Você está na página 1de 10

A política externa angolana durante a guerra civil

Angola tornou-se independente em 11 de Novembro de 1975 optando pela via


de desenvolvimento, o modelo político e económico de planeamento centralizado, com
todos os meios de produção na responsabilidade do Estado. Porém, as relações com o
ocidente foram mantidas depois da independência de Angola, mas o enfoque passaria a
ter o conteúdo mais comercial e pouco ou nada político. Desta forma Angola acabou
limitando a sua soberania, tornando-se vulnerável as investidas do capitalismo, em
especial o norte-americano, francês e italianos representados nos condomínios
capitalistas de exploração de petróleo como a Cabinda Gulf Oil Company; a Elf
Aquitaine e Agip, que não foram abrangidos pela estatização de suas propriedades
industriais (CONCEIÇÃO, 1999: 81).
Solucionada a questão da independência, Angola ficou mergulhada na 1ª guerra
civil desde o final de 1975 a 1991 derivada do conflito entre os diferentes projectos de
governo defendidos pelos movimentos de libertação. No ano seguinte à independência,
a FNLA se dissolveu como grupo armado, mas a UNITA abraçou a defesa do
capitalismo com o apoio dos EUA e da África do Sul do regime do apartheid que
receavam as possíveis influências que a vitória de movimento caracterizado pelo
nacionalismo marxista do MPLA, poderia causar na região Austral de África. Os
principais aliados no período de (1975-1992) mono partido foram: os países socialistas,
os países da linha da ‘Linha da Frente e/ou SADCC (Conferência de Coordenação para
o Desenvolvimento da África Austral) e o Brasil.
O que mudou na visão da diplomacia angolana com o fim da Guerra Fria? E qual
é o papel das relações com o Brasil e com os aliados da região, especialmente após o
fim do apartheid e a formação da SADC? Angola é o país da África Subsaariana cuja
população sentiu mais os efeitos da Guerra Fria. A política externa de Angola que
compreende o período de 1992 aos dias atuais subdivide-se em dois períodos,
diferenciados em suas características.
O primeiro período, inicia em 1992 com a realização das primeiras eleições
gerais multipartidárias no país, um ponto de inflexão para a política externa de Angola.
É a partir dos eventos deste período que a nossa curiosidade foi despertada e analisamos
como Angola se vê com relação a arranjos regionais (CEEAC e SADC) e com o Brasil.
Na ausência de normalidade de instituições democráticas no país devido à guerra civil
pós-eleitoral, o período em estudo estende-se até 2002, ano em que se encerrou o
conflito angolano. Nesse período analisado, de um lado, o Brasil passa a participar mais
activamente, tanto em missões de paz da ONU em Angola como em termos de
investimentos. Por outro lado, é consolidada a CPLP e se reforçam os entendimentos em
torno da ZOPACAS.
O Brasil solidarizou-se no apoio ao governo do MPLA e lutou nos foros
multilaterais pela possibilidade de encontrar um caminho de paz naquele país. Para
Angola todos estes esforços criaram condições favoráveis para reforçar as relações entre
Angola e o Brasil. É nesse período que o Brasil recebe centenas de estudantes angolanos
para realizarem cursos de graduação e pós-graduação dentro dos convénios PEC-G e
PEC-PG.
Nesse período, o novo ambiente internacional, iniciado depois dos atentados de
11/9/2001 em Nova Iorque e Pentágono, exigia dos países uma postura mais objectiva.
Angola adopta uma política externa pragmática para atender os seus interesses de

1
desenvolvimento. A política externa de Angola em relação ao Brasil, a CEEAC e a
SADC não foi uma estratégia isolada, faz parte do seu projecto de desenvolvimento
económico. As expectativas de relacionamento tão significativas entre Angola e o
Brasil, dois países do Sul, podem ser apontadas como exemplo efectivo de cooperação
Sul-Sul.
Finalmente, o segundo período tem início em 2002, ano do início da
consolidação de paz definitiva. O novo quadro político angolano proporcionou
condições para uma política externa mais pragmática do que a dos anos anteriores, pois
o governo vê como prioridade o desenvolvimento das infra-estruturas do país baseado
em busca de parcerias externas sem opções excludentes.
Nesse período, o governo privilegia as relações com a China, mas não abandona
os parceiros tradicionais como o Brasil. Simultaneamente, o governo concentra a sua
atenção na política de segurança regional, a África Austral, a África Central e a RDC,
para garantir que suas fronteiras não sirvam de entrada de sofrimentos e armas para a
UNITA ou se transforme numa extensão de conflito de algum país vizinho. Esse
período em análise se encerra com a realização das segundas eleições gerais
multipartidárias em setembro de 20082.
Importância da Política externa no contexto de Angola
As janelas do nosso corpo são os olhos, os ouvidos. Para o país as suas janelas
são a diplomacia, as suas relações internacionais. Pode se olhar o mundo do alto para
baixo, o que geralmente tem-se feito e aqui embasa o pensamento realista, que pauta as
relações dos países desenvolvidos com os países em vias de desenvolvimento.
Com a proclamação da Independência do país surgiu o ministério das Relações
Exteriores. O actual Presidente da República, Engº. José Eduardo dos Santos, foi o seu
primeiro titular, de 11 de Novembro de 1975 a Novembro de 1976 e de 20 de Outubro
de 1984 a 07 de Março de 1985. Passaram ainda nesta chancelaria , Paulo Teixeira
Jorge de 27 de Novembro de 1976 a 20 de Outubro de 1984; Afonso Van-Dúnem
“Mbinda” de 07 de Março de 1985 a 23 de Janeiro de 1989; Pedro de Castro dos Santos
Van-Dúnem “Loy” 23 de Janeiro de 1989 a Novembro de 1992; Venâncio da Silva
Moura Novembro de 1992 a Janeiro 1999; João Bernardo de Miranda assumiu o cargo a
29 de Janeiro de 1999 a Setembro de 2008 e actualmente, Assumpção dos Anjos desde
Outubro de 2008 aos dias atuais.
Logo após o surgimento de Angola como Estado, o país teve o seu
reconhecimento pela comunidade internacional como manifestação de vontade dos
Estados de estabelecer relações políticas e económicas com a nascente nação. Assim,
Angola teve que preparar a sua política externa para relacionar-se com outros Estados.
Essa política externa não é senão a continuação da sua política interna, visando
consolidar a ordem social existente no próprio Estado através da fixação de suas
disposições na ordem jurídica internacional e defender na arena internacional os
interesses do Estado angolano.
Do ponto de vista político, o Estado de Angola empreendeu uma luta pela
afirmação da sua independência e igualdade de direitos com os outros Estados,
segurança e paz, coexistência pacífica e cooperação mutuamente vantajosa na base da
igualdade e respeito mútuo, e defesa dos direitos humanos. Do ponto de vista

2
económico, a política externa de Angola persegue o estabelecimento de relações
económicas internacionais mais justas, livres do proteccionismo.
A independência de Angola representou o desfecho de uma profunda luta de
libertação envolvendo projectos antagónicos de três movimentos de libertação que
disputavam o poder e que se encontravam nos momentos anteriores a independência,
em situação de membros do governo de transição inspirado nos Acordos de Alvor.
O receio do Ocidente para com a vitória do MPLA derivava e foi reforçado pelo
discurso do 1º presidente de Angola, Dr. Agostinho Neto no ato da independência em
que este expressava “em nome do povo angolano, o Comité Central do MPLA
proclama, solenemente, perante a África e o mundo a independência de Angola,
correspondendo aos anseios mais sentidos do povo, o MPLA declara o nosso país
constituído em República Popular de Angola. (…) Angola é e será por vontade própria
trincheira firme da Revolução em África. (...) Na Namíbia, na Rodésia e na África do
Sul está a continuação da nossa luta” 3 . Com essas palavras de Agostinho Neto nasceu
a República Popular de Angola, liberto do jugo colonial, dando início a uma trajetória
difícil de unir os atores de diversos interesses concentrados no território e a opção
declarada do país em seguir a via de desenvolvimento do modelo socialista. E as
consequências deste posicionamento não tardaram a se manifestar.
Origem das dificuldades políticas e económicas de Angola independente
Angola foi vítima da colonização portuguesa no período de 1492 a 1975, que
dada a problemas de fraco desenvolvimento da própria Metrópole na época, esta
recorreu a outras potências ocidentais para explorar as riquezas da colónia. Como
observa Henrique Lopes Guerra “quando o sistema de produção capitalista penetra em
estruturas económicas mais atrasadas, ele desenvolve primeiro os sectores e regiões que
são mais rentáveis para os detentores de capital”. Isto explica porque a economia
angolana é dependente da exploração dos recursos minerais, principalmente, petróleo e
diamantes, recursos que são a base das relações do país com o Norte.
No período de transição para a independência de Angola, as super potências
EUA (Estados Unidos da América) e URSS, digladiavam-se pela conquista de zonas de
influência, através do estabelecimento ou reforço de alianças estratégicas tanto com
regimes segregacionistas, ou com organizações políticas militares cujos líderes,
obcecados pelo poder, procuravam atingi-lo a qualquer custo.
Mas, no sistema internacional pós–Guerra Fria, a importância de países como
Angola não depende somente de factores militares e estratégicos, mas sobretudo da
estabilidade política interna, do nível geral de bem-estar, dos sinais vitais da economia -
a capacidade de crescer e gerar empregos, a base tecnológica, a participação no
comércio internacional - e, também, de propostas diplomáticas claras, objectivas e
viáveis. Assim, a política externa de Angola é o posicionamento adoptado pelo país para
alcançar os seus objectivos agindo internacionalmente de acordo com sua estratégia
racionalmente 5 escolhida. Entretanto, com a independência proclamada pelo MPLA
caracterizado na época com a ideologia marxista, evidentemente, o governo teve de
fazer opções, no caso os países socialistas. No sistema político global, cada Estado em
suas relações internacionais procura definir estratégias de sua política externa as quais
podem resultar em aproximação ou distanciamento em relação a determinados países.

3
Foram assim negociados e concluídos os Acordos de Nova York, em Dezembro
de 1988, que permitiram a cessação das hostilidades militares entre Angola e a África
do Sul, baseadas na retirada de cerca de 50 mil tropas cubanas de Angola,
simultaneamente, a retirada das forças da África do Sul que ocupavam o sul de Angola
desde 1982 e a descolonização da Namíbia em 1990. A África do Sul se democratizou.
O novo quadro pós - acordos de Nova York tornou-se num balão de oxigénio para as
economias da África Austral seriamente debilitadas. A guerra em Angola impedia que
os resultados fossem positivos na região.

Mudança do sistema mono partidário para multipartidário em Angola


A partir de 1992 Angola partiu para um processo de liberalização e abertura de
mercado que infelizmente se apresentou de forma desastrada e desestruturada, por um
lado, devido a retomada da guerra civil e por outro lado, as dificuldades de esquadrar na
transição sectores de economia que era planejada com direcção centralizada para
transformar-se numa economia de livre mercado.
Do ponto de vista político, a revisão parcial da constituição em 1991 (Lei 12/91)
teve como resultado a revogação dos princípios do socialismo fazendo um centro
democrático, ao consagrar uma nova ordem jurídica assente na democracia
multipartidária, no principio da legalidade, na garantia de direitos e liberdades
fundamentais, no princípio da proporcionalidade e de meios menos lesivos. É a partir
desta mudança do sistema político e económico mono partidário para o sistema
multipartidário, iniciado com as eleições de Setembro de 1992 que apresentamos a
política externa de Angola aos dias atuais.
De uma política externa nacionalista e socialista, seja em termos de
desenvolvimento económico, quanto social, a política externa de Angola evoluiu de um
país colonial para uma política externa com ideais socialistas iniciada com a
proclamação da independência do país e ao retorno ao sistema de livre mercado em
1992.
Segundo Carlos Albuquerque “em Angola, com a conivência, entre outros, de
americanos, russos, sul africanos, cubanos e portugueses, a guerra cedo iniciou políticos
e militares, de ambas as partes, naquilo a que o cinismo internacional viria, anos mais
tarde, a chamar ‘diplomacia de interesses’” 6 . De fato, toda a desgraça que se abateu
sobre a terra angolana tem a sua explicação na complexa rede de interesses dos atores
participantes concentrados em Angola. De 1975 a 1992 a explicação era dada pela
presença de comunismo e tropas estrangeiras entre as quais os cubanos. Porém, após
eleições em 1992 e consequente adequação de economia de mercado, o sofrimento do
povo angolano continuou por mais uma década.
Êxito diplomacia externa de Angola e as tentativas de paz interna
Depois do sucesso diplomático obtido pelo governo de Angola com relação a
sua fronteira sul, tiveram então início as negociações para resolver os conflitos internos,
iniciando-se com a Cimeira de Franceville, no Gabão, em Outubro de 1988, seguida da
reunião de oito chefes de Estado africanos em Luanda. Esses encontros criaram
condições para a Cimeira de Gbadolite, no Zaíre, em Junho de 1989.

4
Apesar de o encontro ter dado origem aos Acordos de Gbadolite, com a boa
vontade de Angola e de quase vinte chefes de Estado Africanos em atuar sob mediação
de Mobutu Sese Seko da República do Congo (Kinshasa) a dualidade na condução dos
acordos pelo ditador do Zaíre, cujo envolvimento com a UNITA era notório,
inviabilizou o cumprimento dos mesmos. Dois anos depois, representantes da UNITA e
do governo de Angola encontraram-se em Bicesse, Portugal.
Ao contrário do encontro de Gbadolite, esta cimeira terminou com um amplo
acordo assinado pelas duas partes, ampliando as esperanças de paz em Angola. Foi
estabelecido um grande cronograma que culminaria com a realização das primeiras
eleições livres e democráticas em Angola, que seriam supervisionadas pelas Nações
Unidas. O Governo com suas FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de
Angola) e a UNITA com suas FALA (Forças armadas de Libertação de Angola)
deveriam dissolver seus exércitos e formar um único, as FAA (Forças Armadas
Angolanas).
A política dos EUA para Angola da independência até Maio de 1993, foi
formulada quase que exclusivamente em função da Guerra-Fria. As administrações
Ford, Cárter e Reagan não viam a possibilidade de reconhecer o governo do MPLA,
receando que se o fizesse poderia estar a enviar um sinal errado para URSS e para a
opinião pública norte-americana, que seria interpretado como um sinal de fraqueza.
Acrescenta-se a essa interpretação, o fato de que, num dos principais estados eleitorais,
a Florida, reside um considerável contingente de cidadãos cubano-americanos contra o
regime cubano, com elevado peso eleitoral, que nenhum presidente podia ignorar para a
sua eleição ou reeleição. Essa foi uma razão a mais para que Washington hesitasse no
reconhecimento, a não ser que fosse precedido da retirada de tropas cubanas de Angola.
Graças ao pragmatismo das relações comerciais entre Angola e os EUA,
nenhuma das grandes empresas norte-americanas que operavam em Angola na época
colonial foi afectada pela independência. Apesar de tudo, foi possível manter, elos de
contacto que veio a ser instrumentais na aproximação e remoção de todas as cláusulas
impeditivas do normal relacionamento diplomático entre os dois países. . Na década de
80, o fluxo comercial entre Angola e EUA era de mais de um bilhão de dólares, sendo
Angola um dos principais parceiros económicos dos EUA na África subsaariana.
Os Acordos de Nova York alteraram de maneira positiva o cenário político-
militar em Angola e na África Austral, levando à assinatura dos Acordos de Paz de
Bicesse em 31 de Maio de 1991 depois de muitos meses de negociação entre
representantes do governo angolano – MPLA e da UNITA sob a mediação da troika de
observadores. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi convidada a fiscalizar os
Acordos com criação da UNAVEM II. Rubricaram os Acordos de Paz de Angola: José
Eduardo dos Santos (presidente de Angola); Jonas Malheiro Savimbi (líder da UNITA),
Cavaco da Silva (primeiro-ministro português, Peres Cuellar (Secretário Geral das
Naçoes Unidas), James Baker (Secretário do Estado dos EUA), Alexandre
Brassmertnykh (Secretário para política Externa da URSS) e Joweri Musevini
(Presidente da Organização da Unidade Africana – OUA, actualmente UAUnião
Africana).
Passados 17 meses da assinatura dos acordos de Bicesse foram realizadas em
Angola as primeiras eleições multipartidárias, nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992, o
MPLA obteve 53,7% dos votos válidos e a UNTA 34,1%. O candidato presidencial do
MPLA, José Eduardo dos Santos, obteve 49,57% dos votos e Savimbi 40,07%, o que
5
obrigou a realização de um segundo turno nas presidenciais. Mas, Savimbi não aceitou
o resultado das urnas, alegando fraude, embora os observadores internacionais,
inclusive da ONU, que haviam monitorado as eleições, considerassem terem sido livres
e justas. Com a rejeição pela UNITA dos resultados eleitorais, a UNITA colocou em
acção o seu segundo plano para chegar ao poder a força. Angola viu mais uma vez
adiada a possibilidade de uma paz efectiva, mergulhando na 2ª guerra civil, pior do que
a 1ª guerra.
A política externa de Angola depois do fim da Guerra-Fria
A política externa de Angola conheceu notável evolução desde o fim dos anos
90, que compreendeu os dois acordos de paz, um em Nova York em 1988 e o outro em
Bicesse em 1991 e que resultaram na primeira eleição geral multipartidária no país,
símbolo do abandono da política económica planejada. Essas mudanças ocorreram sob a
liderança de José Eduardo dos Santos e foram iniciadas no auge do acirramento da
guerra civil, em que a batalha de Cuito Cuanavale em 1988 fez sentir ao governo do
apartheid na África do Sul e seus apoiantes que a guerra só trazia consigo mortes e
destruição para todos os envolvidos directamente no conflito.
Por um lado, a África do Sul do apartheid perdia importância com o fim da
Guerra-Fria e precisava inserir-se no novo cenário internacional que se desenhava com
o fim do conflito bipolar . Em Angola a nova perspectiva apontava para ampla abertura
do mercado e com abandono do modelo marxista de desenvolvimento, para se adaptar à
globalização, aos fluxos comerciais e financeiros.
Durante o governo Reagan, o seu secretário de Estado, Alexandre Haig, exigiu,
desde o início dos anos 80, a retirada das tropas cubanas de Angola. Já o seu sucessor,
Geoge Schultz impôs como condição do relacionamento diplomático o fim da guerra
civil. Mais tarde, George Bush (pai), seu secretário de Estado James Baker III exigiu a
assinatura de um acordo de cessar-fogo e na realização de eleições multipartidárias e
seu subsecretário para os Assuntos Africanos, Herman Cohen, fez depender o
reconhecimento diplomático de Angola da certificação dos resultados das eleições pelas
Nações Unidas.
Acontece, porém que, os resultados das eleições democráticas em Angola,
reconhecidas pelas Nações Unidas e demais observadores do processo como livres e
justas, não produziram o vencedor desejado pelo governo republicano dos EUA. O
adjunto de Herman Cohen, Jeffrey Davidow, criou mais um requisito de que o
reconhecimento só seria formalizado depois da realização da segunda volta das eleições
presidenciais, mas esta argumentação deixou de ter sustentação política no próprio
Congresso em Washington, devido a postura intransigente e obstrucionista da UNITA,
especialmente de Savimbi. Ao recrudescer as hostilidades militares através de ataques
massivos, a UNITA foi severamente criticada pelo CS/ONU nas suas Resoluções 811
de 12 de Março e 823 de 30 de Abril, ambas de 1993, exigindo que aceitasse, sem
reservas, os resultados das eleições democráticas de 1992 e respeitasse cabalmente os
Acordos de Paz, com vista ao restabelecimento imediato do cessar-fogo em todo o país.
Sem a base de apoio no Congresso norte-americano, que entretanto, começava a
emitir sinais de preocupação e saturação pelo agravamento da guerra civil angolana,
sobretudo devido a má-fé da UNITA ao rejeitar as propostas das Nações Unidas e dos
três estados observadores (Rússia, EUA e Portugal) do processo de paz angolano. O
presidente Bill Clinton que estava no início do seu primeiro mandato, cujo secretário do

6
Estado e Subsecretário de Estado para os Assuntos Africanos foram respectivamente,
Warren Christopher e George Moose, decidiu finalmente reconhecer o governo eleito da
República de Angola.
Os apelos de Nelson Mandela, Desmond Tutu, Jesse Jackson, o ‘apelo de
Xangai’ liderado pelo ex-secretário de Estado Henry Kissenger, entre tantos, chegaram
a Casa Branca em favor do reconhecimento que não deixaram outra saída a
Administração Clinton. As 16 horas, do dia 19 de Maio de 1993, o presidente Bill
Clinton comunicou ao mundo, através das câmaras de televisão, entre as quais a CNN a
seguinte mensagem: “(…) tenho o prazer de anunciar hoje o reconhecimento pelos
Estados Unidos da América do Governo de Angola. Esta decisão reflecte a grande
prioridade que a nossa Administração dá à democracia. Em 1992, depois de anos de
uma amarga guerra civil, o povo de Angola viveu eleições multipartidárias que os
Estados Unidos, as Nações Unidas e outros fiscalizaram, e consideraram livres e justas.
Depois de assumir as minhas funções, a 20 de Janeiro, tentei usar a possibilidade de o
reconhecimento, por parte dos Estados Unidos da América.
América, ser uma alavanca para a promoção do fim da guerra civil e das
hostilidades e também da participação de todos os grupos relevantes no Governo de
Angola. Infelizmente, a UNITA, o partido que perdeu as eleições, recomeçou a guerra
antes que o processo eleitoral fosse completado, e agora recusou-se a assinar o acordo
de paz que está neste momento na mesa das negociações. O Governo de Angola, ao
contrário, concordou em assinar este acordo de paz, deu posse à Assembleia Nacional
democraticamente eleita e ofereceu a UNITA a sua participação no Governo a todos os
níveis. Hoje, ao reconhecermos estes fatos, estamos a reconhecer o Governo de Angola.
Tenho esperança que a UNITA venha a aceitar um acordo negociado e passe a fazer
parte do Governo. Pretendo continuar a trabalhar estreitamente com o Governo de
Angola e com a UNITA para que se alcance em Angola uma paz duradoura e em
democracia”
O reconhecimento de Washington causou satisfação a Luanda e dava nova vida
aos esforços do Governo de Angola para salvaguardar a democracia. O arcebispo
Desmond Tutu, presente no ato, disse que estava muito emocionado já que abordara
antes o assunto com o presidente Clinton. Já a UNITA considerou como um fator
negativo e continuou as suas ações belicistas e desestabilizadoras do país.
Em função disso, o CS/ONU adoptou a resolução 843 de 1 de Junho de 1993,
condenando a UNITA pelas acções e ataques armados que resultaram no acréscimo das
hostilidades e que punham em perigo o processo de paz. O CS/ONU reafirmou a
exigência de Savimbi retirar os seus guerrilheiros das áreas ocupadas,
responsabilizando-o pelo fracasso das conversações de Abidjan/Costa do Marfim. A
resolução elogiou o Governo de Angola pela disposição em alcançar um acordo para o
conflito em conformidade com os acordos de paz.
Para Savimbi, era mais uma resolução entre tantas, pouco se importou, seguro
que estava das suas conquistas militares e convencido de que a comunidade
internacional não deixaria de querer capitalizar todos os investimentos feitos nele em
Angola, continuando a apoia-lo, ou pelo menos, a não contrariar objectivamente as suas
ambições de conquistar o poder. Por seu lado, o Governo não gostou da resolução, por
entender que esta ficara por condenações dos rebeldes, não avançando com medidas
punitivas. O primeiro-ministro, Marcolino Moço afirmou sobre este assunto, que o

7
mundo tinha que escolher entre “ver naufragar a democracia em Angola, ou usar a força
para travar Savimbi”
A reclamação do chefe do executivo angolano foi positivamente entendida. Os
chefes da troica de observadores do processo de paz encontraram-se em 8 de Junho de
1993 em Washington e um mês depois, em 8 de Julho em Moscou. Na capital russa a
troica emitiu uma declaração, reconhecendo a ofensiva militar da UNITA
responsabilizando-a pela continuação da guerra. Admitiu, igualmente, que o Governo
tinha o direito legítimo de se defender, sugerindo a comunidade internacional que
poderia ser prestada assistência a Luanda, para apoiar o processo democrático.
Implicitamente, a declaração deu a entender que a Cláusula ‘Triplo Zero’7 deveria ser
suspensa.
Pela primeira vez, o CS/ONU aprovou a Resolução 851 em 15 de Julho de 1993
na qual admitiu a possibilidade de aplicar sanções e decidir o embargo de armas para a
UNITA. As possíveis sanções, solicitadas pelo Governo de Angola, apoiadas pela troica
de observadores, excepto os EUA e por grande parte dos países presentes na reunião,
englobavam o congelamento das contas bancárias, restrição às viagens de membros da
UNITA, e encerramento dos seus escritórios de representação em estados membros da
ONU. Mais uma vez, foi elogiada a disposição do Governo em chegar a um acordo
pacífico, com respeito pelos acordos de paz e pelas Resoluções da ONU.
A parte importante para Luanda, foi o fato de a Resolução ter reconhecido os
direitos legítimos do Governo de Angola e a este respeito, acolher o fornecimento de
assistência ao Governo de Angola para apoiar o processo democrático. Na verdade, o
CS/ONU seguiu a recomendação da troica de observadores para se suspender a Cláusula
Triplo Zero, deixando de haver barreiras ao fornecimento de armas ao Governo de
Angola.
Com a comunidade internacional cada vez menos disposta a desculpar e a
conceder novas oportunidades a Savimbi (exceto os EUA), e a Cláusula Triplo Zero
reduzida a zero, o Governo de Angola, mais a vontade foi reequipando as suas forças
armadas. O CS/ONU tomou uma série de decisões condenando a UNITA, mas somente
a Resolução 864 de 15 de Setembro de 1993, aprovada por unanimidade, impôs
embargo à venda de armas, de petróleo e seus derivados a UNITA. Essa Resolução
firmemente apoiada pelos EUA, contemplava também, dispositivo de sanções, caso a
UNITA não aceitasse clara e inequivocamente negociar de boa-fé dentro dos parâmetros
internacionalmente definidos, consubstanciados nos Acordos de Bicesse, na aceitação
dos resultados eleitorais, no Protocolo de Abidjan e nas pertinentes Resoluções do
CS/ONU. Na Resolução o CS/ONU decidiu igualmente, impor restrições às viagens dos
dirigentes da UNITA.
Na discussão da Resolução, os EUA afirmaram que “a liderança da UNITA tem
que entender que a comunidade internacional a considera responsável, e não tolerará a
sua tentativa, continuada, de infligir a guerra ao seu povo, num esforço para conquistar
militarmente o que não conseguiu ganhar numa eleição democrática”. Outros
representantes de países que aprovaram a Resolução 864/93 afirmaram aquilo que
traduz bem a saturação a que chegou a comunidade internacional em relação ao
comportamento belicista da UNITA, mostrando que o mundo não continuava aberto a
mais concessões. Para citar alguns, o representante da Rússia adiantava que “a
Resolução fornece à liderança da UNITA uma última oportunidade de demonstrar
realismo e responsabilidade política”, enquanto o representante da Nigéria afirmava que
8
“deve ficar muito claro para a UNITA que daqui em diante a comunidade internacional
não irá permitir que continue a brincar com as vidas dos seus compatriotas e a adiar
continuamente o processo de paz”. O representante do Brasil considerou que “a porta
continua aberta para que a UNITA possa desempenhar um papel construtivo, agora e
nos anos vindouros, tendo como base as negociações de paz e uma participação
democrática”.
Os resultados imediatos alcançados, 6 meses depois dos atentados nos EUA,
foram o fim da guerra civil angolana em 22 de Fevereiro de 2002, com a morte de Jonas
Malheiro Savimbi em combate, cuja decadência começou a se acelerar desde 1998.
O Governo angolano animado com as perspectivas de reconciliação nacional,
ampliadas depois da morte de Jonas Savimbi, ordenou uma trégua na ofensiva contra a
UNITA a partir de 14 de Março e apresentou um plano de paz visando a um cessar-fogo
geral. O primeiro passo foi a realização da reunião dos chefes militares das FAA com a
liderança da UNITA, na província do Moxico onde fora morto Savimbi, para apresentar
o plano do governo, que continha cinco propostas básicas: desmilitarização das tropas
da UNITA; anistia geral, a ser votada no Parlamento, para todos os crimes cometidos
durante a guerra civil; desminarem de todo o território angolano e realização de
eleições; devolução oficial de todos os territórios ainda ocupados pela UNITA,
conforme previsto no protocolo de Lusaka; nomeação de membros da organização para
cargos públicos previstos no protocolo de Lusaka.
O plano do governo foi louvado por todos os sectores - dos partidos de oposição
à comunidade internacional, inclusive pela Secretaria da ONU em Angola que o
considerou de conciliador, destacando que seu grande mérito é propor o fim das
hostilidades, amnistia, eleições e todas as outras tarefas previstas no protocolo de
Lusaka. Os três observadores do processo de paz em Angola – Rússia, Estados Unidos
da América e Portugal- foram oficialmente informados pelas autoridades angolanas
sobre a morte de Savimbi e em seguida emitiram uma declaração na qual reiteraram a
sua firme convicção de que o caminho para a paz em Angola e reconciliação nacional
passa pelo cumprimento do protocolo de Lusaka.
Portanto Angola desde a independência até hoje é governada pelo MPLA, que
teve apoio militar e logístico decisivos de Cuba e da URSS no período de 1975-1990 e
teve aliados regionais chamados “países da Linha da Frente”, os países socialistas e o
Brasil. Com o fim da Guerra Fria, Angola manteve as suas relações diplomáticas
tradicionais, mas fez uma inflexão com os opositores de ontem, os EUA, os países da
Europa Ocidental e a África do Sul. Posteriormente, passou a ser o principal parceiro
económico da China na África. Aliás, a China é o principal financiador do processo de
reconstrução das infra-estruturas económicas de Angola, depois que a comunidade
internacional recusou-se a organizar a conferência internacional de doadores para ajudar
Angola, assim que terminou a guerra civil.
Os esforços da diplomacia angolana são visíveis. A diplomacia angolana tem
sabido aproveitar as conferências multilaterais, quer as permanentes, para construir
consensos que promoveram a paz em Angola, na África Central e Austral, além de
influenciar positivamente a agenda de negociações diplomáticas temas que interessem à
causa da paz, do diálogo inter-civilizacional e de desenvolvimento dos países. Esse
papel, e, até certo ponto, alguns sectores das elites mais abertas e até por interesse na
internacionalização de Angola, têm vindo, crescentemente, a perceber o desempenho
histórico do Estado angolano para o avanço da causa do multilateralismo. Esse papel
9
vêm se desenvolvendo no âmbito da ONU; na reunião do G8 na Itália em Julho de
2009; da CGG, da CPLP, da ZOPACAS, da SADC, da UA, CEEAC; entre outros. Em
diplomacia, ao contrário do que a imprensa cobra, os resultados não podem ser sempre
quantificados, mas o que se pede é uma acção permanente.
Referências bibliográficas
Joveta José-Encontro Anual da ANPOCS GT 19: Entre Fronteiras e Disciplinas:
Estudos sobre África e Caribe Política Externa de Angola de 1992 aos dias
atuais.
Igor Castellano da Silva-POLÍTICA EXTERNA REGIONAL DE ANGOLA:
MUDANÇAS FRENTE À ORDEM SISTÊMICA (1975-2010).
Justin Pearce, A guerra civil em Angola, 1975 - 2002, Lisboa: Tinta da China,
2017

10

Você também pode gostar