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MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO

Volume I

COORDENADORA
GENACÉIA DA SILVA ALBERTON
ORGANIZADORA
CLAUDIA GAY BARBEDO
ISBN 978-85-89676-30-4

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO
VOLUME I

GENACÉIA DA SILVA ALBERTON – COORDENADORA


CLAUDIA GAY BARBEDO – ORGANIZADORA

Porto Alegre
TJ-RS
2018
EXPEDIENTE

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO


NÚCLEO DE ARTE E CONTROLE DE CÓPIAS (NACC) – SIMD – DSO/TJRS

Sobre a Coordenadora Genacéia da Silva Alberton: Desembargadora do Tribunal de Justiça do


Rio Grande do Sul. Mestre (PUCRS) e Doutora (UNISINOS) em Direito. Mestre em Mediação e
Negociação (APEP-IUKB-AR), Mestre em Linguistica Aplicada e Teologia (PUCRS). Especialista
em Terapia Familiar (CEFI). Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação da ESM-AJURIS.

Sobre a Organizadora Claudia Gay Barbedo: Advogada. Mediadora. Especialista em Direito


da Empresa e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Ciências Criminais pela
PUCRS. Professora da disciplina de Família e Sucessões Aplicada e de Mediação do Centro
Universitário Ritter dos Reis/Laureate International Universities.

Mediação em movimento [recurso eletrônico] / Hashimoto, Andjanete ... [et al.] ;


Genacéia da Silva Alberton, coordenadora ; Claudia Gay Barbedo,
organizadora – Porto Alegre : Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, Departamento de Suporte Operacional, Serviço de Impressão e
Mídia Digital, 2018.
v. 1, 4MB

ISBN (e-book)

1. Mediação. 2. Mediação. Antropologia. 3. Mediação. Família. 4. Conflito.


Solução. 5. Mediação penal. 6. Justiça. Mediação. 7. Associação de Proteção
e Assistência aos Condenados. Histórico. 8. Mediação. Câmara Privada.
9. Mediação extrajudicial. I. Alberton, Genacéia da Silva. II. Barbedo, Claudia
Gay. III. Hashimoto, Andjanete. IV. Rodrigues, Celso Luiz. V. Fontoura Filho,
Eduardo. VI. Prodorutti, Elizana. VII. Gomes, Erika. VIII. Bortolotto, Gilmar.
IX. Oliveira, Isabel Cristina. X. Mello, Kátia Sento Sé. XI. Lorea, Roberto
Arriada. XII. Reckziegel, Roque. XIII. Kuhn, Taiana Lúcia Soares. XIV. Kubiak,
Vanderlei Teresinha Tremeia.

CDU 347.925

Catalogação na fonte elaborada pelo Departamento de Biblioteca e de Jurisprudência do TJRS

 
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ADMINISTRAÇÃO 2018-2019

Des. CARLOS EDUARDO ZIETLOW DURO – Presidente

Desa. MARIA ISABEL DE AZEVEDO SOUZA – 1º Vice-Presidente

Des. ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO – 2ª Vice-Presidente

Des. TÚLIO DE OLIVEIRA MARTINS – 3º Vice-Presidente

Desa. DENIZE OLIVEIRA CEZAR – Corregedora-Geral da Justiça


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS.................................................... 9


Ney Wiedemann Neto

APRESENTAÇÃO................................................................................................ 11
Genacéia da Silva Alberton

ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS


E PERSPECTIVAS................................................................................................ 15
Kátia Sento Sé Mello

MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA............................... 23


Roberto Arriada Lorea

TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE


MEDIAÇÃO........................................................................................................ 29
Eduardo Fontoura Filho

MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTA­


MENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL............................................... 37
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

AS APACS........................................................................................................... 49
Gilmar Bortolotto

A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO


SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL................................................................ 55
Elizana Prodorutti

O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO............................................... 61


Roque Reckziegel

CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA................................ 65


Andjanete Mess Hashimoto, Celso Luiz Rodrigues, Érika Gomes, Isabel Cristina
Oliveira e Taiana Lúcia Soares Kuhn
APRESENTAÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS

No cumprimento de sua missão institucional, busca o Centro de Estudos


do Tribunal de Justiça publicar os estudos jurídicos e afins dos Magistrados e
demais juristas que labutam no Rio Grande do Sul, propiciando a divulgação do
conhecimento, inclusive através de obras no formado digital.
É uma honra, agora, apresentar esta importante obra coletiva, tendo como
Coordenadora a Desembargadora e Doutora Genacéia da Silva Alberton, minha
dileta colega de toga, e como Organizadora a Professora e Mestre Claudia Gay
Barbedo, ambas com longa caminhada na teoria e na prática da mediação, mote
desta obra, que também se compõe de estudos alinhados à pacificação social e à
humanização das relações.
O estudo aborda questões atuais e importantes acerca da mediação, no
momento em que esse método de solução de conflitos já se encontra positivado
no código processual e em legislação própria, assumindo a condição de política
pública, inclusive, através do CNJ.
A publicação desta obra celebra os quinze anos de atividades do Núcleo de
Estudos de Mediação da Escola Superior da Magistratura da AJURIS, tendo como
atual Coordenadora a Desembargadora Genacéia, contando com a publicação de
estudos de seus diversos colaboradores.
A divulgação desta obra em muito contribui para a reflexão e aperfeiçoamento
da mediação. Tratando de tema bastante delicado e atual, esta publicação traz
uma sensível vivência dos grandes desafios enfrentados diariamente pelo Poder
Judiciário na busca da pacificação social pela solução dos conflitos interpessoais.
Por último, registro a fidalguia do Desembargador Umberto Guaspary
Sudbrack, atual Coordenador-Geral do Centro de Estudos, que me delegou a honra
de apresentar esta obra, em razão de se tratar de projeto que se havia iniciado
ainda em minha gestão, a qual findou em maio de 2018.

Desembargador Ney Wiedemann Neto,


Ex-Coordenador do Centro de Estudos do TJRS
APRESENTAÇÃO

Estamos dando início à publicação do MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO, em que


teremos a oportunidade de divulgar a Mediação em sua dinâmica e interrelação
com outras áreas de conhecimento, buscando um olhar direcionado à humanização
das relações, respeito à dignidade humano e pacificação social.
A proposta no vol. I é dar conhecimento a Magistrados, Advogados,
Mediadores e ao público em geral acerca das reflexões desenvolvidas, através de
palestras e eventos, sobre o tema Mediação durante a celebração dos 15 anos do
Núcleo de Estudos de Mediação, em 2017.
Com o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105) e a Lei de Mediação (Lei
13 140), temos respaldo legal ao desenvolvimento da mediação como método
adequado de solução de conflitos, colocado como política pública do Judiciário
nacional a partir da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça.
Durante a celebração dos 15 anos de atividade do Núcleo de Estudos de
Mediação (NEM) tivemos o prazer de contar com a participação de referências
nacionais e gaúchas discorrendo sobre temas relevantes da mediação em
diferentes aspectos.
Teremos, assim, a oportunidade de rever , em síntese , a fala da Dra Kátia
Mello que, a partir de estudo comparativo entre Mediação comunitária e penal na
Argentina e a mediação no Brasil, apresenta um diálogo entre a Antropologia e a
Mediação destacando quanto podemos aprender com as sociedades primitivas,
analisadas pela Antropologia, o respeito à diversidade, à desigualdade e às
condições de promoção de espaços de justiça e a urgência ética de compromisso
com a diversidade de formas de expressão quer seja histórica, psicológica, social
ou cultural.
Dr. Roberto Arriada Lorea, coordenador do GT Família do NEM, discorre
sobre o novo paradigma para a jurisdição familiar e a necessidade de encontrar
recursos à efetivação da conciliação e a mediação no atendimento das demandas
envolvendo conflitos familiares. E, face à impossibilidade de o Judiciário dar
a contraprestação digna da atividade relevante de conciliadores e mediadores,
propõe a atuação efetiva de Câmaras Privadas.
Dr. Eduardo Fontoura Filho apresenta a necessidade de dominar as técnicas
de como lidar com as emoções para obter a confiança das partes conflitantes
e ter êxito na tomada de decisão que seja duradoura, criando um “vínculo de
confiança”.
Resultado da implantação de Grupo de Trabalho direcionado à área penal
no NEM, a Desa. Vanderlei Terezinha Tremeia Kubiak desenvolve o tema do GT
que coordena , ou seja a mediação penal, penitenciária e as oficinas do perdão na
proposta da Mediação vítima- ofensor como possibilidade de enfrentamento de
conflitos e natureza penal tendo em vista a insuficiência da resposta criminal por
meio da justiça retributiva.
A atuação do GT Penal trouxe ao NEM o conhecimento do serviço das APACs,
Associações de Proteção e Assistência ao Condenado, experiência nascida no Brasil,
a partir dos anos 70 e que visa promover espaço humanizado de cumprimento de
pena com a recuperação da dignidade humana e efetiva reinserção social.
Sobre a importância do método APAC, a evolução histórica dessa sistemática
em nível nacional e estadual , vamos encontrar os textos da Dr. Gilmar Bortolotto
sobre a sistemática APAC, Dra. Elizana Prodorutti acerca da parceria entre Poder
Judiciário, Executivo e sociedade civil organizada na implantação das APACs e DR.
Roque REckziegel que apresenta o surgimento da APAC no solo gaúcho a partir
de sua origem em São Paulo através do trabalho do Advogado Mario Ottaboni na
Pastoral Carcerária.
E no encerramento das atividades dos 15 anos NEM não poderia faltar
espaço para as Câmaras Privadas. Por isso mediadores Andjanete Haschimoto,
integrante da 1ª Câmara de Santa Cruz do Sul ; Celso Luiz Rodrigues , da Acrópole;
Erika Gomes, da Domus Mediação; Isabel Cristina Oliveira, da Câmara Pacificar e
Taina Lúcia Kuhn, da Câmara Contempla, apresentam texto sobre a importância e
os requisitos para a formação, desenvolvimento e atuação das Câmaras Privadas.
Com certeza, o NEM oferece aos leitores a oportunidade de conhecer a
mediação com um olhar especial daqueles que atuam destemidamente, criando
espaços especiais para a transformação dos conflitos. E mesmo na área sensível
que a área penal e de execução penal, é possível sentir que há possibilidade de
prevalência do humano, do olhar que acredita no ser humano e na sua capacidade
de transformação. É a perspectiva da esperança.
Aos autores, que se dispuseram a colaborar para tornar possível esta
primeira publicação do Fascículo Mediação , resta apenas o agradecimento em
nome do NEM, e que é extensivo ao Desembargador Ney Wiedmann, Coordenador
do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que disponibilizou
o sistema digital para viabilizar esta publicação.
A vida é dinâmica, os conflitos são constantes e a mediação não poderá
ficar restrita a procedimentos rígidos, exigindo dos mediadores conhecimento de
si próprio para o uso de suas habilidades e criatividade para encontrar os recursos
adequados para a construção do entendimento e a mudança.
Com MEDIAÇÃO EM MOVIMENTO, vol. I, somos desafiados a não temer
a reflexão, admitir as incertezas e acreditar nas possibilidades dos métodos
autocompositivos em diferentes espaços.

Desembargadora Genacéia da Silva Alberton,


Coordenadora do Núcleo de Estudos de Mediação
# Somos NEM - Estudo e Ação pela Paz!
ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA,
DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

Kátia Sento Sé Mello1

Este trabalho é a sistematização de minha apresentação no âmbito das


comemorações dos 15 anos do Núcleo de Estudos sobre Mediação de Conflitos
do TJRS.
Iniciei minhas pesquisas sobre Mediação de Conflitos no TJRJ em 2009 e
ampliei as reflexões sobre o tema a partir de estudo comparativo em Mediação pré-
judicial de conflitos bem como mediação comunitária e penal na Argentina. Trato
do tema conforme o sentido atribuído pelos “nativos” no campo dos Tribunais
de Justiça como o processo de construção de uma ponte de comunicação entre
pessoas ou grupos em conflito por meio de um mediador, que não oferece nem
induz interpretações ou acordos.

ALGUMAS PERGUNTAS QUE TÊM ORIENTADO O MEU OLHAR


1 – Como é possível aos homens escaparem da violência?
2 – Quais as condições e as qualidades que autorizam e predispõem o
mediador às práticas do seu ofício? Considerando o diálogo entre Antropologia e
Mediação de Conflitos, há, entre outras, duas dimensões fundamentais:
2.1 – Estranhamento e etnocentrismo:
”” Observando o exótico e o familiar – “Nem tudo que é familiar é conhecido”
2.2 – Ética:
”” No exercício da prática profissional, devemos nos indagar: O que você pensa
das pessoas para as quais você presta um serviço – seja como professor,
como médico, como instrutor de ginástica, como comerciante, como
defensor público, como promotor, como delegado de polícia, como juiz,

1 – Doutora em Antropologia; Professora Associada ESS/UFRJ; Pesquisadora do INCT-InEAC/UFF, NECVU/


IFCS/UFRJ e Coordenadora do GPSEM-PPGSS-ESS/UFRJ.
Kátia Sento Sé Mello

como mediador? Esta questão está diretamente relacionada ao problema


constitutivo da Antropologia.
”” O problema colocado para a Antropologia desde os seus primórdios: a
diversidade cultural
”” Diversidade X desigualdade:
▪▪ Se, por diversidade compreendemos os modos de ser, agir, pensar de
diferentes seres humanos (considerando classe social, cor, gênero, etnia,
etc.), em contraste com os nossos, por desigualdade compreendemos:
a expressão de hierarquias baseadas em situações consideradas mais
vantajosas do que outras. Fatores que proporcionam desigualdades
sociais: ausência de distribuição de renda, falta de investimentos em
políticas públicas.
▪▪ A desigualdade social pode abrir caminho para outras formas de produção
de desigualdades baseadas em marcadores sociais tais como: gênero, cor,
idade, território, etnia, etc. Várias pessoas e instituições podem contribuir
para a reprodução das desigualdades, entre elas, aquelas voltadas para a
realização da justiça.
No diálogo entre Antropologia e Direito, percebemos um ponto importante
e tenso sobre a forma de nos debruçarmos sobre os fenômenos sociais: paradigma
normativo, geralmente atribuído ao Direito e o paradigma processual, atribuído à
Antropologia. O que isto significa?
”” Paradigma normativo:
▪▪ Este enfoque remonta a posições sustentadas por autores como Henry
Maine (1822 – 1888) e A. R. Radcliffe Brown (1888-1850), aos quais nos
aproximamos da ideia de jurisprudência ocidental.
▪▪ Colocam o acento nas instituições e concebem as disputas como sinais de
desvio uma vez que outorgam importância à manutenção da ordem social.
▪▪ Estimam que as sociedades necessitam ter autoridades centralizadas para
fazer valer o direito e estabelecer códigos normativos.
▪▪ Postulam a necessidade de pesquisar e analisar os códigos e as normas
que governam a vida social e os comportamentos dos atores.
”” Paradigma processual:
▪▪ O conflito e as disputas constituem parte dos processos sociais, ou seja,
não representam desvios.
▪▪ Focaliza nas estratégias dos atores sociais com o objetivo de analisar os
modos como resolvem, manejam e lidam com os conflitos.

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

▪▪ O Direito não é um sistema independente da sociedade ou da cultura,


mas estas diferentes dimensões encontram-se imbricadas. As disputas e
seus mecanismos de administração têm um componente cultural de onde
se revelam valores e atitudes dos litigantes.
”” Das disputas à dominação e à mudança
▪▪ Busca-se compreender de que maneira diferenças de poder formalizam
a implementação de normativas e resoluções, e como legitimam
determinados modelos e práticas culturais em detrimento de outros.
▪▪ Compreender como modelos e práticas institucionais incidem sobre os
conflitos, na manipulação das normas e nos foros de administração dos
conflitos.
▪▪ Indaga sobre a maneira como a mudança social afeta os processos
jurídicos e como estes, por sua vez, incidem na mudança social.

O que aprendemos com as “sociedades primitivas” analisadas pela


Antropologia?
”” O controle social se dá em dimensões não institucionalizadas legalmente
”” Bronislaw Malinowski – Crime e costume na sociedade selvagem
▪▪ A estrutura é baseada na fundação do status legal das pessoas, segundo a
qual os direitos e obrigações deles foram definidos.
▪▪ Um sistema de prestação mútua de bens e serviços, que acontece entre
os aldeões, grupos, aldeias, etc., com base na noção de reciprocidade,
que consiste na força do dar e receber.
▪▪ Apresenta diferentes institutos de gestão de conflitos e regulação social
não estatal:
Feitiçaria – Coerção
Suicídio – Expiação
”” Evans-Pritchard: Os NUER do Sudão
”” Vendeta: uma instituição tribal. Quando um homem mata outro, ele fica
alojado na casa do chefe pele de leopardo, onde ele não pode ser atacado
devido à sacralidade desse chefe.
”” A família da pessoa que foi morta tenta se vingar até que o chefe pele de
leopardo começa as negociações, dando uma série de ofertas para os
parentes daquele que foi assassinado. As ofertas (gado), inicialmente não
são aceitas devido à recusa em trocar a vida de um parente pelo gado (o
que é considerado uma desonra).

17
Kátia Sento Sé Mello

”” Os argumentos e ameaças, que podem e devem fazer o chefe pele de


leopardo, fazem parte do ritual, na medida em que levam os afetados pela
morte a aceitar esta espécie de compensação.
”” Quando há uma ligação estreita entre as famílias atingidas pela morte de
um dos seus membros, é mais fácil de resolver, mas nas relações intertribais
não se oferece compensação.
”” A vendeta de sangue é uma instituição política porque é um modo de
comportamento socialmente aprovado e regulamentado dentro de uma
tribo. É, sobretudo, uma obrigação moral.
”” Se uma comunidade tenta vingar um homicídio contra a outra comunidade,
se produz uma guerra e não um estado de vendeta
”” Os Nuer carecem de lei, o que não significa que eles não tenham normas.
As disputas são resolvidas a partir de uma obrigação moral.
”” O que quero explicitar com estes exemplos é que, do ponto de vista da
Antropologia e dos campos empíricos sobre os quais tenho me debruçado,
há diversas lógicas e sistemas éticos em jogo. A ética está para além das
regras que são elaboradas e aceitas pelos grupos sociais.
”” No campo profissional, e aí os mediadores, assim como o chefe pele
de leopardo ou como o antropólogo, devem estar conscientes dessa
diversidade.
”” No caso das sociedades modernas – urbanas e industriais – apesar das formas
institucionais e legais, que caracterizam seus modelos jurídicos, há diversos
modos de perceber a realidade, especialmente, os sentidos de justiça.

Questão da ética e da voluntariedade na mediação de conflitos


”” Um dos desafios éticos do mediador: como garantir a voluntariedade das
partes?
”” Voluntariedade e ética na prática da mediação de conflitos:
”” 1 – O caso Rita e Marcelo: [voltando-se para as mediadoras] Marcelo: eu
aprecio muito o trabalho de vocês, achei vocês muito educadas e parecem
muito competentes, mas eu não tenho nada a conversar com essa aí
[referindo-se a sua ex-mulher], eu não quero nem olhar para a cara dela.
Antes que ele pudesse dar continuidade a sua fala ela interrompeu e disse:
eu também não tenho nada a conversar com este sujeito [referindo-se ao
seu ex-marido]. Ela, por sua vez, é interrompida por ele, que diz: eu quero
mesmo é ir para a “porrada”.

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ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

”” 2 – O caso Sileide e André: casal que havia se separado há quase três anos,
após dois anos de convivência conjugal, e foram encaminhados para a
mediação pelo juiz de uma das Varas de Família do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro.
”” Questões morais:
▪▪ André endureceu em relação ao que considerava intransigências de Sileide
e que ele, sendo o pai, tinha o direito de ver a filha quando quisesse e que
também podia levá-la para a casa dele.
▪▪ Sileide alegava que a casa onde ele vivia com a recente esposa não era
uma casa apropriada para a filha, que havia os filhos da mulher, que não
recebiam bem a sua filha.
▪▪ Sileide dizia que ele não podia ser um bom pai, que havia abandonado
ela e a filha. Que ela, como boa mãe, sempre esteve junto à filha, vendo-a
crescer, acompanhando na escola, cuidando dela quando doente. Isso era
ser boa mãe. Perguntava: onde ele estava quando eu acordava durante a
noite para dar remédio para baixar a febre dela? Eu é que tenho direitos
sobre ela.
▪▪ André dizia que Sileide era mentirosa e que fazia de tudo para impedir
que ele se aproximasse da filha.

Questões jurídicas: o mandado de intimação fere o princípio da


voluntariedade
O juiz responsável pelo caso havia emitido, previamente ao encaminhamento
à mediação, um “mandado de intimação” cuja ação era classificada como “Ação
Cautelar” e “Regulamentação de Visitas”, para que ambas as partes participassem
de um dos projetos do TJ/RJ (Bem me quer) voltado para a “conscientização” do
exercício da parentalidade e do significado da alienação parental, “sob pena da
perda da guarda ou visitação, por descumprimento de ordem judicial”, destinada
à mãe da criança (então, a guardiã) que, de acordo com o juiz, parecia estar agindo
de modo a impedir que seu ex-marido pudesse manter a convivência com a filha,
que se tornara objeto da disputa entre ambos. Sentindo-se ameaçada, a mãe
da criança concordou em participar da mediação de conflitos. Após cerca de 6
(seis) meses de sessões de mediação, ambos pareciam, aos olhos das mediadoras,
caminhar para soluções que iam encontrando no decorrer do processo da
mediação. No entanto, magoada com alguma atitude de André, Sileide pediu a
suspensão da mediação e que o caso fosse encaminhado para o juiz responsável.

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Kátia Sento Sé Mello

Ética: não é um termo ou uma condição universal; não se encontra na prateleira do


escritório nem na sala da mediação. Ética é a dimensão constitutiva da construção
da alteridade. Sobre isto aprendemos com a Antropologia. Neste campo de
conhecimento, a ética é parte constitutiva da construção do saber; considera a
intersubjetividade; o que o outro pensa sobre si próprio; não diz ao outro o que
ele é, mas interpreta sua realidade a partir de como o Outro se percebe.
No caso do mediador, ele não explicita sua interpretação, mas a partir da relação
intersubjetiva constituída durante a mediação de conflitos, ele permite que o
Outro (os Outros) possa perceber os seus conflitos e se indagar sobre eles assim
como pensar em possíveis formas de superá-los ou de lidar com eles.

O desafio ético do mediador de conflitos – seja judicial ou não judicial – na


contemporaneidade remete à questão epistemológica na Antropologia, que é a
relação intersubjetiva na construção do conhecimento.
A construção do conhecimento científico implica em delimitações
teórico-metodológicas e escolhas que fazemos ao elaborarmos uma análise
científica. Como antropólogos, construímos os “objetos” de estudo a partir
das interações que estabelecemos com nossos interlocutores. Neste sentido,
somos afetados (Favret-Saada) por eles e não podemos mais pensar na relação
entre “sujeito do conhecimento e objeto a ser conhecido”. Dizemos, então,
que há uma intersubjetividade que estabelece a mediação de construção do
conhecimento científico e, também, a possibilidade deste conhecimento estar
a serviço da mediação das demandas de direitos e interesses de muitos grupos
humanos. Estamos tratando de sujeitos – nem sempre tão distintos socialmente
– que devem estabelecer um diálogo como pressuposto de produção de
conhecimento.
Há uma exigência ética, própria da produção do conhecimento antropológico,
que diz respeito ao delicado controle da relação entre pesquisador e pesquisado.
É nos processos sociais de intersubjetividade que encontramos o fluxo entre os
distintos sistemas de significação. Na pesquisa das Ciências Humanas em geral,
e da Antropologia, em particular, a ética é um pressuposto que se constrói nas
relações estabelecidas entre os sujeitos.
A presença do pesquisador e sua interferência na vida dos interlocutores
com os quais constrói conhecimento, se dá direta e explicitamente com os mesmos
e são eles que, querendo ou não falar, querendo ou não interagir, querendo ou
não revelar seus modos de ver e sentir o mundo, calam-se, mentem ou se retiram.

20
ANTROPOLOGIA, DIREITO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: ÉTICA, DIÁLOGOS E PERSPECTIVAS

Embora não tenha como seu papel a interpretação e a construção de


conhecimento a partir das mediações por ele/a conduzida, o/a mediador/a, tem
o compromisso ético na construção intersubjetiva da comunicação entre ele
e as pessoas em conflito assim como entre estas. Não é seu papel dizer como
estes devem interpretar os seus conflitos e menos ainda quais os caminhos que
pretendem tomar. Neste sentido, a ética é também uma exigência. Há, enfim,
uma exigência ética de compreensão da diversidade das formas de experiência
histórica, psicológica, social e cultural dos grupos humanos e dos indivíduos. Trata-
se, de reconhecer e distinguir o problema original da Antropologia, sobre o qual se
destacou acima, que diz respeito à diversidade e à desigualdade e às condições de
promover espaços de construção da justiça.

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MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

Roberto Arriada Lorea1

MEDIAÇÃO – UM NOVO PARADIGMA PARA A JURISDIÇÃO DE


FAMÍLIA
A Resolução CNJ-125/2010 (conforme Emenda nº 02/2016) estabelece
que ao Judiciário incumbe, antes da solução adjudicada por sentença, oferecer
outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios
consensuais, como a mediação e a conciliação.
O Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 694, estabelece que,
na jurisdição de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução
consensual da controvérsia; e seu artigo 695 estabelece que, nas ações de família,
recebida a petição inicial e examinado eventual pedido de tutela provisória, o juiz
ordenará a citação do réu para audiência de conciliação ou mediação.
Pode-se afirmar que estamos diante de um novo paradigma de jurisdição
de família, no qual a solução imposta por decisão judicial é admitida somente
quando os meios consensuais se revelarem inadequados ou ineficazes.
Atualmente (conforme dados do TJRS e da Defensoria Pública), em150
Comarcas do RS não há serviço de mediação familiar. Onde o mesmo existe, como
é o caso de Porto Alegre, a capacidade de atendimento é inferior a 5% da demanda.
Esse breve texto pretende contribuir para refletir sobre como melhorar
esse cenário.

COMO LIDAR COM ESSE DESAFIO?


Diálogo emancipatório com os juízes de família.
Trata-se de um ramo especializado do Direito, com unidades jurisdicionais
próprias, com legislação processual específica, inclusive no que diz respeito ao

1 – Juiz de Direito do TJRS.


Roberto Arriada Lorea

uso dos métodos autocompositivos. Portanto, é fundamental que os juízes sejam


escutados e participem ativamente da construção das decisões do TJRS sobre
mediação familiar, cujo impacto atinge diretamente sua jurisdição.
Nessa perspectiva de democratizar a construção da política judiciária, o
Tribunal de Justiça do Espírito Santo, TJES, criou o Grupo de Trabalho de Mediação
Familiar (TJES, 2015). Certamente é medida que contribui para buscar o modelo de
política judiciária que melhor atenda às necessidades específicas dessa jurisdição,
notadamente quanto à necessidade de assegurar eficácia ao NCPC.
De parte dos juízes de primeiro grau já houve inclusive manifestação
expressa no sentido da necessidade de o TJRS rever sua atual política, a qual não
reconhece a conciliação familiar enquanto método autocompositivo. Por ocasião
do Curso de Aperfeiçoamento de Magistrados para os juízes de família, CAM/
Família, realizado em abril de 2016, os juízes postularam que o TJRS disponibilizasse
a conciliação familiar. Ainda não houve uma resposta por parte do TJRS ao pleito
dos juízes de família.
A superação do atual cenário está condicionada à mudança de postura do
NUPEMEC-TJRS, a quem compete promover um diálogo emancipatório com os
juízes e mediadores, reconhecendo seu protagonismo na construção da política
judiciária à luz dos princípios que norteiam a mediação.

Mediação privada.
Não há qualquer propósito em disponibilizar mediadores voluntários para
atuar em prol de quem tem condições de remunerar o serviço de mediação.
Tal proposição (que mediadores atendam de graça quem pode remunerar
seu trabalho) desvaloriza a mediação e retira o necessário reconhecimento ao
serviço voluntário, esvaziando-o de qualquer sentido.
Evidentemente, a questão da remuneração dos mediadores pelo próprio
Tribunal é complexa e de difícil solução a curto prazo. Todavia, essa constatação só
faz aumentar a necessidade de oportunizar que os mediadores sejam remunerados
pelas partes que tem condições de pagar pelo serviço.2

2 – Em 06/09/2017 o TJRS publicou o Ato nº 028-P estabelecendo a possibilidade de remunerar


os mediadores nos processos sem AJG. Para tais hipóteses (pagamento pelas partes) fixou o teto de
R$348,50 (10 URCs) “por termo de entendimento”. Essa decisão gerou perplexidade, seja por fixar
um teto remuneratório que não traduz o devido reconhecimento ao trabalho dos mediadores, seja
por vincular a remuneração ao “resultado”, desconsiderando os referenciais teóricos que embasam a
mediação, reduzindo-a ao propósito de obter acordos judiciais.

24
MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

Diante da resistência em se reconhecer o valor do serviço prestado pelos


mediadores, talvez seja necessário que os próprios recusem o atendimento
voluntário nos processos que não estão ao abrigo da AJG, oportunizando ao
NUPEMEC-TJRS corrigir essa distorção.
Oportuno registrar a preocupação de Fabiana Spengler (2016: 81) sobre o
tema:

Muitos mediadores, habilidosos e técnicos precisam ser remunerados


para fins de manter sua subsistência, deixando, desse modo, de
realizar o trabalho junto ao Judiciário por falta de retorno financeiro.
Perde-se, assim, os melhores profissionais.

Também André Azevedo, reportando-se à Recomendação nº 50/2014, do


CNJ, refere-se de forma positivaao “encaminhamento por juízes de feitos para
mediadores (privados) sempre que possível, tratando esse facilitador como
auxiliar da Justiça e esclarecendo o cabimento de fixação de honorários para
tanto.” (Azevedo, 2015).
Ainda sobre esse tema, urge incluir na política judiciária a questão
das mediações realizadas no âmbito privado cuja homologação em Juízo, no
RS, ainda está sendo condicionada à distribuição e recolhimento de custas,
contradizendo o discurso de valorização da via autocompositiva extrajudicial.
São variadas as possibilidades, desde a coerente isenção total de custas, até
a fixação de um percentual diferenciado ou cobrança com base no valor de
alçada.

Centros de mediação familiar.


Finalmente, outro aspecto não menos importante diz respeito à
especialidade dos Centros de Mediação Familiar, existentes em diversos
Tribunais do país e que também já existiu no RS, quando da realização do
Projeto Piloto do Centro Judiciário de Mediação Familiar, instalado no Foro
Regional do Partenon em 2013 – posteriormente transformado em CEJUSC não
especializado.
Novamente, pode-se olhar como os demais Tribunais estão lidando com
esse tema para que se compreenda que, sem dúvida, é mais um tópico que deve
ser objeto de reflexão pelo NUPEMEC-TJRS, visando à retomada do protagonismo
que já detivemos – no passado – em matéria de jurisdição de família.

25
Roberto Arriada Lorea

CONCLUSÃO
Pode-se concluir que não obstante o esforço realizado pelo TJRS para
difundir o uso dos métodos autocompositivos, no que concerne à jurisdição de
família, a atual política judiciária não se mostra capaz de atender a nova legislação
– notadamente, os artigos 694 e 695, do NCPC.
É preciso repensar o papel do NUPEMEC-TJRS na política judiciária,
redirecionando sua atuação para o efetivo estímulo aos métodos autocompositivos,
dentro e fora dos espaços do Judiciário.
Examinando-se o conjunto de iniciativas adotadas por outros Tribunais
de Justiça, vislumbram-se diversas possibilidades de aprimoramento. Contudo,
a mudança dependerá da disposição do NUPEMEC-TJRS para estabelecer um
diálogo emancipatório com juízes e mediadores que atuam na jurisdição de
família, reconhecendo-os como sujeitos da política judiciária.

REFERÊNCIAS
AZEVEDO, André Gomma de. Retrospectiva 2014 - Conciliação e mediação têm
perspectivas ainda melhores após excelente ano. Fonte: http://www.conjur.com.
br/2015-jan-04/retrospectiva-2014-conciliacao-mediacao-boas-perspectivas.
Consultado em 12/08/2017.

SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação de Conflitos: da teoria à prática. Livraria do


Advogado Editora, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.

TJCE, Tribunal de Justiça do Ceará. Portaria nº 2.504/2015. Fonte: http://www.


tjce.jus.br/wp-content/uploads/2016/06/Portaria2504-2015.pdf. Consultado em
1º/07/2017.

TJDF, Tribunal de Justiça do Distrito Federal. (Estabelece critérios para


credenciamento de instituições formadoras de mediadores) Fonte: http://www.
tjdft.jus.br/publicacoes/publicacoes-oficiais/portarias-conjuntas-gpr-e cg/2016/
portaria-conjunta-89-de-00-10-2016. Consultado em 08/08/2017.

TJES, Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Ato Normativo 267/2015. (Cria Grupo de
Trabalho de Mediação Familiar). Fonte: https://sistemas.tjes.jus.br/ediario/index.
php/component/ediario/333069?view=content. Consultado em 1º/07/2017.

26
MEDIAÇÃO FAMILIAR NA ATUAL POLÍTICA JUDICIÁRIA

TJMG, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Portaria Conjunta nº 651/PR/2017.


(Estabelece os critérios para credenciamento de Instituições formadoras de
mediadores)Fonte: http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/pc06512017.pdf.
Consultado em 1º/07/2017.

TJPB - Tribunal de Justiça da Paraíba. Centro de Mediação Familiar de João Pesoa,


instalado em 2012. Fonte: http://www.tjpb.jus.br/primeiro-centro-de-mediacao-
familiar-e-instalado-no-forum-civel-de-joao-pessoa/. Consultado em 12/08/2017.

TJPE, Tribunal de Justiça de Pernambuco. Resolução nº 222/2007, atualizada


pela Resolução nº 287/2010. Fonte: http://www.tjpe.jus.br/noticias_ascomSY/
arquivos/2012_02_02_Resolu%C3%A7%C3%A3on%C2%BA%20222%20-%20
atualizada%20pela%20res%20287.pdf. Consultado em 28/06/2017.

TJPR, Tribunal de Justiça do Paraná. Decreto Judiciário nº 039-D.M. Fonte: https://


www.tjpr.jus.br/documents/399009/0/Decreto+Judici%C3%A1rio+39_2003-DM.
doc. Consultado em 27/08/2017.

TJSC, Tribunal de Justiça de Santa Catariana. Resolução nº 11, de 20 de setembro


de 2001. Fonte: http://busca.tjsc.jus.br/buscatextual/integra.do?cdSistema=1&c
dDocumento=584&cdCategoria=1&q=&frase=&excluir=&qualquer=&prox1=&pro
x2=&proxc. Consultado em 27/08/2017.

TJSP, Tribunal de Justiça de São Paulo. Provimento nº 2.288/16 (Lista de Instituições


habilitadas para cursos) Fonte: http://www.tjsp.jus.br/Conciliacao/Nucleo/
Instituicoes. Consultado em 1º/07/2017.

27
TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE
MEDIAÇÃO

Eduardo Fontoura Filho1

Nas relações pessoais e interpessoais a comunicação é ferramenta


indispensável para a troca de informações e assim estabelecer posições e efetuar
as trocas. No âmbito social cada indivíduo desenvolve relacionamentos, e nestes
ocorrem a criação de expectativas e o desenvolvimento de interesses – e isso é
recíproco de parte a parte. E na grande maioria das vezes, as expectativas e os
interesses das partes envolvidas não estão sincronizados. E é neste exato momento
que se tem a exegese do conflito, o qual, invariavelmente vem acompanhado de
fortes emoções. Saber administrá-las é o segredo para evitar o conflito; e, se
inevitável, administrar o recrudescimento deste conflito.
A administração de conflitos é uma das características do processo de
mediação. Quando as partes não são capazes de, por elas mesmas,filtrar o processo
de comunicação, o conflito está instaurado. O lapso de comunicação, ou o ruído
nas negociações, provoca a frustração do indivíduo que não está sendo ‘ouvido’
– leia-se: compreendido.E neste cenário o mediador intercede para facilitar e
orientar as vias de comunicação entre as partes. Dominar técnicas para lidar com
emoções é essencial para se obter a confiança necessária das partes conflitantes
para lograr êxito na tomada de decisão duradoura: o objetivo da mediação.
O processo de mediação é basicamente uma negociação facilitada pelo
mediador; este com uma postura neutra passará aviabilizar o diálogo entre as
partes ou para as partes. Parafraseando ou reestruturando mensagens e seus

1 – Eduardo Fontoura é advogado formado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul em 1994 no Curso de Ciência Jurídicas e Sociais e Mestre em Dispute Resolution
pela Pepperdine School of Law, Straus Institute de Malibu, Califórnia. É fundador e principal associado
na Fontoura & Mesquita Advogados Associados desde 1997. Sua principal atividade é relacionada a
Contratos Comerciais, e desenvolvimento de soluções para conflito familiares e empresariais. Trabalha
com a Direito de Família e Consumidores. É um autodidata em mediação muito antes do litígio ser a
principal opção para a solução do conflito.
Eduardo Fontoura Filho

significados, o mediador volta a visão e o interesse das partes dirigidos para o


futuro – o passado não há como ser modificado, mas o futuro pode ser planejado
de uma forma diferente a partir daquele momento. Parafrasear e reestruturar
informações relevando o foco negativo do conflito mirando no positivo do todo
até aquele momento. A partir de então, no melhor cenário, as partes passarão a
apontar para o fator positivo como um caminho para equacionar uma solução que
deverá ser buscada pelas próprias.
A solução almejada deverá passar por tomadas de decisão, as quais não
poderão ser feitas sob intensas emoções. Decisões tomadas no calor do embate se
mostraram desapontadoras através de estudos científicos.2Tal como o vencedor
do Nobel de Economia Daniel Kahneman esclareceu3o cérebro humano atua em
duas formas: uma, o sistema um, dispara reações baseadas em experiências de
sobrevivência dos nossos antepassados e a outra, sistema dois, calcula todas as
opções com suas variáveis e toma a decisão mais racional – ao menos diante das
informações obtidas até aquele momento. A primeira é rápida e invariavelmente
sabotadora dos interesses finais uma vez que tomada no calor da emoção;
enquanto a segunda é mais demorada, porque calcula todas as diferentes
conjecturas aplicáveis ao caso.
Estudos científicos4 demonstraram que as emoções são capazes de
obstruir e sabotar o processo cognitivo para a tomada de decisão. Portanto,
é extremamente importante que o mediador seja sabedor deuma verdade
cientificamente comprovada: se a parte está emocionalmente fragilizada ou
instável, dificilmente ocorrerão decisões acertadas no decorrer do processo.5 Esta
cadeia de decisões equivocadas6 vai prejudicar a criação do ‘círculo de confiança’
entre o mediador e as partes. A conexão de confiança não irá se estabelecer se a
emoção não for esvaziada. E, em não havendo o estabelecimento de uma ponte
de confiança entre mediador e parte, o processo de mediação estará fadado ao
desgaste e poderá se dirigir ao insucesso.

2 – Richard Birke, em Neuroscience and Settlement: An Examination of Scientific Innovations and Practical
Applications, Ohio State Journal on Dispute Resolution, Vol. 25:2, 2010, p. 477 – 530;
3 – Daniel Kahneman, Rápido e Devagar, duas formas de pensar, Ed. Saraiva, 2012;
4 – Randal L. Kaiser, et al, Let’s not make a deal: an empirical study of decision making in unsuccessful
settlement negotiations, Journal of Empirical Legal Studies, vol. 5, Issue 3, 551-591, September 2008;
5 – Leonard Riskin, Managing Inner and Outer Conflict, 18 Harv. Negotiation L. Rev. 1, 2013
6 – Leonard Riskin, Decision Making in Mediation: The New Old Grid and the New New Grid System, 79
Notre dame L. Rev. 1, 2003;

30
TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Para que o processo de mediação passe a imprimir um fluxo de decisões


positivas é de suma importância que o mediador utilize ferramenta que
pontualmente venham a facilitar a comunicação entre as partes. Pode-se
afirmar que a comunicação é a primeira e mais importante ferramenta de todo
o processo. Detectar as emoções das partes é crucial para estabelecer o primeiro
contato. Reconhecendo-as e descrevendo-as verbalmente às partes provoca e
estabelece um grau de conexão pessoal entre mediador e parte de uma forma
pouco dimensionada anteriormente. Quando as partes têm a oportunidade de
‘desabafar’ a identificação do estado de humor e dos sentimentos deve ser quase
imediata. Para grifar essa identificação o mediador deverá repetir as últimas
palavras da parte, seguindo da informação de reconhecimento do estado de
ânimo: “Parece que estás muito desapontado”, “Parece que o estresse da situação
te deixou com muito medo”, “Parece que estás desesperançado”. Ao reconhecer o
estado de espírito e o ânimo da parte e declarar verbalmente o reconhecimento
disto – usando o correto tom de voz e linguagem corporal, após repetir as últimas
palavras da declaração, estabelece-se uma ponte importante de harmonia e
conexão.
Parte desta técnica é apropriação do que Robert Cialdini ensinou em
sua obra de referencia no capítulo da Reciprocidade7. A parte acabará por
aceitar a informação não apenas com uma identificação, mas também como
um reconhecimento do estado de ânimo. Neste momento a reciprocidade se
estabelecerá e, consequentemente, a conexão.
Esta técnica se confunde com outra: as declarações de TU ou VOCÊ. Para
a parte que está sendo ouvida, trazendo informações acerca do estado de ânimo,
sentir-se-á mais apreciada quando ouvir do mediador declarações onde o sujeito
da declaração é ela mesma e não o mediador. Por isso, preferencialmente, evita-
se declarações tipo: “Eu entendo...”, “Eu percebo...”, ou “Eu diria...”. O caso ou o
conflito não é sobre o mediador, mas sobre as partes. E essa é a forma de auxiliar
as partes e aliviarem suas emoções e passar a atuar pro-ativamente em direção a
resolução do conflito.8
Acompanhando a linha de ferramentas criadas e estabelecidas para lidar
com emoções na mediação, e sempre baseada na comunicação, recomenda-se

7 – Robert B. Cialdini, Influência: a psicologia da persuasão;


8 – Douglas E. Noll, De-Escalate: How to calm an angry person in 90 second or less, Simon & Schuster,
2017;

31
Eduardo Fontoura Filho

evitar o uso de ‘porquês’ quando buscar informações complementares a verificar


a realidade das informações – reality check. Perguntas retóricas iniciadas pela
conjunção ‘qual’, surtem melhor efeito na busca de respostas abertas (quase
um depoimento). Os porquês buscam razões e motivos e estas perguntas são
percebidas como criticas, onde a neurociência muito explica a amigdala cerebral9.
Na hora de buscar por informações é importante saber que há alternativas que
trazem às partes ao círculo de confiança. E é isto que todo mediador necessita
quando atua facilitando o entendimento.
O mediador profissional tem conhecimento que a emoção não é um aliado
no processo de mediação. E por isso tem ferramentas uteis e simples para todo e
qualquer momento. A Lista dos Três Desejos é considerada uma das mais simples e
mais efetiva para esfriar emoções e auxiliar na alteração de humor em beneficio da
racionalidade. Emoção e razão estão em distantes e opostos extremos. Enquanto
um prejudica a descoberta da solução, o outro trabalha em prol da elucidação da
equação do conflito. A Lista dos Três Desejos tem momento apropriado para ser
usada, o que significa dizer que nem toda hora é uma boa hora.
Alguns momentos, ou em alguns casos de natureza especial, tal como
relações de trabalho, as sessões tem de iniciar e ser privadas – em quase a
totalidade dos casos10; ou quando as partes descobrem durante o processo que
estão desconfortáveis e necessitam privacidade. Nestes casos, invariavelmente, as
partes estão infladas de emoções e antagonismos. Em sessões privadas o tempo
trabalha contra o mediador; aliado ao fato de que uma das partes (ou mais) ficará
(ou ficarão) de certo modo ociosa e/ou entediada. Isso tende a incrementar o grau
de emoções. Neste momento o mediador mostra um bloco com uma caneta (tem
de ser um jogo com o numero exato de participantes para todos participarem
da técnica). O mediador solicita que a parte insuflada de emoção passe a pensar
no futuro referente à causa sob debate. E que para a parte auxiliar o mediador
na solução do conflito ou do impasse, pense em três diferentes cenários para o
futuro – para manter o equilíbrio, faz a mesma sugestão aos outros participantes.
A intenção é que os participantes passem a deixar as emoções de lado
utilizando a faculdade cerebral de elaborar pensamentos. A atividade cerebral
irá irrigar o cérebro com uma quantidade maior de sangue – oxigenando-o e

9 – John J. Ratey, Spark: The Revolutionary New Sciensce of Exercise and the Brain, Little Brown & Co.,
2013;
10 – Roderick Swaab, Face-First: Pre-mediation Caucuses and Face on Employment Disputes;

32
TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

acalmando, o que por si só importará em uma redução das calorosas emoções e


prol da razão. Ao elaborar imagens de um futuro almejado o participante também
centrará o foco naquilo que se busca: a solução do conflito. Contudo, para que a
ferramenta surta efeito é necessário que o mediador estabeleça critérios junto
com a parte. Isso é imprescindível para que não haja mais qualquer expectativa
não-realística. Esse balizamento é extremamente saudável e faz parte do processo
para criar conexão e harmonia.
Nesta caixa de ferramentas nenhum mediador pode ficar desatento ao
que as partes estão a relatar. Ninguém sabe mais do conflito que elas mesmas.
Portanto, a comunicação do mediador é receptiva; o mediador é um receptor de
informações (escuta-ativa). E quando estas vão se alinhando e fazendo sentido,
caberá ao mediador saber qual ferramenta aplicar no momento apropriado. O
“Inimigo Comum” e a “História Heroica” são duas ferramentas que exigem ouvido
aguçado e criatividade.
Quanto ao Inimigo Comum é necessário encontrar um aliado que não esteja
na sala, mas de algum modo desenvolveu alguma ação ou omissão que redundou
no conflito, e ambas partes foram prejudicadas por este terceiro ausente. Este é o
momento que se deve aplicar a Teoria da Reciprocidade de Cialdini.11 Colocar ambas
partes no mesmo sentido, uma vez que ambas estão com o conflito provocado por
este terceiro, que não está lá para responder por suas responsabilidades.
O Inimigo Comum aliado ao Princípio da Reciprocidade é uma oportunidade
que nem sempre se desvela no processo de mediação. Todavia, quando o mediador
perceber a oportunidade, deve usá-la de forma indireta. O que significa dizer que
não cabe ao mediador chegar nesta conclusão, mas cabe as partes verem que o
conflito nasceu em face de um terceiro. De outra forma, o mediador poderá ser
considerado manipulador e/ou tendencioso no julgamento contra uma terceira
pessoa ausente da negociação e que um dia privou do relacionamento das partes.
A outra ferramenta que o mediador deve usar com cautela é a História
Heroica – e por duas razões. Quando as partes desvelarem suas posições e
interesses, a experiência do mediador poderá trazer informações sobre casos
semelhantes ou situações da vida pessoal – isso ajuda a aumentar a conexão e
confiança entre as partes e com o mediador, consequentemente. O uso de fatos
de terceiros pode auxiliar e muito na solução do conflito em debate, contudo esta
historia a ser narrada tem de ser verdadeira – porque se não for e as partes assim

11 – Robert B. Cialdini, Influência: a psicologia da persuasão;

33
Eduardo Fontoura Filho

desconfiarem, a conexão ficará comprometida. Além de verdadeira, tem de ter


relação com o caso ou com o perfil das pessoas envolvidas. Não preenchendo a
coluna da veracidade e a coluna da conexão, novamente o mediador poderá sofrer
um revés nas suas conexões e talvez não recuperar mais a credibilidade até então
angariada.
Há outro ponto a se observar para que a História Heroica tenha resultado
satisfatório. Mesmo que a história contada seja experiência pessoal do mediador,
preferencialmentese deve utilizar a terceira pessoa do singular ou do pluralpara
fazer a conexão dos fatos com as necessidades das partes envolvidas no conflito.
E isto por uma razão importante. As partes podem se interessarprofundamente
pelos fatos e as consequências da história trazida à mesa a ponto de perderem o
foco nas negociações que envolvem o conflito em questão.
Ao utilizar uma terceira pessoa como protagonista de fatos pessoais, o
mediador descentraliza o personagem e, caso o assunto se prolongue em demasia,
poderá encerrar o uso da ferramenta de forma apropriada com uma revelando
que desconhece mais detalhes dos fatos. E assim se dedicar apenas aquilo que
interessava às partes.
E por fim, um fato que os mediadores devem estar atentos e avisados –
a fim de melhor aplicar sua caixa de ferramentas. Existe um grupo especial de
pessoas que acirram os ânimos e esquentam os debates durante negociações,
incrementando o tom e a dificuldade na solução dos conflitos. Estas pessoas são
conhecidas como Pessoas de Alto Potencial de Conflito12, onde traços de desordem
de personalidade dificultam a utilização de qualquer ferramenta. Borderliners,
narcisistas, antissociais, histriônicos e paranoicos são pessoas que facilmente se
sentem manipuladas, uma vez que essa é a forma que o cérebro percebe a troca de
informação. Não é somente a emoção com alto grau de volatilidade, mas também
a incapacidade de poder realizar pensamentos racionais para atingir conclusões
diferentes das precedentes.
Este curto artigo não tem o escopo de dissecar estes distúrbios. Todavia,
faz-se imprescindível saber que uma boa parcela da população sofre com estas
desordens e sequer tem conhecimento disto. É necessário que o mediador
fique atento a traços de desordem de personalidade e não confundam estes
com personalidade forte, apenas. Neste sentido poderá fazer melhor analise da
situação para aplicar as ferramentas cabíveis caso a caso. E quando o resultado não

12 – Bill Eddy, High Conflict People in Legal Disputes, 2nd. Edition - 2016.

34
TÉCNICAS DE COMO LIDAR COM EMOÇÕES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

acontece, isso não é por falha na aplicação da ferramenta, mas porque algumas
mentes não tem os mesmos processos de racionalidade – e isso é natural. Para
estes casos, existem outras formas de soluções e não é a mediação que solucionará
o conflito interno destas pessoas.
A mediação não funciona para todos e tudo. A mediação é uma ferramenta e
como toda ferramenta tem situações adequadas para ajudar a solucionar impasses
e isto depende das partes envolvidas. Isso faz lembrar os três P’s da Mediação13:
Problema, Pessoas, e Processo. O mediador pode verificar o problema e analisar
a solução viável como a solução de uma equação. O mediador pode dominar o
processo de mediação e saber como evoluir do princípio ao fim. A incógnita nesta
trinômio são as pessoas que estão envolvidas – o “P” mais importante da equação
conflituosa.
Isto demonstra que o processo de mediação é um processo multidisciplinar
e impõe ao mediador buscar informações nas mais diversas áreas, tais como
neurociência, comportamento humano, psicologia, sociologia, relações intercultu­
rais, e mediação, entre outras. E o mediador necessita estar atento e atualizado
nas mais diversas áreas que envolvem conflitos e soluções destes. Assim poderá
atualizar a caixa de ferramentas das técnicas para lidar com emoções durante o
processo de mediação – uma atualização que é um processo sem fim.

13 – Eemeli Isoaho & Suvi Tuuli, Lessons learned from Mediation Process, 2013;

35
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O
ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak1


“Quando impomos sanções a pessoas irresponsáveis,
isto tende a torná-las mais irresponsáveis ainda”. (Dennis A. Challen).

INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva refletir e propor outra forma de tratamento aos
conflitos que desbordam para a esfera penal, haja vista a ineficiência da resposta
criminal pelo viés da justiça retributiva.
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2014,
a população carcerária brasileira estava em torno de 711.463 presos. Nosso país
ocupava a terceira posição mundial de presos, ficando atrás somente dos Estados
Unidos e China.
Havia ainda um déficit de 354 mil vagas no sistema carcerário e, se
considerados os mandados de prisão em aberto, a população carcerária saltaria
para mais de um milhão de pessoas.
Considerando que a população brasileira aumenta 7% a cada ano, hoje
teremos aproximadamente 872.000 presos, com um índice de reincidência em
torno de 70%.
No Rio Grande do Sul a população carcerária está em torno de 37 mil presos.
Segundo dados estatísticos, a grande maioria da população carcerária,
possui entre 18 e 29 anos, portanto, se constitui de indivíduos jovens.

1 – Desembargadora do TJRS. Integrante do Núcleo de Estudos em Mediação da Escola Superior da


Magistratura AJURIS/RS.Coordenadora do NUPEMEC/TJRS de 2010 a 2015. Conselheira da Escola Nacional
de Mediação de 2012 a 2014. Mestre em Mediação e Negociação pela Maestria Latino-americana
Européia APEP em convênio com o Institut Universitaire Kurt Bosch – Suíça. Integrante da Comissão
de Especialistas do Ministério da Justiça para elaboração da Lei de Mediação. Possui capacitação em
Negociação e Mediação de Conflitos pela Columbia University – Nova Iorque.
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

Os crimes pelos quais a maioria dos indivíduos está encarcerada são contra
o patrimônio (46%), Lei de Drogas (28%) e contra a pessoa (13%).
Um dado importante foi o crescimento do número de mulheres encar­
ceradas, das quais 64% cumprem pena por delitos relacionados ao tráfico de
entorpecentes.
Diante dessa realidade, possível concluir que não prendemos pouco.
Prendemos mal.
Necessário, portanto, reperspectivar a maneira como tratamos os conflitos
que, de alguma forma, adentram a seara do direito criminal.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA RETRIBUTIVA


Segundo Howard Zehr2, o crime é um evento traumático. É devastador
porque perturba dois pressupostos fundamentais sobre os quais calcamos nossa
vida: a crença de que o mundo é um lugar ordenado e dotado de significado, e
a crença na autonomia pessoal. Rompe com o sentido de ordem e significado.
Destrói a sensação de autonomia. É degradante e desumanizador perder o
poder pessoal e ficar sob o poder dos outros. Os efeitos psicológicos podem ser
mais graves do que a perda física. O crime é também uma violação da confiança
depositada no relacionamento com os outros, portanto, ele não atinge somente
vítima e ofensor, mas toda a coletividade.
Na abordagem tradicional, sob a lente da justiça retributiva, diante de um
evento ilícito, são feitas as seguintes perguntas: Que lei foi infringida? Quem a
infringiu? Que castigo merece o infrator?
O processo penal tradicional se foca na culpa – culpa legal e não factual.
Tem olhar sobre o passado – em detrimento do futuro. O conceito de culpa no
processo judicial é técnico – facilita a negação da responsabilidade. Frustra as
vítimas. Obriga vítima e ofensor a falarem a linguagem do sistema.
O crime é dívida moral que deve ser paga – a justiça dá o equilíbrio à balança
– mas o pagamento é abstrato e não há reconhecimento público quando a dívida
foi paga. Passar ao ofensor a mensagem de que “Você fez mal a alguém então nós
faremos mal a você também” – simplesmente aumenta a quantidade de mal neste
mundo. A lei penal é de fato a “lei da dor”. Infligimos dor como resposta ao crime.

2 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena,
2008.p. 24.

38
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

O processo penal é a determinação da culpa e a administração da dor. A justiça é


definida mais pelo processo do que pelo resultado. O procedimento tem precedência
sobre o mérito. É adversarial. Fomenta o conflito de interesses entre as partes. É um
modelo de guerra. Tem o foco na isonomia do processo, não nas circunstâncias do
fato. A justiça acaba mantendo desigualdades em nome da igualdade.
Vítima e ofensor se tornam expectadores e não participam de seu próprio
processo. O sistema penal afasta o processo de justiça dos indivíduos e da
comunidade. A Justiça é definida como aplicação da lei. Ao invés de focarmos o
dano efetivamente causado ou a experiência vivida pela vítima e o ofensor, nos
concentramos no ato da violação da lei. O Estado e não o indivíduo é definido
como vítima.
Assim, pelo fato de o Estado ser tão impessoal e abstrato é praticamente
impossível obter o perdão e a clemência. As vítimas são meras notas de rodapé
no processo penal 3.
O processo criminal não promove a reconciliação entre vítima e ofensor
porque o relacionamento entre eles não é visto como um problema importante.
De fato, como poderiam seus sentimentos um em relação ao outro ser levados a
sério se nenhum dos dois participa da equação?
O encarceramento deveria atender às necessidades sociais de punição,
proteção e reeducação. Alguns ofensores são efetivamente perigosos e precisam
ficar presos, sujeitos ao sistema judicial. Porém, não seria a regra geral. Necessária
uma abordagem diferenciada sobre o crime.
Falta em nosso modelo de enfrentamento dos conflitos penais um espaço para
arrependimento e perdão. Para que haja cura é importante que as vítimas possam
perdoar. O perdão não pode ser um ônus. É um ato de empoderamento. Necessário
se oferecer ocasiões para perdão, confissão, arrependimento e reconciliação.
O sistema atual não contempla esses estágios e não favorece a reconciliação.
Na verdade, incentiva os ofensores a negarem sua culpa e se concentrarem na
sua própria situação. Busca manter a vítima e o ofensor separados, realçando sua
condição de adversários, desestimulando a busca de um entendimento comum
sobre a ofensa e sua resolução.
O processo penal desumaniza a vítima, na medida em que não a trata como
pessoa, mas como meio de prova. Não leva em conta os efeitos psicológicos do

3 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena,
2008. p. 79.

39
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

crime, nem visa sua recuperação. A vítima precisa lidar com suas perdas e vê-
las ressarcidas. Necessita de respostas e de informações. Precisa saber o que
aconteceu realmente. Por que comigo? Precisa oportunidade para expressar e
validar suas emoções (empoderamento). Tem necessidade de uma experiência
de justiça, sem a qual sua recuperação poderá ser inviável. Também, precisa
saber que providências estão sendo tomadas para corrigir as injustiças e reduzir
as oportunidades de reincidência. Quer ser, ao menos em certos aspectos,
consultada e envolvida no processo. A vítima desatendida poderá ter dificuldade
para recuperar-se ou ter uma recuperação incompleta e, no modelo tradicional
retributivo, não há qualquer participação sua na solução da causa, o que a deixa
totalmente alheia ao resultado e sem confiança na justiça.
O ofensor, de outro lado, sofre as conseqüências punitivas: - prisão ou
penas alternativas. Porém, o processo estimula a focar nos erros cometidos,
desviando a atenção que deveria estar sobre o dano causado à vítima, dando ao
ofensor uma visão limitada e abstrata de sua responsabilidade. As conseqüências
por seus atos são escolhidas por outros – os ofensores não se responsabilizam
por elas e, por isso, acabam acreditando que o que fizeram não é tão grave.
Geralmente, culpam outras pessoas – a sociedade e até a própria vítima. Não
dão atenção aos danos causados, nem têm noção da dimensão de seus atos.
Ficam envolvidos com sua própria situação jurídica. Não olham para o custo
humano dos atos cometidos. “As decisões responsabilizam os ofensores, mas não
os tornam responsáveis”4
A somar, a idéia de que o delito foi cometido contra a sociedade é abstrata,
sem identificação e o processo penal contribui para essa percepção porque quem
move a causa é o Estado, um ente abstrato. O acusado pode mentir sem qualquer
conseqüência jurídica e, de regra, é essa a orientação defensiva predominante,
com o que a decisão judicial é algo que não lhe afeta, porque imposta, não
gerando responsabilidade no cumprimento da sanção, estimulando, desse modo,
a imaturidade.
Não obstante, o ofensor precisa assumir a responsabilidade por seu
comportamento. Ser estimulado a formar uma compreensão o mais completa
possível daquilo que fez. O que suas ações representaram para as outras pessoas
envolvidas e qual foi o seu papel. Ser encorajado a corrigir seus erros, na medida

4 – ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Atena,
2008. p. 41.

40
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

do possível. Participar do processo e encontrar modos para fazer isto. Esta é a


verdadeira responsabilidade.
Nesse modelo de justiça essencialmente retributivo está a raiz de muitos de
nossos problemas. Porém, o sistema judicial é somente uma das muitas maneiras
de resolver disputas e danos. Podemos evoluir e avançar para um enfrentamento,
sob novos olhares que priorizem o elemento humano, sem o qual os próprios
conflitos não existiriam.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA:


Quando focamos o crime pela lente da justiça restaurativa, as perguntas
são as seguintes: Quem sofreu o dano? O que essa pessoa precisa para que o dano
seja reparado? Quem tem a responsabilidade de consertar essa situação?
O crime é visto como uma violação de pessoas e relacionamentos. Cria a
obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade
na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança. Mesmo
quando o crime é patrimonial, as pessoas se sentem vítimas de uma violação pessoal,
por isso a necessidade de se construir espaços de diálogo e intercompreensão.
Não há consenso doutrinário acerca da definição ou conceito de Justiça
Restaurativa, razão pela qual abordaremos o tema sob o enfoque trazido pela
Resolução nº 2002/12 da ONU5.
Conforme a Resolução, a Justiça Restaurativa evolui como uma resposta ao
crime que respeita a dignidade e igualdade das pessoas, constrói o entendimento
e promove harmonia social mediante a restauração das vítimas, ofensores e
comunidades.
Essa abordagem permite que as pessoas afetadas pelo crime possam
compartilhar abertamente seus sentimentos e experiências, bem assim seus
desejos sobre como atender suas necessidades, propiciando que logrem uma
reparação, se sintam mais seguras e consigam superar o problema.
Também, permite aos ofensores compreenderem as causas e conseqüências
de seu comportamento e assumirem responsabilidades de forma efetiva.
Possibilita à comunidade a compreensão das causas subjacentes do crime, para se
promover o bem estar comunitário e a prevenção da criminalidade.

5 – Disponível em;http://www.un.org/en/ecosoc/docs/2002/resolution%202002-12.pdf. Acesso em: 30


jul. 2017

41
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

Nesse passo, tem-se como “Programa de Justiça Restaurativa” qualquer


programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados
restaurativos.
“Processo Restaurativo” significa qualquer processo no qual a vítima e
o ofensor e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da
comunidade afetados participam ativamente na resolução das questões oriundas
do crime, geralmente com a ajuda de um terceiro justo e imparcial. Incluem-se
a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e os
círculos decisórios (sentencing circles).
Como “Resultado Restaurativo” a Resolução da ONU define o acordo
construído no processo restaurativo e pode incluir como reparação, restituição e
serviço comunitário, ou qualquer outro meio de reparar a vítima e a comunidade,
objetivando atender as necessidades individuais e coletivas, as responsabilidades
das partes e promover a reintegração da vítima e do ofensor.
“Partes” significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indivíduos ou
membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos
num processo restaurativo.
“Facilitador” significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa
e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidos num processo
restaurativo, inserindo-se neste conceito, também, o Mediador.
Quanto à utilização da Justiça Restaurativa, a Resolução da ONU dispõe
que os programas podem ser usados em qualquer estágio do processo de justiça
criminal, mas deve haver o consentimento livre e voluntário da vítima e do ofensor,
os quais podem revogar esse consentimento a qualquer momento, durante o
processo. Da mesma forma, os acordos deverão observar a voluntariedade das
partes e conter somente obrigações razoáveis e proporcionais.
Os processos restaurativos devem ser usados quando houver prova
suficiente de autoria para denunciar o ofensor e as partes (vítima e ofensor) devem
normalmente concordar sobre os fatos essenciais que envolvem o caso, sendo
isso um dos fundamentos restaurativos. Entretanto, a participação do ofensor não
implica admissão de culpa em processo judicial.
Importante destacar que tais disposições em nada afetam o Princípio da
Presunção de Inocência, pois a responsabilidade assumida pelo ofensor acerca do
fato e seu aceite quanto ao processo restaurativo não significa qualquer espécie
de confissão ou assunção de culpa no sentido legal, portanto, sua situação no
processo judicial não restará afetada, neste aspecto.

42
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

Além disso, está expressamente garantida a confidencialidade do processo


restaurativo. Apenas as partes poderão autorizar a publicidade das discussões,
salvo as exceções determinadas pela legislação pertinente.
Tal princípio, comum aos processos autocompositivos facilita a troca de
informações e o diálogo franco, pois, em ambiente privado e seguro, as partes se
sentem mais predispostas a fazer declarações e assumir responsabilidades que
não poderão ser utilizadas contra si posteriormente.
No âmbito do Poder Judiciário brasileiro, a Resolução 2256, de 31 de maio
de 2016, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, dispôs sobre a Política Nacional
de Justiça Restaurativa, estabelecendo em seu artigo 1º: A Justiça Restaurativa
constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos,
técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores
relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio
do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de
modo estruturado.
A Resolução do CNJ estabelece uma série de premissas e critérios para
as práticas restaurativas, em especial, em seu artigo 2º, reforçando as diretrizes
da Organização das Nações Unidas (Resolução 2002), ressalta quais são seus
princípios orientadores:

Art. 2º São princípios que orientam a Justiça Restaurativa: a


corresponsabilidade, a reparação dos danos, o atendimento
às necessidades de todos os envolvidos, a informalidade, a
voluntariedade, a imparcialidade, a participação, o empoderamento,
a consensualidade, a confidencialidade, a celeridade e a urbanidade.
§ 1º Para que o conflito seja trabalhado no âmbito da Justiça
Restaurativa, é necessário que as partes reconheçam, ainda que em
ambiente confidencial incomunicável com a instrução penal, como
verdadeiros os fatos essenciais, sem que isso implique admissão de
culpa em eventual retorno do conflito ao processo judicial.
§ 2º É condição fundamental para que ocorra a prática restaurativa,
o prévio consentimento, livre e espontâneo, de todos os seus

6 –Disponível em http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3127. Acesso em 30 de jul. 2017.

43
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

participantes, assegurada a retratação a qualquer tempo, até a


homologação do procedimento restaurativo.
§ 3º Os participantes devem ser informados sobre o procedimento
e sobre as possíveis consequências de sua participação, bem como
do seu direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do
procedimento.
§ 4º Todos os participantes deverão ser tratados de forma justa e
digna, sendo assegurado o mútuo respeito entre as partes, as quais
serão auxiliadas a construir, a partir da reflexão e da assunção de
responsabilidades, uma solução cabível e eficaz visando sempre o
futuro.
§ 5º O acordo decorrente do procedimento restaurativo deve ser
formulado a partir da livre atuação e expressão da vontade de todos
os participantes, e os seus termos, aceitos voluntariamente, conterão
obrigações razoáveis e proporcionais, que respeitem a dignidade de
todos os envolvidos.

Desses regramentos se conclui que os processos restaurativos, independente­


mente da metodologia adotada, devem observar as seguintes premissas: a) a
resposta para o crime deve ser a reparação, tanto quanto possível, do dano sofrido
pela vítima; b) os ofensores devem compreender que seu comportamento não
é aceitável e que trouxe reais conseqüências para as vítimas e a comunidade; c)
os ofensores podem e devem reconhecer a responsabilidade por seus atos; d) as
vítimas devem ter a oportunidade de expressar suas necessidades e participar no
sentido de encontrarem a melhor maneira de o ofensor promover a reparação
dos danos; e) a comunidade também tem a responsabilidade de contribuir nesse
processo.
Ainda, seus valores são: a participação plural; o respeito por todos os
participantes; a preferência por soluções consensuais; a flexibilidade do processo,
com a construção conjunta dos resultados e o envolvimento da comunidade.
Nessa perspectiva de abordagem, as práticas restaurativas promovem a
reabilitação do ofensor; o suporte às vítimas; a efetiva redução da criminalidade;
a melhora do relacionamento entre a justiça criminal e a sociedade; a reforma
gradativa e pacífica do sistema de justiça criminal, com futura redução dos
conflitos submetidos a julgamento pela forma tradicional, além da redução de
custos e rapidez na solução dos casos, proporcionando maior sensação de justiça.

44
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

UMA PROPOSTA DE JUSTIÇA RESTAURATIVA PELA MEDIAÇÃO


VÍTIMA-OFENSOR CONTEXTUALIZAÇÃO NO ÂMBITO DO PODER
JUDICIÁRIO
A proposta que se apresenta é de complementação ao trabalho que já vem
sendo desenvolvido no âmbito da Justiça Restaurativa no Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul.
Nosso modelo de Justiça Restaurativa está muito focado nos círculos de
construção de paz. Sem que soe como crítica ao modelo, a Justiça Restaurativa é
muito mais. Como se verificou no regulamento das Nações Unidas, existem várias
metodologias com que se pode trabalhar de forma restaurativa e os círculos nem
sempre são adequados a determinados contextos, nos quais se exigiria maior
privacidade, ou até mesmo, a obtenção de soluções mais rápidas e objetivas, uma
vez que os encontros circulares possuem maior abrangência por envolverem uma
pluralidade de indivíduos e a própria comunidade na qual estão inseridos.

Possibilidades no âmbito do Poder Judiciário


Possível trabalhar a mediação vítima-ofensor no âmbito dos delitos
de menor potencial ofensivo e nas ações penais privadas ou condicionadas à
representação da vítima.
Possível também nos crimes de ação penal pública incondicionada com ou
sem possibilidade sem influência no curso do processo penal, dado que não temos
legislação que proíba essa prática.
O entendimento entre a vítima e ofensor poderá ser levado em consideração
pelo Juiz na redução de pena prevista no art. 66 do CP. – atenuante inominada – “A
pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou
posterior ao crime, embora não expressamente prevista em lei”
Em alguns casos, poderá, inclusive, ser levado em conta para a absolvição.
Ex. delitos patrimoniais sem violência à pessoa que muitas vezes ficam numa zona
limítrofe entre o ilícito penal e civil (estelionato, apropriação, abandono material).

Quando e como usar a mediação vítima-ofensor?


Em qualquer estágio do processo. Quando houver prova suficiente da
autoria e o ofensor admití-la. Vítima e ofensor devem concordar sobre os fatos
essenciais que envolvem o caso, porém, a participação do ofensor não implica
admissão de culpa em processo judicial.

45
Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak

Questiona-se: Como fica o Princípio da Presunção de Inocência? O aceite


ao processo restaurativo não significa confissão ou culpa sob o aspecto legal e
a aceitação à mediação não altera sua situação no processo judicial. Há de se
observar princípio da confidencialidade, garantindo-se ao ofensor a segurança de
que eventuais fatos revelados durante a mediação não serão usados contra ele no
processo criminal.
O primeiro contato a ser feito pelos mediadores deve ser com o ofensor
para evitar a revitimização, na hipótese de a vítima estar disposta à mediação e o
ofensor negar-se a essa possibilidade, gerando frustração no ofendido. Seguem-se
encontros individuais com a vítima e o ofensor até que, se oportuno e possível, ao
final, é realizada a sessão conjunta.

Algumas considerações
Não se trata de medida para beneficiar infratores, nem de incentivo à
impunidade, muito pelo contrário – é uma ferramenta de RESPONSABILIZAÇÃO
do ofensor que visa também à humanização do processo penal (vítima e
ofensores na sua condição de humanidade com oportunidade de participação e
empoderamento).
É uma política de desencarceramento pela promoção de consensos, evitando
a reiteração delitiva e o ingresso de indivíduos com potencial para mudança de
comportamento frente ao crime nas caóticas e medievais prisões de nosso país.

AS OFICINAS PARA O PERDÃO


Além da mediação vítima-ofensor, propõe-se a realização de oficinas em
apoio às vítimas na superação de mágoas e rancores decorrentes do crime ou de
processos judiciais. São encontros sem conotação mística ou religiosa. As oficinas
estão baseadas no Projeto para o Perdão da Universidade de Stanford e não estão
necessariamente vinculadas às mediações. Constituem projeto autônomo, mas
complementar.
Importante destacar a existência de inúmeras pesquisas sobre os benefícios
do perdão, dentre elas o Projeto para o Perdão da Universidade de Stanford,
desenvolvido pelo Dr. Fred Luskin, o qual servirá de referência para as oficinas
acima referidas e detalhadas em artigo próprio.7

7 – LUSKIN, Dr. Fred, O Poder do Perdão, Uma receita provada para a saúde e felicidade, Ed. Francis, 2002.

46
MEDIAÇÃO VÍTIMA-OFENSOR: OUTRO CAMINHO PARA O ENFRENTAMENTO DE CONFLITOS DE NATUREZA PENAL

REFERÊNCIAS
ACHTTI, Daniel, Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal, Modelos Contempo­
râneos de Justiça Criminal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

CARAM, Maria Helena. Hacia La mediación penal. Buenos Aires: La ley, 2000.

HIGTON, Elena; ALVAREZ, Gladis e GREGÓRIO, Carlos. Resolución Alternativa de


Disputas y Sistema Penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 1998.

KUBIAK, Vanderlei Teresinha Tremeia. Mediação de Conflitos. In: VIEIRA, Waldo;


(Org.); Enciclopédia da Conscienciologia Digital. Foz do Iguaçu: Editares, 2016.

LUSKIN, Fred. O Poder do Perdão. Tradução de Carlos Szlak. São Paulo: Francis,
2002.

PALLAMOLLA, Raffaela da Porciúncula. Justiça Restaurativa: da teoria à prática.


São Paulo:IBCCRIM, 2009.

ZEHR, Howard. Trocando as Lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São
Paulo: Palas Atena, 2008.

47
AS APACS

Gilmar Bortolotto1

O Brasil enfrenta graves problemas de segurança. Somos um país onde


a violência atinge a todos, sem distinção de classe ou condição social. Temos
enfrentado a situação posta quase sempre impulsionados por fatos tidos como
graves, representativos da barbárie quotidiana que parece trazer a idade média
para os tempos atuais. Agimos sobre os efeitos e desprezamos as causas, o que faz
com que nossos resultados sejam sempre piores.
Os dados mais recentes informam que o Brasil registra quase 60.000
homicídios por ano. Trata-se de um número que impacta, especialmente porque
representa uma quantidade óbitos superior ao verificado nas guerras ainda em
andamento no mundo.
A população carcerária brasileira supera 700.000 pessoas, sendo a terceira
maior do mundo em números absolutos, sendo que, como índice geral, mais de
70% das pessoas que passam pelos presídios a eles retornarão.
No trato com este cenário, dispomos de um sistema prisional que serve
como repositório final para todos aqueles que, ultrapassadas as fases policial e
judicial do nosso sistema de justiça criminal, são condenados ao cumprimento de
penas privativas de liberdade.
Um olhar superficial sobre o contexto apresentado pode resultarna seguinte
conclusão: encarceramos bastante porque temos muita violência. Mais. Como
a violência segue aumentando, precisamos de mais vagas nos presídios, pois é
inevitável que venhamos a prender mais gente. Se ficarmos só nisso, certamente
estaremos caindo na armadilha que tem nos direcionado para políticas ineficazes
no trato com a violência e a criminalidade.É preciso pensar no que fazer com os
que prendemos.
A crença no sentido de que os delinquentes são irrecuperáveis tem motivado
a adoção de métodos sancionatórios que desprezam o fundamental: a educação.

1 – Procurador de Justiça – atuação na fiscalização de casas prisionais por 17 anos. Voluntário da APAC.
Gilmar Bortolotto

A quase totalidade das pessoas jamais terá contato com a realidade do


sistema carcerário. Nos presídios circulam os detentos e seus familiares, além dos
servidores penitenciários e algumas poucas autoridades que estão ligadas à área
prisional. Os estabelecimentos penais integram um sistema hermético, onde tudo
acontece por trás de altas muralhas, que simbolizam a necessidade de manter
segredo sobre o que ocorre lá. Mas o que há para esconder?
A história das penas acompanha a da humanidade. Avançamos, com len­
tidão, de um sistema extremamente cruel para outro teoricamente humanitário.
Já experimentamos a vingança privada, o Talião e os juízos de Deus, dentre outras
práticas punitivas.Foi com base nos postulados iluministas que o Brasil, no artigo
5º, inciso XLVII da Constituição Federal, adotouo Princípio da Humanidade, que
impede que se legisle sobre penas cruéis.Resulta disso que temos uma legislação
avançada sobre a execução das penas. A Lei 7.210/84 estabelece como uma de
suas finalidades a reintegração do condenado.
Entretanto, até mesmo aqueles que nunca entraram em uma penitenciária
sabem que o ambiente carcerário atual, em boa medida, reproduz a barbárie
praticada na Idade Média. Como regra, os presídios brasileiros identificam um
ambiente insalubre e dominado por facções. São locais em que a maioria dos presos
é abandonada e submetida a um sistema de escravidão imposto pelos mais fortes.
Violência e degradação moral integram uma espécie de metodologia que termina
por agravar perfis delinquentes e elevar a reincidência a níveis inimagináveis.
Concretamente, estamos diante de um sistema que alimenta a criminalidade. A
maior parte dos presos é recrutadapor grupos que dominam as prisões durante
a execução da pena. Após, em liberdade, quitam os débitos assumidos na cadeia
cometendo delitos. Aí está o ciclo que não se interrompe.
Qual a razão para a distância existente entre uma legislação avançada e as
práticas medievais?
Quando se fala em cumprimento de penas, expressões como humanidade,
ressocialização, dignidade, dentre outras, fazem parte de um discurso teórico.
Quase todos os projetos, conceitualmente, afirmam a necessidade de reintegrar o
criminoso à sociedade livre, de educá-lo. A prática, entretanto, é muito diferente
disso tudo. O sistema carcerário não chegou ao ponto de degradação em que se
encontra de forma aleatória. Apesar de não haver um plano explícito para que as
cadeias tenham se transformado em depósitos insalubres de seres humanos, o fato
é que foiisso que produzimos ao longo do tempo. Por omissão ou intencionalmente,
construímos locais onde se executa a vingança que não conseguiríamos praticar

50
AS APACS

pessoalmente sem que o nosso verniz de homens civilizados restasse arranhado.


Os muros dos presídios, dizem alguns, mais do que para evitar as fugas, servem
para ocultar o que ocorre em seu interior.
A afirmação é intencionalmente forte para que percebamos que há um longo
caminho a trilhar no sentido de que a distância entre o conceitual e o real diminua. É
preciso perceber que nossas intenções ainda não estão suficientemente claras para
nós mesmos no que diz com o processo punitivo. O fato é que, confrontados com
a delinquência, temos reagido de um modo que expõe uma forma de pensar sobre
aquele que, no nosso modo de ver, causou um mal. Pois aqui está o maior obstáculo
a vencer. Assim como no trato com o processo punitivo, distância considerável
separa em nós o que é conceito e o que é prática na construção de valores.
Há como fazer diferente? Se a resposta é sim, existem metodologias que
podem tornar mais claro para todos qual o caminho a seguir?
Dar sentido ao processo punitivo é operar com base em um novo paradigma,
aquele que procura fazer com que o autor do fato ilícito compreenda, na medida
das suas possibilidades, o que causou a escolha equivocada e como fazer melhor
da próxima vez. Se fosse possível resumir: temos que dar melhores exemplos,
transformando o sistema de execução de penas em uma escola de valores morais.
É certo que metodologias inovadoras não trarão resultados imediatos
para todos os presos, considerado o grau de comprometimento de alguns deles.
É importante considerar que, para alguns, elas funcionarão apenas como uma
espécie de redutor de danos.
Existem iniciativas ainda incipientes que ilustram o que se pode obter com
a mudança de modelo. Um bom exemplo são as APACs – Associações de Proteção
e Assistência aos Condenados. Trata-se de um sistema ainda em desenvolvimento
no Brasil, consistindo em uma metodologia de execução penal que resulta em
índices de recuperação bastante altosem relação aos presos submetidos a esse
programa. As APACs são prisões em que o tempo de cumprimento de pena é
integralmente utilizado para comunicar ao preso sobre o valor da vida e sobre
a necessidade de utilizá-la na assimilação e prática de valores morais. Daí o
alto índice de recuperação.Além de educar o preso, o modelo apaqueano tenta
comunicar à sociedade sobre a necessidade de mudar, sobre o esforço que precisa
ser feito no sentido de induzir aquele que errou a fazer diferente. O bom exemplo
aqui é tudo.
A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados surgiu em São
Paulo, na cidade de São José dos Campos, em 1972, instituída pelo advogado

51
Gilmar Bortolotto

Mário Ottoboni, líder de um pequeno grupo que trabalhava voluntariamente


no presídio de Humaitá. Ottoboni e seus parceiros desenvolveram uma série de
atividades com os apenados, observando as práticas que apresentavam bons
resultados e aquelas que deveriam ser descartadas. Tais experiências resultaram
na construção do método. O que inicialmente existia apenas como atividade da
Pastoral Penitenciária, ganhou personalidade jurídica em junho de 1974, passando
a atuar como órgão auxiliar na execução da pena.
A partir da experiência de São Paulo, a metodologia foi levada ao Estado
de Minas Gerais. Em 1986, na cidade de Itaúna, as atividades da APAC tiveram
início, com a instalação de uma unidade. O bom resultado obtido com a redução
dos índices de reincidência levou o tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2001, a
lançar o projeto Novos Rumos, com o objetivo de disseminar e consolidar as APACs
em Minas Gerais como alternativa humanizada ao sistema prisional do Estado.
No cenário nacional, dez estados do Brasil possuem APACs em funcionamento
ou em diversas fases de implantação. São 49 unidades em operação, abrigando
cerca de 3.500 recuperandos.
O Brasil exporta a metodologia para diversos países, que reconhecem
na experiência brasileira um exemplo a ser replicado, por conta dos resultados
alcançados na recuperação de presos.
No Rio Grande do Sul, já temos cinco APACs juridicamente constituídas,
sendo que a primeira unidade deve começar a operar em 2018.
A sistemática APAC apresenta um novo enfoque no cumprimento da pena,
priorizando a reeducação do preso através da aplicação dos elementos do método,
baseado na disciplina e na valorização humana.
São elementos do processo a participação da comunidade, o auxílio
mútuo entre os recuperandos, o trabalho profissionalizante, a espiritualidade, a
assistência jurídica e à saúde, a participação da família, o voluntariado, o mérito,
a existência de um local adequado para o cumprimento da pena (Centro de
Ressocialização), a jornada de libertação e a valorização humana.
Relativamente ao custo, uma vaga de regime fechado em APAC custa um
terço do que se paga no sistema comum. O custeio do preso fica por cerca de 40%
do despendido pelo Estado no sistema carcerário.
A racionalidade exige que enxerguemos que o modelo carcerário atual
agrava os perfis delinquentes e reforça naquele que violou a lei a convicção de
que não existe a possibilidade de mudar. É hora de pararmos de reclamar dos
altos índices de reincidência, percebendo que, ao menos em parte, somos por

52
AS APACS

eles responsáveis, na medida que desenvolvemos um projeto que apenas reforça


o que não é bom.
Em um cenário que identifica o maior atraso do país em termos de políticas
públicas, a metodologia APAC surge para mostrar que um outro caminho é possível.
Como tudo o que é novo, a iniciativa enfrenta desconfianças e resistências,
especialmente porque confronta uma lógica destrutiva e viciada, que tudo faz
para convencer que a delinquência não tem jeito mesmo.
O sucesso do método APAC reside na certeza de que todo aquele que
compreende o seu imenso valor como ser humano consegue enxergar o seu
próximo na mesma perspectiva, passando a ter uma vida produtiva para si mesmo,
para a sua família e para a sociedade.
As ideias de Mário Ottoboni são simples e profundas, relembrando a todos
que a mudança de vida é possível. E quem aprende com o método APAC não é
somente o preso, há uma sociedade toda também carente de educação.
Que tenhamos sucesso na empreitada.

53
A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA
VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

Elizana Prodorutti1

A APAC é o resultado da parceria dos Poderes Judiciário e Executivo


com a sociedade civil organizada. A experiência de mais de 40 anos em Minas
Gerais tem se mostrado um dos mais promissores avanços no âmbito do Direito
Carcerário.
Cada APAC constitui uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos
que adota preferencialmente o trabalho voluntário. Possui estatuto próprio e tem
suas ações coordenadas pelo Juiz da Execução Criminal da Comarca, com a total
colaboração do Ministério Público e do Conselho da Comunidade.
A APAC nasceu em São José dos Campos, interior de São Paulo no ano de
1972. Na ocasião um grupo de leigos cristãos se organizou para desenvolver um
trabalho com a população prisional da única cadeia da cidade. O objetivo era de
minimizar as aflições de uma comunidade que se acostumava a viver com medo
das freqüentes rebeliões, e com as manifestações dos presos pelo inconformismo
das más condições do estabelecimento prisional.
O que era para ser um trabalho temporário ganhou status definitivo
quando a primeira APAC nasceu na cidade de São José dos Campos. O modelo foi
idealizado pelo advogado Mário Ottoboni, que realizou a experiência inovadora de
administrar o Presídio de Humaitá que, era o único estabelecimento prisional da
cidade e havia sido desativado em 1979 por ser considerado insalubre e inseguro.
Diante disso, restou somente a APAC disposta e em condições para trabalhar com
os presos abrangendo os três regimes prisionais.
A APAC apresenta uma metodologia de ruptura ante ao atual sistema penal
vigente, cruel em todos os aspectos e que não cumpre a função ressocializadora,
já que não consegue preparar o condenado para ser devolvido à sociedade em

1 – Advogada Criminalista, Formada e pós-graduada em Ciências Criminais pelo Centro Universitário


Metodista IPA, e Mestra em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica.
Elizana Prodorutti

condições de viver harmoniosa e pacificamente. Trata-se de um método de


valorização humana, com o propósito de oferecer ao condenado condições de
recuperar-se e com o propósito de proteger a sociedade, socorrer as vítimas e
promover justiça.
Este método é baseado na Lei de Execuções Penais a partir de um novo
enfoque no cumprimento da pena, executando a liberdade progressiva, priorizando
a reeducação do preso que desempenhar os requisitos preliminarmente estabe­
lecidos. A cada etapa dos estágios estabelecidos, o encarcerado passa a ter maior
acesso à liberdade. A liberdade é conquistada a partir da inserção, aceitação da
proposta metodológica, desempenho satisfatório, disciplina e confiança.
O método tem como pilares principais o amor, a confiança e a disciplina,
tendo como filosofia “matar o criminoso e salvar o homem” e, como objetivos
recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer a vítima e promover a justiça.
Este método apresenta doze elementos obrigatórios, que constituem a base
de seu sucesso; são eles: a participação da comunidade, o recuperado ajudando
o recuperando, o trabalho, a religião, a assistência jurídica, a assistência à saúde,
a valorização humana, a família, o voluntário e o curso de formação, o Centro de
Integração Social (estrutura física), o mérito e a Jornada de Libertação (encontro
espiritual para a formação Cristã inicial).
Tudo deve começar com a participação da sociedade. É necessário
encontrar formas de despertá-la para a tarefa, principalmente quando o Estado
já se revelou incapaz de cumprir a função essencial da pena, que é exatamente a
função de preparar aquele que cometeu um delito, para retornar (re) socializado
para o convívio da sociedade.
Recuperado Ajudando Recuperando é considerado um elemento primor­
dial, procura despertar nos recuperandos um sentimento de ajuda mútua e o
despertar para os valores humanos.
A previsão legal para o trabalho prisional está posta Lei de Execuções
Penais, Lei 7.210 de 1984, em seu artigo 28, prevendo o trabalho do preso
como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade educativa
e produtiva. O trabalho prisional é obrigatório conforme artigo 39 da Lei de
Execuções Penais, que traz a previsão de que se constitui em um dos deveres do
condenado.
A religião é considerada umdos pontos centrais do método, pois o objetivo
do método é a preparação da pessoa como um todo, e sendo assim, a face
espiritual é muito importante.

56
A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

É de conhecimento público que a maioria da população carcerária não


reúne condições financeiras para contratar um advogado particular, gerando
assim uma ansiedade e sentimento de abandono. A maior preocupação de todo
condenado diz respeito à sua condição processual, a fim de conferir seus direitos,
garantias e tempo que lhe resta de pena a ser cumprida. Desta forma todos os
recuperandos têm acesso à assistência jurídica que é feita através de voluntários.
A assistência à saúde compreende assistência médica, odontológica e
psicológica, através de atendimento realizado por voluntários. A saúde configura
um aspecto essencial de garantia da dignidade da pessoa humana, devendo sempre
ser priorizada, evitando preocupações e aflições do recuperando, minimizando
sofrimentos físicos e morais.
O método APAC tem como objetivo priorizar o ser humano. E essa
valorização acontece em pequenos detalhes, como, por exemplo, na maneira
do recuperando em ser abordado pelo próprio nome, entender a vida pregressa
deste, seus sonhos e anseios, incentivar os estudos, conhecer a família, atendê-
lo nas necessidades tais como, tais como necessidades médicas, odontológicas,
materiais, jurídicas e fundamentais.
A família - A participação da família no processo de recuperação do indivíduo
é fundamental para a ajuda eficaz na reconstituição da imagem desfocada.
Todo o trabalho da APAC é baseado no voluntariado, ou seja, na ajuda ao
próximo, e mantêm-se através de doações. A comunidade tem um importante
papel na manutenção da APAC, e os voluntários recebem treinamento participando
de curso de formação, além das reciclagens propostas periodicamente.
O Centro de Reintegração Social é a estrutura física, o prédio que abriga
a APAC, que normalmente é composto de três pavilhões destinados aos regimes
fechado, semiaberto e aberto, possibilitando ao recuperando o cumprimento da
pena próximo de sua família, respeitando assim, o dispositivo legal e os direitos
do recuperando.
O mérito é a reunião das várias atividades propostas pela metodologia da
APAC e constantes no prontuário do recuperando, sendo a vida prisional observada
de maneira detalhada. Será sempre através do mérito que o recuperando irá
progredir.
A Jornada de Libertação com Cristo surge para instigar o recuperando
a adotar uma nova filosofia de vida, com a realização de encontros, palestras,
testemunhos, músicas, entre outras atividades, leva-se o recuperando a repensar
o sentido de sua vida.

57
Elizana Prodorutti

Segundo levantamento da FBAC - Fraternidade Brasileira de Assistência


aos Condenados2, atualmente existem:3Em Minas Gerais – 40 APACs em
funcionamento e 39 em implantação, no Distrito Federal – 1 APAC em implantação,
no Espírito Santo – 3 APACs em implantação, no Maranhão – 6 APACs em
funcionamento e 2 em implantação, no Mato Grosso – 1 APAC em implantação,no
Paraná – 2 APACs em funcionamento e 31 em implantação, no Rio Grande do
Norte – 1 unidade em funcionamento, em Rondônia – 3 unidades em implantação,
em Santa Catarina – 1 APAC em implantação, e no Rio Grande do Sul – 4APACs em
fase de implantação.
As APACs não contam com policiamento para fazer a guarnição das casas
prisionais. E mesmo assim, a taxa de evasão é inferior a 10%, e, além disso, todas
as demais APACs, estão em processo de preparação para também operarem sem
policiamento.
A segurança e a disciplina são feitas com a cooperação dos recuperandos,
tendo como base de sustentação funcionários, voluntários e diretores das
entidades, sem a presença de policiais ou agentes de segurança penitenciários.4
De todos os números relacionados aos resultados das APACs, o que mais
impressiona, sem dúvida, é o percentual de reincidência, que é inferior a 8%, indo
de encontro ao mesmo percentual dos presídios convencionais que é de 70,7 %5
Além disso, aqueles que eventualmente voltam a reincidir criminalmente
tendem a cometer crimes menos gravosos do que aqueles que os levaram
inicialmente à prisão.
Em todo o Brasil, estima-se que existam em torno de 3,5 mil recuperandos
acolhidos pelas APACs sem o concurso da polícia ou de agentes penitenciários, e
a expansão da metodologia tem sido amplamente recomendada pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).

2 – A Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados – FBAC – é uma associação sem fins
lucrativos, dotada de personalidade jurídica própria. A entidade tem sede em Itaúna-MG, tem como
objetivo auxiliar a implantação de unidades de APACs nos Estados da federação, promover cursos de
formação de voluntários na aplicação do método, fiscalização, além da padronização do emprego da
metodologia no Brasil e no exterior.
3 – Disponível em www.fbac.org.br
4 – ZEFERINO, Genilson Ribeiro. Execução Penal – APAC. In: SILVA, Jane Ribeiro (Org). A Execução Penal à
Luz do Método APAC. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 2012.
5 – Pesquisa realizada no site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, www.tjmg.jus.br em 26
de setembro de 2012.

58
A EXPERIÊNCIA DO MÉTODO APAC COMO UMA ALTERNATIVA VIÁVEL AO SISTEMA PRISIONAL TRADICIONAL

Ademais, o método APAC constitui um dos programas da Prison Felowship


International que é uma associação global com “status consultivo especial” para
assuntos penitenciários para a ONU. Esta associação é participante ativa na
aliança das ONGs da ONU sobre prevenção ao crime e justiça criminal, e entende
ser o método APAC, a única forma humanitária para o cumprimento das penas
privativas de liberdade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A APAC surge nesse contexto, como uma alternativa viável ao cumprimento
da pena privativa de liberdade, com um método que visa a verdadeira recuperação
do preso, através do desenvolvimento humano, espiritual com a participação da
comunidade.
Destacam-se alguns benefícios do método como: tratatamento digno
e respeitosoao preso, participação dacomunidade em todo o processo de
recuperação dos recuperandos, garantindo a saúde, a assistência judiciária, o
trabalho prisional, o direito a valorização e o incentido das relações familiares;
consolidando assim, a correta aplicação dos principios Constitucionais como o da
Dignidade da Pessoa Humana, além da correta execução penal.
Sendo assim, o método APAC proporciona uma gestão prisional viável
caracterizada pela recuperação do homem, peloenvolvimento da sociedade civil e
pelo baixo custo para o Estado.

59
O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO

Roque Reckziegel1

Sabemos todos que a execução penal visa efetivar as disposições de sentença


criminal e proporcionar condições para a integração social do condenado. Nesse
processo, diz a Lei de Execução Penal, devem ser assegurados todos os direitos
do condenado não atingidos pela sentença. Não obstante essa norma, o que se
vê em nossas instituições prisionais de um modo geral, é que não se promove a
ressocialização do condenado. A superlotação e as péssimas condições de vida
e de higiene a que são submetidos os presos, dentre outros fatores, contribuem
para que não se consiga atender o que a lei preceitua, isto é, a recuperação
daquele que está privado de liberdade por ter cometido crime. Ao contrário, o que
se percebe é que nosso sistema penitenciário é perverso, sendo altíssimo o índice
de reincidência daqueles que cumprem pena privativa de liberdade, indicativo
seguro da falência dessa prática nos moldes em que é executada.
Por tal razão se percebe a necessidade de novas práticas de ressocialização
da pessoa presa e da humanização dos estabelecimentos prisionais através de
ferramenta para humanizar a execução penal em busca do efetivo resgate do
preso a fim de que se torne um membro útil à sociedade.
Por isso que no ano de 2012, um grupo de trabalho foi criado no Rio
Grande do Sul com vistas à implementação do Método APAC de Recuperação de
Condenados no Estado, o que gerou, no Município de Canoas, a ASSOCIAÇÃO DE
PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AOS CONDENADOS DE CANOAS – RS, primeira entidade
do Estado do Rio Grande do Sul para tal finalidade.
A reunião desse grupo se deu graças ao chamamento do Ministério Público
do Estado que, através do Procurador de Justiça Antônio Carlos de Avelar Bastos,
convidou integrantes dos três poderes bem como membros das organizações da

1 – Advogado, professor de Direito Penal, Coordenador-Adjunto da Comissão Sobral Pinto de Direitos


Humanos da OA/RS; Vice-Presidente do Fórum Interinstitucional Carcerário e representante da OAB/RS
no Grupo de Trabalho da APAC-Canoas e APAC - Partenon e Assessor Jurídico da APAC – Partenon.
Roque Reckziegel

sociedade civil para juntos conhecerem, discutirem e construírem uma APAC em


solo gaúcho.
As APAC’s, Associações de Proteção e Assistência aos Condenados,
são entidades civis, sem fins lucrativos, que atuam em parceria com o Poder
Judiciário visando à reintegração social dos condenados a penas privativas de
liberdade.
O Método APAC de Execução Penal é resultado de décadas de estudos,
práticas e evolução, baseando-se na valorização humana, no reconhecimento
do condenado como sujeito de deveres e de direitos (e não como “coisa”) e na
sua confiança como corresponsável pela execução da pena; sua recuperação e
reinserção social.
Fruto do trabalho de um jovem e idealista advogado de São Paulo que
atuava, já no início da década de 1970, na Pastoral Carcerária. Mário Ottoboni,
advogado com extenso currículo de atividades beneméritas e hoje reconhecido
pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais com o título de “Cidadão do mundo,
libertador dos presos e dos humildes”, criou a primeira APAC na cidade de São
José dos Campos em 1974.
Trata-se, portanto, de uma criação genuinamente brasileira, presente em
17 Estados do Brasil (com 147 associações) e em 23 Países, entre os quais, o Chile,
Equador, Colômbia, Costa Rica, Canadá e Estados Unidos.
Além da corresponsabilidade do condenado, o Método preconiza a
sinceridade, a solidariedade e a disciplina para que repense valores, desenvolva
seu potencial e suas qualidades.
Se é verdade que Método APAC não constitui a solução definitiva dos
gravíssimos problemas existentes no sistema penitenciário, também é verdade
que hoje se constitui numa alternativa viável para a recuperação e reinserção de
condenados na sociedade, como indivíduos úteis, primando pelo fiel cumprimento
da Lei de Execução Penal, nos três regimes de cumprimento das penas privativas
de liberdade (fechado, semiaberto e aberto).
O Método APAC tem como objetivos: a) humanizar as prisões, sem perder
de vista a finalidade punitiva da pena; b) evitar a reincidência no crime; c) oferecer
condições para o condenado se recuperar; d) proteger a sociedade; e) socorrer a
vítima, e f) promover a justiça.
Para atingir tais objetivos, as atividades são desenvolvidas com observância
das seguintes propostas: a) amor como caminho; b) diálogo como entendimento;
c) disciplina; d) trabalho; e) fraternidade e respeito; f) responsabilidade; g)

62
O SURGIMENTO DA APAC EM SOLO GAÚCHO

humildade e paciência; h) conhecimento; i) família como suporte; j) Deus como


fonte de tudo, respeitando à religiosidade/espiritualidade de cada um.
O êxito do Método depende da efetivação de doze elementos fundamentais:
1) participação da comunidade; 2) o recuperando ajudando o recuperando
(recuperação mútua); 3) trabalho; 4) religião; 5) assistência jurídica; 6) assistência
à saúde; 7) valorização humana; 8) família; 9) serviço voluntário; 10) centro de
reintegração social- CRS; 11) mérito e, 12) jornada de libertação com Cristo.
O Método APAC também se distingue do sistema tradicional por obter
maiores índices de recuperação com menores custos. Tanto assim, que o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a expansão do Método, segundo veiculado
no site da FBAC – Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados, dando
conta que:

Entre os mais de 550 mil detentos do Brasil, aproximadamente 2,5


mil recebem tratamento diferenciado, que tem produzido resultados
animadores em termos de reinserção social. Eles cumprem pena
nas 40 unidades onde é aplicado o Método APAC (Associação de
Proteção e Assistência aos Condenados), responsável por índices de
reincidência criminal que variam de 8% e 15%, bem inferiores aos
mais de 70% estimados junto aos demais detentos. A expansão dessa
metodologia tem sido recomendada durante os mutirões carcerários
que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza em todo o País.
(http://www.fbac.org.br/index.php/en/news-3/806-cnj-recomenda-
expansao-das-apacs-para-a-reducao-da-reincidencia-criminal-no-
pais-acessado em 30/04/2018).

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e da


Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), enquanto que no
sistema nacional comum a reincidência é de 85%, no método Apac é de 11,22%.
Nas unidades da Apac, os presos são os corresponsáveis pela sua recuperação
e recebem assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada pela
comunidade. O condenado cumpre a sua pena em presídio de pequeno porte,
com capacidade média de 100 a 180 detentos e, preferencialmente no município
onde reside sua família. Além disso, a segurança e disciplina do presídio são feitas
com a colaboração dos presos, tendo como suporte os funcionários, voluntários e
diretores da entidade, sem a presença de policiais e agentes penitenciários.

63
Roque Reckziegel

A partir dos trabalhos do grupo antes referido, o Governo do Estado do Rio


Grande do Sul editou o Decreto nº 51.202, em 10/02/2014, constituindo Grupo
de Trabalho com a finalidade de estudar a criação e a forma de funcionamento
de casas prisionais no Estado do Rio Grande do Sul por meio de Associações de
Proteção e Assistência aos Condenados.
No Rio Grande do Sul foi fundada a APAC DE CANOAS – RS no dia 25 de
novembro de 2013, tendo o Estatuto registrado no Registro Civil de Pessoas
Jurídicas de Canoas em 26 de fevereiro de 2014 (Livro A – nº 14, fl. 6, nº 2435),
com posterior inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) sob o nº
20.084.636/0001-76.
O Município de Canoas, mediante manifestação do Excelentíssimo Senhor
Jairo Jorge, na época Prefeito Municipal, destinou um terreno no Bairro Guajuviras
para a construção do Centro de Reintegração Social – CRS, cuja cessão de uso foi
chancelada por lei aprovada na Câmara Municipal.
Em Porto Alegre, foi fundada a APAC – Partenon em 13 de abril de 2017,
cujo Estatuto foi protocolado sob o número. 73411 em 12.05.2017, registrado
sob o No. 2988 – Livro A-11, Fl 76F em 26.05.2017 no 3º. Registro de Títulos e
Documentos e de Pessoas Jurídicas de Porto Alegre e cadastrado na Receita Federal
com o CNPJ nº 27.964.628/0001-63. Foi assinado o termo de Cessão de Uso no.
4/2018, assinado em 18.01.2018 pelo Executivo Estadual, dispondo o imóvel
para utilização como Centro de Recuperação Social que atenderá a demanda de
recuperandos onde existe a Casa de Albergado Padre Pio Buck, sito na Av. Rocio,
nº 900, no Bairro Partenon em Porto Alegre.
Além dessas duas, já temos APAC’s constituídas oficialmente nos municípios
de Três Passos, Pelotas e Palmeira das Missões.
E assim vão se dando os avanços na consolidação do método APAC aqui
em nosso Estado, na crença de que nenhum homem é irrecuperável e que todo o
homem é maior do que o seu erro.

64
CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

Andjanete Mess Hashimoto1


Celso Luiz Rodrigues2
Érika Gomes3
Isabel Cristina Oliveira4
Taiana Lúcia Soares Kuhn5

INTRODUÇÃO
Há um crescente e permanente movimento de consolidação e aperfeiçoa­
mento dos mecanismos consensuais de solução e prevenção de litígios, não obstante
a judicialização de conflitos e a arraigada cultura da litigânciaainda excessivas.
A sociedade atual é complexa e plural, sendo evidente que não há apenas um
interesse público, mas muitos, dentre os quais se destaca, para o presente tema,
a efetividade do acesso à justiça, de modo a nos fazer pensar a partir da ótica do
Estado de Direito enquanto vetor axiológico de nossa sociedade contemporânea,
ainda ressentida da maturação própria de uma organização social igualitária,
pluralista e justa.
Se é certo, então, que o direito não é esgotado por nenhum catálogo de
regras ou princípios, cada qual com seu próprio domínio sobre uma esfera de
comportamentos, é pela atitude do direito, expressada em cada cidadão e cada
sistema social, que se alcança o que o direito representa para nossa comunidade.
Já nos ensinava Dworkin6 que:

A atitude do direito é construtiva: sua finalidade, no espírito


interpretativo, é colocar o princípio acima da prática para mostrar

1 – Advogada e mediadora da 1ª CÂMARA DE SANTA CRUZ DO SUL.


2 – Sociólogo e mediador da ACRÓPOLE.
3 – Advogada e mediadora da DOMUS MEDIAÇÃO.
4 – Professora e mediadora da CÂMARA PACIFICAR.
5 – Advogada e mediadora da CONTEMPLA.
6 – DWORKIN, Ronald. Trad. Jefferson Luiz Camargo. O Império do direito. São Paulo: Martins Fontes,
1999, p.492.
Andjanete Mess Hashimoto Celso Luiz Rodrigues Érika Gomes Isabel Cristina Oliveira Taiana Lúcia Soares Kuhn

o melhor caminho para um futuro melhor, mantendo a boa-fé


em relação ao passado. É, por último, uma atitude fraterna, uma
expressão de como somos unidos pela comunidade apesar de
divididos por nossos projetos, interesses e convicções. Isto é, de
qualquer forma, o que o direito representa para nós: para as pessoas
que queremos ser e para a comunidade que pretendemos ter.

Claro que a teoria Dworkiniana comporta espaço para diferentes reflexões


sobre o que seja o direito e como o direito pode ser interpretado, mas o recorte
que se faz aqui é especificamente o de evidenciar que a aplicação do direito pelo
Poder Judiciário é apenas um aspecto da efetivação da Justiça, tanto assim queo
próprio Poder Judiciário desloca seu enfoque da solução adjudicada para assumir,
a passos graduais e programáticos, uma tendência menos centralizadora na vida
do direito em aplicação7 e, por isso mesmo, na vida do cidadão de direitos.
Para o Estado Democrático de Direito, não há qualquer dúvida, a efetividade
do acesso é um de seus mais importantes pilares, razão pela qual nem o Estado
poderia lacrar as portas do Judiciário, nem a sociedade poderia cogitar de fugir da
solução adjudicada.
O acesso à solução justa perpassa, na verdade, pela adequada utilização de
instrumentos técnicos ─ às vezes até mesmo de forma concomitante ─ dentro do
sistema de identificação, tratamento e solução de conflitos.
E é por conta da visão sistêmica que se compreende, atualmente, a
existência da mediação dentro e fora do Judiciário.

O QUE É UMA CÂMARA PRIVADA DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO?


As Câmaras Privadas de Mediação e Conciliaçãodesenvolvem procedimentos
extrajudiciais para a solução de conflitos. Essas práticas já são adotadas em
diversos países e estão sendo cada vez mais utilizadas no Brasil, estimulando assim
a cultura de pacificação social. A mediação é uma forma de resolução de conflitos
em que se utiliza a figura de um terceiro imparcial, o mediador, como facilitador
da comunicação e da negociação entre as partes.
As Câmaras Privadas atendem às necessidades de pessoas físicas e jurídicas,
viabilizando procedimentos com redução de prazos e custos, por atuarem

7 – ANTUNES, Paulo de Bessa. Uma nova introdução ao direito. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p.202.

66
CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

na instância extrajudicial. Além da rapidez em relação ao processo judicial


convencional, os mediadores possuem o dever de sigilo e imparcialidade.
A partir da Resolução 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que
estabeleceu ao Poder Judiciário Política Pública de tratamento adequado aos
problemas jurídicos e aos conflitos de interesses crescentes na sociedade, foi
determinado que os Tribunais criassem Núcleos Permanentes de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos, os mesmos passaram a implementar
programas de incentivo à utilização dos métodos autocompositivos, capacitando
mediadores e conciliadores, os quais atuam como auxiliares da justiça, junto aos
Centros Judiciários de Solução de Conflitos (CEJUSC´s).
A Mediação ganhou força com a Lei 13.140/2015 que dispõe sobre a
mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a
autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.  Consideraa
atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que,
escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver
soluções consensuais para a controvérsia.
A referida Lei dispõe,no artigo 9º,que poderá funcionar como mediador
extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja
capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de
conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015),
o qual traz em seu texto medidas que têm como objetivo  desburocratizar o
Judiciário e dar agilidade para a resolução de problemas, há notório incentivo ao
uso de métodos alternativos para a solução de conflitos em que as próprias partes
podem encontrar uma solução negociada e mais rápida, o que pode ser executado
por um mediador ou Câmara Privada.

FORMAÇÃO DA EQUIPE DE MEDIADORES E CONCILIADORESNAS


CÂMARAS PRIVADAS
As Câmaras Privadas nascem do encontro de mediadores capacitados pelo
Tribunal de Justiça e entidades privadas, com o objetivo de prestar serviços de
mediação à comunidade, bem como divulgar a mediação como método adequado
de resolução de conflitos.
Ora, tanto na mediação privada, quanto na mediação judicial, a tônica é a
de que um terceiro imparcial aja como mediador, por intermédio do estímulo

67
Andjanete Mess Hashimoto Celso Luiz Rodrigues Érika Gomes Isabel Cristina Oliveira Taiana Lúcia Soares Kuhn

ao diálogo, fomentando o protagonismo, a colaboração e, consequentemente,


benefícios mútuos.
Nessa perspectiva, seja em âmbito judicial ou privado resguardam-se às partes
a negociação assistida por profissional capacitado, assegurando aos envolvidos ─ por
meioda técnica e das ferramentas da mediação ─ que possam cooperativamente
mobilizar-se, participando ativamente tanto do procedimento, bem como de seus
resultados, seja quanto ao entendimento formal, ou quanto ao não entendimento.
A mediação, assim, tanto pode ser utilizada antes de judicializado o conflito,
como durante o curso do processo judicial, ou mesmo depois da sentença. Apesar
das semelhanças quanto ao perfil profissional e procedimento, algumas distinções
precisam ser mencionadas.
A Lei 13.140/2015 exige que a atuação do mediador no âmbito judicial seja
exercida por profissional com graduação, há pelo menos dois anos, em curso de ensino
superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação (art.11). Já, no caso
do mediador no âmbito privado, não há referida exigência (art. 9º), embora a prática
profissional naturalmente exija do mediador a formação e qualificação continuada.
Nesse sentido, conclui-se o quanto é importante o papel do mediador na
aplicação de suas habilidades, utilização de técnicas e ferramentas, para que sejam
obtidos bons resultados na prática, ensejando o crescimento da mediação como
método de solução de conflitos.
A formação da equipe deve ser concebida visando à apresentação de um
trabalho profissional, ético e competente e, para que isso aconteça, faz-se necessário
o constante aprimoramento e atualização.
É importante tambémconsiderar que, para garantir uma condução adequada
de cada caso, o perfil multiprofissional da equipe é fundamental, reunindo
mediadores vindos de diversas áreas, como direito, educação, psicologia eserviço
social. Estes profissionais, na prática, unem-se com diferentes olhares, compondo
um trabalho diferenciado.

PECULIARIDADES DA MEDIAÇÃO JUDICIAL E DA MEDIAÇÃO


PRIVADA
Na mediação judicial, as sessões são realizadas por um mediador voluntário
indicado dentro e nos limites do rol dos mediadores cadastrados no Centro Judiciário
de Solução de Conflitos e Cidadania – CEJUSC, sendo certo que os mediadores
judiciais não estarão sujeitos à prévia aceitação das partes (art. 25, Lei 13.140/2015).

68
CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

Cada CEJUSC tem atribuição para tratar de mediações pré-processuais


(sem litígio judicial iniciado) ou mediações processuais (com litígio judicial em
andamento). No caso de mediação pré-processual é realizado um atendimento a
pedido da pessoa interessada, mediante envio de carta-convite à pessoa solicitada
para realização de sessão de mediação.
Havendo entendimento (com acordo) na mediação pré-processual, elabora-
se um termo que é encaminhado ao juiz coordenador do CEJUSC para sentença
homologatória, após parecer do Ministério Público, quando for esse o caso.
Já no caso de processo judicial em curso, o CEJUSC realiza agendamento
de sessão de mediação mediante intimação das partes. Com acordo, é proferida
sentença homologatória pelo juiz competente para o julgamento do processo.
Não havendo acordo, devolve-se o processo ao curso normal do litígio.
O acordo formalizado em mediação privada, por sua vez, possui força de
título executivo extrajudicial, sendo necessária homologação judicial apenas
em situações específicas (formalização de divórcio, direitos indisponíveis, entre
outros), ou se manifestado o interesse dos envolvidos.
Outra distinção que se destaca é que na mediação privada ─ seja ela
realizada por um mediador autônomo ou câmara privada ─ os interessados têm
total liberdade para eleger o mediador que realizará o atendimento, bem como
poderão definir como será realizado o procedimento (tempo da sessão, número
de sessões, eventual necessidade de suspensão para avaliação técnica, entre
outros).
A mediação privada resguarda, portanto, que os interessados possam
estabelecer seus próprios critérios para eleição de cada profissional da mediação,
tais como a qualificação, conhecimentos técnicos e experiência prévia.
A participação do advogado é facultativa, tanto na mediação judicial, quanto
na mediação privada, mas é relevante mencionar que o advogado é valorizado e
bem-vindo na geração de opções criativas e viáveis juridicamente, tanto quanto
na redação e revisão do termo de entendimento de mediação.
Por fim, há que se destacar a celeridade da mediação privada em relação
à mediação judicial, dado volume de processos em curso, a já notória sobrecarga
do Poder Judiciário e a dificuldade de minimizar o tempo de encaminhamento do
processo para realização da mediação no âmbito judicial.
Retomando-se, assim, a fala acerca da visão sistêmica dos métodos
autocompositivos, nada impede que um processo judicial seja extinto por solução
extrajudicial obtida por mediação privada ou mesmo mediação judicial.

69
Andjanete Mess Hashimoto Celso Luiz Rodrigues Érika Gomes Isabel Cristina Oliveira Taiana Lúcia Soares Kuhn

Ressalta-se, ainda, que nem mesmo quando já proferida a sentença em


processo judicial há qualquer impedimento para realização de mediação, a qual
pode ocorrer tanto em âmbito privado (mediador ou câmara privada) como por
meio do CEJUSC (mediador judicial).
A remuneração do mediador judicial está regulada por cada órgão jurisdicional
competente no Estado. No caso do Rio Grande do Sul, a Resolução nº 1124/2016–
COMAG, que altera a Resolução nº 1026/2014-COMAG, estabelece que a remuneração
será fixada por ato da presidência do tribunal de justiça, devendo seguir os parâmetros
já existentes para o pagamento de conciliadores e juízes leigos, observadas as
peculiaridades relativas à mediação e à justiça restaurativa (Art. 5º, §2º).
Por meio do Ato nº 28/2017-P, a Presidência do TJRS sedimentou que os
honorários do mediador serão devidos pelas partes do processo, as quais serão
devidamente intimadas ao pagamento, norma oriunda e atrelada aos termos do
art. 13 da Lei 13.140/2015, art. 149 e 165 do novo CPC.
Já o mediador privado, de comum acordo com os envolvidos no procedimento,
adotará a remuneração que for consensualmente estipulada e devidamente
contratada antes de iniciado o procedimento com os interessados.
De um modo geral, o mediador privado estipula honorários com base
na estimativa de hora trabalhada ou sessão de mediação, sendo possível aos
interessados estimarem de forma transparente os custos do atendimento prestado.

PROSPECÇÃO DE CLIENTES
Primeiramente, as Câmaras Privadas foram constituídas com o objetivo de
se cadastrarem junto aos Tribunais, conforme previsto no artigo 12-C da Resolução
125/2010, vale dizer, as Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação ou órgãos
semelhantes, bem como seus mediadores e conciliadores, para que possam
realizar sessões de mediação ou conciliação incidentes a processo judicial, devem
ser cadastradas no Tribunal respectivo (art. 167 do Novo Código de Processo Civil)
ou no Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores, ficando sujeitas
aos termos desta Resolução (redação incluída pela Emenda nº 2, de 08.03.16).
Ainda, no artigo 12-D referida resolução estabelece que os Tribunais
determinarão o percentual de audiências não remuneradas que deverão ser
suportadas pelas Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, com o fim
de atender aos processos em que foi deferida a gratuidade da justiça, como
contrapartida de seu credenciamento (art.169, § 2º, do Novo Código de Processo

70
CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

Civil), cuja regulamentação encontra-se pendente, até o momento, no Tribunal de


Justiça do RS.
Além de atender as demandas do Poder Judiciário, as Câmaras Privadas
também visam a resolução de conflitos na esfera extrajudicial, prevenindo, assim,
a judicialização dos processos.
De uma forma geral, foi possível identificar que as Câmaras instaladas no Rio
Grande do Sul se encontram na fase de divulgação da mediação e da conciliação,
dispostas a participar na disseminação de uma nova cultura de resolução de conflitos,
abarcando um mercado de trabalho totalmente novo e assim, têm organizado
grupos de estudos e workshops sobre mediação e conciliação, com o objetivo de
despertar o interesse da comunidade em geral. São ações iniciais, mas inovadoras,
de quem acredita na perspectiva de fomentar um novo mercado a ser conquistado.
Os resultados ainda são incipientes, mas,a partir da Lei da Mediaçãoe
Novo Código de Processo Civil,consolidam-se novas perspectivas de resolução de
conflitos de maneira adequada, que poderão em um futuro breve tornar-se um
mercado de trabalho promissor, abarcando boa parte das demandas judiciais ou
privadas, satisfazendo as necessidades e interesses da população.
Esse trabalho tem exigido muita dedicação e empenho dos todos os
integrantes das Câmaras Privadas, as quais,dentro de uma visão prospectiva,têm
buscado firmar parcerias de cooperação com advogados, psicólogos, escolas,
entre outros. Mais que um negócio, que exige investimento de tempo e recursos
financeiros, as Câmaras Privadas se organizam e se sedimentam na missão de
transformar colaborativamente as relações interpessoais e, por corolário, o futuro
de nossa sociedade.

ROTEIRO PARA CONSTITUIÇÃO DE UMA CÂMARA


Antes de constituir uma Câmara, é preciso tomar alguns cuidados que
antecedem o registro da empresa. É necessário realizar uma pesquisa antecipada
sobre a existência de empresas constituídas, com nomes empresariais semelhantes
ao nome escolhido. Essa é uma etapa fundamental e que irá ajudar a acelerar
o procedimento de registro da empresa. Destaca-se, também, a importância
da assessoria de um contador e um advogado de confiança para acompanhar o
processo.
Para constituir uma Câmara Privada de Mediação e Conciliação é importante
entender que os procedimentos são os mesmos utilizados para fundar qualquer

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outra modalidade de empresa de prestação de serviços, destacando a necessidade


do conhecimento especializado sobre os métodos extrajudiciais e judiciais de
solução de conflitos. Para que o procedimento seja eficaz, sugere-se a organização
de um plano de ação, sendo este vital para o sucesso do empreendimento.
A seguir são apresentadas as etapas para a constituição de uma Câmara Privada:
1. Documentação Necessária
Para a abertura da empresa é necessário formalizar o registro de CNPJ-
Cadastramento Nacional de Pessoa Jurídica e Alvará de funcionamento. São
4 as etapas até que se tenha o alvará em mãos e seja possível empreender
com entidade 100% regularizada:
99 Definição das atividades, escolha do tipo de empresa e do regime
jurídico;
99 Sociedade Limitada = LTDA ou EIRELI = Empresário Individual;
99 Definição do regime de tributação;
99 Elaboração da documentação para dar entrada na Junta Comercial e
Prefeitura.

2. Contrato Social
É a certidão de nascimento da empresa. Nesse documento constam
todos os dados básicos da empresa, como: nomes dos sócios, o endereço
da sede, quais os deveres de cada sócio com o empreendimento e qual o
ramo de atuação e especialidades, entre outros. Toda a empresa no Brasil
necessita de um contrato social para poder operar e registrar-se nos órgãos
públicos, além de abrir uma conta bancária.

3. Definir Porte Econômico da Empresa,


As atividades, segundo o quadro de classificação de CNAE8, enquadram
Mediadores, Conciliadores e Árbitros como Auxiliares da Justiça, e de
acordo com a Lei Complementar 123/2006, incluem-se nas modalidades:
99 Empresa de Pequeno Porte
99 Micro Empresa

8 – A CNAE resulta de um trabalho conjunto das três esferas de governo, elaborada sob a coordenação
da Secretaria da Receita Federal e orientação técnica do IBGE, com representantes da União, dos Estados
e dos Municípios, na Subcomissão Técnica da CNAE, que atua em caráter permanente no âmbito da
Comissão Nacional de Classificação - CONCLA.

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CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

3.1. Quais os impostos a empresa vai pagar?


Os impostos incidirão sobre o valor do faturamento. O quanto irá pagar
de imposto não depende do regime jurídico (EI, EIRELI, LTDA), mas sim
do regime de tributação e da atividade exercida, segundo classificação de
CNAE e da quantidade de Notas Fiscais emitidas na empresa.

4. Estabelecer o Nome e o Símbolo da Câmara


Segundo o Art. 12-F, da Resolução CNJ 125/2010: “Fica vedado o uso
de brasão e demais símbolos da República Federativa do Brasil pelos
órgãos referidos nesta Seção, bem como a denominação de “tribunal”
ou expressão semelhante para a entidade e a de “Juiz” ou equivalente
para seus membros.” Portanto, para identificação da Câmara Privada são
expressamente vedadas expressões tais como: Tribunal, Tribunal Superior,
Corte, Corte Superior e/ou Juízo.

5. Cadastrar a Empresa na Receita Federal


Requisitos necessários:
99 Identificação da PJ (Nome e Capital Social)
99 Telefone e e-mail para contato
99 Objeto Social
99 Dados do representante e dos sócios
99 Endereço da PJ empresa.

6. Cadastrar a Empresa junto ao CONCLA


Código CNAE:
69.11-7/02
Descrição da Atividade:
Atividades auxiliares da justiça
- tais como: arbitragem; mediação; perícia; etc.

7. Registrar a Empresa na Junta Comercial,


Sendo necessários os seguintes registros:
99 Pagamento de DARF e DARE9
99 Após deferimento do Registro são gerados o CNPJ e NIRE10.

9 – DARE (Documento de Arrecadação da Receita Estadual) e DARF (Documento de Arrecadação Federal)


10 – O NIRE é o registro de legalidade da empresa na Junta Comercial. É um número único que comprova
que a empresa existe oficialmente.

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8. Legalizalição da Câmara Junto ao Município


Para fins de legalização da Câmara Privada de Mediação e Conciliação
junto ao Município é necessário o registro na Prefeitura Municipal. O
registro municipal, dentro no Rio Grande do Sul e em alguns Estados, é
automático: no momento em que deferido o registro na Junta Comercial
esse é enviado ao Município de sede da empresa.

9. Realizar uma Projeção de Fluxo de Caixa


A projeção de fluxo de caixa é uma valiosa providência, capaz de
prever diversos custos, como por exemplo quais os investimentos serão
necessários com a sede da empresa, materiais e insumos que serão
utilizados, independente do que for previsto como receita.
O processo de abertura de uma empresa exige cautela e atenção, pois
são muitos detalhes importantes a cumprir. Os requisitos aqui elencados
são essenciais para a legalização de uma atividade empresarial na área de
resolução consensual de conflitos.

10. Locais para Obter Informações para Constituição da Sua Empresa:


SEBRAE: Rua João Manoel, 282 – Centro Histórico, Porto Alegre/RS
Site: http://www.sebrae.com.br,
Sala do Empreendedor: Endereço: Rua Siqueira Campos, 801 – Centro
Histórico, Porto Alegre/RS
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_
noticia=188114&S AL
Junta Comercial do RS - Site: http://www.jucisrs.rs.gov.br/abertura-de-
empresas

11. Cadastro das Câmaras no Conselho Nacional de JustIÇA – CNJ


Com o Novo Código de Processo Civil (CPC), o Conselho Nacional de
Justiça criou um cadastro nacional de Mediadores e Conciliadores, aptos
a facilitar a negociação de conflitos em processos judiciais e extrajudiciais.
O cadastro está disponível para a população de todo o país, a listagem
está separada por Estado e conta com cerca de 3 mil integrantes, entre
conciliadores e mediadores, além de cadastros de Câmaras Privadas (dados
de 2017).

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CÂMARAS PRIVADAS DE MEDIAÇÃO EM PERSPECTIVA

O banco de dados está à disposição dos cidadãos, mas também dos


Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos
(NUPEMEC), Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania
(CEJUSCs), Câmaras Privadas de Mediação, Mediadores e Conciliadores.
O cadastro foi regulamentado pelo novo CPC e também pelaEmenda nº
2, que atualizou a Resolução nº 125, adequando o Judiciário às novas leis
que consolidam o tema no país. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84520-
cidadao-pode-escolher-mediadores-e-conciliadores-do-cadastro-nacional-
do-cnj

CONCLUSÃO
É preciso, agora, difundir e fomentar a cultura do diálogo, cooperação
e protagonismo, sendo certo que a mediação caminha a passos firmes para
consolidação, tanto no âmbito público-judicial quanto no âmbito privado.
As mudanças de paradigma fazem parte do cotidiano e marcam
profundamente as relações de convivência das pessoas, diante de tantas
controvérsias e interesses antagônicos. É necessário encontrar novas formas de
solução das demandas, sejam essas judiciais ou não.
O Conselho Nacional de Justiça, ao promulgar a Resolução 125/2010,
projetou um futuro promissor aos envolvidos em contendas e litígios. Vislumbrava,
assim, uma soluçãopautada no consenso e, principalmente, na abertura de novos
espaços de diálogo, que permitissem buscarcaminhos mais dignos e pacíficosnas
relações de convivência entre os envolvidos. E para auxiliar a entender essa nova
dinâmicadas relações, a Desembargadora do TJRS Genacéia da Silva Alberton,
no capítulo II11ao discorrer sobre NUPEMEC e os Desafios na Implantação dos
Métodos Autocompositivos à Luz do Novo Código de Processo Civil, nos sinaliza
com muita maestria:

Note-se que o sentido de soberania é repensado, pois que, na lógica


do mercado, a soberania não emana do povo, mas de pessoas que
se apresentam não como cidadãos, mas como consumidores12.

11 – MARODIN, Marilene; MOLINARI, Fernanda (Org.) Mediação de Conflitos: paradigmas contemporâneos


e fundamentos para a prática. Porto Alegre: Imprensa Livre, 2016, p.35.
12 – LEWKOWICZ, Ignacio .Pensarsin Estado. Buenos Aires: Paidós, p.37.

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Sendo assim, faz parte do serviço o bom atendimento do cliente


jurisdicionado. Não há pois, fraqueza de soberania, mas uma
autolimitação no exercício do poder soberano.

As Câmaras Privadas, sustentadas por uma pauta de valores éticos,


constituíram-se como empresas com esse espírito, prestando serviços de mediação
e conciliação ao Poder Judiciário e à comunidade, aproximando pessoasque
desejam resolver suas questões e que necessitam de um mediador para auxiliá-
los, reconhecendo e respeitando as limitações de cada um. A partir de uma visão
prospectiva, almejam transformar asrelações de convivência, para que sejammais
respeitosas e assim,contribuírem para a cultura de paz,colaborando para um
mundo mais saudável e harmônico.

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