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Cap 148 Crónica
Cap 148 Crónica
João I'
🔺 Estrutura interna
🔼Introdução (do início até "vieram na frota do Porto."): Cerco da cidade → fome → escassez
de mantimentos, motivado pela quantidade de pessoas existentes na cidade.
1.1. Procura de trigo no Ribatejo (desde "E alguns..." até "... cinco mil homens.").
a) Motivos da procura:
- o cerco à cidade;
- a falta de alimentos.
b) Resultados: quase nulos
- a oposição castelhana;
Durante a noite, os sitiados embarcam em batéis e vão buscar trigo ao Ribatejo para
abastecer a cidade, correndo enorme perigo, pois são atacados pelos castelhanos. Sempre que
os sinos repicam e tocam a rebate, a população vai em socorro das galés. Esta recolha de
mantimentos obedece, aparentemente, a um plano prévio, dado que parece existir uma
partilha de tarefas e funções distribuídas: há aqueles que vão recolher mantimentos que já
estavam prontos (“… ali carregavom de trigo que já achavom prestes, per recados que ante
mandavom…”), através do Rio Tejo; há sinais combinados para alertar para os perigos,
nomeadamente os decorrentes da presença dos castelhanos, etc.: “ali carregavom”; “Os que
esperavam…”; “… repicavom logo por lhe acorrerem.”; “… aguardando quando veesse, e os
que velavom, se viiam as galees remar contra lá, repicavom logo por lhe acorrerem…”.
Apenas uma vez os galés foram tomadas, graças à denúncia de um “homem natural
d’Almadãa”, cujo castigo pela traição foi terrível: “el foi depois tomado e preso e arrastado, e
decepado e enforcado.” (enumeração, polissíndeto e gradação).
No entanto, o trigo é tão pouco e raro que não supre as necessidades (atente-se na
comparação com o milagre da multiplicação dos pães).
1.2. Expulsão da cidade da gente incapaz, fraca e pobre [("não pertencentes pera defensão",
prostitutas, judeus") – desde "Em esto gastou-se..." até "... mester sobrelo conselho."].
b) Motivos:
2) Fome da população: carência de pão e carne (desde "Na cidade não havia trigo..." até
"...tam presentes tinham?").
- raízes de ervas;
- melaço cristalizado;
- criação de porcos;
- a morte;
Mais uma vez, a cidade é apresentada como uma personagem coletiva, um ser só:
“Toda a cidade era dada a nojo” (isto é, toda a cidade sofria, tanto os pobres como os ricos –
“grandes pessoas da cidade”). Assim, Lisboa é apresentada como um grande corpo coletivo
que sofre.
- missas;
- preces.
o Mestre e os seus, sabendo que nada podem fazer, sentem-se impotentes e ignoram
os lamentos da população.
Neste passo, aparentemente Fernão Lopes critica a ação de D. João e do seu
Conselho, dado que “çarravom suas orelhas do rumor do poboo”, parecendo assim o cronista
cumprir a imparcialidade e a neutralidade enunciadas no “Prólogo” à crónica.
6) O desespero da população (desde “Como nom quereis…” até “… per duas guisas.”) – dois
inimigos: a fome e o rei de Castela levam ao desejo de morte.
7) Tentativa de superar a fome: corre o boato de que o Mestre irá expulsar da cidade todos os
que não tenham alimentos, o que intensifica o desespero das pessoas, transformado em alívio
ao saberem que tal não é verdade.
- a falta de alimentos.
. a diminuição das esmolas públicas (ll. 24-25), o que evidencia falta de solidariedade
desumanização;
. a falta de trigo para vender e consequente subida do preço de vários produtos (trigo, vinho,
pão e carne), o que origina a fome entre a população, que come qualquer coisa, e a morte de
muitas pessoas;
. a diminuição das esmolas públicas (ll. 24-25), o que evidencia falta de solidariedade
desumanização;
Fernão Lopes congratula os que viverão no futuro, porque não passarão pelos
sofrimentos que Lisboa tem de passar durante o cero.
1. Sociais:
- expulsão dos fracos e não aptos para a defesa da cidade por falta de alimentos;
2. Económicas:
3. Psicológicas:
- a coragem;
- o choro;
- o desespero;
- o medo da vingança do rei de Castela, caso a cidade caísse nas suas mães
- coragem: a procura empenhada de alimentos (as idas de homens ao Ribatejo e a sua defesa
por parte dos que esperavam), colocando a vida em risco
- luta pela sobrevivência, procurando comida de forma degradante e bebendo água até à
morte e pedindo esmola pela cidade;
- sentimentos:
🔺 Linguagem e estilo
-» o tom coloquial:
- uso da interrogação retórica: "Como nom querees que maldissessem sa vida e desejassem
morrer... da vida aa morte?"; "veede que fariam aquelles que as continuadamente tam
presentes tinham?"; “Pera que é dizer mais de taes falecimentos?”;
-» a interpelação do leitor:
- uso da adjetivação, por vezes dupla: "faminto"; "forte e rijo"; "triste e mesquinho";
"desvairados"; "desaventuirada"; "doorosas"; "cruel";
- a comparação concreta para precisar uma ideia abstrata: "assi como é natural cousa a mão ir
amiúde onde se a door, assi uus homees falando com outros, nom podiam em al departir,
senom em na mingua que cada uu padecia";
- paralelismo de construção: "Uus choravom antre si, mal dizendo (...) Outros se querelavom a
seus amigos, dizendo...";
- a referência ao valor dos alimentos:
. "Ca valia o alqueire quatro libras, e o alqueire de milho quarenta soldos, e a camada de vinho
três e quatro libras.";
. "... e pequena posta de porco valia cinco e seis libras, que eram uma dobra castelã; e a
galinha quarenta soldos; e a dúzia dos ovos, doze soldos. E se os almogávaros traziam alguus
bois, valia cada uu setenta libras, que eram catorze dobras cruzadas, valendo então a dobra
cinco e seis libras; e a cabeça e as tripas, uma dobra...";
-» o realismo descritivo:
. "No lugar u costumavom vender o trigo, andavom homees e moços esgravatando a terra e se
achavom alguus grãos de trigo, metiam-nos na boca, sem tendo outro mantimento. Outros se
fartavom de ervas e bebiam tanta água, que achavom mortos homees e cachopos jazer
inchados nas praças e em outros lugares.";
. "Andavom os moços de três e de quatro anos pedindo pão pela cidade por amor de Deus,
como lhes ensinavom suas madres; e muitos não tinham outra cousa que lhe dar senão
lágrimas que com eles choravom, que eram triste cousa de ver; e se lhes davom pão como
uma noz, haviam-no por grande bem.";
. "... ficados os geolhos, beijando a terra, bradavom a Deus que lhes acorresse...";
. "Os padres e madres viam estalar de fame os filhos que muito amavom, rompiam as faces e
peitos sobreles, não tendo com que lhe acorrer senom pranto e espargimento de lágrimas".
-» objetividade:
. os pormenores de caráter económico (“ca valia o alqueire quatro livras; e o alqueire do milho
quarenta soldos…”);
. o realismo descritivo relativo à luta pela sobrevivência (“Das carnes, isso meeesmo, havia em
ela […] bem mostravom seus encubertos padecimentos.”);
. interrogações retóricas: “Como non lançariam fora a gente minguada […] havia mester
sobr’elo conselho?”;
. frase exclamativa na interpelação final às gerações vindouras: “Ó geeraçom de depois […] de
taes padecimentos!”;
-» alternância entre
. planos gerais: o grande plano da cidade e dos atores coletivos que nela intervêm (linhas 1 a 5,
por exemplo);
. o narrador interpela diretamente o leitor para o aproximar da situação descrita: “Veede que
fariam aqueles que as continuadamente tam presentes tinham?”;
. o narrador convoca o leitor para o passado de dor que reporta, procurando fazer-lhe notar
que quem nasceu depois daquela provação, tal como ele (leitor), teve sorte;
. o narrador convida os leitores a observar o que se passa em Lisboa: “Ora esguardae como se
fosses presente…”.
. Outros recursos
- A elegia comovida.
. texto/facto narrado;
. facto narrado/leitura.
- As funções da linguagem:
. informativa;
. expressiva;
. apelativa.
- Enumeração, polissíndeto e gradação (“… e forom descobertos per huu homem natural
dAlmadãa, e tomados per os Castellaãos; e el foi depois tomado e preso e arrastado, e
deçepado e enforcao.”): traduz os castigos infligidos ao homem de Almada que encontrou
barcos com trigo, evidenciando a crueldade e a brutalidade da punição.
- A multiplicação do clímax þ ¯
estrutura trágica
- Os tipos de frase:
- Arcaísmos: "pero", "ca" (pois, porque), "uus", "nenhuus", "antre", "nojo", "departir", "guisas".
- Comparação:
. "... assi dos que se colherem dentro do termo de homees aldeãos com mulheres e filhos,
como dos que vierom na frota do Porto...";
. "E assi como é natural cousa a mão ir amiúde onde sêe a dor, assi uns homees falando com
outros não podiam em al departir senão em na míngua que cada um padecia": evidencia a
necessidade de os habitantes de Lisboa lidarem com a sua dor, através do diálogo com quem
comungava do seu sofrimento, tal como a mão o faz através do contacto físico, no caso de
padecimentos dessa natureza;
. "... tanta diferença há de ouvir estas cousas àqueles que as então passaram, como há da vida
à morte?";
. mester de o multiplicar como fez Jesu Christo aos pães”: reforça o dramatismo, uma vez que
só um milagre poderia salvar a cidade.
- da cidade de Lisboa;
- Pleonasmos:
. "colherom dentro";
. "deitar fora";
. "lançarem fora";
- Metáforas:
. "padeciam duas grandes guerras" (…) sse defender da morte per duas guisas…”: os habitantes
de Lisboa enfrentam duas guerras – a guerra (o cerco) contra os castelhanos e a fome
resultante do cerco – que impedia que se defendessem quer da morte, quer, por falta de
forças, do inimigo;
. “Os padres e madres viam estalar de fome os filhos…”: explicita a desgraça das crianças, tal
como o que estala parte, morre, também as crianças morriam, privadas de alimentos;
- Adjectivação expressiva.
- Eufemismo: “Assim que rogavam a morte que os levasse…” – explicita o desejo de morte,
pois é preferível esta aos padecimentos que sofrem.
- Tempos verbais: pretérito perfeito e imperfeito.
1. Pelo conteúdo:
- contexto histórico:
2. Pela forma:
. grande número de hiatos (encontro de vogais ásperas): doo, veede, door, seer, Meestre, etc.;
. a terminação -om nos nomes (razom, coraçom, etc.), nos advérbios (nom) e na terceira
pessoa do plural do imperfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação (esforçavom-
se, repicavom, encomendavom, braadavom, çarravom, etc.);