudal. Foi o
momento em que as concessões de terra em poder da Igreja eram feudos de um senhor. Nesse sistema, os
bispos aos quais se concediam os feudos eram considerados vassalos. E esta é a quinta chaga, a “chaga no
pé esquerdo”. Rosmini terminava suas reflexões num capítulo adicional com o significativo título: Sobre
a eleição de bispos pelo clero e o povo. Crítica tão severa da situação social, política e religiosa incorreu na
censura da Igreja. O livro foi condenado junto com outro de Rosmini, A Constituição de acordo com a
justiça social, publicado em 1848. Cf. A. Rosmini, Las cinco llagas de la Iglesia. Barcelona, Península,
1968 [o texto completo em italiano encontra-se em http://www.rosmini.it/objects/pagina.asp?ID=256].
433
Cristo disse: ‘Quem vos ouve, a mim ouve’” [Lc 10,16]. Como arcebispo de
Turim, começou pedindo orações para que fosse digno de sua “tarefa de pai,
mestre, juiz e guia”.
Seus traços de caráter e formação não podiam deixar de refletir-se em
seu estilo pastoral, cuja qualidade principal foi uma busca implacável e infle-
xível dos objetivos de reforma propostos. Para consegui-los precisaria enfren-
tar graves problemas, relacionados com a Igreja e o clero.
Colaboradores
Dom Gastaldi reuniu uma equipe de colaboradores capazes, dotados de
experiência e competentes.34 De Saluzzo, trouxe como secretário pessoal, o
dinâmico, mas controvertido cônego Tomás Chiuso, que acabou excomun-
gado pelo sucessor de dom Gastaldi e ocupou um lugar destacado e negativo
no conflito Bosco-Gastaldi.35 Como vigário-geral, foi nomeado o cônego
José Zappata, homem experiente que, como vigário, à morte de dom Fran-
soni, escreveu uma carta comendatícia a favor da aprovação da Congregação
Salesiana.36 Uma vez concedido o Exequatur e estabelecido em sua residência
em 1874, o arcebispo designou o padre José Soldati como reitor do seminá-
rio; era um jovem sacerdote que começara a apreciar quando compartilha-
ram a residência.37 Mais tarde, o arcebispo instalou como figura-chave em
sua administração um brilhante e jovem cônego, advogado e teólogo, Ema-
nuel Colomiatti, para que fosse o promotor público diocesano. Colomiatti
34
G. Tuninetti, Gastaldi II, 59-77.
35
G. Tuninetti, Gastaldi II, 59-62. Enquanto secretário pessoal, padre Tomás Chiuso
(1846-1904) esteve muito próximo do arcebispo, que o nomeou sucessivamente para o cabido me-
tropolitano dos cônegos e, depois, chanceler da arquidiocese. Nessas funções, esteve profundamen-
te envolvido na controvérsia Bosco-Gastaldi, e foi acusado de ter sido seu gênio maligno. Gastaldi
fê-lo seu herdeiro universal. Mais tarde, para compensar as dívidas contraídas pela especulação no
mercado de valores, o cônego viu-se envolvido na má gestão da propriedade da Igreja que lhe fora
confiada e em malversação de fundos. Seria levado a julgamento, suspenso e excomungado por dom
Davi Riccardi di Netro.
36
G. Tuninetti, Gastaldi II, 62-63. José Zappata (1796-1883) já servira como vigário na
administração anterior e, praticamente, governara a diocese desde a morte de dom Fransoni em 1862.
Leal e independente, ele foi um dos assessores de maior confiança de dom Gastaldi.
37
G. Tuninetti, Gastaldi II, 64-68. José Maria Soldati (ou Soldà, 1839-1886), doutor em
Teologia e, como seu arcebispo, pedagogo austero e exigente, foi o principal agente das reformas de
Gastaldi relativas ao seminário. Ocupara o cargo de vice-reitor do seminário, designado pelo cônego
Zappata em 1863. Em seguida, desempenhou o cargo de reitor, até 1884, quando foi retirado pelo
sucessor de Gastaldi, o cardeal Caetano Alimonda. Padre Soldati, como seu arcebispo, pensava que a
qualidade da formação que os padres salesianos recebiam era fraca, fazendo-o participar com hostilida-
de no combate pela aprovação das Constituições Salesianas.
434
38
G. Tuninetti, Gastaldi II, 64. Emanuel Colomiatti (1846-1928), doutor em Teologia por
Turim e em Direito Canônico por Roma, professor de Direito Canônico e Internacional em Turim,
uniu-se à chancelaria de dom Gastaldi em 1875; foi formalmente nomeado promotor público em
1882 à morte do titular. O promotor ou fiscal era conselheiro do bispo e procurador nas questões
jurídicas que surgissem dentro do território. Em 1881-1882, padre Colomiatti executou a ação legal
do arcebispo contra Dom Bosco e o padre Bonetti perante a Congregação do Concílio.
39
Marco Antônio Durando (1801-1880), visitador (provincial) dos padres da Missão, de São
Vicente de Paulo, foi durante quase quarenta anos uma das personalidades mais influentes na Igreja
de Turim. Ao pedido, primeiramente, de dom Fransoni em 1860, e, mais tarde, de dom Riccardi
di Netro em 1867, padre Durando examinou e avaliou criticamente as Constituições Salesianas.
Outro foi o padre Félix Carpignano (1810-1888), do Oratório de São Felipe Neri, que foi o con-
fessor do arcebispo.
435
Os sínodos
O arcebispo considerava que os sínodos diocesanos seriam os instru-
mentos mais eficazes da reforma e do governo.
40
Neste ponto, dom Gastaldi fez uma referência crítica ao noviciado salesiano e ao modo como
Dom Bosco formava seus salesianos.
41
G. Tuninetti, Gastaldi II, 79-85.
436
437
Sínodo de 1874
A oposição entre o clero foi renovada quando o arcebispo convocou um
segundo Sínodo para o dia 4 de maio de 1874. A finalidade era determinar se
os estatutos de 1873 estavam sendo cumpridos. Imediatamente, o cabido dos
cônegos da catedral protestou porque os estatutos objeto de revisão não lhes
foram entregues antes de serem publicados. Depois passou a examinar cada
artigo, fazendo modificações substanciais, assinalando que o primeiro Sínodo
não fora bem recebido e que as muitas exigências acrescentadas e as ameaças
tinham desagradado demasiadamente.
42
Por exemplo, nos títulos como: aquiescência interior do magistério papal, com especial re-
ferência às encíclicas de Pio IX e ao Syllabus; a censura eclesiástica de publicações de sacerdotes da
diocese; necessidade do Batismo e responsabilidade pelas crianças que morrem sem ele; a absolvição
dos pecados reservada ao bispo; a obrigação dos fiéis de apoiarem o seminário e o clero; a promessa de
obediência ao bispo feita na ordenação.
43
G. Tuninetti, Gastaldi II, 85-107.
438
Sínodo de 1878
Convocado para 5 de novembro de 1878, o quarto Sínodo foi notável
pelas declarações do arcebispo e as importantes preocupações pastorais nelas
expressas: o primado da pregação, a necessidade dos Oratórios festivos, a
importância da unidade entre clero e bispo. Referindo-se a facções que sur-
giam entre o clero, acusou Dom Bosco de insubordinação. O sínodo também
acrescentava artigos dos estatutos que se referiam principalmente às aulas de
teologia e à pregação.44 Dom Gastaldi também apresentou uma lista revista
de juízes e examinadores. Novamente, entre os primeiros nomeou quatro
que foram proscritos anteriormente por Roma. Para surpresa, o arcebispo
nomeou Dom Bosco entre os examinadores.45
Calendários litúrgicos
Dom Gastaldi publicou todos os anos, de 1872 a 1883, um calendário
litúrgico que incluía uma “Carta aos Clérigos” com outras diretrizes e decre-
tos. Era o veículo pelo qual ensinava aos seus padres, dava-lhes instruções para
sua atividade pastoral,46 procurando controlar os abusos e a falta de disciplina
e especificando como se deviam cumprir os estatutos sinodais. Contudo, não
demonstrava qualquer intenção de enfrentar as transformações que ocorriam
na sociedade e a necessidade de desenvolver estratégias pastorais adequadas.47
Dessa forma, através dos sínodos e dos calendários litúrgicos, o arcebis-
po reafirmava o seu conceito sobre a função do bispo e seu direito de atuar
em consequência disso.
44
Todos os padres, exceto os párocos, deviam apresentar ao bispo um exemplo de sermão.
45
Em sua comunicação, Gastaldi refere-se às facções entre o clero e, em particular, à insubor-
dinação de Dom Bosco. O conflito aumentara progressivamente em hostilidade desde 1874. Em 1878
parecia inevitável uma ruptura definitiva entre os dois. Então, como se pode explicar a honra conferida
a Dom Bosco pelo arcebispo? Foi uma concessão, uma tentativa de aproximação? Ou era simplesmente
o reconhecimento do mérito, superando com nobreza os desacordos pessoais?
46
Expressava sua ideia sobre como o padre devia ser e demonstrava sua preocupação imperiosa
pela santidade e o ascetismo sacerdotal e por uma entrega pastoral que expressasse o caráter essencial-
mente religioso da vocação sacerdotal. G. Tuninetti, Gastaldi, 79-114.
47
G. Tuninetti, Gastaldi II, 79-114.
439
440
441
O seminário de Chieri oferecia apenas os dois anos do curso de Filosofia junto com um programa
de Teologia de cinco anos, não de pós-graduação. Bra e Giaveno eram seminários menores. Dos
quatro, o primeiro e o último eram os que mais careciam de reforma, tanto nos estudos como na
disciplina. Obviamente, o seminário teológico de Turim era prioritário.
51
G. Tuninetti, Gastaldi II, 145-163. A severidade do seminário na época de Gastaldi-Soldati
explica por que algum seminarista desejasse passar a Dom Bosco e fazer seus estudos no Oratório; a
situação incomodava e assustou o arcebispo (G. Tuninetti, Gastaldi II, 270, nota 50).
52
Para a história, a orientação, o caráter e os “homens” do Colégio Eclesiástico, ver volume 1,
capítulo XIII, p. 333-373.
442
cidade natal. O fato ecoou apenas na imprensa, mas teve como resultado
ampliar a fratura que já dividia o clero. Seguiu-se um período de crise que
deu lugar ao fechamento do Colégio Eclesiástico durante os anos 1878-1882,
entre protestos e recriminações.
53
A sensação de impotência explica o pessimismo e o tom apocalíptico dos documentos ro-
manos e das cartas pastorais, também as de dom Gastaldi. Ver G. Tuninetti, Gastaldi II, 185-192.
54
G. Tuninetti, Gastaldi II, 192-194.
443
55
G. Tuninetti, Gastaldi II, 194-203. A lei emitida em 1870, pelo ministro César Correnti,
tornou possível a instrução religiosa nas escolas estatais, desde que os pais a pedissem para seus filhos.
Dom Bosco, em suas memórias, toma nota da não frequente recepção da comunhão nessa época, e
louva o arcebispo: “Já foi remediada essa falha na vida de piedade, uma vez que, por disposição do
arcebispo Gastaldi, dispuseram-se as coisas de maneira a poderem aproximar-se todas as manhãs da
Comunhão quantos quisessem fazê-lo” (MO 95).
56
G. Tuninetti, Gastaldi II, 207-209. São de grande interesse suas controvertidas cartas sobre
a morte do rei Vítor Emanuel II (1878) e a tentativa, falida, de assassinato do rei Humberto I (1878).
As duas cartas desse ano evidenciam maior simpatia pela Casa Real de Saboia e pela ordem política que
representava mais do que as autoridades do Vaticano podiam tolerar. A fim de lutar contra o liberalis-
mo e o secularismo, a Encíclica de Leão XIII, Aeterni Patris, exigia uma renovação do pensamento filo-
sófico segundo o tomismo e o ensinamento tradicional doutrinal nos seminários. À encíclica seguiu-se
uma série de ações na mesma direção, que incluía a condenação (em 1887) das propostas tiradas das
obras de Rosmini [New Catholic Encyclopedia, vol. VIII, 1967, 648-649]. Em seus comentários sobre a
encíclica, como antes em seu Monitum (publicado no calendário litúrgico de 1876), o arcebispo defen-
dia a ortodoxia de Rosmini. Dessa forma, inseriu-se na feroz polêmica que envolveu Rosmini, estalada
outra vez no contexto da renovação da filosofia tomista. Em várias ocasiões, as autoridades romanas
expressaram a desaprovação de sua doutrina rosminiana, mas o arcebispo “manteve-se firme”. Ver um
tratado mais amplo em G. Tuninetti, Gastaldi II, 307-329. O conflito Bosco-Gastaldi chegou ao seu
ponto culminante no momento da condenação de Rosmini e do debate posterior (1879-1881), com a
publicação, nos anos oitenta, de panfletos anônimos contra o arcebispo, nos quais ele era atacado por
suas inclinações rosminianas. O arcebispo e sua chancelaria, erroneamente, consideraram Dom Bosco
como responsável por eles.
444
57
Com a tomada de Roma, os elementos católicos intransigentes (defensores declarados do
direito do Papa contra o usurpador Estado italiano) e os partidários da abstenção política, prevalece-
ram sobre os católicos moderados, que favoreciam certa acomodação com o Estado. Os intransigentes
conseguiram um instrumento de organização efetiva na Obra dos Congressos (União de Sindicatos
de Trabalhadores) fundada em 1875. Estabeleceu-se como opção ao crescente movimento operário e
oposição ao incipiente socialismo organizado na Itália. Sobretudo depois de 1885, promoveu uma série
de atividades de bem-estar econômico e social, principalmente no norte e no centro das zonas rurais.
58
G. Tuninetti, Gastaldi II, 215-243.
445
59
No Piemonte, fundaram-se 7 congregações de homens e 40 de mulheres; em Turim, respec-
tivamente 5 e 19. Nos anos de Gastaldi, foram fundadas as seguintes congregações: a Sociedade de São
José (1873, do padre Leonardo Murialdo); as Filhas de Nossa Senhora das Dores (1875, do padre Ro-
berto Murialdo), as Pequenas Servas do Sagrado Coração de Jesus (1875, de Ana Michelotti); as Filhas
de São José (1875, do padre Clemente Marchisio); as Irmãs Mínimas de Nossa Senhora do Sufrágio
(1881, do padre Francisco Faà di Bruno). Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 247.
60
Em seu relatório ad limina, de 1879, Gastaldi fala de 2 mil jovens educados pelos Irmãos das
Escolas Cristãs, e 800 e 200 respectivamente aos cuidados dos salesianos e josefinos [ASC A1080506:
Franchetti, FDB 697 A4].
61
G. Tuninetti, Gastaldi II, 245-249, 254-257.
446
447
G. Tuninetti, Gastaldi II, 250, afirma que, apesar da proibição, padres favoráveis (salesianos?)
62
administraram-lhe os sacramentos.
448
63
G. Tuninetti, Gastaldi II, 251.
64
Padre Luís Fiora, salesiano, postulador da causa, reconhecia a irmã Clarac como filha espiri-
tual tanto de São Vicente de Paulo quanto de Dom Bosco, “o São Vicente de Paulo do século XIX”; e
acrescentava que, para irmã Clarac, Dom Bosco fora “o autêntico fundador de sua congregação” (ou
de seu oratório?). Cf. Maria Luigia Clarac:il coraggio dell’amore, nel centenario della morte [Moncalieri,
1887; Turim, 1987]. Opúsculo comemorativo do centenário.
65
[Beato] Francisco Faà di Bruno (1825-1888) era um homem de nobre linhagem. Graduado
na academia militar, desempenhou o cargo de capitão na Segunda Guerra de Independência da Itália
(1859-1860). Com licenciatura em matemática pela Universidade da Sorbonne, de Paris, foi professor
de cálculo na Universidade de Turim. Em 1876, decidiu ser padre e organizou sua ordenação de modo
que acontecesse sem o consentimento do arcebispo Gastaldi. Posteriormente foi indultado pelo arce-
bispo e incardinado na arquidiocese. Depois da morte de Gastaldi, fundou as Irmãs Mínimas de Nossa
Senhora do Sufrágio na igreja do mesmo nome. Cf. G. Tuninetti, Gastaldi II, 206, 239-241, 243, 251.
449
Tuninetti comenta:
As exigências razoáveis do arcebispo foram recusadas como injustificadas por
uma coalizão que incluía os bispos piemonteses Moreno e Salvaj, que agiram
sem levar nada em consideração, Dom Bosco, cujo costume era pedir ao Papa
o que não podia obter de seu arcebispo, os prelados das chancelarias romana
e vaticana, que consideravam as exigências de Gastaldi excessivamente duras,
e o próprio Pio IX, que nas coisas que se referiam à diocese de Turim, estava
mais disposto a escutar Dom Bosco do que o seu arcebispo.66
66
G. Tuninetti, Gastaldi II, 251-254.
450
Dom Gastaldi sofreu sem dúvida uma derrota humilhante. Ciente, tal-
vez, da armadilha de Faà di Bruno, atuou moderadamente em consideração
a ele. Em fins de 1877, permitiu que o bom padre fosse incardinado na dio-
cese de Turim e continuasse sua obra de caridade a partir da igreja de Nossa
Senhora do Sufrágio.67
É nesse contexto de relações agitadas entre Gastaldi e os fundadores
religiosos que se deve situar os problemas surgidos com Dom Bosco. Devido
à complexidade e importância do tema, o conflito, sobretudo sobre a aprova-
ção das Constituições Salesianas, será abordado no capítulo seguinte.
Morte do arcebispo
Lourenço Gastaldi nunca se poupou em tudo que realizou. Sua vida
foi de estudo constante e de atividade febril. Foi também uma vida de luta
e trabalho. Contrariamente ao que se possa crer, nunca foi um homem forte
do ponto de vista físico. Era pequeno de estatura e propenso a frequentes
enfermidades. Caíra doente antes do encerramento do Concílio Vaticano I,
depois do qual se viu obrigado a pedir licença para uma longa ausência da
diocese de Saluzzo. Jamais fora um homem sadio desde que chegou a Turim
em 1871. Por outro lado, as frequentes situações de conflito em que esteve
envolvido na arquidiocese de Turim e com Roma não só o prejudicou moral
e psicologicamente, como também o debilitou fisicamente.
Foram-lhe especialmente prejudiciais os dez anos do longo conflito com
Dom Bosco: foi exposto a incessantes injúrias da imprensa, dividiu os seus
padres e ficou comprometido em Roma. O último e mais amargo episódio do
conflito, o enfrentamento pelos panfletos anônimos difamatórios de 1878-
1879, deu-lhe o golpe final. Sua saúde deteriorou-se rapidamente no verão
de 1882, depois da solução imposta por Leão XIII,68 ano em que sofreu fre-
quentes hemorragias.
Na Semana Santa de 1883, insistiu em presidir todos os serviços da
solene liturgia. Às 7h30 da manhã do domingo de Páscoa, 25 de março de
1883, seu secretário, cônego Chiuso, encontrou-o inconsciente em seu apar-
tamento. Sofrera uma hemorragia cerebral e um ataque de apoplexia. Morreu
pouco depois, às 9h55, aos 68 anos de idade. Fora arcebispo de Turim duran-
te onze anos e cinco meses.69
67
G. Tuninetti, Gastaldi II, 251-254.
68
A solução imposta por Leão XIII será narrada no volume 3, capítulo IX, quando se tratar do
conflito com o arcebispo Gastaldi e a ação de Leão XIII para a reconciliação entre o arcebispo e Dom
Bosco (nota do tradutor).
69
G. Tuninetti, Gastaldi II, 341-342.
451
452
Introdução
O texto das Constituições Salesianas, em última análise, afunda suas
raízes na vida e na experiência de Dom Bosco, na história inicial e no de-
senvolvimento de sua obra, em situações históricas concretas da Igreja e da
sociedade do século XIX. O primeiro texto conhecido, não anterior a 1858,
resultou de um período de gestação, no qual Dom Bosco consultou diversas
autoridades e elaborou o seu projeto.2 Este texto recolhe a experiência do
Oratório de Valdocco e os princípios e as estruturas já estabelecidos nos pri-
meiros regulamentos; reflete situações históricas particulares; e deve muito,
ainda, às constituições de outros institutos religiosos. Os rascunhos poste-
riores também foram marcados por circunstâncias históricas concretas, pelo
discernimento cuidadoso de Dom Bosco, pelas contribuições dos primeiros
salesianos, de membros representativos de institutos religiosos e de autorida-
des diocesanas e romanas.
Os textos constitucionais surgiram quando a Sociedade já existia. Para
entendê-los corretamente, será preciso levar em conta todos esses fatores,
com atenção especial ao processo genético que determinou sua forma e suas
características.
É importante analisar cuidadosamente as fontes literárias do texto, pois
Dom Bosco, como ele mesmo garante, serviu-se delas. É o que escreveu ao
vigário-geral da arquidiocese de Turim em 1863:
Na redação de cada capítulo e artigo, guiei-me por [Constituições das] socie-
dades que já foram aprovadas pela Igreja e cuja finalidade é parecida com a
nossa; por exemplo, o Instituto Cavanis, de Veneza, o Instituto da Caridade
[de Rosmini], o Instituto Somasco [de São Jerônimo Emiliani], os Oblatos da
Virgem Maria [de Lanteri].3
453
4
G. Bosco, Costituzioni, 229.
5
G. Bosco, Costituzioni, 232-233, 245-246, 248-249.
6
G. Bosco, Costituzioni, 241-244 (Voto Bianchi).
7
G. Bosco, Costituzioni, 98, 116, 118-119.
8
A espiritualidade de Dom Bosco e suas ideias sobre a vida religiosa, a vocação, a perseverança
etc. são devidas em grande parte a Santo Afonso e ao padre Rodríguez, como se pode comprovar pela
introdução às Constituições de 1875, “Aos sócios salesianos”.
454
9
A Biblioteca de Valdocco tinha uma cópia impressa do texto italiano das Constituições dos
Padres da Missão, de São Vicente de Paulo, Regole ovvero Costituzioni comuni della Congregazione della
missione, 1658. Segundo MB IX, 506s, Dom Bosco obteve uma cópia dessas Constituições do procu-
rador-geral desse Instituto em Roma.
10
Dom Bosco fez seus Exercícios de preparação à ordenação na Casa da Missão, de Turim.
455
456
Facilmente disponível em Turim: Costituzioni e Regole della Congregazione degli Oblati di Maria
12
V. Turim: Botta, 1851. Dom Bosco esteve em contato com os oblatos e familiarizou-se com eles. Em 1843
escreveu um perfil do seminarista oblato, José Burzio († 1842), que fora seu companheiro de estudos
no seminário de Chieri (Epistolario I Motto, 48-53). Estudou no Colégio Eclesiástico criado pelo padre
Lanteri e o teólogo Guala. E, de acordo com Lemoyne, em 1844, considerou entrar entre os oblatos
tendo como perspectiva as missões. Relacionava-se familiarmente com os oblatos na igreja da Consolata.
457
13
Constitutiones Congregationis Sacerdotum Soecularium Scholarum Charitatis. Venetiis, F. An-
dreola, 1837.
14
Notizie intorno alla fondazione della Congregazione dei Chierici Secolari delle Scuole di Carità.
Milão: G. Pirola, 1838, 5.
458
Constitutiones Presbyterorum Societatis Mariae a SS. Pio Papa IX approbatae et confirmatae die
15
459
dos salesianos. O paralelismo cronológico pode explicar por que alguns ar-
tigos dos maristas foram introduzidos nas Constituições Salesianas; e por
que, em 1874, os cardeais substituíram alguns artigos, que Dom Bosco
não quis redigir novamente, por artigos correspondentes das constituições
maristas.
São estruturadas em duas seções, intituladas Dez artigos e Doze capítulos,
respectivamente, com um total de 450 números ou artigos:
Dez artigos sobre a finalidade e os fundamentos da Sociedade:
Doze capítulos:
460
Preâmbulo
O Preâmbulo e o Resumo histórico (capítulos 1o e 2o após a Introdução
1ª e 2ª) foram finalmente eliminados antes da aprovação em 1874. Com-
param-se aqui as primeiras 5 etapas, advertindo que a quarta e a quinta
são idênticas.
Dom Bosco, apesar da observação crítica contrária, fez todo o possí-
vel para manter estes capítulos. Foram eliminados porque “não era habitual
que as Constituições tivessem louvores introdutórios”. Dom Bosco, porém,
considerava as experiências do Oratório carismáticas e normativas. De fato,
o Preâmbulo e o Resumo histórico funcionam, respectivamente, como a razão
histórica e as motivações sobre as quais a obra salesiana se baseia. Sua supres-
são, antes da aprovação definitiva em 1874, deixou o capítulo sobre a Finali-
dade sem sua chave de interpretação.
461
Texto16
I (1858) Ar II (1860) Do III (1864) Gb IV (1867) Ls Latino
Rua. Italiano Boggero. Italiano Bosco. Italiano V (1873) Ns Latino
A cada momento foi A cada momento foi A cada momento Sempre foi convicção
preocupação especial preocupação espe- foi preocupação es- dos ministros da re-
dos ministros da Igreja cial dos ministros da pecial dos ministros ligião católica que se
promover, com todas Igreja promover, com da Igreja promover, deve ter a maior so-
as suas forças, o bem- todas as suas forças, o com todas as suas licitude pelos jovens,
-estar espiritual dos bem-estar espiritual forças, o bem-estar proporcionando-lhes
jovens. A boa ou má dos jovens. A boa ou espiritual dos jovens. uma boa educação.
condição moral da má condição moral A boa ou má condi- Pois a boa ou má con-
sociedade dependerá da sociedade depen- ção moral da socie- dição moral da socie-
de se os jovens rece- derá de se os jovens dade dependerá de dade humana depen-
bem uma boa ou má- recebem uma boa se os jovens recebem derá de se os jovens
-educação. O próprio ou má-educação. O uma boa ou má- recebem uma boa ou
nosso Divino Salvador próprio nosso Divino -educação. O pró- má-educação. Cris-
mostrou-nos a verdade Salvador mostrou-nos prio nosso Divino to mesmo, o Senhor,
disso com suas ações. a verdade disso com Salvador mostrou- mostrou-nos a verda-
Para o cumprimento suas ações. -nos a verdade disso de disso com seu mag-
de sua missão divina Para o cumprimento com suas ações. nífico exemplo, convi-
na terra, com amor de de sua missão divina Pois, cumprindo sua dando especialmente
predileção, convidou na terra, com amor de missão divina na as crianças (a virem)
as crianças a aproxi- predileção, convidou terra, com amor de a ele e abençoando-
mar-se dele: Sinite as crianças a aproxi- predileção, convidou -as com suas divinas
parvulos venire ad me mar-se dele: Sinite as crianças a aproxi- mãos, dizendo: Sinite
[Deixai que as crianças parvulos venire ad me mar-se dele: Sinite parvulos venire ad me
venham a mim]. [Deixai que as crian- parvulos venire ad me [Deixai que as crian-
ças venham a mim]. [Deixai que as crian- ças venham a mim].
ças venham a mim].
16
Os cursivos, do autor, são acrescentados para ressaltar o significado.
462
463
Nossos esforços devem Nossos esforços de- Nossos esforços de- Nosso Senhor Jesus
ter como objetivo sal- vem ter como ob- vem ter como obje- Cristo. Nossos esfor-
vaguardar a fé e a vida jetivo salvaguardar tivo salvaguardar a fé ços devem ter como
moral desta categoria a fé e a vida moral e a vida moral desta objetivo salvaguardar
de jovens, especialmen- desta categoria de jo- categoria de jovens, a fé e defender a vida
te aqueles cuja salvação vens, especialmente especialmente aque- moral dos jovens, em
eterna está em maior aqueles cuja salvação les cuja salvação particular dos que não
perigo, precisamente eterna está em maior eterna está em maior têm a ajuda necessária
pela sua pobreza. perigo, precisamente perigo, precisamente para sua educação cris-
pela sua pobreza. pela sua pobreza. tã, precisamente pela
sua pobreza.
Esta é a finalidade es- Esta é a finalidade es- Esta é a finalidade Esta é a finalidade es-
pecífica da Sociedade pecífica da Sociedade específica da Socie- pecífica da Sociedade
ou Congregação de São ou Congregação de dade ou Congrega- ou Congregação de
Francisco de Sales. São Francisco de Sales. ção de São Francisco São Francisco de Sales.
de Sales.
Comentário
A comparação das cinco etapas sucessivas do preâmbulo manifesta clara-
mente o juízo de valor que Dom Bosco tinha sobre a problemática social dos
jovens em perigo. Depois da declaração geral sobre a necessidade da educação
dos jovens e de uma descrição dos esforços da Igreja (bispos, papas, Pio IX)
para responder a essa necessidade, seguindo o exemplo de Jesus (“Deixai que
as crianças venham a mim”), Dom Bosco identifica as causas do perigo: “a ne-
gligência dos pais, o poder abusivo da imprensa e os esforços de proselitismo
dos hereges”. Por isso, conclui: “Nossos esforços devem ter como objetivo
salvaguardar a fé e a vida moral desta categoria de jovens cuja salvação eterna
está em maior perigo, precisamente pela sua pobreza”.
Resumo histórico
As cinco etapas
464
1858: Ar, italiano 1860: Do, italiano 1864: Gb, italiano 1867: latim
Origem desta Origem desta A origem desta 1873: latim
Congregação Sociedade Sociedade Origem desta
Sociedade- N. 2
[1867]
II. Sobre os inícios
desta Sociedade
[1873]
[1] Ainda no ano de Ainda no ano de Ainda no ano de Ainda no ano de 1841,
1841, padre João Bos- 1841, padre João Bos- 1841, padre João Bos- padre João Bosco,
co, trabalhando em co, trabalhando em co, trabalhando em trabalhando em as-
associação com outros associação com outros associação com outros sociação com outros
sacerdotes, começou sacerdotes, começou sacerdotes, começou sacerdotes, dedicou-se
a reunir, em locais a reunir, em locais a reunir, em locais a reunir, em locais ade-
adequados, os jovens adequados, os jovens adequados, os jovens quados, os jovens aban-
mais abandonados da mais abandonados da mais abandonados da donados e pobres da
cidade de Turim, com cidade de Turim, com cidade de Turim, com cidade de Turim, com
o fim de entretê-los o fim de entretê-los o fim de entretê-los o fim de entretê-los
com jogos e, ao mes- com jogos e, ao mes- com jogos e, ao mes- com jogos e, ao mesmo
mo tempo, dar-lhes o mo tempo, dar-lhes o mo tempo, dar-lhes o tempo, dar-lhes o pão
pão da divina palavra. pão da palavra divina. pão da divina palavra. da divina palavra.
Tudo o que fiz, eu o fiz Tudo foi feito com o Tudo o que fiz, eu o fiz Tudo o que fiz, eu o fiz
com o consentimento consentimento da au- com o consentimento com o consentimento
da autoridade eclesi- toridade eclesiástica. da autoridade eclesi- da autoridade ecle-
ástica. Deus abençoou Deus abençoou estes ástica. Deus abençoou siástica. Deus aben-
estes inícios humildes, inícios humildes, e o estes inícios humildes, çoou estes inícios hu-
e o número de jovens número de jovens que e o número de jo- mildes, e foi incrível
que se reuniam tornou- se reuniam tornou-se vens que se reuniam [ver] quão grande era
-se tão grande que no tão grande que no ano tornou-se tão grande o números de jovens
ano de 1844 Sua Ex- de 1844 Sua Excelên- que no ano de 1844 que livremente se reu-
celência dom [Luís] cia dom [Luís] Franso- Sua Excelência dom niam. Por isso, depois
Fransoni deu permis- ni deu permissão para [Luís] Fransoni, nosso da devida deliberação,
são para dedicar um dedicar um edifício anterior e recordado no ano de 1844, Luís
edifício para uso de para uso de uma espé- arcebispo, deu permis- Fransoni, arcebispo
uma espécie de igreja, cie de igreja, [Nota 1] são para dedicar um de Turim, deu per-
[Nota 1] concedendo, concedendo, ao mes- edifício para uso de missão para dedicar
ao mesmo tempo, as mo tempo, as facul- uma espécie de igreja, um edifício para uso
faculdades de celebrar dades de celebrar ali [Nota 1] concedendo, de uma espécie de
ali as funções religiosas as funções religiosas ao mesmo tempo, as igreja, [Nota 1] e para
que fossem necessárias que fossem necessárias faculdades de celebrar celebrar ali todas as
para cumprir com os para cumprir com os ali as funções religiosas funções sagradas que
domingos e dias festi- domingos e dias festi- que fossem necessárias são necessárias para o
vos e para a instrução vos e para a instrução para cumprir com os cumprimento de do-
dos jovens que se reu- dos jovens que se reu- domingos e dias festi- mingos e dias festivos
niam em número cada niam em número cada vos e para a instrução e para a instrução dos
vez maior. vez maior. dos jovens que se reu- jovens que se reuniam
niam em número cada em número cada vez
vez maior. maior.
465
[2] O arcebispo esteve O arcebispo esteve ali O arcebispo esteve ali O arcebispo esteve ali
ali em várias ocasiões em várias ocasiões para em várias ocasiões para pessoalmente em vá-
para administrar o sacra- administrar o sacra- administrar o sacra- rias ocasiões para ad-
mento da Confirmação. mento da Confirmação. mento da Confirmação. ministrar o sacramen-
Também, no ano de Também, no ano de Também, no ano de to da Confirmação.
1846, permitiu que 1846, permitiu que 1846, permitiu que os No ano de 1846, ele
os jovens que se reu- os jovens que se reu- jovens que se reuniam decretou que os jovens
niam nessa instituição niam nessa instituição nessa instituição fos- que se reuniam nesta
fossem admitidos à fossem admitidos à sem admitidos à [pri- instituição podiam ser
[primeira] Sagrada Co- [primeira] Sagrada Co- meira] Sagrada Comu- admitidos à Sagrada
munhão e cumprissem munhão e cumprissem nhão e cumprissem ali Comunhão e cumprir
ali seu dever de Páscoa. ali seu dever de Páscoa. seu dever de Páscoa. ali seu dever de Páscoa.
Também permitiu [aos Também permitiu [aos Também permitiu [aos Também decretou que
sacerdotes] cantar a sacerdotes] cantar a sacerdotes] cantar a os sacerdotes podiam
Santa Missa [celebrar Santa Missa [celebrar Santa Missa [celebrar celebrar a missa solene,
a missa solene, como a missa solene, como a missa solene, como e celebrar tríduos e no-
nas paróquias] e cele- nas paróquias] e cele- nas paróquias] e cele- venas conforme o exi-
brar tríduos e novenas, brar tríduos e novenas, brar tríduos e novenas, gissem as circunstâncias.
conforme o exigissem conforme o exigissem conforme o exigissem
as circunstâncias. as circunstâncias. as circunstâncias.
[3] Esta foi a prática Esta foi a prática no Esta foi a prática no Esta foi a prática no
no Oratório com o Oratório com o nome Oratório com o nome Oratório com o nome
nome de São Francis- de São Francisco de de São Francisco de de São Francisco de
co de Sales até o ano Sales até o ano 1847. Sales até o ano 1847. Sales até o ano 1847.
1847. Enquanto isso, Enquanto isso, o nú- Enquanto isso, o nú- Enquanto isso, o nú-
o número de jovens mero de jovens crescia mero de jovens crescia mero de jovens crescia
crescia constantemen- constantemente e a constantemente e a constantemente e a igre-
te e a igreja então em igreja então em uso já igreja então em uso já ja então em uso já não
uso já não era adequa- não era adequada para não era adequada para era adequada para eles.
da para eles. Esse foi eles. Esse foi o motivo eles. Esse foi o motivo Esse foi o motivo pelo
o motivo pelo qual, pelo qual, nesse ano, pelo qual, nesse ano, qual, nesse ano, nova-
nesse ano, novamente novamente com a per- novamente com a per- mente com a permissão
com a permissão da missão da autoridade missão da autoridade da autoridade eclesiás-
autoridade eclesiásti- eclesiástica, foi criado eclesiástica, foi criado tica, foi criado um se-
ca, foi criado um se- um segundo Oratório, um segundo Oratório, gundo Oratório, sob o
gundo Oratório, sob o sob o patrocínio de São sob o patrocínio de São patrocínio de São Luís
patrocínio de São Luís Luís Gonzaga, com a Luís Gonzaga, com a Gonzaga, com a mesma
Gonzaga, em outra mesma finalidade do mesma finalidade do finalidade do primeiro,
parte da cidade, com primeiro, em outra par- primeiro, em outra par- em outra parte da cida-
a mesma finalidade te da cidade, na Avenida te da cidade, na Avenida de, em Porta Nova. E
do primeiro. E como, dos Plátanos em Porta dos Plátanos em Porta como, com o tempo, os
com o tempo, os lo- Nova. E como, com o Nova. E como, com o locais nestas duas insti-
cais destas duas ins- tempo, os locais nestas tempo, os locais nestas tuições resultassem insu-
tituições resultassem duas instituições resul- duas instituições resul- ficientes, no ano 1849,
insuficientes, no ano tassem insuficientes, no tassem insuficientes, no criou-se um terceiro
1849, criou-se um ano 1850 [sic], criou-se ano 1849, criou-se um Oratório, sob o patro-
terceiro Oratório, sob um terceiro Oratório, terceiro Oratório, sob cínio do Santo Anjo da
o patrocínio do Santo sob o patrocínio do o patrocínio do Santo Guarda, no distrito de
Anjo da Guarda, em Santo Anjo da Guarda, Anjo da Guarda, no Vanchiglia, um bairro
outra parte da cidade. no bairro de Vanchiglia. distrito de Vanchiglia. também da cidade.
466
[4] Nessa época, o Nessa época, o clima Nessa época, o clima Nessa época, o clima
clima político tinha- político tinha-se dete- político tinha-se dete- político tinha-se de-
-se deteriorado até o riorado até o ponto de riorado até o ponto de teriorado até o ponto
ponto de apresentar apresentar à religião apresentar à religião de apresentar à reli-
à religião [católica] as [católica] as mais gra- [católica] as mais gra- gião [católica] as mais
mais graves dificulda- ves dificuldades e pe- ves dificuldades e pe- graves dificuldades e
des e perigos. Nessa rigos. Nessa situação, rigos. Nessa situação, perigos. Nessa situ-
situação, o superior o superior eclesiástico o superior eclesiástico ação, a pessoa mais
eclesiástico aprovou aprovou graciosamen- aprovou graciosamen- generosa a quem foi
graciosamente o regu- te, e de sua própria te, e de sua própria confiado o cuidado da
lamento destes orató- iniciativa, os regula- iniciativa, o Regula- diocese, aprovou de
rios, e nomeou o pa- mentos destes orató- mento dos oratórios, e sua própria iniciativa
dre Bosco, seu único rios, e nomeou o pa- nomeou o padre Bos- o Regulamento dos
diretor, concedendo- dre Bosco, seu único co, seu único diretor, oratórios, e nomeou
-lhe todas as faculda- diretor, concedendo- concedendo-lhe todas o padre Bosco, seu di-
des que fossem neces- -lhe todas as faculda- as faculdades que fos- retor, concedendo-lhe
sárias ou pudessem ser des que fossem neces- sem necessárias ou pu- todas as faculdades
úteis para a tarefa. sárias ou pudessem ser dessem ser úteis para a que fossem necessárias
úteis para a tarefa. tarefa. ou pudessem ser úteis
para a tarefa.
[5] Os bispos de mui- Os bispos de muitas Os bispos de muitas Os bispos de muitas
tas partes adotaram os partes adotaram os partes adotaram os partes adotaram os
mesmos regulamentos mesmos regulamentos mesmos regulamen- mesmos regulamen-
e fizeram o esforço de e fizeram o esforço de tos e estão fazendo o tos e estão fazendo o
introduzir esses orató- introduzir esses orató- esforço de introduzir esforço para que esses
rios festivos em suas rios festivos em suas esses oratórios festivos oratórios floresçam
dioceses. dioceses. em suas dioceses. também em suas dio-
ceses.
[6] Surgiu, porém, Surgiu, porém, uma Surgiu, porém, uma Surgiu, porém, de for-
uma urgente neces- urgente necessidade urgente necessidade ma inesperada, uma
sidade em relação ao em relação ao cuida- em relação ao cuida- urgente necessidade.
cuidado dos [jovens do dos [jovens nesses] do dos [jovens nesses] Muitos jovens um
nesses] oratórios. oratórios. oratórios. pouco mais avançados
Inúmeros jovens, um Inúmeros jovens, um Inúmeros jovens, um na idade, não podiam
pouco mais avançados pouco mais avançados pouco mais avançados receber instrução [re-
na idade, não podiam na idade, não podiam na idade, não podiam ligiosa] adequada sim-
receber instrução receber instrução receber instrução plesmente assistindo à
[religiosa] adequada [religiosa] adequada [religiosa] adequada catequese do domin-
simplesmente assistin- simplesmente assistin- simplesmente assis- go. O que tornou ne-
do à catequese do do- do à catequese do do- tindo à catequese do cessário abrir escolas
mingo. O que tornou mingo. O que tornou domingo. O que tor- diurnas e noturnas
necessário abrir salas necessário abrir salas nou necessário abrir que lhes proporcio-
diurnas e noturnas diurnas e noturnas escolas diurnas e no- nassem instrução cate-
com instrução cate- com instrução cate- turnas com instrução quética durante toda a
quética [especialmen- quética [especialmen- catequética que fun- semana.
te para eles]. te para eles]. cionasse durante toda
a semana.
467
[7] Além disso, muitos Além disso, muitos Além disso, muitos Além disso, muitos
desses jovens viram-se desses jovens viram-se desses jovens viram-se desses jovens viram-
numa situação de extre- numa situação de ex- numa situação de ex- -se numa situação de
ma pobreza e abando- trema pobreza e aban- trema pobreza e aban- extrema pobreza. Por
no. De aí, que fossem dono. Por isso, foram dono tais que, a fim de isso, para que pudes-
recebidos numa casa recebidos numa casa afastá-los dos perigos, sem ser afastados de
[criada para eles]. Por [criada para eles]. Por dar-lhes instrução reli- perigos, recebessem
esse meio, foram afasta- esse meio, foram afas- giosa e iniciá-los num instrução religiosa e
dos dos perigos, recebe- tados dos perigos, re- ofício, não encontra- fossem iniciados num
ram instrução religiosa ceberam instrução reli- mos outra solução ofício, eles foram
adequada e foram ini- giosa adequada e foram que alojá-los em locais acolhidos numa casa
ciados num ofício. iniciados num ofício. adequados e propor- [criada para eles].
cionar-lhes tudo do
que necessitassem.
[8] Esta continua a Esta continua a ser Esta tem sido a prática Esta ainda é a prática,
ser a prática neste mo- a prática neste mo- dos últimos dezessete sobretudo em Turim,
mento, sobretudo em mento, sobretudo em anos, em Turim, na na casa anexa ao Ora-
Turim, na casa anexa Turim, na casa anexa casa anexa ao Oratório tório de São Francisco
ao Oratório de São ao Oratório de São de São Francisco de de Sales, onde [os jo-
Francisco de Sales, na Francisco de Sales, na Sales, onde os jovens vens acolhidos] che-
qual o número de jo- qual o número de jo- acolhidos chegam a gam a mais de 700.
vens que recebem alo- vens acolhidos chega a uns 700. Em 1863, Em 1863, inaugurou-
jamento chega a uns uns 200. abriu-se em Mirabello -se outra casa [escola]
200. Esta é também a Monferrato, outra casa na cidade de Mirabello
prática em Gênova, na [escola], [oficialmen- Monferrato, conhecida
Obra assim chamada te] conhecida como [oficialmente] como
dos Pequenos Apren- Seminário Menor de Seminário Menor de
dizes, onde o Diretor São Carlos, onde cer- São Carlos, onde cerca
é o padre Francisco ca de uma centena de de 150 jovens recebem
Montebruno, e onde jovens recebem a edu- a educação de acordo
os jovens acolhidos cação de acordo com com os regulamentos
chegam a 40. Esta é os regulamentos desta vigentes no Oratório
também a prática na Sociedade. desta cidade. Depois,
cidade de Alessândria no ano 1864, criou-se
onde a obra está con- outra casa de internato
fiada no momento aos em Lanzo, na provín-
cuidados do [nosso] cia de Turim, na qual
clérigo Ângelo Sávio, e duzentos jovens rece-
onde os jovens acolhi- bem educação e ensi-
dos chegam a 50. no religioso. Estamos
atualmente para abrir
outra casa em um lugar
chamado Troffarello,
povoado localizado a 7
quilômetros da cidade
[de Turim].
468
[9] Quando, além dos Quando, além dos jo- Quando, além dos jo- Quando, além dos jo-
jovens que se reúnem vens que se reúnem nos vens que se reúnem nos vens que se reúnem nos
nos oratórios festivos, oratórios festivos, se oratórios festivos, se oratórios festivos, se
tem-se em conta os que consideram os que as- consideram os que as- consideram os que as-
assistem à escola diurna sistem à escola diurna e sistem à escola diurna e sistem à escola diurna e
e noturna, e os que rece- noturna, e os que rece- noturna, e os que rece- noturna, e os que rece-
bem alojamento, perce- bem alojamento, perce- bem alojamento, perce- bem alojamento, perce-
be-se o quanto cresceu a be-se o quanto cresceu be-se o quanto cresceu be-se o quanto cresceu
messe do Senhor. a messe do Senhor. a messe do Senhor. a messe do Senhor.
Por isso, a fim de man- Por isso, a fim de man- Por isso, a fim de man- Por isso, a fim de man-
ter a unidade de es- ter a unidade de espí- ter a unidade de espíri- ter a unidade numa
pírito e disciplina, do rito e disciplina, do to e disciplina, do que comprovada disciplina
que depende o êxito que depende o êxito depende o êxito da do que se obtiveram os
da obra do Oratório, da obra do Oratório, obra do Oratório, já melhores frutos, já em
já em 1844, vários já em 1844, vários em 1844, vários sacer- 1844, vários sacerdotes
sacerdotes uniram-se sacerdotes uniram-se dotes uniram-se para uniram-se para formar
para formar uma espé- para formar uma espé- formar uma espécie uma espécie de socie-
cie de congregação, ao cie de congregação, ao de congregação com dade ou congregação,
mesmo tempo em que mesmo tempo em que o fim de se ajudarem ao mesmo tempo
se ajudavam uns aos se ajudavam uns aos uns aos outros com o em que se ajudavam
outros com o exem- outros com o exem- exemplo e a aprendi- uns aos outros com o
plo e a aprendizagem plo e a aprendizagem zagem recíproca. exemplo e a aprendiza-
recíproca. Eles não se recíproca. Eles não Eles não se compro- gem recíproca.
comprometeram com se comprometeram meteram com um voto Eles não se compro-
um voto formal; limi- com um voto formal; formal; limitaram-se a meteram com um voto
taram-se a fazer uma limitaram-se a fazer fazer uma simples pro- [oficial]; limitaram-se a
simples promessa de uma simples promessa messa de dedicar-se à fazer uma simples pro-
dedicar-se exclusiva- de dedicar-se exclusi- educação dos jovens e messa de dedicar-se,
mente ao trabalho que, vamente ao trabalho às atividades ministe- sem reservas, a esse tra-
a juízo de seu superior, que, a seu juízo, re- riais que redundassem, balho, pois redundaria,
redundasse na glória de dundasse na glória de a seu juízo, na maior a seu juízo, na maior
Deus e em benefício de Deus e em benefício glória de Deus e em be- glória de Deus e em be-
suas almas. de suas almas. nefício de suas almas. nefício de suas almas.
Consideravam padre Consideravam padre Consideravam padre Escolheram livremen-
João Bosco seu supe- João Bosco seu supe- João Bosco seu supe- te padre João Bosco
rior. E, embora não se rior. E, embora não rior. E, embora não se como seu superior. E,
fizessem votos, as re- se fizessem votos, no fizessem votos, porém, embora não se fizes-
gras que aqui se apre- principal, as regras no principal, as regras sem votos, no princi-
sentam, na prática que aqui se apresen- que aqui se apresen- pal, as regras que aqui
[já] eram observadas. tam, [já] se observa- tam, [já] se observa- se apresentam, [já] se
Atualmente, 15 pes- vam na prática. vam na prática. observavam na prática.
soas professam estas
regras: 5 sacerdotes, 8
clérigos e 2 leigos.
Nota 1, de Dom Bosco, do parágrafo primeiro: “Esta constava de dois quartos na parte em que
viviam os sacerdotes, diretores [espirituais] do internato de Nossa Senhora do Refúgio para meninas em
perigo, conhecido como Refúgio. Mais tarde, em 1845, o Oratório transferiu-se para Valdocco, onde
ainda está situado neste momento”.
469
Comentário
Deve-se levar em conta que, em 1844, Dom Bosco transferiu-se do
Colégio Eclesiástico, centro da cidade, para o Refúgio da marquesa Barolo,
situado no bairro periférico de Valdocco, quando foi nomeado capelão do
Pequeno Hospital, ainda em construção. O pequeno oratório teve início em
1841 e se mudou, com Dom Bosco, para o Refúgio, em outubro de 1844.
Em 8 de dezembro, a marquesa permitiu o uso de alguns quartos no Pequeno
Hospital, nos quais se organizou uma capela e se reuniu o Oratório até julho
de 1845. Deve-se situar neste quadro histórico o que diz o primeiro parágrafo
e a nota acrescentada de Dom Bosco.
No segundo anexo, a cena muda. Em 1846, encontramos o Oratório
de São Francisco de Sales, assentado na propriedade do senhor Pinardi,
também situado em Valdocco, como o Refúgio da Barolo e o Pequeno
Hospital. O telheiro Pinardi foi dedicado como capela; ali dom Fransoni
foi administrar a Confirmação e concedeu a Dom Bosco algumas faculda-
des que converteram o Oratório numa espécie de paróquia “para os jovens
sem paróquia”.
Em seguida, Dom Bosco descreve rapidamente o desenvolvimento pos-
terior: a criação de dois outros oratórios em 1847 e 1849 em outros locais
da cidade, a Revolução Liberal, a aprovação dos regulamentos pelo arcebispo
Fransoni em 1852 e seu decreto designando Dom Bosco como único diretor
dos três oratórios com todas as faculdades necessárias.
Como resposta à “necessidade urgente”, Dom Bosco criou aulas diurnas
e noturnas para os jovens mais velhos e uma casa para os mais pobres entre os
pobres (1847), onde os jovens eram afastados do perigo, recebiam instrução
religiosa e iniciavam-se num ofício.
470
471
3. Fim da Sociedade
Texto
Só se comparam aqui as etapas mais decisivas do texto: etapa II, toda ela
sob o controle de Dom Bosco; etapa III, com o primeiro texto apresentado
em Roma, já com algumas influências externas; etapa VI, com o texto apro-
vado depois das modificações introduzidas pelos cardeais da Congregação
Geral; etapa VIII, com o texto oficial em língua italiana editado e impresso
para os salesianos, que difere do texto aprovado, no estilo e em certa medida
também no conteúdo.
17
Em descrições históricas posteriores, Dom Bosco não fala exatamente de “uma espécie de
congregação”, mas de uma congregação que fora erigida canonicamente, afirmação problemática já
discutida anteriormente, cf. início do capítulo VII.
472
473
4. Além disso, alguns 4. Além disso, alguns deles 4. Dado que com fre- 4. Acontecendo com
deles encontram-se tão encontram-se tão abando- quência acontece que frequência que se en-
abandonados que para nados que para eles é inútil alguns adolescentes se contrem jovens para
eles é inútil qualquer qualquer cuidado se não fo- encontrem tão aban- os quais qualquer cui-
cuidado se não forem rem abrigados; por isso, en- donados que, a menos dado resulta inútil, se
abrigados; por isso, en- quanto possível, abrir-se-ão que sejam recebidos não lhes proporciona
quanto possível, abrir- casas de acolhida, nas quais, num internato, seria alojamento, por essa
-se-ão casas de acolhida, com os meios que a Divina totalmente em vão razão, na medida do
nas quais, com os meios Providência porá nas mãos, qualquer cuidado que possível, abrir-se-ão
que a Divina Provi- seja-lhes proporcionado se lhes oferecesse; por casas nas quais, com
dência porá nas mãos, alojamento, alimentação e essa razão, com o maior os meios que a Divina
seja-lhes proporcionado vestuário. Enquanto forem empenho possível, Providência porá em
alojamento, alimentação instruídos nas verdades da abrir-se-ão casas nas nossas mãos, se lhes
e vestuário. Enquanto fé, sejam iniciados também quais com a ajuda da proporcionará alimen-
forem instruídos nas em algum ofício ou traba- Divina Providência, se to, moradia, roupa e
verdades da fé, sejam lho, como se faz atualmente lhes proporcionará alo- alimento. E, enquanto
iniciados também em al- na casa anexa ao Oratório jamento, alimentação e são instruídos nas ver-
gum ofício ou trabalho, de São Francisco de Sales vestuário. E, ao mesmo dades da Fé católica,
como se faz atualmente nesta cidade. tempo em que forem serão também inicia-
na casa anexa ao Orató- instruídos nas verdades dos em algum ofício
rio de São Francisco de da fé, apliquem-se em ou trabalho.
Sales nesta cidade. algum ofício.
5. Além disso, em vis- 5. Além disso, em vista dos 5. Além disso, posto 5. Sendo, também,
ta dos graves perigos graves perigos que devem que os jovens desejo- muitos e graves os peri-
que devem enfrentar enfrentar os jovens dese- sos de dar seu nome gos que corre a juventu-
os jovens desejosos de josos de abraçar o estado à milícia eclesiásti- de que aspira ao estado
abraçar o estado ecle- eclesiástico, esta sociedade ca estão expostos a eclesiástico, esta socie-
siástico, esta sociedade procurará cultivar na pie- gravíssimos perigos, dade porá o máximo
procurará cultivar na dade e na vocação aqueles esta sociedade porá cuidado em cultivar na
piedade e na vocação que demonstram uma ap- o maior cuidado em piedade aqueles que de-
aqueles que demons- tidão especial para o estudo cultivar na piedade monstram uma especial
tram uma aptidão es- e uma excelente disposição aqueles que demons- disposição para o estu-
pecial para o estudo e para a piedade. Ao dar alo- tram ser especialmen- do e sejam recomendá-
uma excelente disposi- jamento aos jovens para que te recomendáveis para veis pelos seus bons cos-
ção para a piedade. Ao sigam os estudos, serão acei- o estudo e a piedade. tumes. Quando se trata
dar alojamento aos jo- tos de preferência os mais Entre os adolescentes de receber jovens para
vens para que sigam os pobres, por carecerem de que são aceitos por estudar, escolham-se de
estudos, serão aceitos meios para continuar seus causa dos estudos, preferência os mais po-
de preferência os mais estudos em outros lugares, prefiram-se aqueles bres, precisamente por-
pobres, por carecerem desde que deem fundada que são mais pobres, e que não podem fazer os
de meios para conti- esperança de êxito no esta- que, por isso, não po- estudos em outro lugar,
nuar seus estudos em do eclesiástico. Na casa de dem completar seus desde que deem alguma
outros lugares. Valdocco, são aproximada- estudos em outro lu- esperança de vocação
mente 555 e em Mirabello gar, sempre que deem ao estado eclesiástico.
mais de uma centena os jo- alguma esperança de
vens que seguem os cursos vocação ao estado
clássicos com esse fim. eclesiástico.
474
O art. 7o sobre política foi posteriormente eliminado de acordo com a segunda observação de
18
475
Comentário19
19
Ver A. Lenti, “Community and mission: spiritual insights and salesian religious life in Don
Bosco’s Constitutionis”, JSS 9:1 (1998), 1-57.
20
P. Braido, L’idea, 91-92.
21
Società di San Francesco di Sales [1867]: Ms. de Dom Bosco, em ASC A2230202, FDB 1,925
Al2-B3; MB VII, 808s.
476
Esta Sociedade teve sua origem com o simples ministério de uma aula de ca-
tecismo, que o padre João Bosco iniciou com o consentimento e a aprovação
do padre Luís Guala e do padre José Cafasso [...]. Seu fim era reunir os jovens
mais pobres e abandonados aos domingos e dias festivos, para entretê-los com
serviços religiosos e cânticos, como também com recreios agradáveis.22
Em 1841, esta Congregação era apenas uma aula de catecismo aos domingos
e um pátio para recreio [dos jovens] aos domingos e dias festivos. A esta obra
acrescentou-se em 1846 uma casa para aprendizes pobres [...]. Vários sacerdo-
tes e senhores leigos colaboraram nesta obra de caridade, como cooperadores
externos. Em 1852, o arcebispo de Turim aprovou o Instituto, dando ao padre
João Bosco, por iniciativa pessoal, todas as faculdades necessárias e apropria-
das, e nomeando-o superior e diretor da obra dos oratórios. Nos anos 1852 a
1858 teve início a vida de comunidade, ao mesmo tempo da [residência da]
escola e de um programa de formação dos seminaristas [...]. Em 1858, Pio IX,
de santa memória, urgiu para que o padre João Bosco estabelecesse uma Pia
Sociedade com o objetivo de preservar o espírito da obra dos oratórios.23
477
Manuscrito Rua (Ar, 1858), em G. Bosco, Costituzioni, 62-70 (o cursivo é do autor). Aqui,
24
como em outros lugares, 1844 é dado como ponto de referência, porque foi em outubro desse ano que
Dom Bosco, tranquilizado pela ocorrência do sonho da vocação, deixou o Colégio Eclesiástico, assu-
miu uma capelania na instituição da marquesa de Barolo e refundou o Oratório como de São Francis-
co de Sales. Foi nessas circunstâncias que o trabalho se converteu num ministério de colaboração entre
os padres da instituição da marquesa de Barolo e outros.
478
Sempre foi uma preocupação especial dos ministros da Igreja promover, com
todas as suas forças, o bem-estar espiritual dos jovens [...].
Atualmente, porém, esta necessidade é sentida com muito maior urgência.
A negligência dos pais, o poder abusivo da imprensa e os esforços de proseli-
tismo dos hereges exigem que nos unamos na luta pela causa do Senhor, sob
a bandeira da fé. Nossos esforços devem ter como objetivo salvaguardar a fé
e a vida moral dessa categoria de jovens cuja salvação eterna está em maior
perigo, precisamente pela sua pobreza. Essa é a finalidade específica da Con-
gregação de São Francisco, que foi fundada primeiramente em Turim em 1841.26
25
Cf. P. Braido, L’idea, 90-92.
26
Manuscrito Rua (Ar, 1858), em G. Bosco, Costituzioni, 58 e 60 (o cursivo é do autor).
479
27
Ms. de Dom Bosco, Cose da notarsi intorno alle Costituzioni della Società di San Francesco di
Sales, em ASC A2230201, FDB 1,889 C2-5; G. Bosco, Costituzioni, 229; MB VII, 622s. “Durante
os últimos vinte anos”, refere-se a 1844.
28
Ver A. Carminati, “Fini della Religione”. In: Dizionario degli Istituti di Perfezione. IV. Roma:
Edizioni Paoline, 1977, 40-51.
480
29
Concílio Ecumênico Vaticano II, Perfectae Caritatis. Decreto sobre a renovação da vida
religiosa (1965), 8.
30
“A finalidade desta sociedade não é só se esforçar, com a graça de Deus, na salvação e perfeição
da própria alma, mas dedicar-se ao mesmo tempo zelosamente também para a salvação e perfeição do
próximo” (Santo Inácio, Summarium Const., n. 2). Cf. A. Carminati, o. c., 45.
481
31
G. Bosco, Costituzioni, 58.
32
G. Bosco, Costituzioni, 72.
482
diz: “2. Jesus Cristo começou a fazer e ensinar; assim também os membros
começarão por aperfeiçoarem-se a si mesmos mediante a prática das virtudes
interiores e exteriores e a aquisição da ciência; e em seguida trabalharão em
benefício do próximo”.33
A frase “Jesus Cristo começou a fazer e ensinar” é uma citação dos Atos
dos Apóstolos (At 1,1). Nessa introdução, Lucas diz que no primeiro livro
(seu evangelho) falou principalmente “tudo o que Jesus fez e ensinou”, re-
ferindo-se ao ministério de Jesus; agora (nos Atos) vai continuar a história.
A frase “fez e ensinou” descreve a dupla atividade do ministério de Jesus
(curar e ensinar). A interpretação ascética tradicional da frase, porém, é
totalmente diversa. Aqui “fazer e ensinar” representam duas fases sucessivas
na vida de Jesus, aplicáveis à vida de um religioso. A etapa do fazer é o pe-
ríodo de formação na oração, no estudo e na luta ascética, em relação com
os trinta anos de vida oculta de Jesus. A etapa do ensinar é o período de
ministério ou apostolado que vem depois, em relação com o ministério de
Jesus ao longo de três anos.
A redação de Dom Bosco era influenciada aqui pela tradição ascética,
mas ele mesmo ao longo de todo o processo de aprovação das Constituições
lutou contra a mesma ideia de etapas sucessivas. Ele queria que a formação
de seus salesianos fosse feita no contexto do apostolado. De aí sempre recusar
a ideia de um noviciado fechado, ascético.
• Comentário
Os artigos primeiro e segundo do capítulo Fim da Sociedade, como
constam dos rascunhos de 1858 e 1860, solidamente baseados como estão
no Preâmbulo e no Resumo histórico, fixam os dois princípios básicos da vida
espiritual dos salesianos.
Primeiramente, Dom Bosco estabelece para o salesiano, embora com
a linguagem ascética do século XIX, uma espiritualidade cristocêntrica. Ao
salesiano, unido em comunidade para as obras de caridade, é dado um meio
para chegar à perfeição (santidade): a imitação de Cristo em seu ministério
pelos jovens e os pobres. Esta é a espiritualidade centrada em Cristo. Os
mestres espirituais franceses dos séculos XVII e XVIII consideraram Jesus
em seu mistério, em sua vida e em seu ministério, como modelo da vida
483
Do (1860) Gb (1864)
1. O fim desta sociedade é reunir os mem- 1. O fim desta sociedade é a perfeição cris-
bros, sacerdotes, clérigos e também leigos, tã de seus membros; todo tipo de obra de
para aspirar à perfeição pela imitação das caridade tanto espiritual quanto corporal
virtudes de nosso Divino Salvador, em es- pelos jovens, especialmente se forem pobres;
pecial no exercício da caridade para com os e também a educação do clero jovem. Com-
jovens pobres. põe-se de eclesiásticos, clérigos e leigos.
34
Para Jean Jacques Olier, fundador dos sulpicianos, “o cristianismo consiste nestes três pon-
tos: [...] contemplar a Jesus, unir-se a Jesus, agir em Jesus. O primeiro leva-nos ao amor e à religião; o
segundo, à união e à identificação com Ele; e o terceiro, a uma atividade não mais solitária, mas unida
à virtude de Cristo Jesus” (E. A. Walsh, “Espiritualidad, la Escuela Francesa”. In: Nueva Enciclopedia
Católica. Vol. XIII, 605).
484
pastoral de Cristo” foi substituído pelo de uma perfeição cristã não especifica-
da. Por último, a espiritualidade cristocêntrica para os salesianos já não pode
ser deduzida da redação do artigo de 1864.
Antes de tentar oferecer uma explicação dessa alteração, podemos aceitar
como certo que Dom Bosco nunca se desviou da convicção de que, para os
salesianos, a santidade é obtida mediante as obras de caridade realizadas através
da imitação da caridade pastoral de Cristo. Com efeito, essa é a doutrina que ele
propôs por meio das diversas edições da biografia de Domingos Sávio (1859):
A primeira coisa que lhe aconselhara para chegar a ser santo foi que trabalhas-
se para conquistar almas para Deus, pois não há coisa mais santa nesta vida
do que cooperar com Deus para a salvação das almas, pelas quais Jesus Cristo
derramou até a última gota de seu sangue precioso.35
Pode-se afirmar então com certeza que Dom Bosco não tinha intenção
de propor uma forma de santidade aos salesianos que fosse diversa da que
propunha aos seus jovens e aos seus cooperadores. Assim, no Resumo históri-
co, de 1874, escrito dez anos depois da reelaboração do artigo em discussão,
explica sua ideia de Sociedade em forma de perguntas e respostas, e escreve:
P: Nesta Sociedade, sua finalidade é o bem do próximo ou o de seus membros?
R: A finalidade desta Sociedade é o progresso espiritual de seus membros
mediante o exercício da caridade para com o próximo, especialmente para
com os jovens pobres.37
485
39
F. Motto, Fonti letterarie, 359.
40
Normae secundum quas Sacra Congregation Episcoporum et Regularium procedere solet in appro-
bandis novis Institutis votorum simplicium. June 28, 1901 [Normas pelas quais a Sagrada Congregação
dos Bispos e Regulares se orienta no processo de aprovação de novos institutos de votos simples]. Esta
normativa refletia também o debate em curso sobre os fins da vida religiosa. Alguns teólogos sustentavam
que as atividades ministeriais, apostólicas ou de caridade não eram por si só meios de perfeição; ou que
simplesmente os dois eram fins distintos da vida religiosa, mas que um não podia subordinar-se ao outro.
41
Normae, 44. Cf. A. Carminati, o. c., 49.
486
487
44
ASC D578: Capitoli Generali, GC I, Sessão 4, 7 de setembro de 1877. Anotações originais
de Barberis, 53-55, FDB 1,843 C12-D2 (também em Anotações transcritas, FDB 1,849 C5); editados
em MB XIII, 265.
488
45
G. Bosco, Costituzioni, 18, n. 16. Em 1877, Dom Bosco recordava com exatidão a série de
acontecimentos (1864-1874) que levaram à aprovação? Podia Dom Bosco estar pensando em algum
outro artigo, por exemplo, no artigo sobre os direitos civis (art. 2 do capítulo sobre a Forma), subme-
tido a prova semelhante àquela descrita acima por ele?
46
MO, 215s.
47
“Cooperatori Salesiani ossia un modo pratico per giovare al buon costume ed alla civile società”
(1876). Os títulos anteriores desta “Carta fundacional” são: “Associação para obras de caridade” (1875)
e “União Cristã” (1874). Para um estudo dos 4 documentos e o pensamento de Dom Bosco sobre os
cooperadores salesianos, ver F. Desramaut, “Da Associati alla Congregacione Salesiana del 1873 a Coo-
peratori Salesiani del 1876”. In: Il cooperatore nella società contemporanea (Colloqui sulla vita salesiana, 6).
Leumann-Turim: LDC, 1975, 23-55, 356-373. Para os documentos de 1875 e 1876, cf. MB XI, 535s.
489
48
ASC D578 Capitoli Generali, GC I, Sessão 4, 7 de setembro de 1877; Anotações transcritas,
116-118, FDB 1,849 C12-D2; editado em MB XIII, 259.
49
P. Braido, “Il progetto operativo di Don Bosco e l’Utopia della società cristiana” (Quaderni
di Salesianum, 6). Roma: LAS, 1982, 10.
490
50
C. M. Viglietti, Cronaca, 215, 220 (2 de setembro e 27 de novembro de 1887). “Jubileu
do Papa” seriam as bodas de ouro da ordenação sacerdotal de Leão XIII (1888) ou, talvez, o décimo
aniversário de sua ascensão ao trono papal (1878-1888). Parece que Dom Bosco talvez pensasse na
restauração do poder temporal do Papa.
491
492
493
----------
----------
[ Nov i c i a d o : [11] As práti- [11] 11. Ou- [11] 11. Ou- [11] XI. Ou- [11] XI. Admis-
art. 13f da cas de piedade tros superiores tros superiores tros superiores são
Forma 4] - - - (Noviciado:
Art. 13f da
Forma 4)
[12] Vestuário [12] 12. Casas [12] 12. Casas [12] XII. Ca- [12] XII. Estudos
em particular em particular sas em parti-
cular
[13] Fórmula [13] 13. [13] 13. [13] XIII. [13] XIII. As prá-
da Profissão Admissão Admissão Admissão ticas de piedade
dos votos --- --- ---
[14] Externos [14] 14. As [14] 14. As [14] XIV. As [14] XIV. Mestre
práticas de práticas de práticas de de Noviços e For-
piedade piedade piedade mação
[15] 15. Ves- [15] 15. Vestu- [15] XV. Ves- [15] XV. Hábito
tuário ário tuário
[16] Profissão [16] Profissão [16] XVI Pro- [16] XVI. Fór-
e Fórmula e Fórmula fissão e Fór- mula dos votos
dos votos dos votos mula dos votos
[17. Apêndi- [17. Apêndi- [17. Apêndi- Conclusão
ce] ce] ce]
16. Externos 16. Externos XVII. Exter-
nos
Italiano: povero/poveri; più povero/più poveri; poverissimo/poverissimi; il più povero/i più poveri.
52
494
495
496
497
1
Dom Bosco, por exemplo, no pedido dirigido a Pio IX em 1864, referindo-se novamente a
1858, quando apresentara a ideia de uma sociedade religiosa, escrevia: “Santidade, o senhor mesmo
considerou conveniente estabelecer seus inícios” (G. Bosco, Costituzioni, 228. Documento 2). Em
uma nota dirigida a dom Riccardi di Netro, em 1867, escrevia com maior clareza: “O Santo Padre
traçou a base de uma sociedade religiosa em que os membros seriam religiosos perante a Igreja e, ao
mesmo tempo, continuariam a ser cidadãos livres perante a autoridade civil”, em Società di San Fran-
cesco di Sales [1867], manuscrito de Dom Bosco em ASC D472; MB VIII, 809s.
498
499
500
501
Se, contudo, alguém [11] Apesar disso, se al- 9. Contudo, se alguém 7. Contudo, se alguém
saísse da Congregação, guém saísse da Congre- saísse da Congregação, saísse da Congregação,
não terá direito de re- gação, não terá direito de não poderá exigir qual- não poderá exigir qual-
clamar qualquer inde- reclamar qualquer inde- quer compensação pelo quer compensação pelo
nização pelo tempo em nização pelo tempo em tempo em que viveu tempo em que tenha
que permaneceu nela, que permaneceu na mes- nela e não poderá levar vivido nela. Recobrará,
nem levar consigo ou- ma, seja qual for o cargo consigo mais do que porém, o pleno direito
tras coisas, salvo as que que tenha exercido, nem o superior-geral julgar sobre seus bens imóveis e
o superior da casa con- pelos lucros que pudesse oportuno. Recobrará, também sobre os objetos
sidere adequadas. ter produzido à Socieda- porém, o pleno direito móveis cuja proprieda-
de. Terá o direito, porém, sobre seus bens imóveis e de se tivesse reservado
de levar consigo os bens também sobre os objetos quando entrou na Con-
imóveis cuja propriedade móveis cuja propriedade gregação. Mas não pode-
se tivesse reservado ao se tivesse reservado ao rá exigir qualquer fruto
entrar na Congregação. entrar na Congregação. nem pedir contas ao Su-
Mas não terá direito de Mas não poderá exigir perior da sua administra-
exigir do superior qual- qualquer fruto nem pe- ção, pelo tempo em que
quer conta dos frutos dir contas ao superior da passou na Sociedade.
e da administração dos sua administração, pelo
mesmos pelo tempo em tempo em que passou na
que viveu na sociedade, Sociedade, salvo se houve
salvo quando se tivessem acordos particulares com
feito acordos especiais o Reitor-Mor.
com o Reitor-Mor.
502
503
Análise
A seção [I] desenvolve a ideia de comunidade já abordada no primeiro
artigo do capítulo Fim da Sociedade. Assinale-se a expressão não usual: “os
membros reunidos”. A palavra remonta à frase também não usual no artigo
anterior: “O fim desta Congregação é reunir seus membros [...]”. Em vários
memorandos, Dom Bosco afirma que, em 1858, o grupo de colaboradores
do Oratório dividia-se em dois ramos: os que “se reuniam” para viver em co-
munidade e os que não o faziam. Assim, no Resumo histórico, de 1874, lemos:
Alguns dos que tinham vocação permaneceram [residindo no Oratório] para
engrossar as fileiras da Congregação nascente. No ano 1858, vários sacerdo-
tes, clérigos e também leigos, formavam o grupo dos que viviam em comuni-
dade e observavam o que basicamente eram as regras da Sociedade Salesiana.2
2
P. Braido, “L’idea”. In: Id., Don Bosco per i giovani, 117-118.
504
Era essa a situação antes de Dom Bosco ir a Roma em 1858, para pedir
o conselho de Pio IX. Ao voltar de Roma, pôde afirmar no Resumo histórico
que serve como introdução às primeiras Constituições, que um grupo já esta-
va vivendo em comunidade: “Atualmente, 15 pessoas professam estas regras:
5 sacerdotes, 8 clérigos e 2 leigos”.4 E os membros reunidos tinham seu
equivalente nos membros externos, para cuja filiação Dom Bosco incluiu um
conjunto de regras especiais nas Constituições de 1860, ou no grupo mais
amplo dos que trabalhavam no Oratório (mais tarde, cooperadores).
A seção [II] descreve a natureza dessa comunidade. É uma comunhão cria-
da pela caridade fraterna e pelos votos. As duas forças atuam juntas para formar
um vínculo que une os membros reunidos num só coração e numa só alma.
Aqui, a referência é a comunidade apostólica de Jerusalém como descrita
nos Atos dos Apóstolos: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma.
Ninguém considerava suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era pos-
to em comum. Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e tinham tudo em
comum; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre
todos, conforme a necessidade de cada um” (At 4,32; 2,44-45).5
No caso de Dom Bosco, reflete uma convicção profundamente arrai-
gada, assim como a teologia da comunidade religiosa. A primeira referência
comprovada está em sua História da Igreja (1845), em que fala do estilo de
vida dos primeiros cristãos.6 Ele escreve sobre os eremitas do deserto: “Eram
obedientes a seus superiores como as crianças pequenas e viviam unidos como
3
Ms. em ASC A2300406: Cooperatori 3(1), 2-3, FDB 1,886 E8 - 1,887 A2; editados em
MB XI, 72s.
4
G. Bosco, Costituzioni, 70.
5
A descrição da comunidade cristã dos Atos, mesmo sendo considerada, a partir do ponto de
vista social, uma experiência de curta duração, serviu tradicionalmente como modelo de vida religiosa;
de fato, a citação está presente em muitas constituições.
6
Storia Ecclesiastica per uso delle scuole, compilata dal sacerdote Giovanni Bosco. Turim: Tipogra-
fia Speirani e Ferrero, 1845, 34, em OE I, 75.
505
A comunidade salesiana imaginada por Dom Bosco devia ser uma répli-
ca real da comunidade apostólica.
A frase que apresenta a seção [III], “com o fim de amar e servir a Deus”,
provém de um pequeno catecismo no qual, em resposta à pergunta: “quem
os criou?”, responde-se afirmando o fim da existência humana. Aqui, expres-
sa a dupla finalidade da vida religiosa: amor e serviço. Aparentemente Dom
Bosco garante a seus salesianos que, vivendo em comunhão e consagrados à
missão, cumprem também a finalidade da sua existência humana.
Com isso, poderia considerar-se completa a descrição da comunidade re-
ligiosa salesiana. Dom Bosco já mencionou os votos como um fator do víncu-
lo e isso parecia suficiente em 1858. Contudo, nos rascunhos de 1860 e 1864,
com a seção [IV], ele desejou insistir no papel das virtudes da obediência, da
pobreza e da castidade. É como se Dom Bosco temesse que o termo votos
pudesse ser tomado em sentido meramente jurídico. Por isso, ele acentua as
virtudes, para transmitir a ideia de compromisso generoso e de disponibilida-
de. Os votos, precisamente pela sua força vinculante, com a caridade fraterna,
são os meios da comunhão; igualmente, as virtudes da obediência, da pobreza
e da castidade são os meios da consagração para obter os fins da vida religiosa,
ou seja: o amor e o serviço a Deus. Além disso, no rascunho de 1864, Dom
Bosco deseja propor mais um meio da consagração, “o perfeito cumprimento
dos deveres de bons cristãos”. Nos textos latinos que se seguiram, ele interpre-
tou este conceito no sentido de uma “maneira autenticamente cristã de vida”
(accurata christiana vivendi ratione). Na verdade, a fórmula “os deveres de um
7
Ibid., 129 e 287.
506
bom cristão” significava isto: o programa de vida cristã que inclui a adoração,
a oração, a conduta moral etc., inculcados tradicionalmente pela Igreja.
8
P. Stella, Don Bosco’s dreams. New Rochelle, NY, Salesiana Publishers, 1996, 29-30, com
notas 40 e 41. Para essa afirmação, Stella faz referência a Il giovane provveduto (O jovem instruído),
1847, de Dom Bosco, e às Memórias Biográficas (MB IV, 749; VI, 932s; VII, 602; IX, 573s etc.).
507
É preciso que estabeleça uma sociedade na qual o governo não possa interfe-
rir; mas, ao mesmo tempo, o senhor não deve contentar-se com meras pro-
messas, caso contrário não estaria seguro das pessoas, nem tampouco poderia
contar com elas por muito tempo.10
As palavras de Pio IX levam a crer que Dom Bosco lhe falara de uma
sociedade que seria uma união de cidadãos livres, unidos a ele por simples
promessas e reunidos para uma obra caritativa. Essa é, em essência, a ideia de-
senvolvida por Dom Bosco a partir da conversa com o ministro Rattazzi em
(maio?) de 1857. Rattazzi, ao falar de como a obra dos Oratórios pudesse ter
9
P. Braido (ed.), Don Bosco fondatore: “Ai Soci Salesiani” (1875-1885): introduzione e testi
critici. Roma: LAS, 1995. Braido dedica as páginas 36-46 da introdução ao estudo do pensamento de
Dom Bosco sobre a comunidade religiosa salesiana.
10
G. Bonetti, Storia, 356; editado em MB V, 859.
508
Não deve ser uma sociedade com o estilo de inalienável,11 mas na qual cada
membro mantém seus direitos civis, submete-se às leis do Estado, paga os
impostos e assim por diante. Numa palavra, uma sociedade nova em relação
ao governo não seria mais do que uma associação de cidadãos livres, unidos e
que vivem em comum em vista dos mesmos fins caritativos. [...]
Nenhum governo constitucional opor-se-á à criação e ao desenvolvimento de
uma sociedade desse tipo, como não impede, mas promove as companhias
comerciais, industriais e outras similares. Qualquer associação de cidadãos
livres é permitida, sempre que sua finalidade e seus atos não se oponham às
leis e às instituições do Estado.12
Esta Congregação [...] deve ter votos que sirvam de vínculo de unidade no
espírito e nas obras. Estes votos, porém, devem ser simples e fáceis de dispen-
sar [...]. Esta Sociedade, além disso, deve ser uma verdadeira congregação re-
ligiosa aos olhos da Igreja e ao mesmo tempo tal que garanta a seus membros
a liberdade e a proteção contra o perigo das leis civis. Isso significa que aos
olhos da autoridade civil, cada membro deve gozar da proteção da lei como
qualquer outro cidadão.14
11
O termo “inalienável” refere-se à posse não transferível da propriedade de uma corporação
eclesiástica ou de outro tipo; uma ordem religiosa que tem grandes posses inalienáveis e não paga im-
postos resulta, por isso, inútil para a sociedade.
12
G. Bonetti, Storia, 345.
13
Carta do pedido de Dom Bosco a Pio IX, 12 de fevereiro de 1864. G. Bosco, Costituzioni,
228-229; MB VII, 621s.
14
Breve notizia, 1864, em MB VII, 757.
509
510
15
G. Bosco, Costituzioni, 86-87.
511
VIa: Q (1874).
IIa: Do (1860) - IIIª: Gb (1864) Va: Ns (1873)
Texto aprovado
10. Os votos obrigam o sócio enquan- 7. Todos estão obrigados 5. Todos estão obri-
to permanecer na Congregação. Os a [observar] os votos en- gados aos votos e não
que abandonam a Congregação tanto quanto permanecerem na podem ser dispensa-
por motivo justo [pessoal] ou como Sociedade. Se alguém, por dos deles, temporais
consequência de uma decisão pruden- justa causa ou pelo juízo ou perpétuos, sem que
te dos superiores, podem ser dispensa- prudente dos superiores, seja por dispensa do
dos de seus votos pelo superior geral saísse da Sociedade, pode- Sumo Pontífice ou pela
da casa mãe. rá ser dispensado dos votos demissão da Sociedade.
pelo superior geral.
Como Dom Bosco interpreta as palavras de Pio IX: “Esses votos devem
ser, porém, simples e de fácil dispensa?”. O Papa, sem dúvida, referia-se aos
votos simples públicos tradicionais (em contraposição aos votos solenes).
Dom Bosco, porém, pode ter entendido “simples” e “de fácil dispensa”
sem maior esclarecimento. Como se diferenciavam, então, esses votos de
simples promessas?
Cabe assinalar, além disso, que o novo conceito de Dom Bosco sobre o
compromisso religioso parece ser semelhante à doutrina exposta por Antônio
Rosmini na década de 1820. Os contatos de Dom Bosco com Rosmini e os
rosminianos poderiam ter influído na própria formulação de Dom Bosco,
embora com uma alteração que reflete o contexto sociopolítico da Revolução
Liberal nos anos cinquenta do século XIX. Dom Bosco utilizava o termo
“direitos civis” para descrever a situação em que os religiosos exercem seus
direitos, como a propriedade privada, e seus deveres, como o pagamento de
impostos, enquanto “cidadãos livres”. A Sociedade Salesiana, como união de
“cidadãos livres”, não era nem uma associação religiosa e nem proprietária de
qualquer bem.
Rosmini usava o termo “propriedade legal” para descrever uma situação
semelhante, em que cada membro conservava a titularidade jurídica no uso
de seus bens, mas a congregação nada possuía. Perante a lei, o membro do
Instituto da Caridade parecia possuir bens como qualquer cidadão particu-
lar; o voto de pobreza, pelo qual o sócio se obrigava a renunciar ao direito
de dispor de seus bens em favor do superior, podia ser simples e privado, ou
seja, um assunto entre ele e o superior. Dessa forma, o voto, como qualquer
acordo privado, podia permanecer facilmente em sigilo; e se fosse conhecido
publicamente, o seria de modo casual, não pela sua natureza.16
P. Stella, Le costituzioni, 25. Stella cita uma carta em que Rosmini explica seu ponto de vista;
16
512
Dessa forma, a ideia de Rosmini de que o voto podia ser simples, do tipo
de um acordo privado, pode ter afetado a interpretação de Dom Bosco sobre
a expressão do Papa segundo a qual “os votos devem ser simples e de fácil dis-
pensa”. Isso explicaria o posicionamento de Dom Bosco em relação aos votos
temporais e perpétuos, sobre os quais exigia ter o controle.
Será preciso levar em conta, ainda, que o conceito de Rosmini sobre po-
breza religiosa encaixava-se num sistema filosófico, teológico e jurídico com-
plexo, elaborado por uma intensa experiência espiritual pessoal. O Instituto
da Caridade seria pobre com a forma mais perfeita de pobreza, na qual nada
era próprio; não seria uma associação secular ou religiosa, criada conforme
o sistema jurídico, estatal ou eclesiástico que fosse. Esse tipo de pobreza no
pensamento de Rosmini era o polo no qual se encaixava a caridade. Refletia
um amor perfeito, entendido como abertura total a Deus, plena confiança e
entrega a Ele e à sua Providência amorosa numa completa indiferença e total
disponibilidade. A pobreza religiosa coletiva, como sinal da caridade e da
entrega a Deus era considerada, no sistema de Rosmini, como resposta cristã
às teorias filosóficas e jurídicas do momento, fundamentadas pela sociedade
civil no utilitarismo e no materialismo, ou seja, no somatório dos egoísmos
individuais e coletivos e na avidez, que levava inevitavelmente ao ódio, à dis-
córdia e à confusão, como nos casos de Caim e de Babel.17
Dom Bosco, em momento algum, alude à doutrina da vida religiosa
de Rosmini, nem tampouco teoriza sobre a pobreza. Ele apenas indica, em
termos mais simples, o papel do voto e da virtude como construtores da
comunidade e da caridade fraterna. A inspiração rosminiana, porém, é ine-
quívoca: considera a cláusula do “direito civil” não como mera estratégia de
sobrevivência, mas como componente de uma profunda visão espiritual da
vida religiosa.
513
Quanto a mim, não vejo nenhuma diferença entre os votos perpétuos e trie-
nais, dado que eu posso dispensar também dos votos perpétuos, quando o
indivíduo já não serve para continuar na Congregação.19
Àqueles que pensavam que esta faculdade do superior não deveria ser
publicada, pois tal conhecimento poderia levar a abusos, Dom Bosco disse:
Parece-me que, neste momento, não possam derivar abusos desta divulgação;
mas creio também conveniente que se dê conhecimento desta notícia [à nossa
gente], para que ninguém se deixe acovardar diante do pensamento da per-
petuidade dos votos, por medo de que sobrevenham dificuldades invencíveis
e se acabe por perder a paz. Por outro lado, para dispensar alguém dos votos,
requer-se uma causa grave; se fosse apenas um capricho, não chegaria jamais
a este extremo. Mas se há um motivo, parece-me que não deve fazer qualquer
mal a alguém saber que se pode conceder a dispensa.20
19
MB XI, 344s, com comentários de Ceria.
20
Ibid.
514
Ceria cita uma declaração anterior, feita por Dom Bosco aos padres Bar-
beris e Guidazio, em 18 de outubro de 1878, para explicar por que se opunha
aos votos trienais:
Continuei com os votos trienais porque meu plano original era fundar uma
congregação que ajudasse os bispos. Dado que isso não foi possível e vi-me
obrigado a fazer algo diferente, um compromisso de três anos agora é mais
obstáculo do que ajuda.22
Ceria também cita o que parece ser a disposição final de Dom Bosco
sobre a questão no boa-noite de 5 de setembro de 1879:
Devo informar-lhes de que esta é a última vez que se farão os votos por três
anos. A partir de agora, os que fazem votos os farão perpétuos. A experiência
demonstrou que os votos trienais são, para alguns, uma tentação demasiado
grave a enfrentar. Depois de viver um ano na congregação [como noviço] o
indivíduo deve saber se Deus o chama e se tem força suficiente para perseverar.23
21
Alassio, Assembleia Geral, Sessão 2, 7 de fevereiro de 1879, Relatório de Barberis, com ano-
tações do Capítulo Superior, caderno II, 76-77, FDB 1878 B5-6.
22
MB XIV, 48-49, com amplo comentário de Ceria.
23
MB XIV, 361s. Ceria faz notar, porém, que Dom Bosco não impôs seu ponto de vista, e os
votos trienais continuaram a ser feitos.
515
516
Era uma boa pessoa, mas estava extraordinariamente apegado à mãe, que
era muito pobre. Ela esperava que o filho a ajudasse economicamente; e, por
isso, opunha-se a que ele continuasse na Congregação. O filho, que era fraco
e queria ajudar a mãe, não se atreveu a fazer os votos perpétuos, e ao final
dos votos trienais não pediu sua renovação. O Senhor, porém [...], com sua
morte, quis dar uma lição a todos nós: aquele que propicia alimento às aves
do céu e aos animais do campo não abandona os que, para segui-lo, deixam
tudo, até mesmo a família; ao contrário, Ele frustra as esperanças daqueles
que confiam nas pessoas e nas coisas, em vez de [confiar] n’Ele. Neste caso, o
filho foi castigado a morrer sem votos e a mãe foi castigada com a privação do
filho em que depositara suas esperanças.24
2. O voto de pobreza
Ao examinar o artigo 2 do capítulo sobre a Forma da Sociedade, já se
indicou que a normativa sobre os direitos civis e as referências correspon-
dentes foram eliminadas ou transferidas a outros capítulos. O que se referia
à propriedade e à administração dos bens foi reelaborado na forma jurídica
tradicional e transferido ao capítulo sobre a pobreza. Transcrevemos os pri-
meiros textos selecionados deste capítulo (1858-1864) junto com o texto de
1874, reelaborado e aprovado.
Capítulo Geral II, Sessão 7, 7 de setembro de 1880. Anotações de Barberis, Caderno I, 60-61,
24
517
518
[Nenhum aqui, mas ver o art. 1, texto de 7. Por último, cada um mantenha seu coração
1864, Gb, anterior] desprendido de tudo que for terreno. Cada um
procure viver a vida comum em todos os as-
pectos, quanto à alimentação e ao vestuário; e
não tenha em seu poder nada em absoluto, sem
especial autorização do superior.
4. No caso de um sócio precisar viajar ou [Eliminado]
sair para uma missão ou um ministério,
o superior proverá o necessário [sentido
resumido].
5. É proibido tomar emprestado dinheiro [Eliminado]
ou coisas tanto dos da casa como dos ex-
ternos [sentido resumido].
6. Os presentes dados aos sócios devem [Eliminado]
ser entregues ao Superior da Congregação
[sentido resumido].
519
3. O voto de obediência
Selecionamos apenas as etapas mais significativas do texto constitucio-
nal, concretamente a etapa segunda (Do), sob o controle total de Dom Bosco;
a etapa terceira (Gb), primeiro texto apresentado em Roma sob o controle
de Dom Bosco em sua maior parte; e a etapa sexta (Q), texto aprovado que
contém as correções feitas pelos cardeais antes da aprovação.
520
521
8. Todos obedeçam sem qual- 8. Todos obedeçam sem 5. Todos obedeçam sem
quer resistência de palavra, de qualquer resistência de pala- qualquer resistência de pa-
ação, ou de coração. Quanto vra, de ação, ou de coração. lavra, de ação, ou de cora-
mais repugne a ordem a quem a Quanto mais repugne a or- ção, de modo que não per-
executa, tanto maior mérito terá dem a quem a executa, tanto ca o mérito da virtude da
diante do Senhor, se a obedecer. maior mérito terá diante do obediência. Quanto mais
Senhor, se a obedecer. repugne a ordem a quem
a executa, tanto maior mé-
rito terá diante do Senhor,
se a obedecer.
9. Ninguém mande cartas para [Transferido para “Governo [ - - - - - - - - - - - - - - - - - ]
fora de casa sem permissão do interno da Sociedade”]
superior ou de seu delegado.
Igualmente, quando se recebam,
serão entregues ao superior, que
poderá lê-las se o crer oportuno.
522
25
Até a aprovação das Constituições, Dom Bosco usa sem distinção os termos normas, cons-
tituições, regulamentos, estatutos e estruturas de regulamento. Atualmente, no uso comum, regras e
constituições são sinônimos.
26
Para os Regulamentos dos meninos do Oratório, cf. P. Braido, Scritti, 363-399; 400-457;
MB III, 86ss; MB IV, 735ss. Este segundo conjunto de regulamentos sofreu muitas alterações, desde
os primeiros rascunhos em 1852-1854 até sua publicação em 1877.
523
524
Este último elemento tem seu paralelo nas constituições das Escolas
da Caridade, de Cavanis. Na verdade, já figurava em constituições
anteriores, como nas dos Clérigos Regulares (São Caetano de Thie-
ne, 1480-1547). Contudo, em rascunhos posteriores, por motivos
desconhecidos – talvez, a comparação lhe parecera presunçosa –,
Dom Bosco omite estas palavras.
525
27
O artigo 2o não tem paralelo em outras Constituições. Parece ser criação pessoal de Dom Bosco.
526
A observação 13ª de Savini-Svegliati (1864) pedia a eliminação desta última cláusula do artigo
28
527
528
Dom Bosco guia-se pelos seus modelos, mas não cegamente. É sig-
nificativo que omita o requisito de o irmão fazer um período de dis-
cernimento ou de exame de consciência antes de dialogar com seu
superior. Pensava, evidentemente, que a paternidade, de um lado,
e a confiança, de outro, favoreceriam o encontro imediato “no Se-
nhor”, num contexto de fé.
Art. 7o. Aumenta a motivação do artigo anterior. Pede-se que o irmão
ponha “grande (num projeto posterior, “a maior”) confiança” em seu
superior e também lhe manifeste sua consciência de forma espontânea
em alguma situação de necessidade ou como exige a regra: “Que todos
tenham grande confiança em seu superior e não lhe ocultem nenhum
segredo do coração; manifestem-lhe sinceramente sua consciência sempre
que lhe for pedido ou sinta necessidade de fazê-lo”.
Disposição semelhante, exigindo confiança no superior, a ponto tam-
bém de não lhe ocultar nada, nem sequer os segredos de consciência,
é encontrada nas Constituições de congregações anteriores, como das
Escolas da Caridade, de Cavanis, dos Padres da Missão e dos jesuítas.
Escolas da Caridade Congregação da Missão Companhia de Jesus
Todo irmão, livremente e com Todo irmão, com toda sinceri- Todo irmão pôr-se-á livre-
coração disposto e alegre, põe dade e devoção, prestará con- mente a si mesmo e todas
à disposição de seu superior a tas de sua consciência ao seu as suas coisas à disposição
si mesmo e todas as coisas que superior ou a alguém delegado do superior, com espírito
recebeu para seu uso. Tampou- por ele, na forma que se usa de verdadeira obediência.
co nada deveria ocultar ao seu em nossa Congregação. Não deveria ocultar nada
superior, nem sequer sua cons- Esta manifestação deve ser fei- a seu superior, nem se-
ciência; mas deve prestar-lhe ta, ao menos, a cada três meses, quer sua consciência.
contas frequentes dela. aproveitando o tempo dos reti-
ros espirituais e sempre que o
superior o considerar necessário.
29
Ver as Observações recolhidas nos anos 1858-1861, em Collectanea, 830-858.
529
Comentário adicional
Sem deixar de respeitar a disposição da Igreja sobre a consciência, Dom
Bosco continuou a convidar à “plena confiança” na relação dos irmãos com
seu diretor. Na sessão 9ª do Capítulo Geral II (1880), Dom Bosco tinha
“coisas a dizer” sobre a unidade de direção na Sociedade, em todos os níveis,
e mais especificamente sobre a relação entre os irmãos e seu diretor na comu-
nidade local. E destacou a importância da prestação de contas de consciência
nos seguintes termos:
Todos os irmãos devem considerar seu diretor como pai amoroso, como ir-
mão mais velho, designado para seu cargo com o único propósito de ajudá-
-los a fazer bem o seu trabalho. Nada lhe ocultem, seja bom ou ruim, mas,
sobretudo, mostrem-se a ele tal como são. Todos devem estar convencidos
30
G. Bosco, Costituzioni, 96.
31
G. Bosco, Costituzioni, 244.
530
disto: uma escola ou uma casa só será governada sem problemas quando os
irmãos com suas diversas qualidades vivam e trabalhem como um só coração
e uma só alma. Obviamente isso, na prática, não será possível, se os irmãos
não fizerem do seu diretor o centro de toda a obra, e não lhe abrirem comple-
tamente o coração.32
32
CG II, Sessão 9ª, 9 de setembro de 1880, J. Barberis, Anotações transcritas, caderno I, 70,
FDB 1858 C6.
33
Recorde-se que, nas comunidades salesianas, o diretor era o confessor ordinário dos irmãos e
dos meninos até que o Santo Ofício aboliu a prática com o decreto Quod Suprema, de 1901.
531
é diferente. Para Cavanis, essa obediência tem uma finalidade ascética; para
Dom Bosco, torna-nos mais agradáveis a Deus, aumenta o merecimento.
As Constituições dos jesuítas pediam que se obedecesse “como um cadáver”
(perinde ac cadaver), imagem usada por Francisco de Assis muito antes para
descrever a obediência franciscana.34 Dom Bosco não utiliza a imagem (de-
masiado crua?), mas diz essencialmente o mesmo.
Conclusão
As afirmações básicas dos artigos 1o a 8o podem ser resumidas como se-
gue. O superior é o representante de Deus para os irmãos que estão sob a sua
jurisdição. Este é o único fundamento de sua autoridade e de sua obediência.
Os irmãos, portanto, devem obedecer sempre, imediatamente, de boa vontade
e sem qualquer reserva, mesmo no caso em que houvesse uma razão em contrá-
rio, por exemplo, as deficiências pessoais do superior.
A ideia da corresponsabilidade nas decisões é totalmente alheia a esses
artigos. As decisões são responsabilidade apenas do superior, embora sem-
pre dentro dos limites das Constituições. Apesar da abertura ao diálogo per-
mitido pelo artigo 6o, o superior é fundamentalmente autônomo diante da
comunidade de irmãos. Os membros da comunidade estão sujeitos à sua
autoridade. Por lei, são inferiores perante o superior. Por isso, são obrigados
a obedecer ao superior, ao qual, porém, se pede que seja paterno no exercício
da autoridade, dentro dos limites das Constituições. Seria anacrônico esperar
corresponsabilidade, democracia etc.
34
Estudos sobre a origem e o sentido desta locução (“como um cadáver”) nas constituições dos
jesuítas e franciscanos são recolhidos por F. Motto, La figura, 23, nota 67.
532
35
O paternalismo no governo, nascido em momentos históricos especiais, prevaleceu nos sé-
culos XVI e XVII. Pio IX estimulou-o na Igreja. Cf. J. Courtney Murray, citado em F. Motto, La
figura, 25, nota 70.
533
O Rev. Dom Bosco insistiu com força neste ponto: os diretores e os inspetores
também deveriam sustentar cuidadosamente o princípio de que o comando,
como também a jurisdição, corresponde a uma única pessoa. Por isso, cada um
deve esforçar-se por sustentar essa autoridade e manter tudo bem ligado ao
Superior Maior.39
36
ASC A0000107 J. Barberis, Cronachetta, 2, caderno 7, 57, editado em MB XIII, 220s.
37
Cf. artigos nas Constituições de 1867 em diante, em G. Bosco, Costituzioni, 153, 165 e 167.
38
ASC D578, Capítulo Geral I, G. Barberis, Anotações transcritas, caderno II, 204-205.
39
Capítulo Geral II, Sessão 1ª, 3 de setembro de 1880, G. Barberis, Anotações transcritas, cader-
no I, 8, FDB 1857 C3. Seja o que for a que Dom Bosco aluda ao falar de “jurisdição”, o certo é que,
canonicamente, a jurisdição corresponde também aos superiores locais.
534
40
Capítulo Geral II, Sessão 9ª, 9 de setembro de 1880, G. Barberis, Anotações transcritas, ca-
derno I, 74, FDB 1858 C5.
41
Cf. P. Brocardo, Direzione spirituale e rendiconto. Roma: LAS, 1965, 150.
535
em sua maior parte, mas Dom Bosco também lhe fez referências expressas,
tanto nas Constituições42 como em outros documentos.43 O Oratório, como
fato histórico único, impossível de ser repetido, sob a direção pessoal única
do fundador, é apresentado por Dom Bosco como um ponto carismático de
referência e norma para todas as futuras fundações salesianas. Este fato dá base
e sentido ao limitado texto das Constituições.
42
G. Bosco, Costituzioni, 62-70.
43
“Considerado em si mesmo, o fim [desta sociedade] é continuar o que se fez no Oratório de
São Francisco de Sales nos últimos vinte anos ou mais” (Memorando de 1864, “Cose da notarsi”, em
G. Bosco, Costituzioni, 229).
44
Para os detalhes, cf. P. Stella, Spiritualità, 402-407; F. Desramaut, Don Bosco et la vie spirituel.
Paris: 1967, 192-194.
536
Dom Bosco, homem de ação mais do que teórico, pensava que o amor a
Deus e o amor ao próximo eram as duas faces de uma mesma moeda voltadas,
sobretudo, a criar em suas instituições um verdadeiro espírito de caridade pastoral
a serviço dos jovens e dos pobres. O coração da vida comunitária é o ideal evangé-
lico da caridade fraterna pela qual os irmãos, inclusive o diretor, vivem juntos em
espírito de simplicidade, de apoio recíproco, de compaixão, de bondade, compar-
tilhando as alegrias e as penas em comunhão: “Uma só alma e um só coração”.
Cf. P. Stella, Spiritualità, 205-225; F. Desramaut, Don Bosco et la vie spirituel, passim. Dom
46
Bosco, como outros fundadores do século XIX, não faz distinção entre perfeição e santidade (podería-
mos dizer: vida genuinamente espiritual). Cf. P. Stella, Spiritualità, 437.
47
G. Bosco, Costituzioni, 72 (Do, rascunho de 1860).
537
• Dimensão eclesial
Deixa-se o amar e servir a Deus, buscando e fazendo a vontade de Deus,
à responsabilidade de discernimento de cada indivíduo. Mas, uma vez que a
prudência humana está sujeita ao erro, requer-se uma orientação confiável,
como a proporcionada pela Igreja.
Na teologia de Dom Bosco e na do século XIX, Cristo oferece à huma-
nidade a Igreja católica em sua constituição hierárquica, precisamente como
mestra e guia. Por isso, a vida religiosa salesiana tem dimensão eclesial, espe-
cialmente quanto à finalidade, a forma e a missão.
Esta seção dos fundamentos teológicos da autoridade-obediência de-
monstra que buscar e fazer a vontade de Deus é o núcleo da vida religiosa e da
santidade. A ordem do superior que, como tal, deve buscar e fazer a vontade
de Deus, manifesta a vontade de Deus aos irmãos comprometidos na obra de
caridade. A prática das Constituições aprovadas pela Igreja garante ao irmão
que ele está realizando a vontade de Deus. Esta é a imitação das virtudes de
Cristo, que veio fazer a vontade de Deus e servir aos jovens e aos pobres.
48
Estas referências aparecem nas primeiras Constituições, ver G. Bosco, Costituzioni, 72, 58, 92.
538
Optamos por viver juntos in unum. O que isso significa? Em poucas palavras,
isso significa primeiramente que devemos ser um [uma coisa só], como um
corpo; em segundo lugar, que devemos viver como um [uma coisa só] no
espírito; e em terceiro lugar, que devemos estar unidos na obediência [...].51
A tarefa do diretor é mandar. Por isso, deve estar familiarizado com as regras
que se referem a seu cargo e, não menos, com as que se referem aos demais
em suas diversas ocupações de trabalho. Deve existir apenas um único centro
de comando. Tem havido uma ruptura progressiva desta unidade de direção
[...]. Que esta unidade seja restabelecida como antes, um homem no timão
[...]. Nesse cargo, uma pessoa, o diretor.52
49
Cf. J. Aubry, II direttore salesiano secondo la nostra tradizione nel Capitolo Generale XXI. Con-
tributo di studio allo schema III del CG XXI. Roma: Litografado, 1977, 59-126. Ver uma versão do
mesmo, em J. Aubry, Rinnovare la nostra vita salesiana oggi. Vol 2. Turim: LDC, 1981, 32-51.
50
Annali I, 9: palavras atribuídas a Dom Bosco em 1849 contra a proposta de confederar os
Oratórios de Turim.
51
ASC A025: Prediche, 12 de março de 1869. Ver a conferência editada em MB IX, 571ss;
ali, as palavras são: “Nós optamos por viver in unum, juntos. O que significa viver juntos? Em poucas
palavras, isso significa in unum locum, in unum spiritum, in unum finem agendi, unidade de lugar, de
espírito e de finalidade”.
52
Reunião do Capítulo Superior, 3 de junho de 1884, Lemoyne, Anotações, 14b-15a, FDB
1880 D6-7; também MB XVII, 189ss.
539
Esta concepção coloca a questão do modo como Dom Bosco via a obe-
diência: como fim em si mesma ou como meio de autodisciplina e de progres-
so na perfeição. Os artigos constitucionais demonstram com certeza que ele
tinha em consideração o valor espiritual dos atos realizados pela obediência.
Mas parece que em sua mente o superior salesiano exerce a autoridade não
para travar o humano e fomentar o espiritual em seus irmãos, mas em vista da
missão, em prol da obra de caridade. A proverbial amabilidade e afabilidade
de Dom Bosco, como também seu senso prático, eliminam uma interpreta-
ção demasiado literal de certas expressões nos artigos sobre a obediência. Em
suas Lembranças confidenciais aos diretores, ele escreve:
Procura não mandar nada além das forças de teus subordinados ou [que seja]
contrário às suas inclinações. Mas, esforça-te em favorecê-los, confiando-lhes
preferivelmente as tarefas que sabes serem mais do agrado deles [...]. Ao man-
dar, sê sempre amável e atencioso. Que não haja ameaças, ira e, muito menos,
violência através do que digas ou faças [...].53
53
MB X, 1046.
540
Quando Dom Bosco anunciou aos irmãos numa circular de 1885 que o
padre Rua seria seu vigário, escreveu:
54
Conferência anual de São Francisco de Sales de 1876, em MB XII, 80s.
55
MB XVII, 281s.
541
542
543
7. O Reitor terá o poder de 9. O Reitor terá o poder de [8. Provisão de dispensa eliminado]
dispensar destas práticas nas dispensar destas práticas nas
ocasiões e às pessoas que jul- ocasiões e às pessoas que julgar
gar melhor no Senhor. melhor no Senhor.
8. [Sufrágios (Missa e Sa- 10. [Sufrágios (Missa e Sagrada [8. Sufrágios por um salesiano
grada Comunhão) por um Comunhão) por um salesiano falecido; oferecem-se 10 missas]
salesiano defunto em toda a defunto em toda a congregação]
congregação]
9. [Sufrágio pelo pai fale- [11. Sufrágios pelo pai faleci- 9. [Sufrágios (Missa e Sagrada
cido de um salesiano nessa do de um salesiano nessa casa Comunhão) por um pai faleci-
casa particular] particular] do de um salesiano nessa casa
em particular]
[Nenhum] 12. À morte do Reitor [-Mor] 10. À morte do Reitor [-Mor]
todos os membros da Congre- todos os membros da Congre-
gação oferecerão duplos sufrá- gação oferecerão sufrágios [por
gios [por duas razões:] 1) em duas razões:] 1) em agradeci-
agradecimento pelas penas e mento pelas penas e trabalhos
trabalhos suportados no go- suportados no governo da So-
verno da Sociedade; 2) para ciedade; 2) para que se livre
que se livre das penas do Pur- das penas do Purgatório das
gatório das quais podemos ter quais podemos ter sido a cau-
sido a causa. sa. [Omite-se “duplos”]
[Nenhum] [Nenhum] 11. [Sufrágio por todos os sale-
sianos defuntos na festa de São
Francisco de Sales]
Nas etapas sétima (T, 1874-1875, latim) e oitava (V, 1875, italiano),
editadas oficialmente por Dom Bosco para os salesianos, ele acrescentou
estes artigos:
544
As exortações contidas nos dois artigos remontam aos artigos básicos dos
capítulos sobre o Fim, a Forma e as Práticas de piedade nos quais se faz um
apelo à verdadeira consagração religiosa interior, à perseverança e ao esforço
sem restrições e à dedicação à missão.
Esta associação deve ser considerada como uma ordem terceira tradicio-
nal, mas com a diferença de que, enquanto naquelas a perfeição se faz
consistir em exercícios de piedade, nesta o objetivo principal é a vida ativa
e o exercício da caridade para com o próximo, especialmente para com os
jovens em perigo.56
56
G. Bosco, Cooperatori salesiani, ossia un modo pratico per giovare al costume ed alla civile società.
San Pier d’Arena: Tip. Salesiana, 1876, em OE XXVIII, 260.
57
Até 1866 os salesianos faziam os retiros com os meninos; a partir desse ano, farão separada-
mente na nova casa adquirida em Trofarello. Cf. MB VIII, 445ss.
545
Artigos básicos
Do (1860) Gb (1864)
1. (I) A vida ativa em que a nossa sociedade 1. (I) A vida ativa em que a nossa sociedade
está comprometida priva seus membros da está principalmente comprometida priva seus
oportunidade de participar de muitas prá- membros da oportunidade de participar de
ticas em comum. Eles [por isso] esforcem- muitas práticas em comum. Eles [por isso]
-se em suprir [esta deficiência] com o bom esforcem-se em suprir [esta deficiência] com o
exemplo recíproco e o perfeito cumprimen- bom exemplo recíproco e o perfeito cumpri-
to dos deveres gerais do cristão. mento dos deveres gerais do cristão.
2. (II) Cada sócio receberá todas as sema- 2. (II) Cada sócio receberá todas as semanas o
nas o sacramento da Penitência por um sacramento da Penitência [administrado] por
confessor designado pelo Reitor. um confessor designado pelo Reitor. Os sacer-
dotes deverão celebrar a Santa Missa todos os
dias e quando não o puderem fazer, esforçar-
-se-ão por assistir a missa. Os clérigos e irmãos
coadjutores assistirão à Santa Missa todos os
dias e procurarão receber a Santa Comunhão,
ao menos uma vez por semana.
À primeira vista, estes artigos parecem, em seu conjunto, não usuais como
introdução a um capítulo sobre as práticas de piedade. Contudo, estão total-
mente em consonância com a compreensão de Dom Bosco sobre a vida religio-
sa. Funcionam, de fato, como uma espécie de apoio à vida de oração da comu-
nidade salesiana. Um breve comentário sobre cada seção haverá de confirmá-lo.
A seção [I] expressa a máxima prioridade que Dom Bosco quer dar à vida
ativa, como uma vida dedicada ao exercício da caridade pastoral como a de
Cristo. Stella comenta:
Tem-se aqui certa inovação na doutrina tradicional da vida religiosa. Dado
que a vida religiosa é um estado de perfeição, deverá manifestar-se em termos
de um maior compromisso individual e coletivo. Contudo, o valor ao qual
Dom Bosco dá um valor fundamental é a vida ativa, que se inspira na caridade
e em suas exigências. Parece que ele atribui apenas um valor subordinado à
celebração litúrgica e a outras formas de oração, que poderiam ser substituídas
para permitir o exercício corajoso e fecundo da caridade pelo próximo.58
58
P. Stella, Spiritualità, 34.
546
59
Cf. Lc 7,22: ministério de Jesus a favor dos enfermos e dos pobres.
60
Cf. F. Motto, Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel Sac. Gio. Bosco a’ suoi figliuoli salesiani
(Testamento spirituale) (Piccola Biblioteca dell’ISS, 4). Roma: LAS, 1985.
61
Texto de 1860 (Do), em G. Bosco, Costituzioni, 72.
62
“Figura que consiste em exprimir por dois substantivos, ligados por conjunção aditiva, uma
ideia que usualmente se designa por um substantivo e um adjetivo ou complemento nominal”, em
Dicionário Eletrônico Houaiss (Nota do Tradutor).
547
como Dom Bosco a concebia, unindo os irmãos num propósito único, infla-
mando o fervor e criando uma atmosfera de oração. O exercício “dos deveres
de um bom cristão”, ou seja, viver um projeto de vida cristã baseada no en-
sinamento e na experiência da fé da Igreja católica tem o mesmo efeito, pois
expressa um compromisso pessoal com o amor e o serviço a Deus.
Na seção [II], a prioridade é dada ao sacramento da Reconciliação, esta-
belecido aqui como fundamento e não só como “prática de piedade”. Ele é o
meio de conversão contínua e sinal da vida da graça.
Dom Bosco, no rascunho de 1860, não menciona a celebração litúrgica
da Eucaristia. Dá como certa sua celebração cotidiana. Em 1864 ele faz men-
ção à celebração diária da Eucaristia ou à sua assistência, com a comunhão,
ao menos uma vez por semana para os clérigos e coadjutores. Colocada de-
liberadamente no artigo segundo, a Eucaristia é equiparada ao sacramento
da Reconciliação como fundamento, não só como “prática”. Juntos, formam
um binômio que expressa a reconciliação e a graça para o indivíduo e para a
comunidade salesiana.
Por último, na seção [III] dá-se prioridade a uma série de qualidades ou
características que identificam alguém como salesiano. Dom Bosco parece
querer dizer que, antes do cumprimento das práticas de piedade ou orações, o
salesiano deve ser um cristão respeitável, como também uma pessoa de oração
e devota, que age como tal. Deve dar provas disso com a conduta habitual
exemplar, o modo de rezar, falar, comportar-se.
4. Haverá todos os dias não menos de uma hora de oração mental e vocal
[conjuntamente], a não ser que alguém se veja impedido pelo exercício do
sagrado ministério. Nesse caso, serão supridas com orações jaculatórias, tão
frequentes quanto possível, e oferecendo a Deus com maior intensidade de
afeto os trabalhos que lhe impedem os exercícios de piedade prescritos.
548
Gb (1864) Q (1874)
8. A cada ano, cada um deverá fazer exercí- 7. Todos os anos, cada um [fará um] retiro
cios espirituais que terminarão com a confis- de uns dez ou, ao menos, seis dias para que
são anual. Todos, antes de serem recebidos na possa dedicar-se exclusivamente à oração
Sociedade dedicarão alguns dias a um retiro [pietati] e, ao concluí-los, deverá purificar-
espiritual e farão uma confissão geral. -se devidamente com a confissão anual dos
pecados. Antes de serem recebidos na Socie-
dade, e antes de fazerem os votos, todos de-
dicarão dez dias aos exercícios espirituais e se
purificarão com uma confissão geral.
63
“Ministério sagrado”, tomado literalmente, refere-se apenas aos sacerdotes. De fato, os leigos
pertencentes à Sociedade não recebem muita atenção nas Constituições. Mas é evidente que a intenção
de Dom Bosco é falar das exigências da missão salesiana em todas as suas formas (exercício ministerial,
apostolado, obra de caridade).
549
Comentário final
Estas normas sobre a oração da comunidade, com todas as suas deficiên-
cias, insistem que o religioso salesiano deve chegar a uma espiritualidade pessoal
básica, se é que os exercícios de piedade da comunidade hão de significar alguma
coisa. A vida ativa do ministério ou apostolado também tem prioridade sobre
todos os exercícios. Por último, o acréscimo do poder de o superior dispensar,
completa totalmente o quadro. A imagem que emerge é a de um religioso
liberado verdadeiramente para o apostolado. O religioso salesiano vincula-se
de fato à comunidade pela caridade e pelos votos, mas está totalmente dispo-
nível para o apostolado a qualquer momento, sem que se veja impedido nem
mesmo pelos exercícios de piedade. O exercício vigoroso e fecundo da caridade
para com o próximo goza de prioridade absoluta.
5. Conclusão geral
Nossa análise de alguns textos das Constituições de Dom Bosco realçou
algumas características que vão além da mera tradição jurídica e das simples
normas e revelam a profunda concepção de Dom Bosco sobre a natureza da
vida religiosa. Essas características eram uma novidade no seu tempo e conti-
nuam a ser novas em nosso tempo, mesmo depois do Vaticano II.
O aspecto predominante ao qual se dá prioridade absoluta é a caridade
pastoral exercida à imitação do amor de Cristo, o Bom Pastor. Esta caridade
ardente e ativa, como extensão da obra salvífica de Cristo e da Igreja, sobres-
sai como a característica mais distintiva da Sociedade Salesiana, a “congrega-
ção oratoriana”, criada em favor dos jovens, especialmente dos mais pobres e
mais desprezados.
Dom Bosco não expressou o fim da Sociedade Salesiana em termos de
“ministério”, “apostolado” ou “missão” ou de qualquer outro conceito teoló-
gico, mas em termos de “exercício prático do amor ao próximo”. É a virtude
teológica da caridade que se manifesta numa vida de serviço aos necessitados.
Quanto à vida comunitária dos membros, ele a concebia como uma famí-
lia unida pelo amor prático, não só unidos pelos laços sociojurídicos, mas
550
551
Carlos Félix, Regie Patenti colle quali Sua Maestà approva l’annesso Regolamento per le Scuole
1
552
2
Em 1842, 328 das 1.752 localidades municipais do Reino ainda não possuíam a escola
primária. Confiava-se a educação pública às associações religiosas, pias sociedades e congregações re-
ligiosas, pois muitas delas mantinham escolas primárias diurnas e noturnas, especialmente para os
pobres. Em 1850, depois da reforma liberal Boncompagni, de 1848, as escolas mantidas por grupos de
beneficência chegavam a 620, das quais apenas 93 recebiam subsídios do Estado.
3
Para conhecer o relacionamento de Dom Bosco com alguns desses refugiados, ver MB IV, 414.
4
Lemoyne, que critica Aporti, conta o fato em MB II, 211ss. Há quem duvide que Dom
Bosco tenha assistido às aulas de Aporti. Ferrante Aporti (1791-1858), padre e educador, estudara
com João Henrique Pestalozzi e com o jesuíta milanês João Domingos Romagnosi. Em 1829, Aporti
fundou em Cremona o primeiro jardim de infância da Itália; seu objetivo era garantir um lugar seguro
e educação inicial às crianças. Entendia a educação como estímulo de hábitos de amor, ordem e disci-
plina na criança. Sob sua inspiração, em muitos lugares do norte da Itália, surgiram jardins da infância
de iniciativa privada. Embora oferecessem educação religiosa e moral e insistissem no respeito à auto-
ridade e às leis, um setor conservador da Igreja os via como perigosos. Por longo tempo, os jardins da
infância foram proibidos nos Estados Pontifícios.
553
554
Professores-Padres
Não obstante os esforços para formar professores, os padres continua-
vam a ser necessários como membros das escolas estatais. Estatísticas de 1854
mostram que no Reino da Sardenha, de 5.765 professores de escola primária,
3.021 eram eclesiásticos, e o restante, leigos. Com o avanço da Revolução
Liberal e seu programa de secularização depois de 1848, sobretudo depois
da unificação da Itália (1861), o clero em geral começou a ser considerado
elemento hostil e, em consequência, foi eliminado onde e quando possível.
Por sua vez, os bispos começaram a mostrar-se sempre menos de acordo com
os padres que cooperavam como professores com o Estado leigo, considerado
inimigo declarado do Papa e da Igreja. Como resultado, em duas décadas, o
número de padres professores reduziu-se drasticamente nas escolas primárias;
eles continuaram apenas nas escolas secundárias até 1873 quando foram ex-
cluídos da universidade e a Escola de Teologia foi fechada.
555
Reação à lei
A reação após a promulgação da lei Boncompagni dividiu-se em duas
frentes: uma, mais genérica, de avaliação crítica, especialmente da parte cató-
lica, e outra, mais específica, a cargo de professores e funcionários que consi-
deravam a lei como restritiva à “liberdade de ensino”.7
1. A reação católica partia da percepção de que a lei criava obstácu-
los à missão da Igreja de educar os jovens na fé e violava os direitos
imemoráveis da Igreja, não só pela conquista das escolas públicas
por parte do Estado, como também pelo controle estatal das escolas
privadas, especialmente as administradas por instituições religiosas
vinculadas à Igreja. O diário católico L’Armonia [della Religione colla
Civiltà] dedicou 9 artigos ao tema, que podem ser vistos como um
posicionamento que representava a reação católica. Denunciava-
-se que o ministro da Educação e seus departamentos ministeriais
abriam caminho para instaurar um controle centralizado sem deba-
te parlamentar e nascido da tirania partidária contra as tradições e
os sentimentos de todo o povo. Denunciava que a lei infringia os
direitos das famílias e das pessoas, professores e alunos, e violava o
direito de a religião ser parte da educação de uma pessoa.
O periódico insistia que o ensino da moral católica e a supervisão da
conduta moral do pessoal e dos alunos das escolas não eram um abu-
so, mas parte das competências delegadas à Igreja pelos pais, preocu-
pados com a educação de seus filhos. Era o Ministério da Educação
que, agora, usurpara o poder contribuindo assim para a descristiani-
zação dos indivíduos e da sociedade. L’Armonia acrescentava:
Por isso, as massas, que agora carregam sua pobreza com paciência porque são
sustentadas pelas virtudes e pelas esperanças cristãs, ver-se-ão movidas por um
conjunto diferente de virtudes que, entretanto, adquiriram. Baixarão à cidade
armados com paus e foices e, movidos por invejosa cobiça e uma sensação de
humilhação, descarregarão sua ira contra os ricos e instruídos.
Cf. V. Sinistrero, “La legge Boncompagni del 4 ottobre 1848 e la libertà della scuola”, Sale-
7
556
557
católica era confiado por mandato divino aos ministros oficiais da Igreja, em
virtude da faculdade do sacramento da Ordem, do qual derivava o poder
de jurisdição. As duas competências não podiam ser separadas. A jurisdição
sobre tudo que se referisse à doutrina católica não podia ser exercida por qual-
quer pessoa, mas pelos ministros ordenados, autorizados pela Igreja.
9
Cf. MB IV, 604ss. Dom Bosco levou essas disposições em consideração quando precisou
escolher os livros de texto.
558
10
João Lanza (1810-1882) foi eleito para o Parlamento em 1848. Líder do centro-esquerda,
ele serviu como ministro da Educação no gabinete Cavour de novembro de 1855 a julho de 1859.
Ocupou outros ministérios, incluindo o do Interior na Itália reunificada (1864-1865). Foi primeiro-
-ministro nos anos 1869-1873.
11
Ver os comentários de Lemoyne e a atuação de Dom Bosco em MB V, 362s.
12
MB V, 170s.
559
Disposições da lei
A lei Casati compreendia todos os âmbitos do ensino:
MB V, 752ss.
13
Gábrio Casati (1798-1873) nasceu em Milão e esteve intensamente envolvido na vida políti-
14
ca da Lombardia, do Piemonte e da Itália reunificada. Prefeito de Milão em 1837, ele tentou negociar
a liberdade com a Áustria, mas em 1847 retornou ao Piemonte. Em 1848, liderou a rebelião dos
milaneses contra a Áustria, atuou como presidente do governo provisório e, depois, conseguiu mitigar
a repressão austríaca. Exilado em Turim durante a Primeira Guerra contra a Áustria, desempenhou o
cargo de primeiro-ministro por um breve período de tempo. Em 1853, foi nomeado senador e desde
então se converteu em seguidor fiel das políticas de Cavour. Em 1859, no início da Segunda Guerra
contra a Áustria, foi nomeado ministro da Educação. Ao deixar o ministério, foi eleito vice-presidente
do Senado e, depois, presidente (1865-1872).
560
Valores e defeitos
A lei Casati significou um grande avanço na educação italiana por ser
minuciosa e ter enfoque sistemático. Apesar dos defeitos que continha, fo-
mentou uma notável expansão da educação. Em Turim, em 1850, por exem-
plo, as escolas públicas eram apenas 32, sendo mais numerosas as escolas
particulares e religiosas. Em 1862, com Casati, seu número aumentara para
163. Garantiam-se mais a liberdade na educação e outros direitos. As escolas
particulares, dirigidas por pessoas ou instituições, tinham uma situação está-
vel sob a lei. Dizia o artigo 246:
15
O que se apresenta aqui é uma descrição simplificada de como era uma escola técnica e um
instituto. Na realidade, a scuola tecnica, às vezes, não era mais do que uma scuola popolare melhorada;
outras vezes, não era mais do que um grau inferior do istituto tecnico, que seguia um programa misto,
científico e clássico, e dava acesso a algumas faculdades universitárias.
561
Todo cidadão com 25 anos ou mais, que possua os requisitos morais necessá-
rios, pode criar uma escola secundária de assistência geral, com ou sem mora-
dia ou alojamento. Devem-se observar as seguintes condições: 1o. O pessoal
docente deve ter o título e o diploma exigidos pela presente lei ou deve estar
na posse de títulos similares. 2o. A instrução deve ser dada de acordo com os
programas especificados nesta lei; esses programas, e qualquer modificação
dos mesmos, devem ser dados ao conhecimento público antes do início do
ano escolar. Não se deve confiar mais de duas disciplinas a um docente. 3o. A
escola deve estar aberta a qualquer momento às autoridades que possuam ju-
risdição ordinária para fazer inspeções e, também, a qualquer pessoa nomeada
pelo ministro para esse fim em circunstâncias extraordinárias.
16
Dom Bosco estava bem informado sobre a lei Casati (MB VI, 613). Quando foi ordenado
o fechamento da escola do Oratório em 1879, apelou para ela (MB XIV, 88ss; 149ss). Pôde valer-
-se do folheto, que ele mesmo inspirara (MB XIV, 187), do professor G. Allievo, La legge Casati e
l’insegnamento privato secondario. Turim: Tipografia Salesiana, 1879. Cf. M. Ribotta, “The day they
shut down the Oratory School”, JSS 2:1 (1991), 19-24.
562
563
20
Ver MB VII, 315ss.
564
21
João Batista Francésia (1838-1930) narra o itinerário e o comportamento do grupo de
jovens em Don Francesco Provera, sac. salesiano. Cenni biografici. San Benigno Canavese: Tipografia e
Libreria Salesiana, 1895, 41, e em Don Giovanni Bonetti, sac. salesiano. Cenni biografici. San Benigno
Canavese: Tipografia e Libreria Salesiana, 1894, 24-25.
22
Domingos Sávio, por exemplo, chegou ao Oratório aos 12 anos de idade, com os rudimentos
de latim, e assistiu às aulas do professor Bonzanino no ano escolar 1854-1855. No ano seguinte, 1855-
1856, quando Dom Bosco iniciou a escola do Oratório com apenas o terceiro ano, ano de “gramáti-
ca”, Domingos assistiu a essa aula no Oratório, tendo como professor o clérigo salesiano João Batista
Francésia, que ainda não chegara aos 18 anos de idade. Em 1856-1857, porém, fez o quarto ano, de
humanidades, novamente na cidade, na escola do padre Pico, durante alguns meses, pois morreu nesse
mesmo ano em 9 de março de 1857.
565
566
567
Essas escolas, apesar disso, eram aprovadas com algumas condições e estavam
sempre sujeitas à inspeção da autoridade competente.
Em 4 de dezembro de 1862, Dom Bosco apresentou ao superintendente
Francisco Selmi (1817-1881) o pedido de aprovação da escola secundária do
Oratório. Dom Bosco sublinhava que estava procurando promover a educa-
ção secundária dos jovens das classes mais pobres para deixá-los em condições
de ganhar honestamente a vida. Após a inspeção e o relatório favorável do
secretário José Camilo Vigna, Selmi deu sua aprovação provisória, mas pediu
que Dom Bosco apresentasse dados sobre os professores, os alunos e o cur-
rículo. No relatório de Dom Bosco, só o padre Mateus Picco (1812-1880)
figurava como diretor e o padre salesiano, Ângelo Sávio (1835-1893) tinha
título legal; o padre Vitório Alasonatti (1812-1865) possuía um antigo di-
ploma que lhe facultava ensinar gramática latina. Os demais professores eram
clérigos salesianos, entre 22 e 25 anos de idade, sem qualquer título; alguns
deles nem sequer estavam inscritos na universidade: Francisco Cerruti (1844-
1917), João Batista Francésia (1838-1930), Celestino Durando (1840-1907)
e João Batista Anfossi (1840-1913).
Dom Bosco apresentou o número de 318 estudantes (internos), todos
isentos de pagamento pela moradia, alimentação e aulas. Os livros de texto
utilizados eram “somente os prescritos nos programas do governo”. Selmi
viu-se numa situação embaraçosa: de um lado, não podia passar por cima do
apoio que Dom Bosco poderia receber de muitos setores da sociedade, da
corte real, da universidade, de alguns círculos políticos e bancários; de ou-
tro, devia precaver-se diante do Ministério e de algumas pessoas poderosas
hostis à obra educativa de Dom Bosco. O próprio Selmi, em conversa com
Dom Bosco em seu escritório, expressou sua crítica pelas aparentes ideias
antipatrióticas e reacionárias de Dom Bosco, contidas na História da Itália e
nas Leituras Católicas. Numa carta a Selmi, Dom Bosco rogava-lhe que per-
mitisse a continuação da escola; mas o superintendente não tomou qualquer
medida; e Dom Bosco passou por grande ansiedade durante algum tempo.
Era julho de 1863.
Em junho, o Oratório foi submetido a um controle especialmente ri-
goroso e sectário, tanto que Dom Bosco se viu obrigado a recorrer ao pró-
prio ministro Félix Matteucci. Fundamentalmente, resultava que as escolas
secundárias do Estado tinham os mesmos problemas da escola do Oratório
quanto aos títulos dos professores. O ministro considerou oportuno dar uma
oportunidade extraordinária aos professores que tivessem a intenção de obter
o título de docente de ensino secundário. O resultado do processo de discer-
nimento das autoridades educacionais foi que em 2 de novembro de 1863 a
568
569
1
“Dom Bosco continuou a animar seus clérigos a apresentarem-se aos exames [para o título de
professor] e a não se demonstrarem relutantes em dedicar-se a essa missão necessária e nobre [do ensino
numa residência salesiana]” (MB VII, 732).
570
571
572
ma civil. Dom Bosco percebeu que podia ajudar oferecendo seus serviços aos
bispos. Além disso, muitos seminários menores foram suprimidos pelas leis
Rattazzi. Percebendo a urgência, Dom Bosco fez com que as escolas particu-
lares salesianas funcionassem como seminários menores.
A decisão de Dom Bosco de trabalhar pela educação dos jovens se-
minaristas levou-o a ampliar a norma constitucional relativa à finalidade
da Sociedade, acrescentando um artigo “sobre o seminário menor”. O
primeiro texto constitucional, rascunho Rua (1858), não contém esse ar-
tigo. Contudo, o artigo que aparece numa folha à parte, escrita com letra
de Dom Bosco, com correções pessoais, foi incluído no projeto de 1860.
Nele se lê:
3
G. Bosco, Costituzioni, 76-77.
4
Como se deduz de uma leitura comparativa das diversas etapas, o artigo foi ampliado para
incluir o tema da educação secundária para jovens pobres, mas tendo sempre em mira o seminário
menor. Dom Bosco não escreveu nenhum artigo constitucional sobre a escola secundária.
573
Tipos de escolas
Configuraram-se três tipos de escolas: 1o O seminário menor, de proprie-
dade da diocese ou dirigido como escola salesiana privada em locais doados a
Dom Bosco ou adquiridos por ele. 2o A escola “municipal” salesiana, assumida
a pedido de uma administração municipal para servir como escola pública
e funcionando segundo um convênio legal que definia os direitos e deveres
recíprocos. 3o A escola salesiana privada, de total propriedade dos salesianos a
serviço dos jovens.
Quanto à população atendida, podem-se mencionar dois tipos de es-
colas: 1o Escolas criadas nas pequenas cidades, com matrícula relativamente
modesta, sobretudo nos anos sessenta. 2o Escolas estabelecidas nas grandes
cidades, em geral nos bairros de operários de nível mais baixo, com matrícula
mais elevada, sobretudo nos anos setenta e posteriores. Em geral, era esse o
tipo do colégio salesiano privado, estabelecido a pedido de um bispo, em
resposta a necessidades especiais, como a presença de “protestantes” ou de
atividades anticlericais, com ajuda substancial da caridade (benfeitores locais,
conferências de São Vicente de Paulo etc.). Quanto à residência, todas essas
escolas eram internatos. Em todas elas, porém, também se matriculavam es-
tudantes externos.
Em relação ao programa educacional e escolar, todas as escolas eram
principalmente secundárias de nível I (gimnasio, segundo a terminologia da
lei Casati). Algumas escolas ofereciam também o curso secundário de nível II
5
Comentando a situação criada pela lei Boncompagni, Lemoyne fala do protesto dos bispos. E acres-
centa: “Dom Bosco viu imediatamente a necessidade de construir escolas católicas particulares, sem pensar em
valores [...] Por longo tempo, nutriu projetos ambiciosos para a educação cristã da juventude” (MB III, 447s).
Não se pode garantir por quanto tempo ele alimentou esses projetos; o certo é que a reforma liberal da escola
teve muito a ver com sua decisão de dedicar-se à educação secundária na década de1860.
574
6
Os parágrafos seguintes descreverão sumariamente todas as novas fundações feitas até a dé-
cada de 1870, dando maior espaço às duas escolas fundadas expressamente como seminários menores.
Inclui-se, também, um comentário sobre os problemas gerais comuns a todas as escolas.
7
A informação é de P. Stella, Economia, 127-130.
8
A Revolução Liberal de 1848 e a reação clerical que a acompanhou provocaram o fechamento
do seminário de Turim e o desterro do arcebispo Fransoni. A crise também afetou os seminários fora
de Turim, ou seja, Bra e Giaveno. As leis Siccardi e Rattazzi de 1850 e 1855 levaram à diminuição das
vocações sacerdotais, em geral, e do seminário menor de Giaveno, em particular.
575
576
9
Em meados do século XIX, a Diocese de Casale perdera o seu seminário menor na Revolução
Liberal. Ele existira aproximadamente desde 1700, mas fora fechado depois de 1848; os edifícios e bens
foram confiscados pelas leis Rattazzi de 1855 e nunca foram devolvidos. O edifício foi utilizado como
hospital militar e, posteriormente, como centro de comando militar para o Corpo de Engenheiros
do Exército. Escrevendo ao ministro da Justiça e Culto, José Pisanelli, em 1864, o bispo Calabiana
queixou-se da escassez de vocações sacerdotais para substituir o seu envelhecido clero e lamentava-se
do fato de que a sua diocese era a única das antigas províncias do Piemonte à qual não se permitia ter
um seminário menor.
577
O custo da construção foi elevado, mais de 100 mil liras, mas possível
graças a benfeitores como a condessa Carlota Callori di Vignale e seu esposo
Frederico, dono de muito mais terras de vinhedos na região do que o senhor
Provera. O conde Frederico era prefeito de Casale. Em agosto de 1863, Dom
Bosco peregrinou até o santuário mariano de Oropa, nos Alpes, onde con-
cluiu o regulamento da escola, que era basicamente o de Valdocco.11
De volta a Turim, consultou seu Conselho, e em seguida nomeou a
equipe. Padre Rua, aos 25 anos de idade, era o diretor e único padre; os clé-
rigos Francisco Provera, prefeito, João Bonetti, catequista, Francisco Cerruti,
prefeito dos estudos; os três, com não mais de 20 anos. Além deles, Paulo Al-
bera com 19 anos de idade e ainda não professo. Dom Bosco também enviou
quatro aspirantes estudantes que, para isso, receberam o hábito clerical e de-
viam ser professores e assistentes: Francisco Dalmazzo, Domingos Belmonte,
Ângelo Nasi e Félix Alessio.
10
Ver P. Stella, Economia, 131, que cita um documento do arquivo diocesano de Casale.
11
Esse regulamento, não publicado, ficou descrito e resumido em MB VII, 519ss.
578
12
MB VII, 524s. Para um estudo crítico do texto, ver F. Motto, “I ‘Ricordi confidenziali ai
direttori di Don Bosco’”, RSS 3 (1984), 125-166.
13
Ver “Origem desta Sociedade”, em G. Bosco, Costituzioni, 68.
14
P. Stella, Economia, 132, onde cita uma carta de Dom Bosco ao ministro Ratazzi.
579
580
15
Ver um panorama histórico das escolas da região e, em especial, da escola de Lanzo, em
P. Stella, Economia, 133-138.
16
Frederico João Luís Albert (Turim, 16 de outubro de 1820-Lanzo Torinese, 30 de setembro
de 1876) era padre da diocese de Turim, que servira como capelão real antes de ser nomeado pároco de
Lanzo. Renunciou a ser bispo. Fundou as Irmãs Vicentinas de Maria Imaculada, dedicadas à educação
da juventude e ao cuidado dos enfermos e idosos. Amigo íntimo de Dom Bosco, foi providencial na
fundação de Lanzo. Morreu depois de cair de um andaime no qual, como bom pintor, estava traba-
lhando na decoração de sua igreja.
17
Ver resumo em MB VII, 691ss, e em E. Ceria, Annali I, 71-77.
581
Trofarello (1865-1870)
A casa foi doada por uma benfeitora. Embora tivesse podido desenvol-
ver-se como escola, nunca foi usada para isso. Em 1866, converteu-se em casa
de retiro para os salesianos, que até então faziam seus exercícios espirituais
com os meninos. Por volta de 1870, já não podia acolher o número sempre
maior de retirantes; a propriedade foi vendida e os exercícios espirituais re-
tornaram a Lanzo.
582
583
584
585
586
Magnasco. O pedido de ajuda de Dom Bosco era dirigido aos bons católicos
da região. No pedido, fala-se de jovens em situação de risco, que vagabun-
deavam pelas ruas, e da necessidade de uma casa e uma escola para eles; ele
nomeia os que tornaram a compra possível; encabeçam a lista dom Magnasco
e a baronesa Luísa Cataldi.
Por isso, Sampierdarena parece significar uma nova orientação que já
não correspondia aos pedidos das administrações das cidades, mas ao apelo
da Igreja por escolas católicas, com a finalidade de neutralizar a educação
laica ou a invasão dos protestantes.
Depois de 1870, e ainda mais depois de 1874, coincidindo com o final
da mediação de Dom Bosco entre a Itália e a Santa Sé, nota-se a diminuição
de sua relação com os administradores do Estado e um crescimento no re-
lacionamento com os bispos, o clero e o laicato católico. A escola salesiana
era financiada apenas em pequena parte com as mensalidades escolares ou as
pequenas subvenções anuais de instituições financeiras. O dinheiro provinha
principalmente de doações importantes e de legados de leigos católicos ricos,
como o conde Callori, o barão Cataldi, o conde Belletrutti, o barão Bianco
di Barbania, o conde Cays etc.
O Estado liberal defendia-se contra a escola católica, e salesiana, negando
o reconhecimento ou a paridade e, em geral, tornando difícil a sua vida. Os
jovens das escolas católicas, para obterem o diploma, deviam confrontar-se com
os estudantes de outras escolas particulares nos exames de Estado. Alguns deles
recebiam um tratamento duro. Contudo, o exame de professores examinado-
res, entre eles católicos ou anticlericais, podia ser justo e até indulgente.
587
588
Por classe média Dom Bosco podia ter entendido os pobres, em contraste
com a nobreza. Mas não é menos certo que nos anos sessenta e setenta as es-
colas secundárias, e as salesianas em particular, não eram uma exceção, eram,
em grande parte, para jovens da classe média.
589
Além do mais, em vista dos graves perigos que os jovens desejosos de abraçar
o estado eclesiástico devem enfrentar, a Congregação aplicar-se-á com cuida-
do ao cultivo da piedade e da vocação de quem tenha aptidão especial para o
estudo e uma excelente disposição para a piedade.
Ao acolher os jovens que se encaminham aos estudos, deverão ser aceitos prefe-
rencialmente os que são mais pobres, pois carecem de meios para continuarem
590
seus estudos em outros lugares, sempre que derem uma bem fundada esperança
de êxito [em sua vocação] ao estado eclesiástico. Na casa de Valdocco, os jovens
que frequentam o curso clássico de estudos com esse fim somam ao redor de
555; e mais de uma centena em Mirabello.19
Importância atual
A presença de Dom Bosco no campo da escola-internato e seu eventual
total compromisso com esse apostolado devem ser entendidos como resposta,
no momento oportuno, a uma necessidade imperiosa, derivada de um espe-
cífico contexto histórico. Caso houvesse outra necessidade, num contexto
diferente, sua resposta teria sido, sem dúvida, diferente, por mais que a escola
fosse uma plataforma admirável para suas ideias educativas.
Consequentemente, o que Dom Bosco ou os Capítulos Gerais expõem
ou ordenam sobre a escola-internato deve ser entendido em seu contexto
histórico. Essas diretrizes também poderiam ter sido provocadas não por ge-
néricas considerações cristãs e pedagógicas, mas por uma visão cultural espe-
cífica, inclusive pela situação local e, portanto, não seria transferível a outros
contextos educativos.
Conclusão
Em meados de 1870, as escolas da Sociedade Salesiana eram bastante nu-
merosas e, parece, funcionavam com sucesso em muitos sentidos. Parece que,
no conjunto, funcionavam sem dívidas e também ganhavam algum dinheiro.
19
G. Bosco, Costituzioni, 76-77.
591
Mas as finanças tinham-se esgotado, sobretudo por causa do elevado custo das
missões e expedições missionárias, da formação das vocações e das construções
em ato. Ceria conta que alguém fez uma sugestão:
Outra sugestão para fortalecer a economia seria abrir mais escolas-internato e
assim gerar entradas para a Sociedade. A resposta de Dom Bosco foi categórica:
“Nós devemos dedicar-nos aos jovens pobres. Precisamos de escolas-residência,
mas nossos oratórios festivos, internatos e casas para meninos pobres são fonte
de muitas vocações e meios extraordinariamente bons. O melhor que podemos
fazer é abrir casas como este Oratório de Turim, o internato de Sampierda-
rena e o pensionato de Nice [França], onde possam viver os estudantes e
os aprendizes, pobres ou à beira da pobreza [...]. Seremos aceitos pelos
bons e pelos maus, se organizarmos nossas casas de maneira modesta para
meninos indigentes”.20
20
MB XII, 373s.
21
MB IX, 565s. As razões, um tanto pragmáticas, surgiam de um contexto anticlerical hostil.
592
a matrícula chegou a 800 em 1869-1870. Não havia espaço para novos pedi-
dos; tampouco parecia oportuno matricular novos alunos para, em seguida,
redistribuí-los por outras escolas salesianas, como fora o costume. Melhorar
e ampliar o edifício e os recursos educativos em Valdocco poderia remediar
a situação. Mas pareceu oportuno buscar novos espaços na cidade de Turim,
onde a obra salesiana pudesse desenvolver-se.
Uma série de acontecimentos na economia do país tornou-o possível.
O aumento dos impostos, a circulação obrigatória de papel moeda e a im-
posição de tetos salariais (1872-1873) provocaram uma nova recessão, com
graves consequências sociais: greves no norte, recrudescimento do banditis-
mo no sul e um novo impulso para o socialismo e o anarquismo. Por outro
lado, o crescimento de alguns setores da produção agrícola, em conjunto
com as austeras políticas econômicas aplicadas pelo ministro das Finanças,
Quintino Sella (1827-1884), produziram algumas melhorias nos anos ses-
senta. O fato é que, por volta de 1868, aumentaram as entradas de Dom
Bosco, vindas da caridade pública e privada. Depois da consagração da igreja
de Maria Auxiliadora (1868), ele pôde pensar numa nova ampliação.
No Oratório de Valdocco 22
22
Sobre a história e o desenvolvimento de Valdocco, ver F. Giraudi, L’Oratorio di Don Bosco.
Inizio e progressivo sviluppo edilizio della casa madre dei salesiani in Torino. Turim: SEI, 1935.
593
594
agricultor, não considerou esse tipo de instrução como um modo de preparar o jovem para uma vida
melhor. Padre João Cocchi, diversamente, com quem Dom Bosco se tinha envolvido nos Oratórios
desde 1840, fundara uma instituição agrícola em Moncucco.
24
Dom Bosco à condessa Callori, em 15 de janeiro de 1873, em Epistolario IV Motto, 40-41.
25
Cf. MB VI, 160s; VIII; 491s; X, 1190; XII, 74s. P. Stella, Economia 173-174; E. Valentini,
L’Oratorio Festivo San Giuseppe 1863-1963. Turim: Scuola Grafica Salesiana, 1963.
595
596
Dom Bosco entrou em conflito com dom Gastaldi devido à dedicação da igreja de São Se-
27
gundo e, depois, por fazer da igreja de São João Evangelista um memorial de Pio IX.
597
A escola de Valsálice
Em 1872, o recém-nomeado arcebispo dom Gastaldi pediu que Dom
Bosco se encarregasse da problemática escola diocesana situada em Valsálice,
nas colinas a leste da cidade. O edifício fora propriedade dos Irmãos das Es-
colas Cristãs, dispensados em 1863 pelo governo liberal da direção das escolas
primárias da cidade. Fora construído em 1857 e reconstruído em 1862, como
residência de verão da escola da nobreza (Colégio dos Nobres São Primitivo).
28
Carta circular de Dom Bosco, 12 de outubro de 1870, Epistolario III Motto, 261-272.
598
599
Sob qual título Dom Bosco inculcou a devoção a Maria e qual foi o objeto
da devoção de Sávio? A resposta é: “Todos e nenhum em especial”. No sonho
dos 9 anos, a Virgem que apareceu a Dom Bosco não era uma Virgem com
um título específico, mas simplesmente a Virgem Maria, a Mãe de Jesus. No
momento do qual estamos falando [anos 1840 e 1850], o santo mestre era
devoto da Virgem sob o título de Nossa Senhora da Consolação (Consolata,
600
A. Caviglia, “Savio Domenico e Don Bosco”. In: Id., Opere e scritti. IV.II. Turim: SEI, 1942,
1
314-315.
601
Precedentes
A devoção a Maria como Imaculada Conceição chegou a ser muito re-
levante na vida de Dom Bosco, tanto para seu uso pessoal como por motivos
eclesiais. Por isso, merece atenção especial, não só pela importância adquirida
num contexto histórico específico nos anos cinquenta, como também pela
forma com que ficou associado à obra de Dom Bosco, na qual jamais deixou
de ocupar um lugar privilegiado.
A devoção à Imaculada Conceição com seus símbolos floresceu na
Espanha e na França depois da Reforma. Da França estendeu-se ao Pie-
monte, por obra e graça dos jesuítas, e se manteve mesmo depois de serem
suprimidos. Maria era honrada com esse título no seminário de Chieri,
cuja capela era dedicada à Imaculada Conceição. Sua imagem estava sobre
o altar; sua estátua era venerada numa capela lateral. A igreja anexa ao
palácio do arcebispo de Turim, onde Dom Bosco recebeu as ordens sacras,
era dedicada à Imaculada Conceição.
602
2
MB IV, 181.
3
Veja-se o testemunho do cardeal Cagliero no processo apostólico de Domingos Sávio, Positio
super virtutibus. Roma, 1926, 135.
603
4
Cf. MB V, 213.
5
O clérigo José Bongiovanni em carta sem data a Dom Bosco põe o nome de Domingos em quar-
to lugar entre os membros fundadores: “Foi um dos fundadores da Companhia da Imaculada Conceição,
o quarto, e assumiu a proposta com grande alegria” (carta no arquivo da Positio super virtutibus, 480).
6
“A celebração popular externa foi alterada em parte devido à gente hostil. As lâmpadas leva-
das pelo povo fiel em honra de Maria foram apedrejadas, de modo que os fiéis tiveram de deixá-las e
manifestar sua devoção a Maria de forma privada. No Oratório, sob a orientação de Dom Bosco, nós
nos superamos a nós mesmos. A festa foi precedida de uma novena...”. (J. B. Francésia, La Vergine
Immacolata, Don Bosco e i Salesiani. San Benigno: Scuola Tip. Salesiana, 1904, 17-18).
604
7
A Revolução Liberal de 1848, que convertera o Reino da Sardenha em monarquia constitu-
cional parlamentar, também assentou suas bases para a criação da República romana de Mazzini, que
obrigou Pio IX a exilar-se durante o ano de 1849. No Reino da Sardenha tomaram-se várias decisões
destinadas a secularizar a sociedade e frear o poder da Igreja. Em 1848, instaurou-se na escola um
sistema leigo com a reforma educacional de Boncompagni. Em 1850, os antigos privilégios da Igreja
foram abolidos pela lei Siccardi. Em 1854-1855, foi debatido e aprovado no Parlamento o projeto de lei
Cavour-Rattazzi, que decretava a dissolução das congregações religiosas e o confisco dos bens da Igreja.
Esta era a cabeça da serpente (todos esses males) que Maria Imaculada era chamada a destruir.
8
Era uma interpretação tradicional de Gn 3,15. O Tratado da verdadeira devoção, de São Luís
Maria Grignon de Montfort (1673-1716) apresenta Maria como a figura escatológica que enfrenta o
Anticristo (com referência a Ap 12), e seus verdadeiros devotos como a vanguarda da Igreja na luta final
contra os poderes do inferno.
9
G. Bosco, Il mese di maggio consacrato a Maria SS.ma Immacolata ad uso del popolo. Turim: G.
B. Paravia e Co., 1858, 154.
605
MB VI, 787.
10
“Il mese di maggio consacrato a Maria SS.ma Immacolata ad uso del popolo, per cura del sac. Bosco
11
Giovanni (Letture Cattoliche 6:2). Turim: G. B. Paravia e Co., abril 1858, 192p.
606
Barolo, ele escrevera um piedoso exercício em honra das Sete Dores de Nossa
Senhora, embora não nos tenha chegado nenhuma cópia da obra. O mês de
maio, folheto de 192 páginas, foi publicado nas Leituras Católicas e reimpres-
so muitas vezes. Foi escrito para servir de apoio no exercício de devoção mais
popular em honra de Maria, e pretendia, ao mesmo tempo, render homena-
gem à Imaculada Conceição.
12
Il mese di Maria o sia il mese di maggio consacrato a Maria coll’esercizio di vari fiori di virtù
proposti ai veri divoti di Lei, dal padre Annibale Dionisi della Compagnia di Gesù, da praticarsi nelle case
de’ padri di famiglia, ne’ monasteri, nelle botteghe etc. Parma: Eredi di Paolo Monti, 1726.
13
Francesco Lalomia, Il mese di maggio consacrato alle glorie della gran Madre di Dio coll’esercizio
di vari fiori di virtù. Palermo, 1758.
14
Alfonso Muzzarelli, Il Mese di Maria, o sia di Maggio. Ferrara, 1785. Teve cerca de 150
edições e foi traduzido para o inglês, árabe, espanhol, francês e português.
607
mais adequada para melhorar a vida moral e religiosa do povo cristão. Seu
Mês de maio em honra de Maria Imaculada trata menos de Maria do que da
vida cristã. Consiste num tratado espiritual que acompanha o leitor num iti-
nerário de Deus Criador à salvação prometida no céu. Para as práticas do mês
de maio, então, Dom Bosco preferiu convidar os fiéis a concentrarem-se na
vida e na prática cristã em vez de nas glórias de Maria. Ele concebia qualquer
devoção, além da de Cristo, a Maria ou aos santos, como a aplicação na vida
cristã real das palavras de Jesus: “Se me amais, guardareis meus mandamen-
tos” (Jo 14,15), sem qualquer sentimentalismo.
Não obstante, dedicou especificamente a Maria o exercício de introdu-
ção, previsto para 30 de abril, os dois últimos dias de maio e o exercício final
(para 1o de junho). Para o restante do mês, Dom Bosco propunha aos leitores
a oração e a meditação dos mesmos temas tratados nos exercícios espirituais
e nas missões paroquiais.
608
panham (dias 15-19). Na primeira seção (dias 1-14) explica-se como é possível
converter-se depois de ter pecado e, assim, ganhar o céu. O mês de maio apresen-
ta um itinerário espiritual, o caminho da salvação. Em sua estrutura, sequência,
conteúdos e linguagem, a obra também revela a ideia religiosa do autor.
15
G. Bosco, Mese di maggio, 12. Meditação de introdução, 30 de abril.
16
G. Bosco, Mese di maggio, 13.
17
G. Bosco, Mese di maggio, 148. Meditação de 25 de maio: o pecado de impureza.
18
A festa de Maria Auxiliadora foi instituída em 1815, mas não era celebrada.
609
610
Não resta dúvida sobre a devoção de Dom Bosco e sua entrega confiante
a Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, desde a mais tenra infância. Mas seus es-
critos não apoiam em absoluto a hipótese de que o título de Auxiliadora dos
Cristãos figurasse de maneira significativa em sua devoção antes da década
de 1860.26
Entretanto, há alguns poucos indícios anteriores a 1860 do progresso
gradual do título Auxiliadora dos Cristãos na devoção de Dom Bosco.
1855-1856) se faz qualquer menção a Maria Auxiliadora dos Cristãos. O título não aparece antes da
edição de 1867. A inscrição no friso interior da grande igreja que Dom Bosco viu no sonho de 1844
não traz: Auxilium Christianorum, mas simplesmente Hic Domus mea, inde gloria mea. O título de Au-
xiliadora dos Cristãos não é mencionado nas primeiras edições de O jovem instruído (1ª edição, 1847;
2ª edição, 1851; 3ª edição, 1854; 4ª edição, 1860). No Oratório, só em 1867 foi mudada a curta invo-
cação prescrita, “Sedes Sapientiae, ora pro nobis”, por “Auxilium Christianorum, ora pro nobis. A estátua
colocada na parte superior da casa depois da queda de um raio em 1861 era de Maria Imaculada, como
a que se colocou mais tarde na parte superior da lanterna da igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
611
cisco de Paula.27 Essa foi a igreja à qual padre Cafasso destinou Dom Bosco
nos anos de permanência no Colégio Eclesiástico.28 A venerada estátua, mais
tarde, serviu possivelmente de modelo para a figura de Maria Auxiliadora
como Dom Bosco queria que ela fosse apresentada, embora já houvesse uma
iconografia tradicional a respeito.
Em 1848 ou 1849, como conta o padre João Giacomelli, seu colega de
seminário, Dom Bosco afixou no quarto algumas estampas com invocações a
Maria Auxiliadora dos Cristãos. Numa delas, a oração diz: “Ó Virgem Ima-
culada! Só Tu venceste todas as heresias; vem agora em nosso auxílio, pois a Ti
recorremos: Auxilium christianorum, ora pro nobis”. Dom Bosco acrescentou
de próprio punho: Inde consolationem expectamus [De ti esperamos o nos-
so consolo].29 Combinam-se assim os títulos de Imaculada, Auxiliadora dos
Cristãos e Consolação.
O mês de maio, de 1858, marca uma guinada nesse sentido. Além dos tex-
tos litúrgicos que se referem ao auxílio de Maria (Terribilis ut castrorum acies...;
Cunctas haereses sola interemisti) e o uso contínuo do Sub tuum praesidium,
encontramos uma referência à vitória sobre os turcos muçulmanos e a intro-
dução do título na ladainha. Mas só em 1868 ele põe por escrito, pela primeira
vez, os outros acontecimentos históricos, como a batalha de Lepanto (1571),
o fim do cerco de Viena por parte dos turcos muçulmanos (1683) e a insti-
tuição da festa de Maria Auxiliadora dos Cristãos pelo papa Pio VII (1815).
Dom Bosco, porém, certamente estava familiarizado muito antes com esses
acontecimentos; e depois da Revolução Liberal, pôde estabelecer um parale-
lismo entre Pio VII e Pio IX. Ele, com certeza, também viu a importância do
papel de Maria como auxiliadora da Igreja e do Papa, apesar de indicar esse
papel, antes da década de 1860, apenas a Maria, ou a Maria com o título de
Imaculada Conceição.
No almanaque das Leituras Católicas, de 1860, Dom Bosco indicou pela
primeira vez no dia 24 de maio, “[a festa] da Santíssima Virgem Auxiliado-
ra dos Cristãos”. E ampliou a referência na edição de 1861: “A Santíssima
Virgem com o bem merecido título de Auxiliadora dos Cristãos, Auxilium
christianorum”.
Parece, porém, que Dom Bosco não se converteu em paladino da Auxi-
liadora dos Cristãos antes de 1862.
27
Meraviglie della Madre di Dio invocata sotto il titolo di Maria Ausiliatrice, raccolte dal sac. Gio-
vanni Bosco. Turim: Tipografia dell’Oratorio di San Francesco di Sales, 1868. Cf. OE XX, 192-376.
28
MO, 129.
29
MB III, 589s.
612
Aparições em Spoleto
Spoleto é uma cidade antiga e histórica, situada no centro geográfico
da região da Úmbria e da própria Itália. Pio IX fora seu bispo (1827-1832).
Devido à localização, fora mencionada como possível capital da Itália unifi-
cada. Nos inícios de 1860, o calamitoso ano anterior à anexação, o arcebispo
de Spoleto, dom João Batista Arnaldi, dirigiu uma carta pastoral aos fiéis, em
nome dos bispos da região. Nela, expressava a esperança de que “a Mãe da
Misericórdia”, “a guerreira invicta e invencível”, “a Virgem responsável por
todas as vitórias da Igreja”, viesse novamente em auxílio. Pedia aos fiéis que
impetrassem a ajuda de Deus “através da intercessão do Coração Imaculado
de Maria, Mãe de Deus, Auxiliadora dos Cristãos, a Poderosa que humilhou
30
Sobre os acontecimentos de Spoleto e sua ligação com Dom Bosco, ver P. Brocardo,
“L’Ausiliatrice di Spoleto e Don Bosco”. In: L’Immacolata Ausiliatrice. Accademia Mariana Salesiana
III. Turim: SEI, 1955, 239-272; P. Stella, Economia, 155-169, notas.
613
sob seus pés a cabeça rebelde da antiga serpente”.31 Em seguida, houve a ane-
xação e a desordem que se seguiu.
Nos inícios de 1862, a Virgem pintada num quadro na parede de uma
igreja em ruínas em La Fratta, perto de Spoleto, falou a um menino de 5 anos
de idade, chamado Henrique Cionchi. O arcebispo narrou a história num
primeiro comunicado, em 17 de maio, publicado no jornal católico de Turim
L’Armonia, de 27 de maio.
Carta pastoral, citada por P. Brocardo, L’Ausiliatrice, 252. João Batista Arnaldi (1806-1867),
31
614
Sobre uma colina situada em lugar afastado [fora da cidade de Spoleto] uma
antiga imagem da Virgem Maria foi conservada no nicho de uma parede em
ruínas, tudo o que resta de uma antiga igreja ali existente. O afresco, que apesar
de ficar exposto à intempérie, ainda se encontra em bom estado, representa a
Virgem Maria que segura o Menino Jesus nos braços. O lugar ficou abandonado
e esquecido por longo tempo. Mas, nas últimas semanas, o povo tem rezado nesse
antigo santuário, porque a Santíssima Virgem apareceu várias vezes a um menino
chamado Henrique, que ainda não tem 5 anos idade. Depois de 19 de março
de 1862 e de uma cura milagrosa, muitas pessoas vão esse lugar. Um camponês
de 30 anos recorreu à Virgem nessa imagem e foi curado instantaneamente das
enfermidades crônicas que o atormentaram durante muito tempo.32
615
35
João Boggero ao cavalheiro Frederico Oreglia di Santo Stefano, ASC B22; César Chiala
ao cavalheiro Frederico Oreglia di Santo Stefano, ASC A005: Croniche, Chiala, FDB 929 C10-DI;
Ruffino, Cronichette, 1862-1863, 74-76, em ASC A008: Ruffino, Cronichette, FDB 1216 B11-Cl. Cf.
MB VII, 169ss.
36
“Diario mariano, ovvero eccitamenti alla devozione della Vergine Maria Ssma. proposti in
ciascun giorno dell’anno, per cura d’un suo divoto”, Letture Cattoliche 10, 6 (junho), 7 (julho). Turim:
Tipografia G. B. Paravia, 1862, 280 p. A introdução e, talvez, a obra toda foi escrita por Dom Bosco,
cf. F. Desramaut, Don Bosco, 666-667.699, nota 52.
37
Diario mariano, 96.
616
atuaria para livrar o Papa de seus inimigos e esperava que Pio IX coroasse a
Auxiliadora de Spoleto como Pio VII fizera com a Virgem de Savona ao seu
regresso do exílio. Distribuíram-se estampas da Auxiliadora dos Cristãos de
Spoleto. Uma delas trazia a seguinte oração:
Ó Maria, poderoso auxílio dos cristãos, nós nos recomendamos ao teu patro-
cínio. Comprometemo-nos a permanecermos firmes na verdadeira fé até o dia
da nossa morte, como filhos obedientes da Santa Igreja Católica Romana e do
Sumo Pontífice, Vigário de Cristo na terra, mesmo à custa de tudo perder [...].
Uma estampa publicada pela gráfica Marietti, de Turim, trazia uma oração
composta pelo próprio Pio IX, em que se pedia a Deus, por intercessão de Maria
Auxiliadora dos Cristãos, a graça da fortaleza “em meio a todas estas agressões”.
Uma espécie de euforia e a crença de que chegara “a hora de Maria” in-
vadiram o clero e os leigos católicos. Maria aparecia no centro da Itália para
resgatá-la das forças anticlericais e revolucionárias. Assim escrevia em novem-
bro La Buona Settimana, de Turim:
A Virgem Maria manifestou sua presença através desta bela imagem mi-
lagrosa num lugar que é o centro, não só da arquidiocese de Spoleto, não
só da Úmbria, mas o que é mais importante, da própria Itália. Deve ser
esta, portanto, a vontade manifesta de Deus e da Santíssima Virgem. Ao
aparecer de maneira milagrosa no próprio coração da nação nestes tempos
calamitosos, a Virgem manifesta a todos que se assentou ali para defendê-
-la, protegê-la e oferecer seu auxílio em todas as suas necessidades tempo-
rais e espirituais.38
38
Relatório de dom Arnaldi, de 26 de junho de 1862, citado em La Buona Settimana 7 (23-29
de novembro de 1862), 383. In: P. Stella, Spiritualità, 164-165; Id., Economia, 157. Quase idêntico a
L’Osservatore Romano (31 de maio de 1862). Cf. P. Brocardo, Maria Ausiliatrice: la Madonna di Don
Bosco, in La Madonna dei tempi difficili. Accademia Mariana Salesiana XII. Roma: LAS, 1980, 105.
39
L. Maini, Manifestazione [...] di Maria Santissima nelle vicinanze di Spoleto [...] (Turim:
Marietti, 1862, 55-57), citado em P. Stella, Economia, 158-159, nota 84.
617
40
Sétimo relatório de dom Arnaldi, em Unità Cattolica (6 de agosto de 1864), citado por
P. Brocardo, Madonna di Don Bosco, 105.
41
G. Bosco, Meraviglie, 5-6.
618
619
Sobre o processo do projeto e construção da igreja, ver MB VII, 465ss; VIII, 171ss; IX, 104s; 136s.
42
43
MB VII, 334s. Nesse período, o Oratório era objeto de uma investigação oficial e a casa
sofrera várias advertências.
620
dos Cristãos”. Assinalava, também, que, embora grande, seria simples e sem
pretensões, tendo mudado de ideia ao dar instruções ao arquiteto.44
Barberis, em sua crônica, narra como Dom Bosco comunicou a ob-
tenção da permissão de construção e a aprovação do título “Auxiliadora
dos Cristãos”:
44
Ver a carta circular de Dom Bosco de 1o de fevereiro de 1863 em Epistolario I Motto, 550-551.
45
G. Barberis, Cronaca autografa, 26 de junho de 1875. Anotações II, 23-24. FDB C1-2.
621
O terreno, conhecido mais tarde como o “Prado dos Sonhos”, era iden-
tificado por Dom Bosco com o campo visto no sonho de 1844. Neste so-
nho, a Virgem mostrara-lhe o local da morte dos santos mártires no qual se
A rua, na verdade, estava no meio do caminho, pois o projeto era de uma edificação maior do
46
que o terreno podia acolher. Em janeiro de 1865, depois de Dom Bosco fazer um complicado acordo
com a viúva senhora Bellezza (Maria Teresa Novo) para que sua casa tivesse um novo acesso, a rua
Giardiniera foi fechada e passou a ser propriedade do Oratório. A administração da cidade também re-
desenhou a rua Cottolengo em fevereiro de 1866, conseguindo-se espaço para a parte frontal da igreja.
47
MB VII, 372ss.
622
erguia uma grande igreja,48 mais tarde identificada com a igreja de Maria
Auxiliadora dos Cristãos. Dessa forma, a igreja de Maria Auxiliadora
adquiriu um caráter sagrado como local do martírio e pôde invocar uma
“pré-história sobrenatural”.
Nas Memórias do Oratório, Dom Bosco relata o sonho que teve no se-
gundo domingo de outubro de 1844, quando estava para deixar o Colégio
Eclesiástico. Sonhou que a Pastora o conduzia através de diversas fases de
uma peregrinação, enquanto animais selvagens iam se transformando em
cordeiros, até chegar a um campo cultivado. Ali, ele viu uma grande igreja à
sua frente.49 Barberis relata o mesmo sonho baseando-se na narração ouvida
de Dom Bosco quando os dois voltavam de uma visita a alguns benfeitores.
Na versão de Barberis, a Senhora mostrava a Dom Bosco diversas igrejas; e,
num campo cultivado, indicou-lhe o lugar do martírio dos Santos [Solutor],
Aventor e Otávio, indicando-o com o pé. Nesse lugar, ele viu a igreja diante
dele. Dom Bosco acrescentou diversos comentários sobre a construção da
igreja, incluindo a recompra do terreno dos rosminianos.50
Entretanto, a igreja que, finalmente, foi construída em terra santa não
seria dedicada aos santos mártires, mas a Maria Auxiliadora dos Cristãos. Só
retrospectivamente a igreja do sonho foi identificada como “a de Maria Au-
xiliadora dos Cristãos”. Contudo, manteve seu caráter simbólico e religioso,
apoiado não tanto no fato de ser erguida, supostamente, num local de martírio,
quanto no fato de a Senhora do sonho, invocada agora como Auxiliadora dos
Cristãos, ter fama de milagrosa e dispensadora de graças em sua igreja. Esta se
converteu em lugar de peregrinação. A igreja de Maria Auxiliadora teve, então,
origem sobrenatural, assim se crê, e um caráter sagrado permanente.
48
Os mártires Solutor, Aventor e Otávio foram, segundo a legenda, soldados da Legião Tebana.
A biblioteca de Dom Bosco, reunida posteriormente, conservava vários volumes sobre eles. Na época
do sonho, seus conhecimentos sobre a história/legenda desses mártires eram pouco precisos. Em sua
História da Igreja (1845), fala deles com imprecisão. Mais tarde, no “Pontificado de São Marcelino e
São Marcelo” (Leituras Católicas 13:2, abril de 1864) apresenta um relato mais elaborado. Posterior-
mente, o cônego Gastaldi pesquisou a pedido de Dom Bosco e publicou uma extensa história dos
mártires (Leituras Católicas 14:1, janeiro de 1866). Padre Gastaldi acreditava que esses soldados cristãos
sofreram o martírio nos arredores, quando não mesmo dentro da propriedade do Oratório. Não há
evidência histórica que corrobore nem mesmo a existência dos mártires, muito menos que identifique
o lugar do martírio. Dom Bosco, entretanto, acreditou na sacralidade do lugar. O certo é que, tentando
encontrar uma base para seu apostolado em 1844, sonhou uma igreja que devia ser construída nesse
lugar como parte da sua missão.
49
MO, 133ss, sonho de 1844.
50
Padre Barberis é a fonte de todo o tema da negociação de Dom Bosco com os rosminianos
sobre o terreno; ali também ele conta o sonho de 1844. Cf. MB II, 296ss, onde Lemoyne dá um novo
contexto que se diferencia da sua fonte, Barberis, e da sua própria transcrição nos Documenti.
623
624
625
626
627
628
52
MB IX, 583s.
629
O desenho, que Lemoyne afirma ter visto, não chegou até nós e, em
todo caso, não chegou a ser executado. É o que se pode falar sobre a tão
comentada “data misteriosa”. Será preciso ter em conta que o aumento da
devoção a Maria Auxiliadora dos Cristãos na década de 1860 acompanhava
a expectativa de que Maria fosse intervir para derrotar os inimigos da Igreja e
derrubar o Estado liberal e laico. Circulavam em almanaques algumas profe-
cias de videntes nesse sentido.
Características do edifício
Em maio de 1868, o interior da igreja estava concluído53 com simples
estuque e pintura; contudo, algumas características de interesse artístico e
decorativo merecem ser assinaladas.
O retábulo sobre o altar-mor, que domina totalmente o interior, é um
grande quadro de Maria Auxiliadora dos Cristãos, obra do pintor Tomás
Lorenzone, segundo um detalhado esquema apresentado por Dom Bosco.
A imagem da Virgem segura o Menino Jesus e surge rodeada pelos apósto-
los e santos sobre a cidade de Turim e o Oratório.54
Além do altar-mor, ricamente elaborado e decorado, há outros 4 alta-
res de mármore nas capelas laterais, com balaustradas de mármore e pisos
de mosaico. São dedicados a São José, São Pedro, aos Sagrados Corações de
Jesus e de Maria, mais tarde dedicado a São Francisco de Sales, e a Santa
Ana, apesar de esta capela ser localizada sobre o terreno assinalado como
lugar do martírio.
A porta entalhada, a entrada e o púlpito são obras do arquiteto An-
tônio Spezia.
O coro, sobre a entrada, com dois pisos capazes de acolher um coral de
300 cantores e sustentado por colunas esculpidas, foi obra, e doação, de um
53
Detalhes em MB IX, 198ss.
54
Diz-se que, em vista da elaboração da imagem de Maria para o grande retábulo, Dom Bosco
tomou como modelo a estátua de Maria Auxiliadora venerada na igreja de São Francisco de Paula, em
Turim, que lhe era familiar. É possível; mas Dom Bosco também estava familiarizado com a tradição ico-
nográfica da Hodegetria (Auxiliadora dos cristãos) da igreja Oriental. Hodegetria (Auxiliadora), derivado de
hodos, hodegéo (caminho, caminhar), significa “aquela que guia, acompanha, ajuda no caminho”. O ícone
é um entre outros: Eleousa (Virgem Misericordiosa) ou Glykofilousa (Mãe do sublime amor). Nesse ícone,
a Virgem e o Menino são vistos de frente (olhando para o espectador). A Virgem segura o Menino, em
geral, com a mão esquerda, e o indica com a direita. O Menino tem o rolo do Evangelho na mão esquerda
e, com a direita, simboliza a Trindade. Neste ícone, a posição e a atitude, as palavras abreviadas, a cor da
roupa e outros símbolos, mostram a Virgem como Mãe de Deus, que oferece e indica Jesus Cristo, nossa
salvação. A imagem de Dom Bosco repete, essencialmente, o modelo da Hodegetria, embora não se tenham
conservados os símbolos teológicos bizantinos e tenham sido acrescentados outros elementos de devoção.
630
A consagração
O arcebispo de Turim, dom Riccardi di Netro, consagrou a igreja em
9 de junho de 1868. Para a ocasião, vieram os alunos das escolas salesianas
de Mirabello e Lanzo. Vários concertos musicais foram apresentados, diri-
gidos pelo padre João Cagliero e outros compositores. Os coroinhas deram
esplendor às funções religiosas, dirigidas pelo padre José Bongiovanni. Dom
Bosco publicou um relato das celebrações em Lembrança de uma solene cele-
bração em honra de Maria Auxiliadora.55
Pio IX, em carta pessoal a Dom Bosco, escreveu ser disposição divina
que “enquanto os ímpios renovaram uma guerra cruel contra a Igreja católica,
enaltecia-se com novas honras a celestial Senhora com o título de Auxiliadora
dos Cristãos”.56
55
“Rimembranza di una solennità in onore di Maria Ausiliatrice”, Letture Cattoliche 16:11
(novembro de 1868), 12 (dezembro de 1868).
56
Ver MB IX, 357s.
631
Como Fundador
Além de entronizar Maria Auxiliadora dos Cristãos como centro da
Sociedade Salesiana para acompanhá-la em seu itinerário histórico, Dom
Bosco, em resposta às necessidades, converteu-se no apóstolo de Maria
Auxiliadora mediante a fundação de instituições criadas especificamente
com esse título.
O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora (salesianas) é seu principal
exemplo; foi fundado em 1872 por Dom Bosco em colaboração com Maria
Domingas Mazzarello. Essa congregação religiosa desenvolveu-se a partir do
grupo de algumas jovens, as Filhas de Maria Imaculada, que já viviam como
religiosas no mundo e participavam de obras de caridade. Domingos Pesta-
rino, padre que atuava na pequena cidade de Mornese, reunira o grupo em
1854, sob a guia da professora da escola local, Ângela Maccagno, e a direção
do padre José Frassinetti, reitor da igreja de Santa Sabina, em Gênova. Dom
Bosco teve o primeiro contato com o grupo de Mornese em 1864, dois anos
depois dos acontecimentos de Spoleto, quando a “década de Maria Auxilia-
dora dos Cristãos” já estava em marcha e a igreja de Maria Auxiliadora, em
construção. A fundação foi levada a cabo entre 1870 e 1872, depois da con-
sagração da igreja de Maria Auxiliadora dos Cristãos.
Outros exemplos são a Obra de Maria Auxiliadora, uma associação de
salesianos cooperadores que cuidavam de vocações adultas (Filhos de Maria),
criada em 1875, e a Arquiconfraria dos Devotos de Maria Auxiliadora, com
sede na mesma igreja, fundada em 1869.
632
57
O Sub tuum praesidium faz parte dos exercícios do Mês de maio, de 1858. Para a festa de
Maria Auxiliadora dos Cristãos, no Calendário Mariano de 1862, recomenda-se dizer a oração 5 vezes.
Com ela, começa a Bênção de Maria Auxiliadora.
58
MB IX, 477s.
59
OE XXXVIII, 240-242. Para o texto latino, ver MB XIII, 956ss e, mais adiante, no Apêndice
deste capítulo.
633
60
MB XVII, 310, nota 3. Dom Bosco enviou esta oração a dom Cagliero, que estava na Argentina,
sugerindo-lhe que a musicasse, coisa que não pôde fazer pessoalmente. Em 1918, no 50o aniversário da
consagração da igreja de Maria Auxiliadora, o já então cardeal Cagliero fez com que o texto fosse musica-
do pelo padre João Pagella, grande compositor salesiano.
634
635
6. Conclusão
O entusiasmo despertado pelos acontecimentos de Spoleto só sobrevi-
veu na década dos anos sessenta e não foi além da tomada de Roma em 1870.
Passou-se, também, pouco tempo para que Dom Bosco abandonasse a esca-
tologia mariana vinculada à situação político-religiosa da época.
67
Apparizioni della Beata Vergine sulla montagna di La Salette con altri fatti prodigiosi raccolti dai
pubblici documenti, pel sacerdote Giovanni Bosco. Turim, 1871, em OE XXII, 401-492. Reeditado em 1877.
68
Maria Ausiliatrice col racconto di alcune grazie ottenute nel primo settennio dalla consacra-
zione della Chiesa a Lei dedicata in Torino, per cura del sacerdote Giovanni Bosco. Turim: Tipografia
dell’Oratorio di San Francesco di Sales, 1875, em OE XXVI, 304-624. Reeditado em 1877.
636
637
O SONHO DE 1844
Texto
Narração de Dom Bosco Relato de Barberis
nas Memórias do Oratório 69 segundo outra narração de Dom Bosco70
[Introdução do padre Barberis]
Em 2 de fevereiro de 1875 eu caminhava com Dom
Bosco de volta ao Oratório de Borgo San Salvario.
Estávamos sozinhos. Entre outras muitas coisas,
contou-me o seguinte sonho. Disse que era o pri-
meiro que se referia à Congregação, e era o mais
longo, pois durou a noite toda. Acrescentou que
nunca relatara o assunto a ninguém. Eu era o pri-
meiro a sabê-lo.
[Narração de Dom Bosco] [Narração de Dom Bosco]
[Introdução] [Introdução]
No segundo domingo de outubro daquele ano Corria o ano de 1844. Eu devia deixar o Colégio
(1844) devia anunciar aos meninos que o Ora- Eclesiástico de São Francisco de Sales [Convitto
tório ia mudar-se para Valdocco. Mas a incer- Ecclesiastico] e ir ao Refúgio obra da marquesa
teza do lugar, dos meios, das pessoas deixava- Barolo] para viver com o teólogo Borel. Estava
-me muito preocupado. Na tarde anterior fui realmente preocupado pelos [o que devia fazer
dormir com o coração inquieto. Tive naquela com] meus jovens, que iam à instrução religiosa
noite outro sonho, que parece um apêndice do [ao Oratório] aos domingos e dias festivos. Não
que tive nos Becchi aos 9 anos. Julgo oportuno sabia se devia abandoná-los ou continuar a cuidar
contá-lo em pormenores. deles. Meu desejo era continuar com [a obra d]
os Oratórios, mas não via como poderia fazê-lo.
No último domingo que ia permanecer no Colé-
gio Eclesiástico devia comunicar aos meus jovens
que já não poderiam reunir-se ali, como o faziam
habitualmente. De fato, eu estava duvidando se
devia dizer-lhes que não fossem a nenhum lugar,
pois o oratório terminava, ou se devia indicar-lhes
um novo lugar aonde podiam reunir-se.
69
Cf. MO, 133ss.
70
J. Barberis, Cronichette: ASC A0020102.
638
639
640
641
642
Comentário
Há, portanto, duas narrações distintas do mesmo sonho de 9 de outu-
bro de 1844. Ele se deu quando Dom Bosco estava para deixar o Colégio
Eclesiástico para trabalhar como capelão nas instituições da marquesa Barolo.
Sua perplexidade surgiu porque não conseguia compreender como, nessas
circunstâncias, poderia continuar seu trabalho com os jovens (o Oratório).
Os dois textos são muito diferentes, embora as descrições do sonho con-
cordem no essencial. A narração de Barberis, mais ampla, descreve a cena adi-
cional da Virgem que indica o lugar da morte dos santos mártires e da grande
igreja que se ergueria nesse lugar. Cita outros comentários de Dom Bosco sobre
a aquisição do terreno e o edifício da igreja e menciona um monumento. Evi-
dentemente não podia ser um monumento em honra de Dom Bosco. De fato,
diz-se que ele falou: “Vou esperar e ver se isso se realiza”. Todavia, os Ex-Alunos,
que em 1920 dedicaram o magnífico monumento a Dom Bosco no centro da
praça, bem poderiam ter querido realizar o profético sonho de Dom Bosco.
643
[Et personam benedicendam aspergit aqua bene- [O sacerdote asperge a pessoa que recebe a bênção
dicta] com água benta]
Taurin. [Para a diocese de] Turim.
Sacra Rituum Congregatio, utendo faculta- Esta Sagrada Congregação dos Ritos, pelas
tibus sibi specialiter a Sanctissimo Domino faculdades especiais recebidas de Sua San-
Nostro Leone Papa XIII tributis, ad enixas tidade o papa Leão XIII, aceita o pedido do
preces rev. Domini loannis Bosco, rectoris reverendo padre João Bosco, reitor da igreja
ecclesiae ac sodalitatis Beatae Mariae Virginis e da confraria da Santíssima Virgem Maria,
sub titulo Auxilium Christianorum in civitate Auxiliadora dos Cristãos. Em seguida, depois
Taurinensi, suprascriptam benedictionis for- de um cuidadoso exame, aprova-se o texto da
mulam, antea a se rite revisam, approbavit at- bênção ritual como acima, para uso na igreja
que in usum praefatae Ecclesiae et Sodalitatis anteriormente mencionada e para a confraria
benigne concessit. Die 18 Maii 1878. antes mencionada. 18 de maio de 1878.
Th. Ma Card. Martinelli, S. R. C. Praef. T. M. Card. Martinelli, Prefeito da S. C. R.
Plac. Ralli, S. R. C. Secr Placidus Ralli, Secretário da S. C. R.
644
1. Questões introdutórias
As biografias populares de Dom Bosco dão poucas informações sobre a
sua atuação como mediador entre a Igreja e o Estado na Itália, na época de
seu afastamento recíproco por causa da Revolução Liberal, a unificação da
Itália e a conquista de Roma. Contudo, existem testemunhos dessa atividade
mediadora durante uns vinte anos (1858-1878), que apresentam uma carac-
terística extraordinária na vida do humilde e “politicamente não envolvido”
padre de Valdocco.
1
Já se mencionou a atuação de Dom Bosco, em 1858-1859, como mensageiro numa troca de
cartas entre a Santa Sé e o governo de Cavour no caso Fransoni. Estas negociações que acabaram fracas-
sando eram destinadas a resolver o problema da diocese de Turim, cujo arcebispo, dom Luís Fransoni,
vivia exilado em Lyon, desde 1850.
645
2
O Exequatur era a autorização assinada pelo rei e entregue ao novo bispo depois da apresenta-
ção da Bula pontifícia de sua nomeação. Reconhecia-lhe a capacidade de exercer jurisdição na diocese,
dispor de seus recursos e receber subsídios. A bula de nomeação era um documento emitido pela Da-
taria apostólica, órgão da Santa Sé, que confirmava a nomeação episcopal. Havia diversas bulas: uma
dirigida ao clero, outra, ao capítulo da catedral e outra, ao próprio bispo eleito.
3
Coleção Berto, em ASC A026: Vescovi, FDB 788 C2. Nas páginas seguintes, padre Berto
indica alguns testemunhos de salesianos que estiveram próximos de Dom Bosco nessa época.
646
Contexto político
Depois das várias guerras pela independência da Itália e dos sucessivos
levantes nacionalistas em várias regiões dos Estados italianos, a Itália ficou
parcialmente unificada em 17 de março de 1861, quando o Parlamento e o
Senado votaram e proclamaram Vítor Emanuel II como primeiro rei da Itá-
lia. Em 23 de março de 1861 foi formado o primeiro gabinete da nova nação
tendo o conde Camilo Benso de Cavour como primeiro-ministro. Imedia-
tamente veio à luz a “questão romana”: a unificação da Itália só poderia ser
considerada completa quando Roma fosse sua capital. O objetivo, portanto,
devia continuar a “libertação” de Roma, que seria realizada com a concor-
dância da França. Devia ser realizada sem detrimento da liberdade espiritual
e da independência do papado, e a Itália deveria garanti-lo perante o mundo.
Esta política deveria ser um exemplo do princípio liberal: “Uma Igreja livre
num Estado livre”.
4
F. Motto, L’azione 252, notas 2 e 3. Motto diz ter consultado várias seções do Arquivo
Secreto Vaticano e o Arquivo Histórico do Ministério [italiano] dos Assuntos Exteriores; menciona,
também, um bom número de historiadores: P. Pirri, R. Aubert, G. Martina, entre outros.
647
5
É útil conhecer a caótica sucessão de primeiros ministros: Bettino Ricasoli, junho de
1861-março de 1862. Urbano Rattazzi: março-dezembro de 1862. Luís Carlos Farini: dezembro de
1862-março de 1863. Marcos Minghetti: março de 1863-setembro de 1864. Afonso La Marmora:
setembro de 1864-dezembro de 1865. La Marmora II: dezembro de 1865-junho de 1866. Ricasoli II:
junho de 1866-abril de 1867. Rattazzi II: abril-outubro de 1867. Luís Frederico Menabrea: outubro-
-dezembro de 1867. Menabrea II: janeiro de 1868-maio de 1869. Menabrea III: maio-novembro de
1869. João Lanza: dezembro de 1869-junho de 1873. Minghetti II: último governo de “direita”, julho
de 1873-18 de março de 1876. Em 1876, o governo passou às mãos da esquerda liberal radical. Estes
políticos seguiam o pensamento republicano de Mazzini e do Partido da Ação, de Garibaldi; com o
tempo, adquiriram tendências socialistas.
6
Ch. Duggan, History of Italy 135; Sussidi 1, 89-90.
7
A “Convenção de Setembro” (15 de setembro de 1864) tentava resolver a questão romana. A
França retiraria sua guarnição de Roma em dois anos, permitindo assim a reorganização do exército pa-
pal, enquanto a Itália respeitaria a integridade dos territórios papais. A Itália levaria a capital de Turim
para Florença e renunciaria a Roma.
648
8
Cf. Sussidi 1,86; MB VI, 855s; 532ss.
9
L’Unità Cattolica, 4 de abril de 1865, em F. Motto, L’azione, 264.
649
2. A “missão Vegezzi”
No verão de 1864, Pio IX convidou o rei Vítor Emanuel II a iniciar nego-
ciações para atenuar a crise religiosa.11 Contudo, a Convenção de Setembro, re-
jeitada pelo Papa, as condenações subsequentes na encíclica Quanta Cura e no
Syllabus, e o conservadorismo rígido dos círculos da cúria e da imprensa clerical
impediram qualquer progresso. Apesar de não aceitar a “reconciliação”, Pio IX
sentiu-se pessoalmente inclinado a buscar algum tipo de aproximação pelo bem
da vida religiosa do povo. Acreditava que era o momento favorável para resolver
a questão das dioceses vacantes, mesmo porque o governo Minghetti (1863-
1864), apesar de alguns retrocessos, parecia basicamente moderado.
F. Motto, L’azione, 264; Desramaut, Don Bosco, 518. As 8 dioceses vacantes no Piemonte eram
10
Alba, desde 1853; Alessândria, desde 1854; Aosta e Asti, desde 1859; Fossano, desde 1852; Vigevano,
desde 1859; Turim, desde 1862, embora dom Fransoni estivesse exilado desde 1850; Saluzzo, desde 1864.
Cúneo, desde 1865. Cf. F. Motto, L’azione, 268, e nota 27, que cita La Civiltà Cattolica XVI (1864), 373.
11
F. Motto, L’azione, 265.
650
MB VIII, 62s. Isso é confirmado pelas cartas do padre Manacorda a Dom Bosco, sete delas
12
conservadas no Arquivo Central Salesiano (ASC A143: Lettere a Don Bosco, Manacorda, FDB 1534
A9-C3), concretamente a de 8 de outubro de 1864 (FDB 1534 A12). Motto, L’azione 266-268, trata
detalhadamente do papel de Manacorda. Antes de ser nomeado bispo de Fossano, por sugestão de
Dom Bosco, era para ele seu “homem em Roma”.
13
Ver as cartas de Dom Bosco a La Marmora, em 1852, 1856 e 1858, em Epistolario I Motto,
144, 303, 363. Em carta de 9 de agosto de 1865 ao ministro Lanza, do Interior (Epistolario II Motto,
155), Dom Bosco oferece-se para receber 100 órfãos do cólera. Com outra carta anterior, de 12 de
junho de 1860, ao ministro da Educação, Dom Bosco incluiu uma carta do ministro Lanza, escrita
apoiando a escola do Oratório (Epistolario I Motto, 409).
14
F. Motto, L’azione, 269-270, citando o original do Arquivo Secreto Vaticano.
651
15
F. Motto, L’azione, 270, fala de um convite enviado por telegrama. Contudo, o original em
ASC A145: Cartas a Dom Bosco, Veglio, FDB 1,587 B3, não conserva o formato de telegrama. Nem
traz o preâmbulo “Ministro do Interior”, como Lemoyne alega em seus Documenti (Documenti IX) e
nas Memórias Biográficas (MB VIII, 66). O convite diz: “Turim, 17 de março de 1865. Por ordem do
ministro, aquele que assina abaixo, pede uma entrevista com o senhor, reverendo e mui estimado padre.
Se o senhor aceitar, venha ver-me, por favor, durante as horas de escritório, caso lhe convenha. Seu
fielmente, Veglio”. Embora a capital já tivesse sido transferida a Florença (3 de fevereiro de 1865), os
escritórios governamentais ainda funcionavam em Turim.
16
Cf. F. Motto, L’azione, 262-275.
17
Vítor Emanuel II a Pio IX, Turim, 4 de abril de 1865, em F. Desramaut, Don Bosco, 693.
Xavier Vegezzi (1805-1888), advogado turinense, fora senador desde os anos quarenta e ministro das
Finanças no terceiro governo Cavour (1860).
18
Dom Bosco a Pio IX, 30 de abril de 1863, em Epistolario II Motto, 129.
652
19
C. M. De Vecchi Di Val Cismon, Le Carte di Giovanni Lanza. Vol. VIII: 1872-julho de
1873, Turim, 1939, citado por F. Motto, L’azione, 273.
20
Ver “Vegezzi, Saverio”. In: Enciclopedia italiana. Treccani, Vol. XXXV, 7-8.
653
3. As negociações Tonello
(dezembro de 1866-junho de 1867)
Embora entre movimentos hostis e contra-ataques, continuavam as ini-
ciativas para retomar as negociações e preencher as sedes episcopais vacantes.
Todos sentiam a urgência de resolver esse assunto pelo bem do povo.
Com a declaração de guerra da Itália contra a Áustria, em 20 de junho
de 1866, o general La Marmora, primeiro-ministro italiano, demitiu-se
para assumir o comando das forças armadas na linha de frente; foi imedia-
tamente substituído pelo conde Bettino Ricasoli. La Marmora já procurara
aliviar a situação, permitindo, por recomendação de Vegezzi, o regresso do
envelhecido arcebispo Marongiu à sua diocese de Cagliari, na Sardenha.
Ricasoli começou a buscar soluções para o espinhoso tema da nomeação
de bispos.
Suas cartas demonstram o desejo sincero de “permitir o regresso pacífi-
co de muitos bispos às suas dioceses e de muitos párocos às suas paróquias” e
são prova da sua decisão de trabalhar para consegui-lo. Era preciso um gesto
da parte da Santa Sé, que chegou quando Pio IX fez saber que “com satisfa-
ção receberia qualquer pessoa enviada [pelo governo italiano] para discutir
as importantes questões religiosas”.21
21
F. Motto, L’azione, 277-278, cita cartas e outros documentos de Ricasoli. Ricasoli não acre-
ditava que solucionar a questão das sedes vacantes resolveria a “questão romana”, mas pensava que seria
um bom caminho para consegui-lo. Equivocava-se. A Santa Sé sempre manteve que nomear bispos era
um assunto puramente religioso que devia ser enfrentado pelo bem do povo. Os governantes, mesmo
os mais bem-dispostos, tendiam a politizar a questão. Pio IX várias vezes procurara resolver os proble-
mas religiosos mediante negociação. Mas, como fica claro na alocução, não estava disposto a aceitar um
acordo político para Roma ou para o que restava dos Estados Pontifícios.
654
A “missão Tonello”
Em 1o de dezembro de 1866, o governo italiano enviou a Roma como
seu representante o professor Michelangelo Tonello, acompanhado de um
auxiliar e com uma carta de apresentação do rei Vítor Emanuel II a Pio IX.
A missão não teve, em absoluto, um início fácil. A lei de supressão das
corporações religiosas estava sendo posta em prática em toda a Itália, por mais
que o primeiro-ministro Ricasoli procurasse suavizar a aplicação de suas dis-
posições mais duras. A ocupação da maior parte dos Estados Pontifícios, con-
siderada como “usurpação”, e o temor de uma solução “pela força”, da questão
romana, estando para partir o último contingente da guarnição francesa, não
eram as condições mais adequadas para inspirar confiança em Roma. A esta
incerteza deve-se acrescentar o fato de as conversações terem começado com
recriminações recíprocas pelo fracasso da missão anterior de Vegezzi. Além
disso, Tonello não fora devidamente acreditado perante a Santa Sé e não podia
ser considerado enviado oficial. Mas, apesar dos obstáculos iniciais, impôs-se
na agenda a gravidade e urgência do assunto; e, visto o encaminhamento das
negociações, podia-se perceber uma nova atmosfera nas conversações.
Bastem alguns exemplos do novo “espírito de colaboração”. O governo
percebera a necessidade de permitir que “os bispos retornassem às suas dioce-
ses, e os padres, às suas paróquias”. À medida que as conversações progrediam,
o governo mostrava-se disposto a modificar consideravelmente a própria po-
sição. Assim, embora “como representante da laicidade” continuasse a reivin-
dicar o direito de apresentar candidatos para a nomeação episcopal, já não
o fazia formalmente, ao menos em relação às dioceses dos antigos Estados
Pontifícios; e estava disposto a renunciar ao juramento político de lealdade dos
bispos. O Exequatur seria necessário apenas para os bens materiais e não mais,
por exemplo, para a jurisdição eclesiástica do bispo. Não continuaria a pedir a
redução do número de dioceses, apesar de ainda acreditar que fosse necessária.
Enfim, sem ceder na questão da supressão de corporações religiosas e do con-
fisco de seus bens, considerada uma exigência da nova ordem social, Tonello
pôde garantir ao cardeal Antonelli que o governo a usaria com “moderação”.
655
Bosco tinha informações sobre as conversações que viriam. Poucos dias de-
pois da nomeação de Tonello, Dom Bosco foi a Florença, então capital do
reino; chegou no dia 11 ou 12 de dezembro e hospedou-se no arcebispado.22
Padre Berto, secretário de Dom Bosco, afirma que foi a Florença a pedido do
primeiro-ministro Ricasoli.
Em 1867, o [primeiro] ministro Ricasoli chamou Dom Bosco a Florença,
com o objetivo de obter que fosse ao Papa, a título privado, para o assunto da
nomeação de bispos. Na Itália, nesse momento, mais de cinquenta sedes dio-
cesanas estavam vacantes. O próprio Dom Bosco escrevera ao [primeiro] mi-
nistro pedindo-lhe que tomasse medidas para eliminar a causa de tanta dor.23
656
Foi isto o que aconteceu. Ao saber que Dom Bosco estava em Florença e
desejando conversar com ele, Ricasoli, que então era ministro, chamou-o ao
palácio do governo. Queria pedir sua ajuda nas negociações para a nomeação
de bispos, pois sabia que Dom Bosco mantinha boas relações com Pio IX.
Dom Bosco foi [ao palácio]; ao entrar no escritório, disse ao ministro: “Creio
que Vossa Excelência sabe quem é Dom Bosco; eu sou, primeiro e antes de
tudo, católico”. “Sim, sim”, respondeu o ministro, “sabemos que Dom Bosco
é mais católico do que o próprio Papa”. O ministro explicou qual era a sua
intenção e pediu-lhe que se pusesse em contato com o com. Tonelli [sic], que
era o negociador [do governo] em Roma.27
657
F. Desramaut, Don Bosco, 713-714, mostra-se mais cético. Considera o encontro, ao menos,
30
como provável, mas “desconhecemos o conteúdo da conversação, particularmente até que ponto se
tocou no tema da missão de Tonello”. Além disso, a famosa afirmação “sendo padre”, embora autêntica
em si mesma, é considerada espúria e atribuída nas Memórias Biográficas a outras circunstâncias.
31
F. Motto, L’azione, 281-282.
658
32
MB VIII, 590ss.
33
As cartas do padre Francésia chegaram-nos apenas em cópia e não íntegras. Suas memórias
(Giovanni Battista Francesia, Due mesi con Don Bosco a Roma. Turim: Libreria Salesiana, 1904) foram
escritas uns trinta e sete anos depois. Padre Francésia não foi parte integrante das negociações; durante
a permanência em Roma, foi deixado praticamente sozinho. As negociações eram feitas na mais estrita
confidencialidade; nem uma palavra foi filtrada à imprensa; é improvável, portanto, que Dom Bosco
pusesse em risco as negociações revelando o que sabia ao padre Francésia. Este era um poeta dotado
de imaginação ingênua e fértil. Todos estes elementos enfraquecem a força de seu testemunho. Ver F.
Desramaut, Don Bosco, 724, nota 20.
34
MB VIII, 595.
659
Dom Bosco precisou ir e vir dos negociadores ao Papa, até que se chegou
a um acordo. Segundo as Memórias Biográficas, sua participação foi uma das
principais, aparecendo claramente como mediador e árbitro. Contudo, a re-
flexão de Lemoyne foi questionada. O testemunho do padre Francésia, sobre
o qual Lemoyne baseia seu relato, é questionado por diversas considerações
críticas. Além disso, é duvidoso o citado telegrama de Ricasoli a Tonello,
dando-lhe instruções para entrar em contato com Dom Bosco. De fato, pa-
rece ter sido uma dedução tardia de Lemoyne. Não se conservam nem o
original nem uma cópia, e nem Francésia nem os Documenti fazem qualquer
referência a ele.36
Motto admite não ser possível determinar o alcance ou a contribuição
exata da mediação de Dom Bosco. Mas dá crédito aos relatórios de Francésia
e Lemoyne sobre o fato básico, ou seja, que Dom Bosco esteve bastante en-
volvido. Contra os que duvidam ou negam essa mediação, escreve:
Está fora de dúvida, portanto, que Dom Bosco se viu envolvido de al-
gum modo, falou do assunto com Pio IX e com o cardeal Antonelli e apre-
sentou uma lista de candidatos para as sedes do Piemonte. O próprio Tonello
afirma o mesmo em seu relatório ao governo, em 1o de fevereiro de 1867:
35
MB VIII, 594s.
36
F. Desramaut, Don Bosco, 714.742, nota 23. Desramaut critica Motto e G. Martina por
aceitar o testemunho literalmente.
37
F. Motto, L’azione, 283; a obra citada de De Cesare é de 1905. Mais adiante, F. Motto,
L’azione, 284, nota 78, apresenta as razões a favor da credibilidade do padre Francésia.
660
661
41
G. B. Francésia a C. Durando, 4 de fevereiro de 1867, em MB VIII, 759.
42
F. Motto, L’azione, 292-295.
662
A situação em que se encontra o bispo [João Antônio] Balma merece uma aten-
ta consideração. Este digno prelado é considerado merecidamente um santo.
Testemunha-o sua vida pessoal e pública. Durante os últimos vinte anos, ele
trabalhou incansavelmente pelas dioceses vacantes, sem evitar nem o cansaço
das viagens, nem as penosas visitas aos departamentos governamentais. Apesar
disso, seu nome não aparece em nenhuma lista de candidatos. Isso deixou uma
impressão ruim e começaram a correr mil vozes. Por outro lado, encontra-se
em dificuldades econômicas, e sobrevive graças a contribuições livres de pessoas
boas e caridosas. Por favor, examine este assunto e faça o possível por uma pes-
soa que é considerada por todos piedosa, douta, sábia e zelosa.
Temos aqui muitas pessoas respeitadas pela virtude e que seriam sem dúvi-
da bem-aceitas por todas as autoridades. Entre elas estão [Pedro G.] Salvaj,
vigário-geral de Alba, [Pedro] Garga, vigário-geral de Novara, [João Batista]
Bottino, cônego da catedral de Turim, o cônego [Francisco] Nasi, da mesma.
Mais digno ainda de consideração é o doutor padre [Francisco] Marengo,
professor de Teologia no seminário de Turim [...]. Todas essas pessoas são
totalmente fiéis à Santa Sé.43
663
Por favor, consiga que sua Excelência Menabrea receba a carta anexa. É para
agradecer-lhe pela sua amabilidade. Também há nela uma mensagem confiden-
cial, à qual pode [ele] pedir que o senhor responda, se o considerar necessário.47
664
breve crônica. Ele fala dos convites feitos a Dom Bosco pelo governo e de
uma permanência de Dom Bosco em Florença:
[1868]
Novembro: Dom Bosco recebeu um convite do [primeiro] ministro Mena-
brea. Pede-lhe que vá a Florença para discutir assuntos importantes [...].
[1869]
1o de janeiro: Dom Bosco recebeu dois convites, um presente de Sua Majesta-
de. Há algum tempo recebeu novo convite do Rei para que fosse a Florença.
[...]
7 de janeiro: Dom Bosco reuniu novamente todos os alunos da casa no salão
de estudos para despedir-se. Está de saída para Roma. Comunicou-nos que
deve atender a assuntos muito importantes que seriam de grande benefício
para o Oratório. Pediu-nos que o ajudássemos com nossas orações [...]. Foi a
Florença, onde passou oito dias; de ali viajou para Roma. Sua permanência
em Florença fora para responder ao convite mencionado. Ainda não sabemos
o que fez ali, mas parece que manteve conversações com altos cargos [pessoas
do governo]. Em Roma, evitou aparições públicas, para atender a seus as-
suntos com maior liberdade [...]. Durante a permanência de Dom Bosco na
Cidade Eterna, filtrou-se a notícia de que estava preparando uma nova lista
de bispos para preencher as sedes vacantes.48
48
Rua, Cronaca, em ASC A008: Rua, Cronachette, FDB 1,205 E12-1,206 Al. O uso dos tempos
no passado, 7 de janeiro, poderia indicar que a anotação foi redigida depois dos acontecimentos, de
acordo, provavelmente, com uma narração oral de Dom Bosco. O motivo principal da viagem a Roma
era, para Dom Bosco, tentar novamente que as Constituições Salesianas fossem aprovadas, o que obteve
no dia 1o de março de 1869.
49
O primeiro-ministro Menabrea também era ministro dos Assuntos Exteriores.
665
Acontecimentos políticos
O Concílio Vaticano I foi inaugurado em 8 de dezembro de 1869, na
Basílica de São Pedro em Roma. Continuou com suas deliberações até setem-
bro de 1870 e foi diferido sine die depois da ocupação de Roma pelo exército
italiano. Seus principais documentos foram a Constituição Dei Filius e a Pas-
tor Aeternus; esta última definiu a infalibilidade papal em 18 de julho.
Na frente política, a eleição de membros da esquerda do Parlamento
para postos de direção obrigou o primeiro-ministro Menabrea a renunciar,
supondo a queda de seu gabinete. Em 14 de dezembro de 1869, o primeiro-
-ministro Lanza, que também ocupou o Ministério do Interior, formou um
50
Domenico Verda a Frederico Oreglia di Santo Stefano, 10 de janeiro de 1869, em MB IX, 482.
51
MB IX, 483.
666
667
53
MB X, 184ss.
54
Dom Bosco a Tomás Uguccioni-Gherardi, Turim, 21 de junho de 1871: “Viajarei para Roma
pela manhã. Em Florença farei uma parada de duas horas, esperando [o trem], ou seja, das 7h35 às 10
pm. Ao meu regresso, Deus queira, ficarei um par de dias e farei uma visita ao senhor e à sua família”
(Epistolario III Motto, 341-342).
668
669
reunido. Limita-se a supor que foi preciso um espaço de tempo mais flexí-
vel.55 Desramaut, entretanto, nega que a entrevista com Lanza tenha ocorrido
alguma vez. Seria uma variação literária da reunião acontecida em setembro
seguinte.56 Amadei tomou a história da suposta reunião em Florença, já ima-
ginada, dos Documenti de Lemoyne.57
De Lanzo, Dom Bosco, assistido pelo padre Francésia, viajou para Nizza
Monferrato onde foi hóspede da condessa Corsi em sua retirada casa de cam-
po. A condessa costumava passar ali o tempo de verão e outono com a família
de seu cunhado, conde César Balbo. Dom Bosco começou a trabalhar numa
670
Creio que vou ter tempo para receber todo mundo. Mas vamos manter esta
norma. Os que vierem com uma oferta ou para falar de coisas relativas ao
bem das almas serão bem-vindos a qualquer momento, qualquer dia. Ficarei
muito feliz de vê-los. Aos que só vierem para apresentar seus respeitos, sejam
agradecidos e despedidos.60
59
Documenti XII, 156, FDB 1,017 B10. Motto assinala que a presença em Nizza de monsenhor
Caetano Tortone, encarregado de negócios do Vaticano em Turim, não se harmoniza com suas ativida-
des nesse tempo. O testemunho de Lemoyne no processo de beatificação de Dom Bosco (FDB 2478
A3: seção Rua) não deve ser levado em conta.
60
Dom Bosco à condessa Gabriela Corsi, Santo Inácio, 18 de agosto de 1871, em Epistolario
III Motto, 360.
61
Dom Bosco a dom Pedro José de Gaudenzi, Turim, 4 de setembro de 1871, em Epistolario
III Motto, 366-367. Cf. F. Motto, L’azione, 307.
671
sua intenção de nomear bispos para as dioceses vacantes na Itália. Nesse momen-
to, o rei estava de férias nos Alpes e, por isso, o portador de confiança entregou
a carta ao monsenhor Tortone, encarregado dos negócios da Santa Sé em Turim.
Uma nota anexa do cardeal Antonelli sugere que Tortone consultou Dom Bosco
sobre a forma mais segura de a carta chegar às mãos do rei. Monsenhor Tortone
convidou Dom Bosco duas vezes por telegrama, em Nizza, para que viesse a
Turim “a fim de tratar de um assunto urgente”. Dom Bosco respondeu-lhe que
a “saúde precária e outros negócios” impediam-no de sair de Nizza. Monsenhor
Tortone alegrou-se por prescindir dos serviços de Dom Bosco e confiou a carta a
um capelão da corte e ao ajudante de campo do rei.62 Vítor Emanuel II refletiu
sobre a carta e em 31 de agosto entregou-a ao primeiro-ministro Lanza, que esta-
va em Turim nesse momento. Enquanto isso, a Santa Sé entrara em contato com
os arcebispos e bispos para apresentar-lhes listas de candidatos. Ao saber que
havia vazado a notícia de iminentes nomeações, Lanza convocou de imediato
uma reunião do gabinete em Florença. Antes, porém, de enviar um relatório ao
rei, quis conversar com Dom Bosco. Este, que já regressara de Nizza, estava em
Lanzo para os exercícios espirituais dos salesianos. O primeiro-ministro Lanza
enviou um telegrama ao magistrado de Turim, que convocou Dom Bosco ao seu
escritório transmitindo-lhe a mensagem do primeiro-ministro. Conforme o pa-
dre Berto, que esteve com ele no escritório do magistrado, Dom Bosco disse-lhe
que a convocação não foi uma surpresa, pois estivera envolvido nesse assunto
por ordem do Papa, durante bastante tempo. E acrescentou:
Lamento ter de ir nesta mesma noite e estar ausente por vários dias, durante
os exercícios espirituais, em Lanzo. Além disso, sinto-me muito cansado. Mas
o bem da Igreja deve ser o primeiro; tem prioridade, até mesmo sobre o bem
da nossa Congregação. Tomarei o trem das 7 desta noite, viajarei a noite toda
e estarei amanhã cedo em Florença para a minha reunião no ministério.63
62
Monsenhor Tortone e as pessoas que rodeavam o rei duvidavam da discrição de Dom Bosco.
Cf. F. Motto, L’azione, 380, nota 155.
63
Testemunho do padre Berto no processo de beatificação de Dom Bosco, em ASC A2660102:
Testi, FDB 2, 108 C9.
672
Quando tive a honra de dialogar com Sua Excelência [...], pareceu-me que
estava de acordo que o governo permitiria ao Papa liberdade de escolha e não
se poria qualquer obstáculo à questão dos benefícios.64
64
Dom Bosco ao primeiro-ministro Lanza, Varazze, 1o de fevereiro de 1872, em Epistolario III
Motto, 398.
65
F. Motto, L’azione, 311-312.
673
66
Este documento comprova irrefutavelmente que Dom Bosco recomendou dom Gastaldi
para a Diocese de Turim, como a tradição salesiana sempre defendeu. Depois, após o desafortuna-
do e amargo conflito com o arcebispo, Dom Bosco não estava muito certo de tê-lo recomendado.
Escreve: “Eu gostaria de saber de alguém que fez circular em Turim alguns escritos tomados dos
arquivos do governo. Neles se afirma que a nomeação do cônego Gastaldi como bispo de Saluzzo
chegou por recomendação de Dom Bosco e que, se chegou a ser nomeado arcebispo de Turim, foi,
também, por recomendação de Dom Bosco. Há também uma lista de obstáculos que precisaram
ser superados para chegar a essas nomeações e dos motivos pelos quais fui partidário de sua can-
didatura” (carta de 14 de maio de 1873, em Epistolario IV Motto, 96-98). Dom Gastaldi, em carta
a Pio IX, queixa-se da “insolência” de Dom Bosco e de sua falta de respeito, por ter afirmado que
foi repreendido em Roma por ter apoiado Gastaldi (carta no Arquivo Secreto Vaticano, citada por
F. Motto, L’azione, nota 167). Um dos motivos pelos quais Dom Bosco recomendou Gastaldi foi
que, sempre tendo ajudado anteriormente Dom Bosco e sua obra, esperava que continuasse a fazê-lo
como arcebispo de Turim. Não foi assim.
67
MB X, 442.
674
675
71
F. Motto, L’azione, 315-322.
72
G. Tuninetti, Gastaldi II, 15-25.
676
visitar as casas salesianas da Ligúria. Visitou Marassi e foi a Varazze, tendo che-
gado ali no dia 4 de dezembro. No dia 6, ele desmoronou quando regressava
de trem a Varazze, depois de visitar uma benfeitora. Levaram-no à escola sa-
lesiana e colocaram-no de cama na enfermaria. Este foi o início de uma grave
enfermidade que o manteve prostrado de cama durante quase dois meses.73
73
O relato da participação de Dom Bosco no ingresso do arcebispo e da enfermidade posterior
em Varazze é contado detalhadamente em MB X, 219ss. O que sabemos sobre a natureza e o desen-
rolar-se da enfermidade se deve às cartas de salesianos de Varazze aos salesianos de Turim. As cartas de
Pedro Enria, que foi seu enfermeiro o tempo todo, é a fonte principal: ASC A024: Malattie di Don
Bosco, FDB 430 D12-435 E4. Ver comentário em F. Desramaut, Don Bosco, 821-824.
74
Dom Bosco ao primeiro-ministro Lanza, Varazze, 11 de fevereiro de 1872, em Epistolario III
Motto, 398.
677
entregues de acordo com a lei. Pois bem, embora em conformidade com a lei
de Garantias, o governo italiano renunciava ao direito de nomear bispos, mas
exigia o direito de emitir o Exequatur real, pelo qual era permitido ao bispo
recém-nomeado tomar posse do palácio episcopal e de outros locais diocesa-
nos e receber o benefício, as entradas provindas da diocese, possibilitando-lhe
residência e administração.
Um Decreto Real de 25 de junho de 1871 confirmou essa política, esta-
belecendo que o bispo, para obter o Exequatur, devia apresentar às autorida-
des governamentais o original da bula papal de nomeação. Não parece normal
que o governo permitisse, de um lado, a livre escolha dos bispos, como fez em
1871, e depois exigisse dos bispos a apresentação de suas “credenciais oficiais”
para obter a permissão de entrar na posse dos bens de sua diocese. Historica-
mente, tratava-se de uma velha prerrogativa exigida pelos reis da Sardenha,
que sempre buscaram uma política eclesiástica de tipo jurisdicionalista.
Essa política, estabelecida às vezes por concordata, permitia ao soberano
exercer certo controle não só sobre as atividades dos bispos, mas também sobre
a própria nomeação. Não obter o Exequatur paralisava o funcionamento da dio-
cese, do ponto de vista administrativo e jurídico. Agora, pela lei de Garantias
e por Decreto Real, o Papa podia nomear livremente os bispos, mas uma vez
nomeados, eles deviam obter permissão real para entrar na posse dos bens. Para
aliviar a tensão, o governo esclareceu mais tarde a questão jurídica, introduzindo
uma distinção oportuna: a apresentação da bula não tinha por finalidade obter
o Exequatur com suas implicações jurídicas, mas era destinada a registrar oficial-
mente que o portador da bula era a pessoa a quem cabia a gestão dos bens.
A Santa Sé, porém, em especial o cardeal-secretário de Estado Antonelli,
não o aceitou, porque não reconhecia a jurisdição do governo na matéria.
O governo era usurpador do poder temporal do Papa, das propriedades da
Igreja e das ordens religiosas. Os bispos, por isso, comprometiam-se a não
realizar qualquer ato, como a apresentação de credenciais, que pudesse ser
interpretado como reconhecimento de uma situação ilegal e injusta. Dessa
forma, em 31 de outubro de 1871, uma circular da Santa Sé, assinada pelo
cardeal Antonelli, ordenava aos bispos que entrassem em sua diocese e, tão
logo fosse possível, fizessem um ato de jurisdição e enviassem a notificação
de sua eleição ao governo. Se o governo exigisse o pedido para o Exequatur e
a apresentação da bula de nomeação em conformidade com a lei, deviam ig-
norar o pedido e assumir as consequências. Não deviam solicitar o Exequatur,
nem direta nem indiretamente.75
75
G. Tuninetti, Gastaldi II, 52, que cita documentos do arquivo da Arquidiocese de Turim.
678
76
Dom Gastaldi aceitou a oferta, segundo G. Tuninetti, ibidem, que cita as fontes.
77
G. Tuninetti, Gastaldi II, 53.
679
À medida que o tempo passava, percebendo que nada se resolvia, fiz mais
indagações, mas não obtive resposta. Sei que o governo gostaria de resolver
esta situação embaraçosa, mas não sabe como fazê-lo.78
Aquilo que [o senhor] escreve sobre seus esforços para obter os bens de-
vidos aos bispos é valorizado, e Nós louvamos seu zelo e preocupação.
Contudo, já sabe como estão as coisas; por isso, entendemos que é melhor
voltar a pedir a Deus, o único que pode mudar os corações das pessoas.
Como Deus prometeu proteção permanente à Igreja, Deus não nos po-
derá defraudar.79
MB X, 570.
79
80
Dom Bosco ao primeiro-ministro Lanza, Turim, 21 de maio de 1872, em Epistolario III,
Motto, 434.
680
81
Pio IX ao cardeal Antonelli, 16 de junho de 1872. Ver F. Desramaut, Don Bosco, 840, que
cita o periódico Civiltà Cattolica.
82
G. Tuninetti, Gastaldi II, 54.
83
“Compendio dell’andata di Don Bosco a Roma nel 1873”, em ASC A004, Cronachette Berto,
FDB 906 C8ss, especialmente D7-12; “Appunti sul viaggio di Don Bosco a Roma, 1873”, em ASC
A004, Cronachette Berto, FDB 907 D12ss, especialmente, E1-4.
84
O primeiro-ministro e Dom Bosco também conversaram sobre a política governamental de
supressão das congregações religiosas e do confisco de suas propriedades na província de Roma. Dom
Bosco pedira anteriormente a Lanza que permitisse a existência de alguns conventos estimados por
ele, como os de Tor de’ Specchi, Bocca della Verità e de Trinità dei Monti, o que foi prometido pelo
primeiro-ministro (Compendio Berto, FDB 906 D11).
681
Bula típica, com uma declaração de que a Bula original expedida por NN
concorda com este texto.
4o O secretário da Congregação Consistorial apresentará, para cada caso de
nomeação, o nome, a data e a diocese, com uma declaração de que nada se
mudou na Bula oficial.
682
683
91
Dom Bosco a Marcos Minghetti, Turim, 14 de julho de 1873, em F. Motto, La mediazione,
64; Epistolario IV Motto, 128-129.
684
92
Dom Bosco ao cardeal Antonelli, Turim, 3 de agosto de 1873, em Epistolario IV Motto, 137-
138. Cardeal Antonelli a Dom Bosco, Roma, 6 de agosto de 1873. Dom Bosco ao cardeal Antonelli,
Turim, 25 de agosto de 1873, em Epistolario IV Motto, 150-151. Cardeal Antonelli a Don Bosco,
Roma, 13 de setembro de 1873, em F. Motto, La mediazione, 64-67.
93
A fórmula do cardeal Antonelli dizia: “[O governo] pode fazer uma consulta ao secretário
da Sagrada Congregação do Consistório sobre a data [da nomeação], os nomes dos bispos e as dio-
ceses para as quais foram designados nos vários consistórios. [O secretário da Congregação] dará
com prazer nomes, datas e a diocese à qual cada bispo foi designado” (carta de 6 de agosto, ver nota
anterior). O procedimento alternativo, que Dom Bosco registra em seu memorando, é considera-
velmente diferente: “O segundo modo alternativo de proceder está em maior conformidade com
os princípios seguidos pela Santa Sé, especialmente se for modificado como segue: O capítulo [da
catedral] ou a chancelaria ou outra autoridade [diocesana] competente enviará a declaração de que
no consistório [papal] celebrado em [data] o sacerdote [nome] foi oficialmente designado bispo de
[diocese] e que a habitual bula [de nomeação] foi devidamente entregue” (Memorando de Dom
Bosco, ver nota anterior).
685
94
Este primeiro modus vivendi mencionado por Dom Bosco é a segunda fórmula alternativa
proposta por Lanza em março de 1873. Modificado no memorando de Dom Bosco, era sua fórmula
preferida, em harmonia com o pensamento da Santa Sé. Dom Bosco menciona aqui um segundo,
misterioso, modus vivendi. É a fórmula apresentada pelo cardeal Antonelli. Embora o cardeal afirme
que foi um acordo obtido em março (carta de 6 de agosto, ver nota acima), não aparece no memorando
de Dom Bosco, que cita a proposta alternativa de Lanza. Estaria Dom Bosco tentando vender a nova
posição da Santa Sé a Vigliani?
95
Dom Bosco ao ministro Vigliani, Turim, 12 de outubro de 1873, em F. Motto, La media-
zione, 67; Epistolario IV Motto, 166-168.
686
687
Dom Bosco, nesse momento, preparava sua viagem a Roma para a apro-
vação das Constituições. Ele revisara o texto, embora de modo não significa-
tivo (Ns, 1873). Em 29 de dezembro de 1873, foi a Roma com o secretário
padre Berto. Chegaram no dia 30, depois de uma breve pausa em Florença,
convidados pelo conde e condessa Uguccioni-Gherardi. O tema da aprova-
ção definitiva das Constituições haveria de retê-lo em Roma até que o decreto
foi aprovado em 13 de abril.
99
A crônica da viagem redigida pelo padre Berto e as cartas de Dom Bosco são as principais
fontes do final desta história. Para a crônica do padre Berto (G. Berto, “Brevi appunti pel viaggio
di Don Bosco a Roma, 1873”, em ASC A004: Berto, Cronachette, FDB 908 B5-910 C3 e 910 A8).
F. Motto, La mediazione, 38, questiona a confiabilidade dessa crônica. Além da evidente tendência
de Berto a engrandecer a figura do mestre, não vê razões para duvidar do relato. As Memórias Biográ-
ficas no-lo transmitem embelezado com diálogos e outros detalhes (MB X, 495ss). Os extratos mais
importantes da correspondência de Dom Bosco relativas ao tema do Exequatur podem ser lidos em
F. Motto, La mediazione, 56-79.
100
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, 31 de dezembro de 1873, em F. Motto, La mediazione,
70; Epistolario IV Motto, 188.
688
101
É a segunda fórmula, modificada, recolhida por Dom Bosco no memorando de março de
1872, como a mais aceitável para a Santa Sé. Ver acima, notas 83 e 92.
102
Documenti Berto, em FDB 789 B7 (transcrição assinada pelo padre Berto com uma nota
aparentemente holográfica de Dom Bosco).
689
690
Tudo parecia que ia se encaixando, e agora isto [...]. A gente daqui desejava
explicações, especialmente quando se soube que um jornal [de Turim] publi-
cou todo o acordo ponto por ponto. O Conselho de Estado, reunido hoje,
ficou perplexo; foram feitas algumas moções que serão apresentadas amanhã.
Em todo caso, disseram-me que peça a Vossa Excelência que mantenha todo
o assunto em rigoroso sigilo [...]. Alguns membros do Parlamento fizeram
consultas ao ministério sobre a veracidade das notícias que apareceram em
alguns jornais. É evidente que o diabo pôs sua mão nisso.105
105
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, Roma, 24 de janeiro de 1874, em F. Motto, La media-
zione, 72-73; Epistolario IV Motto, 211-212.
106
Em 8 de janeiro, o arcebispo Balma, de Cagliari, um dos apresentados por Dom Bosco, ob-
teve o Exequatur, o que provocou questionamentos ao governo no Parlamento. Não agradou muito ao
cardeal Antonelli quando se inteirou que a Bula ad populum não só fora exposta na sacristia da catedral
como também fora enviada ao ministro. Cf. F. Motto, La mediazione, 51.
107
Ver detalhes em F. Motto, La mediazione, 41-46. O ataque a Dom Bosco da parte de mon-
senhor Xavier Nardi, que o chamava de “partidário do compromisso”, foi publicado em 1o de fevereiro
de 1874. A Voz da Verdade era o órgão de uma sociedade ultramontana e intransigente de Roma, que
defendia a Santa Sé. O artigo foi uma surpresa para Dom Bosco e encontrou a indignação convicta de
outros periódicos católicos mais moderados. Dom Bosco fez o padre Berto redigir uma enérgica nota
de protesto e conseguir publicá-la. Ver o texto em G. Berto, Brevi appunti, 55, nota de 16 de fevereiro
de 1874, em ASC A004: Berto, Cronachette, FDB 909 B12.
691
Durante o mês de fevereiro, numa carta a dom Gastaldi, enviada por meio
de um mensageiro de confiança, Dom Bosco expressava a mesma convicção.
108
G. Berto, Brevi appunti, 45, em ASC A004: Berto, Cronachette, FDB 909 A12. Otto von
Bismarck, chanceler alemão, foi figura predominante na Europa do último terço do século XIX. Seu
programa político, Kulturkampf, provocou uma repressão feroz dos católicos alemães. Sua influência
na Itália foi perceptível a partir de 1876, quando as forças anticlericais dos governos de esquerda segui-
ram políticas semelhantes em relação à Igreja. Podem-se ver exemplos de sua intervenção em assuntos
italianos em F. Motto, La mediazione, 47-48.
109
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, Roma, 9 de março de 1874, em F. Motto, La mediazione,
74; Epistolario IV, 223-224.
692
de negociar uma fórmula geral para os bispos já nomeados, para os que espe-
ravam ser e os que seriam nomeados no futuro. Cada bispo, por isso, deveria
proceder como lhe parecesse melhor em cada caso individual. Quando o arce-
bispo de Vercelli, dom Fissore, lhe pediu orientações, Dom Bosco respondeu
que poderia apresentar a Bula ao povo e, talvez, também ao Capítulo.
110
Dom Bosco ao arcebispo Fissore, Roma, 9 de março de 1874, em F. Motto, La mediazione,
74; Epistolario IV, 250-251.
111
Dom Bosco ao arcebispo Gastaldi, Roma, 14 de março de 1874, em F. Motto, La media-
zione, 75; Epistolario IV, 253.
112
G. Berto, Brevi appunti, 111, em ASC A004: Berto, Cronachette, FDB 910 B9.
693
7. Comentário final
Demonstrou-se sem dúvidas, nestas páginas, a participação notável de
Dom Bosco no assunto da nomeação dos bispos e dos Exequatur e a conces-
são dos bens, enquanto, ao mesmo tempo, pesavam sobre ele um sem-fim de
preocupações como Fundador. Quem contempla esta “atividade paralela”,
conduzida durante muitos anos, pode muito bem se perguntar como Dom
Bosco se envolveu e por que, precisamente, Dom Bosco.
Consegue parte da resposta, quem atentar aos anos históricos de mu-
dança nos quais Dom Bosco viveu. Ele era conhecido pela classe dominante
do Piemonte, por gente como os irmãos Cavour, por Rattazzi, Lanza e outros
que foram os arquitetos da Revolução Liberal e da unificação da Itália, que o
admiravam pela sua ação humanitária. A partir de 1849, foi também conhe-
cido pessoalmente por Pio IX e seu secretário de Estado, o cardeal Antonelli.
Era, pois, aceitável pelas duas partes. Os que o conheciam apreciavam-no
e confiavam nele, pois sua personalidade e seu caráter davam-lhe crédito.
Aproximava-se das pessoas de forma simples, direta, sincera, sem pretensões,
inteiramente livre de ameaças. Por sua vez, sua inteligência intuitiva adivi-
nhava rapidamente quais eram as possibilidades. Depois, sua confiança em
Deus e na bondade básica das pessoas, independente de sua tendência po-
lítica, faziam-no homem de confiança e intrépido. Em alguns casos, Dom
Bosco não esperou ser solicitado. Tomou a iniciativa ou, poder-se-ia dizer,
ofereceu-se como voluntário.
Talvez seja mais importante dizer que era um homem de fé e um homem
de Igreja. Pensava que era seu estrito dever oferecer seus serviços em qualquer
assunto que considerasse vital para a Igreja e para o bem das almas. “Da mihi
animas” foi a bandeira adotada no início de seu ministério e que o guiou pela
vida toda. Não foi uma decisão meramente simbólica; foi para ele uma ver-
dadeira consagração que motivava cada um de seus gestos. Seu compromisso
113
F. Motto, La mediazione, 55-57; F. Desramaut, Don Bosco, 867 e 881 nota 112.
694
cristão, católico, tornava-o totalmente disponível para tudo que levasse à “gló-
ria de Deus, o bem da Igreja e a salvação das almas”. Por isso, estava disposto
a deixar de lado também o que estava no centro do seu coração, a questão da
Sociedade Salesiana.
Em relação à nomeação de bispos, Dom Bosco aparece envolvido na
confrontação histórica da Igreja com o Estado liberal na Itália; mas sua par-
ticipação era totalmente dirigida por objetivos religiosos. Por isso, pôde es-
crever ao primeiro-ministro Lanza: “Não me envolvo em política; não estou
envolvido nos assuntos públicos”.
É verdade que negociar a nomeação de bispos para as sedes vacantes e
obter-lhes os bens necessários para o exercício do ministério pastoral tinha
consequências políticas; mas o objetivo de Dom Bosco era puramente reli-
gioso, o bem do povo: Da mihi animas.
Perseguindo esse objetivo, demonstrou uma perseverança extraordiná-
ria, uma capacidade de resistência pouco comum, a paciência de um santo,
o sofrimento e a humilhação pela causa. O terceiro dos 9 propósitos de sua
ordenação já o evidenciava: “Não recusarei o sofrimento, o trabalho, nem
sequer as humilhações, quando se tratar de salvar almas”.114
114
F. Motto, Testamento, 21-23.
695
696
Uma aparente anomalia na vida de Dom Bosco é o fato de nunca ter pedido,
e nem mesmo ter-se decidido a pedir, a aprovação de Roma para as Filhas de
Maria Auxiliadora. Isso se torna ainda mais desconcertante, levando-se em
conta o contexto em que se coloca no quadro de uma mentalidade que tendia
a dar grande relevo à pessoa do Papa e às prerrogativas que a religiosidade
católica do tempo afirma e exalta [...]. Enquanto de um lado livra-se de todos
os modos das pressões episcopais em Turim para garantir a fisionomia da
Sociedade Salesiana que ele sonhara, de outro, quase ao mesmo tempo e por
um movimento afetivo análogo, evita submeter-se a Roma no que se refere às
Filhas de Maria Auxiliadora. Enquanto solicita de Roma privilégios e isenções
em relação à autoridade episcopal para os salesianos, pede à mesma Santa Sé
que confie aos bispos o que se refere às religiosas por ele fundadas.3
697
Costituzioni dell’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice”. In: G. Bosco, Scritti editi ed inediti. Roma: LAS,
1983; P. Cavaglià e A. Costa (eds.), Orme di vita tracce di futuro: fonti e testimonianze sulla prima comunità
delle Figlie di Maria Ausiliatrice (1870-1881). Roma: LAS, 1996; P. Braido, Don Bosco prete dei giovani nel
secolo delle libertà II. 3ª ed. Roma: LAS, 2009, cap. XIX, XXIX; G. Loparco, Le Figlie di Maria Ausiliatrice
nella società italiana (1900-1922). Roma: LAS, 2002; Id., “Verso l’autonomia giuridica delle Figlie di Ma-
ria Ausiliatrice dai Salesiani. «Relatio et votum» di G. M. van Rossum per il S. Uffizio (1902)”, RSS 28:1
(2009), 179-210; Id., Don Rua e l’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice, tra continuità e innovazioni”.
In: G. Loparco e S. Zimniak (ed.), Don Michele Rua primo successore di Don Bosco. Atti del 5o convegno
dell’Opera Salesiana. Turim, 28 de outubro-1° de novembro de 2009. Roma: LAS, 2010, 185-217.
6
Ver testemunho do padre Rua no processo de beatificação de Dom Bosco, POS, 323.
7
Segundo o biógrafo do beato José Allamano, Dom Bosco fixara-se nela, em sua vida de caridade
e em sua possível valia como ajuda potencial na fundação de uma congregação feminina. Cf. I. Tubaldo,
Giuseppe Allamano: il suo tempo, la sua opera. Vol. I. Turim: Edizioni Missioni Consolata, 1982, 10-18.
698
Uma das sobrinhas de Benedita recorda que Dom Bosco, entre 1862
e 1871, nos tempos do padre Pestarino, enviou dois padres salesianos a
Castelnuovo para conversar com a senhorita Sávio.8 O objetivo era apre-
sentar-lhe a proposta de Dom Bosco de ser “fundadora” e “superiora-geral”
da congregação religiosa que tinha a intenção de fundar. Fracassaram por
causa de uma birra da sobrinha e a consequente intervenção da mãe da so-
brinha.9 Obviamente, embora os títulos de “fundadora” e “superiora-geral”
fossem excessivos, é possível que Dom Bosco tivesse pensado na senhorita
Sávio como sua colaboradora na fundação.
8
M. E. Posada, Alle origini, 160-162.
9
Memorie di Benedetta Savio, datilografadas pela sobrinha, 5. A menina lançara-se aos joelhos
de Benedita e despertara a mãe com seus gritos.
10
Ver uma breve nota biográfica no capítulo XIV, p. 425-427.
11
P. Stella, Vita, 187-192.
12
MB VIII, 633. Em 24 de junho de 1866, padre Lemoyne perguntou a Dom Bosco se ele
pensava em fundar uma congregação feminina “afiliada à nossa Sociedade”. Dom Bosco respondeu:
“Sim. Também faremos isso. Teremos irmãs, mas ainda não”. Os biógrafos de Dom Bosco entendem
que ele já tinha planos sobre o grupo de Mornese. Mas P. Stella, Vita, 189-190, não está tão seguro
disso, dado o relacionamento próximo de Dom Bosco, e dos salesianos, com irmã Clarac e o fato de
que sua obra fosse muito semelhante à de Dom Bosco.
699
Desramaut, como também Posada, acreditam que Dom Bosco pode ter
tido a ideia e, talvez, até gostaria de tê-la como colaboradora, mas não acredi-
tou que estivesse disponível. Em 1870, ainda era Filha da Caridade e diretora
de uma importante instituição de beneficência em Turim, muito semelhante
à de Dom Bosco. Além disso, mesmo depois de separar-se da comunidade
religiosa para fundar a sua, não duvidou de sua profissão, nem por um ins-
tante, nem deixou o hábito de Filha da Caridade de São Vicente de Paulo.
Posada escreve:
M. E. Posada, Alle origini, 157. Ver discussão em M. C. Treacy, “Mother Marie Louise
13
700
701
15
Cf. G. Frassinetti, Opere edite ed inedite. Opere Ascetiche II. Roma: Postulazione Generale
dei Figli di Santa Maria Immacolata, 1909, 108ss. M. E. Posada, Giuseppe Frassinetti e Maria Dome-
nica Mazzarello: rapporto storico-spirituale. Roma: LAS, 1986. M. E. Posada, El Instituto, 221, nota 8,
identifica 1851 como o ano da fundação da Pia União, o que não parece correto.
16
“Regola della Pia Unione delle Figlie di S. Maria Immacolata (1885)” I, 1; III, 37. In: M. E.
Posada, El Instituto, 222, nota 12.
702
703
órfãs ou internas.18 Foi para este grupo que Dom Bosco enviou em 1869
uma simples “regra de vida” (horário-programa), que não era uma regra em
sentido estrito, nem um texto constitucional.
20
Testimonianza di don Giuseppe Campi, em AGFMA; Cronistória I, 111; F. Maccono, Santa
Maria Domenica Mazzarello, I. Turim: Istituto FMA, 1960, 100.
21
Cronistória I, 111-114.
704
Racconto-memoria della fabbrica di Borgoalto, atribuído ao padre Pestarino, em ASC C609, 1,5,f,4.
23
24
Ibidem, 2ss; Cronistória I, 147-154.
25
Cronistória I, 204-205.
26
Cartas de fevereiro de 1865, 4 de outubro de 1867, 3 de dezembro de 1867, 25 de dezembro
de 1867, 8 de março (?), 28 de janeiro de 1868, 23 de fevereiro de 1868, 26 de outubro de 1868, 2 de
maio de 1870, 10 de julho 1870, em ASC A173: Lettere autografe, em Epistolario II Motto, 104. 413.
440. 453-454. 464-465.478. 491-492. 605-606; Epistolario III Motto, 205. 224.
705
27
Cronistória I, 222-224.
28
C. Romero, Alle origini, 32.
29
D. Pestarino, Memoria autografa, manuscrito A, em AGFMA.
706
fim de ter mais terreno para a escola internato.30 Seria a residência temporária
das irmãs, antes de se transferirem para a escola. Dom Bosco, nessa época,
inícios de 1871, escolhera definitivamente Mornese como o lugar para con-
cretizar seus planos.
30
MB X, 592ss.
31
MB X, 594ss. P. Stella, Vita, 188.
707
4/24/71
Estimada Reverenda Madre,
Coloco em suas mãos a Regra (regulamento) de nossa Congregação [Salesia-
na]. Por favor, tenha a bondade de ler e ver se é possível adaptá-la a um insti-
tuto de religiosas, como já tive a honra de explicar-lhe pessoalmente.
A senhora deveria começar pelo [capítulo] 3, o fim desta instituição, as Filhas
de Maria Imaculada. Por isso, [sinta-se livre] de eliminar ou acrescentar o que,
segundo o seu entendimento, proceda para a fundação de um Instituto, cujas
filhas seriam verdadeiras religiosas aos olhos da Igreja, mas também cidadãs
livres aos olhos da sociedade civil.
Sentir-me-ia muito feliz se utilizasse capítulos ou artigos do Regulamento [da
Congregação] de Santana, caso pudessem ser adaptados.
Quando a senhora crer conveniente que nos reunamos para conversar, faça-
-me sabê-lo por meio de um dos nossos clérigos ou dos mensageiros que
com frequência têm a ocasião de passar por sua casa. Se conseguirmos ganhar
algumas almas, será tudo mérito seu.
Deus abençoe a senhora e sua família religiosa. Recomendo estes meus alunos
e a mim mesmo à caridade de suas santas orações. Seu servo agradecido e
devoto,
Padre João Bosco.32
708
33
É a data em que, segundo as Memórias Biográficas, Dom Bosco comprometeu-se, diante do
Conselho, a fundar uma congregação feminina.
34
F. Desramaut, Don Bosco, 810.
35
Como o capítulo 3o, sobre o fim do Instituto, estava em italiano, o manuscrito tem de ser o
texto de 1864 (Gb) ou outro anterior. Os textos posteriores a 1864 foram redigidos em latim e impressos.
709
3. Poderão, porém, admitir em suas casas meninas da classe média (di medio-
cre condizione), mas jamais se proporcionará instrução nas ciências e artes que
sejam próprias da educação das filhas de famílias nobres e ricas. Colocarão
toda a sua preocupação em instruí-las na piedade e em tudo que tenda a fazer
delas boas cristãs e boas mães de família.37
Este artigo foi tomado das Constituições das Irmãs de Santana e reflete
a mentalidade classista e sexista que prevalecia no século XIX. Esse é seu
aspecto negativo. Mas se essa mentalidade particular pudesse ser superada,
como finalmente aconteceu, o âmbito da atividade educativa do Instituto
seria ampliado.
Não sabemos se Dom Bosco leu e aceitou o artigo tal como estava no
primeiro rascunho. Ele não estava interessado em tomar posição sobre o fe-
minismo incipiente e se as meninas deviam ter igualdade de oportunidades
educativas. Sua preocupação era que o aluno, menino ou menina, chegasse
a ser bom cristão e bom cidadão, capaz de ganhar a vida e situar-se na so-
ciedade. Não obstante, o artigo foi modificado ligeiramente em rascunhos
posteriores e reescrito no rascunho de 1885.
Durante os anos 1871-1878, foram feitos sete rascunhos das Constitui-
ções. Estes cadernos contêm notas marginais e comentários à mão de Dom
Bosco e do padre Pestarino. O rascunho de 1875 é notável pelas revisões
introduzidas por Dom Bosco enquanto assistia às celebrações em honra de
São Paulo da Cruz na cidade de Ovada; ele queria apresentar o manuscrito
36
C. Romero, Costituzioni, 59; F. Desramaut, Don Bosco, 810. Auxiliadora dos Cristãos, que
adquiriu grande ressonância religiosa e política na década da unificação da Itália (década de 1860 e
inícios de 1870), aparece aqui, pela primeira vez, como nome do Instituto. Depois da construção da
igreja, nos anos sessenta, o Instituto das Filhas de Maria Imaculada foi o monumento vivo, o segundo,
dedicado a Maria Auxiliadora dos Cristãos.
37
C. Romero, Costituzioni, 43, onde Romero apresenta os artigos das Filhas de Santana e o das
Filhas de Maria Auxiliadora um ao lado do outro.
710
38
Para um estudo comparativo detalhado do texto constitucional e seu desenvolvimento, ver
C. Romero, Costituzioni per l’Istituto delle Figlie di Maria Ausiliatrice (1872-1885): testi critici. Roma:
LAS, 1983; e análise de Amadei, em MB X, 599ss.
39
MB X, 233ss. F. Desramaut, Don Bosco, 821-824.
40
MB X, 273s.
41
Memoria di don Domenico Pestarino, editada por C. Romero, Costituzioni, 50.
711
712
45
Memoria di don Domenico Pestarino, editada por C. Romero, Costituzioni, 50.
713
48
Os biógrafos falam de “tomada de hábito”, mas terá de ser entendido à luz do que se disse
sobre o hábito.
49
Cronistória I, 297 e nota nas p. 354-365. Os fatos são apresentados como aqui; a tradição das
FMA só menciona a hora da chegada de Dom Bosco, às 7, 9 ou talvez 11 da noite.
50
Cronistória I, 296-306; M. E. Posada, El Instituto, 227.
51
Cf. C. Romero, Costituzioni, 212.
714
715
716
Esta jovem frágil, simples, camponesa pobre, que recebera apenas uma edu-
cação elementar, manifestou logo um talento singular, distinguido pela lide-
rança. Foi um rico talento, verdadeiramente! E o tinha a ponto de São João
Bosco [...], um experimentado conhecedor dos homens e um mestre na arte
de governar, tê-lo logo descoberto e posto para funcionar. A sabedoria e efi-
cácia dessa escolha foram demonstradas, tanto na firme e sólida fundação do
novo Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora como em seu rápido e surpre-
endente crescimento e desenvolvimento.61
717
62
Cf. M. Midali, Madre Mazzarello: il significato del titolo di Confondatrice. Roma: LAS, 1982.
63
MB X, 646s.
718
719
beneficiados pelo seu ministério, mas teve uma preocupação especial pelos
jovens, mantendo-os no ideal da autêntica vida cristã. Para as jovens, fundou
a Pia União de Maria Imaculada, com uma regra de vida que lhes oferecia a
vocação de viver como religiosas no mundo.
É autor de cerca de 100 obras de ascética, pastoral e moral, que tiveram
muitas edições, e evidenciam sua preocupação pela renovação da vida cristã e
da vida sacerdotal. Jesus Cristo, regra do sacerdote e a Teologia moral converteram-
-se no vade-mécum dos padres, mesmo fora da Itália. Padre Frassinetti também
colaborou em ao menos 8 livretos nas Leituras Católicas, de Dom Bosco.
Em janeiro de 1857, Dom Bosco foi a Gênova e visitou-o em Santa
Sabina. Tornaram-se amigos. Foi, então, que Dom Bosco lhe pediu para
colaborar nas Leituras Católicas. Começou em maio de 1859 e continuou
até 1866. Seus dois títulos de maior sucesso foram: A vida de Rosa Cardone e
O uso correto do dinheiro.
Em 1864, na excursão de outono, Dom Bosco levou seus meninos até
Gênova. Frassinetti, que só saía de casa para o ministério, acompanhou Dom
Bosco e seus meninos pessoalmente numa visita ao porto; e, depois, arru-
mou-lhes um guia para o resto do passeio.
Padre Frassinetti morreu em Gênova no dia 2 de janeiro de 1868, e sua
causa de beatificação foi introduzida em Roma em 1939.
São estes os aspectos mais característicos de sua vida e doutrina: 1o Sua
intensa dedicação pessoal ao ministério pastoral, seguindo o exemplo do Cura
d’Ars. 2o Sua campanha constante pela Comunhão frequente, também diá-
ria. 3o Sua afirmação de que todos os cristãos, vivendo “no mundo”, podem e
devem seguir o estilo evangélico de vida. 4o A adoção do pensamento – equi-
probabilismo – de Santo Afonso de Ligório em Teologia moral e pastoral.
720
721
722
Dom Bosco e sua profissão como salesiano em 1863 ou 1864 selaram sua
“vocação”. Solicitado por Dom Bosco, Pestarino continuou seu trabalho em
Mornese. Em 1865, assistiu às conferências gerais de São Francisco de Sales
e informou sobre seu trabalho em Mornese. Esta série de acontecimentos
produziu importantes mudanças.
1. Dom Bosco visitara Mornese pela primeira vez em outubro de
1864 e reunira-se com as Filhas de Maria Imaculada. Maria Mazzarello e
sua amiga Petronila Mazzarello já mantinham um “oratório” para meninas
e um “orfanato”. Impressionado com o grupo, especialmente com Ma-
ria e Petronila, Dom Bosco talvez tenha começado a pensar nessas jovens
como um possível primeiro grupo da congregação feminina que planejava
fundar. Durante esta visita, Dom Bosco lançou a ideia de uma escola para
meninos em Mornese.
2. Em 1865, de acordo com a cidade, padre Pestarino deu início à cons-
trução da escola internato para meninos. A colocação da primeira pedra reu-
niu a população local que colaborou com mão de obra e materiais, embo-
ra Pestarino financiasse a construção. A fim de providenciar o pessoal e os
professores da escola, ele reagrupou as jovens: algumas, dirigidas por Maria
Mazzarello, tinham-se separado das “novas ursulinas” de Ângela Maccagno.
Em 1871, depois de assistir às Conferências de São Francisco de Sales e ouvir
Dom Bosco falar dos “grandes planos”, adquiriu a propriedade da casa Car-
rante, quando o edifício da escola já estava sendo concluído.
Enquanto isso, em 1871-1872, Dom Bosco decidia fundar sua con-
gregação com as Filhas de Maria Imaculada, dirigida por Maria Mazzarello.
Como cumprimento dos “grandes planos” de Dom Bosco, e para desgosto
da população local, em 1872, o collegio converteu-se numa escola de me-
ninas e na casa mãe do recém-fundado Instituto das Filhas de Maria Au-
xiliadora. Quando o Instituto se estabeleceu oficialmente com a “primeira
profissão” das irmãs, em 5 de agosto de 1872, padre Pestarino, nomeado
por Dom Bosco, tornou-se oficialmente diretor do Instituto. Desse modo,
continuou a ser, com Dom Bosco, o guia espiritual das irmãs. Apenas dois
anos depois veio a falecer improvisamente de um derrame cerebral, em 15
de maio de 1874.
Padre Pestarino, no limitado alcance imposto pelas circunstâncias histó-
ricas ao seu ministério pastoral, deve ser considerado apóstolo proeminente,
imbuído de verdadeira espiritualidade e de zelo. Também deve ser reconheci-
do, na realidade, embora não juridicamente, como sócio fundador do Insti-
tuto das Filhas de Maria Auxiliadora.
723
1837
9 de maio: Maria Mazzarello nasce nos Mazzarelli di Qua, aldeia
de Mornese, situada uma milha a sudeste da povoação.
1839
21 de setembro: Padre Pestarino é ordenado depois de concluir seus estu-
dos no seminário de Gênova.
1849-1848
Padre Pestarino, após exercer o cargo de prefeito no se-
minário de Gênova, volta à cidade natal. É um sacerdote
apenas residente e, depois, administrador da paróquia.
Converte-se em propulsor da renovação espiritual, espe-
cialmente dos jovens, pelo seu zelo e direção espiritual.
1849
30 de setembro: Maria Mazzarello recebe a Confirmação em Mornese.
1848-1849
Maria Mazzarello e sua família transferem-se como ar-
rendatários para a isolada Cascina Valponasca, proprieda-
de do marquês Dória, de Mornese. Ali, ela vive dos 11
aos 21 anos de idade.
1850
27 de março: Maria Mazzarello recebe a primeira Comunhão na ter-
ça-feira santa. Lê-se no registro: “Domenica della Valpo-
nasca”. Às vezes, dá-se erroneamente a data como 19 de
abril de 1848, que foi, na verdade, o dia da primeira
Comunhão de um primo com o mesmo sobrenome.
1854
É fundada em Mornese a Pia União das Filhas de Maria
Imaculada. Atribui-se ao padre Pestarino o incentivo, a
orientação e o desenvolvimento do grupo. Maria Mazza-
rello tem 17 anos.
1855
9 de dezembro: Maria Mazzarello consagra-se a Nossa Senhora para o
“exercício da caridade”.
724
1858/1859
Depois de um roubo na Cascina Valponasca, Maria Ma-
zzarello e sua família transferem-se para Mornese, em casa
própria na Via Val Gelata, nos arredores do povoado. Seus
irmãos continuam a trabalhar nos vinhedos de Valponasca.
1860
15 de agosto: Maria Mazzarello cai gravemente enferma de tifo, con-
traído enquanto dava assistência às vítimas de uma rigo-
rosa epidemia em Mazzarelli di Qua. Recupera-se, mas
ficará frágil para sempre.
1861
2 de abril: Já não podendo trabalho no campo, Maria Mazzarello
começa a aprender o ofício de costureira.
1862
Dom Bosco e o padre Pestarino encontram-se no trem
no qual viajavam de Acqui a Alessândria. Mais tarde, a
convite de Dom Bosco, padre Pestarino visita o Orató-
rio de Turim.64
Por meio dele, Dom Bosco envia um bilhete a Maria e
Petronila, antes de encontrá-las pessoalmente.
Sonho de Dom Bosco “da Praça Vittorio”, que lhe suge-
re cuidar também das meninas, abrindo um oratório.65
Maio: Maria Mazzarello e Petronila Mazzarello, sua amiga,
abrem em Mornese uma oficina de costura para meninas.
5-6 de julho: Num sonho (“do Cavalo Vermelho”) Dom Bosco diz à
marquesa Barolo que ele deve ocupar-se também com as
meninas.66
1863
Maio: Maria Mazzarello e Petronila começam um oratório fes-
tivo para as meninas em Mornese.
Deixam a família e iniciam em Mornese um internato
para duas meninas órfãs.
1863-1864
Padre Pestarino professa [?] na Sociedade Salesiana, mas
continua seu trabalho em Mornese.
MB X, 585.
64
O sonho não é mencionado nas Memórias Biográficas; fala dele o padre Francésia, em sua vida
65
de Maria Mazzarello.
66
MB VII, 217s.
725
1864
Devido às dificuldades no grupo por causa do apostola-
do, Maria Mazzarello, com assessoria do padre Pestari-
no, retira-se por um tempo na Cascina Valponasca, onde
seus irmãos trabalham nos vinhedos.
Outubro: Maria Mazzarello e o grupo encontram-se pela primeira
vez com Dom Bosco, que passava pela região numa excur-
são de outono com seus meninos. Impressionado com o
grupo, começou aos poucos a imaginá-lo como núcleo
da congregação de mulheres que pensava fundar.
1865
13 de junho: Padre Pestarino coloca a primeira pedra do collegio em
Mornese, que, inicialmente destinado a meninos, con-
verter-se-á em 1872 na casa mãe das Filhas de Maria
Auxiliadora e escola para meninas da cidade.
1866
24 de junho: Dom Bosco fala ao padre Lemoyne dos seus planos de
fundar uma congregação religiosa de mulheres.67
1867
Outubro: Maria Mazzarello deixa definitivamente sua família e
transfere-se à Casa da Imaculada, propriedade do padre
Pestarino, próxima à igreja paroquial. O pequeno gru-
po, que vive em comunidade, é conhecido como Filhas
de Maria Imaculada.
9-21 de setembro: Dom Bosco visita Mornese para a bênção da capela do
colégio.
1869
Março: Dom Bosco envia a Maria Mazzarello e ao seu grupo
um pequeno caderno com um calendário e uma série de
regras que fixam sua vida cotidiana.
19-21 de abril: Dom Bosco visita Mornese para falar dos planos relati-
vos ao grupo de Maria Imaculada
1870
9 de maio: Dom Bosco visita Mornese para a primeira missa do padre
José Pestarino, sobrinho do padre Pestarino.
67
MB VIII, 416.
726
1871
Janeiro Padre Pestarino, assistindo às Conferências anuais de
São Francisco de Sales no Oratório, conversa com Dom
Bosco e ouve-o falar de “grandes planos”.
31 de março: Padre Pestarino compra a casa Carante, em Mornese,
que servirá como residência temporária para as irmãs an-
tes de passarem ao collegio.
24 de abril: Dom Bosco escreve a madre Maria Henriqueta Domini-
ci, das Irmãs de Santana da Divina Providência para que
o ajude na redação das Constituições para uma Congre-
gação feminina. E apresenta ao seu Conselho o plano
de fundar o Instituto das Filhas de Maria Imaculada (o
Conselho aprovará o plano em 24 de maio).
Fins de abril: Dom Bosco visita Mornese para falar de seus planos
de fundação.
Fins de junho: Em sua visita a Roma, Dom Bosco apresenta o plano a
Pio IX, que o aprova.
Julho-agosto: Com a decisão definitiva de proceder à fundação do Ins-
tituto, Dom Bosco completa o primeiro manuscrito das
Constituições. Passa o manuscrito ao padre Pestarino, que
pede a uma jovem para fazer uma cópia original (24 de
abril de 1871). Durante os anos 1871-1878 são redigidos
7 rascunhos. Estes cadernos contêm notas marginais e co-
mentários da mão de Dom Bosco e do padre Pestarino. Isso
propiciou a primeira redação das Constituições (1878).
1872
29 de janeiro: Festa de São Francisco de Sales: 27 Filhas de Maria Imacula-
da reúnem-se com padre Pestarino, seguindo instruções de
Dom Bosco, e elegem Maria Mazzarello como “superiora”.
23-24 de maio: Maria Mazzarello e as irmãs, com as meninas, entram no
colégio (casa Carante), com o protesto do povo.
5 de agosto: Fundação do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora dos
Cristãos com a tomada de hábito e a profissão durante o re-
tiro espiritual (31 de julho-8 de agosto). Maria Mazzarello
é a primeira a professar as Constituições com votos tem-
porários. Dom Bosco confirma-a como superiora, mas per-
mite que seja chamada apenas de vigária [vice-superiora].
727
1873
Dom Bosco visita Mornese várias vezes. [?]
1874
15 de maio: Padre Pestarino morre aos 57 anos de idade. Serão seus
sucessores como diretor espiritual: padre José Cagliero,
que morreria no mesmo ano; padre Tiago Costamagna
(1875-1877); padre João Batista Lemoyne (1877-1883).
Padre (dom) João Cagliero é o “diretor espiritual geral”.
15 de julho: Dom Bosco participa da missa de aniversário mensal
do padre Pestarino em Mornese e preside as eleições do
Conselho Superior das Filhas de Maria Auxiliadora. Ma-
ria Mazzarello é reeleita por unanimidade e confirmada
por Dom Bosco; será chamada de madre.
728
1878
8 de dezembro: É publicada a primeira edição das Constituições, para as
quais Dom Bosco escreve um prólogo, no qual apresenta
as características do Instituto.
1879
4 de fevereiro: Maria Mazzarello e as irmãs, e o padre Lemoyne como
diretor local, passam à nova casa mãe de Nizza Monferra-
to. Em 14 de outubro de 1877, Dom Bosco obtivera da
Santa Sé a permissão de comprar um convento em desu-
so. Benzeu a bela igreja restaurada no dia 24 de outubro
de 1878.
1880
29 de agosto: Maria Mazzarello é reeleita Madre Geral por unanimidade.
1881
7 de fevereiro: Maria Mazzarello cai gravemente enferma em Saint
Cyr, França.
As irmãs já tinham 3 comunidades no sul da França.
28 de março: Maria Mazzarello pode voltar a Nizza Monferrato.
5 de abril: Fica de novo gravemente enferma.
14 de maio: Morre em Nizza Monferrato, aos 44 anos de idade. Sua
sucessora é madre Catarina Daghero.
1885
Publica-se a segunda edição impressa das Constituições,
a partir da primeira edição e com as deliberações do Ca-
pítulo Geral de 1884. Será a última edição preparada
com a direção de Dom Bosco.
17 de julho: Sonho de Dom Bosco da Via Pó, no qual se sugere um
oratório de meninas.68
1906
O Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora torna-se au-
tônomo. A Santa Sé aprova as Constituições revistas e o
Instituto passa a ser de direito pontifício.
1929
8 de dezembro: A casa mãe transfere-se para Valdocco
68
MB XVII, 488s; C. M. Viglietti, Cronaca, 66-67.
729
1936
3 de maio Reconhecimento das virtudes heroicas de Maria Mazza-
rello no processo de beatificação.
1938
20 de novembro Beatificação de Maria Mazzarello.
1951
24 de junho Canonização de Maria Mazzarello.
730
A influência do padre Pestarino sobre Maria começou tão logo este vol-
tou de Gênova a Mornese, em 1847-1848. Mesmo sendo apenas um dos
vários padres da cidade, e não tivesse qualquer nomeação diocesana, exercia
algo como assistente do pároco, e converteu-se no agente de uma grande
renovação espiritual em Mornese, em que Maria chegaria a estar profun-
damente envolvida. Embora fosse apenas uma menina “normal”, não par-
ticularmente “devota”, possuía um sentido sutil do verdadeiro e do real. O
primeiro contato com padre Pestarino permitiu-lhe “refletir” sobre sua fé e,
de certo modo, “interiorizá-la”.
731
732
733
Cf. Annali III, 645-671; A. Amadei, Il servo di Dio Michele Rua. Vol. II. Turim: SEI, 1933, 260-
71
263; F. Desramaut, Vita di don Michele Rua: primo successore di Don Bosco. Roma: LAS, 2009, 355-375.
734
735
72
O decreto Quod a Suprema proibia aos diretores de escolas de internos e semelhantes confes-
sarem seus alunos. Parecia dirigido às escolas salesianas e, em particular, às comunidades, nas quais por
tradição o diretor era confessor regular. Quando padre Rua desviou-se do cumprimento do decreto,
Roma atuou severamente em relação a ele.
736
737
A decisão, como foi concebida, não tinha por objeto tornar as irmãs depen-
dentes de uma congregação masculina que fosse claramente oposta às Normae;
mantinha a dependência do sucessor de Dom Bosco, permitindo a separação em
tudo o mais. Por isso padre Rua e seu Conselho aconselharam as irmãs a irem a
Roma, contratar um bom advogado e apresentar seu caso à Congregação.
Padre Marenco era consultor da Congregação dos Bispos e Regulares e
revisor das Constituições; por isso, não estava apto para a missão; padre Rua,
então, indicou padre José Bertello como assistente especial. A equipe fez três
coisas: 1a Com a assessoria do padre Marenco e outros especialistas, fez uma
revisão minuciosa das Constituições que deveriam ser apresentadas à Congre-
gação para a aprovação. 2a Imprimiu e apresentou as Constituições revistas
a cada cardeal membro da Congregação, juntamente com um memorando
detalhado que explicava seu ponto de vista. 3a Conversou pessoalmente com
os cardeais e prelados, para dar as explicações necessárias.
As salesianas continuaram a insistir que seu pedido para manter a orien-
tação do Reitor-Mor era motivada não por um desejo de opor-se à Congre-
gação dos Bispos e Regulares, mas por estarem conscientes da própria insufi-
ciência e pelo temor de um dano irreparável ao Instituto.
As autoridades consideraram excessivos a humildade e os temores.
O cardeal Vives y Tutó, membro importante da Congregação e amigo dos
salesianos, procurou dissipar os temores. Disse que as novas regulamentações,
que afetavam todas as congregações femininas, eram necessárias e, de longe,
benéficas; que Dom Bosco, do céu, velaria para que essas mudanças não che-
gassem a causar danos ao Instituto. O próprio Santo Padre na audiência de 7 de
janeiro de 1906 disse às madres que não se preocupassem, garantindo-lhes que
tudo sairia bem. Elas pensaram, porém, que seu pedido seria atendido!
Em 12 de janeiro de 1906, apresentaram as Constituições revistas à
Congregação dos Bispos e Regulares para exame e aprovação. A Congregação
não tomou medidas imediatas e o trabalho de revisão exigiu vários meses.
Em 1o de abril de 1906, numa audiência especial, padre Cerruti apre-
sentou o tema ao Santo Padre. Contou que, pelo seu cargo de Conselheiro
para Assuntos Acadêmicos, pudera ajudar as irmãs em assuntos relativos às
escolas e ao trabalho educativo. Insistiu que, com a projetada separação, isso
não lhe seria mais possível e que a Madre Geral estava muito preocupada.
O Papa respondeu que podia e devia continuar a ajudá-las, e dizer à Madre
que não se preocupasse. O estímulo de Pio X, contudo, não significava que
padre Cerrutti pudesse continuar a ajudar as irmãs como delegado do Reitor-
-Mor nem que lhes fosse concedido o que pediam.
738
A intervenção da Congregação
Entre janeiro e junho, a Congregação estudou as Constituições das sa-
lesianas. A revisão foi concluída numa sessão celebrada em 26 de junho de
1906. Como era de se esperar, a decisão do Capítulo Geral V, apresentada
como artigo constitucional, foi eliminada. As irmãs, porém, não receberam
qualquer repreensão. Em 17 de julho de 1906, foi notificado oficialmente ao
padre Rua que as novas Constituições entravam em vigor e que eram abolidas
as Constituições anteriores e as deliberações dos Capítulos Gerais, sempre
que se afastassem das Constituições atuais. O texto das Constituições revistas
foi enviado ao arcebispo de Turim, cardeal Agostinho Richelmy, que o fez
chegar à Madre Geral em 22 de setembro de 1906.
Dessa forma, o Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora e suas Cons-
tituições receberam a aprovação definitiva, sem passar pelas etapas normais
de procedimento. Por carta circular de 29 de setembro de 1906, padre Rua
notificou às irmãs sobre o ocorrido e pediu-lhes que aceitassem e praticassem
as Constituições que a Madre Geral lhes entregaria. Acrescentava que ele e
os demais superiores salesianos estariam sempre à disposição para ajudar e
aconselhar quando fosse necessário. Madre Daghero informou às salesianas
por carta circular de 15 de outubro de 1906.
73
A. Amadei, Rua II, 262.
739
740
741
74
Para uma informação atualizada sobre o tema, cf. Gracia Loparco, Don Rua e l’Istituto delle
Figlie di Maria Ausiliatrice tra continuità e innovazione, in G. Loparco e S. Zimniak, Don Michele Rua
primo successore di Don Bosco. Roma: LAS, 2010, 185-217.
742
1. A década 1875-1885
Dom Bosco completou nesses anos a criação da obra salesiana e pôs em
marcha sua grande expansão; deu passos para estabelecer as estruturas inter-
nas da Sociedade Salesiana e refletiu e escreveu sobre a obra salesiana.
1. A reflexão permanente de Dom Bosco sobre o componente lei-
go da Sociedade Salesiana propiciou declarações importantes, que
definiam e impulsionavam a vocação salesiana leiga. Poder-se-ia
dizer que, com elas, Dom Bosco concluiu a fundação da Socieda-
de Salesiana.
2. Dom Bosco completou seu programa de Fundador com a organi-
zação dos Salesianos Cooperadores.
3. A experiência pessoal de Dom Bosco sobre a Igreja no mundo
todo durante o Vaticano I fortaleceu sua convicção de que a vo-
cação salesiana tinha alcance mundial. Esta convicção levou à rá-
pida expansão da obra salesiana em toda a Itália, incluindo final-
mente Roma, e, depois, na França, na Espanha e em vários países
da América do Sul: Argentina, Uruguai, Brasil, Chile e Equador.
743
744
1
A. Caviglia, Don Bosco: profilo, 131-132.
745
746
Os membros leigos
Um dos defeitos das primeiras Constituições é não ter especificado o
papel dos leigos na Sociedade. Os pontos a seguir indicam onde e em que
termos se faz distinção entre os membros clérigos e os membros leigos e onde,
a maior parte das vezes, não se faz qualquer distinção, embora fosse possível
esperá-la. Advirtam-se, ainda, os vários termos utilizados para designar os
membros leigos.
1o Resumo histórico. Frase final, somente em 1858: “As pessoas que
professam estas regras são no momento: 5 sacerdotes, 8 estudantes
clérigos, 2 leigos”.
2 Finalidade. Art. 1o: 1858-1860: “Reunir seus membros, sacerdo-
o
747
Comentário
Os termos leigos, sócios leigos, irmãos coadjutores etc., como utilizados nas
primeiras Constituições, referem-se certamente à mesma realidade. A varie-
dade de termos não reflete uma mudança de concepção.
Com estes termos, Dom Bosco procurava designar unicamente o salesia-
no coadjutor, ou seja, a vocação leiga que expressava um tipo de consagração
no interior da Sociedade Salesiana. Consequentemente, ele não pretendia
identificar nem os “membros externos”, introduzidos depois de 1860 e que
podiam ser padres4 nem, como diz expressamente, os conversi, ou irmãos
segundo o estilo das ordens religiosas mais antigas.
De onde, então, Dom Bosco tomou a ideia? Muito antes de Dom Bos-
co fundar a sua Sociedade os leigos participaram das comunidades religiosas,
criando novas e modernas formas de associação com os clérigos. Por exem-
plo, nas Constituições Cavanis (1839), que Dom Bosco teve como modelo
4
Os três membros externos que constam são padres, entre eles, padre Pestarino.
748
quando redigia as suas, tinha uma fórmula similar, mas não a mesma ideia:
“Esta Congregação das Escolas da Caridade é uma sociedade de sacerdotes
seculares e clérigos, que aceita irmãos leigos como serventes” (cap. 1o, art.
1o). As Constituições vicentinas (1642-1670) também poderiam ter pro-
porcionado a fórmula e, até certo ponto, o conceito: “Esta congregação é
composta por sacerdotes [eclesiásticos] e leigos” (cap. 1o, art. 2o).
Nos dois casos, embora a fórmula possa ser idêntica, a realidade é dife-
rente. No primeiro, esses religiosos eram serventes; no segundo, funcionavam
a título secundário dentro de uma sociedade de padres com votos privados ou
promessas. Dom Bosco, ao contrário, previra a viabilidade de uma vocação,
religiosos leigos e religiosos clérigos, em que ambos compartilhassem a mesma
consagração e apostolado. Dito com mais precisão, Dom Bosco pensava numa
vocação religiosa salesiana aberta a membros que podiam optar pelo sacerdó-
cio ou pelo estado leigo.5 Aí está a originalidade mencionada por Caviglia.
Todavia, não obstante a óbvia declaração inicial sobre o salesiano leigo,
ao longo da história do texto constitucional, de 1858 a 1875, a vocação reli-
giosa leiga não chega a ser definida. Dom Bosco parece ter precisado de tem-
po e experiência para conceituar e expressar na prática a natureza e a missão
apostólica dos salesianos leigos.
5
Não se pode documentar em qual momento anterior a 1858 – quando fica atestado pela pri-
meira vez nas Constituições – Dom Bosco começou a desenvolver essa concepção. Que tivesse pensado
nisso antes de 1858 pode ser deduzido da última frase do Resumo histórico, que era o segundo capítulo
do primeiro rascunho constitucional. Ali diz: “As pessoas que se comprometeram com a observância
destas Constituições eram 15: 5 sacerdotes, 8 estudantes clérigos e 2 leigos” (G. Bosco, Costituzioni,
50). Não sabemos quem eram esses leigos, pois na fundação, em 1859, Luís Chiapale é considerado
leigo somente porque ainda não recebera a batina. José Rossi, considerado o primeiro salesiano coadju-
tor, foi admitido ao noviciado em 1861, mas só professou em 1864. Contudo, nas primeiras profissões
temporárias oficiais, em 1862, já havia dois salesianos leigos, José Gaia e Frederico Oreglia di Santo
Stefano.
749
6
ASC D482: Piano di Regolamento (1855), Manuscrito de Rua, e outros, com correções de
Dom Bosco: FSB 1,959 B3 (A4-D3). Outros manuscritos desse Plano com texto idêntico no capítulo
8o encontram-se no mesmo lugar em ASC D482 e em FDB. Dois trazem a data de 1852; um terceiro,
corrigido por Dom Bosco, não tem data, mas parece ser do mesmo ano. O texto de MB IV, 741s.
provém de um destes.
7
ASC D482: Regolamento della Casa Annessa (1868), FSD 1, 963 A6-8 (1,962 C9-1,963,D2).
750
Ver a cópia caligráfica, datada em 1867, em FDB 1, 961 C8 & 10 (1,960 D10-1,962 C8).
8
9
Para um estudo crítico dos documentos do arquivo e da edição crítica dos textos de 1883 e
1886, ver F. Motto, I “Ricordi confidenziali ai Direttori” di Don Bosco (Piccola Biblioteca dell’Istituto
Storico Salesiano, 1). Roma: LAS, 1984. A versão de 1863 está em MB VII, 525s; a mais extensa, de
1871, em MB X, 1043s.
751
dos meninos ou na cozinha; nem devem tratar com qualquer pessoa da casa,
exceto por razões de caridade ou necessidade.
3 No caso de surgir algum desentendimento entre os trabalhadores domésti-
o
10
A escola de Mirabello foi chamada, e era na verdade, Seminário menor de Mirabello. Como tal
funcionou a época de dom Ferré, bispo de Casale, a cuja diocese pertencia.
11
ASC A0951 002: Lettere originali di Don Bosco: Rua, FDB 47 A4 (A2-5); F. Motto, I Ricordi
26; MB VII, 525-526.
12
Provavelmente, Dom Bosco quis dizer: “... entre empregados ou entre assistentes (coadjuto-
res) e os jovens ou outras pessoas”.
752
13
ASC A095: Ricordi confidenziale, FDB 1,361 E4. Esta é uma boa cópia do padre Berto com
correções de Dom Bosco. Para uma discussão sobre data e características, ver F. Motto, I Ricordi, 12-13.
14
Por causa da aparente ambiguidade, a proibição foi entendida por alguns, erroneamente,
como excludente da participação do salesiano leigo no trabalho educativo salesiano.
753
Contexto e conteúdo
A conferência de 29 de outubro de 1872 versa sobre o Fim da Socieda-
de. Depois de expressar a finalidade com os termos mais simples possíveis (a
salvação da alma, a própria e a dos outros, especialmente a dos jovens), Dom
Bosco dirige-se aos noviços; diz-lhes que a salvação das almas é assunto de
todos, não só dos padres. Todos são chamados a participar dessa missão, cada
um a seu modo, mediante as capacidades adquiridas em uma das oficinas.
Percebemos pela declaração de Dom Bosco em 1872 que a vocação sa-
lesiana leiga é vista pela primeira vez a partir dos aprendizes do Oratório. Pa-
rece que até meados dos anos setenta, as oficinas, a seção dos aprendizes, não
foi a verdadeira fonte da vocação salesiana leiga, como Dom Bosco a expli-
cará em 1876. Nos anos setenta, somente alguns do relativamente pequeno
número de salesianos leigos que entraram vieram das oficinas ou mesmo da
escola do Oratório. A maior parte uniu-se a Dom Bosco como jovens adultos
ou adultos vindos de fora, com variados graus e tipos de educação.
ASC A0250201: Conferenze, Chiala, Conferenza agli aspiranti, 29 de outubro de 1972, FDB
15
754
755
Texto16
A finalidade da nossa Sociedade é salvar nossas próprias almas e as almas dos
outros, especialmente dos jovens.
Seria um erro entrar na Congregação com a esperança de viver melhor em
relação à alimentação, saúde, educação, fama, relações sociais, aos postos de
comando e assim por diante.
Nosso objetivo é salvar nossas almas e as [almas] dos outros. Que objetivo mais
nobre! Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio a este mundo com o único propósito
de salvar o que estava perdido. O melhor dom que concedeu aos seus apóstolos
e discípulos prediletos foi enviá-los a evangelizar o mundo. Deve-se assinalar
que os enviou primeiro a Israel e, mais tarde, ao mundo todo. Igualmente,
também nós precisamos começar com aqueles que estão mais perto de nós.
A melhor maneira de salvar nossa alma e a dos outros é reformar a nós mes-
mos e dar bom exemplo. Façamos tudo com a precisão dos relógios suíços.
Levemos a cabo com perfeição a tarefa que a Congregação nos confiou. Pode
ser que alguns de vós, aprendizes, digam: “Pode ser que a Congregação tenda
a salvar almas, mas isso é para os sacerdotes, não para nós”. Em nenhum ou-
tro lugar aparece tão certa a comunhão dos santos como numa congregação
religiosa, em que todos os religiosos se beneficiam [uns] dos outros. Os que
pregam e ouvem confissões devem comer. Como irão fazê-lo, sem um cozi-
nheiro? Do mesmo modo, também os mestres instruídos precisam de roupa
e sapatos, e como irão adiante sem alfaiates e sapateiros? O mesmo se diga de
nossos corpos. A cabeça é mais importante do que a perna, o olho mais do
que o pé, mas o corpo precisa das duas coisas. Se um graveto penetrasse no
pé, imediatamente a cabeça, os olhos e as mãos se mobilizariam em sua ajuda.
Vem aqui, muito a propósito, a comparação com uma fábrica de relógios.
Quando todos os componentes de um relógio são feitos com precisão, eles
se completam perfeitamente. O resultado é um relógio de precisão. É certo
que algumas partes são mais delicadas e essenciais do que outras; mas quebrai
qualquer parte e o relógio deixará de funcionar corretamente.
Aquele a quem a autoridade ou a sabedoria dá uma posição mais elevada
recorde-se do que disse Davi no apogeu da sua glória: “Sou um mísero infeliz
e moribundo desde a infância” (Salmo 87[88], 16). Quanto mais alguém for
elevado, mais precisa ser humilde. É como a escada de um bombeiro; quan-
to mais alto ele sobe, mais exato deve ser o seu controle, para que não caia.
Quanto mais se sobe, mais dura é a queda!
16
MB X, 1061s.
756
Comentário
As oficinas e a comunidade dos aprendizes foram criadas em Valdocco
em relação com o acolhimento dos jovens, por razões práticas, cuja principal
finalidade era proporcionar proteção extra aos jovens aprendizes, eliminando
os perigos morais e o tratamento abusivo nas oficinas da cidade. Havia ainda
uma razão prática: como os meninos eram extremamente pobres e talvez não
pudessem ou quisessem estudar, era importante adquirirem os meios que lhes
permitissem ganhar a vida honestamente. Por outro lado, as oficinas propor-
cionavam bens e serviços necessários à casa, servindo também a uma limitada
clientela externa.
Por isso, as 6 oficinas criadas no Oratório entre 1853 e 1862 (sapataria,
alfaiataria, encadernação, carpintaria, forjaria e gráfica) serviam a fins práti-
cos. Inicialmente, Dom Bosco não queria manter os meninos limitados a um
ofício ou emprego agrícola, sem acesso à educação e sem a possibilidade de
ascensão social, a menos que não pudesse evitá-lo.
Entretanto, os programas de educação do povo criados pela Revolução
Liberal e a introdução progressiva de novos métodos de produção deram lu-
gar a uma situação nova. Dom Bosco logo percebeu que as oficinas, que se fo-
ram convertendo gradualmente em escolas de formação profissional, teriam
um novo papel e, por isso, decidiu oferecer à comunidade dos aprendizes do
Oratório o desafio da vocação salesiana leiga.
Enquanto isso, ele já experimentara o valor dos poucos salesianos leigos
que se tinham unido a ele nos anos sessenta, precisamente no âmbito da
direção e administração das oficinas. Do ponto de vista da direção e organi-
zação geral, as oficinas passaram por várias fases. Inicialmente, Dom Bosco
pôde contratar mestres de oficina, com contratos diferenciados, para que eles
dirigissem as oficinas. Não contente com os contratos, ele mesmo num de-
terminado momento foi diretor e administrador de todo o setor. Contudo,
só conseguiu assentar bem as bases quando, depois de 1860, pôde dispor de
seus próprios salesianos leigos para dirigir e administrar as oficinas.
O Regulamento para as Oficinas, de 1862, que substitui os anteriores,
reflete a nova orientação. Acima do mestre de oficina, que, por força das cir-
cunstâncias, não era salesiano, havia uma nova presença, um “assistente leigo
salesiano”, cujo encargo era velar pela conduta moral dos jovens, administrar
a oficina e adquirir equipamentos e materiais. José Rossi, Frederico Oreglia
e José Buzzetti exerceram essa função. José Gaia trabalhava como cozinheiro.
É certo que esta estrutura foi modificada com a introdução de um “assistente
clérigo”, encarregado de vigiar a moral e disciplina dos meninos, norma esta
757
758
Contexto
As Memórias Biográficas descrevem a ocasião da conferência de Dom
Bosco e identificam o padre Barberis como fonte.17
Normalmente, a festa de São José era marcada por uma conferência do padre
Rua aos salesianos do Oratório, mas, como estava em visita às nossas escolas
e supervisionando os exames semestrais de Teologia dos nossos clérigos, Dom
Bosco substituiu-o com muito gosto.
Dirigiu-se aos salesianos, noviços, postulantes e Filhos de Maria e estudantes
dos dois últimos anos da secundária [4o e 5o de bacharelado] [...]. Duzentas e
cinco [pessoas] assistiram à conferência de Dom Bosco, cujo tema foi o texto
bíblico: “A messe é grande, mas poucos os operários” [Lc 10,21].
No dia seguinte, padre Barberis reconstituiu a conferência de Dom Bosco, a
partir das anotações tomadas durante a apresentação. Declara que estava mais
preocupado com a substância do que com as palavras; mesmo assim, prestou-
-nos um notável serviço [...].
Padre Barberis comentou: “A mensagem foi muito clara; mas falou com tanta
energia, que nos dias seguintes vários jovens pediram para entrar na Congre-
gação Salesiana [...]”.
Texto
Messis multa, operarii pauci
Certo dia, nosso Divino Salvador passava pelo campo da vizinha Samaria.
Olhando ao redor, para as planícies e vales, e ao ver a abundante colheita,
indicou a seus apóstolos que eles também podiam desfrutar desse espetáculo.
Contudo, [eles] perceberam logo que não havia ninguém para a colheita. Vol-
tando-se para os apóstolos e, aludindo certamente a algo muito mais sublime,
Jesus lhes disse: “A messe é muita, mas os trabalhadores são poucos”. Ao longo
dos séculos, a Igreja e os povos de todas as nações ouviram o eco deste grito de
angústia. Podeis perceber rapidamente que com os campos e vinhedos, nosso
17
Apresenta-se aqui um resumo da conferência de Dom Bosco; outro texto mais completo pode
ser lido em MB XII, 625ss.
759
760
761
Todavia, não tenho a intenção de pedir que viajeis para terras tão distantes.
Alguns podem, mas nem todos, e há razões para isso. Em primeiro lugar,
temos uma necessidade urgente justamente aqui; e, além disso, nem todos
os chamados à Congregação Salesiana estão dispostos a ir para tão longe.
Contudo, em vista da necessidade e da falta de operários evangélicos, como
poderia ficar em silêncio? Reconhecendo que todos vós podeis de um modo
ou de outro trabalhar na vinha do Senhor, como poderia não revelar o desejo
oculto do meu coração? Sim, de verdade, espero ver-vos todos dispostos a
trabalhar, como tantos outros apóstolos. Este é o objetivo de todos os meus
pensamentos, preocupações e esforços. Esta é a razão dos nossos cursos rápi-
dos, e das maiores oportunidades que oferecemos para vestir o hábito clerical,
e para outros cursos de estudos especiais.18
Como ficaria em silêncio diante de tantas e tão urgentes necessidades? Como
faria ouvidos moucos ao povo que nos solicita de todas as partes? Creio que
é o mesmo Deus que fala através deles. Posso permanecer em silêncio e não
procurar aumentar as fileiras de missionários, quando Deus diz tão claramen-
te que deseja realizar grandes coisas através da nossa Congregação?
[Seguem parágrafos de exortação moral e espiritual. Depois, conclui:]
Que reine entre nós um intenso amor fraterno, de modo que aquilo que
aconteceu na Igreja também se reproduza em nossa Congregação. Além dos
apóstolos, havia 72 discípulos, os diáconos e outros cooperadores evangéli-
cos, todos trabalhavam em harmonia uns com os outros, todos unidos, firme-
mente unidos no amor. Por isso tiveram sucessos, assim o fizeram, para mu-
dar a face da terra; assim será também para nós. Onde quer que estivermos,
independentemente das tarefas que nos possam confiar, procuremos salvar as
almas, e principalmente a nossa. Fazei isso e será suficiente.
Comentário
O significativo nesta conferência é Dom Bosco ter falado a um grupo
em que estavam representados todos os setores da comunidade do Oratório,
inclusive o “elemento leigo”. E a respeito do tema, Messis multa, operarii pauci,
falou da missão confiada por Cristo à sua Igreja; e pela Igreja à Congregação
Salesiana; e da necessidade de todo tipo de trabalhadores, “sacerdotes, estu-
dantes, aprendizes e coadjutores”. Descreveu as maneiras de ajudar espiritual-
mente a outros e de cada um se preparar para ser digno operário evangélico.
18
Dom Bosco refere-se aqui à Obra de Maria Auxiliadora, ou dos Filhos de Maria, fundada
em 1875-1876 para o fomento das vocações adultas. Era-lhes oferecido um programa acelerado de
estudos, que facilitava a rápida vestidura clerical e, eventualmente, a ordenação.
762
Contexto
Neste Boa-noite, sobre o qual nos informam as Memórias Biográficas,19
Dom Bosco expôs a vocação leiga e convidou os aprendizes a considerarem
esta possibilidade. Explicando a ocasião, Ceria escreve: “Nas últimas noites
de março, Dom Bosco deu três Boas-noites. Construtivas e breves, estas falas,
resgatadas do esquecimento, são deliciosas pelo seu frescor e perspicácia”.20
Em 26 de março, falou aos “estudantes e salesianos”. Em 30 de março, diri-
giu-se à comunidade dos jovens sobre vários pontos de disciplina. O terceiro
Boa-noite, no último dia do mês, foi dirigido apenas aos aprendizes.
Texto
Passou algum tempo desde o nosso último encontro após as orações da noite
e percebi que, desde então, aconteceram muitas coisas, como a dissolução e
retorno da banda de música. Creio que vos disseram por que isso aconteceu.
A principal, e realmente a única razão, foi que, embora alguns meninos se
comportassem muito bem, muitos outros não o faziam. Bom músico é quem
leva alegria às pessoas quando escutam a música de que gozaremos um dia no
paraíso. Muitos dos músicos, porém, agiram como se quisessem que o diabo
se regozijasse [...].21
Algo que vos causou muito dano e que me fez sofrer, a ponto de eu ter de
expulsar vários meninos, foi minha triste descoberta de que alguns de vós
eram ladrões, que se queixavam continuamente e eram desbocados. Senti-me
muito, muito triste por expulsá-los, sobretudo porque alguns não tinham
para onde ir e teriam de cuidar de si mesmos. Contudo, o que poderíamos
fazer? Quando um menino não dá mais atenção a seus superiores e age como
um lobo faminto entre os companheiros, não posso permitir que fique aqui e
prejudique os demais. Vós sabeis que não cedo neste ponto; não posso tolerar
que suporteis algum dano no aspecto moral.
Prestai atenção. Se algum de vós, lamentavelmente, falhou neste assunto, que
vire página e não continue a falar com os demais, porque poderia arruinar
sua própria reputação e correr o risco de ser expulso. Se alguém não consegue
19
MB XII, 148ss.
20
MB XII, 141ss.
21
Em 1875, Dom Bosco dissolveu a banda de música dos aprendizes por causa da falta de dis-
ciplina. Restabeleceu-a, com novas condições, no início de 1876, e escreveu um regulamento para ela.
763
764
765
Espero que seja para vosso bem espiritual e material e, sobretudo, que vos tor-
ne fortes para vencer todas as tentações do diabo, que tão duramente acossa
os meninos da vossa idade. Mais particularmente, espero que esta bênção vos
ajude a superar todas as tentações contra a virtude da modéstia. [...] Coragem!
E vereis que Deus, através da bênção de seu vigário, vos permitirá vencer o
demônio. Que mais quereis que vos diga?
Comentário
Ceria escreve:
Esta fala [de Dom Bosco] é muito mais importante do que parece à primeira
vista. Seu objetivo era apresentar o salesiano leigo e convidar os aprendizes de
coração generoso a pensar em sua possível adesão à Congregação Salesiana.
Dom Bosco nunca falara em público e tão claramente sobre o tema. A confe-
rência que fez na festa de São José [19 de março] pode ter sido com a intenção
de preparar o caminho.22
766
Texto
Muito reverendo senhor:
Apesar dos maus tempos que correm, ainda é possível encontrar almas privi-
legiadas entre os jovens que, conforme o caso, desejam abandonar o mundo
para garantir mais facilmente a salvação da própria alma. Com esta convicção,
o abaixo assinado dirige-se a V. S.
Se, por acaso, algum de seus filhos espirituais demonstrasse esta inclinação
e estivesse disposto a abraçar a vida de sacrifício que convém a um religioso,
convide-o a pedir seu ingresso na Pia Sociedade Salesiana, fundada pelo re-
verendo padre João Bosco. Estes jovens devem ter observado anteriormente
uma conduta inatacável, devem ser sadios mental e corporalmente, dispostos a
dedicar-se a qualquer trabalho, por exemplo, no campo, na horta, na cozinha,
na padaria, no preparo e cuidado dos refeitórios, atender à limpeza da casa e,
se tiverem cultura suficiente, para colocá-los nos escritórios, como secretários.
E se exercem alguma arte e ofício dos que se ensinam em nossos centros po-
deriam continuar com ele nas oficinas correspondentes. A idade deveria estar
compreendida entre 20 anos completos e os 30 aproximadamente. Neste pedi-
do, além do certificado de boa conduta [da parte] do pároco, deverão apresen-
tar a certidão de nascimento e de solteiro [de estado livre]. Se puder encontrar
alguém que cumpra as condições indicadas, facilitará a salvação de uma alma,
proporcionará um benefício à nossa Pia Sociedade e V. S. alcançará um grande
mérito diante de Deus. Aquele que subscreve agradece-lhe antecipadamente e,
com o sentimento do mais elevado apreço e profundo respeito, tem o prazer
de se professar, do senhor, obrigadíssimo servo [...].23
Comentário
A idade preferida, de 20 a 35 anos, requerida para os candidatos pode in-
dicar, talvez, o desejo de Dom Bosco iniciar um programa de Filhos de Maria
leigos, semelhante ao dos Filhos de Maria, iniciado alguns anos antes. Neste
apelo, Dom Bosco volta a colocar a salvação da própria alma como priori-
dade da vida religiosa. Além das diversas possibilidades de trabalho manual,
oferece também alternativas para os que estejam qualificados e preparados
para trabalhos de secretaria e de ensino profissional em cursos práticos. Isso
pode indicar que se realizava nas oficinas algum tipo de ensino profissional,
além da aprendizagem prática do ofício, embora, como se sabe, um programa
completo de ensino só teve início depois do Capítulo Geral IV (1886).
23
MB XIV, 784. A carta não tem data, mas as MB XIV, 783, datam-na nos inícios de janeiro de 1880.
767
Ver MB XVI, 411ss. Embora se afirme que os resumos eram incompletos e se tivessem per-
24
dido as páginas iniciais, as minutas eram completas, apesar de poucas; as primeiras páginas estão no
arquivo, mas não em seu lugar: ASC D579: Capitolo Generale III, FDB 1, 864 V10-12 e 1,863 D7-12
+ 1, 864 A1-B3. Sabemos por elas que o Capítulo começou à tarde de domingo, 2 de setembro, e
acabou à tarde de sábado, 7 de setembro de 1883.
768
25
A afirmação não é clara. Significa que se descuidava o uso do termo, ou, dada a reação de
Dom Bosco, que se negligenciara no tratamento dos coadjutores como pessoal de serviço. O coadjutor
Barale não está na lista dos 35 membros do Capítulo Geral III (cf. FDB 1,864 B6); fora convidado
a assistir à discussão. Pedro Barale (1846-1934), o “cavalheiro da gráfica”, trabalhou com sucesso na
livraria e gráfica do Oratório. Deu início ao Bibliofilo Cattolico (1876), para propagar os bons livros,
que Dom Bosco transformaria no Bollettino Salesiano em 1877 depois de fundar os cooperadores.
769
Comentário
O Capítulo Geral III avançou consideravelmente na discussão sobre o
salesiano coadjutor, apesar de ter tratado o problema quase totalmente do
ponto de vista da necessidade interna da congregação. A ideia era preparar
os aprendizes que se destacassem com o fim de se sentirem atraídos para a
Sociedade e, eventualmente, se converterem em salesianos mestres de oficina,
substituindo assim os mestres não salesianos. O salesiano mestre de oficina
poderia exercer maior influência do ponto de vista educativo e religioso.
Motivação semelhante tinha em vista a possibilidade de maior educação e
formação daqueles que se uniam à Sociedade como salesianos leigos. A criação
de um noviciado separado para coadjutores fazia parte desse esforço, como
também a decisão de criar no Capítulo Superior o cargo de conselheiro de artes
e ofícios, então chamado conselheiro artístico. Padre José Lazzero foi o primeiro
a ser nomeado. Contudo, os programas não foram totalmente elaborados pelo
Capítulo, que durou apenas cinco dias. Precisaram ser modificados por Dom
Bosco e seu Conselho e, depois, pelo Capítulo Geral IV (1886); e, depois, no-
vamente pelo Conselho Superior antes de serem concluídos e aplicados.
770
Nesse outubro, Dom Bosco foi a San Benigno para a vestidura da bati-
na dos noviços clérigos. Antes de voltar para Turim, ele dirigiu-se separada-
mente aos noviços coadjutores. Padre Barberis registrou o famoso discurso
de Dom Bosco.
A fala divide-se em duas partes: a primeira é um preâmbulo sobre a
situação do leigo na Sociedade Salesiana com o tema “Não temas, pequeno
rebanho”; a segunda é uma curta exortação moral-espiritual que conclui com
o mesmo tema.
Texto
O evangelho desta manhã continha as palavras [de Jesus]: Nolite timere, pu-
sillus grex, não temas, pequeno rebanho. Também vós sois o pusillus grex, mas
não temais, nolite timere, pois crescereis. Fico muito contente que se tenha
iniciado com regularidade um ano de prova [noviciado] para os aprendizes.
Esta é minha primeira visita a San Benigno desde que estais aqui e, embora
tenha vindo para a imposição da batina aos clérigos, e não ficarei aqui mais
do que um dia, não quis ir embora sem dizer algumas palavras a vós em par-
ticular. Exporei dois pensamentos.
Primeiramente, quisera manifestar-vos a minha ideia sobre o salesiano coad-
jutor. Nunca tive tempo nem comodidade para expô-la adequadamente.
Vós, pois, estais aqui reunidos para aprender um ofício e educar-vos na pie-
dade. Por quê? Porque eu preciso de ajudantes. Há coisas que os sacerdotes
e os clérigos não podem fazer, mas vós, sim, podeis. Tenho necessidade de
[poder] dispor de alguém dentre vós, de enviá-lo a uma tipografia e dizer-lhe:
“Assuma-a como teu encargo e ponha-a para funcionar como se deve”. En-
viar outro a uma livraria e dizer-lhe: “Vai dirigi-la, faze com que tudo resulte
bem”. [Gostaria de poder] enviar alguém a uma casa e dizer-lhe: “Cuidarás
para que aquela oficina ou aquelas oficinas funcionem com ordem e não fal-
te nada; tomarás as medidas oportunas para que os trabalhos saiam como
devem sair”. Preciso [ter] em cada casa alguém a quem [se possam] confiar
as coisas mais reservadas, como o uso do dinheiro; [tratar com] pessoas pro-
blemáticas; preciso quem represente a casa nos ambientes externos. Preciso
que caminhem bem os assuntos da cozinha, da portaria; que tudo esteja em
ordem, que nada seja desperdiçado, que não se saia de casa [sem licença] etc.
Preciso de pessoas a quem se possam confiar essas incumbências. E vós deveis
ser estas pessoas. Numa palavra, vós não devereis ser aqueles que trabalham
diretamente ou sirvam como empregados, mas encarregados que dirijam.
771
Deveis ser como patrões (padroni) entre os demais trabalhadores, não como
empregados. Tudo, porém, com medida e dentro dos limites necessários; mas
deveis fazer tudo em nível de direção, como patrões (padroni), vós mesmos,
das oficinas e de seus equipamentos.
Esta é minha ideia de salesiano coadjutor. Tenho imensa necessidade de mui-
tos que me ajudem dessa maneira! Por isso, agrada-me que useis roupas de-
centes e limpas; que tenhais camas e celas convenientes, porque não deveis ser
empregados, mas patrões; não súditos, mas superiores.
Exponho-vos agora o segundo pensamento. Como sois chamados a colaborar
em tarefas grandes e delicadas, deveis adquirir muitas virtudes; e como deveis
estar à frente de outros, deveis dar, antes de tudo, bom exemplo. É preciso que
onde queira que se encontre um de vós, fiquemos certos de que ali reinará a
ordem, a moralidade, a virtude. Porque, se sal infatuatum fuerit... [se o sal se
tornar insosso...].
[...]
Concluamos, então, como começamos: Nolite timere, pusillus grex. Não te-
mais, pois o número crescerá; mas especialmente é necessário que cresçais em
bondade e fortaleza.
Vós sereis então invencíveis como leões e podereis fazer muito bem. Como
resultado, complacuit dare vobis regnum [agradou ao Pai dar-vos o reino]. Ficai
cientes: um reino, não a escravidão; e, sobretudo, um reino eterno!26
Comentário
O uso que Dom Bosco faz da imagem patrão-empregado pode ter sido
calculado para “elevar o ânimo” de um grupo “desanimado”. É evidente que
ele quis ressaltar o papel de líder do salesiano coadjutor em determinadas
áreas de apostolado da Sociedade. Nessas áreas, gestão das oficinas e outras
atividades de direção, o salesiano coadjutor é “pessoal dirigente” como os pa-
dres em suas próprias áreas, e podem ser encarregados de assuntos de grande
responsabilidade.27
26
MB XVI, 315s.
27
Estes conceitos, redigidos com uma retórica tão incomum, deve ter chamado a atenção de
alguns. Surpreendeu, certamente, alguns salesianos do Capítulo Geral XII, que elegeu padre Felipe
Rinaldi em 1921. Segundo as atas do Capítulo, o tema V, sobre o salesiano coadjutor, foi tratado na
sessão II. Durante o debate, um capitular, padre Costa, expressou suas reservas sobre o dar certidão de
cidadania ao discurso de Dom Bosco em San Benigno em 1883. De fato, questionava-se a autenticidade
do discurso e, sendo autêntico, se fora transmitido com fidelidade. Padre Nay respondeu que podia
garanti-lo, pois, sendo prefeito da casa naquela época, estivera presente e ouvido a fala. Também padre
772
Texto
§ 1. Coadjutor
[Preâmbulo]
Nossa Pia Sociedade é composta, não só por sacerdotes e clérigos, mas
também por leigos. [Const., capítulo 1o art. 1o]. Chamam-se coadjutores
[Const., capítulo 10o art. 14o; capítulo 13o art. 2o, capítulo 15o art. 3o] porque
sua função especial é ajudar (co-adiuvare) os sacerdotes nas obras de caridade
cristã próprias da congregação. Ao longo de toda a história da Igreja sobeja-
ram exemplos de leigos que ajudaram poderosamente os apóstolos e demais
ministros sagrados; a Igreja sempre se serviu de bons fiéis para o bem do povo
e a glória de Deus.
Em nosso tempo, mais do que em outros, podem as obras católicas e, entre
estas, nossa Congregação, obter uma ajuda eficacíssima dos seculares; em cer-
tas ocasiões, eles podem fazer mais e melhor do que os próprios sacerdotes.
Os coadjutores têm particularmente um amplíssimo campo aberto para exer-
cer sua caridade pelo próximo e expandir seu zelo para a glória de Deus:
[Podem atuar nesse campo] dirigindo e administrando os diversos empreen-
dimentos de nossa Pia Sociedade, atuando como mestres de aprendizes nas
oficinas, como catequistas nos oratórios festivos e, especialmente, em nossas
missões estrangeiras.
Barberis disse ter estado presente e ser, de fato, o autor da crônica. Estas testemunhas também disseram
que Dom Bosco falou desse modo, utilizando o termo “patrão” (padrone) em sentido amplo para, 1o reti-
ficar algumas falsas ideias sobre a situação de inferioridade do coadjutor que circulavam na Sociedade; 2o
para dar um impulso ao espírito desanimado dos irmãos. Padre Rinaldi acrescentou, como confirmação,
que no Capítulo Geral III, quando alguém quis que os coadjutores ficassem em seu lugar, de inferiori-
dade, Dom Bosco protestou: “Absolutamente! Os coadjutores são como os outros irmãos”. Nada ficou
registrado nas atas do Capítulo Geral III, nem sobre a sugestão desse salesiano, nem sobre a resposta
de Dom Bosco. Mas tocam no mesmo tema, e é provavelmente aquilo a que padre Rinaldi se referia.
773
(Prescrições práticas)
[As seguintes diretrizes ajudarão os coadjutores a] corresponder melhor à pró-
pria vocação:
conta que não é a importância do cargo que os torna agradáveis a Deus, mas
o espírito de sacrifício e de amor com que é realizado.
3 Não aceitarão trabalhos nem encargos externos sem consentimento expres-
o
so dos superiores.
4 Em todo lugar e ocasião, em casa ou fora dela, com palavras e ações, de-
o
monstrem que são bons religiosos, uma vez que não é o hábito que faz o
religioso, mas a prática das virtudes religiosas; e, do mesmo modo, tanto
diante de Deus quanto diante dos homens, é mais apreciado um religioso
vestido como secular, mas exemplar e fervoroso, do que outro vestido com
um hábito, mas tíbio e não observante.
§ 2. Sobre os aprendizes
[Preâmbulo]
Entre as obras de caridade realizadas pela nossa Pia Sociedade uma sobressai:
recolher, o quanto possível, jovens abandonados, aos quais seria inútil instruir
nas verdades da fé católica se não fossem instruídos ou preparados numa arte
ou ofício.
Nas casas em que o número de aprendizes for elevado, pode-se encarregar um
sócio do cuidado dos mesmos. Trata-se do conselheiro profissional.
A finalidade da Sociedade Salesiana, ao acolher e educar os jovens apren-
dizes é prepará-los com o ensino de um ofício, uma boa instrução religiosa
e alguns conhecimentos gerais adequados à sua situação. Dessa forma, ao
sair de nossas casas depois de concluída a aprendizagem, possam ganhar
honestamente o pão.
[Linhas gerais do programa]
Disso se segue que o plano de sua educação deve ser tríplice: religiosa e moral,
intelectual e profissional.
774
por causa da conduta. Se, por motivos particulares, crer-se oportuno fazer
alguma exceção, não sejam deixados na mesma casa, mas passem a outra
para aprender algum ofício.
9 A cada dois meses, o Diretor faça uma conferência aos assistentes e chefes
o
rários católicos; e, se sua conduta tivesse sido boa, peça-se que se façam
salesianos cooperadores.
775
Formação intelectual
Para que os alunos aprendizes adquiram durante a aprendizagem um conjun-
to de conhecimentos literários, artísticos e científicos que lhes são necessários,
estabelece-se:
1o Tenham todos os dias depois do trabalho, uma hora de aula, e aos que
tiverem mais necessidade, também lhes seja dada aula pela manhã, depois
da missa da comunidade até a hora do café. Onde as leis exigirem mais,
também convirá adequar-se ao que é ordenado.
2 Redija-se um programa escolar a seguir em todas as nossas casas de aprendi-
o
5o Ninguém poderá ser admitido a aulas especiais como desenho, francês etc.
se não tiver sido aprovado nas matérias relativas ao ensino elementar.
6 Haja exames no final do curso e premiem-se os mais aplicados.
o
776
Comentário
O preâmbulo da seção sobre os coadjutores é importante; ele apresenta
uma espécie de descrição eclesiológica da vocação salesiana leiga e define seus
possíveis campos de ação, tal como era possível no momento. Particularmente
importante é a reafirmação da igualdade constitucional da vocação salesiana
leiga, como também a afirmação de que “o papel específico dos coadjutores é
coadjuvar com o padre nas obras de caridade próprias da congregação”.
Entre os campos de atividade apostólica, parecem particularmente impor-
tantes, além das oficinas, os campos da catequese e das missões. O Capítulo
Geral IV foi um marco enquanto deu encaminhamento à escola profissional
salesiana com base profissional séria; pedia a formação e educação sistemática
do salesiano coadjutor. Também esperava que a recém-criada missão da Améri-
ca do Sul fosse o campo próprio da atividade dos salesianos leigos.
7. Conclusão
Ao longo de muitos anos, Dom Bosco tentou formular seu conceito de
vocação salesiana leiga e definir suas esferas de ação nas circunstâncias histó-
ricas concretas. Contudo, deixou a seus sucessores a continuação dessa explo-
ração e indicação para onde podia levar o desenvolvimento da ideia original,
virtualmente a todos os âmbitos não apropriados ao ministério ordenado.
28
MB XVIII, 699ss.
777
778
29
Breve nota bibliográfica sobre o salesiano coadjutor: F. Rinaldi, “Il Coadiutore Salesiano
secondo il Ven. Don Bosco”, ACS 40 (1927), 572-580; G. Vespignani, “Il Coadiutore Salesiano
secondo la mente del Beato Don Bosco”, ACS 54 (1930), 888-909; G. Aubry e P. Schoenemberger,
Don Bosco li volle così i Coadiutori Salesiani. Turim: LDC, 1961; P. Braido, Religiosi nuovi per il mondo
del lavoro: documentazione per un profilo del coadiutore salesiano. Roma: PAS, 1961; G. Favini, Salesiani
Coadiutori: caratterisitiche di una grande vocazione. Turim: LDC, 1963; P. Stella, “Cattolicesimo in
Italia e laicato nelle Congregazioni religiose: il caso dei coadiutori salesiani (1854-1974)”, Salesianum
37 (1975), 411-445; AA. VV., Atti Convegno Mondiale Salesiano Coadiutore (Roma, 31 de agosto-7 de
setembro de 1975). Roma: Esse-Gi-Esse, 1976; E. Bianco, La mano laica di Don Bosco: il Salesiano
Coadiutore. Leumann-Turim: LDC, 1982; F. Maraccani, “II Salesiano coadiutore e la formazione
professionale”, Rassegna CNOS 4 (1988), 87-97; Dicastero per la Formazione, II Salesiano Coadiu-
tore: storia, identità, pastorale vocazionale e formazione. Roma: SDB, 1989; A. Papes, “La formazione
del salesiano coadiutore nel 1883”, RSS 13 (1994), 143-224.
30
Cf. M. Rua, Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani. Turim: Direzione Generale Opere
Salesiane, 1965; P. Albera, Lettere circolari ai Salesiani. Turim: Direzione Generale Opere Salesiane,
1965. Reedições.
779
Padre Rua
[Promoção de vocações salesianas leigas]
Nossa sociedade é formada de tal modo que oferece abundantes possibilida-
des para o ministério apostólico, não só a seus membros sacerdotes salesia-
nos, como também a seus queridos salesianos coadjutores. Eles também são
chamados a um verdadeiro ministério apostólico em favor dos nossos jovens
em nossas escolas, sobretudo em nossos centros de formação profissional. De-
vemos promover a vocação do salesiano leigo entre nossos alunos aprendizes.
A escola de formação profissional é a obra salesiana mais solicitada nas Amé-
ricas, na África, na Ásia e em várias nações da Europa. A fim de satisfazer a
demanda e aumentar o número de boas vocações leigas, o Capítulo Geral IV
estabelece diretrizes excelentes para a formação moral, intelectual e profissio-
nal de nossos alunos aprendizes [...].
Quanto a este tema importante, a formação do pessoal é vital para o trabalho
de nossa Sociedade. Na Itália, os coadjutores obtiveram notáveis sucessos.
Muitos deles, por exemplo, obtiveram diplomas de ensino secundário, títulos
universitários e títulos de ensino para as escolas primárias.32
31
Atti del Capitolo Superiore 1 (1920), 103. Criados pelo padre Albera, os Atos do Capítulo
Superior começaram a ser publicados em 1920, no seu último ano de reitorado. Com exceção dos anos
da Segunda Guerra Mundial (1940-1944), sua publicação foi ininterrupta. Em 1965 (Capítulo Geral
XIX), o título passou a Atos do Conselho Superior (Atti del Consiglio Superiore). Em 1984, começou a ser
publicado com o título de Atos do Conselho Geral (Atti del Consiglio Generale).
32
Carta de 31 de janeiro de 1897, em M. Rua, Lettere, 188-189.
33
Carta de 20 de janeiro de 1898, em M. Rua, Lettere, 194.
780
34
Carta de 24 de junho de 1898, em M. Rua, Lettere, 207-208.
35
Carta de 2 de julho de 1906, em M. Rua, Lettere, 408.
36
Carta aos inspetores e diretores, 1o de novembro de 1906, em M. Rua, Lettere, 425.
781
Padre Albera
A grande preocupação do padre Albera foi a vida espiritual dos salesia-
nos. Ele escreveu várias cartas circulares relativas aos critérios da vida espiri-
tual. Tomadas em seu conjunto, formam uma espécie de diretório espiritual,
um compêndio da espiritualidade salesiana. Em sua última carta circular,
sobre as vocações, faz importantes declarações sobre o salesiano coadjutor.
[Missão apostólica e educativa do salesiano coadjutor]
Nas antigas congregações religiosas, os irmãos leigos formavam uma espécie de
segunda ordem, sujeita à primeira, e participavam apenas em parte do bem es-
piritual da congregação e do espírito do fundador. Dom Bosco acabou com esse
dualismo. Todos os salesianos compartilham os mesmos direitos e privilégios.
[...] [Os coadjutores] não constituem uma segunda ordem; são plenamente re-
ligiosos salesianos, com a única vocação salesiana e o mesmo apostolado dos
sacerdotes, à exceção do que se refere especificamente ao ministério ordenado.
Disso se deduz que nossos coadjutores devem ser qualificados para este apos-
tolado: catequese, conferências sobre temas religiosos e sociais, ensino nas
escolas primárias e secundárias, ensino como mestres de oficina, assumindo
os deveres de assistência diurna e noturna dos meninos, a administração fi-
nanceira de uma comunidade etc. Em outras palavras, os coadjutores devem
participar de todos os âmbitos da pastoral salesiana que não sejam próprios
do ministério ordenado.
É assim que se deve falar da vocação salesiana leiga a nossos jovens. As vocações
laicais são essenciais nas obras salesianas. Sem elas, nossa Congregação não
seria capaz de responder aos desafios urgentes que lhe são oferecidos pela socie-
dade moderna. Além disso, a instituição do salesiano coadjutor é uma criação
realmente original da caridade de Dom Bosco; mesmo porque ela oferece ao
leigo, na única vocação, os meios da plena espiritualidade religiosa e perfeição.
Em consequência, promovamos as vocações salesianas leigas. E insistamos que
os sacerdotes e os coadjutores são iguais na única vocação salesiana; e isso se
refere tanto aos direitos sociais como aos benefícios espirituais [...].
Tenhamos em consideração, também o poder do bom exemplo. Nossas pa-
lavras e nossos esforços pelas vocações leigas seriam em vão, se nossos jovens
não vissem na prática em nossas comunidades a igualdade e a fraternidade
entre os salesianos sacerdotes e os coadjutores [...].
Quando um coadjutor salesiano é destinado a uma casa, o diretor não pense
que nada deva fazer pela sua educação e formação. Ao contrário, estas devem
continuar com toda paciência e cuidado.37
37
Carta sobre as vocações, 15 de maio de 1921, em P. Albera, Lettere, 504-506.525.
782
783
58. Será dada instrução religiosa continuada aos irmãos leigos mediante ade-
quadas sessões semanais.
59. Também haverá na biblioteca da casa livros adequados às necessidades dos
irmãos leigos, para sua instrução e recreação.
60. Prescreve-se que os irmãos leigos que aprendem um ofício numa oficina,
depois da primeira profissão, façam um curso de dois anos de formação, a
fim de completar sua preparação profissional. Se for possível, haja em cada
Inspetoria uma casa específica para esse fim. Para sua gestão, seguir-se-á o
regulamento geral das casas, tendo em consideração o ditado do artigo 53.
[Este artigo trata do aperfeiçoamento e atenção aos estudantes clérigos.]
Seguir-se-á o plano de estudos para o curso de dois anos preparado pelo
Conselheiro geral para as escolas de formação profissional.
61. Os irmãos leigos deverão ser cuidadosamente instruídos e capacitados para
trabalharem em Oratórios festivos.
784
pois do noviciado.
5 As vocações leigas e as casas para aspirantes leigos.
o
“As vocações salesianas e sua formação profissional, religiosa e salesiana”, ACS 3:16 (1922),
38
785
e o espírito de sacrifício, para que vivam nosso estilo de vida. Vê-se com
demasiada frequência, [...] que nossos diplomados que saem da escola, vão
embora com indiferença [...].
Em segundo lugar, nossas Constituições impõem-nos o dever de promover
as vocações entre os alunos em nossas escolas de formação profissional [...].
O Capítulo Geral celebrado recentemente [CG XII] reconhece os progressos obti-
dos com a fundação de muitas novas casas e missões. Contudo, também assinalou
a falta de pessoal habilitado e capaz de fazer apostolado em nossos centros de for-
mação profissional. Em outras palavras, neste momento, as Inspetorias não podem
contar com pessoal salesiano preparado profissionalmente para essas escolas [...].
Como o pessoal salesiano capacitado é escasso, [...] não deve ser diluído ainda
mais, dispersando-o por várias Inspetorias carentes. Mas deveriam ser concen-
trados nos centros de formação e capacitação profissional [...]. Estes centros
serão, então, viveiros de pessoal com formação profissional salesiana.
39
ACS 4:19 (1923), 79-80 [24 de abril de 1923].
40
ACS 7:35 (1926), 465-470 [24 de junho de 1926].
41
ACS 7:36 (1926), 508-514 [24 de setembro de 1926].
786
42
ACS 7:37 (1926), 533-534 [24 de dezembro de 1926].
43
ACS 8:40 (1927), 582-584 [24 de julho de 1927].
44
ACS 10:47 (1929), 723-724 [6 de janeiro de 1929].
45
ACS 11:51 (1930), 841-842 [24 de janeiro de 1930].
46
ACS 11:53 (1930), 869-870 [24 de abril de 1930].
787
5o Não obstante, o centro pôs em ação alguns programas modelos: San Benig-
no, para a formação profissional em vários campos (desde 1883); Cumiana,
para a formação de agricultores (1927); e Rebaudengo (1930), dos quais os
coadjutores de outras inspetorias podem participar. Estes centros também
têm finalidade missionária.
6o Os coadjutores procurem adquirir um bom conhecimento em seu ofício e
a especialização, e deve-se dar-lhes a oportunidade [para isso].
7o A formação religiosa permanente, a educação geral e a formação profissio-
nal dos salesianos coadjutores devem caminhar juntas e devem ter prioridade.
Os inspetores e diretores, sobretudo, devem cuidar dos coadjutores.
8o O salesiano coadjutor no pensamento de Dom Bosco – Comentário do padre
Vespignani sobre as duas partes da conferência de Dom Bosco em 1883 aos
noviços leigos em San Benigno47
Este extenso ensaio comenta cada frase importante das duas partes da
conferência de Dom Bosco; a primeira parte explica seu pensamento sobre o
coadjutor como profissional e mestre; a segunda, a formação espiritual. Padre
Rinaldi apresenta e felicita o ensaio como “as palavras do Pai explicadas por
um filho”. Espera que o ensaio seja conhecido de todos os coadjutores atra-
vés de sua tradução. Seria “uma pauta para sua formação e perseverança”, ao
mesmo tempo em que os introduz na “importância da sua missão e da sua
formação espiritual”.48
Documentos do padre Rinaldi
As cartas circulares do padre Felipe Rinaldi, publicadas nos Atos [do
Capítulo Superior], costumam ser breves. Entre a meia dúzia de cartas mais
extensas, é significativa aquela que trata dos salesianos coadjutores:
1o O salesiano coadjutor no pensamento de Dom Bosco.49
Esta carta desenvolve os seguintes pontos:
1. Necessidade e importância da formação profissional dos jovens pobres nas
missões, especialmente em relação à agricultura. Abre-se a escola agrícola de
Cumiana com finalidade missionária para capacitar os coadjutores.
2. O salesiano coadjutor é uma das criações mais originais e inspiradas de
Dom Bosco. Os coadjutores “não são uma segunda ordem, mas plenamente
religiosos salesianos, obrigados à mesma perfeição [dos sacerdotes]; e fazia
47
ACS 11:54 (1930), 888-909 [24 de outubro de 1930].
48
ACS 11:54 (1930), 877 [24 de outubro de 1930].
49
ACS 8:40 (1927), 572-580 [24 de julho de 1927].
788
50
ACS 9:46 (1928), 688-691 [24 de setembro de 1928].
789
51
ACS 11:55 (1930), 913-915 [24 de dezembro de 1930].
52
ACS 11:55 (1930), 921-922 [24 de dezembro de 1930].
53
ACS 12:56 (1931), 945-948 [24 de abril de 1931].
790
Este cânon não se aplica aos institutos religiosos nos quais existem diversas ca-
tegorias, mas apenas uma classe de religiosos. Estes são, por exemplo, a Con-
gregação dos Irmãos das Escolas Cristãs [de] la Salle e a Sociedade Salesiana.
Nestes casos, portanto, o noviciado é único [...]. Este é o caso de um instituto
religioso leigo no qual existem apenas alguns sacerdotes, ou de um instituto
no qual não haja sacerdotes, mas apenas leigos de categoria diferente [mas de
uma só classe], ou de um instituto no qual, por disposição das constituições,
as categorias de sacerdotes e leigos constituem uma única classe de religioso.
Cf. Constituições da Sociedade Salesiana.54
54
A. Larraona, Commentarium pro Religiosi. Roma: Institutum Iuridicum Claretianum, 1935,
152-153.183-184.
55
Cf. Acta et Documenta Congressus Generalis de Statibus Perfectionis, vol. III. Roma: Pia Società
San Paolo, 1953, 208-212.
56
Cf. Atti Convegno Mondiale Salesiano Coadiutore (Roma, 31 de agosto-7 de setembro de
1975). Roma: Esse-Gi-Esse, 1976. Vejam-se especialmente: o discurso de abertura do Reitor-Mor
padre L. Ricceri, Ibidem, 15-21; a introdução geral de M. Midali, Perché e come ridefinire l’identità del
salesiano coadiutore; Ibidem, 23-49; e o artigo de P. Stella, I coadiutori salesiani (1854-1974), appunti
per un profilo storico socio-professionale; Ibidem, 53-99.
57
Cf. o documento publicado pelo Conselho Geral de Roma: El salesiano coadjutor: historia,
identidad, pastoral vocacional y formación. Madri: Editorial CCS, 1989.
791
Livros
AMADEI, Angelo. Don Bosco e il suo apostolato [...]. Vol. I. Turim: SEI, 1940.
BERTO, Gioachino. Compendio dell’andata di Don Bosco a Roma nel 1873,
em ASC A004: Cronachette, Berto, FDB 908 C8ss.
________. Appunti sul viaggio di Don Bosco a Roma. 1873, em ASC A004:
Cronachette, Berto, FDB 907 D12ss.
________. Brevi appunti pel viaggio di Don Bosco a Roma nel 1873-1874, em
ASC A004: Cronachette, Berto, FDB 908 B5-910 e 910 C4-911 A8.
BONETTI, Giovanni. Storia dell’Oratorio, publicada em série no Bolletino
Salesiano, a partir de maio de 1883, e depois reunida no volume inti-
tulado: Cinqui lustri di storia dell’Oratorio salesiano fondato dal sacer-
dote D. Giovanni Bosco. Turim: Tip. Salesiana, 1892. [Existe tradução
espanhola, Cinco lustros de historia del Oratorio Salesiano, Buenos Ai-
res, 1897.]
BOSCO, Giovanni, Costituzioni della Società di San Francesco di Sales [1858]-
1875. Edição crítica de Francisco MOTTO. Roma: LAS, 1982.
BRAIDO, Pietro. Scritti sul sistema preventivo nell’educazione della gioventù.
Brescia: La Scuola, 1965.
________. Il sistema preventivo di Don Bosco. Zurique: PAS Verlag, 1964.
________ (ed.). La lettera di Don Bosco da Roma del 10 maggio 1884 (Piccola
Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 3). Roma: LAS, 1984.
________. “Don Bosco per i giovani: ‘l’oratorio’ – una ‘congregazioni degli
oratori’”. Documenti. Roma: LAS, 1988.
BRAIDO, Pietro (ed.); GIOVANNI (S.) BOSCO. Il sistema preventivo nella
educazione della gioventù: introduzione e testi critici (Piccola Biblioteca
dell’Istituto Storico Salesiano, 5). Roma: LAS, 1985.
CANALS, Juan; MARTÍNEZ AZCONA, Antonio (eds.). Juan Bosco: obras
fundamentales. Madri: BAC, 1979.
CAVIGLIA, Alberto. Opere e scritti editi e inéditi di Don Bosco. Turim: SEI,
1929-1965.
________. Don Bosco: profilo storico. Turim: SEI, 1934.
________. La pedagogia di Don Bosco. Turim: SEI, 1955.
793
________. San Domenico Savio Del ricordo dei contemporanei. Turim: LDC,
1957.
CEPPELLINI, Vincenzo; BOROLI, Paolo; LAMARQUE, Lucio (eds.). Sto-
ria d’Italia: cronologia 1815-1990. Collana Compacta. Novara: Istitu-
to Geografico De Agostini, 1991.
DESRAMAUT, Francis. Don Bosco en son temps (1815-1888). Turim: SEI,
1996.
DUGGAN, Christopher. A concise history of Italy. Cambridge: University
Press, 1994.
LEMOYNE, Giovanni Battista. Vita di San Giovanni Bosco (editado por A.
Amadei). 2 volumes. Turim: SEI, 1947.
MARTIN, George. The red shirt and the cross of Savoy. Nova York: Dodd,
Mead & Co., 1969.
MOLINERIS, Michele. Nuova vita di Domenico Savio: quello che le biografie
di San Domenico Savio non dicono. Castenuovo Don Bosco: Istituto
Salesiano, 1974.
MOTTO, Francesco (ed.). I “Ricordi confidenziali ai direttori” di Don Bos-
co (Piccola Biblioteca dell’Istituto Storico Salesiano, 1). Roma: LAS,
1984.
________ (ed.). Memorie dal 1841 al 1884-5-6 pel sac. Gio. Bosco a’suoi fi-
gliuoli salesiani [Testamento spirituale]. (Piccola Biblioteca dell’Istituto
Storico Salesiano, 4). Roma: LAS, 1985.
PAZZAGLIA, Luciano. “Apprensdistato e istruzione degli artigiani a Valdoc-
co (1846-1886)”. In: TRANIELLO, Francesco (ed.), Don Dosco nella
storia della cultura popolare. Turim: SEI, 1987, p. 13-80.
PRELLEZO, José Manuel (ed.). L’impegno dell’educare: studi in onore di Pietro
Braido promossi dalla Facoltà di Scienze dell’Educazione dell’Università
Pontificia Salesiana. Roma: LAS, 1991.
RUA, Michele. Lettere circolari di Don Michele Rua ai Salesiani. Turim: Dire-
zione Generale, 1965.
SALLOTI, Carlo. Domenico Savio. Turim: Libreria Editrice Internazionale,
1915.
STELLA, Pietro. Don Bosco: mentalità religiosa e spiritualità. Zurique: PAS
Verlag, 1969.
________. Gli scritti a stampa di S. Giovanni Bosco. Roma: SEI, 1977.
________. Don Bosco nella storia della religiosità cattolica: vita e opere. Roma:
LAS, 1979.
794
________. Don Bosco nella storia economica e sociale. Roma: LAS, 1980.
TUNINETTI, Giuseppe. Lorenzo Gastaldi 1815-1883. Vol. I: Teologo, pub-
blicista, rosminiano, vescovo di Saluzzo: 1815-1871; Vol. II: Arcivescovo
di Torino: 1871-1883. Casale Monferrato: Ed. Piemme, 1988.
VIGLIETTI, Carlo Maria. Cronaca di Don Bosco: prima redazione (1885-
1888). Introdução, texto crítico e notas de P. Marín Sánchez. Roma:
LAS, 2009.
WIRTH, Morand. Da Don Bosco ai nostri giorni. Roma: LAS, 2000.
Artigos
BRAIDO, Pietro. “L’idea della Società Salesiana nel ‘Cenno Istorico’ di Don
Bosco del 1873/1874”. In: Id., Don Bosco per i giovani: “l’oratorio”, una
“congregazione degli oratori”. Documenti. Roma: LAS, 1988, 80-167.
CAVIGLIA, Alberto. “La vita di Domenico Savio e ‘Savio Domenico e Don
Bosco’”. Studio. Turim: SEI, 1943. In: Id., Opere e scritti editi e inéditi
di “Don Bosco”. Volume IV. Turim: SEI, 1965.
DESRAMAUT, Francis. “Lo scopo della società nelle costituzioni salesiane”.
In: AA. VV. La missione dei salesiani nella Chiesa. Turim: LDC, 1970,
65-85.
GONZÁLEZ, Jesús Graciliano. “Acta de fundacíon de la Sociedade de
San Francisco de Sales, 18 de diciembre de 1859”, RSS 27 (2008),
p. 346-347.
LENTI, Arthur J. “Community and mission: spiritual insights and salesian
religious life in Don Bosco’s Constitutions”, JSS 9:1 (1998), 1-57.
________. “Politics of the ‘Our Father’ and the Holy Father: Don Bosco’s
mediation in church state affairs”, JSS 10:2 (1999), 181-245.
________. “Don Bosco’ second great hagiography essay ‘The life of young
Dominic Savio’”, JSS 12:1 (2001), 1-52.
MOTTO, Francesco. “Constitutiones Societatis San Francisci Salesii: fonte
letterarie dei capitoli ‘Scopo, Forma, Voto di obbedienza, povertà e
castità’, RSS 2 (1983), 341-384.
________. “La figura del superiore salesiano nelle Costituzioni della Società
di San Francesco di Sales del 1860”, RSS 2 (1983), 3-52.
________. “La mediazione di Don Bosco fra la Santa Sede e governo per la
concessione degli Exequatur ai vescovi d’Italia (1872-1874)”, RSS 6
(1987), 3-79.
795
________. “L’azione mediatrice di Don Bosco nella questione delle sedi ves-
covili dal 1858 alla morte di Pio IX (1878)”. In: BRAIDO, Pietro
(ed.). Don Bosco nella Chiesa a servizio dell’umanità: studi e testimo-
nianze. Roma: LAS, 1987, 251-328.
PRELLEZO, José Manuel. “’Dei castighi’ (1883): puntualizzazioni sull’autore
e sulle fonti redazionali dello scritto”, RSS 52 (2008), 287-307.
_________. “Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane: una lettera circo-
lare attribuita a Don Bosco”, RSS 5 (1986), 263-308.
________. “Fonti letterarie della circolare ‘Dei castighi da infliggersi nelle
case salesiane’”, Orientamenti Pedagogici 27 (1980), 625-642.
________. “‘Dei castighi’ (1883): puntualizzazioni sull’autore e sulle fonti
redazionali dello scritto”, RSS 52 (2008), 287-307.
STELLA, Pietro. “Le costituzioni salesiane fino al 1888”. In: AUBRY, José;
MIDALI, Mario (eds.), Fedeltà e rinnovamento: studi sulle costituzioni
salesiane. Roma: LAS, 1974, 15-54.
796
Siglas e abreviaturas.............................................................................................. 5
Apresentação do Segundo volume. Expansão: de Valdocco a Roma
(1850-1875)......................................................................................................... 7
Capítulo I
A DÉCADA 1850-1861
1. O progresso da Revolução Liberal e suas reformas sociais............................... 9
A reforma escolar Boncompagni (4 de outubro de 1848)...................................... 9
As Leis Siccardi (9 de março e 8 de abril de 1850) e a ascensão política de Cavour......10
As Leis Siccardi.............................................................................................. 11
A reação do arcebispo Fransoni........................................................................ 13
A Lei Rattazzi, “lei dos conventos” (1854-1855)................................................. 15
Disposições da lei............................................................................................ 15
O relatório do Comitê sobre o estado da Igreja no Reino da Sardenha................. 15
Tentativas de negociação................................................................................. 16
Debate no Parlamento e mortes na casa real..................................................... 17
Alocução de Pio IX, posição da Santa Sé e resposta do rei................................... 18
Aprovação da lei no Parlamento, sua introdução no Senado e a “crise Calabiana”....19
Morte do filho mais novo do rei. Aprovação e assinatura da lei........................... 21
Comentário.................................................................................................... 21
A reforma educacional de Casati (13 de novembro de 1859).............................. 22
Descrição geral e normativa............................................................................. 22
Comentário.................................................................................................... 23
2. Os dois sonhos de Dom Bosco sobre mortes na casa real.............................. 23
Cronologia......................................................................................................... 23
Data do sonho.................................................................................................... 24
Texto e fonte da narração................................................................................... 25
Predições realizadas............................................................................................ 27
Teologia da retribuição....................................................................................... 27
3. Evolução dos acontecimentos políticos até a unificação da Itália (1861).......... 29
Mazzini, Garibaldi e o Partido da Ação.............................................................. 30
A Guerra da Crimeia e a participação do Piemonte (1854-1855)........................ 31
797
798
Número de aprendizes..................................................................................... 63
Administração das oficinas.............................................................................. 64
A jornada de um aprendiz.............................................................................. 64
As oficinas na década de 1860 e o advento do salesiano coadjutor...................... 65
A tipografia.................................................................................................... 65
A oficina de ferreiro........................................................................................ 66
A livraria....................................................................................................... 67
O salesiano coadjutor......................................................................................... 67
Novo regulamento para as oficinas..................................................................... 67
Formas de aprendizagem.................................................................................... 68
O desenvolvimento das oficinas nas décadas de 1860 e 1870.............................. 69
Números........................................................................................................ 69
Crise e recuperação.......................................................................................... 69
Até a escola profissional...................................................................................... 70
Apêndice
PRIMEIRO REGULAMENTO (1854)........................................................... 72
Chefes de oficina................................................................................................ 72
REGULAMENTO DAS OFICINAS (POR VOLTA DE 1860-1861)............ 73
Capítulo III
DOM BOSCO, EDUCADOR E MESTRE ESPIRITUAL
1. A opção e o amor pelos jovens, compromisso vocacional de Dom Bosco...... 76
valorização dos jovens em Dom Bosco............................................................... 77
O relacionamento com os jovens........................................................................ 78
2. Método e estilo educativo de Dom Bosco...................................................... 79
Dom Bosco, educador realista............................................................................ 79
Escritos pedagógicos de Dom Bosco................................................................... 79
Primeiros escritos importantes.......................................................................... 80
Método e estilo educativo de Dom Bosco........................................................... 83
3. A “filosofia educacional” de Dom Bosco....................................................... 83
A “família” como modelo e o “espírito de família”.............................................. 83
A palavra e o exemplo de Dom Bosco................................................................. 86
A familiaridade e o espírito de família na prática................................................ 88
799
800
801
Capítulo V
DOM BOSCO publicista. O APOSTOLADO DA IMPRENSA
1. Contexto histórico....................................................................................... 150
Educação generalizada e aumento do índice de alfabetização............................ 151
Resposta católica às reformas liberais e à secularização da sociedade.................. 151
Escritor e editor................................................................................................ 152
2. Escritos em defesa da Igreja e do papado..................................................... 153
História da Itália. Primeira edição (1855-1856)................................................ 153
Finalidade e estilo......................................................................................... 153
Fontes.......................................................................................................... 154
Organização e conteúdos............................................................................... 154
Ideologia...................................................................................................... 155
Segunda edição (1859)..................................................................................... 157
Oito novos capítulos...................................................................................... 157
Recensão do livro na Gazzetta del Popolo...................................................... 159
Crítica moderada de Nicolau Tommaseo........................................................ 159
Vidas de papas (1857-1858)............................................................................. 160
Propósito da série.......................................................................................... 160
Vida de São Pedro........................................................................................ 160
Outras vidas dos primeiros papas................................................................... 161
3. Escritos piedosos e educativos...................................................................... 162
O mês de maio em honra de Maria Santíssima Imaculada (1858)................... 162
Vade-mécum do cristão (1855)...................................................................... 163
A vida do jovem Domingos Sávio (1859)....................................................... 164
Cinco edições publicadas sob a supervisão de Dom Bosco................................. 164
Edições posteriores, baseadas no texto definitivo............................................... 165
Fontes.......................................................................................................... 166
Conteúdo..................................................................................................... 168
Apêndice
CARTA DE DOM BOScO SOBRE O APOSTOLADO DA IMPRENSA
(19 DE MARÇO DE 1885)............................................................................ 169
[Base teológica]............................................................................................. 169
[O poder do livro]......................................................................................... 170
[Dom Bosco e o compromisso dos salesianos com o Apostolado da Imprensa]...... 171
802
803
Apêndice
OS VALDENSES E SEU FUNDADOR........................................................ 201
DOM LUÍS MORENO (1800-1878), BISPO DE IVREA............................ 203
Capítulo VII
ORIGEM DA SOCIEDADE SALESIANA. UMA “CONGREGAÇÃO”
DE COLABORADORES DO ORATÓRIO (1841-1876)
1. A primitiva “Congregação” e sua evolução.................................................. 206
Natureza da “Congregação” primitiva (1841-1859).......................................... 207
Uma associação de clérigos e leigos, homens e mulheres................................... 208
Uma dupla Congregação (1859)....................................................................... 210
A Sociedade Salesiana: vida em comunidade..................................................... 211
O grupo externo (1858-1874)........................................................................... 212
2. Alguns textos importantes........................................................................... 213
Origem desta Congregação............................................................................... 213
Cooperadores Salesianos (1877)....................................................................... 215
História dos Salesianos Cooperadores (1877)................................................... 218
Membros externos da Sociedade Salesiana........................................................ 221
3. Comentário dos textos e interpretação........................................................ 222
Existência de uma primitiva Congregação de São Francisco de Sales,
anterior às primeiras Constituições (1858) e sua “divisão” (1859)..................... 222
Interpretação de Desramaut........................................................................... 222
Os Cooperadores Salesianos em 1876 e sua aprovação..................................... 223
A Obra de Maria Auxiliadora (Filhos de Maria)............................................ 225
Crítica de Stella............................................................................................ 226
À maneira de conclusão................................................................................. 229
Apêndice
CRONOLOGIA DE 1858 A 1874................................................................. 231
Capítulo VIII
A FUNDAÇÃO DA SOCIEDADE SALESIANA (1859)
1. Dom Bosco reúne “seus meninos” e dá origem à Sociedade Salesiana......... 236
Testemunho das Memórias Biográficas............................................................... 236
MB III, 546-548, 572-574 (julho de 1849).................................................. 236
MB IV, 93-94 (28 de setembro de 1850)....................................................... 237
804
Capítulo IX
PANORAMA HISTÓRICO DO PERÍODO 1861-1874
1. A unificação da Itália................................................................................... 265
A “questão romana”.......................................................................................... 266
Conflitos sociais, conspirações dos mazzinianos e dificuldades do governo........ 268
A Convenção de setembro................................................................................ 269
Terceira Guerra de Independência (1866)......................................................... 271
Ação militar de Garibaldi contra Roma (1867)................................................. 273
O Concílio Vaticano (8 de dezembro de 1869-20 de outubro de 1870)............ 274
A guerra franco-alemã e a tomada de Roma (20 de setembro de 1870)............. 276
A Lei das Garantias.......................................................................................... 277
2. Dom Bosco e sua obra na década 1862-1874............................................... 277
805
Apêndice
SILLABUS DOS ERROS (1864).................................................................... 280
PEDIDO DE INFORMAÇÃO, DE DOM BOSCO, SOBRE SUA
ASSISTÊNCIA AO CONCÍLIO VATICANO I............................................... 281
Carta a dom Joseph Fessler, secretário do Concílio Vaticano I,
de 22 de novembro de 1869.......................................................................... 281
Comentário.................................................................................................. 282
Capítulo X
AS PROFECIAS DE DOM BOSCO (1870-1873)
1. A guerra franco-alemã (19 de julho de 1870-10 de maio de 1871)............. 283
2. As profecias de Dom Bosco......................................................................... 285
Profecia (1870): “Só Deus é todo-poderoso...”.................................................. 286
Documentação............................................................................................. 286
Conteúdo..................................................................................................... 286
Introdução.............................................................................................. 286
Parte primeira ........................................................................................ 287
Parte segunda.......................................................................................... 287
Inserção.................................................................................................. 287
Epílogo................................................................................................... 287
Mensagem a Pio IX (1873): “24 de maio-24 de junho de 1873.
Era uma noite escura...”..................................................................................... 287
Documentação............................................................................................. 287
Conteúdo..................................................................................................... 288
Mensagem profética a Francisco José I (1873):
“Assim diz o Senhor ao imperador da Áustria...”.................................................. 288
Documentação............................................................................................. 288
Conteúdo..................................................................................................... 289
As três profecias, segundo as Memórias Biográficas............................................. 289
Quadro cronológico....................................................................................... 289
Primeira profecia (5 de janeiro de 1870)........................................................ 291
Introdução.............................................................................................. 291
Profecia.................................................................................................. 291
Conclusão............................................................................................... 294
Esclarecimentos............................................................................................. 294
Segunda profecia (24 de maio-24 de junho de 1873)...................................... 295
Terceira profecia (julho de 1873)................................................................... 297
806
807
Apêndice
O METHODUS............................................................................................. 334
Capítulo XII
AS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS. SEGUNDA ETAPA (1867-1871)
1. Avaliação de dom Riccardi sobre a situação no Oratório............................. 336
2. Quadro cronológico do processo de aprovação nos anos 1867-1869........... 337
3. O texto latino (1867) apresentado em Roma para aprovação...................... 339
4. Cartas de recomendação.............................................................................. 340
5. Relatório do padre Durando e observações críticas (1867).......................... 341
6. Intervenção de dom Riccardi na Congregação dos Bispos e Regulares........ 344
7. Relatório negativo do representante do Vaticano, monsenhor Tortone......344
8. Negativa ao pedido de Dom Bosco.............................................................. 345
9. Aprovação da Sociedade, mas não de suas Constituições............................. 346
10. Conteúdo do Decreto................................................................................ 347
11. Incidentes desagradáveis............................................................................ 348
Apêndice
ALEXANDRE RICCARDI (1808-1870), ARCEBISPO DE TURIM
(1867-1870)......................................................................................................... 350
CARTAS DE DOM ALEXANDRE RICCARDI DI NETRO...................... 352
A Dom Bosco................................................................................................ 352
Carta confidencial ao cardeal Quaglia, prefeito da Congregação dos Bispos
e Regulares................................................................................................... 353
Observações feitas por dom Riccardi sobre as Constituições............................... 355
Capítulo XIII
AS CONSTITUIÇÕES SALESIANAS. TERCEIRA ETAPA (1872-1874)
1. 1872. Dom Gastaldi e Dom Bosco.............................................................. 358
Lourenço Gastaldi, arcebispo de Turim. Inícios difíceis.................................... 358
Primeiro distanciamento................................................................................... 361
Reinício do processo de aprovação das Constituições Salesianas........................ 362
“Declaração de intenções” de dom Gastaldi (24 de outubro de 1872)............... 363
Comentário...................................................................................................... 365
808
Apêndice
COMENTÁRIOS DE DOM BOSCO SOBRE QUESTÕES
IMPORTANTES RELACIONADAS COM A SOCIEDADE SALESIANA...... 396
O Noviciado................................................................................................ 396
Privilégios e dimissórias................................................................................. 397
RESUMO HISTÓRICO (Cenno istorico) DE 1873 - 1874.................. 398
Início desta Congregação............................................................................... 398
Pensamento do Santo Padre sobre esta Pia Sociedade....................................... 400
O decreto das cartas comendatícias de 1864................................................... 401
Dificuldades para as sagradas ordenações........................................................ 402
A aprovação da Sociedade em 1o de março de 1869......................................... 402
Programa de estudos...................................................................................... 404
As cartas dimissórias..................................................................................... 407
CARTAS DE DOM LOURENÇO GASTALDI............................................ 410
A Dom Bosco, 24 de outubro de 1872........................................................... 410
A Dom Bosco. 9 de novembro de 1872........................................................... 412
Resposta de Dom Bosco a dom Gastaldi.......................................................... 413
Carta de dom Gastaldi a Roma..................................................................... 415
809
Capítulo XIV
LOURENÇO GASTALDI (1815-1883). NOTAS BIOGRÁFICAS
1. Período anterior à ordenação episcopal (1815-1867).................................. 421
Família, educação e sacerdócio.......................................................................... 421
Rosminiano e missionário na Inglaterra............................................................ 424
Período pré-episcopal na arquidiocese de Turim............................................... 425
Dom Gastaldi e Dom Bosco............................................................................. 426
2. Bispo de Saluzzo (1867-1871)..................................................................... 427
O homem e o sacerdote.................................................................................... 427
Ministério episcopal em Saluzzo....................................................................... 428
Visita pastoral.............................................................................................. 428
Concílio Vaticano I....................................................................................... 429
Objetivos pastorais e enfermidade.................................................................. 429
3. Arcebispo de Turim (1871-1883)................................................................ 431
Nomeação........................................................................................................ 431
Diante de uma situação difícil.......................................................................... 431
A luta pelo Exequatur e a mediação de Dom Bosco.......................................... 432
Pastor reformador............................................................................................. 433
Colaboradores............................................................................................... 434
Reforma do clero e a vida da Igreja................................................................ 435
Os sínodos....................................................................................................... 436
Sínodo de 1874............................................................................................ 438
Sínodo de 1878............................................................................................ 439
Calendários litúrgicos.................................................................................... 439
Reforma das estruturas da educação e a formação do clero................................ 441
A Escola e a Faculdade de Teologia................................................................. 441
Reforma dos Seminários diocesanos................................................................ 441
Reforma do Colégio Eclesiástico e do ensino da Teologia moral......................... 442
Atividade pastoral entre o povo...................................................................... 443
A questão social e o movimento de leigos católicos........................................... 445
Relacionamento com os religiosos.................................................................... 445
Maria Luísa Angélica Clarac......................................................................... 447
Francisco Faà di Bruno................................................................................. 449
Morte do arcebispo.......................................................................................... 451
810
Capítulo XV
ANÁLISE DE ALGUNS TEXTOS DAS PRIMEIRAS
CONSTITUIÇÕES. PRIMEIRA PARTE
1. Fontes literárias das primeiras Constituições Salesianas.............................. 453
Introdução....................................................................................................... 453
Os cinco modelos precedentes.......................................................................... 455
Constituições da Congregação dos Padres da Missão........................................ 455
Constituições da Congregação do Santíssimo Redentor..................................... 456
Constituições da Congregação dos Oblatos da Virgem Maria........................... 457
Constituições da Congregação das Escolas da Caridade.................................... 458
Constituições dos Padres da Sociedade de Maria............................................. 459
2. Estudo comparativo de dois textos importantes.......................................... 461
Preâmbulo........................................................................................................ 461
Texto............................................................................................................ 462
Comentário.................................................................................................. 464
Resumo histórico.............................................................................................. 464
As cinco etapas.............................................................................................. 464
Comentário.................................................................................................. 470
3. Fim da Sociedade......................................................................................... 472
Texto............................................................................................................ 472
Comentário.................................................................................................. 476
Fim da Sociedade Salesiana..................................................................... 476
A Sociedade Salesiana.............................................................................. 476
O fim específico da Sociedade Salesiana..................................................... 479
A finalidade, genérica e específica............................................................. 480
Comentário............................................................................................. 483
As obras de caridade................................................................................ 490
Possível razão.......................................................................................... 492
Apêndice
DESENVOLVIMENTO DAS PRIMEIRAS CONSTITUIÇÕES POR
CAPÍTULOS NAS 8 ETAPAS......................................................................... 493
“POBRE, MAIS POBRE, O MAIS POBRE”, NO CAPÍTULO SOBRE
O FIM DA SOCIEDADE NAS PRIMEIRAS CONSTITUIÇÕES............. 494
Uso do termo e significado de “pobre”............................................................. 494
Os “mais pobres”: uma prioridade dentro de uma prioridade?.......................... 496
811
Capítulo XVI
ANÁLISE DE ALGUNS TEXTOS DAS PRIMEIRAS
CONSTITUIÇÕES SALESIANAS. SEGUNDA PARTE
812
813
814
815
Apêndice
O SONHO DE 1844...................................................................................... 638
Texto............................................................................................................ 638
Comentário ................................................................................................. 643
BÊNÇÃO DE MARIA AUXILIADORA DOS CRISTÃOS.......................... 643
Capítulo XX
A MEDIAÇÃO OFICIOSA DE DOM BOSCO ENTRE A SANTA SÉ
E O GOVERNO ITALIANO PARA A NOMEAÇÃO DE BISPOS (1865-1874)
1. Questões introdutórias................................................................................ 645
Motivo e natureza da participação de Dom Bosco nas negociações................... 645
Contexto político............................................................................................. 647
A questão das sedes vacantes............................................................................. 649
2. A “missão Vegezzi”....................................................................................... 650
A participação de Dom Bosco ......................................................................... 651
Xavier Vegezzi, negociador do governo............................................................. 652
3. As negociações Tonello (dezembro de 1866-junho de 1867)....................... 654
A “missão Tonello”........................................................................................ 655
A participação de Dom Bosco em Florença...................................................... 655
Relação de Dom Bosco com Tonello em Roma................................................ 658
Nomeações episcopais e sugestões de Dom Bosco ............................................ 661
816
817
818
819
Apêndice
O SALESIANO COADJUTOR DEPOIS DE DOM BOSCO..................... 779
Os reitorados do padre Rua e do padre Albera (1890-1921)............................. 779
Padre Rua......................................................................................................... 780
Padre Albera..................................................................................................... 782
REITORADO DO PADRE RINALDI (1922-1931)..................................... 783
Capítulo Geral XII (23 de abril-9 de maio de 1922)...................................... 783
Primeiro Regulamento Oficial para os Salesianos Coadjutores (1924).............. 784
Capítulo Geral XIII (8-20 de julho de 1929)................................................. 784
Documentos do padre Vespignani, Conselheiro para as Escolas Profissionais................785
Documentos do padre Rinaldi........................................................................ 788
Reitorado do padre Ricaldone (1932-1951)..................................................... 790
Bibliografia.......................................................................................................792
Índice geral.......................................................................................................828
820
Arthur J. Lenti publicou numerosos artigos sobre Dom Bosco e outros temas
salesianos no Journal of Salesian Studies e em Ricerche Storiche Salesiane.
Formado em Sagrada Escritura e Teologia, depois de lecionar por mais de trinta anos
na cidade de Aptos, na Califórnia, e no Josephinum, em Ohio (Estados Unidos), chegou
à Don Bosco Hall, em Berkeley, Califórnia, em 1975, onde desde 1984 desenvolve um
intenso trabalho de pesquisa e ensino no Institute of Salesian Spirituality.
Seu livro mais recente é Don Bosco and his pope and his bishop: the trials of a founder
(Dom Bosco, seus papas e seus bispos: as dificuldades de um fundador). LAS: Roma, 2006.