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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO E ENSINO – PROGRAD


DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC - CAMPUS VIII – PAULO AFONSO – BA
CURSO LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
COMPONENTE – TRABALHO E EDUCAÇÃO
DOCENTE – DORIVAL PEREIRA
DISCENTES – JÉSSICA THAIS DA SILVA SANTOS ANYSABEL RODRIGUES DA ROCHA

FICHAMENTO DO LIVRO “O professor invisível: imaginário, trabalho, docente


e vocação

FERREIRA, Rodolfo. O professor invisível: imaginário, trabalho, docente e


vocação. Editora Quartet.

Nesse contexto, ao que parece, o mais comum é vermos as pessoas


discutirem o assunto em suas escolas, com amigos, pais, pensarem acerca do
que consideram suas “vocações”, analisarem as “tendências do mercado de
trabalho” através de jornais, revistas e programas de televisão, para,
invariavelmente, acabarem se debruçando sobre uma imensa lista de carreiras
apresentadas pelas Universidades ou pelas escolas de ensino médio
responsáveis pelo ensino profissionalizante no país (p.10).

Acontece que, em todas essas sociedades, algumas carreiras atraem mais


pessoas do que outras. E, nesse particular, é possível dizer que uma boa parte
dos futuros profissionais parece acabar optando pelas atividades que gozam de
prestígio em seu meio social e, dentre outros aspectos, ocupam com maior
intensidade e de forma mais positiva a
mídia. Com alguma frequência, essas atividades ocupam os primeiros lugares
nos chamados rankings estabelecidos a partir da relação candidato/vaga na
disputa para ingressar nos cursos de ensino médio e nas Universidades.
Talvez por isso alguns cursos estejam, há muitos anos, entre os mais
procurados, enquanto outros vêm paulatinamente despertando menor interesse
(p.11).
Por trás dessas mudanças de interesse por algumas atividades, às vezes em
detrimento de outras, está um número bastante razoável de questões. No
entanto, não é difícil estabelecer relação entre a intensidade da procura pelos
cursos e os valores que circulam em nosso meio social. Como muitos estudos
já demonstraram, as questões vinculadas à remuneração e/ou a problemas de
status e prestígio social em praticamente todas as sociedades ocidentais
contemporâneas, se não em todas, acabam levando parte de seus membros a
tomarem suas decisões a partir de valores que remetem ao ganho material e
ao poder simbólico que cada uma das atividades pode garantir para aqueles
que por ela optam (p.12).

Essa nova situação de desprestígio social foi acompanhada, durante


praticamente todos os anos 90 e início dos 2000, e em particular em cidades
como o Rio de Janeiro, pelo abandono da atividade por parte significativa de
docentes e a queda na procura pelos cursos de formação de professores,
nesse último caso, tanto no âmbito do Ensino Médio, no chamado curso
normal, quanto no âmbito do ensino superior, nos cursos de Pedagogia e de
Licenciaturas das instituições universitárias... (p.13).

Essa nova situação de desprestígio social foi acompanhada, durante


praticamente todos os anos 90 e início dos 2000, e em particular em cidades
como o Rio de Janeiro, pelo abandono da atividade por parte significativa de
docentes e a queda na procura pelos cursos de formação de professores,
nesse último caso, tanto no âmbito do Ensino Médio, no chamado curso
normal, quanto no âmbito do ensino superior, nos cursos de Pedagogia e de
Licenciaturas das instituições universitárias (p.14).

No magistério, quando o talento serve à imagem plena, quando o caráter tem


condições de realizar o talento, quase sempre nos deparamos com aquele que
muitos fazem questão de distinguir como o Mestre. A mestria aparece então
como a unidade do talento e da vocação e é essa unidade que caracteriza a
diferença que parece ser a base para, na literatura que trata do tema, se
estabelecerem diferenças entre o Mestre e o Professor, o Mestre e o
Profissional, assim por diante. Portanto, no magistério, na perspectiva aqui
adotada, a mestria não é apenas talento; é a manifestação de uma vocação
(p.42)

[...] o mestre não é o que se impõe, o que se afirma como dominador do


espaço mental, mas muito pelo contrário, o que se toma aluno do seu aluno.
Aquele que procura despertar uma consciência ainda ignorante de si própria e
guiar o desenvolvimento dela no sentido que mais lhe convém. Aliás, na
perspectiva do autor essa característica é tão importante que esse mestre, para
ele, “é o melhor mestre” (p.43).

Na perspectiva do autor, parece haver mestres e professores e mestres e


“mestres”, já que é possível se referir ao “melhor” mestre. Trata-se de outro
aspecto importante para o estudo que proponho, porque não são muitas as
possibilidades que o autor oferece para distinguir em seu texto, de um modo
mais direto, qual seria o “melhor” mestre. (p.43).

Sobre a referência à profissão de professor como atividade de cobertura do


mestre, ainda que não pareça ser esse o sentido que o autor deseja fornecer,
penso que dessa afirmativa pode-se deduzir que mesmo o mestre, o
verdadeiro mestre, acaba por ser profissional em alguma medida já que é, no
mínimo, duplo (p.44).

[...] a mestria não é encontrada como característica de um número muito


grande de pessoas. Na perspectiva anunciada, além de ser uma condição
especial vai gerar benefícios para quem com ela tenha contato, seja o próprio
mestre, seja com o aluno (p. 43).

A autoridade dos mestres é uma autoridade ilusória. O verdadeiro mestre


esconde-se no interior de cada um de nós e esse mestre interior é também o
mestre dos mestres: Quando os mestres expõem por palavras suas as ciências
que fazem profissão de ensinar, mesmo as da virtude e sabedoria, aqueles a
quem chamamos discípulos examinam em si próprios se os que lhes foi dito é
verdade, contemplando assim, de acordo com as forças que têm, a verdade
interior (p.45).
É por isso que o autor sugere que só há mestre se há discípulo e que não pode
haver discípulo sem mestre. O discípulo é o homem que não domina ainda a
sua própria vida: busca-se, não se pertence. Tornou-se discípulo no momento
que reconheceu numa personalidade mais forte que a dele o sentido e segredo
da sua existência própria (p.46).

A relação mestre-discípulo surge-nos, pois, como dimensão fundamental do


mundo humano. Cada existência firma-se e afirma-se em contacto com as
existências que a rodeiam; forma, no conjunto das relações humanas, uma
espécie de nó. Dentre essas relações, umas há que são privilegiadas: as dos
filhos com os pais, com os irmãos ou irmãs, as relações de amizade, as
relações de amor. Mas entre todas, singular é a relação do discípulo com o
mestre que lhe revelou o sentido da vida e o orientou, não apenas na
actividade profissional, mas na descoberta das certezas fundamentais (p.46).

“E as certezas fundamentais, o sentido da vida só é possível através da


verdade, que na mestria significa busca, algo que não se pode ensinar” (p.46) .

Pode-se ensinar a tabuada, a gramática grega ou as ilhas do Pacífico. Mas


quando se trata das atitudes humanas e de opções essenciais perante as
dificuldades do mundo, não podemos contentar-nos com recitar de cor
respostas já feitas. Cada um deve realizar o melhor de si, enfrentar e inventar
decisões que correspondem ao seu voto (p.46).

o mestre não é o repetidor duma verdade já feita. Ele é o que abre uma
perspectiva sobre a verdade, o exemplo dum caminho para o verdadeiro que
ele designa. Porque a verdade é sobretudo o caminho da verdade. E esse
caminho tão atormentado quanto perigoso inaugura-se com a afirmação não
apenas da necessidade, mas da possibilidade de ser um homem (p.46).

o estre autêntico é aquele que nunca esquece, qualquer que seja a


especialidade ensinada, que é da verdade que se trata. Há programas, bem
entendido, e actividades especializadas. É mister, tanto quanto é possível,
respeitar os programas. Mas as verdades particulares repartidas através dos
programas não são senão aplicações e figurações de uma verdade de
conjunto, que é uma verdade humana, a verdade do homem para o homem. A
cultura não é outra coisa senão a tomada de consciência, por cada indivíduo,
dessa verdade que fará dele um homem (...) (p.46).

O mestre é solidário, é capaz de sacrificar-se pelo seu semelhante, o mestre é


aquele que busca à verdade. O mestre é aquele que se encontrou, ou está no
caminho cuja busca é por ele próprio. Encontrar-se a si próprio significa
encontrar-se com o humano, com a humanidade, com a vida seja em que
campo for [...] (p.46).

A educação pode, sem dúvida, em certa medida, alargar e desenvolver o


espaço mental, apoiando-se nas possibilidades naturais. Mas tem que ter em
conta, à partida, essa envergadura própria de cada um, que consagra
diferenças intrínsecas, mas também limites impossíveis de transpor. A
experiência de professor, adquirida à força de prática e sagacidade, é
precisamente esse dom de discernimento dos espíritos que tendo pressentido
as possibilidades de cada um, lhe propõe fins à sua medida bem como os
meios de os alcançar, através da utilização das suas capacidades. (p.47).

Parece não haver dúvidas quanto à existência de diferenças entre as pessoas


e que essas diferenças por vezes aparecem com muita intensidade e por isso
levam à desconfiança acerca das condições que alguns indivíduos reúnem,
seja para a convivência ou para realização das mais diversas atividades, seja
para contribuir para a instauração de relações mais fraternas, mais humanas.
Neste particular, basta ligar a tv, ler os jornais, observar o comportamento das
pessoas em nosso cotidiano para aceitar à possibilidade de existir “algo de
errado” com o outro (p.47).

Nesses últimos 100 anos, a humanidade pôde assistir, às vezes compartilhar, o


desenvolvimento de um número bastante razoável de alternativas para o
atendimento de suas “necessidades”. Gerou-se muito “conforto”, surgiram
muitas possibilidades na área da saúde, criaram-se muitas tecnologias que
parecem ter contribuído para melhoria da qualidade de vida do ser humano.
Igualmente inegáveis são os equívocos que agravaram muitos dos fatores que
já se configuravam como desafios ao homem. A má utilização de recursos
naturais, a invenção de armas cada vez mais potentes, que passaram a
ameaçar toda espécie de vida e o planeta como um todo, o aumento da
pobreza no mundo. geraram uma imensa sensação de desconforto, de “mal-
estar” (p.54).

Sobre o atual momento em que se encontra à discussão epistemológica,


SOUZA SANTOS (2001) considera que as sociedades e as culturas
contemporâneas são intervalares; situam-se no trânsito entre o paradigma da
modernidade, cuja falência é cada vez mais visível, c um paradigma emergente
ainda difícil de explicar (p. 257). Já MORIN (2001) postula que, ainda que
emergente, o paradigma que está por surgir deve enfrentar a “complexidade do
real, o que significa confrontar-se com os paradoxos da ordem/desordem, da
parte/todo, do singular/geral, incorporar o acaso e o particular como
componentes da análise científica, vistos como resíduos não-científicos pelo
paradigma clássico, sobretudo nas ciências humanas.” (p. 10) Para o autor, a
incerteza, a desordem, a contradição, a pluralidade e a complicação são
características da complexidade humana renegada em função de revelar, na
ciência clássica, a simplicidade oculta das leis imutáveis da natureza,
sobretudo da natureza humana (p.55).

[...] na reflexão deste paradigma emergente que situo este trabalho, que
persigo o invisível, o mistério, o mito. O estudo que estou apresentando está
ancorado, fundamentalmente, na abordagem antropológica do imaginário de
Gilbert Durand, que no contexto da discussão epistemológica há pelo menos
30 anos se apresenta como um “outro olhar”, uma “outra” epistéme que,
mesmo alicerçados no antigo paradigma” clássico, suscita a necessidade de
novas respostas para velhos problemas, bem como novos problemas para
antigas respostas. (FERREIRA SANTOS, 1998, p. 28) (p.55).

chegamos “ao ponto e ao momento de fazer dialogar nossos mitos com nossas
dúvidas, nossas dúvidas com nossos mitos”. Chegamos ao ponto e ao
momento de compreender que: “os dois modos coexistem, ajudam-se, estão
em constante interação, como se tivessem a necessidade permanente um do
outro; podem por vezes confundir-se, mas sempre provisoriamente”. (MORIN,
1999, p. 167) (p.56).

Pela perspectiva do autor, o imaginário envolve as representações sociais que


se manifestam a partir da dimensão sociocultural, mas envolve também uma
dimensão mais profunda que se apresenta a partir daquilo que os indivíduos
trazem consigo, em sua constituição biopsíquica (p.57).

[...] apenas as perspectivas que compreendem o homem deste modo,


considerando-o em sua totalidade, podem contribuir para a possibilidade de
aproximação com algo que está definido como um mistério. Essa afirmação
pode ser mais bem compreendida se for possível imaginar os limites que as
abordagens da sociologia clássica, por exemplo, estariam gerando e/ou
experimentando para a abordar O tema deste estudo. E uma boa caricatura
desse quadro é a expressão cunhada por um professor de um dos programas
de pós-graduação da Universidade em que atuo. Para explicar os limites dos
paradigmas que não reconhecem no “senso comum” um conhecimento
“válido”, o professor citou o conflito entre “as pessoas que alimentam a
desconfiança de que seus animais de estimação percebem o que eles dizem e
o que sentem” e aquelas que se utilizam da noção de ciência para ridicularizar
tal desconfiança. Para essas últimas ele afirmaria: “eu falo com meu cachorro e
o melhor, ele me responde, se a ciência não explica, lamento por ela, é preciso
que seus cientistas trabalhem mais.” (p.57).

(...) para chegar a esse conceito de imaginário e a essa dinâmica que chamou
de trajeto antropológico, DURAND (1997) propõe uma arquetipologia geral do
imaginário. Nela mostra-nos como uma das principais funções; do imaginário é
possibilitar ao homem respostas e soluções frente às angustias do tempo e da
morte e às experiências negativas decorrentes dessa consciência (p.57).

DURAND (2001) afirma a existência do que chama de bacia semântica, que se


configura como um conjunto homogêneo de representações que manifestam o
imaginário sociocultural de uma época. Em sua perspectiva, há uma homologia
semântica que religa epistemologia, teorias científicas, estética, gênero
literário, visões de mundo e que determina, de forma recursiva, a organização
sociocultural, as estruturações político-econômicas, os modos de vida e os
sistemas pedagógicos. (DURAND, 2001) Daí a possibilidade de se identificar a
visão de mundo dominante numa dada época, numa sociedade ou em
momento civilizacional (p.61).
obre a bacia semântica da modernidade, DURAND (1983) sustenta que ela
possui um mito diretor, Prometeu, e é marcadamente uma bacia onde
predomina o regime diurno das imagens que encaminha uma estruturação
heróica do imaginário. O ã fato de que “uma sociedade abes a silos STREET Ê
mito o ascendente e que se esgota e, ao contrário, uma corrente mitológica que
vai beber as profundezas do isso, do inconsciente social” (p.61-62).

[...] a “presença” e a localização desses mitos na bacia semântica da


modernidade poderão ser de grande valia para a compreensão de muitos
aspectos do imaginário de professores, particularmente os relacionados ao
“mito da profissionalização” e ao surgimento de um novo paradigma, de uma
nova razão (p.62).

[...] é essa dimensão mais profunda que traz o mito pessoal a que me refiro
como vocação. E a vocação, vista assim, pode ser encontrada nas imagens
que, produzidas a partir das duas atitudes imaginativas, manifestam os
arquétipos que ao mobilizarem a vida das pessoas, em última instância,
contribuem para que elas trilhem determinados caminhos, façam determinadas
escolhas, inclusive aquela que diz respeito ao trabalho, à atividade que vão
exercer no meio social. A produção dessas imagens, desses arquétipos,
desses mitos se dá como uma busca. A busca que o ser humano empreende
indo atrás da sua vocação, do seu mito pessoal (p.62).

que esta tendência, a necessidade de aprender e experimentar a vida de uma


forma condicionada pela história passada da humanidade [...] Trata-se de uma
noção totalmente incorporada por DURAND (1997), que assume importância
fundamental na sua abordagem sobre o imaginário (p.64-65).

Todavia, há diferenças importantes. De um modo bastante simplificado, pode-


se dizer que o esquema em DURAND aparece fortemente vinculado às
condicionantes reflexas e assim antecede o arquétipo. São arquetípicos
porque, entre outros aspectos, são “matriciais”, mas responsáveis pela junção
entre os gestos inconscientes da sensóriomotricidade, entre as dominantes
reflexas e as representações, poderse-ia dizer que são eles que levam ao
arquétipo definido do modo como JUNG (1996) o definiu (p.65).
o processo de individuação é o encontro do homem consigo mesmo e pode ser
considerado como a busca por sua vocação, por seu mito pessoal que está e
ao mesmo tempo é produzido no trajeto antropológico. É isso que me leva à
conclusão de que para chegar às pistas que podem, ou não, me aproximar da
vocação do professor, preciso conhecer também como vem acontecendo o
processo de individuação das pessoas que escolheram permanecer no
magistério (p.67).

[...] a mitocrítica pretende ser um método de crítica que seja uma síntese
construtiva entre as diversas críticas literárias. Parte do mito pessoal enraizado
no biopsíquico e precisa necessariamente chegar ao mito coletivo que se
enraíza no meio cósmico e social, do qual ele se nutre [...] Assim, em linhas
gerais, os procedimentos relativos à mitocrítica consistem, em um primeiro
momento, em: 1 identificar, a partir dos temas, os motivos redundantes ou
obsedantes que constituem a sincronicidade da obra, isto é, analisá-la no
sentido vertical para captar os pacotes de imagens redundantes; 2 examinar
situações e combinações de situações dos personagens e dos cenários numa
perspectiva diacrônica, ou seja, ler o mito no sentido horizontal da história que
narra; 3 fazer uma leitura sincrônica/diacrônica do mito, levantando as suas
diferentes lições e sua correlação com outros mitos de um dado espaço
cultural; e 4 fazer uma análise isotópica das imagens para identificar o
verdadeiro sintoma do mito e a sua estrutura. (SANCHEZ TEIXEIRA, 2000, p.
31-32) (p.73-74).

Permitindo conhecer um pouco melhor as suas concepções de “profissão”,


Terezinha diz não admitir “atrasos” ou “ausências” sem justificativas por
considerar que esse não pode ser “'o comportamento de um professor
comprometido com seus alunos e com a sociedade em que vive”, além de se
tratar de um desrespeito com o próximo. Refere-se com alguma frequência à
necessidade de aprimorar seus conhecimentos para poder “dar melhores aulas
a cada dia”. Queixa-se de que alguns dos seus colegas não conseguem
realizar um “trabalho de qualidade” porque “não se sentem como profissionais”
ou “não assumem a atividade” como “a sua profissão” (p.100).

No caso específico de Terezinha, o que é possível observar é que este


imaginário dramático fica mais evidente quando se atenta para OS esquemas
verbais que aparecem com maior intensidade no discurso que claramente
produz: “trabalhar”, “fazer”, “melhorar”, “aperfeiçoar” “contar” (colaborar),
“entrar”, “mergulhar”, “lembrar”, “conhecer”, “voltar”, “participar”, “cuidar”. São
esses esquemas que permitem dizer que Terezinha participa de dois episódios
existenciais sucessivos: um heróico e outro místico e vice-versa (p.101).

Apesar de Terezinha apresentar uma forte tendência heróica, não é possível


afirmar que esse modo de representar as “faces do tempo”, de encarar as suas
angústias existenciais seja o único. Em outras palavras: não é possível dizer
que Terezinha esteja vivendo um imaginário que se caracterize,
fundamentalmente, por ser heróico. A professora, ao menos no material que
utilizei para esta análise, não evidencia apenas a face trágica do tempo (p. 102).

Vê-se que no lugar de referências à “luta”, a “vencer OS desafios a todo custo”,


presentes, por exemplo, no depoimento de pelo menos duas das seis docentes
que entrevistei, a professora se refere, entre Outros, a “trabalhar”, “fazer”, para
“aperfeiçoar”, para “melhorar” e não para “vencer”, sejam lá quais forem os
“desafios e as dificuldades que a vida impõe” (p.103).

[...] essa característica de sacrifício tornaram-se até recentemente uma


redenção tanto masculina como feminina mas, no caso das mulheres,
“mutilaram-nas” porque em vez de ser apenas uma tarefa evolutiva, o sacrifício
definiu toda a vida feminina. Isso sem contar que mitos como o do amor e do
sacrifício têm sido usados para manter as mulheres em papéis tradicionais e
limitados (p.124).

Numa alusão bastante interessante ao sacrifício e à identidade feminina,


PEARSON (1997) vai afirmar que mesmo o movimento feminista e outros
movimentos considerados por ela revolucionários não ficaram de fora desta
influência. Segundo a autora, “o movimento feminista não foi muito respeitoso,
em sua retórica, para com o sacrifício; ainda assim, o martírio orientou grande
parte da atuação nesse movimento — assim como em muitos outros
movimentos revolucionários.” (p.124).

Mas para as mulheres da nossa cultura, segundo a autora, & sacrifício passou
a ser valorizado por si mesmo. Não apenas o sacrifício por alguém ou por uma
pessoa, mas o sofrimento em si, sobretudo por amor, que acaba se
manifestando como redentor (p.124).

Mas nem sempre o sacrifício é uma forma de manipular Deus ou outras


pessoas, levando-as a dar aquilo que se quer, ou ainda uma forma de evitar o
desafio, o risco e a dor; ele também pode ser dado livremente, como expressão
de amor e desvelo. É a esse tipo de sacrifício que PEARSON (1997) se refere
como “sacrifício transformador” (p.124).

Ainda para PEARSON (1997), num nível elevado o Mártir não está tentando
fazer uma barganha para salvar o ser, mas acredita que o sacrifício do ser
salvará os outros. A decisão de zelar pelos outros, mesmo ao custo do próprio
sacrifício é uma escolha em prol da vida e contrária ao desespero. Nesse caso,
o sacrifício é transformador porque é sincero e se remete a ações que, para
muito além de uma recompensa, buscam contribuir para um mundo melhor
(p.124).

[...] a principal diferença entre este tipo de sacrifício “transformador” e o


sacrifício como renúncia? Na perspectiva da autora, a diferença está
principalmente no fato de que, mesmo podendo gerar a recompensa, o
sacrifício sincero é transformador enquanto aquele que, no fundo, tem a
intenção da barganha pode

se transformar em “mutilador” (p.124).

PEARSON (1997) faz uma afirmação que nos permite prontamente


compreender que relação está propondo entre o sacrifício e que identidade:
“Com frequência tais sacrifícios maciços, se não resultam da covardia, provêm
de uma incapacidade de discernir entre dar o necessário e dar a vida e fazer a
doação que traz a própria morte ao Mártir e, por conseguinte, aqueles que o
cercam.” (p. 126).

[...] Para ela, o sacrifício apropriado proporciona aos mártires o conhecimento


mais profundo de seus valores e compromissos com o trabalho e com as
outras pessoas, e assim os torna mais, e não menos, eles mesmos. Já o
sacrifício impróprio os faz perder o contato com eles mesmos e com sua
capacidade de amor, intimidade ou mesmo a alegria da relação, o que resulta
numa tendência para experiências substitutivas, trocando a identidade de
outrem pela própria (p.126).

Já a partir da caracterização daquilo que a autora está chamando de deusas


alquímicas, invulneráveis e vulneráveis e das diferenças entre elas, pode-se
pensar na possível relação entre a vida, as ações, os valores da professora
Terezinha e esses arquétipos. Com efeito, à primeira vista, uma possível
aproximação se daria com as deusas vulneráveis. À medida que a autora vai
descrevendo os arquétipos, esta possibilidade vai ficando ainda mais nítida
(p.133).

se a vocação, o mito pessoal está em todos nós, como falar da diferença entre
mestres e professores, entre vocacionados e profissionais, atribuindo aos
primeiros todas as virtudes, sem reconhecer nos últimos sequer a mestria
como potência? Como se referir ao mestre que não é profissional em alguma
medida e no profissional que não é mestre em hipótese alguma [...] O mestre
que não reconhece no outro as possibilidades de superação, ou não as deseja,
não admite a possibilidade que o outro trilhe a sua jornada e encontre o seu
caminho, poderia ser considerado um mestre? Com certeza! Ele também. Mas,
talvez, em um momento diferente em sua jornada em que quem sabe não
tenham sido vividas algumas das experiências, das lições que seu mito pessoal
e a sociedade de um modo geral podem lhe proporcionar (p.137).

No fundo, em vez de responder às perguntas talvez seja mais interessante


voltar a responsabilidade ético-política educativa a que PAULA CARVALHO
(1988), quando situa o paradigma holomônico e narra o surgimento e o
desenvolvimento do Círculo de Éranos, faz referência. Quem será este ser
humano de qualidade inferior, “muito aquém de nossas expectativas”, cujo
destino traçado “no berço ou no útero materno”, precisamos tentar modificar?
Seriam exatamente aqueles que, caso venham a ser professores, o serão
como “eucaliptus”? (p.138).

Em resumo, a vida de Terezinha — essa professora, quase anônima, do ensino


fundamental que, como parte significativa de seus 40.000 colegas, exerce
diariamente o magistério em duas escolas da Cidade do Rio de Janeiro —
parece ser uma vida que nos aproxima do mistério que envolve uma dimensão
do magistério que nem sempre é possível tocar, nem sempre é possível ver,
mas na maior parte das vezes é possível sentir, intuir, imaginar (p.138-139).

os preconceitos podem aparecer, seja pelo lado da crença e da afirmação de


um profissionalismo acima de tudo e de todos, seja pelo lado da crença em
uma vocação estabelecida como um a priori que determinará, em absoluto, por
exemplo, a vocação para o bem ou para o mal (p. 143).

Quando discute o que chama de “mito do trabalho”, FETIZON (2002) sustenta


que o Ocidente desenvolveu, por razões de sobrevivência, toda uma “mística”
do trabalho enquanto valor essencial, vital e até primeiro da construção da
dignidade humana e da qualidade da organização social. (p.186) Se a rejeição
da idéia de vocação, que gera tanta polêmica em alguns meios, se dá
sobretudo em razão de sua dimensão imaginária, ideológica, mítica, o mesmo
pode ser dito do profissionalismo, que, como FÉTIZON (2002) se refere ao
trabalho, pode ser considerado outro mito. Portanto, as mesmas situações
geradas pela “ideologia da vocação” podem ser atribuídas à “ideologia da
profissão” (p. 143).

[...] a dinâmica que se instaura a partir desta separação entre profissão e


vocação e que coloca atualmente o profissionalismo em destaque envolve a
emergência de um outro mito, muito mais abrangente, o mito da razão. Esse
seria aquele capaz de gerar soluções para todos os desafios enfrentados pelo
homem em sua relação com o outro e a natureza [...] (p. 143).

professor é muito menos uma profissão do que uma forma de vida, uma
postura integral em face de si mesmo, do mundo e do outro; é uma vocação de
existência carregada de todas as opções que oneram sua assunção e seu
desempenho e, nesse sentido, é, de novo, uma. profissão — exatamente no
mesmo sentido que se fala de uma profissão de fé, profissão de valores e
atitudes que gravam (no plano do conhecimento e no da ação) vida e pessoa
como um todo [...] (p. 152).

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