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XIII ENCONTRO DE

EDUCAÇÃO MUSICAL
DA UNICAMP
EEMU 2020

Ensino coletivo de instrumentos


musicais:entre reflexões e práticas

08 a 12 de junho de 2020 (Edição


Virtual)

INSS: 2447-7621

ANAIS
APOIO:
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Reitor
Marcelo Knobel

Coordenador Geral
Teresa Dib ZambonAtvars

Pró-Reitor de Graduação
Eliana Martorano Amaral

Pró-Reitora de Pesquisa
Munir Salomão Skaf

1
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

INSTITUTO DE ARTES

Diretor
Prof. Dr. Paulo Adriano Ronqui

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Música


Prof. Dr. Paulo José de Siqueira Tiné

Coordenadora do Curso de Graduação em Música


Profa. Dra.Adriana do Nascimento Araújo Mendes

Chefe do Departamento de Música


Prof. Dr. José Alexandre Leme Lopes Carvalho

Coordenadora de Pesquisa e Extensão


Profa. Dra. Raquel Zuanon Dias

Instituto de Artes
Rua Elis Regina, 50
Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
Barão Geraldo, Campinas-SP
CEP 13083-854
Fone: +55 (19) 3289-1510 / Fax: +55 (19) 3521-7827
www.iar.unicamp.br

2
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

COMISSÃO ORGANIZADORA

Coordenação Geral
Profa. Dra. Adriana do Nascimento Araújo Mendes
Profa. Dra. Silvia Cordeiro Nassif

Coordenação Executiva
Ms. Fernando Vieira da Cruz

Discentes do curso de Música


Érica Moreira
Jéssica de Moura Cruz
Laís dos Santos Coimbra
Luana Regi Sanches
Roger Vieira Cunha
Sofia Prado de Freitas

COMISSÃO DE APOIO

Patrícia Kawaguchi Cesar


Leonardo Cecílio Caron
Marcelo Ferreira Ribeiro

COMISSÃO CIENTÍFICA

Coordenação
Profa. Dra. Silvia Cordeiro Nassif

Organização
Ms. Fernanda Gilberti

PARECERISTAS

Profa. Dra. Caroline Caregnato


Profa. Dra. Cristina Tourinho
Prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder
Prof. Dr. José Alexandre Leme Lopes de Carvalho
Profa. Dra. Juliana Melleiro Rheinboldt
3
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Prof. Dr. Leandro Barsallini


Profa. Dra. Maria Flávia Silveira Barbosa
Prof. Dr. Rafael Keidi Kashima
Profa. Dra. Simone Gorete Machado
Profa. Dra. Suzel Reily
Prof. Dr. Vilson Zattera
Profa. Dra. Vivian Nogueira Dias

APOIO

Serviço de Apoio ao Estudante (SAE/Unicamp)

DIAGRAMAÇÃO DOS ANAIS

Fernanda Peres Gilberti


Sofia Prado

4
Copyright © by organizadores, 2020

Elaboração da ficha catalográfica Realização

Silvia Regina Shiroma - Bibliotecária Universidade Estadual de Campinas - Instituto de Artes -


UNICAMP
Núcleo Editorial
Tiragem: Eletrônica (E-book)
IA/UNICAMP
Rua Elis Reina, 50
Cidade Universitária – CEP 13083-854
Campinas - SP – Tel : (19) 3521-1462
E-mail: sshiroma@iunicamp.br

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA


Biblioteca do Instituto de Artes – UNICAMP
Bibliotecária: Silvia Regina Shiroma – CRB-8ª/8180

En17a Encontro de Educação Musical da Unicamp (13. :2020: Campinas, SP).


Anais do XIII Encontro de Educação Musical da Unicamp - EEMU 2020 - Ensino coletivo
de instrumentos musicais: entre reflexões e práticas, 8 a 12 de junho de 2020 /
Organizadoras: Sílvia Cordeiro Nassif e Adriana do Nascimento Araújo Mendes –
Campinas, SP: IA/UNICAMP, 2020.

ISSN: 2447-7621

1. Música - Instrução e estudo - Congressos. 2. Música na educação - Congressos. I.


Nassif, Silvia Cordeiro (Org.) II. Mendes, Adriana do Nascimento Araújo (Org.) III. Título.

780.7

2020
ISSN: 2447-7621
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...........................................................................................................................................2

A afetividade na relação entre a mãe e o bebê e o desenvolvimento musical no primeiro ano de


vida...................................................................................................................................................................12
Fernanda Peres Gilberti
Silvia Cordeiro Nassif

A experiência comunitária na formação do indivíduo: reflexões sobre as aulas coletivas de bateria no


curso de Música Popular da Universidade Estadual de Campinas............................................................20
Leandro Barsalini

A experiência do ensino coletivo na Catedral das Assembleias de Deus em Volta Redonda/RJ


(CADEVRE) ...................................................................................................................................................25
Márlon Souza Vieira

A importância da apreciação musical no ensino do choro: um estudo baseado no conceito de dialogia


do Círculo de Bakhtin.....................................................................................................................................35
Antonio Fernando V. Souza

A observação participante como método para pesquisa de campo em ensino coletivo de instrumentos
musicais ..........................................................................................................................................................43
Cindy Helenka Alves
Fernando Vago Santana

A sonologia do desenvolvimento de um audiogame acusmático e suas aplicações na pesquisa em


música e linguagem ........................................................................................................................................51
Leonardo J. Porto Passos
José E. Fornari Novo Jr.

Ambiente virtual de aprendizagem e a proposta de um espaço de ensino coletivo no canto


coral ................................................................................................................................................................61
Sandra Regina Cielavin

Apreciação e aprendizagem musical de idosos através do violão na era digital: um estudo sobre esta
experiência e seus desdobramentos no programa UniversIDADE da Unicamp......................................69
Gustavo Ramos Ferraz

Aprendizado em pares: análise de um episódio interativo na aula de Piano em Grupo .........................77


Bianca Viana Monteiro da Silva

Atividades rítmicas desenvolvidas pelo projeto PIBID na EMEF Elisa Franco de Oliveira .................86
Darlanne Santos Pereira
Ellen Dias Braun Soares
Mônica Nunes Ketle

Banda de música e repertório: potencializando o ensino musical ............................................................93


Fernando Vieira da Cruz
Rafael Cardoso

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Canto coral como ferramenta de musicalização para adultos: um relato de experiência na Casa da
Cultura de Itupeva/SP.................................................................................................................................102
Juliana Freires Oliveira Silva

Ensino coletivo de Cordas e Clarineta na comunidade de Santo Antônio do Leverger/MT: um relato de


experiência ....................................................................................................................................................108
Keroll Elisabeth Weidner
Vinícius de Sousa Fraga

Ensino coletivo de música: no sopro da flauta doce...................................................................................116


Analice Marques Braga de Oliveira

Estratégias de ensino coletivo de violão em um projeto social, com base na pedagogia


dalcrozeana ...................................................................................................................................................125
Natália Búrigo Severino
Adriana Gasparetto Martelli

Estudo sobre o projeto político pedagógico e o guia didático do Projeto Guri para cordas
friccionadas ..................................................................................................................................................133
Daniele Salina Gonçalves Gomes
Adriana do Nascimento Araújo Mendes

Helena Meirelles, visibilidade, gênero e educação musical.......................................................................141


Hugo Romano Mariano
Jorge Luiz Schroeder

How to use Basics: uma introdução à utilização dos exercícios contidos na obra de Simon
Fischer ..........................................................................................................................................................150
Emerson de Biaggi
Thayná Bonacorsi

Implementação das novas diretrizes da extensão universitária no curso de Licenciatura em Música da


UERN: um relato de experiência no Curso Livre de Violão.....................................................................157
Thrycia Viviane Gadelha Macena Oliveira
Renan Colombo Simões

Iniciación a la Libre Improvisación: Un estudio de caso con una Orquesta de Saxofones……………165


Miguel Clemente
Manuel Falleiros
José Fornari

Inserir para (re)construir-se: visitando as aulas de percussão no Projeto Guri-Polo Regional de


Ribeirão Preto/SP..........................................................................................................................................175
Ilza Zenker Leme Joly
Milena Cristina Izaias

Jogos de improvisação como estratégia pedagógica no ensino coletivo de instrumentos musicais


........................................................................................................................................................................184
Nathan Tejada de Podestá
Simone Marques Braga
Laís de Souza Silva

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Jogos e brincadeiras musicais no ensino fundamental I: um levantamento de possibilidades


pedagógicas ...................................................................................................................................................194
Patrícia Depesgari
Mariana Barbosa Ament

Livro de violão do Projeto Guri: Propostas para a promoção da educação musical através do ensino
coletivo de violão numa perspectiva pedagógica contemporânea.............................................................202
Vandersom Ricardo da Cruz

“Método” para ensino coletivo de instrumentos de sopro ........................................................................208


Leonardo Ramos dos Santos
Fred Siqueira Cavalcante

Música em movimento: potenciais das brincadeiras tradicionais brasileiras na educação


infantil ...........................................................................................................................................................215
Débora Schützer Lasso dos Santos
Juceleni Papeschi Sampaio
Mariana Barbosa Ament
Viviane Aparecida Peruzzi

Música no novo ensino médio: as relações entre espaço escolar e um grupo auto-
organizado......................................................................................................................................................223
Tauini Mauê Santos Rosa

Musicalização temática: Regiões do Brasil ................................................................................................230


Libna Ruama Candido
Susanna Medeiros Furtado Medeiros
Ellen De Albuquerque Borges Stencel

O ensino coletivo de violão no Curso Livre de Violão da UERN: um relato de experiência ................238
João Pedro Bezerra da Silva
Renan Colombo Simões

O regente de grupos instrumentais enquanto educador musical no ambiente escolar


básico..............................................................................................................................................................245
Rodrigo Padovan Grassmann Ferreira

Reciclagem da sonoridade musical: um estudo sobre a ressignificação sinestésica do timbre de


instrumentos musicais feitos com material reciclável................................................................................254
Paulo Salmaci
José Fornari

Reflexões sobre o planejamento de atividades ligadas à cultura indígena na Educação


Básica..............................................................................................................................................................262
Roberta Carvalho Pereira Campos
Artur Guz Tinoco

Reflexões sobre um estágio na capoeira Angola.........................................................................................271


Clara Tomie Yamasaki Heider Rodriguez

Relato de experiência: oficina prática de Maracatu de baque virado em Santiago


do Chile .........................................................................................................................................................279
Carlos Eduardo Sueitt Garanhão
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XIII Encontro de Educação Musical
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Relato de observações ativas realizadas em grupos de ensino de flauta doce através do Método
Suzuki.............................................................................................................................................................286
Gabrielle Alvarenga
Ilza Zenker Leme Joly

Utilización de Pure Data y Musescore como herramientas para la educação musical y


desenvolvimiento creativo ...........................................................................................................................293
Paula Fernanda AlfaroBarrales
Adriana do Nascimento Araújo Mendes

Utilizando o software livre Lilypond para a educação musical inclusiva do deficiente


visual...............................................................................................................................................................301
Bianca Andreo
Vilson Zattera
José Fornari

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Apresentação

O XIII Encontro de Educação Musical da Unicamp (EEMU), organizado por docentes e


discentes do curso de Licenciatura e Pós-graduação em Música dessa instituição, aconteceu nos dias 8
a 12 de junho de 2020, excepcionalmente em formato virtual, com a temática "Ensino coletivo de
instrumentos musicais: entre reflexões e práticas".
Trouxemos nesta 13ª edição do EEMU um tema que fala de perto a praticamente todos os
músicos, educadores ou não. Não há músico que, na sua formação, não tenha passado alguns bons anos
da vida estudando um instrumento, aí incluída a voz. Essa talvez tenha sido uma das razões para o
inesperado número de acessos ao evento, que passou de 6700 visualizações.
Tradicionalmente, a aprendizagem de um instrumento musical sempre ocorreu através de
aulas individuais. Entretanto, o ensino coletivo vem ganhando importância e visibilidade nas últimas
décadas no Brasil. Pensada de maneira ampla, essa prática vem atender a demandas tanto musicais,
uma vez que tem se mostrado um modo privilegiado de iniciação musical e instrumental, quanto
sociais, na medida em que democratiza o acesso às práticas instrumentais, sobretudo em projetos
gratuitos, acessíveis a pessoas que de outra forma não teriam condições de aprender música. Além
disso, sob a perspectiva de uma educação integral, a proposta pedagógica de ensino coletivo de
instrumento se destaca ainda pelo seu potencial de formação humana.
Com base nessas reflexões iniciais, o XIII Encontro de Educação Musical da Unicamp
trouxe alguns dos mais importantes especialistas nesse tema no Brasil para dividir seu conhecimento
conosco: Prof. Dr. Joel Barbosa (UFBA), Profa. Dra. Cristina Tourinho (UFBA), Profa. Dra. Simone
Gorete Machado (USP/RP), Profa. Dra. Ilza Zenker Joly (UFSCar) e Profa. Dra. Shinobu Saito
(Centro Suzuki de Campinas).
Através de uma mesa-redonda que versou sobre os desafios para o professor do trabalho
com ensino coletivo de instrumento, palestras que apresentaram variadas questões ligadas ao tema do
evento, oficinas diversificadas e comunicações orais, pudemos estimular discussões e trocas de
experiências.
Gostamos sempre de lembrar que o evento surgiu como uma iniciativa dos alunos do curso
de Licenciatura em Música da Unicamp, foi crescendo, e hoje proporciona aos alunos de graduação,
pós-graduação e professores envolvidos um amplo espaço de discussão e aprendizado. Já bem
consagrado internamente no Departamento de Música e externamente no Estado de São Paulo, tem
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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

uma página no facebook, onde as pessoas trocam informações, ao longo do ano, sobre cursos,
atividades e dicas para os alunos e professores, dando continuidade às discussões iniciadas no
Encontro.
A adaptação para o espaço virtual foi um grande aprendizado e um enorme desafio,
abraçado com entusiasmo pela comissão organizadora. Agradecemos imensamente a todos que
trabalharam muito para que este projeto se efetivasse, em especial aos nossos convidados e oficineiros,
que prontamente se dispuseram a adaptar suas palestras e oficinas ao formato virtual.
Finalizamos agradecendo também o apoio do Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), da
Pró-Reitoria de Graduação da Unicamp, cujas bolsas oferecidas foram, e têm sido sempre, de grande
auxílio.

Silvia Nassif e Adriana Mendes

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A afetividade na relação entre a mãe e o bebê e o desenvolvimento musical no primeiro


ano de vida

Fernanda Peres Gilberti


Unicamp
fpgilberti@gmail.com

Silvia Cordeiro Nassif


Unicamp
scnassif@unicamp.br

Resumo: Este trabalho é um recorte da pesquisa de doutorado em andamento sobre a influência da


afetividade da relação afetiva entre a mãe e o bebê no desenvolvimento musical no primeiro ano de
vida do bebê. Com base na perspectiva teórica da psicologia histórico-cultural pretendemos refletir
sobre o afeto no aprendizado e o conceito de perejivanie, ou vivência, nos primeiros contatos musicais
do bebê. A pesquisa envolverá a execução de uma roda de música com mães e bebês fornecendo dados
para a discussão sobre a afetividade como possibilidade constitutiva de uma forma singular e
privilegiada de entrada da música na vida do bebê, além da valorização e o resgate da atividade
musical enquanto atividade humana e parte do desenvolvimento do ser humano.

Palavras-chave: Afetividade. Educação musical de bebês. Desenvolvimento musical.

1. A relação de afeto entre a mãe e o bebê


As primeiras experiências sonoras e musicais do bebê acontecem através de vivências
cotidianas, muito antes dele frequentar aulas de música. É através da mãe, ainda durante a
gestação, que o bebê começa a perceber o mundo e a estabelecer vínculos afetivos com suas
experiências. O afeto desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do bebê,
orientando suas interações com o meio e também com os sons e a música. Assim, a maneira
de cada bebê vivenciar a música através da relação com a mãe é única e determinante para a
constituição de sua musicalidade.
Estudos apontam que durante a gestação, por volta da 25ª semana, a audição do bebê
já está desenvolvida e o bebê pode perceber o mundo sonoro que o rodeia, como os sons
fisiológicos corporais, os sons do ambiente e a música (Ilari, 2002). Segundo pesquisas
citadas por Ilari, ainda no período de gestação o bebê já é capaz de diferenciar a voz materna,
reagir a estímulos sonoros e começa a estabelecer vínculos afetivos. Após o nascimento, o
bebê apresenta um rápido desenvolvimento cognitivo e motor passando a interagir mais
intensamente com o ambiente sonoro que o envolve, reagindo a barulhos, vozes conhecidas e
percebendo sonoridades dos objetos. Nesse contexto, a voz materna é um som especial e uma
referência afetiva para o bebê (Ilari, 2002; Trehub, 2002), que se relaciona afetivamente com
o ambiente sonoro e musical. Comunicando-se inicialmente através do choro, o bebê expressa
necessidades como fome, sono ou pedir colo. Porém, à medida que se desenvolve, o bebê

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

amplia seus recursos de produção sonora, como balbucios e vocalizações, e passa aos poucos
a responder a voz da mãe, do pai ou cuidador e a explorar sua capacidade de produzir sons.
A relação entre a mãe e o bebê é constituída por fortes vínculos afetivos estabelecidos
ainda na gestação. Após o nascimento do bebê, salvo em condições adversas, esses vínculos
são intensificados pela constante interação entre a mãe e o bebê tanto através dos cuidados
necessários à sobrevivência, como a amamentação e a higiene, quanto através da integração
social que pontua as diferentes maneiras de comunicação com o bebê, como a fala, o toque, o
movimento de carregar ou ninar, as brincadeiras e o canto. Essa relação marcada pela
afetividade é imprescindível à sobrevivência e integração social do bebê, que em um curto
espaço de tempo se desenvolve e se torna capaz de interagir com o mundo à sua volta. Galvão
(2000, p. 60-61) afirma que entre o bebê e a mãe, além de outras pessoas próximas do
convívio, desenvolve-se uma intensa comunicação afetiva baseada em componentes corporais
e expressivos, possibilitando gradualmente que o bebê estabeleça ligações entre seus atos e os
do ambiente, tornando suas reações cada vez mais intencionais. Assim, as primeiras formas de
comunicação se dão através de interações afetivas com o bebê.

2. Afetividade e aprendizado
A afetividade desempenha um papel determinante nos processos de aprendizagem e,
consequentemente, no desenvolvimento (Leite, 2012). Com base na perspectiva histórico-
cultural de Vigotski, que relaciona a ideia de constituição sociocultural do indivíduo ao seu
desenvolvimento e aprendizado, podemos refletir sobre a relação afetiva entre a mãe e o bebê
nos processos de aprendizagem. Vigotski (2007) afirma que o indivíduo se constitui através
das relações que estabelece com outros indivíduos e com seu meio cultural em um processo
histórico. Considera também que esse contato entre o indivíduo e o mundo não se dá de forma
direta, mas essencialmente mediada por outros indivíduos e sistemas simbólicos, ou seja,
através da mediação social e da mediação semiótica. A interação social é colocada como um
aspecto central no desenvolvimento do indivíduo, pois é através dela que se dá o aprendizado
das formas de funcionamento e comportamento de um determinado grupo.
Nesse contexto, o contato do bebê com o universo sonoro e a música, assim como
outros sistemas semióticos como a linguagem, é mediado por outros indivíduos. As interações
sociais são determinantes no processo de internalização musical e é através delas que os
valores sociais culturalmente partilhados atribuídos à música e às diversas formas de
manifestação sonora são transmitidos. Assim como a linguagem, nessa perspectiva teórica o
processo de apropriação musical ocorre através das interações cotidianas do bebê com a

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XIII Encontro de Educação Musical
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música, além dos aprendizados sistematizados escolares. Desta maneira, a mãe, ao interagir
musicalmente com o bebê através de cantigas de ninar e brincadeiras musicais, entre outras
formas, está atuando como mediadora entre o bebê e o universo sonoro e musical.
O ambiente físico e social também desempenham um papel fundamental no
desenvolvimento do indivíduo, que se constitui de maneira única, não previsível e dinâmica
em uma relação dialética com seu ambiente sociocultural. Segundo Vigotski (2007), o contato
com o ambiente ou com outros indivíduos por si só não é capaz de promover o
desenvolvimento, pois este também depende da interação do indivíduo com o meio. Sendo
assim, o contexto social e o meio podem fornecer condições favoráveis ou não, definindo
potencialmente possibilidades ou limites para o desenvolvimento, mas este também é
condicionado à atuação do indivíduo. A subjetividade e a particularidade da interação de cada
indivíduo na construção das relações que estabelece com o mundo colocam o sujeito como
um ser ativo, que influencia seu ambiente sociocultural ao mesmo tempo em que é
influenciado por ele.
Assim, o bebê ao nascer em um ambiente onde a música é valorizada terá maiores
possibilidades de se desenvolver musicalmente. Em um meio onde a música é reconhecida
como um valor, provavelmente o bebê terá contato com um repertório variado, com a prática
e o uso da música como forma de interação, através da mãe e de outras pessoas afetivamente
ligadas a ele, além de ser estimulado através de brinquedos sonoros e instrumentos musicais.
Mas como coloca Nassif (2016, p.4) "Essas possibilidades, entretanto, não serão garantia de
um desenvolvimento musical, pois isso dependerá também da forma como ela (a criança)
usará esse meio”. A exposição de um indivíduo à linguagem musical ou sua imersão em um
ambiente musical por si só não gera condições suficientes para que se desencadeie um
processo espontâneo de aprendizagem desta linguagem. Para que isto ocorra é imprescindível
a intervenção de outros indivíduos na mediação entre a linguagem musical e o indivíduo.
Cada bebê vivencia a música de uma maneira única e particular, o que afeta
diretamente a constituição de sua musicalidade. Em sua teoria Vigotski (2010) aborda o
conceito de perejivanie (do russo), traduzido como vivência 1, que nos permite compreender o
papel e a influência do meio no desenvolvimento psíquico da criança. Segundo Vigotski, o
meio social é fonte de desenvolvimento e as relações entre o indivíduo e o meio se dão
através da perejivanie, ou vivência, de maneira única e pessoal (Veresov e Fleer, 2016). O
caráter individual dessas relações é determinado justamente pela perejivanie, que refrata
certos aspectos do meio em uma interação dialógica entre o indivíduo e o meio. Porém,
apenas os componentes do meio refratados pela perejivanie serão significativos para o

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XIII Encontro de Educação Musical
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desenvolvimento, que ocorre de forma diferente para cada indivíduo. Assim, podemos afirmar
que cada bebê irá vivenciar a música de uma maneira única e individual, estabelecendo
relações diferentes de outros bebês com as situações e o contexto, tanto físico quanto social,
que envolve as experiências musicais. Apenas determinados elementos serão significativos e
interpretados pela vivência do bebê, influenciando seu desenvolvimento musical de modo
singular.
Wallon destaca o papel do afeto no desenvolvimento do bebê. Assim como Vigotski,
trabalha com o pressuposto de que o desenvolvimento da criança está intimamente ligado à
relação que ela estabelece com o meio físico e social. Wallon (2007) descreve três campos
funcionais da atividade infantil: afetividade, motricidade e cognição. Vinculados entre si e
interagindo constantemente, o conjunto dos três campos integrados corresponde à pessoa, ou
um quarto campo. A teoria walloniana propõe estágios de desenvolvimento nos quais há a
predominância da afetividade ou da cognição alternadamente.
No estágio impulsivo emocional, que compreende a fase de 0 a 1 ano de idade, o afeto
predomina e orienta as interações do bebê com o meio. Segundo Galvão (2000, p.45), o
primeiro estágio é marcado por “uma afetividade impulsiva, emocional, que se nutre pelo
olhar, pelo contato físico e se expressa em gestos, mímica e posturas”. A indiferenciação
caracteriza esse primeiro período, no qual o recém-nascido percebe-se fundido nos objetos,
nas situações familiares e nos outros. É através da interação com o meio físico e social, que
nessa etapa se dá predominantemente pelo afeto, que o bebê irá pouco a pouco adquirir
consciência de si percebendo seus limites corporais, o mundo físico e o outro de maneira
diferenciada, construindo seu "eu corporal” e seu "eu psíquico”.
Podemos pensar a partir dos pressupostos de Wallon e Vigotski que a mãe, assim
como aqueles com os quais o bebê tem uma relação afetiva próxima, desempenha um papel
fundamental no desenvolvimento musical do bebê. Considerando o vínculo afetivo existente
entre a mãe e o bebê, o contato musical através da interação afetiva materna provavelmente
será determinante na relação que o bebê estabelecerá com a música e, consequentemente, na
constituição de sua musicalidade. Beyer (2003, 2008) destaca como a participação e o
interesse da mãe ou do cuidador influencia a forma de interação dos bebês com a música,
assim como seu desenvolvimento.

3. Os primeiros contatos musicais


As primeiras experiências musicais são parte do processo de desenvolvimento do
bebê, sendo que as vivências, ao provocarem mudanças significativas, afetarão todo o

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XIII Encontro de Educação Musical
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desenvolvimento musical do bebê. O conceito de perejivanie, ou vivência, também abrange a


ideia de unidade da consciência humana, de unidade de componentes individuais e do meio,
“como um todo em desenvolvimento onde mudanças da perejivanie concreta da criança
provocam mudanças dinâmicas na organização da consciência como um todo” (Veresov e
Fleer, 2016, p.333, tradução nossa). Assim, Vigotski evidencia não só a influência mútua
entre o indivíduo e o meio em uma relação dialética, quanto o fato de que as mudanças
provocadas por uma vivência específica afetam o indivíduo como um todo, de acordo com
uma concepção monista do ser humano, e não um ser fragmentado. Podemos considerar então
que cada aprendizado musical não deve ser tomado como um elemento isolado, mas como
parte do desenvolvimento musical de forma integrada.
Outro aspecto relativo aos primeiros contatos do bebê com os sons e a música é que
eles se dão em situações cotidianas, como através de cantigas de ninar, das primeiras
brincadeiras e conversas com o bebê. Com base na perspectiva histórico-cultural podemos
refletir acerca do papel das experiências cotidianas, ou aquelas que precedem o aprendizado
sistematizado escolar, na constituição da musicalidade no bebê. Vigotski (2010) destaca em
sua teoria a importância das experiências cotidianas vinculando-as diretamente ao
aprendizado escolar, e consequentemente, ao desenvolvimento do indivíduo. Ao abordar o
processo de aprendizagem, define dois tipos de conceitos, os científicos e os espontâneos. Os
conceitos científicos são aqueles que adquirimos através da instrução formal ou escolarizada e
os conceitos espontâneos aqueles relacionados às vivências cotidianas, adquiridos pela
imersão cultural em situações não escolarizadas. Eles se relacionam e se influenciam
mutuamente, conforme coloca Vigotski:
os conceitos científicos e espontâneos da criança […] se desenvolvem em direções
opostas (inicialmente afastados, a sua evolução faz com que terminem por se
encontrar); os dois processos estão ligados, é preciso que o desenvolvimento de um
conceito espontâneo atinja um certo nível para que um conceito científico correlato
possa ser absorvido pela criança (VIGOTSKI, 2008, p. 134).

Ao interligar conceitos científicos e espontâneos, Vigotski estabelece a relevância das


situações cotidianas e não escolarizadas como condição para que o aprendizado formal
ocorra. Afirma também que “os conceitos espontâneos são impregnados de experiência, e no
início se relacionam a situações concretas” (2008, p. 135). No caso da música, os primeiros
contatos musicais do bebê através da mãe, em situações cotidianas como cantar ou explorar
sonoridades dos objetos, proporcionam experiências significativas com a música através de
uma relação de afeto. Nessas situações não existe uma preocupação com o aprendizado de
conteúdos musicais ou com a sistematização do que está sendo praticado, mas apenas com o

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XIII Encontro de Educação Musical
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fazer musical enquanto vivência e com o momento de interação entre a mãe e o bebê através
da música e dos sons. Desta maneira, os primeiros contatos musicais cotidianos se qualificam
como fonte de vivências e experimentações sonoras e musicais fundamentais para o
desenvolvimento musical do bebê.

4. Considerações preliminares
Considerando que o aprendizado musical se inicia em situações cotidianas e que o
afeto desempenha um papel fundamental no desenvolvimento do bebê, torna-se necessário
refletir sobre a constituição da relação afetiva entre a mãe e o bebê enquanto uma forma
singular e privilegiada de entrada da música na vida do bebê. O contato com a música no
contexto familiar e não escolarizado através do vínculo materno propicia vivências únicas e
determinantes para o desenvolvimento musical do bebê devendo, portanto, ser valorizado e
estimulado.
Pesquisas apontam que atualmente as mães cantam menos para seus bebês,
acreditando que gravações ou o ensino formal de música possam contribuir mais para a
formação musical da criança (TREHUB, 2002). Porém, segundo Trehub, o contato com a
música através da interação com a mãe apresenta uma qualidade de respostas e atitudes do
bebê notadamente superiores em relação às gravações, revelando que as interações musicais
entre a mãe e o bebê têm uma qualidade humana e afetiva mais significativa para o processo
de aquisição musical e inserção na cultura do que gravações e outros suportes que excluem o
contato humano direto. Nesse sentido, a recuperação da atividade musical enquanto atividade
humana no cotidiano da mãe e do bebê deve ser incentivada, pois representa uma contribuição
determinante junto a outros estímulos musicais e experiências escolares para o
desenvolvimento musical da criança.
O estudo do desenvolvimento musical de bebês ainda é uma temática pouco
explorada, sendo que as pesquisas sobre o assunto focam principalmente na abordagem da
música e sua relevância enquanto uma ferramenta auxiliar para o desenvolvimento em outras
áreas. Conforme aponta Martinez (2017), diversas pesquisas destacam a música enquanto
uma atividade que contribui para o desenvolvimento cognitivo, motor e psicológico, como
Fonseca (2005) e Silva (2015), elencando diversos benefícios do aprendizado musical, como
por exemplo, para a linguagem ou o estímulo do desenvolvimento social e afetivo, além de
discutirem propostas de currículo, como Soares (2008), e a formação musical de professores,
como Mariano (2015) e Tormim (2014). Porém, apesar das contribuições dessas pesquisas
para o ensino, acreditamos que para promover maiores avanços na área de educação musical a

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XIII Encontro de Educação Musical
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música também deva ser pesquisada enquanto uma forma de desenvolvimento das
capacidades estéticas do indivíduo, considerando-se a relevância do desenvolvimento musical
e artístico na constituição do ser humano e indo, portanto, além das contribuições que o
contato com a música gera em outras áreas.
Outro aspecto comum às pesquisas relacionadas ao tema é o foco dos estudos no
desenvolvimento musical do bebê e não na relação com a mãe ou o cuidador. Apesar de
alguns estudos fazerem referência à mãe ou adulto próximo, como Amorim (2017), Stifft
(2008) e Stahlschmidt (2002), a relação entre o bebê e a mãe não é estudada como parte
intrínseca e determinante do processo de constituição musical do bebê. Dentro dessa
perspectiva, estudar como a relação afetiva entre a mãe e o bebê pode influenciar o
desenvolvimento musical da criança e contribuir de maneira significativa na ampliação das
discussões sobre educação musical a partir de outras abordagens.

Referências

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em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Notas

1
Prestes (2010, p.121) traduziu perejivanie como vivência por esta palavra ser a que mais se aproxima do
sentido original do termo em russo.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A experiência comunitária na formação do indivíduo: reflexões sobre as aulas coletivas


de bateria no curso de Música Popular da Universidade Estadual de Campinas

Leandro Barsalini
Universidade Estadual de Campinas
lebar@unicamp.br

Resumo: O artigo traz um relato sobre o processo de configuração das aulas coletivas de instrumento
bateria no bacharelado em Música Popular da Unicamp, destacando aspectos metodológicos
empregados pelo docente responsável, evidenciando os benefícios que essas atividades coletivas
proporcionam à formação musical de cada indivíduo.

Palavras-chave: Educação musical. Bateria. Aulas coletivas de música.

1. A bateria em curso: panorama geral


Este artigo é um relato a respeito das estratégias adotadas no processo de ensino e
aprendizagem do instrumento bateria no curso de música da Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas). Tais estratégias não se desenvolvem a partir de qualquer referencial teórico
preestabelecido, e sim a partir de metodologias que vão sendo desenhadas pela própria
dinâmica de relações no contexto em questão, amparadas pela minha experiência de mais de
vinte anos de atuação como professor de instrumento.
O bacharelado em Música Popular na Unicamp, com habilitação no instrumento
bateria, absorve em média três alunos por ano, aprovados em processo seletivo. Atualmente, o
curso conta com quinze bateristas matriculados, sendo dois estrangeiros, advindos através de
intercâmbios e programas de internacionalização. O esquema empregado segue, em parte, o
padrão tradicional de aulas de instrumento, no qual cada aluno tem um horário semanal de
atendimento individual. Durante muitos anos de minha docência, adotei essa como a única
estratégia de aula, em parte por possuir bom controle dos resultados com tal dinâmica, e em
parte por entender ser a única possibilidade de responder às demandas individuais dos alunos,
cuja grande diversidade se mostra nas expectativas em relação ao curso e à profissão, e
principalmente nos níveis de proficiência técnico musical. Amparado nessa perspectiva
formativa, minha prática docente para o ensino do instrumento se especializou, portanto, na
relação individual com os alunos em curso. Dessa maneira, nunca desenvolvi uma fórmula,
um esquema fechado de aplicação de materiais e conteúdos, com cronologias e repertórios
preestabelecidos, pois entendo que o processo de ensino e aprendizagem é vivo, aberto e
dinâmico, sendo definido em conformidade às personalidades envolvidas, estando inclusive

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

sempre disponível à adoção e aplicação de diferentes materiais trazidos pelos próprios alunos
que, a partir da minha observação e análise, poderiam se tornar eficientes na solução das
demandas apresentadas.
Todo esse processo me levou a organizar os oito semestres da disciplina em módulos
que, embora constantemente passíveis de adaptações, estabelecem alguma base referencial
para o desenvolvimento do trabalho. Tais módulos se configuram a partir de requisitos
técnicos, interpretativos e de coordenação múltipla na bateria, além de gêneros e estilos
musicais, e são aplicados em ordem a ser definida juntamente a cada aluno, muitas vezes
conectados aos interesses e realidades musicais vivenciadas a cada semestre. Nesse esquema,
as avaliações se fundamentam principalmente em função do comportamento de cada aluno,
seu comprometimento semanal com o material elencado para estudo, e o cumprimento dos
objetivos traçados conjuntamente a cada início de semestre. Ao final do quarto semestre, os
alunos devem apresentar um recital comentado que reúna elementos trabalhados nas aulas,
cujo repertório deve ser contextualizado nesse sentido, formado em parte por material
diretamente referenciado a bateristas consagrados, através da execução de transcrições de
padrões de acompanhamento ou solos que proponham desafios técnicos compatíveis ao nível
do indivíduo. E ainda, no sétimo ou oitavo semestre, momento de conclusão da disciplina, os
alunos devem apresentar outro recital, dessa vez com repertório mais livre, cujo enfoque seja
dar luz às suas próprias expressividades performáticas.
Embora todo esquema descrito frutifique em resultados muito satisfatórios, ainda me
incomodava o fato de não desenvolver um trabalho coletivo com os alunos de bateria, e
entendi que isso se devia principalmente por minha dificuldade em acreditar na possibilidade
de gerar, desta maneira, algum trabalho eficaz. Ao me ancorar na valorização de uma
metodologia viva, dinâmica e aberta, base para um ensino personalizado, algo que continuo
me empenhando em aperfeiçoar, me questionava como seria possível equalizar os interesses
individuais dos alunos em uma prática coletiva. Aos poucos, acabei compreendendo que,
embora aparentemente paradoxal, o trabalho coletivo, entre tantos aspectos benéficos não
contemplados pelas aulas individuais, potencializariam as resoluções das questões específicas
a cada um dos alunos. E justamente os referidos recitais foram os disparadores para isso.

2. As aulas coletivas de bateria na Unicamp


O baterista é, essencialmente, um instrumentista acompanhador. Por esse motivo, é
rara a situação de um recital solo de bateria, ocorrendo geralmente em oportunidades
específicas, em workshops ou eventos direcionados a outros bateristas. Isso significa que para

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

um recital de bateria acontecer, quase que invariavelmente exige a presença de outros


protagonistas. No caso dos recitais ligados à disciplina sob minha responsabilidade, é comum
apresentarem diferentes formações, seja em trios, quartetos, combos, ou até mesmo big bands,
fato que acaba envolvendo outros instrumentistas no processo de montagem do evento, e por
consequência despertando o interesse de outras classes de instrumento. Ou seja, esses recitais
têm sido assistidos por estudantes de música em geral, e inclusive atraído a presença regular
de pessoas de outros cursos, até mesmo externas à Universidade.
Diante desse aspecto de envolvimento de uma coletividade, o que considero bastante
positivo, passei a perceber que as potencialidades desses eventos vão muito além do benefício
individual do aluno protagonista, pois já se tratava, naturalmente, de ocasiões que
necessariamente contavam com a mobilização de várias pessoas para ocorrer. Nesse sentido,
me questionei de que maneira os bateristas que não estavam tocando, os outros alunos da
disciplina, poderiam participar ativamente e efetivamente aprender com o recital do colega.
Foi então que estabelecemos a seguinte dinâmica: ao final de cada recital, fazemos uma roda
com a presença de toda a classe de bateristas, sendo que cada um dos alunos deve fazer um
comentário crítico a respeito da performance do colega, focando nas estratégias
interpretativas adotadas, e apontando aspectos técnicos, de sonoridade, instrumentação
escolhida, repertório elencado, posturas corporais, comunicação com o público, organização
geral do evento, entre outros tantos elementos que configuram a produção de um recital e sua
performance. O baterista que protagonizou o recital, por sua vez, deve contra argumentar,
buscando justificar suas escolhas e, quando entender serem coerentes, acatar as observações
dos colegas.
No início, essas rodas pareciam pouco produtivas, pois era notória a dificuldade dos
alunos em elaborar e verbalizar suas impressões, expressando com clareza o que tinham
acabado de apreciar, além de um certo constrangimento em se colocarem na condição de
críticos de um colega, como se estivessem julgando sua produção. Naquela ocasião, foram
fundamentais minhas intervenções, estruturando falas que trouxessem conteúdos críticos, mas
sempre com uma perspectiva positiva, apontando para o amadurecimento do baterista que
tinha executado o recital, respeitando seu momento e seu processo de desenvolvimento, e
jamais desqualificando suas opções performáticas. Aos poucos, de recital em recital, os
alunos começaram a adquirir autonomia crítica e maior segurança nas falas, que ganharam em
elaboração, o que tornou as rodas de conversa eventos indispensáveis, um desdobramento
necessário para a conclusão da própria performance, momento tão esperado pelo baterista
protagonista quanto a sua execução musical.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Mesmo quando um professor atua diretamente com os grupos, mais comumente


quando se trata de Ensino Coletivo Homogêneo, acredita-se que por meio do Ensino
Coletivo o professor atua como um mediador da prática pedagógica, onde os alunos
passam da postura passiva para ativa, não raro, ajudam e ensinam conteúdos e
técnicas para seus colegas (CRUVINEL, 2014, p. 18).

Foi assim que me dei conta de que a semente para uma atividade coletiva regular com
a classe de bateristas, gerada de maneira intuitiva, já dava seus frutos, e passei a formalizar
encontros regulares semanais, aulas de duas horas de duração, que reúnem todos os bateristas,
e funcionam como uma extensão da disciplina de instrumento.
Essas aulas coletivas não seguem uma ementa fixa, mas seu programa se configura a
cada semestre, basicamente determinado por temas sugeridos por mim e/ou pela colaboração
de pós-graduandos, mas sempre decidido previamente em discussões junto a todos da classe.
Objetivamente, ao final de cada semestre, sugiro possíveis ementas para o próximo,
delineadas a partir de assuntos de interesse geral, ou de minhas pesquisas pessoais, ou ainda
aproveitando a participação de algum orientando pós-graduando no PED (Programa de
Estágio Docente), discutindo com os alunos o que é de seu interesse maior. Em geral, quando
possível, estimulo a colaboração dos mestrandos e doutorandos, por se tratarem de
oportunidades de entrarmos em contato com diferentes materiais e pontos de vista, advindos
de experientes músicos; os assuntos abordados quase sempre se relacionam às respectivas
pesquisas em curso, o que, em contrapartida, também ajuda muito na organização e
desenvolvimento dos trabalhos dos pós-graduandos. Nesse esquema, no decorrer de sete anos
em que essa atividade coletiva está formalizada, tivemos a participação de seis pós-
graduandos como estagiários no PED. Em outros semestres, as atividades se distribuíram
entre temáticas que abordaram aspectos históricos da música popular, com enfoque nos
bateristas, além de apreciação de performances em diferentes gêneros e estilos interpretativos.
E ainda, trabalhamos na elaboração do “Caderno de Transcrições”, projeto de pesquisa que
desenvolvi, e que consiste na editoração de transcrições contextualizadas, seguidas de breves
análises musicais, de performances registradas por notórios bateristas brasileiros.
Tais experiências foram disparadoras para o estabelecimento de uma relação
comunitária e descentralizadora, de ajuda mútua, fortalecendo o elo entre os diferentes
indivíduos da classe de bateristas, justamente por evidenciarem que, acima das distinções
valorativas que se estabelecem em um primeiro contato, todos são em alguma medida alunos
e professores; cada um de nós apresenta lacunas de conhecimento em alguns pontos, que
podem ser preenchidas pelas vivências e observações de certo colega. Ainda que tacitamente,
entendemos que o projeto de um membro do grupo acaba afetando o projeto dos outros, ao

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

proporcionar experiências dialógicas sobre um processo que, embora individualizado, é


comum a todos. Nesse movimento circular, ao observar o outro, e refletir sobre suas escolhas,
erros e acertos, acabamos delineando importantes parâmetros qualitativos, e finalmente nos
tornamos capazes de nos enxergar com mais clareza. “Não há mais professores, mas uma
comunidade de aprendizes” (SCHAFER, 1991, p. 277).
Por fim, posso constatar que essa experiência tem sido determinante para estimular o
desenvolvimento de projetos de Iniciação Científica, já que o contato e participação dos
alunos de graduação junto às pesquisas de pós-graduandos ou do próprio professor
responsável acaba resultando em uma produção individual que, submetida a pontuais ajustes,
acaba por configurar projetos bastante promissores.

Referências
CRUVINEL, Flavia Maria. Ensino Coletivo de Instrumento Musical: organização e
fortalecimento político dos educadores musicais que atuam a partir das metodologias de
ensino e aprendizagem em grupo. In: ENECIM - Encontro Nacional de Ensino Coletivo de
Instrumento Musical (VI), 2014, Salvador, Bahia. Anais... Salvador: Editora UFBA, 2014. 12-
20.

SCHAFER, Raymond Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A experiência do ensino coletivo na Catedral das Assembleias de Deus em Volta


Redonda/RJ (CADEVRE)

Márlon Souza Vieira


UBM – Centro Universitário de Barra Mansa
marlonsvieira@gmail.com

Resumo: Esta comunicação considera um relato de experiência vivenciado na Catedral das Assembleias de
Deus em Volta Redonda/RJ – CADEVRE. Observamos que a instituição se destaca por ser um espaço com
tradição histórica para o aprendizado musical por meio do ensino coletivo de música na região sul do estado do
Rio de Janeiro. Opera na formação musical de crianças, jovens e adultos estimulando o fazer musical e, apesar
de apresentar-se em um contexto não-formal, conduz muitos alunos a se especializarem em escolas
regulares nos cursos de licenciatura e bacharelado em Música. Nesse sentido, a CADEVRE se
distingue e a investigação desse processo se faz relevante e expressiva.

Palavras-chave: Ensino coletivo. Educação musical. Contexto não-formal. Catedral das Assembleias
de Deus em Volta Redonda.

1. Introdução
Na atualidade, o ensino de música no Brasil tem sido cenário importante nas
discussões que abrangem não apenas ambientes do ensino formal, mas pesquisas demonstram
um avanço pelo interesse do aprendizado musical nos espaços não-formais (FIGUEIREDO,
2014). Na Catedral das Assembleias de Deus – CADEVRE, igreja tradicional da cidade de
Volta Redonda, encontra-se uma ação significativa por meio do ensino coletivo para o
aprendizado musical da região sul fluminense: a Escola de Música da CADEVRE.
A Catedral das Assembleias de Deus é uma instituição religiosa denominada igreja
que segue a linha do protestantismo. É o maior templo da cidade de Volta Redonda com o
quantitativo de 16.000 membros, tendo espalhadas cerca de 100 congregações por todo o
município. Em outras 10 cidades do sul do estado fluminense e vale do Paraíba paulistano, há
igrejas filiadas à instituição. Estas funcionam como polos que também possuem estabelecido
o ensino de música e conjuntos musicais diversificados: corais, bandas e orquestras. Assim,
são multiplicadoras do processo de ensino musical instituído pela CADEVRE. As ações
construídas por meio do ensino coletivo de música acontecem desde 2017 com resultados
relevantes e proposta diferenciada para o aprendizado musical.
Dessa forma, este trabalho tem por objetivo contribuir com os processos que envolvem
os elementos que permeiam o ensino e o aprendizado da música por meio do ensino coletivo,
reconhecendo este fenômeno didático e pedagógico a partir da experiência da Escola de
Música da CADEVRE como possibilidade eficaz e dinâmica.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2. A Catedral das Assembleias de Deus e a vivência musical


Fundada no ano de 1943, data anterior à fundação do município (figura 1), a Catedral
das Assembleias de Deus em Volta Redonda teve suas transformações juntamente com o
progresso da cidade, que teve sua fundação em 1954.

FIGURA 1 – Templo Antigo e Volta Redonda – anos 50. Fonte: Arquivo da Orquestra da CADEVRE

Desde o início, o ensino de música da igreja em Volta Redonda esteve relacionado às práticas
musicais da cidade: esses atuavam em organizações distintas. Os músicos congregados eram
enxergados como privilegiados, isto devido ao processo de formação musical que resultava
em boas performances nas instituições do município. Assim, mesmo com o passar das
décadas, até hoje, busca-se manter as tradições de um ensino musical diferenciado, refletido
também pela construção histórica, repensando a necessidade para a continuidade, dialogando
com as transformações consideradas pela educação formal e não-formal compreendida,
solucionando questões do tempo presente. Nesse sentido, Fonterrada reflete:

Ver-se-á que, em cada época, os valores, a visão de mundo, os modos de conhecer a


ciência dão suporte à pratica musical, à ciência da música e à educação musical; é
importante que se reconheça esse fato para que se compreenda a problemática do
ensino de música hoje, e assim, possam surgir soluções para ele (FONTERRADA,
2008, p.25).

O campo de vivência musical na CADEVRE considera como princípios a música


evangélica. Esse modelo teve sua gênese no Brasil ainda no período colonial. A partir de
então, sua forma performática se desenvolveu e, por meio das diferentes denominações que
aqui se estabeleceram, a música evangélica criou raiz e ampliou seus horizontes no cenário
nacional. Assim constata Souza:

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A música evangélica chegou ao Brasil ainda em suas primeiras décadas de


colonização portuguesa, junto com os protestantes europeus que aqui estiveram de
passagem ou de caráter prolongado. A princípio entoavam seus cânticos sozinhos,
como devocional pessoal, ou em pequenos grupos. Depois essa música ganhou
espaço, variedade e frequência ao longo dos anos, especialmente a partir do
momento em que as igrejas protestantes foram se firmando no País com seus cultos,
o que ocorreu ainda nesse longo período com a chegada de diversas denominações
(SOUZA, 2011, p. 21).

Nesse contexto, a música realizada na CADEVRE possui sua estrutura motivada por
dois caminhos principais: o primeiro é direcionado aos momentos litúrgicos.
Tradicionalmente, em diferentes momentos do culto, a música dialoga com os acontecimentos
que nela se formam. Como afirma Hustad, “A música na Igreja também é uma arte funcional”
(HUSTAD, 1981, p. 32). Como exemplos, temos os hinários executados no início do culto,
louvores avulsos e melodias jubilosas após o término da reunião. E, para que isto aconteça,
corais, bandas, orquestras e conjuntos musicais diversos se organizam em ensaios que
acontecem semanalmente, a fim de que as apresentações ocorram. Na figura 2, observa-se a
Banda de Música da CADEVRE no templo antigo (espaço físico antecessor a CADEVRE)
atuando em evento festivo da igreja.

FIGURA 2 – Banda da Igreja em Festividade – anos 60.Fonte: Arquivo da Orquestra da CADEVRE

O segundo, e não menos importante, está o ensino de música. As aulas são assistidas
por componentes da igreja, membros de outras denominações e por interessados que não
professam nenhum credo religioso. Deste modo, mantém sua tradição de formar músicos não
somente para atuar na igreja como também para formação de músicos para bandas de música
civis e militares1, para orquestras sinfônicas da região e da capital e para conjuntos musicais
diversos.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Vemos uma grande intenção dos alunos de música da CADEVRE que se interessam
em dar continuidade aos seus estudos musicais ingressando em cursos técnicos e em
universidades. Nesse relato, concebemos a Escola de Música da CADEVRE com mesmo
formato dos cursos livres de teoria e de instrumentos musicais. Desta forma, ainda que não
seja estabelecimento oficial de formação musical, se legitima ao contribuir para um
tradicional ensino de música. Portanto, detém função multiplicadora de músicos na cidade por
meio de um aprendizado que vai da musicalização à profissionalização.

3. O ensino coletivo de música na CADEVRE


Para considerar a validade das informações nesta comunicação, faremos um recorte
temporal em que informaremos ao leitor os dados constituídos, a partir de 2010, data em que
este pesquisador passou a integrar o Departamento de Música da CADEVRE.
Em 2010, deu início, no Departamento de Música da CADEVRE, uma nova gestão.
Assim, a escola de música foi reestruturada e objetivou novas metas para a formação musical:
turma de musicalização infantil; orquestra infantil de flauta doce; teoria musical; ampliação
de aula para instrumentos, como: violinos, clarinetes, saxofones, trompete, trombone, trompa,
guitarra, teclado, bateria e canto. Como alternativa didático-metodológica para esse
aprendizado, se estabeleceu o ensino coletivo como modo operante principal da escola de
música. Segundo Oliveira,

O ensino coletivo de instrumento vem ganhando cada vez mais espaço entre os
educadores musicais no cenário nacional, [...]possibilitando o acesso de uma gama
maior de estudantes ao aprendizado musical no contexto escolar (OLIVEIRA, 2018,
p. 309).

A partir do ensino coletivo, objetivou-se criar um ambiente de construção social em


que a proposição de disputas sadias com o outro poderia potencializar o aprendizado musical.
Segundo Cruvinel (2008, p .5), “O Ensino Coletivo de Instrumento Musical pode ser uma
importante ferramenta para o processo de socialização do ensino musical”.
A equipe de professores da Escola de Música da CADEVRE é, em sua maioria,
constituída por componentes da orquestra da igreja, isto é, a orquestra da CADEVRE. Alguns
deles se destacaram como profissionais da música tocando também em outras orquestras da
cidade; outros ingressaram em cursos de licenciatura e bacharelado em Música; temos aqueles
que, apesar de se aprofundarem em seus instrumentos, mantêm sua experiência com a música
apenas como um hobby. É importante considerar que mais da metade dos professores são
oriundos da Escola de Música da CADEVRE, de anos anteriores ao de 2010.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Na escola de Música da CADEVRE, as maiores procuras são pelos instrumentos


melódicos. Talvez, isso se explique pelo propósito de, em um momento futuro, o aluno possa
integrar a Orquestra da CADEVRE. Outrossim, ponderamos a vontade de prestar concursos
para instituições musicais civis e militares: temos um quantitativo expressivo de ex-alunos
que ingressaram nas bandas das forças armadas e nas bandas das forças auxiliares e,
igualmente, em orquestras sinfônicas de estabelecimentos estaduais e municipais.
O curso transcorre concomitantemente ao ano letivo escolar. Dessa forma, o ciclo é de
1(um) ano, com matrícula renovável, até que o aluno resolva interromper ou se sinta seguro
para buscar outras formas de ensino – técnico ou superior. A forma de avaliação é continuada.
No entanto, ao final de cada ano letivo, o aluno participa de uma verificação quanto ao seu
desempenho. (Figura 5). O conteúdo desta avaliação engloba as atividades teóricas e práticas
realizadas no decorrer do ano.

FIGURA 5 – Exame de desempenho anual. Fonte: Arquivo da Orquestra da CADEVRE

Quanto aos espaços para as aulas, a CADEVRE possui salas próprias que são
direcionadas para o curso. Ela possui ainda convênio com um amplo espaço escolar e com
estúdio de gravação de som e imagem que também dispõem de diversas salas. Ambos os
locais estão localizados ao lado da igreja e são utilizados para o ensino coletivo de música.
(Figura 6)

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

FIGURA 6 – Quadro de figuras do curso de música da CADEVRE. Fonte: Arquivo da Orquestra da CADEVRE

A primeira indicação no processo de ensino-aprendizado de música na CADEVRE é o


curso de musicalização e flauta doce, um trabalho que se inicia coletivamente, pois são
crianças na faixa etária dos 6 aos 12 anos. Caso o aluno já esteja em idade adulta, a indicação
é a matrícula no aprendizado de instrumento musical. Não há uma faixa etária estipulada para
o ingresso no curso, entretanto, para as crianças, a escolha do instrumento ocorre somente
após a passagem pela flauta doce. Temos exemplos de pessoas com diferença de até 40 anos
entre idades realizando o aprendizado de instrumento musical.
No decorrer do processo de ensino coletivo, as aulas teóricas acontecem
concomitantemente com as aulas práticas dos instrumentos. Normalmente, os professores
usam métodos de ensino coletivo já conhecidos, dentre eles: o Medalist Band Methodo,
Essential Elements Band e o Yamaha Advantage. Além desses, usam materiais próprios e
outros métodos mais específicos dos instrumentos: Arban para trompete, Peretti para trombone,
Klose para clarinet e Ian Guest e Almir Chediak para os instrumentos de base harmônica como teclado
e órgão.
Além do ensino coletivo com instrumento, esse processo é duplicado na medida em que, ao
menos uma vez por mês, todos os alunos que estão no aprendizado de instrumento se reúnem para um
ensaio também coletivo. Chamamos esse grupo de Orquestra de Alunos. Nesta aula, o
professor/maestro realiza ensaio de repertório facilitado, amplia os fundamentos da prática de conjunto
propostas pelos métodos e estimula valores pertinentes à boa convivência em meio à coletividade. A
principal meta do ensino coletivo é propor aos alunos leituras positivas sobre a prática de conjunto e
formar o aluno a fim de integrá-lo à orquestra da CADEVRE.

4. O desenvolvimento do aprendizado coletivo: os grupos musicais da CADEVRE


Na CADEVRE, a prática musical é constante e contínua. Junto com as atividades
musicais necessárias para as aulas de música, temos o aprendizado paralelo proporcionado
pelos grupos musicais da instituição. Corais e pequenos grupos vocais; orquestra, big band e

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

grupos instrumentais menores compõem a estrutura que apresenta elementos contributivos


para a formação musical da igreja.

Grupo 1 – Corais
Formado por membros da igreja, inclusive aqueles que participam das aulas de
música, os corais têm como objetivo principal o desenvolvimento da música vocal. Na
CADEVRE há três corais específicos: o coral infantil, o juvenil e o da mocidade
(jovens).(Figura 7 e 8)

FIGURA 7 – Coral Infantil. Fonte: Arquivo da Orquestra FIGURA 8 – Coral da Mocidade. Fonte: Arquivo
da CADEVRE da Orquestra da CADEVRE

Como já estipulado no nome, os participantes obrigatoriamente devem se enquadrar na


faixa etária correspondente. Esses corais atuam aos domingos, sucessivamente, uma vez por
mês. A estrutura vocal possui divisões harmônicas das vozes e um acompanhamento
instrumental. Outros dois corais tradicionais atuam de forma mais abrangente e diferenciada.
Nomeados como Coral Lírio de Sião (Figura 9) e Coral Angelos, possuem um formato mais
tradicional para a música vocal. Também atuam com divisão harmônica, no entanto, de uma
forma mais aprofundada com separações entre soprano, contralto, tenor e baixo. Esses, além
de participarem semanalmente dos cultos, realizam eventos especiais como cantata de páscoa,
de natal, congressos e representam a igreja em outros acontecimentos na cidade ou em outras
denominações.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

FIGURA 9 – Coral Lírio de Sião. Fonte: Arquivo da Orquestra da CADEVRE.

Grupo 2 – Orquestra, Big Band e grupos instrumentais menores


O grupo instrumental mais importante da igreja é a Orquestra CADEVRE. Hoje,
composta por 60 músicos, dividida nos seguintes naipes: cordas, madeiras, metais, percussão
e base. Tem no seu organograma um secretário, um tesoureiro, um regente auxiliar e regente
titular. Ela é o grupo objetivado por todos os alunos da escola de música. Configura-se pela
representatividade da igreja. É responsável por conduzir o canto congregacional por meio de
melodias em partituras de hinário denominado Harpa Cristã. Dessa forma, a Orquestra
CADEVRE é o único grupo musical da igreja que participa de todos os cultos, tendo assim,
vida musical ativa. A orquestra também atua em festas especiais, cultos de batismo e
comunhão. Na cidade, participa de concertos comemorativos de Natal, de Páscoa e do Dia da
Bíblia. Dentro da Orquestra CADEVRE grupos menores se constituem, entre eles, se
sobressai a Big Band.

5. Reflexões Finais
Profundas transformações no contexto atual vêm interferindo em tradições
perpetuadas. Com o passar dos anos, temos visto tradicionais instituições e formas de
expressões musicais se perderem. Formas culturais de comunidades diversas e específicas se
evaporam em meio à globalização, ao derrame midiático, à corrida tecnológica e aos novos
fenômenos da contemporaneidade. Assim constata Fonterrada:

Desde algum tempo, a princípio de forma difusa e depois mais enfaticamente,


profundas mudanças vem se impondo, e obrigam a buscar outras matrizes de
pensamento, capazes de dar conta dessas alterações. Esse conjunto de mudanças
rápidas alcança o homem, a sociedade, e afeta as ações e o próprio modo de ser de
cada um, pedindo por reajustes e soluções. A rapidez com que as coisas sucedem na
época atual, a modificação de conceitos clássicos, como os de tempo e espaço, e a
velocidade com que se entra em comunicação com qualquer ponto do planeta para
obter informações tornam, ao mesmo tempo, as coisas obsoletas, atropelam o
usuário com avalanche de dados e limitam o espaço da linearidade, [...] Vive-se um
momento de ruptura, em que conceitos, valores e crenças, até a pouco considerados

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

inquestionáveis, encontram dificuldade em se manter, sendo rapidamente


substituídos ou alterados (FONTERRADA, 2008, p. 280).

Dessa forma, valorizar e admitir a tradição da aprendizagem musical, pelo ensino


coletivo, construído ao longo de mais de meio século na CADEVRE, é considerar uma forma
de ensino musical legítima, que vem transformando vidas e formando músicos em diversas
gerações sem deixar de se adaptar às transformações da atualidade.Uma vez que, de maneira
concreta, vem observando os fundamentos norteadores do processo de ensino e metodologia
da educação musical contemporânea.
É perceptível que, a partir desse relato, músicos que hoje atuam nas mais diversas
instituições musicais das proximidades de Volta Redonda tiveram na Escola de Música da
CADEVRE parte importante em sua formação musical.
Devemos também ressaltar os ex-alunos que hoje se interessam pelos cursos de
licenciatura e bacharelado em Música. Alguns já lecionam nas escolas de educação básica e,
por este motivo, a orientação atual é que os cursos de licenciatura valorizem o processo de
ensino-aprendizagem de música em diversos contextos, tornando a formação do estudante
mais abrangente. Assim confere o Professor Figueiredo:

Os cursos de licenciatura, de acordo com a diretrizes Curriculares Nacionais para o


curso de graduação em Música (Brasil, 2004) devem propiciar uma formação que
permita ao estudante atuar em diversos contextos não apenas na escola de educação
básica (FIGUEREDO, 2014, p. 95).

Ainda que a formação musical na CADEVRE não objetive a profissionalização, fica


evidente que a contribuição para esse fim é efetiva e eficaz. Assim, a instituição constitui um
respeitável e significativo espaço de formação musical, proporcionando uma introdução às
crianças, aos jovens e aos adultos que, muitas vezes, não têm acesso ao ensino de música na
escola. Igualmente, mantém a tradição de ser um importante espaço de aprendizado musical
para a cidade de Volta Redonda e região.
Por fim, o ensino coletivo de instrumento musical vem sendo um diferencial para os
alunos, para os professores e para o contexto musical da igreja, de igual modo, uma proposta
sistematizada em que as construções metodológicas mostram-se adequadas para a realidade
musical da Escola de Música da CADEVRE.

Referências

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação. 2. ed. São Paulo: Ed. da UNESP, 2005.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

CRUVINEL, Flavia Maria. O ensino coletivo de instrumentos musicais na educação básica:


compromisso com a escola a partir de propostas significativas de Ensino Musical. 2008.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/musicalidade/midiateca/praticas-musicais-vocais-e-
instrumentais/praticas-instrumentais/o-ensino-coletivo-de-instrumentos-musicais-na-ed.-
basica/view> Acesso em: 20 nov. 2019.

HUSTAD, Donald P. A Música na Igreja. Tradução de Adiel Almeida de Oliveira. 2. ed. São
Paulo: Jubilate, 1991.

MOREIRA, José Estevão. Investigações Filosóficas sobre Linguagem, Música e Educação:


O que é isso que chamam de música? Rio de Janeiro: Edição do Autor, 2014.

MEDAGLIA, J. Música Maestro – Do canto gregoriano ao sintetizador. São Paulo: Globo,


2008.

OLIVEIRA, Victor Matos de. O ensino coletivo de violão no Instituto Federal Fluminense.
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. In: Anais do V SIMPOM 2018
- Simpósio Brasileiro de Pós-graduandos em Música. 308-19, 2018.

SOARES, J.; SCHAMBECK, R.; FIGUEIREDO, S. A formação do professor de música no


Brasil.Belo Horizonte: Fino Traço, 2014.

SOUZA, Salvador de. História da Música Evangélica no Brasil. São Paulo: Ágape, 2011.

Notas
1
Referimo-nos às bandas da Marinha, Exército e Aeronáutica.

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XIII Encontro de Educação Musical
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A apreciação musical e sua relevância no ensino do choro

Antonio Fernando V. Souza


Unicamp
nandosouza1706@uol.com.br

Resumo: Este trabalho pretende contribuir para o entendimento do papel da apreciação musical no
ensino do choro com base em uma discussão teórica do assunto e apresentação dos resultados
preliminares de uma pesquisa empírica em andamento. O referencial teórico escolhido é baseado no
pensamento do Círculo de Bakhtin e na apropriação da noção de dialogia para pensar a função da
escuta ativa no ensino musical. A pesquisa em curso investiga o uso de estratégias de apreciação no
“Curso de Choro” no Conservatório de Tatuí.

Palavras-chave: Apreciação. Choro. Bakhtin.

1. Apresentação
O objetivo deste texto é discutir a importância da apreciação musical no processo de
ensino. Para tanto, o objeto de estudo elegido é o Choro e, neste caso, a atenção é dirigida ao
desenvolvimento deste gênero no “Curso de Choro” do Conservatório Musical de Tatuí, o
qual adota este recurso como um essencial procedimento metodológico. Este trabalho faz
parte de uma pesquisa de mestrado em andamento que é aqui delimitada em torno do debate
teórico sobre qual o papel da apreciação no ensino musical, seguida de uma discussão
empírica sobre a sua relevância no referido curso.
A primeira parte deste trabalho introduz a abordagem teórica do Círculo de Bakhtin,
com ênfase na noção de dialogia, com o intuito de aproximar e estabelecer parâmetros
teóricos para uma compreensão da importância da apreciação no ensino musical. A segunda
parte descreve brevemente o âmbito a partir do qual será analisada a problemática acima, ou
seja, o objeto de pesquisa, o gênero Choro, e o campo de investigação, o conservatório
musical em questão, o qual será o cerne de observações e onde será aplicada a metodologia
para obtenção de dados. A terceira parte trata da apreciação no ambiente do Curso de Choro
de Tatuí, através de resultados obtidos em pesquisa anterior e das evidências preliminares de
uma nova investigação em andamento que circunscreve a questão específica da escuta
musical. Por fim, no mesmo item, exponho algumas considerações e descrevo sinteticamente
as próximas etapas da pesquisa.

2. Referencial teórico: círculo de Bakhtin, dialogia e a escuta ativa


A relevância da apreciação no ensino da música é um tema pouco explorado na
literatura especializada e no debate teórico sobre educação musical. Tal escassez tem

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

chamado atenção de alguns autores em torno do assunto para preencher esta lacuna, uma vez
que no ensino musical frequentemente são valorizadas outras dimensões do conhecimento. No
processo de ensino e aprendizagem musical que ocorre nas inúmeras instituições de instrução
musical do país, constata-se a ênfase principalmente em dois aspectos no ensino: o do “fazer”
musical, ou seja, a prática (instrumental e/ou vocal) e o de conteúdo teórico. Todavia, há uma
certa negligência de outro elemento importante e constituinte deste processo, que é a
apreciação.
Segundo Nassif e Schroeder, a escuta é fundamental para a apropriação consciente,
atribuição de sentido e uma atitude responsiva em relação à música, ainda assim, “a
apreciação ou escuta talvez seja a [dimensão do conhecimento musical] que menos atenção
tem recebido no campo educacional” (NASSIF; SCHROEDER, 2016, p.145). Estes autores
sustentam ainda possíveis conjecturas que explicariam tal fato: uma delas é a concepção da
música (e da arte em geral) como “evidência”, ou seja, a sua contemplação ou compreensão
seria evidente pelo mero contato com as obras, não sendo,assim, necessária a sistematização
da aprendizagem da escuta. Outra provável causa seria a crença na auto-suficiência da teoria
musical como fonte de conhecimento. O estudo teórico levaria ao aprimoramento natural da
escuta musical, sendo esta então um “efeito colateral” deste saber, o qual teria um papel ativo
no processo de apreensão musical. E há ainda uma terceira hipótese, que seria a
supervalorização do “fazer musical”, que, embora vinculada às dimensões teóricas e de
apreciação, se sobressai a estas, destacando-se assim como “princípio ativo”, conduzindo
novamente a apreciação para o “efeito colateral” na apropriação da linguagem musical.
Este modelo de ensino musical priorizando as dimensões citadas acima (a do “fazer” e
a teórica) acaba por afetar e põe em detrimento e de maneira muito passiva a
apreciação/escuta, pois
as propostas de ensino de música no campo da apreciação... seja numa linha mais
contextual, seja mais técnica, geralmente trabalham de modo bastante passivo,
fazendo com que o aluno receba informações prontas e acabadas, desconsiderando
este aspecto responsivo e ativo da compreensão (SCHROEDER, 2012, p .2403).

De modo oposto a esse viés da passividade em relação à apreciação musical, de acordo


com Nassif e Schroeder (2016), a música se assemelha a um texto e, portanto, é carregada de
signos socialmente compartilhados, que precisam ser interpretados, por conseguinte, sua
compreensão não é evidente pelo mero contato com uma obra. A concepção desses autores
em relação a este assunto é amparada principalmente por fundamentos dos pensadores do
Círculo de Bakhtin,1 e, de modo especial, pelo conceito de dialogia. Os membros deste
círculo desenvolveram um pensamento sobre o funcionamento das linguagens, que abrange

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

além da linguagem verbal e a literatura, também os demais sistemas simbólicos e todo o


mundo da cultura (o que inclui, é claro, a música). A metáfora do diálogo, segundo tal
pensamento, exprime a dinâmica que rege o universo simbólico. Ou seja, o âmbito da cultura
é responsivo, como um grande diálogo e tudo o que se cria nessa área tem uma referência
anterior (mesmo que inconscientemente) e funciona como uma reação a algo que veio antes.
No caso da música, uma “nova” composição sempre tem vínculos com outras obras
anteriores, sendo então, tal composição uma “resposta” e poderá ser referência também para
músicas concebidas posteriormente, como um diálogo, no qual cada obra responde a um
enunciado.2
Nassif e Schroeder baseiam-se nesta metáfora do diálogo para argumentar que a escuta
e apreciação musical deveria fazer parte de um processo compreensivo dialógico, no qual não
é suficiente a mera identificação de elementos, como proposto pela teoria musical, mas “é
preciso buscar relações de sentido... puxar fios que possam fazer conexões, enfim, colocar as
músicas em diálogo” (NASSIF; SCHROEDER, 2016, p.149, grifo meu). Portanto, depreende-
se que trabalhar no campo do sentido não envolve uma simples recepção neutra de
informações, e nesta perspectiva, o processo de apreensão e interpretação a um enunciado se
dá de forma ativa. A apreciação, então, pensada de maneira mais dinâmica e atuante, com
base nesta bibliografia consultada, deve ser aplicada no ensino musical de modo com que os
aprendizes tenham com ela um papel ativo, equiparando-se com outras dimensões da cultura
do ensino musical, como o conteúdo teórico e prático. Por reconhecer musicalmente a
importância da apreciação no ensino tanto quanto o “fazer” e a teoria musical, além de
considerar seu potencial autônomo e ativo no trabalho com alunos para a apreensão musical,
adotarei em minha pesquisa como principal fundamento o referencial teórico do Círculo de
Bakhtin. O que não quer dizer ignorar a referência de outros pensadores que têm analisado a
apreciação e o trabalho de escuta musical em aula e que possam contribuir com este intento.
A importância da apreciação tem sido destacada também por outros autores que
trabalham na área da música e da educação. Mônica Ajej argumenta que a aprendizagem da
música precisa envolver, de alguma maneira, a apreciação musical (AJEJ, 2011). José Júlio
Stateri diz que um dos objetivos da apreciação musical na relação de ensino é “aprimorar a
sensibilidade estética dos alunos” (STATERI, 2011, p. 42). E Zuraida Abud Bastião menciona
que é provável que “a apreciação musical possa beneficiar estudantes de música em suas
práticas musicais” (BASTIÃO, 2014, p. 29). Para o musicólogo e professor João Caldeira
Filho, a apreciação musical deve ser praticada pelos estudantes e um dos fins desta é “a
assimilação, dos fenômenos básicos da música, ritmo e som de modo geral, inseridos na

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

vivência total” e como uma das técnicas subsidiárias para isso podem ser “a audição ao vivo e
as gravações” (FILHO, 1971, p. 55).
O presente trabalho pretende estudar a importância da apreciação na educação musical
com base no referencial teórico do Círculo de Bakhtin. Para isso, o objeto escolhido foi um
gênero musical que apenas recentemente foi inserido nas escolas de ensino sistematizado: o
Choro.3

3. Campo de pesquisa e objeto de estudo: o Conservatório Musical de Tatuí e o choro


O Choro é um dos gêneros musicais brasileiros mais antigo dentro do âmbito da
música popular urbana. Sua permanência ao longo de diversas décadas ocorreu
principalmente por meio da transmissão oral e de processos informais de aprendizagem,
pois até recentemente não possuía vínculo com instituições educativas. Segundo Mário
Seve (1999), o Choro foi mantido “vivo” graças às Rodas de Choro, o que revela a
importância da prática musical e da apreciação pelos novatos para a preservação e
continuação do gênero.
No final da década de 1990, mais precisamente em 29 de abril de 1998, foi fundada a
primeira escola dedicada ao ensino do Choro no Brasil, a Escola Brasileira de Choro
“Raphael Rabello” (EBCRR)4 em Brasília, e posteriormente vieram outras instituições a se
dedicar ao ensino do gênero, como a Escola Portátil de Música (EPM), no Rio de Janeiro e o
Curso de Choro dentro do Conservatório Musical de Tatuí. A respeito da importância destas
três instituições para ensino do Choro, afirma Fiorussi:
Não existem muitas escolas como estas, mas o trabalho das três citadas merece
destaque, pois nelas vêm se formando excelentes músicos, novos compositores de
choro, novos grupos e principalmente, pessoas que aprofundam o conhecimento em
uma das culturas brasileiras, ampliando, desta forma, sua compreensão de cidadãos
brasileiros (FIORUSSI, 2012, p.41).

O local escolhido para realização de minha pesquisa, como já frisado, é o


Conservatório Musical de Tatuí, destacado por Fiorussi (2012) com uma das três principais
instituições de formação de músicos do Choro e considerada pelos próprios professores desta
entidade como um local em que se valoriza, sobretudo, a apreciação musical como estratégia
de ensino. Dado esse obtido também por meio de uma investigação anterior realizada no
Curso de Choro no referido local (em 2010), o qual resultou em uma monografia.
Situado a 130 km da cidade de São Paulo, o Conservatório Dramático e Musical “Dr.
Carlos de Campos” de Tatuí (CDMCC) é considerado o maior da América Latina e
referência no ensino musical. Além do curso de Choro (objeto central da pesquisa), o

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

conservatório disponibiliza outros distintos cursos musicais nas áreas de canto-coral,


educação musical, cordas, música de câmara, teoria, percussão, piano, MPB &Jazz, sopros,
regência, violão, entre outros.
O conservatório é mantido pelo Governo do Estado de São Paulo e incorporado à
Secretaria de Estado da Cultura, atualmente administrado pela Abaçaí Cultura e Arte,
qualificada como Organização Social da Área de Cultura.
Em relação ao Choro no conservatório, o professor de violão de sete cordas da
instituição, Alexandre Bauab, afirma que, com exceção da Escola Brasileira de Choro
“Raphael Rabelo” de Brasília, fundada em 1998, nenhuma outra escola do Brasil – pública
ou particular – teve a iniciativa de abrir um espaço tal como o Curso de Choro criado dentro
do Conservatório Musical de Tatuí em 1999, dedicado a esse “tão importante gênero da
música popular brasileira”. 5 As disciplinas oferecidas no Curso de Choro são: Violão de sete
cordas, Bandolim, Cavaquinho, Flauta transversal, Linguagem do Choro e Aula de repertório
(também chamada de “Prática de Choro”).
Além das atividades ligadas ao curso dentro do Conservatório, os professores também
promovem, em parceria com espaços artísticos e culturais alternativos da cidade de Tatuí, as
Rodas de Choro semanais para a prática “viva” do gênero com os alunos, as quais, segundo os
docentes, são essenciais para o pleno desenvolvimento e aprendizado
É praticamente impensável formar um músico de choro abrindo mão deste meio. Na
roda, o aprendizado mistura-se com a prática. O aluno não é preparado para o
acontecimento, mas prepara-se no acontecimento. Não existem barreiras músico-
ouvinte, o que a torna também um meio de aprendizado ao participante não músico
[...] O papel da roda de choro é essencial. Se existe interesse em implantar este
gênero, a roda de choro se faz necessária (SOARES, 2009)6

4. A apreciação no curso de choro


Apesar da pouca atenção normalmente destinada à apreciação no ensino musical de
forma geral, como já salientado neste texto, há indicativos de que no Curso de Choro em
Tatuí o olhar dos professores quanto a esta questão vai em direção oposta, valorizando esta
dimensão do conhecimento musical, pois ela parece ser um dos componentes essenciais da
metodologia usada no conservatório. Uma pesquisa anterior realizada no referido curso do
CDMCC detectou que os professores apontavam em diversas entrevistas a importância da
apreciação como estratégia de ensino. O professor de violão de sete cordas, Alexandre Bauab,
por exemplo, indica que no curso “a instrução para a apreciação são as audições nas Rodas de
Choro e principalmente as gravações em disco” (SOUZA, 2010, p.54). Já o docente de flauta
transversal e da disciplina “Linguagem do Choro” da instituição, Benedito Alberto, afirma
que sempre partiu da audição e apreciação do gênero para poder tocá-lo e da mesma maneira

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

também induz tal percurso aos seus alunos (ibidem, p.31). Outro professor do curso que
também valorizou a estratégia de ensino em questão foi o de cavaquinho, Marcelo Cândido, o
qual certifica: “a apreciação sempre! Desde o primeiro dia, desde a primeira aula” (ibidem,
p.54).
A atenção para a questão da apreciação é grande, pois o professor Bauab acredita que
“geralmente não se escolhe o que ouvir, apenas é aceito o que a grande mídia impõe” (ibidem,
p.54). E como normalmente o Choro não é contemplado em divulgação na maior parte da
mídia, é preciso estar atento às referências que o aluno tem, dado que, para se tocar Choro é
necessário se familiarizar com o gênero.
Vários exemplos coletados até o presente momento sugerem que no CDMCC a
palavra-chave em termos didáticos é a apreciação, pois é a partir da ênfase dada aos processos
desta que se desenvolve grande parte dos procedimentos trabalhados durante o curso, visto
que a apreciação possibilita a análise, a percepção e a compreensão dos elementos essenciais
no âmbito da aprendizagem e do desenvolvimento musical. Ela está atrelada tanto à análise,
entendimento e exame crítico dos elementos musicais técnicos como também os de dimensões
expressivas e estruturais de forma geral.

5. Considerações finais
Conforme observado neste texto e de acordo com a bibliografia consultada, a
apreciação musical se mostra como um recurso importante no processo de ensino do Curso de
Choro em Tatuí. O moderado foco destinado a este tema em pesquisas acadêmicas contrasta,
entretanto, com o espaço ocupado por esse meio utilizado pelos professores do conservatório
destacado neste trabalho e por outras escolas musicais que também se dedicam ao gênero 7.
Com o intuito de aprimorar e ampliar o conhecimento no assunto, o qual pode ser de grande
valia para a educação musical de forma geral e, em especial, ao Choro, somada à escassez do
tema, é que proponho circunscrever um estudo específico em torno da escuta musical na
relação de ensino e aprendizagem do gênero.
Na investigação de campo atualmente em curso, realizarei novas observações,
questionários com alunos e entrevistas semiestruturadas com professores do CDMCC,
focando especificamente acerca do papel da apreciação musical no ensino do Choro,
buscando o entendimento de, em que medida, além da valorização deste recurso didático, é
possível perceber o interesse em se desenvolver uma apreciação/escuta ativa, tal como
sugerem os trabalhos de Nassif e Schroeder, baseados no pensamento do Círculo de Bakhtin.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências
AJEJ, Mônica. Prefácio. In: STATERI, José J. Aprendizagem e apreciação Musical.
Indaiatuba: E.D.I., 2011.

BASTIÃO, Zuraida Abud. Apreciação Musical Expressiva: uma abordagem para a formação
de professores de música da educação básica. Salvador: EDUFBA, 2014.

BAUAB, Alexandre. 23 de abril: dia nacional do choro. Ensaio Magazine. Tatuí, ano IV,
nº48, p.02, abril de 2009.

FILHO, Caldeira. Apreciação musical: subsídios técnico-estéticos. São Paulo: Fermata do


Brasil, 1971.

FIORUSSI, Eduardo Roda de Choro: processos educativos na convivência entre músicos. 130
f. Dissertação de mestrado.Universidade Federal de São Carlos, 2012.

NASSIF, Silvia; SCHROEDER, Jorge. A Escuta Musical: um processo dialógico. Educação,


Batatais, v. 6, n.2, pp. 143-161, jul./dez., 2016.

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008.

SANDRONI, Carlos. Uma roda de choro concentrada: reflexões sobre o ensino de músicas
populares nas escolas. In: ENCONTRO DA ABEM, IX, 2000, Belém. Anais do IX Encontro
Anual da ABEM, Belém: ABEM, 2000, p. 19-26.

SCHROEDER, Silvia Nassif. A Escuta Musical de Não-Músicos: uma experiência com


alunos do curso de pedagogia. Leitura: Teoria & Prática, n.58, pp. 2397-2404, jun., 2012.

SCHROEDER, Silvia; SCHROEDER, Jorge. Música como discurso: uma perspectiva a partir
da filosofia do círculo de Bakhtin. Música em Perspectiva, v. 4, n. 2, pp. 128-153, Set., 2011.

SÉVE, Mário. Vocabulário do Choro: Estudos e Composições. Rio de Janeiro: Lumiar


Editora, 1999.

SOARES, Guilherme Guirardi. Bauru redescobre o choro: registro fotográfico de um


movimento cultural. Trabalho de conclusão de curso apresentado no Curso de Comunicação
Social - Jornalismo da Unesp, 2009.

SOUZA, A. Fernando V. Ensino do Choro: Metodologia do Conservatório de Tatuí. Trabalho


de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Licenciatura em Educação Musical do
Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),
2010.

STATERI, José J. Aprendizagem e apreciação Musical. Indaiatuba: E.D.I., 2011.

TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabelo: um
estudo de caso e de preservação musical bem sucedida. In: Congresso Brasileiro de
Sociologia, 12º, Recife, 2007.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Notas

1
Grupo de pensadores russos do início do século XX que tem como um dos integrantes mais conhecido o
filósofo Mikhail Bakhtin. Ver: Schroeder e Schroeder (2011) e Nassif e Schroeder (2016).
2
De acordo com o pensamento bakhtiniano, o uso da língua se dá em forma de enunciados, proferidos por
falantes em diferentes situações. Esses enunciados dão origem aos discursos (levando em conta o contexto
cultural e social). O enunciado deve ser tomado como ponto de partida para qualquer reflexão ou análise da
linguagem, pois ele é “a unidade real da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2000, p.287, apud NASSIF, 2012,
p.2399). Fazendo uma analogia desta perspectiva da linguagem (verbal/escrita) com a música, segundo
Schroeder (2012), pode-se dizer que também são as obras (ou “enunciados musicais”) que permitem a
apreciação e compreensão por parte das pessoas.
3
Na educação musical há a predominância do ensino sistematizado da chamada música erudita de tradição
europeia (PENNA, 2008, p.32). Por outro lado, desde alguns anos até o presente momento, tem havido uma
justificável tendência mundial por parte de educadores em incorporar nas escolas de música e em escolas
formais, temas relativos às culturas populares (SANDRONI, 2000). Diante deste contexto, o Choro foi se
inserindo nestas escolas.
4
Cf. Teixeira, 2007.
5
BAUAB, Alexandre. 23 de abril: dia nacional do choro. Ensaio Magazine. Tatuí-SP. Ano IV, nº48, p. 02, abril
de 2009.
6
Entrevista concedida pelo professor de violão sete cordas e coordenador da Área de Choro do Conservatório
Musical de Tatuí, Alexandre Bauab a Guilherme Soares, como material anexo a seu Trabalho de Conclusão de
Curso de Jornalismo da entidade UNESP, intitulado “Bauru Redescobre o Choro: registro fotográfico de um
movimento cultural”, apresentado no ano de 2009.
7
Há por exemplo, uma disciplina na Escola Portátil de Música, do Rio de Janeiro (a qual é dedicada
exclusivamente ao Choro e seu ensino), denominada “Apreciação Musical” (SOUZA, 2010, p. 90).

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XIII Encontro de Educação Musical
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A observação participante como método para pesquisa de campo em ensino coletivo de


instrumentos musicais

Cindy Helenka Alves


Universidade Federal do Rio de Janeiro
cindyhalves@gmail.com

Fernando Vago Santana


Universidade Federal de Juiz de Fora
fernandovagopianista@gmail.com

Resumo: Este trabalho investiga a viabilidade do método de observação participante em pesquisas


sobre ensino coletivo de instrumentos musicais. Integra pesquisa que estuda ensaios de uma banda
iniciante de sopros, com intervenção da pesquisadora visando compreender os processos de ensino-
aprendizagem dos ensaios-aula tanto de uma perspectiva externa quanto interna. A revisão de
literatura sobre o método da observação participante demonstrou a aplicabilidade deste método para
desenvolver a pesquisa de campo em ensino coletivo de instrumentos musicais.

Palavras-chave: Observação participante. Ensino coletivo. Bandas de sopros. Educação musical.

1. Introdução
Dentre as possibilidades metodológicas de desenho da pesquisa qualitativa sobre
ensino coletivo de instrumentos musicais, deve-se considerar a observação participante como
uma opção viável.
Este trabalho constitui parte da pesquisa de Mestrado de um dos autores, que tem sido
desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Investiga as relações de transmissão e aquisição de conhecimentos
musicais que acontecem nos ensaios (aulas) de uma banda vinculada ao projeto Bandas nas
Escolas, do Governo do Estado do Espírito Santo.
A pesquisa foi estruturada em duas etapas principais. A primeira consiste em uma
ampla revisão de literatura relacionada ao ensino coletivo de instrumentos musicais, com
especial ênfase nas produções que circundam o método Da Capo, de Joel Barbosa, haja vista
sua proximidade ao ensino coletivo de instrumentos de sopro. Esse dado é importante já que o
ambiente de educação musical a ser investigado será uma banda de sopros.
A segunda etapa da pesquisa será realizada no primeiro semestre de 2020, e consistirá
em uma pesquisa de campo na qual um dos autores estará presente nos ensaios de uma banda
de sopros vinculada ao projeto, observando os mecanismos de ensino-aprendizagem utilizados
naquele ambiente. A proposta é relatar as estratégias eficazes, diagnosticar os elementos que
precisam de aperfeiçoamento e, ao final do processo de pesquisa, propor um plano de ação
para o grupo. No projeto de pesquisa, consta que a proposta é oferecer um plano de ação que
tenha como referência os conteúdos do método Da Capo, de Joel Barbosa.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Como parte da primeira etapa, a fim de instruir e fundamentar a segunda etapa da


pesquisa, foi necessário realizar um amplo levantamento bibliográfico relacionado aos
possíveis métodos de pesquisa aplicáveis a este estudo. Foi considerada a possibilidade de
desenvolver uma pesquisa-ação, por exemplo, mas a observação participante se tornou uma
opção mais coerente para as questões norteadoras aventadas no projeto de pesquisa.
Foram consultados diversos trabalhos que discutem a observação participante como
método, e a síntese dessas ideias será apresentada a seguir. Espera-se contribuir para auxiliar
pesquisadores da Educação Musical em suas atividades de pesquisa de campo.

2. Contextualização do método da observação participante com a pesquisa em


andamento

2.1 O método da observação participante


Antes de ir a campo, um dos pesquisadores precisaria estar bem consciente sobre
possibilidades de abordagem dos fenômenos estudados. Caso não houvesse clareza quanto ao
método, seria difícil a coleta dos dados ou a não contaminação dos mesmos. Após considerar
algumas possibilidades metodológicas, optou-se pela observação participante.
O método traduz-se em um instrumento de coleta de dados oriundo da pesquisa
etnográfica, com origens na Antropologia de Malinowski (1978). O autor entendia que apenas
pela imersão no cotidiano seria possível chegar a compreender a realidade do grupo estudado.
Para Gil (2010, p. 127), tem como objetivo obter a descrição mais ampla possível do
grupo pesquisado. Supõe uma interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados
(MARQUES, 2016, p. 276). No mesmo sentido, Thiollent (1985) e Brandão (1999).
A observação participante se aproxima da pesquisa etnográfica, mas exige
intervenções mais diretas. Também se aproxima da pesquisa-ação, sendo ambas consideradas
espécies do gênero pesquisa-participante. A diferença mais básica entre a pesquisa-ação e a
observação participante consiste no fato de que esta apenas prevê um plano de ação, enquanto
aquela pressupõe que o pesquisador execute a ação junto com o grupo, e depois avalie os
resultados advindos dessa intervenção. Marques aponta que a observação participante é um
instrumental útil para a compreensão de comunidades escolares (2016, p. 263).
Valladares (2007, p. 153-155) descreve os dez mandamentos da observação
participante: trata-se de um processo longo; o pesquisador não deve ser esperado no ambiente;
supõe a interação pesquisador/pesquisado; o pesquisador interage com o grupo mas conserva
sua identidade como ser externo ao grupo pesquisado; necessita de um intermediário entre o

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

pesquisador e o grupo; o pesquisador é ao mesmo tempo observador e observado; cuidado no


saber perguntar, não perguntar, quais perguntas fazer na hora certa; ter uma rotina de trabalho
e um diário de campo; aprender com os erros durante a pesquisa e devolver os resultados por
meio de um plano de ação. A observação é um instrumento muito eficaz para a pesquisa em
Educação (BARTELMEBS, 2013).
Ludke e André (1986, p.25) afirmam que a observação precisa ser controlada e
sistemática, pressupondo a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma
preparação rigorosa do observador. Somente assim ela se tornará um elemento válido de
investigação científica.
Moreira classifica o pesquisador como participante observador ou participante
participante (2002, p. 52-54). O participante observador está presente no campo, no contexto
investigado. Mas sua principal função seria a de observar e depois reproduzir as vozes dos
sujeitos que participam do ambiente pesquisado. O observador observa, coleta os dados,
conversa com os sujeitos, mas não intervém. Quando é um participante participante, está no
campo, observa, colhe dados, entrevista, mas também participa dos processos. A escolha
depende dos objetivos (MAY, 2001, p. 177).
Havendo maior proximidade do contexto ou ambiente do grupo a ser investigado, o
pesquisador poderá efetuar interpretações sobre o seu objeto de estudo com maior
correspondência à perspectiva dos integrantes do grupo (PROENÇA, 2007).
Angrosino, Flick, Fonseca e Lewgoy (2009) têm um livro sobre Etnografia e
Observação Participante, no qual aproximam essa abordagem com a pesquisa etnográfica.
Marques (2016) discute a viabilidade da aplicação da observação participante na pesquisa em
Educação.
Marconi e Lakatos (2010, p. 176-177) demonstram poder existir a observação não-
participante, na qual o pesquisador não se integra ao grupo pesquisado; e a observação
participante, que pode ser natural, quando o pesquisador pertence à comunidade ou ao grupo
investigado, e artificial, quando o observador se integra ao grupo para pesquisá-lo. Apontam o
risco de subjetividade. Gil (2010) discorda sobre o risco. Minayo (2013) enfatiza que a
observação tem um sentido prático, pois permite ao pesquisador desvencilhar-se de
prejulgamentos e de interpretações prontas, uma vez que é no convívio com o grupo estudado
que o observador percebe as questões realmente relevantes.
Mónico, Alferes, Castro e Parreira (2017) enfatizam que a observação participante
possibilita obter uma visão holística e natural. Para os autores, a observação participante
inscreve-se numa abordagem de observação etnográfica na qual o observador participa

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

ativamente nas atividades de recolha de dados, sendo requerida a capacidade do investigador


de se adaptar à situação (PAWLOVSKI, ANDERSEN, TROELSEN E SCHIPPERIJIN,
2016).
O pesquisador participa como um membro do grupo que estuda. Algumas vezes o
pesquisador informa o grupo de que ele é um observador ou participante, e algumas vezes o
pesquisador finge ser um membro ordinário do grupo (VOGT, 1999, p. 208).
A observação participante é realizada em contato direto, frequente e prolongado do
investigador, com os atores sociais, nos seus contextos culturais, sendo o próprio investigador
instrumento de pesquisa. Requer a necessidade de eliminar deformações subjetivas para que
possa haver a compreensão de fatos e de interações entre sujeitos em observação, no seu
contexto. É por isso desejável que o investigador possa ter adquirido treino nas suas
habilidades e capacidades para utilizar a técnica (CORREIA, 1999, p. 31).
A observação participante constitui uma metodologia humanista. Observa os
fenômenos como realmente acontecem, sem a artificialidade dos relatos, que podem vir
adulterados. A nota de campo do observador é de fundamental importância para que a
pesquisa transcorra de maneira eficaz (MÓNICO, 2010, p. 726).
Após cada sessão de observação, produz-se uma descrição qualitativa, uma narrativa,
que permite obter informação relevante para a investigação em causa. Por estar imerso na
progressão dos eventos, o observador espera encontrar-se em uma posição privilegiada para
obter muito mais informações, e um conhecimento profundo do que o que seria possível se
estivesse a observar de fora (VINTEN, 1994).
O observador adota a postura de insider (SPRADLEY, 1980). Isso permite revelar a
significação a um nível mais profundo de episódios, comportamentos e atitudes que, apenas
investigados do ponto de vista exterior, poderiam não ser suficientemente compreendidos.
Correia (2009, p. 35) ensina que a observação enquanto técnica exige treino
disciplinado, preparação cuidadosa, atenção, sensibilidade e paciência.
Peruzzo (2016) também aborda aspectos relacionados à observação participante. A
estratégia básica dessa abordagem, segundo a autora, é a observação in loco dos fenômenos
que se quer compreender.

2.2 Contextualização do método da observação participante com a pesquisa em


andamento
A pesquisa de campo consistirá em escolher uma banda de alunos iniciantes que esteja
vinculada ao projeto. Um dos pesquisadores entrará em contato com o regente (professor)

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

responsável pela banda escolhida pedindo autorização para frequentar os ensaios, observá-los,
descrever o que acontece no ambiente, pontuar elementos positivos e limitações e oferecer um
plano de ação para melhoria. A proposta é que o plano de ação utilize conteúdos do método
Da Capo, de Joel Barbosa.
Sobre a natureza da observação, espera-se frequentar os ensaios entre março e junho
de 2020, totalizando 16 ensaios. Cada ensaio tem a duração média de duas horas. Um dos
pesquisadores dedicará quatro ensaios a uma observação não participativa, no intuito de
conhecer o funcionamento dos ensaios sem a sua intervenção direta. A partir do quinto ensaio,
com autorização do regente (professor), um dos pesquisadores participará de maneira direta
nos ensaios, como instrumentista. A ideia é sentir o ambiente de dentro, participando dos
ensaios diretamente, sem ter a pretensão de ser confundido com um dos alunos, mas ainda
conservando sua natureza de pesquisador.
Em cada ensaio, espera-se que os alunos, o regente (professor) e um dos pesquisadores
avaliem as atividades desenvolvidas, por meio de um questionário simples. Esses
instrumentos de pesquisa serão utilizados para diagnosticar possíveis problemas enfrentados
pela banda, e possibilitarão o desenvolvimento de um plano de ação a ser aplicado pelo grupo
após o término da pesquisa.
Todas as observações de um dos pesquisadores serão anotadas em um diário de
campo, imediatamente ou logo após o ensaio, para que seja possível uma descrição clara do
ambiente de ensino-aprendizagem musical, bem como o diagnóstico de problemas
observados.
Um dos pesquisadores fará uma descrição detalhada do ambiente em que acontecem
os ensaios, tanto do espaço físico, quanto dos sujeitos envolvidos, professor e alunos.
Interessa conhecer quem é esse professor, qual sua formação, qual o motivo por ele estar à
frente desse projeto, quais são suas dificuldades de trabalho nesse ambiente. Interessa saber se
sua formação musical prévia o capacitou para exercer essa função, ou se seria necessário um
treinamento. Interessa ainda saber sobre sua familiaridade com metodologias como o Da Capo
e seu grau de abertura para implementar um material dessa natureza no ambiente de ensaios.
Os alunos também precisam ser descritos. Quem são esses alunos? Qual sua condição
socioeconômica? O que os leva a estarem ali naquele projeto, tocando instrumento de sopro?
Algum deles tem pretensões de ser músico profissional? Do que eles gostam nos ambientes de
ensaio ou o que gostariam que fosse melhorado?
Não se espera nessa pesquisa um papel de distanciamento, mas sim de inclusão. A
proposta é que um dos pesquisadores conheça de perto seus sujeitos pesquisados, interaja com

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XIII Encontro de Educação Musical
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eles e proponha soluções viáveis para aquele contexto de ensaios, que se constitui em um
ambiente de educação musical não-formal.
Outro aspecto relevante consiste na observação e descrição minuciosa sobre o que
funciona e não funciona no ensaio. Por se tratar de um ambiente da educação musical, ainda
que de natureza não-formal, é preciso considerar até que ponto a transmissão de
conhecimentos ocorre de maneira satisfatória. Por um lado, para entender estratégias
realmente eficazes que possam ser aproveitadas em outros contextos; e por outro lado para
observar elementos que podem ser aperfeiçoados e, para estes, oferecer um plano de ação.
Neste ponto serão descritos todos os elementos que possam, de alguma forma,
contribuir ou obstaculizar o processo de transmissão e aquisição de conhecimentos. A sala é
adequada? A infraestrutura favorece? Quantos alunos participam? O professor é bem
remunerado para exercer sua atividade? Os alunos são disciplinados? Quais conteúdos são
abordados? Em síntese: quais aspectos desses ensaios são dignos de elogio e quais podem ser
beneficiados por contribuições retiradas do método Da Capo, de Joel Barbosa?
Mais um aspecto essencial será observar, descrever e avaliar como acontece a
educação musical nesse ambiente. Quais são os conteúdos musicais trabalhados e mediante
quais tipos de abordagens? Existem metodologias ativas ou se trata de um ensaio nos moldes
tradicionais? Qual o grau de envolvimento dos alunos? Por meio das entrevistas com os
alunos, será possível determinar o que eles aprenderam ao final de cada ensaio. Assim os
pesquisadores terão uma ideia clara se os conteúdos estão sendo absorvidos e se aquele
ambiente está realmente propiciando um crescimento musical para os alunos.
Finalmente, a pesquisa prevê a entrega de sugestões de aperfeiçoamento, por meio de
um plano de ação, que pode ser no formato de um relatório indicativo de pontos que podem
ser aperfeiçoados nos ensaios. Por opção metodológica, as propostas de melhoria envolverão
o uso do método Da Capo.
Ao se deslocar para o seu campo de pesquisa, nesse contexto os ensaios de uma banda
vinculada ao projeto Bandas nas Escolas, espera-se compreender quais têm sido as estratégias
utilizadas pelos educadores para promover o ensino coletivo de instrumentos de sopro.
Interessam aspectos relacionados à dinâmica de ensaios, materiais didáticos utilizados, formas
de interação do regente com os instrumentistas, repertório adotado, ambiente em que os
ensaios são desenvolvidos, dentre outros aspectos.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

3. Conclusão
Após concluir a revisão de literatura relacionada ao método de pesquisa, observou-se a
viabilidade da observação participante para as pesquisas em ensino coletivo de instrumentos
musicais. Espera-se que a literatura levantada permita a outros autores o estudo desta técnica e
sua aplicação na pesquisa qualitativa em ensino coletivo de instrumentos musicais.
Futuros trabalhos poderiam utilizar o método da observação participante para
descrever outros tipos de ambiente em que ocorre ensino e aprendizagem de Música. Estudos
desta natureza orientam a prática dos educadores e permitem uma autorreflexão crítica sobre a
prática, permitindo um aperfeiçoamento contínuo e uma constante vigilância sobre as
estratégias didáticas empregadas nas aulas.

Referências

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53, p. 29-38, 1992.
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http://www.sabercom.furg.br/bitstream/1/1454/1/Texto_observacao.pdf> . Acesso em: 11 de
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BRANDÃO, C. R. (Org.). Pesquisa participante. 18. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
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GUEDES, I. C. O que é pesquisa participante: para que serve e como fazer? Disponível
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LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
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MARQUES, Janote Pires. A "observação participante" na pesquisa de campo em Educação.
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MARTINS, J. B.. Observação Participante: uma abordagem metodológica para a Psicologia
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MAY, T. Pesquisa social. Questões, métodos e processos.Porto Alegre, Artemed, 2001.
MINAYO, M. C. S. (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 33. ed. Petrópolis,
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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

MÓNICO, Lisete; ALFERES, Valentim; PARREIRA, Pedro; CASTRO, Paulo Alexandre. A


observação participante enquanto metodologia de investigação qualitativa. In: Atas –
investigação qualitativa em ciências sociais, v. 3 (2017). Disponível em:
<https://proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2017/article/view/1447>. Acesso em: 11 de
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MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo: Pioneira
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PROENÇA, Wander de Lara. O método da observação participante: contribuições e
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THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1985.
VALLADARES, Licia. Os dez mandamentos da observação participante. In: Revista
brasileira de Ciências Sociais, vol. 22, no 63. São Paulo, fevereiro de 2007. Disponível em: <
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VOGT, W. P. Dictionary of statistics & methodology: A nontechnical guide for the social
sciences (2nd ed.). Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage, 1999.

50
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A sonologia do desenvolvimento de um audiogame acusmático e suas aplicações na


pesquisa em música e linguagem

Leonardo J. Porto Passos


Pesquisador independente
leoportopassos@gmail.com

José E. Fornari Novo Jr.


Unicamp - Instituto de Artes
tutifornari@gmail.com

Resumo: Apesar dos avanços dos jogos eletrônicos como forma de atividade lúdica e didática, são
ainda raros aqueles desenvolvidos para a educação musical. Este trabalho propõe o desenvolvimento
de um (AA) audiogame acusmático (cujas fontes sonoras não são visíveis) – ou seja, desprovido de
imagens, vídeos ou textos – para dispositivos móveis e com entrada de dados por comandos de voz.
Este AA será do gênero RPG (roleplaying game, ou jogo de interpretação de papéis), contará com o
recurso de áudio dinâmico e irá gerar relatórios sobre as decisões tomadas pelo jogador para que seja
possível mensurar e analisar seus comportamentos. Além de oferecer testes de percepção musical, este
AA também irá promover a acessibilidade a deficientes visuais.

Palavras-chave: Jogos eletrônicos. Audiogames. Acessibilidade musical. Educação musical. Áudio


dinâmico.

1. Introdução
Jogos eletrônicos são um tipo de mídia interativa, em quase toda a sua totalidade,
audiovisual (sendo mais dependente da imagem do que do som). Foram inicialmente
desenvolvidos nos anos 1970, mas se expandiram muito com os avanços das TIC (Tecnologias
de Informação e Comunicação), e desde então vêm recebendo cada vez mais atenção por parte
do público, da crítica, da mídia, do mercado e dos pesquisadores acadêmicos, por conta não
somente de sua crescente popularização,1 mas também pela sua alta gama de possibilidades
enquanto entretenimento, comunicação, ensino, expressão artística e educacional (SALEN;
ZIMMERMAN, 2012a). Existem estudos que comprovam seu potencial para o
desenvolvimento de capacidades cognitivas (BAVELIER, 2012) e para a promoção de
mudanças sociais (McGONIGAL, 2010). Assim, é natural que os games (como são
normalmente chamados) evoluam, tanto em sua tecnologia quanto em seu conteúdo, para
atender às expectativas do público crescente (jogadores, indústria, pesquisadores) e prosseguir
com seu desenvolvimento enquanto comunicação multimodal interativa, em termos de áudio,
imagem, e recentemente também, tátil, com a inclusão de sensores e atuadores digitais nas
interfaces dos games com o usuário. Muitas experimentações têm sido realizadas com games
(SCHELL, 2011), seja em relação aos gráficos, às animações, à narrativa, à jogabilidade (um

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

dos principais pontos de atenção do game design) ou ao áudio, que é o aspecto que nos interessa
neste trabalho.
Diante de tanta popularização, a indústria busca obter o máximo de sucesso comercial, e
para isso, recorre à utilização de gráficos complexos e os mais realistas possíveis. Assim, a
distribuição orçamentária acaba relegando outros aspectos do jogo, em games cuja ênfase recai
sobre os gráficos em detrimento do roteiro (games com ótima qualidade gráfica e narrativas
pobres e triviais), da jogabilidade (games bonitos e muito interativos, mas tediosos de se jogar) ou
do áudio (trilhas musicais e efeitos sonoros que se repetem e sequer compatibilizam em qualidade
com o nível dos gráficos, chegando até a causar estranhamento por tão óbvia discrepância).
Na contramão da direção que normalmente segue a indústria de games, nossa proposta
aqui apresentada visa ao desenvolvimento de um jogo constituído exclusivamente por
recursos de áudio (músicas, efeitos sonoros e narração voice over) para que o foco recaia por
completo nas músicas e nos efeitos sonoros, com vistas a avaliar e analisar o potencial
narrativo, interativo e artístico dos recursos sonoros em um jogo eletrônico com a criação
computacional de uma paisagem sonora virtual (conforme descrita adiante). Assim, propõe-se
aqui a criação de um audiogame acusmático2 (AA) com vistas a avaliar e analisar o seu
potencial narrativo, interativo e artístico em um game sem quaisquer recursos visuais
(imagens, textos, vídeos), diferentemente do que ocorre em outros audiogames.
Tem-se aqui a preocupação de não incorrer ao notório erro de compor trilhas sonoras
para games como é feito para o cinema, pois há grandes distinções entre ambas as mídias,
especialmente no que tange à interação, a qual o cinema é desprovido, e isso pode prejudicar a
imersão do jogador pelo excesso de repetição das músicas e não levar em conta o potencial
narrativo do áudio em uma mídia interativa (CAMARGO, 2018, p. 6).
Portanto, para evitar o erro de tornar a trilha sonora monótona para o jogador, será
utilizado o recurso de áudio dinâmico, “que significa que a construção do discurso sonoro é
influenciada pela não linearidade que o altera dinamicamente durante o processo de interação
com a mídia” (CAMARGO, 2018, p. 134). Isso evita que as músicas sejam repetidas de
maneira exaustiva e causem fadiga auditiva, pois é possível fazer pequenas alterações
significativas nas músicas e nos efeitos sonoros para que não fiquem repetitivos.
Para tornar possível que este AA seja jogado em meio a outros afazeres (por exemplo,
numa caminhada, no transporte público, enquanto se cozinha, durante a refeição etc.), sem
requerer qualquer atenção visual e nem a utilização de gestos, será necessário que os dados de
entrada (inputs, comandos dados pelo jogador) que controlam o processo computacional sejam
realizados exclusivamente por comando de voz. Para isso, o audiogame proposto será

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XIIIEncontro de Educação Musical
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desenvolvido para dispositivos móveis, já que todos os smartphones, além de portáteis, possuem
alto-falantes e microfone embutido – e também são comuns os fones de ouvido com microfone
integrado, que geralmente já vem de fábrica junto com o aparelho – e capacidade de
processamento mais do que suficiente para rodar o jogo proposto, o que permite comutar o
processo entre escuta e resposta sonora, evitando assim retroalimentação do processamento de
áudio com o comando sonoro.
Para que este AA proporcione uma boa experiência de jogabilidade, seja lúdico e com
potencial narrativo,3 optou-se pelo gênero RPG,4 aos moldes dos “RPGs de mesa”, ou seja,
aqueles que podem ser jogados apenas oralmente. A narração do tipo voice over deste jogo
cumprirá o papel do mestre,5 e o jogador realizará ações por meio de comandos simples de
voz, como “esquerda”, “direita”, “recuar”, “atacar” etc., limitados a opções pontuais de
acordo com as situações específicas do jogo. Para tal, será necessário um algoritmo de
reconhecimento de voz, que é facilmente encontrado na internet.
É intenção compreender, por meio de relatórios de feedback6 gerados pelo próprio AA,
como o jogador reage a determinados comportamentos musicais (escalas, dissonâncias, ritmo,
modulações, timbres etc.) e de áudio (panning, equalização, reverberação, volume etc.) e se estes
influenciam nas decisões do jogador, e caso o façam, de que maneira isto ocorre. Será possível
analisar se os recursos de música e áudio surtiram o efeito esperado, e caso necessário, permitir
que sejam feitas alterações em busca dos melhores resultados. Além disso, podem gerar insumos
para profissionais da indústria de áudio e pesquisadores de cognição musical. A proposta é, por
exemplo, mudar a localização do áudio (por meio do panning) quando o jogador precisa decidir
se entra numa porta virtual da esquerda ou da direita do ambiente do audiogame e verificar se
isso influencia em sua decisão. Se a trilha sonora do audiogame estiver, por exemplo, tocando no
alto-falante da direita, será que o jogador escolherá a porta da direita? Será que o jogador
demoraria menos tempo para tomar uma decisão se o ritmo da música fosse acelerado? Estas e
outras questões relacionadas à cognição musical poderão ser estudadas pelos relatórios de
feedback.
Desse modo será possível utilizar este AA para finalidades didáticas, como a educação
musical, treinamentos de percepção musical e sonora e acessibilidade musical. Uma possibilidade
seria uma aventura de RPG em que o jogador tenha, por exemplo, que diferenciar escalas maiores
de menores, tríades de tétrades, reverberação de delay, nota X da nota Y, se o som está mais para
a esquerda ou para a direita, se foram cortadas as frequências agudas ou médias ou graves etc.
A promoção de acessibilidade à música e ao universo dos games para pessoas com
deficiência visual é particularmente relevante neste estudo, bem como de interesse social, já

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

que este AA será constituído exclusivamente por recursos de áudio (inclusive os dados de
entrada), sem quaisquer recursos visuais ou gestuais, como é de se esperar de um game que se
propõe a ser acessível a este público:

[…] os audiogames voltados para o público com deficiência visual são construções
de games com propósito acessível que reforçam as soluções em áudio para garantir a
interação. […] A característica principal dos audiogames acessíveis é o tratamento
das rotinas e narrativas do jogo através de recursos sonoros como áudio gravados ou
uso de técnicas de TTS (text-to-speech) sobre informações textuais. É também
característica desse tipo de game que o jogador tenha a capacidade e o
favorecimento de diferenciar em tempo hábil vários padrões de áudio distintos
(ARAÚJO; FAÇANHA; DARIN, 2015, p. 611).

Para a composição da trilha sonora deste AA, a fundamentação teórica virá dos autores
Arnold Schoenberg (1996), Michael Hewitt (2008; 2009; 2011) e Ney Carrasco (1993; 2003).
Para a criação das ambiências e efeitos sonoros com critérios de localização espacial
das fontes sonoras, serão utilizados os conceitos de paisagem sonora (soundscape), de Schafer
(2001), e de representação visual de imagens e de equipamentos de estúdio (visual
representations of imaging and studio equipment), de Gibson (1997).
Serão utilizados conceitos de psicoacústica e cognição musical para a análise dos
relatórios de feedbacks gerados pelo jogo sobre as reações deliberadas e espontâneas do
jogador em relação aos recursos de música e áudio. A autora Diana Deutsch (2013), com seu
livro The Psychology of Music, será um dos principais fundamentos teóricos neste sentido.
Serão também estudados os autores basilares em game design Katie Salen & Eric
Zimmerman (2012a; 2012b; 2012c, 2012d), Jesse Schell (2011), Jesper Juul (1999; 2001) e Karen
Collins (2007; 2008), que serão referenciados para o conceito e o desenvolvimento do audiogame.
E vamos recorrer a autores que se debruçam sobre a pesquisa de áudio para games e, mais
especificamente, sobre áudio dinâmico, como Sander Huiberts (2010; 2011), Aaron Marks
(2009), Winifred Phillips (2014), Lucas Meneguette (2011; 2017), Michael Sweet (2015), entre
outros.
E por fim, serão realizadas consultas a autores relacionados à narratologia (Boris
Eikhenbaum & os Formalistas Russos, 1973), à diegese (Gérard Genette, 1982) e ao som
transdiegético (Kristine Jørgensen, 2007a; 2007b) para a criação do roteiro do jogo com
melhor sinergia entre enredo, diálogos, narração, música e efeitos sonoros.
Este trabalho tem como principal objetivo o desenvolvimento de um AA (audiogame
acusmático) do gênero RPG (roleplaying game), que não utilize quaisquer recursos visuais
(imagens, textos, vídeo) e seja composto única e exclusivamente por recursos de áudio. Além
deste objetivo do desenvolvimento do AA per se, objetiva-se também:

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Desenvolver um game possível de ser jogado sem a utilização de gestos e sem a


necessidade de atenção visual; somente com recursos de áudio e inputs por comandos
simples de voz;
Gerar relatórios de feedback que permitam mensurar as reações espontâneas e
deliberadas do jogador diante de recursos musicais e de áudio;
Buscar compreender se e como determinados recursos musicais e de áudio
influenciam no comportamento e decisões do jogador;
Utilizar o recurso de processamento de áudio dinâmico para que o áudio se comporte
de acordo com as ações deliberadas e os comportamentos espontâneos do jogador;
Tornar o jogo completamente acessível a pessoas portadoras de deficiência visual;
Analisar meios para que o game possa ser utilizado em atividades de educação
musical.

2. Metodologia
Para o desenvolvimento do AA aqui proposto, há a possibilidade de uso do
Scratch,7uma linguagem de programação criada em 2007 pelo Media Lab do MIT, e que
desde 2013 está disponível on-line como um aplicativo gratuito. Por não exigir o
conhecimento prévio de outras linguagens de programação, é ideal para iniciantes em
programação. Porém, como o Scratch possui recursos bastante limitados por conta de seu uso
facilitado, cogita-se a utilização da engine (software específico para a criação de games)
Construct 2,8 que possui versões gratuita e paga para desenvolvimento de games para
console, desktop e mobile e permite a criação de jogos de maneira rápida, já que utiliza
somente a lógica de programação e não requer a escrita de códigos. Porém, como se propõe a
utilização do recurso de áudio dinâmico, é provável que a engine utilizada seja a Unity, 9 que
permite integração com o Fmod, um middleware10 próprio para a programação de áudio
dinâmico, que viabiliza resultados mais satisfatórios neste sentido.
Para a composição das músicas e criação dos efeitos sonoros, será utilizada a DAW
(digital audio workstation)11 Ableton Live, 12 além de plugins que serão utilizados no decorrer
das composições e dos processos de finalização (mixagem e masterização) do áudio.
Este trabalho tem cunho qualiquantitativo, do tipo de estudo de exploração
experimental, que empregará a análise dos dados gerados por um protótipo do AA, visando
apontar e caracterizar as reações deliberadas e espontâneas do jogador diante dos recursos de
música e áudio. As categorias de análise serão: música (andamento, ritmo, melodia, harmonia,

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

altura, timbre, intensidade, duração) e áudio 13 (transformações na duração temporal: delay,


reverberador e câmara de eco; transformações no espectro de frequência: filtros, deslocador
espectral e chorus; transformações na intensidade: prolongamento, equalização, compressão e
modificação da envoltória; transformações mistas: distorção), este último um parâmetro muito
importante para se trabalhar a gravação de música em estúdio ou para criá-la em uma DAW.
Os passos metodológicos deste trabalho são: 1) realizar levantamento bibliográfico; 2)
iniciar o desenvolvimento do protótipo do audiogame e uma subsequente versão alfa; 3)
iniciar a redação do roteiro para a narrativa do jogo; 4) iniciar a composição das músicas
(trilha sonora) e a criação dos efeitos sonoros; 5) realizar melhorias e alterações no audiogame
para se chegar a uma versão beta; 6) disponibilizar versão beta para playtests, inclusive para
portadores de deficiência visual; 7) analisar, a partir dos estudos da psicoacústica e da
cognição musical, os relatórios de feedbacks gerados pelo audiogame; e 8) apresentar os
resultados apurados.

3. Resultados esperados e conclusão


Este trabalho propõe a criação de um AA que será utilizado para propósitos da
educação musical e acessibilidade musical inclusiva. Este será realizado a partir da análise
qualiquantitativa descritiva dos relatórios de feedbacks do AA com base nos princípios da
psicoacústica e nos estudos de cognição musical, principalmente em Deutsch (2013) e com
possíveis adições de Meirelles, Stoltz e Lüders (2014).
Além disso, com este AA, pretende-se agrupar os feedbacks provenientes dos
relatórios fornecidos pelo audiogame; mensurar os resultados dos testes de percepção musical
e retornar o desempenho para o jogador; descrever o padrão geral das reações deliberadas e
espontâneas dos jogadores; observar de que maneira a música e o áudio pode ser utilizado
com vistas a proporcionar imersão e a melhor experiência narrativa e de jogo; realização de
playtests, inclusive com usuários deficientes visuais, com coleta de seus feedbacks em
questionários para que se possa realizar o teste de qualidade do software.
Este game proposto é atualmente um trabalho teórico, mas que já está em
desenvolvimento enquanto protótipo para que o AA seja de fato implementado. E o AA
proposto irá possibilitar trabalhos futuros, com maiores possibilidades de educação musical e
de áudio dinâmico, que se pretende levar a cabo em um programa de doutorado.

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

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Notas

1
A indústria dos games já é a mais rentável de todas no segmento de entretenimento. Ver mais em:
<https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/industria-dos-videogames-bate-recordes-nos-eua-e-fatura-us-43-bilhoes/>
e <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/que-industria-fatura-mais-do-cinema-da-musica-ou-dos-games/>.
2
Acusmático: refere-se a algo cuja fonte sonora não é visível, sons cuja proveniência se desconhece.
3
A tese de doutorado da CPG/DM/IA/Unicamp, intitulada Interatividade e narratividade sonora nos games, de
Fernando Emboaba de Camargo (2018), traz um amplo e pertinente estudo acerca da narratividade das trilhas
sonoras em jogos eletrônicos. Este trabalho será de grande relevância para o desenvolvimento do presente
projeto, pois também abarca outros conceitos aqui propostos, como áudio dinâmico, diegese, som transdiegético
e paisagem sonora.
4
“RPGs (roleplaying games) de mesa são jogos analógicos que envolvem interpretação de papéis e sistemas de
regras, geralmente mediados por dados. […] Os jogadores assumem o papel de personagens criados por eles
mesmos dentro de uma narrativa colaborativa” (PEIXOTO FILHO; ALBUQUERQUE, 2018, p. 1574).
5
“O mestre mestra (para utilizar o jargão do grupo) a aventura, descrevendo uma situação inicial que funciona
como um ‘chamado para aventura’. A partir desta descrição, os jogadores começam a inserir seus personagens
no jogo e o mestre vai conduzindo os caminhos do desenrolar da história a partir das ações dos mesmos, muitas
vezes com o auxílio de dados – cujo resultado arbitra se a ação empenhada pelo jogador será bem-sucedida ou
não – ou simplesmente pela observação da ficha do personagem, de suas habilidades para o desempenho de tal
ação, além da força interpretativa do jogador ao desenvolver a ação” (PAVÃO, 2000, p. 16).
6
Dados fornecidos pelo jogo, de acordo com a programação desenvolvida, com o intuito de revelar o que o
jogador fez em trechos pré-determinados, por exemplo, se ele entrou na porta da esquerda ou da direita, se
atacou ou se defendeu, se avançou ou recuou, quanto tempo demorou para tomar uma decisão, etc.
7
Website oficial do Scratch: https://scratch.mit.edu/.
8
Website oficial do Construct 2: https://www.scirra.com/construct2.
9
Website oficial do Unity: https://unity.com/pt.

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

10
Um middleware é um software de computador que fornece serviços para aplicativos além daqueles disponíveis
pelo sistema operacional.
11
Estação de trabalho de áudio digital, é um software/sequenciador que tem a finalidade de gravar, editar e
reproduzir áudio digital.
12
Website oficial do Ableton Live: https://www.ableton.com/en/live/.
13
Baseada em NOVO JR. (1995).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Ambiente virtual de aprendizagem e a proposta de um espaço de ensino coletivo no


canto coral

Sandra Regina Cielavin


Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
cielavsandra@gmail.com

Resumo: A pesquisa em andamento tem por objetivo criar as especificações de um Ambiente Virtual
de Aprendizagem que contribua com a formação e a formação continuada de regentes corais e com os
aspectos de aprendizagem musical de coros no campo da Educação Musical. O referencial teórico é o
modelo do Conhecimento Tecnológico Pedagógico e de Conteúdo (TPACK) e os procedimentos
consistem em revisão de literatura e de um estudo misto de abordagens qualitativas e quantitativas.
Pretende-se fazer um levantamento (survey) a partir de entrevistas com 10 regentes profissionais e da
aplicação de questionários com o intuito de investigar adultos que façam parte de coros.

Palavras-chave: Educação musical. Ambiente virtual de aprendizagem. Canto coral.

1. Introdução
O surgimento das tecnologias digitais que abrangem os equipamentos físicos, como os
smartphones, laptops e impressoras, os programas de computador com suas diferentes
finalidades e a rede mundial de computadores Internet que envolve serviços, tais como correio
eletrônico, redes sociais, download de programas, entre outros, possibilitou modificações nas
mais diversas áreas do conhecimento. A disseminação da Internet e das Tecnologias da
Informação e Comunicação tem permitido aos indivíduos o acesso a um imenso universo de
informações e à comunicação de forma globalizada. Na atualidade percebe-se que “as
ferramentas tecnológicas estão se impondo veloz e compulsoriamente na nova geração,
tornando-se parte do dia a dia” (DEMO, 2011, p. 15).
Em relação à prática coral, os levantamentos bibliográficos realizados em Mateiro et
al. (2014), Clemente e Figueiredo (2014) e Santos (2014) na Revista da ABEM1 e na revista
OPUS, bem como nos anais de congressos da ABEM e da ANPPOM 2 e no portal da CAPES3
mostram que as pesquisas têm desenvolvido temas como repertório, técnica vocal, regência
coral, entre outros, no entanto, existe uma lacuna de estudos que contemplem a aplicação de
tecnologias digitais no Canto Coral.
O presente trabalho em andamento tem por objetivo elaborar o levantamento dos
requisitos artísticos, pedagógicos e tecnológicos para o desenvolvimento de Ambientes
Virtuais de Aprendizagem voltados para a música, e em particular para a Música Coral. Como
objetivo específico pretende-se desenvolver um Ambiente Virtual de Aprendizagem que
contribua com a divulgação da música coral, a formação e a formação continuada de regentes

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

corais e com os aspectos de aprendizagem e de ampliação do universo cultural e musical de


coros no campo da Educação Musical.
A pesquisa de natureza aplicada consiste em revisão de literatura tendo como
referencial teórico o modelo TPACK, cuja sigla em português significa Conhecimento
Tecnológico Pedagógico e de Conteúdo e será estudado a partir dos autores que tratam do
modelo, tais como Mishra e Koehler (2006), Koehler et al. (2007), Koehler e Mishra (2009)
que discutem as intersecções entre Conteúdo, Pedagogia e Tecnologia, bem como suas
implicações práticas.
Quanto aos aspectos metodológicos, pretende-se fazer um estudo misto. Os
instrumentos de coleta de dados serão a aplicação de entrevistas semiestruturadas a 10
regentes profissionais que tenham o olhar voltado à Educação Musical, bem como façam a
utilização de tecnologias digitais em seu trabalho ou tenham o interesse de fazê-lo.
Concomitantemente, tendo como público-alvo jovens e adultos que fazem parte de coros
amadores, pretende-se aplicar um survey com o objetivo de investigar aspectos relacionados à
utilização de tecnologias digitais para a aprendizagem musical.

2. O coro como um ambiente de práticas coletivas


Participar de um coro amador pode ser uma experiência musical enriquecedora para os
indivíduos, sobretudo quando se pensa nas interações musicais de maneira mais ampla. Uma
das características da prática coral de adultos com pouca vivência musical está relacionada ao
fato de que pessoas de diferentes personalidades e interesses se unem em torno de um
objetivo comum. Contudo, as relações que envolvem indivíduos heterogêneos precisam do
comprometimento de seus membros para se desenvolverem de maneira produtiva. Wenger
(1998) define comunidade de prática como a formação de um grupo de pessoas ligadas a uma
tarefa comum que necessita de negociação contínua e de esforço coletivo para que os
objetivos sejam atingidos. O conceito de comunidade de prática tem sido empregado em
diversos tipos de organizações, associações, instituições governamentais, bem como na
educação4.
Wenger (1998) define três dimensões que relacionam a prática à comunidade:
“engajamento mútuo, empreendimento conjunto e repertório compartilhado” 5 (WENGER,
1998, p. 73). O conceito de comunidade de prática poderia ser aplicado ao contexto da
educação musical, sobretudo na prática coral de pessoas amadoras.
A ideia do engajamento mútuo é uma característica da prática como recurso de
coerência da comunidade. Os indivíduos que participam de grupos corais amadores, em geral,

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XIII Encontro de Educação Musical
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o fazem de forma voluntária. Portanto, possivelmente existirá um engajamento dos


integrantes em prol do alcance dos objetivos do grupo. O segundo aspecto abordado por
Wenger é o empreendimento conjunto que representa o conjunto de ações que garantem que o
grupo continue atuando de forma coletiva. Neste item, os participantes do coro dividiriam
responsabilidades e seriam encarregados de alguns papeis pertinentes ao desenvolvimento do
grupo, tais como: cantores, solistas, arquivistas, secretário, assistente de eventos, entre outros.
O terceiro ponto é o repertório compartilhado, que diz respeito a rotinas, palavras, maneiras
de fazer, ações ou conceitos que a comunidade tem produzido ou adotado no curso de sua
existência (WENGER, 1998, p. 83). Quanto à prática coral, o repertório compartilhado estaria
relacionado ao processo de aprendizagem de novas músicas, aos eventos produzidos e à forma
de organização do grupo.
Os indivíduos podem ingressar em um coral por razões diversas. Dias (2012) mostra
que as pessoas procuram fazer parte de um coro para se expressarem através da música, bem
como “para fazer amigos, para saírem da solidão e, sobretudo, para se sentirem parte de um
grupo” (DIAS, 2012, p. 139). Ao participar de um grupo, além do aspecto de convivência
social e do sentimento de pertencimento, possivelmente o integrante busque desempenhar um
papel que contribua para o desenvolvimento coletivo. Amato e Neto (2009) trazem uma
escala de hierarquia de necessidades proposta pelo psicólogo americano Abraham Maslow
que mostra que o ser humano possui necessidades, tais como: participação, estima e auto
realização. Portanto, ao exercer uma atividade na prática coral, o indivíduo poderá sentir-se
importante e valorizado. Segundo os autores:

A partir da teoria de Maslow, pode-se incluir o canto coral em um cenário de


qualidade de vida e equilíbrio social, já que a participação em atividades que
promovam o aumento da autoestima e do senso de autorrealização constitui
significativo aspecto da formação do indivíduo (AMATO e NETO, 2009, p. 90).

Um coro amador, principalmente os que não têm teste vocal ou musical prévio, pode
receber indivíduos com diferentes vivências musicais. Existem integrantes que participam de
atividades musicais em igrejas, escolas, ambientes familiares e eventos sociais, cantando ou
tocando instrumentos musicais. Cada indivíduo pode trazer para o grupo as vivências
advindas das comunidades de práticas nas quais estão inseridos e promover a troca de
experiências na comunidade coral. Em outras situações, diferentes grupos corais ou
instrumentais podem se reunir com o objetivo de interagir, de fazer uma apresentação
conjunta em um festival ou de aprender novos conhecimentos em workshops. De Quadros
(2012, p. 1) ressalta que em todo o mundo existem muitos coros e que o repertório se tornou

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

global. Além disso, a colaboração internacional de diferentes tipos, tais como festivais,
competições e simpósios tem possibilitado perspectivas de aprendizagem, de parcerias e de
desenvolvimento sem precedentes6.

3. Ambientes Virtuais de Aprendizagem


O advento dos computadores, dos dispositivos móveis, dos aplicativos e da Internet
possibilitou a interação virtual entre indivíduos de diferentes localidades de forma on-line. A
cyberinfrastructure, ou infraestrutura cibernética inclui as tecnologias participativas, o que
pode também ser referido como tecnologias da Web 2.0 7 (FREITAS e CONOLE, 2010, p.
16).
O conceito de Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) utilizado nesta pesquisa é
definido como um espaço social de informações projetado, no qual os estudantes participam
colaborativamente, e que pode integrar diferentes tecnologias, bem como múltiplas formas de
aplicações pedagógicas. O ambiente virtual de aprendizagem nesta definição não é restrito a
Educação a Distância e pode ser empregado em atividades presenciais em sala de aula
(DILLENBOURG et al., 2002).
Pinhati e Siqueira (2015) desenvolveram a Plataforma Mignone, que consiste em um
ambiente virtual e o desenvolvimento de um modelo para criação de objetos de aprendizagem
específicos para a área musical. O objetivo do estudo de caso foi observar a aceitação de
ambientes virtuais relacionados à aprendizagem musical. Pinhati e Siqueira (2015) apontam
que não existe uma preocupação com a criação de ambientes virtuais de aprendizagem
específicos para Educação Musical, bem como há pouca exploração de possibilidades de
interação social e de recursos colaborativos para os alunos.

3.1 Ambiente Virtual de Aprendizagem aplicado à prática coral


Como forma de representação e avaliação das características do ambiente virtual,
pretende-se fazer a utilização de mapas conceituas. Os mapas conceituais “são ferramentas
gráficas para a organização e representação do conhecimento” (NOVAK e CAÑAS, 2010, p.
10). Os mapas podem ser desenvolvidos para facilitar a aprendizagem, construir projetos,
planejar um currículo, elaborar avaliações, entre outros. Cohen (2012) utilizou-se dos recursos
de mapas como uma ferramenta metodológica e analítica. A autora fez uma pesquisa
etnográfica com músicos de rock e hip-hop na cidade de Liverpool, Reino Unido.
O desenvolvimento do projeto contemplará as especificações de um Ambiente Virtual
de Aprendizagem, bem como a implementação, o teste e a avaliação de um dos módulos. Por

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

especificações, entende-se: quais serão os conteúdos ali agregados, como será a


navegabilidade, a segurança, a eficiência, entre outros. O conceito de módulo aqui utilizado,
refere-se a uma das partes que seria implantada. O ambiente poderia ter, por exemplo, itens
como Estudo dirigido, Universo musical, Repositório, entre outros, como demonstrado na
figura 1 a seguir. Cada um dos itens poderia conter subitens. Supondo que um dos subitens
de Universo Musical fosse Coros MPB, este poderia ser implementado, agregando, por
exemplo, um repositório de vídeos e áudios de coros com a possibilidade de acesso a diversos
estilos e ritmos de música brasileira, tais como samba, bossa nova, entre outros.

Figura 1: Mapa Conceitual AVA Coral

O conceito de comunidade de prática abordado no item 2 deste trabalho e que tem


como base o aspecto de coletividade poderá ser amplamente utilizado no Ambiente Virtual de
Aprendizagem coral e contribuir no desenvolvimento das três dimensões propostas por
Wenger (1998): engajamento, empreendimento mútuo e repertório compartilhado.
O engajamento poderá ser potencializado porque os indivíduos com o mesmo objetivo
de unir-se a um grupo de pessoas para cantar estarão constantemente em contato virtual e este
fato poderá cooperar com o encorajamento mútuo, com o sentimento de pertencimento dos
integrantes, bem como com o fortalecimento de suas participações no coro. O
empreendimento mútuo poderá ser vivenciado através dos itens Universo Musical e Estudo
Dirigido, por exemplo, e ser aplicado sobretudo no fato dos indivíduos conhecerem diferentes
possibilidades de atuação no grupo e descobrirem qual papel desejam desenvolver de forma a
contribuir com o crescimento do coro. As atividades poderão ser definidas e desenvolvidas no
ambiente virtual e depois aplicadas nos ensaios e atividades presenciais do grupo.

65
XIII Encontro de Educação Musical
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O repertório compartilhado poderá ser experimentado a partir do subitem Interações


demonstrado na figura 1, de pesquisas realizadas pelos integrantes, entre outros. Ao
compartilhar habilidades pessoais, sociais e musicais, assim como diferentes pontos de vista
sobre determinados temas, o grupo poderá, com a orientação do regente auxiliar na construção
coletiva de novas propostas de estudos, estabelecer contatos com outros coros e participações
do grupo em eventos.

4. Considerações finais
A partir da pesquisa bibliográfica, das entrevistas semiestruturadas com os regentes
profissionais e da aplicação do survey com jovens e adultos que se relacionem com a prática
coral, pretende-se elaborar a análise dos dados, bem como desenvolver as especificações do
Ambiente Virtual de Aprendizagem coral e estabelecer a implementação, o teste e a avaliação
de um dos módulos. A organização da análise dos dados, bem como sua interpretação será
realizada em três fases: “pré-análise, exploração do material e o tratamento dos resultados, a
inferência e a interpretação” (BARDIN , 2016, p. 125).
Quanto ao conceito de comunidade de prática e os aspectos de coletividade, uma das
formas de organização para a análise dos dados poderia ser baseada nas três dimensões de
Wenger (1998): engajamento, empreendimento mútuo e repertório compartilhado. De
maneira a otimizar a análise mista dos dados, possivelmente será utilizado um software, como
por exemplo o NVivo, o MAXQDA ou o webQDA.
De acordo com Pressman e Maxim (2016), “projeto é a única maneira pela qual
podemos transformar precisamente os requisitos dos envolvidos em um produto ou sistema de
software finalizado” (PRESSMAN e MAXIM, 2016, p. 227). Do ponto de vista da
engenharia para Web, segundo Pressman e Maxim (2016) trazendo as ideias de Kaiser (2002),
os objetivos de um projeto web devem ser simplicidade, consistência, identidade, robustez,
navegabilidade, apelo visual e compatibilidade. Quanto ao teste e avaliação do módulo, esse
poderá ser feito com alguns indivíduos da população de regentes profissionais, estudantes da
graduação e coristas.
Em síntese, o objetivo da proposta é fazer um levantamento de dados para construir
um Ambiente Virtual de Aprendizagem e verificar um de seus módulos. O critério qualitativo
seria retirado das entrevistas semiestruturadas com os regentes e o critério quantitativo dos
questionários. O resultado musical esperado seria a divulgação da música coral e a proposta
de um ambiente de aprendizagem musical que poderia contribuir com a ampliação do
universo musical de pessoas envolvidas em corais. Como resultado pedagógico tendo em

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

vista a coletividade, espera-se que o desenvolvimento do Ambiente Virtual de Aprendizagem


coral contribua com a realização de diferentes atividades, sobretudo de forma colaborativa
visando os objetivos comuns do grupo, bem como a melhoria das ações conjuntas.

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XIII Encontro de Educação Musical
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WENGER, Etienne. Communities of Practice: learning, meaning and identity. Cambridge:


Cambridge University Press, 1998.

Notas

1
Associação Brasileira de Educação Musical.
2
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.
3
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
4
https://wenger-trayner.com/introduction-to-communities-of-practice/
5
Mutual engagement, a joint enterprise, a shared repertoire.
6
All over the world, choirs abound and repertoire has become global [...] international collaboration of all kinds
– festivals, competitions, symposia – have offered unprecedent prospects for learning, partnerships, and
development.
7
Cyberinfrastructure including participatory technologies (which in essence equate to refer to as Web 2.0
technologies).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Apreciação e aprendizagem musical de idosos através do violão na era digital: um


estudo sobre esta experiência e seus desdobramentos no programa UniversIDADE da
Unicamp

Gustavo Ramos Ferraz


Unicamp – Instituto de Artes – mestrado em Música
gustavounicamp06@gmail.com

Resumo: Este trabalho estuda o desenvolvimento musical de idosos nas oficinas “Violão – apreciação
e aula” ministradas pelo pesquisador principal, semestralmente, no UniversIDADE: um programa para
a longevidade, da UNICAMP; e avaliar os resultados decorrentes deste tipo de atividade, a saber:
prática coletiva de ensino de violão, tendo como suporte tecnologias digitais. Além de refletir sobre as
práticas que já vem sendo adotadas nestas oficinas, abordaremos também o escopo que vem sendo
formado na pesquisa de mestrado sobre este tema em 2020, iniciada em 2020.

Palavras-chave: Idosos. Ensino coletivo de violão. Tecnologia digital. Qualidade de vida.


Musicoterapia.

1. Idosos, música, oficinas e pesquisa


Desde a década de 1970 nota-se uma transição demográfica no Brasil, ocorrendo uma
diminuição progressiva nas taxas de mortalidade e natalidade, alterando significativamente a
pirâmide etária do país e caracterizando o fenômeno do envelhecimento populacional
(MIRANDA; MENDES; SILVA, 2016). Segundo Telles (2003), este fenômeno pode ser
definido pelo aumento da participação das faixas etárias mais avançadas na estrutura etária da
população ou ainda, como diz Narsi: “Uma população torna-se mais idosa à medida que
aumenta a proporção de indivíduos idosos e diminui a proporção de indivíduos mais jovens”
(NARSI, 2008, S4).
Este cenário que vem se formando há décadas no país provoca alterações e traz
diversas consequências sociais, pertinentes aos mais diversos setores da sociedade. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, daqui a 50 anos quase um terço da população
nacional será idoso (IBGE, 2019). Não obstante, o Brasil não está preparado para responder
às necessidades geradas por esse envelhecimento populacional (MIRANDA, 2016).
Frente a isso, há o desafio nacional para majorar a oferta de políticas públicas que
afiancem que a população idosa envelheça de forma digna e ativa – havendo, portanto, a
necessidade de implantar métodos inovadores que contribuam para o cuidado com a pessoa
idosa. Desse modo, Miranda ressalta que essas políticas devam ter bases humanísticas e
compatíveis com a realidade socioeconômica do país – e beneficiar o maior número possível
de idosos, promovendo sua autonomia e atividade dentro de suas comunidades. Tendo em
vista, portanto, o aumento da população idosa em todo o mundo, é necessária a realização de

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

ações, tanto para promoção da saúde e prevenção das doenças quanto para promover – de
modo mais geral – a qualidade de vida dessas pessoas (MIRANDA, 2006).
Neste sentido, a musicalização desponta como uma ótima opção no processo da
senescência saudável (SILVA, 2007). A atividade musical auxilia nos movimentos das
articulações, além de estimular o cérebro, exercitando a área motora e retardando o processo
de envelhecimento. O exercício musical incentiva o aumento da produção de hormônios,
reduzindo a prevalência de morbidades e incapacidades (SILVA, 2007). Estudos comprovam
que a atividade muscular, a respiração, a pressão sanguínea, a pulsação cardíaca, o humor e o
metabolismo são afetados pela música e pelos sons. Desse modo, a educação musical pode ser
uma ferramenta muito importante e pode efetivamente transformar a realidade do idoso, de
forma que ele se sinta um agente ativo na sociedade.
Neste contexto, estão inseridas as oficinas “Violão – apreciação e aula” ministradas no
UniversIDADE, com o objetivo de oferecer para o idoso ensino de música como ferramenta
para a promoção de sua qualidade de vida. Neste sentido, é importante ressaltar algumas
características do ensino musical para a terceira idade, que deve trazer uma perspectiva
diferenciada para o educador, de forma que este realize um trabalho consciente das
necessidades do grupo, bem como das práticas musicais a serem adotadas. Este trabalho deve
valorizar a prática sobre a teoria, buscando um aprendizado musical que dê acesso a todos,
através de uma concepção que privilegie o desenvolvimento humano e a sensibilização e não
apenas o domínio técnico do instrumento (SOUZA; LEÃO, 2006). De outro modo –
conforme Maura Penna, procuramos utilizar a musicalização nas oficinas como ferramenta
para promover a participação mais ampla das pessoas na cultura musical socialmente
produzida, assim como para utilizar a música como material de um processo educativo e
formativo mais amplo, tendo em vista o pleno desenvolvimento do indivíduo (PENNA, 2012,
p. 47).
O UniversIDADE: um programa para a longevidade, ligado à Pró-Reitoria de
Extensão e Cultura da Unicamp foi criado em 2014 e teve suas primeiras atividades iniciadas
em março do ano seguinte para 259 alunos em 59 atividades gratuitas diferentes. De lá para
cá, o número de matriculados no programa mais que quadruplicou, atingindo a marca de 1068
alunos no primeiro semestre de 2019 e mais de 100 atividades – das áreas de arte e cultura,
esporte e lazer, saúde física e mental, sociocultural e geração de renda. O programa é voltado
para pessoas da meia idade e da terceira idade - definidas pela idade mínima de 50 anos – da
comunidade da Unicamp, de Campinas-SP e região, proporcionando a elas – de modo geral –
condições para uma melhor qualidade de vida (UniversIDADE, 2019).

70
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

No primeiro semestre de 2019 foi ministrada a primeira oficina “Violão – apreciação e


aula”, da qual também surgiu a ideia de se fazer um projeto de pesquisa para que possamos
refletir sobre esta prática de ensino coletivo de música através do violão para alunos idosos,
tendo em vista a boa aceitação da metodologia adotada. Esta forma de ensino procura unir de
modo prazeroso apreciação musical com os aspectos técnicos que levam ao aprendizado do
instrumento e que, trabalhando canções por gêneros musicais, ou ritmos, como a toada, o
baião, a valsa, a guarânia, o bolero, entre outros, traz à tona um repertório que desperta o
gosto e o interesse do aluno em querer aprender.
Como suporte, utilizamos tecnologias digitais para compartilhamento de conteúdo,
interação do grupo e para sanar as dúvidas – sendo este um importante campo para reflexão,
uma vez que o uso dessas tecnologias pode ser melhor explorado e também ampliado, tanto
para incluir quanto para direcionar este público dentro deste vasto universo digital. Sites,
aplicativos, áudios, vídeos e a criação de uma plataforma digital para organizar os conteúdos
abordados pela oficina são objetos de estudo de nossa pesquisa que visa – em suma – refletir
sobre a experiência em apreciar e aprender música, na terceira idade, na era digital.
Para elucidar ainda mais, é importante ressaltar que a oficina nasceu por consequência
do trabalho que realizo em casas de repouso de Campinas-SP e região desde 2016, nas quais
ofereço sessões de música voltadas especialmente para o público idoso que se hospeda nestes
locais. Em uma dessas sessões, em 2018, visitando uma casa de repouso, estava presente a
profa. Dra. Kátia Stancato, da Faculdade de Enfermagem da Unicamp e na época
coordenadora executiva do programa UniversIDADE. Logo após a sessão, a professora
elogiou o trabalho e disse que me chamaria para eventos para este público na Unicamp. Desse
modo, por incentivo dela, tive a oportunidade de participar de alguns eventos, de conhecer o
programa UniversIDADE, de fazer a oficina e de me empreender na retomada das minhas
atividades acadêmicas através de um projeto de mestrado para o Departamento de Música do
Instituto de Artes da Unicamp. Fui aprovado no processo seletivo e iniciei formalmente a
pesquisa em 2020.
Desse modo, a partir da experiência concreta com os idosos nas duas oficinas já
realizadas em 2019 (primeiro e segundo semestres, cada oficina contou com oito encontros de
1h30min cada), pretendo fazer um depoimento e refletir sobre a prática de ensino coletivo de
violão para estas pessoas, dentro de uma perspectiva musical mais ampla, assim como sobre a
inclusão delas nas tecnologias digitais, utilizadas como suporte para organizar o estudo e
propiciar a apreciação e o aprendizado musical. Ou seja, nosso ponto central é exatamente

71
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

esta interação do público idoso com as tecnologias dentro do contexto de apreciação e


aprendizagem de música através do ensino coletivo de violão.
Para tanto, neste XIII Encontro de Educação Musical da Unicamp, quero apresentar
um relato das experiências já realizadas nas oficinas, entendendo que esses dois semestres
ministrados representam um projeto piloto que visou plantar as bases da pesquisa de mestrado
sobre este assunto que se inicia em 2020. Trata-se, portanto, de um relato de experiência,
incluindo apontamentos sobre a metodologia e coleta de dados a ser adotados nas próximas
oficinas e durante a pesquisa.
A primeira oficina ocorreu entre 7 de maio e 25 de junho de 2019 em oito encontros
de 1 hora e 30 minutos cada, às terças-feiras às 9hs, contando com 23 alunos acima de 50
anos. De maneira geral, abordei assuntos sobre música e violão sob a perspectiva da
apreciação e do aprendizado do instrumento. Na primeira parte da aula fazia questão de tocar
e cantar algumas músicas, evidenciando a diferença de ritmo entre as músicas. O foco
principal desta primeira oficina foi levar a atenção sobre o ritmo. Ao todo trabalhamos três:
toada, baião e guarânia. Eu cantava músicas tradicionais com estas levadas, como Asa
Branca, Mulher Rendeira, Luar do Sertão, Tristeza do Jeca, Cabecinha no Ombro, Chalana.
Era um momento no qual todos participavam e se interessavam mais por música.
Na segunda parte da aula, eu ensinava o ritmo para eles – sempre da maneira mais
simples e objetiva possível, sem teorizar - passando a coordenação e movimentos básicos para
executarem com ou sem o violão. Eles gostavam bastante, porque recebiam o desafio mas
sentiam que podiam aprender e superar. Como suporte, gravei os ritmos pelo celular e enviei
num grupo que formamos no WhatsApp, assim todos podiam ouvir novamente, lembrar e
praticar. Minha intenção original era passar para eles 8 ritmos diferentes, um a cada encontro,
exemplificando com músicas etc., contudo, percebi que seria muito conteúdo e resolvi
respeitar, literalmente, o ritmo do grupo e conseguimos trabalhar com qualidade os 3 ritmos
acima relatados, somados a técnicas básicas do violão e o aprendizado de alguns acordes.
De modo geral, a primeira oficina foi muito satisfatória, recebi muitos depoimentos
dos alunos dizendo que estavam interessados em aprender mais, em ouvir mais música, em
tocar violão. Até hoje mantemos esse grupo no WhatsApp, no qual eu continuo sugerindo
músicas para ouvirem, entre outras atividades, outros ainda me acompanham mais de perto
nas minhas aulas e trabalhos online.
A segunda oficina ocorreu entre 27 de agosto e 19 de novembro de 2019, em oito
encontros de 1 hora e 30 minutos cada, realizados quinzenalmente às terças-feiras às 9hs,
contando 24 alunos maiores de 50 anos. Nesta adotei uma abordagem um pouco mais técnica.

72
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Primeiro porque a grande maioria dos alunos estava com o violão em mãos (a presença do
violão não era obrigatória nas oficinas) e segundo porque quis variar um pouco a abordagem
com relação à primeira oficina. Fizemos, portanto, uma oficina mais voltada à prática de
tocar, cantar e solar no violão. O objetivo final foi saber tocar, cantar e solar a música
Parabéns a Você. Para isso, tive de passar exercícios básicos de técnica, utilizando novamente
o WhatsApp para enviar o áudio do ritmo de valsa, materiais de apoio (exercícios, desenhos
de acordes, tablatura do solo da música) em pdf, também para tirar dúvidas, interagir etc.
Resolvi fazer desse modo também por ter mais tempo entre uma aula e outra (15 dias)
podendo assim o aluno treinar mais. Contudo, este intervalo de tempo maior entre uma aula e
outra também serviu para muitos alunos se dispersarem, não adotando a prática que eu
esperava que adotassem.
De maneira geral, a oficina foi muito positiva. Também mantenho contato com os
alunos através do grupo do WhatsApp e alguns ainda acompanham mais de perto o meu
trabalho. Uma das alunas me deu uma dica valiosa no último dia de oficina. Ela realmente
elogiou a didática que adotei simples e direta, mas ainda sugeriu que eu ensinasse uma música
ainda mais simples, talvez de dois acordes apenas – contra os 4 que usei na Parabéns a Você
– nem tanto por ela, que aprendeu tocar, cantar e solar, mas pensando naqueles outros que
estavam com mais dificuldade. Levo muito em conta sugestões desse tipo, tendo em vista que
meu objetivo é transmitir a música para essas pessoas de forma cada vez mais simples,
acessível, objetiva e alegre.
No primeiro semestre de 2020, por conta da pandemia mundial do COVID-19 as aulas
presenciais das oficinas do programa universIDADE foram suspensas, inclusive a minha, que
começaria em 17 de março. Buscando formas de continuar prestando serviço para este
público, percebi a oportunidade de ampliar o uso das tecnologias digitais, fazendo aulas
semanais ao vivo no Youtube desde o dia 7 de abril, especialmente para maiores de 50 anos,
deixando-as disponíveis também no Facebook no próprio site do programa UniversIDADE,
estimulando inclusive a participação e interação dos alunos. A reposta tem sido
expressivamente positiva, alcançando inclusive pessoas desta faixa etária de outras partes do
país. A ideia dessas aulas online é conectar as pessoas através do entendimento da música
como uma ferramenta de qualidade de vida, como oportunidade de aprendizado e
desenvolvimento pessoal. Tais ações estão diretamente relacionadas com o objetivo da minha
pesquisa de mestrado – que é estudar o aprendizado e apreciação musical de idosos na era
digital.

73
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Além disso, como referencial teórico para a pesquisa, estou me valendo de alguns
elementos da teoria social cognitiva, de Albert Bandura. Alinhado com a ideia de que a teoria
social cognitiva é uma teoria sobre o ser humano, para compreender melhor o ser humano e
tornar sua vida plena de realizações, os conceitos-chave de agência humana, motivação e auto
eficácia podem ser usados como norteadores do processo de educação musical para idosos na
era digital. De modo geral, apresentando um resumo dessas ideias, podemos citar o próprio
autor:
A teoria social cognitiva adota a perspectiva da agência para o autodesenvolvimento,
a adaptação e a mudança. Ser agente significa influenciar o próprio funcionamento e
as circunstâncias de vida de modo intencional. Segundo essa visão, as pessoas são
auto organizadas, proativas, autorreguladas e auto reflexivas, contribuindo para as
circunstâncias de suas vidas, não sendo apenas produtos dessas condições
(BANDURA, 2008, p. 15).

A ênfase no papel da agência pessoal nos permite compreender que uma situação não
é fácil nem difícil – mas depende de como a pessoa enfrenta a situação e esse enfrentamento é
o responsável pela consecução do objetivo. Por isso também a importância da motivação
neste processo e para a realização das tarefas e dos objetivos da vida. Essa motivação vem da
crença que a pessoa tem sobre si mesma, crença na capacidade de realizar uma ação que
produza bom resultado. Neste sentido, é muito importante adotar crenças positivas de auto
eficácia para obter e construir sucesso na vida ou em determinada atividade – ou seja, adotar
um julgamento positivo da própria capacidade pessoal (Bandura, 2008, p. 32).
Este tipo de abordagem é muito interessante para lidarmos com adultos maduros e
idosos, no contexto de apreciação e aprendizagem de música na era das tecnologias digitais.
Muitos deles carregam crenças negativas sobre sua incapacidade de aprender música, apesar
da vontade que trazem consigo de tocar e cantar, por exemplo. Pretendemos, portanto, estudar
esses conceitos na perspectiva do educador musical frente aos idosos, investigando também o
papel do professor como motivador dessas pessoas, postura que venho procurando adotar
nestas oficinas, aulas online ao vivo e em textos que tenho escrito num blog e redes sociais
para este público.
Quanto à abordagem prática da pesquisa, estamos estudando metodologias de estudos
similares, como o realizado pela pesquisadora da UFMG, Andréa Cristina Cirino (CIRINO,
2015). A autora realizou um trabalho de abordagem qualitativa de etnografia escolar usando
uma amostra de 4 homens e 4 mulheres entre 50 e 64 anos que participaram do curso de
extensão Apreciação e Musicalização na Maturidade (UFMG), em 2009. Ela coletou os dados

74
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

através da sua própria observação direta, análise de documentos e de entrevistas


semiestruturadas que incluíam questões abertas e perguntas improvisadas por ela de acordo
com as respostas dadas pelos entrevistados. Para analisar os dados coletados, a autora utilizou
o recurso da triangulação metodológica, combinando dados empíricos e teóricos, como o
material descrito pelos entrevistados, com o referencial teórico e demais fontes literárias.
Além disso, deparamo-nos também com o método da revisão integrativa, que segundo
Souza e colaboradores (2010) é a mais ampla abordagem metodológica referente às revisões,
permitindo uma compreensão completa do fenômeno analisado. Ela combina dados da
literatura teórica com os dados da parte empírica, incorporando um vasto leque de propósitos,
como a definição de conceitos, a revisão de teorias e a análise de problemas metodológicos de
um tópico particular. Segundo os autores, a revisão integrativa é composta pelas seguintes
etapas: (1) Elaboração da pergunta norteadora, determinando quais serão os estudos incluídos
e os meios adotados para identificar e coletar as informações de cada estudo; (2) Realização
de buscas nas bases de dados; (3) Coleta de dados – destacando a fonte, os objetivos, os
principais resultados e o nível de evidência dos dados; (4) Análise e sumarização dos
resultados; (5) Discussão dos resultados e (6) Apresentação da Revisão Integrativa.
Obviamente todos esses métodos brevemente apresentados devem ser estudados e pensados
dentro do contexto específico da minha pesquisa.
Podemos citar uma frase de Tourinho que expressa muito bem a oficina “Violão –
apreciação e aula”:

uma delicada combinação de escolha de atividades, repertório sem dicotomia


erudito/popular, condução de classe, inclusive a disposição física dos estudantes,
podem ser considerados como fatores essenciais para que se possa promover um
desenvolvimento cognitivo musical (TOURINHO, 2011, p. 14).

Por fim, poder relatar as experiências musicais vivenciadas nas duas oficinas de 2019,
nas plataformas digitais em 2020 e apontar reflexões sobre o desdobramento delas na pesquisa
de mestrado que se iniciou neste ano são de grande importância e aprendizado para que
possamos realmente fundamentar as bases deste trabalho, de modo que ele possa resultar,
dentro do possível, numa melhor prestação de serviço para este público, numa contribuição
acadêmica dentro da temática e também enquanto via para se assegurar ao mesmo tempo
inclusão digital, acessibilidade e suporte de ensino para estas pessoas interessadas em apreciar
e aprender música através do violão – levando em conta os benefícios da música para a
qualidade de vida.

75
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

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Azzi, Soely Polydoro. Porto Alegre: Artmed, 2008.

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Musi, Belo Horizonte, n.31, p. 123-133, 2015.

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Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010.

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do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
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População do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em:
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vida do idoso. Congresso nacional do Envelhecimento Humano, 2007.

SOUZA, C.M.S., LEÃO, E. Terceira idade e música: perspectivas para uma educação
musical. XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música
(ANPPOM), Brasília, 2006.

PENNA, Maura. Música (s) e seu ensino. 2. ed.rev. e ampl. Porto Alegre: Sulina, 2012.
UniversIDADE. Página da web. Disponível em: <http://www.programa-
universidade.unicamp.br>, 2019. Acesso em: 16 jul. 2019.

TOURINHO, C. (s/d). Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização, 2011.


Disponível em: <http://saccom.org.ar/v2016/sites/default/files/15.Tourinho.pdf>. Acesso: 16
jul. 2019.

76
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Aprendizado em pares: análise de um episódio interativo na aula de Piano em Grupo

Bianca Viana Monteiro da Silva


Universidade de São Paulo
bianca.viana.silva@usp.br

Resumo: Este trabalho apresenta a análise de um episódio interativo em uma aula de Piano em Grupo
para crianças, com a finalidade de identificar os processos de aprendizagem nas interações sociais. Foi
considerada a singularidade de cada sujeito participante, o modo como aprenderam e os modos de
funcionamento cultural, que definem o que é e como acontecem os atos de aprender. Para além do
registro e descrição dos dados, o enfoque envolveu, também, o compromisso com a interpretação
teórica, metodológica e intersubjetiva dos dados registrados e reconstruídos na pesquisa, sob uma
abordagem histórico-cultural.

Palavras-chave: Aprendizagem musical. Aprendizado em pares. Interação social. Ensino de Piano em


Grupo.

Introdução
A aprendizagem de um instrumento musical pode ser compreendida a partir de uma
série de fatores: o contato com o instrumento desde a infância, passando pelo incentivo ao
uso, à brincadeira, até o questionamento sobre habilidades inatas ou adquiridas. Entender
como essa aprendizagem possivelmente acontece pode partir de diferentes pressupostos e,
neste trabalho – fruto de uma pesquisa de mestrado – busca-se apontar alguns dos processos
de aprendizagem destacando a música e a fala.
No Brasil, o ensino de piano cresceu a partir do Segundo Império com a chegada de
dois virtuoses: o português Arthur Napoleão dos Santos e o italiano Luigi Chiaffarelli, que
atuaram no Rio de Janeiro e em São Paulo, respectivamente (AMATO, 2007). Nas últimas
décadas do século XIX, a imigração europeia influenciou o Brasil com seus hábitos e cultura,
e a prática pianística acabou se inserindo na cultura das classes dominantes. Segundo Amato
(2007), o valor atribuído ao piano gerou o surgimento de professores imigrantes particulares,
recitais de piano, lojas de música e a criação de conservatórios de música, seguindo a tradição
de ensinar piano no modelo de um aluno por vez, tendo como foco o repertório e a técnica –
Piano Individual (PI).
Por outro lado, o ensino de Piano em Grupo (PG) é caracterizado por dois ou mais
alunos que recebem instruções simultaneamente, tendo como foco proporcionar o aprendizado
da linguagem musical, desenvolvendo habilidades funcionais, e não apenas a execução no
instrumento (RICHARDS, 1962). Teve início no século XIX, com sua primeira ocorrência em
Dublin, Irlanda, por volta de 1815, pelo músico alemão Johann Bernhard Logier (1777-1846).
Ele argumentou que esta modalidade era ideal para introduzir conceitos da teoria musical e
aplicá-los posteriormente ao teclado, desenvolvendo também habilidades funcionais

77
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

(desenvolvimento teórico musical, treinamento auditivo, técnica, leitura à primeira vista,


harmonização, transposição, padrões de acompanhamento, redução de partituras,
improvisação, composição, repertório solo e ensemble (CERQUEIRA, 2006; CHUEKE,
2006; CORVISIER, 2008; REIS, 2013).
Nessa perspectiva, o intuito foi realizar um estudo das interações sociais no formato
coletivo de aula de piano, a fim de compreender alguns dos fatores que são constituintes para
a aprendizagem. Uma pesquisa que aborde a aprendizagem nesta modalidade se torna muito
eficaz, visto que as formações de solistas, nas quais se enfatiza a técnica em uma aula de
instrumento individual, se torna uma prática que provavelmente os alunos não terão onde
atuar. A dinâmica da aula de PG “promove o desenvolvimento de competências no aluno não
só para a performance instrumental, mas também competências interpessoais importantes no
relacionamento com os outros, encorajando e apoiando cada aluno na sua aprendizagem”
(ROCHA, 2012, p. 12).
De acordo com Vigotski (2007), a relação com o outro é inerente ao processo de
desenvolvimento e, consequentemente, à aprendizagem. Segundo os seus preceitos, o
desenvolvimento ocorre por meio da linguagem, que atua como mediadora no processo de
interação. Oliveira et al. (2009) alegam: “eu me construo enquanto pessoa no convívio com
outras pessoas; e, cada um ao fazê-lo contribui para a construção de ‘um’ nós em que todos
estão implicados” (OLIVEIRA et al., 2009, p. 1); e, na modalidade de PG, há a relação de
“um” com o “outro”, seja do professor com aluno, ou de um aluno com outro aluno e/ou
alunos.
Para tanto, nosso objetivo se deteve em analisar um episódio interativo em que
pudesse ser ressaltada a música e a fala com estudantes iniciantes de piano em um contexto de
grupo, evidenciando a interação social no processo de aprendizagem, em uma abordagem
histórico-cultural e à luz dos trabalhos de Vigotski.

1. Sujeitos da pesquisa e construção do objeto de conhecimento


1.1 População do estudo: sujeitos da pesquisa
Foram incluídas crianças a partir de 9 e até 12 anos de idade, do sexo feminino, que
estavam matriculados em qualquer escola do ensino básico, classificadas com conhecimento
prévio musical, no nível básico (com menos de um ano de aula).
As aulas de PG foram realizadas aproveitando as aulas do Projeto Guri na cidade de
São Simão-SP. Este é um projeto com iniciativa da Secretaria da Cultura do Estado de São
Paulo e tem a pretensão de promover a prática coletiva da música para crianças e jovens de 6

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

a 18 anos. As aulas têm duração de uma hora e são oferecidas duas vezes por semana.
Quando realizada a pesquisa, elas constavam com aulas de teclado/piano no Projeto
Guri por sete meses sob minha mediação, e o conteúdo programático – exigido pelo Guri –
neste percurso abordou: alongamentos e relaxamentos básicos de membros superiores e
inferiores; sensibilização da consciência corporal e do equilíbrio muscular; postura corporal;
memória; movimentos corporais; notação não convencional (gráficos, pontos, curvas, etc.)
relacionada com a exploração sonora; improvisação e composição; leitura e escrita como
meio de representação da música; leitura à primeira vista de obras ou fragmentos simples de
obras do repertório em execução; improvisação livre e dirigida (baseados nos conteúdos
trabalhados); composição, a partir da utilização de materiais presentes nas aulas; repertório
popular, folclórico e erudito; execução de músicas a duas, três e quatro vozes, baseadas nas
texturas de pergunta e resposta; estrutura homofônica, heterofônica, polifônica, cânones a três
ou quatro vozes.
Nessas condições, foi realizada uma aula de PG de uma hora que foi vídeo-gravada. A
pesquisa realizou-se inspirada nos moldes de um trabalho qualitativo e participante, no qual a
interpretação dos processos educativos ocorreu mediante trabalho de atuação direta e
observação participante com o grupo envolvido da pesquisa. Para além do registro e descrição
dos dados, o enfoque envolveu, também, o compromisso com a interpretação teórica,
metodológica e intersubjetiva dos dados registrados e reconstruídos na pesquisa. Os registros
dos dados ocorreram por meio de diário de campo e de vídeo-gravação transcrita, e as análises
foram realizadas fundamentando nos estudos sobre educação vinculados à perspectiva
histórico-cultual.
A análise desse episódio interativo e específico configurou o modo de pesquisar dos
processos do desenvolvimento humano que se conseguiu identificar. Considerou-se a
singularidade de cada sujeito participante, o modo como aprenderam e os modos de
funcionamento cultural que definem o que é e como acontecem os atos de aprender: “[isso]
leva-nos a considerar a inter-constituição entre o processo teórico e empírico de investigação
deste trabalho e o que podemos definir como percurso metodológico de pesquisa”
(ANDRADE, 2008, p. 83).
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética, Plataforma Brasil, pelo registro
97098518.7.0000.5390.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

1.2 Interação e construção do objeto de conhecimento: melodia acompanhada


Na aula de PG, as crianças: Yuja, Nina, Clara e Chiquinha estão sentadas ao piano e a
professora está ao lado de Clara. Após terem estudado a música Pezinho, de Cacá Lima, por
meio de movimentos corporais, iniciou-se o estudo ao piano tocando a música em “melodia
acompanhada” – na qual a mão direita executa a melodia e a mão esquerda o
acompanhamento em acorde.

1. Bianca: agora a gente vai fazer o acorde, que a gente chama de “acompanhamento”, e a mão direita a
gente chama de? Quem lembra?
2. Yuja: melodia?
3. Bianca: parabéns, Yuja! Melodia!
4. Nina: aqui, professora (e toca o acorde com a melodia)
5. Bianca: então mão esquerda é o...?
6. Yuja: acorde
7. Bianca que é o...?
8. Yuja: acompanhamento
9. X: e a direita é a...?
10. Yuja e Chiquinha: melodia
11. Bianca: ou seja?
12. Chiquinha: que vai na frente
13. Bianca: que vai na frente? É o canto, né?
14. Nina: professora, assim? (e toca)
15. Bianca: mas sem fazer “escorregador” na mãozinha. E esse pé? Olha a postura!
16. Todas arrumam a postura
17. Bianca: prontas? Alguém dá a regência?
18. Chiquinha: posso dar?
19. Bianca: pode ser!
20. Chiquinha: pode ser, meninas?
21. Unânime: sim!
22. Clara: professora, a gente começa com essa mão aqui (menção para a mão direita) junto com essa aqui
(menção para a mão esquerda)?
23. Bianca: juntinhas, exatamente. Então: “dó-ré-dó” (fazendo a pulsação da entrada de cada mão)
24. Nina: assim, professora? (e toca o que foi proposto)
25. Bianca: isso, mas o “ré” é dedo 2
26. Yuja aponta para Nina o dedo. Não feito, ela sai do seu lugar e arruma o dedilhado da mão da Nina
27. Alice rege a entrada, no entanto, não tocaram conforme o proposto
28. Chiquinha: toda vez que tiver no [tempo] 1 toca?
29. Bianca: só toca no [tempo] 1

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

30. 1 (palma), 2 (sem som)


31. Clara não executa o que foi proposto, então, elas intervêm:
32. Yuja: representação gestual: faz as batidas com a mão esquerda [2 tempos] e mão direita [1 tempo]e
canta “mi-sol-mi”
33. Nina: ó, você toca o acorde e segura 2 tempos e aí você toca (toca ao piano)
34. Chiquinha: a primeira vez você segura a mão esquerda junto com a mão direita, e a segunda vez você só
toca a mão direita
35. Clara: é muita informação!
36. Bianca: ou seja: essa aqui (menção à mão direita) tem 1 tempo, enquanto essa aqui (menção à mão
esquerda) tem 2 tempos.
37. Clara toca e X canta a melodia, fazendo os numerais 1 e 2 com os dedos, e tocando junto com a Clara
38. Bianca: no acorde, em “2” ele não toca. Vamos tentar, do “mi-sol-mi”?
39. Clara toca conforme o proposto

Neste episódio, os sentidos foram percebidos como construídos nas interações sociais,
em um processo de convivência, no qual o educar se manifestou de maneira recíproca. Em um
ambiente de contexto social comum, apontamos que é por meio da interação entre as crianças
que estudamos as possibilidades de conhecimento apontadas pelos sentidos ditos nas palavras,
nos gestos, nas entonações, na afetividade etc.: os signos fazem sentido quando os indivíduos
os constituem quando estão socialmente organizados. A construção do aprendizado se deu,
dessa forma, pela experiência, pela memória, pelo outro, pela linguagem, no encontro com o
outro. Esse é um sentido importante quando destacamos para a análise um episódio em que o
objetivo de construir o objeto de estudo esbarra nas diversas formas de conceber e de falar
sentidos, possibilitando, ao interagir, significar.
Ao analisar este episódio, a fala foi um dos destaques, e isso ajuda a compreender a
relação das crianças com o meio. Nisto, destaca-se a obschenie (VIGOTSKI, 1984): algo que
une ou unifica as pessoas; uma atividade que estabelece uma união de relação comum por
meio da fala (PRESTES, 2018). Para isso, no entanto, ressalta-se que os sujeitos envolvidos
devem estar em um contexto comum para que haja compreensão de uns com os outros. Essa
comunicação provoca, impulsiona o desenvolvimento infantil; ela permite, ainda, estabelecer
a relação entre as pessoas e suas responsabilidades de ajudar ao próximo (SOBRIN;
KLIMOVA apud PRESTES, 2018).
Nas tentativas de tocar ao piano o que foi proposto, ressalta-se a diversidade dos
modos de participação, no esforço de cada uma, no intuito de comunicar e construir
conhecimento. Nesse episódio, construíram uma prática musical pela troca e partilha;
educaram-se umas com as outras de maneira colaborativa, na comunicação entre os sujeitos.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Nesse encontro percebemos uma aceitação “do outro” para se abrirem ao diálogo, pois
somente quando se aceita o outro é que pode escutar e confiar em sua palavra. E, a partir
dessa compreensão, foi percebido o modo de significar de diversas formas: quando os
sentidos do corpo se confundiam, o discurso dialógico esclarecia; quando o discurso dialógico
confundia, os sentidos do corpo ajudavam a significar.
Na tarefa desenvolvida, havia o objetivo de aprender uma música que aprenderam com
movimentos corporais sendo passadas, neste episódio, para o instrumento piano. A atividade
humana de integrar-se, de fazer coletivamente, auxiliando uma à outra é destacada, antes de
tudo, como uma experiência social. É um sujeito que experiencia pelo discurso, pela audição,
pela visão, pelo tocar piano, pela experiência de si e do outro, em prol da obschenie.
As significações dadas pelas meninas para ajudar a colega foram construídas na
diversidade das relações eu-outro. A integração de diferentes modos de representar o
raciocínio, os processos e as descobertas, com a finalidade de que Clara se apropriasse do
significado dos conceitos, conforme foram compreendendo as diferentes formas
representacionais de fazer a atividade, muito contribuiu para que o processo de aprendizagem
da Clara tivesse significado. Essa estrutura conceitual criou recursos de participação na
dinâmica das interações sociais. Como afirma Oliveira (1992), os conceitos têm grande
importância ao atuarem tanto como meios de acumulação de nosso conhecimento sobre as
coisas, como por agirem de forma a filtrar possibilidades para nossas interpretações.
No episódio apresentado percebemos que, além das diversas conformações conceituais
que existiam ali, tanto por parte da pesquisadora quanto das crianças, existiam também muitos
outros modos de funcionamento da linguagem operando ao mesmo tempo naquele contexto
de interação. Yuja representou a atividade de “melodia acompanhada” em gestos (linha 32),
Chiquinha em palavras (linha 34), Nina fazendo ao piano (linha 33), além da minha mediação
(linha 36). Ressalta-se que, para enfatizar as falas, fizeram uso dos gestos, a fim de levar
confiabilidade em suas representações (AIZAWA, 2016). O que vemos, então, é a linguagem
em funcionamento na sua multiplicidade de formas, e o conceito, mesmo considerado o seu
papel fundamental, tornou-se uma dentre muitas formas de funcionamento da linguagem.
Como afirma Vigotski (2007), as crianças resolvem suas tarefas práticas com a ajuda da fala,
assim como dos olhos e das mãos. A unidade de percepção, fala e ação, que provoca a
internalização, constitui a análise da origem das formas humanas de comportamento.
Em nosso entendimento, o processo de significação nas relações de aprendizagem
configurou-se como a trama vivenciada nas relações sociais e, como tal, “os esforços e as
interpretações na busca de sentido vão sendo elaborados no âmago mesmo das práticas

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

coletivamente vivenciadas, (co)sentidas e pensadas...” (ANDRADE apud SMOLKA, 2008, p.


104).
A linguagem, que é também política, ética e comunitária, acontece no encontro com o
outro, que, segundo Dussel (1994):

Um “encontro” é, exatamente, o face a face de duas pessoas como realização de um


movimento de ir até o outro na liberdade, no afeto, e isso mutuamente. Cada um vai
até o outro sabendo que o outro vem até ele, no reconhecimento do outro e no
respeito de sua exterioridade digna. Mas se o encontro é desigual, no sentido de que
um vai até o outro com a intenção de torná-lo um “ente-explorável”, já não pode
haver “encontro” e é preciso encontrar a palavra certa para um acontecimento como
esse (DUSSEL, 1994, p. 131).

Nesse encontro, no qual houve a partilha de uma linguagem, pressupomos o


acolhimento mútuo, “exigindo” escuta e respeito para o diálogo: “no momento em que o
Outro pronuncia sua palavra, ele se re-vela e ao se re-velar, se descobre, em um duplo
movimento de construção: para si (iluminando sua consciência) e para/com outros”
(ARAÚJO-OLIVEIRA, 2014, p. 67).
Quando Clara tocou o que foi proposto, percebeu-se a significação que todas as
mediações contribuíram para ser construído um significado. Por meio do outro, Clara
internalizou a significação do mundo transformado pela atividade produtiva – o mundo
cultural (PINO, 2000). Claro que a aprendizagem é construída em seus processos: evoluções,
involuções, não sendo regular, contínuo, ou homogêneo. “A entrada das crianças no fluxo
discursivo, na cadeia de enunciados musicais, não se dá de uma vez e nem definitivamente.
Ela tem altos e baixos, vaivéns, acontece e desaparece como que por encanto, e depois
retorna” (SCHROEDER, 2011, p. 106).

2. Considerações finais
Em uma aula de Piano em um ambiente coletivo, o aprendizado em pares se torna
muito efetivo para os processos de aprendizagem. “Numa aula de grupo, frequentemente os
alunos podem aprender uns com os outros, tanto ou mais do que com o professor. O estilo
mestre-aprendiz é substituído por um que encoraja o apoio dos pares e desenvolve a
aprendizagem autônoma” (LEY, 2004, p. 7). A troca de representações faz com que certos
tratamentos sejam efetuados de maneira muito mais simples e mais potente do que outros.
A importância das diferentes representações por diversos sujeitos está em se conseguir
apresentar maneiras diferentes de aprender daquela representação dada inicialmente –
geralmente pelo professor. No episódio apresentado, foram quatro representações diferentes

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

para que Clara encontrasse o seu melhor meio para compreender a prática. Em uma aula de
Piano Individual, haveria apenas um tipo de representação – a do professor.
Numa aula individual, devido à assimetria que normalmente há entre o professor e o
aluno, esse exercício [de partilha sobre como conceber a prática] é quase impossível,
pois as situações mais comuns são: o professor manda/o aluno obedece ou o aluno
faz/o professor concorda ou discorda (neste último caso, o aluno segue a orientação
do professor) (SCHROEDER, 2009, p. 49-50).

Além dos modos de significação que o outro possibilita para a aprendizagem, os


estudantes são envolvidos em todas as partes do processo de aprendizagem; portanto, o
aprendizado é participativo, não passivo (FISHER, 2010), trazendo, também, momentos
oportunos para os encontros em alteridade. Ademais, os educandos têm mais chances de
apropriação no processo de aprendizagem, por estar participando em todos os momentos e
sempre haver apresentações de diferentes modos de significar.

Referências

AIZAWA, Alexandre. A percepção gestual de licenciandos e a representação estrutural


química na perspectiva da multimodalidade. 2016. Dissertação (Mestrado), Faculdade de
Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016.

AMATO, Rita Cássia Fucci. O piano no Brasil: uma perspectiva histórico-sociológica. In:
Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música. Anais... São
Paulo: ANPPOM, 2007, p. 01-11.

ANDRADE, Joana de Jesus. Modos de conhecer e os sentidos do apre(e)nder: um estudo


sobre as condições de produção do conhecimento. 2008. Tese (Doutorado em Educação),
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2008.

ARAÚJO-OLIVEIRA, Sonia Stella. Exterioridade: o outro como critério. In: OLIVEIRA,


Maria Waldenez; SOUSA, Fabiana Rodrigues (Org.). Processos educativos em práticas
sociais: pesquisas em educação. São Carlos: EdUFSCar, 2014, p. 47-112.

BOGDAN, C. Roberto; BIKLEN, Sari Knoop. Investigação qualitativa em educação. Porto


Editora, 1994.

DUSSEL, Enrique. Historia de la filosofia latinoamericana y filosofia de la liberación.


Bogotá: Editorial Nueva América, 1994.

EZPELETA, Justa; ROCKWELL, Elsie. Pesquisa participante. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1986.

FISHER, Christopher. Teaching piano in groups. New York: Oxford University Press, 2010.

LEY, Brian. The dynamics of group teaching. In: All together! Teaching music in groups.
Londres: The associated board of the royal schools of music. 2004, p. 4-23.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

OLIVEIRA, Maria Waldenez; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves; GONÇALVES, Luiz


Junior; MONTRONE, Aida Victoria Garcia; JOLY, Ilza Zenker. Processos educativos em
práticas sociais: reflexões teóricas e metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços
sociais. In: ANPED, Anais... Caxambú, 2009, p. 1-17.

OLIVEIRA, Marta Kohl. Grandes educadores: Lev Vygotsky. Atta mídia e educação. DVD
(45 min.), português. São Paulo: Editora Paullus, 2006.

PINO, Angel. O social e o cultural da obra de Vigotski. Educação & Sociedade, ano XXI, n.
71, p. 45-78, 2000.

RICHARDS, William Henry. Trends of piano class instruction. Kansas: Universidade de


Kansas, 1962.

ROCHA, Eduardo António Magalhães da Mota. O ensino de piano em grupo : contributos


para uma metodologia da aula de piano em grupo no Ensino Vocacional da Música para os
1º e 2º graus. 2012. Dissertação (Mestrado em Música), Universidade Católica Portuguesa.
Porto, 2012.

SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge. As crianças pequenas e seus


processos de apropriação da música. Revista da ABEM, v. 19, n. 26, p. 105-118, 2011.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Atividades rítmicas desenvolvidas pelo projeto PIBID


na EMEF Elisa Franco de Oliveira

Darlanne Santos Pereira


UNASP
drlnnsnts@gmail.com

Ellen Dias Braun Soares


UNASP
ellen.braun12345@gmail.com

Mônica Nunes Ketle


UNASP
m.monicaveiga@outlook.com

Resumo: A musicalidade de uma criança pode ser desenvolvida desde a tenra idade, e ela possui
capacidades para perceber e recordar ritmos. Por meio deste relato, iremos apresentar a música como
um veículo de aprendizagem para crianças que não têm oportunidade fora do contexto escolar. Nosso
objetivo foi contribuir com o desenvolvimento silábico e a psicomotricidade através de atividades
rítmicas. Observamos que os estudos e as práticas em sala de aula apontam para atividades
relacionadas de música e movimento e apresentam eficiência nos resultados apresentados pelos
alunos.

Palavras-chave: Eurritimia. Aprendizagem musical. Psicomotricidade. Desenvolvimento silábico.


PIBID.

1. Introdução
A musicalidade de uma criança pode ser desenvolvida desde a tenra idade, mas precisa
ser estimulada da forma correta e contínua. Sousa (2003) fala que a criança possui
capacidades para perceber e recordar ritmos. Esse processo de estímulo leva tempo, sendo
assim, quanto antes for iniciado mais entendimento musical essa criança terá. As crianças que
compõem o grupo do qual iremos falar, em sua maioria, não receberam esse estímulo no
tempo certo. Algumas só participam de uma experiência verdadeira com a música na sala de
aula. O estímulo rítmico esteve presente em todas as aulas. As atividades rítmicas
desenvolvem na criança diversos aspectos, como: auditivo, cognitivo, rítmico, psicomotor,
expressivo entre outros, que serão aqui expostos.
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) é uma proposta de
valorização dos futuros docentes durante seu processo de formação. Tendo como objetivo o
aperfeiçoamento da formação de professores para a educação básica, e a melhoria de
qualidade da educação pública brasileira, iniciamos um projeto de musicalização infantil na
EMEF Eliza Franco no município de Engenheiro Coelho. Participamos do Subprojeto
"Musicalizando o Alfabeto" com os graduandos de licenciatura em música do UNASP

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

(Centro Universitário Adventista de São Paulo), campus Engenheiro Coelho. A pedido da


Secretaria de Educação do município e da direção da escola, este tema foi escolhido a fim de
auxiliar a alfabetização das crianças por meio de atividades musicais. A partir desse
pressuposto tivemos a oportunidade de proporcionar uma vivência musical às crianças,
utilizando atividades rítmicas para obter um melhor desenvolvimento dos alunos.
Alguns educadores enfatizam a importância de trabalho rítmico em sala de aula.
Dentre eles Émile Jacques-Dalcroze (1865-1950) sugere uma experiência nova e
revolucionária em oposição às tendências tradicionais de educação musical. Ele apresenta
uma proposta de ensino de música que privilegie a relação entre os movimentos naturais do
corpo, o ritmo musical e a capacidade de imaginação e reflexão. Deveria ser acessível a todos,
e desenvolver simultaneamente as faculdades auditivas e motoras, a sensibilidade, a
criatividade, e a expressão. Uma educação pela música e para a música dentro do processo de
aprendizagem. Fonterrada (2005) comenta que Dalcroze dá ênfase aos movimentos corporais:
esse sistema parte do ser humano e do movimento corporal estático, ou com movimento, para
alcançar à compreensão, fruição, conscientização e expressão musicais. A música não é um
objeto externo, mas pertence, ao mesmo tempo, a aspectos internos e externos do corpo.
No processo da musicalização infantil, reconhecemos que a experiência significativa
do movimento associada ao desenvolvimento auditivo e à improvisação facilita e reforça a
compreensão dos conceitos musicais, realça a musicalidade e enfoca a consciência física e
motora, necessária à performance artística. As aulas de música devem ser regularmente
oferecidas nas escolas, de modo a propiciar o apreciar e o pensar musical, tornando a
alfabetização e as habilidades musicais parte da vida do aluno (ILARI, 2012).
Da mesma forma, Ilari (2012) aborda a visão de Zoltan Kodaly (1882-1967) em
relação ao uso das palavras rítmicas, usando as sílabas em forma de parlendas ou rimas como
importante aspecto para desenvolver atividades na escola. Desta forma, temos a finalidade de
apresentar a música como um veículo de aprendizagem para crianças que não tem
oportunidade fora do contexto escolar, com a intenção de aprimorar o trabalho do
desenvolvimento silábico e a psicomotricidade através de atividades rítmicas, como a
internalização da pulsação, o aprimoramento da separação das sílabas, e o aperfeiçoamento da
coordenação motora fina, tonicidade e lateralidade.
Os nossos objetivos neste trabalho são: apresentar a música como um veículo de
aprendizagem, desenvolver a coordenação motora; internalizar a pulsação; aprimorar a
separação silábica; melhorar a psicomotricidade.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2. Atividades rítmicas em sala de aula


Optou-se por usar aplicações e observações da Eurritmia, a qual enfatiza o movimento
corporal e aborda a importância de palavras rítmicas como processo da educação musical.
Foram desenvolvidos na sala de aula, atividades rítmicas que contribuíssem para a formação
do aluno, e integrassem o ritmo musical usando a expressão corporal. De acordo com
Madureira (2012), a Rítmica é um sistema de educação musical que integra ritmo musical e
expressividade do corpo, destinado a despertar no corpo a consciência do senso rítmico-
muscular, fundamento da arte musical.
O trabalho rítmico pode acrescentar em vários aspectos no desenvolvimento do aluno,
como: auxiliar no desenvolvimento silábico, ajudar a criança a conhecer o próprio corpo e
desse modo, favorecer a estabilidade do esquema corporal; auxiliar no desenvolvimento da
linguagem; auxiliar na compreensão do movimento e possibilitar o manejo de mobilidade e
expressão. Conscientes da sua importância, resolvemos partir das atividades rítmicas para ser
um suporte para o desenvolvimento dos alunos da parte psicomotora, bem como na ajuda da
pronúncia das palavras e a separação corretas das sílabas.
Para Dalcroze a música deve passar pelo ouvido e a partir das sensações recebidas se
tornar significativa no corpo e na mente. Por exemplo, a marcha, devido a sua regularidade,
oferece ao aluno um modelo completo da medida e divisão do tempo em partes iguais
(MADUREIRA, 2008).
O ponto de partida para o nosso trabalho foram as atividades sugeridas por Dalcroze, o
qual utilizou a prática da percussão corporal e de Kodaly, que além do canto utilizou as
palavras rítmicas. As atividades foram desenvolvidas de acordo com as necessidades dos
alunos. Para cada aula foi feito um plano, e em cada plano uma atividade rítmica. Exemplo de
um plano de aula:

Plano de Aula - Março


Objetivo Conteúdo Recursos Método Avaliação
Discernir a separação Caixa de Som Vou passear nos bairros de Engenheiro
das silabas; Áudios: Coelho.
identificar os bairros CD Arte e Cada aluno faz
de Engenheiro Música,3ºAno– Mi-nas Ge-ra-is uma vez
Coelho; colocar Alfabetização – n° 1 – Vou An-tô-nio Ba-tis-te-la separado para
ritmo nas palavras Sílabas, Ritmo passear nos Jar-dim Dou-ra-do ver quem está
dos bairros, bairros Jar-dim Mer-ce-des acertando o
encaixando as silabas Jo-sé Lo-pes ritmo.
dentro do ritmo da Jar-dim do Sol
métrica da música.
Quadro 1 - Modelo de Plano de aula

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Na figura 1, observa-se os alunos realizando atividades rítmicas com o corpo. Eles


estão recebendo estímulo sonoro, e precisam andar com a música e movimentar o corpo
conforme as sensações apresentadas pela música.

Figura 1: alunos andando com a música

As professoras mostram diferentes figuras e os alunos precisam identificar o som e


fazer os movimentos correspondentes, como se observa na Figura 2.

Figura 2: professoras mostrando figuras de meios de transportes

Os alunos aprendem a fazer movimentos sem locomoção, como se observa na figura 3.


Eles falam as rimas ou parlendas com gestos, todos juntos de forma simultânea.

Figura 3: alunos falando parlendas com gestos

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XIII Encontro de Educação Musical
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Os alunos podem desenvolver o senso rítmico por meio da execução instrumental,


como se observa na Figura 4, e por meio da leitura rítmica, como podemos ver na Figura 5.

Figura 4: alunos tocando instrumentos

Figura 5: cartões rítmicos para leitura

3. Resultados obtidos
Os objetivos foram alcançados: através das atividades rítmicas os alunos
desenvolveram a coordenação motora, aprimoraram a psicomotricidade e melhoraram a
separação de sílabas. Durante cada mês pudemos observar o crescimento musical e motor dos
alunos. No início do ano de 2019 foi elaborado um teste diagnóstico para verificar o
conhecimento musical e de alfabetização deles. A grande maioria dos alunos tinha dificuldade
em manter a pulsação e bater palmas com as parlendas. Paulatinamente, aprenderam as
subdivisões de tempo e metade, conseguiram bater palmas e estão conseguindo afinar quando
cantam.
Foi trabalhada a questão de sons curtos e longos e ensinado o gestual de mãos para
cada nota, a manossolfa. No mês de abril eles aprenderam sobre os timbres dos instrumentos e
os instrumentos da orquestra. Neste mês observamos uma melhora significativa na
coordenação deles, bem como na expressividade dos movimentos corporais. Na atividade que
levamos de separação de sílabas com a pulsação da música eles demonstraram compreensão,

90
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

e pudemos ver o quanto as atividades culturais contribuíram para o desenvolvimento deles em


relação a conhecimento da cultura.
No mês de maio os alunos conseguiram bater o pulso e diversos ritmos. Foram
capazes de identificar direita e esquerda e a perceber os sons, se eram graves, médios ou
agudos. Em relação aos timbres, quase todos conseguiram identificar os diferentes
instrumentos. A afinação e entonação está melhorando muito.
No mês de junho e agosto o objetivo foi trabalhar as culturas de outros países. Foi
muito relevante para os alunos ter contato com outros países e diferentes culturas, para
ampliar o repertório musical e histórico. Eles ganharam conhecimento e entenderam que cada
lugar é de uma determinada forma, e que até as músicas são diferenciadas. Além dos alunos
aprenderem sobre as culturas da China e de Portugal, nós continuamos a trabalhar com eles a
lateralidade e a coordenação motora com os ritmos e movimentos corporais. Eles continuaram
se desenvolvendo gradativamente, e os resultados foram muito positivos. Pudemos observar
que os alunos estão mais expressivos e bem mais afinados. A escola organizou o programa da
família, e os alunos se apresentaram muito bem, com afinação, expressão e entonação.
No final de agosto e durante os meses de setembro e outubro, o foco principal foi o
repertório cultural brasileiro. Os alunos aprenderam sobre as várias regiões brasileiras, os usos
e costumes de cada local, além das músicas, cantigas e parlendas. Os alunos estão bem mais
conscientes da pulsação, ritmo, sequência das notas musicais e aspectos da coordenação
motora fina. É interessante perceber o quanto os alunos apreciam e se interessam em aprender
sobre nossa cultura e como o repertório deles está aumentando. É importante salientar que
eles estão entendendo melhor o que é país, estado e município - cidade.
O mês de novembro foi marcado por atividades de recapitulação e revisão. Foi
perceptível o crescimento e desenvolvimento de todos eles. Nossos objetivos foram
alcançados, e pudemos perceber o quanto nossas atividades auxiliaram os alunos.
Entendemos que a prática musical é fundamental para o desenvolvimento rítmico dos
alunos. Identificamos as dificuldades dos alunos e trabalhamos de forma consistente em como
auxiliá-los. Concluímos que a metodologia, a qual inclui a utilização do movimento corporal,
da representação gráfica da pulsação e do ritmo musical, são ferramentas excelentes para
promover as relações psicomotoras do ritmo e da prática musical coletiva. Tais experiências
mostram que o desenvolvimento rítmico se dá por meio da vivência musical, do trabalho em
grupo, do estímulo ao criar, dos jogos e brincadeiras que fazem parte da cultura e do cotidiano
de cada um.

91
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

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de formação de professores pelo Brasil. Música da Educação Básica. Brasília, 2013.

CARMO,Erick Gomes. O Ensino do Rítmo Musical e Prática Musical Coletiva na Escola:


Uma Proposta Metodológica. Revista Eletrônica: LENPES – PIBID de Ciências Sociais –
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DEL PICCHIA, Juliana. ROCHA, Raimundo. PEREIRA, Denise. Émile Jaques-Dalcroze:


Fundamentos da Rítmica e Suas Contribuições Para a Educação Musical. Belo Horizonte.
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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Banda de música e repertório: potencializando o ensino musical

Fernando Vieira da Cruz


Universidade Estadual de Campinas
fvccruz@hotmail.com

Rafael Cardoso
Universidade Estadual de Campinas
rafaelcardosoviolao@gmail.com

Resumo: Este trabalho discute o papel do repertório das bandas de música no cotidiano artístico e
pedagógico dos grupos. Para tanto, apresentamos nossas percepções de como determinados gêneros
musicais vêm sendo incorporados aos repertórios dos grupos desde o fim do século XVIII. Além da
apropriação, nos atentamos para o modo como as bandas de música “pronunciam” tais gêneros
musicais. Esta forma própria de performance se mostra ligada ao modo como a música é significada
neste espaço artístico e, por isso, é discutida como uma possibilidade de potencializar o ensino de
música nas bandas.

Palavras-chave: Banda de música. Repertório. Linguagem musical. Ensino coletivo.

1. Introdução
A banda de música é, recorrentemente, apontada como uma manifestação cultural de
forte identificação com as comunidades das cidades interioranas brasileiras (LANGE, 1968 e
1998). Em sua diversificada atuação frente à sociedade, destacam-se as interações com as
manifestações religiosas, militares, políticas e de entretenimento (PEREIRA, 1999 e
BINDER, 2006). Além disso, o aspecto pedagógico das bandas de música brasileiras tem
especial espaço e vem sendo amplamente pesquisado, citamos Benedito (2011), Silva (2010)
e Barbosa (2009) dentre outros.
Em recente pesquisa de mestrado (CRUZ, 2019) averiguamos que a atuação
diversificada das bandas nas comunidades vem gerando uma atuação musical também
diversificada quanto aos gêneros musicais do seu repertório. Verificamos ainda que esta
dinâmica é histórica e contínua e está intrinsecamente relacionada à continuação das
atividades das bandas e ao desenvolvimento musical dos grupos e seus componentes. Assim,
a banda vem (re)construindo sua identidade enquanto manifestação cultural baseada na
diversidade. Ao nosso ver, esta dinâmica potencializa a significação e o aprendizado musical
no ambiente de banda.
Neste trabalho, pretendemos apresentar um recorte da atual pesquisa em
desenvolvimento que olha para este processo de incorporação de repertório como uma
possibilidade de potencializar o ensino musical intencional nas bandas (aulas e ensaios).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Portanto, este trabalho segue com uma discussão sobre a forma como as bandas de
música brasileiras se apropriaram de diversos gêneros musicais desde o final do século XIX,
segue apontando como este movimento de constante apropriação se relaciona com a
continuação do grupo e o desenvolvimento musical dos seus integrantes e, por fim, traz
algumas considerações de como tais dinâmicas podem apontar para novas práticas
pedagógicas nas bandas.

2. A banda de música brasileira e seu repertório


É notório que os dobrados e as marchas são os gêneros musicais mais fortemente
atrelados ao movimento de bandas no Brasil (SOUZA, 2009), porém, é inegável que tantos
outros gêneros foram incorporados às bandas e, posteriormente, vieram a ser reconhecidos
como músicas de banda. Estamos falando, sobretudo, da polca, maxixe, valsa, tango brasileiro
(DUPRAT, 2009), a quadrilha, marchinha, congada, operetas (LANGE, 1968 e 1998), o
fandango, modinha, fado e o lundu (SCHWARCZ, 1998). A capacidade de “pronunciar”
diferentes estilos musicais com uma linguagem característica das bandas continua compondo
uma identidade própria destes grupos enquanto manifestação cultural brasileira. Esta
identidade se mostra tanto pelas execuções características das bandas em contextos que as
diferenciam de outras formações instrumentais (PATEO, 1998 e CRUZ, 2019), quanto na
porosidade social frente ao contexto histórico e cultural no qual cada banda se desenvolve.
Como dito, verificamos este processo de incorporação de repertório como histórico
(pelas investigações bibliográficas) e contínuo (ainda ocorre nas bandas de músicas onde
realizamos nossos trabalhos de campo de recente pesquisa de mestrado e corrente pesquisa de
doutorado). Porém, há similaridades e distinções nos processos históricos averiguados em
bibliografia e os observados em campo. Enquanto os processos históricos (sobretudo do início
do século XX) culminariam numa identificação deste repertório como incorporado à
identificação das bandas (DUPRAT, 2009), os processos observados em campo desvelam
outros desdobramentos mais ligados a uma maior abertura da banda em incorporar discursos
advindos dos seus componentes e da comunidade que a cerca em seu repertório. Assim, a
primeira grande diferença que discutirmos em ambos os processos é que as incorporações
históricas foram mais duradouras e as incorporações mais atuais são mais dinâmicas.
O que perpassa ambos os processos de incorporação que estamos discutindo é o fato
de as bandas terem uma profícua interação com as novas tecnologias de diferentes épocas. De
fato, alguns pesquisadores atrelam o avanço tecnológico à tomada do espaço antes
predominantemente dado às bandas frente à sociedade. Duprat (2009) aponta o

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XIII Encontro de Educação Musical
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enfraquecimento do movimento de bandas ligado ao surgimento do disco (1888 – 1890), do


rádio (1923) e da televisão (no Brasil em 1951). Lima (2011) discute ainda uma disputa de
espaço ocorrida de modo literal nas praças de Teresina/PI entre as bandas e as rádios
comunitárias. Referindo-se ao cinema e ao processo de industrialização, Lange (1997)
apresenta ainda como “feridas nos tradicionais ensaios” o fato de alguns componentes das
bandas desfalcarem os ensaios ora porque estavam trabalhando nas fábricas e ora porque
estavam se divertindo nos cinemas. Por outro lado, é analisando a fase mecânica das
gravações no Brasil (1902 – 1927) que Souza (2010) infere a valorização das polcas, valsas e
dobrados pela indústria emergente do disco. Suas análises estiveram atentas, sobretudo, a
gravações das bandas de música deste período no Rio de Janeiro, mais especificamente à
Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro criada e liderada em seus primeiros anos de
atividades pelo maestro Anacleto de Medeiros. Se a indústria e as novas demandas advindas
das gravações foram um impulso para a polca, a valsa e o dobrado, sobretudo executadas
pelas bandas de música, vale notar que o próprio Duprat (2009) aponta a incorporação de tais
gêneros musicais a uma forte identificação com as bandas de música neste mesmo período.
Fizemos uma discussão mais aprofundada (CRUZ, 2019) quanto a esta aparente
incongruência/paradoxo em Duprat (2009), pois, por um lado, o autor está considerando que a
banda de música era o principal “veículo de comunicação sonora” e passa a dividir este
espaço com o disco, o rádio e a televisão. Por outro lado, a partir da leitura de Souza (2010) e
das nossas observações em campo, consideramos ainda que estes próprios veículos figuraram
e ainda figuram como novos espaços onde a banda passou a atuar (pela profícua participação
em gravações de discos, por exemplo) e com os quais a banda passou a interagir (ao
incorporar ao seu repertório as músicas veiculadas pela TV e internet, por exemplo).
Nos processos de incorporação de repertório que observamos em campo durante a
pesquisa de mestrado e na corrente pesquisa de doutorado, diferentes relações se mostraram
em comparação aos processos de incorporações históricas. Atualmente, as bandas estão
incorporando ao seu repertório músicas da chamada cultura pop, são músicas de forte apelo
popular advindas da cultura de massa. Este repertório, veiculado sobretudo pela TV, internet e
serviços de streaming, extrapola as fronteiras de identificação regional e está atrelado a outras
formas de arte e entretenimento (CRUZ, 2019). São comuns os temas de filmes, séries, temas
de games etc. Este repertório chega às bandas pelos próprios músicos/alunos dos grupos e
também por seu apelo popular com a comunidade, mas tende a não permanecer por longo
tempo no repertório das bandas. Trazemos um exemplo observado em trabalho de campo
realizado em setembro de 2017:

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XIII Encontro de Educação Musical
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A incorporação da música Get Lucky ao repertório da banda se deu por iniciativa do


maestro da banda que, em conversa informal durante os preparatórios para o desfile
de sete de setembro, declarou ter visto o vídeo de uma banda militar tocando essa
música em ocasião da visita do presidente dos EUA à França. Nessa ocasião, a
banda militar tocava vários temas de uma dupla francesa de cantores de música
eletrônica, “Daft Punk”, entre elas estava o tema de “Get Lucky” (...) Nesse caso, a
música passou a incorporar o repertório da banda após o maestro ter contato com ela
já adaptada a uma banda de música militar, contato possibilitado primeiramente pelo
meio televisivo, que foi quando o maestro viu pela primeira vez a música sendo
tocada numa reportagem de telejornal, e depois pela internet, que foi onde ele
pesquisou pela reportagem que havia visto na televisão para ter acesso à música
novamente (CRUZ, 2019 p. 77).

A ideia do reconhecimento dos gêneros musicais historicamente incorporados como


“música de banda” (DUPRAT, 2009) evidencia a manutenção de uma identidade própria
fundamentada na diversidade musical. Esta dinâmica de atuação das bandas somada à
capacidade de interagir com as novas tecnologias, seja por interesses comerciais da indústria
fonográfica, como foi no início do século XX (SOUZA, 2010), seja por continuar abarcando o
repertório advindo dos novos veículos de informação (TV, rádio, cinema, internet e serviços
de streaming) também têm sido determinantes na continuidade das atividades da banda como
significativa manifestação cultural brasileira, com forte pertencimento às comunidades. Além
disso, os processos de incorporações mais atuais de novos repertórios apontam para a abertura
do ambiente de banda a diferentes manifestações de ideias e discursos musicais ou não
musicais. Pela perspectiva que adotamos1, esta abertura para diferentes discursos num
contexto social imediatamente comum aos participantes de tais discursos e diálogos torna o
ambiente da banda um campo de férteis possibilidades de significação e aprendizado musical.
Apresentaremos a seguir algumas reflexões iniciais para uma prática pedagógica
contextualizada desta realidade ainda em estado de organização.

3. A diversidade do repertório potencializando o ensino de música


A diversidade ainda presente no repertório das bandas de música brasileiras
atualmente é, sem dúvidas, uma das mais promissoras potencialidades pedagógicas das
bandas (CRUZ, 2019). A continuidade do repertório tradicional das bandas somado ao
repertório do cotidiano dos alunos tanto mantém a tradicional dinâmica de reconstrução do
grupo como possibilita uma vivência de aprendizado musical híbrida. Os novos alunos
geralmente mais ligados aos novos repertórios da cultura pop veiculada pelas redes sociais
passam a ter contato com o repertório tradicional e histórico, e, ao mesmo tempo exercem um
protagonismo na atualização do repertório da banda em constante reconstrução. Algumas
leituras vêm nos instigando a repensar a prática pedagógica considerando as dinâmicas de

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incorporação de repertório e de atuação das bandas frente à sociedade. Duas leituras nos
pareceram esclarecedoras quanto à dialética que vimos discutindo sobre a tradição e a
inovação presentes na banda de música, este é o tema central da discussão feita por Barbosa
(2009). A outra é a de Daniel Gohn (2015), que discute as a presença dos jogos eletrônicos,
das redes sociais e a mediação da educação pelas tecnologias presentes no cotidiano musical
dos jovens.
A dialética de tradição e inovação também é uma realidade quanto aos processos
pedagógicos adotados nas bandas. Durante muito tempo, o modelo tradicional de ensino,
fortemente influenciado pelo modelo conservatorial, foi predominante nas bandas brasileiras.
Barbosa (2009) divide este modelo em três fases, a saber: a primeira fase de estudos teóricos e
aprendizado da leitura rítmica de partitura; a segunda fase de execução instrumental com
leitura através de métodos tradicionais com predominância de exercícios técnicos; e na
terceira fase, após aproximadamente 2 a 3 anos nas fases anteriores, o aluno passava a
frequentar os ensaios e ter contato com o repertório da banda. O primeiro movimento de
inovação no ensino promovido nas bandas ocorre pelo advento dos métodos coletivos, o autor
relata uma experiência com estes métodos de origem estadunidense na década de 1990 na
região de Sumaré/SP, sendo que nos próximos anos o próprio pesquisador viria a publicar o
“Da Capo método elementar para o ensino coletivo ou individual de instrumentos de banda”
(BARBOSA, 1994).
Os avanços apontados por Barbosa (1996 e 2009) com a utilização dos métodos
coletivos são a prática coletiva predominante, o reforço do pertencimento dos alunos com o
grupo, desenvolvimento da técnica instrumental, percepção, leitura e contato com melodias
conhecidas (sobretudo com cantigas de roda brasileiras no caso do método publicado pelo
próprio autor), simultâneos desde o início. Hoje, a metodologia de ensino coletivo nos parece
predominante nas bandas, sobretudo nas bandas escolas e até em bandas históricas que já
tenham passado por algum processo de reestruturação organizacional e renovação de
componentes (este é o caso da banda estudada durante a pesquisa de mestrado, por exemplo).
Porém, o modelo de ensino tradicional ainda é notoriamente presente em muitas bandas
tradicionais (como é o caso da banda sendo estudada na pesquisa de doutorado).
De fato, os dois modelos de ensino partem de perspectivas opostas, porém, coexistem
em algumas situações. Mesmo o autor principal deste texto ouviu do próprio pesquisador Joel
Barbosa, em uma palestra, que é muito comum ver seu método coletivo sendo utilizado a
partir de práticas de ensino tradicionais ignorando a coletividade, a valorização máxima da
experiência com menor ênfase na leitura e na teoria e etc. O que inferimos desta situação é

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XIII Encontro de Educação Musical
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que, apesar de partirem de perspectivas antagônicas, os métodos coletivos ainda se limitam a


uma referência primordialmente assentada na escrita de partituras para o ensino musical.
Alguns métodos mais recentes, como o Essential Elements por exemplo,
(LAUTZENHEINSER, et al., 1999) disponibilizam produções de playbacks de
acompanhamentos para serem utilizados durante as aulas, ou seja, os alunos leem as partituras
e tocam acompanhados pelos playbacks. Mesmo estes, continuam dentro das fronteiras da
execução instrumental submissa a leitura de partituras.
A partir da perspectiva que adotamos em Bakhtin (2017), Schroeder (2005) e Cook
(2013), é preciso romper com esta barreira de condicionar a significação e o aprendizado
musical à leitura de partitura. Segundo Bakhtin (2017), o entendimento da linguagem está no
processo dialógico socialmente contextualizado, para Schroeder (2005) este processo ocorre
durante os discursos musicais postos em prática. A aproximação que fazemos com Cook
(2013) é exatamente a ideia de que a significação musical está no ato de performar, ou
enunciar em termos bakhtinianos, ou ainda, pronunciar a obra musical. Além disto, esta
contextualização imediata necessária para a significação musical apresentada por Bakhtin
(2017) e Schroeder (2005) foi levada à discussão acerca do papel do próprio repertório da
banda de música em Cruz (2019). Ou seja, é no ambiente poroso de múltiplos discursos
musicais materializados no repertório da banda de música que podemos encontrar este
contexto social imediatamente comum entre os alunos da banda.
O ponto no qual nossa atual pesquisa de doutorado se encontra é o de refletir sobre as
possibilidades de estratégias para extrapolar a partitura como ferramenta de aprendizado
musical e promover o aprendizado da partitura através da música discursiva. Estando o
discurso musical presente e socialmente significado no repertório da banda, entendemos que a
centralidade do processo de ensino nas bandas deva se deslocar da partitura para o repertório.
Da metodologia pedagógica, ainda estamos em fase de experimentos e reflexões iniciais,
sendo que a partir das conclusões de nossa pesquisa anterior (CRUZ, 2019) e da leitura de
Gohn (2015) é preciso entender o cotidiano musical dos alunos através das novas tecnologias
de informação, jogos, redes sociais, internet. Esta realidade nos coloca ainda em contato com
um cotidiano musical não mais delimitado por fronteiras regionais e sim virtuais. Desta
forma, percebemos ainda que o repertório cotidiano dos alunos extrapola as cantigas de rodas,
canções infantis e populares que precisam dividir espaço tanto com o repertório tradicional de
bandas quanto com o repertório advindo da cultura pop, temas de filmes, séries etc. Estas são
as reflexões inicias que estão nos instigando a repensar o ensino nas bandas voltado à prática
de um repertório que abarque a tradição e as possibilidades de inovação na banda de música.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Considerações
Considerando a constante reconstrução identitária das bandas e do seu repertório como
processos ligados ao desenvolvimento musical dos grupos e dos músicos das bandas,
apontamos a necessidade de uma constante reconstrução/renovação dos processos de ensino
intencionais que ocorrem nos grupos. Esta renovação pedagógica deve acompanhar a
dinâmica da renovação do repertório, as novas tecnologias da informação e redes sociais de
compartilhamento de conteúdos que, concomitantemente, apontam para uma nova realidade
sociocultural na qual as crianças e adolescentes estão imersos quanto a sua vivência musical
cotidiana (GOHN, 2015). Acreditamos que, da mesma forma que os novos repertórios que
vêm sendo atrelados às bandas de música não suplantam o repertório tradicional, as novas
possibilidades pedagógicas que intencionamos não têm a pretensão de invalidar ou substituir
as práticas pedagógicas em voga atualmente nas bandas de música. Porém, assim como a
banda de música se mantém como uma manifestação viva na sociedade atual por sua
capacidade de adaptação às novas realidades, é necessário abrir espaço para novas práticas
contextualizadas com estas novas realidades, sobretudo quanto às novas tecnologias e redes
de compartilhamento. Assim como os métodos tradicionais de ensino conservatorial abriram
espaço para os métodos coletivos desde o início do século XX (BARBOSA, 2009), ainda é
preciso considerar a utilização de ferramentas que extrapolem os livros de partituras e
playbacks fornecidos em CDs, como as redes sociais de compartilhamento, jogos eletrônicos,
aplicativos e softwares interativos etc. Estamos intencionando uma prática pedagógica viva
em relação às novas dinâmicas de vivências musicais cotidianas perpassadas por tais
ferramentas. A descentralização da leitura de partituras pode ainda se estender a uma abertura
que comungue o repertório tradicional de bandas, as já “tradicionais” cantigas de roda e
músicas da infância com o repertório da cultura pop tão presente no cotidiano mediado pelas
novas tecnologias da informação, jogos eletrônicos e redes sociais. Assim como nossa
perspectiva teórica aponta para a necessidade de extrapolar a escrita e estruturas teóricas
como principais referências para a significação e ensino musical (COOK, 2013), a busca por
novas ferramentas de compartilhamento e experiências musicais vão além de possibilidades e
figuram, para nós, como necessidades. De modo inicial, buscaremos apresentar as primeiras
atitudes pedagógicas sobre as quais pudemos refletir durante o minicurso a ser realizado neste
evento, o XIII Encontro de Educação Musical da Unicamp.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

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40. São Paulo: Jornal O Lince. Acesso em 2018, disponível em
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Estudos Brasileiros, 04, 99 – 142, 1968.

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100
XIII Encontro de Educação Musical
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SCHROEDER, S. C. Reflexões sobre o conceito de musicalidade: Em Busca de Novas


Perspectivas Teóricas para a Educação Musical. Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp.
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SCHWARKZ, L. M. As barbas do imperador: Dom Pedro II, um monárca nos trópicos (2 ed


ed.). São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

1
A nossa base teórica é construída sobre a Teoria do Discurso de Mikhail Bakhtin (2017) aplicada à música por
Schroeder (2005). Para um entendimento breve destas ideias recomendamos a leitura de Cruz (2018), e, para um
entendimento mais aprofundado de como construímos nossa base teórica recomendamos ainda a leitura de Cruz
(2019), Schroeder (2005) e Bakhtin (2017). Consideramos ainda algumas aproximações e contribuições das
ideias de Cook (2013) sobre a significação musical pela performance.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Canto coral como ferramenta de musicalização para adultos: um relato de experiência


na Casa da Cultura de Itupeva/SP

Juliana Freires Oliveira Silva


Instituto de Artes - Unicamp
julianafreos7@gmail.com

Resumo: Este trabalho tem por objetivo relatar a implementação da prática do canto coral no
município de Itupeva na modalidade adulto, bem como estudar seus avanços ao longo dos meses sob
olhar da educação musical. Para atingir tais objetivos serão analisados os registros manuscritos,
audiovisuais e observações feitos por esta autora, que também é a professora regente, e os
depoimentos colhidos dos próprios alunos, participantes ativos da ação.

Palavras-chave: Canto coral adulto. Musicalização de adultos. Educação musical.

1. Oficina de canto coral no município de Itupeva


Ao longo das últimas décadas, especialmente a partir da segunda metade do século
XX, a prática do canto coral tem crescido no Brasil, principalmente o coral chamado
“amador”, aquele cuja composição é formada por pessoas que se sentem atraídas pelo prazer
de cantar e não são remuneradas para tal função. Cada vez mais os setores público, privado e
não governamental têm percebido os benefícios que a prática do canto coral tem
desempenhado na sociedade. Neste cenário, em abril de 2017 a Casa da Cultura do município
de Itupeva/SP, abriu inscrições gratuitas à população para a oficina de canto coral nas
modalidades adulto e infantil, algo inédito, até então, na cidade.
No início do projeto não houve processo de seleção vocal, apenas uma breve
classificação para ter uma noção de como desenvolver o trabalho. Feito isso, pode-se observar
maior musicalidade nas vozes masculinas, o que permitiu a divisão imediata dos naipes baixo
e tenor. As vozes femininas, por serem maioria, tiveram mais dificuldade em timbrar,
algumas até em afinar, mas dentro de poucas aulas também foi possível a divisão dos naipes
soprano e contralto. O número de inscritos no início foi de 32 alunos na faixa etária de 16 a 70
anos. As aulas com duração de 1 hora e meia acontecem uma vez por semana, estendendo-se
a 2 horas, dependendo da necessidade. A regente também é a pianista acompanhadora e
desenvolve o trabalho de técnica vocal, visto que a prefeitura não dispõe de recursos
financeiros para ampliar o quadro dos profissionais envolvidos.
A cada semestre a Casa da Cultura abre novas inscrições e, a partir do 2º semestre de
2017, o ingresso na oficina do coral adulto se deu através de seleção vocal, visto que o
trabalho já havia se consolidado e os integrantes atingido um nível mais homogêneo de

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

musicalidade. Neste momento apenas os alunos realmente interessados permaneceram com


frequência regular e satisfatória. A partir do comprometimento do grupo que permaneceu, o
trabalho tomou um novo rumo. Os quatro naipes (soprano, contralto, tenor e baixo) estavam
bem equilibrados e o repertório, em sua totalidade de músicas folclóricas e populares
brasileiras, já era bem interpretado pelo grupo.
O coral encerrou o ano de 2017 se apresentando em diversos eventos na cidade de
Itupeva, tendo grande reconhecimento e aprovação da população, bem como em
apresentações em municípios vizinhos, tais como Jundiaí e Vinhedo.
Em 2018 pode-se observar uma crescente identidade do grupo, não apenas no âmbito
musical, mas também como comunidade que vem criando, a cada aula/ensaio, apresentação,
etc, senso de empoderamento e pertencimento através da prática do canto coral e das suas
implicações.
No início do segundo ano de trabalho, o grupo foi presenteado pela Secretaria de
Educação e Cultura com o uniforme, o que caracterizava ainda mais visualmente um coral de
fato. Novos membros passaram a integrar o grupo e as aulas se tornaram ainda mais didáticas,
tendo como ponto de partida as dificuldades encontradas ao longo do ano anterior. Os
desafios vocais também aumentaram gradativamente. Sobre os detalhes das aulas,
discorreremos no próximo tópico.
O ano de 2018 foi marcado pela presença do coral em eventos notórios na cidade,
além da presença nos encontros de corais nas cidades de Jundiaí e Vinhedo, ambas no estado
de São Paulo. O repertório, em sua maioria de canções populares brasileiras, recebeu canções
em outras línguas e culturas, bem como algumas movimentações cênicas e percussão
corporal.
Como forma de instrumentalizar ainda mais o grupo, uma das estratégias foi levá-lo à
Sala São Paulo para prestigiar o ensaio aberto dos coros infantil e juvenil da OSESP
(Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Nesta ocasião, os coralistas puderam conhecer
a primeira sala de concerto do Brasil, inaugurada em 09 de julho de 1999, também
considerada uma das mais famosas do mundo, além de enriquecer seu repertório cultural e ter
um momento de lazer e entretenimento.
Em Maio de 2019 as aulas precisaram ser temporariamente interrompidas devido à
licença gestante da regente, com previsão de retorno às atividades em Fevereiro de 2020.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2. Abordagem pedagógico-musical nas aulas da oficina de canto coral


Coros amadores no Brasil podem ter conotações e objetivos diferentes dependendo do
contexto em que estão inseridos na sociedade.
Há coros de empresa, escola, organizações não governamentais, independentes etc.
Por ser uma prática musical abrangente, cada regente ou professor cria sua própria maneira de
formatar o grupo, de acordo com seus objetivos.
No caso da oficina de canto coral no município de Itupeva/SP, inicialmente foram
abertas as inscrições para a comunidade em geral, sem pré-seleção vocal, já que esse tipo de
oficina ainda era desconhecida da maioria da população.
Por se tratar de uma oficina, as aulas tinham um caráter pedagógico-musical, não
visando apenas a performance vocal dos alunos, mas principalmente o aprendizado das
técnicas musicais aplicadas à voz e a educação musical.
A partir dessa premissa, o repertório e vocalises eram escolhidos com a intenção de
musicalizar os alunos, em sua maioria adultos sem conhecimento ou vivência musical. Poucos
tinham habilidades vocais ou experiência com canto e/ou instrumento musical, daí a grande
importância de se elaborar um plano de aula a fim de abarcar todos os níveis, sem excluir ou
até mesmo desestimular ninguém.
O crescimento integral do indivíduo, bem como seu desenvolvimento musical foram
os pontos norteadores da ação de aprendizagem, quando ajustes constantemente eram feitos a
fim de envolver os alunos como sujeitos de aprendizagem.
De acordo com Gainza (1988, p. 101) “o objetivo específico da educação musical é
musicalizar, ou seja, tornar um indivíduo sensível e receptivo ao fenômeno sonoro,
promovendo nele, ao mesmo tempo, respostas de índole musical”.
Como ponto de partida, foram feitas entrevistas individuais com cada inscrito a fim de
conhecer suas habilidades musicais e até mesmo sua pretensão ao ingressar em tal oficina.
Através do preenchimento de questionário foi possível estudar caso a caso e dar
prosseguimento às aulas.
É sabido que a música, especialmente a vocal, desperta interesse na maioria das
pessoas pelo fato de ser acessível e se fazer presente nas relações cotidianas dos indivíduos,
porém poucos “conhecem o fato de que por detrás da beleza do canto está um rigoroso,
complexo, mas fascinante trabalho de educação, aprimoramento da técnica e preservação do
instrumental básico da voz: as pregas vocais” (MARSOLA e BAÊ, 2001).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A primeira música, que visava estimular o contato com a escala musical ascendente e
descendente, o nome das notas, bem como sua afinação foi “Minha canção” do musical “Os
saltimbancos”.
Mesmo sem lerem partitura, foi entregue a cada participante uma cópia a fim de irem
se familiarizando com o novo contexto. De forma leve e prática, aos poucos a simples
visualização das vozes na partitura passou a ser ferramenta e guia de aprendizagem.
Os questionamentos em relação à escrita e leitura musical se tornaram alvo de
interesse e passaram a ser abordados nas aulas.
Com o passar dos meses e à medida que o repertório se consolidava, o plano de aula
seguiu mais ou menos um mesmo padrão, o que conferiu maior unidade do grupo bem como
seu amadurecimento musical.
Cada aula era minuciosamente preparada e registrada num caderno pela
professora/regente.
Inicialmente as aulas tinham duração de 1h30, mas, com o desenvolvimento do grupo
e a necessidade de aperfeiçoamento de algumas peças, chegou a ter 2 horas de duração, uma
vez por semana.
Abaixo segue tabela com esquema aproximado das aulas:

Alongamento 5 min
Exercício rítmico 10 min
Exercício de respiração 5 min
Exercícios vocais 20 min
Solfejo / teoria musical 10 min
Repertório 30 min
Desaquecimento vocal 5 min

Para fixar o repertório, gravações dos naipes eram compartilhadas no grupo de recados
do coral, assim os alunos tinham a possibilidade de estudar além do dia da aula.
Essa prática teve efeito muito positivo, já que garantia um maior avanço musical em
relação ao pouco tempo de aula.
Alguns ensaios de naipes eram feitos, porém em menor escala, já que a regente
mantinha funções múltiplas na aula. Sendo assim, alguns alunos com maior facilidade
algumas vezes desempenhavam o papel de líder do naipe vocal.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A definição feita pelo regente e professor Mário Assef a respeito dos coros amadores,
aos quais dedicou muitos anos de sua vida musical, retrata bem a realidade dos cantores
participantes da oficina de canto coral da Casa da Cultura de Itupeva, quando diz que se refere
a “amadores” menos por habilidades dos cantores e mais pela única razão pelas quais eles
cantam: um verdadeiro amor pela atividade de canto em grupo.

3. Conclusão
Segundo Junker (2013, p. 21) “todo regente carrega consigo a tarefa de agir como
educador musical nas diversas atividades que desempenha enquanto profissional, sejam
ensaios, apresentações, concertos, participação em seminários, festivais, concursos, etc”.
Por se tratar de uma oficina, o coral da Casa da Cultura de Itupeva constantemente
vem sofrendo mutações, porém como os objetivos, valores, metas e principalmente propósitos
são claros e compartilhados com os alunos, os resultados alcançados se mostram satisfatórios
aula a aula.
Através dos registros de aulas e recursos audiovisuais das apresentações, pode-se
constatar o crescente desenvolvimento musical do grupo. Os alunos também são testemunhas
do crescimento musical do grupo e principalmente do seu próprio.

Dentre os objetivos gerais do educador musical (regente), estão os pontos


proeminentes técnicos, como promover o desenvolvimento da percepção musical,
firmar conhecimentos de teoria e história da música, melodia, ritmo, estudos de
harmonia e análise, formas musicais, contraponto, etc. Estes estudos visam o
objetivo mais importante, no que se refere à interpretação de repertório, que é
realizar, da melhor forma possível, as intenções do compositor, na execução de uma
obra.
De grande importância, são os objetivos de cunho social, ou que forneçam condições
para que se desenvolva o interrelacionamento entre as pessoas que participam de
uma mesma atividade. Através dos ensaios e atividades extramusicais, demonstra-se
a importância de viver em grupo, fornecendo condições de compartilhar
experiências e conscientizar os participantes de direitos e deveres de cada um para
com a atividade (JUNKER, 2013, p. 23).

Embora haja rotatividade de integrantes pelo fato de ser uma oficina oferecida à
população semestralmente, pode-se observar como a qualidade da base musical desenvolvida
desde o início e o minucioso cuidado com as particularidades de cada indivíduo fizeram da
experiência de cantar em grupo uma excelente maneira de entreter, musicalizar e criar laços
de amizades que extrapolaram as paredes da sala de aula.

Em todo o processo educativo confundem-se dois aspectos necessários e


complementares: por um lado, a noção de desenvolvimento ou crescimento (o
conceito atual de educação está intimamente ligado à ideia de desenvolvimento); por
outro, a noção de alegria, de prazer, num sentido muito amplo.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Educar-se na música é crescer plenamente e com alegria. Desenvolver sem dar


alegria não é suficiente. Dar alegria sem desenvolver tampouco é educar (GAINZA,
1988, p. 95).

Referências

GAINZA, Violeta H. Estudo de psicopedagogia musical. 3ª edição. São Paulo: Summus,


1988.

JUNKER, David B. Técnica e estética – Coleção Panoramas da Regência Coral. Brasília:


Escritório de Histórias, 2013.

MARSOLA, Mônica. BAÊ, Tutti. Canto: uma expressão – princípios básicos de técnica
vocal. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001.

PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. 2ª edição. Porto Alegre: Sulina, 2010.

SALA SÃO PAULO. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em:


<https://saopaulo.sp.gov/conhecasp/teatros/sala-sao-paulo/>. Acesso em: 21 de nov. de 2019.

SOBREIRA, Silvia (Org.). Desafinando a escola. Brasília: Musimed, 2013.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Ensino coletivo de Cordas e Clarineta na comunidade de Santo Antônio do


Leverger/MT: um relato de experiência

Keroll Elisabeth Weidner


Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
kekoviola@gmail.com

Vinícius de Sousa Fraga


Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
viniciusclar@gmail.com

Resumo: O presente trabalho relata a experiência dos autores no ensino coletivo de cordas e clarineta
na comunidade de Santo Antônio de Leverger-MT durante os anos de 2014 e 2015. A partir da
parceria entre o Departamento de Artes da Universidade do Estado de Mato Grosso (UFMT) e a
Associação Arte Cidadã daquela cidade, propôs-se a estruturação de um projeto de extensão para o
ensino de instrumentos musicais com crianças e adolescentes integrantes dos corais já existentes na
Associação. O relato descreve brevemente como se deu a estrutura das aulas de instrumentos,
objetivos propostos e alcançados com o projeto e alguns desafios enfrentados pelos autores neste
período.

Palavras-chave: Ensino coletivo. Projeto social. Violino. Viola. Clarineta.

1. Introdução
A organização e estruturação de projetos sociais como alternativa para o acesso a
diferentes contextos sociais tornou-se uma prática agora já consolidada, após algumas décadas
de investimento público e privado (KLEBER, 2014, p. 27). Encontrar formas de oportunizar
melhorias na qualidade de vida em diversas realidades sociais onde a falta de condições
básicas de saúde, educação, segurança são a regra pode significar acolher e alimentar pessoas
com a esperança de uma vida mais digna e mais humana, além de oferecer conhecimento e
aperfeiçoamento pessoal.
A música e suas múltiplas facetas tem sido amplamente usada como ferramenta
altamente potente em projetos de democratização do conhecimento e de ressocialização.
Através dela se ressignifica a oportunidade e o acesso a elementos fundamentais como
interação social, colaboração e empatia, desenvolvimento de faculdades psicossociais,
expressão de sentimentos, de movimento e autoconhecimento. Além das inúmeras
possibilidades que ela pode proporcionar do ponto de vista físico-motor, cognitivos e
comportamentais (ALVES, VIEIRA & SERRANO, 2010; BOAL-PALHEIROS, 2014;
ILARI, 2013, p.14; CSIKSZENTMIHALYI,1990 apud ILARI, 2005).
A partir desse entendimento, mecanismos efetivos de realização de tais projetos
podem ser idealizados e realizados. O aqui utilizado para este relato de experiência foi o
projeto de extensão proposto por professores do Departamento de Artes da Universidade

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Federal de Mato Grosso (UFMT) em parceria com a Associação Arte Cidadã, na cidade de
Santo Antônio do Leverger-MT. A partir deste convênio, foi possível levar até a comunidade
aulas de música no formato de aulas de instrumentos musicais, sendo aqui clarineta, violino e
viola, além do trabalho com canto coral que a Associação já vinha realizando com crianças e
adolescentes em suas dependências desde 2003.

2. A Associação Arte Cidadã e a parceria com o Departamento de Artes da UFMT


A Associação Arte Cidadã localiza-se na cidade de Santo Antônio do Leverger, região
metropolitana de Cuiabá-MT, com uma população aproximada de 16.800 habitantes. A
Associação foi idealizada e segue sendo coordenada por Jeferson Gonçalo Ribeiro e
Maguidalena Silva Ribeiro, ambos professores de Artes da Rede Estadual de Ensino, com
formação em Licenciatura em Música também pela UFMT. Atende desde 2003, de forma
gratuita e direta, aproximadamente 200 crianças e adolescentes do município e se mantém
através de parcerias e do trabalho de voluntários e colabores da cidade, entre pais, alunos,
familiares e comunidade em geral.
O relato de experiência aqui descrito narra algumas das atividades realizadas pelo
projeto de extensão proposto pelos professores Vinícius de Sousa Fraga e Keroll Weidner,
autores desse relato e respectivamente então professores de clarineta e professora substituta
do Departamento de Artes da UFMT, além do professor Oliver Yatsugafu, professor de
violino daquela instituição. A parceria aconteceu durante os anos de 2014 e 2015, com
encontros semanais em aulas coletivas e individuais.
Procurando conectar-se à realidade do projeto, as aulas aconteciam todos os sábados
durante o dia e, em seu primeiro ano, o local utilizado era a própria casa dos coordenadores da
Associação e de vizinhos, uma vez que ela não possui sede própria. Para o segundo ano,
conseguiu-se uma parceria com as escolas estaduais localizadas na cidade, sendo possível
utilizar as salas de aula para os encontros. Com isso, obteve-se uma estrutura com mais
espaço e climatização disponíveis, uma vez que o Mato Grosso é um estado com temperaturas
médias muito altas, que impactam diretamente no rendimento dos alunos em aula. Através de
campanhas de doação, contatos com pessoas interessadas em ajudar e arrecadação de fundos
para investimento em material didático, a Associação adquiriu uma quantidade de
instrumentos suficientes para iniciar o projeto. Tinha-se um total de 20 violinos (entre
violinos inteiros, ¾ e ½), 3 violas e 12 clarinetas disponíveis para as aulas.

109
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

3. A dinâmica das aulas


3.1 Aulas coletivas de Violino e Viola
As aulas de violino e viola eram ministradas por professores do Departamento de
Artes da UFMT, além de contar com alunos bolsistas do departamento. Os critérios para a
organização das turmas foram idade e os conhecimentos prévios em música, considerando
que alunos mais velhos já cantavam nos corais há algum tempo e já possuíam alguma
iniciação musical na flauta doce. Alunos iniciantes nos instrumentos permaneceram em aulas
coletivas com duração de uma hora, e alunos maiores e já com algum conhecimento musical
iniciaram diretamente com aulas individuais, tendo uma aula coletiva incluída nos horários do
dia. Além das aulas de instrumento, uma pequena Camerata de Cordas também foi criada com
os alunos que já tinham alguma leitura de partitura.
No tocante às aulas coletivas ministradas pela autora com alunos iniciantes de violino
e viola, foi fundamental compreender a heterogeneidade entre os alunos e as turmas, somada
às carências da Associação quanto a espaço físico e materiais didáticos disponíveis. Sendo
assim, optou-se pedagogicamente por uma linha de trabalho também aberta e dinâmica,
dentro da qual não foram utilizados métodos de estudo absolutos, mas sim, práticas
pedagógicas livres que contemplassem elementos fundamentais do estudo do instrumento
como postura, sonoridade, afinação e que estivessem aliados ao repertório acessível,
valorizando os alunos e seu envolvimento individual e coletivo. Eles foram organizados em
duas turmas de violino, sendo uma com cinco crianças (de sete a nove anos), uma com seis
crianças (de nove a treze anos), e ainda uma turma de viola com três alunas (de dezesseis e
dezessete anos).
Um dos materiais utilizados como referência para estabelecer os conteúdos iniciais das
aulas foi o livro Iniciando Cordas através do Folclore, Vol. I (KRUGER, 1991). O material é
pensado para alunos iniciantes no estudo coletivo de instrumentos de cordas (violino, viola e
violoncelo) e tem como repertório base canções folclóricas brasileiras. Inicia as primeiras
atividades em pizzicato e cordas soltas, o que facilita muito a introdução dos elementos de
postura do instrumento de uma maneira mais interessante e já musical. Isso se deve ao fato
que a junção das mãos direita e esquerda dos instrumentos de corda é sempre desafiadora,
pois exige independência e uma coordenação motora fina, que para os alunos iniciantes é
ainda muito complexa.
Após as aulas iniciais de reconhecimento e compreensão da postura dos instrumentos
com as cordas soltas, introduziu-se paralelamente a posição da mão esquerda e a colocação
dos dedos no instrumento. Com isso, foram sendo incluídas no repertório as músicas do Livro

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

I para Violino e Viola de Schinischi Suzuki (1983). É importante destacar aqui que não foi
aplicado o método e nem a filosofia Suzuki de maneira integral, considerando que isso
incluiria uma série de elementos fundamentais, como a audição das gravações das músicas
dos métodos, a participação ativa dos pais nas aulas e no acompanhamento dos alunos em
seus estudos diários (SUZUKI, 1983), o que se mostrou inviável durante o desenvolvimento
do projeto. Sendo assim, ressaltamos que os livros eram utilizados apenas como referências
para o repertório dos alunos, uma vez que as músicas são pensadas e organizadas por grau de
dificuldade. A introdução da mão direita se deu de maneira muito semelhante à mão esquerda,
iniciando com a postura e colocação dos dedos no arco, postura do braço e arco no
instrumento, ativação e projeção do som nas cordas soltas e por último a junção das mãos
esquerda e direita.
Além dos materiais citados acima, outros conteúdos de leitura musical foram sendo
incluídos aos poucos, bem como a continuidade de elementos fundamentais para o estudo dos
instrumentos como escalas maiores de uma oitava. Também foram utilizadas práticas
pedagógicas que envolveram a voz, movimentos corporais, sensoriais, percepção rítmica e
auditiva, coordenação e motricidade fina tendo como referências outras pedagogias da
educação musical como Orff, Dalcroze e Kodaly.
A dinâmica das aulas coletivas se ajustou muito bem à realidade do projeto, uma vez
que as crianças se sentiam motivadas e animadas com o compartilhamento de conhecimento,
de dificuldades e de conquistas junto com seus colegas. Eram, sobretudo, amigos de escola e
se viam todos os dias tanto em sala de aula como nas atividades da Associação, o que
desenvolveu cumplicidade e parceria entre todos se sobrepondo a muitas dificuldades
enfrentadas em suas realidades sociais. Por outro lado, a dificuldade inerente ao aprendizado
dos instrumentos de corda foi um obstáculo no desenvolvimento artístico musical dos alunos.
A falta de participação dos pais e familiares, tanto na rotina de estudos em casa quanto no
acompanhamento das aulas, indicou uma compreensão limitada sobre os processos e
vivências musicais tão necessárias aos objetivos educacionais do Projeto.

3.2 As aulas coletivas de Clarineta


As aulas coletivas de clarineta na comunidade iniciaram em março de 2015, sendo
realizadas durante praticamente todo o semestre seguinte em uma casa de família gentilmente
cedida por uma moradora vizinha. Os encontros ocorriam semanalmente aos sábados, com
duração de uma hora e meia e contavam com a presença do autor e professor de clarineta e
uma monitora, aluna do bacharelado em clarineta da UFMT.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A literatura utilizada nesse primeiro momento foi o método Da Capo (BARBOSA,


2004) para clarineta do Professor Dr. Joel Barbosa da UFBA, incluso aí também a versão Da
Capo Criatividade. O autor já havia tido contato com o método durante o período em que foi
aluno de pós-graduação em música da UFBA, estando sob orientação direta de Joel Barbosa.
Esse contato por seis anos permitiu uma melhor compreensão da aplicabilidade do método,
das dinâmicas envolvidas nas aulas e das estratégias e possibilidades de adequação a cada
grupo. Assim, e sendo o método o único de ensino coletivo conhecido para clarineta no Brasil
até recentemente, a escolha foi uma opção natural.
Como se sabe, o método propõe o ensino conjunto de aspectos práticos e gramaticais
da música, sempre os correlacionando em cada lição. Uma das temáticas centrais da proposta
de Barbosa é que se faça música desde a primeira lição, e desde a primeira nota. Além disso,
há uma ênfase em aspectos criativos do aprendizado, estimulando a improvisação, a escuta e a
imitação, mas também a criação e a composição. Outra característica importante desse
método é a utilização do cancioneiro popular e folclórico da música brasileira, pensado como
forma de familiarizar o aluno com o fazer musical ali realizado e como forma de diminuir o
estranhamento inicial com o aprendizado de um novo instrumento.
As aulas seguiram a cronologia das lições do método, uma vez que se julgou oportuna
e bem fundamentada. Assim, cada aula obedecia, em ordem, proposta e estrutura, ao exposto
na lição correspondente. Inclua-se nesse ponto que a improvisação e a criação são elementos
intrínsecos ao método e, como tal, eram realizados de forma bastante livre, ainda que sob
determinados parâmetros. Os alunos dessa turma de clarinetistas eram em total de doze
crianças, com idades variando de sete a treze anos de idade. Em geral, todos já se conheciam
por conta da atuação junto ao coral da Associação ou de conviverem em escolas da cidade.
Ressalte-se que nenhum dos alunos tinha tido experiência prévia com clarineta anteriormente.
No decorrer das aulas, os pontos fortes da proposta de Barbosa foram rapidamente
percebidos e assimilados pelos alunos; notou-se que os alunos sentiam maior facilidade
técnica ao reconhecerem de que música se tratava. Além disso, a inserção em grupo permitia
a todos os alunos uma atitude mais descontraída, uma vez que sentiam menos a exposição que
as aulas individuais naquele contexto poderiam provocar. Ruídos não intencionais que
eventualmente ocorriam sempre foram tratados pelo autor como parte integrante da técnica do
instrumento, como de fato o são. Assim, os alunos aprenderam a relativizar mais e serem
tolerantes consigo quando o comportamento do instrumento não tinha os resultados previstos
por eles na realização musical.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

O fator de socialização nas aulas foi muito importante. As dinâmicas propostas


traziam consigo diálogos sobre a construção do coletivo através do respeito à individualidade,
e o comportamento inicial de alguns deles de repreender o erro do outro rapidamente deixou
de ser uma prática. Sobretudo nas apresentações de final de semestre, ficou evidente que a
necessidade do outro era fundamental para a prática de cada um.
No semestre seguinte, as aulas de clarineta passaram a ser também na residência dos
fundadores da Associação, em paralelo às atividades realizadas com o ensino coletivo de
cordas que já ocorria lá. Como já relatado, as dificuldades de espaço físico levaram os
professores a proporem e conseguir a concessão para utilização do espaço de uma escola
estadual próxima para a realização das aulas no ano consecutivo. Com o fim do primeiro ano,
também as atividades do método Da Capo terminaram e a carência de materiais didáticos que
deem seguimento às propostas da primeira formação desse método se mostrou presente.
Tentou-se remediar isso com arranjos escritos especialmente para o grupo de clarinetas então
consolidado por cinco crianças. Nesses arranjos, as temáticas de música popular eram
mantidas, e os aspectos referentes aos desafios técnicos para cada integrante, eram pensados
de forma individual.
Algumas dificuldades específicas foram sentidas durante a realização do projeto. A
clarineta não é um instrumento aconselhado para crianças muito pequenas em função da
estrutura física mínima para suportar o peso do instrumento na mão direita e da distância
necessária dessa mão em relação ao corpo para que o ângulo da boquilha na boca seja
confortável (TOSSINI, 2014, p. 86). Alunos muito pequenos sentiam essa dificuldade,
remediada em parte com a maior utilização da mão esquerda superior e do apoio do
instrumento no joelho dos alunos em questão. A proposta de trabalhar a flauta doce como
precursora do aprendizado desses alunos iniciantes menores foi mal recebida, e alguns deles
acabaram desistindo quando a possibilidade de serem alocados em outro instrumento se
materializou.
Apesar disso, o projeto revelou-se bem-sucedido e permitiu a pelo menos duas alunas
o ingresso em curso de música universitário, e a tantos outros uma vivência musical criativa e
instigante, ainda que por um espaço de tempo relativamente curto. O projeto ainda seguiu
durante um ano de forma relativamente estável com a participação de alunos da graduação em
clarineta.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

4. Desafios e considerações finais


O projeto rendeu apresentações em diversos locais da cidade de Santo Antônio e
Cuiabá, na UFMT em diferentes locais e mesmo no Teatro da Universidade em um evento de
mostra das atividades do Departamento de Artes realizado durante uma semana inteira, além
de abrir caminhos para que alguns dos estudantes pudessem cursar a graduação em música.
No entanto, embora as atividades propostas tenham revelado claramente uma estratégia
pedagógica acertada ao considerar o universo dos alunos envolvidos e uma abordagem a mais
inclusiva possível, ela não passou imune a problemas. O fator social do projeto revelou seus
dilemas durante todo o percurso das aulas.
Muitos dos alunos eram oriundos de famílias de baixa renda e tinham pouco acesso a
outras atividades educacionais e culturais. E como ocorre frequentemente nesses casos, eles
não percebiam ou sentiam a necessidade das atividades desenvolvidas no projeto. Assim,
alguns deles faltavam às aulas porque os pais haviam lhes designado outras tarefas, saíam
com os filhos para lugares próximos ou simplesmente esqueciam de enviá-los. Salvo
importantes exceções, as atividades não eram encaradas como um projeto educacional
essencial na construção do caráter e da melhoria de vida, mas meramente uma atividade
recreativa.
Além disso, dilemas familiares somados a crianças com uma educação excessivamente
rígida eram constantemente percebidos nas aulas. A materialização disso se manifestava
através de crianças com dificuldade de concentração, ansiedade excessiva, dificuldades em se
expressarem, de respeito ao outro e a si mesmo. Não raro, esses fatores impactavam
decisivamente o andamento das aulas, fazendo com que as estratégias educacionais e as metas
de ensino efetivo tivessem de ser constantemente revistas e relativizadas em função do caráter
social do projeto.
É sempre um grande desafio em um contexto de vulnerabilidade social, e quando se
propõe um projeto social através da música, encontrar o equilíbrio entre os elementos e
conteúdos musicais necessários para o trabalho e as adversidades que se apresentam com a
realidade dos alunos (PENNA, 2012, p. 65). A falta de pais presentes em suas rotinas de
estudo, famílias desestruturadas e com falta de necessidades básicas como saúde e comida
afetam diretamente o trabalho educacional.
Além disso, a realidade de projetos sociais em locais de maior fragilidade como esse
exigem uma ação coordenada entre diversos atores e representantes. Os autores constataram
que a mera presença de educadores musicais não foi suficiente para as demandas impostas
pela situação e contexto da região. É comum ouvir relatos em que a ação de educar

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

musicalmente parece ser uma forma de contornar os problemas vividos por um dado contexto
ou local, e isso é em grande parte realidade. Mas o professor de instrumento atuando sozinho
num local com tantas carências é exigir demais desse profissional e essa foi a percepção dos
autores.
Não obstante as dificuldades encontradas, e apesar disso tudo, o projeto teve êxitos
memoráveis, a maior parte deles perceptíveis apenas para os que acompanharam o seu
desenvolvimento. Crianças e adolescentes aparentemente apáticos no início se demonstraram
bastante comunicativos, e acabaram por sugerir músicas, alguns tirando-as de ouvido e
apresentando em público. Outros se descobriram em sua afetividade e sensibilidade. E apesar
do projeto ter sido descontinuado, muitos desses alunos seguem estudando com outros
professores em outros locais, alguns fazendo a graduação em música. E a sensação que ficou
em todos, nos comentários que os autores receberam e recebem, foi de um trabalho que ficou
na memória afetiva de pais e alunos e é ternamente lembrado por todos.

Referências

ALVES, N.A; VIEIRA, M.H. & SERRANO, A.M. Educação Musical na Intervenção
Precoce. In: Revista Inclusão, Nº10, 2010, pp. 29-38.

BARBOSA, Joel. Da Capo: Método elementar para o ensino coletivo e/ou individual de
instrumentos de banda. Jundiaí: Keyboard Editora Musical, 2004.

BOAL-PALHEIROS, G. A importância da música no desenvolvimento e na educação das


crianças. In: J.D.L. Pereira, M.F. Vieites & M.S. Lopes (Coord.), As Artes na Educação,
2014, pp. 207-221.

ILARI, B. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a


educação musical. In: Revista da ABEM, Nº11, v. 9, 2003, pp 7-16.

KLEBER, Magali. Música e Projetos Sociais. In: Carneiro, J. (ed.). Música, Educação e
Projetos Sociais. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2014, 27-51.

PENNA, Maura. Educação Musical com Função Social: Qualquer prática vale? Revista
ABEM, Londrina, v. 20, n. 27, 65-78, 2012.

SUZUKI, Schinichi. Educação é amor: o método clássico da Educação do talento. 3ª ed. Santa
Maria/RS: Gráfica Editora Pallotti, 2008.

TOSSINI, Rosa Barros. Aprender Improvisando: O papel da Improvisação na Aprendizagem


da Clarineta com Crianças entre 6 e 11 anos. Dissertação de Mestrado. Brasília: UnB. 2014.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Ensino coletivo de música: no sopro da flauta doce

Analice Marques Braga de Oliveira


PROFARTES – Mestrado Profissional em Artes – UFBA
emvillalobos@tdf.com.br

Resumo: Este relato de experiência se propõe a apresentar uma proposta teórico-prática identificando
as contribuições do ensino de música, desenvolvido no componente curricular Artes, através do ensino
coletivo de um instrumento musical: a flauta doce, no processo de ensino e aprendizagem de jovens no
período escolar matutino no Ensino Médio. A experiência que visou também a democratização do
ensino de música se fundamentou em considerações de alguns autores da área, e tem apresentado
resultados bastante satisfatórios.

Palavras-chave: Ensino coletivo. Democratização da música. Flauta doce.

1. Por que o ensino de música para todos?


Do ponto de vista educacional, a música constitui-se como elemento importante para
trabalhar as percepções necessárias à aprendizagem, já que ela acompanha o homem desde
sua idade fetal até a sua morte, pois, em geral, a receptividade à música é um fenômeno
corporal, já que “música é, antes de mais nada, movimento” (MORAES, 1986, p.7). A música
é constituída de elementos estruturados de forma peculiar: o som, o ritmo, o tempo, o timbre,
a melodia e a harmonia, que juntos operam na esfera emocional numa alta voltagem, seja
desenvolvendo sua sensibilidade esteticamente, seja no físico como motricidade, seja no
sensorial, prazer-desprazer, englobando os sentidos, a sensibilidade e a inteligência para que o
ser humano através da música se torne capaz de entender a “estética na beleza, a ética no bem
e a verdade na metafísica, considerando que os princípios vitais da Música estão dentro do ser
humano” (WILLEMS apud ROCHA, 1990, p.23) sinalizando assim para a importância da
música e do seu ensino para os indivíduos. E esse entendimento foi se consolidando ao longo
dos tempos.
Um dos objetivos do ensino de música na Educação Básica não é de se formar
músicos, mas sim de formar bons ouvintes, que tenham noções daquilo que constitui a música
(harmonia, melodia e ritmo), aliado aos inúmeros benefícios que a mesma traz ao indivíduo,
tanto para o corpo como para a mente, contribuindo para o desenvolvimento humano, na
concentração, cognição, percepção, sensibilidade, e que podem ser utilizados em prol da
sociedade. A música na escola deve ser para todos, sem distinção, assim como as demais
disciplinas da Educação Básica, possibilitando, através das aulas, que o estudante seja
treinado auditivamente, identificando as propriedades do som, através da escuta crítica: não

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XIII Encontro de Educação Musical
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apenas ouvindo a música, mas sim identificando os elementos que a compõem e avaliando
aquilo que se ouve, independentemente do gosto.
Muitos autores da área acreditam e defendem que todos devam ter acesso ao fazer e ao
conhecer musical na escola (FIGUEIREDO, 2011; PENNA, 2008; QUEIROZ, 2009); e
argumentam de maneira especifica o que deve ser contemplado como conteúdo de música na
escola:
“(...) entre outras coisas, auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de
apropriação, transmissão e criação de práticas músico-culturais como parte da
construção da cidadania” (HENTSCHE e DEL BEM, 200, p.181)
“a educação musical deve ampliar o universo musical do estudante através da
democratização no acesso à arte e à cultura” (PENNA, 2008)
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da área de Arte, especificamente para a
proposta para música, um dos blocos de conteúdos denominado Apreciação significativa em
Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical, contempla que pode-se
trabalhar essa apreciação significativa a partir do ensino coletivo de um instrumento. Sobre o
ensino coletivo de instrumentos, autores como Flávia Maria Cruvinel, Ana Cristina Tourinho,
Joel Barbosa e outros legitimam este método de ensino através de suas publicações e afirmam
que o mesmo poderá possibilitar a democratização do ensino de música.

2. Proposta pedagógica: ensino coletivo de flauta doce


A presente proposta surgiu a partir de questionamentos de como desenvolver e
democratizar o ensino de música na escola. Assim, a pesquisa experimental realizada no
Colégio Estadual Democrático Ruy Barbosa – CEDERB, na cidade de Teixeira de Freitas -
BA, com estudantes do 1º ano do Ensino Médio, foi uma tentativa de desenvolver
conhecimentos musicais dos discentes, além de democratizar o ensino de música no Ensino
Médio, através da flauta doce, para nos anos posteriores implementar em toda a série inicial
do Ensino Médio. A comunidade discente do CEDERB vivenciava a música através do
Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) com oficinas extracurriculares de flauta doce,
canto coral e conjunto instrumental, com aulas no contraturno, e participava de eventos dentro
e fora da comunidade escolar, desde o primeiro semestre de 2014, quando foi implantado na
escola tal programa.
Infelizmente no ano de 2019 a Secretaria Estadual de Educação do estado da Bahia
suspendeu em todas as escolas da Rede a adesão ao ProEMI, interrompendo todas as
atividades extracurriculares, que aconteciam em nossa comunidade escolar. Assim, para dar

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

continuidade e contemplar o ensino de música na unidade escolar, foi pensado o ensino de


flauta doce em turmas do Ensino Médio. Dessa forma, inspirada nas argumentações de
Figueiredo, 2011; Penna, 2008; Queiroz, 2009; a presente investigação se debruçou na
seguinte questão: como desenvolver o ensino de música no CEDERB, em especial a flauta
doce, que anteriormente era oferecido por meio de um projeto extracurricular para um grupo
menor, durante as aulas, fazendo parte da grade complementar da disciplina Artes.
Como a escola possui uma sala de música montada, onde aconteciam as Oficinas
Musicais do ProEMI, em especial a de flauta doce, foram selecionadas duas turmas, entre as
sete turmas existentes de 1º Ano do Ensino Médio , o turno matutino, o Colégio CEDERB,
para a realização da pesquisa

3. A experiência
Após selecionar duas turmas para realizar a pesquisa, iniciamos as atividades
musicais, durante as duas aulas semanais, dentro da grade curricular do componente Artes,
levando em consideração algumas questões-problema que conduziram o processo de
planejamento, implementação e avaliação do ensino coletivo da flauta doce: 1) Que recursos
ou ferramentas devem ser utilizados na estrutura desse planejamento, de maneira a favorecer
interações entre professora e alunos, considerando as possibilidades do contexto em estudo?
2) Como estruturar o planejamento no sentido de favorecer a autonomia dos alunos,
promovendo um nível satisfatório de diálogo e outras interações como o uso das TIC’s através
do Google Sala de Aula 1 (principalmente com postagens de arquivos de áudio e vídeo
contendo partes da aula e performance musical) para o contexto em que se trabalha? 3) De
que maneira trabalhar com o aluno(a) que não se sentir atraído ou com habilidade para
executar a flauta doce, sem atrapalhar o grupo envolvido neste processo? 4) Qual a melhor
metodologia para iniciar este estudo coletivo da flauta doce com alunos que desconhecem
tanto o instrumento como a grafia musical? Tais questões nortearam a presente pesquisa, que
visa adaptar o ensino coletivo da flauta doce, na série inicial do Ensino Médio, como uma
proposta de conteúdo a ser trabalhado no componente curricular Artes, atendendo a
especificidade Música.
A flauta doce é um instrumento muito utilizado para musicalização em contextos
escolares e não escolares, sendo considerada como um “instrumento musical facilmente
adaptável a projetos de introdução à leitura e à grafia musical” (CUERVO, 2009, p. 24). A
utilização da flauta doce na musicalização e nas experiências musicais configura-se como um

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

“abrir caminhos de exploração e criação, quebrar pré-conceitos, valorizar as preferências


musicais dos alunos, sem deixar de ampliá-las” (CUERVO e PEDRINI, 2010, p. 53).
E foi pensando em oportunizar uma maneira para que os alunos do 1º ano do Ensino
Médio pudessem ter uma vivência musical através da linguagem musical, que escolhi a flauta
doce para desenvolver a pesquisa que teve com objetivos:
1. Aguçar e educar a percepção auditiva dos alunos;
2. Proporcionar vivência e aquisição em música, de forma auditiva, expressiva e motora;
3. Despertar o interesse pela iniciação à música;
4. Trabalhar a pluralidade cultural;
5. Conscientizar o flautista da sua importância e responsabilidade dentro do grupo;
6. Desenvolver técnicas e exercícios de respiração, postura, concentração, memória,
exercícios rítmicos corporais, entre outros.
As aulas foram planejadas com atividades lúdicas para trabalhar a postura, a
respiração e a articulação adequadas para tocar o instrumento, e, para que os alunos
começassem a aprender as posições de notas e a leitura inicial dessas notas, utilizamos a pauta
progressiva2 (figura abaixo), através de um trabalho com músicas contendo inicialmente as
notas musicais: Si, Lá e Sol.

Figura 1: Boa tarde, meus meninos * Caderno de flauta doce soprano – Yamaha Sopro Novo
A canção acima foi reescrita usando a pauta progressiva, onde vai se acrescentando as linhas à medida que se
trabalha a digitação nas notas.

O trabalho realizado com a flauta doce foi muito interessante: inicialmente ao explanar
como seria a experiência, houve certa rejeição de alguns alunos, que na medida em que os
demais colegas iam conseguindo melhorar o sopro e tocar as primeiras canções apresentadas,
passaram a pedir para tocar também. Mas como toda regra tem exceção, nem todos se
sentiram confortáveis ou entusiasmados “em tocar” e para que estes cinco alunos (2 no 1º Ano
E e 3 no 1º Ano D) não ficassem totalmente de fora da experiência, na segunda aula foi
combinado de que a participação deles seria de observadores(as) e ao término de cada aula
deveriam entregar um relatório com todas as ações realizadas. Este relatório foi e tem sido

119
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

muito importante, pois funciona como um parâmetro que avalia o desempenho da turma,
através de “outros olhares”, que significativamente vão relatando os avanços da turma.
Após pesquisar muito qual metodologia mais adequada para realizar a pesquisa com
êxito, fiz a opção pela “posição aberta” - metodologia em que fui iniciada na flauta doce ainda
na adolescência - iniciando pela nota SI. Muitos autores defendem como melhor a
metodologia considerada “posição fechada”, que começa com a nota RÉ, utilizando ambas as
mãos. No caso da pesquisa, na qual utilizamos a pauta progressiva que torna mais simples a
aquisição do conhecimento musical, já teríamos que usar a pauta convencional, caso fosse
escolhida esta posição. Nos primeiros momentos, não houve preocupação com a grafia e sim
com a produção do som, com o equilíbrio do instrumento e com o movimento das mãos e
dedos no instrumento, para estabelecer o uso da “posição aberta” na condução da nossa
proposta.
Ao analisar os resultados obtidos nas primeiras aulas, observamos que a maioria dos
alunos teve certa facilidade para a execução das notas Sol, Lá e Si. E foi importante criar um
vínculo a um conhecimento prévio para dar significado à nova informação, pois “é a partir do
que o aluno já aprendeu que todas as experiências acontecerão e todas as aprendizagens
propostas pelo professor poderão ser adquiridas” (LINS, 2004, p. 632).
Para desenvolvimento da pesquisa foram utilizadas canções do método “Aprendendo a
Ler Música”, de autoria de Cristal Velloso e que faz parte do programa Sopro Novo da
Yamaha Musical do Brasil, editado em 2006. Trabalhamos muitas canções pequenas
utilizando apenas as três notas, sempre filmando as aulas e enviando para todos os alunos
através da Google Sala de Aula, para que pudessem verificar os avanços realizados, e registrar
seu posicionamento, trocando informações na nossa sala de aula virtual, e levando em
consideração sempre a proposta da técnica de trabalho que:
[...] consiste em fazer com que todos participem todo o tempo da aula. Assim, no
início de cada encontro existe uma parte de aquecimento, sempre feita de forma
coletiva. Procura-se estabelecer uma ligação muito estreita entre a técnica trabalhada
e o repertório que está sendo estudado, com exercícios que envolvem revisão do
conteúdo aprendido na semana anterior (TOURINHO, 1995, p.45).

120
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Figura 2: Salas de Aula virtual – cada aluno recebe, em seu email institucional, um código para acessar a sala
virtual e poder realizar todas as atividades postadas.

Os alunos também prepararam um portfólio contendo algumas informações básicas


sobre a flauta doce: sua história através dos tempos, sua família, a diferença entre a flauta
doce barroca e germânica, as partes que a compõem, dicas de uso e manutenção, postura
correta para tocá-la, conhecimentos básicos de música: figuras, pausa, pauta, pauta
progressiva, digitação das notas Sol, Lá e Si com a respectiva relação das notas na pauta
progressiva. Selecionamos quatro canções do repertório em que eles deveriam desenhar a
pauta progressiva e grafar as notas corretamente: “A ovelha de Maria”, “Con mi martilo”,
“Clarão da Lua” e “Boa tarde, meus meninos”. Cada canção também deveria ser ilustrada
com um desenho; e para concluir o portfólio os alunos deveriam descrever como foi a
experiência de tocar e/ou observar e relatar (mesmos os alunos relatores tiveram que produzir
o portfólio). Os portfólios, em sua grande maioria, ficaram excelentes, assim como o sopro
que a cada dia tem ficado melhor, mais suave e preciso.

4. Considerações finais
Conforme as semanas foram se passando, o estudo se apresentou de maneira
progressiva e contínua e os alunos com curiosidade aguçada e vontade de ultrapassar os
limites. Observamos que vários se lançam ao desafio de tocar a música proposta de forma
integral, e o que mais chamou a atenção foi o crescente entusiasmo dos alunos diante do
progresso alcançado, bem como o domínio das habilidades motoras, em sala de aula e na sala
de aula virtual, ao assistirem os vídeos postados, sugerindo modificações, elogiando os
colegas, deixando suas impressões sobre o processo .

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A experiência foi extremamente positiva, pois mostrou desenvolvimento real e


significativo e surpreendeu as demais salas de 1ºs anos, quando ao término do ano letivo de
2019, os dois grupos se apresentaram com excelente desenvoltura. Verificamos que, através
da experiência, os alunos aderiram ao fazer musical sem preconceitos e se envolveram com as
atividades musicais propostas ouvindo ativamente e refletidamente, executando de maneira
consciente e que ao mesmo tempo lhe proporcionasse prazer em tocar, em fazer música e ser
agente de transformação através da música.
A linguagem musical proporcionou aos alunos oportunidades de se reintegrarem e
restabelecerem consigo próprios e com os outros, auxiliando-os no desenvolvimento físico-
motor (através do ritmo), emocional (através da melodia) e intelectual (através da harmonia);
além de trabalhar a criatividade, disciplina e principalmente a coletividade, reforçando o
pensamento que “não é possível considerar a música como uma coisa a parte e um fator
estranho a coletividade, uma vez que ela é um fenômeno vivo da criação de um povo”.
(VILLA-LOBOS, 1991, p.7)

Referências
BRASIL. Lei n. 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do
ensino da música na educação básica. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília,
DF 19 ago. 2008. Seção 1, p. 1.

BRASIL, Ministério da Educação e Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino


Médio : Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Programa Ensino Médio Inovador: Documento


Orientador. Brasília: MEC, 2009.

CUERVO, L.; PEDRINI, J. Flauteando e Criando: experiências e reflexões sobre criatividade


na aula de música. Música na Educação Básica, v. 2, p. 48-61, 2010.

FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. Educação Musical Escolar. Introdução. Salto para
o futuro. Educação musical escolar. Ano XXI Boletim 08. Jun. 2011.

HENTSCHKE, L. DEL BEN, L. (Orgs.) Ensino de música: propostas para pensar e agir em
sala de aula. São Paulo: Ed. Moderna.

JEANDOT. Nicole. Explorando o Universo da Música. São Paulo: Scipione, 1990.

LINS, M.J.S.C. Avaliando o processo de aprendizagem. Revista Ensaio. Rio de Janeiro, v.12,
n.42, p.623 – 636, 2004.

MORAES, J. Jota de. O que é Música? Editora Brasiliense- 6ª edição, l989.

122
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

PENNA, M. Música(s) e seu Ensino. Porto Alegre: Sulina, 2008.

QUEIROZ, Luis Ricardo. Música nas escolas: uma análise do Projeto de Resolução das
Diretrizes Nacionais para operacionalização do ensino de Música na Educação Básica.
ABEM- Associação Brasileira de Educação Musical, 2014. Disponível em:
<http://abemeducacaomusical.com.br>.

ROCHA, Carmem M. Mettig. Educação Musical – Método Willems. Salvador. Faculdade de


Educação da Bahia, 1990.

TOURINHO, Ana Cristina G. S. A Motivação e o Desempenho Escolar na Aula de Violão em


Grupo: influência do Repertório de Interesse do Aluno. Dissertação de Mestrado,
Universidade Federal da Bahia, 1995.

______. Ensino coletivo de instrumentos musicais: crenças, mitos, princípios e um pouco de


história. Trabalho apresentado no XVI ENCONTRO NACIONAL DA ABEM e
CONGRESSO REGIONAL DA ISME, América Latina, 2007.

VILLA-LOBOS. Educação Musical. Presença de Villa-Lobos, volume 13. Rio de Janeiro.


Museu Villa-Lobos, 1991

YAMAHA, Sopro Novo. Caderno de flauta doce soprano. Rio de Janeiro: Irmãos Vitale,
2006

Anexos

Figura 3: Alunos do 1º Ano D e E do Colégio XXX navegando no Google Sala de Aula: ferramenta que foi
amplamente usada durante a pesquisa.

Figura 4: Alunos do 1º Ano E e 1º Ano D executando a flauta doce.

Notas

1
Ferramenta que permite criar um ambiente/sala virtual onde o professor possa compartilhar com os alunos
materiais, bem como criar e receber tarefas e trocar informações através de e-mail e mensagens instantâneas,
através de um e-mail criado pela SEC/BA e designado para cada aluno.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2
Pauta progressiva é uma forma alternativa para introduzir a escrita musical através da progressão das linhas,
iniciando com uma linha e processualmente vai acrescentando linhas horizontais até chegar a pauta convencional
com 5 linhas e quatro espaços.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Estratégias de ensino coletivo de violão em um projeto social, com base na pedagogia


dalcrozeana

Ms. Natália Búrigo Severino


UFScar
nataliabseverino@gmail.com

Adriana Gasparetto Martelli


UFSCar
adrianamartelli@gmail.com

Resumo: O presente artigo visa abordar a metodologia do educador musical Émile Jaques-Dalcroze
como estratégia de ensino em aulas coletivas de violão, tendo como material musical norteador a peça
Dona Maria (Região de Sobradinho – BA). É uma pesquisa-ação, cuja pesquisa in loco foi estruturada
em um planejamento de oito aulas, em que foram realizadas atividades musicais e corporais, cujo
objetivo é a compreensão do discurso musical e apresentar a importância do corpo no processo ensino-
aprendizagem, buscando o aprendizado ativo e global do indivíduo. Através dos resultados
apresentados, pudemos constatar uma assimilação efetiva dos conceitos musicais aprendidos nas
vivências musicais, na composição coletiva de um arranjo e na performance.

Palavras-chave: Educação musical. Émile Jaques-Dalcroze. Ensino coletivo. Violão. Projeto social.

1. Introdução
Partindo da premissa de que o aluno é um ser ativo no processo de ensino-
aprendizagem, ele deve construir seu próprio conhecimento, mediado pelo professor, em
busca de sua autonomia e independência. Esta concepção justifica uma educação musical
contrária a uma prática pedagógica tecnicista, que neste âmbito técnico, se dá de maneira
teórica, sendo construída de fora para dentro, sendo que o aluno – agente passivo – é
primeiramente apresentado a conceitos que refletem uma reprodução, na maioria das vezes,
dos saberes já construídos pelos próprios professores e não partindo das suas descobertas,
experimentos e criações devido a sua vivência musical.
Émile-Jaques Dalcroze, assim como seus contemporâneos e mais tarde educadores da
segunda geração, compreende a educação musical como a relação da vivência musical e seu
aprendizado a partir da experiência; na qual o aluno compreende, e, compreendendo,
externaliza. Seu sistema, “Rythimique” (Rítmica), condensa todo seu pensamento, baseado
em suas experiências e observações, relacionando diretamente à educação geral e fornecendo
instrumentos para o desenvolvimento integral da pessoa, por meio da música e do movimento;
desenvolvendo a escuta ativa, a voz cantada, o movimento corporal e o uso do espaço. Porém,
a Rítmica é um meio de se estabelecer compreensões e não a finalidade do método. A
finalidade da Rítmica “[...] é permitir que os alunos, ao final de seus estudos, digam não
apenas eu sei, mas eu sinto'' (JAQUES-DALCROZE, 1917, p.viii, apud MADUREIRA, 2012,
p.5).

125
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Sobre este sentir a música, Fonterrada explica:

A música não é um objeto externo, mas pertence, ao mesmo tempo, ao fora e ao


dento do corpo. O corpo expressa a música, mas também transforma-se em ouvido,
transmutando-se na própria música. No momento que isso ocorre, música e
movimento deixam de ser entidades diversas e separadas, passando a constituir, em
sua integração com homem, uma unidade (FONTERRADA, 2008, p.133).

Desta forma, compreendemos a importância do corpo no fazer musical não como


instrumento passivo que desempenha a função de execução de um instrumento ou canto, mas
sim como elemento central e ativo para a vivência musical que se reflete na excelência do
aprendizado e da performance.

2. Desenvolvimento
Dialogando com os principais educadores musicais das duas gerações, o Projeto Guri,
projeto sociocultural no qual a pesquisa foi realizada, é mantido pela Secretaria de Cultura e
Economia Criativa do Estado de São Paulo, e está estabelecida no estado há 24 anos. Oferece,
nos períodos de contra turno escolar, aulas coletivas de música para crianças e adolescentes
entre 6 e 18 anos. Especificamente, o Projeto tem como cerne da base pedagógica-musical o
teórico/educador Keith Swanwick e seu modelo CLA(S)P.
O polo de ensino escolhido para realização das atividades está localizado no município
de Brodowski, gerido pela Regional1 de Ribeirão Preto. A classe que definimos para realizar
as práticas musicais é a turma A (turma que inicia o aprendizado do instrumento) do curso de
violão, no qual sou educadora; nela estão matriculados dez 2 alunos com idades entre 9 e 13
anos.
A escolha da peça Dona Maria - inserida no livro de coletânea de canções de
Ermelinda Paz, intitulado: 500 canções brasileiras - deu-se pela necessidade de ensinar e
promover o aprendizado musical e técnico do instrumento que esta música apresenta: a leitura
musical tradicional (partitura) de melodias, fazendo com que o aluno reconheça graus
conjuntos, saltos; assim como reconhecimento e leitura de figuras rítmicas como colcheias,
pausa de colcheia, compasso acéfalo, anacruse e ligadura de duração, de maneira orgânica;
além da compreensão de pulso, compasso binário, modo mixolídio, frase musical e anacruse.
A proposta e realização das atividades musicais teve como objetivo final a leitura
musical de maneira que o aluno vivenciasse e internalizasse os conhecimentos,
proporcionando um aprendizado com consciência corporal, sem causar tensão durante o

126
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

processo e a prática, e que esses fatores proporcionassem a eles fluência no âmbito da


performance.

3. As atividades
Elencamos quatro atividades baseadas em parâmetros que achamos importantes para
proporcionar a sensibilização do indivíduo, a vivência, o entendimento e a prática musical
para a performance da peça Dona Maria. São eles: pulso, criação, aspecto modal, leitura,
tempo – contratempo e escalas – arpejos.

3.1 Bexigas: pulso


Objetivos: desenvolver consciência de pulso, realizar apreciação musical de músicas
no modo mixolídio, favorecer a concentração, estimular a consciência corporal e a
motricidade.
Conteúdos: marcação rítmica, exploração corporal, apreciação musical, força motriz.
Procedimentos metodológicos: os alunos tiveram inicialmente um momento de
apreciação musical, ouvindo a música que foi base para a atividade, Toada Desafio (Capiba).
As bexigas foram distribuídas e a música colocada pela segunda vez, orientei os alunos a
baterem nas bexigas (jogando-as para o alto) no pulso da música; para isso, precisaram, além
de ouvir a música, pensar na força que teriam que tocar na bexiga para que ela voltasse no
tempo adequado para ser impulsionada novamente para cima, no tempo da música.
O terceiro estágio foi a orientação de partes do corpo a serem tocadas na bexiga:
primeiro com as pontas dos dedos, depois mãos e braços, seguida pela cabeça e ombros. Desta
vez foi colocada a música “Baião de ninar” (Edino Krieger). Às vezes se esqueciam um pouco
do pulso pela vontade de tocar a bexiga, mas isso era totalmente normal para uma primeira
atividade como esta, pois como orienta Iramar Rodrigues, o pulso deve ser executado de
maneira orgânica, não se deve forçar a precisão rítmica, ela deve aparecer naturalmente e com
a prática, respeitando o desenvolvimento de cada aluno (RODRIGUES, s/a, p.52). Importante
observar que, mesmo sendo lúdica, a atividade tinha em um dos seus objetivos proporcionar a
escuta ativa, o que foi comprovado pelas observações dos alunos sobre a curiosidade dos
instrumentos presentes na gravação, assim como a identificação da melodia, contraponto e
ritmo.
Para finalizar, foram usadas as partes inferiores do corpo: joelhos e pés; primeiro
separado, depois misturados. No último momento os alunos puderam tocar com a bexiga
todos os membros trabalhados. É necessário lembrar que a utilização das várias partes do

127
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

corpo é uma forma de conscientização corporal. O aluno precisa compreender seu corpo,
como se movimenta, quais suas potencialidades. Segundo Rodrigues, a Rítmica tem grande
importância, pois através da música “se pode chegar à realização da tarefa mais importante na
educação musical da criança, que é sentir seu corpo” (RODRIGUES, s/a, p.49).
Para a prática no instrumento desta atividade, foi proposto que eles tocassem três
acordes que já eram de conhecimento geral. O resultado foi o esperado, eles facilmente
associaram os movimentos corporais com a mudança de pulso e o toque de polegar nos
acordes. Iramar Rodrigues nos elucida sobre a importância de o educando ter consciência de
seu corpo e do espaço que ocupa:

Se a criança é bem orientada em seu próprio corpo, e se orienta bem no espaço, terá
menos dificuldades na aprendizagem de leituras e da escrita. Alguns problemas
escolares neste sentido, são devidos, às vezes, a problemas relacionados com
percepção espacial e temporal (RODRIGUES, s/a, p.44).

3.2 Chamada musical: modo mixolídio e criação


Objetivos: tocar escala modal, aprender acidente: Si b, encontrar outros Si b nas
regiões do braço de violão, desenvolver digitação de mão esquerda, compor frase musical
utilizando a nota aprendida.
Conteúdos: notas musicais, exploração das notas no braço do violão, estímulo a
criação musical, percepção, composição coletiva.
Procedimentos metodológicos: Para esta atividade, os alunos já tinham o
conhecimento da escala de dó maior; partindo deste ponto, foi apresentada a eles a nota Si b
na terceira corda do violão. Foi proposto que eles encontrassem outros Si b nas regiões que
eles já tinham a prática da escala.
Para fixar o aprendizado e incentivar a criação musical, foi proposto que compusessem
uma frase musical curta, deveriam necessariamente usar a nota Si b, para que memorizassem
sua localização, e que a partir desta aula, seria a resposta de cada aluno na chamada no início
de cada aula. O momento de criação individual foi realizado com todos ao mesmo tempo,
assim o aluno não se sentiu constrangido em expor suas primeiras composições. Os alunos
criaram também uma frase comum para simbolizar as ausências dos alunos: tocaram o Si b
grave (na 5ª corda) no ritmo do baião. Apesar de ser uma orientação que seria dada em
seguida, a sugestão da composição desta frase veio dos próprios alunos. Nesta fase da
atividade é possível observar a criação individual e coletiva, em que os alunos precisaram
ouvir, pensar, dialogar e concordar, para definir uma única frase que todos iriam tocar.

128
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Com as frases compostas, no início de cada aula a educadora tocava uma harmonia
com o ritmo do baião fazendo a chamada dos alunos, eles ouviam o tempo musical para
iniciarem sua frase resposta. Para além da atividade de criação e de conhecimento de uma
escala modal, é possível ser explanado sobre frases pergunta-resposta, sendo a chamada
exemplo desta prática.
Sendo a improvisação um dos pilares da pedagogia de Dalcroze, ele ressalta a
importância da prática para proporcionar ao aluno “pensamentos musicais próprios”
(MARIANI, 2012, p.40).

Me parece que a faculdade de improvisar deveria ser cultivada desde o início dos
estudos musicais. Parece inútil ensinar uma técnica a alguém que não tenha o desejo
de se servir da mesma para um fim pessoal. É muito belo saber exprimir as ideias
dos outros, mas é preciso mesmo assim saber exprimir de tempos em tempos as suas
próprias ideias (DALCROZE, 1948, p.114, apud. MARIANI, 2012, p.45).

Contrária às ideias de Dalcroze, é observada no ensino tradicional de instrumento


uma prática tardia ao improviso e consequentemente à criação musical. A ideia do inventar
para as crianças soa mais natural do que improvisar, e com esta adaptação de linguagem, a
criação aconteceu naturalmente.
Foram analisadas as soluções técnicas - digitação de mão esquerda - que os
alunos deram para suas próprias criações, com o intuito de desenvolverem a autonomia nas
digitações, encontrando caminhos que estejam dentro da técnica do violão e que, ao mesmo
tempo, facilitem sua execução.

3.3 Leitura de posturas: leitura rítmica


Objetivos: iniciar e desenvolver a leitura rítmica através das leituras relativas de
posturas – pré-determinadas - para cada figura musical (mínima, semínima, colcheia e
respectivas pausas) presentes na peça a ser aprendida. Criar sequências rítmicas através destas
posturas proporcionando vivência musical para melhor assimilação do aprendizado e
apropriação dos conteúdos.
Conteúdos: marcação de pulso, leitura e escrita rítmica, mínima, pausa de mínima,
semínima, pausa de semínima, colcheia, pausa de colcheia, ligadura de valor, tempo,
contratempo, criação e coordenação motora.
Procedimentos metodológicos: Após o entendimento de pulso, é apresentada de
maneira auditiva – através do violão - a semínima; sempre com a marcação do pulso feita
pelos alunos. É pedido para alguns voluntários se posicionarem com a postura (pré-

129
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

determinada) de semínima; os alunos que restam sentados tocam a sequência de posturas.


Para simbolizar a pausa, retira-se um aluno, e o grupo de performance toca nova sequência
rítmica. Repete-se o mesmo processo com a mínima e a pausa de mínima, compreendendo
que é uma figura cuja duração são dois pulsos. Entendido isso, é sugerido inserir as colcheias
e pausas de colcheias com sua respectiva postura. Neste ponto já é possível iniciar a sequência
rítmica da música que será aprendida. Os alunos do grupo de performance fazem primeiro a
leitura cantada, marcando o pulso com palmas; depois leem no violão com uma nota definida
por eles. Os grupos de performance e de posturas se revezam durante o exercício, para que
todos possam ter a experiência das duas práticas. Ao final deste processo, é importante
mostrar a grafia de cada figura rítmica e seus respectivos nomes. Para a compreensão da
ligadura de valor, é proposto que os alunos deem as mãos, simbolizando a soma dos valores
de um e de outro.
Para uma segunda fase desta mesma atividade, mais especificamente, na aula seguinte,
é sugerido que os alunos se dividam novamente em grupos e, usando os conhecimentos
adquiridos na aula anterior, criem uma sequência rítmica para o outro grupo executar e vice-
versa. Após criarem e tocarem, os grupos escrevem na lousa a sequência rítmica que
executaram.

3.4 Enrolar - desenrolar. Salto para frente e salto para trás: arpejo e escala
Objetivos: Desenvolver a percepção musical e identificar auditivamente quando uma
sequência melódica é uma escala ou arpejo, ascendente ou descendente.
Conteúdos: escalas, arpejos, percepção musical e coordenação.
Procedimentos metodológicos: Iniciar a atividade tocando algumas vezes sequências
de arpejos e grau conjunto para que os alunos identifiquem cada uma delas auditivamente.
Propor que façam gestos com as mãos, mostrando a direção da sequência melódica,
ascendente ou descendente e se ocorreu saltos ou grau conjunto. Terceiro momento: aplicar os
movimentos para todo o corpo: ao ouvir uma sequência os alunos devem identificar a altura e
a relação intervalar (escala/arpejo). Escala descendente é representada pelo enrolar o corpo da
postura inicial para baixo, e ascendente desenrolar o corpo da postura inicial até os braços
esticarem para cima. O arpejo ascendente é representado com saltos para frente, o
descendente com saltos para trás.
Terminada atividade, pede-se para que os alunos identifiquem tocando o trecho da
música que estão aprendendo – Dona Maria -, dizendo quais trechos há arpejo e quais há
escala. Ao tocarem, chamei a atenção para o salto de cordas no violão, que normalmente

130
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

acontece quando temos a realização de arpejos. Para a última etapa, pode-se pedir aos alunos
que façam desenhos das sequências presentes na peça (de maneira gráfica, como eles
imaginam um som descendo e subindo), passando da linguagem corporal – enrolar, desenrolar
e saltos – para a linguagem gráfica; visualizando o movimento melódico que aparecerá
posteriormente, quando tiverem contato com a partitura.
Percepção não é uma atividade de fácil desempenho, mas é de grande importância para
o músico e para o estudante de música, portanto, sua prática deve ser constante, de maneira a
sensibilizar o indivíduo para a escuta. Mantovani (2009) aponta a importância da escuta e sua
externalização a partir do movimento nas práticas de Dalcroze:

Segundo Dalcroze, a educação musical deveria partir da audição, levando em


consideração que todo o corpo é passível de ouvir, externalizando, pelo movimento
corporal, os elementos musicais ouvidos e sentidos. Para ele, o movimento corporal
é imprescindível para a ampliação da consciência rítmica e dos fenômenos musicais
(MANTOVANI, 2009, p.45).

Santos, apud Mariani (2012), faz uma análise acerca das propostas pedagógicas de
Dalcroze, que nos faz refletir sobre a prática desta atividade:

Dalcroze tem como premissa a ideia de uma memória corporal, realizada por outras
partes do corpo, além do ouvido, numa espécie de sinestesia. (...) Ele traz para uma
discussão atual a transversalidade de Dalcroze numa prática “tátil-cinestésico-visual-
auditiva” (SANTOS, apud. MARIANI, 2012, p.32).

Sendo assim, percebemos que as relações feitas entre corpo e escuta auxiliaram na
memorização e na compreensão dos elementos estudados. Por meio da rítmica é possível,
então, “um refinamento dos sentidos por meio de uma escuta atenta e de atuação do corpo
como uma unidade, os quais, através da sensorialidade e da sensibilidade, conduz a uma
consciência auditiva” (MARIANI, 2012, p.29).

4. Considerações Finais
Com a prática das atividades propostas e, consequentemente, com uma aula mais
dinâmica, é possível afirmar que os alunos mostraram ser mais proativos e confiantes;
impacto positivo e elemento fundamental na busca da autonomia. É possível relacionar este
comportamento de sentirem seguros ao fato de que eles tinham certeza do que haviam
aprendido. O processo de realização do arranjo coletivo proporcionou aos alunos além de
criação, diálogo e respeito às ideias dos colegas.
Como parte do processo, para a compreensão dos elementos musicais apresentados, na
última aula foi distribuída aos alunos a partitura integral da canção Dona Maria como

131
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

proposta de uma peça desafio para tocarem e o resultado foi positivo: leram e compreenderam
o discurso musical ali apresentado. Este resultado em sala foi também observado na
performance da turma ao se apresentarem na audição de final de semestre mostrando
excelência.

Referências

FONTERRADA, Marisa Trech de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação. 2ed. - São Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.

MADUREIRA, José Rafael. A Ritmica Dalcroze e a formação de crianças musicistas: uma


experiência no Conservatório Lobo de Mesquita. Revista Multidisciplinar de Publicações
Acadêmicas Vozes dos Vales, n. 02, ano I, out. 2012. Disponível em:
<http://site.ufvjm.edu.br/revistamultidisciplinar/files/2011/09/R%C3%ADtmica-Dalcroze-e-
a-forma%C3%A7%C3%A3o-de-crian%C3%A7as-musicistas_jos%C3%A9-rafael.pdf>.
Acesso em: 11 out. 2018.

MARIANI, Silvana. Émile Jaques-Dalcroze: A música e o movimento. In: MATEIRO,


Teresa. ILARI, Beatriz. (Org). Pedagogias em educação musical. 1ª edição - Curitiba: Editora
InterSaberes (Série Educação Musical), 2012. p.25 – p.54.

MANTOVANI, Michelle. O movimento corporal na educação musical: influências de Émile


Jaques-Dalcroze. 2009. 126 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Artes, 2009. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/95169>. Acesso em: 21
abr. 2019.

PAZ, Ermelinda Azevedo. Quinhentas Canções Brasileiras. 2. ed. rev. Brasília: Musimed,
2010.

RODRIGUES. Iramar. A Rítmica de: Emile Jaques-Dalcroze. Uma educação por e para a
música. Instituto Jaques-Dalcroze – Genebra. Apostila de curso ofertado pela Universidade de
Ribeirão Preto – UNAERP. Ribeirão Preto. jun. 2018. Não publicado.
Notas

1
Regionais são unidades descentralizadas de atendimento administrativo, social e educativo-musical.
2
O número máximo permitido para matrícula de alunos em uma classe de violão é de 12 alunos.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Estudo sobre o projeto político pedagógico e o guia didático do Projeto Guri para cordas
friccionadas

Daniele Salina Gonçalves Gomes


Unicamp
daniele.salina@gmail.com

Profª Dra. Adriana do Nascimento Araújo Mendes


Unicamp
aamend65@gmail.com

Resumo: O presente trabalho é uma pesquisa documental sobre o projeto político pedagógico e o guia
didático do Projeto Guri. O Guia Didático Para Cordas Friccionadas - Guia do Educador é baseado nos
parâmetros e propósitos especificados no projeto político pedagógico de 2015/2016. Além do estudo
dos documentos citados, nos baseamos nos trabalhos de Cruvinel (2008), Tourinho (2017), Hikiji
(2006), Ying (2007) para a fundamentação teórica. Este trabalho de conclusão de curso pretende
contribuir para as pesquisas sobre ensino coletivo de cordas em projetos sociais.

Palavras-chave: Ensino coletivo. Projeto Guri. Ensino de cordas.

1. Introdução
Este artigo tem como objetivo geral estudar um material didático para o ensino
coletivo de cordas friccionadas que é oferecido em projetos sociais. Durante a nossa pesquisa
verificamos a necessidade de estudar o projeto político pedagógico da organização social
responsável pelo material a fim de compreender os parâmetros e propósitos que fundamentam
a existência tanto dos livros didáticos, quanto das aulas. Escolhemos o Projeto Guri para o
nosso estudo, pois é um projeto com mais de 20 anos de existência que atende um público
amplo, além de disponibilizar um grande acervo de informações sobre o seu funcionamento
(PPP, 2010; PROJETO GURI, 2019).
Um desses materiais é o Guia Didático Para Cordas Friccionadas - Guia do Educador,
que faz parte de uma coletânea de livros feitos exclusivamente para o Projeto Guri. De acordo
com o site do Projeto onde podem ser baixados:

Lançada em 2012, a coleção voltada para educadores, elaborada a partir das


particularidades do ensino coletivo da música, é composta por 11 livros específicos
para os cursos de baixo elétrico, bandolim, bateria, canto coral infanto-juvenil,
cavaco, guitarra, madeiras, metais, percussão, viola caipira, violão e 1 guia didático
para cordas friccionadas. Com o intuito de sistematizar e facilitar a construção e o
planejamento das aulas, distribuímos exemplares em todos os polos do Projeto Guri
no interior e litoral de São Paulo, incluindo os polos da Fundação Casa.
Considerando que os mais de mil educadores têm diferentes formações, nosso
objetivo foi equalizar e ampliar este conhecimento específico por meio dos livros
didáticos. Nossa proposta é oferecer um material adaptado ao dia a dia e ao perfil

133
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

dos guris, tendo em vista a diversidade de faixa etária, gostos musicais, rotina e
realidade de cada curso oferecido (PROJETO GURI, 2019).

2. O Projeto Guri
O Projeto Guri é uma organização não governamental (ONG) que atua no ensino de
música para crianças e adolescentes desde 1995 e que tem como objetivo promover inclusão
social através da arte (PPP, 2010). O Projeto “atende por ano mais de 50 mil alunos em quase
400 polos de ensino, distribuídos por todo o Estado de São Paulo” (PROJETO GURI, 2019).
A maior parte dos polos tanto no interior quanto no litoral, incluindo os da Fundação CASA,
são administrados pela Associação Amigos do Projeto Guri (AAPG), enquanto o controle dos
polos da capital paulista e Grande São Paulo fica por conta da Associação Santa Marcelina
Cultura, qualificada como Organização Social de Cultura pelo Governo do Estado de São
Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Cultura. A AAPG também é mantida pela
Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Além disso, conta com
apoio financeiro de prefeituras, organizações sociais, empresas e pessoas físicas (SANTA
MARCELINA, 2019; PROJETO GURI, 2019).
Neste trabalho, em específico, trataremos somente dos cursos oferecidos através da
gestão da AAPG, devido ao acesso que tivemos ao material didático e à disponibilização do
Projeto Político-pedagógico (PPP) do Projeto Guri através de contato feito por email com a
coordenação do projeto. O documento foi enviado por Valéria Zeidan, gerente pedagógica da
AAPG, que autorizou o uso para estudo deste trabalho.
Atualmente o Projeto Guri atende crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos. Os cursos
oferecidos são de instrumentos de cordas dedilhadas, cordas friccionadas, sopros, teclado e
percussão, além de cursos de iniciação musical, luteria, canto coral, tecnologia e tecnologia
em música (PROJETO GURI, 2019).
Em 1995 seu primeiro polo foi aberto na “Oficina Cultural Amacio Mazzaropi, com o
objetivo de transformar a cultura e a arte em instrumento de inclusão sociocultural” (PPP,
2010, p. 7). Um ano depois foi aberto o primeiro polo na Fundação CASA (antiga FEBEM),
“passando a ser desde então um dos principais projetos parceiros na política de reinserção
social de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de privação de
liberdade” (PPP, 2010, p. 7). Em 2004 a AAPG “foi classificada como uma Organização
Social de Cultura e no mesmo ano foi firmado o primeiro contrato de gestão com a Secretaria
de Estado da Cultura para que se tornasse a administradora do Projeto Guri” (PROJETO
GURI, 2019). Três anos depois, em 2007, após mudança da diretoria, foram firmadas novas

134
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

resoluções, empreendendo “ações corretivas e inovações nos âmbitos administrativo,


educacional e social” (PPP, 2010, p. 8).
Para o estudo sobre o Guia de ensino inicial de instrumento em uma organização
social, não podemos olhar somente pelo viés de excelência técnica, mas sim se ocorre a
transmissão de valores e de experiências a que o projeto se propõe. Estudaremos as propostas
do Guia Didático Para Cordas Friccionadas do Projeto Guri com base nas diretrizes do PPP e
nas referências teóricas sobre a temática do ensino coletivo e organizações sociais: Cruvinel
(2008), Tourinho (2007), Ying (2007) e Hikiji (2006), portanto este trabalho utiliza como
metodologia uma pesquisa documental. E, ao final, esperamos contribuir para o estudo sobre
os materiais voltados para ensino coletivo de música.
Dividiremos este estudo em dois tópicos, para melhor abordar o material didático do
Projeto Guri. Os tópicos serão: Ensino coletivo de instrumento musical e O curso de cordas
friccionadas – O Guia Didático.

3. Ensino coletivo de instrumento musical


De acordo com o PPP, pela “[...] prática coletiva de música compreende-se o fazer
educativo favorável ao intercâmbio entre os pares, entre os pares e o educador e, entre o aluno
e o educador para a aprendizagem musical” (PPP, 2010, p. 17). Para Tourinho (2017), o
ensino coletivo surgiu como uma forma alternativa do ensino tradicional individual. A mesma
afirma:
O ensino tutorial1 de música nas escolas especializadas privilegia poucos, escolhidos
muitas vezes através de severo teste de seleção, que inclui leitura musical e execução
de repertório de origem europeia. Quase sempre exclui iniciantes, que não tiveram
oportunidade de um contato anterior com o instrumento que desejam aprender. É
possível afirmar que parte dos estudantes que inicia o aprendizado de um
instrumento não se profissionaliza ou nem mesmo pensa neste aspecto. O prazer de
extrair sons do seu instrumento é a fonte inicial de motivação. O mito da atenção
exclusiva é bastante forte no ensino tutorial e a ele se contrapõe a crença do ensino
coletivo, de que é possível compartilhar conhecimento, espaço, e que a interação e a
diferença são partes importantes do aprendizado (TOURINHO, 2007, p. 1-2).

O surgimento do ensino de forma coletiva deveu-se principalmente à necessidade de


atender a vários alunos ao mesmo tempo. O ensino coletivo nasceu nos Estados Unidos em
1850, por conta de um grande aumento no número de conservatórios e escolas musicais.
Devido aos diversos grupos europeus que se apresentavam nos EUA despertou-se nas pessoas
a vontade de aprender a tocar um instrumento musical. Nesses conservatórios surgiram, então,
orquestras compostas pelos seus alunos. Os grupos eram dos mais variados níveis e formações
(YING, 2007).

135
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Deve-se aqui enfatizar que a instrução nos instrumentos nesse início era quase
inteiramente individual e particular, mesmo que proveniente do regente da orquestra
da escola. No início, o ensino instrumental era feito por professores que dedicavam
apenas parte de seu tempo a essa atividade; gradualmente isso passou a ser feito por
professores que dedicavam integralmente seu tempo ao ensino. É esse o pano de
fundo do inicio das classes da música vocal e instrumental, que conduziram ao que
poderia ser entendido como uma produção em massa, ou como era nominalmente
chamado ensino coletivo instrumental (YING apud WASSEL, 2007, p.12).

Ainda sobre a possibilidade de colocar muitos alunos numa mesma sala, Ying (2007,
p. 8) afirma:
O ensino coletivo de instrumentos, como metodologia, mostrou-se bastante eficaz ao
longo dos anos de seu emprego, como forma de atingir um público maior no início
de seu aprendizado musical, além de propiciar interação social, despertar maior
interesse nos alunos iniciantes e incentivo para a continuação dos estudos através da
dinâmica estimulante de classe de aula.

Em seu livro A música e o risco (2006) sobre a etnografia do fazer musical dos alunos
no Projeto Guri, Hikiji fala sobre a performance musical e sobre a iniciação no instrumento
dentro do Projeto:
A introdução musical dá-se principalmente por meio da formação de orquestras
didáticas e corais, nos quais os alunos têm contato com repertório erudito e popular,
em aulas em grupo, bem como ensaios gerais com maestros, visando a apresentações
externas (HIKIJI, 2010, p. 103).

Sobre as estratégias utilizadas pelo Projeto Guri, o próprio fazer musical em conjunto
é uma destas estratégias de alcançar não só um resultado musical, mas cumprir a premissa de
atender as necessidades sociais de convivência dos alunos:
A vivência musical desenvolvida no Projeto Guri considera a prática de conjunto
como espaço essencial de aprendizagem e aprimoramento, a partir do qual nossos
alunos têm a oportunidade de desenvolver atitudes de pertencimento a um grupo,
socialização, tolerância, percepção de si e dos outros, e respeito mútuo nas relações
sociais (PPP, 2010, p. 18).

As bases conceituais que definem toda a prática de instrumento no Projeto Guri têm:
[...] uma concepção de educação que inclui as dimensões afetiva, intelectual,
estética, ética e social do conhecimento. Assim, reafirmando o potencial
transformador do conhecimento, com ênfase na aprendizagem musical, o projeto
pretende contribuir para a formação de sujeitos integrados positivamente na
sociedade (PPP, 2010, p. 13).

Para alcançar tais objetivos, o Projeto Guri utiliza-se do modelo C(L)A(S)P (1979) do
educador musical inglês Keith Swanwick articulado em seu livro A Basis for Music
Education. Este educador aponta três princípios para o desenvolvimento musical integral
(Swanwick, 2003 apud PPP, 2010); Primeiro princípio: considerar a música como um
discurso; Segundo princípio: considerar o discurso musical dos alunos; Terceiro princípio:

136
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

fluência musical durante toda a aula. Portanto, estes princípios aliados à execução musical, à
composição (entendida aqui como qualquer forma de criação e improvisação) e à apreciação
musical (escuta ativa e crítica de uma execução musical ao vivo ou em gravações, assim
como escutar colegas e professores tocando) compõem o modelo C(L)A(S)P de Swanwick.
Para conseguir o propósito de ensinar um instrumento musical através do aprendizado
coletivo e com isso cumprir o papel de formação social do indivíduo, o Projeto Guri
estabeleceu o uso de três eixos norteadores: “ o Domínio dos Instrumentos, Prática de
Conjunto e Apresentação. Estes eixos se desenvolvem de modo integrado, contínuo e
ascendente” (PPP, 2010, pág. 18). Já o modelo C(L)A(S)P deve ser utilizado através dos três
eixos, “ou seja: em cada um deles é possível realizar atividades de execução, composição e
apreciação, e ainda de técnica (skills) e literatura, com maior ou menor ênfase de acordo com
as necessidades de cada momento” (PPP, 2010, p.18).

4. O curso de cordas friccionadas – O Guia Didático


O livro Guia Didático do Projeto Guri - cordas friccionadas básico 1, o qual
estudaremos, é uma 1a. edição feita em 2011 pela AAPG, sob a autoria de Willian Coelho
com colaboração de Alexandre Pinto. A introdução foi feita por Susana Ester Kruger e
Elizabeth Carrascosa Martinez. Nessa introdução temos uma fundamentação da importância
do ensino coletivo coletado dos trabalhos de Cruvinel (2004), além da fundamentação e
explicação do processo de construção e possibilidades de uso do Guia Didático. Esta
introdução é importante para esclarecer ao professor os aspectos abaixo, que também são
lembrados ao longo do material:
● No Guia, a sugestão é que este seja usado para turmas iniciantes no período de um
ano, mas isso pode ser mudado conforme a turma. O que importa é seguir o processo
de evolução da turma e de preferência seguir a sequência de aquisição de habilidades
conforme explicado no Guia.
● O Guia deixa claro que certas habilidades não serão adquiridas do dia para a noite,
mas sim ao longo de várias aulas, onde cabe ao professor ficar atento a isso.
● Os alunos devem ser a parte central e o principal propósito das aulas, não o repertório,
o compositor ou o instrumento, havendo a necessidade de um equilíbrio entre as
preferências dos alunos e a proposta do professor.
● O professor também deve aprender a fazer perguntas e instigar os alunos, inclusive
quando estes tiverem dúvida sobre algo. Assim, ele consegue encorajar os estudantes a

137
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

pensar sobre o processo de solucionar a sua dúvida e refletir criticamente sobre o que
aprende.
● Imitação é um recurso de aprendizagem que deve ser utilizado nas aulas. Repetição
também, mas em excesso pode cansar ou prejudicar fisicamente o aluno.
● Os alunos devem ser motivados com diferentes estratégias de ensino, encorajamento,
apoio, inspirando sempre a estabelecer objetivos razoáveis, pois a habilidade de tocar
bem um instrumento depende principalmente dos processos em que essa habilidade é
construída e seguida.
● As aulas devem ter conexão com a vida e cultura dos alunos. Podem e devem conter
materiais novos, mas isso deve ser dosado para que crie laços efetivos de apropriação
por parte dos estudantes.
● O Guia trata-se, como o próprio nome já diz, de um guia, ele permite ser adaptado de
acordo com o repertório de estratégias e ensino do professor, do material de apoio
disponível no polo de atuação (livro, Cds etc), e da composição da turma, inclusive se
houver alunos com deficiência.
O Guia Didático é dividido em 10 unidades, nas quais são trabalhadas: postura do
instrumento, como segurar o arco, golpes de arco, dedilhados com 1º, 2º, 3º e 4º dedo; escalas
diatônicas como lá, ré e sol maior além de seus respectivos arpejos; leitura de figuras rítmicas
e localização de notas no pentagrama, ainda de forma inicial. A leitura é feita a partir do
padrão de dedos ensinado em cada corda e de melodia de peças conhecidas, como Brilha
Brilha Estrelinha e Marcha Soldado. O Guia foi elaborado tendo como premissa o livro All for
strings: comprehensive string method - Book 1, dos autores Gerald E. Anderson e Robert S.
Frost, edição de 1986. Para melhor análise das técnicas sugeridas no Guia, seria necessário
analisar também o livro All for strings (COELHO, 2011).
Os exercícios e sugestões distribuídos no livro permeiam os conceitos de composição,
execução e apreciação em suas 10 unidades. No início de cada unidade é especificado o
objetivo geral, objetivos específicos, conteúdos e recursos necessários para executar as
atividades propostas. Diferentemente do que é visto em ensinos tradicionais, o Guia Didático
utiliza-se de recursos de mediação em detrimento da transmissão direta da informação para
aquisição da técnica específica do instrumento. Por exemplo, na Unidade 1 - atividade 1.5, é
sugerido que o professor providencie no polo de ensino uma bolinha de apertar para mostrar
ao aluno como os dedos da mão direita devem estar com as falanges relaxadas e ligeiramente
dobradas para segurar o arco. O aluno experimenta a sensação que é segurar o arco de uma
forma diferente, em um objeto que talvez já tenha visto ou segurado mais vezes que o arco.

138
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Este é um dos exemplos de aproveitamento da vivência do aluno para aprender de fato um


conteúdo novo, a partir de algo que ele conhece anteriormente.

5. Considerações Finais
O Guia Didático é um dos poucos materiais feitos com base em propósitos
estabelecidos e específicos de seu local de atuação, feito com base em todas as
particularidades de estudantes de uma organização social. Trata-se de um material com
estratégias de ensino, recomendações e sugestões de como ensinar os conteúdos necessários
para tocar em conjunto. Diversas questões podem ser feitas com relação à escolha de um livro
de suporte como o All for strings, que tem também o propósito de tocar em conjunto, porém
que foi confeccionado sob uma cultura diferente (o livro foi feito nos EUA), em uma época
diferente (1986), e sem o mesmo viés de formação social e cultural do Projeto Guri.
A pesquisa sobre o Guia de forma mais detalhada necessita de um estudo à parte.
Entretanto acredito que este trabalho é enriquecedor tanto para a minha realização acadêmica
e profissional quanto para aquele que o lê, principalmente um professor que está, assim como
eu, no ínicio de sua carreira e à procura de material que o inspire a dar aulas em diferentes
ambientes, com alunos com diferentes histórias. Cabe reforçar que o papel do professor vai
além da sala de aula. É necessário discutir novos métodos, novas estratégias, novos
parâmetros de ensino. Penso, então, que o ensino de instrumento deve acompanhar essas
tendências de mudança.

Referências

AAPG - ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO PROJETO GURI. Projeto Político- pedagógico do


Projeto Guri. São Paulo, 2010. 2a revisão: 2015/2016.
ANDERSON, G. E.; FROST, R. S. All for strings. San Diego, CA: Neil A. Kjos Music, 1986.
COELHO, W. Cordas Friccionadas - Guia do educador. 2011. Disponível em:
<https:www.projetoguri.org.br/livros-didatico>. Acesso em: 20 de jun. de 2019.
CRUVINEL, F. M. O ensino coletivo de instrumentos musicais na educação básica:
compromisso com a escola a partir de propostas significativas de ensino musical. In: VIII
Encontro Regional Centro-Oeste da Associação Brasileira de Educação Musical, 1º Simpósio
sobre o Ensino e a Aprendizagem da Música Popular e III Encontro Nacional de Ensino
Coletivo de Instrumento Musical realizados em Brasília. Brasília, ago. 2008.
HIKIJI, R. S. G. A Música e o Risco. São Paulo: Edusp. 2006.

139
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

PROJETO GURI. Página inicial. Disponível em: <https:www.projetoguri.org.br>. Acesso


em: 20 de jun. de 2019.
SANTA MARCELINA. Página inicial. Disponível em: <https:gurisantamarcelina.org.br>.
Acesso em: 20 de jun. de 2019.
SWANWICK, K. A basis for music education. London: NFER, 1979.

______________. Ensinando música musicalmente. Tradução: Alda Oliveira e Cristina


Tourinho. São Paulo: Moderna,2003.
TOURINHO, C. Ensino coletivo de instrumentos musicais: crenças, mitos, princípios e um
pouco de história. In: CONGRESSO ANUAL DA ABEM, 16., 2007, Campo Grande. Anais...
Campo Grande, MS: ISME, 2007.
YING, L. M. O ensino coletivo direcionado ao violino. 2007. Dissertação (Mestrado em
Musicologia) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Notas

1
O termo “ensino tutorial” refere-se ao ensino tradicional individual, no qual há um aluno por professor. Ensino
que ocorre ainda hoje, principalmente em conservatórios musicais (TOURINHO, 2007, p. 1-2).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Helena Meirelles, visibilidade, gênero e educação musical

Hugo Romano Mariano


Universidade Estadual de Campinas - Unicamp
hugoromanomariano@hotmail.com

Jorge Luiz Schroeder


Universidade Estadual de Campinas – Unicamp
schroder@unicamp.br

Resumo: Amalgamando educação musical e estudos de gênero, analisamos parte da trajetória musical
e da vida da violeira, cantora e compositora Helena Meirelles (1924-2005). Nisto, constituímos
visibilidade a esta personalidade, assim como descrevemos e explicamos como a formação musical
dela constitui modos generificados nas relações de ensino-aprendizagem musical. Foram analisados os
materiais disponíveis nas redes digitais e os trabalhos acadêmicos que versam sobre esta artista, isto no
intuito de situar nossas reflexões.

Palavras-chave: Helena Meirelles. Música popular. Estudos de gênero.

1. Palavras iniciais
Tomamos aqui parte da trajetória pessoal e musical da violeira, cantora e compositora
Helena Meirelles (1924-2005) em um exercício de visibilidade e como uma fonte importante
de análise educacional musical que nos permite compreender as relações de gênero presentes
nos processos de educação musical, em específico, nos meios musicais populares.
Trabalhamos estas dimensões de modo conjunto explicitando os valores e significados, muitas
vezes contraditórios, que se constituem na trajetória desta artista e que, de certo modo, podem
ser estendidas para uma reflexão mais ampla musicalmente falando.
Nascida em 13 de agosto de 1924 na cidade de Bataguassu, no Estado de Mato Grosso
do Sul, Helena Pereira da Silva Meirelles mostrou desde cedo um interesse pela música, em
especial pela viola tocada por seus tios. Aos nove anos de idade, surpreendendo o tio violeiro
ao pedir para tocar com ele (e sendo ameaçada de “levar uma surra” caso tocasse mal),
comprovou sua vocação tocando melhor do que muitos peões, segundo a opinião do mesmo
tio. Seguiu sua atividade musical acompanhando seu irmão em apresentações pelas cidades da
região1. Tornou-se (inter)nacionalmente conhecida em 1993 quando foi eleita pela revista
estadunidense Guitar Player como revelação do ano. Ao longo de sua vida casou-se três
vezes, teve onze filhos, trabalhou em prostíbulos. Assim, tornou-se violeira, cantora e
compositora, construindo e desconstruindo em seu próprio corpo, os estereótipos que a
colocavam em uma tênue linha de aceitação e marginalização (SIMÕES, 2009).
Os empecilhos em sua carreira musical foram muitos. Casada aos dezesseis anos, para
“sair de casa e pra mim poder tocar violão à vontade”, o que, por sua vez, também não
ocorreu: “o marido era ciumento, não deixava eu tocar, não deixava eu dançar, não deixava

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

nada...falei: quer saber de uma coisa, sentei o pé na bunda dele e mandei ele pastar capim...” 2.
Aqui já é possível observar uma grande energia e ímpeto musical que permitiram um triplo
afastamento de pessoas próximas; primeiro da família, depois, do primeiro marido
“ciumento” e também de quase todos os filhos3, isto, em busca de sua prática musical.
Violeira caipira, Helena Meireles dedicou-se ao gênero musical denominado “música
sertaneja”, isto, a partir de outros gêneros, como a polca paraguaia (e suas derivações), o
chamamé e o rasqueado. A “polca paraguaia” é uma fusão de ritmos indígenas guaranis,
remanescentes da colonização, como a dança de salão europeia do século XIX. O “chamamé”
designa um gênero originado da polca paraguaia com compasso binário composto sobre uma
base ternária e acompanhamento de acordeom, na região de Corrientes no norte da Argentina.
O “rasqueado” (de origem cuiabana) é outra variação da polca paraguaia e deve-se à forma de
puxar todas as cordas ao mesmo tempo, com as costas dos dedos, rasqueando a viola 4.
As vivências de Helena Meirelles naquilo que diz respeito ao intercruzamento entre
sua formação musical e ao fato de ser ela uma mulher brasileira latino-americana, nos permite
consubstancializar (HIRATA, 2014) uma intencionada generalização: a formação musical dos
sujeitos tem materialidade no gênero (MOREIRA, 2012), assim como em outras categorias,
como raça, classe, regionalidade etc. Focando-nos, colocamos que o gênero e a música não
apresentam um simples efeito de complementaridade, adicionalidade ou contiguidade, nem o
gênero é uma mera particularidade na música. Gênero e música estão em relação metonímica,
de imbricamentos situados não disruptivamente, produzidos simultaneamente naquilo que
reiteram e escapam das normas sociais que atravessam os saberes musicais e as formas de
apreender e performatizar o gênero (BUTLER, 2003) em determinada sociedade.
Deste modo, dizemos que Helena Meirelles, vista sobre a égide dos estudos de gênero,
em sua trajetória pessoal e musical, nos permite, no presente, fazer um exercício analítico-
reflexivo acerca das vivências sociomusicais, uma observação sobre como os sujeitos
históricos constroem e desconstroem em si, em meio à diversidade, em vivências pautadas em
possibilidades estabelecidas nos padrões histórico-culturais de uma dada sociedade (SIMÕES,
2009).

2. Educação Musical, Cultura Popular e Estudos de Gênero


No que se refere às relações de ensino-aprendizagem musicais em meio às práticas
populares, situamos nossa reflexão na compreensão que a:
Educação musical representa atualmente um campo diversificado de estudos e de
práticas de formação em música, abrangendo quaisquer espaços sociais, situações e
processos de transmissão de saberes musicais. Assim, essa área é entendida como

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XIII Encontro de Educação Musical
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uma complexa rede de interações que se constituem nos meandros da sociedade,


tecendo os fios que configuram a música como expressão cultural (QUEIROZ,
2013, p. 95).

Para Queiroz (2013, p. 95), “a conjuntura desses diferentes lugares de transmissão de


saberes constrói os pilares da música como expressão humana e cultural, o que atribui a cada
um deles distintos papeis sociais no processo de formação musical do indivíduo”.
Ao refletir sobre as práticas populares de ensino-aprendizagem musicais, não as
colocamos como fechadas em si mesmas, nem dentro de um viés do exotismo e da hierarquia
que atribui a elas caraterísticas “primitivas”, puristas e passíveis de modernização; coisas que
“nós”, enquanto pesquisadores, supostamente bem intencionados, seriamos capazes de
“melhorar”. Nós as compreendemos em meio às complexas redes interculturais e plurais cuja
materialidade se dá em fluxos, trocas e hibridações culturais (PENNA, 2018).
Tomando como exemplo a trajetória de Helena Meirelles, relata ela que:
Meu avô acolhia muitos paraguaios na casa dele. E eles eram muito tocador. Aí,
meu irmão e meu tio aprenderam a tocar violão. E eu adorava! De noite, eu ficava
olhando eles tocarem. Gravei tanto afinação para acompanhar como para solar.
Aprendi a bater o rasqueado deles sem ninguém me ensinar. Mas meu pai e minha
mãe não queriam que eu aprendesse. Porque naquela época, o Mato Grosso do Sul
era um sertão bruto, lá só tinha bicho brabo (GUITAR PLAYER BRASIL,1996)5.

Sua formação fronteiriça, um corpo constituído em uma terra atravessada por


vivências indígenas, paraguaias, musicais, interioranas, latino-americanas, deram à Meirelles
uma agência (BHABHA, 1998) que lhe trouxe algumas possibilidades de se constituir
enquanto mulher, instrumentista, cantora e compositora que, por vezes, alargaram, mesclavam
e reiteravam os padrões que vigoravam sobre o contexto social no qual ela estava inserida.
Contudo, segundo Simões (2009):
Após algumas reflexões iniciais, possibilitada pela aproximação do arcabouço
teórico e os “causos” da vida de Helena, pudemos perceber que em sua trajetória não
havia uma preocupação consciente em rejeitar as normatividades de gênero
pensando em construir uma nova concepção do feminino. Pelo contrário, Meirelles
em nenhum momento rompe totalmente com os padrões culturais de sua época,
apenas, alarga essas concepções para que ela fosse aceita – talvez parcialmente –
com seus modos de se relacionar com o cotidiano, mesmo que em muitos momentos
de sua vida, transitasse por uma linha muito tênue entre a aceitação e a
marginalização de seu comportamento e seu modo de vida (SIMÕES, 2009, p. 47).

Nesta afirmação, Meirelles é tomada naquilo que substancializa sua suposta


“inconsciência” em relação a uma condição mais de replicadora de sua condição de mulher
do seu tempo.
Em absoluto, não estamos interessados em mensurar exatamente quão positiva ou
negativa, reiteradora ou “progressista”, tenham sido as performatividades (BUTLER, 2003)

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de Helena Meirelles. Mas suscitamos, a partir do reconhecimento de suas vivências pessoais e


musicais populares, que as questões referentes às mulheres e, de igual modo, o olhar inclusivo
para os modos mais populares de conhecimento musical, tornam-se conjuntamente modos
mais valorativos da diversidade e diferença em música, do que de homogeneidade ou simples
replicação, isto em diálogo com Queiroz (2004 e 2013). Nisto, as relações de ensino-
aprendizagem musical que a violeira, cantora e compositora estabeleceu com seus tios,
primos, filhos e demais músicos de seus contextos, evidenciam práticas reiteradoras de certa
violência do cotidiano carregadas de machismo, mas também possibilidades de vivências
artísticas pujantes que propiciaram a Meirelles uma relação profunda, positiva e com algumas
práticas disruptivas em relação à música e aos padrões femininos de sua época.
Reconhecendo isso, nos colocamos pela superação do binarismo excludente entre
homens e mulheres, fruto da hierarquia entre elas e eles em diversos gêneros musicais, assim
como para dar a visibilidade às mulheres compositoras (como é o caso de Helena Meirelles).
Esta estratégia dialoga com Green (1997), que mostra como os padrões de gênero são
reiterados nas aulas de música nas escolas, seja em contextos de aprendizagem musical
popular ou erudito; com Murgel (2005), que faz levantamento de mulheres cantoras e
compositoras no cenário da música popular brasileira, mostrando a desvalorização delas e do
trabalho delas em relação aos dos homens; com Moreira (2012) que compila estudos de
gênero e música mostrando, entre eles, as relações de gênero e práticas musicais nas vivências
de homens e mulheres indígenas de certa região do Xingu; e com Silva (2019) que traz
reflexões a respeito das constituições das identidades de gênero dos jovens nas relações que
estabelecem com os diversos conteúdos musicais, sobretudo os midiáticos.
Nesta medida, acabamos por direcionar a reflexão acerca das relações de gênero e as
relações de ensino-aprendizagem musical em um fazer, por vezes, identitário, mas este no
sentido que busca o reconhecimento daquilo que a identidade fornece tanto de comum
(coletivo), quanto naquilo que a identidade se constitui na diferença
(individualidade/singularidade). Neste recorte, de Brah (2006), tomamos que a subjetividade
torna-se, ela mesma, uma experiência identitária; porém, uma identidade não-fixa, nem
meramente singular, mas em pluralidade relacional em constante mudança cujas identidades
coletivas não são redutíveis às somas das experiências individuais, nem tão pouco as
identidades individuais são compreendidas para fora do fazer sócio-histórico.
Ainda assim, a reiteração dos estereótipos de gênero presente nas manifestações
artísticas nos colocam um duplo desafio: 1) a necessidade de nós (enquanto pesquisadores)
não nos colocarmos de um modo a tomarmos os sujeitos pesquisados como passíveis de uma

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conversão, de um esclarecimento, de uma iluminação, mas sim, nos colocamos em atitudes de


responsabilidade e diálogo; 2) de em função deste cuidado, não sermos parcimoniosos com o
machismo e com as hierarquias e desigualdades que estes, e também os nossos espaços,
constituem.
Por estes cuidados, não colocamos nosso foco na excepcionalidade de Meirelles, mas
sim, naquilo que é passível de nos fazer pensar tanto sobre as condições das mulheres na
música, quanto nos meios pelos quais se adquirem os conhecimentos musicais. É por meio
disto que a trajetória desta violeira é acionada. Ocupamo-nos em exercitar a visibilidade às
mulheres como ferramenta de reconhecimento e de atribuição de sentidos que constituem
representações, deslocamentos e superação do binarismo hierárquico e excludente, assim
como criando possibilidades pedagógicas de ensino de música mais inclusivo e atento às
demandas mais urgentes do presente. Dentre elas, a superação das hierarquias ocasionadas
pelas distinções de categorias como gênero, e também, classe, regionalidade, etnicidade, que
aqui não daremos conta de trabalhar em profundidade, mas que reconhecemos seus
imbricamentos em termos de constituição de identidade (nem sempre estáveis) e diferença, ou
seja, de produção de sentidos em ações que constituem mais e mais modos de ser que
precisam ser vistos mutuamente por seu caráter identitário e de produção de individualidade,
mas também passíveis de críticas e supressão, quando produzem desigualdades.
Em Helena Meirelles reconhecemos as contradições, as reiterações e fugas das
feminilidades e masculinidades de seu tempo, assim como temos nela uma violeira, cantora e
compositora representante da cultura de sua região, de certa ancestralidade indígena, de sua
brasilidade e latinidade pujantes. Vemos também, em seu trilhar, o prestígio midiático e
crítico-musical que alcançou. Isto nos últimos anos de sua vida, sendo citada em revistas de
grande visibilidade, aparecendo na grande mídia televisiva da época, tendo sua vida
documentada em material audiovisual, o que a fez adentrar no mainstreaming musical.
Lembrando que em função de ser uma mulher pobre, ela teve altos e baixos neste percurso:
mesmo em seu momento de sucesso, ela esteve em constante instabilidade.
Tomamos observações, em termos específicos educacionais, recorrendo à Hernadez
Romero (2011), assumindo que nós:
Como professores e investigadores, somos responsáveis pela imagem que os alunos
têm do papel que, ao longo da história, desempenharam homens e mulheres em diferentes
âmbitos da vida, da sociedade, da cultura e da arte. Somos condicionados, pela nossa
formação, pelo meio, pelos nossos conhecimentos e pelos materiais que temos ao nosso
alcance para realizar a nossa atividade. Todos estes fatores influem na nossa prática.

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Reproduzimos com frequência, por ignorância, negligência ou condicionantes, os mesmos


conteúdos, personagens, ideias e tópicos repetidos à exaustão nos livros que utilizamos e
muitas vezes nem questionamos (ROMERO, 2011, p. 1).
Dialogando ainda com Romero (2011), salientamos que ao utilizar materiais que
silenciam as mulheres, ou que as colocam em segundo plano, contribuímos para a construção
de identidades feminina e masculina que reforçam as desigualdades. Temos, portanto, de usar
novos materiais, novas metodologias, diferentes maneiras de expressão e novas culturas de
ensino-aprendizagem. Com isso, nós nos colocamos a educar para a música, e também através
da música. Reconhecendo em nossas alunas e alunos e em nossos pares (professoras,
professores, pesquisadoras e pesquisadores) possibilidades de diálogo. Levantando juntos
delas e deles dados e conteúdos que constituem modos mais inclusivos, mais diversificados de
apreender e de como aprender música (PENNA, 2018 e QUEIROZ, 2004 e 2013). Nosso
exercício de visibilidade de Helena Meirelles situa-se a favor desta proposição.

3. “Torções” e considerações finais


À medida que falamos de educação musical em um sentido amplo, no qual colocamo-
nos mais para compreender o que a constitui como tal, como uma manifestação educacional e
artística (CANCLINI, 1980 e QUEIROZ, 2013), apoiamo-nos nos pensamentos de outras
áreas, tais como da sociologia, dos estudos de gênero, da história e de outras áreas da arte.
A exemplo disso, pegamos emprestado a conceituação de “torção”, de Karla Bessa
(2017), que, voltando-se para analisar obras fílmicas das décadas de 60 e 70, cultiva tal
conceito atribuindo-o a certas obras que apresentam um caráter de “fuga” e “inversão” do que
era “previsto” à época. Esta autora nos faz pensar: “onde estava a sexualidade nesta época?”,
“quais padrões de feminilidade estavam em voga?” Dialogando com esta autora, percebemos
que olhar para o passado é sempre uma atitude constituída por interesses contemporâneos, ou
seja, passível de certo e inevitável anacronismo, interesse e estratégia.
Olhamos para Helena Meirelles reconhecendo nela uma capacidade de torção,
entendendo-a por meio de uma intencionalidade, não enquanto sujeito onisciente, mas
enquanto sujeito de uma prática cultural resultante de efeitos e intenções. A torção, neste viés,
evidencia algo que não se desestrutura por inteiro. Seu caráter “revolucionário e subversivo”
não é irrestrito, o que produz efeitos no sujeito em meio a um campo de negociações.
Nisto, certa audácia de Helena tem caráter transgressivo, uma vez que ela rompeu com
certas normas de ser mulher, de ser mãe, ao se tornar violeira, cantora e também compositora
em um meio majoritariamente masculino. Suas práticas sociais, em meio às lutas

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representacionais de seu tempo, evocam ritualizações em campos de força que estão em


constante luta de representação, em guerrilha cultural, na materialidade dos campos de
representação (BESSA, 2017). Não sendo Helena de toda subversiva, nem tão pouco
meramente “conformista”. As experiências performáticas dela implicam uma virada em torno
de si mesma.
Musicalmente, Helena Meirelles enquanto violeira, cantora e compositora, dominou e
manejou os atributos musicais do gênero musical do qual se voltou a executar, isto, até então,
não seria próprio a uma mulher naquele contexto. Ela ganha destaque regional, nacional e
internacional, o que evidencia suas habilidades, sendo reconhecida por seus pares. Sua
agência enquanto mulher, seu modo de ação em função das normativas de gênero, fazem com
que ela tivesse que romper com padrões até então previstos às mulheres de seu contexto: de
boa mãe, de mulher do lar, de esposa fiel, assim como, de “não-violeira”, “não-compositora”
e talvez ser somente cantora, prática mais aceita até então. De modo geral, a mulher ser
artista, em sua época, evocava um lugar de marginalidade, próprio das prostitutas.
No presente, em meios às relações de ensino-aprendizagem nas práticas musicais
populares, situamos nossa análise na trajetória pessoal e musical de Helena Meirelles naquilo
que diz respeito ao intercruzamento entre sua formação musical e ao fato de ser ela uma
mulher brasileira latino-americana, em vivências pautadas em possibilidades estabelecidas
nos padrões histórico-culturais de uma dada sociedade (SIMÕES, 2009), que, mesmo tendo
sofrido profundas mudanças, ainda vigoram na música hierárquicas performances, muitas
delas valoradas desigualmente em simultaneidade aos padrões de gênero.
Reivindicamos a partir dos pensamentos de Romero (2011), Queiroz (2004 e 2013) e
Penna (2018), a observação das relações de ensino-aprendizagem musicais para que nelas não
sejam reiteradas de padrões binários, hierárquicos e desiguais de gênero.
Assim, reconhecendo que os diversos espaços musicais educacionais, entre eles, os
populares, ainda possuem relações de ensino-aprendizagem machistas e desiguais, como
apontam Green (1997), Romero (2011), Moreira (2012), Silva (2019), entre outras; esta
visibilidade à Helena Meirelles constitui-se na interpretação de alguns dos fatos que
conseguimos conhecer de sua vida sob um ponto de vista teórico. Nisto, tomamos que a
música foi uma força impulsionadora de sua vida para vencer algumas imposições sociais
ligadas às questões de gênero. Nesse sentido voltamo-nos à Helena Meirelles focando
sobretudo no modo como ela “torceu” padrões e preconceitos de gênero com seu esforço
musical.

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Referências

BESSA, Karla Adriana Martins. “Como cheguei a ser o que sou”? Uma estética da torção em
filmes das décadas de 60 e 70. Rev. Estud. Fem. [online]. 2017, vol.25, n.1 [cited 2019-08-
21], p. 291-313.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu (26), jan.-jun. de 2006,
p. 329-376.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de


Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CANCLINI, Néstor García. A socialização da arte: teoria e prática na América Latina. São
Paulo: Cultrix, 1980.

GREEN, Lucy. Pesquisa em sociologia da educação musical: Revista da ABEM. [on-line]. v.


4, n. 4, 1997.

HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das


relações sociais. Dossiê – Trabalho e gênero: controvérsias. Tempo soc., vol.26, no.1, São
Paulo Jan./Jun. 2014.

MEDAETS, Chantal Victória. Tu Garante?: Transmission and Learning Practices Along the
Tapajós River. Childhoods Today, v. 8, p. 1-24, 2014.

MOREIRA, Talitha Couto. Música, materialidade e relações de gênero: categorias


transbordantes. 171p. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de Música Programa de
Pós-Graduação em Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2012.

MURGEL, Ana Carolina Arruda de Toledo. Alice Ruiz, Alzira Espíndola, Tetê Espíndola e
Ná Ozzetti: produção musical feminina na Vanguarda Paulista. 262p. Dissertação (Mestrado
em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de
Campinas, SP. 2005.

PENNA, Maura. Música(s) e seu Ensino. 2° ed. rev. e ampl. Porto Alegre – RS: Sulina, 2018.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Educação musical e cultura: singularidade e pluralidade


cultural no ensino e aprendizagem da música. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 10, p. 99-
107, mar. 2004.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Escola, cultura, diversidade e educação musical: diálogos da
contemporaneidade. Revista Intermeio, Campo Grande, v. 19, p. 95-124, jan./jun. 2013.

ROMERO, Nieves Hernández. A influência da educação musical na transmissão de papéis


sociais associados ao gênero. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, v.5(1), p.81-
92, fev. 2011.

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XIII Encontro de Educação Musical
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SILVA, Helena Lopes. Música, Juventude e a construção da identidade de gênero no espaço


escolar. Curitiba: Appris, 2019.

SIMÕES, Julian. Entre as modas de viola e os “causos” de vida: construindo um feminino em


Helena Meirelles. Revista de Iniciação Científica da FFC, v. 9, n. 1, p. 39-50, 2009.

Notas

1
Essas informações podem ser conferidas no documentário Helena Meirelles: A dama da viola doc. Biografia
(parte 1), a partir dos 9m25s. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=4_vr4PXFzxw>. Acesso em:
21 nov. 2029. Helena Meirelles: a dama da viola Doc. Biografia (parte 1). Dur: 30m11s
2
Mesmo documentário a partir dos 14m41s.
3
Cabe observar que provavelmente seus filhos estiveram inseridos dentro uma lógica da “circulação de
crianças”, prática comum entre indígenas e “brancos”, mas também em outras culturas, em diversas regiões do
país, tanto em sua época, quanto ainda hoje. Tal prática consiste em a mãe deixar seus filhos com mulheres de
confiança, pais, pais adotivos ou com famílias próximas da genitora (MEDAETS, 2014).
4
Disponível em < http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa452025/helena-meirelles > Acesso em 10/06/20.
5
In SIMÕES, Julian, 2009.

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How to use Basics: uma introdução à utilização dos exercícios contidos na obra de
Simon Fischer
Emerson de Biaggi
Universidade Estadual de Campinas
emersondebiaggi@gmail.com

Thayná Bonacorsi
Universidade Estadual de Campinas
t187517@dac.unicamp.br

Resumo: A transmissão de conhecimentos musicais sofreu grande transformação após a Revolução


Francesa, substituindo a relação Mestre/Aprendiz pelo ensino conservatorial com métodos. Nessa
vertente, Simon Fischer publica Basics (1997) com o intuito de unir a teoria com a prática. No
presente artigo, discutimos a estrutura da obra e sua organização, características e preceitos defendidos
por Fischer e introduzimos uma nova forma de organizar os trezentos exercícios.

Palavras-chave: Ensino de instrumento. Pedagogia do violino. Pedagogia da viola. Métodos.


Pedagogia do instrumento.

1. Introdução
Durante muitos séculos, a transmissão do conhecimento se deu pela relação
mestre/aprendiz. Entretanto, após a Revolução Francesa, com o surgimento de Conservatórios
por toda a Europa, o ensino de Música a partir de métodos ocupa um lugar de extrema
importância, com o anseio de embasar a profissionalização numa trajetória específica que
garantisse o êxito na cada vez mais competitiva vida profissional (SANTOS, 2011, p. 21).
Nessa nova configuração, a dicotomia entre a música teórica e a prática se estendeu
por anos como centro de disputas valorativas (SANTOS, 2011, p. 22). Buscando uma resposta
para essa separação e visando juntar os aspectos do fazer musical, três grandes pedagogos
violinistas se destacam: Carl Flesch1, Ivan Galamian2 e Simon Fischer. Cada um,
respectivamente, na primeira metade do século XX, na segunda metade do século XX e
próximo à virada do século XX para o século XXI, publicou obras teóricas visando fins
práticos, o aprendizado do instrumento e a performance como um todo.

2. Apresentação do Livro
Simon Fischer, violinista proeminente da atualidade que abarca tanto a área da
performance como a de educador, publicou durante os anos de 1991 a 2014 artigos na revista
The Strad, nos quais discutia acerca de questões desde as mais iniciantes (como segurar o
instrumento, como empunhar o arco etc) até questões específicas de manutenção de técnica
avançada (interpretação de peças de acordo com seu estilo, dedilhados clássicos etc).

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Basics (1997) é fruto das experiências do autor com seus professores e a prática
de escrever para a revista. Ao constatar que a grande dificuldade de se tocar violino (e aqui
cabe citar a viola também) é a imensa quantidade de técnicas que se fazem necessárias para
tocar uma simples frase ou uma peça inteira, o Basics se dispõe a ser um grande compilado de
exercícios que subdividem a complexa técnica violinística geral em técnicas menores e
individuais (FISCHER, 1997, p. VI).
A origem dos exercícios da obra é deixada em aberto, uma vez que são passados a
muitas gerações de profissionais, mas Fischer faz menções diretas a Ivan Galamian (produção
de som); Carl Flesch (digitação e dedilhados), Otakar Sevcik 3 (padrões de dedos) e Demetrius
C. Dounis4 (mudança/ação de dedos), por serem referências em suas áreas, e a professora
Dorothy DeLay (1917 - 2002), que foi sua orientadora durante sua passagem por Nova York
(FISCHER, 1997, p. VII).
Consideramos importante descrever, mesmo que de forma sintetizada, a
genealogia violinística de Simon Fischer, que foi aluno de Yfrah Neaman, (1923 - 2003) -
este, por sua vez, foi aluno de Jacques Thibaud (1880 - 1953) no Conservatório de Paris;
prosseguiu seus estudos com Max Rostal (1905 - 1991) e fez sua pós-graduação na Julliard
School Of Music em Nova York sob a orientação de Dorothy DeLay, discípula e assistente de
Ivan Galamian. Essa genealogia, que remete a diversos autores renomados da técnica
violinística (Baillot, Flesch e Galamian), comprova que, ao passar das gerações, as
ascendências tornam-se cada vez mais complexas e diversas (PEREIRA, 2019, no prelo).

3. Proposta do livro
Basics não é um livro para se ler de capa a capa ou ainda como um grande tratado
filosófico do fazer violinístico; o próprio Simon Fischer revela que, para ele, Basics é uma
coleção de métodos práticos e exercícios, portanto deverá ser usado na prática e não como um
livro puramente teórico 3* (FISCHER, 1997).
A sugestão dada logo na introdução da obra é que o instrumentista (ou professor)
deverá selecionar uma área (que no livro é dividido em sete seções) e trabalhar questões
específicas dentro dessa seção (FISCHER, 1997, p. VIII).
A abrangência do Basics se assemelha aos grandes livros sobre técnica violinística
de nomes como Carl Flesch e Ivan Galamian, com suas obras The Art of Violin Playing
(1924); e Principles of Violin Playing and Teaching (1962), respectivamente (PEREIRA,
2019, no prelo).

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4. Estrutura da Obra
De acordo com Santos (2011), no que tange à proposta de criação de um método,
sua estrutura seria como um caminho que demonstra todos os estágios da formação musical
de modo específico, com uma forma progressiva, abrangente e clara, mesmo que não
definitiva. Assim, a proposta de Fischer não se encaixaria como um método, mas sim uma
fonte de referências, que muda de acordo com os pontos técnicos que se desejar trabalhar.
A Tabela 1 ilustra a estrutura geral e a disposição dos exercícios na obra:

Tabela 1: Estrutura o Índice do livro e explicita quantos exercícios contém cada seção.

Como Basics é uma obra muito extensa - trata-se uma coletânea de trezentos
exercícios para técnica - os preceitos referentes a cada um dos elementos técnicos abordados
são apresentados esparsamente, o que dificulta a utilização do método em rotinas de estudo
para iniciantes no instrumento (PEREIRA, 2019, no prelo).
Além disso, a estrutura do índice, a organização dos tópicos e o formato da obra
diferem de suas precedentes (no caso, as obras de Flesch e Galamian), o que, novamente,
requer uma preparação para um uso otimizado da obra e de todas as suas possibilidades
(PEREIRA, 2019, no prelo), mesmo para aqueles que já conhecem/utilizam as obras
anteriores.
É importante lembrarmos que Basics não tem uma versão em português, assim, como
é mencionado por Borges-Scoggin, a diferença de línguas pode gerar um fator de
desmotivação do aluno iniciante brasileiro, uma vez que a origem da maioria dos livros de
estudo para os instrumentos de cordas utilizados no Brasil é estrangeira (1993, p. 142).
Como uma das propostas de ação do nosso projeto de pesquisa é a criação de um
índice mais claro sobre o que cada exercício abarca e com possibilidades de outras

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classificações, fez-se necessário pensar sobre a estrutura proposta por Fischer e formas de
reorganizar seus conteúdos.

5. Novas propostas de organização


A leitura analítica da obra de Fischer deixa claro sua preocupação técnica com o fazer
violinístico. Em resumo, todos os exercícios possuem as mesmas premissas de atuação:
afinação, ritmo, produção de som e articulação (FISCHER, 1997, p. VI).
Galamian (1985) conceitua produção de som como flexibilidade dos movimentos de
braço e de arco, além de considerar os movimentos do arco com o ângulo correto durante a
corda. A questão da afinação é abordada por Flesch (2000) como sendo a principal técnica da
mão esquerda. A articulação abarca a questão fisiológica do fazer musical, com as indicações
acerca de movimento e preceitos de algumas escolas violinísticas (GALAMIAN, 1985,
FISCHER, 1997, FLESCH, 2000). Já o ritmo seria a variação dos valores dos tempos
(GALAMIAN, 1985).
A proposta de Basics é quebrar as grandes complexidades técnicas em partes
menores, que poderiam ser trabalhadas em todos os níveis, no processo de introjetar a maior
quantidade de movimentos técnicos possíveis, para que não se precise mais pensar no
movimento, mas sim na qualidade sonora que se quer passar na performance (FISCHER,
1997, p. VI).
Como a discussão sobre um padrão ou algum marco divisor que estruture o que
Fischer considera como imprescindível de se dominar em cada nível de estudo não existe, o
Diagrama 14, criado após a tradução dos trezentos exercícios da obra, traz uma ampla visão
sobre como é a divisão dos exercícios, baseados nos quatro padrões de premissa de atuação
citados anteriormente: afinação, articulação, ritmo e produção de som.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Diagrama 1: Imagem índice que ilustra a divisão dos exercícios por área de enfoque.

A disposição dos exercícios no diagrama foi baseada na questão a qual cada um se


propõe a trabalhar primordialmente, utilizando os eixos sobre as quatro premissas como
ligação entre o todo. Assim, quanto mais distante do eixo central, mais específico sobre uma
premissa é o exercício. O inverso também é verdadeiro, o que não exclui possíveis
correlações.
O termo correlações aqui é utilizado no sentido que Fischer traz de Ivan Galamian, ou
seja, do processo de aprendizagem que considera o controle que nasce do estímulo mental do
executante e posteriormente se torna uma ação muscular. Essa relação mente-músculo é
chamada de ‘correlação’ (GALAMIAN, 1985, p. 5), e ela está presente em diversos exercícios
propostos em Basics.
Por exemplo, o exercício 1, que trabalha com a posição do polegar na mão do arco foi
alocado para o extremo da articulação. Como o exercício não traz nenhuma indicação de
notação, mas sim sugestões de movimentos para a compreensão da pressão necessária no

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XIII Encontro de Educação Musical
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decorrer do comprimento do arco, consideramos que este seria um exemplo ideal de que como
Fischer enfoca em cada aspecto durante a obra.
Já o exercício 284, que trabalha principalmente a questão do vibrato (deixando em
aberto a escolha entre vibrato de pulso ou vibrato de braço), acaba por exigir a correlação,
uma vez que a nota do vibrato tem altura definida, pede uma utilização consciente do
movimento do polegar esquerdo, utiliza um golpe de arco específico e sugere uma variação de
cordas utilizando os mesmos princípios.

Figura 1: Reprodução do exercício 284, p. 218, no livro Basics (1997).

Assim, sabendo que as técnicas se combinam no fazer musical, o diagrama não anula
as possíveis - e presentes - junções de técnicas no fazer instrumental.
Realçamos que, apesar da obra original ser voltada para técnica violinística, os
violistas podem ter um contato muito frutífero com Simon Fischer, uma vez que a
transposição de suas ideias não é excludente. A aplicação dos exercícios na viola requer que
sejam consideradas as diferenças entre ela e o violino, pensar as suas especificidades,
principalmente com relação aos exercícios intervalares e nas indicações acerca do repertório
complementar.

6. Conclusão
Como vimos, Fischer empreendeu um caminho importante para a literatura da
pedagogia do instrumento no final do século XX, lançando, entre diversas outras obras de sua
autoria, Basics (1997).
O propósito e intuito da nossa pesquisa é facilitar um primeiro contato ou ainda
orientar usos da obra em sua rotina de estudo, o que, no que se entende ao ler a introdução da
obra original, sempre foi a vontade de Fischer (FISCHER, 1997, p. III).
Não pretendemos acabar aqui a discussão sobre a inegável importância de Fischer no
cenário da pedagogia do instrumento, nem concluir terminantemente nossas intervenções

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sobre a obra Basics, mas sim introduzir de uma maneira que acreditamos ser eficiente as
ideias e sugestões práticas dos exercícios sugeridos por Simon Fischer.

Referências

BORGES-SCOGGIN, Gláucia A. A Study of the Pedagogy and Performance of String


Instruments in Brazil and the Social, Cultural, and Economic Aspects Affecting Their
Development. Tese de Doutorado. Escola de Música da University of Iowa, 1993. Iowa: UI,
1993. 414p.

FISCHER, Simon. Basics: 300 exercises and practice routines for the violin. Edition Peters,
1997.

FLESCH, C. The art of violin playing. New York: Carl Fischer, v. 1, 2000.

GALAMIAN, Ivan; GREEN, Elizabeth A.H. Principles of violin playing & teaching. 2. ed.
New Jersey: Prentice Hall, c 1985.

PEREIRA, F. E. L. Fundamentos da técnica violinística – história e conceitos


contemporâneos. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019. No prelo.

SANTOS, Luís Otávio et al. A chave do artesão: um olhar sobre o paradoxo da relação
mestre/aprendiz e o ensino metodizado do violino barroco. 2011.

Notas

1
Carl Flesch (1873 - 1944), violinista e professor húngaro.
2
Ivan Galamian (1903 - 1981), nascido no Irã mas viveu grande de sua vida parte nos Estados Unidos.
3
No original: “Basics is a collection of practice methods and exercises, and belongs on the music stand, not on
the bookshelf” (Tradução nossa)
4
Diagrama 1 foi criado no site draw.io, levando em consideração o foco de cada exercício e se utilizando do
template de coordenadas de Veen. Acessado em: 04 de dez. de 2019.

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da Unicamp - 2020

Implementação das novas diretrizes da extensão universitária no curso de Licenciatura


em Música da UERN: um relato de experiência no Curso Livre de Violão

Thrycia Viviane Gadelha Macena Oliveira


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
thryciaoliveira@gmail.com

Renan Colombo Simões


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
renansimoes@hotmail.com

Resumo: Este trabalho objetiva relatar a experiência de implementação das novas diretrizes da
extensão universitária no Curso Livre de Violão, projeto de extensão do curso de Licenciatura em
Música da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), em Mossoró (RN). O trabalho é
fundamentado em Martins et al (2015), Paula (2013), Rodrigues et al (2013), Nogueira (2013) e nas
legislações vigentes.

Palavras-chave: Curricularização da extensão. Ensino coletivo de instrumento musical (ECIM).


Violão. Extensão universitária. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

1. Introdução
A extensão é tida como uma das bases da universidade pública e pode ser conceituada
como uma ação da universidade voltada para a comunidade externa, com a finalidade de
compartilhar o conhecimento adquirido dentro da universidade.
A extensão universitária é um processo importante na formação dos estudantes e, em
muitos momentos, é através dela que o universitário coloca em prática o que foi visto em sala
de aula (MARTINS et al, 2015, p. 194).
Um dos espaços que os alunos do curso de Licenciatura em Música da Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) têm para realizar a prática da extensão é o Curso
Livre de Violão, idealizado e coordenado por um professor especialista na área de Violão,
segundo autor deste artigo, cujo objetivo consiste em vivências musicais em torno do violão e
sua prática de conjunto com outros instrumentos e com o canto. Os alunos da graduação
podem participar como bolsistas, estagiários ou colaboradores, e atuam tanto em aulas
coletivas quanto individuais, de acordo com a demanda de alunos do projeto.
O MEC, por meio da Portaria nº 1.350 de 14 de dezembro de 2018, passou a
regulamentar as atividades acadêmicas de extensão dos cursos de graduação, na forma de
componentes curriculares, determinando, para este fim, o mínimo de 10% da carga horária
curricular estudantil dos cursos de graduação. Por ter iniciado recentemente (2019.1), o curso
de Licenciatura em Música do turno noturno foi um dos primeiros da UERN a contemplar, em
seu Projeto Político Pedagógico (PPP), essa nova resolução, e o primeiro da instituição a

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XIII Encontro de Educação Musical
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implementá-lo na prática. Para tal, foram disponibilizadas vagas para dois projetos de
extensão que estavam em andamento, dentre estes, o Curso Livre de Violão.
Este trabalho consiste em um relato da experiência da implantação das novas diretrizes
da extensão universitária no Curso Livre de Violão, projeto de extensão do curso de
Licenciatura em Música da UERN (Mossoró/RN); a descrição dessa experiência poderá
contribuir com projetos de extensão que visam abrir vagas para alunos da graduação, a partir
das Unidades Curriculares de Extensão (UCEs), neste novo panorama de curricularização da
extensão.

2. Referencial Teórico
a) Importância da extensão para a graduação
Os primeiros relatos de concepções de extensão universitária no Brasil são datados de
1911 e 1917, na Universidade Livre de São Paulo, e tinham como proposta inicial a promoção
de conferências, cursos e semanas abertas de estudos (MARTINS et al, 2015, p. 195).
Das três dimensões constitutivas da universidade, Paula (2013) aponta que a extensão
foi a última a surgir, em grande parte devido a sua natureza intrinsecamente interdisciplinar.
O autor continua:
De fato, as dificuldades conceituais e práticas da justa compreensão e implementação
da extensão universitária decorrem, em grande parte, do fato de a extensão se colocar
questões complexas, seja por suas implicações político-sociais, seja por exigir postura
intelectual aberta à inter e à transdisciplinaridade, que valorize o diálogo e a
alteridade. Para dizer de forma simples, a extensão universitária é o que permanente e
sistematicamente convoca a universidade para o aprofundamento de seu papel como
instituição comprometida com a transformação social, que aproxima a produção e a
transmissão de conhecimento de seus efetivos destinatários, cuidando de corrigir,
nesse processo, as interdições e bloqueios, que fazem com que seja assimétrica e
desigual a apropriação social do conhecimento, das ciências, das tecnologias
(PAULA, 2013, p. 6).

Consoante com essas ideias, Martins et al (2015, p. 197) afirmam que a extensão
universitária atende, em especial, às necessidades de uma comunidade, e deve supor uma
efetiva preparação tecnológica e ética para lidar com essas diversas necessidades. Os autores
ainda comentam que, na extensão, a prática deve estar presente no agir e no pensar
criticamente, superando problemas comunitários existentes, e que as transformações da
concepção da extensão universitária já apresentam características de mudanças e
reformulações.
O fortalecimento da relação sociedade/universidade, que se dá através do rompimento
das barreiras da sala de aula, proporcionam melhorias na qualidade de vida do cidadão. Dessa
forma, a troca de informações acontece entre aquele que está na condição universitária e

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

membros externos à instituição que se encontram na condição de aprender (RODRIGUES et


al, 2013, p. 146).
Para os cursos de licenciatura, a oportunidade de participar de projetos de extensão é
ainda maior, pois, além desta experiência reforçar conteúdos vistos em sala de aula, os
alunos/professores precisam preparar suas aulas, selecionar os conteúdos que serão passados
em cada contexto e refletir sobre a melhor forma de passá-los para os seus alunos, buscando
diferentes técnicas e métodos que podem ser utilizados para ensinar determinado conteúdo
para um indivíduo ou um grupo.

b) Legislação e diretrizes da extensão universitária


A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 4.024/1961) concebe a
extensão como cursos de especialização, aperfeiçoamento ou qualquer outro, aberto a
candidatos externos, o que ratifica o caráter de cursos e conferências atribuído à extensão
universitária, sem apresentar, no entanto, avanços ou inovações em termos de concepção ou
objetivos (BRASIL, 2019, p. 6). Estes cursos abordavam diversos temas, que não eram
necessariamente relacionados às problemáticas sociais e políticas da época, e nem às questões
sociais e econômicas da comunidade (BRASIL, 2019, p. 5). Paula (2013, p. 19) faz uma
abordagem histórica e cronológica da extensão universitária no Brasil:

Com efeito, a extensão universitária no Brasil, considerada em conjunto e numa


perspectiva cronológica, pode ser vista como tendo três grandes etapas: I) a anterior a
1964, cuja centralidade foi dada pela campanha pela Escola Pública e pela
aproximação com o movimento das Reformas de Base, a partir de obra e de prática de
Paulo Freire; II) a etapa que vai de 1964 a 1985, polarizada pela emergência e
demandas dos movimentos sociais urbanos; III) a terceira etapa corresponde ao
período pós-ditadura e se caracteriza pela emergência de três grandes novos elencos
de demandas: 1) as decorrentes do avanço dos movimentos sociais urbanos e rurais;
2) as que expressam a emergência de novos sujeitos e direitos, que ampliaram o
conceito de cidadania; 3) as demandas do setor produtivo nos campos da tecnologia e
da prestação de serviços (PAULA, 2013, p. 19).

A universidade sentiu a necessidade de evoluir junto com essas novas demandas


sociais, econômicas e tecnológicas, e o maior impacto foi sentido no modo de fazer extensão.
Foi nesse contexto que foi criado, em 1987, o Fórum de Pró-Reitores da Extensão das
Universidades Públicas Brasileiras (FORPROEX). Segundo Nogueira (2013, p. 4), o Fórum
veio atuar no sentido de estabelecer e consolidar o caráter acadêmico da extensão como
instrumento de democratização do conhecimento produzido e como meio de cumprir a função
social da universidade, superando uma visão antiga de assistencialismo e fortalecendo a
indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Posteriormente, a Lei 9.394/1996, Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional


(LDBEN), estabeleceu as bases da educação nacional e instituiu o sistema de Diretrizes
Curriculares, abrindo caminhos para a inclusão de atividades complementares, ações de
Extensão e atividades de Pesquisa como parte do processo de formação dos estudantes
(MARTINS et al, 2015, p. 129).
Em 2017, o Conselho Nacional de Educação (CNE) buscou montar uma comissão
visando, entre outras atribuições, estabelecer diretrizes e normas para as atividades de
extensão no contexto da educação superior brasileira. Também foram abordados temas como
ensino a distância, requisitos legais obrigatórios, modalidades de atividades de extensão e
parcerias interinstitucionais em atividades de extensão (BRASIL, 2018, p. 1).
Nessa mesma portaria, o Conselho apontou que, diante das novas demandas impostas
à universidade, foram definidas novas diretrizes que permitem conceber a extensão
universitária como função potencializadora na formação dos estudantes e na capacidade de
intervir em benefício da sociedade, aspecto essencial para que a universidade se realize como
instrumento emancipatório do ponto de vista histórico. A extensão universitária já se
encontrava presente, de modo evidente, nos objetivos e metas do Plano Nacional de Educação
(PNE) para a vigência de 2001-2010. Especificamente, no que se refere à educação superior, a
extensão é apontada em quatro dos vinte e três objetivos e metas:

7. Instituir programas de fomento para que as instituições de educação superior


constituam sistemas próprios e sempre que possível nacionalmente articulados, de
avaliação institucional e de cursos, capazes de possibilitar a elevação dos padrões de
qualidade do ensino, de extensão e no caso das universidades, também de pesquisa.
[…]
21. Garantir, nas instituições de educação superior, a oferta de cursos de extensão,
para atender as necessidades da educação continuada de adultos, com ou sem
formação superior, na perspectiva de integrar o necessário esforço nacional de resgate
da dívida social e educacional.
22. Garantir a criação de conselhos com a participação da comunidade e de entidades
da sociedade civil organizada, para acompanhamento e controle social das atividades
universitárias, com o objetivo de assegurar o retorno à sociedade dos resultados das
pesquisas, do ensino e da extensão.
23. Implantar o Programa de Desenvolvimento da Extensão Universitária em todas as
Instituições Federais de Ensino Superior no quadriênio 2001-2004 e assegurar que, no
mínimo, 10% do total de créditos exigidos para a graduação no ensino superior no
País será reservado para a atuação dos alunos em ações extensionistas (BRASIL,
2019, p. 8).

Segundo as Orientações para a curricularização da extensão na UERN, a


curricularização da extensão possibilita que todos os cursos de graduação insiram, em seus
currículos, atividades formativas ricas em experiências e aprendizagens de natureza teórico-
prática, intencional, reflexiva, interventiva e transformadora (UERN, SD, p. 5). Nos cursos de
graduação desta instituição, a curricularização da extensão ocorre através de atividades

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

denominadas Unidades Curriculares de Extensão (UCEs), e devem ser sistematizadas e


executadas nas formas de Programas e/ou Projetos, envolvendo, necessariamente, professores
e discentes da graduação e comunidade externa (UERN, s/d, p. 7).

c) Curso Livre de Violão


O Curso Livre de Violão da UERN tem como objetivo geral proporcionar o ensino
coletivo de violão, em turmas de nível iniciante, intermediário e avançado, através do diálogo
entre os universos musicais dos alunos e do professor e, como objetivos específicos: (1)
diagnosticar as vivências musicais dos alunos ingressantes; (2) estabelecer metodologias de
ensino específicas para cada grupo; (3) realizar apresentações musicais com o repertório
trabalhado; (4) contribuir de forma mais efetiva para a comunidade como um todo, o que inclui
os alunos, seus entornos de vivência e todos que tiverem, de alguma forma, algum contato com o
projeto; (5) propor a integração entre ensino, pesquisa e extensão. A proposta metodológica
utilizada no projeto é a do Ensino Coletivo de Instrumento Musical (ECIM), que será delineada a
partir do diagnóstico de cada turma e do estabelecimento de planos de ação específicos.

3. Metodologia
O Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Música da UERN, turno noturno,
apresenta a obrigatoriedade da prática da extensão em 10% da carga horária total do curso. Os
componentes Unidades Curriculares de Extensão (UCEs) encontram-se distribuídos entre o
1º, 3º e 4º períodos, nos quais o aluno se matricula em um dos projetos de extensão
disponíveis para aquele semestre. Em 2019.1, foram disponibilizadas vagas para dois projetos
de extensão: Vozes da UERN e Curso Livre de Violão.
A UCE compreendia três diferentes atividades: encontro entre todos os alunos e
professor, para discussão das atividades (que aconteciam nas segundas, de 20h40 às 21h30);
prática docente, na qual os alunos/instrutores ministravam aulas de violão para os alunos da
comunidade externa matriculados no projeto, compreendendo dois encontros semanais, cada
qual em um nível de conhecimento diferente (Iniciante e Intermediário).
Os alunos matriculados nesta UCE participaram, inicialmente, do processo seletivo
para alunos do curso Intermediário, que consistiu em uma conversa com cada candidato, e
estes tocaram uma música de livre escolha, a fim de avaliarmos sua experiência ao violão. A
participação dos alunos/instrutores neste processo foi importante para vivenciar um processo
de seleção, mesmo sendo somente classificatório – organização de diferentes níveis de
Intermediário. Todo o processo foi conduzido pelo coordenador do projeto.

161
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

As turmas foram divididas a partir de alguns horários pré-estabelecidos e outros


combinados, de acordo com a disponibilidade dos alunos da graduação e dos alunos do
projeto. Devido à pouca quantidade de alunos inscritos, as aulas foram individuais, com
grupos de 2 ou 3 instrutores (alunos da graduação matriculados na UCE) para cada aluno do
projeto; essas duplas ou trios de instrutores continham ao menos um indivíduo já com
experiência como professor de violão.
Outra questão digna de nota foi a dinâmica proposta para os alunos/instrutores que
moram em outras cidades: dois alunos Caraúbas (RN), uma aluna de Severiano Melo (RN),
um aluno de Russas (CE) e um aluno de Tabuleiro do Norte (CE). Estes alunos trabalharam
com o ensino coletivo de violão em diversos espaços: escola pública de nível fundamental,
igreja, companhia de teatro e na própria residência.
Para todos os alunos/instrutores, foram pedidos relatórios semanais, nos quais seriam
detalhadas as atividades desenvolvidas em cada encontro, como estas foram recebidas pelos
alunos, como foi o rendimento dos alunos, dificuldades encontradas etc. Além disso, aos
alunos/instrutores de outras cidades, foram também solicitadas fotos e filmagens das aulas,
para avaliação do coordenador.

4. Análise dos resultados

As primeiras aulas aconteceram nos dias 15 e 16 de julho. Foi realizada a


apresentação do projeto, explicando como seriam ministradas as aulas pelos instrutores. A
partir daí, buscou-se identificar a vivência individual de cada aluno. Solicitou-se a cada aluno
um repertório de 5 a 10 músicas que os alunos pretendiam aprender em algum momento de
sua aprendizagem, e relatado que, no final do semestre, haveria um recital, aberto para quem
quisesse tocar. Cada equipe de instrutores ficou responsável por analisar o repertório de cada
aluno, adaptando as músicas de acordo com o desempenho e evolução do aluno.
Para os alunos iniciantes, o trabalho consistiu em exercícios técnicos básicos para mão
esquerda e direita, acordes simples e suas trocas e levadas rítmicas de mão direita, com base
no repertório escolhido. À medida que os alunos foram evoluindo, ao longo do semestre, teve
início o planejamento do repertório para a apresentação final, na qual os instrutores e os
alunos tocariam juntos, o que proporcionou também a prática em conjunto.
Nas turmas intermediárias, as aulas eram planejadas a partir do repertório do aluno,
visando aperfeiçoar as técnicas já dominadas e corrigir condicionamentos mecânicos que
poderiam prejudicar seu desempenho na execução das músicas. Os alunos do projeto

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

escolheram seus repertórios para o recital e os alunos/instrutores trabalharam arranjos para


diversas formações, utilizando também o conta e outros instrumentos, como guitarra,
percussão, baixo e bateria. Todas essas aulas e o recital final aconteceram no Campus Central
da UERN, em Mossoró (RN).
Os instrutores que deram aulas em suas cidades adequaram essas propostas iniciais de
acordo com as turmas e os locais que atuaram. A instrutora Hilely ministrou suas aulas na
cidade de Severiano Melo (RN), para alunos de uma igreja evangélica, com repertório voltado
para músicas utilizadas na igreja. O instrutor Valmirlei deu aulas na cidade de Tabuleiro do
Norte (CE), em sua residência, para turmas mistas. Esse instrutor já fazia parte de um projeto
e era orientado por um professor local. O instrutor Pedro deu suas aulas para membros do
grupo de teatro OFICARTE Teatro & Cia de Russas (CE), e focava em músicas das
apresentações do grupo e também em escolhas individuais. Com o passar das aulas, outros
instrumentos musicais foram utilizados, para trabalharem diferentes arranjos das músicas. Os
instrutores Tacio e Emanuel atuaram na Escola Municipal Josué de Oliveira, em Caraúbas
(RN), através de aulas coletivas de violão aos sábados para crianças. Em suas aulas,
propuseram um repertório de músicas infantis simples, através do aprendizado de acordes e
suas mudanças. Apesar da disciplina UCE ter finalizado, os instrutores permaneceram com o
projeto na escola.
Nos encontros semanais, o coordenador do projeto conversava sobre as aulas, a partir
dos relatos individuais dos alunos/instrutores e de suas observações, orientando-os quanto às
dificuldades práticas encontradas e na organização do recital de encerramento do semestre.
O recital aconteceu no dia 07 de outubro de 2019, e contou com a apresentação dos
alunos do Curso Livre de Violão, e de alunos das disciplinas de Instrumento (Violão, Flauta
Doce e Violino) do curso de Licenciatura em Música da UERN. As músicas tocadas pelos
alunos do Curso Livre de Violão, turmas iniciantes e intermediárias foram: Yesterday, Pra
não dizer que não falei das flores, La belle de jour, Hey Joe, Palpite, In my life e Negro gato.
Os instrutores participaram, junto a seus alunos, em vários instrumentos, como violão, baixo,
percussão, guitarra, bateria e canto.
Todos os alunos/instrutores que se mantiveram no componente até o final do semestre
foram aprovados com conceito Satisfatório, e tiveram, ao longo do semestre, uma grande
evolução em suas práticas de ensino do violão. Os alunos/instrutores que davam aulas em
outras cidades apresentaram um relatório final com as filmagens e fotos de suas aulas.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

5. Considerações Finais
A extensão universitária permite ao aluno vivenciar questões abordadas em sala de
aula, bem como exercer atividades que só se aprimoram com a prática junto à comunidade
externa. A curricularização da extensão abre novos horizontes para os alunos da graduação,
inserindo-os de forma mais efetiva nos projetos e/ou programas de extensão promovidos pelos
departamentos. A primeira turma do curso de Licenciatura em Música a cursar o componente
UCE no projeto de extensão Curso Livre de Violão atingiu seus objetivos de forma
satisfatória, tanto em sua atuação no ensino coletivo quanto no individual.

Referências

BRASIL. Lei 9.394/1996. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em: <
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-
publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 28 nov. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria Nº 1.350, de 14 de dezembro de 2018. Diretrizes


para as Políticas de Extensão da Educação Superior Brasileira. Disponível em: <
http://portal.mec.gov.br/docman/novembro-2018-pdf/102551-pces608-18/file>. Acesso em:
27 nov. 2019.

MARTINS, Silvana Neumann; ECKHARDT, Viviane Maria Theves; VALANDRO, Natalia


de Alencastro; COSTA, Janaína da. A contribuição da extensão na formação de
universitários: um estudo de caso. Revista Nupem, Campo Mourão, v. 7, n. 12, jan./jun. 2015.

NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. O Fórum de Pró-reitores de Extensão das


Universidades Públicas Brasileiras: um ator social em construção. Interfaces - Revista de
Extensão da UFMG, v. 1, n. 1, p. 35-47, jul./nov. 2013.

PAULA, João Antônio de. A extensão universitária: história, conceito e propostas. Interfaces
- Revista de Extensão da UFMG, v. 1, n. 1, p. 05-23, jul./nov. 2013.

RODRIGUES, Andréia Lilian Lima; PRATA, Michelle Santana; BATALHA, Taila Beatriz
Silva; COSTA, Carmen Lúcia Neves do Amaral; PASSOS NETO, Irazano de Figueiredo.
Contribuições da extensão universitária na sociedade. Cadernos de graduação - Ciências
Humanas e Sociais, Aracaju, v. 1, n.16, p. 141-148, mar. 2013.

UERN, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte. Orientações para a curricularização


da extensão na UERN. SD. Disponível em < http://www.uern.br/controledepaginas/proex-
documentos-legisla%C3%A7%C3%A3o/arquivos/1165manual_de_curricularizaa%C2%A7a
%C2%A3o_1.pdf >. Acesso em: 28 de nov. 2019.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 17. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014.

164
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Iniciación a la Libre Improvisación: Un estudio de caso con una Orquesta de Saxofones

Miguel Clemente Rubio


DM/IA/ELM-CIDDIC/UNICAMP
miguelclementesaxo@gmail.com

Manuel Falleiros
ELM/CIDDIC/COCEN/UNICAMP
mfall@unicamp.br

José Fornari
NICS/CIDDIC/COCEN/UNICAMP
fornari@unicamp.br

Resumen: El presente artículo utiliza la práctica musical de la Libre Improvisación (FI) como práctica
pedagógica. Este estudio parte como un estudio de caso en el que se abordó a lo largo de 4 sesiones en
los alumnos de la Orquesta de saxofones de la ELM-CIDDIC1. La metodología usa fue investigación
acción y los datos recogidos a través de cuestionarios que los alumnos rellenaron al término de 3
sesiones. Los resultados apuntaron mejoras en la calidad musical del grupo, mayores posibilidades del
instrumento, así como una mayor cohesión y sociabilidad debido al uso de estas prácticas pedagógicas.

Palabras clave: Libre improvisación. Enseñanza colectiva. Orquesta de saxofones. Actividades


creativas.

1. La Libre Improvisación y su actuación de auxilio en la enseñanza


El presente artículo proviene de un estudio de caso realizado dentro de una tesis de
doctorado que tiene como temática la educación musical y la enseñanza colectiva de saxofón.
La investigación llevada a cabo tiene como objeto principal el estudio de la Libre
Improvisación y sus características esenciales (del inglés, Free Improvisation, siendo FI la
sigla adoptada a lo largo del texto) para ampliar las capacidades musicales de los alumnos. La
FI se viene convirtiendo en la actualidad en un campo prolífico de estudio que engloba
diversas áreas de conocimiento en la que se incluye la educación. En la FI se da por hecho la
ausencia de la notación tradicional, a diferencia de la música europea de concierto, o incluso,
como en el jazz en el que se da estructuras preconcebidas, lo que se manifiesta en relación a la
FI como un hacer musical inmediato unido a la expresión musical. La FI es una corriente
musical que se potencializa partiendo de un complejo artístico erudito europeo, dando
especial énfasis en el Reino Unido a lo largo de la década de los años 1970 (CLEMENTE,
FALLEIROS, FORNARI, 2019). Por ello, es una corriente musical que está apenas
estableciéndose recientemente en la sociedad que nos rodea. Esta práctica musical comentada
anteriormente (FI) es una práctica musical experimental, empírica y generalmente colectiva,
que no se subordina a cualquier práctica musical específica, aunque dialogue y se entrelaza
con diversas prácticas contemporáneas como se puede resaltar la danza, el teatro,
improvisación jazzística, música contemporánea (FALLEIROS, 2018). Un aspecto que se

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

puede destacar en la FI es no que se manifestada geográficamente en un determinado lugar,


pues ocurre en varios países en Europa, en los Estados Unidos y en varios países de América
Latina, como es el caso de Brasil, que actualmente se destaca con un panorama bastante
diversificado y activo en esta práctica.
Según Edward Sarath, profesor en la Universidad de Michigan, en la FI, la ejecución
del instrumentista camina junto con la creación musical transcurriendo según sus
posibilidades de ejecución. De esta forma, encuentra nuevos paradigmas y sonoridades que
llevan al instrumentista a la adquisición de nuevos métodos para explorar las sonoridades
fomentando la creatividad. Para Sarath (2009), cada músico que participa en el grupo de
improvisación comienza e interactúa con su experiencia previa, es decir, es un modelo de
aprendizaje a través de la improvisación tras estilística, por tanto, lo que un sujeto aporta parte
de su experiencia personal y musical a lo largo de su vida, que puede haberse manifestado de
muchas maneras: lo que escuchó a lo largo de su vida, el lugar, el estilo de la música, otros
factores como su relación y desempeño con el instrumento a través del cual se expresa además
de cómo traduce su sonido (SARATH, 2009, p. 32-53). En el caso de una educadora musical
española especialista en el área, Chefa Alonso (2007) enumera algunos de los valores de la FI
como estrategia pedagógica entre los cuales se da énfasis a las relaciones interpersonales
basadas en la igualdad, perfeccionamiento de la relación con el instrumento debido al simple
hecho que se explora el instrumento, se aprenden técnicas extendidas del mismo, así como se
aprende a resolver problemas del día a día con actividades realizadas mediante la FI. Alonso
destaca también que en muchas ocasiones que actividades creativas o de improvisación se
dejan de lado dentro de los currículos académicos.
En el contexto de América Latina, la aplicación de FI como parte de herramientas
pedagógicas se resaltan en la figura de Hans-Joachin Koellreutter (1997), siendo las
actividades con improvisación lo más destacado en su trabajo. Según Brito (2003), las
actividades propuestas por Koellreutter realzan también aspectos de organización,
convivencia, colaboración entre iguales, así como contacto prácticas musicales
contemporáneas.
María Teresa Alencar de Brito (2003) apunta que la improvisación debe entenderse
como una herramienta pedagógica importante que acompaña todo el proceso de educación
musical dándole oportunidades a los educadores musical a la observación y al análisis que los
alumnos establecen con los materiales sonoros a los que se exponen (BRITO, 2003, p.152).
Carlos Kater (2017) defiende la FI como una propuesta de enseñanza de música en la que se
potencializa la exploración sonora, las experiencias en general, situaciones abiertas,

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XIII Encontro de Educação Musical
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espontáneas, exposición y de riesgo. Para este autor, en momentos como estos, citados
anteriormente, es cuando el profesor contempla progresivamente actividades lúdicas con
mayor grado de imprecisión e indeterminación en las que se favorecen a que se tenga
posicionar, argumentar y tomar decisiones (KATER, 2017, p.158).
Uno de los principales autores especialistas del asunto en Brasil, Rogério Costa (2016,
p.84), apunta que la FI siendo vista como estrategia pedagógica se puede utilizar para
proporcionar la construcción de conocimiento y habilidades como la escucha, aspectos
fundamentales para construcción musical debido a que pone en marcha su acción,
pensamiento (mente y cuerpo de forma integrada) percibiendo, en un amplio sentido del
término, un flujo sonoro de acontecimientos musicales dinámicos que se encajan dentro de
esta práctica musical.
Es importante mencionar una investigación llevada a cabo recientemente por Brietzke
(2018), en la que en se buscó investigar en la implementación de modelos de juego de
improvisación para la iniciación colectiva del violoncelo, en tres instituciones diferentes de
São Paulo, obteniendo resultados a través de una metodología investigación acción. Los
resultados apuntaron a través de los relatos de estudiantes que estos, se sintieron cómodos,
además de haber reconocido construcciones de narrativas musicales en las actividades, mayor
integración con los compañeros además de aproximación narrativas musicales
contemporáneas. Los profesores involucrados en la investigación indicaron el desarrollo de la
creatividad y mejora en el proceso de enseñanza aprendizaje, aunque apuntaron la necesidad
de contextualizar las propuestas dentro de un modelo de enseñanza tradicional.

2. Perfil del alumnado


Las cuatro sesiones de FI fueron aplicadas dentro de un grupo experimental compuesto
por los alumnos de la orquesta de saxofones de la ELM (Escuela Libre de Música), de la
Universidad Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Esta orquesta está formada actualmente
por 14 instrumentistas con un nivel de competencia entre básico e intermediario. La ELM
tiene como objetivo extender la educación musical a las personas dentro y fuera del entorno
académico. Actualmente, la orquesta está compuesta por dieciséis instrumentistas que utilizan
la instrumentación del cuarteto de saxofones clásico, es decir, saxofón soprano, alto, tenor y
barítono, con los roles de saxofón alto en tres voces diferentes, saxofón tenor en dos voces,
una sola voz para saxofón soprano y saxofón barítono. La ELM también lleva a cabo trabajos
de extensión, generalmente sirviendo a la comunidad con presentaciones en congresos,
conferencias, talleres y en el Hospital Central UNICAMP.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

3. Desarrollo de las sesiones y metodología


A lo largo del estudio se llevaron a cabo el total de cuatro sesiones de una duración
variada entre 30-45 minutos impartidas por el Prof. Dr. Manuel Falleiros, especialista en el
área de FI. Estas sesiones fueron impartidas con mi presencia como profesor de saxofón
doctorando de la escuela que realicé un trabajo de recolección de datos además de una
comparación evaluativa después de haber utilizado las actividades de FI realizando ensayos
con estilos más familiares para los alumnos usando el repertorio tradicional como también
con la elaboración e interpretación de los cuestionarios utilizados.
Para el desarrollo de esta investigación se utilizó una metodología que de carácter
cualitativo en el que tanto investigador como profesor formaban parte de la acción
investigativa pedagógica involucrándose, dando ejemplos e interactuando con los alumnos.
De esta forma se posibilitó una perspectiva comparativa y holística de aquello que acontecía
durante la aplicación de las actividades aplicadas durante las sesiones. Al término de las
actividades de FI, los alumnos continuaron trabajando el repertorio tradicional. Después de las
sesiones, específicamente en tres ocasiones, los alumnos respondieron tres cuestionarios
online a través de la plataforma Google drive, las preguntas estaba elaboradas en una escala
del 1 a 5 en el 1 siempre estaba relacionada con una actitud negativa hacia la pregunta del tipo
nada cambió, sin embargo, el valor 5 estaba asociado con una valoración muy positiva del
tipo mejoró mucho hacia la cuestión establecida. Al final del estudio se realizó una
comparación gráfica entre las respuestas de las preguntas que fueron de carácter semejante a
lo largo de las sesiones, aunque formuladas de otra forma, además de los datos e impresiones
recogidas a través de la investigación acción mencionada anteriormente.
A lo largo de la primera sesión se llevó a cabo una tormenta de ideas sobre lo que los
alumnos consideraban que era improvisación. Muchos de ellos no estaban acostumbrados con
el término y les costaba mucho encontrar una definición. El profesor colocó varios ejemplos,
mostrando que no solamente la improvisación se daba en el jazz y que incluso ya era utilizada
en tiempos del barroco. Posteriormente se presentó el término de FI, mostrando ejemplos,
partiendo posteriormente para la importancia de la escucha para que se consiga representar
correctamente la FI. Terminando esta pequeña introducción los alumnos escucharon algunas
grabaciones en la que tenían que analizar de forma auditiva lo que aparecía en los ejemplos
dado sobre esta práctica musical. Al término de esta sesión se propuso como actividad de casa
que los alumnos gravasen un ambiente cualquier que les resultase interesante, realizando una
partitura de tipo gráfica, visual, tradicional, no convencional para que los alumnos la tocasen

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

con aquello que habían escuchado usando la creatividad y las técnicas extendidas. Al término
de esta sesión bajo mi punto de vista, cuando se interpretó el repertorio tradicional no hubo
cambios aparentes, aunque sí que hubo más intención a la hora de escuchar sobre todo a la
hora de realizar ejercicios que fomentan la escucha, por ejemplo, en vez de realizar un
semicírculo en la formación dispensar a los alumnos por la sala para tocar en grupo, se
apreció más atención y más responsabilidad por parte de los alumnos a la hora de llevar a
cabo la interpretación.
La segunda sesión comenzó con la muestra aprendizajes y de interés por parte de los
alumnos comenzaron exponiendo las grabaciones e interpretándolas de forma creativas. El
balance general fue muy positivo y el interés por parte de los alumnos en indagar y descubrir
posibilidades en el instrumento fue presente. Muchos alumnos realizaron grandes diseños
sonoros, utilizando algunas técnicas extendidas como juegos de llaves, slap, multifónicos. La
clase continuó, donde el profesor, mostró, comentó, debatió con los alumnos varios ejemplos
de improvisación, mostrando problemáticas de clichés interpretativos usado en la
improvisación creando un debate entre improvisación e imitación. A continuación, se
pusieron en marcha algunos ejercicios en los que se diferenciaron los términos para la
creación de música dentro de la práctica musical FI. El término integrarse (colocar algo
nuevo, apoyar algo sobre lo que la otra persona estaba creando), hesitar (mostrar desinterés a
lo que el otro improvisador está creando), opuesto (tocar justamente lo contrario, si toca forte
yo toco piano), diferente (analizar y contribuir a la improvisación con algo espontáneo)
(GLOBOKAR, 1970). Posteriormente se realizaron ruedas con padrones en las que se
pusieron en práctica los términos primero de forma individual y posteriormente mezclando
todo, fomentando la escucha e intentando favorecer el respeto por la homogeneidad sonora.
En este ejercicio se realizó por parejas en la que uno inventaba el otro podía responderle
contribuyendo, hesitando, contrariando o haciendo algo diferente, posteriormente un tercer
miembro entraba realizando una síntesis interpretativa sobre aquello que estaba escuchando.
Estos dúos se interpretaron de forma repetida entre los integrantes de la orquesta de
saxofones. Al término de esta sesión cuando trabajamos el repertorio tradicional hubo
cambios sustanciales en el aspecto de respecto en la jerarquía de las voces, así como la calidad
de afinación sonora. Hubo una mejora en la escucha lo que posibilitó que los alumnos tocasen
con una mejor calidad, aunque fue por poco tiempo ya que pude percibir gran cansancio por
parte de los alumnos debido al esfuerzo cognitivo y creativo que habían implementado en las
actividades anteriores.

169
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

En la tercera sesión hubo una introducción teórica sobre estilos y cómo una misma
pieza musical puede interpretarse de una forma dependiendo del estilo, en esta actividad los
alumnos participaron de forma activa señalando lo que se mantenía dependiente y lo que
permanecía en las diferentes obras que se mostraron. También hubo contacto con la
importancia de la partitura, como representación, y no como una forma sonora interpretativa.
Partiendo para la FI en la que se da más énfasis a la parte interpretativa, debido a que no hay
la necesidad de uso de la partitura. Posteriormente se realizaron actividades relacionadas con
el simbolismo sonoro relacionado con la investigación llevada a cabo por Wolfgang Kohler 2
“kiki” o “bouba” en la que se presentan dos figuras una muy puntiaguda y la otra con curvas
redondas las personas tienen que nombrar las dos figuras. Se pidió a los alumnos que
interpretasen libremente tanto una como otra llamándolas en esta ocasión de “takete” y
“maluma”. Normalmente en la interpretación de “takete” aparecieron notas agudas, con
mucha densidad (eventos que acontecen por tiempo), muy fuerte, sin embargo, en la
interpretación de “maluma” los alumnos la relacionaron con una melodía homogénea, ligera,
agradable en la realizaron una improvisación muy homogénea. Después se realizaron
variaciones en las que produjeron transiciones pasando de “takete” para “maluma” y
viceversa, fomentando la creatividad en conjunto, así como la musicalidad sonora de la
orquesta. En esta actividad hubo dificultad para mantener el ritmo, negociarlo y mantenerlo.
También se trabajaron ejercicios en los que se englobaron la práctica metronómica y que hizo
con se mejorase el ataque musical en el repertorio tradicional. La actividad consistió en
colocar el metrónomo y en una rueda cada alumno tenía que realizar una “firma” que consistía
un ataque característico en el que había que usar alguna técnica extendida del instrumento
realizando diferentes variantes (mucha densidad, poca densidad, forte, piano). Por último, en
esta sesión fueron definidos aspectos esenciales de la práctica musical FI como la densidad,
ritmo, tesitura (usando notas agudas, graves, todo el registro), volumen realizándose
diferentes experiencias musicales englobando estos términos produciendo una performance
del FI.
A lo largo de la última sesión se llevó a cabo la utilización de juego musicales
utilizando la FI. En esta sesión se destaca el juego “Sombras” que consiste en que un
improvisador realiza sonoramente las intenciones y gestos del profesor que no tocará como
tal, aunque sí digita su instrumento y realiza gestos de performance. Por último, se llevó a
cabo el juego Game-game33 que tuvo como objetivo investigar las interacciones musicales,
teniendo el jugador que adivinar los parámetros musicales que los músicos habían quedado
antes de haber terminado el juego.

170
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

4. Resultados
Los resultados desde el punto de vista del profesor a través del uso de la metodología
acción y notas recogidas durante la clase pude observar una mejora significativa en la
performance grupal de la orquesta. Los alumnos con el pasar de las sesiones se sintieron más
motivados y mejoraron sustancialmente los aspectos sociales de la orquesta, así como la
escucha y el respeto en la jerarquía de voces a la hora de interpretar los repertorios
tradicionales.
A seguir se comparan algunas de las respuestas a una de las preguntas formuladas de
forma similar a lo largo de los tres cuestionarios rellenados por los alumnos.
En referencia a si sintieron diferencias sonoras en la orquesta en el cuestionario 1
aplicado al término de la segunda sesión se preguntó: ¿Cuánto piensas que el grupo mejoró
después de las actividades aplicadas? Siendo 1 muy poco y 5 mucho (Fig.1). Los resultados
apuntaron que en este primer contacto con la dinámica los alumnos no se sintieron muy
identificados con el tema y no percibieron muchos cambios. Según el punto de vista del
profesor, estos datos se corroboran debido a que los alumnos se encontraban sin entender las
cosas muy bien además de agotados mentalmente por la aplicación de las actividades que
pueden haber sido muy distantes a lo que ellos estaban acostumbrados. En relación a este
tema en el cuestionario 2 aplicado al término de la tercera sesión se preguntó: ¿Cuánto crees
que la sincronía del grupo mejoró? Siendo 1 muy poco y 5 mucho (Fig.2). Los resultados se
muestran clarividentes debido a que de 14 alumnos 3 dijeron que mucho y 4 que bastante
habiendo apenas 1 alumno que indicó que no mejoró nada y otro diciendo que muy poco. En
este aspecto siguiendo las notas de clases del profesor, hubo un cambio positivo en la
dinámica de la orquesta, los alumnos estaban más juntos en líneas melódicas, los ataques
iniciales eran más exactos y la escucha había mejorado mucho. En relación a este tema en el
cuestionario 3 aplicado al término de la cuarta sesión se preguntó: ¿Después de las actividades
crees que la sonoridad de la orquesta mejoró en el repertorio tradicional? En una escala en la
que 1 se corresponde a muy poco y 5 a mucho (Fig.3). En esta ocasión hubo presente 11
alumnos en los 8 indicaron que la orquesta mejoró mucho y 2 bastante, resaltando el dato que
solamente un alumno no sintió mejora en nada sobre la mejora de la calidad sonora de la
orquesta.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Figura 1: Resultado de una pregunta del cuestionario realiza después de la conclusión de la segunda sesión de FI.

Figura 2: Resultado de una pregunta del cuestionario realiza después de la conclusión de la tercera sesión de FI.

Figura 3: Resultado de una pregunta del cuestionario realiza después de la conclusión de la cuarta sesión de FI.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

5. Conclusión
El presente trabajo tuvo como objetivo el uso y experiencia introductorio de la FI en
una orquesta de saxofones, con la implementación de juego de improvisación, trabajo de
escucha, con el objetivo de que los alumnos mejorasen de forma grupal, así como
aproximarlos a las prácticas interpretativas modernas y uso de técnicas avanzadas en el
instrumento (CLEMENTE, FALLEIROS, FORNARI, 2019). Las sesiones ocurrieron con
diferentes alumnos pues hubo algunas faltas en los días que se trabajó FI. La FI, por lo tanto,
parece indicarnos un camino próspero que permite al alumno la liberación de los clichés
tradicionales además del fomento de las capacidades creativas para la mejora de estas en pro
de una mejora interpretativa, como también beneficios en la escucha y conocimiento del
propio instrumento (FALLEIROS, 2018). En cuestión a esta investigación será llevada a cabo
para el estudio de doctorado llevado a cabo por el doctorando Ms. Miguel Clemente para
comprobar la musicalidad de los alumnos, con la hipótesis de si esta puede ser medidas, así
como la creación y aplicación de actividades basada en la FI para conocer la mejora de las
capacidades musicales de los alumnos pretendiendo extraer más conclusiones y resultados
sobre las posibilidades y límites de la utilización pedagógica de la FI en la educación musical.

Referências

ALONSO, C. Improvisación libre: la composición en movimiento. Baiona: Editorial Dos


acordes S. L., 2007.

BRIETZKE, M. Música contemporânea na iniciação coletiva ao violoncelo: Uma pesquisa-


ação com jogos de improvisação em três instituições de ensino no estado de São Paulo. São
Paulo, 2018. 159f. Dissertação Mestrado em música. Escola de comunicação e artes, USP,
São Paulo, 2018.

BRITO, M. T. Música na educação infantil: propostas para a formação integral das crianças.
São Paulo: Editora Peirópolis, 2003.

CLEMENTE, M.; FALLEIROS, M.; FORNARI, J. La libre improvisación en la Escuela libre


de Música CIDDIC-UNICAMP. Propuesta metodológica para la adquisición de habilidades,
capacidades y actitudes dentro del ensemble de saxofones. Revista Vórtex, Curitiba, v. 7, n. 2,
p. 1-18, 2019.

COSTA, R. M. Música errante: o jogo da improvisação livre. São Paulo: Perspectiva: Fapesp,
2016.

FALLEIROS, M. Roteiros, Propostas e Estratégias: por uma poética mosaica da Improvisação


Livre. Debates, UNIRIO, n. 20, p. 188-208, 2018.

GLOBOKAR, V. Réagir, in Musique en Jeu, Editions du Seuil, vol. 1, Paris, 1970.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

KOELLREUTTER, Hans-Joachin. Encontro com H.J. Koellreutter. In: KATER, Carlos (org).
Cadernos de estudo: Educação musical no 6. Belo Horizonte: Através, 1997.

KATER, C; SANTOS, R. M. O projeto “A Música da Gente”: Entrevista com Carlos Kater.


Revista Faeba, Salvador, v. 28, n. 48, p. 155-166, 2017.

SARATH, E. A New Approach to Musicianship Training. New York and London: Routlegde,
2009.

Notas

1
Parte de CIDDIC (Centro de Integración, Documentación e Difusión Cultural), uno de los centros y núcleos
interdisciplinares da COCEN (Coordinador de Centros e Núcleos) de la UNICAMP.
2
Disponible en: < https://www.bbc.com/portuguese/geral-39685606 >. Acceso: 22 nov. 2019.
3
Nombre original “Aventura” trae una propuesta que combina la actuación musical con interacción con un
elemento visual. En esta propuesta, diseñada para investigar las interacciones musicales, existe una relación en
tiempo real con un elemento visual y las posibilidades de cada participante, a través de un conjunto de
parámetros previamente propuestos. Disponible en: < http://manufalleiros.com/wp-content/uploads/2018/07/As-
Cidades-Programa2.pdf>. Acceso: 22 nov. 2019.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Inserir para (re)construir-se: visitando as aulas de percussão no Projeto Guri-Polo


Regional de Ribeirão Preto/SP

Ilza Zenker Leme Joly


Universidade Federal de São Carlos/UFSCAR
ilzazenker@gmail.com

Milena Cristina Izaias


Universidade Federal de São Carlos/UFSCAR
milenaed@yahoo.com.br

Resumo: Considerando que a educação ocorre em vários locais e que os indivíduos, ao se


relacionarem entre si, educam-se em reciprocidade, temos como objetivo identificar e compreender os
processos educativos decorrentes da prática musical coletiva, refletindo sobre sua importância para a
formação social do aluno. A metodologia usada foi à observação participante e a ferramenta utilizada
para a coleta dos dados foi o diário de campo. O trabalho mostrou que há processos educativos de
natureza musical e cultural e humano, oriundos das relações existentes e que podem ser analisadas em
outros grupos sociais.

Palavras-chave: Práticas sociais. Processos educativos. Ensino coletivo de percussão.

1. Introdução
O presente artigo é resultado da conclusão de uma disciplina de pós-graduação
(Mestrado) finalizada numa determinada universidade no Estado de São Paulo. Tais estudos
foram realizados com o objetivo de compreender como as pessoas se educam em coletividade,
tanto na escola como em outras práticas sociais, no decorrer de suas vidas.
Práticas sociais decorrem de e geram interações entre indivíduos e entre eles e os
ambientes naturais, social e cultural em que vivem (OLIVEIRA et al., 2014a). Desenvolvem-
se no interior de grupos, de instituições, com o propósito de produzir bens, transferir valores,
significados, ensinar a viver e a controlar o viver, podendo enraizar ou desenraizar, criando
novas raízes.
Em todas as sociedades, ao longo da história, as práticas sociais permitem o
desencadeamento de aspectos essenciais para a formação da vida na sociedade, denominados
processos educativos, compreendidos pelo conjunto de aprendizagens que se dão a partir da
convivência nos mais variados aspectos que surgem nas oportunidades de festas, concertos,
podendo ser de natureza humana, cultural e musical (JOLY, 2011).
Para realizar pesquisas junto às pessoas e grupos, é fundamental uma inserção
cuidadosa e paciente dos pesquisadores, entre os colaboradores e grupos, assumindo o lugar
de um integrante, participando com a intenção de compreender e não de julgamento, pois
durante o período de pesquisa sua visão de mundo e ideias serão expostas, podendo ser
expandidas, reconstruídas e também desconstruídas.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Ao redescobrirmos a pesquisa em novos locais de aprendizagens, estaremos nos


abrindo para um alargamento das relações entre a pesquisa e o ensino na escola e fora da
escola, alargando o leque de nossas leituras, estudos, e reflexões sobre as possibilidades de
ensino.
Creio que devemos estar sempre preocupados em praticar uma educação cujo sentido
seja o de recriar continuamente verdadeiras comunidades aprendentes, unidades dentro e fora
das salas de aulas, geradoras de saberes e, de maneira crescente e sem limites, abertas ao
diálogo e à intercomunicação (BRANDÃO, 2014).
A escolha do Projeto Guri-Polo Regional Ribeirão Preto como campo de pesquisa
ocorreu por ser o local onde atuo como educadora de flauta transversal, e por ser um projeto
caracterizado pela prática de ensino coletivo de música, proporcionando interações sociais
entre todos os alunos que frequentam o polo.
Destarte, o presente estudo tem por objetivo relatar as experiências de inserção no
Projeto Guri-Polo Regional na cidade de Ribeirão Preto/SP, nas aulas de percussão,
identificando os conhecimentos gerados pelas narrativas, sua relevância e contribuição para
desenvolvimento do aluno propiciado pela música.

2. Projeto Guri: visitando as aulas de percussão


Este trabalho foi realizado no Projeto Guri –Polo Regional Ribeirão Preto, no interior
do Estado de São Paulo. Mantido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, o Projeto
Guri é considerado o maior programa sociocultural brasileiro e oferece, nos períodos de
contraturno escolar, cursos de iniciação musical, luteria, canto coral, tecnologia em música,
instrumentos de cordas dedilhadas, cordas friccionadas, sopros, teclados e percussão, para
crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos.
Sua missão visa promover, com excelência, a educação musical e a prática coletiva da
música, tendo em vista o desenvolvimento humano de gerações em formação, objetivando ser
uma organização de referência na concepção, implantação e gestão de políticas públicas de
cultura e educação na área da música, tendo como valores a excelência, a criatividade, a
responsabilidade, a diversidade, a cooperação e a equidade com cada aluno. Atualmente,
localizado no centro da cidade de Ribeirão Preto, ao lado do teatro D. Pedro II, o Projeto Guri
funciona no hotel Palace (prédio de patrimônio público), atende aproximadamente 380
crianças nos cursos oferecidos (Fig. 1).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Figura 1 - Hotel Palace

A pesquisa foi realizada na aula de percussão, numa turma composta de por 7 alunos
com idade entre 10 e 12 anos (frisamos que, estes alunos têm seus nomes omitidos, sendo
identificados por meio de números). Compreendendo a possibilidade do surgimento de
aprendizagens como resultado das relações entre os alunos e o professor, apresentamos a
seguinte questão: Quais os processos educativos são decorrentes da prática musical coletiva
durante a aula de percussão no Projeto Guri-Polo Regional Ribeirão Preto/SP? A partir desta
questão, propomos os seguintes objetivos: identificar e compreender os processos educativos
decorrentes da prática musical coletiva durante as aulas de percussão e nos momentos que
antecedem a entrada na sala de aula; analisar os processos de aprendizagem musical e
extramusical que emergem da convivência entre professor e alunos.

Pesquisar processos educativos em práticas sociais requer do pesquisador(a) uma ação


cuidadosa na busca de uma aproximação enriquecedora entre os envolvidos, que exigirá
tempo, reflexões constantes e “disposição para”. Aproximar-se significa, aqui, tornar-se
próximo do outro, ou seja, conhecer e conviver com o outro. Freire ensina que tornar-se
próximo implica:

[...] em ter fé, confiança, amor e esperança, que somente com o outro é possível um
processo de construção de conhecimento que seja firmado no compartilhamento de
visões de mundo e de experiências de vida que contribua para a valorização do ser
humano como sujeito histórico, para a construção de conhecimento crítico da
realidade e para o enfrentamento das injustiças (FREIRE apud OLIVEIRA et al.,
2014a, p. 127).

Este trabalho teve como procedimento metodológico a observação participante. Trata-


se de estabelecer uma adequada participação dos pesquisadores dentro dos grupos observados

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

e não se trata de “ação” na medida em que os grupos investigados não são mobilizados em
torno de objetivos específicos e sim deixados às suas atividades comuns (THIOLLENT,
1999).
O instrumento usado para coleta de dados foram os registros de campo (também
conhecidos como notas ou diários de campo), que consiste num instrumento de anotações,
comentários e reflexões, para uso individual e intrasferível do investigador no seu dia-a-dia.
Não há um receituário pré-definido, mas é exigido que neles sejam escritas todas as
observações de fatos concretos, acontecimentos, relações verificadas, experiências pessoais
do investigador. Para ser um recurso metodológico efetivo as autoras destacam que:

O movimento de compreensão da realidade através do Diário de campo não se


esgota na relação de complemento, triangulação e explicação dos dados. Avança em
relação ao movimento dialético entre um olhar mais aprofundado e o olhar atento do
pesquisador sobre a realidade. Passa pela questão da relação intersubjetiva entre o
pesquisador e os sujeitos da realidade pesquisada. E por fim culmina auxiliando a
realização do processo interpretativo ou análise do pesquisador ou do grupo de
pesquisa (LOPES et al., 2002, p. 134).

Portanto, é ao retomar os fatos e acontecimentos e as situações captadas pelo olhar


atento em conjunto com um embasamento teórico adequado, é que esta perspectiva pode
tornar-se dialética favorecendo a compreensão da realidade estudada.

3. Relatos das inserções


Neste tópico apresentamos alguns recortes das informações coletadas durante as aulas
de percussão.

Inserção 1:
C.O.: 1Ao chegar na sala apresentei-me aos alunos: Sou educadora de flauta
transversal aqui no Guri e estava ali para participar da aula e aprender um pouco de
percussão com eles. Na sala havia os alunos 1,2, 3, 4 e 5. O aluno 2 logo fala: “Prof.
se ela veio aqui aprender, você tem que ir em outro instrumento aprender também”.
Todos começam a sorrir. Aluno 2 pergunta: “Qual instrumento você toca?”
Respondi: “Flauta transversal.” Aluno 2 comenta: “Ah eu não tenha esta delicadeza
para tocar flauta. Minha irmã toca viola, mas eu gosto de tocar algo mais agitado”.
Todos começam a rir.
O prof. chama os alunos para a roda. Sento na cadeira onde estava o caxixi. Aluno 2
toca bongô. Aluno 4 meia lua. Aluno 1 toca o pandeiro. Aluno 5 toca o triângulo.
Aluno 3 toca os teclados. Todos juntos tocando e o professor improvisa uma
melodia na guitarra. “Eu não sei tocar caxixi”, falo para o aluno 2. Ele me ensina.
“Faça o seguinte movimento: mão para baixo, mão para cima e de uma viradinha!”
O professor me observa e faz sinal que está correto. Todos tocam. Eu tento
acompanhar. “Mudem de instrumento, fala o Prof.”. Cada um escolhe outro. Eu vou
para bongô. Me sinto muito perdida. Ajuda. Aluno1 fala: “Base, ponta, base, mão
direita bate (começo com mão esquerda). De novo professora. Base, ponta, base,
mão direita bate”. Eu continuo. E começo a errar. O aluno 2 me dá sinal que está
errado. E fala bem alto: “Base ponta base mão direita”. Enquanto ele toca o
triângulo.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Logo ouvimos: “mudem!”. Fui para o pandeiro. Os alunos 2 e 5 tocam juntos no


bongô (Fig.3). Os alunos auxiliam o aluno 5 tocar os instrumentos. Aluno 4 me
ajuda. Pega na minha mão e fala: “Segure aqui com a mão esquerda. Bata ponta,
dedo, dedo ponta”.
Penso: como é difícil tocar. Mas conseguia tocar.
“Mudem.” Agora eu deveria ir para a bateria. Fui com a ajuda do aluno 2. Ele:
“toque com um pé no bumbo. Uma mão na caixa e outra no prato”. Tentei mas não
conseguia. Infelizmente eu realmente não consegui tocar. Em seguida fui para os
teclados. O professor cantou o ritmo. Eu deveria sempre tocá-lo sempre repetindo na
próxima nota, descendo e depois subindo ascendentemente. Terminou aula. E todos
experimentaram os instrumentos. Me despedi dos alunos. Eles são muito receptivos
e interativos. Agradeci ao professor. Me senti muito bem na aula. Foi uma
experiência maravilhosa. Adorei a aula. Cada instrumento tem sua técnica.

Nestes diálogos, podemos presenciar nas relações um convívio amistoso, de


cooperação, respeito acolhedor, onde os alunos se educam também na sua humanidade. A
recepção nesta primeira inserção e em todas as posteriores sempre foram repletas de alegria e
muito entusiasmo. Os alunos sempre me ajudando e ensinando a tocar todos os instrumentos.
Durante esta inserção, foi possível compreender, conforme ensina Freire (2017), que quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma
coisa a alguém. O autor ainda disserta que ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi
aprendendo socialmente que homens e mulheres foram descobrindo que era possível ensinar.
Na posição de aluno sentindo as dificuldades de aprendizagem de um instrumento,
compreendo a importância do seguinte pensamento de Freire (2017) ao dizer que “ formar é
muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”. Não posso
ter um olhar somente para as questões técnicas do instrumento, mas ter ações educativas que
favorecem o aprendizado humano do aluno, olhando para suas limitações, ajudando no
processo de aprendizagem.

Inserção 2:
C.O.: Nesta aula o professor levou um objeto diferente e pergunta o que poderia ser.
O aluno 1 responde: “É uma arcada de burro”. Aluno 2 responde: “É uma arcada de
boi”. Hoje temos a aluna 6 que ausentou-se em algumas aulas, e logo responde:
“Acho que é uma arcada de búfalo”. O professor senta explicando que é uma arcada
de burro. Que foi trabalhada em produtos químicos que a conservam, e foi um amigo
dele que trouxe do Peru. Aluno 4 pergunta: “Nossa o que burro come”? O aluno 2
responde: “acho que come sapo e mosquitos”. E todos dão risadas. O professor
continua explicando que este instrumento foi usado na música “Disparada”
interpretada pelo cantor Jair Rodrigues. Disse que atualmente há o instrumento
queixada, mas num formato atual. Aluno 4 pergunta: “Se tirar a ponta irá soar”?
Professor responde: “Não”.
O professor passa a queixada para todos tocarem. O aluno 1adora tocar. Aluno 2:
“Nossa quantos dentes”! O aluno 7 toca, mas não faz comentários. Quando chega na
vez do aluno 5, o professor e o aluno 7 ajudam- no tocar. O aluno 4 toca e se diverte.
O aluno 3 toca, olhando todos os detalhes. O aluno 7 não quis experimentar. Eu
toquei e achei muito interessante. Agora passa instrumento queixada atual. Todos
tocam.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

O professor fala que há instrumentos que imitam animais e sons da natureza; em


seguida coloca no centro da roda alguns instrumentos. Pede para fecharmos os
olhos. E começamos a ouvir um som que achei maravilhoso, dando uma sensação de
paz e parece induzir a fazer meditação. Ao abrirmos os olhos o professor fala este é
pau de chuva. É feito com um cano de PVC e envolto num material parecido com
bambu (algo que faz cadeira). E na sua parede são colocados vários pregos que serão
obstáculos para que as contas não virem de uma vez.
O aluno 1 pergunta: “Qual outro instrumento imita um bicho”? Professor responde:
“Fechem os olhos e toca”. É um som instigante. E toca novamente. Ao abrirmos os
olhos pergunta: “Parece com qual instrumento”? Todos falam ao mesmo tempo
grilo, sapo, sapo grilo. Calmamente o professor toca o som parecido com grilo e
sapo e passa para que experimentemos tocando. Alguns precisam de ajuda. O aluno
2 pede ajuda, pois não saía som, e sorri. O aluno 7 ajuda o aluno 5 que experimenta
várias vezes.
Agora com olhos abertos, o professor pega a meia lua e toca parecendo com o som
do chocalho de cobra. O aluno 7 me fala o movimento: “Você deve tocar dentro
fora, bate volta”. Eu olho observando o que está me falando, enquanto isso Pedro
fala: “olha a sucuri”. Em seguida o professor pega dois cocos e toca fazendo o som
das pegadas de cavalos quando está correndo. Todos ficam entusiasmados. E
querem tentar fazer. O aluno 2 sorri e diz: “Que diferente”. Toca duas vezes e fala:
“Ai que difícil”! O aluno 7 arrisca e toca. O aluno 5 faz sozinho. O aluno 4 toca e
passa para o aluno 3 tocar. O aluno 7 toca fazendo o movimento do cavalo. Chega
minha vez: consigo fazer, mas não sai como o som do cavalo. O professor então
pede para criarmos uma história com estes instrumentos. O aluno 2 coordena a
história orientando o momento em que cada aluno irá tocar. Primeiro conta a
seguinte história: era uma vez e o aluno 7 toca o carrilhão, que vai para a floresta.
De repente surge uma cobra e o aluno 3 toca a meia lua. Em seguida começa a
chover e o aluno 4 toca o pau de chuva. Mas logo vem um cavalo (o aluno 7 toca o
coco) e salva todos o que estão na floresta.

Destaco nesta prática social processos educativos de natureza musical e humanos. O


professor proporciona aula participativa, com ênfase na criatividade, permitindo aos alunos a
verbalização de suas ideias e a exploração dos sentidos perante determinado som e mostra um
novo instrumento pouco conhecido pela classe. O estudioso Freire (2017) escreve que ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua própria produção ou sua
construção. Ao adentrar a sala, o professor deve estar aberto às indagações, às perguntas de
cada indivíduo, não “castrar” a curiosidade do educando em nome de uma memorização
mecânica de conteúdos, mas permitindo sua participação ativa.
A autonomia e a liberdade oferecidas aos alunos para elaborarem sua história musical
e a maneira como o aluno 2 coordena a elaboração da história evidencio como aspectos de
processos educativos de natureza social, musical e humana. Freire (2017) disserta sobre a
importância da liberdade no processo de formação do ser humano, uma liberdade crítica, com
equilíbrio e responsabilidade.
O educador ainda ensina que “ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A
autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões que vão sendo
tomadas” (FREIRE, 2017).

180
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades. É decidindo que se


aprende a decidir. Proporcionar situações em que o aluno exerça sua autonomia na escolha de
um instrumento, na construção de uma atividade, é permitir o amadurecimento da autonomia,
que não ocorre em data marcada.
Observamos ser uma aula participativa, onde cada aluno expressão sua opinião e suas
ideias. Para o educador Freire (2017) o diálogo só é possível quando se ama e respeita o
outro.

Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não é possível o
diálogo. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no
outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como um homem
diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, quem não reconheço
outros eu? (FREIRE, 2017, p.111).

O diálogo entre os alunos só acontece devido ao respeito mútuo promovido entre eles.
Todos participam expondo suas ideias e não há palavras discriminatórias, não havendo um
sentimento de autossuficiência, mas há um muito respeito e ajuda na aula e na elaboração das
atividades. Há o que Freire (2017) ensina, “há homens que, em comunhão, buscam saber
mais”.

4. Conclusão
Ninguém escapa da educação. O educador Brandão (1982), apresenta num de seus
trabalhos, que não há uma forma única, nem um único modelo de educação; a escola não é o
único lugar onde ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a sua única
prática o professor não é o seu único participante.
Compreendemos que a educação existe em todos os lugares, em mundos diversos ela
estará presente, em sociedades camponesas, em mundos sociais sem classe, de classes, com
este ou aquele tipo de conflito entre suas classes. “Ela existe em cada povo, ou entre povos
que se encontram. Existe entre povos que se submetem e dominam outros povos, usando-a
como recurso a mais de sua dominação” (BRANDÃO, 1982). O mesmo autor ainda disserta
que, “a educação pode existir livre, e entre todos; mas pode ser imposta por um sistema
centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber como armas que reforçam a
desigualdade entre os homens”.
Nesta perspectiva é possível afirmar que os conhecimentos são construídos em
práticas sociais, das quais participamos, quando se integram às críticas que deles fazemos,
orientam nossas ações, formando-nos. O contato com pessoas de diferentes gêneros, crenças,

181
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

culturas, hábitos, escolaridades, classes sociais, etnias/raças, as relações auxiliarão na


construção de nossas identidades. Assim, as práticas sociais se produzem no intercâmbio que
as pessoas estabelecem entre si ao significar o mundo que as cerca e ao intervir nele.
É na aproximação entre sujeitos, na relação dialógica, fundada no amor, na confiança
no ser humano, na disponibilidade para estar e aprender com o outro, que haverá a construção
de processos educativos, educando-se em reciprocidade, no interior de vivências
significativas.
Para concluir, pesquisar processos em práticas sociais é um processo de permitir
pesquisar-se (OLIVEIRA et al., 2014b). Será um movimento que permitirá compreender,
ampliando o conhecimento sobre o mundo, transformando-o e humanizando-o, mas também
que contribuirá para compreender-se a si mesmo, num (re)encontro com sua humanidade,
com os seres humanos, seres presentes no mundo.

Referências

BRANDÃO, C. R. O que é Educação. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

BRANDÃO, C. R. Prefácio. In: OLIVEIRA, M. W.; SOUSA, F. R. (Orgs). Processos


Educativos em práticas sociais: pesquisas em educação. São Carlos: EDUFSCAR, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo: Paz e Terra, 2017.

JOLY, M. C. L.; JOLY, I. Z. L. Práticas musicais coletivas: um olhar para a convivência em


uma orquestra comunitária. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 19, n. 26, p. 79-91, jul. 2011.

LOPES, D. L.; LIMA, H. S.; COSTA, S. A.; RIBEIRO, V. O diário de campo e a memória do
pesquisador. In: WHITAKER, D. C. A. (Org.) Sociologia rural: questões metodológicas
emergentes. Presidente Venceslau: Letras à margem, 2002. p. 131-134.

OLIVEIRA, M. W.; JUNIOR, D. R.; SILVA, D. V. C.; SOUZA, F. R.; VASCONCELOS, V.


O. Pesquisando Processos Educativos Em práticas Sociais: reflexões e proposições teórico-
metodológicas. In: OLIVEIRA, M. W.; SOUSA, F. R. (Orgs.). Processos Educativos em
práticas sociais: pesquisas em educação. São Carlos: EDUFSCAR, 2014b.

OLIVEIRA, M. W.; SILVA, P. B. G.; GONÇALVES JUNIOR, L.; GARCIA-MONTRONE,


A. V.; JOLY, I. Z. Processos educativos em práticas sociais: reflexões teóricas e
metodológicas sobre pesquisa educacional em espaços sociais. In: OLIVEIRA, M. W.;
SOUSA, F. R. (Orgs.). Processos Educativos em práticas sociais: pesquisas em educação.
São Carlos: EDUFSCAR, 2014a.

182
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

THIOLLENT, M. Notas para o debate sobre a pesquisa-ação. In: BRANDÃO, C. R.


Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999.

Notas

1
C.O.: Comentário do observador

183
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Jogos de improvisação como estratégia pedagógica no ensino coletivo de instrumentos


musicais

Nathan Tejada de Podestá


Universidade de São Paulo
nathanpodesta@usp.com

Simone Marques Braga


Universidade Estadual de Feira de Santana
ssmmbraga@uefs.br

Lais de Souza Silva


Universidade Estadual de Feira de Santana
laissouza_fsa@hotmail.com

Resumo: Este trabalho apresenta um relato de experiência que tem como objetivo apresentar cinco
jogos de improvisação musical aplicados em dois contextos de ensino, relacionados a aulas de
instrumento em grupo e aulas experimentais de práticas criativas. Baseado em diversos autores
(DELALANDE, 1984; FONTERRADA, 2015; HUIZINGA, 1966; SWANWICK, 2011), nota-se,
como um dos resultados da aplicação, o desenvolvimento discente de variadas habilidades
influenciado por um processo de ensino e aprendizado instrumental facilitado.

Palavras-chave: Ensino instrumental. Improvisação. Jogos.

1. Introdução
A prática docente do ensino coletivo de instrumentos musicais apresenta desafios
múltiplos. A pluralidade de vozes, interesses, demandas e a velocidade de troca e assimilação
de informações, diferenciada para cada indivíduo e grupo, intensifica a complexidade do
processo de ensino-aprendizagem, ao qual nos colocamos como mediadores. Para tanto, as
estratégias de ensino a serem desenvolvidas no contexto da aprendizagem coletiva precisam
ser pensadas de acordo com esta realidade.
Buscando maior conexão entre as diferentes dimensões desse processo, apresentamos
neste artigo cinco jogos de improvisação musical a serem desenvolvidos no ensino coletivo de
instrumentos musicais. Os jogos foram desenvolvidos em diferentes contextos de ensino,
turmas da disciplina Teclado II da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e a
turma da disciplina Práticas Experimentais de Criação Musical II da Universidade de São
Paulo (USP). Para a apresentação dos jogos, refletimos sobre os objetivos da pedagogia
musical, ao enfatizar a discussão sobre estratégias de ensino e sobre o papel dos jogos e das
práticas criativas no desenvolvimento musical discente. Delinearemos assim algumas
perspectivas para a elaboração de atividades a serem trabalhadas em contextos coletivos do
ensino de instrumentos musicais.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2. Práticas criativas e o ensino de instrumentos musicais


Segundo Kraemer (2000), um dos objetivos centrais da Pedagogia Musical
contemporânea é como ocorre a transmissão e a apropriação musical. Nesse sentido, Hallam
(1988) argumenta que muitas das práticas existentes na pedagogia dos instrumentos buscam
promover uma facilitação da aprendizagem, por meio de abordagens, metodologias e
propostas variadas. Para Bastien (1995), além desses aspectos, sendo o trabalho do professor
direcionado para as pessoas, este deve buscar novas e eficazes formas de se comunicar.
De fato, no processo da apropriação de conhecimentos musicais, fatores como a
pedagogia, a interação entre professor e estudante e o desenvolvimento de determinadas
habilidades são fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem de um instrumento
musical. Sobre as habilidades “geralmente, a ênfase do ensino de instrumentos é colocada no
trabalho técnico” (SWANWICK, 1994, p. 2). Entretanto, Sloboda (2000) defende que as
habilidades não devem se limitar a aspectos motores e técnicos, mas sim serem ampliados a
partir de habilidades interpretativas que poderão refletir em diferentes performances para a
mesma peça, de acordo com a intenção do instrumentista. Assim, outras habilidades devem
ser contempladas, a exemplo do ouvir internamente:

No ensino de instrumentos dentro das tradições da música ocidental, a leitura e a


escrita são vistas como essenciais, e assim, a notação musical geralmente ocupa
lugar central, sendo frequentemente o ponto inicial do ensino. Os educadores
musicais concordam que um dos objetivos da educação musical deve ser ajudar as
pessoas a desenvolver o que é algumas vezes chamado de "ouvido interno", uma
"biblioteca dinâmica" das possibilidades musicais da qual lançamos mão na
performance musical e enquanto ouvintes de música (SWANWICK, 2011, p. 4).

Estes autores argumentam que o desenvolvimento de tais habilidades requer o


estabelecimento de estratégias e práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, Albino (2009)
sugere que a prática da improvisação, de maneira lúdica e flexível, poderá proporcionar ao
estudante o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de habilidades e capacidades musicais.
Sobre o fomento à improvisação, Fonterrada (2015) destaca a década de 1960 como
momento de emergência de propostas educacionais inovadoras que se afastavam dos
procedimentos tradicionais do ensino, incentivando a aproximação dos estudantes com a
música através de atos criativos, como a prática de composições coletivas e improvisações.
Segundo a autora os educadores que iniciaram tais práticas “acreditavam que o incentivo às
práticas criativas pudesse desenvolver a capacidade de utilizar a linguagem musical de
maneira autônoma, aperfeiçoar a escuta, a autoconsciência e o espírito crítico”
(FONTERRADA, 2015, p.17).

185
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Fonterrada (2015) usa o termo “práticas criativas” relacionado a metodologias de


ensino que buscam o ato criativo e incentivam a criatividade do estudante. Ao falar sobre os
educadores que propõem uma educação musical criativa, destaca que eles consideram
importante que “o aluno aprenda a escutar, a vivenciar a música e a experimentar ideias
próprias em suas propostas musicais” (FONTERRADA, 2015, p. 17).
Sobre essas experiências, Parizzi (2015) analisa fatores intrínsecos ao ato de criar, aos
quais chama de “determinantes dos processos criativos”. Segundo a autora, esses
determinantes são a diversidade de experiências e a imitação que gera novas experiências
através do processo contínuo de imitar e transformar, contribuindo para o repertório criativo
do indivíduo. A autora destaca que o processo criativo não se limita somente ao contexto
composicional, mas também está presente na performance e na pedagogia musical (PARIZZI,
2015).
Em relação à performance instrumental, Hargreaves (1986) argumenta que as
habilidades criativas dos indivíduos podem evoluir positivamente se forem utilizadas
estratégias adequadas e um ambiente favorável. Assim, as atividades a serem desenvolvidas
nas aulas de instrumento tornam-se importantes para a construção desse ambiente. Nessa
direção, a utilização de jogos musicais, ao elucidar a ludicidade, pode auxiliar no fomento de
práticas criativas voltadas para o desenvolvimento de habilidades tanto para a performance
instrumental como para a aquisição de diversos conhecimentos musicais. Todavia, Veber e
Rosa (2012, p. 88) afirmam que “é consenso entre pesquisadores das mais diversas áreas de
conhecimento que adotam o jogo como um de seus objetos de estudo que definir “jogo” não é
tarefa fácil (Veloso; Sá, 2009; Kishimoto, 1996)”.
Entretanto, Huizinga (1966) define que jogo possui uma dimensão ontológica e
cultural. O autor remonta à presença do lúdico no desenvolvimento humano desde as
sociedades antigas e argui que, com a revolução industrial e a divisão especializada do
trabalho, o lúdico perdeu espaço na vida adulta da sociedade moderna, num processo que
encontra seu paralelo no realismo artístico. Propõe então um retorno ao lúdico enfatizando o
papel do jogo, em suas características agonísticas (a retórica, a discussão) e antitéticas (o
elemento antagônico e o confronto entre as partes), no desenvolvimento individual e coletivo,
para quem a cultura possui um elemento lúdico com o qual se desenvolve.
Também sobre o papel do jogo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) afirmam
ser uma possível ferramenta pedagógica para a motivação discente (BRASIL, 2006): “Para
Figueiredo (2003), o fator motivacional está diretamente relacionado à inserção/utilização dos
jogos em um ambiente de aprendizagem desafiador” (VEBER; ROSA, 2012, p. 88).

186
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Pensando uma aproximação entre o jogo e a música, François Delalande (1984)


propõe jogos sobre as seguintes estruturas de pensamento: o exercício, o símbolo e a regra.
Assim, sugere os seguintes tipos de jogos musicais: o jogo sensório-motor, o jogo simbólico e
o jogo com regras. Para Delalande, o jogo sensório-motor diz respeito à exploração gestual de
ações no instrumento musical que envolvem questões de ordem técnica e eficiência mecânica;
o jogo simbólico é relativo à atribuição de valores, sensações e sentimentos ao evento sonoro
que se estabelecem com a escuta, a repetição e criação musical; e o jogo com regras diz
respeito à estruturação musical, aos aspectos relacionados aos idiomas, sistemas musicais
(modal, tonal, atonal, serial) e aos elementos formais.
Mas de que forma os jogos poderão auxiliar no ensino de um instrumento musical?
Swanwick (1994) indica que o aprendizado de um instrumento musical poderá ser facilitado,
se considerarmos alguns fatores, quais sejam: 1) abordagem da questão motora em diversos
ângulos; 2) execução de uma obra de maneiras diferentes; 3) realização de análise da obra a
ser executada; 4) execução em grupo; 5) observação de outras práticas instrumentais; 6)
desenvolvimento de ouvido interno.
Por considerar que a improvisação tanto pode perpassar por esses aspectos, promover
a aproximação e maior conhecimento de um instrumento musical, a partir de habilidades
relacionadas à execução musical, como também favorecer a compreensão de conteúdos
conceituais aplicados na prática instrumental, o presente relato apresenta alguns jogos
musicais tendo como principal objeto a improvisação. Para Albino (2009, p. 44), a
improvisação é importante porque:

[...] Além das habilidades técnicas o improvisador deve ser habilidoso para perceber
as intervenções propostas pelos componentes e pelo ambiente sonoro e gerar as suas.
Esse comportamento cria um fluxo de energia sonora que garante o “sucesso” da
improvisação, transformando-a em uma experiência única tanto para quem ouve
quanto para quem participa. Esse seria o ambiente favorável para a prática
improvisatória.

Segundo Swanwick (1994), músicos de jazz consideram que a improvisação: 1) pode


ser realizada desde o primeiro contato com o instrumento; 2) precisa ter algum elemento fixo
para ser explorado como uma pulsação, escala, riff ou uma sequência harmônica; 3) a
imitação é importante invenção, onde tocar de ouvido é uma atividade criativa; 4) é sinônimo
de resolução de problemas, exigindo uma interação pessoal complexa, que cria novas
demandas na forma de ouvir.

187
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

3. Jogos de improvisação musical


Os jogos de improvisação musical apresentados a seguir são concebidos a partir das
seguintes perspectivas relacionadas à prática instrumental coletiva: 1) jogos que promovam a
interação entre discentes e docentes através de atividades musicais; 2) jogos que possam
desenvolver e aperfeiçoar a execução de um determinado instrumento; 3) jogos que fomentem
a execução instrumental para desenvolver competências e habilidades relacionadas à criação
musical 4) jogos que articulem conteúdos disciplinares e favoreçam sua assimilação e
aplicação prática; 5) Jogos que apresentem desafios cuja resolução requeira interpelação à
escuta, conexão com conhecimentos já estabelecidos, ação no instrumento musical,
experimentação e senso crítico; 6) jogos que envolvam o desenvolvimento de soluções
conjuntas para situações particulares e práticas em tempo real.

3.1. Jogos para a prática instrumental coletiva


Os jogos listados a seguir foram elaborados e desenvolvidos com turmas do
componente curricular Teclado II, pertencente à matriz curricular do Curso de Licenciatura
em Música da UEFS, na cidade de Feira de Santana (BA). As turmas eram compostas com
uma média de cinco a seis alunos, agrupados em níveis técnicos instrumentais próximos,
identificados a partir de uma atividade diagnóstica, realizada no início do semestre letivo,
período de duração do componente.
Os jogos têm como objeto explorar conteúdos pertencentes ao componente a exemplo
de sistema modal, escala de blues e progressões harmônicas. Todavia, a quantidade de vezes
em que cada jogo é aplicado depende do tempo disponível na aula, assim como do processo
de desenvolvimento de cada turma.
Apesar de todos terem como um dos objetivos contemplar os conteúdos do
componente e fomentar a improvisação, nem sempre esta última foi inserida de forma direta,
em algumas situações sendo explorada pós-jogo. Seguem tabelas contendo diferentes jogos:

Descrição Como se joga Conteúdos Objetivos Recursos


Nesse jogo o professor Improvisar utilizando diferentes Modos Apresentar e Instrumentos
realiza modos, respeitando o explorar o de teclas
acompanhamentos a andamento, o compasso e as sistema e seus
partir do 1º grau de intensidades ofertadas pelo respectivos
cada modo, usando professor através do modos
padrão rítmico de acompanhamento.
Baião, para que cada Inicialmente cada aluno Fomentar a
estudante possa improvisa individualmente e improvisação
improvisar no modo posteriormente, enquanto
solicitado, explorando, professor acompanha, os Promover a
sobretudo, a nota estudantes improvisando interação na

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

característica. dialogando entre si, a exemplo prática


de frases de pergunta e resposta. musical
coletiva
Exemplo 1: Tabela 1 (Tab.) – Jogo Improvisando com os modos

No jogo acima a disposição dos instrumentos na sala é importante para que os


instrumentistas possam interagir musicalmente.

Descrição Como se joga Conteúdos Objetivos Recursos


Nesse jogo, Divididos em pequenos Modos Apresentar as peças Cartões
inicialmente os grupos, inicialmente os modais a serem contendo
estudantes ouvem na estudantes devem ouvir aprendidas/executadas trechos das
íntegra uma obra atentamente a obra modal posteriormente partituras
modal para piano. para em seguida encontrar e de obras
Em seguida, com ordenar cartões Fomentar a modais para
cartões com os correspondentes à obra. Será apreciação musical piano
trechos da obra vencedor o grupo que
(partitura), ouvem conseguir montar primeiro a Promover a interação
novamente para partitura da obra por meio entre estudantes
organizar os cartões dos cartões.
na ordem ouvida. Os Desenvolver a
cartões juntos memória musical.
representam a
partitura da obra.
O grau de
complexidade pode
ser alterado ao inserir
cartões com trechos
os quais não
pertençam a obra
ouvida. Assim como
identificar o modo da
peça sinalizando para
as suas
características e
promover a
apreciação da peça
menos vezes, para
que os estudantes
possam desenvolver
a memória musical.
Exemplo 2: Tabela 2 (Tab.) – Jogo Apreciando os modos

Descrição Como se joga Conteúdos Objetivos Recursos


Os estudantes ouvem Divididos em pequenos Modos Apresentar as peças Cartões
na íntegra uma obra grupos, os estudantes modais a serem contendo
modal para piano. devem ouvir atentamente a aprendidas/executadas trechos das
Em seguida, devem obras modais para piano posteriormente partituras
identificar o modo para identificar o modo. de obras
tocando a escala. Para responder, cada grupo Fomentar a apreciação modais
Caso a resposta seja deverá tocar a escala musical para piano
positiva, o grupo correspondente ao modo. A
deve oralmente cada acerto, o grupo Reconhecer/caracterizar
apresentar apresenta características do os modos das peças
características do modo para criar e tocar modais ouvidas
modo para criar e frases musicais com o
executar pequenas respectivo modo. Identificar

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

frases musicais. características e


elementos musicais
intrínsecos nas obras
apreciadas

Desenvolver a memória
musical.
Exemplo 3: Tabela 3 (Tab.) – Jogo Reconhecendo os modos

3.2. Jogos para práticas criativas


Os jogos a seguir foram elaborados durante a disciplina Práticas Experimentais de
Criação Musical II, pertencente à grade curricular do curso de Bacharelado em Composição
em Música da USP. Essa disciplina também é ofertada em caráter eletivo e, no semestre em
que foram elaboradas as atividades, recebeu um aluno de Licenciatura em Música, um aluno
de Engenharia, um aluno de Música e Tecnologia em intercambio internacional e um monitor
em estágio docente, totalizando doze participantes.
Em seu caráter experimental, as atividades criativas foram desenvolvidas no âmbito da
composição e da improvisação musical. Neste contexto, os jogos foram pensados como
roteiro para improvisação musical, articulando conteúdos de outras disciplinas do curso
através de estratégias de execução instrumental.

Descrição Como se joga Conteúdos Objetivos Recursos


Neste jogo os Em quartetos, cada Intervalos Visualizar os 12 cartões
participantes participante recebe cartões intervalos no contendo os
precisam interagir com os intervalos a serem instrumento intervalos a serem
musicalmente entre executados. executados:
si tocando intervalos O participante escolhe uma Internalizar a Segunda menor
musicais para nota para iniciar e, a partir sonoridade de Segunda maior
improvisar um dela, deve executar os cada intervalo Terça menor
contraponto atonal. intervalos sorteados. Estes Terça maior
podem ser executados de Construir Quarta Justa
forma ascendente, melodias e Quarta
descendente e harmônica. acompanhamentos aumentada/Quinta
Uníssonos podem ser a partir de diminuta
utilizados livremente. intervalos Quinta Justa
A rítmica também é livre e Sexta
os participantes podem Promover a menor/Quinta
começar e parar de tocar a interação entre os aumentada
qualquer momento. estudantes Sexta maior
Todavia precisam ouvir a Setima menor
resultante sonora e procurar Improvisar uma Sétima maior
interagir com esta de forma peça Oitava
contrapontística. contrapontística
atonal
Exemplo 4: Tabela 4 – Jogo Intervalos contrapontísticos

Descrição Como se joga Conteúdos Objetivos Recursos


Neste jogo os Em grupo, com todos os Figuras Executar figuras Tiras de
participantes participantes da turma. Cada rítmicas rítmicas papel

190
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

estabelecem um participante recebe tiras de (Valores precisamente, em contendo as


diálogo musical papel com as figuras rítmicas a positivos e conformidade com figuras
executando figuras serem executadas. Além das negativos) o andamento e o rítmicas a
rítmicas pré- figuras sorteadas, pausas de compasso serem
estabelecidas, em mínima, semínima e semibreve Fórmulas executadas
conformidade com o funcionam como coringa e de Construir melodias
andamento e o podem ser utilizadas livremente. compasso e contracantos a
compasso indicado A cada incursão os participantes partir de células
pelo mediador/regente. podem combinar as diferentes rítmicas
figuras recebidas, ou utilizar
apenas uma figura de cada vez, Alcançar fluência
com notas livres. Devem, assim, no discurso sonoro
buscar fluência no fraseado e a parir do elemento
interagir de forma coerente com rítmico
outros participantes.
Manter a coerência
do discurso musical
em relação à peça
improvisada

Interagir com os
outros participantes
Exemplo 5: Tabela 5 – Jogo Diálogo rítmico

4. Resultados alcançados
Da aplicação dos jogos que buscaram desenvolver e aperfeiçoar a execução de um
determinado instrumento, notou-se significativa aproximação dos estudantes com
instrumentos de teclas. Em se tratando de um segundo instrumento a ser ofertado em um
curso de licenciatura, essa aproximação favoreceu maior contato com o mesmo, ao gerar
habilidades técnicas musicais para a sua execução. Outro aspecto notado, que contribuiu para
a execução consciente e segura no instrumento, foi o conhecimento aprofundado das peças
modais, executadas sobretudo por meio do reconhecimento de elementos musicais, como a
identificação dos modos, a estrutura, os acordes e a progressão harmônica. Esse conhecimento
apreendido possibilitou a criação discente de novos e interessantes materiais modais a serem
executados no instrumento. Incentivada a partir dos jogos, a interação entre os estudantes
favoreceu com que os mesmos apresentassem suas criações de forma segura, desprovida de
medo ou timidez.
A realização dos jogos para práticas criativas que procuraram estabelecer roteiros de
improvisação musical sinalou a relevância dessas atividades ao promover interação e
engajamento, resultando em feedback positivo dos participantes. Os jogos propiciaram o
estabelecimento de um ambiente de debate e construção coletiva, no qual cada rodada foi
seguida de uma discussão sobre a performance realizada, conduzindo um processo de auto-
avaliação individual e coletiva. A dinâmica da sua realização levou a um movimento de co-
criação no qual as sugestões e críticas dos participantes foram incorporadas às rodadas

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

subsequentes e aos próprios roteiros dos jogos, promovendo maior eficiência em sua
realização. Outro ponto a se destacar é que, em relação ao caráter plural e heterogêneo da
turma, com alunos de diferentes backgrounds e áreas de especialização, os jogos mostraram-
se uma estratégia pedagógica pertinente, facilitando que estudantes acessassem seus saberes e
conhecimentos particulares e alcançassem o fim da criação. Ao serem solicitados a
desenvolver um trabalho criativo experimental, os estudantes apresentaram composições,
peças improvisadas, roteiros de performance e jogos de improvisação, indicando a
assimilação da proposta.

5. Considerações finais
A partir das experiências relatadas, conclui-se que a relação entre o jogo e a música,
tem muito a contribuir para o ensino coletivo de instrumentos musicais. Ao ter como
referência a concepção de Huizinga (1966) quanto à presença do lúdico e sua relação com o
desenvolvimento humano, a ludicidade pode propiciar o que Hargreaves (1986) define como
ambiente favorável para o desenvolvimento musical discente através do uso de jogos. E em se
tratando de uma prática instrumental realizada coletivamente, torna-se significativo
desenvolver estratégias pedagógicas que reforcem a interação entre os estudantes, a exemplo
do uso dos jogos. Essa interação tanto aproxima os estudantes entre si como também funciona
como um elemento motivador (VEBER; ROSA, 2012).
Por sua vez, jogos que fomentem a improvisação favorecem o desenvolvimento de
diversas habilidades, não apenas relacionadas a questões motoras e técnicas dirigidas a um
instrumento, mas às habilidades relacionadas à escuta, à observação, à análise, à criticidade,
ao permitir um processo de ensino-aprendizado instrumental facilitado. Assim, ao fazer uso
das categorias desenvolvidas por Delalande (1984), nota-se que as mesmas foram
referenciadas nos jogos apresentados. Sendo que os jogos sensório-motores possibilitaram o
desenvolvimento de habilidades motoras a partir da execução instrumental realizada de
maneiras diferentes (SWANWICK, 1994); os jogos simbólicos proporcionaram uma escuta
atenta, assim como explorar a criação no instrumento musical; e a partir de jogos com regras a
execução instrumental foi aperfeiçoada, através de um alto grau de conhecimento discente de
estruturas e elementos musicais intrínsecos na obra.

192
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

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desenvolvimento do intérprete. São Paulo, 2009. 220p. Dissertação (Mestrado em Música).
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DELALANDE, François. La musique est um jeu d’enfant. Paris: INA – Buchet/Chastel, 1984.

FONTERRADA, Marisa. Ciranda de sons [recurso eletrônico]: práticas criativas em


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HARGREAVES, David. “Within you without you”: música, aprendizagem e identidade.


Tradução Beatriz Ilari. Revista eletrônica de musicologia, volume IX, outubro de 2005.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: a study of the play-element in culture. Fifth edition,
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Tributo a Hans-Joachim Koellreutter. Coletânea Seminários de Educação Musical – Escola
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SWANWICK, Keith. Ensino instrumental enquanto ensino de música. Cadernos de Estudo:


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propostas para a prática musical em grupo. Música na Educação Básica. Londrina, v.4, n.4,
novembro de 2012.

193
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Jogos e brincadeiras musicais no ensino fundamental I: um levantamento de


possibilidades pedagógicas

Patrícia Degasperi
UFSCar
patideg@gmail.com

MarianaBarbosa Ament
UFSCar
marianabament@gmail.com

Resumo: O objetivo desse estudo foi contribuir para que a música nas escolas, através de jogos e
brincadeiras, seja vista de maneira significativa e importante para o crescimento do aluno. Através de
análise de textos, foi feito um estudo sobre educadores musicais e posteriormente um levantamento de
jogos e brincadeiras musicais, suas características e habilidades. Considerando o estudo realizado,
acredita-se que esse tipo de atividade contribui para a valorização da música em sala de aula, de modo
que há um reconhecimento da educação musical como parte da educação escolar das crianças,
construindo, através dela, indivíduos mais humanos, criativos e felizes.

Palavras-chave: Jogos e brincadeiras musicais. Música nas escolas. Educação.

1. Jogos e brincadeiras musicais.


Espera-se que a ações educativas procurem conhecer o sujeito com quem se está
lidando e refletir sobre a pessoa e seu modo de vida, adequando as situações para que cada
pessoa possa seguir o caminho que lhe é melhor. Portanto, cabe ao professor um olhar atento
a fim de conhecer a criança com quem está compartilhando o ensino e buscar experiências
musicais que sejam significativas para ela, considerando cada ser como único, criativo e
autônomo (FREIRE, 1979), além de proporcionar um ambiente de trabalho coletivo, em que
haja cooperação e comunicação.
A música é uma linguagem e é possível ser incentivada assim como a linguagem
falada, dialogando com a criança sobre e por meio dos sons. Como professores de música,
podemos buscar o universo musical pertencente à criança e enriquecer seu repertório musical,
planejando atividades que envolvam diferentes povos, épocas, formas, compositores, métodos
etc. É favorável que se realize um trabalho criativo, em que haja motivação e a criança
vivencie, experimente e crie música (JEANDOT, 2006). Esse universo possibilita, além
dessas competências, o desenvolvimento de diferentes esferas de formação humana integral,
como comunicação e expressão, reflexões sobre o meio em que vive e o conhecimento de si e
das demais culturas (AMATO, 2006).
A própria criança auxilia na construção desse ambiente criativo na escola, sendo
motivada pelos desafios. Através de momentos onde possa ouvir, criar e executar a sua

194
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

música, está se envolvendo com o brincar sonoro e descobrindo novas percepções,


aprendendo com isso (MENDES; SILVA; SCHAMBECK, 1966). É significativo que o
ambiente seja atraente e os profissionais apresentem confiança no aluno, de modo que ele
possa se arriscar em suas composições. É bom para a criança expor suas ideias e o educador
valorizar cada pensamento compartilhado (BEINEKE, 2015).
Assim, por considerar essa educação musical possível e importante no cotidiano
escolar, entendo, através de estudos de autoras como Teca Alencar de Brito, Nicole Jeandot,
Viviane Beineke, dentre outros, que a prática de jogos e brincadeiras musicais pode
proporcionar momentos de trocas de idéias, comunicação, discussão de fatos e
questionamentos, além de conduzir a criança a criar situações, conhecer e decifrar os desafios.
Pretende-se, então, apresentar e analisar alguns jogos e brincadeiras musicais que podem ser
desenvolvidos com crianças do ensino fundamental I, suas características e diversidades como
as brincadeiras de roda, os jogos sonoros, as brincadeiras de fileira, os quais exploram a
música por meio do canto, da representação e da criação.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa de natureza qualitativa através da leitura de
artigos encontrados em revistas de educação e educação musical, dissertações e livros,
buscando autores que dialogavam com a ideia da relevância do ensino musical nas escolas e
os benefícios dessa prática. Neste processo, foram analisados aspectos culturais e musicais
dos jogos e brincadeiras na escola. Através da leitura, foram selecionados educadores
musicais como: Teca Alencar de Brito, Viviane Beineke, Nicole Jeandot, Heitor Villa Lobos,
Émile Jacques Dalcroze, Murray Schafer, Edgar Willens, Carl Orff, Hans Joachim
Koellreutter, Ilza Zenker Joly, os quais realizaram estudos na área da música, e suas
contribuições para uma educação musical de criação, movimento e valorização do ser
humano, mesmo sendo de gerações diferentes.
Na seleção dos jogos e brincadeiras, foram escolhidas cinco atividades retiradas dos
livros das autoras Teca Alencar de Brito e Nicole Jeandot e de um artigo da autora Viviane
Beineke, juntamente com um grupo de universitários. O critério para seleção dessas
brincadeiras e jogos foi a busca por atividades que pudessem ser desenvolvidas com crianças
de 7 a 10 anos e que abordassem conteúdos diversos.
Desse modo, espera-se, por meio deste artigo, incentivar o estudo sobre jogos e
brincadeiras musicais, compreendendo e expondo que é necessário que haja atividades mais
significativas e prazerosas nas escolas, de maneira que os educandos possam se interessar e
construir seus próprios conhecimentos por meio da música. Deseja-se contribuir também para
que a escola seja cada vez mais um espaço de expressão humana, um fazer integrador e

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

transformador, em que a criança possa conhecer-se mais e melhor e que experimente mais o
trabalho em grupo, aprendendo a cooperar e socializar.

2. Possibilidades pedagógicas: o papel dos jogos e brincadeiras musicais na escola


O lúdico e as formas de expressão das culturas populares, como jogos e brincadeiras
musicais, brincadeiras e brinquedos em suas diferentes características e considerável gama de
idades, expandem as habilidades motivacionais, cognitivas, sensório-motoras, corporal-
sinestésicas, dentre outras, de acordo com as diferentes fases do desenvolvimento
(MIRANDA, 2010).
Considerando o tema estudado e a pesquisa por jogos e brincadeiras que abordassem
aspectos como a brincadeira de roda e jogos musicais, há de se compreender o papel dessas
atividades na escola e considerar a análise de alguns deles a fim de analisar quais os
potenciais propostos para sua exploração na escola, mais precisamente, no que tange ao
ensino fundamental I (1º ao 5º ano) da educação básica brasileira.
Por meio de jogos e brincadeiras, a criança vivencia experiências divertidas, descobre
formas e estratégias para resolver uma situação e produz conhecimento linguístico, raciocínio
lógico-matemático, interagindo com outras crianças, além de que “[...] apreendem aspectos
musicais de ordens diversas, relativos à percepção de alturas, de ritmos, de estruturas formais,
caráter, etc.” (BRITO, 2009, p.12), de forma lúdica e descontraída. Natera (2008) descreveu
tipos de brincadeiras que despertam a vivência das crianças no espaço educativo. São elas:
brincadeiras tradicionais, brincadeiras de faz-de-conta e brincadeiras de construção. As
brincadeiras tradicionais, por exemplo, estão ligadas à cultura popular. Por intermédio das
brincadeiras de faz-de-conta a criança desenvolve sua criatividade e imaginação. Por sua vez,
as brincadeiras de construção possibilitam às crianças criar, fazer, construir, inventar.
Brincar é tão natural, que adquirimos conhecimentos sem que percebamos. Jogos com
regras desenvolvem a organização e estruturação; jogos simbólicos, valor expressivo e
significados (BRITO, 2003). Desse modo, podemos reunir diversos jogos e brincadeiras que
despertem nas crianças o gosto de fazer música, criar significações, comunicar-se, tomar
decisões, socializar, expressar-se, resolver conflitos e se divertir (SOUZA, 2008).
Para crianças que estão no ensino fundamental I, o que se observa é cada vez mais a
ausência desse tipo de atividade, dando lugar a afazeres que prezam mais pela razão, pelo uso
da mente (MIRANDA, 2010). Esquece-se que corpo e mente estão interligados. Segundo
Brito (2010, p.90), “Profissionais da etapa da educação infantil costumam encarar a música

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

como uma aliada para a construção de relações da criança consigo mesma; com o seu próprio
corpo; com o outro; com o grupo; como auxiliar para organizar a tão valorizada rotina”.
E assim a música acaba tornando-se um suporte para se chegar a um objetivo: seja na
construção da rotina, apresentações de final de ano ou apoio para o desenvolvimento de um
conteúdo.
Entretanto, através da educação musical, é possível ter outras abordagens. A criança
pode se sentir mais pertencente a um grupo, a uma cultura, além de ser um modo de se
reinventar. Ela permite que o indivíduo vivencie momentos em que possa criar, experimentar,
analisar criticamente e transformar, por meio das paisagens sonoras, da improvisação, do
canto, da dança, da construção de materiais sonoros, entre outros. “A música é movimento,
aventura, criação, sensação” (BRITO, 2010, p. 92).
Mediante brincadeiras em que a criança utilize os sons vocais e/ou corporais e descubra
novos sons, podemos observar a sua concentração para escutar e fazer, para criar e repetir a
bagagem musical que ela já traz consigo, o senso rítmico e melódico, dentre muitos outros
elementos. Dessa forma, ela constrói o conhecimento, permitindo trocas consigo própria, com
o outro e com o ambiente.
É significativa a incorporação da educação musical no cotidiano escolar, com a
formação continuada na área (e também nas demais áreas que integram as artes), elaboração
de ações e conhecimentos, desenvolvimento de ferramentas e atividades didático –
pedagógicas em apoio à música, proposta de trabalho, bem como fóruns de discussões em
torno da prática musical escolar (MIRANDA, 2010).

3. Analisando alguns jogos e brincadeiras musicais


Foram analisadas cinco atividades musicais, sua importância para o desenvolvimento
das crianças, cognitiva e socialmente, além das contribuições criativas e prazerosas em meio a
um ambiente escolar tradicional cada vez mais carente de movimentos e expressão.
Para iniciar a lista dos jogos selecionados, apresentarei dois jogos que fazem parte de
um trabalho realizado por pesquisadores do Curso de Licenciatura em Música da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) sob coordenação da professora Viviane
Beineke.
A brincadeira a seguir, “rabo do tatu”, foi escolhida por se tratar de uma brincadeira de
roda juntamente com uma cantiga popular, a qual pode ser trabalhada com crianças do ensino
fundamental I e que possui variações de região para região, podendo, desse modo, considerar
a diversidade cultural do nosso país.

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Jogo 1: Rabo do Tatu.

Letra
Puxa o rabo do tatu,
Quem saiu foi tu.
Puxa o rabo do pneu,
Quem saiu fui eu.
Puxa o rabo da panela,
Quem saiu foi ela.

Tabela 1. Rabo do tatu: parlenda adoleta, brincadeira de roda.


Fonte: BEINEKE, 2011, p.16.

Como brincar: As crianças se organizam em duas rodas uma de frente para a outra. Na
roda de dentro as crianças tocam flauta e na de fora cada criança tem à sua frente um copo
plástico (Pode-se variar a brincadeira utilizando ao invés dos copos, os sons do corpo, como
por exemplo, bater palmas). Enquanto cantam a música, as crianças acompanham com os
copos, batendo-os no chão, arrastando, batendo palmas, conforme o ritmo cantado. Na roda de
dentro, toca-se a flauta, de acordo com a célula rítmica. A forma de executar a música é
combinada pelo grupo que vai alternando a parte falada com o acompanhamento dos copos e
a flauta doce. Acelera-se o andamento a cada repetição (BEINEKE, 2011).
Habilidades desenvolvidas: Considerando uma análise pautada no aporte teórico deste
artigo, esta atividade pode promover o desenvolvimento da criatividade, dinâmica,
andamento, interação social, criação musical, sonoridade, como descrito anteriormente.
Através de brincadeiras em que a criança utilize os sons vocais e/ou corporais e descubra
novos sons, podemos observar a sua concentração para escutar e fazer, para criar e repetir a
bagagem musical que ela já traz consigo, o senso rítmico e melódico, dentre outros elementos.
Dessa forma, ela constrói o conhecimento, permitindo trocas consigo própria, com o outro e
com o ambiente (NATERA, 2008). Essa brincadeira é considerada uma brincadeira
tradicional, de modo que é transmitida de modo oral e de geração para geração. Brito (2003)
ressalta que as parlendas são brincadeiras rítmico – musicais, com rima e sem música, que é o
caso do rabo do tatu. A incorporação da flauta, dos copos e da percussão corporal, desenvolve
a musicalização da parlenda e a possibilidade de criar sons, inventar outras rimas e células
rítmicas torna a atividade não mecanizada, incentivando a criatividade e o desafio.

Jogo 2: O trem de ferro.

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Poema “O trem de ferro” 1

O trem de ferro
Quando sai de Pernambuco
Vai fazendo fuco-fuco
Até chegar no Ceará

Rebola, bola
Você diz que dá e dá
Você diz que dá na bola
Na bola você não dá.

Obs.: A autora coloca mais estrofes no livro, porém nesse


trabalho foram escritas somente duas delas.

Tabela 2. O trem de ferro: brinquedos cantados, brincadeira de fileira.


Fonte: BRITO, 2003, p.118.

Como brincar: Imitando um trem as crianças usam chocalhos, ganzás para sonorizar o
seu movimento; apitos ou a voz para fazer o som da máquina; utilizam o corpo para fazer o
movimento do trem, que se inicia lentamente e vai aumentando a velocidade e conforme vai
chegando ao seu destino, vai diminuindo novamente.
Habilidades desenvolvidas: Com base na análise realizada no aporte teórico desse
artigo, a atividade descrita desenvolve as habilidades de velocidade, dinâmica, ritmo, timbre.
A criança relaciona movimentos de um meio de transporte, possibilitando a criação e
representação. Ela desenvolve o escutar, identifica a importância dos sons e do silêncio,
integrando ou dissociando corpo e mente, emoção e razão, intelecto e sensibilidade, intuição e
raciocínio lógico, ação e reflexão (BRITO, 2010).

Jogo 5: Dominó sonoro.


Este jogo também tem como referência, o livro “Explorando o universo da música” de
Nicole Jeandot (JEANDOT, 2006, p. 80).
Como brincar: As crianças formam uma roda e como em um jogo de dominó, uma
criança faz duas sequências diferentes de sons, uma seguida da outra. Em seguida, a criança
ao seu lado deverá imitar o segundo som e criar uma nova sequência; a terceira criança
repetirá a última sequência e criará outra e assim sucessivamente (JEANDOT, 2006).
Habilidades desenvolvidas: Considerando uma análise baseada no aporte teórico do
artigo, a atividade de dominó sonoro favorece a memória auditiva, a criatividade e a escuta.
É importante que o professor incentive seus alunos a criar, acreditando em sua
capacidade, para que possam desenvolver a autonomia, a criatividade e composição. “Compor

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

música é tomar decisões musicais: escolher sonoridades, instrumentos, ritmos, experimentar


diferentes combinações” (BEINEKE; ZANETTA, 2014, p. 198).

4. Considerações finais
O brincar por vezes é visto como atividade somente da educação infantil. Seja na
brincadeira na sala de aula ou no brincar espontâneo, a atividade é importante para o
desenvolvimento saudável da criança.
As brincadeiras e jogos descritos nesse trabalho foram selecionados a partir de critérios
estabelecidos buscando trazer atividades que abordassem diferentes conceitos e trouxessem
reflexões singulares.
Como visto nos jogos e brincadeiras descritos acima, na música o lúdico também
transforma a aula, deixando–a significativa e desenvolvendo ricas habilidades. Por meio de
brincadeiras musicais também é possível vivenciar as manifestações culturais do Brasil, algo
muito importante para a construção da identidade das crianças (FONTERRADA, 2008).
As brincadeiras e jogos apresentados nesse artigo possuem um caráter estético. As
atividades desenvolvem conteúdos, habilidades e também trazem uma produção musical.
Acredito que, através desse estudo, foi possível perceber que a educação musical por
meio dos jogos e brincadeiras é uma ferramenta para se ampliar habilidades musicais como
ritmo, pulso, andamento, altura; e sociais, como cooperação, comunicação, respeito,
concentração. Identifica-se nos jogos e brincadeiras analisados a importância do trabalho
coletivo, bem como da individualidade da criança, contribuindo para sua autonomia e
socialização.
Portanto, esse artigo analisou atividades musicais que podem ser desenvolvidas com
crianças do ensino fundamental I. Deseja-se que tal estudo contribua para o reconhecimento
da música nas salas de aula, valorizando diferentes conhecimentos e relações.
Considerando o estudo realizado sobre os jogos e brincadeiras musicais, é interessante
que as escolas tragam essas atividades para a vida dos alunos, pois como visto, além de
desenvolver diversas habilidades, elas contribuem com a alegria e diversão para as aulas,
formando pessoas reflexivas, críticas e felizes.

Referências
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educação básica brasileira. Revista Opus, v.12, 2006.

BEINEKE, V. Ensino musical criativo em atividades de composição na escola básica. Revista


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200
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

BEINEKE, V. Música, jogo e poesia na educação musical escolar. Música na Educação


Básica. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 3, n. 3, p. 9- 27, setembro. 2011.

BEINEKE, V.; ZANETTA, C. C. “Ou Isto ou Aquilo”: a composição na educação musical


para crianças. Revista Música Hodie, Goiânia, v. 14, n. 1, 2014, p. 197- 210.

BRITO, T. A.A barca virou: o jogo musical das crianças. Revista Música na Educação
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BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Características da investigação qualitativa. In: __________.


Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto
Editora, 1994.p.47-51.

FONTERRADA, M. O. T. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. 2. ed. Rio


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FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de


Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

JEANDOT, N. Explorando o universo da música. 2 ed. São Paulo: Scipione, 2006. 176p.

MENDES, G.M.; SILVA; M.C.; SCHAMBECK, R. F. Objetos Pedagógicos: uma


experiência inclusiva em oficina de artes. Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2012. 176p.

MIRANDA, P. C. C. Jogos musicais: conhecimento, competências e habilidades dos


professores em atividades de sala de aula. In: Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em
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NATERA, G. Brincadeira e Música: orientações necessárias. Revista Nupeart, Santa Catarina,


v.9, 2008.

RANIRO, J. Prática e ensino 2.Coleção UAB-UFSCar - Educação Musical. 2013. Disponível


em:
<http://livresaber.sead.ufscar.br:8080/jspui/bitstream/123456789/2751/1/EM_JulianeRaniro_
Educa_Musical_v2.pdf > Acesso em: 01, nov. 2018.

Notas

1
Encontra-se a variante com o nome “O trem maluco”.

201
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Livro de violão do Projeto Guri: Propostas para a promoção da educação


musical através do ensino coletivo de violão numa perspectiva pedagógica
contemporânea
Vandersom Ricardo da Cruz
Projeto Guri
van_cruz@hotmail.com

Resumo: Acreditando na urgência de romper com a hegemonia das práticas tradicionalistas que
subjulgam o aprendizado musical a aquisição de um conjunto de técnicas e saberes voltados à
execução musical mecânica, o presente trabalho apresentará os fundamentos que subsidiaram a
elaboração do livro didático de violão do Projeto Guri, que foi elaborado numa perspectiva pedagógica
que insere o aluno com centralidade do processo, respeitado em sua subjetividade, estimulado a
ampliar seu domínio de saberes, habilidades e competências garantindo-lhe a participação ativa,
crítica, criativa e reflexiva, bem como a descrição crítica de atividades que foram elaboradas com
vistas à promoção de tais objetivos.

Palavras-chave: Livro de violão. Projeto Guri. Educação musical.

1. Concepções estruturais e conceituais do livro didático de violão do Projeto Guri


A elaboração do livro didático de violão do Projeto Guri buscou considerar por
objetivo geral possibilitar o acesso universal e o desenvolvimento das capacidades cognitivas,
psicológicas, afetivas, motoras e sociais dos educando na prática coletiva de música por meio
do violão.
Desta forma podemos dizer que o livro em questão visa promover aos discentes o
desenvolvimento de suas capacidades considerando-os em sua dimensão plena e
indissociável. Denota ainda que o conhecimento deva ser promovido através da prática
coletiva, modalidade esta de ensino que proporciona maior oportunidade de
compartilhamento de informações e experiências entre pares de alunos e educador,
possibilitando assim uma horizontalidade hierárquica de compartilhamento de saberes e
experiências no processo pedagógico.

Aquele tipo de educação musical não orientado para a profissionalização de


musicistas, mas aceitando a educação musical como meio que tem a função de
desenvolver a personalidade do jovem como um todo; de despertar e desenvolver
faculdades indispensáveis ao profissional de qualquer área de atividade, como por
exemplo, as faculdades de percepção, comunicação, concentração, autodisciplina,
trabalho em equipe, ou seja, a subordinação dos interesses pessoais aos do grupo, as
faculdades de discernimento, análise e síntese, desembaraço e autoconfiança, a
redução do medo, o desenvolvimento da criatividade, do senso crítico, do senso de
responsabilidade, da sensibilidade, da memória e, principalmente, o
desenvolvimento do processo de conscientização do todo, base essencial do

202
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

raciocínio e da reflexão. […] O humano, meus amigos, como objetivo da educação


musical (KOELLREUTTER apud BRITO, 2001, p.40 – 41).

Podemos perceber ainda ao analisar a descrição deste objetivo e, por conseguinte, as


propostas contidas no livro, que este material não foi constituído aos moldes de um método
estritamente falando no qual as propostas são sistematizadas e dispostas numa linearidade
rígida, mas sim como um livro que apresenta diversas possibilidades de ações pedagógicas
ilustradas nas propostas das atividades através das quais o docente pode desenvolver seu
plano de ensino.
Então após conhecer o material o docente pode se valer de suas propostas usando a
sistematização que avaliar mais pertinente, sendo que este pode ainda adaptar as propostas do
livro de acordo com a realidade de seu alunado.
Outra intenção do livro em questão diz respeito à preocupação em garantir o acesso
universal ao curso, inclusive no contexto de inclusão de pessoas com deficiência.
Para que esta integração seja promovida, a maioria das atividades do livro foi
elaborada com a possibilidade de se abordar conteúdos heterogêneos concomitantemente,
além da recomendação para que o educador estabeleça como estratégia didática uma
metodologia multissensorial, ou seja, que se valha da oralidade, de recursos visuais, de
atividades motoras envolvendo a voz e o movimento, da imitação, além da cognição.
Em um âmbito geral pode-se dizer que as atividades do livro foram organizadas numa
perspectiva na qual o educando é estimulado pelo educador a agir como um pesquisador
frente ao processo de aquisição e ampliação de seus saberes, habilidades e competências.
Desta forma o aluno é motivado a explorar e se apropriar das possibilidades sonoras e
técnicas do instrumento, tanto em termos convencionais quanto à perspectiva de técnica
estendida como, por exemplo, sons extraídos a partir da percussão no instrumento, ou por
meio de cordas soltas, ou no domínio de uma oitava, de arpejos, empreendendo assim seu
próprio conhecimento.

Não é preciso ensinar nada que o aluno possa resolver sozinho. É preciso aproveitar
o tempo para fazer música, improvisar, experimentar, discutir, debater. O mais
importante é – sempre – o debate e, nesse sentido, os problemas que surgem no
decorrer do trabalho interessam mais do que as soluções (KOELLREUTTER apud
BRITO, 2001 p. 32).

Após esta exploração, os domínios sonoros e técnicos podem subsidiar a criação de


discursos musicais, seja por meio da execução, da apreciação ou da composição.
Quanto às propostas que buscam promover o desenvolvimento musical a partir da
composição, o livro oferece atividades que possibilitam aos alunos a sonorização de

203
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

paisagens sonoras, de partituras gráficas, de imagens, além da composição em dinâmicas que


contemplam os pressupostos da música contemporânea.
Ainda sobre uma perspectiva analítica, podemos dizer que as atividades contidas no
livro em questão foram elaboradas visando à formação de pessoas capazes de se portar frente
à sociedade de forma autônoma, crítica e criativa, dispostos e preparados para conviver em
harmonia e tolerantes frente à diversidade social.

2. Reflexão crítica a partir de uma atividade do livro didático de violão do Projeto Guri
Visando ilustrar os relatos descritos até aqui referente ao livro de violão do Projeto
Guri apresentaremos a seguir uma breve reflexão crítica a partir de uma das atividades que
contempla o livro intitulado de Assinaturas Musicais.
A proposta da atividade Assinaturas Musicais se encontra na unidade dois do livro.
Segundo o autor, o objetivo desta unidade consiste em “Promover a acolhida e a integração da
turma e possibilitar o desenvolvimento das primeiras atividades de criação e escuta do
ambiente” (CRUZ, 2017, p.20).
De forma prática a atividade propõe que o educador estimule os educandos a explorar
as possibilidades sonoras do violão, tanto em âmbito de técnica convencional quanto de
técnica estendida sem diretividade do educador.
Na sequência, os alunos são orientados a compor pequenos fragmentos musicais,
valendo-se de seu discurso musical inicial, que servirá como sua assinatura musical.
Para dar continuidade à atividade o grupo é conduzido pelo educador a eleger um
regente compositor, que terá a incumbência de examinar atentamente as assinaturas musicais
dos colegas e, colocando-se à frete do grupo com regente, criar uma composição a partir da
combinação das possibilidades sonoras que lhes serão oferecidas pelas assinaturas musicais.
Esta atividade foi concebida segundo as perspectivas da abordagem pedagógica
contemporânea de educação musical, abordagem esta defendida por autores como Delalande e
Paynter, que considera em seus principais pré-supostos norteadores a estética da música pós-
tonal como base para a promoção da educação musical e a atividade de criação subsidiando o
aprendizado musical desde os primórdios do processo de ensino/aprendizagem.

Os educadores musicais desse período alinham-se às propostas da música nova e


buscam incorporar à prática da educação musical nas escolas os mesmos
procedimentos dos compositores de vanguarda, privilegiando a criação, a escuta
ativa, a ênfase no som e suas características, e evitando a reprodução vocal e
instrumental do que denominam “Música do passado” (FONTERRADA, 2005 p.
165).

204
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Nesta perspectiva, o conceito de música é ampliado para além dos limiares da música
tonal e, como defende Delalande, este conceito pode ser evidenciado na prática de qualquer
músico em que, quer seja executando ou apreciando, busca desenvolver suas atividades
musicais imprimindo a esta um nível de sensibilidade sonora, representação simbólica e
engendramento às regras que subsidiam a estética musical em questão.

Você notará por outra parte que, nesta analise de três níveis da prática musical, não
separo o que se relaciona com a produção da música e o que concerne a sua
apreciação. Parece-me que os músicos,quer façam, quer apreciem, tem em comum
estas três grandes capacidades: ser sensíveis aos sons, encontrar neles um
significado e gozar de sua organização (DELALANDE, 1985, p. s/n; tradução
nossa).

Desta forma, como já descrevemos anteriormente, a primeira ação proposta aos


discentes nesta atividade visa proporcionar a estes a oportunidade de exploração sonora junto
ao violão, seja por meio de técnica convencional ou estendida, para uma posterior análise,
seleção e organização dos sons extraídos, ação esta que tem o intuito de despertar junto aos
alunos seu caráter investigador, autônomo, pró-ativo, bem como apurar seu senso de
criticidade.
Após esta etapa, cabe ao educador orientar os discentes para criação de pequenos
fragmentos musicais, que assumirão a dimensão simbólica, denominados de assinaturas
musicais, através de um processo composicional desprendido de regras que possam subjugá-
los ao aprisionamento de um sistema.

O que é seguro e amplamente constatado na maioria das culturas é que as condutas


musicais têm em geral uma intenção simbólica, é dizer que os músicos não fazem
sons pelos sons em si mesmo, nem estruturas sonoras por estruturas sonoras em si
mesmas, senão que tudo isso remete a outra coisa, e a essa “outra coisa” corresponde
à ordem das imagens ou dos afetos ou da mitologia (DELALANDE, 1985 p.s/n;
tradução nossa).

Caberá ao aluno regente a escuta atenta de cada uma das assinaturas musicais
elaboradas pelos seus colegas e a proposição, por meios gestuais de comando, da composição
da obra tendo liberdade de inserção ou exclusão destas assinaturas, tanto em âmbito
sequencial quanto textural e de dinâmica, quando terá a possibilidade de estabelecer a
organização da obra quanto à sistematização, textura, dinâmica, duração etc.
Interessante observar alguns dos objetivos com potencialidade de serem promovidos a
partir da experiência para o aluno regente: desenvolver uma escuta ativa, selecionar e decidir
quais os elementos, bem como a sistematização e textura em que estes elementos serão
engendrados, analisar se suas decisões estão proporcionando a elaboração de uma obra de
valor estético e exercer de forma responsável e autônoma a função de líder do grupo.

205
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Destacamos que com esta proposta o docente poderá incluir de forma efetiva alunos
de diferentes realidades, seja em aspectos de domínio técnico, faixa etária, diversidade
cultural e mesmo casos de inclusão de pessoas com deficiência.
Esta atividade tem sido amplamente aplicada nos pólos do Projeto Guri no curso de
violão para um público diverso de alunos e, pelos relatos que temos recebido, podemos
constatar que esta atividade tem proporcionado resultados interessantes, bem como se
mostrado um opção positiva para a promoção inicial de atividades de composição com alunos
iniciantes, os quais comprovam nossas expectativas prévias bem como testificam os relatos
descritos até aqui.

3. Considerações finais
Em análise conclusiva podemos dizer que o presente trabalho buscou evidências que
pudessem sustentar a hipótese de que aqueles que promovem a educação musical,
principalmente por meio de instrumentos musicais, precisam apropriar-se dos conhecimentos
acumulados ao longo dos séculos de forma mais aprofundada, objetivando superar as práticas
tradicionalistas que subjugam a educação musical restritamente a aquisição de um conjunto
de técnicas e saberes vinculado ao repertório clássico.
Sabemos que a prática musical pode despertar e potencializar em seus praticantes o
desenvolvimento pleno de suas capacidades, bem como contribuir significativamente para a
formação de cidadãos autônomos, críticos e criativos, motivo pelo qual consideramos
indispensável que a abordagem pedagógica adotada durante o processo garanta aos alunos a
oportunidade de investigação, de tomada de decisão, motivados a aprender criativamente.
Apresentamos algumas concepções contidas no livro didático de violão do Projeto
Guri, que foi elaborado dentro de uma perspectiva pedagógica que considera o aluno como
centralidade do processo didático, respeitado em sua subjetividade, estimulado a ampliar seu
domínio de saberes, habilidades e competências numa abordagem que lhe garante a
participação ativa, crítica, criativa e reflexiva, constituindo-se assim como um relato de
experiência.
Esperamos que este trabalho possa de alguma forma provocar uma reflexão sobre as
problemáticas evidenciadas aqui bem como oferecer subsídios para a promoção de um
ensino/aprendizado musical cada vez mais adequado aos anseios da sociedade
contemporânea.

206
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como objetivo da educação
musical. São Paulo: Editora Peirópolis, 2001.

CRUZ, Vandersom, Livro do educador do Projeto Guri. São Paulo: Evidência, 2017.

DELALANDE, François. La música es um juego de niños. Buenos Aires: Editora Ricordi,


1985.

FONTERRADA, M. T. O. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo:


Editora Unesp, 2005.

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

“Método” para ensino coletivo de instrumentos de sopro

Leonardo Ramos dos Santos


UFSCar
l-o-sax2011@hotmail.com

Fred Siqueira Cavalcante


UFSCar
fredfredfred.sc@gmail.com

Resumo: O presente trabalho é um projeto de iniciação científica, em que se teve como objetivos
produzir e analisar a eficiência pedagógica de um material didático que possa ser utilizado para o
ensino coletivo de instrumentos de sopro e tem como eixo central da elaboração desse material o
método TECLA de Keith Swanwick, em que se propôs a adaptação dessa metodologia de ensino para
o ensino coletivo de instrumentos de sopro.

Palavras-chave: Ensino coletivo. Ensino de sopros.Material didático.

1. Introdução
O presente projeto visa contribuir com a produção de um material didático para o
ensino coletivo de instrumentos de sopro tendo como eixo central o método CLASP de Keith
Swanwick. No Brasil, esse processo originalmente designado como CLASP ficou conhecido
como TECLA: T de técnica, E de execução, C de composição, L de literatura e A de
apreciação.
Este projeto procurou investigar os processos de produção de material didático, assim
como propôs adaptar o método TECLA para o ensino de instrumentos de sopro.
Como a referente pesquisa envolve elaboração de material para ensino coletivo, optou-
se por começar a buscar por produções acadêmicas que eventualmente possam ter sido
produzidas no Brasil, ou também sobre metodologias específicas para essa situação de ensino.
O levantamento, então, mostrou um ponto observado na justificativa para a construção
deste projeto de pesquisa. Encontrou uma produção expressiva em torno do tema abordado,
tratando de 22 relatos de experiências, relacionados ao ensino coletivo, também com 31
produções científicas voltadas ao ensino coletivo de instrumento, sendo que desses, 8 são
voltados à prática de ensino de teclado ou piano, 9 para ensino de violão, 12 para o ensino de
instrumentos de sopro e 2 para o ensino coletivo de música na área da musicoterapia.
Para esse levantamento foi feita uma busca em bases virtuais de pesquisa utilizando o
Google, Google acadêmico, portal SciELO, buscando por artigos que tivessem por tema o
ensino coletivo, ensino coletivo de sopros, ensino coletivo de instrumento.
Através do levantamento bibliográfico foram analisados para efeito dessa pesquisa os
anais da ENECIM (Encontro nacional de ensino coletivo de instrumento musical) que
também contribuíram para a obtenção dos dados acima.

208
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Com esses dados obtidos até o momento foi possível obter uma base relevante para a
escrita desse projeto, observando que dentre o total dos 53 artigos acadêmicos encontrados
verificou-se que havia um contendo exercícios práticos para teclado e dois com exercícios
coletivos para instrumentos de sopro.
Os dados reforçam o que já foi descrito por Fernandes, apud Nascimento (2006), sobre
a produção voltada aos instrumentos de bandas, orquestras entre outras formações
instrumentais.

[...] existe um aumento da produção de dissertações e teses na sub-área da música,


educação musical, tanto nos cursos de Pós-Graduação em Música quanto nos de Pós-
Graduação em Educação. No entanto, após uma análise quantitativa, constatou-se
produção pouco significativa na especialidade de Educação Musical voltada para os
instrumentos musicais, que englobaria, também, pesquisas referentes a bandas e
orquestras, incluindo conjuntos de percussão e fanfarras (FERNANDES
apud NASCIMENTO, 2006, p.94).

Observa-se também que, como a maioria dos artigos obtidos trata de relatos de
experiência e não traz material de apoio para as práticas, há uma defasagem de produção
destinada a ser utilizada nos momentos de prática de ensino coletivo.
No levantamento também se buscou por literatura bibliográfica que possa ser utilizada
como base para o pensamento do educador Keith Swanwick, e procurando por pesquisas que
fizessem um paralelo entre a sua visão de educação musical no modelo CLASP e o ensino
instrumental.
No modelo CLASP cada letra da sigla tem um significado para ser utilizada na
aprendizagem musical seguindo assim o significado descrito por Knies e Vasques:
C – Composição ou criação
(L) – Literatura
A – Audição ou Apreciação
(S) – Habilidade técnica
P – Performance
Também observado durante o levantamento, foi possível entender que a proposta de
aprendizagem equilibrada fundamentada por Swanwick requer três princípios: “considerar a
música como discurso, o discurso musical dos alunos, e a fluência no início e no final”
(KNIES; VASQUES, 2006, p.1).
Com isso pretende-se abordar o modelo CLASP da seguinte forma neste projeto:
C: Composição ou criação, que deverá ser feita de maneira livre para os alunos ao
seguirem sugestões de temas dados pelo professor ou pelos próprios alunos.

209
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

L: Literatura, que deve ser de textos referentes à história do instrumento em questão, e


literatura de guias interpretativos para exercícios e músicas a serem executados.
A: Audição e apreciação, que serão de músicas, áudios e referências auditivas que
serão inseridos para estudo interpretativo ou como sugestão.
S: Habilidade técnica, que se refere a exercícios técnicos, instruções teóricas, entre
outros.
P: Performance, que se refere a execuções individuais ou coletivas que derivam da
utilização prática do projeto.

2. Metodologia
Dentre os procedimentos metodológicos, foi feito um levantamento de referências
bibliográficas. Para tanto buscou-se encontrar material que trouxesse, além da carga literária,
exemplos práticos para o ensino coletivo, sendo que neste momento também se procurou por
referências relativas à metodologia de Keith Swanwick no Brasil no contexto de ensino de
instrumento.
O levantamento foi feito em portais e banco de dados virtuais como o Google
acadêmico, Scielo, bibliotecas virtuais entre outros.
Após o levantamento bibliográfico se deu a pesquisa aplicada, momento em que a
investigação e a intervenção se desenvolveram no trabalho de campo, situação oportuna para
a sondagem dos exercícios adaptados.
As abordagens pedagógicas utilizadas nos momentos em aula foram feitas conforme a
descrição deste presente trabalho. Teve como procedimento de coleta de dados para análise, a
gravação das execuções dos alunos presentes durante os momentos práticos.

3. Elaboração dos exercícios e testes em campo


Os exercícios procuraram seguir os conceitos do modelo CLASP anteriormente
explicados para construção do conhecimento e, como critério de avaliação para seleção e
reelaboração, considerou-se a espiral de Swanwick.
No modelo espiral temos quatro níveis de avalição, sendo eles: material, expressão,
forma e valor, cada um com suas características quanto ao nível interpretativo e de
consciência sonora do aluno. Levando-se em consideração o que foi descrito por Meneses
(2006) em relação à espiral, as quatro fases de aprendizagem desdobram-se da seguinte
forma:

210
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Material: é o nível de consciência e domínio que o aluno exerce sobre o material


musical utilizado.
Expressão: consciência e controle do caráter expressivo.
Forma: consciência e controle da forma musical.
Valor: consciência do valor pessoal e cultural da música.
O diagnóstico do nível do aluno é feito através da espiral na forma de avaliação
continuada, em que o professor deve observar o aluno e ajudá-lo a construir suas próprias
metáforas, como é dito por Swanwick.
Sendo a espiral uma representação de parte da teoria desenvolvida por Swanwick, ela
vem a servir com precisão aos moldes de avaliação desta pesquisa. Contudo já foi utilizada
como sistema de avaliação em projetos anteriores e obteve resultados significantes.

[...] Swanwick tem nos dado contribuições inestimáveis. A teoria da Espiral de


Desenvolvimento torna-se uma das mais completas à medida que se concentra na
forma como a criança se desenvolve musicalmente ao longo do processo, não se
limitando apenas a descrever as habilidades adquiridas. Sendo assim, a teoria
permite “não só que o modelo Espiral sirva de suporte para o desenvolvimento
curricular, mas também sirva de critério para a avaliação [...]” (MENESES, 2006,
p.79).

Nos moldes deste projeto o modelo espiral vem a ser entendido e colocado nos
seguintes critérios em cada estágio:
No nível material o aluno começa a ter contato com o instrumento, e procura fazer
execuções de modo a ainda estar atento ao domínio básico do instrumento, no caso dos naipes
escolhidos para a pesquisa, que são os de saxofones, o de flauta transversal e o de clarineta.
Na fase inicial os alunos ainda se concentram em conseguir produzir som com o instrumento,
formando sua embocadura, procurando ter uma digitação clara do instrumento, e articula a
relação com o seu instrumento de maneira bem rudimentar.
Para o nível da expressão, o aluno começa a ter mais domínio técnico do instrumento,
consegue emitir som com mais facilidade, e começa a procurar ter melhores resultados
performáticos, tendo nuanças interpretativas.
Estando então no estágio da forma, o aluno já tem domínio do instrumento, consegue
ter uma performance clara quanto a sua execução, e consegue ter percepção da sua execução
em tempo real.
Chegando então ao estágio do valor, o aluno domina todas as relações anteriores de
forma totalmente clara, e já faz as suas metáforas, criando um laço pessoal e cultural com a
sua execução e escuta musical, trazendo sua personalidade individual ao fazer musical.

211
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Swanwick entende que a troca de estágio não é vista de forma clara, mas o estágio em
que o aluno está pode ser observável pelo professor. “Os saltos psicológicos estão escondidos
da vista, mas os lugares de chegada podem ser observados pelo que fazemos e falamos”
(SWANWICK, 2003, p.85).

4. Avaliação
O processo de avaliação variou de acordo com o módulo abordado dentro desse
projeto, no entanto foi constituído principalmente a partir de um processo de avaliação
continuada em que os alunos tiveram seus momentos de fazer prático gravados, transcritos e
avaliados, de acordo com a espiral de Swanwick.
Pois é sugerido por Swanwick que neste molde de avaliação o foco de avaliar-se
musicalmente alcance maior efetividade.

Sugiro que não ficaremos sem rumo se nos aproximarmos da ideia de música como
metáfora e nos concentrarmos nas camadas externas visiveis em ambos os lados de
cada transformação metafórica. Os saltos psicológicos estão escondidos da vista,
mas os lugares de chegada podem ser observados pelo que fazemos e falamos
(Swanwick, 2003, p.85).

5. Transcrição dos momentos em aula


Todo o processo de investigação e adaptação do material didático se deu no projeto
música para todos. O projeto ocorre aos fins de semana na cidade de Piracicaba, estado de São
Paulo, e tem como objetivo o ensino de música para crianças, adolescentes e adultos.
Para efeito de anonimato, na pesquisa os participantes receberam pseudônimos para
manter sua identidade em segredo, sendo relacionados da seguinte forma, cada um dos
pseudônimos a seu instrumento e idade:
Participante 1: P 1 – Flauta transversal Idade: 12 anos
Participante 2: P2 – Flauta transversal Idade: 12 anos
Participante 3: P3 – Flauta transversal Idade: 15 anos
Participante 4: P4 – Flauta transversal Idade: 9 anos
Participante 5: P5 – Flauta transversal Idade: 11 anos
Participante 6: P6 – Clarineta Idade: 9 anos
Participante 7: P7 – Clarineta Idade: 51 anos
Participante 8: P8 – Saxofone Alto Idade: 18 anos
Participante 9: P9 – Saxofone tenor Idade: 19 anos
Cada integrante pôde opinar a respeito de como foi seu contato com os exercícios ao
final de cada aula. Foi solicitado aos integrantes que dissessem tudo que achassem pertinente

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

e, por parte do aplicador, foram elaboradas perguntas guias para direcionar o assunto quando
necessário.
As questões foram:
Para você, o exercício feito era fácil ou difícil?
Ao receber o exercício, ficou claro o que você teria que fazer?
Caso não tenha ficado, o instrutor conseguiu esclarecer de maneira concisa a questão?
Você acha que o exercício ajudou no seu desenvolvimento musical?
Aproximadamente quantas horas por semana você treinava com seu instrumento em
momentos extra-aula?
A opinião sobre os exercícios era optativa e foi feita em uma roda de conversa ao fim
de cada aula.
Com recorrência, algumas observações foram notadas. Segundo os participantes, a
forma de aprendizagem tinha uma abordagem muito diferente do que eles esperavam ou já
haviam vivenciado em aulas de música.
Os relatos mais recorrentes destacaram que o conjunto de exercícios de criação era
algo que eles não esperavam e também que esses exercícios eram quase sempre o momento de
maior descontração nas aulas, mesmo que fossem difíceis de serem executados.

6. Conclusões
Os resultados obtidos demonstraram que, na aplicação do modelo TECLA e na busca
pela aprendizagem musical equilibrada, alguns pontos não se nivelaram dentro do modelo.
Observou-se que mesmo buscando o equilíbrio durante as aulas, os alunos tiveram
resultados variados em cada um dos tópicos do TECLA.
O resultado demostrou que, para o processo de passagem aos próximos estágios da
espiral, seria necessário mais tempo de trabalho em campo, além de mais adaptações de
exercícios da pratica de Keith Swanwick para o ensino de sopros.
A pesquisa demostrou também que a adaptação da metodologia de Swanwick para o
ensino coletivo de sopros requer mais tempo de preparação e pesquisa empírica sobre o tema,
já que a adaptação acaba sendo feita a partir de modelos teóricos que não são os mesmos que
se pretendia nesse projeto.

Referências

BUENO, P; BUENO, R. Uma proposta metodológica para se ensinar música musicalmente.


IX Congresso nacional de educação-EDUCERE. III Encontro sul brasileiro de

213
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

psicopedagogia. 26 a 29 de outubro de 2009. PUCPR. Disponível em


http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3568_2012.pdf Acesso em agosto de 2019.

FRANÇA, C.; SWANWICK, K. Composição, apreciação e performance na educação


musical: teoria, pesquisa e pratica. EM PAUTA - v. 13 - n. 21 - dezembro 2002.

KNIES, E.; VASQUES, L. O modelo C(L)A(S)P aplicado no desenvolvimento musical:


identificando estratégias para desenvolver o modelo C(L)A(S)P no processo de ensino e
aprendizagem da música,2016.

MENESES, Mara,Avaliação em Música na escola regular. XVI Congresso da Associação


Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM), Brasília, 2006. Disponível
em:<https://antigo.anppom.com.br/anais/anaiscongresso_anppom_2006/CDROM/COM/01_C
om_EdMus/sessao03/01COM_EdMus_0304-179.pdf> Acesso em: Agosto de 2019.

NASCIMENTO, Marco. O ensino coletivo de instrumentos musicais na banda de música.


XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música
(ANPPOM), Brasília, 2006. Disponível em:
<https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/34151042/01COM_EdMus_0404-
218.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20filename%3D01COM_Ed_Mus_0404-
218.pdf&X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-
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Acesso em: Agosto de 2019.

SOUZA, R.; ALVARES. T.; FREIRE. J; Ensino coletivo de música em escolas regulares e
espaços não-formais. Anais do 14º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ – Vol. 1 –
Educação Musical e Musicologia, 2016.

SWANWICK, Keith, Ensinando música musicalmente, São Paulo, Moderna, 2003.

214
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Música em movimento: potenciais das brincadeiras tradicionais brasileiras na educação


infantil

Débora Schützer Lasso dos Santos


Universidade Federal de São Carlos
deboraslasso@gmail.com

Juceleni Papeschi Sampaio


Universidade Federal de São Carlos
ju.papeschi@gmail.com

Mariana Barbosa Ament


Universidade Federal de São Carlos
marianabament@gmail.com

Viviane Aparecida Peruzzi


Universidade Federal de São Carlos
viviane.peruzzi@gmail.com

Resumo: O presente trabalho consiste em um recorte de pesquisa de conclusão de curso de


Especialização “Música em Movimento: Propostas para a Educação Escolar” e tem como objetivo
reforçar a importância do brincar e da educação musical no cotidiano escolar. Considerando a
metodologia de revisão bibliográfica, as autoras apresentam a brincadeira como potencial na educação
infantil refletindo sobre o gesto, o movimento, o canto, a dança, a literatura, o faz-de-conta e o
desenvolvimento integral das crianças.

Palavras-chave: Educação musical na educação infantil. Brincadeiras tradicionais brasileiras.


Profissionais da educação infantil. Formação integral.

1. Introdução
O presente artigo se dedica a refletir sobre a relevância das brincadeiras e cantigas
populares brasileiras para o trabalho pedagógico na educação infantil. Tal reflexão se torna
uma tarefa essencial aos professores e professoras. Atualmente a tecnologia tem modificado a
vivência da infância com celulares, tablets, computadores e as crianças têm sido muito
influenciadas pelo que a mídia apresenta, necessitando cada vez mais de professores
curadores do conhecimento para que saibam assimilar e apreender novas práticas salutares
sem ignorar o rico repertório cultural do Brasil.
Conforme estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil - DCNEI (BRASIL, 2010), a aproximação com as multimídias garante o direito das
crianças ao acesso e uso dos diferentes recursos tecnológicos e midiáticos e amplia suas
possibilidades de expressão. Neste sentido, um dos papeis das educadoras e dos educadores é
o de potencializar a produção de culturas infantis, tendo a escuta apurada e sensível na gestão
do seu cotidiano com os bebês e as crianças pequenas, além de serem defensores das várias
formas de ser criança e viver as infâncias. Experiências nas quais bebês e crianças pintam
desenhos prontos, brincam com jogos carregados de estereótipos e sem sentido ou assistem a

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

filmes e desenhos com vistas ao silenciamento de seus corpos pouco contribuem para a sua
formação integral.
Lydia Hortélio, referência na área da educação musical, dedica-se ao estudo e difusão
de brincadeiras e cantigas tradicionais de diferentes regiões brasileiras, reafirmando assim a
importância da pesquisa com essa temática. Essas brincadeiras e cantigas, muitas vezes, são
transmitidas de geração em geração e ainda são preservadas até hoje na memória daqueles que
as conhecem, mas precisam fazer parte do contexto escolar para que sejam inseridas de
maneira mais consistente na vida das crianças.
É preciso enfatizar que a infância é um período muito importante da vida do ser
humano, fase em que ocorre o desenvolvimento da motricidade, da afetividade, da linguagem.
Nesse período, a principal atividade é o brincar. Na educação infantil, as crianças estão no
início da construção de sua identidade, de sua formação moral, do desenvolvimento da
coordenação motora, da socialização, da alteridade, das noções musicais. É por meio do
brincar que ela se expressa, se relaciona e se desenvolve.
Na brincadeira, a criança se reconhece como parte de um grupo, desenvolvendo
também a identidade pessoal e coletiva. Através dessa socialização, desenvolve
potencialidades, aprende a manifestar suas necessidades e a respeitar o outro com suas
diferenças e similaridades.
Brincar nem sempre traz apenas aspectos prazerosos, pois é na brincadeira que a
criança lida com frustrações, desafios e tristezas. De acordo com Vigotsky (2006), ao brincar
a criança lida com conflitos como ganhar e/ou perder, além de regras que lhe são impostas
desafiando-a a cumpri-las. Dessa forma, também é possível demonstrar as próprias
fragilidades e individualidades.
Assim, tal prática contribui para o desenvolvimento integral da criança. Nesse sentido,
Kishimoto (1999) afirma que é necessário a criança aprender a brincar para assim se expressar
e se comunicar. A escola, especialmente a educação infantil, é um espaço privilegiado em que
diversas crianças se reúnem para brincar e aprender. A mesma autora também considera a
escola como o lugar ideal para proporcionar o acesso à cultura popular brasileira.
Considerando os elementos apontados, este estudo procura apresentar a importância e
a relevância do trabalho docente com as brincadeiras e cantigas populares brasileiras para a
musicalização na educação infantil a partir da contribuição de grandes autoras da área da
educação musical, como Brito (2003), Hortélio (2016; s/d.a.b), Tomich (2015), Lino (2014) e
Silva (s/d).

216
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Dessa maneira, buscou-se ser útil a todas as pessoas interessadas em preservar e


propagar as brincadeiras e cantigas populares brasileiras, mas, especialmente, aos
profissionais da educação infantil.

2. O brincar na educação infantil por meio da música: cultura popular, brincadeiras e


musicalização.
Brincadeiras e cantigas populares contribuem de maneira bastante significativa e
abrangente para a ampliação dos conhecimentos e aprendizagens das crianças. Além de
trazerem a ludicidade para a sala de aula, potencializam, na prática, conceitos importantes
como organização, ausência e permanência, coordenação motora, limites, regras etc. Pode-se
dizer que a criança cria e recria o mundo que a cerca a cada nova brincadeira.
Tomich (2015) realizou uma pesquisa sobre Lydia Hortélio - pesquisadora de
brincadeiras populares – ou, como ela chama, “Brinquedos de Criança” – e acredita que a
brincadeira é o último reduto de espontaneidade que resta à humanidade; que essa é a língua
do ser humano e que vai sendo perdida ao longo dos anos. Ela entende que é de extrema
importância que as pessoas brinquem e diz que as crianças fazem descobertas e aprendizagens
entre si ao brincarem juntas. É importante enfatizar que o profissional da educação infantil, na
medida em que se permite brincar, aproxima-se muito mais das crianças e do sentido que a
música e o movimento podem trazer para o desenvolvimento humano.
Este acervo de experiências infantis seria a “Cultura da Criança”, que é passada de
geração em geração, ultrapassando fronteiras de idades (HORTÉLIO, s/d.a). As brincadeiras
tradicionais pressupõem um brincar junto, um contato interpessoal, tão necessário, segundo
ela.
Para Hortélio, o Brinquedo de Criança é o texto literário, a música, o movimento, o
drama e o outro (pressupõe um outro, um companheiro para a brincadeira). Ela considera que
a música tradicional da infância é o que há de mais sensível e essencial na cultura de um povo
e diz que “a música tradicional da infância é a melhor forma de educação da sensibilidade”
(HORTÉLIO, s/d.b). Assim a pesquisadora define a música da cultura da criança:

[...] é uma música com movimento, aliada à representação e a uma geometria no


tempo. É uma música no corpo, próxima ao outro, com o outro, movida pura e
simplesmente pela livre vontade de brincar. É a cidadania plena, por índole e direito,
sensível, inteligente. Sua prática proporciona o exercício espontâneo da Música em
todas as suas dimensões, de forma elementar, e se constitui, por si mesma, a base de
uma educação do sensível e pressuposto fundamental da identidade cultural e da
cidadania. Assim sendo, torna-se evidente a necessidade de atentarmos para seu
cultivo desde muito cedo, e ao longo de toda a Infância (HORTÉLIO, 2006, s/p).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A pesquisadora Lucilene Silva (s/d) afirma que a cultura da infância é um espelho da


diversidade dos povos, pois seu principal tema é o cotidiano de cada lugar. Por isso há
diferenças entre as músicas tradicionais da infância de lugar para lugar, afinal a cultura, a
geografia, a ascendência das pessoas, o modo de vida têm influência sobre os elementos
culturais. Em suas pesquisas sobre os brinquedos de criança ao redor do mundo, Hortélio
observou que, mesmo em todo lugar havendo canções de ninar, brincos etc., há grandes
diferenças entre as músicas da cultura da criança em cada país. Estas falarão da natureza do
local, de sua língua, de seus costumes (LINO, 2014).
A autora afirma:

Os Brinquedos Cantados, os Brinquedos Ritmados, ou seja, a MÚSICA


TRADICIONAL DA INFÂNCIA, a MÚSICA DA CULTURA INFANTIL, integra
fatos culturais que estão na base da Cultura de um Povo, portanto, no berço da
CULTURA BRASILEIRA, carregando em seu cerne os arquétipos da língua, da
música, o movimento próprio de nossa Alma Ancestral, sua maneira de ser
particular, sua graça e poder diáfano (LINO, 2014, p. 274).

O Brasil apresenta grande diversidade de músicas, histórias, brinquedos e brincadeiras,


os quais perpetuam-se ao longo do tempo de forma oral passando de geração a geração,
sofrendo transformações e se renovando adequando-se às novas gerações brincantes. Uma
cultura ampla com adivinhas, trava-línguas, acalantos, quadrinhas, cirandas e brincadeiras
como amarelinhas, pular corda, elástico, pegadores, possui a riqueza e influência de diferentes
povos como portugueses, africanos, ameríndios, alemães, italianos etc. (SILVA, s/d).
O conjunto de brincadeiras e músicas tradicionais da infância, como parte da essência
do povo, contribui para a construção de um “espírito de brasilidade”. Para Hortélio, a música
tradicional da infância é nossa língua materna musical e afirma que “é inestimável o valor do
exercício espontâneo da música na infância, uma música onde a palavra, a cantiga, o
movimento e o outro se interligam na alegria do brincar” (HORTÉLIO, s/d.a). Por isso, Silva
(s/d) considera que a música tradicional da infância deve ser o substrato principal da educação
musical no Brasil, pois é muito rica e diversa. Dessa maneira, ela será preservada e as crianças
brasileiras poderão conhecer seu país e aprender a apreciar sua música.
No entanto, Hortélio entende que a infância está sendo esquecida no Brasil e que,
desde o aparecimento da TV, o convívio entre as crianças tem diminuído, o que seria
prejudicial para o desenvolvimento delas. A pesquisadora também critica as escolas e casas de
hoje: em sua maioria sem espaço para que as crianças corram, pisem na terra, na grama e
brinquem livremente. Para Hortélio (s/d), é essencial que as crianças tenham contato com a

218
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

natureza e uns com os outros. Nisso entraria o papel da escola como ponte entre o passado e o
presente, como espaço de brincar, de aprender, de vivenciar, de conviver (HORTÉLIO, s/d.a).
Teca Alencar de Brito (2003), por outro lado, observa alguns pontos positivos da
modernidade e das novas tecnologias. Segundo a pesquisadora, as transformações
tecnológicas ampliaram os meios para o fazer musical por conta da introdução de
instrumentos eletrônicos e equipamentos como sintetizadores e computadores. Além disso,
novas formas de música (como a concreta 1 e a eletrônica 2 ) desenvolvidas recentemente
provocaram mudanças (que ainda não cessaram) em todos os gêneros e estilos musicais. Isso
tudo teria uma influência já nas crianças pequenas e, portanto, são elementos que não podem
ser ignorados.
Indo ao encontro do pensamento de Hortélio, Brito (2003) também coloca a criança
como protagonista do processo de aprendizado. Considera que um trabalho pedagógico
musical deve acontecer em contextos educativos que compreendam a relação da música com
o perceber, o sentir, o experimentar, o imitar, o criar e o refletir. Nesse sentido, a criança,
como sujeito da experiência, é a prioridade, e não a música. A autora ainda considera que “a
educação musical não deve visar à formação de possíveis músicos do amanhã, mas sim à
formação integral das crianças de hoje” (BRITO, 2003, p. 46).
De acordo com Brito (2003) e pela experiência docente das autoras deste artigo, a
música – em especial, a canção – tem sido utilizada para diversos propósitos na educação
infantil brasileira. Em geral, ela é colocada como meio para o trabalho com outros conteúdos,
para o ensino de hábitos, atitudes e disciplina, como marca dos momentos da rotina e é usada
em datas comemorativas. Por conta de novas abordagens pedagógicas e mudanças na
compreensão e atuação de profissionais da educação infantil, é possível notar avanços rumo a
uma transformação conceitual em relação ao trabalho com a linguagem musical, mas isso tem
acontecido de maneira lenta.
Por ser uma linguagem, o conhecimento musical precisa ser construído baseado em
vivências e reflexões orientadas, tendo seu foco sempre em promover o ser humano de
maneira integral (BRITO, 2003). Portanto, todos os alunos devem estar incluídos – nesse
sentido, as crianças com alguma necessidade especial também devem ser consideradas.
Na educação infantil, a música deve ter lugar especial. As crianças gostam muito de
atividades musicais e, claro, gostam muito de brincar. Nada impede que a música seja usada
para determinados fins como marcar momentos da rotina e o ensino de outros conteúdos, mas
também precisa estar em momentos em que ela seja o foco, o fim. Conteúdos musicais
precisam ser ensinados, a música precisa ser apreciada, vivenciada, experimentada, criada.

219
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

O mesmo ocorre com as brincadeiras. Elas podem ser usadas com fins pedagógicos,
podem ser feitos jogos e brincadeiras para ensino de diversos conteúdos, mas é fundamental
que as crianças tenham tempo de brincar livremente, de brincar por brincar, de vivenciar e
experimentar as brincadeiras coletivamente, sem a preocupação de aprender algo específico
(apesar de que, com certeza, aprenderão muitas coisas).
O professor deve transmitir conhecimento, mas também precisa dar espaço às crianças
para que vivenciem livremente, experimentem seus conhecimentos e produzam cultura ao
mesmo tempo em que vivenciam a cultura de seu país. Segundo Hortélio, “o adulto pode e
deve passar seu conhecimento às crianças, mas deve, também, deixá-las experimentar seus
conhecimentos entre elas mesmas” (TOMICH, 2015, p. 117).
Forquin (1993) explica a relação entre educação e cultura de maneira interessante:

[...] é pela e na educação, através do trabalho paciente e continuamente recomeçado


de uma ‘tradição docente’ que a cultura se transmite e se perpetua: a educação
‘realiza’ a cultura como memória viva, reativação incessante e sempre ameaçado, fio
precário e promessa necessária da continuidade humana (FORQUIN, 1993, p.14).

Sendo assim, pode-se lembrar a afirmação de Silva (s/d) dizendo que o substrato da
educação musical deve ser a música tradicional da infância. Corroborando essa ideia, Tomich
conclui:

Cabe a nós, brasileiros, reconhecer a cultura musical do nosso país como um


patrimônio cultural vivo, e que deve ser a base da nossa educação musical, pois nela
está todo um percurso de sabedoria ancestral, e por isso, o perigo de se perder no
tempo (TOMICH, 2015, p. 122 e 123).

3. Considerações finais
Como foi abordado neste artigo, os avanços tecnológicos e os aparelhos midiáticos
têm trazido grandes mudanças para a vivência da infância. Apesar de diversos pontos
positivos, podem ser observados aspectos prejudiciais, especialmente no que diz respeito ao
desenvolvimento integral das crianças (uma vez que brincam e se entretêm muito mais com
aparelhos que quase não lhe exigem o uso do corpo) e ao contato com a natureza. Além disso,
essas novas formas de brincar têm, de certa maneira, deixado de lado elementos culturais,
causando até certa homogeneização da infância.
Portanto, é necessário que a escola, especialmente a educação infantil, compreenda a
importância da brincadeira e da cultura popular para a formação das crianças. E, assim,
promova momentos prazerosos de brincadeiras tradicionais livres e dirigidas. Professores e
professoras têm papel crucial de planejar esses momentos. Os chamados Brinquedos de
Criança deveriam também ser o cerne da educação musical infantil (TOMICH, 2015).

220
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Devido ao forte envolvimento entre bebês e crianças com o universo sonoro, Brito
(2003) afirma que o processo de musicalização acontece quase que intuitivamente, de forma
espontânea. Cantigas de roda, de ninar, parlendas são importantes para o desenvolvimento não
apenas musical, mas integral da criança. Um contexto pedagógico-musical deve entender a
música como instrumento na construção do saber que envolve o sentir, experimentar, criar,
perceber, imitar.
Conforme afirma Lino (2014), em entrevista com Lydia Hortélio, o trabalho musical
realizado principalmente na infância deve valorizar o brincar com o corpo, com os sons, além
de valorizar a alegria do convívio das crianças entre elas mesmas. A experiência de vivência
musical deve ir além das cobranças referentes ao processo de ensino-aprendizagem. O
conhecimento musical precisa ser construído em vivências e reflexões orientadas. Desta
forma, o educador deve ser atento, alegre, desafiador e pesquisador.
Por meio das brincadeiras e cantigas populares, a criança compreende o mundo à sua
volta, desenvolve a linguagem e aprende regras e princípios básicos como a cooperação, a
liderança, o compartilhar. É importante assegurar a toda criança o direito de brincar. Toda
brincadeira e cantiga traz um aprendizado, seja ele pela convivência, pela musicalidade, pelos
movimentos, pelo texto ou pela simples alegria do brincar.
Além disso, o trabalho com brincadeiras e cantigas populares envolve questões
históricas, culturais e geracionais, uma vez que, como foi dito, elas contribuem para a
construção de um “espírito de brasilidade”. As crianças se apropriam, vivem e transformam a
cultura do Brasil ao brincar. Tendo em vista que, hoje em dia, muitas crianças passam grande
parte do tempo de seu dia nas escolas e creches, deve-se refletir sobre o que, de fato, a escola
proporciona de vivência cultural e musical.
Há ainda diversas reflexões a serem feitas e que podem se desdobrar dessa
investigação, como a problematização dos efeitos a longo prazo que a grande exposição às
tecnologias midiáticas causa e suas relações com as brincadeiras tradicionais brasileiras. Ou
então sobre como as escolas têm lidado com essas tecnologias e o espaço que a cultura
popular brasileira ocupa nelas. Outro assunto bastante importante a ser abordado é a formação
dos profissionais da educação infantil, que precisam diariamente lidar com tantas atribuições e
ainda dar conta de planejar e desenvolver atividades visando à formação integral das crianças
pequenas.
Fato é que as crianças precisam brincar, cantar, movimentar-se, desenvolver-se, criar e
viver sua própria cultura e ter espaço de natureza para isso. Assim, as autoras acreditam que
os profissionais da educação infantil devem proporcionar esses momentos amplamente

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

visando o desenvolvimento integral das crianças. A educação musical é parte importante


dessa formação e deve ter as brincadeiras e cantigas populares em seu âmago.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes curriculares nacionais para educação infantil.


Brasília: MEC, 2010.

BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil. São Paulo: Petrópolis, 2003.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

HORTÉLIO, Lydia. Música da cultura infantil no Brasil. Textos Casa Amarela. Maio. 2016.
Disponível em:
https://www.casaamarelafestas.com.br/textos/musica_da_cultura_infantil_no_brasil.pdf.
Acesso em: fev. 2020.

HORTÉLIO, Lydia. (s/d.a). Criança, natureza cultura, infantil. Disponível em:


<http://www.memoriasdofuturo.com.br/admin/arquivos/arq_2_128.pdf>. Acesso em:
12/06/2019.

HORTÉLIO, Lydia. (s/d.b) Lydia Hortélio. Sessão home, outros mestres. Mapa do Brincar.
Disponível em: <http://mapadobrincar.folha.com.br/mestres/lydiahortelio/>. Acesso em:
16/05/2019.

LINO, Dulcimarta Lemos. Música tradicional da infância: Entrevista com Lydia Hortélio, por
Dulcimarta Lemos Lino. Reflexão & Ação, Vol. 22, nº. 1, 2014.

KISHIMOTO, T. (org). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. 3º Ed. São Paulo: Cortez,
1999.

SILVA, Lucilene. Lucilene Silva. Sessão home – outros mestres. Mapa do brincar. s/d.
Disponível em: <http://mapadobrincar.folha.com.br/mestres/lucilenesilva/>. Acesso em:
16/05/2019.

TOMICH, Ana Luiza Lemos. Lydia Hortélio, uma menina do sertão: educação musical na
cultura da criança. 2015. 133 f. Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-graduação em
Música), Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, Salvador, 2015.

VIGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In:______.;


LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10. ed. São
Paulo: Ícone, 2006. p.103-117.

Notas

1
Música concreta é aquela composta a partir de sons naturais e/ou artificiais. Pode conter partes completas ou
fragmentos de sons do ambiente ou de qualquer ruído (inclusive de instrumentos musicais).
2
A música eletrônica é aquela criada ou alterada por meio de equipamentos e instrumentos eletrônicos.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Música no novo ensino médio: as relações entre espaço escolar e um grupo auto-
organizado

Tauini Mauê Santos Rosa


Universidade Federal de Minas Gerais- Programa de Pós-Graduação em Música
tauinimaue@hotmail.com

Resumo: Este artigo consiste em discutir os processos de aprendizagem musical que acontecem
durante a interação entre membros de um grupo vocal auto-organizado em uma escola pública de
tempo integral no município de Belo Horizonte. A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma
abordagem etnográfica, sob uma observação participante de ensaios do grupo, na qual procurei
dialogar com os autores Almeida, André, Arroyo, Kraemer e Green. Este trabalho é um recorte da
minha pesquisa de mestrado, portanto, ainda se encontra em andamento.

Palavras-chave: Aprendizagem musical informal. Auto-organizado. Espaço escolar.

1. Introdução
Ao tentar identificar os processos de aprendizagem musical que acontecem em um
espaço escolar, muitas vezes ficamos delimitados a olhar para a prática centrada na sala de
aula e na figura do professor, principalmente quando trata-se de um contexto em que há aula
de música. Nesse sentido, ao considerarmos o fato de que o espaço escolar é repleto de
significados, singularidades e um espaço plural, devemos considerar os outros processos de
aprendizagem musical que acontecem além da sala de aula. É a partir desse ponto de vista que
este trabalho se desenvolve, descrevendo um recorte de cenas que mostram os caminhos para
se fazer música em um tempo não curricular em uma escola estadual no município de Belo
Horizonte.
O campo de trabalho que escolhi fazer esse recorte é a Escola Estadual Governador
Milton Campos, localizada na região centro-sul de Belo Horizonte. Essa instituição oferta
vagas exclusivamente para o segmento Ensino Médio e tem como principal característica ser
uma escola na qual há uma diversidade de alunos de diferentes contextos sociais e regiões de
Belo Horizonte. É uma escola que valoriza as linguagens artísticas, mostrando apoio por parte
da direção e coordenação ao disponibilizar espaços para apresentações, festival de inverno e
outros momentos de performances. A escolha desse local se deve ao fato de ser a escola em
que trabalho há quase dois anos, e desde que estive presente nessa instituição como
professora, muito me chamou atenção os grupos que foram formados para fazer música
juntos, dentre eles, um quarteto de alunas e um violonista.

223
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2. Educação Integral
O atual cenário da Escola Estadual Governador Milton Campos segue a Lei nº
13.415/2017, (BRASIL, 2017) que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e
estabeleceu uma mudança na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo do
estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até 2022) e definindo uma nova
organização curricular, mais flexível, que contemple uma Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e a oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes, os itinerários
formativos, com foco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional.

§ 1o A proposta pedagógica das escolas de ensino médio em tempo integral terá por
base a ampliação da jornada escolar e a formação integral e integrada do estudante,
tanto nos aspectos cognitivos quanto nos aspectos socioemocionais, observados os
seguintes pilares: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser (BRASIL, 2016,
p.41).

A Escola Estadual Governador Milton Campos se organiza da seguinte forma: os


alunos chegam às sete horas da manhã, tomam café, assistem duas aulas até às nove e meia,
assistem mais outras três aulas, há um intervalo de uma hora para o almoço, assistem duas
aulas, há um intervalo de vinte minutos para o lanche da tarde, assistem mais duas aulas e vão
embora. Diante disso, os ensaios acontecem durante os intervalos, horário que não estão em
aula e optaram por aproveitar esse tempo ensaiando, duas vezes na semana.

3. Etnografia Escolar
Para investigar os processos de aprendizagem musical que acontece em grupo
específico em um espaço escolar, a abordagem etnográfica é uma ferramenta metodológica
que pode nos aproximar desse objeto de estudo e, a partir das observações, entender como
esses indivíduos compreendem e estruturam o seu dia a dia nesse espaço escolar, como
constroem a realidade que os cerca, as práticas cotidianas, as atividades rotineiras que
envolvem as práticas musicais.
De acordo com André (1998) em seu trabalho sobre etnografia escolar, a principal
preocupação na etnografia é com o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas
ou os grupos estudados. Esses sistemas de significado constituem a sua cultura. A autora
dialoga com a ideia de Spradley (1979) ao afirmar que em toda sociedade as pessoas usam
sistemas complexos de significado para organizar seu comportamento, para entender a sua
própria pessoa e os outros e para dar sentido ao mundo em que vivem.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Dessa forma, escolhi fazer uma abordagem etnográfica para compreender como
acontece o processo de aprendizagem musical durante a interação entre os participantes de um
grupo auto-organizado. Além disso, a etnografia escolar adequa-se ao investigar um contexto
no qual eu estou inserida em seu dia a dia.
Conhecer a escola mais de perto significa colocar uma lente de aumento na dinâmica
das relações e interações que constituem o seu dia a dia, apreendendo as forças que a
impulsionam ou que a retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de
organização do trabalho escolar e compreendendo o papel e a atuação de cada
sujeito nesse complexo interacional onde ações, relações, conteúdos são construídos,
negados, reconstruídos ou modificados (ANDRE, 1998, p. 31).

4. Banda Central
A banda teve início no segundo semestre de 2018, a partir da iniciativa de um aluno do
primeiro ano, pianista e cantor. A ideia inicial era fazer um grande grupo musical de forma
que tivesse a participação de todos os alunos da escola que gostariam de compartilhar
experiências musicais, aprimorar os conhecimentos e fazer apresentações.
O grupo tinha no início cerca de sete pessoas, sendo que o aluno incentivador foi
intitulado como uma figura de liderança da banda. A partir de então, este passou a organizar e
negociar possíveis espaços e horários para os ensaios. Os primeiros ensaios aconteciam
durante o almoço na sala de música da escola, uma sala de aula comum, porém havia apenas
cadeiras, violões e o quadro branco fixado. Os participantes da banda levavam os próprios
instrumentos e não havia uma formação definida, cada um levava o que sabia tocar. As
músicas eram escolhidas de acordo com as sugestões dos cantores e grau de dificuldade para
os instrumentistas.
Houve uma audição no primeiro semestre de 2019, na qual alguns integrantes
escolheram quais seriam os critérios para entrar na banda e fizeram uma banca com juris. O
critério para passar no teste era saber cantar ou tocar uma música inteira, para um pequeno
público que estava lá. Como consequência, o grupo passou a ensaiar no auditório da escola,
pois o número de integrantes triplicou, o que fez com que a banda perdesse o controle de
organização e passou a ser dividida por pequenos grupos que executavam músicas diferentes
em um mesmo espaço, causando muita bagunça. Apesar disso, a banda conseguiu seguir com
os ensaios e fazer apresentações frequentes em eventos da escola.

5. Quarteto À Capella feat. Emerson: Quarteto Fantástico e o surfista prateado


O grupo vocal é formado por quatro meninas de faixa etária entre 15 e 16 anos e um
violonista acompanhador: Ana Clara, Andressa, Lara, Thalita e Emerson, que se juntaram
com o intuito de interpretar músicas em que há um interesse em comum. O grupo não utiliza

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

termos técnicos da música para diferenciar os naipes de vozes, identificar tonalidade, nem
parâmetros sonoros, no entanto, elas sabem as regiões para cantar que mais se sentem
confortáveis e conhecem os seus limites.
A trajetória do grupo é marcada pelo encontro e afinidade das alunas Andressa e Lara
que compartilhavam o mesmo transporte escolar e cantavam durante os trajetos das idas e
voltas da escola. A identificação musical uma com a outra foi o principal motivo de
aproximação entre elas. Em uma entrevista as integrantes do quarteto contam como se
conheceram:
Andressa: Primeiro de tudo foi eu e a Lara. A gente tava andando, só que, tipo
assim, como a gente é do mesmo escolar a gente já sabia que uma cantava, porque
a gente cantava as músicas no escolar. Na época tinha a banda do C., e aí, tipo
assim, a gente já tinha visto a Thatá e a Thatá é da sala da Lara. Então, tipo, a
gente encontrou ela. Ela foi beber água ou foi na cozinha? (perguta para Lara)
Lara: A gente, tipo assim, eu fui buscar alguma coisa na sala e a Thatá tava na sala
e falou assim “aonde cê vai?” eu falei que provavelmente vai ter ensaio da banda aí
ela “nossa eu vou com você”, aí a gente chegou aqui em baixo e não tinha ensaio.
Aí a gente falou “vamo cantar”, só que a gente não tinha lugar pra cantar então a
gente falou “hm, vamo pro estacionamento. Aí a gente ficou la sentada, nós três.
Andressa: Só que aí a gente começou a cantar umas músicas que começou a
encaixar muito bem, só que a Tatá falou assim “Nossa gente, sabe uma música que
eu sempre quis fazer?” e mostrou aquela música “Believer”, que foi até a música
que a gente apresentou depois e começou a fazer tipo o arranjo que ela queria
fazer, só que nunca tinha gente suficiente. Aí eu e a Lara começou a pegar os trem,
geralmente eu pego rápido, e a Lara..
Lara: A Lara é tipo “vai”, todo mundo pegou e a lata só vai” (risos)
Andressa: E aí começou a cantar nós três. Gente, nossa isso é muito nostálgico.
Lara: É muito legal pensar
Thalita: eu lembro que a primeira música foi aquela “Dont let me down”, que a
gente tentou pegar pra cantar, mas tinha a outra pessoa
Andressa: A gente começou a tentar ensaiar nós três quando a gente tinha
oportunidade, até mesmo com a banda
Ana: Isso foi engraçado porque a Andressa chegou pra mim falando “nossa foi uma
conexão muito legal, ficou incrível”
Andressa: E aí teve um dia que a Thalita foi ensaiar com a gente e a Ana tava perto
e a Ana foi também, e, como a Ana também canta a Thatá ficou apaixonada com a
voz da Ana, e aí foi quando elas foram cantar uma música juntas, “Perdoa”, né?

De acordo com as integrantes, ideia inicial era fazer um grupo vocal apenas com
vozes. Após se juntarem passaram pela banda central, tentaram se adaptar ao grupo, mas
decidiram seguir como um grupo independente.
A expressão feat usada nesta pesquisa significa uma participação especial, que
também é usada sua versão em inglês Featuring e suas abreviações (Feat. ou Ft.). É uma
terminologia usada para informar a “participação de”, “apresentando”, “em parceria com” ou
“participando” (WIZARD, 2017). A escolha de usar essa expressão no nome do quarteto faz
parte do processo de construção de identidade do grupo, assim como as atribuições das
funções. Percebe-se que essa identidade ainda não foi estabelecida, pois há convergência nos

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

discursos, por exemplo, o Emerson afirma que eles se identificam mais como um quarteto e
ele, por ele ter uma função diferente (instrumentista). Em outra afirmação, Thalita diz que se
identificam como um grupo, no qual Emerson faz parte. No entanto, o nome que criaram para
o grupo não condiz com o discurso de Thalita, pois, o uso do “feat” significa que a presença
de Emerson é de fato uma participação.
Em uma conversa informal, Emerson usa o nome de um filme para explicar qual é a
sua função no grupo: Quarteto Fantástico e o surfista prateado. O nome do filme serviu de
exemplo para ele explicar como se o quarteto fosse o principal e ele em segundo plano,
diferente do significado que damos para um acompanhador ou co-repetidor em um coral.
Ao analisar o discurso da identidade do grupo, encontro outra convergência. A função
do instrumentista acompanhador neste contexto aqui tratado não se trata da mesma atribuição
que damos ao conceito de co-repetidor ou colaborador, pois, esses termos são utilizados para
instrumentistas com conhecimento de técnica vocal, respiração, correção de melodias,
desempenhando o ofício de ensaiador. Diante disso, o papel que Emerson exerce no grupo se
encaixa nas características de um acompanhador, pois tem a habilidade de transpor e sabe
identificar, através do ouvido, se determinado tom fica em uma região confortável para as
meninas, executa fielmente os arranjos que elas criam e tem uma habilidade enorme de tirar
as músicas de ouvido.

6. Ensaios e aprendizagem musical informal


O grupo A Capella feat. Emerson me chamou atenção por ser um grupo auto-
organizado, o que me proporcionou algumas reflexões acerca da autonomia desses alunos.
Esses se encontram às terças e quintas feiras na sala do grêmio estudantil, disponibilizada
exclusivamente para os ensaios nos respectivos dias e horários. As músicas executadas em
cada ensaio são escolhidas de acordo com a necessidade de ajustes ou quando alguma das
alunas sugere. O repertório é produto da escuta musical em comum entre elas, músicas
internacionais que estão no top list da rádio, Youtube e outras plataformas digitais, que
incluem percussão corporal e copos. Em relação à interpretação das músicas decididas pelo
grupo, as cantoras têm como modelo o arranjo original da forma como foram gravadas pelos
respectivos autores e bandas, no entanto, acrescentam camadas de vozes, criando um arranjo
vocal.

227
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Exemplo 1: sala do grêmio estudantil no início de um ensaio do grupo À Capella feat. Emerson

Ao tratar das aprendizagens musicais coexistentes nas práticas musicais do grupo


analisado, bem como as maneiras que se organizam e organizam os ensaios aqui apresentados,
trago os conceitos de aprendizado em grupo e o aprendizado dirigido por pares desenvolvidos
por Green (2008).
Aprendizado que ocorre de forma mais ou menos inconsciente ou acidental,
simplesmente participando das ações coletivas do grupo. Isso inclui aprendizado
inconsciente ou semiconsciente durante a produção musical, assistindo, ouvindo e
imitando um ao outro. Também envolve aprender antes, durante e depois da
produção musical, organizando, conversando e trocando opiniões e conhecimentos
sobre música, como decidir quem tocará o que, compartilhar ideias sobre acordes,
ritmos ou melodias, trocar partes, buscar a opinião uns dos outros e assim por diante.
Embora não se destine diretamente a promover experiências de aprendizado, o
aprendizado em grupo nessa definição, tanto durante quanto fora da produção
musical, tende a levar ao refinamento gradual do produto musical (GREEN, 2008,
p.120).

Ainda na perspectiva da informalidade presente nos processos de aprendizagem


musicais, Green destaca importantes habilidades a serem consideradas, as quais puderam ser
observadas nos ensaios dos grupos:
Os próprios alunos na aprendizagem informal escolhem a música; a principal prática
de aprendizagem informal envolve tirar as gravações de ouvido; a aprendizagem
acontece em grupos; a aprendizagem informal envolve a assimilação de habilidades
e conhecimentos de modo pessoal, frequentemente desordenado, de acordo com as
preferências musicais (GREEN, 2008, p.10).

O conceito de aprendizagem informal prescinde da centralidade da figura do professor,


evidenciando, portanto, o protagonismo dos alunos nos processos de organização e
socialização. Nesse sentido, pode-se conceber os processos dos ensaios, aprendizagens e

228
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

negociações do grupo observado como modos de estruturação auto organizativas, nos quais os
próprios integrantes definem o caminho para alcançar os seus objetivos, seja pela troca de
opiniões, compartilhamento de ideias sobre as respectivas criações e interpretações, bem
como nos ajustes dos ritmos ou melodias das canções.

7. Considerações finais
Durante as observações pude perceber que o grupo aqui retratado se encaixa nas
principais características de uma aprendizagem informal. Como professores de música,
podemos olhar para as práticas musicais que ocorrem em um grupo auto-organizado a partir
de uma perspectiva de uma complementação do que é feito em sala de aula, afinal, a educação
musical fora desse espaço é um caminho para a ampliação do processo criativo e artístico,
propiciando o desenvolvimento do conhecimento musical. Ao fazer isso, nós também
disponibilizamos uma nova riqueza de respostas não só à música, mas aos significados
sociais, culturais, políticos e ideológicos que a música carrega.

Referências

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. [S.l: s.n.], 2009.

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5


de outubro de 1988. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefi a para assuntos jurídicos. Lei nº
9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília, 1996.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Lei nº
9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Brasília, 1996.

KRAEMER, R-D. Dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical. Em Pauta:


Revista do Programa de Pós Graduação em Música – UFRGS, Porto Alegre, v. 11, n. 16/17,
p. 50-73, abr./set. 2000.

GREEN, L. How popular musicians learn: A way ahead for music education. London:
Ashgate Press, 2002.

229
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Musicalização temática: Regiões do Brasil

Libna Ruama Candido


UNASP, Engenheiro Coelho, Brasil
ruamalibna@gmail.com;

Susanna Medeiros Furtado Medeiros


UNASP, Engenheiro Coelho, Brasil
susanna.mfm@gmail.com;

Ellen De Albuquerque Boger Stencel


UNASP, Engenheiro Coelho, Brasil
ellen.stencel@ucb.org.br.

Resumo: A pesquisa foi elaborada na EMEF Elisa Franco e teve como objetivo descrever uma
iniciativa de incluir os aspectos culturais brasileiros em aulas de música e apresentar quais foram os
resultados conquistados em aula. Foram salientados aspectos da nossa cultura, quais os costumes e
povos que influenciaram o folclore que está presente em nossa sociedade e de que forma foram sendo
inseridos em nosso país.

Palavras-chave: Regiões Brasileiras. Cultura. Brincadeiras. Música. Folclore.

1. Introdução
Nas escolas, a abordagem do folclore na educação infantil permite que as crianças
resgatem a memória de um movimento sem idade declarada, com o objetivo de manter viva a
história cultural do Brasil e de enfatizar a riqueza da nossa cultura. As cantigas, as lendas, as
festas populares e os jogos coletivos são as características mais fortes presentes no estudo do
folclore nacional, segundo a Comissão Nacional do Folclore Brasileiro. Em sua “Carta do
Folclore Brasileiro”, a comissão destaca que os aspectos ensinados do folclore ajudam a
entender como se construiu a nossa cultura, nos mostra que, como professores de música,
somos um dos “educadores de diferentes matérias em torno do folclore, considerando-o um
amplo campo de ação para os estudos e a prática da multidisciplinaridade” (1995, p. 2). As
cantigas e brincadeiras são parte desse conjunto cultural folclórico e constituem herança
linguística, pois fazem parte da história da humanidade. Portanto, o folclore é conceituado
como:

conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições
expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social.
Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação
coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que
entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que
preconiza a UNESCO. A expressão cultura popular manter-se-á no singular, embora
entendendo-se que existem tantas culturas quantos sejam os grupos que as produzem

230
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

em contextos naturais e econômicos específicos (COMISSÃO NACIONAL DE


FOLCLORE /IBECC/UNESCO, 1995, p.1).

Estudar sobre a cultura brasileira significa despertar nas crianças uma curiosidade
genuína sobre os antepassados, os conhecimentos construídos, estimular seu interesse pela
riqueza cultural de cada região do país, e esse deve ser o objetivo principal ao introduzir o
assunto na educação infantil.
A música, ao longo da história, sempre desempenhou, um importante papel no
desenvolvimento do ser humano, seja no aspecto religioso, moral e social, o que
contribuiu para a aquisição de hábitos e valores indispensáveis ao exercício de sua
cidadania (LOUREIRO, 2003, p. 33).

As crianças da atualidade vivem em um contexto virtual e costumam rejeitar o estudo


de acontecimentos remotos, pois não veem de imediato que algo no passado possa conquistar
o seu interesse hoje. Por isso, é de primordial importância ensejar o envolvimento e o
despertar da curiosidade dos alunos para temas aparentemente imemoriais, arquitetando um
ambiente que rebusca os tempos que o folclore representa de maneira lúdica, divertida, por
meio de brincadeiras, jogos, roupas especiais, utensílios ou instrumentos característicos do
local em questão. Os alunos passam a refletir de forma criativa diante do que aprendem e
fazem ligações com as informações já conhecidas por eles, com o que aprenderam na aula,
articulam com outros conhecimentos adquiridos no cotidiano familiar, ampliando a
compreensão sobre a cultura de outras regiões. Essas informações ampliam o conhecimento
de mundo do estudante.

2. Curso de Licenciatura em Música no projeto PIBID.


Os estudantes do curso de Licenciatura em Música do Centro Universitário
Adventista de São Paulo iniciaram o projeto de levar a música às escolas da rede pública em
2012, com práticas de Canto Coral inicialmente nas escolas públicas das cidades de Artur
Nogueira e Engenheiro Coelho, cidades próximas ao Campus de Engenheiro Coelho.
Atualmente, o projeto é feito somente na cidade de Engenheiro Coelho.
Depois da aprovação da lei 11.769/2008 (BRASIL, 2008), lei que faz da aula de
música uma obrigatoriedade nos currículos das escolas de educação básica como
conhecimento em Artes, podemos então levar até os alunos o conhecimento da música em
forma de Canto Coral, Teoria Musical, Musicalização Infantil e também como conteúdos
interdisciplinares. Essa lei exige que o profissional seja qualificado para dar tais aulas. O
projeto do PIBID assessora a inclusão do aluno, estudante do curso de Licenciatura em

231
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Música a iniciar a vida docente, auxiliando-o a se aprimorar no processo de formação para


o magistério, levando-o a se capacitar para a vida profissional.

3. Cultura Africana, a maior herança cultural brasileira.


Considerando o folclore como conjunto de tradições de um grupo de pessoas, entende-
se a importância de compreender as origens dessa cultura. Assim, ressalta-se nessa pesquisa
que em diversos momentos da história, povos da África estiveram diretamente envolvidos em
transformações pertinentes que influenciaram a existência das sociedades em todo nosso
planeta e em especial no nosso Brasil. De forma particular abordada por este trabalho, sua
influência é essencial na cultura brasileira, como nitidamente a Lei n ° 10.639 específica:
O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da
História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil
(BRASIL, 2003).

Os africanos chegaram ao Brasil como um povo escravizado, trazidos da África


durante o longo período em que durou o tráfico negreiro. A diversidade cultural da África se
refletiu no sortimento dos escravos, pertencentes às variadas etnias, que falavam idiomas
distintos e que ainda trouxeram tradições variadas.
Segundo Vasco Mariz (2005), o primeiro compositor brasileiro foi o Padre José
Maurício Nunes Garcia. Ele era mulato, descendente de escravos. Além de padre católico,
José Maurício foi um importante professor de música, responsável pelas atividades musicais
na corte portuguesa no Rio de Janeiro em 1808, também maestro, multi-instrumentista,
compositor e um dos fundadores da Irmandade de Santa Cecília. Ele é um dos primeiros
mulatos a serem mencionados na história da nossa música, teve educação musical com
influência européia, que era a única música aceita na corte da época. Como ele, outros
mulatos que faziam parte da orquestra da corte acabavam por “ignorar qualquer traço que o
pudesse vincular ao continente de origem” (p. 35).
No Brasil, a contribuição africana para a música brasileira só explodiu após a
abolição da escravatura. Esse aporte cultural, embora reprimido e contido havia dois
séculos, vinha sendo alimentado regularmente pelas sucessivas levas de novos
escravos, que só terminaram em 1850 (MARIZ, 2005, p.35).

Os africanos contribuíram para a cultura brasileira em uma enormidade de aspectos:


dança, música, religião, culinária e idioma, além de participarem da maior parte da população
mestiça existente hoje. Podemos notar essa influência em grande parte do país, principalmente
em determinados estados como Bahia, Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Minas Gerais, Rio
de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul (LEMOS, 2013).

232
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Temos representações derivadas da cultura africana em vários estilos, um exemplo é o


samba. Pode-se afirmar que são de origem africana boa parte dos componentes da música
popular brasileira. Os gêneros musicais coloniais de influência africana, como o lundu, deram
origem à base rítmica do maxixe, samba, choro, bossa-nova e outros gêneros musicais atuais.
Também há alguns instrumentos musicais brasileiros, como o berimbau, o afoxé e o agogô. O
berimbau é o instrumento utilizado para criar o ritmo que acompanha os passos da capoeira,
mistura de dança e arte marcial criada pelos escravos no Brasil colonial, que se mantém nos
dias atuais (LEMOS, 2013).

4. Brasilidade em sala de aula


Recorrente do projeto no segundo semestre de 2019, começamos a lecionar as aulas
somente para o terceiros anos do ensino fundamental da EMEF- Eliza Franco de Oliveira
(Engenheiro Coelho SP). Os Pibidianos do Curso de Licenciatura em Música foram
endereçados para oferecerem aula em três dias da semana (terça, quarta e quinta). Nós
participamos no grupo de sete professores que lecionam na quinta feira. Os relatos aqui
apresentados são referentes às aulas planejadas pelo grupo e aplicadas em sala de aula de
agosto a outubro de 2019. Em cada aula trabalhamos com uma das regiões do Brasil, porém,
na região Sudeste, detalhamos em cada aula um dos quatro estados para que os alunos
conhecessem mais a fundo a região em que moram.
Durante as aulas, tivemos a preocupação de trabalhar os aspectos musicais de cada
região estudada, com a proposta de implementar as seguintes atividades: conhecimento
sobre a cultura (povos influenciadores, roupas festivas, comidas típicas, brincadeiras, estilos
musicais mais ouvidos, patrimônios culturais, belezas naturais e outros), danças,
instrumentos e brincadeiras típicas,. De forma concomitante, eles realizaram o
“mapeamento” do Brasil separado por regiões. Os alunos coloriram a região estudada em
cada semana. Para melhor absorverem o conteúdo, nós professores (pibidianos) nos
caracterizamos, dentro das possibilidades, com roupas similares à cultura da região
estudada. Em algumas aulas buscamos diversificar e tornar para eles a realidade cultural,
juntamente com a música, algo mais palpável e real. Para isso produzimos instrumentos
musicais de percussão que nomeamos de “coquinho” e “sambinha”, feitos com garrafas pet
para ajudar com as compreensões musicais como a pulsação e ritmo.
Conforme fomos trabalhando os assuntos, também matizamos, recriamos e
arquitetamos as formas de abordar os conteúdos. É válido enfatizar que algumas turmas
demandaram um cuidado singular por conta de estarem em patamares diferentes de absorção

233
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

do conteúdo, então, para que não houvesse exorbitante disparidade, optamos em aplicarmos
a mesma aula, porém de formas mais acessíveis às suas distintas realidades.
Tratando-se de musicalização infantil não poderíamos excluir aspectos teóricos da
música, então trabalhamos com eles as propriedades do som (altura, timbre, duração e
intensidade), ritmo, pulsação e afinação. Para efetuarmos esses conhecimentos, usamos
músicas da região abordada. Nelas marcamos pulso e ritmo por meio de clavas,
instrumentos de banda infantil, com palmas, instrumentos criados, pés e outras maneiras.
Depois de realizar isso, dividimos a turma em duas, para que parte dela fizesse a marcação
de pulso e a outra de ritmo. Depois intercalamos. Algumas vezes utilizamos essas mesmas
músicas para empregar a propriedade de intensidade. Elas poderiam ser cantadas, o que já
auxiliava na afinação e desenvolvimento do ouvido musical, ou tocadas. Buscou-se variar as
atividades e proporcionar maior enriquecimento musical.
Ainda na abordagem dessas questões, fizemos jogos com as notas musicais,
ensinamos as figuras de semínima, colcheia e semicolcheia por meio do método de ensino
de Zóltan Kodaly, que faz uso de sílabas ( “vou”, “ vou e “ e “ vou correndo”) e palavras
para facilitar o entendimento do tempo de cada nota, além do uso da popular manossolfa.
Tudo isso respaldado nos aspectos culturais das regiões brasileiras (FONTERRADA, 2005).

5. Considerações Finais
Diante das oito aulas dadas no período de Agosto a Outubro de 2019 nas classes 3º B,
3º D, 3º G e 3º I, nós “pibidianos” pudemos constatar uma evolução gradativa das turmas,
cada uma numa cadência específica. No início das aplicações das aulas, nos deparamos com
alunos introspectivos no que se refere aos assuntos abordados, boa parte com dificuldade em
ritmo, pulso, coordenação, disciplina, concentração, participação e criatividade. Observamos a
falta de familiaridade dos alunos quanto a diversidade cultural nos costumes, raça, sotaque,
expressões e afins. Diante dessas manifestações, nós pudemos intervir instigando o
conhecimento e o desenvolvimento do respeito mútuo pela diversidade que nosso país carrega
na sua trajetória e permanência.
Durante as aulas, os alunos ficaram mais atentos, empolgados para as aulas,
participativos, disciplinados, dedicados e mais tolerantes com a diversidade. Também
mantiveram na memória os registros dos conteúdos já estudados. Notou-se um envolvimento
maior dos alunos mais tímidos, aumento na criatividade de cada um, quando ações que antes
eram copiadas ganharam singularidade retratada nas expressões corporais, nas falas, nas
ritmizações improvisadas e outros. Oriundo dos conhecimentos voltados para as regiões e

234
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

seus aspectos culturais e musicais, ensejou-se a integração de novas perspectivas artísticas,


educacionais, sociais e pedagógicas
Discorrendo de uma pesquisa qualitativa, as narrativas dos professores do ensino
fundamental que acompanham os alunos nas variadas disciplinas relatam que a execução das
aulas de musicalização feitas de forma lúdica, com a abordagem cultural, oportunizou uma
diminuição da dificuldade na aprendizagem, decorrente do planejamento do ensino musical
por meio da integração dos conteúdos.
Essa junção, com base nos relatos dos professores, também proporcionou uma
melhora no comportamento dos alunos, maior interação, melhora no desenvolvimento
cognitivo, liberdade de expressão, enriquecimento cultural e inclusão dos alunos nas
atividades, expandindo além das suas limitações. Afirmaram ainda que a abordagem das
regiões estavam em conjunto com o que já era abordado em sala de aula nas disciplinas de
geografia e história, reforçando o que era aprendido de forma lúdica, obtendo melhores
resultados.
Nos planejamentos, e lecionando as aulas, aprendemos junto com nossos alunos sobre
nossa história, nós mesmos, sobre o outro, sobre a herança cultural individual e coletiva,
criando um senso de respeito pelas diferenças existentes na nossa sociedade. É possível
compreender a riqueza do folclore brasileiro por meio das aulas de musicalização na escola. O
ensino da cultura brasileira nas escolas foi muito significativo com a exploração de
conhecimentos históricos, geográficos, artísticos e principalmente musicais.

6. Registros das experiências vividas em sala de aula

Dança Portuguesa típico da Região Sul

235
XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Construção de Instrumentos - Música “Sambalelê” - Tocando Ritmo de Samba.

Boi Bumbá - Região Norte

Dança Catira- MG “Menino da Porteira” - MG

Artesanato Mosaico - ES

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XIIIEncontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Adoleta - Brincadeira típica de São Paulo

7. Referências

BRASIL. Lei n° 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Disponível em ___________________


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm> Acesso em 14/10/2019.

FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


educação".UNESP, São Paulo,2005.

LEMOS, Renato de Lyra. Antes de ser Brasileiro eu sou preto: representações de África no
imaginário da música popular brasileira. Monografia. Universidade Federal de
Pernambuco:2013.

LOUREIRO, Alícia M. Almeida. O ensino de música na escola fundamental. 7ª Edição,


Papirus Editora - Campinas, SP, 2003.

MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. 6ª Edição. Rio de Janeiro, SP, Editora Nova
Fronteira, 2005.

UNESCO.Comissão Nacional do Folclore Brasileiro. Carta do Folclore Brasileiro, 1995.


Disponível em_______________________________________________________________
<http://culturadigital.br/setorialculturaspopulares/files/2010/02/1995-CARTA-DO-
FOLCLORE-BRASILEIRO-CNF.pdf> Acesso em 15 de Outubro de 2019.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

O ensino coletivo de violão no Curso Livre de Violão da UERN: um relato de


experiência

João Pedro Bezerra da Silva


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
jpedrohp19@gmail.com

Renan Colombo Simões


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
renansimoes@hotmail.com

Resumo: Este trabalho busca descrever nossa experiência no projeto de extensão Curso Livre de
Violão da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), entre os semestres 2018.1 e
2018.2. Para isso, planejamos e realizamos aulas que proporcionaram a formação musical básica dos
alunos e a ampliação de seus repertórios, por meio do ensino coletivo de violão. A metodologia
utilizada foi a pesquisa-ação, caracterizada pelo papel ativo do pesquisador na realidade analisada. Os
resultados da pesquisa revelaram que a proposta metodológica desenvolvida contemplou tanto
aspectos relacionados à formação musical técnica quanto à formação artística e cultural dos alunos
envolvidos no projeto.

Palavras-chave: Ensino coletivo de instrumento musical (ECIM). Violão. Extensão universitária.


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

1. Introdução
No campo da Didática, diferentes educadores musicais buscam construir métodos e
propostas de ensino-aprendizagem que objetivam facilitar o aprendizado musical dos alunos.
Gainza (2011, apud SÁ, 2017) aponta que, a partir do século XX, houve uma revolução na
educação, influenciada diretamente pelos estudos da Psicologia e das ciências humanas. Esses
novos estudos contribuíram para o surgimento de vários questionamentos acerca das antigas
abordagens metodológicas do século XIX. Nesse contexto, começam a surgir as pedagogias
ativas, e a partir daí nasce a perspectiva de considerar a educação como algo mais contínuo, ou
seja, um processo de vida e não mais apenas como uma preparação para a vida futura. Segundo
Gainza (2011 apud SÁ, 2017):

Em meados dos anos quarenta, na Europa e nos Estados Unidos, a Educação Musical
adere aos princípios dos ensinamentos ativos. A partir da figura pioneira do suíço-
alemão Emile Jaques-Dalcroze que introduziu o movimento corporal na aula de música,
vai acontecer, quase sem interrupção, as contribuições dos grandes pedagogos musicais
(Willems, Martenot, Kodaly, Orff, Suzuki etc.) que revolucionam a Educação Musical,
especialmente no nível inicial, em todo o mundo ocidental, incluindo a nossa América
Latina nos anos cinquenta (GAINZA, 2011 apud SÁ, 2017, p. 2).

Esses educadores desempenharam um importante papel a partir do início do século XX,


apresentando ao mundo várias formas válidas de desenvolver metodologias ativas na Educação
Musical, renovando as perspectivas e contribuindo significativamente no processo de

238
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

democratização do ensino da música, buscando “[...] questionar os modelos tradicionais e


‘conservatoriais’, procurando ampliar o alcance da Educação Musical ao defender a ideia de que
a música pode ser ensinada a todos, e não apenas àqueles supostamente dotados de um ‘dom’
inato.” (PENNA, 2012 apud MATEIRO; ILARI, 2012, p. 17).
Neste sentido, o Ensino Coletivo de Instrumentos Musicais (ECIM), cujo objetivo é levar
o ensino a uma grande quantidade de alunos, começa a ganhar cada vez mais espaço. Oliveira
(1998) aponta que o ECIM chega ao Brasil por volta da década de 1950, e a partir daí começa a
ser utilizado na pedagogia de vários instrumentos “[...] e passa a contribuir para democratizar o
acesso ao aprendizado musical em diferentes contextos como: projetos sociais, igrejas, escolas
específicas de música, universidades e em escolas de educação básica” (SÁ, 2017, p. 3).
Diante da importância de projetos que buscam democratizar e facilitar o acesso ao ensino
de música, essa pesquisa teve como objetivo descrever nossa experiência no Curso Livre de
Violão da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte), através do relato de nossas
propostas e realizações das aulas, realizadas em contexto de Ensino Coletivo de Violão (ECV).
A proposta de ECV, aplicada nesta pesquisa, está ancorada em diferentes referenciais,
tanto em concepções de alguns educadores musicais - como Kodály, Dalcroze, Willems e Orff, a
partir de Mateiro & Ilari, 2012 - como também diferentes trabalhos que tratam do ECIM, mais
especificamente sobre o violão (ECV, cf. SÁ, 2017), e abordagens pedagógicas específicas para
cordas dedilhadas (FARIA, 1999).
Este trabalho se justifica por consistir em um relato realizado por dois sujeitos envolvidos
diretamente no processo de ensino e aprendizagem do projeto de extensão Curso Livre de Violão
da UERN: o primeiro autor atuou como bolsista remunerado, e o segundo, como coordenador do
projeto, entre os semestres 2018.1 e 2018.2.
O Curso Livre de Violão da UERN, em sua segunda edição, realizada no semestre letivo
de 2018, consiste em aulas coletivas de violão, oferecidas à comunidade em geral, em três turmas
de níveis distintos: Iniciante, Intermediário e Avançado. O curso consiste no diálogo entre
propostas do professor e o universo musical dos alunos ingressantes, culminando em
apresentações musicais, constituídas de músicas em conjunto e apresentações solo dos alunos.
Este visa contribuir de forma mais efetiva para a comunidade como um todo, visto o poder
transformador da Música, tanto no entorno de vivência dos alunos envolvidos, quanto da
comunidade em geral, que prestigia as apresentações do projeto.
O projeto prevê a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, dado que
proporciona a participação de alunos do curso de Licenciatura em Música - como bolsistas,
estagiários ou colaboradores - e consiste em um campo aberto para pesquisa. Dessa forma, esse

239
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

projeto impacta na formação do estudante de graduação, e é de um amplo impacto social e


relação dialógica com a sociedade, visto a possibilidade de intersecção de diferentes visões de
mundo através do ensino de um instrumento musical.
O Curso Livre de Violão da UERN tem, como objetivo geral, proporcionar o ensino
coletivo de violão, em turmas de nível iniciante, intermediário e avançado, através do diálogo
entre os universos musicais dos alunos e do professor, e, como objetivos específicos: (1)
diagnosticar as vivências musicais dos alunos ingressantes; (2) estabelecer metodologias de
ensino específicas para cada grupo; (3) realizar apresentações musicais com o repertório
trabalhado; (4) contribuir de forma mais efetiva para a comunidade como um todo, o que inclui
os alunos, seus entornos de vivência e todos que tiverem, de alguma forma, algum contato com o
projeto; (5) propor a integração entre ensino, pesquisa e extensão. A proposta metodológica
utilizada no projeto é a do Ensino Coletivo de Instrumento Musical (ECIM), que será delineada a
partir do diagnóstico de cada turma e do estabelecimento de planos de ação específicos.

2. Metodologia
Optamos, neste trabalho, pela metodologia da pesquisa-ação, que busca ferramentas para
investigar e aprimorar a prática pedagógica. Segundo Thiollent (2002), a pesquisa-ação
possibilita que pesquisadores da Educação tenham condições para produzir conhecimentos mais
efetivos, a nível pedagógico. Foram empregadas diferentes técnicas para a coleta de dados, como
registro de vídeos, fotos e áudios, e observação e análise contínua.
Os dados coletados durante a pesquisa nos possibilitaram identificar duas categorias para
serem entendidas como critérios de análise: (1) Técnica e (2) Execução, que serviram de base
para analisar e discutir os dados. A sistematização da proposta metodológica/pedagógica foi
realizada, principalmente, através da construção do repertório dos grupos, construídos a fim de
contemplar os seguintes objetivos: (1) implementar questões idiomáticas ao violão; (2) motivar
os alunos aluno; e (3) ser eficaz no aprendizado da técnica violonística, da leitura musical por
cifras e tablaturas e das levadas rítmicas utilizadas pelo violão na música popular.
Como material didático, foram utilizados recortes de algumas apostilas direcionadas ao
ensino de cordas dedilhadas, como Faria (1999) e Pinto (2005). Utilizamos também, durante a
pesquisa, o livro Pedagogias em Educação Musical, que serviu como base para utilizar alguns
princípios das metodologias ativas no ensino da música, principalmente na parte de rítmica,
através de movimentos corporais na aula de música. Eventualmente, também foram utilizadas
abordagens baseadas no método de Ciavatta (2003).

240
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A partir da revisão de literatura, alguns recursos didáticos foram empregados durante as


aulas, como por exemplo a realização das aulas com os alunos sentados em cadeiras posicionadas
em semicírculo, pois “[...] o círculo é a arrumação mais democrática de uma classe, pois todos
fazem parte do grupo sem nenhuma posição de destaque.” (TOURINHO, 2014, p. 161).

3. Caracterização das turmas e das aulas


Durante o semestre letivo 2018.1 o projeto contou com 2 turmas de nível Iniciante (A e B)
compostas ao todo por 7 pessoas com idades entre 13 e 60 anos. A turma iniciante “A” possuía 3
alunos; A turma iniciante “B” era composta por 4 alunos. A turma do Intermediário contava com
6 alunos, e a do Avançado, com 1 aluno.
Já no semestre 2018.2 ocorreram algumas mudanças nas turmas onde alguns alunos das
turmas iniciantes A e B já apresentavam maior facilidade e por esse motivo foram transferidos
para a turma intermediária. Desse modo, as duas turmas iniciantes foram unidas em apenas uma
com o total de 4 alunos. Com a desistência do aluno do Avançado, mantivemos três turmas do
intermediário, com 8 alunos no total.
As aulas ocorreram em diferentes salas da Sede II da Faculdade de Letras e Artes da
UERN, onde acontecem as aulas dos cursos de Licenciatura em Música, e dos cursos da Escola
de Música da UERN. As aulas tinham duração de 50 minutos e aconteciam nos três turnos,
conforme mostrado nas tabelas abaixo. Neste trabalho, discorreremos sobre nossa experiência
com as turmas iniciantes.
Após as primeiras semanas de aula, nas quais trabalhamos exercícios técnicos para ambas
as mãos, iniciamos a construção do repertório, com um arranjo para 4 violões da 9° Sinfonia de
Ludwig van Beethoven. Cada violão ficou responsável por uma das quatro vozes, distribuídos da
seguinte forma: 1° e 2° violões responsáveis pela melodia em diferentes oitavas, 3° violão
responsável pelo acompanhamento rítmico em acordes, e o 4° violão responsável por executar
um acompanhamento nas cordas mais graves. No decorrer das aulas, trabalhamos a compreensão
e execução do ritmo correto de cada parte, a partir de um processo didático de rítmica, após o
qual os alunos não demonstraram grandes dificuldades na compreensão da melodia.
A partir daí, as aulas ocorreram de forma tranquila, porém, em alguns momentos durante
os ensaios, foi necessário voltar a demonstrar os exercícios passados anteriormente e explicar
novamente sobre a correta utilização das mãos na hora de tocar. No dia 10 de dezembro de 2018,
no Recital de Encerramento do Semestre 2018.1, os alunos das turmas iniciantes tocaram este
arranjo para quatro vozes da 9° Sinfonia, com bastante tranquilidade e qualidade.

241
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Durante o semestre 2018.2, trabalhamos a prática coletiva de acompanhamento


harmônico ao violão, a partir de exercícios de mão esquerda e de rítmica

4. Análise e discussão dos dados

Neste capítulo, abordaremos, de forma direta, os resultados da análise e discussão dos


dados, que foram obtidos a partir das aulas no projeto do Curso Livre de Violão da UERN,
durante o ano letivo de 2018. Como apontado anteriormente, foram estabelecidos os seguintes
critérios para a análise e discussão dos dados: (1) Técnica e (2) Execução.

a) Técnica – Aquisição de habilidades cognitivas


Durante as aulas, foram trabalhadas várias questões relacionadas a aspectos técnicos,
direcionadas ao fazer musical, como, por exemplo, leitura de cifras e tablaturas, exercícios de
consciência e identificação rítmica (movimento corporal) e alguns mais diretamente ligados a
fundamentos específicos de técnica: independência dos dedos de ambas as mãos, formas
adequadas para posicionar as mãos, postura corporal mais prática e saudável.
Desse modo, foi constatado que, durante o período da pesquisa (dois semestres),
houve realmente uma grande assimilação, por parte dos alunos, dos fundamentos básicos da
técnica violonística, tais como: posturas, localização de notas, nomenclatura dos dedos,
colocação das mãos, toques com e sem apoio, alternância de dedos, escalas e fórmulas de
arpejos de mão direita. É válido também ressaltar a importância de trabalhar o
acompanhamento harmônico por cifras e tablaturas, que, além de ser indispensável no ensino
coletivo de violão, favorece o processo de memorização e amplia a compreensão dos alunos
em torno das funções básicas do sistema tonal.
Por fim, disponibilizamos horários para acompanhamento individual dos alunos, a fim
de possibilitar que estes tivessem autonomia para desenvolver seus próprios repertórios
individuais, ou sanarem suas dificuldades.

b) Execução – Execução artística instrumental


No geral, a atividade de execução, nas aulas de música, busca, através da construção e
execução de um repertório, estimular a interpretação e possibilitar que o aluno se expresse
musicalmente da melhor forma possível.
A execução musical esteve presente durante praticamente todas as aulas, por meio de
pequenos ensaios coletivos, realizados geralmente ao início e ao final de cada encontro, com o

242
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

objetivo de consolidar o repertório que estava constantemente em processo de construção e


aprimoramento, pois “[...] tocar junto com os outros desde o início, mesmo que sejam coisas
muito simples [...] estimula a concentração, a expectativa e a satisfação de se sair bem dentro
do grupo.” (TOURINHO, 2003, p. 80).
Outro ponto muito importante foram os recitais de final de semestre e as demais
apresentações realizadas, que se consolidaram como momentos de culminância, e exigiram
dos alunos grande dedicação e criatividade na construção dos aspectos artísticos da
performance, principalmente por se tratar de apresentações públicas, o que pode gerar certo
nervosismo.

5. Considerações Finais
Neste trabalho, descrevemos nossa experiência no projeto de extensão Curso Livre de
Violão da UERN, através da metodologia da pesquisa-ação. Desta forma, utilizamos a
metodologia da pesquisa-ação, para delinear o processo de planejamento e realização dessas
aulas, e como a prática fundamenta novas perspectivas pedagógicas. Empregamos diferentes
técnicas para a coleta de dados, como registros em vídeo, foto e áudio.
Nas aulas, trabalhos aspectos técnicos direcionados ao fazer musical, como exercícios de
consciência e identificação rítmica, independência dos dedos de ambas as mãos, formas
adequadas para posicionar as mãos, postura, toques com e sem apoio, alternância de dedos,
escalas e fórmulas de arpejo. Constatamos que grande parte dos alunos assimilou de forma
bastante satisfatória esses fundamentos, e ressaltamos também que o acompanhamento
harmônico por cifras e tablaturas favoreceu o processo de memorização e ampliou a compreensão
dos alunos em torno das funções básicas do sistema tonal. Percebemos, por fim, que a prática
musical proporcionou uma maior concentração, expectativa e satisfação do grupo, o que é
observado também por Tourinho (2003).
Esperamos que esse trabalho, um breve relato de experiência sobre nossa experiência no
Curso Livre de Violão da UERN, fomente a produção acadêmica sobre o Ensino Coletivo de
Instrumentos Musicais (ECIM), mais especificamente sobre o violão.

Referências

CIAVATTA, Lucas. O passo: a pulsação e o ensino-aprendizagem de ritmos. Rio de Janeiro:


L. Ciavatta, 2003.

FARIA, Nelson. Acordes, arpejos e escalas. São Paulo: Irmãos Vitale, 1999.

243
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz Senoi. Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex,
2011.

PINTO, Henrique. Violão, um olhar pedagógico. São Paulo: Ricordi, 2005.

SÁ, Fábio Amaral da Silva; LEÃO, Eliane. Ensino Coletivo de Violão: uma proposta
metodológica para escolas de educação básica. In: CONGRESSO NACIONAL DA ABEM,
XXIII, 2017, Manaus (AM). Anais... Manaus: Associação Brasileira de Educação Musical,
2017, 1-19.

THIOLLENT, Michel. Construção do conhecimento e metodologia da extensão. Revista


Cronos, Natal (RN), v. 3, n. 2, p. 65-71, 2002.

TOURINHO, Cristina. A motivação e o desempenho escolar na aula de violão em grupo:


influência do repertório de interesse do aluno. Ictus, Salvador, n. 4, p. 157-271, 2002.

244
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

O regente de grupos instrumentais enquanto educador musical no ambiente escolar


básico

Rodrigo Padovan Grassmann Ferreira


AMuSC – Associação Musical Santa Cecília
rodpgf@gmail.com

Resumo: Neste artigo me proponho a apresentar propostas teóricas e práticas, de ordem pedagógica,
com o objetivo de estimular a formação de grupos instrumentais em escolas de educação básica, ou a
manutenção de grupos já existentes, através da existência da figura de liderança de um professor de
música que atuará como regente do grupo musical. Focando especialmente em trabalhos que tenham
como objetivo principal o fazer musical, como apontado pelo educador H. J. Koellreutter (1915-2005),
e uma visão educativa do processo de direção musical de um grupo de música instrumental.

Palavras-chave: Projetos musicais extracurriculares. Grupos de instrumentos musicais. Música


instrumental na educação básica. Regente musical educador.

1. Introdução: Objetivos e filosofias de educação musical por trás do fazer musical com
um grupo instrumental
O ato de fazer música em conjunto por livre e espontânea vontade traz consigo o
desenvolvimento de diversas capacidades extramusicais que vão além da educação musical
em si. Por essa razão as escolas de educação básicas, que têm o objetivo de promover uma
cultura de cooperação, inclusão e de resolução de conflitos através de atividades
extracurriculares, podem encontrar no ensino de música em grupo um recurso extremamente
eficaz para a concretização desses resultados.
Uma dessas possibilidades dentro da área da música seria a criação de um grupo de
música instrumental heterogêneo, ou então de um grupo de canto coral. Se compararmos esses
dois tipos de grupo, em termos de investimento financeiro, o trabalho com um coral é muito
mais barato do que um grupo de música instrumental, principalmente pela questão da
aquisição dos instrumentos que pode ser inexistente na formação de um coral. Essa questão é
apontada por Barbosa (1996) como um dos maiores empecilhos para a realização de um grupo
instrumental heterogêneo, frente à música vocal.

Apesar dos esforços de vários educadores, incluindo o de Villa-Lobos através da


música vocal, a educação musical não tem recebido o seu devido valor na educação
geral dos alunos brasileiros até o dia de hoje. Se esta negligência está presente em
relação à educação musical através da música vocal, quanto maior será a dificuldade
em relação à educação musical através da música instrumental; considerando que o
custo da última é mais elevado e sua viabilização exige pessoas com qualificações
mais raras (BARBOSA, 1996, p. 39).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Em função do custo de implementação de um projeto de música instrumental ser


maior, para Barbosa (1996) é necessário que busquemos maneiras de baratear e facilitar a
inclusão da música instrumental em nossas escolas. Para tal, Barbosa destaca que:

O ensino coletivo de instrumentos musicais heterogêneos pode ser um dos meios


mais eficientes e viáveis economicamente para inserir o ensino da música
instrumental no ensino escolar do primeiro grau (BARBOSA, 1996, p. 39).

Neste caso, é preciso que exista uma pessoa responsável por viabilizar diversas
estratégias para implementação de um grupo instrumental dentro da escola de educação
básica. Essa figura que, somente por essa função, já seria um líder do grupo, quer ele tenha
consciência disso ou não, em muitos casos também assume a direção musical desses grupos,
sendo nomeado de regente ou maestro pelos outros integrantes.
Nesse artigo um dos principais objetivos, além de fomentar melhor essa área
científica - música instrumental dentro de escolas de educação básica - que é menos
favorecida do que a música coral dentro do ambiente escolar, é oferecer justificativas
pedagógicas e sociais para a inclusão de um trabalho como esse dentro da escola de educação
básica. Para concretizar tal objetivo, utilizei principalmente do pensamento koellreutteriano,
principal fonte teórica e filosófica para o desenvolvimento de um trabalho musical com
qualquer tipo de grupo musical para mim. Para Koellreutter, o fazer música com os alunos
sempre será uma forma de educação extremamente valiosa que instiga os alunos a irem além
da educação musical, trazendo aprendizados que podem ser utilizados posteriormente em suas
vidas, segundo as palavras do próprio Koellreutter transcritas por Brito: “ ‘Eu faço música
com ele. A gente se auto educa coletivamente por meio do debate, do diálogo.’ Completava,
sinalizando um modo de pensar e viver a educação (...)” (BRITO, 2012, p. 102).
O mesmo pensamento de Koellreutter, da música como instrumento de socialização e
humanização, está presente em um dos projetos do maestro argentino Daniel Barenboim, a
East-Western Divan Orchestra, que reúne jovens músicos palestinos e israelenses para
tocarem juntos em uma orquestra com o objetivo de promover um momento de trégua e paz
entre ambos os povos que vivem uma situação constante de conflito há tanto tempo. Ao
conduzir esse trabalho com esse grupo, Barenboim coloca que ao longo dos anos foi
percebendo que a música servia como um ótimo instrumento de mediação de conflitos e de
desenvolvimento da cultura da paz, assim como Koellreutter. Nas palavras de Barenboim:

A música não é separada do mundo; ela pode nos ajudar a esquecer e, ao mesmo
tempo, a compreender nós mesmos. No diálogo entre duas pessoas, cada uma espera
até que a outra tenha terminado de falar, antes de responder ou fazer um comentário.

246
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Na música, duas vozes dialogam simultaneamente; cada uma expressa a si mesma


de forma completa ao mesmo tempo que ouve a outra. Com isso, pode-se observar a
possibilidade de aprender não só sobre a música, mas através dela – um processo
que dura uma vida inteira. Através do ritmo, pode-se ensinar ordem e disciplina às
crianças. Os jovens que experimentam o sentimento da paixão pela primeira vez e
perdem todo o senso de disciplina podem observar, por intermédio da música, como
paixão e disciplina podem coexistir – mesmo a mais apaixonada frase musical tem
de ter, subjacente, um sentido de ordem. Afinal, o que talvez seja lição mais difícil
para o ser humano – aprender a viver com disciplina ainda que com paixão, e viver
com liberdade ainda que com ordem – transparece claramente em cada frase musical
(BARENBOIM, 2009, p.25).

Dessa forma, apresento aqui o objetivo pragmático ao realizar um projeto de música


instrumental dentro de uma escola de educação básica, e também a filosofia musical que
embasa tal prática de educação musical, e a razão principal deste trabalho ser realizado dentro
de uma escola de educação básica como forma de promover a cultura de paz, inclusão e a arte
musical.

2. O regente de um grupo instrumental enquanto educador musical dentro do ambiente


escolar
O papel do regente de um grupo musical varia de acordo com o ambiente em que o
trabalho está sendo desenvolvido e os objetivos do grupo liderado. A partir disso, é
importante perceber que o papel do regente de um grupo musical escolar está diretamente
ligado à questão educacional do ambiente escolar. Em outras palavras, o regente de um grupo
musical escolar não deve ter os mesmos objetivos de um diretor de orquestra profissional, que
tem competências muito mais artísticas do que educacionais a sua frente. Ou seja, as
preocupações do regente devem ir de acordo com o grupo que ele lidera, variando conforme
os objetivos finais a serem obtidos. Em seu tratado de regência, Ricardo Rocha (2004) coloca
sobre o trabalho do regente de uma orquestra escolar:

Sendo o objetivo maior deste tipo de orquestra a abordagem didática, pensamos que
também no ensaio deverão ser utilizadas técnicas de preparação que servem tanto à
orquestra quanto à obra, tais como: afinação, por famílias e em tutti; ataques,
dinâmica e precisão de conjunto; articulações (ROCHA, 2004, p. 92).

Isso porque, na minha visão, um grupo instrumental que faz parte do ambiente
escolar, deve levar em conta a educação musical, conforme as sugestões apontadas acima por
Rocha (2004), mas, além dos aspectos técnicos e musicais que podem ser trabalhados em
grupo, o regente deve ter consciência de um dos objetivos mais nobres da educação,
principalmente dentro do ambiente escolar, a socialização. Tal objetivo é destacado pela

247
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

coordenadora e regente de um projeto com um grupo instrumental heterogêneo dentro do


ambiente escolar, a Orquestra Villa-Lobos, em Porto Alegre. Segunda ela:

[Com relação à] escola, tem outro dado fundamental, que é a questão da


socialização, porque na escola vai se trabalhar música em grupo, vai se trabalhar a
música em conjunto, e isso desenvolve questões fundamentais para vida inteira
deles. [...] eu acho que essas habilidades são fundamentais na formação integral
(SANTOS, 2013, p. 90).

Nesse caso, é importante ressaltar também que o regente do grupo deve ter
consciência que a atividade musical com o grupo instrumental deve ter como prioridade a
geração de conhecimento musical, ou seja, promover para o aluno um maior conhecimento
dos diferentes elementos que constituem a rica linguagem musical. Para isso, o regente poderá
utilizar problemas musicais para propiciar ideias de exercícios ou atividades, visando
principalmente a educação musical daqueles que participam do grupo, conforme apontado por
Rocha (2004).
É importante destacar esse aspecto porque muitas vezes em certos grupos formados
dentro do ambiente escolar “o aprendizado dos elementos da linguagem musical não constitui
prioridade, considerando que as apresentações são constantes e os ensaios não são suficientes
para privilegiar teoria e prática” (CAMPOS, 2008, p. 108).
Essa razão apresentada por Campos (2008) acontece muitas vezes por conta da pressão
imposta pela escola para a realização de apresentações que funcionam como uma espécie de
justificativa para o investimento em uma atividade extracurricular que é relativamente cara, se
compararmos com a formação de um grupo coral, por exemplo. Normalmente, um coro
necessita da aquisição de apenas um instrumento musical e a remuneração de apenas uma
pessoa, enquanto um grupo instrumental, seja ele uma orquestra, banda ou até mesmo um
pequeno grupo instrumental, devido a sua maior complexidade, necessita de muito mais
recursos, conforme já apontado anteriormente nesse artigo por Barbosa (1996).

2.1 A educação musical como prioridade


Ao tratar da postura do regente enquanto educador musical, é necessário relembrar que
os grupos instrumentais podem ser formados em praticamente qualquer ambiente que
comporte um número médio de pessoas (obviamente sem levar em conta questões acústicas),
e, consequentemente, tais projetos podem ter diversos objetivos, mesmo que dentro do escopo
da educação musical. A partir disso, meu foco será discutir o comportamento do regente

248
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

enquanto professor de música dentro do ambiente escolar, como o líder do grupo instrumental
que será formado.
O regente de um grupo instrumental dentro do ambiente escolar deve levar em conta
que ele é antes do líder artístico do grupo, um educador musical, e, portanto, deve prezar por
um fazer musical que está focado não na formação de talentos individuais, mas,

na troca de experiências, na relação amorosa de quem participa, agrega e leva a


processos humanizadores, favorecendo a convivência e o diálogo que, por sua vez,
leva os seus participantes a se educarem juntos, em uma educação para além do
aprendizado musical (SILVA, 2015, p. 29).

Em outras palavras, ele deve ter consciência do processo educacional como um todo,
como um processo que agrega valores e transforma o ser humano para além da educação
musical. Já que através da educação musical é possível promover processos de conhecimento
que extrapolam a vivência musical e contribuem para a vida social como um todo. Tal fato
também é apontado por Joly e Joly (2011) no artigo em que as autoras relatam diversos
aspectos educativos presentes na Orquestra Experimental da UFSCAR, uma orquestra
comunitária que também se encaixa na definição proposta por esse artigo, apesar de se tratar
de um grupo numeroso. As autoras relatam que:

[...] as diferentes histórias de vida que compõem um perfil de diversidade no núcleo


da orquestra são capazes, ao mesmo tempo, de construir diálogos (musicais,
gestuais, verbais, sociais e educativos) que se descritos e analisados
cuidadosamente, à luz de um referencial teórico adequado, podem enriquecer a
experiência de vida de cada um, permitir uma interação difícil de acontecer em
outros espaços sociais e educacionais, e se constituir em modelos de aprendizagem
educativa e social para a vida em família, na comunidade e na escola, criando
modelos de espaços de convivência social, conhecimento do grupo e oportunidades
de socialização (JOLY e JOLY, 2011, p. 85).

Em outras palavras, através da priorização dos processos de educação musical é


possível atingir não somente a aprendizagem musical, que é o objetivo central dentro de um
grupo musical, mas também obter melhora em diversos aspectos relacionados à vida cotidiana
dos participantes do grupo. Entretanto, isso não será possível se o planejamento das atividades
do grupo for voltado quase exclusivamente para a preparação de repertório e para
apresentações, conforme apontado por Campos (2008) nas considerações finais do seu artigo:

Sobre a educação musical desenvolvida pelas bandas e fanfarras, constata-se que o


conhecimento dos elementos musicais, a criatividade e a percepção auditiva não são
devidamente explorados. Apesar de a execução instrumental constituir atividade
principal, a urgência no domínio de um repertório específico redunda em uma falta
de sistematização de ensino musical, ocasionando em um envolvimento quase

249
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

exclusivo com as apresentações públicas. Parece mesmo que os objetivos e as


funções das corporações se direcionam, predominantemente, na execução
instrumental, fazendo com que os ensaios girem em torno da preparação do
repertório – o que acarreta em grandes lacunas no que se refere a uma educação
musical mais ampla e a um aprendizado instrumental mais adequado (CAMPOS,
2008, p. 110).

Por essa razão, é importante que o regente, como líder musical e educacional do
grupo, saiba negociar com a escola um calendário de apresentações adequado, principalmente
porque muitas apresentações podem acarretar numa sobrecarga de atividades e numa perda de
qualidade em relação à aprendizagem musical do grupo, como destacado por Campos (2008).
Também é essencial conscientizar a escola do trabalho de formação musical que será
realizado no grupo, e que as apresentações são possíveis, porém não devem ser exigidas com
muita frequência e nem devem ter duração alongada para que o tempo disponível também seja
utilizado para a aplicação de estratégias que promovam a aprendizagem musical em diversos
aspectos.
Um dos conhecimentos que mais podem ajudar ao tentar equilibrar o objetivo de
realizar as apresentações com o de educar musicalmente na minha experiência é o repertório.
Isso pode ocorrer se ele for usado para ajudar na tarefa de educar musicalmente, tanto na
escolha de algum método, na composição original ou na adaptação de músicas através de
arranjos.

2.2 Repertório, metodologia e as adaptações necessárias para o grupo


O repertório é sem nenhuma dúvida uma arma de educação poderosa para qualquer
grupo musical, pois através dele é possível conhecer os mais diversos estilos e gêneros
musicais que não fazem parte do dia a dia dos alunos. Através da escolha de um repertório
eclético e que traga características de composição e estilos diferentes do fazer musical, os
alunos estarão enriquecendo sua cultura em termos de versatilidade e abrindo novos caminhos
para que eles próprios possam explorar novos territórios musicais a partir dessa experiência,
caso tenham interesse em se aprofundar.
Levando em conta o aspecto da adaptação do repertório com o intuito de oferecer
atividades de educação musical, a minha experiência escrevendo para grupos instrumentais
heterogêneos de estudantes me indicou que umas das principais considerações que o
arranjador ou compositor deve levar em conta é a capacidade técnica de cada um dos
integrantes do grupo ou das seções que executarão cada voz escrita. Isso deve estar em
consonância, com o que os alunos são capazes de executar, apresentando também alguns

250
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

desafios técnicos que estejam ao alcance das habilidades no tempo em que o repertório em
questão será preparado. Esse ponto também é destacado por Joly e Joly (2011) na experiência
a frente da Orquestra Experimental da UFSCAR:

O exercício de manter o processo de criação vivo e permanente no núcleo da


referida orquestra se dá tanto pela busca de um repertório de músicas que possa
ganhar significado para cada um dos participantes como pela atenção específica que
é dada às características, potenciais e limites desses músicos. É possível então, por
meio da escrita personalizada das composições e arranjos, integrar e valorizar cada
uma das pessoas, naquilo que elas conseguem fazer de melhor (JOLY e JOLY,
2011, p. 82).

Além disso, levando em conta que teremos um grupo instrumental que contará
possivelmente com iniciantes, a breve sistematização proposta por Barbosa (1996) em seu
artigo pode ajudar muito no planejamento dos tipos de exercícios que devem ser executados
durante a etapa inicial do trabalho com o grupo. Barbosa (1996) propõe três fases iniciais de
aprendizado que devem ser divididas internamente. Segue o relato do autor:

De um modo geral, na primeira fase o aluno exercita os princípios básicos de


produção de som, apreende as notas de fácil produção do registro médio do
instrumento, trabalha um repertório fácil e aprende divisões musicais simples. Na
segunda fase ele aprende notas de outros registros, trabalha um repertório mais
difícil, recebe uma carga maior de exercícios técnicos instrumentais e aprende
ritmos e elementos teóricos um pouco mais complexos. E na terceira fase há uma
complementação do trabalho das fases anteriores, porém concentrando-se em um
repertório de formas, estilos e gêneros mais variados, ritmicamente mais complexos,
e mais exigentes das habilidades de se tocar em conjunto. Cada fase está dividida em
seções onde o aprendizado é feito gradualmente. Em cada seção é ensinado a tocar e
ler uma nova nota, um ritmo, e um elemento de teoria, além de exercitar os itens já
aprendidos (BARBOSA, 1996, p.40).

Quando vencida essa etapa inicial, a adaptação do repertório terá condições de atender
tanto as demandas artísticas, como didáticas que um grupo com as características que
proponho necessitam, ajudando para a concretização de um trabalho que considera o fator da
educação musical como prioridade. Cabe ao regente, caso o mesmo não seja o
arranjador/compositor, detalhar as capacidades técnicas das seções e famílias para que isso
seja levado em consideração e o objetivo alcançado.
Outro fator que considero importante é abrir parte do repertório para que os alunos
escolham, tal decisão é significativa pois também ajudará na motivação dos estudantes em
alcançar os objetivos propostos pelo regente de maneira que a evolução seja mais prazerosa
para todos que participam do grupo. Assim como colocado por Joly e Joly (2011), a busca
por um repertório pode se transformar em algo significativo para os integrantes do grupo, já

251
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

que foi confeccionado especificamente com as características e potencialidades dos


integrantes em mente.

3. Conclusão
As possibilidades de condução de um trabalho frente a um grupo instrumental dentro
da educação básica são vastas, por isso tentei neste trabalho me limitar a alguns pontos
específicos que considero de grande valor para o sucesso de tais iniciativas sem entrar em
questões específicas como o formato da criação destes grupos, e se seriam formados dentro do
ensino regular, durante as aulas de música, ou em caráter de oficinas no contra turno. Um dos
principais objetivos da implementação de um grupo instrumental dentro da escola de
educação básica é, principalmente, o oferecimento da disciplina música dentro do currículo
escolar de uma forma que infelizmente ainda não é tão presente no ensino básico brasileiro,
muito devido a seu custo, como já citado na introdução desse trabalho.
Ainda pensando num grupo que faz parte da educação básica, é importante que o
mesmo integre o ambiente escolar de diversas formas, como, por exemplo, através de projetos
interdisciplinares, mas principalmente que a proposta seja condizente com o projeto político
pedagógico da escola em que está inserida. Desta forma, é possível integrar os aspectos da
educação musical com a cultura escolar, significando o grupo dentro da própria comunidade
escolar.

Referências

ALLUCCI, Renata R.; JORDÃO, Gisele; MOLINA, Sérgio; TERAHATA, Adriana M. (org.).
A Música na escola. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações, 2012.

BARBOSA, Joel Luis. Considerando a viabilidade de inserir música instrumental no ensino


de primeiro grau. Revista da ABEM, v.3, n. 3, pág. 39 a 49. 1996.

BARENBOIM, Daniel. A música desperta o tempo. Tradução de Eni Rodrigues. São Paulo:
Martins, 2009.

CAMPOS, Nilceia Protásio. O aspecto pedagógico das bandas e fanfarras escolares: o


aprendizado musical e outros aprendizados. Revista da ABEM, Porto Alegre, n.19, pág. 103-
111. Março de 2008.

JOLY, Maria Carolina Leme; JOLY, Ilza Zenker Leme. Práticas musicais coletivas: um olhar
para a convivência em uma orquestra comunitária. Revista da ABEM, Londria, v.19, n. 26,
pag. 79-91. Dezembro de 2011.

252
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

ROCHA, Ricardo. Regência: uma arte complexa – técnicas e reflexões sobre a direção de
orquestras e corais. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2004.

SANTOS, Carla Pereira dos. Ensinar música na escola: um estudo de caso com uma
orquestra escolar. 281f. Mestrado em Música. Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

SILVA, Mariana Galon da. Criação musical coletiva com crianças: possíveis contribuições
para processos de educação humanizadora. 146f. Mestrado em educação. Centro de educação
e ciências humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2015.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Reciclagem da sonoridade musical: um estudo sobre a ressignificação sinestésica do


timbre de instrumentos musicais feitos com material reciclável 1

Paulo Salmaci
salmaci@gmail.com

José Fornari (Tuti)


NICS / UNICAMP
fornari@unicamp.br

Resumo: Este trabalho trata dos timbres de instrumentos musicais feitos com materiais recicláveis,
sob a perspectiva da percepção e cognição musical. A motivação desta investigação vem da grande
utilização de tais materiais para atividades lúdico-didáticas, como é o caso da educação musical e
conscientização ambiental. Serão aqui apresentados trabalhos referentes a aspectos sinestésicos
musicais. Com os argumentos levantados pretende-se demonstrar o potencial sonoro resultante da
luteria com materiais de descarte, para o ensino da música e suas transversalidades.
Palavras chave: Luteria. Materiais recicláveis. Timbre musical. Percepção. Sinestesia.

1. Introdução
As palavras (adjetivos) normalmente utilizados para se descrever determinadas
características de um som são geralmente baseadas em sensações de outros sentidos que não a
audição (FORNARI, 2013, p.1), por exemplo: um som ‘brilhante’ ou ‘áspero’. Isso nos
remete à ideia de que, pelo menos em teoria, a mente humana seria capaz de ver, degustar ou
até mesmo tatear uma onda sonora. Baseado nisso, propõe-se aqui uma investigação a respeito
das propriedades sonoras de instrumentos musicais construídos com materiais recicláveis e/ou
reaproveitáveis, desenvolvidos de acordo com a percepção sensorial de todos os principais
sentidos humanos e suas respectivas estéticas.
A construção dos instrumentos musicais em questão faz parte de uma tendência
contemporânea de atividade criativa em ascensão: a reutilização artística de materiais
recicláveis com fins lúdico-educacionais. Essa ação tem sido muito valorizada por ser
considerada uma ferramenta economicamente viável, especialmente para alunos de baixa
renda, além de ser uma alternativa interessante para a educação musical, ao estimular nos
alunos a criatividade e consciência ambiental. Essa ação, aqui chamada de luteria reutilizável,
também tem sido empregada não apenas em salas de aula como também em ambientes de
ensino não convencionais por meio de oficinas, enquadrando-se como um “método ativo” de
educação musical ao servir de ferramenta e atividade prática para o aprendizado
(FONTERRADA, 2005, p.177). Especialmente para o público infantil, o caráter lúdico
presente nessa oficina criativa é fundamental, uma vez que brincar faz parte do modo de
aprendizado natural das crianças e, conforme observado pela autora (2005, p.246), é dessa

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

maneira que elas interagem com o mundo, interpretando a realidade e estabelecendo hipóteses
para o que vivencia ou presencia.
No entanto, para que haja uma real interação dessas oficinas no âmbito musical,
Cecília Cavalieri França (2011, p.37) defende a idéia de que sejam trabalhadas a criação
musical e a performance, atentando-se para a sonoridade e o resultado expressivo, e não
apenas à técnica de construção, para que a oficina não se configure somente como uma
atividade plástica de reutilização de materiais descartados. Na prática, o aluno passa a
compreender melhor o funcionamento mecânico de um instrumento, o que ajuda diretamente
no domínio técnico e no entendimento da sonoridade musical por este gerada. As oficinas
também auxiliam psicologicamente no fortalecimento da auto-estima dos alunos,
especialmente daqueles que não podem comprar ou que acreditam ter dificuldades maiores
em aprender um instrumento musical convencional (GARCIA, 2013, p.95), pois esta
atividade estimula o auto conhecimento do aluno ao promover a transformação de um objeto
não musical para um efetivo instrumento musical.
O jogo criativo que se aborda ao construir uma nova função para o objeto,
modificando-o e combinado-o com outros, faz com que a pessoa transforme o significado do
material manipulado e assim se apodere do conhecimento, modificando sua visão de mundo e
sua interação com a sociedade (MOURÃO; MORAES, 2016, p.5). “Para Peirce, os signos que
realmente importam são aqueles que são externalizados, pois, ao se corporificarem, adquirem
mais permanência, livrando-se do caráter evanescente dos signos mentais” (SANTAELLA,
2008, p.99). Assim, a ação de transformar um objeto comum ao cotidiano, em um outro
objeto livre de seu contexto original e agora voltado a gerar sons musicais, faz com que a
pessoa que experiencie tal transformação passe a ter uma relação mais profunda com esse
novo objeto e com os conceitos musicais inerentes a esse processo.
Além da função educativa relacionada à área musical, a produção de tais artefatos
musicais também carrega o signo de uma ação sustentável especificamente ligada ao descarte
daquilo que a princípio não tem mais utilidade. Produtos com curta vida comercialmente útil
se tornam cada vez mais presentes ao cotidiano urbano e são protagonistas de uma grande
problemática ambiental das sociedades contemporâneas. A fabricação de embalagens, por
exemplo, teve sua maior abundância proporcionada a partir do surgimento dos supermercados
nos Estados Unidos na década de 1930 e no Brasil na década de 1950 (ALBACH; RAZERA;
ALVES, 2016, p.46). Os materiais utilizados para transporte desses produtos ocuparam
grande espaço no ambiente urbano ao serem descartados. Paralelamente, outro acontecimento
que contribuiu muito para esse problema foi a invenção e desenvolvimento do plástico

255
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

ocorrida no início do século XX, acarretando no surgimento de novos problemas ambientais


(PIATTI, 2005, p.10 e 46). Para se ter uma idéia, somente nesse curto espaço de tempo já foi
produzido pela humanidade cerca de 8,3 bilhões de toneladas de plástico, sendo que mais de
90% não foram reciclados (GEYER; JAMBECK; LAW, 2017, p.1). Devido a esse efeito
colateral resultante das novas tecnologias industriais, surgiu a necessidade de se debater a
problemática ambiental relacionada ao descarte do novo lixo urbano.
A interdisciplinaridade entre música e meio ambiente é categoricamente defendida por
Fonterrada (2005, p.266), que afirma serem de “importância mundial” as questões de cunho
ecológico e que essas devem ser tratadas em um contexto amplo, abrangendo toda a sociedade
e não somente o ambiente escolar. Temas transversais à educação musical, como
sustentabilidade, desenvolvimento criativo e ressignificação do objeto, se unem à facilidade
de acesso a produtos descartáveis, e desse modo contribuem para a popularização cada vez
maior da construção de instrumentos musicais com tais materiais, até então considerados
apenas lixo. É notável, por quem trabalha na área da criatividade com materiais reutilizáveis,
a crescente procura por oficinas que ensinam a construir objetos artísticos a partir do
reaproveitamento. No caso dos instrumentos musicais, talvez a questão timbrística em si não
seja o principal motivo dessa demanda, mas sim o processo envolvido enquanto ferramenta
para outros resultados, ou seja, a arte sendo utilizada como ferramenta comunicativa
mediadora.
No entanto, os timbres gerados por tais instrumentos podem muitas vezes surpreender,
como podemos verificar no trabalho da Orquestra de Reciclados de Cateura, no Paraguai, no
qual ocorre uma hibridização dos instrumentos convencionais por meio da bricolagem 2,
utilizando materiais descartados como latas de tinta e tampinhas de garrafa, e que pode ser
conferido no documentário Landfill Harmonic 3. Sob o ponto de vista visual, o resultado é um
instrumento com elementos de uma estética dadaísta (SCARASSATI, 2001, p.10), porém,
segundo integrantes do grupo, entrevistados por Garcia (2013, p.70-72), esse aspecto não é
um fim, mas sim o produto de um meio encontrado para se solucionar certas questões
problemáticas ligadas à pobreza econômica e à falta de oportunidades dos habitantes dessa
localidade. Além da construção de instrumentos, os organizadores desse grupo ministram
aulas coletivas de música.

2. Timbre, sensorialidade e sinestesia


As qualidades sonoras passíveis de pleno reconhecimento pelo sistema auditivo
humano são: intensidade, altura e timbre (FORNARI, 2010, p.6), sendo que suas variações

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

temporais são reconhecidas como andamento, pulsação e ritmo. De acordo com Shimoda
(2013, p.1), timbre é “aquele que mais impõe dificuldades à descrição e análise”, sendo uma
grandeza psicoacústica multidimensional, que depende da variação e distribuição dinâmica
dos parciais e harmônicos sonoros. Ainda, segundo Fornari (2013, p.3), o timbre é também
uma experiência sensorial pessoal, pois tem haver com cognição e afeto musical. Desse modo,
o timbre demonstra ser em parte uma qualidade sonora passível de ser interpretada de maneira
subjetiva e com particularidades entre indivíduos, podendo gerar sensações e relatos distintos
para uma mesma amostra sonora.
O entendimento do signo sonoro requer a interpretação de externalizações pessoais de
sensações auditivas resultantes de um conjunto complexo de processos físicos e psíquicos, ou
seja, a relação entre todo o sistema que abrange o receptor do estímulo, a capacidade
cognitiva e a maneira com que o indivíduo interage logicamente com a informação, podendo
ser confirmado com a afirmação de Bragança (2008, p. 27): “o estudo das sensações abarca a
forma como os estímulos chegam até nós, provocam reações em nossos órgãos dos sentidos e
são processados no cérebro. A percepção é a construção de representações mentais do mundo
que nos chega por meio das sensações”. Assim sendo, é importante considerar também as
experiências de vida do indivíduo, para de certa forma entender as possíveis variantes que
podem influenciar na escuta, no processamento da informação e no relato da experiência
sensitiva.
Para que haja o relato da sensação, esta tem que se tornar um pensamento, ou seja, o
estímulo sonoro deve se tornar algo cognoscível e descritível. Todo pensamento pode ser
interpretado, sob a visão da semiótica, como sendo conduzido em signos que são, na maioria,
da mesma estrutura geral das palavras; aqueles que não são assim, são daquela natureza de
signos dos quais nós, aqui e ali, em nossas conversas com outros, necessitamos para lidar com
as imperfeições das palavras ou símbolos (PEIRCE 4.6 e 6.338, apud SANTAELLA, 2006,
p.96). Termos como agudo ou grave poderiam ser utilizados para descrever amostras sonoras,
porém, “quando nos referimos ao timbre, geralmente recorremos a metáforas sinestésicas”
(BRAGANÇA, 2008, p. 64), e isso ocorre independentemente de a pessoa ter experiência na
área musical ou não. É muito comum, por exemplo, um músico se referir a um timbre como
‘brilhante’ ou ‘fosco’, ao invés de dizer se há ou não uma grande quantidade e concentração
de harmônicos e parciais superiores na região aguda.
A idéia de sinestesia nos leva a refletir de maneira particular sobre a percepção. As
diferentes modalidades perceptivas do ser humano estão inter-relacionadas por uma
série de fatores, e, do diálogo entre as modalidades, depende, por exemplo, a

257
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

construção de uma representação consciente da realidade (BASBAUM , 2002, p.


50).

Em termos psicológicos, a sinestesia plena refere-se à condição sensorial peculiar


de alucinação, que ocorre quando um indivíduo, ao receber um estímulo em uma modalidade
sensorial, imediatamente o percebe como sendo um estímulo advindo de outro sentido
(FORNARI; MANZOLLI; SHELLARD, 2009, p.70), e no caso da audição é muito comum a
utilização de termos provenientes do tato e da visão, que não chegam a constatar uma
alucinação sonora, mas que têm uma essência similar, apontado para o fato de que na mente
todos os estímulos sensoriais são de certa forma de mesma natureza.

3. Metodologia
A descrição sinestésica e sua utilização na luteria reutilizável tem sido o objeto central
de análise da pesquisa teórica e empírica do autor principal, a qual é aqui apresentada na
forma deste artigo. Por meio de método exploratório, busca-se reunir informações relevantes
acerca de timbre, sinestesia e signo, de modo a poder relacionar o instrumento musical de
material reciclável com a sua efetiva utilização para a prática da educação musical e seus
temas transversais, não se resumindo apenas à facilidade de acesso, mas também, e
principalmente, pela sua potencialidade sonora. Tal levantamento possibilitará, em um outro
momento, a realização de pesquisas-ação e análise computacional, acerca dos timbres
proporcionados pelos materiais de descarte. Pesquisas a respeito de descrições sinestésicas de
timbres de instrumentos musicais foram publicadas por diversos autores, tais como Hunt
(2006) e colegas, no artigo Timbral description of musical instruments, ou em A classificação
timbrística através de seus aspectos sinestésicos, de Fornari (2013). Nesses trabalhos foram
realizadas experiências descritivas a respeito das sonoridades de instrumentos musicais
convencionais, sendo que no segundo, certas amostras sonoras foram comparadas com suas
respectivas representações gráficas por meio de análises computacionais.
Para averiguar as relações existentes entre luteria e educação musical, utilizamos
pressupostos de importantes estudiosos dos métodos pedagógicos ativos, por meio de fontes
secundárias, os quais transpõem as teorias cognitivas para a área musical. Também têm sido
analisadas pesquisas qualitativas realizadas em campo, como as apresentadas no artigo A
luteria como proposta pedagógica para o ensino da música, de Mourão e Morais (2016) e na
dissertação de mestrado Som e vida após a lata: construção de instrumentos musicais com
materiais alternativos, de Garcia (2013). Esses trabalhos trazem relatos de experiência de

258
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

oficinas permanentes realizadas em locais de ensino convencionais e não convencionais, bem


como entrevistas dos participantes e descrições detalhadas dos processos envolvidos.
Apesar da importância da qualidade timbrística para o fazer musical, não foi possível
encontrar trabalhos que questionem, nos moldes descritos, os sons produzidos
especificamente por instrumentos feitos de materiais recicláveis. Assim, esse tema de
pesquisa nos parece ser original, além de relevante e ecologicamente correto.

4. Discussão e considerações finais


O presente trabalho tratou de apresentar uma proposta em desenvolvimento sobre a
utilização da luteria de instrumentos musicais feitos com materiais reutilizáveis para a
educação musical, por meio de recursos sinestésicos. Com isso pretende-se criar um ambiente
lúdico e didático que permita tanto o desenvolvimento perceptual sonoro quanto musical dos
alunos. Sabe-se que instrumentos musicais feitos de materiais recicláveis e/ou reaproveitáveis
têm se tornado cada vez mais comuns e desvendar pragmaticamente suas qualidades sonoras
relacionadas à sensorialidade humana pode colaborar com essa difusão. Desse modo, através
da exploração de certos aspectos sonológicos e semióticos, o presente projeto proporciona
base para investigações interdisciplinares, trazendo informações relevantes para que se possa
identificar as potencialidades de tais objetos.
Para quem trabalha na área da educação musical, a construção de um ambiente sonoro
saudável depende muito da qualidade de sons à disposição do executante. Conhecer as
potencialidades sonoras que materiais comuns podem proporcionar amplia a gama de
possibilidades para variações controladas de timbres e permite repassar para os educandos
novas alternativas sonoras, criando uma mentalidade empiricamente investigativa a respeito
dos limites a serem ultrapassados em tais atividades.
A ressignificação do objeto que se transforma por meio de um processo de reutilização
de rejeitos urbanos, podendo até mesmo manter suas características visuais, é o elo da
musicalidade com o tema da sustentabilidade, que pode inclusive se beneficiar com o poder
comunicativo da arte sonora em si e da transformação de um significado negativo para seu
antagônico. A importância do assunto ligado ao tema ambiental não reside na capacidade
dessa atividade em resolver diretamente o problema do acúmulo de materiais recicláveis no
meio ambiente, mas sim indiretamente. Ao capacitar o indivíduo para a identificação de
materiais com propriedades adequadas para a fabricação de instrumentos musicais, cria-se
nele uma consciência mais conectada à preservação de recursos disponíveis e manutenção de
um ambiente menos poluído, com o correto direcionamento dos materiais de descarte.

259
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A pesquisa apresentada neste artigo pretende também comprovar que os instrumentos


em questão vão muito além da facilidade de acesso, esteticamente extravasando para áreas
criativas diretamente ligadas à música, interdisciplinarizando-as com as artes plásticas e
referenciando-as à sustentabilidade, e até mesmo, quem sabe, concluir que enquanto
simulacros dos instrumentos musicais convencionais, esses possam um dia assumir o papel
principal dos instrumentos musicais em si, seja por similaridade ou por originalidade.

Referências

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sustentabilidade e a relação histórica das embalagens com questões ambientais. MIX
Sustentável, [S.l.], v. 2, n. 1, p. 45-52, maio 2016. ISSN 24473073.

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Subjetividades, Utopias e Fabulações, 2011. v. 20. p. 1038-1050.

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2008.

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FORNARI, José; MANZOLLI, Jônatas; SHELLARD, Mariana. O mapeamento sinestésico


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do Livro: Criação Musical e Tecnologias: Teoria e Prática Interdisciplinar. ISBN:978-85-
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FONTERRADA, Marisa T. de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e


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260
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

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Science. Vol. 3, no. 7, e1700782, 2017.

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ensinar música. Cadernos de Educação, Tecnologia e Sociedade, v. 9, p. 242-262, 2016.

PIATTI, Tânia Maria. Plásticos: características, usos, produção e impactos ambientais / Tânia
Maria Piatti, Reinaldo Augusto Ferreira Rodrigues. - Maceió : EDUFAL, 2005. 51p.

SCARASSATTI, Marco Antonio Farias. Retorno ao futuro: Smetak e suas plásticas sonoras.
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SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica? São Paulo: Brasiliense, 2006.

SHIMODA, Lucas Takeo. O vocabulário descritivo do timbre sob o prisma da semiótica


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São Paulo: ECA-USP, 2013.

Notas

1
Apesar de ser largamente empregado para definir instrumentos feitos com materiais de descarte, o termo
reciclado não é utilizado de maneira correta, pois reciclar significa refazer o ciclo, ou seja, fazer o material em
questão perder sua forma atual para se produzir um novo objeto, podendo ser reestruturado na sua forma
anterior, ou não. Para a grande maioria desses materiais utilizados na luteria artesanal pode-se utilizar o termo
reciclável.
2
O termo bricolagem se refere às atividades que você mesmo faz sem a ajuda de um profissional, podendo-se
também fazer uso do que se tem à disposição no momento, combinando os objetos entre si, mesmo com uma
aparente disparidade entre eles (AVERSA, 2011, p.1046).
3
Documentário que conta a história do professor de música Favio Chavez e a sua Orquestra de Reciclados de
Cateura, situada em um aterro próximo a Assunção no Paraguai. Seu trailer pode ser conferido no próprio site da
orquestra: <https://www.recycledorchestracateura.com/>

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Reflexões sobre o planejamento de atividades ligadas à cultura indígena na Educação


Básica

Roberta Carvalho Pereira Campos


Universidade Federal de São Carlos
roberta.cpcampos@yahoo.com

Artur Guz Tinoco


Universidade Federal de São Carlos
arturguz.tinoco@gmail.com

Resumo: Este trabalho pretende apresentar reflexões decorrentes do planejamento de um conjunto de


atividades interdisciplinares ligadas à temática da cultura indígena desenvolvidas junto a uma escola
de Educação Básica no âmbito do PIBID, durante o primeiro semestre de 2019. As discussões se
amparam em marcos legais, bem como em textos das áreas da Sociologia, Etnomusicologia e
Educação, e também em escritos de representantes de etnias indígenas, articulando-os às experiências
vivenciadas no processo de planejamento e pesquisa das atividades. Os resultados apontam para a
relevância e os desafios de se abordar essa temática em sala de aula.

Palavras-chave: Cultura indígena. Planejamento de aula.

1. Introdução
Durante o primeiro semestre de 2019, a equipe de bolsistas do Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) das áreas da Música e da Matemática da
Universidade Federal de São Carlos, atuantes na EMEB Carmine Botta1, optou por trabalhar
com a temática da cultura indígena. Tal opção se deveu ao fato de que essa equipe participou
do planejamento da escola, realizado no início do ano letivo, e ouviu o relato de professores
dessa instituição que expressaram sua dificuldade em trabalhar com esse tema. O objetivo
desse projeto interdisciplinar desenvolvido foi o de possibilitar uma vivência reflexiva,
apresentando e discutindo conteúdos da temática indígena.
O projeto foi dividido em três blocos de atividades ofertadas para todos os alunos do
ensino fundamental 1 e 2 ao longo do mês de Abril: 1) Levantamento do conhecimento prévio
dos e das estudantes da escola acerca da cultura indígena, jogo de palavras indígenas e
exposição de características e informações das etnias Kalapalo, Guarani M’bya, Guarani
Kaiowá e Xavante, introduzindo ao tema; 2) Reflexão sobre as funcionalidades da música
indígena, através da relação cultura-sociedade, e a percepção do tempo sob o olhar da cultura
indígena e seu calendário próprio; 3) Conjunto de oficinas constituídas de vivências práticas
de pintura corporal, canto, contação de história, construção de brinquedos e uma roda de
conversa com convidados indígenas de diversos estados brasileiros. Para cada um destes
blocos, foram feitos planejamentos separados para melhor relacionar os conteúdos e

262
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

abordagens utilizadas, tendo a pesquisa, o debate interno com a equipe e convidados


indígenas como subsídio.
Para o desenvolvimento das atividades, foi estabelecia uma parceria com todos os
professores atuantes no ensino fundamental 1 e 2, uma vez que os dois primeiros conjuntos de
atividades seriam realizadas dentro da sala de aula, e o último conjunto que seria ofertado em
forma de oficina, utilizaria espaços escolares diversos. Cabe ressaltar que algumas adaptações
foram feitas na aplicação destas atividades entre o ensino fundamental 1 e 2 em razão da faixa
etária das crianças e da diferença de tempo disponibilizado pelos professores nos dois ciclos.
As reflexões trazidas no presente trabalho estruturaram-se na discussão de referencial
bibliográfico proposto pela orientação do programa e no incentivo à pesquisa, a partir deste.
Assim, o objetivo deste texto é o de discutir o processo de construção de práticas
pedagógicas, associadas à visibilidade e representatividade da população indígena brasileira.
Com isso, busca-se analisar os momentos de fragilidade e se debruçar sobre as possíveis
perspectivas de atuação, nas práticas pedagógicas e de compreensão, e quanto à estrutura
cultural destas populações tradicionais.

2. Escola e história: representações da cultura indígena


Tratando-se de um debate importante para a compreensão da complexa história do
processo de formação da sociedade brasileira, é fundamental aprofundar quanto às questões
herdadas, historicamente, de um racismo estrutural e institucionalizado pelo Estado dentro das
próprias propostas pedagógicas.
O Brasil é um país fundado pela escravização de negros africanos e indígenas nativos
durante o período colonial, e pelo poder concentrado nas mãos das velhas oligarquias. Essa
história ainda se perpetua ao longo dos séculos e deixa marcas profundas até os dias de hoje.
No livro Cultura brasileira e identidade nacional, o sociólogo Renato Ortiz aponta que “Até
a Abolição, o negro não existia enquanto cidadão (...)” (ORTIZ, 1986, p. 36). No período
subsequente, as relações raciais passaram gradualmente a ser pautadas a partir da difusão da
“ideologia da democracia racial”, o país como fruto da mestiçagem entre o branco, negro e o
índio, “que não somente encobre os conflitos raciais como possibilita a todos de se
reconhecerem como nacionais” (ORTIZ, 1986, p. 44).
Ao vivenciar o racismo velado presente na estrutura social brasileira, o Movimento
Negro e Indígena vem desmistificando tal ideologia e obtendo conquistas ao longo do tempo.
Uma delas foi a Lei 10.639/03, que prevê a obrigatoriedade do ensino da “História e cultura
afro-brasileira”, e posteriormente a Lei 11.465/08, que torna obrigatório o ensino da “História

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

e cultura afro-brasileira e indígena” no currículo oficial da rede de ensino, como medidas de


ações afirmativas que contribuam para a luta antirracista. Apesar de em 2008 ter sido
promulgada essa lei, a musicista e etnomusicóloga Magda Pucci e a educadora musical
Berenice de Almeida afirmam que “ainda é tímida a produção de materiais que tratem com
consistência os diversos aspectos deste universo” (PUCCI; ALMEIDA, 2017, p. 13).
Complementarmente, as escolas ainda têm muitas limitações em relação ao debate étnico-
racial, conforme discute o indígena Daniel Munduruku:

Tenho percebido que as escolas vivem um grande dilema na educação de seus


alunos. A instituição acabou assumindo um papel que antes cabia à família. Escola –
ao menos como a entendo – nunca foi um lugar para educar crianças e jovens. Ela
sempre foi um lugar onde se passa o conhecimento da tradição ocidental, um
conhecimento científico que pode ser aprendido e, depois ampliado
(MUNDURUKU, 2009, n.p).

Seguindo a linha da educadora Ana Mae Barbosa, o desafio que se coloca ainda é
fazer o debate das questões étnico-raciais sem cair no mito da democracia racial ou no
exotismo dos povos: “A cultura indígena só é tolerada na escola sob a forma de folclore, de
curiosidade e de esoterismo; sempre como uma cultura de segunda categoria” (BARBOSA,
1998, p. 13). Ainda segundo Munduruku (2009), “Se na escola tivermos referências positivas
sobre outras culturas, certamente desenvolveremos ideias positivas dessas culturas”.
A cultura é um processo interativo de construção, compreendendo atividades (práticas
culturais) e significados (interpretações) partilhados, que possibilitam a criação de uma
identidade cultural: “(...) cultura é como uma lente através da qual o homem vê o mundo.
Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas
das coisas” (BENEDICT, 1972 apud LARAIA, 2001, p. 67). No livro “Cantos da Floresta”,
as autoras ressaltam, por exemplo, como “Durante os séculos, os indígenas foram
invisibilizados pela sociedade brasileira, o que dificultou uma aproximação com suas culturas
e suas maneiras de ver o mundo” (PUCCI; ALMEIDA, 2019, p. 13).
É fundamental compreender a cultura como algo dinâmico, que está num processo
frequente de transformação, num conflito constante entre a tradição e a inovação. Assim
reforçam Magda e Almeida: “Enquanto ainda se acredita que os indígenas vivem nus nas
aldeias, sem conhecer os meios de comunicação atuais, muitos deles estão vivendo na cidade
e, mesmo destituídos de suas terras, mantém vivas suas práticas rituais” (PUCCI; ALMEIDA
2017, p. 22).
É importante flexibilizar as ideias para encontrar um limiar entre a tradição e a
inovação, considerar as particularidades dos sujeitos, o pluralismo de culturas, e o contexto

264
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

em que estão inseridos. Existem mais de 200 povos indígenas no Brasil, e cada comunidade
indígena preserva sua própria cultura, portanto, os indígenas carregam em suas práticas
cotidianas uma diversidade cultural muito grande, desde a organização social até a sua língua.
Sendo o reconhecimento dessa diversidade um grande desafio no processo educativo e na
desconstrução do imaginário hegemônico da sociedade brasileira:

[...] eu sou um indígena Munduruku e com isso quero afirmar meu pertencimento a
uma tradição específica com todo o lado positivo e o negativo que essa tradição
carrega e deixar claro que a generalização é uma forma grotesca de chamar alguém,
pois empobrece a experiência de humanidade que o grupo fez e faz. É desqualificar
o modus vivendis dos povos indígenas e isso não é justo e saudável
(MUNDURUKU2).

Pucci e Almeida (2017) também comentam sobre o quão a cultura indígena está
presente no cotidiano, nas palavras, nos lugares, na alimentação, nos hábitos, na vestimenta e
acessórios. No entanto, pouco se sabe sobre as origens desses nomes e práticas adotadas. No
processo de formação do PIBID para abordar esse assunto, foi necessário mergulhar um
pouco nesse universo, se despindo de pré-conceitos e imagens condicionadas.

3. Aproximações da cultura e da realidade indígena durante o planejamento das


atividades
Durante o estudo que se iniciou com a leitura de capítulos do livro “Cantos da
Floresta”, o grupo se deparou com questões e palavras corriqueiras e imperceptíveis ao senso
comum: Índio ou indígena? Tribo ou aldeia / comunidade? Tapioca, peteca, paçoca?
Araraquara, Ibaté, Piracicaba? Palavras ditas com tanta naturalidade e sem saber da
procedência. Comida de origem indígena que enche nosso prato. Cidades vizinhas que
carregam nomes de quem não se vê no espaço geográfico. A todo o momento estamos
rodeados pela cultura indígena, e a pergunta que se coloca é: “O que se sabe sobre a cultura
indígena? Como ela está presente no nosso dia a dia?".
A partir dessas reflexões foram pensadas algumas perguntas geradoras para dialogar
com os alunos da escola: “Ao pensar sobre os indígenas, o que vem à mente? Alguém tem
descendência ou conhece algum indígena? Alguém já foi pra cidades da região como
Araraquara, Ibaté, Piracicaba? Encontraram indígenas por lá? Onde estão os indígenas?"
Para aprofundar o conhecimento sobre a cultura indígena foi feita uma pesquisa sobre
etnias, palavras, objetos, culinária, rituais, canções, costumes, localização, organização social
e problemas que algumas etnias enfrentam num país com histórico escravocrata e

265
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

latifundiário. Foi feito um jogo de palavras indígenas e selecionadas imagens de quatro etnias
para discutir numa roda de conversa com os alunos. A partir da comparação entre as
diferenças e semelhanças dos povos indígenas dessas etnias, procurou-se estimular a
observação dos alunos sobre onde estavam presentes, nas cidades, no litoral ou no interior, se
usavam mais ou menos roupas, se tinham como hábito realizar pinturas corporais, quais eram
os tipos de rituais e artesanatos produzidos, qual era a dimensão das suas populações, além de
abordoar questões referentes às pressões ligadas à saúde e saneamento básico, à demarcação
de terras, perda de identidade e suicídio.
Neste momento, cabe a discussão sobre o papel da pesquisa no processo de ensino-
aprendizagem:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram
um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino
porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que
ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p.14).

Segundo Freire (1996) “não há docência sem discência”, pois o educador que educa
também se educa, e é educado na relação com o outro. Ensinar exige sair da zona de conforto
do pensamento estereotipado da sociedade brasileira e se colocar à disposição de se aproximar
da visão de mundo desses povos, discutir a realidade concreta, confrontar a experiência social
do educando com essa realidade, e para isso ou se convive com esses povos ou se estuda, se
pesquisa sobre eles, buscando principalmente suas próprias referências e representações: “A
convivência significa então: ler, ver, ouvir, manipular... em síntese, familiarizar-se com
formas variadas de representação. E se a representação está ligada aos sentidos, à memória, ao
pensamento e à imaginação, ela é um dado culturalmente situado” (TOURINHO, 1995, p.
114).
Durante o processo de planejamento, alguns bolsistas participaram da recepção de
calouros, organizada pelo Centro de Cultura Indígena – CCI, na exibição de um documentário
“Terras Indígenas”. O filme aborda o conflito de terras entre indígenas e produtores rurais,
mostrando o histórico de expulsão dos indígenas de seu território de origem depois da guerra
do Paraguai, a ocupação da região centro-oeste durante a ditadura, a delimitação de reservas
para os povos, a conquista de direitos indígenas com a constituição de 88, o marco temporal
como critério de delimitação, a atual condição das aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul.
O debate da demarcação das terras indígenas no Brasil tem se tornado cada vez mais
importante diante de um governo que vem negando políticas públicas voltadas aos indígenas,

266
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

propondo mudanças arbitrárias sobre órgãos que regulamentam a demarcação de terras (da
FUNAI - Fundação Nacional do Índio para o Ministério da Agricultura), e fazendo
declarações que só intensificam o conflito de terras entre fazendeiros, garimpeiros,
mineradoras, madeireiras e indígenas. Diante dessa situação, e a partir das questões trazidas
pelo documentário assistido, percebemos que se torna inviável separar o debate da cultura
indígena da demarcação de terras indígenas:

[...] é preciso reconhecer que os sobreviventes das populações originárias daqui vão
estar sempre na situação difícil de testemunhas de um processo de invasão, de
ocupação de seus territórios. E isso vai durar, ao menos enquanto nossas relações
não forem orientadas para a convivência dentro de novos parâmetros, iluminada pelo
reconhecimento e aceitação das nossas diferenças (KRENAK, 2001, p. 72).

Em uma das reuniões com os membros do PIBID da área de Música, alguns


representantes do CCI participaram compartilhando um pouco das suas experiências de vida,
e a diversidade presente entre uma etnia e outra. Em ambas as falas, percebe-se o quão suas
culturas são resistências em meio à apropriação cultural e chegada de igrejas tanto católicas
como evangélicas. A partir desse diálogo percebeu-se a necessidade de inserir junto às
oficinas (construção de brinquedos, canções, contos e pinturas indígenas) as rodas de
conversa, buscando através dessas vivências, aproximar o estudante da escola dessas
representações.
Além disso, foram selecionadas algumas músicas indígenas de diferentes etnias para
estimular a reflexão dos alunos acerca das sensações, significados, funcionalidade e
características presentes. Buscou-se, assim, propiciar o reconhecimento e a compreensão de
manifestações culturais ligadas a tradições ainda presentes no nosso país a partir do exercício
musical da escuta:

Ouvir uma grande variedade de música alimenta o repertório de possibilidades


criativas sobre as quais os alunos podem agir criativamente, transformando,
reconstruindo e reintegrando ideias em novas formas e significados (CAVALIERI;
SWANWICK, 2002, p.13).

A partir das pesquisas e dos novos aprendizados adquiridos sobre as culturas indígenas
brasileiras, pôde-se perceber as diferenças musicais destes povos com os produtos difundidos
pelos veículos de mídia e consumidos pela sociedade não-indígena. Segundo Pucci e Almeida
(2017), os atos de ouvir e fazer música assumem uma importância afastada do simples
entretenimento e prazer, pois outros propósitos para a música caracterizam seu papel dentro
da cultura indígena: rituais de passagem para a fase adulta do homem, cerimônias de colheita,

267
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

contação de histórias e mitos tradicionais etc. Em relação à estrutura musical, as noções de


melodia, forma, ritmo e funcionalidade da música se desprendem do padrão ocidental-
europeu. Na perspectiva indígena, estes elementos se configuram como características
expressivas da funcionalidade social que a música assume em determinada ocasião,
assimilando-se a características presentes na natureza que os permeia e em como os mesmos
se reconhecem.
A partir da apreciação de músicas de várias etnias, notou-se o equívoco em falar de
música indígena no singular, como sinônimo de uma representação coletiva. Cada etnia
atribui a cada uma das suas músicas uma funcionalidade, com expressões vocais próprias, e
instrumentos com sentidos e práticas rituais inerentes. Pela via musical, criamos ali um espaço
de ampliação não apenas de conteúdos socioculturais, mas também artísticos.
É evidente que durante todo o processo de formação/planejamento foi permitida certa
aproximação da cultura indígena e de suas representações, mesmo que de forma limitada pelo
tempo, espaço e convivência. A partir das relações construídas com professores/orientadores
do PIBID, indígenas e estudantes da escola, durante o processo de planejamento e execução
do projeto, foi permitido que os bolsistas se aproximassem dessa visão de mundo não apenas
pela formação em si, mas também pela decisão de colocar-se diante do conhecimento de
forma comprometida com os sujeitos envolvidos no processo, quesito de uma pedagogia
autônoma. Segundo Paulo Freire, a autonomia é condicionada a partir de contextos
formativos, entre educando e educador. O educador assume um papel de orientador, que
valoriza a cultura e a individualidade do educando, incentivando o protagonismo do educando
na construção do conhecimento e na transformação da realidade, enquanto sujeito social e
histórico:
Não posso ser professor sem me pôr diante dos meus alunos, sem revelar com
facilidade ou relutância minha maneira de ser, de pensar politicamente. Não posso
escapar à apreciação dos alunos. E a maneira como eles me percebem tem
importância capital para o meu desempenho. Daí, então, que uma de minhas
preocupações centrais deva ser a de procurar a aproximação cada vez maior entre o
que digo e o que faço, entre o que pareço ser e o que realmente estou sendo
(FREIRE, 1996, p. 37).

O educador participa do processo de fazer-se autônomo do educando. Estreitar a


relação entre o que se diz e o que se faz presume o ato de decidir, de assumir, em sua
liberdade, ser o que se quer, e ser responsável, em sua autoridade, pela sua decisão na prática.
A pedagogia da autonomia presume o compromisso com a crítica, com a pesquisa, com o
conhecimento socialmente útil (o que implica numa disputa ideológica), levando em

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

consideração o conhecimento significativo e a forma de perceber o mundo dos sujeitos, de


forma que estes possam se aproximar da realidade e agir sobre ela.

Figura 1: Apresentação das etnias trabalhadas em grupos separados; Fixação das imagens utilizadas no corredor
da escola; Ensino de uma canção indígena; Jogo de palavras indígenas e seus significados; Roda de conversa
com indígenas alunos da UFSCar dentro da escola; Oficina de brinquedo indígena; Oficina de pintura corporal.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: C/Arte, 1998.

CAVALIERI, C.; SWANWICK, K. Composição, apreciação e performance na educação


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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São


Paulo, SP: Paz e Terra, 1996.

KRENAK, Aílton. Uma visita inesperada. In: GRUPIONI, Luís D. B.; VIDAL, Lux B.; &
FISCHMANN, Roseli. Povos indígenas e tolerância: construindo práticas de respeito e
solidariedade. São Paulo: Editora USP, 2001.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2001.

MUNDURUKU, Daniel. O banquete dos deuses: conversa sobre a origem e a cultura


brasileira. 2ª ed. São Paulo: Global, 2009.

___________. Usando a palavra certa pra doutor não reclamar. Série Mundurukando três.
Blog Daniel Munduruku. Disponível em: <http://danielmunduruku.blogspot.com/p/cronicas-
e-opinioes.html> Acesso em: 03/11/2019.

ORTIZ, Renato. Da raça à cultura: a mestiçagem e o nacional. In: Cultura brasileira e


identidade nacional, 36-44. São Paulo: Brasiliense, 1985.

PUCCI, Magda & ALMEIDA, Berenice. Cantos da Floresta. São Paulo: Petrópolis, 2017.

TOURINHO, Irene. Temas sobre arte e educação. Educação e Filosofia v. 09, n.18, p. 105-
122, 1995.
Notas

1
A EMEB Carmine Botta se localiza no bairro Jardim Beatriz, na cidade de São Carlos-SP. Trata-se de uma
escola municipal que atende estudantes tanto dos anos iniciais quanto dos anos finais do Ensino Fundamental
durante os períodos da manhã e tarde, e ainda oferta a modalidade de EJA no período noturno.
2
Texto extraído do blog do indígena Daniel Munduruku. O título da publicação é Usando a palavra certa pra
doutor não reclamar. Não há indicação de data. Disponível em:
http://danielmunduruku.blogspot.com/p/cronicas-e-opinioes.html. Acesso em: 03 nov. 2019.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Reflexões Sobre um Estágio na Capoeira Angola

Clara Tomie Yamasaki Heider Rodriguez


Unicamp
Clara.tomie.heider@gmail.com

Resumo: Este trabalho é um relato de meu projeto de estágio que foi realizado sob a orientação de
Adriana Mendes do Instituto de Artes, e sob supervisão de Mestre Topete, da Escola de capoeira
Angola Resistência. O trabalho foi realizado em espaço aberto da Unicamp, tendo como tema a
musicalidade da Capoeira. Dentro de um território histórico e social conflituoso em que está a
Capoeira, busquei apresentar no meu trabalho algumas reflexões sobre ser um educador na Capoeira, e
sobre como administrei o meu estágio no ano de 2019.

Palavras-chave: Capoeira Angola. Educação musical.

1. Histórico da Capoeira
Uma arte que não é música e não é dança, nem cultura nem luta marcial, não é
filosofia e não é esporte, como poeticamente indefine o grande Mestre:

Capoeira angola, mandinga de escravo em ânsia da liberdade. Seu princípio não tem
método e o seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista. Capoeira é amorosa,
não é perversa. Ela é um hábito cortês que criamos dentro de nós, uma coisa
vagabunda (MESTRE PASTINHA).

A Capoeira é uma arte milenar, que veio com os negros da África, e foi reinventada no
Brasil com a incorporação de elementos indígenas e portugueses. A Capoeira não se encerra
em uma única definição, ela está em plena expansão e aperfeiçoamento, ela está em diferentes
discursos em diversas realidades e usada de infinitas maneiras e finalidades.
A Capoeira é tecnologia negra de luta contra os maus tratos e a exploração dos
brancos sobre os negros no período da escravidão, ela resguardou a população negra desde
séculos até os dias de hoje. Após a abolição da escravatura, houve uma forte perseguição às
práticas e à cultura de matriz africana, o que na verdade sempre foi o projeto de genocídio
negro, vigente de diversas formas até hoje. Neste momento, a Capoeira era um mecanismo de
autodefesa dos negros, como sempre foi, porém num contexto diferente. As cidades onde se
iniciaram os principais movimentos de capoeira, segundo Nestor Capoeira, foram: Salvador,
Santos, Rio de Janeiro e Recife eram cidades portuárias, e a Capoeira andava com os
estivadores, as prostitutas, os marginais da sociedade, uma vez que, após a abolição, o negro
nunca teve um lugar para si na sociedade. As comunidades eram organizadas em maltas em
um sistema de proteção em bando tanto por parte da perseguição política, executada pela
polícia, quanto com relação à inimizade entre outras maltas.

271
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Após sua descriminalização, em 1940, a Capoeira cresceu muito e está em quase todos
os países do mundo.
Após da criação da Lei: 10639/03, que torna obrigatório o ensino de história e culturas
de matrizes africanas nas escolas, a Capoeira também passou a ocupar as escolas, e abranger
mais um campo, o da educação, sistematizando alguns de seus métodos e também buscando
recursos da pedagogia para tanto

2. Escola de Capoeira Angola Resistência


Sob a supervisão de Mestre Topete, seu fundador, a escola tem 10 anos, porém a
história de Waldisinei Lacerda na Capoeira tem 33 anos. Mestre Topete é de Campinas,
começou sua história de Capoeira no Grupo Coquinho Baiano, no dia 13 de julho de 1986,
com 13 anos de idade na Capoeira Regional. Após conhecer a Capoeira Angola, em 1989,
migrou para este estilo, sob a Mestria de Mestre Pé de Chumbo, discípulo de Mestre Pastinha
na Bahia.
A Escola Resistência está em várias cidades do Brasil e do mundo dentre Rio de
Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Holanda, Alemanha, França, Suécia, Estados
Unidos, Guatemala, Dinamarca e México. A Escola Resistência há 16 anos organiza a
principal roda de Capoeira Angola de Campinas, e há 10 anos organiza o Encontro
Internacional de Culturas, e recebe mestres do Brasil e do mundo.
Membro da Escola há 7 anos, a pesquisadora escolheu fazer seu estágio juntando um
pouco dos conhecimentos adquiridos na musicalidade e movimentação da Angola e o que
aprendeu sobre música na universidade, a fim de criar um vínculo potencializador entre
metodologias e didáticas da educação musical para proporcionar um aprendizado mais
acolhedor e educativo musicalmente.

3. Didática da Capoeira
A Capoeira não é somente um jogo, ou uma disciplina dentro da escola da vida, ela é
todo um código, toda uma forma de olhar e agir no mundo, ela é um refúgio, ela é um espaço
não-físico onde as regras se invertem, onde os status sociais não tem importância, onde tudo o
que é repressor não tem força. A capoeira é o espaço do encontro onde cada detalhe significa,
onde cada olhar fala mais do que palavras, onde o bom entendedor entende até meia palavra.
Para jogar a Capoeira é preciso cautela, é preciso saber se orientar em cada novo lugar que
chegar, é preciso saber ler os espaços, as relações, e saber se adaptar com respeito às regras da
casa onde se chega sem ao menos perguntar.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Na história da Capoeira antiga não existia aula de capoeira, nem academias onde se
ensinava, não havia ensino. O aprendizado era ativo por meio da “Oitiva”. Como descreve
Abre, (2003), a palavra “oitiva”, significa olho ativo, e era através desse olho ativo que as
pessoas aprendiam umas com as outras, sem ninguém ter que explicar nada. Nessa dinâmica,
o mestre “deixava escapar” o aprendizado, quase que em códigos e charadas, e o aprendiz
deveria sempre ser ativo em seu processo de ensino-aprendizagem, e estar sempre de
prontidão para o momento em que o Mestre deixasse escapar mais alguma informação
valiosa, mais um golpe mais difícil etc. O Mestre estava sempre observando o aluno e
dosando sua aprendizagem conforme a sua maturidade e evolução.
Com a expansão da educação, das pedagogias, com a ampla divulgação da capoeira,
sua entrada nas escolas, um novo público aderiu à Capoeira, e, com ele, novas demandas,
outras necessidades foram complementando a didática tradicional na Capoeira.
Devido ao seu histórico pedagógico, com relação à oitiva, criou-se uma mística com
relação à capacidade do aluno de fazer música, pois como não havia um ensino, foi atribuído
ao dom divino a capacidade de um tocar e cantar e outro não. O que, na verdade, é altamente
prejudicial, pois uma pessoa que não sabe, pode aprender, superar seus bloqueios e se tornar
um músico ou uma musicista, sem dúvida. É um pouco cruel esperar que uma criança ou
alguém que não tenha nenhuma referência musical cante lindamente e afinada, desinibida,
sem nunca ter aprendido nada sobre música.
A Pesquisadora, interessada pelo potencial que tem esse encontro entre conhecimento
formal de música e teoria musical, junto com pedagogias novas de educação musical, realizou
seu estágio voltando o olhar para esse terreno fértil, e encontrou ótimos resultados em
pequenas práticas de condução de afinação, exercícios de rítmica e solfejo buscando afinação
entre as vozes e os berimbaus.

4. Apresentação do Estágio
Este estágio foi realizado no Ciclo Básico II da Unicamp, às segundas-feiras, em
eventos da Escola de Capoeira Angola Resistência, sob a orientação de Adriana Mendes e
supervisão de Mestre Topete da Escola de Capoeira Angola Resistência. Durante o segundo
semestre de 2020 foram realizadas oficinas abertas de Capoeira com enfoque na musicalidade.
O público alvo não foi definido nem em idade ou grau de formação (na capoeira).
Além de algumas referências importantes como o Livro: “o Beabá do Berimbau” de
Márcio Folha, que apresenta uma história em quadrinhos ilustrada de um menino e um velho
que o ensina e tem os saberes místicos e físicos da Capoeira. Em seus diálogos o mestre

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

ensina o aluno sobre muitos fundamentos da Capoeira. Ao final, é feita uma análise do livro e
apresentadas propostas pedagógicas para o ensino das disciplinas tradicionais do ensino
formal com o uso do livro. Também foi utilizada como referência o livro: “A Cartilha do
Samba Chula” de Katharina Doring, que conta a história de muitos sambadores do recôncavo;
apresenta algumas partituras dos instrumentos usados nas rodas; junto da história de seu
compositor, apresentam as cantigas cantadas por ele, que podem ser escutadas no Cd que vem
anexo. Essas, entre muitas outras referências sobre o histórico da Capoeira, e outras leituras
pesquisadas pela estagiária durante seus 8 anos de pesquisa na Capoeira, tanto em livros,
como através da presença e do ensinamento do Mestre Topete na Escola de Capoeira Angola
Resistência.
Os conteúdos e o programa das aulas foram criados a partir da instrumentação
tradicional da roda de Capoeira e seus ritmos tradicionais. O Berimbau Gunga, Médio e Viola,
2 pandeiros, agogô, reco-reco e atabaque eram revezados, permitindo que, em um único
toque, pudesse ser experimentada uma diversidade de claves e motivos rítmicos. O Toque de
Cavalaria, Iúna, São Bento Grande e São Bento Pequeno, Angola, Samba de Roda e Congo de
Ouro foram os ritmos utilizados nas oficinas de música.
O fato de o público alvo não ter sido pré-definido, formou uma turma de idade
heterogênea que gerou um desafio para a estagiária de entreter crianças, jovens e adultos num
mesmo espaço. Enquanto uma atividade despertava a atenção das crianças, os adultos se
distraíam e vice-versa. Sendo assim, a estagiária foi buscando soluções para essa dinâmica
não convencional no ensino formal, mas muito comum na Capoeira. A estagiária optou por
dividir a aula em alguns momentos e juntar em outros, propondo intervalos para as crianças
enquanto passava movimentos avançados para os mais velhos, e retomando com as crianças
em duplas mais tarde. Na hora das atividades musiciais todos estavam mais ou menos na
mesma faixa de aprendizagem, então a idade não era algo que destoava no processo de ensino
aprendizagem, e os mais velhos se sentiam motivados a ajudar as crianças. Este fato começou
como uma dificuldade e um desafio, mas depois tornou-se uma dinâmica gostosa que unia o
grupo que despertava o interesse nos adultos pelas crianças.

5. Exercícios trabalhados
5.1 Afinação: a desafinação soa como algo estranho ao nossos ouvidos, sendo assim, a
estragiária procurou trabalhar a afinação por meio da dinâmica pergunta e resposta, comum
no canto da Capoeira onde há um puxador (pergunta) e o coro (resposta). Quando muda o
puxador, a tonalidade toda muda e, portanto, há que se ter uma boa escuta para perceber, e um

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

bom repertório para se adaptar e modular as melodias já conhecidas para esse novo tom na
resposta do coro, especialmente quando o puxador muda de um homem para uma mulher ou
criança. Nesse momento, a estragiária propunha pausas, pedia para os alunos solfejarem a
nota fundamental do tom cantado em uníssono para percebermos a sensação de afinação.
Percebi que as pausas alternadas com o deixar fluir criavam uma dinâmica leve, para que
aquilo que não se compreende, mas se sente, possa aflorar por outros meios que não somente
o racional, mas tampouco o instintivo somente, trazendo à luz a atenção que se deve dar nas
modulações naturais, e a escuta atenta que deve se ter para com o canto, onde tudo é
improvisado e novo, e não há nunca um repertório combinado como é a prática da música em
bandas e orquestras.
5.2 Improviso: O papel do puxador é manter a estrutura da música e narrar os fatos
ocorridos na roda ou complementar com informações históricas e saberes o que acontece no
agora. É puro improviso, é um estudo de rítmica e métrica, é um estudo de linguagem e
expressividade. Além de improvisar, o puxador também tem que ser um tipo de DJ da roda, e
cantar diversas músicas que se encaixem no contexto conforme seu senso. Ao colocar um
aluno como puxador, é muito comum que o nervosismo e a falta de repertório o tome de
sopetão e o emudeça, porém nas situações da vida e no jogo da Capoeira, há que se saber
improvisar e lidar com as fortes emoções que nos invadem ao cantar em público, ao expor
suas ideias e seus sentimentos. Portanto esse exercício de colocar os alunos como puxadores
do canto também funcionou na medida em que houve progressos significativos no quesito
improviso.
5.3 Ritmo e Corpo: A Corporeidade da Capoeira é toda baseada no ritmo, o capoeirista
se movimenta conforme a música, há que se ter atenção ao que está sendo cantado, ao mesmo
tempo em que em seu oponente no jogo dá rasteiras. O ritmo é um aspecto da música que
mais se desenvolve corporalmente, entre outros (melodia e harmonia), portanto o treino da
capoeira em si funcionou como exercício de ritmo desenvolvendo uma escuta atenta e uma
pulsação interna que alicerçaram o aprendizado do ritmo da Capoeira.
5.4 Toques e instrumentos: A partir de matrizes dos ritmos da Capoeira, foram
introduzidas pequenas células rítmicas tocadas pelos instrumentos que fazem parte da bateria
tradicional de Angola na linhagem da escola pesquisada: agogô, reco-reco, atabaque, pandeiro
e berimbau Gunga Médio e viola (diferentes afinações e funções). Por meio de solfejos
rítmicos os alunos facilmente pegavam as entradas e o toque. Um dos alunos, Mateus, 8 anos,
se desenvolveu muito rapidamente e com facilidade foi do pandeiro para o berimbau em
nossas oficinas.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

6. Reflexões sobre o Ensino da Capoeira


Historicamente, a Capoeira é um mecanismo de resistência negra, e esse dado é
fundamental para compreender toda a sua “lógica diferenciada”, como defende Pedro Abib,
p.57, em “Capoeira Angola: Cultura Popular e o jogo dos saberes na roda”, que faz uma
análise do ritual da roda de Capoeira. A capoeira tornou-se, sim, um tema cultural, porém a
maneira como ela começou foi puramente marcial, da necessidade de lutar pela sobrevivência
e pela liberdade. Atualmente a Capoeira atrai um publico diverso, e sua prática está imbuída
de um clima festivo, porém, nas Cantigas, nos fundamentos, em cada detalhe está escrita a
história da escravidão. É fundamental refletir sobre o compromisso com a educação
antirracista e com ações que proporcionem o empoderamento do povo negro e do povo pobre,
para criar mecanismos de fortalecimento e autocuidado comunitários; avaliar e refletir sobre o
papel de admirador e contribuinte do branco na Capoeira; ter o compromisso e
responsabilidade com um mestre que olhe por você na Capoeira, e com todos os anciãos
desta arte que devem ser cuidados e tratados com dignidade e gratidão pelo seu legado
construído dentro dessa arte que é “luta do fraco contra o forte” (M. Pastinha).

Referências

BRAGA, J. C. F; SALDANHA, B. S. Capoeira: Da Criminalização no código penal de 1890


ao reconhecimento como esporte nacional e legislação aplicada. In: Janaína Rigo Santin, Ivan
Aparecido Ruiz. (Org.). Florianópolis, 2014.

ABREU, Frede. O Barracão do Mestre Waldemar. Salvador. Organização Zarabatana, 2003.

ABIB, P. R. J. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. Resgate:
Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 12, n. 1, p. 171-176, 11.

CAPOEIRA, N. Os Fundamentos da Malícia. Rio de Janeiro. Editora Record,1998.

FOLHA, Marcio. Histórias de Tio Alípio e Kauê: O Beabá do Berimbau. Editora Ciclo
Contínuo, 2018. São Paulo – SP.

DORING, K. A Cartilha do Samba Chula.Plataforma de Lançamento, Salvador-BA.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Foto 1: Matheus e Clara no treino no PB.

Foto 2: Brincadeira com as crianças

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Foto 3: Matheus, Lucas, Carina e Clara nos treinos no PB.

Foto 4: João, Leo, Clara, Rafaela, Edjer e Mateus na roda de comemoração a uma das integrantes do grupo.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Relato de experiência: oficina prática de Maracatu de Baque Virado em Santiago do


Chile
Carlos Eduardo Sueitt Garanhão
eduardosueitt@gmail.com

Resumo: O presente trabalho relata a experiência de uma oficina teórico-prática sobre Maracatu de
Baque Virado, ministrada em Santiago do Chile no ano de 2019. Utilizando aspectos da tradição oral
como base da metodologia de ensino e aprendizagem, sobretudo com enfoque na utilização do corpo e
voz como recurso para compreensão das matrizes rítmicas do maracatu, o texto retrata os meios pelos
quais o "oficineiro" organizou o conteúdo desenvolvido durante a oficina, até culminar na prática
musical em grupo.

Palavras-chave: Maracatu. Percussão. Educação musical. Oficina de prática musical. Santiago do


Chile.

1. Premissas musicais e históricas sobre alguns ritmos afro-brasileiros


Para iniciarmos este texto se faz necessária uma breve contextualização histórica
acerca do tema central deste trabalho, Maracatu de Baque Virado, gênero/folguedo popular
que imprime em sua identidade a ancestralidade africana, explicitada pelos ritmos, tambores,
danças e costumes.
Segundo Oliveira Pinto:
[...] imaterialidade da cultura já se encontra nos primórdios da presença africana em
solo brasileiro, pois quando conseguiram manter-se vivos na travessia transatlântica,
os africanos recém-chegados não carregavam nada mais consigo do que ideias,
crenças, concepções dentre as quais também a sua musicalidade (OLIVEIRA
PINTO, 1999, p. 87).

Corroborando Oliveira Pinto (1999), para José Alexandre Carvalho (2010) a bagagem
cultural intrínseca nesse povo recém-chegado é fator culminante para o desenvolvimento e
formação de uma nova cultura, que a princípio se fortalece a partir das ocultas práticas que
aconteciam nos quilombos, e que passam a se evidenciar somente após o término da
escravidão, no final do século XIX.
Apesar de que o contato com o negro recém-chegado da África já tenha em fins do
século XIX praticamente acabado, e levando-se em conta que a gênese da totalidade
dos importantes gêneros da música popular ter ocorrido após o fim da escravidão,
mesmo em países de abolição tardia como o Brasil, acredito que muitas
características e gestos musicais africanos tenham permanecido quase intactos na
nova música popular que surgiu (CARVALHO, 2010, p. 787).

Dentre as diversas manifestações culturais praticadas em solo brasileiro, grande parte


dos ritmos/festejos nordestinos tem seu desenvolvimento atrelado ao sincretismo religioso,
onde crenças e linguagens trazidas da África pelos negros escravizados são ressignificadas a
partir do diálogo e convívio com o cristianismo, surgindo então novas manifestações
culturais, híbridas, cuja música exerce uma função simbólica essencial para sua celebração.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Segundo o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Biu Vicente (apud


SANTOS, 2005, p. 20), as definições de maracatu entre músicos, etnomusicólogos,
historiadores sociais e jornalistas, se fundem quando dizemos que “o ritmo, o molejo dos
corpos e a organização dos cortejos são originários das práticas de africanos escravizados no
Brasil” 1. Guerra-Peixe (1956) afirma que é desconhecida a data exata do surgimento do
Maracatu no Recife, porém é sabido tratar-se de uma manifestação fruto do sincretismo
religioso, onde elementos de tradições africanas se confundem e são ressignificados perante o
convívio com o catolicismo.
Considerando a relevante contribuição para preservação da tradição histórico- musical
e inovação rítmica-instrumental no maracatu do Recife, as Nações Leão Coroado e Porto Rico
podem ser consideradas como umas das mais importantes, sobretudo sendo objeto de estudo
dos autores citados, o que de fato justifica a utilização no presente trabalho.
Santos e Resende (2005) apontam características musicais que diferenciam e
identificam algumas nações do maracatu recifense, como instrumentação, melodias, e a
variedade de padrões rítmicos. Para exemplificar, consideremos a peculiar instrumentação da
Nação Porto Rico, que além de possuir alfaias, taróis, caixas, mineiros2, gonguês3, ainda
incorporou atabaques e abês ao seu naipe percussivo. Além das diferenças na instrumentação,
cada nação tem uma forma muito própria de organizar e/ou dispor os instrumentos no grupo,
o que define uma sonoridade original.
As sucintas palavras descritas acerca do Maracatu de Baque Virado mencionadas
anteriormente são aprofundadas na dissertação de mestrado 4 do presente autor, que fornece
subsídio para a compreensão das práticas musicais exercidas pelos diversos grupos que
praticam este ritmo, tema este carente de bibliografia específica, de transcrições e debates
acadêmicos.
No que tange aos detalhes organizacionais da oficina de Maracatu de Baque Virado, o
conteúdo desenvolvido se pautou em fundamentações teóricas, apreciação e transcrição por
meio de CDs/vídeos, sobretudo em experiências vivenciadas durante a prática docente (aulas
de percussão popular em grupo) acerca deste gênero, fatores que, evidentemente, forneceram
um alicerce sólido para a realização da oficina, os quais descreverei adiante.

2. Oficina musical sobre Maracatu de Baque Virado e seus desdobramentos


O presente artigo relata a experiência musical vivenciada pelo músico, professor e
pesquisador, Carlos Eduardo Sueitt Garanhão 5 durante uma oficina sobre Maracatu de Baque
Virado, em setembro de 2019 em Santiago do Chile. Resultado de um edital aprovado pelas

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

convocatórias do programa Ibermusicas, e viabilizado pela Funarte, o projeto efetivou um


intercâmbio musical entre Brasil e Chile, tendo como propósito a difusão de alguns ritmos
nordestinos e suas adaptações para bateria.
A atividade docente é uma experiência dinâmica e desafiadora em seus inúmeros
aspectos, exigindo, cada vez com maior evidência, que os professores não atuem apenas como
consumidores, mas como produtores de materiais de ensino; não apenas executores, mas
criadores e inventores de instrumentos pedagógicos; não apenas técnicos, mas profissionais
criativos e reflexivos (NÓVOA, 2002, p. 36 -37).
Corroborando Antônio Nóvoa (2002), para Maura Penna (2012):
é indispensável, para a formação (inicial e/ou continuada) de qualquer educador
musical, conhecer diversos métodos de educação musical, analisando-os,
criticamente. Eles sistematizam as diferentes respostas de distintos pedagogos
musicais encontraram, em sua prática educativa, para a questão de como ensinar.
Entretanto, como discutido ao longo deste texto, se dominar o que se ensina não é
suficiente para um verdadeiro processo educativo, o como – a que necessariamente
tem de se articular – deve ser sempre encarado de modo dinâmico, e nunca como
uma “receita” pronta. Aprendamos com as várias propostas pedagógicas em
educação musical, mas aprendamos, antes de mais nada, com nossa prática concreta
em sala de aula, num constante processo de questionamento, de reflexão e de busca
(PENNA, 2012, p. 22).

A oficina sobre Maracatu de Baque Virado se organizou em três etapas, sendo:


contextualização musical e histórica; vivência em grupo acerca dos instrumentos típicos e
compreensão das respectivas matrizes rítmicas utilizando o corpo e a voz como guia rítmico;
e a prática/execução do ritmo em grupo sob o viés tradicionalista, utilizando instrumentos
tradicionais e/ou adaptados, tomando como base a construção rítmica e melódica da toada
Costa Velha (Walter França) gravada pela Nação Estrela Brilhante no CD Maracatu Nação
Estrela brilhante do Recife (2002).
Por se tratar de ritmos regionais, cuja aprendizagem está diretamente ligada à
oralidade, isto é, os saberes são transmitidos a partir do ver, escutar, cantar e imitar, a
metodologia central desta oficina partiu destes conceitos, sem, no entanto, abdicar das
nomenclaturas musicais comumente utilizadas na educação e significação musical.
Conforme previsto, a oficina recebeu um público bastante heterogêneo,
aproximadamente trinta pessoas, constituído por estudantes de música dos mais diferentes
níveis e instrumentos, bem como apreciadores da cultura brasileira (não músicos). Diante
dessa premissa, eu, Carlos Eduardo Sueitt Garanhão, mesmo com toda dificuldade na
comunicação, principalmente terminológica (nomenclatura musical no idioma espanhol),
optei por uma aula dinâmica e explicativa com objetivo de alcançar com mais eficiência a
compreensão de todos, deixando aberto para perguntas sempre que necessário.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

2.1 – Primeira etapa da oficina


Na primeira etapa da oficina apresentei uma série de slides por meio do Datashow.
Discorri brevemente sobre o dinâmico processo de aculturação que ocorre no Brasil, bem
como a importância da cultura africana para surgimento e desenvolvimento de muitas
manifestações culturais ao longo do país, principalmente na região do Nordeste. No que tange
ao tema central, Maracatu de Baque Virado, explanei sobre as nações Leão Coroado e Porto
Rico, escolha que se justifica pelos diferenciais rítmicos e instrumentais os quais alicerçam a
identidade destas nações. No desfecho da explanação teórico-musical optei pela apreciação da
toada Costa Velha (Walter França) – Nação Estrela Brilhante, propondo uma escuta atenta e
reflexiva sobre a performance do grupo, a instrumentação e sobretudo as peculiaridades
rítmicas empreendidas na referida gravação. Após a primeira escuta, indaguei sobre os
instrumentos e respectivas rítmicas, sugerindo uma discussão reflexiva por parte dos
participantes, o que, para minha surpresa, mesmo inseguros com relação à nomenclatura dos
instrumentos, a maioria se atentou para a sonoridade explicitada por cada um, bem como as
respectivas rítmicas.
Após discutirmos sobre os tópicos citados anteriormente, a segunda escuta apreciativa
foi acompanhada pela exibição da letra da toada Costa Velha (Walter França) no telão com
propósito de que todos cantassem a melodia e letra.
A terceira e última apreciação contou com mais um elemento de apoio, neste caso a
exibição das células rítmicas referentes a cada instrumento de percussão, notadas de acordo
com a nomenclatura tradicional, episódio este que evidenciou a significação rítmica de cada
instrumento, embora algumas pessoas indispusessem do conhecimento e domínio da leitura
musical.

2.2 – Segunda etapa da oficina


A segunda etapa da oficina se organizou em torno da práxis musical, uma abordagem
didática que prioriza a vivência musical prática cujo reconhecimento e conscientização
rítmica se dão por meio da utilização do corpo e a voz.
Segundo Wânia Storolli (2011):

A relação do corpo com a música remete-se porém à própria gênese desta, sendo
anterior a treinamentos, códigos e sistemas. Podemos imaginar a manifestação
musical no âmbito das primeiras performances e rituais humanos, envolvendo sons e
movimentos, tendo o corpo como o principal condutor da ação e do processo de
criação (STOROLLI, 2011, p. 132).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Contando com aproximadamente trinta participantes, o processo se iniciou reunindo o


grupo em círculo, onde propus uma pulsação de 80 bpm utilizando palmas e posteriormente
sugeri que todos batessem os pés alternadamente acompanhando o tempo.
Se refletirmos, a significação real das figuras/células rítmicas está diretamente ligada
ao modo em que elas estão empregadas dentro de um pulso, isto é, tudo se relativiza quando
não há uma contagem inicial antes de executar determinado ritmo. Conforme podemos ver na
Figura 1, a matriz rítmica do gonguê exibida no primeiro compasso, exemplo trabalhado no
decorrer da oficina, pode ser interpretada de várias formas, já que a sonoridade desconexa,
livre de pulsação, é idêntica nos quatro exemplos.

Figura 1: Gonguê Maracatu de Baque Virado e possíveis compreensões da mesma rítmica.

Partindo dessa premissa, quando tratamos do ensino de ritmo, é de suma importância


que estejamos realmente cientes da pulsação, seja por meio de batidas dos pés, da dança,
enfim, a utilização do corpo "é um requisito básico e deve estar presente na situação da
prática e do ensino musical" (STOROLLI, 2011, p. 139), despertando nossa consciência
rítmica de forma sensorial e musical.
O trabalho rítmico pautado na oralidade evidentemente sugere a prática da escuta e
repetição, e foi partindo deste conceito que praticamos em grupo e de forma sincrônica todas
as células rítmicas exibidas e comentadas durante a apresentação teórica. Após desenvolver as
rítmicas utilizando palmas alicerçadas pelos movimentos corporais baseados em uma
pulsação comum, organizei pequenos grupos com 8 a 10 pessoas e propus que cada um
executasse uma célula rítmica referente a algum instrumento do baque (alfaia, gonguê,
acentos da caixa/tarol, abê). Este exercício fez com que cada grupo se mantivesse seguro da
rítmica estipulada sem se deixar influenciar pelo grupo vizinho, que estava executando uma
célula completamente diferente.
Com relação ao material didático, é fato que nem sempre dispomos do melhor e ideal
instrumental, espaço físico, dentre outras adversidades que comumente nos deparamos no dia

283
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

a dia. O instituto onde ministrei a oficina, por mais equipado que fosse, não dispunha do
instrumental percussivo tradicionalmente utilizado na prática do Maracatu, no entanto, é
importante termos a consciência de que podemos improvisar e utilizar da melhor forma o
material que nos é fornecido. Ainda sobre o instrumental, o instituto disponibilizou uma
bateria (bumbo, caixa, tom, surdo) que utilizei adaptando os tambores de acordo com o
timbre, ainda assim, tive a felicidade de contar com a participação especial de um músico
brasileiro, Jhoamy Lins, pernambucano radicado em Santiago do Chile, que gentilmente levou
alguns instrumentos (alfaia, abê e gonguê) e participou efetivamente da oficina.

Figura 2: Registro fotográfico da oficina de Maracatu de Baque Virado realizada no dia 24 de setembro de 2019
no Projazz Instituto Profesional em Santiago do Chile. https://www.youtube.com/watch?v=aFX3dbVMa0U.
Acesso em 27 de novembro de 2019.

Considerações finais
A experiência vivenciada nesta oficina em Santiago do Chile culminou numa série de
reflexões acerca da prática docente, sobretudo a relevância da cultura regional brasileira para
com a educação musical. Olhares atentos, o respeito para com a música e a cultura brasileira,
foram alguns aspectos que me chamaram a atenção e, evidentemente abriram a janela para o
universo de possibilidades que dispomos para a prática docente em seus diversos níveis.

Referências

FRUNGILLO, Mário D. Dicionário de Percussão. São Paulo: UNESP, 2002.

GUERA-PEIXE, César. Maracatus do Recife. São Paulo: Ricordi, 1956.

SANTOS, Climério de O.; RESENDE, Tarcísio S. Maracatu Batuque Book. Recife: Edição

284
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

do autor, 2005.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. As cores do som: estruturas sonoras e concepção estética na
musica afro-brasileira. Africa: Revista do centro de estudos africanos. USP, São Paulo, 22-23,
p. 87-109, 1999/2000/2001.

CARVALHO, José A. A utilização das linhas-guias na performance e no ensino da música


brasileira. In: I SIMPOM (1) - I Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música XV
Colóquio do Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO. Rio de Janeiro, 2010,
p.787-793.

MARACATU NAÇÃO ESTRELA BRILHANTE DO RECIFE (2002). Walter França


(Compositor). Recife: Independente, 2002. Suporte [Compact Disc].

NÓVOA, Antônio. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.


PENNA, Maura. Introdução. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz. Pedagogias em
educação musical. Curitiba: Ibepex, 2011. Páginas 13-24.

STOROLLI, Wânia M. A. O corpo em ação: a experiência incorporada na prática musical.


Londrina v.19, n.25, p. 131-140, 2011.

YOUTUBE.COM. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aFX3dbVMa0U>.


Acesso em: 29 de nov. 2019. Costa Velha (Nação Estrela Brilhante) | Maracatu -
Oficina/Taller Santiago do Chile. Veiculado em: 22 nov. 2010. Dur: 2m11s.
Notas

1
SANTOS, Climério de O.; RESENDE, Tarcísio S. Maracatu Batuque Book. Recife: Edição do autor, 2005, p.
27.
2
"mineiro Idiof. sac., s. M., pl. = 'mineiros’ – Ver “guaiá” (Brasil)". (FRUNGILLO, 2002, p. 212). "Guaiá Idiof.
sac., s. m., = 'guaiás – Tipo de “ganzá" feito com dois cones de metal unidos por um tubo que serve como
empunhadeira. É conhecido como "angóia", "ingóia" ou “mineiro”. (FRUNGILLO, 2002, p. 144).
3
Gongué ou gonguê é corruptela de ngonge, palavra de procedência banto. Designa o instrumento que consta de
duas chapas de ferro fundido com aço e ligadas entre si. De um dos lados sai um cabo do mesmo material, por
onde o musico o segura para executar. (GUERRA-PEIXE, 1956 p. 58).
4
A bateria de Cleber Almeida: adaptação de gêneros musicais nordestinos para o contexto da música do Trio
Curupira. Disponível em http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/335897
5
Músico (baterista, percussionista e compositor), educador e pesquisador.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Relato de observações ativas realizadas em grupos de ensino de flauta doce através do


Método Suzuki
Gabrielle Alvarenga
Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
gabrielle.alvarengag@gmail.com

Ilza Zenker Leme Joly


Universidade Federal de São Carlos- UFSCar
ilzazenker@gmail.com

Resumo: Este trabalho busca relatar a observação realizada, durante dois anos, em grupos de ensino
de flauta doce através do Método Suzuki. A metodologia utilizada foi a de observação participante e
pode-se notar que muitos dos aspectos ressaltados pela Filosofia Suzuki – em que o Método se baseia-,
estiveram presentes em tais aulas e no comportamento dos alunos, por exemplo, na técnica do
instrumento e na formação global do ser.

Palavras-chaves: Educação musical. Ensino coletivo. Flauta doce. Metodologia Suzuki.

1. Introdução
Este trabalho tem como objetivo relatar uma experiência como aluna de um curso de
Licenciatura em Música, em uma escola de música que tem como premissa a utilização da
Metodologia Suzuki e sua filosofia para o ensino de flauta doce. Minha participação se deu
como estagiária de quatro turmas de aulas coletivas de flauta doce, podendo observar e ao
mesmo tempo participar de atividades. Desse modo, a metodologia utilizada foi a observação
participante.
O Método Suzuki, tal como é chamado, foi criado por Shinichi Suzuki na metade do
Século XX, após a Segunda Guerra Mundial, sendo que ele próprio construiu o método para
violino e a filosofia na qual a metodologia se baseia. Na verdade, sua filosofia tem por base o
trabalho prático que ele desenvolveu no Japão logo após a Segunda Guerra Mundial. O único
livro de sua autoria, traduzido no Brasil é “Educação é amor: o método clássico da educação
do talento” que tem sido o norteador para toda a construção de sua metodologia em nosso
país. Nesse livro, ele relata suas observações feitas sobre o processo de aprendizagem de
crianças e bebês, já que percebeu que eles aprendem com facilidade sua língua materna – “as
crianças japonesas sabem falar o japonês” (SUZUKI, 1994, p. 9) - constatando que isso
ocorria por meio da interação com os membros da família (SUZUKI, 1994). Com isso, Suzuki
chegou à conclusão de que a maioria das pessoas é capaz de adquirir habilidades através de
repetição, do ambiente musical, do estímulo e do encorajamento familiar, sendo esses os
princípios da Filosofia Suzuki, além do tripé aluno, professor e pais (ASSOCIAÇÃO
MUSICAL SUZUKI, 2019).

286
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

A Filosofia criada por Suzuki, que acredita na participação dos pais para a formação
global do aluno como ponto essencial, é a base para a construção da metodologia. Através dos
laços familiares é possível realizar um ensino significativo do aluno, diz Suzuki. Em conjunto
com o professor, é possível construir o tripé essencial para o ensino: pais, alunos e professor,
sendo esse responsável por realizar um ensino humanizado que visa não somente construir
conhecimentos intelectuais, mas de construção de caráter (MONTANARI, 2019). Os pais,
nesse sentido, devem incentivar o estudo do aluno em casa, reforçar o que foi dito pelo
professor, proporcionar um ambiente estimulante que propicie a aprendizagem do aluno.
Sendo assim, a filosofia que é base para o ensino através do Método Suzuki o torna diferente
de demais Métodos de ensino de flauta doce, como o Monkemeyer, por exemplo, por se
preocupar com a forma pela qual os alunos irão aprender a técnica de seu instrumento, mas
também na formação do caráter desse aluno.
Para a flauta doce, o método foi adaptado por Katherine White, que estudou a filosofia
de Suzuki e foi até o Japão para que o próprio idealizador do método pudesse supervisionar
sua construção. White é formada em Educação Musical pela Quincy College, situada em
Massachusetts, EUA, e é professora certificada pelo Instituto da Educação do Talento no
Japão, além de ser Teacher Trainer reconhecida pela Associação Internacional Suzuki. Além
dela, existem mais quatro Teacher Trainers de flauta doce reconhecidos pela Associação,
sendo elas Mary Waldo (EUA), Kathleen Schoen (Canadá), Nancy Daly (Inglaterra) e Renata
Pereira (Brasil) (QUINTA ESSENTIA, 2015). Recentemente foi capacitado mais um Teacher
Trainer na Holanda, Jaap Delver.
Além da participação dos pais na aprendizagem do aluno – tanto em aula como ao
incentivar a prática regular em casa -, outro ponto que sustenta a Metodologia Suzuki são as
aulas em grupo. Por conta de todos os estudantes de um instrumento passarem pelas mesmas
etapas de ensino, utilizando a sequência de músicas ordenadas no Método, todos os alunos
sabem tocar o mesmo repertório. Utilizando a flauta doce como exemplo, todos os alunos
aprenderam a tocar “One Bird”, sendo essa a primeira música ensinada no livro 1 do
instrumento; consequentemente, um estudante do livro 3 saberá tocar “One Bird” e poderá
realizar aulas em grupos com o estudante que iniciou seu estudo no instrumento recentemente.
O professor é que deve se preocupar com a organização dos grupos, de modo a conduzi-los
sempre com motivação e com possibilidades de tocar um repertório estimulante.
Para o Método Suzuki, as aulas em grupo são oportunidades para que os alunos mais
avançados revisem peças antigas de seu repertório (sendo esse outro ponto importante para
formação musical), além de relembrar como as músicas, que agora são simples, já foram

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

difíceis e ajudar seus colegas iniciantes, o que corrobora para a colaboração entre os alunos.
Nesses momentos coletivos, também é possível realizar momentos nos quais cada aluno possa
realizar pequenas apresentações para seus colegas e responsáveis, criando situações de
exposição segura para os alunos. Conforme aborda Tourinho (2006), que resgata Tourinho e
Barreto (2003), as aulas em grupos também colaboram para o aprendizado do aluno iniciante
que, nessa situação, tem como referência seus colegas mais avançados, além de ser um bom
ambiente onde o professor pode trabalhar competências coletivas (TOURINHO, 2006;
BARRETO; TOURINHO, 2003).

2. Metodologia
O relato de experiência no presente trabalho se baseia na observação participante de
uma aluna de Licenciatura em Música da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). As
observações ocorreram no decorrer de dois anos (2018 e 2019), sendo acompanhadas quatro
turmas de aulas coletivas de flauta doce.
A princípio, as aulas de flauta ocorreram como uma atividade de extensão vinculada
ao Laboratório de Musicalização da universidade, porém, após seis meses de aulas nesse
espaço, os grupos migraram para uma escola particular na cidade de São Carlos.
Desde o início das aulas, a metodologia utilizada era a Suzuki, sendo que a professora
responsável é uma professora capacitada pela Associação Suzuki das Américas (SAA). As
aulas tinham duração de uma hora, sendo realizadas uma vez na semana. As quatro turmas
observadas tinham diferentes faixas etárias: a turma 1 era composta por alunos de dez a treze
anos; a turma 2 era formada pela faixa etária entre oito e onze anos; a turma 3 era formada por
crianças de cinco a oito anos; a turma 4 era composta apenas de adultos. Ao todo, as turmas
reuniam 21 alunos. Dessas quatro turmas, somente uma iniciou o livro no ano em que passei a
realizar as observações no projeto, sendo assim, pude acompanhar diversos momentos e
dificuldades dos alunos no processo de aprendizagem.
Considerando que o projeto teve início como uma atividade de extensão, não foi
possível realizar aulas individuais e em grupo com os alunos como prevê a Metodologia
Suzuki, porém, após a migração dos grupos para uma escola particular, começou-se a realizar
aulas individuais com os estudantes. Alguns poucos estudantes não puderam se organizar para
aulas individuais ainda, portanto, esses alunos participaram só das aulas em grupo.
Além dos grupos de flauta doce, foi possível acompanhar algumas aulas individuais de
alunos que participam dos grupos de flauta doce. Durante as observações das aulas, não
realizei a atividade somente de observação, mas também participei das aulas ativamente,

288
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

tocando ou acompanhando o aluno, o que caracteriza minha ação como a de observadora


participante.
Fino define a observação participante como: “A observação participante activa (active
membership) é a escolha dos investigadores que tentam adquirir um estatuto no seio do grupo
em estudo e desempenhar um papel nesse grupo, mas mantendo sempre uma certa
distância”(FINO, 2003 p. 4-5). Ou seja, o observador participante ativo tem como finalidade
observar as aulas ao mesmo tempo em que pode participar ativamente da mesma, não tendo
um papel principal. Outro papel importante do observador participante é a possibilidade de
ampliação da realidade do observador, através da interação do mesmo com o meio em que
está inserido (QUEIROZ et al, 2007, p. 281).
Sendo assim, uma das funções da pesquisadora dentro das aulas em grupo era a de
tocar os arranjos para quarteto de flautas doce, das músicas do livro 1 e 2 do Método Suzuki
para a flauta doce, além de também tocar as melodias principais das músicas em outras
ocasiões, auxiliando os alunos com dificuldade com articulação e dedilhado, por exemplo.
O trabalho que agora apresentamos é resultado de uma pesquisa qualitativa, usando a
observação participante como metodologia. A pesquisa qualitativa tem como metodologia a
vivência do processo que está sendo investigado. Por isso é importante anotações sistemáticas
daquilo que se vê, ouve e vive.
De acordo com Queiroz et al (2007), a observação participante é uma das técnicas
muito utilizadas pelos pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa e consiste na
inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo
por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que
significa estar naquela situação. As autoras apontam para algumas etapas importantes desse
processo de pesquisa.
Na primeira delas, há a aproximação do pesquisador ao grupo social em estudo. Esse é
um trabalho longo e difícil, pois é preciso que o pesquisador seja aceito em seu próprio papel,
isto é, como alguém externo, interessado em realizar, juntamente com a população, um
estudo. Essa aproximação, que exige paciência e honestidade, e é a condição inicial necessária
para que o percurso da pesquisa possa, de fato, ser realizada de dentro do grupo com a
participação de seus membros enquanto protagonistas e não simples objetos.
Já na segunda etapa, dizem as autoras,
há o esforço do pesquisador em possuir uma visão de conjunto da comunidade
objeto de estudo. Essa etapa pode ser operacionalizada com o auxílio de alguns
elementos, como o estudo de documentos oficiais, reconstituição da história do
grupo e do local, observação da vida cotidiana, identificação das instituições e
formas de atividades, levantamento de pessoas-chave (conhecidas pelo grupo) e a

289
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

realização de entrevistas não diretivas com as pessoas que possam ajudar na


compreensão da realidade. Os dados devem ser registrados imediatamente no diário
de campo, para não haver perda de informações relevantes e detalhadas sobre os
dados observados. Caso não seja possível o registro imediato, sugere-se o uso do
recurso de filmagens, fotos ou entrevista (QUEIROZ et al 2007, p. 279).

Para essa pesquisa foram utilizados registros em vídeos e muitas fotos, que serviram
como recurso de memória e muitas reflexões com a professora coordenadora do projeto, na
tentativa de compreensão e aprofundamento das questões vivenciadas em aula.
Finalmente as autoras apontam que,
após a coleta dos dados, passa-se à terceira fase, na qual é preciso sistematizar e
organizar os dados, o que corresponde a uma etapa difícil e delicada. A análise dos
dados deve informar ao pesquisador a situação real do grupo e sobre a percepção
que este possui de seu estado (QUEIROZ et al 2007, p. 279).

Não há limite temporal e espacial para a observação participante, visto que as


pesquisas qualitativas se caracterizam pela utilização de múltiplas formas de coleta de dados.
O consumo de tempo, entretanto, só parece ser excessivo quando comparado ao tempo
despendido em pesquisas baseadas em aplicação coletiva de questionários e testes. Dessa
forma, o consumo de tempo é inerente à necessidade de apreender os significados de fatos e
comportamentos.

3. Resultados
Após dois anos de observação das aulas em grupos e individual, foi possível notar o
desenvolvimento musical e pessoal dos alunos participantes dos grupos de flauta doce. Em
relação aos conhecimentos musicais, foi observada a construção do conhecimento técnico
sobre a flauta doce, como o dedilhado das notas, uma boa sonoridade, diferentes articulações
e elementos de interpretação e ornamentação, tão fundamentais na flauta doce.
Uma dificuldade encontrada em muitos alunos de flauta doce é a sonoridade das notas
graves, porém, foi possível observar que nos alunos que iniciam seus estudos do instrumento
a partir da Metodologia Suzuki não se verificou essa dificuldade. Acredita-se que essa
dificuldade não seja encontrada nos alunos Suzuki em função de que as primeiras notas
aprendidas na flauta doce são as notas Ré, Mi e Fá#, ou seja, as notas graves. Percebeu-se
uma facilidade na sonoridade dos alunos tanto nas notas graves – que precisam de mais ar-
quanto nas notas agudas – que precisam de menos ar do que as graves. Com isso, acredita-se
que o início da aprendizagem do instrumento a partir das notas graves resolve alguns
problemas futuros referentes à sonoridade.
Outro ponto observado é a articulação dos alunos, sendo que a primeira articulação
aprendida é a consonante “t” com staccato, que reforça a maneira na qual deve-se tocar a

290
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

flauta doce. Com isso, percebe-se que a maioria dos alunos desenvolve uma facilidade no
aprendizado de outras articulações, como as consoantes “d” e “r”. Além disso, as ligaduras e
trinados são realizados pelos alunos com segurança e familiaridade. No livro 2 os alunos já
aprendem a articulação dupla (“tk” e “dg”).
Conforme dito anteriormente, no Método Suzuki há um repertório a ser seguido, sendo
possível perceber que enquanto os alunos esperam para começar as aulas em grupos, eles
tocam as músicas recentemente aprendidas nas aulas individuais e, muitas vezes, na semana
seguinte, o aluno que observou a “apresentação” do colega chega na aula sabendo tocar a peça
completa ou mesmo pedaços da peça, pedindo ajuda para descobrir novas notas que ainda não
aprendeu. Nesses momentos, pode-se verificar que os alunos mais avançados se organizavam
como “tutores” desses alunos com dúvidas, e sempre tocavam as músicas em comum e novas.
Isso constata a colaboração dos alunos entre si, como Suzuki já havia ressaltado a importância
no processo de aprendizagem dos alunos e na formação global do cidadão.
Uma das críticas a essa metodologia é a abordagem de um repertório erudito europeu,
mas é preciso dizer que os professores brasileiros, assim como professores de outros países,
têm tido o cuidado de introduzir um repertório nacional, regional e local, correspondente à
técnica que o aluno domina. Dessa forma, músicas do folclore brasileiro e de compositores
como Vilani Cortes, Eduardo Gramani, Villa Lobos, Pixinguinha e outros compositores
costumam ser trazidos para o repertório Suzuki de flauta doce.

4. Discussão final
Neste trabalho buscou-se realizar um relato de experiência, através da observação
participante, sobre aulas de flauta doce que ocorrem em um projeto de aulas em grupo
utilizando da Metodologia Suzuki.
Pode-se verificar que muitos aspectos considerados como fundamentais pela Filosofia
Suzuki, tanto nas aulas individuais – que trabalham dificuldades e aprendizagens individuais
dos alunos –, quanto as aulas em grupos – dedicadas aos aspectos sociais e colaborativos –,
mostram-se efetivos na progressão do aprendizado musical e da relação interpessoal, em que
se destacam momentos de colaboração e diálogo.
Nas observações, constatou-se que a Metodologia Suzuki obtém grande sucesso na
aprendizagem de instrumentos musicais, no caso específico, a flauta doce. Durante os dois
anos de observação, foi possível perceber o amadurecimento de técnicas musicais com
articulação, fraseado, sonoridade, dentre vários outros aspetos.

291
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Referências
ASSOCIAÇÃO SUZUKI. Disponível em: <http://www.associacaomusicalsuzuki.com.br/
metodologia-suzuki/>. Acesso em: 28 de nov. de 2019. Metodologia Suzuki. Texto veiculado
pelo sitio eletrônico da Associação Suzuki, s/d.

FINO, Carlos Manuel Nogueira. FAQs, etnografia e observação participante. SEE – Revista
Europeia de Etnografia da Educação. n. 3, 2003. Disponível em: <https://digituma.uma.pt/
handle/10400.13/806>. Acesso em: 28 de nov. 2019.

ILARI, Beatriz. Shinichi Suzuki. In: MATEIRO,Teresa; ILARI, Beatriz. Pedagogias em


educação musical. Curitiba: InterSaberes, p.185-218, 2012.

MONTANARI, Eunice Anália Soares Andrade. Contribuições para a formação docente:


Uma narrativa autobiográfica a partir da experiência com o Método Suzuki. Curitiba: CRV,
2019.

QUEIROZ, Danielle Teixeira; VALL, Janaina; ALVES E SOUZA, Ângela Maria, VIEIRA,
Neiva Francenely Cunha. Observação participante na pesquisa qualitativa: conceitos e
aplicações na área da saúde. Revista Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, v. 15, n. 2. p. 276-
283. Disponível em: <http://www.facenf.uerj.br/v15n2/v15n2a19.pdf>. Acesso em: 27 nov.
2019.

QUINTA ESSENTIA. Disponível em: <http://quintaessentia.com.br/en/post/renata-teacher-


trainer/>. Acesso em: 26 março 2019. Agora o Brasil tem um professor de flauta doce SAA.
Texto veiculado pelo sitio eletrônico do grupo Quinta Essentia. Veiculado em 08 jan. 2015.

SUZUKI, Shinichi. Educação é amor: um novo método de educação. 2. Santa Maria: Editora
Pallotti, 1994. 101 p.

TOURINHO, Cristina; BARRETO, Robson. Oficina de Violão. Salvador: Quarteto Editora,


2003.

TOURINHO, Cristina. Ensino Coletivo de Violão e Princípios da Aprendizagem


Colaborativa. In: Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical (2) e
Encontro Regional da Abem – Centro-Oeste (6), 2006, Goiânia. Anais...Goiânia: [s/n], 2006.
p. 90-96.

292
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Utilización de Pure Data y Musescore como herramientas para la educación musical y


desenvolvimiento creativo
Paula Fernanda Alfaro Barrales
UNICAMP
paula.alfarobarrales@gmail.com

Adriana do Nascimento Araújo Mendes


UNICAMP
aamend65@gmail.com

Resumen: El presente trabajo pretende reflexionar a respecto de la utilización de las nuevas


Tecnologías de la Información y Comunicación en la educación musical, y cómo estas pueden ampliar
el conocimiento musical y favorecer el desenvolvimiento creativo de los alumnos, fueron analizadas
tres actividades con uso de tecnologías. Estas actividades pueden ser utilizadas, por profesores, como
complemento de sus clases de música, para trabajar creatividad musical melódica y tener una primera
aproximación a la armonía musical y conceptos musicales. Finalmente será presentado un ejemplo de
utilización de las actividades propuestas, realizada con alumnos del “Programa Institucional de Bolsa
de Iniciação Científica - Ensino Médio” de la Universidad Estadual de Campinas.

Palabras clave: Educación musical. Tecnologías de la información y comunicación (TIC).


Creatividad. Software libres.

Introducción
“Recursos Tecnológicos para estímulo a la creatividad musical” es un proyecto de
iniciación científica para alumnos de educación media, dentro del contexto del “Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação Científica - Ensino Médio” (PIBIC-EM) de la Universidad
Estadual de Campinas (UNICAMP). Tiene como propósito investigar juegos y aplicaciones
en internet que puedan ser utilizados para educación musical, detectando si estos juegos
pueden estimular la creatividad de los usuarios, para finalmente organizar un archivo digital
con juegos y aplicaciones que puedan ser útiles para profesores de música. En él, participaron
tres alumnos, dos mujeres y un hombre, de dos escuelas públicas diferentes de la ciudad de
Campinas: “Escola Estadual Professor Francisco Alvares” e “Escola Estadual Carlos Gomes”,
y tres monitores/profesores que guían el proyecto bajo la coordinación de la profesora
Adriana Mendes. Fue realizada, a través de internet, una investigación de sitios web,
aplicaciones y software disponibles para música y educación musical.
Además de investigar juegos y aplicaciones en internet para crear el archivo digital,
durante el proyecto ha sido necesario realizar algunas clases de conceptos musicales, teoría y
lectura musical ya que los alumnos nunca han tenido clases de música en sus respectivas
escuelas. Todas las actividades han sido realizadas en el Laboratorio de Licenciatura en
Música del Instituto de Artes de la UNICAMP, en encuentros de tres horas dos veces por
semana, con utilización de tres computadores proporcionados por el programa PIBIC-EM.

293
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

1. Tecnologías para la educación musical


Las Tecnologías de Información y Comunicación (TIC) han sido una contribución
indiscutible para la educación musical, que ha permitido facilitar algunas actividades
necesarias como planificación de clases, tareas administrativas, entre otras, y han sido
introducidas en las salas de clases, permitiendo integración, nuevas propuestas creativas,
motivación de alumnos y alumnas, y mayor proximidad con las nuevas generaciones, que
están tan familiarizadas con estos recursos. Traen así, nuevos desafíos para los profesores. De
acuerdo con Krüger (2006), estos desafíos nos llevan a:
transformar nuestros conceptos educacionales, nuestras perspectivas didácticas, nos
obligan a revisar y complementar nuestra formación, nos llevan a reflexionar sobre
las nuevas posibilidades y demandas con respecto a las interacciones con nuestros
estudiantes y colegas (KRUGER, 2006. p. 75, traducción nuestra)1.

A pesar de todos estos beneficios que percibimos, que demuestran la importancia de la


utilización de tecnologías en los procesos educativos y de formación, podemos observar un
cierto recelo al uso de tecnologías en las escuelas. Esto puede ser debido a una falta de
voluntad, por parte de profesores, para aprender a usar las tecnologías y transformar sus
clases, pero también puede ser producido por una falta de recursos tecnológicos en las
escuelas. Como profesores, podemos pensar en realizar diversas actividades con uso de
tecnologías en clases, pero no siempre existen los recursos y materiales para realizarlas.
Por esto, el presente trabajo trae una propuesta de utilización de tecnologías de libre
acceso en sala de clases, con el objetivo de permitir desenvolvimiento creativo musical en
alumnos, además de una primera aproximación al concepto de melodía y armonía musical.
Para esto, fueron utilizados los software libres Pure Data (PD) y Musescore, que serán
detallados más adelante.
Este proyecto está basado en la creciente influencia de las TIC en la sociedad y en la
educación, que como fue mencionado anteriormente, vuelven necesaria una constante
reflexión sobre el uso de estas herramientas tecnológicas como contribución para los procesos
educativos. Además de esto, se basa en que el juego y actividades lúdicas, inseridas en la
educación musical, pueden generar curiosidades y preguntas, estimulando, con esto, la
creatividad y produciendo una mayor participación de parte de los alumnos, generando un
ambiente activo en las clases.
Como fundamento para el desenvolvimiento creativo e importancia de lo creativo en
la educación, tomamos la visión de Keith Swanwick y June Tillman (1986) con la teoría
espiral de desenvolvimiento musical y el modelo C(L)A(S)P de Swanwick (1979). Ambas
teorías/modelos, destacan la importancia de la creatividad musical. La primera fue realizada a

294
XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

partir de análisis de composiciones musicales de niños entre 3 y 15 años, para dividir niveles
de desarrollo musical basados en la teoría de desarrollo cognitivo de Piaget. El modelo
C(L)A(S)P — Composición, Literatura musical, Apreciación, Técnica (skill acquisition) y
Performance — nos presenta la importancia de un aprendizaje musical basado en la vivencia
de todos los parámetros de la música, sin centrarse únicamente en el aprendizaje de conceptos
musicales abstractos, ampliando el aspecto creativo en la educación musical y dejando de lado
la idea de que el profesor actúe como un transmisor de información. Permitiendo, con esto, al
alumno relacionarse con la música de una forma más completa e inmersiva.
Seguidamente serán expuestas tres software o aplicaciones educativas musicales y
cómo estas pueden relacionarse con la creatividad musical, para introducirla en la educación
musical de una forma lúdica y espontánea. Estas actividades siempre son pensadas como un
complemento a la educación musical en sala de clases.

2. Software educativos musicales para desenvolvimiento de la creatividad


Fueron utilizados y estudiados 25 juegos y aplicaciones encontradas en internet y en
smartphones con el fin de analizar su uso en el contexto educativo y creativo. Para este
trabajo, serán presentados dos ejemplos que los alumnos escogieron como más completos y
mejor estructurados más una actividad realizada con los software Pure Data y Musescore.

2a. Song Maker


El recurso Song Maker pertenece a un conjunto de módulos y experimentos para
educación musical, creados por Google, llamado Chrome Music Lab2. Este módulo funciona
como un secuenciador melódico y rítmico que introduce colores y figuras geométricas para
relacionarlas con los sonidos. Como se puede apreciar en la parte superior de la figura 1, las
secuencias melódicas que pueden ser creadas, son ordenadas por notas que están relacionadas
a un color específico. Las secuencias rítmicas son representadas por las figuras geométricas
triángulo y círculo (en la parte inferior de la figura 1).
Este recurso es muy completo y permite diferentes acciones al usuario, entre estas:
modificar timbre y tempo, introducir notas tocando un instrumento o cantando a través del
micrófono integrado, guardar el archivo en formato WAV, MIDI 3 o en un link para futuras
modificaciones. Todas estas acciones permiten mayores libertades a la hora de crear en Song
Maker.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Fig. 1. Secuencia melódica en colores y rítmica en figuras geométricas en el secuenciador Song Maker de
Chrome Music Lab.

Los comentarios de los alumnos sobre este recurso fueron positivos, destacando la
importancia de escoger diversos timbres, y la modificación del tempo, ya que esto podría
permitirles utilizar la secuencia creada en diferentes contextos musicales. Para los alumnos,
este recurso fue el más completo y estimulante para creación musical por su simplicidad y
utilización de colores y figuras. Esto último ayuda a la estimulación creativa ya que posibilita
la asociación de características y elementos musicales desde nuevas perspectivas.

2b. Music Blox


Music Blox4 es un secuenciador disponible en internet, que funciona a través de
Adobe Flash Player5. Como se puede observar en la figura 2, el formato es bien simple: es un
cuadrado subdividido en 256 cuadrados más pequeños, donde cada uno representa una nota
diferente, estos son ordenados de forma linear, de izquierda a derecha en el tiempo y de arriba
a abajo en altura (agudo - grave), utilizando una escala pentatónica.

Fig. 2. Secuencia melódica creada en Music Blox.

Los comentarios de los alumnos sobre este secuenciador fueron positivos también,
destacando que permite libertad para crear secuencias melódicas y que la visualización simple

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del secuenciador permite tener una idea más literal de lo que se está creando. Music Blox
posibilita que el alumno modifique altura y duración de los sonidos y los visualice de forma
inmediata, realizando una libre creación de secuencias melódicas. Además de esto, permite la
inserción y visualización de sonidos simultáneos entregando una aproximación a los
conceptos de armonía. A través del estímulo visual, amplía la comprensión de los alumnos
con respecto a los parâmetros de altura y duración.

2c. Utilización de PD y Musescore en una actividad interactiva


Como parte de la investigación de maestría de la autora, fue creado un gráfico
interactivo que permite la creación de secuencias melódicas en el software PD, que es un
software libre, de lenguaje de programación visual, desenvolvido por Miller Puckette en los
años 90. El software fue desarrollado y pensado tanto para creación de música electrónica y
electroacústica, como para procesamiento de audio, y en él pueden ser modificados todos los
parâmetros en tiempo real. Una de las características más importantes que PD tiene es que
permite la conexión con otros software de audio.
Como se puede observar en la figura 3, el gráfico interactivo programado, permite
crear, una línea melódica de 8 notas que pertenecen a una escala pentatónica de Do Mayor, las
cuales son reproducidas en un loop6. Para esto, fueron programadas las acciones (en la parte
izquierda de la figura 3), colocando un metrónomo, un módulo de 8 notas para que solo pueda
haber esa cantidad de notas en el gráfico, dos objetos [tabread] que leen lo que está escrito en
el gráfico, luego un objeto [+60] que transforma las notas en notas MIDI, permitiendo
conectar el programa con otro a través de esta interface. Todas estas acciones pueden ser
modificadas para gusto del usuario.
Se pidió a los alumnos crear colectivamente una melodía en el gráfico proporcionado,
permitiéndoles, de esta forma, tener una experiencia creativa melódica de manera intuitiva en
una primera instancia. Después de finalizada la creación melódica, fue hecha una conexión, a
través de MIDI, con el programa Musescore, que es un software libre para edición, creación y
reproducción de partituras musicales. Esta conexión MIDI entre los dos programas, permite
que la melodía creada en PD, sea escrita en formato de partitura en Musescore
instantáneamente, y también permite modificaciones en tiempo real. O sea, si los alumnos
modifican alguna nota en el gráfico (en PD), esta será modificada en la partitura (en
Musescore). Finalizada la escritura de la melodía en Musescore, se pidió a los alumnos que,
guiados por la profesora, introdujeran un sistema de pentagrama de piano para crear,
individualmente, una armonía a 4 voces sobre la melodía creada colectivamente, utilizando

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exclusivamente las notas de la escala pentatónica de Do Mayor, que fue presentada a los
alumnos en una clase teórica anterior.

Fig. 3. Creación del gráfico interactivo en Pure Data. A la izquierda se muestra la programación. A la derecha se
muestra el gráfico interactivo.

Como los alumnos no han tenido clases de música en sus escuelas durante toda su
trayectoria estudiantil, esta actividad pudo permitir una aproximación de los conceptos de
melodía y armonía, de una forma lúdica y creativa, colectiva e individualmente, diferente de
las clases teóricas proporcionadas dentro del proyecto. Como ejemplo, en la figura 4 se puede
observar el resultado de la actividad de uno de los alumnos.

Fig. 4. Resultado final de la creación melódica y armónica del alumno 1.

Al preguntarle a los alumnos sobre los resultados obtenidos, y observaciones sobre la


actividad en general, expresaron que el gráfico interactivo era un poco más simple que los que
fueron analizados anteriormente, pero destacaron que era muy práctico y didáctico que la
melodía creada en el gráfico fuera escrita en la partitura de Musescore automáticamente. En
cuanto a la actividad de armonización, la calificaron como satisfactoria, por que al utilizar la

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escala pentatónica, la preocupación por hacer algo que “suene bien” no es tan grande, y que es
interesante para tener una noción inicial sobre lo que es armonía y melodía. En general
reaccionaron con sorpresa por el hecho de sentir la escritura de partituras más simplificada a
partir de la actividad realizada. Expresaron, también, que la actividad visualmente parecía un
poco complicada por tener la programación del gráfico interactivo en la misma pantalla, lo
que hacia la actividad un poco confusa sin guia de la profesora.

3. Consideraciones finales
El presente trabajo presenta una propuesta de enseñanza inicial de música,
específicamente de los conceptos de melodía, armonía y lectura de partitura, con un enfoque
creativo, lúdico y desde la práctica. Las posibilidades de construcción de aplicaciones y las
posibilidades de utilidades que permiten los software PD y Musescore son múltiples, lo que
produce efectividad en la utilización de ellos.
La experiencia de crear musicalmente en un ambiente lúdico puede ser relevante para
los alumnos, y puede traer muchos beneficios para el aprendizaje musical. Posibilitar la
libertad de escoger sonidos para crear una melodía en un secuenciador, permite un interés y
una aproximación mayor a los contenidos musicales, además de esto, la utilización de colores
y figuras geométricas permite una asociación más profunda de los conceptos musicales.
Empíricamente fue posible observar un entendimiento más rápido de los símbolos
musicales en la partitura, o, equivalentemente, una asociación más rápida entre sonidos y
símbolos. Además hubo una diferencia notoria en la motivación de los alumnos al trabajar
estos conceptos a través de recursos tecnológicos.
Con esto, un trabajo futuro importante sería realizar esta actividad más veces
utilizando una herramienta de evaluación para determinar cuantitativamente las mejoras que
producen el uso de estas herramientas en la comprensión de los elementos musicales y en la
creatividad.

Referências

FRANÇA, Cecília Cavalieri; SWANWICK, Keith. Composição, apreciação e performance na


educação musical: teoria, pesquisa e prática. Em Pauta, Porto Alegre, v. 13, n. 21, p. 5 - 41,
2002.

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

KRÜGER, Susana Ester. Educação musical apoiada pelas novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TIC): pesquisas, práticas e formação de docentes. Revista da Abem, Porto
Alegre, v. 14, p. 75-89, 2014.
SWANWICK, Keith. A Basis for Music Education. 9º Ed. London: The NFER-NELSON
Publishing Company Ltd., 1991.
SWANWICK, Keith. Music, mind, and education. New York: Routledge, 1988.

Notas
______________________
1
[...] transformar nossos conceitos educacionais, nossas perspectivas didáticas, nos constrangem a rever e
complementar nossa formação, nos levam a refletir sobre as novas possibilidades e exigências quanto às
interações com nossos alunos e colegas.
2
https://musiclab.chromeexperiments.com/
3
MIDI es la sigla para Musical Instrument Digital Interface. Es un lenguaje de comunicación digital que permite
que diferentes hardware y software se comuniquen entre sí.
4
http://www.games.do/games/music_blox
5
Adobe Flash Player es un programa que funciona como reproductor multimedia.
6
Palabra en inglés que se traduce directamente al español como bucle o ciclo. Es un proceso, sistema o
estructura circular y cíclica, la cual se repite y termina donde comienza.

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Utilizando o software livre Lilypond para a educação musical inclusiva do deficiente


visual
Bianca Andreo
UNICAMP
biaandreo@hotmail.com

Vilson Zattera
UNICAMP
vilson.zattera@gmail.com

José Fornari
UNICAMP
fornari@unicamp.br

Resumo: Grande parte da produção acadêmica que trata da inclusão de alunos ou intérpretes com
deficiência visual considera a musicografia braille como um fator indispensável na formação musical
dos mesmos. No entanto, pouco estudam ou sequer comentam sobre as possibilidades de utilização de
novas tecnologias em um contexto inclusivo. Este artigo trata da utilização do Lilypond, uma
ferramenta computacional de edição de notação musical bastante conhecida e utilizada por estudantes
e/ou músicos profissionais, devido à sua versatilidade e, neste contexto, sua acessibilidade aos
deficientes visuais

Palavras-chave: Educação musical. Educação inclusiva. Ensino coletivo.

1. Introdução
Se compararmos a variedade de recursos gráficos disponíveis para representar os
símbolos musicais em pauta impressa com seu equivalente, em musicografia braille, podemos
observar que esta forma de escrita é limitada para representar todos os símbolos da notação
musical impressa, como partituras, songbooks etc. Além disso, entre outros motivos que
corroboram para a grande escassez de materiais transcritos em braille, tem-se o fato do alto
custo que envolve a edição e a produção de partituras impressas em braille, dificultando à
PCDV (pessoa com deficiência visual) o acesso a um estudo mais sistematizado da Música e
as relações de ensino e aprendizagem entre aluno e professor.
Na figura 1 tem-se um exemplo de musicografia braille:

Figura 1: Exemplo de Musicografia braille, onde as notas são descritas através do alfabeto Braille. Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Musicografia_Braille#/media/Ficheiro:Braillemusicsummary.gif.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Outro motivo que pode explicar essa dificuldade de produção e disponibilidade de


materiais em formato acessível é a complexidade que envolve a transcrição da partitura visual
para a partitura braille, já que é um desafio a transcrição de uma imagem feita de símbolos
gráficos, com múltiplos significados e convenções presentes numa partitura impressa, para
um sistema que usa exclusivamente caracteres braille (que possuem um número limitado de
possibilidade de representações) para descrever a multiplicidade de símbolos musicais.
O presente artigo relata uma pesquisa de iniciação científica em andamento da autora
principal deste trabalho, a qual busca explorar possibilidades de softwares livres e acessíveis
para o estudante PCDV, no ensino musical de acessibilidade recíproca, de forma a tornar a
comunicação entre músicos videntes (que enxergam) e os músicos PCDV mais efetiva.
Esta pesquisa se justifica também pelo fato de que a musicografia braille usa os
mesmos símbolos do alfabeto textual braile para representar uma partitura impressa, conforme
visto na figura 1. O fato do sistema braille ser formado por 63 sinais básicos (64 incluindo a
cela em branco) faz com que muitas vezes precisemos usar duas ou mais celas em braille para
representar os vários símbolos utilizados na música impressa e, além disso, a musicografia
braille possui uma sintaxe própria para cada contexto no qual está sendo empregado (Bonilha,
2010). As figuras 2 e 3 apresentam exemplos de um trecho musical. Na figura 2, tem-se um
trecho melódico e na figura 3, tem-se um trecho harmônico, em notação convencional
(abaixo) e musicografia braille (acima).

Figura 2: Exemplo de um trecho melódico em notação musical (abaixo) e musicografia braille (acima). Fonte:
NOVO MANUAL INTERNACIONAL DE MUSICOGRAFIA BRAILLE. Recompilado por Bettye Krolick.
Brasília 2004. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/musicabraile.pdf (página 20).

Figura 3: Exemplo de um trecho harmônico em notação musical (abaixo) e musicografia braille (acima). Fonte:
NOVO MANUAL INTERNACIONAL DE MUSICOGRAFIA BRAILLE. Recompilado por Bettye Krolick.
Brasília 2004. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/musicabraile.pdf (página 38).

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XIII Encontro de Educação Musical
da Unicamp - 2020

Assim sendo, todos os símbolos em braille têm um caráter ambíguo, dependendo de


onde estes estão sendo empregados. Como por exemplo, na matemática, química ou música,
os mesmos caracteres assumem diferentes significados, portanto, transcrever uma partitura
impressa para o braille exige uma grande capacidade de abstrações e conhecimento da
musicografia braille, o que a torna bastante complexa para abarcar as diversas representações
gráficas presentes na escrita musical impressa.

2. Ferramentas de software livre e comercial


As ferramentas de software livre obedecem às quatro liberdades fundamentais,
conforme definidas pela Free Software Foundation (https://www.fsf.org): a liberdade do
usuário ou programador: usar, copiar, distribuir e modificar um software livre (desde que
depois distribua a nova versão também como software livre). Com isso existem milhares de
softwares livres desenvolvidos por comunidades de programadores espalhados pelo mundo.
Estes desenvolvem softwares em praticamente todas as áreas de interesse, inclusive música.
Atualmente podemos contar com muitos softwares livre para o estudo e prática
musical, entre eles, dois softwares que utilizamos neste trabalho, o Lilypond
(www.lilypond.org) e o Audacity (www.audacityteam.org). No entanto, no caso das
ferramentas específicas para a acessibilidade musical, a iniciativa em desenvolvimento de
softwares livre é incipiente. Dos softwares comerciais desenvolvidos para este propósito (ou
seja, aqueles que não precisam respeitar as quatro liberdades acima mencionadas), tem-se, o
Lime Alllowed & GoodFeel (http://www.dancingdots.com/main/productsandservices.htm) e o
Braille Music Editor (https://www.irifor.eu/bme/), que são softwares altamente confiáveis
comerciais para a transcrição de partituras em braille, no entanto, com um custo bastante
elevado e muitas vezes inacessível para a grande maioria dos músicos PCDV.
Os softwares gratuitos que estão disponíveis na internet para este fim, como o
FreeDots (https://delysid.org/freedots.html), Braille Music Reader
(http://www.music4vip.eu/braille_music_reader), Braille Music Viewer
(https://tobyrush.com/braillemusic/viewer/), Braille Music Notator
(http://tobyrush.com/braillemusic/notator/), entre outros, pararam de ser atualizados e/ou são
bastante básicos, atendendo para a iniciação musical do PCDV.
Pensando nisso, a pesquisa aqui apresentada foca na busca de softwares livres que
possam ser manipulados com autonomia pelas PCDV (mesmo não usando a musicografia
braille), assim proporcionando uma maior e melhor interação musical entre pessoas com e
sem deficiência visual, já que para o músico vidente a musicografia braille é tão inacessível

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XIII Encontro de Educação Musical
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quanto a partitura impressa para o músico PCDV. O interesse desta pesquisa é criar uma
ponte de acessibilidade mútua entre músicos videntes e cegos, utilizando softwares livres que
permitam formar este caminho de mão dupla, o que é chamado de acessibilidade recíproca
(PENTEADO, 2017.)

3. Metodologia
Baseado na ideia de explorar possibilidades dos softwares livres com acessibilidade
recíproca (PENTEADO, 2017), a pesquisa vem procurando softwares que tenham uma
interface acessível e que correspondam à ideia de desenho universal (CALETTO;
CAMBIAGHI, 2008), possibilitando que músicos PCDVs tenham autonomia para ler e
escrever partituras em notação musical tradicional, e que assim possam interagir
musicalmente com quaisquer tipos de músicos (videntes ou não).
Nos softwares em avaliação, estão sendo testados a interação com algumas tecnologias
de comunicação e informação, as TIC (Santos, 2015) , principalmente leitores de tela, como o
JAWS (https://www.freedomscientific.com/products/software/jaws/), o NVDA
(http://www.nvda.pt/pt-pt) e o equipamento Braille Display (ou Linha Braille), uma interface
que pode ser conectada ao computador ou ao smartphone por USB ou sem-fio (via protocolo
Bluetooth) e que trabalha em conjunto com leitores de tela, permitindo ao usuário acesso à
escrita e leitura da tela convertida para braille e das informações em texto das linhas contidas
na tela do computador, isto torna o acesso computacional para o PCDV rápido e intuitivo,
porém não recíproco.
Dentro dos parâmetros propostos, muitos dos softwares pesquisados foram descartados
e o mais promissor até o momento foi o Lilypond por apresentar uma linguagem textual mais
próxima à convencional, porém com a possibilidade de acesso à partitura através de comandos
em texto, que o torna acessível aos leitores de tela, possibilitando, assim, a troca musical
recíproca entre os alunos com e sem deficiência visual. Desta maneira, descrevemos com mais
detalhes o software livre Lilypond, tentando esclarecer como este pode se tornar uma
ferramenta efetiva de acessibilidade e inclusão musical recíproca.
O Lilypond é um software livre de criação e edição de partituras a partir de texto. A
maioria dos softwares de edição de partituras usados tradicionalmente para a escrita musical
tem suas interfaces predominantemente gráficas (Graphical user interface- GUI) e usam o
mouse como recurso principal de interação para inserção de elementos na partitura, o que é
completamente inacessível às PCDV. Estes softwares geram uma partitura que não consegue
ser lida pelos leitores de tela usados por PCDV. Tais leitores transmitem ao usuário toda a

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XIII Encontro de Educação Musical
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informação escrita, mas não conseguem decodificar imagens e gráficos, tornando os softwares
de edição de interface gráfica, e consequentemente as partituras escritas neles, inacessíveis às
PCDV, que necessitam do leitor de tela para ter acesso à informação digital. O Lilypond, por
usar somente texto para a inserção de símbolos e notações musicais, possibilita a leitura e a
escrita da partitura convencional (não apenas daquela em musicografia braille) para a PCDV a
partir do leitor de tela e do teclado convencional do computador.
Além disso, o Lilypond usa os mesmos caracteres da musicografia tradicional para a
inserção de elementos à partitura escrita, deixando a linguagem bastante intuitiva para o
músico. Assim, para a inserção de alturas serão usados “a” para a nota Lá, “b” para a nota Si e
assim por diante. Para a inserção de figuras rítmicas são usados os números sendo
1=semibreve, 2=mínima, 4=semínima, etc. Na figura 4 tem-se um exemplo simples da
programação textual de uma partitura em Lilypond:

Figura 4: Exemplo simples de programação de partitura musical em Lilypond. Fonte:


http://lilypond.org/doc/v2.18/Documentation/learning/bar-lines-and-bar-checks

O Lilypond foi desenvolvido com uma programação em linguagem C (linguagem de


programação de nível intermediário e flexível, permitindo personalizações) e usa para além
dos caracteres da musicografia tradicional alguns comandos escritos para outras funções e
para identificar acordes e outras informações da partitura.
O software se torna uma boa alternativa no ensino musical coletivo por trazer a
possibilidade de que videntes ou PCDV consigam escrever, entender e trocar partituras a
partir de uma linguagem comum. O programa também apresenta outras opções de inserção de
arquivos além de texto, já que nele é possível importar um arquivo em linguagem de
marcação XML que será transformado automaticamente em texto.
Outro ponto positivo do Lilypond é a possibilidade de gerar e atualizar
automaticamente arquivos de saída da partitura musical em vários formatos, tais como PDF e
MIDI. Ao atualizar o arquivo salvo, além do arquivo em formato padrão do Lilypond,
extensão .ly, que contém o arquivo em texto, o programa também gera automaticamente um
arquivo com extensão “.log” com as informações sobre a partitura e possíveis erros de escrita,
bem como um arquivo PDF com a partitura gráfica e/ou um arquivo MIDI (Musical

305
XIII Encontro de Educação Musical
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Instrument Digital Interface) obtidos a partir da informação programada em texto simples.


Isso facilita no processo de aprendizagem por viabilizar pelo menos um formato visual (PDF)
e um auditivo (MIDI) de partituras para o estudo da música, além de permitir que os músicos
possam utilizar o MIDI em outros softwares de manipulação de áudio, como o Audacity
(https://www.audacityteam.org/) e Sonic Visualizer (https://www.sonicvisualiser.org/).
O Lilypond pode e é principalmente usado por pessoas que enxergam (ou pelo
professor para correção e visualização da partitura) associado a outros como o Frescobaldi
(http://frescobaldi.org/), que oferece a visualização da partitura gráfica em tempo real
enquanto são inseridos os elementos musicais em formato de texto. O Frescobaldi, porém,
não pode ser usado por PCDV, pois estas necessitam do software leitor de tela como JAWS e
NVDA, os quais não conseguem ler texto em imagens.
Somado às vantagens observadas no Lilypond, este também se torna uma boa opção
para o ensino musical coletivo e inclusivo, pois são poucos os professores que têm um nível
de conhecimento suficiente de musicografia braille para ensinar esta metodologia aos alunos
ou têm habilidade em sua escrita e leitura musical. Isso se dá pois não existem cursos
universitários voltados para a musicografia braille, ela também não faz parte do currículo da
graduação em Educação Musical. Além disso, os cursos oferecidos externamente geralmente
são de curta duração e são apenas de iniciação científica, não atingindo o nível de
profundidade exigido para o domínio dessa linguagem. Também podemos pontuar que a
quantidade de alunos PCDV que estudam música na rede regular de ensino é pequena,
tornando baixa a demanda da musicografia braille na rede regular de ensino e principalmente
na universidade.
Apesar de todos os pontos positivos listados, existem ainda algumas questões que
podem ser problemáticas no Lilypond ou que trariam algumas dificuldades em seu uso para
músicos PCDV. Apesar da programação da linguagem musical ser intuitiva, a parte
programacional pode ser um obstáculo para os usuários que não tenham tido contato com esse
tipo de linguagem. A pesquisa, no momento, está procurando estratégias para facilitar o
entendimento dessa linguagem, de modo a torná-la mais intuitiva aos usuários que não
tenham conhecimento de programação, criando um material didático passo-a-passo.
Neste material serão inicialmente ensinados os símbolos musicais, deixando a parte
programacional em templates pré-escritos para serem copiados pelos alunos. Posteriormente,
o manual explicará a decodificação de cada um dos comandos de escritos, assim como é feito
na partitura convencional, na qual primeiro são ensinadas alturas e durações e posteriormente
outros elementos como fórmula de compasso, armadura de clave etc.

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XIII Encontro de Educação Musical
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Além de ser uma linguagem relativamente difícil na questão de programação, a


inserção de comandos no Lilypond, numa ordem diferente da especificada pelo programa,
acaba por não gerar o par de arquivos PDF e MIDI. Neste sentido, também estão sendo
pesquisadas formas de tornar a sequência e a inserção de dados mais intuitivos e novas formas
de tornar tal inserção de elementos musicais mais pedagógica. A inserção de elementos usa
comandos em Inglês, o que pode ser um problema dependendo do contexto onde for usado.
Dessa forma, também estão sendo procuradas estratégias de traduzir os comandos ou de
minimizar a possível dificuldade com o idioma.

4. Considerações finais
Este artigo, bem como a pesquisa de iniciação científica a qual este descreve, não
buscam substituir a musicografia Braille no estudo de música inclusivo da PCDV, apenas
almejam explorar possibilidades de ferramentas tecnológicas alternativas - principalmente
buscando integrar ao máximo pessoas que possuam visão normal e deficiência visual - além
auxiliar no estudo de música escrita por pessoas que necessitam de leitores de tela.
Também é o objetivo da pesquisa procurar opções para além da musicografia braille,
aumentando a independência do aluno com DV e possibilitando pensar na ideia de desenho
universal, buscando uma forma de escrita que seja mais próxima à escrita convencional para
que haja uma maior comunicação e troca de materiais escritos entre os músicos -,
independentemente de necessitarem ou não de leitura de tela.
Dessa forma, o Lilypond se torna um software promissor pelas diversas possibilidades
de gerar e importar de arquivos de entrada e de saída (input e output), além de possuir uma
linguagem que aproxima-se da codificação padrão, tornando o estudo mais abrangente e
possibilitando a interação com outros softwares. Assim, o Lilypond pode ser uma saída viável
à falta de formação de professores em musicografia Braille.

Referências

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<https://www.audacityteam.org/>. Acesso em 27 de fev. de 2020.
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caminho para a educação musical inclusiva. Campinas, 2010. 280f. Tese (Doutorado em
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<http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/283935>

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XIII Encontro de Educação Musical
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São Paulo: Instituto Mara Gabrilli. 2008. Disponível em:
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