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CAPA

EXECUTORAS

PROPONENTE

COOPERADAS

BARRA DO BRAÚNA ITIQUIRA


Copyright ©
2020 Fernando Amaral de Almeida Prado Jr., Marcos Leone Filho e
Osvaldo Livio Soliano Pereira
Todos os direitos reservados à Synergia Editora

Editores Jorge Gama e Isabelle Assumpção

Capa Equipe Synergia/Equipe Venidera


Diagramação Flávio Meneghesso
Revisão Equipe Synergia

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Elaborado por Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

P896i
IRIS: Integração de renováveis intermitentes – um modelo de [...] /
organização Fernando Amaral de Almeida Prado Jr., Marcos Leone Filho,
Osvaldo Livio Soliano Pereira. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Synergia, 2020.
400 p. : il. ; 15,5cm x 22,5cm.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-86214-25-3

1. Energia elétrica - Distribuição - Brasil. 2. Recursos energéticos -


Brasil. 3. Desenvolvimento sustentável. I. Prado Jr., Fernando Amaral de
Almeida. II. Filho, Marcos Leone. III. Pereira, Osvaldo Livio Soliano.

CDD 333.7932310981
CDU 338.58:621.311(81)

Livros técnicos, cien ficos e profissionais

Tel.: (21) 3259-9374 | Wpp (21) 97933-6580


www.synergiaeditora.com.br / comercial@synergiaeditora.com.br
AGRADECIMENTOS

Esse livro consolida a produção intelectual decorrente do Projeto de Pes-


quisa e Desenvolvimento “IRIS - Integração de Renováveis Intermitentes:
Um modelo de simulação da operação do sistema elétrico brasileiro para
apoio ao planejamento, operação, comercialização e regulação”. Foram
quase cinco anos de muito trabalho e enfrentamento de desa ios que redun-
daram em múltiplos relatórios técnicos, modelos computacionais e inúme-
ras publicações técnicas em revistas especializadas e congressos nacionais
e internacionais.
No papel de organizadores deste livro, registramos que os objetivos
do projeto foram alcançados e que uma robusta contribuição à indústria
do setor elétrico brasileiro foi desenvolvida.
Agradecemos a todas as empresas patrocinadoras do projeto, envol-
vidas em todas as suas fases. São elas: AES Tietê S/A, AES Uruguaiana
Empreendimentos S/A, Barra do Braúna Energética S/A, Campos Novos
Energia S/A, Companhia Energética Rio das Antas, Energética Barra Grande
S/A, Foz do Chapecó Energia S/A e Itiquira Energética S/A, Candeias
Energia S/A, Paulista Lajeado Energia S/A, Companhia Energética Potiguar
e Companhia Energética Manauara.
Agradecemos ainda a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)
pelo seu empenho em promover o desenvolvimento tecnológico do setor
elétrico brasileiro com seu programa de Pesquisa e Desenvolvimento.
Finalmente, agradecemos os importantes agentes do setor que, gentil-
mente, interagiram com as equipes do projeto contribuindo e acrescen-
tando sugestões valiosas, em especial o Operador Nacional do Sistema
Elétrico (ONS), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Agradecemos a todos os pro issionais e pesquisadores envolvidos nas
atividades teóricas e práticas que consolidaram os resultados do projeto,
neste livro, consubstanciados em uma linguagem dedicada a uma audi-
ência ampliada, cumprindo com o objetivo de compartilhar os desenvol-
vimentos para toda a sociedade. São eles por parte das executoras: André
Emílio Toscano, Marcos de Almeida Leone Filho, Makoto Kadowaki, João
Borsoi Soares, Rafael Giordano Vieira, João Eduardo Gonçalves Lopes, Lucas
Vinícius de Souza, Jônatas Trabuco Belotti (Venidera); Manoel Henrique da
Nóbrega Marinho, Paulo Salgado Gomes de Mattos Neto, Hugo Siqueira
Valadares, Francisco Madeiro Bernardino Junior, João Fausto Lorenzato
de Oliveira, Tiago Alessandro Espínola Ferreira, Vicente Ribeiro Simoni,
Antonio Samuel Neto, Osvaldo Lívio Soliano Pereira, Eduardo José Barbosa,
Edgard Nicéas Arcoverde Gusmão Lima, Domingos Sávio de Oliveira Santos
Júnior, Fábio Sandro dos Santos, Adriano Thomaz (IATI); João Rodolfo Pires,
Glaucon Diniz Garcia, Felipe Ruiz Côrtes (Consultoria); Ana Lúcia Rodrigues
da Silva e Fernando Amaral de Almeida Prado Junior (Sinerconsult).
Contamos ainda com a colaboração constante de Pedro Daniel Bach
Montani da Mont Soluções em Engenharia Ltda., que coordenou adminis-
trativamente o projeto em nome da patrocinadora e das cooperadas. As
empresas que inanciaram o projeto também contribuíram para seu desen-
volvimento. Delas, tivemos a constante participação, orientação e supervi-
são de Eduardo Heraldo, Rodrigo D´Elia e Daniel Marques dos Santos da
AES Tietê; Isabela Niedo Marchiori, Rafael Moya Rodrigues Pereira e Marcio
Shiguenori Kuwabara da CPFL, Kleber Ribeiro Cosenza, Osmar Ormianin
Filho, Gustavo Mariani, Sinvaldo Rodrigues Moreno e Augusto Prestes por
parte da ELERA; Rodrigo Santana do Amaral e Cesar Cerqueira Lima de
Araújo foram os representantes da Companhia Energética Candeias (CEC);
Esmeraldo Macedo dos Santos e Diego Melo da Silva como representan-
tes da Companhia Energética Potiguar (CEP); Marcus Vinícius Ferreira de
Santana como representante das empresas Baesa, Enercan e Ceran e, inal-
mente, Roberto Linhares Moritz da Foz do Chapecó.

Fernando A. Almeida Prado Jr.


Marcos Leone Filho
Osvaldo Lívio Soliano Pereira

Apresentação V
APRESENTAÇÃO

Este livro apresenta os resultados, re lexões, aprendizados e principais


desenvolvimentos que foram construídos com dezenas de pesquisadores
e representantes das empresas patrocinadoras do Projeto de Pesquisa e
Desenvolvimento “IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes: Um
modelo de simulação da operação do sistema elétrico brasileiro para
apoio ao planejamento, operação, comercialização e regulação”.
A indústria de energia elétrica no Brasil e no mundo vem sendo trans-
formada de forma muito intensa, sendo que as mudanças deste século e
aquelas antevistas para acontecerem representam maiores impactos do
que as registradas nos primeiros 100 anos da indústria.
Um mundo em que a tecnologia era estável, em que as opções dispo-
níveis podiam ser contadas com os dedos de uma mão, em que as decisões
eram primordialmente conservadoras com mercados estruturados de
forma monopolista e, inalmente, no qual pouco ou nenhum cuidado com o
meio ambiente era tomado já não mais existe. Nos dias de hoje, nenhuma
decisão pode ignorar os reclamos da preservação ambiental, da busca per-
manente de e iciência, da competitividade e da pressão permanente sobre
as entidades reguladoras e institucionais pela edição de regras, de forma
ágil, que contemplem a transformação criadora das novas tecnologias.
Essas transformações são bastante identi icadas com as aquelas con-
ceituadas por Schumpeter, pois envolvem novas alternativas de produ-
ção como tão bem exempli icam as fontes de geração de energia elétrica
renováveis e intermitentes. Adicionalmente, na caracterização do edi ício
conceitual Schumpeteriano, é fácil identi icar que a abertura de novos mer-
cados e o estabelecimento de novos modelos de organização na indústria
como representativos de uma clara ruptura dos modelos monopolistas que
vigoraram até meados dos anos 1990 no século XX.
A revolução Schumpteriana com sua conceituação de destruição
criativa está evidentemente presente na inserção crescente das Fontes
Renováveis Intermitentes (FRIs) na matriz elétrica, o que vai alterar de
forma substantiva a operação da rede elétrica, as regras de segurança,
os preços diretos e indiretos do mercado de energia, a maneira como os
negócios são realizados e as regras regulatórias. A in luência das FRIs e
sua atratividade, como opção ambientalmente favorável, irão in luenciar
as escolhas e os compromissos a serem irmados por países e empresas,
em especial no que tange à sociedade de uma era em que os combustíveis
fósseis sejam paulatinamente substituídos e eventualmente eliminados. As
mudanças climáticas e seus efeitos malé icos para a sociedade representam
um dos mais importantes fatores que alicerçam essas transformações, cujo
curso já se encontra em andamento.
É essa inserção crescente das FRIs que justi ica a existência do projeto
IRIS, cujos produtos, resultados e achados são o objeto central deste livro.
No capítulo 1, o livro analisa o status da presença das FRIs no Brasil
e no mundo apresentando as estatísticas mais relevantes e uma visão de
sua expansão nos últimos anos. Os capítulos 2, 3, 4 e 5 trazem uma análise
detalhada das razões que levam a tal expansão, com destaque especial para
aquelas decorrentes dos temas ambientais, das razões climáticas e do equi-
líbrio entre diferentes impactos ambientais da infraestrutura da produção
e transmissão de eletricidade. Merecem ainda uma análise detalhada as
razões decorrentes do avanço tecnológico que facilitam a inserção dessas
energias intermitentes, como as redes elétricas inteligentes, os sistemas de
armazenamento e a maior capacidade de produção com preços declinantes.
Os capítulos 2 ao 5 também discutem a inserção dessas fontes intermitentes
pela disponibilidade de recursos naturais que se oferecem de maneira mais
ou menos acentuada conforme uma determinada disponibilidade regional.
E, inalmente, são ainda abordados os aspectos que decorrem de escolhas
feitas por meio de políticas públicas com a criação de incentivos que facili-
tem a inserção das escolhas políticas de uma nação.
O capítulo 6 trata da análise dos impactos econômicos que resultam das
FRIs e sua presença crescente nos mercados. Esses impactos envolvem as

Apresentação VII
transferências de renda, que decorrem da criação de incentivos e subsídios,
e dos novos modelos de negócios que aceleram a oferta de sistemas de gera-
ção distribuída. Nesse ambiente de grande complexidade, os impactos tec-
nológicos propiciam a expansão crescente de oferta das FRIs, mas acabam
exigindo que o Estado Regulador seja interveniente para arbitrar os custos
decorrentes de riscos de mercado (que afetam a indústria con igurada com
características de investimentos de longo prazo), os custos decorrentes do
aumento da complexidade da operação e seus re lexos nos custos de curto
prazo. Ainda na vertente dos custos de curto prazo, o capítulo aborda o cha-
mado Efeito de Ordem de Mérito (EOM), qual seja a redução de preços de
curto prazo1 que afetam a rentabilidade de usinas convencionais, tornando
mais di icultosa a sua existência, embora sejam imprescindíveis para equili-
brar a intermitência, pelo menos no status tecnológico atual. Esse paradoxo,
em que a presença de preços muito baixos, os quais podem ser negativos,
afeta toda uma cadeia de infraestrutura convencional.
No capítulo 7, são abordados os impactos operativos decorrentes da
oferta crescente de FRIs e da Geração Distribuída de Pequena Escala. Neste
capítulo, o livro aborda uma visão internacional dos procedimentos ope-
rativos e da complexidade organizacional representada pelas entidades
de operação independentes.2 Tal complexidade não se restringe apenas ao
formato organizacional das entidades, mas também a uma di iculdade ope-
rativa crescente na dinâmica do tempo de resposta requerido pelo sistema
interligado, com intervalos de tempo cada vez mais estreitos para que uma
ação seja efetivada, sendo que essa demanda tem ocorrência cada vez mais
frequente. Esse contexto exige mais e mais tecnologia, sendo que parte rele-
vante do projeto IRIS trata da geração de suporte de tecnologia para esses
desa ios, que são mais bem explicados nos capítulos 12 e 13. O capítulo
7 ainda descreve a complexidade advinda das discussões relacionadas à
necessidade de reservas disponíveis para o suporte a demandas que resul-
tam da intermitência das fontes renováveis. Finalmente, este capítulo trata
da discussão de um tema que, no estágio atual da tecnologia, encontra-se

1
No Brasil, representado pelos denominados Preços de Liquidação de Diferenças (PLDs).
2
Usualmente, os RTO e/ou ISO, respectivamente Regional Transmission Operator e
Independent System Operator.

VIII IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


na fronteira de conhecimento, a saber se existem ou não limites ísicos ou
econômicos para a inserção das FRIs.
Os capítulos 8 e 9 tratam das alternativas que se complementam com
as soluções operativas que dependem de sistemas informatizados de ope-
ração. Essas soluções complementares, à semelhança das soluções de tec-
nologia operativa, não devem ser consideradas com potencial de solução
integral e única, mas sim como passíveis de serem utilizadas de forma
conjunta. A diversi icação de fontes renováveis, o planejamento integrado
desses recursos, o fortalecimento dos sistemas de transmissão, permitindo
mais e mais as possibilidades de intercâmbios, e mesmo estudos demográ-
icos para propor o equilíbrio de fontes de geração cada vez mais integra-
das na proximidade de seus mercados de consumo são as alternativas de
promover uma Resposta da Demanda (RD). Entre essas alternativas, estão
analisadas especi icamente no capítulo 9 as tecnologias e materiais que
irão alterar a performance futura dessas fontes O capítulo 10 discute os
novos modelos de negócios que surgem a partir do processo disruptivo e
de desintermediação que as FRIs atreladas a tecnologias digitais e a geração
de pequena escala propiciam.
O capítulo 11 trata dos problemas regulatórios a partir da inserção
crescente das FRIs. São analisados os problemas decorrentes das políticas
de incentivo às FRIs à medida que estas passam a ser capazes de serem
su icientemente competitivas para sua inserção sem que seja necessária
a manutenção desses incentivos, mas que ao mesmo tempo não ocorram
rupturas de contratos com os empreendimentos pioneiros que surgiram
à luz desses incentivos. Nesse contexto, são analisados os movimentos
empreendidos pelo mercado internacional, com destaque para soluções
da Espanha, Alemanha e Reino Unido. Também a experiência brasileira do
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa),
descontos nas tarifas de transmissão e distribuição (energias incentivadas)
e do Sistema de Compensações Líquidas (SCL netmetering). Os regulamen-
tos sobre os efeitos inanceiros nas tarifas e na liberalização de mercados,
sobre o planejamento determinativo e sobre critérios de gestão de riscos
são outros temas regulatórios abordados neste capítulo.
O capítulo 12 é aquele que possui maior aderência com o Projeto IRIS,
do qual este livro representa o conjunto consolidado de re lexões e desen-
volvimentos. São apresentados todos os aspectos da conceituação do pro-

Apresentação IX
jeto e das razões que direcionaram sua execução. O capítulo retrata deta-
lhadamente os modelos desenvolvidos, os principais resultados e as aplica-
bilidades previstas, além de outras que emergiram dos desenvolvimentos,
mesmo não tendo sido inicialmente almejadas. Neste capítulo de apresen-
tação, cabe destacar que o capítulo 12 representa a síntese essencial do
projeto IRIS naquilo que se trata de desenvolvimento propriamente dito.
O capítulo 13 apresenta exemplos das potencialidades que o projeto e
seus desenvolvimentos podem oferecer à indústria de energia elétrica bra-
sileira com a crescente presença das FRIs. Por meio de exemplos práticos,
são analisadas as perspectivas futuras da inserção das FRIs. Nesse capítulo,
são tecidas ainda as considerações sobre as transformações que podem
ocorrer em prazos mediatos e de longo prazo, a partir das investigações
desenvolvidas.
O capítulo 14 apresenta as principais conclusões do projeto, avalia os
impactos que os trabalhos realizados permitem serem feitos no contexto da
realidade tecnológica e regulatório vigente. No entanto, como um projeto
de P&D serve também para provocar a regulação e a concepção de políticas
públicas, esse capítulo também traz sugestões que permitem às entidades
institucionais, entre elas o Ministério de Minas e Energia (MME), a Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a Empresa de Pesquisa Energética
(EPE) e, principalmente, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS),
re lexões sobre oportunidades de melhoria na administração do Sistema
Interligado do sistema elétrico em face da expansão irresistível das FRIs.
Cabe ao inal deste capítulo de apresentação a sugestão de que sua
leitura possa ocorrer de forma descontinuada dentre os diversos capítu-
los conforme o interesse do leitor, não sendo exigido, para a compreensão
de um assunto determinado, que os capítulos precedentes sejam conheci-
dos. Os textos foram sempre construídos de forma a permitir sua leitura de
acordo com o interesse especi ico de cada leitor. Por esta razão, as seções
iniciais de cada capítulo apresentam uma ligeira introdução, mesmo cor-
rendo-se o risco de ser, às vezes, repetitivo.

X IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


PREFÁCIO

As grandes mudanças e tendências do processo de produção de energia


elétrica passam, necessariamente, pelo que denominamos de “transição
energética”, que tem início com a sedimentação do consenso entre pes-
quisadores e sociedade acerca da necessidade de formas menos poluen-
tes de se produzir energia. O ponto central desse movimento é a busca
por alternativas aos combustíveis fósseis, historicamente dominantes na
matriz energética global.
Compreender o processo de transição energética é essencial para que
formuladores de políticas públicas, agências reguladoras e operadores de
sistemas elétricos se adaptem e ofereçam soluções tempestivas e ade-
quadas para o novo setor elétrico que se apresenta. O tema do presente
livro é peça fundamental nessa grande jornada, dado o protagonismo da
inserção de fontes renováveis intermitentes no processo de redução das
emissões de carbono relativas à produção de energia.
Como primeira característica marcante do processo de transição
energética, destaco a importância e a clareza de que a demanda por ener-
gia continuará crescendo de forma vigorosa nas próximas décadas. O
crescimento populacional, a retirada de centenas de milhões de pessoas
da linha de pobreza, a universalização do acesso à energia, a eletri ica-
ção dos sistemas de transporte e o crescimento econômico dos países
em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, serão as forças motrizes
do aumento da demanda global por energia. A Agência Internacional de
Energia estima que, até 2040, o mundo precisará de uma matriz energé-
tica 30% maior do que a atual. Teremos, portanto, um enorme desa io de
reduzir as emissões de carbono ao mesmo tempo em que aumentamos a
oferta de energia. Daí vem o segundo ponto que merece nossa atenção.
Enquanto expandimos a matriz energética, presenciaremos uma par-
ticipação cada vez mais relevante da energia elétrica. Tal crescimento é
explicado pela inserção de veículos elétricos na matriz de transporte, maior
utilização de motores elétricos em atividades industriais e pela utilização
de eletricidade em processos de controle de temperatura, todos esses pro-
cessos historicamente dependentes de combustíveis fósseis. Estima-se que
o uso da eletricidade aumentará duas vezes mais em comparação com a
taxa média de crescimento do consumo geral de energia, o que implica que
a matriz elétrica global irá crescer, aproximadamente, 60% até 2040.
A terceira tendência importante refere-se à participação cada vez
mais representativa das fontes renováveis, especialmente, a solar e a
eólica. Se, no início desse virtuoso processo, os atributos ambientais justi-
icaram subsídios governamentais e massivos investimentos em pesquisa
e desenvolvimento, atualmente, trata-se de uma agenda, sobretudo, eco-
nômica. As fontes solar e eólica tornaram-se extremamente competiti-
vas e lideram os prognósticos de expansão da matriz elétrica em todo o
mundo, mesmo na ausência de políticas de incentivo. No início dos anos
2000, a adição anual de capacidade instalada de renováveis era de apro-
ximadamente 25 GW por ano. Em 2018, o crescimento anual passou a ser
de 175 GW, respondendo por 75% de toda a adição de nova capacidade
instalada de geração de energia elétrica no mundo.
Destacaria ainda duas características importantes desse movimento
de transformação. A primeira, a descentralização dos recursos de rede.
O novo consumidor de energia terá capacidade de gerar, armazenar e
consumir energia, mudando um paradigma clássico do setor elétrico, no
qual a energia elétrica tinha luxo unidirecional, desde grandes centros de
gerações até os consumidores inais. Por im, as redes icam ainda mais
autônomas e inteligentes, em virtude do crescimento exponencial da
quantidade de sensores, dados e capacidade de comunicação, permitindo
que as decisões sejam tomadas de forma autônoma, seja pela atuação
proativa e de forma cada vez mais presente dos consumidores, seja pela
incorporação de elementos de inteligência arti icial no controle e gestão
desses complexos microssistemas.

XII IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


Um dos pontos principais do processo de inserção de renováveis refe-
re-se à segurança do abastecimento, preocupação central para formula-
dores de políticas públicas, reguladores e operadores. O desa io de operar
um sistema elétrico não é trivial, sendo ainda mais complexo com a inser-
ção de fontes intermitentes, em função da necessidade do atendimento da
oferta e da demanda, em cada ponto do sistema elétrico e cada instante
de tempo. Se o parque gerador é controlável e despachável, com ampla
capacidade de transmissão, o desa io do operador é menos complexo,
dado que bastaria ter oferta su iciente para o atendimento da demanda
máxima, com alguma reserva operativa.
Com a inserção de renováveis intermitentes, no entanto, são perdi-
dos atributos, como capacidade de despacho e controle. Por serem inter-
mitentes, a geração depende da disponibilidade instantânea de recursos
naturais, como insolação e ventos, pois não há possibilidade de armaze-
namento do recurso energético renovável em sua forma original. Nesse
cenário, o operador deve responder às mudanças no per il de consumo e,
também, às alterações no per il de geração das fontes intermitentes, o que
traz um nível maior de complexidade à operação.
Com o objetivo de preservar a segurança do abastecimento e a cor-
reta alocação dos custos dessa segurança, diversas respostas políticas e
regulatórias vêm sendo discutidas, desenvolvidas e implementadas ao
redor do mundo. Nos próximos parágrafos, destaco algumas das discus-
sões que considero importantes para a temática.
Os Mercados de Capacidade têm se apresentado como alternativa
eficiente para a contratação de recursos energéticos, de oferta e de demanda,
que possam ser “despachados” em momentos de maior estresse da opera-
ção do sistema elétrico. Os recursos são remunerados não pela energia que
geram, mas pela disponibilidade. No Brasil, atualmente, discute-se a possi-
bilidade da separação entre lastro e energia, de modo que sejam tratados
como produtos distintos e comercializados separadamente. O lastro, ou a
segurança do sistema, seria alocado em todos os consumidores.
O aperfeiçoamento dos Mercados de Serviços Ancilares também tem
sido uma agenda recorrente, por meio do qual o operador de ine os produ-
tos que demandará em cada momento e ponto do sistema, com o objetivo de
preservar a frequência e a tensão dentro de limites adequados. Os produtos
podem ser rampas de geração, reserva girante, tempos de resposta mais

Prefácio XIII
rápidos para os respectivos controles de tensão e frequência, entre outros.
A preci icação e iciente de tais atributos não é algo trivial. Na agenda de
modernização do setor elétrico brasileiro, há uma tarefa, coordenada pela
ANEEL, de aprimoramento do mercado de serviços ancilares.
Uma mudança de paradigma que o setor elétrico global tem tido bas-
tante di iculdade em induzir é a maior Participação da Demanda, por
meio da qual os consumidores também podem responder aos sinais de
preços e deslocar o consumo da ponta para períodos de menor demanda
ou de sobra de oferta intermitente. Cada vez mais, tem sido permitido que
os consumidores participem dos mercados de energia, capacidade e ser-
viços ancilares, seja individualmente ou representados por um agregador
de recursos distribuídos. A ANEEL tem um projeto piloto de resposta da
demanda, em conjunto com o ONS, com o objetivo de aprimorar os sinais
econômicos e assegurar a efetividade da participação de demanda na ges-
tão da rede elétrica.
Diversos especialistas apontam o Gás Natural como o combustível da
transição energética, uma vez que combina baixas emissões de carbono
com capacidade de despacho, controle e rampas rápidas e, assim, trará a
simbiose perfeita com as fontes intermitentes. No Brasil, há grande dis-
cussão acerca do aproveitamento do gás natural do pré-sal e de explora-
ção de gás em terra, sendo os leilões regulados uma oportunidade para
assegurar o inanciamento aos projetos.
As Linhas de Transmissão são fundamentais para permitir maior
inserção de renováveis e, ao mesmo tempo, ampliar as capacidades de
intercâmbio, de modo que a intermitência das fontes possa ser comple-
mentada por geração despachável de outras partes do sistema elétrico.
No Brasil, os leilões de transmissão têm contratado capacidade relevante,
tanto para permitir o escoamento das fontes renováveis intermitentes,
quanto para ampliar a capacidade de intercâmbio entre os submercados,
como já se observa na região Nordeste do Brasil. Esta, graças à exube-
rante geração eólica e aos grandes limites de intercâmbio, mudou a carac-
terística de região tipicamente importadora para exportadora de energia,
principalmente no segundo semestre de cada ano com a exportação de
excedentes para as outras regiões do país.
A inserção de Recursos de Armazenamento pode oferecer lexibili-
dade e segurança à operação do sistema, graças à capacidade de armazenar

XIV IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


energia quando há excesso de oferta intermitente e, consequentemente,
menores preços, como também ofertar energia armazenada em momentos
de escassez, quando os preços são maiores. Os recursos de armazenamento
podem ser instalados junto às centrais geradoras, no sistema de transmis-
são, no sistema de distribuição e mesmo dentro das instalações dos consu-
midores. A regulação deve se modernizar para permitir a inserção de tais
recursos, que são parte da solução para a penetração de renováveis no sis-
tema. O armazenamento tem capacidade de entregar ao sistema energia,
capacidade e serviços ancilares. A agenda regulatória da ANEEL contempla
atividade para estudar a inserção desses recursos em nossa matriz.
Tenho a crença de que nunca podemos perder de vista a necessidade
de aprimoramento contínuo dos Sinais de Preço do Mercado Atacadista
como indutor de comportamento e resposta de oferta e demanda. Os mer-
cados de energia ao redor do mundo têm caminhado no sentido de redu-
zir a granularidade temporal (preços horários e semi-horários) e espacial
(preços zonais ou nodais). Tais aprimoramentos buscam tornar mais pre-
cisos os preços em cada instante e ponto do sistema elétrico, trazendo
repostas mais precisas dos recursos energéticos de oferta e demanda. No
Brasil, estamos em processo de implementação dos preços horários, de i-
nidos no dia anterior, nos processos de operação do sistema e liquidação
do mercado de curto prazo, com início de vigência em janeiro de 2021.
Além de todos os bene ícios econômicos de uma parcela importante
da indústria nacional envolvida na produção de insumos e das externa-
lidades positivas para o meio ambiente e agenda de sustentabilidade, o
crescimento das renováveis no Brasil ainda traz enormes bene ícios ao
desenvolvimento econômico, à redução da pobreza e à inclusão social das
comunidades e regiões onde as usinas solares e, principalmente, as eóli-
cas são instaladas.
Os principais potenciais de geração eólica e solar se concentram,
majoritariamente, no Nordeste brasileiro, região que possui os meno-
res indicadores de desenvolvimento humano (IDH) do país. Contudo,
graças à implantação de diversos parques, já se percebe uma melhoria
na arrecadação dos municípios diretamente impactados pela instalação
das usinas eólicas.
Uma análise do crescimento do PIB per capita dos municípios brasi-
leiros, entre 2010 e 2016, mostra que o aumento médio observado foi de

Prefácio XV
79%. Contudo, quando se avalia o mesmo dado para os municípios que
tiveram a instalação de usinas eólicas no período, observa-se um aumento
no PIB per capita consideravelmente superior: 164%. Esse e outros indi-
cadores mostram o potencial das fontes intermitentes de alterar profun-
damente o cenário econômico em regiões com baixo desenvolvimento
humano, de forma que a energia elétrica farta, barata e, principalmente, a
partir de fontes renováveis contribua de forma decisiva para o desenvol-
vimento econômico e para a redução da pobreza.
Concluímos, portanto, que o Brasil e o mundo vêm buscando soluções
políticas e regulatórias para que a inserção das renováveis intermitentes
ocorra com segurança do abastecimento, modicidade tarifária e correta
alocação de custos. Compreender o processo de transição energética, a
inserção de renováveis intermitentes e suas consequências é vital para
que sejam desenhadas soluções regulatórias inteligentes para transfor-
mar essa oportunidade em bene ícios para a sociedade. Desejo a todos
uma ótima leitura!

Sandoval de Araújo Feitosa Neto


Diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL

XVI IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


SUMÁRIO

1 FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES (FRIS) – STATUS NO MUNDO E NO BRASIL............ 1


Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira

2 RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES RENOVÁVEIS


INTERMITENTES – A DIMENSÃO AMBIENTAL ........................................................................... 8
Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

3 RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES –


A DIMENSÃO DOS PAÍSES, RECURSOS NATURAIS E A COMPONENTE SOCIAL..................42
Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

4 RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES –


A DIMENSÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................................................................66
Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

5 RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES –


A DIMENSÃO DAS TECNOLOGIAS E MERCADOS......................................................................85
Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

6 IMPACTOS ECONÔMICOS .......................................................................................................... 101


Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira

7 IMPACTOS OPERATIVOS ............................................................................................................ 125


Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira

8 ESTRATÉGIAS DE INCENTIVOS DA EXPANSÃO E MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS DAS


FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES ................................................................................. 152
Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira
9 O PAPEL DOS SISTEMAS DE ARMAZENAMENTO FRENTE À INSERÇÃO CRESCENTE
DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES (FRIS) E OS NOVOS MATERIAIS ................ 178
Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

10 IMPACTOS DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES NA FORMATAÇÃO DOS


NEGÓCIOS NA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ............................................................. 216
Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira

11 IMPACTOS DAS FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES NA REGULAÇÃO DA


INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ....................................................................................... 243
Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira

12 CONCEPÇÃO DA PLATAFORMA IRIS ....................................................................................... 260


Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia

13 RESULTADOS DA PLATAFORMA IRIS ..................................................................................... 308


Marcos Leone Filho , Manoel Henrique Marinho,
Hugo Siqueira Valadares e Fabio Sandro dos Santos

14 CONSTATAÇÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS ......................................................................... 366


Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr.

XVIII IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes


FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES
(FRIs) – STATUS NO MUNDO E NO BRASIL
1
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

1.1 Introdução

O projeto “IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes (FRIs): Um


modelo de simulação da operação do sistema elétrico brasileiro para
apoio ao planejamento, operação, comercialização e regulação” tem
como principal objetivo desenvolver ferramentas que promovam, como o
próprio nome do projeto assim de ine, avanços e soluções para os proble-
mas que irão impactar a operação do setor elétrico brasileiro com o maciço
crescimento da penetração das FRIs, particularmente a energia solar e a
eólica. Problemas esses que já se apresentam no dia a dia da operação e
começam a ser vislumbrados nos cenários comerciais e regulatórios.
Esse capítulo concentra-se na origem dos fatos que justi ica a existên-
cia do projeto IRIS, qual seja a expansão substantiva das Fontes Renováveis
Intermitentes (FRIs) e as razões que levam à expansão tão signi icativa.
A publicação A New World The Geopolitics of the Energy Transformation
da Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, 2019) reconhece a
grande transformação energética que o mundo está vivendo com a taxa de
crescimento, sem precedentes, das fontes renováveis de energia, em par-
ticular, as FRIs solar e eólica. O Relatório da United Nations Environment
Program (UNEP) – constatou que todas as previsões da publicação anual
World Energy Outlook da Agência Internacional de Energia (IEA, 2018)
sobre a capacidade instalada da energia solar fotovoltaica são anualmente
ultrapassadas pela realidade, ou seja, a cada ano as previsões são sistemati-
camente extrapoladas. O relatório atribui essa explosão, denominada trans-
formação energética, a alguns fatores, com destaque para os custos decli-
nantes, a poluição e a mudança do clima, o surgimento de novos modelos
de negócios e as políticas de incentivo às renováveis. Tais fatores serão dis-
cutidos nos próximos capítulos. Neste capítulo, como já mencionado, será
apresentada a situação atual das FRIs, o ritmo com que a transformação
tem acontecido e as perspectivas propostas por diferentes entidades-chave
do setor de energia global e nacional.
A energia solar acrescentou, em 2017, mais capacidade instalada adi-
cional do que as usinas a carvão, gás e nuclear combinadas. Em 2018, repe-
tiu-se o feito com 102 GW, icando o carvão em segundo lugar com 50 GW,
valor muito próximo daquele registrado por usinas eólicas que incorpora-
ram 49 GW, vindo a seguir as usinas de gás natural com 46 GW (Solar Power
Europe, 2019). Já em 2019, os números foram 117 GW para a fonte solar,
61 GW de eólica e 18 GW para o carvão, ao se considerarem as capacidades
líquidas adicionadas (Solar Power Europe, 2020).

1.2 Capacidade instalada e da energia gerada


Fonte eólica
A expansão da capacidade instalada de usinas eólicas no mundo cresceu a
uma taxa média de 21,5% ao ano desde 2001, atingindo cerca de 540 GW
no inal de 2017, segundo as informações constantes no relatório Global
Wind Statistics, publicado pelo Global Wind Energy Council (GWEC, 2019).
Os mesmos números para 2018 foram 20,7% e 591 GW, respectivamente
(GWEC, 2019). Ao inal de 2019, atingiu-se 651 GW (GWEC, 2020), sendo
que 29 GW referem-se a empreendimentos offshore. A Figura 1.1 mostra
essa evolução acelerada.
No Brasil, o per il de crescimento de usinas eólicas não é diferente. No
período entre 2005 e 2019, o crescimento anual médio foi de 59,6% ao ano,
segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). Na previsão
até 2025, ainda de acordo com a ABEEólica, esse crescimento permanecerá
extremamente alto, com um desempenho médio anual de 41,6%. A Figura
1.2 apresenta os dados coletados no endereço eletrônico da Associação
(ABEEólica, 2018). A ANEEL registrava, em outubro de 2020 (ANEEL,

2 Fontes Renováveis Intermitentes (FRIs) – Status no Mundo e no Brasil


2020), uma potência iscalizada de 16,3 GW e uma potência outorgada de
27,4 GW, que inclui empreendimentos em construção e com construção não
iniciada. Apesar de não haver ainda nenhum projeto offshore no Brasil, nem
mesmo com construção não iniciada, a indústria tem divulgado informa-
ções sobre projetos em diferentes fases de maturidade, sobretudo em soli-
citações de estudos ambientais, que somam 16,7 MW (Epbr, 2020).

Figura 1.1 Capacidade instalada de usinas eólicas no mundo

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2QVKRUH2IIVKRUH
Fonte: GWEC, 2019.

Figura 1.2 Capacidade instalada de usinas eólicas no Brasil


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1RYD$FXPXODGD
Fonte: ABEEólica, 2020.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 3


Fonte solar
A expansão das fontes solares apresenta a mesma tendência de cresci-
mento muito relevante. Em 2018, pela primeira vez, foram instalados 100
GW em um só ano. Em 2000, a capacidade instalada de usinas fotovoltaicas
era de apenas 1,2 GW, momento em que a Alemanha iniciou seus progra-
mas de tarifas incentivadas (Feed in). Em 2007, existiam 9,2 GW de usinas
solares fotovoltaicas e, em 2018, essa capacidade já alcançava 505 GW,
ou seja, um crescimento superior a 42.000% desde o início do século. A
Figura 1.3, apresentada no Renewables 2020 Global Status Report (REN21,
2020), mostra o crescimento anual da capacidade instalada e acumulada
nos últimos dez anos, atingindo 627 GW ao inal de 2019. Para o futuro, a
organização Solar Power Europe (2020) sinaliza uma continuidade desse
crescimento exacerbado, prevendo, no seu cenário mais conservador, que
em 2024 existirão 1.177,5 GW de capacidade instalada e, no cenário mais
arrojado, 1.678,0 GW, resultando um crescimento de 13,2% ao ano (cenário
pessimista) ou 21,5% ao ano no cenário mais otimista (Solar Power Europe,
2020). A Figura 1.4 apresenta esses cenários. Globalmente, os projetos sola-
res com concentradores (Concentrator Solar Power – CSP), aqueles que não
utilizam tecnologia fotovoltaica, totalizam uma potência instalada de 21,1
GW (REN21, 2020), mas não serão contabilizados ao longo do livro por pos-
suírem diferentes níveis de armazenamento de calor.

Figura 1.3 Capacidade instalada de usinas fotovoltaicas no mundo


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 *LJDZDWWV



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$QQXDODGGLWLRQV3UHYLRXV\HDU·VFDSDFLW\
Fonte: REN21, 2020.

4 Fontes Renováveis Intermitentes (FRIs) – Status no Mundo e no Brasil


No Brasil, esse movimento está ainda no seu início, mas a tendên-
cia será similar ao quadro internacional. Em 2016, a ANEEL não indicava
nenhuma usina fotovoltaica a ser iscalizada; em 2019, a potência iscali-
zada já atingia 2,3 GW, do qual se excluem empreendimentos para consu-
midores livres (ANEEL, 2019). Em outubro de 2020, a potência iscalizada
atingia 3,1 GW, enquanto a outorgada batia em 16,8 GW, que inclui também
empreendimentos em construção e com construção não iniciada (ANEEL,
2020). O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) previa que, em
2022, existiriam 3,7 GW de usinas fotovoltaicas (ONS, 2019), capacidade
que provavelmente será suplantada, considerando-se os empreendimentos
em construção e com outorga já de inida, conforme citado (ANEEL, 2019).
Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR),
a capacidade instalada atingiu 4.581 MW, ao inal de 2019, sendo 54% em
geração centralizada, ou seja, 2.475 MW, mais 2.106 MW em geração distri-
buída. O total representou um salto de 90% de crescimento em relação ao
ano anterior (ABSOLAR, 2020).

Figura 1.4 Cenários do mercado da energia solar fotovoltaica total


mundial no horizonte 2019-2024





 



*: 


 






         
+LVWRULFDO /RZ6FHQDULR 0HGLXP
GDWD +LJK6FHQDULR 6FHQDULR
Fonte: Solar Power Europe, 2020.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 5


1.3 Conclusões

Esse capítulo evidenciou um crescimento vertiginoso das FRIs, em


especial aquele registrado na última década, cenário que tende a ser
ainda mais acelerado em prazos mediatos, con irmando uma tendência
de expansão crescente e inexorável. A capacidade instalada já corres-
ponde a uma participação das FRIs de 11,2% da capacidade instalada
em infraestrutura de geração de energia elétrica no Brasil (SIGA-ANEEL,
2020), número que salta para 21% quando se considera toda a potência
outorgada. O cenário brasileiro representa uma tendência mundial, com
o país seguindo o padrão observado internacionalmente. Tal tendência
representa o ponto fundamental que justi ica a existência do projeto
IRIS, sendo as principais complexidades técnicas e econômicas melhor
analisadas nos capítulos à frente.
Resta então a discussão de quais são os principais direcionadores
dessa expansão irresistível, merecendo destaque os fatores: (i) a redução
muito expressiva dos custos de produção, (ii) a lexibilidade e a capaci-
dade de adaptação e de resposta dessas fontes intermitentes a políticas
públicas de incentivo, (iii) a necessidade premente de redução de emis-
sões de gases de efeito estufa (GEE) para enfrentamento das questões das
mudanças climáticas, (iv) o surgimento de novas tecnologias conexas com
as FRIs, em especial aquelas de geração distribuída de pequena escala
(GDPE), de armazenamento de energia e de automação elétrica, muitas
vezes associadas às redes elétricas inteligentes (REIs), (v) as vantagens
comparativas das FRIs em relação a impactos ambientais de forma geral,
(vi) a capacidade de expansão da oferta de energia na forma de pequena
escala e com utilização de recursos renováveis e (vii) a capacidade de
geração de valor econômico com equipamentos de elevada tecnologia e
o surgimento de novos negócios e empregos de alto valor agregado, asso-
ciados a essas alternativas tecnológicas.
A discussão de causalidade da expansão das FRIs é complexa, e
todos os aspectos relacionados a essa discussão serão explorados nos
capítulos 2 a 5.

6 Fontes Renováveis Intermitentes (FRIs) – Status no Mundo e no Brasil


Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Boletim informação de geração. Disponível
em: www.aneel.gov.br. Acesso em: 5 nov. 2019. Publicado em 2019.
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). Sistema de Informações de Geração da
ANEEL – SIGA. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNjc4OGYyYjQtYWM2Z-
C00YjllLWJlYmEtYzdkNTQ1MTc1NjM2IiwidCI6IjQwZDZmOWI4LWVjYTctNDZhMi05MmQ0LW-
VhNGU5YzAxNzBlMSIsImMiOjR9. Acesso em: 20 out. 2020. Publicado em 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA EÓLICA (ABEEólica). Boletim anual de geração eólica.
Disponível em: http://abeeolica.org.br. Acesso em: 27 set. 2019. Publicado em 2018.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA EÓLICA (ABEEólica). Boletim Anual de 2019 Geração
Eólica. Disponível em http://abeeolica.org.br/wp-content/uploads/2020/06/PT_Boletim-Anual-
de-Gera%C3%A7%C3%A3o-2019.pdf. Acesso em: 20 jun. 2020. Publicado em 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENERGIA SOLAR FOTOVOLTAICA (ABSOLAR). Infográ ico ABSOLAR.
Disponível em http://www.absolar.org.br/infogra ico-absolar.html. Acesso em: 20 out. 2020.
Publicado em 2020.
EPBR. Novo projeto de eólica offshore em desenvolvimento no Espírito Santo. Disponível em: https://
epbr.com.br/novo-projeto-de-eolica-offshore-em-desenvolvimento-no-espirito-santo/. Acesso
em: 20 out. 2020. Publicado em 2020.
GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL (GWEC). Global Wind Report 2019. Disponível em: https://gwec.
net/wp-content/uploads/2020/08/Annual-Wind-Report_2019_digital_ inal_2r.pdf. Acesso em: 20
out. 2020. Publicado em 2020.
GLOBAL WIND ENERGY COUNCIL (GWEC). Global Wind Statistics. Disponível em: http://gwec.net/
publications/global-wind-report-2/. Acesso em: 14 set. 2019. Publicado em 2029. Publicado em 2029.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook. Disponível em: https://www.iea.
org/reports/world-energy-outlook-2018. Acesso em: 20 jun. 2020. Publicado em 2018.
INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY (IRENA). A new world – The geopolitics of energy
transformation. 2019.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). O sistema em números. Disponível em:
www.ons.org.br. Acesso em: 5 nov. 2019. Publicado em 2019.
REN21. Renewables 2020 Global Status Report. Paris: REN21 Secretariat, 2020.
SOLAR POWER EUROPE. Global Market Outlook for Solar Power 2019-2023. Disponível em: http://
www.solarpowereurope.org/wp-content/uploads/2019/05/SolarPower-Europe-Global-Market-
Outlook-2019-2023.pdf. Acesso em: 14 set. 2019. Publicado em 2019.
SOLAR POWER EUROPE. Global Market Outlook for Solar Power 2020-2024. Disponível em: https://
www.solarpowereurope.org/wp-content/uploads/2020/07/31-SPE-GMO-report-hr-hyperlinks.
pdf?cf_id=19015. Acesso em: 20 out. 2020. Publicado em 2020.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP). Emissions Gap Report 2018. 2018.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 7


RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES
2
RENOVÁVEIS INTERMITENTES – A DIMENSÃO
AMBIENTAL
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

2.1 Introdução

Para um segmento da economia tão complexo como o da energia elétrica


seria vã a tentativa de encontrar explicações exclusivas e inequívocas que
justi icassem o crescimento exuberante da participação das FRIs como
su icientemente evidenciado no capítulo antecedente. Assim, essa etapa se
concentra nas dimensões que ajudam a entender essa robusta expansão.
A primeira e mais marcante delas é a dimensão ambiental, pois a mesma
in luenciou, inclusive, a formatação das políticas públicas e criou o mercado
para que as tecnologias surgissem atendendo a uma necessidade global.
Como seria de se esperar, existem múltiplas transversalidades entre
esses macro aspectos e, muitas vezes, o enquadramento aqui construído
poderia ser repetido também adequadamente em outra dimensão diversa
da selecionada. O enfoque escolhido não signi ica que seja o único possí-
vel, mas apenas uma tentativa de evitar a repetição tediosa.

2.2 Dimensão Ambiental como razão da expansão


massiva das FRIs

A dimensão ambiental é certamente o principal motor para a expansão


maciça das fontes renováveis, em particular, da solar fotovoltaica e da
eólica, aliada à redução signi icativa dos custos dessas duas fontes. As
fontes fósseis, em especial, o carvão, ainda a principal fonte global para
produção de energia elétrica, têm duas grandes desvantagens do ponto
de vista ambiental: as emissões de dióxido de carbono (CO2), principal
GEE, e de poluentes que causam problemas locais e regionais, a exemplo
dos óxidos de enxofre e nitrogênio, compostos orgânicos voláteis particu-
lados e, subsequentemente, de ozônio, sempre com impactos agravados,
em função das condições climáticas.
Em sua publicação, A roadmap to 2050 (IRENA, 2019), a Agência
Internacional de Energia Renovável (IRENA) considera que os impactos
da mudança climática são o próprio motor da transição energética da eco-
nomia. E esse motor traz vários cobene ícios, como a redução da polui-
ção do ar, considerada o principal direcionador na China que, em parceria
com os Estados Unidos, ainda no governo Obama, acabou aderindo ao que
veio a ser o Acordo de Paris.
A Agência Internacional de Energia (IEA, 2018) prevê, em seu World
Energy Outlook (WEO), que um impulso muito mais forte pela mobilidade
elétrica, aquecimento elétrico e acesso à eletricidade pode levar a um
aumento de 90% na demanda de energia entre hoje e 2040. Isso resulta-
ria em bene ícios, como a redução da poluição local e a descarbonização
da matriz energética, desde que o foco da expansão da energia elétrica
esteja centrado nas fontes de baixo carbono.
Esse cenário ica bem evidente nos discursos de abertura da Global
Ministerial Conference on System Integration of Renewables (IEA, 2019c),
realizada em Berlim, em 1º de outubro de 2019, quando o Diretor
Executivo da IEA diz que as fontes solar e eólica são pilares críticos
dos esforços mundiais para enfrentar os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) ligados ao setor energético, à mudança do clima, à
redução da poluição do ar e ao acesso universal à energia. O ministro de
energia da Alemanha completa dizendo que o plano para o País é de que
65% de sua eletricidade sejam oriundos de renováveis em 2030, já que
“a transição energética alemã está fundada em três pilares: expansão das
fontes solar e eólica, digitalização do setor energético e acoplamento do
setor” (IEA, 2019c).
Já se sabe que os compromissos nacionais, até agora assumidos
no âmbito do Acordo de Paris, são insu icientes para se atingir a meta

9 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


de manter a temperatura média global abaixo de 2°C. Por outro lado, o
aumento dos volumes de emissão do setor de energia, em 2017 e 2018,
representa o que o WEO (IEA, 2018) chama de “uma grande falha coletiva
em lidar com as consequências ambientais do uso de energia”, pois nem as
emissões dos principais poluentes atmosféricos estão caindo em um nível
su iciente para interromper o aumento no número de mortes prematuras
por má qualidade do ar. Esses dois desa ios são tratados nessa seção.

Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e


Impacto na Mudança do Clima

O imbricamento entre a mudança do clima e a questão energética é inques-


tionável, pois a queima de qualquer combustível fóssil produz dióxido
de carbono, que é o mais importante gás de efeito estufa. Já Convenção-
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), no seu art.
4, § 1, prevê para todas as Partes:
(...) promover e cooperar para o desenvolvimento, aplicação e difusão,
inclusive transferência de tecnologias, práticas e processos que contro-
lem, reduzam ou previnam as emissões antrópicas de gases de efeito
estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal em todos os setores
pertinentes, inclusive nos setores de energia, transportes, indústria, agri-
cultura, silvicultura e administração de resíduos (UNFCCC, 1992).

O Relatório Stern (Stern, 2007), no seu Sumário Executivo, estima


que os estoques de gases de efeito estufa na atmosfera, oriundos do setor
energia, chegariam a 65% do total, sendo que 24% seriam apenas da pro-
dução elétrica. A Figura 2.1 evidencia essas estatísticas. Nas suas conclu-
sões, o relatório prescreve que, entre outras medidas, a adoção de tecno-
logia limpa para energia, aquecimento e transporte seria um dos fatores
para redução das emissões.
Em 2011, o Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental da
Mudança do Clima (IPCC, 2011), que trata de mitigação, lançou o Relatório
Especial do Grupo de Trabalho III sobre Fontes de Energia Renovável e
Mitigação das Mudanças Climáticas (SRREN), trazendo uma revisão da
literatura dessas fontes, versando sobre aspectos cientí icos, tecnológicos,
ambientais, econômicos e sociais da contribuição das fontes de energia
renovável, incluindo a solar e a eólica. O relatório se constituiu em um
marco global e uma referência básica para a área, apresentando o poten-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 10


cial energético e de redução de emissões das fontes renováveis, o nível de
emissão comparativo de todas as fontes de energia, as curvas de apren-
dizagem e os custos, os cenários de mitigação, as constatações sobre os
avanços das políticas e os gaps tecnológicos.

Figura 2.1 Emissões de gases de efeito estufa em 2000

(QHUJ\(PLVVLRQV
,QGXVWU\ 2WKHUHQHUJ\
UHODWHG
3RZHU
:DVWH

7UDQVSRUW
$JULFXOWXUH

%XLOGLQJV /DQGXVH

1RQ(QHUJ\(PLVVLRQV
Fonte: Stern, 2007.

O SRREN mostra que o potencial das fontes renováveis é muito supe-


rior às demandas energéticas atuais e futuras do planeta. No que diz res-
peito à produção de energia elétrica, cuja demanda global, em 2008, era
de 61 EJ, o potencial da energia eólica poderia variar entre 85 e 580 EJ/
ano. Já o potencial da energia solar, que o relatório chama de direta, já que
outras fontes renováveis (hidrelétrica, biomassa, eólica, das ondas) pode-
riam ser consideradas formas indiretas de energia solar, poderia variar
entre 1.575 e 48.937 EJ/ano, para uma oferta global de energia primária,
em 2008, de 492 EJ.1
Um outro dado relevante do SRREN é o nível de emissões, dadas em
gCO2eq/kWh, de todas as fontes de produção de energia elétrica ao longo
de seu ciclo de vida. A análise mostra que a mediana para todas as fontes
renováveis varia de 4 a 46 gCO2eq/kWh, enquanto a dos combustíveis fós-
seis varia de 469, para o gás natural, a 1.001 gCO2eq/kWh, para o carvão,

1
A Agência Internacional de Energia (IEA, 2019a) calcula a oferta global de energia pri-
mária de 585 EJ, em 2017.

11 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


no extremo superior. Os dados mostram que a energia nuclear também
tem mediana próxima de zero, sendo as variações signi icativas no caso
da biomassa, fotovoltaica e nuclear, em função de como são produzidos a
biomassa e os módulos fotovoltaicos e de como a energia nuclear é enri-
quecida. Ressalta-se que a captura e a estocagem do CO2 podem resultar
em emissões negativas substanciais para a biomassa e reduzir a níveis
próximos de zero aquelas do gás natural e do carvão.
Pelo caráter não prescritivo dos relatórios do IPCC, o SRREN não esta-
belece metas para as diversas fontes, apenas estima, através de diferentes
cenários de concentração de CO2 na atmosfera, as faixas de implementa-
ção das fontes renováveis que manteriam essas concentrações entre 400
a 600 ppm.2 A mediana para um nível inferior a 440 ppm seria de 139 EJ/
ano, para o ano de 2030, e de 248 EJ/ano, também em 2030, para o limite
superior. Esse valor foi de 64 EJ em 2008, segundo o SRREN, sendo que
31 EJ corresponderiam à biomassa tradicional. A Agência Internacional
de Energia (IEA, 2019a) estima em 81 EJ o valor registrado em 2017, aqui
incluída toda a lenha usada globalmente.
Em 2014, o Relatório de Avaliação 5 (AR-5) do Painel Intergover-
namental da Mudança do Clima (IPCC, 2014) apresentou números simila-
res ao do Relatório Stern com a produção de calor e eletricidade respon-
dendo por 25% das emissões de gases de efeito estufa em 2010, os quais
se somam 14% do setor de transporte, 9,6% de outros do setor de ener-
gia e 6,4% das edi icações, conforme apresentado na Figura 2.2. Quando
agrupados apenas os três grandes setores (energia, agricultura/uso da
terra e outros processos industriais), ica evidenciado que em torno de
60% das emissões são oriundas do setor energético, que também apre-
senta a maior taxa de crescimento, tendo dobrado nas quatro décadas
avaliadas no estudo, conforme indicado na Figura 2.3.
No nível global, vários cenários são traçados para a participação das
energias de baixo carbono na oferta primária de energia. Em um deles,
para se manter na faixa de 430-480 ppm de CO2eq,3 a participação das

2
ppm – partes por milhão.
3
Segundo a UNFCCC (2015): “os cenários de mitigação nos quais é provável que a
mudança de temperatura causada pelas emissões antrópicas de GEE possam ser manti-
dos abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais são caracterizados por concen-
trações atmosféricas em 2100 de cerca de 450 ppm de CO2eq (alta con iança)”.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 12


energias de baixo carbono deveria crescer 145%, em 2030, em relação
a 2010. Para 2050, deveria atingir um crescimento de 310% em relação
à mediana dos cenários traçados, o que representaria uma participação
dessas fontes de 60%. Nesse cenário de baixo carbono, estariam inclu-
ídas melhorias mais rápidas na e iciência energética, mais do triplo do
fornecimento de energia com zero e baixo carbono de fontes renováveis
de energia, além de energia nuclear ou ainda fóssil com captura e armaze-
namento de dióxido de carbono (CCS)4 ou bioenergia com o CCS – BECCS5
– até 2050, sempre em relação à linha de base de 2010. O relatório reco-
nhece que a descarbonização da economia acontece mais rapidamente na
geração de energia elétrica do que na indústria, edi icações e transportes.

Figura 2.2 Emissões de gases de efeito estufa por setores econômicos em 2010

(OHFWULFLW\DQGKHDWSURGXFWLRQ (QHUJ\

$)2/8

,QGXVWU\
%XLOGLQJV

*W&2HT 7UDQVSRUW
7UDQVSRUW 

%XLOGLQJV
,QGXVWU\

2WKHU(QHUJ\ $)2/8

'LUHFW(PLVVLRQV ,QGLUHFW&2(PLVVLRQV
Fonte: IPCC, 2014.

O Acordo de Paris, datado de 2015, quando da Conferência das


Partes (COP21) da UNFCCC, estabeleceu exigências mais ambiciosas em
relação ao que se deve atingir no âmbito da Convenção. No seu art. 2º,
de iniu-se: “manter o aumento da temperatura média global bem abaixo
de 2oC em relação aos níveis pré-industriais, e envidar esforços para

4
Carbon capture and storage.
5
Bio-energy carbon capture and storage.

13 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


limitar esse aumento da temperatura a 1,5oC em relação aos níveis pré-
industriais” (UNFCCC, 2015).

Figura 2.3 Emissões globais de gases de efeito estufa 1970-2010 (GtCO2eq/yr)















    

$)2/8)RVVLOHQHUJ\&22WKHULQGXVWULDOSURFHVVHV
Fonte: IPCC, 2014.

O Acordo de Copenhague (UNFCCC, 2010), irmado durante a COP 15,


em 2009, já reconhecera que, à luz do conhecimento cientí ico vigente,
o aumento da temperatura global deveria ser inferior a 2°C e tal valor
estaria vinculado a uma concentração de 450 ppm. Dessas conclusões,
icou evidente que esse patamar seria inaceitável e, portanto, os esforços
de redução deveriam ser maiores, incluindo mais participação das fontes
renováveis de energia.
Como o Acordo de Copenhague está fundamentado no conjunto de
Compromissos Nacionalmente Determinados (NDCs)6 os quais, quando
agregados, resultariam em um aumento na faixa de 2,6°C a 2,9°C, segundo
estimativas do Climate Action Tracker (CAT, 2019). De iniu-se também
que tal Acordo deveria passar por revisão periódica, sendo sua primeira
avaliação global em 2023 e, a partir daí, a cada cinco anos.
Os NDCs brasileiros foram produzidos para o conjunto da economia
(economy-wide), prevendo uma redução das suas emissões de gases de

6
Nationally Determined Contribution.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 14


efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, e uma subse-
quente redução de 43% abaixo dos níveis de emissão de 2005, em 2030.
Para atingir esse objetivo, tendo em mente o cenário de 2℃, o Brasil
lista diversas possibilidades. Para o setor de energia, espera-se “alcan-
çar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na com-
posição da matriz energética em 2030, incluindo a energia hidrelétrica”
(Brasil, 2015). Isso não parece uma meta ambiciosa, visto que, em 2018,
a participação das renováveis na oferta interna de energia foi de 45,3%
(EPE, 2019), o que abre espaço para o aumento das ambições nacionais
quando da eventual revisão dos NDCs.
Detalhando a meta acima, o documento contendo os compromissos
nacionais prevê “expandir o uso de fontes renováveis, além da energia
hídrica, na matriz total de energia para uma participação de 28% a 33%
até 2030”, o que também já foi alcançado em 2018, quando as demais
renováveis, que não a hídrica, somaram 34,7% (EPE, 2019). Finalmente, o
documento segue prevendo: “expandir o uso doméstico de fontes de ener-
gia não fóssil, aumentando a parcela de energias renováveis (além da ener-
gia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para ao menos 23% até
2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica, biomassa e solar”,
o que embute algum desa io, mas também não signi icativo, na medida em
que 16,6% da eletricidade nacional (EPE, 2019) já foi produzida por essas
três renováveis em 2018. Cabe o registro de que o Brasil ainda pode pre-
cisar aumentar seu consumo de fósseis, particularmente do gás natural,
antes de aprofundar a descarbonização de sua matriz elétrica.
Ao se agregar os NDCs de todos os países, observa-se que, em relação
ao cenário tendencial, comparando-se apenas as medianas, as emissões glo-
bais de GEE seriam inferiores aos níveis de emissão: apenas 2,8 GtCO2eq/
ano em 2025 e 3,3 GtCO2eq/ano em 2030. Por outro lado, elas seriam de 8,7
GtCO2eq/ano e 15,2 GtCO2eq/ano acima do nível de emissões no conjunto
de cenários de 2°C em 2025 e 2030, respectivamente. Isso evidencia que
as ambições precisam ser efetivamente aumentadas de forma signi icativa.
A situação é ainda mais grave quando se compara com o desejado
patamar de 1,5°C. Nesse cenário, as emissões agregadas de GEE, resul-
tantes da implementação dos NDCs, seriam 16,1 GtCO2eq/ano em 2025
e 22,6 GtCO2eq/ano em 2030 acima do nível de emissões nos cenários
de 1,5°C, em cujas reduções globais de emissões começam entre 2010 e

15 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


2020. Considerando que as emissões globais foram de 53,5 GtCO2eq em
2017 (UN Environment, 2018) e que os limites, anteriormente mencio-
nados para 2030, representariam necessidades de reduções de emissões
anuais de, respectivamente, 28,4% para o cenário de 2°C e 42,2% para o
cenário de 1,5°C em 2030, sempre em relação ao ano base de 2017.
Uma outra abordagem, adotada pelo UN Environment (2018), apre-
senta seis grandes faixas de cenários (10º e 90º percentis) de emissões
centradas nas suas medianas arredondadas para o valor mais próximo
GtCO2eq/ano, a saber: (i) linha de base sem nenhuma política de redu-
ção de emissões – 65 GtCO2eq/ano; (ii) a política atual, ou seja, o cenário
business-as-usual – 59 GtCO2eq/ano; (iii) NDCs sem condicionantes – 56
GtCO2eq/ano; (iv) NDCs levando-se em conta condicionantes colocados
por alguns países – 53 GtCO2eq/ano; (v) temperatura < 2℃, com 66% de
chance de ocorrência – 40 GtCO2eq/ano; (vi) temperatura < 1,5℃ em 2100,
com 66% de chance de ocorrência – 24 GtCO2eq/ano. Duas grandes cons-
tatações podem ser elaboradas, ou seja, (i) o que pode ser conseguido com
os NDCs é muito pouco em relação às necessidades e (ii) o gap entre o
cenário mais otimista dos NDCs – considerando os condicionantes – repre-
senta necessidades de reduções de emissões de 13 e 29 GtCO2eq/ano, em
relação aos dois últimos cenários, respectivamente. Isso representa 22% e
49% de redução de emissões até 2030, em relação à política vigente.
Em 2018, o IPCC lançou um relatório a tempo de se formular even-
tuais revisões nos NDCs quando da COP 24, realizada em dezembro de
2018, na Polônia. O relatório, intitulado Global Warming of 1,5℃ (IPCC,
2018), traz atualizações em relação ao AR-5, a irmando que, com grande
con iabilidade: (i) o aumento da temperatura já estaria em torno de 1,0℃,
(ii) aumenta a certeza em relação aos impactos nocivos do aquecimento
e (iii) apresenta quatro caminhos para as reduções de emissões, sempre
contando com a descarbonização dos sistemas energéticos e da indústria,
compensando-se os atrasos com maciços volumes de utilização da bioe-
nergia acoplada à captura e ao armazenamento do carbono.
No que diz aos sistemas energéticos, os quatro caminhos sempre
assumem um maior nível de e iciência energética e de eletri icação ao
se atender à demanda, quando comparados aos níveis previstos para os
cenários a 2°C. Os níveis de participação das fontes de energia de baixo
carbono também são aumentados, prevendo que as renováveis terão uma

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 16


participação de 70% a 85% na geração de energia elétrica em 2050. Em
todas as quatro vertentes, os cenários utilizam esse nível de participação
para 2030, podendo variar de 25%, para o cenário mais pessimista, sal-
tando para 48% e 58%, nos cenários intermediários, e 60% no cenário
mais otimista.
As transformações no sistema energético são mapeadas através
de quatro indicadores de descarbonização, a saber: valor teto para o
aumento da demanda inal de energia; redução na intensidade de carbono
da eletricidade, indicador para o qual as FRIs são fundamentais; aumento
da parcela da energia inal fornecida pela eletricidade, fator este muito
importante nos setores de transportes e de produção de calor; e, inal-
mente, redução na intensidade de carbono da energia inal que não seja a
eletricidade, ou seja, do mix de combustível residual.
Em todos os cenários, ica evidenciada uma parcela crescente de
energia elétrica acompanhada por um rápido declínio na intensidade
de carbono da eletricidade que, mesmo no pior cenário de temperatura
média acima de 2°C, não passa de 50 gCO2/MJ. O relatório ainda mostra as
fontes solares e eólicas como as de maior penetração em 2050, em quase
todos os cenários. A parcela de energia proveniente de fontes renováveis
aumenta em todos os cenários de 1,5°C, atingindo 38%-88% em 2050,
com uma faixa interquartil de 52%-67%. Já nas análises sobre as fontes
renováveis na produção de eletricidade, a faixa ica entre 59%-97%, com
a eólica, a solar e a biomassa juntas contribuindo signi icativamente em
2050. Embora a participação de cada uma contemple um grande número
de cenários possíveis, a solar e a eólica juntas atingem sempre medianas
na faixa ou acima de 20%.
A premência da questão climática é o reconhecimento de que o seg-
mento de energia, em particular o da produção de energia elétrica, é fun-
damental para a redução signi icativa das emissões de gases de efeito
estufa, sobretudo, o CO2 da queima de combustíveis fósseis. Isso rebate
no planejamento setorial, em particular das grandes entidades ligadas
ao setor, a exemplo da IEA, da Comunidade Europeia, da U.S. Energy
Information Administration (EIA), do World Economic Forum, da IRENA,
da REN21, do Global Wind Energy Council (GWEC), da SolarPower Europe,
da Solar Energy Industries Association (SEIA), dentre outros, cujos rela-
tórios e cenários são analisados a seguir. No Brasil, esse papel é assumido

17 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com seus Plano Decenal de
Expansão de Energia (PDE) e Plano Nacional de Energia (PNE).
Em setembro de 2015, os países membros da Organização das Nações
Unidas adotaram conjuntamente os 17 Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), a serem implementados por todos os países do mundo
até 2030. Dois deles estão diretamente ligados ao escopo deste capítulo,
a saber: (i) assegurar o acesso con iável, sustentável, moderno e a preço
acessível à energia para todos e (ii) tomar medidas urgentes para comba-
ter a mudança climática e seus impactos, sendo que a meta 7.2 é explícita
em relação às fontes renováveis de energia: “aumentar substancialmente
a participação de energias renováveis na matriz energética global”. Desde
então, os cenários energéticos de várias das entidades mencionadas
acima passaram a incluir o cenário de desenvolvimento sustentável, em
particular a IEA.
Em 2015, em preparação para a COP 21, que resultou no Acordo de
Paris, a IEA (2015) lançou um relatório especial sobre energia e mudança
do clima, como parte de sua publicação anual World Energy Outlook. Nesse
relatório, já se mostrava que a participação das emissões ligadas ao setor
de energia em relação ao total de emissões de gases de efeito estufa sal-
tara de 40% em 1985 para em torno de 70% em 2014. Além disso, o seg-
mento no qual essas emissões mais cresciam desde 1990, era o da produ-
ção de energia elétrica, tendência que só deve se acentuar com o processo
de eletri icação de vários usos, em particular do setor de transportes. Por
outro lado, enquanto os Estados Unidos, Japão e Comunidade Europeia
reduziam suas emissões, China e Índia aumentavam signi icativamente as
suas, ainda que a intensidade de emissões por unidade do PIB de todos
eles mostrassem diferentes níveis de redução.
Diferente do padrão normalmente adotado pelos relatórios World
Energy Outlook, em que são produzidos os cenários de políticas atuais e
de novas políticas, no documento de 2015, são apresentados três cená-
rios: o das pretendidas NDCs, o de transição (bridge) e o de 450 (ppm ou
de 2°C). No primeiro cenário, a participação das fontes de baixo carbono
cairia de 80% para 75%, até 2030.
O documento analisa as contribuições determinadas nacionalmente
de países-chave. Os NDCs dos Estados Unidos preveem de 26% a 28% de
emissões abaixo daquelas de 2005 para 2025, sendo que mais da metade

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 18


dessas reduções viriam da produção de energia elétrica. A Comunidade
Europeia se compromete a reduzir suas emissões domésticas de GEE em
pelo menos 40% em 2030, o que é comparado aos níveis de emissão de
1990. Para tanto, atingiria, no período de 2026 a 2030, uma participa-
ção das FRIs de 25% de sua energia elétrica. Já a China, no horizonte de
2030, teria suas emissões quase que triplicadas, em comparação com o
ano 2000, por conta da queima de carvão. Na Índia, embora a participação
relativa do carvão na geração prevista de eletricidade cairia de 74% para
51% entre 2013 e 2030, a produção de energia elétrica dessa fonte ainda
aumentaria em números absolutos em mais de 45%.
No cenário ponte, dois terços das reduções de emissões em relação
ao cenário dos NDCs viriam da e iciência energética (40%) e do aumento
dos investimentos em renováveis, saltando de 270 bilhões de dólares em
2014 para 400 bilhões em 2030, resultando em 40% da nova capacidade
instalada, entre 2015 e 2030, ser das fontes solar e eólica. Já o cenário
450 prevê que as tecnologias de baixo carbono, comercialmente madu-
ras, responderiam por quase 60% das reduções de emissões de GEE em
relação àquelas do cenário de transição (ponte). O adicional seria atingido
com as tecnologias emergentes. As FRIs economizariam 37 GtCO2 no hori-
zonte de 2040. Alinhado com o espírito do projeto IRIS, o estudo prevê
que a integração de níveis crescentes de energias renováveis variáveis
exigiria mais lexibilidade do sistema elétrico como forma de manter a
con iabilidade, o que incluiria usinas convencionais, armazenamento de
energia e resposta da demanda. Nesse cenário, as FRIs aumentariam sua
participação na geração global de eletricidade de 3% em 2014 para mais
de 20% até 2040, com 3 300 GW de capacidade instalada, representando
mais de 30% do total mundial. O relatório reconhece que o Brasil está
bem posicionado para integrar altos níveis de FRIs sem grandes desa ios
operacionais, em função do grande potencial hidrelétrico disponível, o
que também seria o caso do Canadá.
Uma síntese dos três cenários é apresentada na Figura 2.4, tendo como
horizonte o ano de 2030. Já na Figura 2.5 são apresentados os cenários para
as emissões do setor elétrico no horizonte de 2040. Segundo o relatório, três
fatores devem ser permanentemente monitorados ao se buscar a descarbo-
nização do setor elétrico, a saber: (i) emissões de CO2 por unidade de eletri-
cidade (gCO2/kWh), (ii) e iciência média de todas as usinas de combustíveis

19 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


fósseis (%) e (iii) participação da geração de baixo carbono na nova capaci-
dade instalada (%), o que incluiria energias renováveis, nucleares e usinas
que incorporam a captura e o armazenamento de carbono (CCS).

Figura 2.4 Emissões globais de CO2 relacionadas à energia por cenário 2030




*W 




   
,1'&6FHQDULR%ULGJH6FHQDULR6FHQDULR

Fonte: IEA, 2015.

A partir daí, anualmente, a IEA atualiza os cenários de emissões para


o ano de 2040, sempre considerando dois cenários: Novas Políticas e 450
que, a partir de 2018, passa a ser chamado Cenário de Desenvolvimento
Sustentável. A Tabela 2.1 compara a evolução dos dois cenários tal como
apresentados na publicação anual da IEA – Key World Energy Statistics.
Nota-se que, no cenário Novas Políticas, publicado em 2018 e 2019, a
cada ano, as projeções de emissões para 2040 são menores que a série
anterior. Os aumentos nos dois anos mencionados re letem o cresci-
mento das emissões nos anos de 2017 e 2018. Por outro lado, o Cenário
Desenvolvimento Sustentável, apresentado em 2019, é 8,5% menor do
que o referente a 2015.

Tabela 2.1 Projeções de emissões de CO2 nos cenários da IEA para 2040 (MtCO2)
Novas Políticas 450ppm - Desenvolvimento Sustentável
2015 38.037 19.300
2016 36.673 18.777
2017 36.290 18.427
2018 35.692 18.310
2019 35.881 17.647
Fonte: IEA, vários anos.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 20


Figura 2.5 Emissões globais de usinas de energia elétrica,
existentes e sob construção 2040




*W 


      
$,1'&6FHQDULR%ULGJH6FHQDULR6FHQDULR
Fonte: IEA, 2015.

O relatório Energy Technology Perspectives (IEA, 2017a) trabalha


com três cenários energéticos para o horizonte 2060: (i) Referência
Tecnológica, (ii) 2°C e (iii) abaixo de 2°C. No primeiro, a demanda global
de eletricidade mais que dobra entre 2014 e 2060, enquanto as emissões
de CO2 são estabilizadas em um nível de 15 GtCO2 após 2030. O segundo
cenário trabalha a hipótese de o setor de energia elétrica alcançar emis-
sões líquidas zero de CO2 em 2060, considerado no nível global, com 74%
da geração de energia elétrica oriundos de fontes renováveis (incluindo
2% de bioenergia com a CCS). Finalmente, o cenário abaixo de 2°C prevê
74% das renováveis, mais 4% de CCS e a implantação acelerada de FRIs
atingindo uma participação global de 38% em 2060, o que irá requerer
um aumento signi icativo da lexibilidade do sistema. Ao inal, a inten-
sidade média global de CO2 da geração de energia elétrica nesse último
cenário se torna negativa após 2050 e é de -10 gCO2/kWh em 2060. A
Figura 2.6 sintetiza esses três cenários, comparando-os com a situação de
mix da geração de energia elétrica em 2014.
No último World Energy Outlook (IEA, 2018) publicado, a IEA pro-
jeta que a parcela de renováveis no mix da energia elétrica subiria de
um quarto em 2018 para dois terços em 2040. O relatório ainda prevê o
aumento da competitividade da energia solar fotovoltaica, o que faria sua
capacidade instalada superar a da fonte eólica antes de 2025, da hidrelé-
trica por volta de 2030 e do carvão antes de 2040.

21 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


A IEA mantém um sistema para acompanhar o progresso das ener-
gias de baixo carbono (TCEP).7 O TCEP 2019 indica que apenas duas fon-
tes de produção de energia elétrica seguem dentro dos níveis previstos
no Cenário de Desenvolvimento Sustentável: a solar fotovoltaica, que
precisaria crescer até 2030 numa média anual de 16%, e a bioenergia. A
geração de energia elétrica de origem fotovoltaica cresceu 31% em 2018,
atingindo 136 TWh, dentro, portanto, da perspectiva de alcançar 1.940
TWh em 2025 e 3.268 TWh em 2030.

Figura 2.6 Mix de combustíveis para geração de energia elétrica por


cenário, 2014 e 2060



(OHFWULFLW\PL[








576 '6 %'6
 
)RVVLOZR&&6)RVVLOZLWK&&61XFOHDU
%LRHQHUJ\ZLWK&&65HQHYDEOHV
Fonte: IEA, 2017b.

O World Energy Outlook 2020 (IEA, 2020) introduziu um quarto cená-


rio – Emissões Líquidas Zero em 2020 (NZE2050), que prevê uma queda
nas emissões de CO2 do setor elétrico em torno de 60%, em relação a 2019,
por volta de 2030, quando as adições anuais de usinas solares fotovoltai-
cas saltariam de 110 GW para 500 GW no mesmo período, atingindo uma
capacidade instalada total em torno de 4 TW. A participação das renová-
veis saltaria de 27% em 2019 para 60% em 2030. Isso poderia ser atin-
gido através de uma série de ações que iriam além daquelas preconizadas
para o Cenário de Desenvolvimento Sustentável, sobretudo com maciços

7
Tracking Clean Energy Progress.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 22


processos de eletri icação, altos ganhos de e iciência e mudanças compor-
tamentais no período. Mesmo no cenário mais conservador, o de Políticas
Declaradas, a principal fonte de geração adicional de energia elétrica, entre
2020-2040, seria a solar fotovoltaica, com 4.813 TWh, seguida pela eólica,
com 4.018 TWh, à frente do gás natural (3.548 TWh) e da hidrelétrica
(1.614 TWh), enquanto o carvão teria uma redução de 864 TWh.
Um cenário muito mais arrojado é proposto pela IRENA. Chamado
REmap, esse cenário, que admite que a mudança climática é o principal
fator na disseminação da renováveis, prevê reduzir as emissões de um
patamar de 33 GtCO2 para 9,8 GtCO2, em 2050 (caso de referência em que
os compromissos do Acordo de Paris seriam efetivamente cumpridos).
Isso aconteceria, sobretudo, com ações no segmento de produção de ener-
gia elétrica, com uso das fontes renováveis e com a eletri icação do setor
de transportes e da produção de calor, também com fontes renováveis,
além de ações de e iciência energética. A eletri icação do setor de trans-
portes exigirá uma maior produção de eletricidade de origem solar.
As fontes solar e eólica representariam a maior parte dos 86% das
renováveis na produção de energia elétrica, com uma participação na
faixa de 60% em termos de TWh e de 73% da capacidade instalada, o que
é apresentado na Figura 2.7.
Em 2018, a Comunidade Europeia reviu suas metas de emissão e de
participação das fontes renováveis no consumo inal de energia. Para o
horizonte de 2030, os Estados Membros se comprometeram com que,
pelo menos, 32% do consumo de energia seja oriundo de fontes reno-
váveis, dentro do compromisso maior de reduzir suas emissões de GEE
em, no mínimo, 40% no mesmo horizonte. Esse novo arcabouço se insere
dentro de um pacote chamado Clean Energy for all Europeans (European
Union, 2019), que também de ine os reforços necessários para fortalecer
a interconexões da rede elétrica europeia, de forma a aumentar a segu-
rança energética, e fortalece o conceito de “comunidades de energia”,
que se bene iciariam de incentivos à produção de energia renovável. As
estimativas do pacto são de que, até 2030, essas comunidades poderiam
deter cerca de 17% da capacidade eólica instalada e 21% da energia solar.
O EIA, do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE), divulga
anualmente suas previsões com cenários para a matriz energética ameri-
cana e a matriz mundial. O EIA 2019 (EIA, 2019a) apresenta as previsões

23 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


para 2050, quando a geração de eletricidade a partir de gás natural e ener-
gias renováveis aumenta sua participação, enquanto a geração nuclear e de
carvão diminuem. No cenário de referência, a participação das renováveis
salta de 18% em 2018 para 31% em 2050, enquanto o gás natural vai de
34% para 39% no mesmo período. Entre as renováveis, a maior participa-
ção é da solar fotovoltaica, com 48%, seguida da eólica, com 25%.
Dois outros cenários são produzidos pelo EIA, referentes ao alto ou
baixo uso da tecnologia e recursos de petróleo e gás. A Figura 2.8 apre-
senta esses três cenários, com as renováveis em torno 1.700 bilhões de
kWh, no cenário de referência, 2.400 bilhões no de baixo uso de petróleo
e gás e 1.350 bilhões no caso de alto uso do petróleo e gás. O que de inirá
esse maior ou menor uso será o preço do gás natural.

Figura 2.7 Mix de geração de eletricidade (TWh/ano) e capacidade


instalada (GW) por fonte – Cenário REmap, 2016-2050
(OHFWULFLW\JHQHUDWLRQ 7:K\U 7RWDOLQVWDOOHGSRZHUFDSDFLW *:
 

 

 

 5( 

 

 

 
   

5HPDSFDVH
&RDO 1XFOHDU 
2LO *HRWKHUPDO +\GUR H[FOSXPSHG
 
&63 %LRHQHUJ\ 2WKHUV LQFOPDULQH
6RODU39 1DWXUDOJiV :LQG RQVKRUHDQGRIIVKRUH 5HPDSFDVH

Fonte: IRENA, 2019.

No cenário de referência, as adições às capacidades instaladas de


solar fotovoltaica e gás natural são, respectivamente, 357 GW e 379 GW;
enquanto nos dois outros cenários icam com 499 GW e 259 GW, no caso
de baixo uso, e se invertem para 247 GW e 474 GW, no caso de alto uso.
A posição da energia eólica é de 50 GW no primeiro cenário, salta para

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 24


128 GW no segundo e cai signi icativamente para 35 GW no caso de alto
uso dos recursos fósseis. No caso de mais uso do gás, as retiradas de car-
vão e nuclear são mais signi icativas. No curto prazo, o relatório prevê um
aumento da capacidade instalada da energia solar fotovoltaica, saltando
de 40 GW em 2020 para 70 GW em 2023. A Figura 2.9 evidencia o com-
portamento da potência instalada, distinguindo adições e retiradas.

Figura 2.8 Geração de eletricidade dos diferentes combustíveis (109 kWh)


  

KLVWRU\ 3URMHFWLRQV 3URMHFWLRQV 3URMHFWLRQV
/RZRLODQGJDV
 5HIHUHQFH UHVRXUFHDQG
WHFKQRORJ\

+LJKRLDQGJDV
UHVRXUFHDQG
 WHFKQRORJ\






          
1DWXUDOJDV 5HQHZDEOHV &RDO 1XFOHDU

Fonte: EIA, 2019a.

O relatório conclui que, do ponto de vista econômico, a melhor com-


binação mais atrativa é entre a solar fotovoltaica e o ciclo combinado. Do
ponto de vista das emissões de CO2, a intensidade do setor elétrico ame-
ricano caiu de uma faixa de 68 tCO2/109 BTU, em 1990, para em torno
de 45 tCO2/109 BTU, em 2018, e prevê chegar a 38 tCO2/109 BTU, em
2050, o que representaria uma queda de menos de 50%. Entre meados da
década de 2000-2010 até 2018, a queda teria sido de 25%. Nesse cenário,
o volume de emissões se estabilizaria numa faixa de 7,5 bilhões tCO2, a
partir de 2022, até o inal do horizonte, a despeito do aumento da produ-
ção de eletricidade. No relatório, não foram traçados cenários de emis-
sões alternativos ao cenário de referência.
O EIA também apresenta seus cenários internacionais, tendo, como
premissas no cenário de referência, um crescimento médio anual do PIB
global de 3% e um barril de petróleo na faixa de US$ 100. Cenário alter-
nativos são considerados para 3,7% e 2,4% para as taxas anuais de cresci-
mento e preços do barril de US$ 185 e US$ 45. No cenário de referência, as

25 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


renováveis cresceriam 3% ao ano, entre 2018 e 2050, alcançando a maior
participação, numa faixa de 28%. O petróleo e derivados passariam a ser o
segundo combustível, com 27% da matriz global, mas essa matriz continu-
aria majoritariamente fundada em combustíveis fósseis que, junto com a
nuclear, responderiam por 72% do total. No caso da eletricidade, as reno-
váveis seriam responsáveis por quase 50% de sua geração, seguida do gás
natural com mais 20%. A Figura 2.10 mostra que 40% da energia elétrica
renovável seria oriunda da energia solar. Para o caso da Europa, parte dos
países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OECD), a projeção é de 50% de origem solar e eólica. Para a China, a proje-
ção é de pouco mais de 42% de origem das fontes solar e eólica.

Figura 2.9 Capacidade Instalada em 2050, com adições e retiradas


acumuladas (GW)
$GGLWLRQV 5HWLUHPHQWV




  


  

   



/RZRLODQG +LJKRLODQG
5HIHUHQFH JDVUHVRXUFH 5HIHUHQFH JDVUHVRXUFH
DQGWHFKQRORJ\ DQGWHFKQRORJ\

      

  
 


6RODU :LQG 2LODQGJDV 1XFOHDU 2WKHU &RDO

Fonte: EIA, 2019a.

Várias outras entidades produzem seus cenários, entre elas, as gran-


des produtoras da indústria de petróleo, como Exxon, BP e Shell, mas
também grandes consultorias como DNV e McKinsey, associações como a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), World Energy
Council (WEC), além de grupos de pesquisa. Na Figura 2.11, são apresenta-
dos vários desses cenários para os horizontes de 2040 e 2050. Algumas enti-
dades apresentam cenários alternativos para o mesmo horizonte, a exem-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 26


plo da IEA, no qual estão as alternativas New Policies (NPS) e Sustainable
Development (SDS), para 2040; WEC, com Hard Rock (HR), Modern Jazz
(MJ) e Un inished Symphony (US), tanto para 2040 como 2050; BP, com
More Energy, Evolving Transition (ET), Less Globalization (LG) e Rapid
Transition (RT), para 2040; IRENA, com Caso de Referência (Ref. Case) e
REmap, para 2050; e Shell, com Ocean, Mountain e Sky, para 2050. Ademais,
tem-se os cenários da DNV GL para os dois horizontes, os da OPEP e da
Exxon, apenas para 2040, e os da McKinsey e de Teske (2019), para 2050. À
maioria desses cenários estão atrelados diferentes níveis de penetração das
renováveis e das fontes solar e eólica, tanto nas matrizes energéticas glo-
bais, como nas matrizes elétricas. De uma forma geral, a menores valores
de emissão de CO2 estão atrelados maiores níveis de penetração das fontes
solares e eólicas às matrizes energéticas e matrizes elétricas.

Figura 2.10 Participação das diversas renováveis no total de eletricidade


mundial de origem renovável (%)

2WKHU

*HRWKHUPDO
 6RODU
:LQG
 +\GURHOHFWULF













    
Fonte: EIA, 2019b.

A Figura 2.11 evidencia alguns patamares de emissões. Destaca-se,


como mais conservador, o cenário More Energy, da BP, com 46 GtCO2,
em 2040, seguido de um grupo acima de 30 GtCO2, caracterizado pelos
cenários mais conservadores das demais petrolíferas, da OPEP, da IEA e

27 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


do WEC; seguem um patamar na faixa de 25 GtCO2 e, inalmente, um na
faixa de 18 GtCO2 os cenários arrojados da IEA, BP e IRENA, aos quais
correspondem níveis de penetração das FRIs, igual ou acima de 40%,
nas matrizes elétricas globais, para 2040. Já para 2050, percebe-se um
grupo acima de 25 GtCO2, um segundo patamar entre 15 e 20 GtCO2 e,
por im, um abaixo de 10 GtCO2, com Teske zerando as emissões de CO2.
Excetuando-se o caso da WEC-US, todos os quatro outros cenários traba-
lham com uma penetração das fontes solar e eólica igual ou acima de 60%
nas matrizes elétricas. Numa síntese da comparação de cenários, o World
Economic Forum (2019) agrupa dois grandes grupos de cenários: gradual
ou rápida transição, constatação que aqui se rati ica.

Figura 2.11 Emissões de CO2











*W&2










:(&0,

:(&0,
([[RQ

6KHOO2FHDQ

6KHOO0RXQWDLQ
,UHQD5(0DS

,UHQD5(0DS
%3/*

,UHQD5HI&DVH
,($136

:(&86

,($6'6

:(&86
23(3

'19*/

'19*/
%3(7

%357
%30RUHHQHUJ\

0D.LQVH\

6KHOO6OF\
:(&+5

:(&+5

7HVNH

 
&HQiULR
Fonte: Elaboração própria com dados das entidades listadas no gráfico.

Em síntese, quaisquer que sejam os cenários, trabalhados pelos


diversos agentes, dois pontos estão visceralmente imbricados: a redução
de gases de efeito estufa e o aumento massivo da penetração das fontes
renováveis intermitentes. Provavelmente, razão basilar que, com monta-
gem de arcabouço adequado, justi ica a busca de avanços tecnológicos

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 28


para permitir a redução dos custos, alavancados por cobene ícios, como a
redução dos poluentes e a melhoria da qualidade do ar.

Redução de Emissões de Outros Poluentes que não os


GEE e Impacto na Qualidade do Ar

Um marco para a questão da emissão dos poluentes e seu impacto na qua-


lidade do ar e, por conseguinte, na saúde é o evento ocorrido em Londres,
em 1952, que icou conhecido como o Grande Smog de Londres. O epi-
sódio causou grande redução da visibilidade externa, invadindo áreas
internas, o que teria levado a 4.000 mortes relacionadas diretamente ao
ocorrido, além de 100.000 pessoas doentes como resultado da poluição.
A partir desse evento, políticas de Ar Limpo se disseminaram pelo mundo.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu limites de emissões
e de concentração de poluentes. Contudo, o problema ainda afeta gran-
des cidades pelo mundo, em particular, a China, e, em alguns momentos,
grandes metrópoles europeias e americanas, inclusive São Paulo, Cidade
do México, Santiago, entre outras. A OMS calcula que em torno de sete
milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência dos efeitos liga-
dos à poluição do ar (Hook et al., 2019).
A relação imbricada entre os poluentes que in luenciam o aqueci-
mento global e a poluição do ar é explorada no já mencionado relatório
de avaliação AR-5 (IPCC, 2014). Essa publicação evidencia que emissões
muito ligadas à produção e uso de energia causam o aquecimento global,
a exemplo do CO2 e do CH4, e também podem causar danos à saúde, como
o SO2, compostos orgânicos voláteis e o carbono negro, que é um particu-
lado, todos comuns na queima de combustíveis fósseis. Nota-se ainda que
algumas dessas emissões podem ter efeito de aumentar, como o carbono
negro, ou de reduzir o aquecimento global, caso do SO2 e dos Compostos
Orgânicos Voláteis (VOCs, no acrônimo em inglês). A publicação, no
entanto, deixa de mostrar que os óxidos de nitrogênio, também emitidos
na produção e uso de energia, por si só causam problemas à saúde e, ao
reagir com os VOCs, contribuem para a produção de ozônio troposférico.
Este também pode ser oriundo da reação com o metano, outro gás de
efeito estufa, eventualmente originado do setor energético. Esse ozônio
também é nocivo à saúde humana.

29 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


Em função dessa relação tão estreita entre mudança do clima e polui-
ção do ar, a IEA lançou, em 2016, o relatório Energy and Air Pollution (IEA,
2016), em que é analisada detalhadamente essa relação entre a energia
e a poluição do ar. Por ser mais antigo, o relatório fala em 6,5 milhões
de mortes anuais, colocando o ar poluído como a quarta maior ameaça à
saúde humana, atrás da pressão sanguínea alta, riscos ligados às dietas e o
fumo. A irma ainda que 85% do material particulado e quase todos os óxi-
dos de enxofre e de nitrogênio são oriundos da produção e uso da energia,
em particular, da combustão não regulamentada, mal regulamentada ou
ine iciente. Obviamente, aí está incluída a poluição doméstica da queima
de lenha para cocção e de combustíveis fósseis usados para iluminação,
ligados mais diretamente à pobreza. No outro extremo, está o uso inten-
sivo de carvão e derivados de petróleo, sobretudo para produção de ener-
gia elétrica e no setor de transportes que, além dos problemas ligados à
saúde, podem contribuir para a chuva ácida.
Olhando mais diretamente o setor elétrico, ainda segundo a IEA
(2016), ele responderia por um terço das emissões de SO2, agregando
em torno de 26,6 milhões de toneladas em 2015. No que diz respeito
aos óxidos de nitrogênio, o volume de emissões estaria em torno de 15
milhões de toneladas, representando 14% do total mundial. A Figura 2.12
apresenta os fatores médios globais de emissões por combustível e suas
participações no volume total. Nota-se que o carvão é preponderante no
que diz respeito ao SO2, mas com uma expressão também signi icativa do
petróleo. Esse último combustível contribui com quase três quartos das
emissões de NOx, com um fator de emissão quatro vezes maior que o do
carvão e um pouco mais ainda do que o do gás. Já os particulados têm uma
pequena expressão, tanto no que diz respeito ao fator de emissão, como
da participação global do carvão e do petróleo.
As perspectivas futuras são, em geral, promissoras, pois a poluição
do ar recebe uma atenção crescente da maioria dos países, somada aos
compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris, de crescente uso
das fontes renováveis e esforços de e iciência energética. Tal Acordo prevê
uma tendência declinante dos poluentes no horizonte de 2040 e daí em
diante. A IEA (2016) prevê uma redução de 20% no dióxido de enxofre,
de 10% nos óxidos de nitrogênio e de 7% no caso de material particulado
(PM), a despeito de crescimento no consumo de energia e de um maior

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 30


nível de eletri icação da matriz energética global, descolamento esse atri-
buído à aplicação de tecnologias de controle de poluição do ar, impondo
regimes mais rigorosos, e à transição global para uma matriz energética
mais limpa. Algumas exceções estão previstas em países africanos e asiá-
ticos, em particular, na Índia.

Figura 2.12 Fatores de emissão médios globais e participação dos maiores


poluentes por combustível, 2015 (kt/Mtep)
62 12; 30

2LO

%LRPDVV
.WSHU0WRH


&RDO

2LO
&RDO
 *DV &RDO
%LRPDVV 2LO
%LRPDVV
        
Fonte: IEA, 2016.

O carvão é inquestionavelmente o maior vilão do setor elétrico no que


diz respeito à poluição, pois foi responsável por três quartos das emissões
de SO2, 70% das emissões de NOx e 90% das emissões de material parti-
culado em 2015. O petróleo foi responsável por 7% do SO2, enquanto o
gás natural responde por 20% das emissões de NOx do setor elétrico (IEA,
2016). Apesar de um crescimento de 34% na geração de energia elétrica
oriunda de termelétricas a carvão entre 2005 e 2015, as emissões de SO2,
NOx e PM 2,5 caíram 55%, 34% e 32%, respectivamente, segundo o mesmo
relatório da IEA. A razão pode ser atribuída a padrões de emissão mais
rigorosos que resultam no uso de carvão com menor conteúdo de enxofre
e a técnicas mais modernas de combustão ou instalação de sistemas de
controle com tecnologias de im de tubo, as quais capturam poluentes, evi-
tando que eles sejam liberados. Em alguns casos de exigências mais rigoro-
sas, uma combinação de controle de entrada e de saída é necessária.
Seguindo o padrão adotado em seus relatórios anuais, o World Energy
Outlook Special Report Energy and Air Polluttion (IEA, 2016) adota dois
cenários: o habitual – Novas Políticas (New Policies), que assume a conti-

31 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


nuação das políticas existentes e planejadas, incluindo os compromissos
assumidos no âmbito do Acordo de Paris, e o cenário Ar Limpo (Clean Air),
que trabalha com a implementação de medidas adicionais para se atingir
reduções signi icativas de emissão dos poluentes. Esse último cenário não
prevê rupturas tecnológicas, mas sim uma ambição maior em relação às
políticas já planejadas, o que inclui o aumento da e iciência energética, a
redução ou o banimento de termelétricas menos e icientes (subcríticas),
um maior uso das fontes renováveis e a eliminação de subsídios aos com-
bustíveis fósseis.
Os principais avanços no cenário de NPS são o declínio das emissões
de SO2, lideradas pelo setor de energia elétrica, em que as emissões de
carvão e combustão de petróleo caem 47% e 55%, respectivamente, ape-
sar de um crescimento da geração de eletricidade em quase 70% em rela-
ção a hoje. As emissões de NOx também caem no setor elétrico, embora
sem grande expressão, enquanto as de particulados reduzem em 30%
até 2040, devido à diminuição nas emissões relacionadas à combustão
de carvão. No entanto, as emissões do uso de bioenergia e gás natural não
crescem com o aumento da geração de eletricidade a partir dessas fontes.
As tendências de emissões divergem na América Latina no NPS: até 2040,
as emissões de SO2 e particulados caem quase 10%, enquanto as emissões
de NOx aumentam aproximadamente 15%.
Ao se comparar os dois cenários, percebe-se que, apesar de pequenos
avanços no per il da matriz energética, o impacto na emissão de poluentes
seria signi icativo. No cenário Ar Limpo (CAS), as fontes não emissoras
de poluentes (solar, eólica, hídrica e nuclear) aumentariam sua partici-
pação na demanda inal de 14,9% para 18,5% e o gás natural subiria de
23,8% para 25,1%. Já as fontes emissoras (carvão, petróleo e biomassa,
incluindo biocombustíveis) cairiam de 61,3% para 56,4%, sempre em
relação ao NPS. Do ponto de vista das emissões, as de SO2 cairiam 58%,
as de NOx 52% e as de PM 2,5 teriam uma redução mais expressiva, com
uma queda de 72%. Essa diferença resultaria em uma diminuição de 1,7
milhões de mortes prematuras, que estariam distribuídas entre Índia e
China. Esses dois países responderiam, na média, por algo em torno de
45% desse total, seguidos pela Indonésia, com uma faixa de 100 mil, pela
União Europeia, numa faixa de 50 mil, e pelo Brasil, em torno de 23 mil.
Outro indicador importante é a perda de expectativa de vida em meses

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 32


por pessoa. Na Índia e na Indonésia, esse valor seria superior a seis
meses; na China, na faixa de cinco meses, número similar ao da África do
Sul; enquanto na União Europeia, México e Brasil, o valor seria inferior a
dois meses. Mas os bene ícios de redução da emissão, além desses ligados
à saúde e à mudança do clima, ainda afetam a agricultura, à medida que
pode reduzir o risco de chuva ácida.
Como já icou evidenciado na seção anterior, os NDCs acordadas em
Paris são insu icientes para atender os objetivos de manter a temperatura
abaixo de 2°C. Esses mesmos NDCs, que resultariam numa diminuição de
combustíveis fósseis, também não reduzem a emissão dos poluentes, tra-
tados nessa seção, a níveis desejáveis, como já mostrado acima. O cená-
rio Ar Limpo, proposto pela IEA, representou um esforço tipo ganha-ga-
nha, pois resultaria em uma redução de emissões de CO2 e, também, dos
poluentes tratados acima, com o pico das emissões dos gases de efeito
estufa ainda em 2020, o que já se sabe que não acontecerá. A Figura 2.13
evidencia o tamanho do impacto do esforço do cenário Ar Limpo sobre
as emissões de CO2, que caem, ao inal do horizonte, de 37 GtCO2 para
30 GtCO2. Assim sendo, esse cenário evita que um foco apenas na redu-
ção de poluentes resulte, em função de algumas opções tecnológicas, em
um aumento das emissões de CO2, o que pode acontecer se os objetivos
de redução de poluição do ar e de emissão de gases de efeito estufa não
foram tratados conjuntamente. Um exemplo de caso extremo é um foco
excessivo no uso de despoluição do carvão e suas emissões. No outro
extremo estaria um foco apenas na redução das emissões de CO2, como
o uso da biomassa e seus derivados, sem uma preocupação dos níveis de
emissão de poluentes de sua queima.

Figura 2.13 Emissões de CO2 ligadas ao setor de energia sob dois cenários

1HZ3ROLFLHV6FHQDULR


 *W
&OHDQ$LU6FHQDULR



        

Fonte: IEA, 2016.

33 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


Várias análises sobre a relação mudança climática e poluição do ar
são feitas olhando-se especi icamente ações nacionais ou regionais.
A China é certamente onde mais se abundam análises pela impor-
tância que o carvão ainda tem, pela história de sucesso que representou
o caso de Pequim, ao sediar os Jogos Olímpicos de 2008, e a importân-
cia das conversações com os Estados Unidos, de como ambos reduziriam
suas emissões, o que certamente abriu espaços para a consolidação do
Acordo de Paris.
Alvarez-Herranz et al. (2017) analisam a correlação entre o con-
sumo de energias renováveis e a inovação no setor de energia com os
níveis de poluição do ar, demonstrando que o crescimento econômico, a
promoção das fontes renováveis e o investimento público em pesquisa,
desenvolvimento e demonstração no setor de energia são três elemen-
tos que se distinguem entre os fatores que in luenciam a correção da
poluição do ar. No caso, foram analisados 17 países da OCDE, no período
de 1990 a 2012.
Zeng et al. (2019) avaliam os impactos das políticas energéticas das
províncias chinesas sobre a poluição do ar, separando-as entre as que
impõem reduções de emissões nas fontes e as que incentivam o uso de
fontes renováveis. O estudo analisou 27 províncias e quatro municípios,
entre o período de 2003 e 2016, focando no SO2, PM 10 e PM 2,5. Como
resultado, a pesquisa mostra que as políticas de promoção das renová-
veis têm impactos positivos sobre a redução de SO2 e de PM2,5, além de
demonstrar que os efeitos de políticas em uma província podem in luen-
ciar a emissão de poluentes nas províncias vizinhas. O estudo sugere, por-
tanto, que províncias com grandes emissões de SO2 devem focar na for-
mulação de políticas de incentivo às renováveis. O controle de emissões
na fonte tem impactos na emissão do PM 10.
Ainda em relação à China, Wang et al. (2016) estudam o impacto do
desenvolvimento das políticas de não-fósseis nas emissões dos poluentes
atmosféricos, identi icando um arranjo ganha-ganha, na medida em que a
combinação dos controles de poluição do ar e a promoção de não-fósseis
resultam em menores custos comparados caso os problemas fossem solu-
cionados individualmente. Da mesma forma, seriam alcançados os obje-
tivos, inicialmente desejados, de reduzir a poluição do ar e de implantar
não fósseis. Eles concluem que, embora a promoção das fontes não fósseis

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 34


reduza a poluição do ar, o ritmo de sua implantação no País ainda não é
su iciente para atingir as metas de redução de SO2 e NOX, previstas para
cada quinquênio.
Finalmente, Dong et al. (2015), também olhando a China sob a pers-
pectiva dos cobene ícios para a poluição do ar na mitigação das emissões
de CO2, analisam quatro diferentes cenários. Os autores concluem que a
implementação das medidas previstas de redução de CO2 para o quin-
quênio, conjuntamente com a aplicação das tecnologias de mitigação de
poluição do ar, contribuiria não apenas para atingir o objetivo inicial de
redução do CO2, mas também para uma queda de 20% nas emissões de
SO2, além de induzir a mitigação dos custos de redução.
Henneman et al. (2016), avaliando os níveis de emissão e os custos
associados às políticas climáticas e de poluição do ar na África do Sul
com a utilização do modelo Greenhouse Gas and Air Pollution Interaction
Synergies (GAINS), concluem que políticas que reduzem as emissões de
gases de efeito estufa e também de SO2, PM 2,5 e NOx podem aumentar
os custos inais da eletricidade e encorajar comunidades mais carentes
a migrarem para combustíveis sólidos, mais poluentes. Também usando
o GAINS, aplicado ao caso das políticas arrojadas de redução de CO2 nos
países nórdicos, Astrom et al. (2013) indicam que, a despeito de poten-
ciais cobene ícios entre as políticas de baixo carbono com a diminui-
ção de emissões de poluentes ao ar, implementar apenas estratégias de
redução de emissões de CO2 pode resultar em uma solução de compro-
misso em relação à poluição do ar. Dessa forma, estratégias de baixo car-
bono devem ser complementadas com ajustes no controle de emissões
que poluem o ar.
No caso americano, a EIA (EIA, 2019a) prevê que as emissões do
setor elétrico estão fortemente atreladas à redução da dependência ao
carvão, já que seu cenário de referência apenas incorpora as leis atuais
relacionadas ao dióxido de enxofre e aos óxidos de nitrogênio, além dos
padrões estaduais para os portfólios de fontes renováveis e tetos de emis-
sões de CO2. Isso indica uma tendência de manutenção das emissões dos
três poluentes, ainda que a produção de eletricidade aumente. Esse cená-
rio é apresentado na Figura 2.14, em que as mudanças nos patamares de
emissão seguiram alinhadas à forma como a regulamentação dessas emis-
sões tem evoluído.

35 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


Figura 2.14 Emissões do setor elétrico americano (MtSO2, MtNOx, GtCO2)
62 62
3KDVH 3KDVH 
 
+LVWRU\ 3URMHFWLRV
 1R[%XGJHW
 WUDGLQJ

3URJUDP

0$76




 

 
      
&DUERQGLR[LGH 6XOIXUGLR[LGH 1LWURJHQR[LGH

Fonte EIA, 2019.

A IRENA (2019) estima que os custos adicionais de implementação


do REMap, cenário discutido na seção anterior, quando comparados com
os custos do cenário de referência, alcançariam 21 trilhões de dólares até
o inal do horizonte, em 2050. Por outro lado, os bene ícios auferidos com
as economias resultantes de externalidades reduzidas e os subsídios evi-
tados superariam os custos adicionais do sistema energético em um fator
de três a sete vezes, resultando em economias cumulativas de 65 a 160
trilhões de dólares, dos quais 13 a 39 trilhões seriam referentes a exter-
nalidades ligadas à poluição do ar. A Figura 2.15 sumariza esse balanço,
deixando evidentes os cobene ícios e a sinergia entre a mitigação das
emissões de gases de efeito estufa e os poluentes do ar.
Um estudo bastante abrangente sobre os cobene ícios ambientais
das estratégias de descarbonização do setor de energia alternativa é o
de Luderer et al. (2019). Neste, em uma combinação de quatro cenários
energéticos e cinco de modelos de avaliação integrados com uma avalia-
ção de ciclo de vida, foram analisados os impactos ambientais não climá-
ticos, tendo a descarbonização do setor energético como pano de fundo.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 36


O cenário-base não previa a redução de emissões; já nos três restantes, as
emissões acumuladas no horizonte 2011-2050 não poderiam ultrapassar
240 GtCO2. O segundo cenário permitia um uso de todo o portfólio energé-
tico de mitigação, o terceiro limitava a utilização de solar e eólica a 10%,
o que certamente é irrealista, e o quarto não considerava o uso da nuclear
ou CCS. Os três cenários de descarbonização resultaram em uma emis-
são de particulados e de formação de óxidos de um terço ou menos em
relação ao cenário-base, sendo o último com uma redução de quase um
quinto. Os autores concluíram que a escala dos cobene ícios depende for-
temente da escolha da tecnologia e que os cenários de mitigação com foco
na energia eólica e solar seriam mais e icazes na redução dos impactos à
saúde humana em comparação com aqueles com baixa energia renovável.
Os efeitos colaterais das opções solar e eólica seriam a pressão sobre os
recursos minerais.

Figura 2.15 Benefícios da transformação energética comparados


com as despesas (US$ trilhões)

+LJKHVWLPDWH

2YHU 
 [
VDYLQJV


/RZHVWLPDWH



$WOHDVW  
[
 
VDYLQJV
 

[FRVWV  6DYLQJVIURP 6DYLQJVGXHWRKLJKHUHQG
UHGXFHGVXEVLGLHV DVVHVVPHQWLQH[WHUQDOFRVW
,QFUHPHQWDO DQGH[WHUQDOLWLHV UHGXFWLRQVUHODWHGWRDLU
HQHUJ\ ZLWKORZHUHQG SROOXWLRQDQGFOLPDWH
V\VWHPFRVWV DVVHVVPHQW  FKDQJH
5HGXFHGH[WHUQDOLWLHVFOLPDWH 5HGXFHGH[WHUQDOLWLHVRXWGRRU
FKDQJH DLUSROOXWLRQ
5HGXFHGH[WHUQDOLWLHVLQGRRU )RVVLOIXHOVXEVLG\VDYLQJV
DLUSROOXWLRQ
Fonte: IRENA, 2019.

37 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


2.3 Conclusões

O capítulo indicou que a expansão massiva do uso das fontes renováveis


está diretamente imbricada com a questão ambiental, na medida em que
a produção e o uso da energia elétrica são a principal fonte de emissão de
dióxido de carbono, o mais impactante gás de efeito estufa. É preciso des-
tacar também os poluentes do ar, especialmente o dióxido de enxofre, pri-
mariamente oriundo da combustão do carvão, e os óxidos de nitrogênio,
além do material particulado. Se existe um ciclo virtuoso entre a redução
das emissões de CO2 e a massi icação das renováveis, particularmente das
FRIs solar e eólica, criando escala para a redução de seus custos e permi-
tindo avançar nos esforços de mitigação, essa mesma queda das emissões
do CO2 pode resultar em melhoria signi icativa na qualidade do ar, ao se
adotar o planejamento integrado das duas políticas ambientais.
Em grandes números, mostrou-se que sete milhões de pessoas são
mortas anualmente por conta da poluição do ar. Se as políticas atuais con-
tinuarem, a temperatura média do planeta poderia subir além de 2,6°C, o
que viola um dos objetivos do Acordo de Paris (que indica que a tempera-
tura global icasse abaixo de 2°C). Considerando que dois terços das emis-
sões globais de gases de efeito estufa são oriundos do setor de energia e
que um terço das emissões de dióxido de enxofre se origina da produção
de energia elétrica,8 o caminho para a solução desse duplo problema é
inquestionável. Ele passa pelo abandono do uso das fontes fósseis e pela
expansão cada vez maior das renováveis. Como se deixou evidente ao
longo de diversos cenários apresentados, tal expansão pode seguir uma
transição mais gradual ou mais rápida, baseada em políticas já vigentes ou
perseguindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como
preconiza em seus cenários a Agência Internacional de Energia (IEA) e a
Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA).

8
O relatório do Greenpeace com o ranking das piores fontes de SO2 no mundo atribui 31%
das emissões desse poluente nesses hotspots ao carvão, em 2018 (Greenpeace, 2019).

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 38


Referências
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rection of air pollution levels. Energy Policy, v. 105, p. 386-397, 2017.
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41 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão Ambiental


RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES
RENOVÁVEIS INTERMITENTES – A DIMENSÃO DOS
3
PAÍSES, RECURSOS NATURAIS E A COMPONENTE SOCIAL
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

3.1 Introdução

As tecnologias das FRIs têm vocação de crescimento robusto, mas, cer-


tamente, precisam dos recursos naturais e do contexto dos Países onde
estão. A simples existência dos recursos não representa todo o contexto
da regionalidade dessa expansão, mas é complementada pelas compo-
nentes sociais que cercam esse crescimento.
Esse capítulo analisa a disponibilidade dos recursos e os aspectos rela-
cionados à distribuição geográ ica e ao contexto social que cercam as FRIs.

3.2 Dimensão dos Países e Recursos


Naturais – potencial e questão social

Essa análise procura mostrar que a disponibilidade de recursos primá-


rios – vento e sol – e a questão social contribuem para forjar um posicio-
namento político, que se re lete em políticas de incentivo, quer energé-
ticas ou industriais, e ajudam a explicar as razões da expansão das FRIs
e seus crescentes níveis de penetração nas matrizes elétricas, na maioria
dos países.
O recurso solar, ainda que universal, apresenta diferentes níveis de
intensidade, em função de fatores geográ icos e climáticos, com uma dis-
tribuição regional mais uniforme. O eólico, que é in luenciado adicional-
mente pelo relevo, requer um conhecimento mais profundo das bacias de
vento. No caso do Brasil, essas bacias acontecem, majoritariamente, no
litoral do Nordeste, entre o Ceará e o Rio Grande do Norte, na parte central
da Bahia, entrando pelo Piauí e, inalmente, no Rio Grande do Sul.
O outro componente importante a ser considerado é a dimensão
social, com a democratização da participação nos investimentos ou dos
bene ícios advindos da produção de energia elétrica, o que tende a elevar
a aceitação social dos projetos, especialmente com a criação de empregos,
o aumento de receitas locais e a regularização fundiária.
Em um documento produzido pela World Wind Energy Association
(WWEA, 2018), são discutidos os fatores de sucesso para a energia
eólica. Entre eles, estão os sistemas de remuneração e os procedimen-
tos de permissão ou concessão, a capacidade industrial doméstica e a
disponibilidade de dados dos recursos (essenciais aos estudos de viabi-
lidade). A existência de um mercado interno ou atrelado a políticas de
exportação, a pesquisa, o desenvolvimento e a capacitação, relacionados
aos desa ios que essas alternativas trazem, além dos aspectos sociais
nas suas diferentes vertentes também estão listados entre os fatores de
sucesso da energia eólica.
No detalhamento do mesmo estudo da WWEA (2018), a título de
exemplo, para a Dinamarca, quatro aspectos da dimensão social são con-
siderados: a participação democrática na propriedade dos projetos eóli-
cos, a aceitação local e o apoio aos projetos, o desenvolvimento da comu-
nidade e o preço da energia acessível. No caso dos países emergentes,
outros fatores incluem a criação de empregos, a regularização fundiária, a
disponibilização de serviços inexistentes de energia elétrica, entre outros.
A disponibilidade de dados de vento, apesar de ser conhecida em
grandes volumes, requer uma mineração local que depende de capaci-
dade de investimento dos governos ou do interesse do mercado, quando
se tem uma demanda potencial pela energia elétrica. Já a questão polí-
tica de promoção à exportação da indústria solar e eólica está atrelada ao
desenvolvimento tecnológico de cada país, tendo icado quase limitada a
alguns países europeus, à China e, em menor escala, aos EUA, cuja pro-
dução é muito atrelada a seu mercado interno. O mesmo acontece com a
indústria eólica brasileira.

43 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Potencial
O potencial das fontes renováveis foi exaustivamente discutido no Special
Report on Renewable Energy Sources and Climate Change Mitigation, apre-
sentado pelo IPCC, em 2011, resultado de uma abrangente revisão da lite-
ratura vigente na oportunidade (IPCC, 2011). Enquanto o recurso solar é
praticamente inesgotável, podendo ser usado em todos os países e regiões
do mundo, o eólico não é universal. Ao contrário, precisa ser conhecido e
garimpado. Wiser et al. (2011), citando Rogner et al. (2010), no capítulo
sobre energia eólica do mesmo relatório, estima o potencial téorico da
energia eólica em 6.000 EJ/ano (6 x1015 MW). Já o potencial técnico, que
varia com o avanço tecnológico, é estimado por várias fontes e comparado
no mesmo relatório do IPCC.
O potencial técnico9 da energia solar, estimado por diferentes refe-
rências, poderia variar de um mínimo de 1.575 EJ/ano (1,5X x1015 MW) a
um máximo de 49.837 EJ/ano (50X x1015 MW) (IPCC, 2011), o que seria
su iciente para cobrir facilmente toda a oferta primária de energia do pla-
neta, de 585 EJ, em 2017 (0,6 1015 MW ) (IEA, 2019). Já o potencial técnico
da eólica variaria de 85 a 580 EJ/ano 85 x1012 MW a 580 x1012 (IPCC,
2011), o que poderia atender quase toda a produção de energia elétrica
global, calculada em 92 EJ 92 x1012 MW, em 2017 (IEA, 2019), no cenário
mais pessimista, ou mais de seis vezes, no cenário mais otimista.
A identi icação do potencial representado pelas bacias de vento, bem
como os mapas e os atlas eólicos são produzidos a partir de dados prove-
nientes de satélites. Essas informações, para serem validadas, necessitam
de medições. Estas, para se tornarem efetivas, devem conter séries his-
tóricas. No Brasil, para se registrar um projeto para um leilão de energia
destinada ao mercado regulado, são necessárias séries históricas certi i-
cadas de, ao menos, três anos. Todavia, através de mapas globais, tem-se
uma primeira indicação de onde estão os melhores recursos.
O principal parâmetro para a de inição do potencial eólico é a velo-
cidade média anual do vento. O fator de capacidade, a identi icação de
uma direção resultante sem grandes variações e a inexistência de raja-

9
Potencial que pode ser disponibilizado pelas tecnologias existentes, mas ainda sem con-
siderar fatores econômicos e políticos.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 44


das frequentes agregam informações importantes para o mapeamento
do potencial eólico de uma região.
O Solar and Wind Energy Resource Assessment (OpenEI, 2018c) con-
solida os dados de energia solar e eólica. A Figura 3.1 reproduz o mapa
mundial com as velocidades médias anuais dos ventos, mostrando que
as melhores são localizadas no mar (offshore), sobretudo nas latitudes
extremas de ambos os hemisférios, destacando-se as áreas em torno do
Reino Unido, Islândia, Alasca, Patagônia e Nova Zelândia. Apesar de o
mapa não evidenciar claramente o limite onshores/offshore, constata-se
que existem excelentes ventos em todos os continentes. Pode-se destacar
a região central da América do Norte, a Rússia e o Cazaquistão, o Norte da
China e a Mongólia, a região do Saara (em especial, o litoral oeste), o leste
da Patagônia e quase toda a Austrália. Todas essas regiões, identi icadas
pelas cores dos tons alaranjado até o violeta, caracterizam os ventos ditos
comerciais. A Figura 3.2 traz um destaque do mesmo mapa para a América
do Sul, mostrando que os melhores ventos no Brasil se encontram onde
estão situadas as maiores capacidades instaladas: Rio Grande do Norte e
Bahia, além do Rio Grande do Sul.
Além da velocidade média, é importante entender a distribuição de
frequência do vento e o consequente fator de capacidade. Na Figura 3.3,
são compilados os dados de distribuição de frequência da velocidade do
vento em países com os maiores potenciais e com as maiores potências
instaladas. É interessante notar os per is de frequência do Reino Unido
e da Dinamarca, com velocidades de vento quase sempre comerciais.
Nota-se, no Brasil, exatamente o contrário. No caso da Alemanha, perce-
be-se uma distribuição muito próxima da distribuição normal. Em todos
os demais países, nota-se um certo aumento de intensidade nas veloci-
dades acima de 9 m/s. A partir dos dados de velocidade do vento, com
os dados de distribuição de frequência e um per il de turbina, é possível
calcular o potencial da energia eólica para produção de energia elétrica.
Lu et al. (2009) apresentam dados consolidados de onde se encontra-
vam os melhores potenciais eólicos, expressos em W/m², reproduzidos
na Figura 3.4. Esses grandes potenciais estão no Canadá, na parte central
dos Estados Unidos, no sul da América do Sul, no Chifre da África (Somália
e Etiópia), no Reino Unido e no litoral norte da Europa, em particular, na
Dinamarca, na Rússia e na China, na fronteira com a Mongólia, além da

45 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Austrália e da Nova Zelândia e, em menor escala, no Nordeste Brasileiro.
Percebe-se claramente que as regiões de lorestas tropicais não dispõem
de recursos eólicos, como é o caso da Amazônia, do Congo, da Indonésia e
de regiões no seu entorno.

Figura 3.1 Velocidade média dos ventos no planeta (m/s)

Fonte: OpenEI, 2018c.

Figura 3.2 Velocidade média dos ventos na América do Sul (m/s)

Fonte: OpenEI, 2018c.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 46


Lu et al. (2009) consideram ser possível o uso de turbinas de 2,5 MW
em áreas não- lorestais, sem gelo e não urbanas, operando com fatores
de capacidade de apenas 20%. No mesmo estudo, eles estimam a energia
eólica potencial anual, dada em PWh, tanto onshore como offshore. O maior
potencial acontece na Rússia, tanto para onshore como para offshore, com
116 PWh e 23 PWh, respectivamente, seguida pelo Canadá, como o maior
onshore e a Austrália, com o maior offshore. Na Tabela 3.1, esses dados são
apresentados com maior detalhamento.

Figura 3.3 Distribuição de frequência da velocidade do vento


Rússia (1º) Austrália (2º)

Canadá (2º) Estados Unido (3º)

Argentina (4º) China (5º)

Brasil Reino Unido

Alemanha India

Espanha Dinamarca

Fonte: OpenEI, 2018c.

Três outros estudos (Grubb e Meyer, 1993; WEC, 1994; Krewitt et al.,
2009), apresentados no já citado relatório do IPCC (Wiser et al., 2011), esti-
mam a disponibilidade do recurso eólico no mundo, fazendo sua distribuição
entre os continentes. Apenas o já mencionado estudo de Lu et al. (2009) não
coloca a América do Norte como a maior detentora do recurso eólico global. A
América Latina icaria com um total entre 9% e 11% do recurso eólico global.
A Tabela 3.1 apresenta o resultado dessas comparações.

47 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Figura 3.4 Distribuição global do potencial médio anual de energia eólica
onshore (W/m2) para 2006

Fonte: Lu et al. 2009.

Tabela 3.1 Comparação entre diferentes estudos para recursos eólicos


Grubb e Meyer (1993) WEC (1994) Krewitt et al. (2009)** Lu et al. (2009)

Região % Região % Região % Região %

Europa
Europa Ocidental 9 7 Europa OECD 5 Europa OECD 4
Ocidental

América do América do América do


América do Norte 26 26 42 22
Norte Norte OECD Norte

América Latina e
América Latina 10 11 América Latina 10 América Latina 9
Caribe

Leste Europeu
Europa
Leste Europeu e Comunidade
Economias em não-OECD e
e Antiga União 20 dos Estados 22 17 26
Transição Antiga União
Soviética Independentes
Soviética
(CIS)

África Sub- África e Oriente África e


África 20 7 9 17
Saariana Médio Oriente Médio

África do Norte
8
e Oriente Médio

Austrália 6 Pacífico 14 Pacífico OECD 14 Oceania 13

Resto da Ásia 9 Resto da Ásia 4 Resto da Ásia 4 Resto da Ásia 9


Fonte: Wiser et al. 2011.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 48


Do ponto de vista do potencial solar, como já mencionado, o recurso
é mais uniformemente distribuído, mas com uma grande variação sazo-
nal, que bene icia, sobretudo, as regiões tropicais, quando considerada
a média anual. A Figura 3.5 mostra a distribuição da radiação global no
inverno no hemisfério norte e, em seguida, o inverno no hemisfério sul.
Percebe-se claramente que a região Nordeste do Brasil aparece com boa
radiação em ambos os cenários. O mesmo pode ser dito sobre o sul da
Índia e a parte central da África. Voltando a citar o SRREN (IPCC, 2011),
no seu capítulo sobre energia solar, 50% do potencial solar global esta-
riam situados na África e no Oriente Médio e outros 13% na antiga União
Soviética, que, na média, não apresenta uma boa radiação. Segundo outro
estudo citado pela mesma fonte, essas três regiões apresentariam quase
60% do potencial global. A América Latina e o Caribe disporiam de 7%
do potencial global, em ambos os estudos. No caso do Brasil, os maiores
potenciais das fontes solar e eólica se localizam no Nordeste, em particu-
lar, no estado da Bahia, devido a sua grande extensão. A Figura 3.6 eviden-
cia visualmente essa realidade.
Ao se comparar a disponibilidade de recursos e a potência insta-
lada, nota-se que não há uma correlação entre essas duas dimensões.
Outros fatores pesam na decisão de se instalar uma fonte de produção
de energia elétrica. Ademais, os recursos não estão necessariamente
bem distribuídos dentro dos países. Aqueles com grandes extensões
sempre têm grandes potenciais solares, embora não possam ainda
serem economicamente viáveis, como é o caso da Rússia. Por exem-
plo, a antiga União Soviética e a Rússia, em particular, congregam o
maior potencial de energia eólica e um dos maiores de solar, mas tam-
bém possuem muito petróleo e gás, e o aproveitamento das renová-
veis intermitentes acaba sendo pequeno. Outra constatação é que o
recurso eólico é mais concentrado em alguns países. Embora tanto no
caso de uma fonte como da outra, o ainda pequeno potencial relativo
pode ser suficiente para aproveitamentos viáveis, como é o caso da
energia solar na Europa, no Japão e na Coreia. No outro extremo, o
Sudão aparece com bom potencial solar e eólico e, no entanto, não tem
aproveitamento de nenhuma das duas fontes.

49 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Figura 3.5 Irradiância solar global (W/m²) na superfície da Terra para
inverno nos hemisférios norte e sul

Fonte: IPCC, 2011.

Figura 3.6 Atlas solar e eólico Brasileiro

Fonte: OpenEI, 2018ª; OpenEI, 2018b.

A Tabela 3.2 e a Figura 3.7 comparam os potenciais e as potências ins-


taladas dos países com maiores potências instaladas e maiores potenciais
das duas fontes. Algo que chama a atenção é que oito países estão entre os
dez maiores usuários da energia solar e da energia eólica para produzir
energia elétrica. Japão e Coreia do Sul estão entre os dez maiores usuá-
rios da energia solar que não estão entre os dez maiores de eólica e, no
reverso, Canadá e Brasil não estão entre os dez maiores da energia solar,
apesar de serem detentores de grande potencial, ambos entre os quatro
maiores potenciais globais.
Outra caraterística importante e fundamental do recurso das fontes
intermitentes é o fator de capacidade, ou seja, a relação entre a energia efe-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 50


tivamente produzida e a energia que poderia ser produzida se o recurso
estivesse presente 100% do tempo considerando a potência nominal das
usinas geradoras. O já mencionado SWERA, além da velocidade média
do vento, já apresentada acima, também disponibiliza uma estimativa do
fator de capacidade, que nem sempre é constatado posteriormente na
prática. O Relatório Renewable Energy Technologies: Cost Analysis Series
Wind Power (IRENA, 2012) indica margens para os fatores de capaci-
dade em diferentes regiões. Na Europa, distingue o potencial offshore do
onshore, variando no primeiro caso de 40% a 50% e, no segundo, de 25%
a 35%. Para a América do Norte, a estimativa é de 30% a 40% e, na China
e na Índia, o valor icaria entre 20% e 30%.

Tabela 3.2 Potencial e capacidade instalada de energia solar e eólica dos


maiores usuários e detentores do potencial
Eólica Solar
Potência Potência
Rank Recurso Total Rank Recurso Total
Pais Instalada Instalada
(PWh)² (PWh)³
(GW)¹ (GW)¹
China 1 210 44 1 205 27
Estados
2 104 88 2 61 25
Unidos
Alemanha 3 61 4 4 49 0,6
Índia 4 38 4 5 35 10
Espanha 5 26 1 9 9 1,4
Reino Unido 6 24 10 7 13 0,4
França 7 16 7 8 11 1,2
Brasil 8 15 11 2,4 25
Canadá 9 13 99 3 21
Itália 10 11 1 6 21 0,8
Rússia 0,1 139 1 31
Austrália 7 99 16 25
Argentina 1,6 47 0,4 8
Casaquistão 0,3 41 1 7
Sudão 15 9
Japão 3 56 0,8
Coreia 10 8 0,3
Resto do
96 88
mundo
Fontes: IRENA, 2020a; Lu et al. 2009; OpenEI, 2018d.

51 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


No quesito fator de capacidade, o Brasil tem histórico de ter conse-
guido excelentes números na geração eólica. Uma das razões para isso é
por ter um parque mais jovem se comparado com o americano e o euro-
peu e, consequentemente, usinas no estado da arte da tecnologia. Em
2019, o fator de capacidade nacional para a energia eólica atingiu 43%,
com um valor extremo de 60% no mês de agosto, segundo relatórios men-
sais do ONS. Já nos Estados Unidos, esse valor icou em torno de 35%.
Como mostra a Figura 3.8, o fator de capacidade da energia eólica ameri-
cano subiu de um patamar de menos de 25% para mais de 40%, quando
feita uma média ponderada da geração. Em 2018, o fator de capacidade do
parque nacional dos Estados Unidos foi de 35%. Contudo, ao se conside-
rar somente os projetos recentes, apenas o valor deles supera os 40% (US
DoE, 2019). A Tabela 3. 3 compara os fatores de capacidades de diferentes
fontes intermitentes.

Figura 3.7 Usuários X potenciais da energia eólica e solar

(QHUJLD(yOLFD (QHUJLD6RODU
 

 

 

 

 

 
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&DVDTXLVWmR

6XGmR

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6XGmR

3RWrQFLD,QVWDODGD *: 5HFXUVRWRWDO 3ZK

Fontes: IRENA, 2020a; Lu et al. 2009; OpenEI, 2018d.

Igualmente, o fator de capacidade da fonte solar fotovoltaica, no Brasil,


é muito elevado e icou na faixa de 25,4% para a média nacional, embora
esse valor não re lita uma média anual para o conjunto dos parques, já
que muitos deles foram sendo despachados pela primeira vez ao longo do
ano. O trabalha da IRENA (2012), que trata da fonte solar, arbitra um valor
médio de 20%. Note-se que, nos Estados Unidos, foi atingida uma média

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 52


de 24,5%, destacando-se que a média de idade dos parques daquele país
é mais alta do que a brasileira. Já o Reino Unido atingiu um valor inferior à
metade dos valores americano e brasileiro. Tais valores estão compatíveis
com os encontrados por Prieto (2019), citando BP Statistical Review of
World Energy 2019, cuja média global tem crescido, atingindo em torno
de 15%, em 2018, com destaque para os fatores de capacidade consegui-
dos na Espanha e nos Estados Unidos, ambos superiores a 20%, com os
americanos se aproximando de 25%, valor similar ao encontrado para as
novas plantas brasileiras.

Tabela 3.3 Fatores de capacidade – 2019


Eólica Onshore Eólica Offshore Solar PV

Reino Unido* 26,4% 40,1% 11,3%


Estados Unidos 34,80% 24,50%
Alemanha 36,9%
Dinamarca * 40,8%
Bélgica 36,8%
Brasil 43,2% 25,4%
*2018

Fontes: Energy Numbers, 2020a; Energy Numbers, 2019; Energy Numbers, 2020b; GOV.UK, 2020; EIA, 2020;
ONS, 2020.

Figura 3.8 Fatores de capacidade da energia eólica nos EUA em 2018,


por ano de comissionamento das usinas

&DSDFLW\)DFWRULQ


 E\SURMHFW&2'










<HDU ¶ ¶ ¶ ¶            
RI*:                
6RXUFH%HUNHOH\/DE
*HQHUDWLRQ:HLJKWHG$YHUDJH ,QGLYLGXDO3URMHFW

Fonte: US DoE, 2019.

53 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Questão social

Dois fatores se destacam na dimensão social quanto à decisão de impul-


sionar as fontes renováveis intermitentes: a criação de empregos e a
democratização da produção de energia. No extremo oposto da demo-
cratização da produção, estaria a criação ou o aprofundamento das desi-
gualdades locais ao bene iciar poucos proprietários locais com as receitas
com aluguel ou a venda das terras, sobretudo, quando os empreendimen-
tos, apesar de impactar localmente, tiverem como proprietárias grandes
empresas nacionais ou estrangeiras.
A redução da participação local nos empreendimentos, que marcou o
início dos projetos na Alemanha e na Dinamarca, tem acontecido sistema-
ticamente, o que acaba reduzindo a aceitação social dos grandes parques
(WWEA, 2018). No Brasil, onde a disseminação de grandes projetos tem
menos de uma década, a adoção de medidas compensatórias de caráter
social tem contribuído para a uma maior aceitação dos empreendimentos,
apesar do fato de que o custo dessas medidas tendem a crescer.
Um outro fator positivo do incentivo aos grandes projetos de reno-
váveis intermitentes, em função do grande vácuo na estrutura fundiária
vigente, tem sido a contribuição que tais projetos têm feito à regulariza-
ção fundiária com a legalização de posses para eventual arrendamento
ou compra de terrenos para instalação das usinas. Entretanto, segundo
Ribeiro et al. (2018), a mediação do Estado entre empreendedores e
comunidades tradicionais, no que diz respeito à questão fundiária, tende-
ria a pender para os primeiros.
O já mencionado relatório da WWEA (2018), sobre fatores de sucesso
para a energia eólica, sugere que a experiência inicial das tarifas-prêmio
(feed-in tariffs) na Alemanha, que incentivava a participação de proprietá-
rios rurais locais nos projetos de geração, foi um fator importante do cres-
cimento e da aceitação social dos empreendimentos de energia eólica. O
modelo foi posteriormente replicado com grande sucesso na Dinamarca.
A migração paulatina para o regime de leilões, em que os ganhos de escala
passaram a ser o fator preponderante na seleção dos projetos, por um
lado, reduziu o volume de subsídios, por outro, aumentou o nível de rejei-
ção a esses projetos. O relatório conclui que a ausência de investidores
locais tem um grande impacto na aceitação social na medida em que siste-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 54


mas de remuneração, ao inal, decidem como os custos e os bene ícios são
distribuídos entre os proprietários de terra, os investidores e os residen-
tes locais. Em países com baixa ou nenhuma capacidade de investimento
por parte da população local, em que o regime de leilões é o instrumento
adotado, os proprietários de terra são contemplados com as receitas do
arrendamento, e o restante da renda remunera investidores distantes.
A compensação social tende a ser crescente para aumentar a aceitação
social, ainda que se tenha adotado, como mencionado, frequentemente
medidas compensatórias de caráter social.
A questão da aceitação social, que normalmente pode ser mitigada
com uma maior participação local nos investimentos ou com medidas
compensatórias, tem sido objeto de preocupação crescente tanto pelos
empreendedores, como também de pesquisadores, organizações da
sociedade civil, governos locais e regionais, além de segmentos importan-
tes das sociedades locais.
A aceitação social de um projeto depende do objeto, do contexto
onde o escrutínio de sua aceitabilidade se desenvolve, dos atores relevan-
tes envolvidos e do papel desempenhado pelos mesmos. Essa aceitação
ocorre em três planos distintos: (i) aceitação sócio-política, em que se dis-
cute como essas políticas e tecnologias são vistas pelo público em geral,
(ii) aceitação da comunidade impactada, podendo esta se transformar em
barreira para os objetivos propostos e (iii) aceitação do mercado, no qual
investidores e governos precisam criar condições favoráveis, além da via-
bilidade técnica de seus impactos na operação, na segurança energética e
na con iabilidade do sistema elétrico (Almeida Prado Jr. et al., 2019)
Entre os principais fatores que impactam e criam a conceituação da
sociedade em torno dessas alternativas, estão a desvalorização de terras
no entorno, a diminuição do turismo, o aumento (ou a diminuição) das
tarifas, os aspectos visuais relacionados à ecologia da paisagem e aos vín-
culos de memória.
Na dimensão da comunidade, contam as experiências no relaciona-
mento entre os moradores locais e os dos desenvolvedores do projeto,
a importância dos líderes da comunidade na formação da opinião sobre
sua conveniência, o papel da mídia, dos grupos de pressão (advocacy) e os
arranjos de logística, como, por exemplo, a distância do empreendimento
aos agentes impactados. São também importantes a de inição de métricas

55 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


dos impactos, o tamanho e o arranjo geométrico dos empreendimentos,
além da percepção política dos impactados. Também são questões impor-
tantes os mecanismos de implementação das compensações e mitigações
e o posicionamento ideológico perante as mudanças climáticas, o que
ainda não é um problema no caso do Brasil (Almeida Prado Jr. et al. 2019).
Apesar de não se dispor de pesquisas nacionais com representati-
vidade estatística, a rejeição às fontes renováveis, particularmente solar
e eólica, deve ser mínima, focada em situações localizadas. Dentro do
padrão que se observa globalmente, essa rejeição deve ser menor ainda
nos dias de hoje. Já em 2003, a Comunidade Europeia indicava uma ótima
aceitação da energia eólica por parte da população, com 71% a favor, 21%
indiferentes e apenas 5% em oposição (European Comission, 2007).
Em abril de 2018, no Reino Unido, o Department for Business, Energy
and Industrial Strategy (BEIS, 2018) publicou uma pesquisa que mostra
que o apoio ao uso de energia renovável atingiu um pico de 85%, seguindo
patamares anteriores de 79%, no trimestre precedente, e similar ao de
um ano antes. A oposição à energia renovável permaneceu muito baixa,
em 3%, com apenas 1% fortemente oposta (Almeida Prado Jr. et al. 2019).
Merecem destaque o apoio à energia solar e aos projetos offshore, que
atingiram os níveis mais altos registrados desde que o rastreamento come-
çou (87% e 83%, respectivamente). O apoio a outros empreendimentos de
energia renovável permaneceu alto: 81% a irmaram que apoiavam a energia
de ondas e marés, 76% apoiavam a energia eólica em terra e 69% apoia-
vam a biomassa. Uma constatação importante da pesquisa é que oito em dez
entrevistados concordaram que o desenvolvimento de energias renováveis
deve fornecer bene ícios diretos às comunidades em que estão localizados
(81% em 2018 contra 77% um ano antes). Além disso, 75% concordaram
que as indústrias e empreendimentos renováveis proporcionam bene ícios
econômicos ao Reino Unido. Dois terços dos entrevistados disseram que
icariam felizes em ter um desenvolvimento renovável de larga escala em sua
área. Percebe-se, portanto, que a despeito de ser majoritariamente aceito,
não há consenso na aceitação das renováveis e que são desejáveis bene í-
cios diretos às comunidades locais. A título de comparação, registra-se que o
apoio à energia nuclear é de 38% (BEIS, 2018).
Outros autores também identi icaram a sensibilidade para a aceitação
de projetos vinculados com a proximidade do litoral e sua potencial in lu-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 56


ência no turismo (Eltham, Harrison e Allen, 2008; Firestone, Kemptone
Krueger, 2009; Rand e Hoen, 2017). Esses efeitos foram identi icados nos
EUA, Alemanha e Inglaterra. Um dos autores (Firestone et al. 2009) iden-
ti ica uma maior oposição entre usuários de localizações so isticadas e de
moradias de luxo.
Já em 2013, Bell et al. (2013) revisitam as lacunas entre a opinião
pública, amplamente favorável à energia eólica, e as relações de poder na
política local em relação a ela. Segundo o autor, existiria uma lacuna social
e uma individual. A primeira justi icaria o grande aceite às renováveis,
mas uma eventual rejeição à materialização dos parques, enquanto na
segunda, o indivíduo é favorável à energia eólica, mas contra um parque
local (Efeito NIMBY).10 Os autores contestam que o efeito NIMBY seria a
única explicação para o “gap pessoal”. Acreditam que in luenciam nesse
gap o efeito conjunto do dé icit democrático (falta de prestação de contas
para a sociedade da decisão tomada), o apoio quali icado de agentes com
interesse particular (advocacy), além do próprio NIMBYismo.
Apesar dessas conclusões, Eltham, Harrison e Allen (2008) e Rand
e Hoen (2017) não encontraram evidências de que o posicionamento
NIMBY tenha in luenciado a oposição a determinados projetos de usinas
eólicas. Para esses autores, surgem outros fatores mais importantes de
oposição. Na dimensão social, destacam-se a falta de compensação inan-
ceira para a circunvizinhança, a desvalorização das propriedades ao redor
do empreendimento, os efeitos visuais associados à paisagem e aos laços
de memória, em que a imagem afetiva da paisagem da infância é dani i-
cada, além da in luência de lideranças e da imprensa local e de amigos,
entre outros.
Particularmente no aspecto proximidade da usina, a pesquisa desen-
volvida por Rand, Hoen (2017) indicou que apenas 8% daqueles que estão
dentro de um raio de cinco milhas têm uma percepção negativa ou muito
negativa do projeto. Esse número cresce para 25% quando o raio cai para
meia milha. Ainda segundo os mesmos autores, constata-se que as ques-
tões de justiça, participação e con iança durante o processo de desenvol-
vimento in luenciam a aceitação.

10
NIMBY signi ica nunca no meu quintal no acrônimo em inglês.

57 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Em estudo de caso da França, Enevoldsen e Sovacool (2016) discutem
a aceitação social e enfatizam a importância da aceitação das autoridades
locais (prefeitos e câmaras locais) e, por conseguinte, da população local.
Eles elencam quatro fatores de grande relevância na questão da aceitação
social: qualidade ambiental local, justiça processual, justiça distributiva e
con iança. Uma constatação importante do estudo é de que, na França, o
tempo decorrido desde a concepção do projeto até o início da obra é de
quatro anos, em média. Como importante conclusão do trabalho, os autores
sugerem que nunca é predeterminado que as atitudes locais resultem numa
aceitação social, mas essa aceitação pode “ser gerenciada com sucesso,
mesmo modelada, quando dada atenção su iciente durante o processo de
planejamento e implementação” (Enevoldsen e Sovacool, 2016).
Em uma pesquisa envolvendo mais de 20 anos de observação sobre
aceitação social das fazendas eólicas na Europa, Ellis e Ferraro (2016)
analisam e identi icam problemas crescentes, pois os níveis de aceitação
comunitária dos projetos locais são declinantes, com eventuais impactos
nos seus custos inais, prazos de instalação, podendo ameaçar as metas no
que diz respeito ao uso das renováveis e à redução das emissões de gases
de efeito estufa.
Os autores (Ellis e Ferraro, 2016) reconhecem que existe uma mirí-
ade de fatores que in luenciam a aceitação social, incluindo a percepção
da distribuição de custos e bene ícios, o grau de participação do público,
a percepção dos impactos na paisagem, no valor das propriedades, entre
outros. O estudo conclui que a aceitação social não pode ser equacionada
apenas como o que eles chamam de “correções simples”, a exemplo de
consultas pontuais ou pacotes de bene ícios para a comunidade. Carece-se
“de uma reforma muito mais fundamental de como os sistemas de ener-
gia se envolvem com as comunidades e os cidadãos”, incluindo questões
estruturais relacionadas à con iança nas instituições do Estado.
Diógenes et al. (2019), pesquisando sobre as di iculdades à imple-
mentação de empreendimentos eólicos onshore no Brasil, citando 41
entrevistas com atores-chave, identi icaram 24 barreiras. As três de maior
relevância fogem ao escopo deste livro, pois tratam da infraestrutura de
transmissão de iciente, de empréstimos inanceiros pouco atrativos e
do ambiente macroeconômico instável, não abordando a perspectiva da
sociedade, fator agravado pela informação insu iciente sobre os bene ícios

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 58


da energia eólica para os consumidores. Com todos esses fatores conside-
rados, já seria observada uma oposição da comunidade local aos parques
eólicos, re letindo um dé icit de aceitação social. Dos entrevistados, 59%
indicaram que a oposição da comunidade local é uma barreira, sendo o
problema menos grave no Estado da Bahia, onde os aproveitamentos se
dão na parte central, longe, portanto, do litoral. A oposição das comunida-
des locais tem sido frequente nas áreas costeiras, devido a uma percepção
de que as turbinas eólicas interferem na paisagem natural e, consequen-
temente, nas atividades econômicas, em particular, no turismo. Assim,
nos locais onde os empreendimentos eólicos podem impactar o turismo,
o nível de rejeição percebido pelos entrevistados é mais acentuado. O pro-
blema seria sentido particularmente pelos desenvolvedores e fabrican-
tes. No inal das entrevistas, os participantes indicaram quais barreiras
tinham particular relevância no desenvolvimento de parques eólicos em
terra. A oposição da comunidade local foi reportada por apenas 2% dos
entrevistados. Em relação às áreas do interior, os entrevistados mencio-
naram que a oposição ocorre se os desenvolvedores de energia eólica não
oferecem nenhum bene ício ou não atendem às solicitações de comuni-
dades locais pobres. Os participantes concordam que essas comunidades
veem os projetos eólicos como uma oportunidade para, inalmente, serem
implantados postos de saúde, escolas, bibliotecas, praças públicas, qua-
dras esportivas e outras peças essenciais de infraestrutura inexistentes.
Os entrevistados também notaram que a oposição social ocasionalmente
atrasa a construção de parques eólicos (Diógenes et al., 2019).
No mesmo estudo conduzido por Diógenes et al. (2019), já se percebe
um nível de oposição a projetos eólicos (semelhante ao que foi identi icado
na França), particularmente em áreas de maior in luência do turismo como
atividade econômica, sobretudo na percepção dos empreendedores e fabri-
cantes de equipamentos. Todavia, no cômputo geral, o nível de preocupação
com a dimensão da aceitação social ainda é um problema diminuto. Deve-se
salientar o escopo reduzido da pesquisa que se deteve em atores-chave e
sem a busca de representatividade estatística da amostra, algo que ainda é
uma lacuna no tema da aceitação das turbinas eólicas no Brasil.
Até agora, a questão da aceitação social tem sido absorvida no âmbito
dos processos de licenciamento ambiental, através das condicionantes
impostas entre as medidas mitigatórias e compensatórias. O processo de

59 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


licenciamento tem um nível razoável de transparência, sendo os docu-
mentos dos demandantes e as ações do órgão licenciador disponibilizados
em base de dados on-line. Um dos problemas reportados com frequência
é a realocação de moradores que icam dentro de um perímetro de 300
metros de cada projeto. Mais recentemente, tem-se observado a neces-
sidade de realocação de moradores já impactados num projeto anterior,
mas a questão vem sendo resolvida, até então, sem impedir o processo de
licenciamento. Entre as medidas mitigatórias frequentes, são listadas a
melhoria da infraestrutura local, o inanciamento para escolas locais nas
áreas rurais, para apoiar organizações locais, projetos ambientais, trans-
porte público local, etc.
No Brasil, a questão do apoio à regularização fundiária tem sido vista
como um avanço social, ainda que haja eventuais con litos em algumas áreas.
A segunda dimensão social extremamente importante das fontes reno-
váveis intermitentes é a criação de empregos locais, com mão de obra menos
quali icada, e nacionais em todas as etapas da cadeia. Normalmente, existe
uma demanda maior na etapa de construção, depois se consolidando em
empregos permanentes na operação das usinas, além de todas as atividades
indiretas. O tema da geração de empregos em seu detalhe foge ao escopo do
livro, mas ampla discussão pode ser encontrada em Simas (2012).
A criação de empregos pode ser signi icativa em países com um mer-
cado interno pujante, como o Brasil, os Estados Unidos, a China, entre
outros, ou em países que se capacitem técnica e politicamente para a
exportação, com políticas industriais arrojadas, a exemplo da Dinamarca,
da Alemanha, da Espanha e da China, os três primeiros na energia eólica e
o último na energia solar fotovoltaica.
Nos países emergentes, além da criação de empregos, a introdução de
medidas compensatórias de caráter social tende a criar um maior equilí-
brio no compartilhamento local de custos e bene ícios, embora a questão
da aceitação social ainda não seja um grande limitador, seja pela escala
ainda pequena ou pelo apelo do desenvolvimento tecnológico.
A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, 2020b) man-
tém uma base de dados sobre o número de empregos nas diversas fon-
tes renováveis distribuídas pelos mais variados países. A energia solar
fotovoltaica é o maior empregador com mais de 3,6 milhões de posições,
seguida pelos segmentos de biocombustíveis e hidrelétrica, com pouco

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 60


mais de dois milhões cada um e, inalmente, a energia eólica com 1,2
milhões de empregos. A China é o maior empregador em ambas as tec-
nologias intermitentes, por larga margem, seguida pelo Japão e pelos
Estados Unidos, na energia solar fotovoltaica, e pela Alemanha, no caso da
eólica. No que diz respeito à energia solar fotovoltaica, a China responde
por mais de 60% dos empregos e, no caso da eólica, por mais de 43%. A
Tabela 3.4 apresenta o número de empregos dos maiores empregadores
globais em ambas as tecnologias.
Ainda segundo a IRENA, 56% da mão de obra na indústria solar foto-
voltaica estão concentrados na operação e manutenção, enquanto 17%
estariam na instalação e conexão à rede elétrica. No caso da eólica, os
números são 43% e 30%, respectivamente. Nos Estados Unidos, dois ter-
ços dos empregos na indústria fotovoltaica são em instalação e desenvol-
vimento de projetos (IRENA, 2019).

Tabela 3.4 Número de empregos nas indústrias solar


fotovoltaica e eólica por país
Solar fotovoltaica Eólica Total
China 2.194.000 510.000 2.704.000
Japão 249.300 3.000 252.300
Estados Unidos 225.400 114.000 339.400
Índia 114.800 58.100 172.900
Alemanha 29.300 140.800 170.100
Brasil 15.600 33.800 49.400
Espanha 12.300 20.500 32.800
Itália 11.200 7.500 18.700
Reino Unido 10.900 44.100 55.000
França 9.300 18.500 27.800
Dinamarca 1.100 34.200 35.300
Resto do Mundo 731.800 175.800 907.600
Total 3.605.000 1.160.300 4.765.300
Fonte: IRENA, 2020b.

No caso brasileiro, o relatório da IRENA (2019) admite que ainda


existe uma limitação de quali icação da mão de obra local nas regiões
remotas onde são construídos os parques eólicos. Isso, segundo Lucena

61 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


e Lucena (2019), di icultaria o uso dessa mão de obra no período de ope-
ração e manutenção. Assim, um terço dos empregos estaria no setor de
manufatura, 42% na construção e em torno de 25% na O&M. Já no caso da
energia solar fotovoltaica, a grande maioria dos empregos seria na cons-
trução e instalação (IRENA, 2019). Numa outra faceta da energia eólica no
Brasil, Goldani (2013) observou a possibilidade de um parque eólico ser
inserido como um elemento adicional de turismo no município de Osório,
na região sul do Brasil.
Ponto de destaque do relatório Renewable Energy and Jobs (IRENA,
2019), já na sua oitava edição, é a constatação de que vários fatores
in luenciam onde e como são criados os empregos na indústria das fontes
renováveis de energia. Entre os fatores, estão incluídas as políticas gover-
namentais, não apenas para incentivo às renováveis, mas também para
incentivo às políticas industriais, a diversi icação das cadeias de produção
e os marcos regulatórios de comercialização. Finalmente, existe a in luên-
cia da consolidação da indústria, que tem sido pautada por grandes hubs,
como a China para a fotovoltaica e a Europa para a eólica.

3.3 Conclusões

A disponibilidade do recurso renovável está razoavelmente bem distribu-


ída pelo planeta, embora visivelmente menor na região das grandes lores-
tas tropicais. Os países com grandes extensões terão sempre energia solar
su iciente para atender suas demandas quando se atingir o nível de viabi-
lidade econômica. Nessas condições, mesmo países com menores valores
de radiação podem vir a ser grandes usuários da energia solar, como o
Japão e a Alemanha. O recurso eólico exige mais esforço de identi icação
dos pontos de maior disponibilidade. Contudo, têm-se vários exemplos de
regiões que, apesar de grandes potenciais de eólica, ainda não são impor-
tantes usuárias do recurso, normalmente por disporem de outras fontes
mais economicamente viáveis, pela ausência de um mercado signi icativo
ou por incapacidade de investimento. Uma constatação relevante é que
oito países estão entre os maiores usuários de ambas as fontes de energia.
Na dimensão social, a participação mais democrática no compartilha-
mento dos custos e bene ícios das fontes dos projetos de ambas as fontes será

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 62


sempre um fator de maior aceitação. Na gênese do programa alemão, que
se constituiu em um dos pioneiros no mundo, estava uma participação local
nos investimentos e nas receitas dos projetos eólicos. Essa questão, todavia,
não foi relevante para projetos nos Estados Unidos e na China, assim como
para países onde a capacidade de investimento local é muito baixa ou onde os
projetos já surgiram no escopo da sistemática de leilões, em que os ganhos de
escala são fatores preponderantes na expansão dos parques.
Outro fator extremamente relevante da dimensão social é a cria-
ção de empregos que pode ser signi icativa em países com um mer-
cado interno pujante, como o Brasil, os Estados Unidos, a China, entre
outros, ou países que se capacitem técnica e politicamente para a expor-
tação, com políticas industriais arrojadas, a exemplo da Dinamarca, da
Alemanha, da Espanha e da China, os três primeiros na energia eólica e
o último na energia solar fotovoltaica.
Nos países emergentes, além da criação de empregos, a introdução de
medidas compensatórias de caráter social tende a criar um maior equilí-
brio no compartilhamento local de custos e bene ícios, embora a questão
da aceitação social ainda não seja um grande limitador, seja pela escala
ainda pequena ou pelo apelo do desenvolvimento tecnológico. No Brasil,
a questão do apoio à regularização fundiária tem sido vista como um
avanço social, ainda que haja eventuais con litos em algumas áreas.

Referências:
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XXV Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, Belo Horizonte, 2019.
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65 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES
RENOVÁVEIS INTERMITENTES – A DIMENSÃO DAS
4
POLÍTICAS PÚBLICAS
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

4.1 Introdução

Houve um tempo em que as FRIs necessitaram de incentivos para sua dis-


seminação e viabilidade. Em muitos dos capítulos deste livro, são apre-
sentadas razões pelas quais esses incentivos não são mais necessários ou
podem ser minimizados. No entanto, outras razões regulatórias, econômi-
cas e tecnológicas podem ainda demandar o fomento de políticas públi-
cas. Estas eram basicamente econômicas, mas, com o passar do tempo,
tornaram-se mais complexas e transversais. Esse capítulo apresenta a
abordagem das Políticas Públicas como uma das vertentes que ajudam a
explicar o crescimento exuberante da penetração das FRIs.

4.2 Dimensão das Políticas Públicas

Indubitavelmente, um dos fatores que contribuíram decisivamente para


a expansão maciça das fontes renováveis intermitentes foram as políti-
cas e ações governamentais, sobretudo no que diz respeito às metas para
renováveis, muitas delas aprofundadas no âmbito dos NDSs do Acordo
de Paris. As metas brasileiras para o setor energético, dentro dos NDCs,
são apenas uma das possibilidades no elenco de opções para cumprir o
Acordo de Paris.
Inicialmente, duas políticas se distinguiram muito claramente: os
mecanismos de incentivos, por meio das tarifas-prêmio (Feed-in Tarifs
– FiTs), e os mecanismos de imposição através dos portfólios para reno-
váveis (Renewable Portfolios Standards – RPSs), além do mecanismo
aplicável à geração distribuída – compensação de energia elétrica
(Net-Metering). Paulatinamente, houve uma convergência para os lei-
lões competitivos que se consolidaram como o principal mecanismo de
incentivo aos grandes blocos de energia renovável, particularmente das
fontes solar e eólica.
Outros instrumentos disponíveis incluíram políticas de incentivo à
pesquisa, desenvolvimento, demonstração e montagem de pilotos, linhas
de inanciamento especí icas, além de uma diversidade de incentivos is-
cais e tributários.
O Brasil iniciou com vários projetos demonstrativos, evoluiu para um
mecanismo híbrido com tarifa ixa diferenciada (FiT) e volumes de ini-
dos de aquisição, através do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas
(PROINFA). Depois, o país passou por uma fase de leilões especí icos e
inalizou como um dos pioneiros do mecanismo de leilões reversos com-
petitivos, em paralelo com o mecanismo de compensação de energia reno-
vável especí ico para a micro e mini geração, até 5 MW, além de alguns
incentivos iscais e tributários.
Ao longo dessa seção, serão detalhados esses mecanismos, sua evolu-
ção e a situação atual das políticas de fomento às renováveis intermiten-
tes no mundo e no Brasil.

4.3 Instrumentos de fomento

Em 2011, o Relatório Especial sobre Renováveis, publicado pelo IPCC, no


seu capítulo 11 (Mitchell et al., 2011), já dividia as políticas de fomento
para as fontes renováveis entre as de P&D e as de implementação. No pri-
meiro grupo, o documento listava os incentivos iscais e de inanciamento
público e, no segundo, além dessas duas classes, as de caráter regulatório,
incluindo as relacionadas à quantidade de energia a ser negociada (quo-
tas), ao preço, à qualidade e ao acesso. A Tabela 4.1 sintetiza todas essas
políticas identi icadas na grande revisão do IPCC.

67 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Tabela 4.1 Políticas de fomento às fontes renováveis
Políticas de P&D Políticas de Implementação
Financiamento à P&D Doação (grant)
Doação (grant) Pagamento pela produção de energia
Apoio à incubadora Rebate
Centro de Pesquisa Público Crédito fiscal (produção ou investimento)
Incentivos Fiscais
Parceria público-privada Redução ou isenção de impostos
Prêmios Depreciação acelerada ou variável
Crédito fiscal
Esquema de Voucher
Capital de risco Investimento

Empréstimos conversíveis ou a
Financiamento Garantia
juros subsidiados
público
Empréstimo
Compras Verdes
Quotas
Quantidade
Leilões
Tarifas Fixas
Preço
Tarifas-prêmio
Compra de energia
Regulatórias Qualidade verde
Etiquetagem verde
Net-metering
Prioridade de acesso
Acesso
Prioridade de
despacho
Fonte: Adaptado de Mitchell et al. 2011.

Os incentivos iscais ou tributários podem assumir diversas formas,


como mostra a Tabela 4.1 já referenciada. Fornecem ao investidor ou
proprietário um crédito sobre o imposto de renda anual ou uma dedu-
ção de algum imposto a ser pago, baseado no investimento feito ou na
energia gerada. Entre as formas mais comuns, estão as isenções ou redu-
ções de impostos. No Brasil, são aplicados sobre o PIS/COFINS, o IPI e
o ICMS, em particular pelos mini e microgeradores, ou no Imposto de
Importação (II) de certos equipamentos importados. Os créditos iscais
são outra forma muito comum, em particular nos Estados Unidos, em

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 68


que o Investment Tax Credit (ITC) - paga até 1,5 centavos de dólar por
cada kWh produzido para centrais eólicas iniciadas até janeiro de 2021.
Esse incentivo começou a ser reduzido em 2017, até sua extinção que
estava prevista para 2020. Tal incentivo não vigorará para os solares
no próximo período. Esse, aliás, é um problema dos incentivos via orça-
mento, que podem mudar anualmente.
Os incentivos via inanciamento público também podem assumir for-
mas variadas. Podem se constituir numa participação acionária (equity)
ou num inanciamento fornecido a uma empresa, geralmente de propó-
sito especí ico (SPE) sob a forma de uma obrigação de dívida (debt). Em
geral, os inanciamentos são feitos através de bancos de desenvolvimento,
em termos concessionais (por exemplo, taxas de juros mais baixas, maior
participação no investimento ou requisitos de segurança/garantias mais
baixos). No caso brasileiro, o BNDES é emblemático, com expressão até
para padrões internacionais, como será mostrado abaixo. Os bancos de
incentivo à exportação e importação também desempenham um papel
fundamental nessa modalidade de estímulo às fontes renováveis, consti-
tuindo, certamente, em um fator extremamente importante para a expan-
são das renováveis, quando acopladas a outros instrumentos.
Os instrumentos regulatórios são mais especí icos para a área de ener-
gia e podem ser estabelecidos por quantidades ou percentuais de compra;
através de incentivos para os preços a serem negociados; ou, eventual-
mente, por meio de uma composição entre essas duas componentes, como
foi o caso do PROINFA no Brasil. Para o caso das renováveis intermitentes,
os incentivos acima são sempre acoplados a incentivos de acesso com prio-
ridade de despacho. No Brasil, além disso, na fase inicial, foram incentivadas
as construções das linhas de transmissão ligadas aos empreendimentos.
Dois cenários iniciais se estabeleceram para o fomento regulatório,
seja via tarifas subvencionadas (FiTs), adotado inicialmente na Alemanha
e reproduzido em vários países europeus, seja via quotas impostas, em
geral às distribuidoras, adotadas inicialmente por vários estados ameri-
canos. Muita discussão seguiu-se sobre as vantagens de uma e outra alter-
nativa, mas, em síntese, acordava-se que as FiTs estimulavam a inovação
tecnológica, enquanto o regime de quotas tornava mais competitivo o pro-
cesso. Enquanto no primeiro caso o preço da energia a ser vendida é de i-
nido administrativamente, no segundo, os desenvolvedores estabelecem

69 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


seus preços e competem entre si (UNEP, 2012; Maurer e Barroso, 2011;
Mitchell et al., 2011).
Os incentivos tipo FiTs podem ser arranjados de duas formas: quer
através de um preço ixo estabelecido para cada tecnologia, quer através
de um valor adicional além do preço de mercado da energia. Em ambos os
casos, são aplicadas por um número de anos pré-estabelecido, para cada
unidade de energia produzida e sempre atreladas ao acesso e ao despacho
garantidos.
Os sistemas de obrigações de um portfólio mínimo de renováveis
(RPS) obrigam geradores, fornecedores ou consumidores a cumprirem
uma meta de energias renováveis, geralmente sob a forma de um percen-
tual da energia vendida ou consumida. Eventualmente pode ser estabe-
lecido um valor de potência a ser instalada para renováveis ou para cada
tecnologia de renovável. Frequentemente, como forma de cumprir a quota
estabelecida, faz-se necessário criar um mercado de crédito de energia
renovável (CRE) e tais créditos são negociados para comprovar o cumpri-
mento das metas.
No caso da primeira fase do PROINFA, no Brasil, foi inicialmente
ixada uma potência de 1.100 MW a ser instalada para cada uma das três
tecnologias bene iciadas: eólica, biomassa e PCH. Ao inal, a quota não
preenchida pela biomassa foi transferida para a energia eólica. Ainda no
Brasil, existe uma obrigação de composição de biocombustíveis na gaso-
lina e diesel nacionais.
Apesar de ainda coexistirem os mecanismos de FiTs e RPSs, o pro-
cesso competitivo consolidado pelos RPSs e a crise inanceira que atingiu
a economia mundial izeram reduzir o interesse nos processos de subven-
ção de FiTs. Convergiu-se, dessa forma, para leilões competitivos em que
os vencedores são aqueles que oferecem o valor mais próximo de um piso
pré-estabelecido ou os que propõem o maior deságio em relação a um
teto de preço pré- ixado (leilões reversos). Esse sistema de leilões rever-
sos foi pioneiro no Brasil e se disseminou globalmente.
Como já mencionado, o sistema de compensação de energia elétrica
(net metering), em que o excedente de energia produzida é injetado na
rede e retornado conforme as necessidades do produtor/consumidor ou
prossumidor, é basicamente usado pelos consumidores comerciais ou
residenciais.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 70


Em todos os mecanismos regulatórios de fomento citados, sempre
existe uma garantia de acesso e despacho à rede elétrica e uma garantia
de compra da energia produzida, quando se trata de fontes renováveis
intermitentes, como a solar e a eólica.

4.4 Situação Atual

Em um relatório produzido para a Agência Internacional de Energia


Renovável, a Global Commission on the Geopolitics of Energy
Transformation (IRENA, 2019b) inclui, entre os seis motores para a rápida
disseminação das fontes renováveis, as metas estabelecidas para essas
fontes pelos governos nacionais ou subnacionais, a exemplo da Dinamarca,
Suécia, Costa Rica, Califórnia, dentre um total de 179 governos nacionais
e estaduais/provinciais.11 Entre essas metas, 57 delas são de governos
nacionais e estão voltadas à descarbonização de seus setores elétricos.
As razões para o estabelecimento dessas metas podem ser ambientais,
ligadas à descarbonização, o aumento da segurança energética, a diminui-
ção da dependência de combustíveis importados, a expansão de uma área
de negócios promissora e a criação de empregos, entre outras.
Um outro documento, também com a chancela da IRENA (2019a),
assinado pela Coalition for Action, contabiliza 53 países com metas de
atingir, de alguma forma, 100% de energia renovável, sendo que oito
deles – Áustria, Cabo Verde, Costa Rica, Fiji, Islândia, Ilhas Salomão, Suécia
e Tuvalu – têm metas de 100% renovável especi icamente para o setor
elétrico. Atualmente, a Islândia já tem 100% de sua energia elétrica de
origem renovável, quase majoritariamente geotérmica. A Dinamarca pro-
mete atingir 100% de energia renovável em todos os setores, incluindo
a energia elétrica, o transporte, o aquecimento e o resfriamento, no
horizonte de 2050. Em 2030, 100% do consumo líquido de eletricidade
no país já deve ser de origem renovável. A Suécia compromete-se com
eletricidade 100% renovável em 2040 e a Costa Rica com toda a energia
em 2030. Em nível subnacional, a Califórnia, que está entre as dez maiores
economias mundiais, adotou o compromisso de 100% de sua eletricidade

11
O relatório da Global Commission on the Geopolitics of Energy Transformation usa como
referência o Global Status Report 2018.

71 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


sendo limpa (carbono-zero), com pelo menos 60% de origem renovável,
em 204512. O estado alemão da Renânia-Palatinado promete 100% da
eletricidade renovável em 2030 e o Havaí, primeiro estado americano a
se comprometer com a descarbonização total de sua eletricidade, de i-
niu o horizonte de 2045 (IRENA, 2019a). Em patamar um pouco abaixo,
a Nova Zelândia tem como meta que 90% de sua eletricidade sejam de
fontes renováveis já em 2025, segundo seu National Policy Statement for
Renewable Electricity Generation, que data de 2011 (New Zealand, 2011).
O Relatório Emerging Markets Outlook 2018 (BNEF, 2019), olhando
apenas para economias emergentes, distribui as políticas de fomento em
sete modalidades e mostra que 67% dos países pesquisados têm metas
para as renováveis. Vale ressaltar que esses países representam um uni-
verso de 104 mercados, incluindo países que não são membros da OCDE
e que têm mais de dois milhões de habitantes, além de Chile, México e
Turquia, que são da OCDE, e excluindo Cuba, Irã, Coreia do Norte, Líbia e
Yemen. A distribuição das políticas encontradas é apresentada na Figura
4.1, que evidencia a necessidade de uma superposição de instrumentos.

Figura 4.1 Participação de cada instrumento de política nos mercados


emergentes

(QHUJ\WDUJHW 

7D[LQFHQWLYHV 

$XFWLRQV7HQGHUV 

6HOIJHQHUDWLRQLQFHQWLYHV 

)HHGLQWDULIISUHPLXP 

'HEW(TXLW\LQFHQWLYHV 

8WLOLW\UHJXODWLRQ 

Fonte: BNEF, 2019.

12
O RPS vigente na Califórnia antecipou de 2030 para 2025 a meta de 50% da eletricidade
ao consumidor inal como sendo de origem renovável estabeleceu 60% para 2030.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 72


Metas, instrumentos regulatórios, inanciamento público e incen-
tivos iscais para apoiar o desenvolvimento e a implantação de energias
renováveis são encontrados nos níveis internacional, como foi o caso
do Protocolo de Quioto e é o caso do Acordo de Paris, no nível regional,
sobretudo no âmbito da Comunidade Europeia, e nos níveis nacional e
subnacional, incluindo desde governos estaduais e provinciais, até gover-
nos municipais.
O simples estabelecimento de metas não faz deslanchar o mercado,
mas sim a combinação do conjunto de instrumentos, como os listados
na Tabela 4.1. Entre tais instrumentos, destacam-se para o setor elétrico
as FiTs, os RPSs e os leilões reversos competitivos – caso atual do Brasil.
Estes são acoplados, geralmente, a incentivos iscais e inanciamentos sob
condições diferenciadas, sempre dentro de uma estabilidade regulató-
ria com prazos e eventuais reduções de volumes bem de inidas. O setor
elétrico e os grandes empreendimentos são o foco desse trabalho; dessa
forma, são destacados esses cinco instrumentos. No caso da geração dis-
tribuída, o carro-chefe é o net-metering, sempre com o apoio de incentivos
iscais e de inanciamento.
Segundo o REN21 (2019), até o inal de 2018, quase todos os países
e muitas jurisdições subnacionais adotaram alguma forma de meta para
as fontes renováveis de energia. Destes, 92 países e estados/províncias
tinham metas especí icas para o setor elétrico. O relatório lista 135 países
com políticas regulatórias para as renováveis no setor elétrico, conside-
rando como políticas propriamente ditas as FiTs, os leilões, a compen-
sação de energia elétrica (net metering) e os RPSs. Ressalta-se que um
país pode ter políticas de fomento e não necessariamente metas para as
renováveis.
Políticas tipo FiTs são encontradas em 84 países, incluindo aque-
les de alta renda, como Argentina, Austrália, Áustria, Canadá, Croácia,
Dinamarca, Estônia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria,
Irlanda, Israel, Itália, Japão, Letônia, Lituânia, Holanda, Panamá, Polônia,
Portugal, Suécia, Suíça, Reino Unido, Estados Unidos, mas também os
de baixa renda como Nepal, Senegal, Ruanda, Síria, Ugandae Tanzânia.
Já as políticas tipo RPSs estão presentes em 33 países, incluindo, entre
outros: África do Sul, Austrália, Alemanha, Bélgica, Canadá, Chile, China,
Coreia do Sul, EUA, Filipinas, Gana, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Malásia,

73 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Nigéria, Noruega, Panamá, Peru, Polônia, Portugal, Reino Unido, Romênia,
Senegal, Suécia, Vietnã e Uruguai, novamente permeando países de alta a
baixa renda (REN21, 2019). Destaca-se que, na Austrália, no Canadá e nos
Estados Unidos, esses instrumentos são em nível dos estados/província e
não em nível nacional.
Já os leilões de energia renovável têm experiências registradas na
Argélia, Benin, Egito, Eswatini (antiga Suazilância), Etiópia, Madagascar,
Malawi, Níger, Senegal, Seychelles, África do Sul, Tanzânia, Tunísia e
Zâmbia; Austrália, Bangladesh, China, Índia, Japão, Cazaquistão, Cingapura,
Sri Lanka e Tonga; Albânia, Armênia, Dinamarca, Finlândia, França,
Alemanha, Grécia, Malta, Montenegro, Holanda, Polônia, Federação Russa;
Afeganistão, Bahrein, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Estado da Palestina,
Catar, Arábia Saudita e Turquia e Argentina, Brasil, Canadá e Estados
Unidos, totalizando 48 países.
Apesar da existência de legislação especí ica em alguns países, ela
não necessariamente terá sido usada ao longo de 2018. Por outro lado,
pode-se contabilizar a coexistência de FiTs com os leilões. As FiTs ixas,
determinadas administrativamente, têm, de forma paulatina, dado lugar
a tarifas ou prêmios de inidos em leilões competitivos, particularmente
após a revisão dos volumes de subsídios que se seguiu à crise inanceira
global. Uma outra abordagem adotada tem sido a de redução automática
das tarifas diferenciadas à medida que pré-determinados níveis de pene-
tração sejam atingidos ou sendo limitados a projetos de pequeno porte.
O REN21 considera que, no Brasil, não existem FiTs e, sim, apenas
leilões competitivos, exaltando o país como um exemplo em que todas as
fontes de energia competiram livremente em um leilão. A outra política
de fomento às renováveis vigente no País – a compensação de energia elé-
trica (net metering) – está em processo de revisão, devendo os prossumi-
dores passarem a pagar as tarifas de io e as eventuais perdas e encargos,
até então não contabilizadas.
Um caso que merece destaque é a China, que vive uma grande tran-
sição nas suas políticas de fomento às renováveis intermitentes. O país
foi objeto de um relatório especí ico da Agência Internacional de Energia
(IEA, 2019), no qual foram modelados os dois cenários adotados pela
Agência – NPS e SDS – para o caso chinês, partindo-se da premissa que
dois parâmetros-chave do modelo a ser implantado na China é o esta-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 74


belecimento de mercados spot e o comércio entre provinciais.13 No caso
do SDS, é assumida a meta de 35% de sua eletricidade de origem solar e
eólica em 2035.
Após sete anos em operação, em maio de 2018, o governo chinês sus-
pendeu temporariamente o apoio inanceiro, sob a forma de FiTs, a pro-
jetos de energia solar, tanto de geração distribuída como de grande porte
(escala de concessionária) em favor do apoio a projetos através de lei-
lões reversos (REN21, 2019). A decisão foi tomada devido a pagamentos
pendentes, em torno de 200 bilhões de yuans, relativos à FiT para ener-
gias renováveis (ou seja, eólica, solar e biomassa) e sistemas fora da rede,
sendo a parcela referente à solar fotovoltaica da ordem de 40% da dívida
(Apricum, 2019).
Em janeiro de 2019, o governo chinês retoma a questão do fomento
com o conceito de projetos de energia solar e eólica com paridade com a
rede – projetos inanceiramente viáveis e sem subsídios, a ser testado no
período de 2019-2020, em 15 províncias. Os governos locais poderiam dar
apoio aos projetos (isenções de impostos sobre o uso da terra, garantias
de inanciamento, além de facilitar a comercialização) e seriam oferecidos
PPAs com duração mínima de 20 anos. Em abril, icaram claras as regras
sobre o novo conceito: os projetos aprovados anteriormente demandando
subsídios seriam prioritários se convertidos voluntariamente com pari-
dade com a rede, os projetos com paridade gozariam de segunda priori-
dade e a suspensão de projetos requerendo subsídios estatais até a de i-
nição pelo governo federal do primeiro lote de projetos com paridade. As
demais províncias deveriam submeter os planos de seus projetos para
competirem pelos subsídios nacionais. Nesse caso, foram de inidos três
níveis de FiTs, variando de 0,40 yuans/kWh14 a 0,55 yuans/kWh, estabe-
lecidos como teto para processos de leilões competitivos a serem coorde-
nados conjuntamente pelos governos nacional e pelos provinciais. Assim,
houve um vácuo no fomento à solar de mais de um ano e, na sua rein-
serção, o modelo passou a valer também para a energia eólica (Apricum,
2019). Deve-se ressaltar que o modelo híbrido FiT e leilões é acoplado

13
No inal de junho de 2019, já estavam lançados oito spot-mercados (China Energy Policy
Newsletter, 2019a).
14
US$ 0,058/kWh a US$ 0,08/kWh.

75 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


a um regime de quotas de consumo para as renováveis não hidrelétrica,
para as províncias, proporcionais à disponibilide ade de recursos renová-
veis em cada uma delas, variando de menos de 5% a mais de 25% (China
Energy Policy Newsletter, 2019a).
Em maio de 2019, foi anunciado o primeiro lote de projetos com
paridade com a rede (sem subsídios), aprovados para implantação entre
2019 e 2023, sendo 4,51 GW para energia eólica e 14,78 GW para energia
solar fotovoltaica. Entre agosto e setembro do mesmo ano, os governos de
três províncias anunciaram os resultados dos leilões de seus projetos com
paridade, dentro de um programa chamado “PV Top Runner”. Em um des-
ses projetos, o preço da eletricidade gerada foi inferior ao da gerada com
carvão. Os critérios de avaliação do programa incluem conformidade com
os regulamentos de uso da terra, tempo de conexão à rede, construção
de redes de transmissão e tarifas compatíveis com o benchmark da tarifa
local para o carvão (China Energy Policy Newsletter, 2019c).
No caso do primeiro leilão de compras de energia eólica offshore,
obteve-se um preço de 0,65 yuans/kWh (US$ 87,8/MWh), recorde nacio-
nal, com quase 20% de deságio em relação ao preço-teto pela Comissão
Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC). Contudo, o vencedor
não foi o que ofereceu o menor preço, já que quatro fatores são levados
em conta: preço (40%), experiência do desenvolvedor (25%), plano de
implementação (20%) e equipamento avançado (15%). Dessa forma, o
preço inal icou em 0,74 yuans/kWh, oferecido pela Shanghai Electric
Power Company (China Energy Policy Newsletter, 2019b).
Em julho de 2019, foram divulgados os resultados do primeiro leilão
nacional uni icado para projetos de energia solar fotovoltaica que busca-
vam subsídios e que deveriam ser instalados até o inal do ano. Foram
contemplados 366 projetos, totalizando 18,12 GW, entre os projetos de
grande escala. No total, entre grandes projetos e geração distribuída, a
demanda estimada de subsídios foi de cerca de 1,7 bilhões de yuans para
um teto de subsídio previsto de 2,25 bilhões de yuans, atingindo-se uma
tarifa média de 0,3281 yuans/kWh (US$ 0,048/kWh). A relação de preço
médio do projeto de grande escala para o preço da eletricidade local (refe-
rência carvão) foi de 122%, 106% e 115%, nas três diferentes regiões,
com deságios em relação à FiT inicialmente previsto da ordem de 17%
(Apricum, 2019).

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 76


Assim, icou con igurada a nova sistemática de leilões reversos para
as fontes renováveis solar e eólica, ainda que offshore, mesmo na even-
tualidade de ser requerido algum nível de subsídios. A expectativa é de
que o mercado chinês de energia solar fotovoltaica e eólica evoluirá de
um modelo baseado exclusivamente em projetos com subsídios do tipo
FiTs para projetos com paridade de rede, apoiados por FiTs disputadas
em leilões e, eventualmente, entrando em um período de mercado sem
subsídios a partir de 2021.
Em dezembro de 2019, a Comunidade Europeia lançou o European
Green Deal, um plano que pretende deixar a Europa neutra em carbono
em 2050. Como mais de 75% das emissões de GEE europeias são oriun-
das da produção e do uso da energia, o objetivo é descarbonizar o setor
energético. Nesse sentido, em 2030, seriam emitidos entre 50% e 55% do
que se emitira em 1990, estando previsto um aumento de ambição para o
setor energético em 2023. Os detalhes de sua implementação serão discu-
tidos ao longo de 2020, embora de antemão se saiba que um grande desa-
io é a redução da energia gerada por carvão pela Polônia, o que deman-
dará um grande volume de subsídios do restante da Comunidade.
Alguns desa ios são colocados para consolidar maiores volumes de
penetração das fontes renováveis intermitentes. O principal instrumento
que impulsionará a transformação energética para as renováveis é o
imposto sobre o carbono. Contudo, outros instrumentos relevantes são a
criação de um mercado atacadista de energia, que funcione para as reno-
váveis, possibilitando a comercialização dos excedentes de energia solar e
eólica. Da mesma forma, a criação de novos códigos de rede, o redesenho
das regras de mercado, permitindo maior exposição dos consumidores ao
preço do mercado atacadista e a maiores níveis de geração distribuída,
inclusive com armazenamento, além da possibilidade de projetos comu-
nitários de geração de energia elétrica.

4.5 Situação no Brasil

O Brasil, por historicamente ter uma matriz elétrica fundamentalmente


hidrelétrica, até a crise energética causada, sobretudo, pela baixa a lu-
ência hidrológica nos primeiros anos deste século, pouco se preocupou
com a diversi icação energética, em particular, com o incentivo às demais

77 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


renováveis. A crise que gerou o racionamento de 2001-2002 fez o governo
se voltar também para as termelétricas e, um pouco mais tarde, para as
chamadas fontes alternativas de energia.
As fontes eólica e solar, focos desse estudo, seguiram estratégias dis-
tintas de incentivo e de momento para, ao inal, convergirem para a atual
situação em que se encontram: extremamente competitivas e mais bara-
tas que as fontes convencionais.
O primeiro incentivo foi dado para a eólica, ainda na esteira da crise
de 2001, com a criação do Programa Emergencial de Energia Eólica
(Proeólica), através da Resolução nº 24, de 5 de julho de 2001, da Câmara
de Gestão da Crise de Energia Elétrica. O objetivo era de contratar 1.050
MW de projetos até dezembro de 2003. Contudo, devido a vários entraves,
o programa nunca foi operacionalizado.
Em 2002, com a Lei nº 10.438, foi criado o PROINFA. Seu objetivo
principal foi de aumentar a participação da energia elétrica produzida
pelas fontes eólica, de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e a partir
da biomassa na matriz elétrica nacional, sem, contudo, contemplar a fonte
solar. O programa foi dividido em duas fases, e a segunda nunca chegou a
ser implementada.
O PROINFA, em sua primeira fase, incorporou características do sis-
tema FiT, como a garantia do acesso da eletricidade renovável à rede e
o pagamento de preço ixo diferenciado para a energia produzida. Além
disso, adotou premissas do sistema de cotas ao determinar um volume de
1.100 MW15 a ser adquirido em um único momento. Adicionalmente, foram
oferecidas garantias de compra de energia – Power Purchase Agreement I
(PPA) – em contratos de 20 anos e condições especiais de inanciamento
através de linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). O PPA, passível de reajuste anual atrelado
ao IGP-M, resulta em uma tarifa paga atualmente para a eólica, na faixa de
R$ 500/MWh (Eletrobras, 2019).
Para a sua segunda fase, o PROINFA estabelecia uma meta de partici-
pação das três fontes alternativas em 10% da matriz elétrica do país, a ser
atingida em 20 anos, através de aquisições anuais em que as três fontes

15
Ao inal, esse volume foi aumentado para o caso da energia eólica, para completar a cota
não atingida pela biomassa.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 78


atendessem a um mínimo de 15% do incremento anual a ser fornecido ao
mercado nacional. Como já dito, essa etapa nunca foi colocada em prática.
O PROINFA teve prós e contras. Entretanto, certamente iniciou algo
em que o Brasil já estava atrasado, ou seja, um processo de aprimora-
mento de incentivos às renováveis, e atraiu para o país algumas empresas
de montagem de equipamentos eólicos. Nas falhas, pode-se incluir a esco-
lha do processo de desempate quando da compra dos 1.100 MW de cada
fonte, que poderia ter se dado através de menor preço, o que reduziria
uma das grandes críticas do programa, que foi seu elevado custo. Outro
fator a que também pode ser atribuído o alto custo do programa foi a exi-
gência de participação nacional de 60% do total do investimento em bens
nacionais, tema este controverso. Em função da mudança de governo,
houve um grande atraso na implementação do PROINFA e sua fase dois
foi cancelada.
Em 2004, o novo governo mudou o modelo de expansão da oferta
de energia e congelou o espaço para as ditas fontes alternativas por um
bom tempo. O foco passou a ser em leilões de energia pelo menor preço
e essas fontes ainda não eram competitivas. As fontes alternativas teriam
que se ajustar ao programa de leilões de energia nova (LEN), mecanismo
do novo modelo do setor elétrico, reformulado pela Lei nº 10.848/2004 e
pelo Decreto nº 5.163/2004. Apenas através do Decreto nº 6.048/2007,
foram incluídas as fontes alternativas na nova sistemática de contratação
de energia.
De acordo com o novo modelo, na expansão da geração e sistemas de
transmissão associados, agentes privados e públicos passaram a estabe-
lecer os quantitativos de energia elétrica a contratar e os investimentos
necessários que passaram a ser objeto de leilões, conforme de inido na
Lei nº 10.848/2004. Excepcionalmente, para atender a 100% da demanda
dos agentes de distribuição, a ANEEL poderia realizar direta ou indireta-
mente leilões de compra de energia de fontes alternativas, independen-
temente da data de outorga, critério que não se aplicava a outras fontes.
Foi aberta a possibilidade de aquisição de geração distribuída pelas
distribuidoras para atender até 10% de sua demanda, mas foi algo que
também nunca chegou a ser operacionalizado, em um nível além do inex-
pressivo, sobretudo, em função do limite estabelecido para o valor teto de
aquisição.

79 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


A legislação possibilitou a realização de alguns leilões especiais, que
passaram a contemplar as fontes ditas alternativas: (i) Leilão de Fonte
Alternativa (LFA), com o objetivo de estimular outras fontes de energia/
tecnologias e aumentar sua participação na matriz energética; (ii) Leilão
de Energia de Reserva (LER), cujo propósito foi de adicionar energia aos
volumes contratados nos leilões regulares de energia nova tendo em vista
a formação de um lastro e a segurança de suprimento. Esse tipo de leilão
veio a se consolidar para a energia eólica, embora conceitualmente essa
fonte não possa ser considerada uma energia de reserva. Nesse, as fontes
solar e eólica foram, posteriormente, excluídas dos LER, que também dei-
xaram de existir.
O primeiro leilão de energia alternativa aconteceu em 2007, mas
nenhum empreendimento solar ou eólico foi contemplado. Em 2009, foi
realizado um LER especí ico para a energia eólica e mais de 1.800 MW
foram arrematados. Em 2014, foi realizado o sexto LER que, pela primeira
vez, contemplou a energia solar fotovoltaica, sendo contratados 890 MW.
O modelo de leilões se consolidou completamente no País e foi objeto de
análise internacional e posterior replicabilidade, contribuindo para que o
modelo FiT perdesse sua expressão.
A acelerada e forte redução nos preços internacionais dos equipa-
mentos vinculados às fontes solar e eólica (aerogeradores, módulos,
inversores, etc.), o aumento de e iciência desses equipamentos e, em
paralelo, a elevação das tarifas de energia elétrica no Brasil, menos pelo
custo da geração, mas pelo excesso de impostos e encargos, e as di icul-
dades no licenciamento das hidrelétricas izeram com que as renováveis
intermitentes se tornassem mais competitivas frente a outras fontes con-
vencionais de geração predominantes no País. Isso justi icou a extinção de
leilões de fontes alternativas, passando a existir apenas leilões de energia
nova (A-4 ou A-6) e de energia existente. O último leilão de reserva acon-
teceu em 2016 e o de fontes alternativas em 2015.
Apesar de ser um fator preponderante para o resto do mundo, a redu-
ção de emissões de gases de efeito estufa não o é no Brasil. Ainda que
entre na lista de possibilidades para o País reduzir suas emissões de 37%,
até 2025, e 43%, até 2030, há a opção de “expandir o uso doméstico de
fontes de energia não fóssil, aumentando a parcela de energias renováveis
(além da energia hídrica) no fornecimento de energia elétrica para, ao

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 80


menos, 23% até 2030, inclusive pelo aumento da participação de eólica,
biomassa e solar” (Brasil, 2015).
Vários dos instrumentos de fomento foram sendo aprimorados em
geral, tornando mais rigorosas a concessão dos incentivos, como uma
maior exigência, por parte do BNDES, do conteúdo nacional de equipamen-
tos, e a recente transferência do custo do dé icit das eólicas e solares para
os geradores, que deverão acompanhar a sazonalidade da carga, assumindo
o chamado Generation Scaling Factor (GSF). Em ambos os casos, previa-se
que o custo de geração, sobretudo das eólicas, se elevaria, mas, ao inal, a
competitividade do processo absorveu esses potenciais aumentos.
Outros incentivos às fontes renováveis compõem o quadro nacional,
como o desconto mínimo de 50% nos encargos de transmissão e distribui-
ção de energia, que compõem a tarifa inal, baseado no que de ine a Lei
nº 9.427/96. O valor é superior a esse percentual, atingindo 80%, para o
caso de empreendimentos solares que entraram em operação até o inal de
2017, segundo normatização da ANEEL. O incentivo é repassado ao con-
junto de todos os consumidores e está previsto, para o ano de 2020, que o
custo do bene ício concedido a empresas que compram energia de usinas
eólicas e solares será de R$ 3,24 bilhões (G1, 2019). Incentivos tributários
incluem reduções ou isenções no PIS/COFINS, através do Regime Especial
para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), no Imposto sobre pro-
dutos Industrializados (IPI), no Imposto de Importação e no ICMS (Cenários
Eólica, 2018). Finalmente, os bancos de desenvolvimento nacionais, parti-
cularmente o BNDES, mas também o Banco do Nordeste, oferecem condi-
ções especiais de inanciamento, compondo um leque de incentivos, como
inicialmente delineado na Tabela 4.1, referenciada anteriormente.

4.6 Comentários finais

Uma pergunta básica se coloca quando se discutem os incentivos às fon-


tes renováveis: seriam as políticas/incentivos, estabelecidos em cada País,
em função das dimensões ambiental, das características especí icas de
cada um desses países e das tecnologias e mercados?
Certamente, as políticas de apoio às renováveis são diretamente
in luenciadas pela questão ambiental, mais particularmente na China,
pelo objetivo de descarbonizar o setor elétrico, bem como na Comunidade

81 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Europeia. Contudo, o fato de a energia elétrica de origem solar e eólica
terem tido seus custos de produção tão dramaticamente reduzidos pas-
sou a permitir que o componente econômico sobrepujasse o componente
ambiental. Como as fontes solar e eólica são praticamente universais, suas
características especí icas também deixaram de ser um elemento prepon-
derante na formatação das políticas, que passaram a convergir global-
mente para o modelo de leilões reversos. Finalmente, a tendência, entre
a maior parte dos países, de adotar os leilões reversos, ainda que com
pequenas variações, sinaliza que as políticas também indam convergindo
entre os países, globalizando-se.
O dilema inicial entre incentivos via preço (FiTs), que estimulariam
mais o desenvolvimento tecnológico na medida em que o empreendedor
teria o interesse de aumentar sua margem, e quotas (RPS), que in luencia-
riam mais o preço no momento inicial, foi sendo desfeito. A crise econô-
mica fez reduzir o volume de subsídios disponíveis para as FiTs, e os leilões
reversos vêm se consolidando globalmente. Modelos híbridos, como no
caso chinês, em que as FiTs são disputadas em algumas províncias através
de leilões para cumprir metas, mostram que não existem políticas fecha-
das. No Brasil, apesar dos leilões terem estimulado um mercado extre-
mamente competitivo, referência internacional, revisões no seu modelo
também estão em curso para estabelecer um valor mais adequado para o
atributo das diferentes formas de energia.
No horizonte de médio prazo, o imposto sobre o carbono será o prin-
cipal instrumento que impulsionará a transformação energética para as
renováveis. Paralelamente, à medida que a paridade com as demais fon-
tes convencionais, como discutida para o caso chinês, for se consolidando
globalmente, outros instrumentos de política e de mercado se farão
necessários para aumentar a lexibilidades das redes à intermitência das
fontes solar e eólica. Deve ser incluída na lista a criação de um mercado
atacadista de energia que funcione para as renováveis, possibilitando a
comercialização dos excedentes de energia solar e eólica, minimizando
o risco de dé icit dessas fontes e permitindo maior exposição dos consu-
midores ao preço do mercado e a maiores níveis de geração distribuída,
inclusive com armazenamento.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 82


Referências:
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Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 84


RAZÕES DA EXPANSÃO MASSIVA DAS FONTES
5
RENOVÁVEIS INTERMITENTES – A DIMENSÃO DAS
TECNOLOGIAS E MERCADOS
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

5.1 Introdução

A ampla penetração das FRIs pode, como discutido nos capítulos anterio-
res, ser explicada por razões ambientais, pela disponibilidade de recursos
e pela existência de políticas de incentivo. No entanto, essas razões, indivi-
dualmente ou em conjunto, poderiam ser su icientes se não existissem as
tecnologias disponíveis e os mercados desejosos dessas soluções. Esse capí-
tulo analisa essa dimensão – Tecnologias e Mercados – como um fator com-
plementar essencial aos aspectos já analisados nos capítulos anteriores.

5.2 Aspectos gerais

Entre os motores da transição energética para renováveis, em particular


para as fontes renováveis intermitentes, estão os avanços tecnológicos e
as inovações das próprias tecnologias de produção da energia elétrica a
partir das fontes solar e eólica. Além disso, estão as tecnologias facilitado-
ras (enabling technologies) que são acopláveis aos sistemas elétricos, per-
mitindo o aumento de sua lexibilidade, em virtude do caráter de variabi-
lidade e de incerteza da disponibilidade do recurso solar e eólico. Essas
inovações têm permitido uma queda contínua dos custos de instalação e
de operação dos sistemas solar e eólico, criando um ciclo virtuoso que se
instalou globalmente nos últimos anos, com perspectivas de se aprofun-
dar nas próximas décadas.
Esse imbricamento entre inovação tecnológica e custos declinantes
refere-se a dois dos seis fatores preponderantes que o relatório A New
World – The Geopolitics of the Energy Transformation (IRENA, 2019a)
identi ica como indutores do rápido crescimento da implementação das
fontes solar e eólica. Um outro relatório da IRENA (2019b), Renewable
Power Generation Costs in 2018, a irma que o custo equalizado médio
(LCOE) ponderado da energia solar fotovoltaica para grandes empreendi-
mentos caiu globalmente 77% entre 2010 e 2018. Fenômeno similar, mas
não na mesma escala da energia solar fotovoltaica, tem acontecido com a
energia eólica on-grid e off-grid e com a solar com concentradores (CSP),
sendo isso atribuído aos avanços tecnológicos que são aqui discutidos.
Indubitavelmente, os dois elementos primordiais para o caso da solar e da
eólica são o aumento de e iciência das células fotovoltaicas e do tamanho
das pás, respectivamente.
No que diz respeito às tecnologias facilitadoras, a descarbonização, a
digitalização, a descentralização do setor elétrico e a expansão da eletri i-
cação para outros segmentos pautam as inovações tecnológicas, incluin-
do-se entre tais tecnologias o armazenamento de eletricidade, seja a nível
do sistema elétrico ou pós medidores, as tecnologias digitais, incluindo
Internet das coisas, inteligência arti icial e mega dados, blockchain, a ele-
tri icação de setores de uso inal, como os carros elétricos, a produção de
hidrogênio, entre outros, compondo o que se convencionou chamar de
power-to-X.

5.3 Avanços na energia solar

Várias são as inovações que permitiram o avanço da energia solar, mas


como reconhece o já citado relatório da IRENA (2019b) sobre os custos
de geração das fontes renováveis, as reduções de custo da solar fotovol-
taica dependem tanto do preço dos módulos como dos demais compo-
nentes (balance of system), o que inclui os inversores. Entretanto, a queda
no preço dos módulos, que foi de 90% desde o im de 2009, com redução
de um terço entre 2017 e 2018, foi fundamental. Exatamente por isso a

86 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


e iciência das células, que compõem os módulos, é objeto de contínua pes-
quisa e melhoria. Observa-se que o recorde de e iciência foi de 47,1% e
foi alcançado pela tecnologia de quatro ou mais junções, fazendo uso de
concentrador, com tecnologia desenvolvida pelo próprio NREL.
Outro destaque é o avanço das células de Perovskita, que saltou de
pouco menos de 15% de e iciência em 2014 para 26,2% em 2019, cons-
tituindo-se em um dos materiais mais pesquisados, inclusive em tandem
com o silício, na busca da estabilização dessa e iciência e eventual viabili-
dade comercial do produto. Green et al. (2019) apresentam na lista de exce-
ções notáveis números, ligeiramente inferiores para a célula de Perovskita.
Condicionam, no entanto, esses resultados à observação de que essas células
podem não demonstrar o mesmo nível de estabilidade das células conven-
cionais, que hoje oferecem garantias de 25 anos. Yang e You (2017) a irmam
que essas células só resistem a alguns meses quando expostas ao ambiente
externo. Contudo, acreditavam que, em dois anos, a e iciência superaria os
25%, o que já se observa, atingindo uma estabilidade de mais de um ano.
Já em 2019, Wang et al. (2019) concluem que, apesar de melhorias na esta-
bilidade, alcançando alguns milhares de horas, para se tornar comercial, a
Perovskita precisaria ter uma estabilidade de, ao menos, dez anos.
Outras tecnologias fotovoltaicas emergentes, como as células
orgânicas (OPV) e as células de pontos quânticos (quantum dot), têm
apresentado grandes evoluções de eficiência em laboratório, mas também
têm problemas com a estabilidade. Novamente, Green et al. (2019) repor-
tam uma e iciência recorde de 16,4% para as OPVs, sempre em sua lista
de notáveis exceções.
Os ganhos de e iciência, aliados aos ganhos de escala, resultaram em
uma queda de preço do Wp de pouco mais de US$ 3,0/W em 2010 para
menos de US$ 0,5/W atualmente, atingindo uma faixa de US$ 0,25/W para
os módulos de baixo custo. Os ganhos de escala são geralmente calcula-
dos pela curva do preço de aprendizagem. Fraunhofer ISE (2019) estima
que, nos últimos 38 anos, para cada vez que se dobrou a produção acumu-
lada do conjunto de tecnologias fotovoltaicas, o preço caiu 24%. Feldman
e Margolis (2019), do NREL, trabalham com um valor de redução 22%,
tendo 1976 como referência. O conjunto desses efeitos é apresentado na
Figura 5.1, que evidencia a queda inal dos preços dos módulos de dife-
rentes origens e tecnologias na Europa.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 87


Observe-se que as quedas signi icativas sempre aconteceram com o
silício, particularmente o cristalino que, segundo Fraunhofer ISE (2019),
ainda domina 95% da produção do mercado global, sendo 62% de silí-
cio policristalino. Dados de Feldman e Margolis (2019), do NREL, diferem
ligeiramente, atribuindo a participação do silício monocristalino em 45%
e dos ilmes inos em 4%, o que deixaria para o silício policristalino 51%
da produção global.

Figura 5.1 Valores médios mensais de módulos fotovoltaicos no


mercado europeu





86':










-DQ
-XO
-DQ
-XO
-DQ
-XO
-DQ
-XO
-DQ
-XO
-DQ
-XO

-DQ
-XO
-DQ
-XO
-DQ
-XO

&U\VWDOOLQH(XURSH *HUPDQ\ +M\X 7KLQILOPD6L


&U\VWDOOLQH-DSDQ EJK\ $OOEODFN
&U\VWDOOLQH&KLQD +LJKHIILFLHQF\
7KLQILOP&G6&G7H 0DLQVWUHDP
7KLQILOPD6LX6LRUJOREDO,QGH[ IURP4 /RZFRVW

Fonte: IRENA, 2019b.

A diferença entre a e iciência de células em laboratório e de módu-


los comerciais também tem caído continuamente, sendo esses limites
26,7% ± 0.5 e 24.4% ± 0.5 para as células e módulos monocristalinos,
conseguidos pela Kanepa, e 22.3% ± 0.4 e 19.9% ± 0.4 para a tecnologia
policristalina, conseguidos em células pelo Fraunhofer ISE e pelos módu-
los Trina Solar, respectivamente (Green et al., 2019). Essas margens são
deixadas bem evidentes na Figura 5.2, que apresenta também a área de

88 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


cada célula e módulo. Os módulos de silício têm áreas de 1,32 m2 e 1,51 m2
para osmono e poli cristalinos, respectivamente. As demais tecnologias
comerciais, que representam menos de 5% da produção do mercado, são
Telureto de Cádmio – CdTe (2,4%); 1,9% Cobre, Índio, (Gálio), Selênio –
CI(G)S (1,9%); e Silício amorfo – aSi (0,3%) (Fraunhofer ISE, 2019 e Green
et al., 2019).
Outro componente importante no custo dos sistemas fotovoltaicos são
os inversores. Duas tecnologias são consolidadas no mercado: os inverso-
res de strings, normalmente para aplicações comerciais e residenciais, com
uma potência de até 150 kW, representando 52% do mercado; e os inver-
sores centrais, para aplicações de maior porte, com potência acima de 80
kW (Fraunhofer ISE, 2019). Os primeiros apresentam e iciência na faixa de
98%, enquanto os centrais 98,5%. A queda no preço dos inversores para
aplicações de grande porte caiu para um terço do seu valor há cinco anos,
mas se manteve estável ao longo de 2018, segundo Feldman e Margolis
(2019). Estes ainda estimam que os microinversores, uma terceira classe
de inversores, representaram quase 6% do mercado em 2018.

Figura 5.2 Comparação de eficiências das tecnologias em células de


laboratório e em módulos comerciais

6LPRQRFU\VWDOOLQHFHOO FP 


&U\VWDOOLQH
VLOLFRQ
6LPRQRFU\VWDOOLQHPRGXOH FP 
6LPXOWLFU\VWDOOLQHFHOO FP 
6LPXOWLFU\VWDOOLQHPRGXOH FP 
&,*6FHOO FP 
7KLQILOP

&,*6PRGXOH FP 


&G7HFHOO FP 
&G7HPRGXOH FP 
FRQFHSW

3HURYVNLWHFHOO FP 


1HZ

3HURYVNLWHPRGXOH FP 

      

Fonte: Fraunhofer ISE, 2019.

Uma tecnologia extremamente promissora no mercado de módulos


fotovoltaicos são os módulos bifaciais, sobretudo quando acoplados a ras-
treadores. Outros fatores que podem impactar na sua produtividade são a

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 89


altura da estrutura em que estão montados os módulos, o distanciamento
entre células, ilas e painéis, a inclinação, o albedo local e o fator de bifa-
cialidade dos módulos, o que faz variar a produção de energia, em condi-
ções mais adequadas, em até 30%, segundo alguns fabricantes.
Com a recente isenção tarifária para os módulos bifaciais não chineses,
nos Estados Unidos, é esperado que tanto a importação quanto a produ-
ção nacional aumentem signi icativamente em 2020 (Feldman e Margolis,
2019). Deve-se destacar que o mercado desses módulos bifaciais atingiu
100 MW em 2019. A adaptação da produção de mono para bifacial pode
ser rápida, entre um e seis meses. Com a eventual consolidação dos bifa-
ciais no mercado global, a tendência é que eles se universalizem. Um estudo
do NREL (Deline et al., 2019) estima que 60% do mercado global em 2029
serão de módulos bifaciais. O estudo estima ainda que o investimento ini-
cial é US$ 0,05-0,06/W mais elevado que o monofacial, mas rebate positiva-
mente tornando o LCOE menor. O desempenho com o rastreador de um eixo
mostrou ganhos de 6% a 9% em função da tecnologia adotada: passivated
emitter rear cell (PERC)ou Silício Heterojunção (Si-HJT), respectivamente.
Os rastreadores estão consolidados no mercado fotovoltaico, reque-
rendo apenas estudos para avaliar sua rentabilidade, comparando-se com
as estruturas ixas. Segundo estudo sobre custos das renováveis já men-
cionado anteriormente (IRENA, 2019b), outros custos importantes nas
instalações de grande porte são as estruturas que, juntamente com os cus-
tos de instalações mecânicas, se constituiriam em custos mais importan-
tes que os inversores, em países como o Brasil, Austrália, Estados Unidos,
México, entre outros. Na China, os custos de estruturas representam um
componente de custo ín imo, enquanto na Índia e na África do Sul os cus-
tos de instalação mecânica são muito baixos.

5.4 Avanços na energia eólica

O custo médio da eletricidade de origem eólica caiu 22% desde 2010


(IRENA, 2019a) e o LCOE médio ponderado global icou 13% menor
entre 2017 e 2018 (IRENA, 2019b). Essas reduções podem ser atribuí-
das à queda dos custos das turbinas e do balanço do sistema (BoS) e ao
melhor desempenho das turbinas com a elevação da altura dos rotores e
o aumento do tamanho das pás, o que faz crescer com o quadrado a área

90 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


varrida por elas e, por conseguinte, a energia gerada, além de melhorar o
fator de capacidade da planta para um mesmo recurso eólico. A mesma
fonte estima que o custo médio ponderado global da eletricidade de ori-
gem da eólica onshore deve cair 26% até 2025 e o da offshore 35%. O rela-
tório Future of Wind (IRENA, 2019c) prevê que o custo de instalação pas-
saria do valor médio ponderado global de US$ 1.497/kW, em 2018, para
uma faixa entre US$ 650/kW e US$ 1.000/kW, em 2050.
Vários são os desenvolvimentos tecnológicos que contribuirão para ace-
lerar as reduções de custos mencionadas acima e a consequente expansão do
uso da energia eólica, incluindo: turbinas eólicas mais e icientes, altura mais
elevada dos rotores, aumento do tamanho das pás, tecnologias de fundação,
incluindo turbinas lutuantes para o caso offshore, digitalização e mecanis-
mos de controle das turbinas, repotenciação, aprimoramento das técnicas de
manutenção, modelos de previsão dos ventos, facilitação para controle, des-
pacho e integração das fazendas eólicas, estratégias de mercado, entre outros.
A despeito dos diversos avanços na indústria de energia eólica, o
mais signi icativo deles é o aumento do diâmetro do rotor, ou o tamanho
das pás que, como mostra a Figura 5.3, saiu de um patamar de 50 m, nos
anos 80, para 110 m, em 2018, com previsão de atingir 170 m, entre 2022
e 2025, no caso de turbinas onshore. Em relação às turbinas offshore, saiu-
-se de um diâmetro médio do rotor de quase 44 m, em 2000, para 148 m,
em 2018, com uma expectativa de se atingir mais de 230 m, entre 2025 e
2030, embora já exista um número expressivo de turbinas instaladas com
um diâmetro do rotor acima de 160 m.
Juntamente ao aumento do diâmetro vem a elevação da altura do
rotor, que permite conseguir melhores ventos, com maior velocidade e
menor variação, tendo a altura média saído de menos de 60 m, no inal
dos anos 1990, para em torno de 90 m, em 2018, novamente para as
turbinas onshore. Ao aumentar o diâmetro, elevam-se também, como já
mencionado, a potência das máquinas e a energia gerada. O fator de capa-
cidade das fazendas eólicas também tem aumentado com esse melhor
aproveitamento do recurso eólico. Ainda da Figura 5.3, percebe-se que
a potência média ponderada global das turbinas eólicas onshore foi para
2,6 MW, tendo saído de 1,0 MW, menos de 20 anos antes, enquanto entre
as offshore, saltou-se, no mesmo horizonte, de 1,6 MW para 5,5 MW. No
horizonte de 2025, trabalha-se para as primeiras com uma perspectiva de
5,3 MW e para as segundas com 12 MW, podendo chegar a 15 MW.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 91


No cenário atual, os dois maiores fabricantes de turbinas eólicas
offshore, Siemens e Vestas, com 58,32% e 23,65% do mercado, respectiva-
mente (Fraunhofer ISE, 2019), trabalham com potências de 10 MW, para
um diâmetro de 193 m (Siemens Gamesa), e 9,5 MW (MHI Vestas), para um
diâmetro de 174 m. No caso da Vestas, já foi anunciada uma melhoria na
sua turbina de 164 m, que atingiria 10 MW (MHI Vestas, 2018). O terceiro
maior produtor de turbinas offshore, a chinesa Envision Energy, ainda tra-
balha com potência de 4 MW. Já a GE, o quarto maior fabricante, anuncia
sua turbina de 12 MW, com um diâmetro de rotor de 220 m, para uma
altura de 260 m. Para o conjunto do mercado de turbinas, os quatro maio-
res fornecedores são Vestas, Siemens Gamesa, GE, Goldwind (Windpower
Monthly, 2020), e, que trabalham com maiores potências para turbinas
onshore de 4,2 MW, 5,0 MW, 5,3 MW e 4,5 MW respectivamente.
A Figura 5.4 sintetiza a evolução da potência nominal e do diâme-
tro médio ponderado do rotor para um conjunto de países, incluindo o
Brasil, que vai de um diâmetro médio de 80 m, em 2010, para mais de 110
m, em 2018, com uma potência resultante de menos de 3 MW. Todavia,
já está prevista a oferta de equipamentos na faixa de 4,0 MW a 6,0 MW,
tendo a Siemens Gamesa decidido nacionalizar a máquina de 5,8 MW
(CanalEnergia, 2019), com produção prevista para inal de 2021. A GE pre-
tende trabalhar com uma plataforma de 4,8 MW e a Vestas com 4,2 MW.
O conceito da máquina eólica é muito variado no quis diz respeito
a como a energia eólica é convertida em energia mecânica e depois em
energia elétrica. Esse conceito evoluiu rapidamente das turbinas de
velocidade ixa, tecnologia que caiu em desuso, para um mercado que
se dividiu entre turbinas com multiplicador de velocidade (ou caixa de
engrenagem), que hoje domina o mercado global, com mais de 70% de
penetração (IRENA, 2019c), eventualmente acoplados com geradores
assíncronos ou de imã permanente, e entre turbinas com acionamento
direto, que ainda dominam o mercado alemão (Fraunhofer ISE, 2019).
Como maiores representantes do segmento de acionamento direto,
têm-se a Goldwind, segunda maior fabricante mundial, e a Enercon,
maior fornecedora do mercado alemão. Já a Vestas, maior fabricante
mundial, usa turbinas com caixas de engrenagem. Entre as grandes tur-
binas offshore, a Siemens Gamesa usa o acionamento direto, enquanto a
Vestas trabalha com caixa de engrenagem.

92 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Figura 5.3 Crescimento do diâmetro dos rotores das turbinas eólicas
onshore (a) e offshore (b) e o equivalente aumento de suas potências
:LQGWXUELQHUDWLQJV 0:  ([LVWLQJ ([SHFWHG 8SFRPLQJWXUELQHPRGHOV
*OREDOZHLJKWDYHUDJHUDWLQJV 0:
 0: 5' P
0: 5' P
0: 5' P
a) 
0: 5' P
0: 5' P
 5' 0


     

([LVWLQJ ([SHFWHG
*OREDOZHLJKWHGDYHUDJH 8SFRPLQJWXUELQHPRGHOV
0:
7XUELQHUDWLQJV 0:

 WXUELQHGLPHQVLRQV
5'!P
0:

0: 5' P
b) 0: 5' P
 0: 5' P
0: 5' P
 5' P


     

Fonte: IRENA, 2019c.

Figura 5.4 Evolução da potência e diâmetro do rotor de turbinas


eólicas onshore 2010-2018

5RWRUGLDPHWHU P









   
1DPHSODWHFDSDFLW\ 0:
%UDVLO 'HQPDUN )UDQFH
&KLQD &DQDGD ,UHODQG
7XUNH\ *HUPDQ\ 8QLWHG.LQJGRP
,QGLD 6ZHGHQ 8QLWHG6WDWHVRI$PHULFD

Fonte: IRENA, 2019b.

Uma outra área com potencial de modernização são as pás, seja no


projeto ou no uso de novos materiais, visando maximizar a produção de

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 93


energia e otimizar os custos de operação e manutenção. O uso de novos
materiais tem, entre outros objetivos, aumentar a vida útil de turbinas
expostas a condições muito adversas, em áreas desertas ou no mar. Outra
faceta ao se pesquisar novos materiais, particularmente para as pás, é
aumentar o conteúdo de reciclagem/reuso dos compósitos que viabiliza
pás mais leves e mais longas. São também buscadas técnicas de separação
do vidro e do plástico que compõem a ibra de vidro das pás, facilitando
o reuso do vidro. O ciclo concebido pela Dreamwind (2019), projeto de
pesquisa envolvendo a Universidade de Aarhus, o Instituto Tecnológico
Dinamarquês e a Vestas, para tornar mais circular a indústria das pás, é
apresentado no Figura 5.5, distinguindo-se as possibilidades de reuso e
de reciclagem do conteúdo das pás.

Figura 5.5 Diagrama com aplicações circulares na indústria de pás

9LUJLQUHVRXUFH

1RQYLUJLQUHVRXUFH
1RQYLUJLQ 5HF\FODEOH
UHVRXUFH FRPSRVLWH

2WKHU
LQGXVWU\

&RPSRQHQW
'LVDVVHPEO\ SURGXFWLRQ

Fonte: Dreamwind, 2019.

Duas outras áreas correlatas de avanços tecnológicos na indústria


eólica são a otimização dos componentes de eletrônica de potência, par-
ticularmente os inversores, e a digitalização, sempre introduzindo equi-
pamentos mais inteligentes para melhorar mecanismos de controle e
monitoramento, a operação e a previsão do recurso, inclusive fazendo uso
de mega dados e inteligência arti icial. No caso dos inversores, busca-se

94 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


maior resistência à humidade, reduzir o tamanho e o número de compo-
nentes. A digitalização permitiria até monitorar o desgaste dos compo-
nentes e melhorar as estratégias de O&M (IRENA, 2019c).
No caso das turbinas offshore, os desa ios são maiores, pois é uma fron-
teira que tem se expandido mais nos últimos cinco anos. As perspectivas
para aumento de tamanho das pás e de potência, como já colocado ante-
riormente, são na direção de quase duplicação e quadruplicação, respecti-
vamente, em um horizonte de dez anos. Por outro lado, busca-se instalar as
turbinas em águas mais profundas e reduzir os custos de instalação.
Hoje, as turbinas ainda são instaladas em águas com até 40 m de
profundidade e até 80 km da costa (IRENA, 2019c), mas, para se avan-
çar nessas distâncias, uma das possibilidades é aprofundar a experiência
com fundações lutuantes, iniciada comercialmente com a fazenda eólica
Hywind, na Escócia. Hywind é composta de cinco turbinas de 6 MW, 154
m de rotor, instaladas em profundidades que variam de 95 m a 125 m e
está situada a 30 km da costa (Equinor, 2019).

Figura 5.6 Importância e expectativa de comercialização de inovações para a


tecnologia eólica offshore

1H[WJHQHUDWLRQWXUELQHV
)ORDWLQJIRXQGDWLRQV
$LUERUQHZLQG
5HODWLYHLPSRUWDQFH

,QWHUJUDWHGWXUELQHDQGIRXQGDWLRQLQVWDOODWLRQ
+9'&LQIUDVWUXFWXUH
'&SRZHUWDNHRIIDQGDUUD\FDEOHV
6LWHOD\RXWRSWLPLVDWLRQ
,QFUHDVHGWXUELQHUDWLQJ
5HGXFLQJHOHFWULFDOLQIUDVWUXFWXUH
:LQGIDUPOHYHOFRQWUROVWUDWHJLHV
%ODGHGHVLJQDQGPDQXIDFWXUH
3HUVRQQHODFFHVVV\VWPV
2QVKRUHWXELQHSUHFRPPLVVLRQLQJ
6HOILQVWDOOLQJIRXQGDWLRQV

      


([SHFWHGSHULRGIRUFRPPHUFLDOLVDWLRQ
'HYHORSPHQW (OHFWULFDOLQWHUFRQQHFWLRQ
7XUELQHV ,QVWDOODWLRQ
6XSSRUWVWUXFWXUH 2SHUDWLRQ0DLQWHQDQFHDQGVHUYLFH

Fonte: IRENA, 2019c.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 95


Alinhada com o avanço das turbinas lutuantes está a possibilidade de
montar o conjunto fundação-turbina ainda em um porto, para posterior
ixação no seu destino de initivo, fazendo reduzir os custos de instalação.
Mesmo para fundações ixas, com algumas tecnologias, a pré-montagem
seria feita e, posteriormente, seriam desenvolvidas as etapas da funda-
ção das bases de ixação (IRENA, 2019c). Várias outras possibilidades de
inovações são possíveis para o aproveitamento da energia eólica offshore.
A Figura 5.6, reproduzida do relatório Future of Wind (IRENA, 2019c),
relativiza a importância de cada uma delas, identi icando uma expectativa
temporal de comercialização. No topo das prioridades, está a nova gera-
ção de turbinas, seguida das fundações lutuantes.

5.5 Tecnologias Facilitadoras (Enabling Technologies)

Tecnologias ditas facilitadoras são soluções e inovações tecnológicas para


facilitar e acelerar a integração de maiores níveis de penetração das fontes
renováveis intermitentes ao sistema elétrico. Tais tecnologias são geralmente
ligadas à digitalização e ao armazenamento de energia, incluindo redes
inteligentes, Internet das coisas, uso de mega dados e inteligência arti icial,
Blockchain, que devem ser acopladas a mudanças não tecnológicas, como
novos modelo de negócios, de designs de mercado e de operação do sistema,
resultando no que pode ser chamada de inovação sistêmica (IRENA, 2019d).
Várias das inovações não tecnológicas já fazem parte do escopo da
pesquisa do Projeto IRIS, com destaque para o desenvolvimento de ferra-
mentas avançadas de previsão de geração das renováveis variáveis, além
do aumento da granularidade temporal e espacial dos mercados de ener-
gia elétrica e a possibilidade de desenvolvimento de mercados regionais.
Outras inovações, não trabalhadas no Projeto IRIS, incluem o uso de arma-
zenamento de energia entre dois extremos de uma linha congestionada,
criando linhas virtuais, e a variação da capacidade de transmissão de linhas
em função de condições meteorológicas – Dynamic line rating (DLR). Entre
os novos designs de mercado propostos, estão a adequada remuneração de
serviços ancilares inovadores, como a capacidade de resposta rápida e de
ramping, as tarifas de energia variáveis temporalmente, tipo tempo de uso,
com ou sem automação, e a participação dos recursos energéticos distri-
buídos no mercado atacado, através de agregadores, etc. (IRENA, 2019d).

96 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


Entre as tecnologias propriamente ditas, estão as baterias, sejam em
grande escala, sejam as de aplicação pelo consumidor, após o medidor,
além das estações de carregamento para carros elétricos.
No caso das baterias em escala de concessionária, o mercado é domi-
nado pelas baterias de íons de lítio, com mais de 90% do mercado. A tec-
nologia fornece serviços de regulação de frequência, garantia de capa-
cidade irme, deslocamento de carga, serviços ancilares, postergação de
investimentos de transmissão e distribuição. Um projeto emblemático
continua sendo a instalação de 100 MW/129 MWh, desenvolvida pela
Tesla e instalada na Fazenda Eólica de Hornsdale, na Austrália (Hornsdale
Power Reserve, 2017), já estando prevista uma expansão de 50 MW/64,5
MWh. O projeto buscou irmar a capacidade e regular a frequência. Em
novembro de 2018, a California Public Utilities Commission aprovou a
realização de quatro projetos de armazenamento para a PG&E totalizando
567,5 MW/2.270 MWh, incluindo um projeto de 300 MW/1.200 MWh.
As estações de armazenamento substituirão três plantas de geração a gás
que serão desativadas (Bade, 2018). Em julho de 2019, a AES anunciou
uma estação de 100 MW/400 MWh, que também poderia ser ampliada
para 300 MW (Hering, 2019). Além do desenvolvimento de outras tec-
nologias de armazenamento, busca-se aperfeiçoar softwares de gerencia-
mento para possibilitar o controle local através de algoritmos de carga e
descarga (IRENA, 2019e).
No segundo caso, além das baterias de íons de lítio, as de chumbo-á-
cido têm expressão nesse mercado, com várias outras tecnologias em pes-
quisa na busca de custos mais competitivos, como as baterias de luxo e sal
fundido. Os medidores inteligentes são um componente básico que, junto
com a comunicação em tempo real, são requisitos fundamentais para a dis-
seminação desse tipo de armazenamento (IRENA, 2019f).
Entrelaçados no processo de digitalização do setor elétrico, particu-
larmente para permitir altos níveis de penetração das fontes renováveis
intermitentes, estão os três seguintes grupos de tecnologias digitais: (i)
Internet das Coisas IoT, (ii) inteligência arti icial AI e mega dados (iii) blo-
ckchain. A IoT, através de equipamentos inteligentes, permite a geração de
dados granulares e a ação remota; a AI permite a tomada de decisões atra-
vés de uma análise de dados automatizada, fazendo uso de softwares com
mecanismos de aprendizagem e tomada de decisão e o blockchain abre

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 97


espaço para transações e execução de contratos, dentro de novos modelos
de negócios. No caso da geração de grandes blocos, a digitalização é fun-
damental para a previsão do recurso renovável, a automação do controle e
a operação otimizada do mercado (IRENA, 2019g). Obviamente, a digitali-
zação impõe alguns desa ios, como a privacidade dos dados e a segurança
cibernética do sistema.
Outra tecnologia facilitadora, que também vai além do escopo dessa
pesquisa, mas que é fundamental para a massi icação das FRIs, são as
super redes em corrente contínua, particularmente no caso das eólicas
offshore, e o aumento da lexibilidade dos geradores térmicos convencio-
nais (IRENA, 2019d).

5.6 Comentários Finais

O avanço tecnológico já alcançando e as políticas de incentivo, sobretudo


baseadas na necessidade de reduzir o impacto ambiental das fontes fós-
seis, resultaram em uma diminuição de 77% do custo da energia elétrica
de origem solar fotovoltaica e 22% da eólica, em menos de uma década, e
as perspectivas para o futuro são ainda maiores.
Novos avanços tecnológicos são previstos, em particular, na e iciência
do aproveitamento do recurso solar e no crescimento dos diâmetros dos
rotores dos aerogeradores. Além disso, na e iciência de equipamentos de
eletrônica de potência, a exemplo dos inversores, além da digitalização,
incorporando IoT, mega dados e inteligência arti icial. Tais avanços irão
permitir um dos grandes desa ios para as fontes intermitentes que é a
previsão mais precisa e para intervalos de tempo cada vez maiores, pro-
vendo mais lexibilidade e reduzindo a incerteza na operação do sistema
elétrico com maiores níveis de penetração das fontes intermitentes.
O relatório Innovation Landscape for a Renewable-Powered Future:
Solutions To Integrate Variable Renewables (IRENA, 2019d), citado várias
vezes ao longo desse capítulo, identi ica diversas inovações, tecnológicas
e não tecnológicas, produzindo o que chama de soluções sistêmicas. Uma
das mais relevantes, pelo seu baixo custo de infraestrutura e tecnologia,
é o moderado desa io não tecnológico e, também, o moderado potencial
de aumentar a lexibilidade do sistema, a redução da incerteza da geração
com FRIs através da previsão avançada do tempo, fazendo uso de com-

98 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


putação baseada em nuvem e AI. Ainda segundo o relatório, os níveis de
erro de 3% a 6% da capacidade nominal, para uma hora à frente, e de
6% a 8%, para um dia à frente, poderiam ser trabalhados com mais pre-
cisão em um intervalo de duas a seis horas, impactando as necessidades
de lexibilidade em um horizonte de tempo de minutos a uma semana.
Nesse sentido, o Projeto IRIS procura dar uma contribuição para o caso
do Brasil, que tem a peculiaridade de grandes reservatórios hidrelétricos.

Referências
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batteries. 2018. Disponível em: https://www.utilitydive.com/news/storage-will-replace-3-cali-
fornia-gas-plants-as-pge-nabs-approval-for-worl/541870/. Acesso em: 20 nov. 2019. Publicado
em 2018.
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https://www.canalenergia.com.br/especiais/53101848/bwp-2019-ventos-favoraveis-para-a-
-expansao-eolica. Acesso em: 20 nov. 2019. Publicado em 2019.
DELINE, Chris et al. Bifacial PV System performance: separating fact from iction. 2019. Disponível
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DREAMWIND. Disponível em: http://www.dreamwind.dk/en/about/. Acesso em: 20 nov. 2019.
EQUINOR. Equinor — the world’s leading loating offshore wind developer. 2019. Disponível em:
https://www.equinor.com/en/what-we-do/hywind-where-the-wind-takes-us.html. Acesso em:
20 nov. 2019. Publicado em 2019.
FELDMAN, David; MARGOLIS, Robert. Q42018/Q1 2019 Solar Industry Update. 2019. Disponível
em: https://www.nrel.gov/docs/fy19osti/73992.pdf. Acesso em: 20 nov. 2019. Publicado em
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FRAUNHOFER ISE. Photovoltaics Report. 2019. Disponível em: https://www.ise.fraunhofer.de/
content/dam/ise/de/documents/publications/studies/Photovoltaics-Report.pdf. Acesso em:
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Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 99


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100 Razões da Expansão Massiva das Fontes Renováveis Intermitentes – A Dimensão...


IMPACTOS ECONÔMICOS
6
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

No ilme Forest Gump, o personagem principal conta na cerimônia de seu


casamento de forma naive que icou rico graças ao investimento que seu
sócio, o capitão Dan Taylor, fez em ações de uma companhia de frutas, o
que agregou muito valor para a carteira de investimentos deles. Na ver-
dade, a empresa de frutas era a Apple Inc., empresa de alta tecnologia que
todos conhecem. O importante neste exemplo é que um único ativo acres-
centado na carteira alterou seu status de performance.
Hipoteticamente, a decisão de agregar uma nova ação a uma carteira
de investimento afeta todo o equilíbrio de rentabilidade e de riscos associa-
dos. O tema tem sido exaustivamente estudado em inanças e, já há algum
tempo, extrapolou a engenharia inanceira. O assunto ganhou importância
e passou a compor a análise de múltiplos processos de decisão pela avalia-
ção conjunta de rentabilidade e riscos de uma carteira (Teoria de Portfólio
de Harry Markowitz (1952), que lhe rendeu o prêmio Nobel de Ciências
Econômicas de 1990). O próprio setor de energia, em suas análises, vem se
valendo dessa teoria com muita frequência, podendo serem citados alguns
poucos exemplos entre ampla literatura no tema, como Bar-Lev e Katz
(1976), Drake e Hubacek (2007), Gunn (2012) e Miguel (2016).
A indústria de eletricidade, em especial o segmento de geração nada
mais é do que uma carteira de opções de usinas de diferentes fontes de
energia que possuem distintos atributos (de qualidade, de riscos, inclu-
sive, os ambientais e de preços) que, no seu conjunto, devem produzir uma
combinação de um risco adequado e custos aceitáveis para a sociedade
que organizou essa “carteira de ativos”. Ocorre que, mais recentemente,
esse portfólio vem sofrendo alterações signi icativas na sua composição
pela inclusão crescente de opções de geração com fontes renováveis e
intermitentes - FRIs, mais concentradamente as fontes eólicas e de gera-
ção solar fotovoltaica.
À semelhança de uma carteira de investimento, há que se pergun-
tar se a alteração das combinações usuais de usinas que compunham o
portfólio das usinas disponíveis para a geração de eletricidade produz
efeitos positivos. Esse capítulo trata da análise dos impactos econômi-
cos que resultam das FRIs e de sua presença crescente nos mercados. O
problema é de grande complexidade e produz efeitos tanto no plano da
macroeconomia como na dimensão microeconômica. Esses ambientes em
transformação produzem transferências de renda que decorrem da cria-
ção de incentivos e subsídios, de novos modelos de negócios que aceleram
a oferta de sistemas de geração distribuída. Eles afetam os contribuintes,
os consumidores regulados e as empresas de distribuição de energia elé-
trica, além da alteração de preços e dos riscos associados.
Ainda na vertente dos custos de curto prazo, o capítulo aborda o cha-
mado Efeito de Ordem de Mérito (EOM), ou seja, a redução dos preços spot
que afetam a rentabilidade de usinas convencionais tornando mais di icul-
tosa a sua existência, embora estas continuem imprescindíveis para equili-
brar a intermitência, pelo menos no status tecnológico atual. Esse efeito é
um paradoxo, pois a presença de preços muito baixos, que podem ser nega-
tivos, afeta o risco de toda uma cadeia de infraestrutura convencional.
A existência de preços negativos produz efeitos que podem ultrapas-
sar fronteiras e afetar mercados de eletricidade em países vizinhos, carac-
terizando a dimensão macroeconômica desses fenômenos (Pham, 2019).
Ainda na dimensão da macroeconomia, esses preços negativos transbor-
dam da indústria de eletricidade para o segmento de energéticos fósseis,
produzindo o efeito conhecido como green paradox, que será abordado,
em maior detalhe, em seção subsequente.
Nesse ambiente complexo, o desenvolvimento tecnológico e novos requi-
sitos ambientais propiciam a expansão crescente de oferta das FRIs. Contudo,
acabam exigindo que o Estado Regulador seja interveniente para arbitrar e
in luenciar os custos e riscos que afetam a indústria de energia elétrica con i-
gurada com características de investimentos de maturação longa.

102 Impactos Econômicos


6.1 Formação de preços de curto prazo

Por diferentes modelos, usualmente competitivos, os Operadores


Independentes de Sistemas Elétricos16 (ISOs) de inem um sistema de
ofertas dos distintos agentes para atendimento em um prazo futuro (com
frequência para o dia seguinte). Essas ofertas são organizadas na ordem
dos preços mais baixos para os preços mais altos e, quando a demanda
estimada é satisfeita, de ine-se o preço spot ou custo marginal de opera-
ção. Todos os ofertantes são remunerados por esse valor, mesmo que sua
oferta tenha sido inferior a esse preço de equilíbrio.
A Figura 6.1 exempli ica de forma qualitativa esse processo. Os
“degraus” da curva de oferta representam as ofertas de diferentes usinas
com preços e quantidades também diferentes, de acordo com a disponibi-
lidade e interesse de cada empreendimento.

Figura 6.1 Formação do Custo Marginal de Operação



 *DV

&RDO

1XNH
 '
+\GUR



         4
Fonte: Almeida Prado Jr., 2020.

Já a Figura 6.2, também de forma qualitativa, evidencia como a pre-


sença de FRIs (nesse caso, a fonte eólica) desloca o preço de equilíbrio
para valores menores do que ocorreriam sem a presença dessas fontes de
baixo custo operacional.

16
ISOs – no acrônimo na língua inglesa, são mais bem detalhados no Capítulo 7.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 103


Figura 6.2 Formação do Custo Marginal de Operação com presença de FRIs


*DV

&RDO



1XNH
'

:LQG +\GUR

4
Fonte: Almeida Prado Jr., 2020.

6.2 Efeito Ordem de Mérito

Como é fácil perceber, as FRIs afetam os preços de equilíbrio entre oferta


e demanda e reduzem a receita das fontes tradicionais, com as consequ-
ências mais diversas. A este fenômeno denomina-se EOM, tema que tem
sido muito estudado e considerado como obstáculo para o atingimento de
metas ousadas de penetração das fontes intermitentes.
Para citar alguns poucos exemplos de estudos dos efeitos de ordem
de mérito, podem ser elencados: Sensfuβ et al. (2008), Bode e Groscurth
(2011), Traber e Kemfert (2011), Cuttler et al. (2011), Green e Vasilakos
(2011), Woo et al. (2013), O’Flaherty et al. (2014), Hirth (2015), Badyda e
Dylick (2017), Li (2017), Bruce et al. (2018) e Alsaedi et al. (2020), entre
centenas de outros artigos publicados em revistas de elevado impacto ou
teses de doutoramento.
No relatório da PSR, Energy Report de novembro de 2018 (PSR, 2018),
os analistas dessa empresa identi icam que as FRIs, inicialmente caracteri-
zadas como energias exóticas e que se tornaram “complementares” e con-
temporaneamente, estão se caracterizando como as alternativas dominan-
tes da expansão em muitos países, inclusive no Brasil.
Quanto de expansão seria possível, dado que a intermitência irá reque-
rer uma operação mais complexa, exigindo reservas operantes e serviços
ancilares complexos?17 Uma revisão da literatura costuma indicar limites

17
Essa discussão está detalhada no Capítulo 7.

104 Impactos Econômicos


que variam de 20% a 30% do total de capacidade instalada como um limite
ísico e econômico da penetração das FRIs (Almeida Prado Jr., 2020).
No entanto, essa expansão é marcada por várias controvérsias, como
por exemplo, se elas ainda necessitariam de incentivos econômicos (tarifas
Feed in – TFIs – ou sistemas de compensação líquida – Net Metering – NM)
para continuarem esse crescimento notável ou se o nível de competitivi-
dade alcançado prescindiria de novos regulamentos incentivadores. Entre
os autores que questionam a manutenção dos incentivos, pode-se desta-
car Bode e Groscurth (2011), que acrescentam em sua análise aspectos dos
custos relativos das permissões de emissões de carbono, as quais poderiam
mascarar a necessidade da manutenção de tais incentivos para as FRIs.
O artigo de Sensfuβ et al. (2008) apresenta que, em uma análise
realizada com dados do mercado alemão de 2006, a queda do preço spot
registrado no período estudado, associado aos volumes de energia conta-
bilizados com esses preços mais reduzidos, equivale ao subsídio propor-
cionado por políticas públicas em termos econômicos. Dessa forma, os
subsídios empregados pelas ações governamentais foram compensados
por economias produzidas pelo EOM. Claro está que alguns agentes paga-
ram mais do que deveriam em função da ausência dessas políticas públi-
cas, como por exemplo clientes residenciais. Já consumidores industriais
tiveram oportunidade de adquirir energia nos mercados competitivos a
preços afetados em sua modicidade pela redução do preço spot. Tudo se
passa, segundo esses autores (Sensfuβ et al. 2008), como se os subsídios
fossem pagos na média da economia alemã por meio da redução da renda
das térmicas tradicionais, atenuando a percepção pública de que os sub-
sídios são muito elevados.
Esse efeito de redução dos preços no segmento de usinas tradicionais
faz com que elas passem a operar com fatores de carga menores, o que vai
privilegiar a competitividade entre as térmicas para aquelas usinas com
menor custo de capital, que são em princípio aquelas mais poluentes18
(Green e Vasilakos, 2011). Essa conclusão mostra a transversalidade que
o EOM pode promover.
Entre os vários estudos citados sobre o EOM, destaca-se o de Bruce
et al. (2018), que registra que as múltiplas pesquisas podem divergir

18
Usinas de ciclo aberto, podendo mesmo atingir usinas que se utilizam de diesel.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 105


sobre a intensidade com que os preços declinam pela penetração das FRIs
(O’Flaherty et al., 2014; Woo et al., 2013) ou mesmo pela inexistência
desse declínio em algumas regiões (Li, 2018). Não foram encontradas, no
entanto, referências que indicassem que a presença das FRIs eleva os pre-
ços spot (Bruce et al., 2018). A caracterização de que a presença de FRIs
reduz os preços é tão marcante nas pesquisas que já existem referências
a trabalhos cientí icos que invertem essa lógica e identi icam que, quando
o recurso natural provido pelo regime de ventos está ausente, os preços
se elevam, como citado por Badyda e Dylik (2017), que estudaram este
efeito na Polônia, Reino Unido, França e Itália. O mesmo enfoque também
foi alvo de registro por Green e Vasilakos (2011).
O efeito de redução dos preços de curto prazo que tem sido levantado
como obstáculo para a viabilidade econômica das usinas tradicionais, no
entanto, parece ainda não ter reduzido a oferta dessas alternativas, como
registram Green e Vasilakos (2011).
Esse efeito, manutenção da oferta tradicional (mesmo com menor ren-
tabilidade), pode ser explicado pela percepção de que o EOM também pode
provocar outros efeitos cíclicos nas térmicas tradicionais já em operação,
que optem por reagir à diminuição de preços do spot, também reduzindo
sua rentabilidade almejada. Percepção relevante, em especial, para aque-
las usinas em que existam contratos de longo prazo com combustíveis com
cláusulas de take or pay (Foster et al., 2017 e Johnson e Oliver, 2019). Cabe
registrar ainda que, no médio e longo prazo, essa situação possa se alterar
pela previsível exigência dos investidores por melhores taxas de retorno.
Esse efeito não é perceptível no curto prazo por conta da relativa longa
maturação de projetos que se encontram em desenvolvimento e já além do
ponto de não retorno (Sensfuβ et al., 2008).
O efeito de redução de preços não pode ser con irmado em relação
aos preços regulados para consumidores cativos em razão da existên-
cia de subsídios cruzados e do tratamento que alguns governos utilizam
para minorar as questões relativas a custos afundados (stranded costs).
Particularmente importante nessa discussão está o fato de que os custos
dessas FRIs vêm caindo, mas, mesmo assim, existem em muitos países
registros de aumentos expressivos de tarifas por conta das políticas de
incentivos e subsídios. Esse último fato vem sendo utilizado como tese de
oposicionistas à rápida expansão das FRIs.

106 Impactos Econômicos


Entre muitas referências nesse entendimento, pode-se citar as múltiplas
publicações19 da homepage www.stopthesethings.com e o texto de dis-
cussão da consultoria inanceira FINADVICE (Poser et al., 2014). A referên-
cia de Poser et al. (2014) opina que os formadores de políticas públicas na
Alemanha subestimaram o custo dos subsídios das FRIs no país, que segundo
a publicação chegaria a 680 bilhões de Euros até 2022. Informa ainda que as
tarifas residenciais duplicaram entre 2000 e 2013 na Alemanha e também
dobraram de valor entre 2004 e 2013 na Espanha e na Grécia. Poser et al.
(2014) ainda registram impactos importantes no mercado das empresas
geradoras devido ao EOM, pois em 2008 o preço médio do spot no mercado
alemão foi de 90/95 € /MWh, enquanto esse valor caiu para apenas 37 € /
MWh em 2013. Como consequência, o valor de mercado das empresas gera-
doras na Alemanha sofreu redução da ordem de 45% entre 2010 e 2013.
A literatura registra que o principal fator de in luência nos preços
de curto prazo (preços spot) ainda é determinado predominantemente
pela demanda20, enquanto o segundo fator já é representado pela geração
das FRIs, inclusive sendo esta fundamental para o surgimento dos pre-
ços negativos. A Figura 6.3, reproduzida de Ziel et al. (2014), apresenta a
importância da demanda (carga) representada pela volatilidade dos pre-
ços ao longo dos dias da semana.
À medida que as FRIs se expandem, quer seja pela redução do custo
dos equipamentos, quer seja por razões ambientais ou ainda pela existên-
cia de incentivos, considerando-se que tais fontes são não despacháveis, em
muitos momentos, os custos marginais de operação caem de forma intensa,
podendo ainda serem registrados preços negativos. Por exemplo, em deter-
minado dia de julho de 2015, apenas as fontes eólicas foram responsáveis
pela geração de 140% da demanda registrada na Dinamarca (Amelang e
Appunn, 2018). Em 1 de janeiro de 2018, na busca de um fato marcante para
dar ênfase às políticas de governo relacionadas com energia, a Alemanha
registrou às 6 horas da manhã, pela primeira vez em sua história, um aten-
dimento ao mercado proveniente em 100% de ofertas de FRIs (Amelang e
Appunn, 2018). Embora estes sejam eventos pontuais, exempli icam a pre-
sença marcante das FRIs nesse processo de formação de preços spot.

19
Foram selecionadas duas publicações a título de exemplo na lista de referências (Stop
these things, 2014 e Stop these things, 2017).
20
Deve-se observar que a demanda é um fator exógeno perante a indústria de geração.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 107


Figura 6.3 Efeito da demanda na formação dos preços de curto prazo










                       
0RQ 7XH :HG
7KX )UL 6DW 6XQ
Fonte: Ziel et al., 2014.

A Figura 6.4 indica a curva de duração de preços em um intervalo de


30 minutos para um período de dois anos no Mercado South Australian
AS, apresentada por Cuttler et al. (2011). Nessa igura, evidencia-se que
a permanência de preços muito elevados é baixa, o que referenda a aná-
lise de que a renda dos investidores em usinas convencionais tende a ser
reduzida, pois preços atrativos têm baixa duração.

Figura 6.4 Curva de duração de preço – South Australian




 
6$WRWDOGHPDQG>0:@
6$SULFH>0:K@









 
       
5DQNHGPLQLQWHUYDOVRYHUWKHVWXG\SHULRG
6$SULFH 6$WRWDOGHPDQG 0RYLQJZLQGRZDYJH

Fonte: Cuttler et al., 2011.

108 Impactos Econômicos


Já a Figura 6.5, reproduzida de Milligan et al. (2009), mostra a redu-
ção do preço spot no sistema PJM no nordeste dos EUA, à medida que
cresce a penetração das usinas eólicas.

Figura 6.5 Penetração de usinas eólicas no PJM e redução de preços spot





(OHFWULFLW\SULFH 0ZK
















      
:LQGSRZHUSHQHWUDWLRQ
Fonte Milligan et al., 2009.

6.3 Preços negativos

Caracterização de ocorrência

Embora preços negativos sejam muito raros na economia, eles podem ser
associados aos custos decorrentes da necessidade de estocagem de um
produto que não tenha demanda em determinado período e cuja produ-
ção não possa ser interrompida (Ambec e Crampes, 2017). Em abril de
2020, os preços de contratos futuros de petróleo para entrega em maio
do mesmo ano atingiram, pela primeira vez na história, preços negativos.
Esse fenômeno ocorreu basicamente pela incapacidade de os agentes
estocarem o produto face à redução da demanda provocada pela pande-
mia de COVID-19, o que ocasionou uma derrubada dos preços no afã de
zerar os compromissos (MegaWhat, 2020). A história econômica ainda
registra paradigmas que podem ser associados a esses custos negativos,
como a destruição de produtos para evitar sua depreciação no mercado.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 109


Por exemplo, na crise dos anos 30 no século passado, o Governo Vargas
queimava estoques de café, visando equilibrar o preço adequado ao
mercado.
Embora no Brasil existam limites inferiores e superiores para a de i-
nição dos preços do mercado de curto prazo estabelecidos por regulamen-
tos, isso não representa o Estado da Arte da operação de sistemas elétricos
mundo afora. A não existência desses limites, em diversos países, permite
desde valores muito elevados, como aqueles que acontecem em regimes
de racionamento21, a preços negativos, em situações de baixa demanda e
oferta abundante de usinas não despacháveis ou das in lexíveis.
As primeiras experiências com preços negativos foram desenvolvidas
também na Alemanha em 2007 e, em 2008, esse procedimento foi replicado
para o mercado regional Alemanha/Áustria. (Amelang e Appunn, 2018). A
partir daí, essa metodologia passou a ser adotada por muitos países.
Cabe o registro que, no Reino Unido, o mínimo preço para operações
intra-day é zero; no entanto, ofertas por preço na categoria day ahead
podem alcançar até 400 libras negativas (Barbour et al., 2014). A Federação
Europeia de Comercializadores de Energia (EFET, 2017) defende, com
ênfase, que não devem existir limites e que os preços devem re letir a
escassez do sistema em situações de alta demanda, bem como o valor do
“desligamento” de algumas fontes por excesso de oferta, sinalizando essa
situação inclusive com preços negativos. Em memorando interno, essa enti-
dade defende a necessidade de harmonização de eventuais limites para os
diversos países da Comunidade Econômica Europeia para:
• Mercados day ahead variando de (-) 500 até (+) 3.000 € /MWh.
• Mercados intra-day variando entre (-) 9.999 até (+) 9.9999 € / MWh.

No mesmo memorando, a EFET (2017) defende que os agentes são


instados a tomarem as melhores decisões com base no preço e que a
inserção crescente das FRIs somente vai aumentar essa importância.
Em 29 de outubro de 2017, com a ocorrência de ventos muito
intensos e uma excepcional baixa demanda por energia, o preço spot
na Alemanha, durante algumas horas, atingiu o elevado valor de € -52/
MWh (Amelang e Appunn, 2018). Outras ocorrências de monta já foram

21
Esses impactos de preços muito altos não serão objeto de análise nesse texto.

110 Impactos Econômicos


registradas na Dinamarca, Áustria, Bélgica, França, Reino Unido, Suíça,
Canadá,22 Austrália, EUA23 e em mercados regionais como o NordPool
(Amelang e Appunn, 2018, Barbour et al., 2014, Davis, 2017; Ambec e
Crampes, 2017). Ambec e Crampes (2017) também relatam ocorrências
de valores tão baixos como (-) € 200/MWh, em junho de 2013, na França.
Um efeito, que era citado como mera curiosidade, tem sido cada vez
mais frequente. Segundo Starn (2018) e Davis (2017), cada vez mais essa
situação tem suplantado 100 a 150 horas/ano,24 enquanto Götz et al.
(2014) estimam que essas ocorrências poderão suplantar 1.000 h/ano,
em 2022, na Alemanha. Davis (2017) relata que, em 2017, a Califórnia
teve preços negativos em 130 h do ano.
Na Alemanha, não só essas ocorrências estão icando mais frequentes
como os preços negativos, em média, têm sido mais signi icativos. Por exem-
plo, cresceram de um valor médio de € (-)17,8/MWh, em 2016, para € (-)
26,5/MWh (Amelang e Appunn, 2018). Esse fenômeno afeta o equilíbrio dos
preços de intercâmbio da Alemanha e países vizinhos, sendo que, em 2017,
os preços médios de exportação foram de € 34,5 /MWh, mas os de importa-
ção € 36,5 MWh, o que, na média, representou um prejuízo de € 40 milhões.
Os autores Ambec e Crampes (2017) questionam se a maior frequên-
cia de preços negativos seriam um sinal de que a oferta de FRIs está maior
do que a razoabilidade indicaria. Eles também discutem as oportunidades
para a economia em geral, para aqueles usuários de energia que podem,
dentro de certos limites, arbitrar a oportunidade de seu uso. Por exemplo,
operadores de saneamento que podem bombear seus estoques de água e
esgotos em momentos de preços baixos (eventualmente negativos).
Deve ser registrado que a opinião de que tais ocorrências decor-
rem de um excesso de oferta das FRIs não é uma unanimidade entre os
estudiosos do assunto, podendo a causa decorrer da existência de fontes
in lexíveis (Amelang e Appunn, 2018) ou da oferta de hidrelétricas de io
d’água sem vertedouros, comumente existentes nos estados da Califórnia,
Oregon e Washington nos EUA (Davis, 2017). Davis (2017) ainda aponta
regulamentos ambientais que restringem o vertimento por conta da aera-

22
Na província de Ontario.
23
Na Califórnia existe maior evidência de exemplos.
24
Foram 146 horas em 2017 na Alemanha.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 111


ção da água a jusante de hidrelétricas, o que, por razões de segurança,
acabam por exigir a geração em momentos de excesso de água.
As Figuras 6.6 e 6.7, apresentadas por Amelang e Appunn (2018), indi-
cam de forma didática o efeito da demanda na formação dos preços negativos.

Figura 6.6 Preço de equilíbrio com alta demanda

%LGWRVHOO; 3RZHU
%LGWREX\;
0:KIRUKLJKHVW VXSSO\
0:KIRUKLJKHVW
SULFH; FXUYH
SULFH;
3ULFHLQ(XUR0:K

1DWXUDOJDV
+DUGFRDO
%LGWRVHOOEX\DWVDPH
ORZHVW SULFH;
0DUNHWFOHDULQJSULFH

/LJQLWH
1XFOHDU
5HQHZDEOHV

3RZHU
GHPDQG
(OHFWULFLW\LQ0:KK FXUYH

Fonte: Amelang e Appunn, 2018.

Assim dois fatores são fundamentais para o surgimento dos preços


negativos, a presença marcante das FRIs e a baixa demanda por eletrici-
dade associada à baixa lexibilidade das fontes convencionais para res-
tringir a oferta, como já apontado anteriormente. É preciso ainda consi-
derar que muitas dessas FRIs estão protegidas por incentivos contratuais,
legais ou regulatórios que impedem ou não incentivem sua interrupção.
A Tabela 6.1 apresenta, para o ano de 2012, a incidência de penetra-
ção das FRIs em relação à demanda média e em referência à demanda
mínima em países selecionados (KU Leuven Energy Institute, 2014).
Nesse último caso, o conceito de penetração ica evidentemente impor-
tante, pois é na combinação entre a oferta das intermitentes e demandas
de pequena monta que a ocorrência de preços negativos pode ser mais
provável. As informações disponíveis, datando de 2012, indicam que esse

112 Impactos Econômicos


conceito (penetração máxima) provavelmente se tornou mais acentuado
desde então. Cabe registrar que os dados da Espanha incluem, nas usinas
fotovoltaicas, 2 GW de usinas de concentração solar.

Figura 6.7 Preço de equilíbrio com baixa demanda


3ULFHLQ
(XUR0:K

%LGWRVHOO;
%LGWREX\;
0:KIRUKLJKHVW
0:KIRUKLJKHVW
SULFH; HJJDVILUHG
SULFH;
SRZHUSODQW
3RZHU
3RZHU VXSSO\
 GHPDQG FXUYH

1DWXUDOJDV
5HQHZDEOHV
FXUYH

+DUGFRDO
1XFOHDU
/LJQLWH
 (OHFWULFLW\LQ
0:KK

%LGWRVHOOEX\DWVDPH
ORZHVW SULFH;
0DUNHWFOHDULQJSULFH

Fonte: Amelang e Appunn, 2018.

Tabela 6.1 Penetração25 das FRIs em países selecionados (2012)


Usinas Eólicas Usinas Fotovoltaicas
Penetração %
Média Máximo Média Máximo
Dinamarca 30 200 0,0 19,0
Portugal 20,4 127,3 0,8 6,1
Espanha 18,2 126,6 4,3 34,5
Irlanda 15,6 100 0,0 N.D.
Alemanha 8,5 96,3 5,1 102,2
Itália 4,1 38,6 5,7 78,1
Bélgica 3,4 21,0 1,9 40,3
Fonte: KU Leuven Energy Institute, 2014.

25
Penetração é de inida como a relação entre a capacidade instalada e a demanda média
ou demanda mínima (neste caso resultando na penetração máxima).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 113


Além do excesso de oferta de eletricidade com usinas não despachá-
veis (na sua maior parte FRIs) associada a situações de baixa demanda,
há que se destacar a baixa lexibilidade de uma série de usinas conven-
cionais como as térmicas (em especial as de carvão) e as usinas nuclea-
res que podem demandar várias horas para seu ajuste. Por essa razão, na
ocorrência de preços negativos, é usual que eles perdurem por algumas
horas, minimamente de 3 a 4 horas, período que se convencionou deno-
minar Downward Adequacity, ou seja, a habilidade de um sistema se ade-
quar à baixa demanda frente à capacidade instalada (KU Leuven Energy
Institute, 2014).
Efeito dos preços negativos

Aparentemente, preços negativos poderiam ensejar vantagens para os


consumidores e prejuízo para os geradores. No entanto, nem sempre as
consequências seguem essas direções.
E possível que, na maior parte das vezes, um gerador seja impactado
negativamente pela existência de preços negativos, pois precisará “pagar”
para operar sua usina. Entretanto, em países onde existem mecanismos
de incentivo a FRIs, como por exemplo tarifas Feed in, geradores enqua-
drados nessa modalidade de contrato podem levar alguma vantagem de
mercado. Hipoteticamente, um mercado, no qual o gerador tem uma tarifa
Feed in de € 40/MWh acima do preço spot, pode ter incentivo em ofertar
(bid de preços na situação day ahead) um preço de € -10/MWh, aumen-
tando a probabilidade de que sua operação no dia seguinte seja incluída
no rol das usinas despachadas e assegurar uma renda de € 30/MWh.
De outra parte, consumidores podem não obter vantagens em vir-
tude de preços negativos, pois tarifas reguladas são baseadas, usual-
mente, em contratos de longa duração em que ocorrências circunstan-
ciais de algumas horas pouco irão afetar a conformação dos preços inais.
Consumidores que operem em mercados competitivos podem se valer de
vantagens dos preços negativos aumentando sua produção nesses horá-
rios ou realizando swaps de contratos de longo prazo por utilização de
energia a preços de spot. Embora ainda possa parecer pouco relevante,
operadores de energia que tenham condições de estocabilidade (baterias,
hidrelétricas reversíveis ou com reservatórios) podem arbitrar contra o
mercado spot. Com o avanço tecnológico das redes elétricas inteligentes,

114 Impactos Econômicos


facilitando a automação da operação e da resposta da demanda, e com os
avanços da tecnologia de armazenamento associada à ampliação de oferta
de FRIs que levem a uma maior frequência de ocorrência de preços nega-
tivos, tal qual previsto por Götz et al. (2014), essas possibilidades podem
vir a ter enorme importância.
Há que se perguntar por que as usinas, tendo que pagar para manter
sua operação ativa, preferem operar em vez de agilizar seu desligamento.
As razões podem ser múltiplas: (i) incapacidade de lexibilidade para alte-
rar o status quo da usina no período em que seja prevista a manutenção
dos preços negativos,26 (ii) por conta de obrigações assumidas no supri-
mento de serviços ancilares,27 (iii) obrigações assumidas em contratos de
suprimento de calor em sistemas de district heating e/ou contratos vin-
culados a serviços de cogeração, (iv) usinas com contratos de longo prazo
com preço preestabelecido e que não enfrentam custos extras de operar
de forma lat (por conta de condições especí icas desses contratos) podem
não ter incentivos necessários para reduzir sua geração,28 (v) na existên-
cia de tarifas Feed in, o prejuízo é suportado por algum fundo governa-
mental ou pelas tarifas reguladas, (vi) e, inalmente, porque podem existir
condicionantes de contrato com condições self dealing, em que um even-
tual prejuízo de uma parte da cadeia produtiva é compensado pelos lucros
de outra parte do mesmo acionista.
Cabe registrar que os efeitos não se restringem aqueles de ordem
microeconômica, mas que podem ter extrapolações macroeconômicas.
Para exempli icar esse efeito, pode-se reportar ao fato que os preços nega-
tivos produzem na exportação de energia (uma espécie de risco de sub-
mercado extrapolado para diferentes países).
A Tabela 6.2, reproduzida de Morris (2018), evidencia não só a depen-
dência de importação de energia de alguns países como as vantagens
econômicas de arbitragem que alguns países como a França e a Suécia se

26
Algumas usinas levariam um intervalo de tempo tal, que quando fosse atingido o desli-
gamento, os preços voltariam aos seus patamares de normalidade e demandariam uma
operação reversa e custosa, não só pelo gasto de combustível adicional nos ramp-up (ou
ramp-down) como pelo desgaste adicional dos equipamentos.
27
Este desa io vai exigir maior habilidade dessas usinas convencionais em preci icar seus
mercados de serviços ancilares.
28
Evidentemente, nessa condição, deixam de ter capacidade de arbitragem caso pudes-
sem ser ágeis no desligamento.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 115


valem. A Dinamarca, país com grande oferta de FRIs (em especial eólicas),
acaba exportando seus excedentes por preços inferiores às suas necessi-
dades de importação.

Tabela 6.2 Balanço entre preços de importação e exportação de energia


elétrica em países selecionados
Preço médio de exportação Preço médio de importação
Pais
Centavos de €/kWh Centavos de €/kWh
Dinamarca 2,44 3,39
França 3,56 3,45
Holanda 3,43 3,33
Áustria 3,48 3,95
Polônia 4,48 4,66
Suécia 2,36 2,30
Rep. Checa 4,24 4,35
Suíça 3,44 4,87
Média 3,52 3,70
Fonte: Morris, 2018.

Outra consequência macroeconômica ocorre na Alemanha e na


França, quando a ocorrência de preços negativos no primeiro país der-
ruba os preços no segundo, em virtude da interligação e intercâmbio
frequente entre os operadores dos dois sistemas elétricos (Göetz, 2017).
Tal ocorrência justi ica a argumentação de que opositores das FRIs (ou
oponentes da aplicação de incentivos econômicos a essas alternativas) se
valem, qual seja que o contribuinte alemão subsidia a energia na França.

6.4 Externalidades e transversalidades com o meio


ambiente e outros mercados

Embora as FRIs, sendo parte do despacho e dispondo de prioridade


decorrente do ranking de preços, tenham a capacidade de afetar os preços
spot, não se pode deixar de considerar que a presença importante dessas
alternativas decorreu (pelo menos no seu início) de políticas de incentivo
(Proinfa ou tarifas Feed in – TFIs, por exemplo) que representam um custo
para a sociedade. Se, de um lado, consumidores e comercializadores ope-

116 Impactos Econômicos


rando nos mercados competitivos acabam tendo vantagens com o EOM,
de outro, os consumidores com tarifas reguladas, em muitos países, pos-
suem tarifas mais elevadas por conta de subsídios cruzados.
Esse efeito exempli ica bem o conceito de externalidade, quando um
custo ou um bene ício29 afeta o bem-estar da sociedade sem, no entanto,
afetar os custos diretos da indústria. No trabalho desenvolvido pela
National Academies of Science, Engineering and Medicine (Cohon et al.,
2010), há uma série de referências sobre estudos a respeito de externali-
dades, desde os trabalhos pioneiros de Pigou (1920) até as contribuições
de Hohmeyer (1988), um dos primeiros autores a exempli icar os proble-
mas ambientais como externalidades a serem consideradas na indústria
de energia elétrica.
Na mesma obra, Cohon et al. (2010) chamam a atenção que as políti-
cas públicas que afetam as FRIs são ricas na incidência de externalidades.
No entanto, estas não são restritas à expansão da capacidade de geração.
Por exemplo, concessionárias de distribuição no Brasil, localizadas em
regiões mais pobres e distantes, tendem a ter tarifas mais elevadas por
conta de maiores quotas de subsídios para descontos destinados à classe
“baixa renda” e maiores custos com obras para universalização.
Os mercados de energia são também afetados pelas externalidades.
Por exemplo, a existência de tarifas Feed in leva a um aumento de oferta
de FRIs e, consequentemente, aumentam o EOM. Em trabalho recente,
Hildmann, Ulbig e Anderson (2015) identi icaram que, em muitos países,
o início da inserção incentivada das FRIs aconteceu de forma simultânea
com reformas de liberação dos mercados e, assim, os efeitos de formação
de preços, muitas vezes, são de difícil caracterização da dualidade de cau-
sas e efeitos.
Essas complexidades levam à necessidade de conceituação de dife-
rentes perspectivas, conforme o papel de cada agente, sendo claro que
todos esses posicionamentos funcionam como barreiras ou oposições à
expansão das FRIs.
A questão que afeta os produtores se concentra em como manter a
viabilidade de projetos convencionais em mercados com elevada partici-
pação de FRIs e, consequentemente, com potencial EOM. Uma das alterna-

29
As externalidades podem ser positivas ou negativas.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 117


tivas para equacionar esse problema é o desenvolvimento de um mercado
de capacidade, separando-se o “lastro” da energia transacionada, aspec-
tos amplamente estudados por Viana (2018).
Já o tema, que afeta principalmente entidades de classe de defesa dos
consumidores, se concentra em como evitar que políticas de incentivos
produzam uma elevação de tarifas reguladas de forma muito intensa.30
Cabe o registro, conforme apontado por Foster et al. (2017), que as
externalidades associadas aos EOM podem ter um efeito de transbordo da
indústria de energia para outras indústrias conexas, como por exemplo a
indústria de combustíveis.
Conforme esses autores explicam (Foster et al., 2017), à medida que
as FRIs conseguem as paridades de custo com as fontes convencionais,
em tese, elas não deveriam ter mais subsídios. Nessa ocasião, é provável
que ocorra uma reação competitiva dos preços das usinas convencionais
(térmicas, na sua maioria) em função da redução do preço spot. Essa
tendência pode não ser absoluta em todos os casos, pois uma eventual
queda de preços na busca da competição necessitaria da redução de
combustíveis fósseis que representam o maior custo operacional das
usinas tradicionais. Esses preços estão normalmente atrelados a outras
lógicas de mercado e eventualmente a outros regulamentos que in luen-
ciam sua formação.
O relatório da International Gas Union (2014) apresenta que, em pes-
quisa realizada com produtores em 2013, apenas 43% dos preços eram
formatados por processos competitivos, 19% por contratos atrelados ao
preço do petróleo, 33% por decisões governamentais e 5% por outros cri-
térios. Casos particulares são ainda afetados por contingências regionais,
por exemplo a alteração da ordem de mérito ocorrida em vários estados
americanos por conta do shale gas.
Deve-se considerar ainda que as UTEs continuarão a ser necessá-
rias para funcionar como salvaguardas operativas,31 assim, pode acon-
tecer que, em determinado nível de penetração das FRIs, essas usinas

30
Fica claro que os consumidores regulados, na verdade, inanciam a diferença de volume
transacionado com incentivos (TFIs, por exemplo) e aquele que ocorreria se tais incen-
tivos não existissem.
31
Pelo menos até que alternativas de armazenamento e resposta da demanda estejam
su icientemente estruturadas e com custos competitivos.

118 Impactos Econômicos


tradicionais sejam “valorizadas” ou, caso contrário, não surgirão novos
investimentos.
Dessa forma, seria possível esperar que contratos de longo prazo,
firmados por usinas tradicionais, precisem ser respeitados e que, ao
final dessas novas condições, devem ser repactuadas refletindo o EOM.
No entanto, a existência de EOM relevante pode também criar condi-
ções para que reinvindicações sejam feitas ainda na vigência dos con-
tratos, como uma espécie de compensação para uma nova tipologia de
stranded costs.
Considerações sobre impactos ambientais são usualmente utiliza-
das como exemplo de externalidades. A maior participação das FRIs no
mercado pode provocar o efeito conhecido como Paradoxo Verde (Green
Paradox). Foster et al. (2017) explicam que a perspectiva de redução da
demanda por combustíveis fósseis faria com que determinados produto-
res objetivassem o seu uso o mais rápido possível antes que as demandas
caiam ainda mais drasticamente ou que venham a ser criados mais obs-
táculos ao seu uso. Ou seja, iniciativas para reduzir as emissões poderiam
provocar um efeito rebote, aumentando-as, pelo menos, no curto prazo.

6.5 Espiral da Morte

As concessionárias de distribuição necessitam conviver com o risco


decorrente da chamada “Espiral da Morte”. Está é de inida como o efeito
de expansão das FRIs que leva ao excesso de capacidade dos sistemas de
distribuição (linhas, subestações e transformadores e recursos humanos
e infraestrutura para manutenção) e posterior necessidade de aumen-
tos reais de tarifas. Tais fatores, consequentemente, se transformam
em incentivo para maior penetração de FRIs, em especial, aquelas de
pequena escala, provocando um efeito autoalimentado. Esse con lito pode
ser resumido no subsídio que os “sem sistemas de pequena geração”: os
consumidores” acabam pagando para “quem tem os referidos sistemas:
os prosumidores”, produzindo um aumento de seus custos, o que amplia
o interesse pela aquisição desses sistemas de pequeno porte, em especial
módulos fotovoltaicos.
A Figura 6.8, reproduzida de Castaneda et al. (2017), apresenta de
forma didática este fenômeno.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 119


Figura 6.8 Diagrama da espiral da morte para as
concessionárias de distribuição
*HQHUDWLRQFKDUJH
5HWDLOFKDUJH
7UDQVPLVVLRQFKDUJH
2WKHUFKDUJH    
 5
(OHFWULFLW\WDULII 
39FRVW  'LVWULEXWLRQFKDUJH

5 6RODU39
FRVW 5
 
+RXVHKROGV·39DGRSWLRQ (OHFWULFLW\GHPDQGIURPWKHJULG


Fonte: Castaneda et al., 2017.

Castaneda et al. (2017), fazendo estudos no mercado colombiano,


identi icam que o sistema de tarifas pode chegar a um patamar insusten-
tável na metade da década de 30, com consequências para a con iabili-
dade do sistema. Os mesmos autores ainda identi icam que os sistemas de
Net Metering são mais propícios a alavancar esse potencial efeito negativo
no equilíbrio da indústria do que outros mecanismos de incentivo.
Castaneda et al. (2017) também identi icam uma forte vinculação
entre a concepção das tarifas (design tarifário) com a exigência de repar-
tição dos custos de transporte da energia intercambiada entre as conces-
sionárias e os prosumidores, ressaltando a importância crescente que a
regulação tem na expansão das FRIs.
Outros aspectos ainda podem ser considerados, como o prazo de vali-
dade de superávits de produção de energia para uso futuro, os aspectos
relacionados ao horário de produção e do consumo atrelados a patamares
de diferentes custos32 e, eventualmente, os regulamentos que estabeleçam
limites de aceitabilidade da expansão de novos sistemas incentivados.
Finalmente, Castaneda et al. (2017) identi icam a inexistência de
estudos que analisem os efeitos bené icos de usinas hidrelétricas para

32
Nesse caso, poderia ocorrer um efeito rebote, pois o acúmulo de consumo nos horá-
rios noturnos, que seriam preferenciais para os prosumidores de sistemas fotovoltaicos
(PV), podem deslocar os horários de ponta e, consequentemente, encarecer a energia
consumida, reduzindo as vantagens econômicas desses arranjos.

120 Impactos Econômicos


amenizar a penetração exacerbada da pequena geração distribuída, res-
saltando, no entanto, que esse efeito bené ico potencial apenas se aplica-
ria para usinas com reservatórios.

6.6 Conclusões

Os efeitos econômicos da expansão das FRIs, conforme analisados nas


seções precedentes, são intensos e de alta complexidade. Efeitos bené-
icos podem provocar ganhos no curto prazo para consumidores, mas,
segundo Pham e Lemoine (2015), tais ganhos não são su icientes para
inanciar os incentivos desenvolvidos para alavancar as FRIs. Ou seja, o
conjunto de benefícios produzidos para alguns seria inferior ao que foi
investido pela sociedade como um todo.
A complexidade de todas essas análises torna a decisão de qual é a
expansão ótima de FRIs para um determinado país cada vez mais di ícil
de ser alcançada. Hirth (2015) ensina que, embora essas condicionan-
tes sejam mutantes no tempo, a penetração ótima de FRIs dependerá da
infraestrutura existente, do marco regulatório instalado e dos custos rela-
tivos dos investimentos em cada uma das alternativas de geração. Hirth
(2015) observa ainda, que muitos desses custos são centralizados (por
exemplo, repasses do Tesouro para incentivos a fontes ambientalmente
amigáveis). Além disso, os bene ícios são descentralizados entre os agen-
tes de comercialização, o que torna ainda mais di ícil seu estudo de forma
objetiva e que não dependa sempre de hipóteses que podem direcionar
as conclusões.
Resumidamente, os impactos econômicos das FRIs produzem mui-
tos efeitos, como por exemplo: (i) redução dos preços do mercado spot;
(ii) maior volatilidade nos preços do mercado spot; (iii) transferência de
renda de geradores para o mercado; (iv) criação de argumentos desfavo-
ráveis a políticas de incentivo a FRIs.
Pode-se ainda acrescentar que, no Estado da Arte do conhecimento
atual, não existem evidências consensuais de que a renda perdida pelos
geradores sempre chegue para os consumidores inais.
Esses efeitos econômicos representam excelente exemplo do risco
que contratos muito longos baseados em premissas cada vez mais volá-
teis e instáveis icam expostos.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 121


Pode-se antever que uma ampliação de mercados desregulados per-
mitirá maior acesso dos consumidores de pequeno porte a preços afeta-
dos pelo EOM.
Não existem muitos estudos sobre o EOM no longo prazo,33 mas os
poucos que foram publicados consideram a possibilidade do efeito se
reduzir e mesmo se anular em prazos mais dilatados. Isso poderia ser
explicado pela ótica de que preços de longo prazo re litam mais as expec-
tativas dos agentes de mercado sobre os fundamentos da indústria de
energia nessa perspectiva longa.
Finalmente, pode-se concluir que a penetração ideal das FRIs depende
de condições endógenas da indústria (infraestrutura instalada, preços de
equipamentos, mercado consumidor e regulação), mas também de fato-
res exógenos, como a disponibilidade de recursos naturais, a existência de
produtos substitutos e as condições climáticas (inclusive regulamentos de
preservação ambiental exigíveis).

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33
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124 Impactos Econômicos


IMPACTOS OPERATIVOS
7
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

7.1 Introdução

No nascimento da indústria de energia elétrica, ocorreu uma disputa


conceitual, tecnológica e industrial envolvendo personalidades icônicas
do setor elétrico: Edison, Westinghouse e Tesla, frequentemente denomi-
nada como “A batalha das correntes”. Esse episódio descreve a disputa por
dois grupos econômicos em torno da tecnologia de fornecimento da ener-
gia elétrica, em que o Grupo Thomas Edison defendia a corrente contí-
nua com as fontes de geração próximas da carga, enquanto Westinghouse,
auxiliado por Tesla, defendia a corrente alternada e a geração de maior
porte situada onde fosse possível ou onde houvesse disponibilidade de
recursos naturais. Esse fato histórico é bastante romanceado, tendo sido
objeto de interesse de diversos autores e mesmo da indústria cinemato-
grá ica (Jonnes, 2003; Munson, 2005 e Mitnick e Gomez-Rejon, 2017).
Como se sabe, a alternativa da corrente alternada foi a vencedora, embora
a presença cada vez mais representativa da Geração Distribuída de
Pequeno Porte (GDPP), especialmente telhados fotovoltaicos, represente
uma espécie de renascer da alternativa de geração perto da carga.34
Essa escolha tecnológica formatou toda a concepção da indústria, tal
como é conhecida hoje. Mesmo que existam indicadores muito consisten-

34
Anedota frequente contada no setor elétrico trata da satisfação além tumulo de Edison,
que diria: “eu sabia que estava certo...”.
tes da expansão de pequenas unidades de geração perto da carga, durante
muitos anos, ainda irá persistir o modelo tradicional.
Nos primeiros anos da indústria, os ajustes para manter a estabili-
dade das interconexões pioneiras eram uma tarefa muito di ícil e com
necessidade de frequentes adequações entre os operadores de diferentes
usinas. Isso ocorria mesmo com os principais consumidores industriais35,
que acabavam sendo desligados em caso de problemas. Até meados dos
anos 1930, no século XX, os ajustes eram manuais e requeriam contatos
telefônicos frequentes entre os operadores, sendo a baixa qualidade e a
insegurança do fornecimento marcas desse processo. Essas di iculdades
eram ainda agravadas pelo fato de que não existia uma padronização da
frequência, cuja convergência para 60 Hz começou a se consolidar apenas
por volta de 1920 (Cohn, 2017).
A crise econômica que permeou a década de 1930, ainda no século
passado, curiosamente foi uma motivadora de avanços na busca de maior
con iabilidade. O presidente Roosevelt, envolvido com os graves proble-
mas econômicos e sociais nos EUA, tentava de todas as formas socor-
rer a economia e minimizar o desemprego. A criação da Federal Power
Commission (FPC), do Tennessee Valley Authority (TVA) e a implementa-
ção de um amplo plano de eletri icação rural aumentaram a demanda pela
necessidade de maiores controles. Em 1935, a FPC declarou que a con ia-
bilidade dos sistemas elétricos não era apenas um problema de engenha-
ria, mas sim uma questão econômica e social e, como tal, requeria todos os
esforços possíveis no seu equacionamento (Cohn, 2017).
A segunda guerra ampliou a necessidade de sistemas con iáveis em
decorrência da grande demanda de energia para os ins industriais reque-
ridos no esforço bélico. Nos anos 1950, a corrida tecnológica era no sen-
tido de automatizar os controles de carga e geração na busca de econo-
mias para as concessionárias (Early, 1953). Apenas no inal dos anos 50, o
North American Power System Interconnection Committee (NAPSIC) pas-
sou a considerar a possibilidade de interconexões que fossem estendidas
costa a costa (Cohn, 2017).

35
Essas iniciativas podem ser consideradas como ações de Respostas da Demanda, mesmo
sem serem estruturadas como tal.

126 Impactos Operativos


Em 1967, os sistemas interligados americanos (envolvendo algu-
mas regiões do Canadá) representavam 94% de todas as conexões. Parte
desse esforço de interligação foi muito incentivado pelo apagão de 9 de
novembro de 1965, que envolveu cerca de 30 milhões de pessoas, em uma
área de 200 mil km2, por 13 horas. Foi o primeiro acidente elétrico dessa
magnitude e acabou se tornando um referencial pelos prejuízos na eco-
nomia e na segurança das pessoas e das instituições. Cabe observar que
acidentes dessa monta ainda não tinham sido mapeados como possíveis.
Ainda segundo Cohn (2017), os especialistas em sistemas elétricos, até
então, não haviam antecipado que os grids elétricos poderiam ser sujeitos
a um efeito em cascata tão relevante. Muitos outros países e mesmo as
interconexões da América do Norte vivenciaram, posteriormente, outros
episódios de grandes desligamentos. Como exemplo relevante dos impac-
tos que esses acidentes podem causar na vida das pessoas e na economia,
pode-se citar o Grande Blackout da Índia de 2012, que durou mais de 48h
e envolveu 700 milhões de pessoas. O Brasil também teve experiências
com desligamentos massivos: em 1999, com 97 milhões de afetados; em
2009, com 67 milhões e, em 2014, envolvendo 12 milhões de pessoas
(Power Technology, 2015; Damé, 2014).
O preâmbulo desse capítulo explica as razões da crescente impor-
tância dos chamados Operadores Independentes dos Sistemas Elétricos
(ISOs)36 ou RTOs37, nas suas siglas na língua inglesa.

7.2 Razões da necessidade de entidades de coordenação


da operação de sistemas elétricos interligados

A necessidade da operação coordenada dos sistemas elétricos, como já


evidenciado, surge em decorrência de demandas técnicas não triviais,
que exigem as funções de operação e planejamento das redes interligadas
para permitir os acionamentos mais econômicos e seguros (con iáveis)
das usinas e das redes de distribuição e transmissão. Propiciam ainda
que o acesso ao sistema interligado não seja discriminatório, facilitando o
maior nível de competitividade possível.

36
Independent System Operator (ISO).
37
Regional Transmission Organization (RTO).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 127


O livre acesso das redes de Transmissão e Distribuição, além de exigir
a coordenação no curto prazo, sempre irá requerer arranjos que contem-
plem o médio e longo prazo. Essa é uma dimensão do problema que ainda
não havia surgido quando, em meados dos anos 1960, a interligação de
sistemas foi se consolidando como uma necessidade. Na oportunidade, as
concessionárias construíam as linhas para seu próprio uso e não se dedi-
cavam a avaliar um sistema de preços para sua disponibilização. Quem
se concentrará em planejar e construir linhas para a competição? Quais
são os preços justos? Quais são os direitos de quem constrói e de quem
pode vir a se tornar um acessante? Se as redes estiverem em controle
absoluto de poucos agentes, como isso afetaria a competitividade e como
evitar discriminações? Alternativamente, se as redes estiverem em pro-
priedade de múltiplos agentes, quem exercerá a coordenação de forma
neutra? Todas essas indagações podem ser encontradas no livro clássico
de Sally Hunt (2002) e servem de justi icativa econômica para a existência
de operadores independentes do sistema. Razões estas que transcendem
os aspectos elétricos e energéticos. As indagações de Hunt (2002) estão
ainda presentes na experiência vivenciada na Califórnia em 2001, quando
a Enron manipulou escandalosamente os preços, exercendo um poder de
mercado para o qual o regulador não estava devidamente preparado para
evitar (Mclean e Elkind, 2013).
Interessante notar que os gargalos de competitividade, apontados
por Hunt (2002), podem estar se alterando. A propriedade de ativos, que
representa o poder de mercado, está se modi icando e graças aos recursos
de contabilização e medição. A situação se inverte e o “entrante agregador
de GDPP”, sem custos ixos de investimentos em ativos, passa a dispor de
vantagens. O poder de mercado reside no livre acesso às redes, nos cus-
tos operativos e nas tarifas que se aplicam aos serviços providos de tais
ativos. Nessa de inição, as agências reguladoras passam a depender, cada
vez mais, da expertise dos operadores independentes para o equilíbrio
entre a competitividade e a segurança associada aos desa ios da expansão
dessas GDPPs.
O planejamento do “grid elétrico” ainda tem que conviver com a
obsolescência da infraestrutura. Essa constatação é explicitada por Bakke
(2016), exempli icando que, nos EUA, as linhas de transmissão, na média,
têm mais de 25 anos de idade e as usinas de geração, também em termos

128 Impactos Operativos


médios, mais de 35 anos. Esse desa io acaba sendo de responsabilidade
das ISOs/RTOs senão por determinações institucionais, por razões prá-
ticas da busca da segurança. Na mesma referência, Bakke (2016) conclui
que essas demandas não são apenas de tecnologia e investimentos, mas
de regras e leis que determinam os incentivos para promover a atualiza-
ção da infraestrutura na medida requerida.
Dessa forma, surge outra dimensão a ser considerada: o planejamento
da expansão. A priorização das FRIs como política pública, quando acon-
tece, precisa vir acompanhada de infraestrutura para fazer o atendimento
às novas demandas operativas que resultarão dessas escolhas. Essas polí-
ticas podem facilitar ou criar barreiras de entrada para investidores de
projetos renováveis e mesmo empreendimentos tradicionais, como as
usinas térmicas. Estas últimas são fundamentais para fazer o suprimento
de reservas, atuar na base do sistema ou de forma complementar. O cres-
cimento intenso das FRIs, não é demais repetir, provocou o surgimento
de projetos não despacháveis.38 Em que pesem essas características de
intermitência, as FRIs podem ser utilizadas para o atendimento às neces-
sidades energéticas e também ajudar em estratégias para modular a carga
e suprir serviços ancilares (FERC, 2018).
Ainda é possível que as entidades independentes sejam chamadas
a administrar os serviços ancilares, que resumidamente representam as
necessidades elétricas do sistema (não energéticas). Podem representar
ainda a existência de sistemas dedicados à supervisão e à comunicação,
permitindo a obtenção da estabilidade e da segurança operativa em sub-
-regiões afetadas por contingências pontuais do ponto de vista regional,
mas recorrentes na linha do tempo. A administração das medições de
fronteiras entre subsistemas, o intercâmbio de energia e potência entre
sistemas adjacentes e o planejamento de curto, médio ou longo prazo
também entram no rol de atribuições dessas entidades operativas.
O mesmo pode se aplicar em relação às decisões ligadas à segurança,
como bem exempli ica o caso brasileiro com a existência do Comitê de
Monitoramento do Setor Elétrico, que pode, de forma discricionária,

38
Usinas cujos recursos naturais acontecem sem nenhum vínculo com as necessidades da
demanda, podendo ocorrer geração em momentos onde não existam requisitos para sua
produção.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 129


estabelecer despachos operativos fora da ordem de mérito econômico
de forma superior às decisões do Operador Nacional Brasileiro. Assim,
podem existir serviços ancilares de ordem elétrica ou de ordem de segu-
rança. Seu estabelecimento e seu custeio39 estão no centro das atividades
dos operadores independentes.
A complexidade dos problemas com que se defrontam essas entida-
des ainda tende a ganhar corpo pela crescente importância que a energia
elétrica vem ganhando em todas as facetas da vida moderna, em que qual-
quer interrupção produz riscos ísicos e econômicos que passaram a não
ser aceitáveis para as sociedades contemporâneas. Isso se dá ainda pela
inserção crescente e acelerada das FRIs, que trazem com sua intermitên-
cia uma grande volatilidade de produção, ou, inalmente, pelas incertezas
sobre a produção de energia que sempre existiram nos aspectos tecno-
lógicos, climáticos e de comportamento da demanda.40 A atomização da
produção com milhares (em algum tempo serão milhões) de unidades de
GDPP com consumidores que alternam o papel de produtores, consumi-
dores e armazenadores tornam este quadro ainda mais complexo. Cabe
ainda o destaque de que os RTOs/ISOs mal iniciaram o enfrentamento
dessa expansão da GDPP e da futura in luência da mobilidade elétrica, que
ainda se encontra em fase inicial. A literatura sobre essas consequências
ainda é incipiente.
Para fazer frente a essas incertezas, resulta a necessidade de respos-
tas cada vez mais rápidas das decisões operativas. Sem as entidades inde-
pendentes, essa capacidade de resposta seria inviável. À parte das van-
tagens que possam ser encontradas na proliferação das FRIs, não existe
dúvida de que os sistemas se tornam cada vez mais complexos. Os prin-
cipais desa ios estão em uniformizar critérios técnicos e dar consistência
entre ISOs/RTOs adjacentes e mesmo entre todos os operadores de um
mesmo país, algo que está longe de ser alcançado.
O problema conceitual das RTOs/ISOs não só tem se revestido de
complexidade crescente (não é demais repetir), deixando de ser um pro-
blema simplesmente de atendimento a um equilíbrio de energia e potên-

39
O anexo apresenta um quadro geral da formação dos encargos dos sistemas no Brasil.
40
Sempre in luenciada de maneira decisiva pela dimensão econômica.

130 Impactos Operativos


cia, mas passando a atingir aspectos que perpassam a governança da
indústria elétrica e a própria conformação das políticas públicas.
Para melhor ilustrar essa dimensão das políticas públicas, pode-se
exempli icar com decisões a respeito da busca da competição (livre acesso,
transparência de regras, isonomia de tratamento), qualidade e segurança.
No Brasil, essa situação decorrente de volatilidade da capacidade
de produção (e de preços, por certo), na verdade, não é novidade, posto
que a base de geração hidráulica já representava uma realidade há várias
décadas. Cabe o registro do aumento dessa complexidade pela impossibi-
lidade de novas usinas hidrelétricas com capacidade de armazenamento
em reservatórios de armazenamento plurianual, em especial, por razões
de licenciamento ambiental.

7.3 Operadores Independentes - Visão Internacional

Operadores do sistema, segundo Hugee (2016), são entidades autônomas


responsáveis por garantir o livre acesso aos sistemas de transmissão, ope-
rando-os de forma independente dos agentes do mercado. Dessa forma,
contribuem para o aumento da competição entre esses agentes e, ao mesmo
tempo, para garantir a segurança e a con iabilidade do sistema elétrico (em
especial, sistemas de alta tensão). Em algumas situações, é possível que
existam operadores de sistema no nível de tensão de distribuição.
Em alguns países ou regiões, as atividades englobam atribuições a res-
peito da geração e da transmissão de forma conjunta (por exemplo, o ONS no
Brasil). Em outros, existem operadores de transmissão separados dos ope-
radores de geração ou, ainda, essas decisões ocorrem no nível das empresas
eventualmente com acordos operativos entre diferentes companhias.
Operadores Independentes de Transmissão são entidades respon-
sáveis por garantir a operação competitiva dos mercados atacadistas, a
administração das tarifas de transmissão, o livre acesso dos diferentes
agentes, o planejamento da expansão e o reforço dos sistemas de trans-
porte de energia (Hugee, 2016).
De forma característica, esses sistemas nasceram centralizados e
com poucos agentes. Entretanto, com o advento das FRIs (em especial,
aquelas de pequeno porte), esse contexto está mudando, pois os siste-
mas serão cada vez mais descentralizados, sendo o principal fato gerador

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 131


dessa transformação a evolução da tecnologia distribuída (ENA, 2018).
Essa transformação em curso está provocando a mudança de um modelo
de provedor de serviços de rede para grandes agentes (Network Service
Provider) para um de provedor de serviços de conexão aos consumidores
(Customer Connection Provider).
Muitas vezes, a igura do RTO pode se confundir com a igura dos ISOs
(nos acrônimos na língua inglesa). Em alguns países, como o Brasil, esse
tipo de entidade é único; em outros, como os EUA, pode haver diferenças
no papel tanto formal das entidades, quanto nas suas funções de operar
redes de transmissão que, inclusive, podem ser internacionais. Nessa
última situação, além das necessidades de atendimento aos requisitos
técnicos e regulatórios, faz-se necessário harmonizar os referencias legais
entre mais de um país por meio de acordos de operação.
Na tentativa de exempli icar essas situações, pode-se ater ao sistema
elétrico na América do Norte, onde existe uma profusão de ISOs e RTOs
com atuações, muitas vezes, superpostas. Cabe observar que alguns RTOs
surgiram, inicialmente, em função da desverticalização ísica das utilities,
mesmo quando características regionais impõem esse processo de des-
verticalização apenas de forma regulatória ou contábil.
A literatura indica existirem, nos EUA e no Canadá, sete entidades carac-
terizadas como ISOs, a saber: o California Independent System Operator
(CAISO), o New York Independent System Operator (NYISO), o Electric
Reliability Council of Texas (ERCOT), o Midcontinent Independent System
Operator (MISO), o Independent System Operator of New England - ISO
NE, o Alberta Electric System Operator e o Independent Electricity System
Operator - IESO, sendo que este último inclui a região de Ontario no Canadá.
Já em relação a RTOs, pode-se a irmar que existem 10 entidades, a saber:
o Alberta Electric System Operator, o California ISO, o ERCOT, o MISO, o New
Brunswick Power System Operator - NBPSO, o ISO New England, o New York
ISO, o IESO, o PJM Interconnection (PJM) e o Southwest Power Pool.
Os mercados com funcionamento mais tradicionais são os sistemas
Southwest, Southwest e Northwest, onde as concessionárias são respon-
sáveis pela operação do sistema e pelo seu gerenciamento. Normalmente,
essas concessionárias são verticalmente integradas. Nesses sistemas,
existem ainda sistemas de controle federal, como o Tennessee Valley
Authority - TVA - e a Bonneville Power Administration.

132 Impactos Operativos


Essas entidades ainda são reunidas para atuação conjunta e coorde-
nada na igura do North American Electric Reliability Corporation (NERC)
em suas diferentes interconexões. Trata-se da coordenação institucional das
diferentes ISOs/RTOs.41 A Figura 7.1 mostra o arranjo geográ ico42 dessa
organização. Para que se tenha uma ideia da magnitude das tarefas envolvi-
das, pode-se consultar o orçamento do NERC, para o exercício de 2020, com
previsão de US$ 80 milhões apenas para a coordenação das atividades das
mais de uma dezena de ISOs e RTOs envolvidas na operação do grid ameri-
cano (NERC, 2019). Destaca-se que esse orçamento não diz respeito às ativi-
dades das ISOs/RTOs que têm seus orçamentos próprios, mas apenas para
as funções de coordenação do NERC. No Brasil, onde não existe essa igura de
hierarquia de supervisão dos ISOs/RTOs, mas apenas a igura do Operador
Nacional do Sistema, o orçamento do ONS, aprovado pela ANEEL para o triê-
nio 2019-2021, é da ordem de R$ 650 milhões/ano (ANEEL, 2019).

Figura 7.1 Organização geográfica do NERC e suas interconexões

052
:(&& 13&&
5)

6(5&
7H[DV5(

Fonte: (NERC, 2019)

41
Para saber mais sobre o NERC, consultar https://www.nerc.com/Pages/default.aspx.
42
Cabe observar que parte dos arranjos ísicos decorrentes da organização mostrada na
Figura 7.1 decorre de limitações ísicas impostas, por exemplo, pela cadeia de monta-
nhas rochosas que divide a interconexão leste da interconexão oeste.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 133


Um aspecto importante nessa discussão diz respeito à adesão com-
pulsória aos ISOs/RTOs por parte de um determinado agente. Entre alguns
poucos exemplos, podemos citar que, no Brasil, usinas com porte maior do
que 50 MW ou que estejam conectadas na rede básica43 devem ter adesão
compulsória ao ONS, mas essas não são as únicas que têm essa obrigatorie-
dade44. No Reino Unido, os limites inferiores compreendem uma potência
instalada variando de 10 MW (válido em algumas regiões da Escócia) até 50
MW (válido para a Inglaterra). Para esses limites, considerados de pequeno
porte, os agentes precisam ter contratos com os operadores de distribuição.
Já os clientes com porte médio (30 MW ou 50-100MW) necessitam ter con-
tratos com os operadores de distribuição (Distribution National Operator)
e de Transmissão (National Grid), enquanto os muito grandes ( >100MW)
apenas com os sistemas RTOs (National Grid, 2018).
Já na Finlândia, esse patamar é substancialmente menor, sendo
necessários apenas 500 kW para a adesão aos sistemas operadores. Na
Dinamarca, qualquer fonte de energia maior do que 11 kW precisa ser
registrada nos sistemas de informação e cumprir regras especí icas
(ENERGINET, 2018). Na Austrália, os limites de adesão são de 5 MW no
National Electric Market e de 10 MW no Western Australian Market (ENA,
2018; FERC, 2018).

43
Conexão em 230 kV ou acima.
44
Usinas que devem fazer parte da operação interligada no Brasil:
Usinas TIPO I: usinas conectadas na rede básica – independente da potência líquida inje-
tada no SIN e da natureza da fonte primária; ou usinas cuja operação hidráulica possa
afetar a operação de usinas Tipo I já existentes; ou usinas conectadas fora da rede básica
cuja potência líquida máxima injetada no SIN contribua para minimizar problemas ope-
rativos e proporcionar maior segurança para a rede de operação.
Usinas TIPO II: usinas não classi icadas como Tipo I, mas que afetam os processos de
planejamento, programação da operação, operação em tempo real, normatização, pré-
-operação e pós-operação. As usinas desse grupo são classi icadas em dois subgrupos:
Tipo II-A e Tipo II-B.
Tipo II-A: usinas térmicas – UTEs - não classi icadas como Tipo I e que têm Custo Variável
Unitário (CVU) declarado.
Tipo II-B: usinas não classi icadas como Tipo I, para as quais se identi ica a necessidade
de informações ao ONS, para possibilitar a sua representação individualizada nos pro-
cessos de planejamento, programação da operação, operação em tempo real, normati-
zação, pré-operação e pós-operação.
Conjunto de Usinas: um conjunto de usinas é composto por usinas Tipo II-C. Um conjunto
de usinas conectadas fora da rede básica será constituído quando um grupo de usinas
totalizar uma injeção de potência signi icativa em uma determinada subestação do SIN ou
em um ponto de conexão compartilhado, com impacto na fronteira da rede básica.

134 Impactos Operativos


A resolução 2.000 do FERC incentiva que as concessionárias façam
sua adesão aos sistemas regionais de operadores de transmissão. O sis-
tema de otimização para atender às necessidades energéticas e os ser-
viços ancilares é feito por meio de oferta de preços. Cerca de dois terços
de toda a energia transacionada nos EUA já são atendidos por meio de
sistemas ISOs/RTOs (FERC, 2018).
Para o mercado norte americano, os agentes podem se classi icar em:
Geradores Independentes, Transmissores Independentes, Entidades prove-
doras de serviços de conexão, Empresas verticalizadas e Comercializadoras.
Um segundo ponto de relevância diz respeito à possibilidade de um
agente se integrar nos sistemas interligados gerenciados pelos Operadores
Independentes. Como já detalhado, em muitas regiões, a adesão é compul-
sória a partir de um certo porte do agente. No entanto, a adesão pode não
ser automática, uma vez que os sistemas necessitam de capacidade para
receber o novo acessante.
Nos EUA, de um modo geral, os operadores americanos e os agentes
membros necessitam assinar acordos operativos, nos quais os membros
aceitam responsabilidades relativas: (i) manter registros completos e
acurados de todos os resultados da operação, (ii) colaborar com a coor-
denação da operação, (iii) contabilizar todas as quantidades envolvidas
em intercâmbios, (iv) preparar relatórios que sejam requeridos pelos
operadores, (v) colaborar com informações que ajudem o planejamento
da operação e da expansão, (vi) programar as manutenções preventivas
de acordo com as necessidades sistêmicas, (vii) analisar as ocorrências e
contingências da rede documentando-as, (viii) providenciar os registros
de telemetria, (ix) providenciar informações sobre a qualidade da energia,
(x) providenciar informações sobre sistemas de comunicação, (xi) treinar
e manter equipes capacitadas para atender às necessidades do sistema e
(xii) participar do rateio de custos de projetos, comitês técnicos e outras
despesas decorrentes de aprimoramentos que tenham sido previamente
aprovadas pelo board do ISO/RTO (FERC, 2018).
Os operadores na Austrália fazem uso de determinados modais de lín-
gua inglesa para caracterizar essa compulsoriedade. Assim, quando uma
determinação usa o modal shall está representando uma obrigatoriedade,
o modal may indica uma situação opcional e o modal must representa uma
determinação mandatória coberta por lei (ENA, 2018).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 135


Ainda na Austrália, um determinado Network Service Provider não
tem obrigação de conectar novas gerações, mas tem sempre a obrigação
de estudar prazos adequados e negociar uma solução. O potencial aces-
sante deve sempre receber as informações sobre os problemas que impe-
dem o acesso para que possa acompanhar e negociar de forma equilibrada
as soluções propostas pelo agente de transmissão (ENA, 2018).
Outro ponto interessante na iloso ia dos operadores australianos
diz respeito ao fato de que, havendo múltiplos pedidos de conexão para
um mesmo ponto e as demandas requeridas por esses múltiplos pedidos
ultrapassam a capacidade da infraestrutura, o critério para atendimento
é o de ila pela ordem dos pedidos. Esse critério é mandatório mesmo que
possam existir argumentos de bene ícios transversos, como geração de
empregos ou bene ícios para o sistema elétrico local45 (ENA, 2018).

7.4 O problema da Operação com a inserção


crescente das FRIs

Parece claro que os operadores do sistema sempre enfrentaram di iculda-


des em ajustar a produção à demanda. No entanto, isso sempre ocorreu
de forma mais intensa (salvo em acidentes de percurso) pelas oscilações
do lado da demanda (economia, clima e outras especi icidades). Ocorre
que, no presente, com efeitos exacerbados, as di iculdades de ajuste entre
oferta e demanda passaram a ser mais intensas por conta da intermitên-
cia das fontes renováveis e cujos recursos não podem ser armazenados à
semelhança de carvão, óleo, gás e hidreletricidade.
A Figura 7.2 exempli ica, entre centenas de exemplos disponíveis
na literatura, quão intensa pode ser a variabilidade de produção de uma
fonte não despachada em relação à previsão da produção esperada.
Utilizando-se um referencial do mercado espanhol, encontra-se como
outro exemplo que, no dia 27 de agosto de 2009, apenas 1% da produção
de energia elétrica foi proveniente de usinas eólicas. Alguns meses depois,
em 8 de novembro, a energia proveniente de sistemas eólicos foi de 45%

45
Se um determinado acessante potencial pudesse gerar mais empregos na sua unidade
fosse atendido em detrimento de outro acessante que se encontrasse com pedido mais
antigo, mas gerando menos bene ícios.

136 Impactos Operativos


da energia produzida nesse dia. As variabilidades podem ser em interva-
los de minutos ou representar grande variabilidade no intervalo de alguns
meses, explicitando uma sazonalidade bastante aguçada.
Cabe ainda um outro destaque que essa intermitência e sazonalidade
são bastante agravadas pela di iculdade de sistemas de previsão. Ackerman
et al. (2015) citam que, em 29 de março de 2013, os sistemas de previsão
indicavam um potencial fornecimento de 11 GW de capacidade de usinas
eólicas no sistema espanhol, sendo disponíveis, na prática, apenas 2GW.
Sabe-se que as técnicas de previsibilidade estão sendo implementadas de
forma signi icativa, mas ainda estão sujeitas a grandes desvios.

Figura 7.2 Energia produzida e prevista – Usina Fotovoltaica Arizona, em 2008


 

0ZKRIORDG
.:KRIVRODU

 
RXWSXW

 

 
    
+RXU
6RODURXWSXW 7(3ORDG
0HDQIRUHFDVWHGVRODURXWSXW
0HDQIRUHFDVWHG7(3ORDG
Fonte: (Gowrisankaran et al., 2016.

A previsibilidade da carga possui uma boa assertividade de sua pre-


visão, com erros da ordem de 1,5% para o dia seguinte e de 5% para a
semana seguinte. A maior fonte de erros é provocada por oscilações da
temperatura. As contingências são, nesses casos, ajustadas por geração
de base, usinas de resposta intermediária e por alternativas de resposta
rápida. Sempre foram necessárias reservas para os ajustes. No entanto,
ocorre que a intermitência das fontes renováveis (não despacháveis) tem
tornado mais drásticas essas necessidades de ajustes (Madrigal e Porter,
2013). Tais requisitos de ajuste não só estão cada vez mais frequentes,
como tem sido mais intensa a velocidade de ajuste em que são requeri-
dos. A “curva do pato”, retratada na Figura 7.3, é um excelente exemplo

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 137


dessa intensidade. A famosa curva, que identi ica a variância da carga na
Califórnia perante a inserção crescente de geração fotovoltaica na linha
do tempo, mostra que, na projeção de 2020, existe necessidade de uma
rampa de 13 GW em apenas três horas.

Figura 7.3 Curva do pato


1HWORDG0DUFK







0HJDZDWWV

  DFWXDO

  DFWXDO


 5DPSQHHG
  a0:

 LQWKUHHKRXUV
 

 
2YHUJHQHUDWLRQULVN



DP DP DP DP SP SP SP SP
+RXU
Fonte: CAISO, 2016.

Esses desa ios passaram a alterar a dinâmica do tempo dos operado-


res. No livro de Madrigal e Porter (2013), a escala de tempo é retratada
como sendo estabelecida em três escalas de ordem de grandeza, a saber:
segundos, minutos e horas e dia seguinte. A Figura 7.4, reproduzida da
citada obra, permite uma clara compreensão dessas escalas.
A dimensão da regulação elétrica é aquela em que o Operador solicita,
de forma contínua, ajustes para o aumento ou a diminuição da geração,
normalmente em uma escala que vai até poucos minutos (10/15 min).
Algumas vezes, esses ajustes são, inclusive, feitos de forma automática
por sistemas de Controle de Geração Automática (Automatic Generation
Control – AGC). Ajustes que transcendem esse intervalo de curto prazo
exigem a entrada (ou saída) de unidades que estão disponíveis como

138 Impactos Operativos


reservas previamente preparadas ou daquelas que podem ser rapida-
mente acionadas. Finalmente, exigem aquelas unidades que podem ser
acionadas com tempo de resposta que pode transcender algumas horas e
mesmo no dia seguinte. A Tabela 7.1 apresenta um resumo dessas escalas
de tempo em países selecionados.

Figura 7.4 Escala de tempos dos operadores



6\VWHPORDG0:










      
7LPHKRXURIGD\

6HFRQGVWR 7HQVRIPLQXWHV
WRKRXU 'D\
PLQXWHV 4DIFEVMJOH
3FHVMBUJPO -PBEGPMMPXJOH

'D\V
8QLWFRPPLWLPHQW

Fonte: (Madrigal e Porter, 2013)

As reservas, usualmente, são de inidas como a capacidade adicional


que o Operador do Sistema precisa dispor (on line ou off-line) para aten-
der à demanda de energia e assegurar a con iabilidade sempre e quando
a carga ou a geração diferirem do previamente planejado. Ocorre que a
inserção de FRIs vem tornando essa tarefa mais di ícil.
Embora esse tema seja preponderante no impacto dos custos adi-
cionais, ele tem um aspecto tão fundamental na operação do sistema
interligado que deve ser tratado à parte. O problema básico diz respeito
à capacidade de previsibilidade da produção das FRIs e quanto de asser-
tividade é possível obter. É sempre possível minimizar os problemas de

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 139


geração em intervalos muito curtos (segundos até horas), mas prever o
dia seguinte pode ser muito mais di ícil. Esse problema vai ser impac-
tado ainda pelos avanços tecnológicos das usinas de FRIs, pois, com o
aumento da e iciência dos equipamentos, as margens de desvio na pro-
dução podem vir a ser minimizadas.

Tabela 7.1 Definições e padrões de uso de reservas na


Alemanha, Irlanda e EUA
Reservas de curto Reservas de longo
Reservas de médio prazo
prazo Prazo
Reservas primárias Reservas secundárias
Reservas secundárias
disponíveis em 30s, (reservas-minuto)
Alemanha - 5 min despachadas Não disponível.
despachadas pelo requeridas até 15
pelos RTOs.
RTO. min.
Reservas Primárias
Reservas terciárias,
requeridas em 15s Reservas secundárias
Irlanda acima de 90 Não disponível.
(respostas inerciais ou - 15 a 90 segundos.
segundos.
de resposta rápida).
Tempo de resposta
Estados 1-5 segundos. Horizonte de 1 hora, mas com incrementos de 1h até 1 semana
Unidos 1 min – 1 hora. de 5 em 5 min ou de 10 em 10 min. com incrementos
horários.
Fonte: Madrigal e Porter, 2013.

A existência de preços distintos em horas diversas do dia incentiva


a produção da energia na quantidade certa, no horário certo, em decor-
rência da maior pressão econômica das liquidações de diferença. Assim, a
pressão econômica representa um incentivo de melhoria à assertividade
de previsão pelos agentes.
A literatura indica ainda que o status regulatório pode fazer diferença
nessas de inições, sendo que a “obrigação de servir” por parte das distri-
buidoras acaba induzindo custos mais elevados do que aqueles nos quais
existe um ambiente em que o mercado competitivo seja compulsório.
O problema, de tão importante que é, vem induzindo adaptações dos
códigos operativos por parte de muitos ISOs, visando acomodar a inserção
crescente das FRIs. Apesar dessa percepção, em muitos casos, as adapta-
ções concentram-se muito mais nos serviços “ancilares” do que na opera-
ção propriamente dita. Isso ocorre pela dispersão geográ ica das FRIs e
pela dependência da carteira de usinas pré-existentes antes da inserção
massiva das energias renováveis.

140 Impactos Operativos


A qualidade da assertividade dessa tarefa (previsão das reservas) depende
do tamanho das áreas de controle (submercados) e da capacidade de intercâm-
bio entre diferentes regiões (quão robusto é o sistema de Transmissão) e, inal-
mente, do equilíbrio entre oferta e demanda (Madrigal e Porter, 2013).
O problema da de inição das reservas requeridas ainda depende da
rapidez de entrada em operação das usinas disponíveis on line, do nível
de automação disponível (Automatic Generation Control – AGC) e da quan-
tidade de usinas consideradas in lexíveis naquele sistema interligado
(in lexibilidade técnica ou comercial), operacionais ou comerciais.
Esse tema, ainda em desenvolvimento e na fronteira do conheci-
mento, tem encontrado muitas alternativas, mas nenhuma delas ainda
consagrada como experiência de initiva. O ISO do Estado da Califórnia,
nos EUA, aliás, o primeiro ISO que manifestou preocupação com a expan-
são das FRIs, utiliza como regra básica que 1% da capacidade instalada
para cada 100 MW de fontes intermitentes deve ser agregado nas reser-
vas disponíveis de fontes despacháveis (Fares, 2015).
O Operador Independente de transmissão da Alemanha considera a
necessidade de reservas com capacidade primária de 3 GW para entrar
em operação em 30 segundos. Outros 4,9 GW são disponibilizados para
serem requeridos em 5 minutos, basicamente lastreados em hidrelétricas,
algumas delas reversíveis. Um terceiro bloco de usinas, disponibilizadas
para uma reserva, pode ser composto, inclusive, por usinas de FRIs com
montante de 2,4 GW, para as quais se espera uma entrada em operação
em até 15 minutos (Porter et al., 2012).
Já o sistema interligado do Texas, nos EUA, analisa a capacidade de usi-
nas de reserva efetivamente utilizadas nos últimos 30 dias e no mesmo mês
no ano anterior. Também faz a mesma análise da capacidade instalada das
FRIs nos últimos 30 dias e no mesmo mês do ano anterior. Para cada 1.000
MW adicionais de capacidade instalada de FRIs, utiliza-se um multiplicador
sobre as reservas efetivamente utilizadas no caso mais relevante (no mês
passado ou no ano anterior). A Figura 7.5 apresenta a sistemática.
No Brasil, a discussão sobre as reservas operativas ganha outros con-
tornos estratégicos, uma vez que ainda existem por explorar aproveita-
mentos hidrelétricos com ampla capacidade de armazenagem ou, alterna-
tivamente, por razões ambientais, a escolha preferencial por usinas sem
reservatórios ( io d’água).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 141


Figura 7.5 Cálculo das reservas de capacidades requeridas no TEXAS-EUA

3DUDFDGDPrVVHOHFLRQDVH 9HULILFDVHHP
KRUDDKRUD LQGHSHQGHQWH UHODomRDRDQR 0:
GRGLD DFDSDFLGDGHGH DQWHULRUTXDOIRL
UHVHUYDQRDQRDQWHULRU RLQFUHPHQWRGH
FDSDFLGDGH 8WLOL]DVHSDUD
LQVWDODGDHP DTXHOHSRVWR
0:GDV)OV KRUiULRQRPHVPR
PrVDFDSDFLGDGH
GHUHVHUYDTXHIRL
!0: UHTXHULGDQRDQR
DQWHULRU

8WLOL]DVHXPPXOWLSOLFDGRUSDUDDUHVHUYDGHFDSDFLGDGH
TXHIRLUHTXHULGDQRDQRDQWHULRUQRPHVPRSRVWRKRUiULR
2PXOWLSOLFDGRUpFDOFXODGRFRPRVHQGRDYDULDomRGH
FDSDFLGDGHLQVWDODGDGDV)OVHPUHODomRDRDQRDQWHULRU
HP0:

Fonte: Elaborado a partir de Madrigal e Porter, 2013.

Fica evidente que esses requisitos demandam maior competência


técnica e operacional dos operadores do sistema e, consequentemente,
mais recursos são necessários para fazer frente a essas demandas. Logo,
ainda existe um aumento de custos operativos. Estes decorrem da maior
exigência por reservas disponíveis, de maiores recursos computacionais,
de automação da operação e de mais recursos humanos, inclusive, com
maior gabarito para fazer frente a estudos e à competência requerida
nesse novo contexto. Acrescente-se, ainda, que os níveis de segurança exi-
gidos tendem a ser ampliados pela crescente importância que a energia
elétrica vem ganhando na sociedade e na economia.
A Figura 7.6, reproduzida de Madrigal e Porter (2013), mostra a
necessidade de uma sincronicidade de ação para a entrada de novos
recursos quando icam indisponíveis os recursos renováveis.
Estudos recentes indicam custos adicionais de até 10 US$/ MWh para
participação de até 20% da capacidade instalada ser performada por FRIs
(Asmus, 2003; Madrigal e Porter, 2013).
A problemática dos custos adicionais na operação de sistemas com
grande penetração de FRIs é de extrema complexidade, pois existem cri-
térios que precisam ser convencionados sobre a sua consideração ou não.

142 Impactos Operativos


Por exemplo, existe a discussão se o cômputo de investimento de siste-
mas de transmissão mais robustos, requeridos pelo intercâmbio mais
frequente ou, ainda, custos de oportunidade dos geradores, requeridos
a permanecer em reserva pelo ISO deve ou não ser considerado nessa
rubrica de custos adicionais.

Figura 7.6 Sincronicidade do acionamento de reservas e redução de oferta de


FRIs – Exemplo mercado Espanhol





0:






            
WLPH







*:








                       
7LPH

Fonte: Madrigal e Porter, 2013.

Embora esses custos sejam reais, usualmente são computados como


custos adicionais apenas os custos operativos de equipes mais quali ica-
das, de estudos complementares e das diferentes formas de intervenções
operativas, como por exemplo a disponibilidade de usinas de reserva de
rápida entrada em operação (short run reserves), entrada em operação
com rampas mais intensas46 e entrada em operação sem a devida otimiza-

46
Com aumento do consumo de combustíveis.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 143


ção do processo de escalada. Assim, o custo pode crescer se os requisitos
de reserva crescerem com uma maior escalada do Lado da Demanda.
Observe-se que nem todos os custos são, em princípio, do gerador
de FRIs, apesar de serem arcados pelos geradores de fontes de back-up.
Obviamente que, em algum momento, tais custos precisarão de critérios
sobre sua partição.
Existem basicamente duas alternativas para o cálculo do custo adi-
cional, conforme relatado pelo Banco Mundial (Madrigal e Porter, 2013).
A primeira contempla uma modelagem com diferentes cenários de pene-
tração das FRIs e com distintos cenários de geração (modelos de geração
estocásticos), comparando-se o custo operativo esperado para cada um
desses cenários com a mesma capacidade instalada sem FRIs.
A diferença das FRIs desconsideradas para avaliação dos custos pode
ser feita a partir de uma capacidade hipotética considerando-se a mesma
composição (mix) das fontes tradicionais ou um conjunto de usinas com a
melhor tecnologia disponível (Better Available Technology – BAT).
Na segunda alternativa para o cálculo do custo adicional, de ine-se
um período de tempo (por exemplo, três anos) e faz-se uma modelagem
considerando-se que a produção das FRIs dos últimos três anos teria
sido determinística. Depois, compara-se com o custo incorrido real. Para
minimizar a hipótese de assertividade total, pode-se adotar que uma
porcentagem relevante da produção intermitente teria sido antecipada
de forma assertiva pelas modelagens. O adicional de custo é determi-
nado pela diferença entre o custo que efetivamente ocorreu e aquele que
ocorreria se as FRIs fossem passíveis de terem seu despacho previsto
com assertividade elevada.
Essas alternativas enfrentam di iculdades para sua efetivação, pois
nem sempre existe disponibilidade de dados com intervalos curtos (por
exemplo, dados de meia em meia hora), sendo também complexa a cons-
trução de hipóteses coerentes das fontes complementares hipotéticas
de substituição das FRIs. Os métodos, aqui descritos genericamente, são
intensivos em disponibilidade de dados e equipes (muitas vezes, preci-
sam de vários anos para sua conclusão). Além disso, a construção de uma
curva de experiência ica, por vezes, postergada, pois pelas di iculdades
inerentes e custos desse tipo de estudo raramente são desenvolvidos com
um percentual de inserção das FRIs menor do que 10%.

144 Impactos Operativos


No entanto, o problema não se restringe ao cálculo dos custos adi-
cionais, mas também em como dividi-los entre os agentes. É importante
relembrar que alguns custos para os agentes térmicos existem por que há
os agentes das FRIs. Logo, qual seria a lógica mais justa do rateio dos custos:
• Individualmente?
• Como proporção do impacto da planta no subsistema onde ela
está inserida?
• De forma isonômica entre todos os geradores?
• De forma isonômica entre todos os consumidores?
• Qualquer modelo híbrido dessas alternativas?
• O mesmo conceito pode ser enfrentado para dividir bene ícios
sistêmicos, como, por exemplo, a disponibilidade de certi icados
de emissões evitadas.

Por derradeiro, considerando-se que existe um inevitável aumento


de custos, quais seriam as alternativas para reduzir seu impacto? Embora
as respostas possam parecer óbvias, elas são de muito di ícil implementa-
ção, requerendo aumento da previsibilidade da produção intermitente e
condições para estocagem da energia.

7.5 Considerações finais

O capítulo analisou a perspectiva de que a propalada penetração massiva


de FRIs pode enfrentar barreiras tanto técnicas como econômicas quando
sua inserção ultrapassar os limites hoje considerados como factíveis (20%
a 30% da capacidade instalada) sem que existam transformações radicais
nos sistemas operativos ou alterações nos modelos comerciais.
As principais transformações, identi icadas para ocorrerem na indús-
tria de energia elétrica, mobilidade elétrica, redes elétricas inteligentes e
micro/minigeração distribuída, podem trazer alternativas de equaciona-
mento da problemática apontada, embora não sejam esperadas soluções
de initivas e nem integrais, inclusive, porque parte das di iculdades depen-
dem de características regionais e da disponibilidade de recursos naturais.
Grandes esforços em pesquisas e aprimoramento dos sistemas de
previsibilidade climática e de operação dos sistemas devem ser incentiva-

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 145


dos, em especial, porque a demanda por recursos e/ou serviços ambien-
tais tende a crescer, assim como os esforços decorrentes de compromis-
sos voluntários relacionados às mudanças climáticas.
E possível antever o grande desenvolvimento tecnológico na ciência
e na regulação dos temas conexos com a inserção massiva das FRIs, que
requer novos paradigmas na concepção ísica e de mercado dos sistemas
de potência com grande presença dessas fontes.

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146 Impactos Operativos


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tric-power-markets#:~:text=National%20Overview,providing%20power%20to%20retail%20
consumers.&text=The%20ISOs%20and%20RTOs%20use,markets%20to%20determine%20
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Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 147


ANEXO

Encargos Operativos – O caso do Brasil

Encargos são de inidos na indústria elétrica brasileira como os custos


incorridos na manutenção da con iabilidade e da estabilidade do sistema
para atendimento ao sistema interligado, não estando incluídos no cál-
culo do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), calculados de forma ex
ante pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Os encargos a serem calculados a posteriori podem ser ocasionados
por três tipologias:
• Restrições Operativas;
• Serviços Ancilares;
• Segurança Energética.

Restrições operativas decorrem de situações constrained-on, em que


as usinas são despachadas fora da ordem de mérito para atender crité-
rios energéticos ou operacionais (desvios positivos da ordem de mérito).
Alternativamente, restrições operativas decorrentes de situações cons-
trained-off, em que as usinas têm sua geração reduzida em relação à ordem
de mérito para também atender critérios energéticos ou operacionais.
No entanto, diferenças de custos que precisam ser suportados pelos encar-
gos decorrem do fato de que a CCEE, ao calcular o PLD, não leva em conta
restrições operativas intra um determinado submercado, ou seja, é conside-
rado um reservatório único, com água armazenada e igualmente disponível
em todos os pontos de consumo desse mercado, sendo essa determinação
desenvolvida de forma ex ante. Já o ONS, ao determinar o Custo Marginal
de Operação (CMO), considera as restrições de transmissão internas a cada
submercado para que o despacho atenda a estabilidade do sistema.
Como efeito, icam con iguradas diferenças entre o despacho econômico
(CCEE) e o despacho real promovido pelo ONS. No entanto, as diferenças
não decorrem apenas de eventuais restrições de transmissão internas a
cada submercado, mas também de situações não previstas na modelagem da
CCEE e que acontecem no mundo real. Por exemplo, a ruptura de uma Linha
de Transmissão (LT), uma grande chuva que altere de forma signi icativa a
disponibilidade hídrica ou outros inúmeros fatos não previsíveis a priori.

148 Impactos Operativos


Serviços ancilares são aqueles regulamentados que resultam de servi-
ços providos por agentes de forma mandatória pelo ONS ou prestados de
forma contínua por empreendimentos de geração que, nos atos do poder
concedente, tiveram autorização explícita para sua contraprestação. O res-
sarcimento desses serviços ainda pode contemplar a reposição de peças e
equipamentos destinados a tais serviços, denominados genericamente de
Encargos de Serviço do Sistema (ESS). As normativas da ANEEL regulamen-
tam esses ressarcimentos, considerando a possibilidade de pagamento:
i) dos custos de operação e manutenção dos equipamentos de
supervisão, controle e de comunicação necessários à participa-
ção no Controle Automático de Geração;,
ii) do ressarcimento pelo custo de implantação, operação e manu-
tenção do Sistema Especial de Proteção (SEP) ou, ainda, por repo-
sição de sistemas que sejam requeridos;
iii) do ressarcimento pelo custo de operação e manutenção dos equi-
pamentos de auto religamento (Black Start);
iv) do custo ixo de usinas emergenciais e
v) dos investimentos necessários para a prestação desses serviços
ancilares.

Encargos de segurança energética são aqueles oriundos de usinas


despachadas pelo CMSE com o objetivo de garantir o suprimento ener-
gético e dos encargos oriundos do deslocamento hidráulico, da importa-
ção de energia sem garantia ísica e da inversão de intercâmbios entre
submercados.
O item deslocamento hidráulico está de inido em lei especí ica, podendo
decorrer de duas tipologias: (i) por conta de inserção de despachos de
usinas fora da ordem de mérito ou (ii) por razões elétricas que ensejam o
despacho de usinas térmicas e, por conseguinte, desloquem usinas hidrelé-
tricas que, normalmente, seriam priorizadas no despacho econômico. Da
mesma forma, esses deslocamentos podem decorrer de importação de
energia sem garantia ísica associada ou da inversão de intercâmbios, sem-
pre por decisão discricionária do CMSE. O regulador ressalta que sempre
pode ocorrer a indisponibilidade total ou parcial de uma usina que venha a
ser chamada ao despacho de forma extemporânea por um despacho fora da
ordem de mérito, fato que deve levar à redução do potencial custo adicional.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 149


O cálculo do custo desses deslocamentos, uma vez determinados os mon-
tantes de deslocamento hidráulico que cada usina hidrelétrica partici-
pante do MRE tem direito e feito apurando o custo desse deslocamento a
partir do produto entre o montante de deslocamento e a diferença entre o
valor do PLD da hora e do submercado em que houve o deslocamento, é o
chamado PLDx47. O PLDx é, portanto, o valor associado ao custo de opor-
tunidade de geração em razão do armazenamento incremental nos reser-
vatórios das usinas hidrelétricas decorrente do deslocamento de geração
hidrelétrica. Cabe o destaque que os custos apurados dos deslocamentos
hidráulicos são assumidos por todos os consumidores do SIN, no caso de
deslocamento hidráulico de origem energética. Os mesmos consumidores
assumem o encargo da restrição de operação que leva ao deslocamento
hidráulico de origem elétrica.
Genericamente, os ESS são arcados pelos agentes de consumo em R$/
MWh, sendo, no entanto, compensados por eventuais sobras de receitas
do mês anterior48 ou pelo saldo da Conta de Energia de Reserva (CONER).
Também são compensados por recursos advindos de penalidades aplica-
das pela ANEEL, por conta de não conformidades regulatórias, ou pelo
alívio de despachos de usinas mais caras, devido à oferta mais abundante
das FRIs. Se ocorrerem superávits, o saldo é alocado para alívio da conta
do ESS nos meses seguintes. As diretivas que norteiam essa cobrança dos
agentes de consumo podem ser resumidas:

47
O PLDx é calculado anualmente pela CCEE e publicado em até cinco dias úteis após a
divulgação da contabilização do mês de dezembro, considerando as diretrizes abaixo na
seguinte ordem:
I) Calcular o PLD mensal por submercado desde janeiro de 2001 até dezembro do ano
anterior ao cálculo do PLDx;
II) Calcular o PLD médio mensal dos submercados ponderado pelo consumo anual no
centro de gravidade de cada submercado contabilizado na CCEE no ano civil anterior ao
cálculo do PLDx;
III) Atualizar o PLD médio mensal dos submercados pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo – IPCA - referenciado a dezembro do ano anterior ao cálculo do PLDx;
IV) Limitar o PLD médio mensal dos submercados aos valores vigentes de PLD máximo
e mínimo do ano corrente ao cálculo do PLDx; e
V) Obter a mediana dos valores do inciso IV.
48
Da mesma maneira que fatos extraordinários levam a uma operação diferente do des-
pacho econômico preconizado na situação ex ante, algumas situações podem levar a
uma redução da operação indicando saldo sobre a arrecadação desenvolvida de forma
preliminar.

150 Impactos Operativos


Restrições de Operação – encargos rateados na mesma proporção do con-
sumo atendido pelo sistema interligado de cada agente em relação a todos os
agentes, respeitando-se o tipo de restrição, multi-submercados ou submer-
cado único. Por restrição, serão aplicados aos agentes localizados no agrupa-
mento considerado ou no conjunto de submercado objeto da restrição.
Compensação Síncrona – encargo rateado na proporção do consumo de
cada agente atendido pelo SIN em relação ao consumo total do SIN de
todos os agentes localizados no mesmo submercado.
Serviços Ancilares – encargo rateado na proporção do consumo de cada
agente atendido pelo SIN em relação ao consumo de todos os agentes de
todos os submercados do SIN.
Segurança Energética – encargo rateado na proporção do consumo aten-
dido pelo SIN, considerado eventual geração de propriedade da carga,
proveniente de usinas localizadas no mesmo sítio ou em outro local.
Deslocamento Hidráulico – encargo rateado entre todos os consumi-
dores do SIN, enquanto o encargo de deslocamento hidráulico de origem
elétrica é dividido pelos mesmos consumidores que arcam com os custos
da restrição elétrica que originou o deslocamento hidráulico.
A Figura 7A apresenta de forma esquemática esses encargos.

Figura 7A Encargos do serviço do sistema

(QFDUJRVGH6HUYLoRVGR6LVWHPD (66

(QFDUJRVSRUUHVWULomR (FDUJRGHVHUYLoRV (QFDUJRVSRU


GHRSHUDomR $QFLODUHV VHJXUDQoDHQHUJpWLFD

&RQVWUDLQHG &RQVWUDLQHG (QFDUJRVSRUGHVORFDPHQWR


2Q RII KLGUiXOLFR

$SXUDomRGRYDORUGRVHQFDUJRV 2ULJHP 2ULJHP


QmRDMXVWDGR HOpWULFD HQHUJpWLFD

7RWDOGHUHFXUVRVDMXVWGR
7RWDOGRVHQFDUJRVSRU
SDUDDOtYLRGH(66
VHJXUDQoDHQHUJpWLFD

$MXVWHGRVHQFDUJRVDSXUDGRV

&RQVROLGDomRGRVHQFDUJRV

Fonte: CCEE, 2019.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 151


ESTRATÉGIAS DE INCENTIVOS DA EXPANSÃO
E MITIGAÇÃO DOS IMPACTOS DAS FONTES
8
RENOVÁVEIS INTERMITENTES
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

8.1 Introdução

Os capítulos precedentes dão materialidade à famosa frase do escritor


Victor Hugo: “Nada é mais poderoso do que a força de uma ideia cujo
tempo chegou”. Essa frase, bastante conhecida, representa o contexto
atual da expansão das Fontes Renováveis Intermitentes.
Os números e as tendências discutidas indicam que o Mercado
Energético já fez suas escolhas, e as FRIs representam essa opção. No
entanto, como também abordado nos capítulos precedentes, essa expan-
são possui vantagens e di iculdades de ordem técnica e econômica. Assim,
dentro de uma visão pragmática, resta aos planejadores e reguladores
identi icarem estratégias que propiciem a expansão dando suporte às
escolhas do mercado sobre as FRIs pelas suas qualidades intrínsecas,
além de desenvolver alternativas para mitigar os impactos que resultam
desse crescimento.
Entre essas soluções, estão analisados os sistemas de armazena-
mento, as alternativas para promover ações de Resposta da Demanda
(RD), os sistemas de gestão com as Redes Elétricas Inteligentes (REIs) e as
Microgrids (MGs). A diversi icação de fontes renováveis e o planejamento
integrado desses recursos, incluídos os sistemas de previsão da capaci-
dade produtiva das fontes eólicas e solares, representam também outras
opções para o gerenciamento do crescimento da oferta das FRIs. Além
disso, merecem destaque o fortalecimento dos sistemas de transmissão,
permitindo mais e mais as possibilidades de intercâmbios, e os estudos
demográ icos para propor o equilíbrio de fontes de geração cada vez mais
integradas na proximidade de seus mercados de consumo. Por derradeiro,
a análise de novos materiais e os avanços tecnológicos não devem deixar
de serem considerados como opções para este equacionamento.

8.2 Inserção Planejada e Integrada

Sistemas de previsibilidade da produção intermitente


Fontes intermitentes, pela sua própria de inição, apresentam volatilida-
des intensas na sua produção. Essa variação possui diferentes escalas com
ocorrência de variabilidade anual (decorrente das mudanças climáticas),
sazonal (em virtude de diferentes estações climáticas, ao longo dos dias,
por conta das características de microclima), diária (dia/noite), horária,
em especial pela ocorrência de brisas marítimas (quando ocorrem) e,
ainda, de curta duração, devido às rajadas de vento.
A melhoria de sistemas de previsibilidade representa importante
estratégia de integração das FRIs. A Figura 8.1, elaborada a partir de
Santos et al. (2012), exempli ica os desa ios de maior complexidade de
sistemas de previsão em função da tipologia da fonte.

Figura 8.1 Previsibilidade X variabilidade


&RQKHFLGR'HVFRQKHFLGR

(yOLFD

5HYHUVLYHLV )RWRYROWDLFD
&RJHUDomR
%LRPDVVD
*HRWHUPLFD 0DUpV

Fonte: Elaboração dos autores a partir de Santos et al., 2012).

153 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


Técnicas de previsão climáticas com características místicas e atre-
ladas a divindades remontam há muitos séculos A.C. No entanto, com o
uso de ferramental cienti ico, os primeiros trabalhos registrados são do
início do século XX, com as publicações de Bjerkness49 (1904), o primeiro
pesquisador a reconhecer que o estado futuro da atmosfera é determi-
nado pelas condições do estado inicial. Desde este trabalho pioneiro, as
questões relacionadas à previsão do clima vêm ganhando cada vez mais
importância pelas suas múltiplas implicações na segurança e na econo-
mia. Entre outros aspectos de grande importância, são citados a agri-
cultura, a saúde, o abastecimento de água, o transporte, os seguros e a
energia. A Tabela 8.1 (Santos et al., 2012) evidencia diferentes modelos e
instituições que desenvolvem trabalhos nessa área.
Como já amplamente discutido no capítulo anterior, a intermitên-
cia apresenta inúmeras intercorrências com os desa ios da operação dos
grids interligados. Para registrar uma sucinta revisão bibliográ ica neste
tema, são citados Silva, Morais e Vale (2012) com proposições para que se
estabeleçam diferentes horários de previsão, basicamente o dia seguinte, a
hora seguinte e os próximos cinco minutos. O tema de operação de micro-
grids com utilização de otimização estocástica multiobjetivo foi estudada
por Niknam, Azizipanah-Abarghooee e Narimani (2012). Técnicas de pre-
visão da produção de FRIs associadas a sistemas de armazenamento e sua
otimização foram o tema de estudo de Marano, Rizzo e Antonio (2012).
Parastegari (2013) e outros desenvolveram investigações na mesma temá-
tica, mas dedicadas ao acoplamento de usinas reversíveis. Técnicas mais
so isticadas de análise probabilística podem ser encontradas nos trabalhos
de Peng e Jirutitijaroen (2009), bem como de Hargreaves e Hobbs (2012).
As di iculdades que se apresentam não se restringem apenas à
modelagem matemática e, sim, ao fato de que os impactos decorrentes
das Mudanças Climáticas (MC) não apenas tornam os eventos climáticos
mais intensos, mas também mais voláteis, o que altera de forma intensa
a capacidade de produção dessas fontes intermitentes. O tema tem sido
muito estudado, por exemplo, por Gopal (2019). Além disso, no Brasil,
o Projeto de P&D, desenvolvido a partir de uma chamada estratégica da
ANEEL, avaliou os impactos das MC na capacidade de produção de usinas

49
Conforme citação de Santos et al. (2012).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 154


hidrelétricas (Scianni, 2014).50 O trabalho de Pinto et al. (2011) também
evidencia a in luência de eventos climáticos extremos na produção de
energia a partir do vento, o que é mostrado na Figura 8.2.

Tabela 8.1 Modelos globais


Acronym Institution Model Name Horizontal Resolution Grid
National Center
NCEP for Environmental GFS -50 km Spectral
Prediction, USA
Euuropean Center for
ECMWF Medium Range Weather IFS -25 km Spectral
Forcast
Meteorological Office,
METOF UM -40 km Gaussian grid
UK
Deutscher Wetterdienst,
DWD GME 40 km Icosaeder
Germany
Meteorological Service
MSC GEM -30 km Gaussian grid
of Canada
Spectral +
METFR Meteo France ARPEGE -15 km over France gaussian grid with
stretching factor
Bureau of Meteorology,
AUSBM GASP -80 km Spectral
Australia
Japan Meteorological
JMA JMA-GSM -60 km Spectral
Agency
Korea Meteorological
KMA GDAPS -45 km Spectral
Agency
Fonte: Santos et al. 2012.

O aprimoramento de modelos de previsibilidade de produção de ele-


tricidade a partir das FRIs tem óbvias aplicações com fortes impactos eco-
nômicos na operação dos sistemas elétricos, na modelagem de contratos
comerciais, nos mercados de curto prazo, na valoração de intercâmbios e
na correta avaliação da viabilidade econômica de novos empreendimentos.
Tais efeitos podem, inclusive, extravasar para a produção de fontes tradi-
cionais, à medida que uma melhor capacidade preditiva torna o despacho
das FRIs menos incerto e, portanto, menos dependente de fontes térmicas.

50
Efeitos de Mudanças Climáticas no Regime Hidrológico de Bacias Hidrográ icas e na
Energia Assegurada de Aproveitamentos Hidrelétricos.

155 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


Figura 8.2 Impacto dos eventos climatológicos (El Ninõs) na velocidade
dos ventos no Nordeste do Brasil

1LxRV











       
Fonte: Pinto et al., 2011.

A capacidade preditiva ainda pode servir para aprimorar os siste-


mas de complementaridade, conforme bem estudado por Pinto et al.
(2011) e sintetizado na Figura 8.3 para o caso do Nordeste brasileiro,
onde os regimes eólico e de chuvas são bastante complementares. Ao se
olhar os dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS, 2019),
para o ano de 2019, observa-se um recorde na base diária em 06 de
setembro, quando a energia eólica gerou 88,88% da carga. Neste mesmo
ano, 52,88% de toda a geração elétrica do Nordeste foram a partir da
fonte eólica. Em 2020, o recorde horário foi atingido às 10h do dia 20 de
junho, com 115,72 % da carga, e, em base diária, em 6 de agosto, com
94,4% da carga, ambos os casos passando a se constituírem recordes
históricos para o Nordeste.
Cabe observar, por im, que aspectos de preci icação atrelado ao
custo marginal de operação servirão de incentivo para que investimentos
no desenvolvimento de sistemas preditivos sejam implementados cada
vez mais, inclusive, sobrepujando as demandas provenientes de questões
operativas para este mesmo im.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 156


Figura 8.3 Curvas sazonais normalizadas de ventos e
chuvas na Região Nordeste













-DQ )HY 0DU $SU 0DL -XQ -XO $JR 6HW 2XW 1RY 'H]
9HQWRV&KXYDV
Fonte: Pinto et al., 2011.

Sistemas de Transmissão

A intermitência, como é óbvio, produz escassez de oferta em alguns


momentos ou superavit em outros. A possibilidade de que a falta de produ-
ção de energia ocorra indica a necessidade de outra fonte, eventualmente
mais cara, mais poluente ou que apresente di iculdades para ser chamada
nesse despacho de forma muito rápida. Problema de igual magnitude ope-
racional e econômica resulta do excesso de oferta. Considerando-se que
há a tendência de expansão muito acentuada dessas FRIs, a melhor opção
para atender esses desequilíbrios seria a possibilidade de equacionar as
di iculdades com importação ou exportação desses montantes de energia
em desequilíbrio da curva de oferta e demanda. Para tanto, um sistema de
transmissão com a robustez adequada, tanto na capacidade de transporte,
quanto na sua integração de cobertura geográ ica, é essencial. O exemplo
acima, com o Nordeste produzindo mais de 115% de sua carga e expor-
tando o excedente para o Sudeste, é emblemático.
Essa solução traz ainda algumas outras vantagens, mas que vêm
acompanhadas de algumas di iculdades. Diversas publicações aborda-
ram esse tema. Por exemplo, Mills, Wiser e Porter (2009) resumiram, com

157 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


abrangências diferentes, aspectos que o aumento da infraestrutura de
transmissão51 bene icia a inserção crescente de FRIs. Esses autores indi-
cam que o crescimento da infraestrutura de LTs bene icia o acesso à oferta
de energia barata,52 localizada a grandes distâncias do centro de carga,
e facilitam o intercâmbio entre diferentes operadores ou entre distintas
regiões operativas, como é o caso do Brasil. Além disso, permitem utili-
zar de forma mais e iciente a complementaridade entre diferentes fontes
marcadas com efeitos sazonais, como bem exempli ica a Figura 8.3 supra-
citada. No mesmo trabalho, Mills, Wiser e Porter (2009) indicam que a
diretriz do planejamento do aumento dessas LTs pode ser priorizada por
critérios de redução de risco de preços entre áreas adjacentes de opera-
ção (risco de submercado) ou por critérios de ampliação da capacidade de
“entrega” de energia. Os autores ainda chamam a atenção para o fato de
que LTs dedicadas exclusivamente a usinas de FRIs podem enfrentar di i-
culdades de viabilidade inanceira, posto que o fator de capacidade das
FRIs, via de regra, é inferior a 40%. Sistemas híbridos solar-eólico tendem
a minimizar essa di iculdade.
Outros autores (Ren, Lui, Guo e Yu, 2017) chamam a atenção para
a questão da dispersão geográ ica das FRIs funcionar como um hedge
para a intermitência, necessitando, contudo, de infraestrutura para o fun-
cionamento desse mecanismo. O tema tem sido estudado com bastante
frequência, inclusive, com a utilização de conceitos oriundos da teoria
inanceira, como a otimização de carteiras de investimento de Markowitz
(Awerbuch, 2006 e Miguel, 2014). No Brasil, essa diversi icação regional
pode ser utilizada apenas em um mesmo submercado dada a elevada con-
centração dos empreendimentos eólicos na região Nordeste, inclusive,
com per is distintos entre os ventos do litoral do Ceará e do Rio Grande do
Norte, mais diurnos, daqueles do interior da Bahia, mais noturnos.
A Figura 8.4 mostra a redução do desvio padrão da produção de ener-
gia a partir de FRIs à medida que o conjunto que compõe o portfólio ope-
rado conjuntamente aumenta.

51
Linhas de Transmissão, subestações, redes de distribuição, entre outras facilidades,
genericamente denominadas de LTs.
52
Nesse caso, podem nem mesmo serem ofertas de FRIs, como bem exempli icam usinas
térmicas a carvão, localizadas junto à jazida (boca da mina, no jargão usual).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 158


Figura 8.4 Desvio padrão de empreendimentos eólicos no
Eastern Interconnection System
4XHEHF 
1HUF,QWHUFRQQHFWLRQV ,QWHUQQHFWLRQ 

1RUPDOL]HG6LJPD


052 13&& 
:(&& 
5)&
633 
6(5&

)5&&
:HVWHUQ      
(DUWHUVQ
,QWHUQQHFWLRQ 75( ,QWHUQQHFWLRQ 0: 0:
0: 0:
0:

Fonte: Milligan et al., 2012.

Um estudo abrangente, desenvolvido pelo National Renewable


Energy Laboratory (NREL) (Milligan et al., 2012), aponta ainda como van-
tagens de um sistema robusto de LTs a possibilidade de se ofertar energia
proveniente de fontes baratas, oriundas de diferentes regiões de um País.
Além disso, uma outra vantagem é reduzir a necessidade de reservas ope-
rativas pela possibilidade de intercâmbios mais frequentes, suavizando
a curva de intermitência de forma que as fontes mais baratas possam
ser usufruídas por períodos mais longos de tempo, evitando-se o desli-
gamento (curtailment). Por outro lado, o estudo aponta di iculdades já
citadas relacionadas à correta preci icação dos serviços de transmissão e
sobre a de inição de taxas de remuneração de investimento dado o baixo
risco que empreendimentos de transmissão oferecem.
Uma maior inserção de LTs para aumentar a interligação pode ainda
trazer di iculdades provenientes de sistemas operativos que envolvam múl-
tiplos agentes de operação independentes, como ocorre na Comunidade
Europeia e nos EUA, onde, inclusive, alguns operadores delegam para os
centros de despacho das empresas a tarefa de otimização dos despachos. O
exemplo americano é emblemático pela característica de que cada estado
possui legislações especí icas, cabendo à Agencia Federal (Federal Energy
Regulatory Commission – FERC) estabelecer o regramento do funciona-
mento de LTs quando estas ultrapassam os limites de um estado.
O conceito da integração de diferentes sistemas operativos também
depende da área geográ ica de abrangência e do número de operadores,
quando se operam de forma integrada as necessidades de ramp up e ramp

159 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


down. O Midwest ISO (MISO), retratado na Figura 8.5, conseguiu a consolida-
ção operativa de 27 entidades envolvidas em despacho desse sistema, eviden-
ciando os desa ios da operação interligada e com decisões compartilhadas.

Figura 8.5 Diferentes operadores independentes de sistemas elétricos nos EUA

$OEHUWD
(OHFWULFV\VWHP
RSHUDWRU
$(6'
,QGHSHQGHQW
HOHFWHLFLW\V\VWHP
RSHUDWRU ,(62

,621HZ
0LGHZHVW,QGHSHQGHQW (QJODQG572
WUDQVPLVVLRQV\VWHP
RSHUDWRU 0,62 572
3-0 572 1HZ<RUN
&DOLIRUQLD ,QWHUFRQQHFWLRQ ,QGHSHQGHQW
,QGHSHQGHQW 6RXWKZHVW 6\VWHP
V\VWHP 3RZHU3RRO RSHUDWRU
RSHUDWRU 633 572 1<,62
&DLVR

(OHFWULF5HOLDELOLW\
FRXQFLORIWH[DV
(5&27 ,62

Fonte: Milligan et al., 2012.

Como resultado, movimentos contrários de aumento de geração e redu-


ção de carga se compensam e reduzem o stress do sistema. A Figura 8.6, repro-
duzida de Kirby e Milligan (2008), exempli ica esse efeito de compensação.

Figura 8.6 Efeito de coordenação inter operadores


 6RPHDUHDVDUHUDPSLQJXS
QHDUO\0:KUZKLOHRWKHU

5DPS 0:KU

DUHDVDUHUDPSLQJGRZQQHDUO\
0:KU





    
([FHHVV5DPSLQJ


0:KU


    
+RXURIYHDU RQHGDY

Fonte: Kirby e Milligan, 2008.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 160


O papel dos sistemas de transmissão é tão importante para minimizar
os efeitos da intermitência que o planejamento da expansão da transmissão
no Texas contempla, como uma das condicionantes, a perspectiva de um tra-
çado que priorize as áreas com elevado potencial para novos projetos eólicos,
mesmo que estes ainda não tenham sido viabilizados (Milligan et al., 2012).
No Brasil, o relevante crescimento de FRIs, em especial, das eólicas,
tem promovido um aumento dos intercâmbios entre sistemas adjacentes,
como evidencia a Figura 8.7, elaborada a partir de dados do Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS, 2020). A igura mostra que os inter-
câmbios já fazem parte da rotina operativa no Brasil, invertendo-se o
luxo entre o Nordeste (principal produtor de FRIs) e o Sudeste-Centro
Oeste (principal mercado consumidor).
Finalmente, nesta seção, é conveniente destacar a vigorosa expansão
prevista para ocorrer no mercado norte-americano para um cenário de 80%
de fontes renováveis em 2050. A Figura 8.8 retrata esse planejamento. Em
um estudo mais recente do NREL (Brinkman et al., 2012), quatro cenários
de reforços para o sistema norte-americano são delineados. Enquanto os
dois primeiros reforçam as interconexões leste-oeste (back-to-back) existen-
tes, que somam 1.300 MW, os outros dois cenários, que são apresentados na
Figura 8.9, implicam a construção de três linhas de segmentos de transmissão
em corrente contínua em alta tensão (HVDC) ou em uma macro rede nacional
em HVDC, interligando os grandes potenciais eólico e solar.

Figura 8.7 Intercâmbios entre submercados 2016-2020


6HOHFLRQH ,QWHUFkPELRGH(QHUJLV *ZK

,QWHUFkPELRGH(QHUJLD 0:PHG
,QWHUFkPELRGH(QHUJLD *:K 
(VFDODGHWHPSR
DQR 

2ULJHPGHVWLQR 
YDORUHVP~OWLSORV

3HUtRGR )LP
  

GLD V VHOHFLRQDGR V 


1RUGHVWH6XGHVWH

1RUWH6XGHVWH
   

Fonte: ONS, 2020.

O Brasil também registra em seu planejamento de longo prazo (até


2030) um ambicioso plano de investimentos da ordem de R$ 30 bilhões,

161 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


sendo R$ 23 bilhões para novas obras e R$7 bilhões para reforços e
ampliações (EPE, 2020).

Figura 8.8 Expansão da Transmissão – Cenário 80% de renováveis em 205053


,QWHU%D 0:





!

,QWUD%$ 0LOOLRQ0:0LOHV





!

Fonte: Mai et al., 2012.

Figura 8.9 Cenários de Expansão da Transmissão para 2038

Fonte: Brinkman et al., 2012.

Planejamento

Embora possa parecer paradoxal uma seção que trate do tema planejamento,
posto que toda a sistemática descrita neste capítulo represente per se ativida-
des de plani icação, é essencial evidenciar quão importante pode ser a visão
estruturada do planejador. A Figura 8.10 mostra o exemplo do NREL anteci-
pando cenários de grande penetração de renováveis (50% e 80%) para 2050
e tenta analisar a diversi icação geográ ica da localização de recursos.

53
BA - Área de consolidação do despacho ou balancing area.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 162


Figura 8.10 Diversidade de localização geográfica de recursos de
fontes renováveis54

Fonte: Mai, 2012.

Já a Figura 8.11 apresenta as projeções de análise de fontes para aten-


der à demanda em momentos de máxima carga (verão) e para ocasiões
em que a demanda esteja mais baixa, envolvendo corte de geração e veí-
culos elétricos. Embora não exista nenhuma novidade tecnológica nessas
considerações, é importante reconhecer a abrangência com que o ferra-
mental de planejamento pode auxiliar nessa tarefa de gerenciamento da
elevada penetração de FRIs.
Em um exemplo de interesse em estudos de planejamento integrado
para auxiliar os sistemas de transmissão para apoio ao desenvolvimento
da fonte eólica offshore, o The Business Network For Offshore Wind (Burke
et al., 2020) desenvolveu um estudo advogando exatamente sobre o pla-
nejamento integrado da transmissão. Neste, são incorporados requisitos
de política pública, para um horizonte de longo prazo, o que possibilitaria

54
CSP - sistemas solares para térmicas de concentração solar.

163 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


a integração de até 30 GW dessa fonte na costa leste dos Estados Unidos,
em ações que partiriam da Presidência ou do Congresso para envolver o
Departamento de Energia. O estudo solicita a pressão dos estados junto
ao Governo e à FERC.

Figura 8.11 Curvas de carga e papel de diferentes fontes de


geração – Cenário para 2050





3RZHU *:












-XO -XO -XO -XO -XO -XO -XO -XO
       
'DWH
D 6XPPHUSHDNORDGLQ





3RZHU *:












$SU $SO $SU $SU $SU $SU $SU $SU
       
'DWH
E /RZHVWFRLQFLGHQWORDGLQ

&XUWDLOPHQW
:LQG +\GURSRZHU *HRWKHUPDO
39 &63 1XFOHDU
*DV&7 %LRSRZHU 6KLIWHG/RDG
*DV&& &RDO /RDG
Fonte: Mai, 2012.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 164


Todo esse ferramental ainda depende do conhecimento da tipolo-
gia da carga, que será mais bem caracterizada na seção de Resposta da
Demanda, pois cada consumidor tem suas necessidades e sua capacidade
de suportar riscos e custos diferentes, de acordo com suas atividades.
Apenas para exempli icar: uma indústria têxtil ou de produção de plásti-
cos não pode conviver com desligamentos, mesmo que de poucos milisse-
gundos, enquanto que, em um hotel, pequenos desligamentos podem ape-
nas causar um desconforto circunstancial para os hóspedes, mas nada que
torne problemática a falta de energia de alguns minutos. Outros exemplos
poderiam ser identi icados em relação à capacidade de suportar custos. A
Figura 8.12 mostra projeções por segmentos de consumidores para 2050
com penetrações das renováveis em 80%. Esse conhecimento é funda-
mental para a análise do risco operativo que a sociedade pode suportar,
além de custos e formatação de políticas de resposta da demanda.

Figura 8.12 Cenários de segmentação da carga55



3URMHFWLRQ DQG
'HP
 +LJK
/RZ'HPDQG

7:K








        
<HDU
5HVLGHQWLDO &RPPHUFLDO ,QGXVWULDO 7UDQVSRUWDWLRQ 3(9
Fonte: Mai, 2012.

A análise de mercado e dos hábitos de consumo pode ser tão so is-


ticada como o estudo de alterações demográ icas previstas a partir de
análises censitárias, inclusive, porque propicia a possibilidade de antever
maior ou menor necessidade de infraestrutura com as óbvias implicações

55
PEV – Veículos elétricos.

165 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


de investimentos e impactos ambientais que eventualmente podem ser
postergados (Almeida Prado Jr. et al., 2016).
A Tabela 8.2 apresenta as variações na população de diferentes esta-
dos americanos previstas para ocorrerem até 2050. É possível perceber
que existem estados que vão dobrar sua população até 2050, enquanto
outros permanecerão relativamente estáveis ou com crescimentos muito
pequenos. Cabe ainda registrar que alguns estados ainda terão sua popu-
lação reduzida. Todas essas mudanças, certamente, produzem efeitos na
demanda por eletricidade.

Tabela 8.2 Alteração populacional projetada para alguns


estados americanos – 2050
Least percent change Greatest percentage change
Population change 2050 Population change 2050
State State
relative to 2010 (%) relative to 2010 (%)
District of Columbia 65 Nevada 211
West Virginia 77 Arizona 209
Iowa 87 Florida 185
Wyoming 88 Texas 166
North Dakota 94 Utah 163
Ohio 94 Idaho 159
New York 95 North Carolina 159
Pennsylvania 105 Washington 154
South Dakota 108 Georgia 153
Nebraska 108 Oregon 149
Fonte: Hostick, 2012.

Estudos de hábitos de consumo e de posse de equipamentos também


são emblemáticos como ferramental para planejar o atendimento do mer-
cado e investimentos. Apenas para exempli icar: a posse de veículos elétri-
cos terá relevante in luência nos requisitos de atendimento ao mercado de
energia elétrica nos próximos 30 anos. A Figura 8.13 mostra a penetração
de veículos elétricos nos EUA. As FRIs podem ser muito relevantes para o
atendimento de veículos elétricos e com a oferta de baterias mais baratas
e e icientes alavancadas para esse mercado muito grande que se avizinha.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 166


Figura 8.13 Penetração de veículos elétricos – EUA






3HUFHQW 








      
<HDU
/RZ'HPDQG6DOHV +LVWRULFDO+(96WRFN 6KLIWHG
/RZ'HPDQG6WRFN
Fonte: Hostick, 2012.

8.3 Resposta da Demanda

A sociedade não tem conhecimento do que seria uma estratégia de


Resposta da Demanda (RD) para o setor de eletricidade, exceto para uma
audiência mais especializada. Apesar desse desconhecimento, a mesma
sociedade tem vivenciado várias ações típicas de RD. Como exemplos,
tarifas mais baratas no metrô para horários que antecedem o horário de
ponta da manhã (na companhia de metrô da cidade de São Paulo, há a
Tarifa do Madrugador), tarifas mais caras de avião e em hotéis em perío-
dos de férias, ofertas de produtos em lojas após datas emblemáticas para
minimizar estoques (Dia das mães, Natal, entre outras).
A experiência brasileira nessa estratégia foi iniciada em meados dos
anos 1970, quando foram desenvolvidas as tarifas horosazonais. Elas
podem ser consideradas uma espécie da alternativa de gerenciamento da
demanda de eletricidade a partir da imposição de custos mais elevados
nos horários de ponta do sistema, mas obviamente um modelo ultrapas-
sado e bastante limitado. Mais recentemente, com maior divulgação, a
aplicação de bandeiras tarifárias.
O tema, no entanto, chama a atenção dos pensadores da indústria há
muitas décadas. Até meados dos anos 1970, os preços eram desconside-
rados nos sistemas e no planejamento da demanda, mesmo no longo prazo.

167 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


A crise dos preços do petróleo veio alterar esse status quo e, pela primeira
vez, passou-se a considerar a Alternativa do Lado da Demanda e o incentivo
à e iciência energética (Riff, 2002). Em seu livro Carbonomics, Steven Sotft
(2008), em tom jocoso, a irma que o experimento conduzido por Ahmed
Yamani,56 ao proclamar a necessidade de conservar energia, produziu efei-
tos mais e icazes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE)
do que todo o conjunto de países que aderiram ao Protocolo de Quioto.
Os ensinamentos dos choques do petróleo introduziram os meca-
nismos econômicos no processo de utilização de energia. Produziram
também efeitos regulatórios, como a edição da legislação Public Utility
Regulatory Polices Act (PURPA, 1978). Embora inicialmente direcionada
para incentivar a e iciência energética, produziu efeitos transversais,
como a ruptura do monopólio natural das concessionárias verticalizadas,
propiciando o surgimento dos produtores independentes e o livre acesso
à rede das concessionárias (Morris, 1983).
Em 1981, em um Congresso sobre Experimentações Sociais, Aigner
(1981) relatou a existência de 15 projetos-piloto sobre a in luência nos
hábitos de consumo de energia elétrica pelo oferecimento de descontos,
“rebates” e preços diferenciados conforme as horas do dia. As primeiras
experiências relatadas remontam a 1975, no estado de Vermont.
Daquela época para o momento contemporâneo, muito se evoluiu
sobre as possibilidades que a ferramenta da RD pode produzir. Os avanços
se deram em campos tecnológicos, como medições inteligentes, automa-
ção da operação, mercados competitivos, preços horários e um progresso
extraordinário no campo da economia comportamental. Os anseios da
sociedade também se alteraram e novos níveis de exigência passaram a
fazer parte da indústria de energia, como o gerenciamento de riscos, os
preços acessíveis e os cuidados ambientais.
Em um mundo onde o crescimento das FRIs vai alterar a lógica do
despacho pela ordem de mérito econômico, vai fazer mais sentido que a
oferta e a demanda passem a ser lexíveis e a dançar juntas (na expressão
de Helen Steiniger, 2017) em vez de tentarem se ajustar mutuamente.

56
Ministro do petróleo da Arábia Saudita e dirigente da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 168


Ajustes da demanda carecem de decisões comportamentais e de
amplo acesso à informação. Sistemas de fornecimento de informação
sobre o consumo de equipamentos e o preço horário da energia, bem
como a existência de planos das concessionárias (comercializadores) são
condições necessárias, mas não su icientes, pois é essencial a adesão do
agente fundamental: o consumidor (cliente). Esse agente tem variáveis no
seu processo de decisão que, muitas vezes, fogem à racionalidade e envol-
vem critérios não necessariamente econômicos.
A Figura 8.14, reproduzida de Savan et al. (2014), mostra, além da
in luência dos controles percebidos (informações técnicas e econômicas),
as normas sociais percebidas (por exemplo, o combate às mudanças cli-
máticas) e a necessidade de uma atitude. Essas condicionantes podem se
transformar em intenções de comportamento. Contudo, para que redun-
dem em mudança de comportamento, precisam suplantar barreiras, que
podem, inclusive, serem psicológicas. Não é por outra razão que o com-
prometimento com atitudes tem sido estudado pela economia comporta-
mental. Muitas vezes, os consumidores podem preferir manter seu status
quo por serem conservadores e terem aversão à mudança, terem satis-
fação com o “bom” sem querer ter o trabalho de obter o “ótimo” e, inal-
mente, o receio de perdas em um ambiente desconhecido. O conhecido
Efeito Dieta57 também tem sido identi icado (Ariely, 2002).

Figura 8.14 Processo de tomada de decisão – um exemplo para


Influência em Resposta da Demanda

7KHRU\RISODQQHG%HKDYLRXU
$WWLWXGH
%DUULHUV

3HUFHLYHG6RFLDO1RUPV ,QWHQWLRQ %HKDYLRXU

3HUFHLYHGFRQWURO $FWXDO%HKDYLRXUDOFRQWURO

Fonte: Savan et al., 2014.

57
Começarei na próxima segunda-feira.

169 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


O processo envolvendo a tomada de decisão do cliente tem sido objeto
de extensos experimentos, muitos deles capitaneados pelo Brattel Group, uma
consultoria especializada no tema. Os EUA têm sido o país que mais investe em
estudos de Resposta da Demanda (Tolmasquim e Morozowski, 2019). Muitos
programas-piloto envolvem não só a tipologia do resultado que se pretende
atingir (deslocamento do consumo em determinados horários, em determi-
nados períodos do ano ou mesmo em situações excepcionais), mas também o
menu que se oferece aos consumidores. Diferentes exemplos podem ser cita-
dos, como a tarifação em tempo real, as tarifas horosazonais, o número de dias
de ocorrência extraordinária permitido, a antecedência com que a excepciona-
lidade vai ser requerida, o prêmio oferecido pela adesão ao programa e a classe
socioeconômica do consumidor. Os objetivos a serem perseguidos pela regula-
ção podem envolver uma ampla gama de ferramentas. Podem ser citadas, entre
outras: (i) Tarifação de Ponta Crítica (Critical Peak Pricing), (ii) Preci icação em
Tempo Real (Real Time Pricing), (iii) Controle Direto da Carga, (iv) Programas de
Interruptibilidade, (v) Programas Emergenciais, (vi) Mercado de Capacidade,
(vii) Mercado de Serviços Ancilares e (viii) Oferta de Redução de Carga.
Todos esses itens estão sendo estudados para avaliação da combi-
nação que permitiria uma maior adesão aos programas, impactos sociais
e econômicos para as diferentes classes e eventuais impactos tarifários
para consumidores não aderentes ao programa e dimensões dos prêmios
ou descontos tarifários ofertados.
Embora o tema tenha chamado a atenção de diferentes estudos no
Brasil e a ANEEL estudado um programa-piloto, os desenvolvimentos
estão bastante acanhados.
Uma dissertação de mestrado, apresentada à Escola Politécnica da
USP (Souza, 2010), indicou que programas de Resposta da Demanda (RD)
poderiam contribuir para a mitigação do poder de mercado de gerado-
res, para o aumento da con iabilidade, para um melhor aproveitamento
dos recursos e para a redução da volatilidade de preços de curto prazo.
O mesmo trabalho apontou a necessidade de desdobramento de esforços
para aprofundar o conhecimento do mercado que poderia ser ofertante
e o preço que se tornaria viável para atrair consumidores. Esses preços
deveriam ser associados ao próprio preço de curto prazo ou deveriam ser
ixos, podendo ou não serem sazonais? A oferta se daria em todos os sub-
mercados ou haveria maior interesse regional (Souza, 2010)?

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 170


Em um evento mais recente, realizado na Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE) em 2016, as discussões foram mais aprofun-
dadas e vários aspectos relevantes apontados pelos palestrantes. A Tabela
8.3 apresenta os aspectos mais relevantes.

Tabela 8.3 Pontos discutidos no Seminário CIGRE – CCEE sobre


Resposta da Demanda
Palestrante Aspectos a destacar
A resposta da demanda vai acontecer mesmo que inexistam regulamentos.
É necessário separar os efeitos de eficiência (longo prazo) da Resposta da
Demanda (curto prazo).
Operador do sistema precisa ter ferramental para se valer dos benefícios
decorrentes da RD.
Mercado de capacidade vai ganhar importância, em especial no Nordeste.
Geração distribuída vai ser componente essencial na RD, afetando todos os
João Carlos segmentos.
Mello – Thymos
Energia em A RD tem sempre a ideia de se evitar o despacho de UTEs mais caras ou
conjunto com propiciar maior segurança. Deveria, no entanto, precificar o quanto de
Roberto Castro emissões são evitadas.
(CCEE)
Se as Distribuidoras não se anteciparem como protagonistas no papel de
“agregadores”, darão espaço para empresas do estilo Uber no setor elétrico58.
A RD não pode ser politizada, é um ferramental técnico. Não pode ser
confundida com racionamento.
A utilização de leilões para RD precisa ser considerada.
Além das vantagens tradicionais de redução de riscos técnicos e de custo, deve
ser considerada também a contribuição que a RD pode oferecer para diminuir
perdas.
O preço ofertado para a RD deve ser competitivo. Com CVU de R$ 1.000/
MWh, quantas cargas não aceitariam um valor menor?
O consumidor deveria declarar um CVU como se fosse uma térmica virtual,
Como os Agentes reguladores podem contribuir para tornar o mercado
maduro para ações de RD.
Remuneração deveria incluir preços-prêmio quando a RD produzisse efeitos
Marcelo Prais nos serviços ancilares.
(ONS) RD tem que ser sempre voluntária.
O regulador precisa estudar diferentes segmentos de consumidores para
estabelecer tempo de respostas para efetivação da RD. Essa seria uma tarefa
das Associações?
O Curtailment pode ser mandatório (e, nesse caso, não seria RD), mas poderia
ser sim uma ação de RD caso não existissem preços-teto ou piso.
Podem existir situações que propiciem games por parte dos consumidores59.

58
Tema abordado no capítulo 11.
59
Pode-se questionar se isso seria mandatório para descartar iniciativas da RD?

171 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


Tabela 8.3 Pontos discutidos no Seminário CIGRE – CCEE sobre
Resposta da Demanda (Cont.)
Palestrante Aspectos a destacar
Preço horário vai incentivar RD.
A linha de base precisa ser muito bem definida para evitar games e perdas
Christiano Vieira não técnicas (ou, ao contrário, enriquecimento sem causa).
Silva (ANEEL)
Quando de um evento de intermitência que leve à redução abrupta da
geração, o Operador enxerga como aumento da carga?
Brasil precisa estudar melhor a experiência de Operadores Internacionais –
PJM, por exemplo.
Deve concentrar esforços em estudar curvas de permanência de stricking prices
em operadores internacionais.
RD demanda elevada inserção tecnológica do Operador, das distribuidoras
Rafael Ferreira e, eventualmente, dos consumidores (pelo menos, aqueles que tenham porte
(EPE) elevado ou complexidades no seu sistema produtivo).
Recomendou desenvolver esforços para conhecer melhor os trabalhos do EPRI60.
Dada a concentração de FRIs no Brasil na região NE, estudos de RD
precisam vir acompanhados de estudos de capacidade de intercâmbio entre
submercados.
Recomendou fortemente que a ANEEL não se preocupe com games, deixando
o mercado funcionar e desenvolver soluções criativas61.
É necessário desenvolver um conjunto de KPIs para a construção de linhas de base.
Necessário se estabelecer se a RD pode ser usada de forma estrutural ou
apenas em casos de crise (conjuntural).
Os contratos vão ser feitos com o ONS? Com as Ds? E RD para consumidores
Joisa Dutra residenciais? (não faria sentido envolver o ONS).
(FGV)
Ideal seria liberdade tal que um comercializador poderia ofertar e buscar o
volume ofertado no mercado.
Quem serão os agentes de “uberização do mercado”. Sugere que se preste
atenção aos patrocinadores de eventos para identificar empresas fora do
segmento tradicional de energia elétrica.
Necessário desenvolvimento de apps para reduzir o custo de transação.
Existe potencial no Brasil.
Precisa se estudar a curva de carga X PLD.
Tempo de resposta pode ser muito diferente de minutos a 45 dias.
Uma mesma fábrica pode oferecer diferentes “produtos”, distintas linhas de
ABRACE produção.
Existe resistência interna das empresas por ser um enfrentamento a um tema
desconhecido.
Problema de “prometer” e não ter condição de cumprir.
Benchmark a estudar: Canadá, Chile, EUA, Espanha e empresas de gases industriais.

60
Acrescente-se conhecer os trabalhos do Brattel Group, NREL e Edison Institute.
61
O capítulo 6 trata de vários exemplos dessas soluções disruptivas.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 172


Tabela 8.3 Pontos discutidos no Seminário CIGRE – CCEE sobre
Resposta da Demanda (Cont.)
Palestrante Aspectos a destacar
Se o PLD for muito alto, vai existir incentivo para cortar a carga, mas
pode ser pouco eficiente para o operador, pois o corte de carga acontece
espontaneamente e não é planejado.
Penalidades precisam estar atreladas ao CMO e não ao PLD por conta do
teto de preços.
Game potencial: a empresa promete reduzir a carga, mas não faz.
Acompanha outros agentes que também prometeram reduzir a carga e o
fizeram, os preços consequentemente caem. Compram-se contratos (mais
baratos?) para compensar o descumprimento.
Prazos de contratos devem ser preestabelecidos. Sugerem-se 12 meses. Não
existe expectativa de contratos de muito longo prazo.
Poderia haver uma remuneração binômia: energia e carga desligada.
Prof. Dorel
Soares Ramos RD vai enfrentar barreiras por conta de mitos consagrados, como por exemplo
(Escola que a demanda é inelástica (provavelmente falso como evidenciou-se durante
Politécnica da a reforma de tarifas do Governo Dilma). Necessário se estudar melhor
USP) questões relacionadas com elasticidade-preço.
Preço precisa ter componente fixa e uma variável. Fixo para fazer frente a
mudanças de investimento na linha de produção. Variável para fazer frente
ao custo de oportunidade da redução do volume de energia e/ou demanda.
Tem que olhar a opção armazenamento e suas composições (contradições)
com RD.
Leilão de conservação mesmo a longo prazo seria uma tipologia de RD?
Necessidade de estudos sobre o efeito das bandeiras. Há informações sobre
as reservas financeiras produzidas, mas não sobre efeitos de redução de
mercado.
Qual a similaridade entre Resposta da Demanda e as energias de reserva.
Como uma afetaria o resultado da outra.
Elaboração: Almeida Prado Jr., 2016.

Como é fácil perceber, parte das principais preocupações da estra-


tégia de RD, manifestada pelos especialistas, se re lete para grandes
consumidores. Poucas são as referências conectadas com o pequeno
consumidor, em especial, aqueles que produzem seus recursos energé-
ticos em modalidades incentivadas, como no Sistema de Compensações
Líquidas (net metering), Tarifas Feed-in ou Sistemas de Quotas aplicáveis
às Distribuidoras.
Também está evidenciada uma pequena preocupação com a inserção
das FRIs para a operação e o planejamento elétrico, embora esta esteja
latente nos pontos observados pelos especialistas. Cabe destaque ainda a

173 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


existência de farta literatura sobre o tema Resposta da Demanda. O capítulo
11, que tratará de desa ios regulatórios, vai abordar temas que, em muitos
aspectos, se superpõem aos desa ios apontados neste capitulo, quer porque
transformam os negócios como são usualmente (BAU), quer porque surgi-
rão outras oportunidades comerciais que impactarão os regulamentos e as
estratégias com as quais o sistema se acostumou a trabalhar.

8.4 Considerações Finais

A expansão das FRIs possui vantagens e di iculdades de ordem técnica


e econômica. Assim, dentro de uma visão pragmática, resta aos planeja-
dores e reguladores identi icarem estratégias que propiciem a expansão
dando suporte às escolhas do mercado sobre as FRIs pelas suas qualida-
des intrínsecas e desenvolver alternativas para mitigar os impactos que
resultem desse crescimento.
Entre essas soluções, estão o aprimoramento de modelos de pre-
visibilidade de produção de eletricidade a partir das FRIs, objetivo do
P&D que gerou essa publicação; a diversi icação de fontes renováveis e a
expansão de sua cobertura espacial; e o planejamento integrado do apro-
veitamento desses recursos à luz dos mais modernos modelos de previsão
da capacidade produtiva das fontes eólicas e solares. Merecem destaque
também o fortalecimento dos sistemas de transmissão, permitindo mais
e mais as possibilidades de intercâmbios, inclusive, com a construção das
super redes em HVDC; as alternativas de promover ações de resposta da
demanda (RD); os sistemas de gestão com as redes elétricas inteligentes
(REIs) e microgrids (MGs) e os estudos demográ icos para propor o equi-
líbrio de fontes de geração cada vez mais integradas na proximidade de
seus mercados de consumo. Vale ressaltar ainda os sistemas de armaze-
namento e uso de novos materiais, incluindo aqui o hidrogênio, os novos
modelos de negócios e o redesenho do mercado, temas discutidos nos
próximos capítulos.
O aprimoramento de modelos de previsibilidade de produção de ele-
tricidade a partir das FRIs tem óbvias aplicações com fortes impactos eco-
nômicos na operação dos sistemas elétricos, na modelagem de contratos
comerciais, nos mercados de curto prazo, na valoração de intercâmbios e
na correta avaliação da viabilidade econômica de novos empreendimentos.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 174


Esses efeitos podem, inclusive, extravasar para a produção de fontes tradi-
cionais, à medida que uma melhor capacidade preditiva torna o despacho
das FRIs menos incerto e, portanto, menos dependente de fontes térmicas.
Um sistema de transmissão com a robustez adequada, tanto na capa-
cidade de transporte, quanto na sua integração de cobertura geográ ica,
é essencial. Ele bene icia o acesso à oferta de energia barata, localizada a
grandes distâncias do centro de carga, facilita o intercâmbio entre dife-
rentes operadores ou entre distintas regiões operativas e permite utili-
zar de forma mais e iciente a complementaridade entre diferentes fontes
marcadas com efeitos sazonais ou até instantâneos, como rajadas de ven-
tos ou passagem de nuvens. A questão da dispersão geográ ica das FRIs
funciona como um hedge para suas variabilidades e um sistema de trans-
missão robusto é fundamental para o funcionamento desse mecanismo.
O gerenciamento do lado da demanda sempre esteve na base da
expansão das FRIs por permitir estabelecer a lexibilidade com o planeja-
mento da demanda, em complementaridade aos métodos que aumentam
a lexibilidade do lado da oferta em um sistema de energia. A RD pode ser
usada através de medições inteligentes, automação da operação, merca-
dos competitivos e preços horários. Da mesma forma, no campo da eco-
nomia comportamental, já que os anseios da sociedade se alteraram e
novos níveis de exigência passaram a fazer parte da indústria de energia,
como gerenciamento de riscos, preços acessíveis e cuidados ambientais.
Ademais, se antes as principais preocupações da estratégia de RD focas-
sem nos grandes consumidores, o cenário mudou para incluir o pequeno
consumidor, em especial, aqueles que produzem seus recursos energéti-
cos, basicamente a partir de FRIs.

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175 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


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177 Estratégias de Incentivos da Expansão e Mitigação dos Impactos das Fontes...


O PAPEL DOS SISTEMAS DE ARMAZENAMENTO
9
FRENTE À INSERÇÃO CRESCENTE DAS
FONTES RENOVÁVEIS INTERMITENTES (FRIS) E
OS NOVOS MATERIAIS
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

9.1 Sistemas de Armazenamento

O crescimento das Fontes Renováveis Intermitentes tem provocado um


interesse crescente por sistemas de armazenamento de energia, em espe-
cial, considerando-se que essas fontes são usualmente não despacháveis.
Além disso, em situações de baixa demanda, tais fontes acabam sendo
desligadas (curtailment), gerando-se um desperdício de recursos naturais
disponíveis.
A face mais visível e tradicional dos sistemas de armazenamento pode
ser apresentada por usinas hidrelétricas reversíveis e por baterias. Outros
sistemas mais complexos, como transformações eletroquímicas (por
exemplo, produção de hidrogênio eletrolítico) ou estocagem de luidos
sobre pressão, ainda carecem de desenvolvimento tecnológico e viabili-
dade econômica para se tornarem opções mais atrativas. Por essas razões,
esses sistemas mais complexos não serão abordados neste capítulo.
As usinas reversíveis têm tecnologia consagrada e bastante difun-
dida em muitos países. Embora existam algumas experiências no Brasil
aproveitando quedas d´água em regiões serranas, como a Usina Henry
Borden, usinas reversíveis são pouco difundidas no sistema brasileiro.
Tradicionalmente empregadas antes da popularização das FRIs, essas usi-
nas eram consideradas para contribuir para o atendimento da ponta dos
sistemas, necessidade que não tem sido mais relevante no contexto do SIN.
Questões envolvendo o armazenamento

Os sistemas de armazenamento, especialmente em situações relacionadas


a uma expansão acelerada das FRIs, têm várias utilizações comerciais e
estratégicas. A literatura recente tem sido pródiga em estudar esse assunto,
a exemplo de Green e Vasilakos (2011), Salles et al. (2017), Candelise e
Westacott (2017), Godfrey et al. (2017), Li et al. (2018), Craig et al. (2018),
Giulietti et al. (2018), Weibelzahl e Martz (2018), Bustos et al. (2018),
Newbery (2018), Sakti et al. (2018), Jeona e Mo (2018)), Gimon (2019) e
Laugs et al. (2020). Suas principais conclusões serão aqui relatadas.
Green e Vasilakos (2011) estudaram um sistema virtual de armaze-
namento desenvolvido por práticas comerciais da Dinamarca que exporta
energia para Suécia e para a Noruega (em prioridade) e importa a energia
através de um sistema de compensação com preços variáveis em dias com
baixa intensidade de ventos. Esses autores concluem pela atratividade de
sistemas de exportação de países com elevada penetração de FRIs (nesse
caso, a Dinamarca com a opção eólica) e países com sólida base de usina
hidrelétricas e térmicas de base, gerando notadamente na base do sis-
tema (nesse caso, UHEs na Noruega e usinas nucleares e hidrelétricas na
Suécia), numa visão da importância do armazenamento e de como ele já
existe nos sistemas tradicionais, garantindo a expansão das FRIs. Cabe
destaque que a mesma estratégia, já em curso no Nordeste brasileiro,
poderia ser expandida no país se fosse adotado, com maior ênfase, o pla-
nejamento da expansão de usinas hidrelétricas com reservatório. Nesse
caso, não haveria exportação entre países, mas um aumento do intercâm-
bio entre regiões.
Aspectos relacionados à possibilidade de arbitragem62 da energia
estocada em baterias foram estudados por Salles et al. (2017), em espe-
cial, na área do PJM, um dos maiores operadores regionais de transmissão
dos EUA.

62
Arbitragem corresponde à compra da energia elétrica quando está barata para vendê-la
de volta à rede quando ica dispendiosa.

179 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
Candelise e Westacott (2017) analisaram o potencial do armazena-
mento distribuído para reduzir os impactos no luxo de energia no Reino
Unido. Segundo eles, o efeito líquido é um luxo de energia mais suave dos
níveis mais altos de tensão devido a uma melhor combinação de oferta e
demanda locais, reduzindo a necessidade de gerenciamento do luxo de
energia local e o reforço da rede. A análise indica ainda como o armazena-
mento pode ajudar a elevar a energia irme da fonte fotovoltaica, aumen-
tando sua contribuição para o pico da demanda diária, permitindo uma
melhor utilização de outras fontes de geração e reduzindo a dependência
de plantas de ponta.
Newbery (2018) compara a armazenagem com outras alternati-
vas, a saber: geradores de ponta, interconexões e resposta pelo lado
da demanda. Conclui que as baterias são capazes de serem muito úteis
quando implantadas estrategicamente em redes de distribuição em que
a expansão pode ser muito cara e disruptiva. Contudo, o autor a irma que
há fracos argumentos para subsídios signi icativos para a implantação de
armazenamento. Advoga, portanto, que seria mais efetivo garantir que
todos os serviços63 oferecidos pelo armazenamento sejam adequada-
mente remunerados.
Sakti et al. (2018), analisando a situação americana, mostram que
diferentes ISOs/RTOs permitem a participação do armazenamento de
energia em variados níveis. O já mencionado PJM permite a participação
do armazenamento de energia em seus mercados atacadistas, através dos
recursos de armazenamento de capacidade (CSR) e de energia (ESR). Já
o Regulamento de Gerenciamento de Energia (REM) da Califórnia ISO
(CAISO) permite que os recursos não-geradores (NGRs) participem nos
mercados de energia do dia seguinte (day-ahead) com base nas carac-
terísticas da tecnologia, levando em consideração o estado de carga da
bateria. Os autores consideram que a Resolução 841-FERC64 é a mais
importante mudança regulatória para os recursos de armazenamento de
energia. Finalizam propondo que etapas futuras devem incluir estruturas

63
Muitos deles de características ancilares.
64
A Resolução 841 determina que os ISOs / RTOs procedam às revisões necessárias nos
seus modelos de participação de forma a garantir que os recursos de armazenamento
de energia sejam autorizados a participar totalmente do mercado de capacidade, bem
como de outros mercados.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 180


regulatórias para valorar não apenas os serviços tradicionais de forneci-
mento de capacidade, energia e ancilares, mas também a postergação de
reforços na T&D, as formas adicionais de lexibilidade da rede e os bene í-
cios situados no lado do cliente.
Jeona e Mo (2018) defendem que apenas a arbitragem não re lete a
real contribuição do armazenamento para os sistemas de potência, sobre-
tudo quando integrada a sistemas com altos níveis de penetração da ener-
gia eólica, e que este mecanismo apenas não garantiria a rentabilidade
dos sistemas de armazenamento. Outros bene ícios incluem a redução da
variabilidade da geração eólica, a possibilidade de se produzir mais ener-
gia eólica devido à redução da necessidade de desligamentos em momen-
tos de alta oferta e baixa demanda, bem como de diminuição da geração
de ponta para manutenção da estabilidade do sistema.
Li et al. (2018) discutem a importância que veículos de mobilidade
elétrica, com suas respectivas baterias, podem propiciar ao sistema elé-
trico. Identi icaram, entre seus achados, que as políticas públicas atreladas
à possibilidade de comercialização de certi icados de carbono resultaram
em maior atratividade para o público chinês, suplantando bene ícios, como
gratuidade em estacionamentos, pedágios grátis ou com desconto e mesmo
políticas de subsídios governamentais para a compra desses artefatos.
Os achados de Weibelzahl e Martz (2018) evidenciaram a in luência
positiva que a disponibilidade de energia armazenada em baterias produz
nos preços de sistemas que apresentam restrições de intercâmbio (con-
gestionamento). Por outro lado, eles apontam que o despacho de baterias,
determinado de forma mandatória pelos operadores, irá alterar os pre-
ços do spot e que essa in luência de preços é tanto maior quanto menos
robustos forem os sistemas de transmissão, especialmente aqueles sujei-
tos à restrição de intercâmbio.
Bustos et al. (2018) discutem as operações de arbitragem da ener-
gia armazenada. Como decorrência da decisão de investimento nesse
contexto, os agentes investidores obviamente procuram maximizar sua
rentabilidade priorizando a descarga da bateria no sistema em momentos
de preços altos. Os mesmos autores identi icam, no entanto, que esses sis-
temas podem ser necessários em situações em que o requisito do sistema
não seja energia, mas sim outros serviços ancilares. Dessa forma, uma
decisão operativa de um operador independente precisaria remunerar

181 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
adequadamente o serviço de con iabilidade propiciado por este investi-
dor. Eles chamam a atenção para o fato de que, sendo os serviços de arma-
zenamento muito novos na indústria, existem muitas lacunas regulatórias
a serem preenchidas, seguindo a linha de Sakti et al. (2018). Bustos et al.
(2018) chegam a questionar se sistemas de armazenamento deveriam ser
classi icados como complementares ou como substitutos a estratégias de
expansão de sistemas de transmissão.
Giulietti et al. (2018) analisaram os potenciais econômicos do arma-
zenamento em baterias e em usinas reversíveis.65 Eles destacam os bene-
ícios decorrentes do custo de capital investido quando se comparam os
investimentos em usinas tradicionais e o armazenamento nesses equipa-
mentos. Obviamente, há que se comparar, nesta análise, a diferença de
investimento entre as duas alternativas. À medida que as baterias caiam
de preço, a alternativa de armazenamento deve ganhar competitividade,
pois a economia não reside apenas no custo de capital de novos investi-
mentos, mas também na postergação de investimentos em transmissão,
na demanda por combustível no ramping das usinas termelétricas e na
não necessidade de utilização de usinas de baixa e iciência, como por
exemplo geração a diesel. Os autores ainda destacam a redução de custos
operativos quando a volatilidade da produção aumenta e o ajuste da pro-
dução à demanda ica mais complexo.
Outra vantagem apontada por Condon et al. (2018) para os sistemas
de estocagem de energia elétrica diz respeito ao sistema de distribuição.
Nestes, as baterias podem funcionar como salvaguardas para desligamen-
tos da rede ou para permitir um melhor gerenciamento dos consumidores
sobre sua carga, em especial, aqueles que possuam sistemas de geração
distribuída e/ou estejam conectados em sistemas de tarifas dinâmicas,
como a tarifa branca no Brasil, por exemplo.
Gimon (2019) aponta como facilitadora para a expansão do armaze-
namento a propensão de governos estaduais, em especí ico, a Califórnia,
de incentivarem regulatoriamente a inserção de sistemas de armaze-
namento associados à potencialidade bené ica de aspectos ambientais

65
Deixam, no entanto, de levar em conta a estocagem em usinas de porte, provavelmente
por considerarem a disponibilidade desse tipo de solução como restrita a algumas regi-
ões especi icas, como seria o caso do Brasil, do Canadá e da Noruega.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 182


das FRIs. Ao mesmo tempo, aponta como di icultador o posicionamento
estratégico de concessionárias verticalmente integradas que conside-
ram tal expansão danosa a seus negócios66. Ele ressalta a postergação de
investimentos, chegando ao ponto de igualar esses sistemas de armazena-
mento como se fossem linhas de transmissão virtual. Destaca ainda que, à
medida que os mercados de comunidades isoladas se desenvolvem, linhas
de transmissão eventualmente postergadas podem passar a serem justi-
icáveis e as baterias podem ser, com relativa facilidade, deslocadas para
outras regiões mais carentes de infraestrutura.
Laugs et al. (2020) admitem que a integração do armazenamento
nos sistemas de suprimento local pode garantir a autossu iciência e asse-
gurar uma boa relação custo-bene ício para os prossumidores. Contudo,
poderia, eventualmente, causar desvantagens adicionais de pico de carga
para operadores de rede. Eles advogam que são necessárias medidas
políticas adequadas, além das atuais estratégias de desligamento/redu-
ção (curtailment), para garantir a distribuição apropriada dos bene ícios
e responsabilidades associados às fontes renováveis intermitentes e ao
armazenamento.
Existe, portanto, algum questionamento no que diz respeito à opera-
ção dos sistemas de armazenamento afetando a rentabilidade de usinas
tradicionais. Em relação a esse tema, existiria ainda o questionamento se
a de inição de intercâmbios também não afetaria os preços de curto prazo
e no que diferem as decisões de troca de energia entre sistemas contíguos
e o despacho de baterias. Esse aspecto pode ser muito relevante no Brasil
dada a elevada concentração de FRIs no Nordeste brasileiro.
Pode-se sempre sugerir que o enfrentamento desses problemas de
governança pode ser minimizado pela maior clareza das regras operativas
e que sejam devidamente preci icados os custos de promover a con iabi-
lidade do sistema para cada nível de segurança requerido. Pode-se ainda
estabelecer que o despacho de baterias ou de outro sistema de armazena-
mento possa ser considerado à semelhança de qualquer fonte de geração
como uma sistemática open access.

66
À semelhança do que ocorre no Brasil, com a expansão da Geração Distribuída de
pequena escala, vista com restrições por muitas concessionárias, em um embate com a
indústria que se arrasta entre 2019 e 2020.

183 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
Apesar da “resistência” das ISOs/RTOs a esses sistemas, como LTs
virtuais, os operadores têm sido mais abertos à provisão de serviços anci-
lares67, inclusive, pela expectativa de que a demanda por estes irá somente
crescer com o aumento da penetração das FRIs.
Do ponto de vista do custo do armazenamento, voltando a Gimon
(2019), ele estima que o custo de um sistema capaz de prover 1 MWh pode
ser de US$ 300 a US$ 400, o que levaria a um pay back simples da ordem
de sete anos, considerando-se a realidade de mercado do ERCOT na região
de Houston. Obviamente, aquilo que pode ser considerado de uso restrito
pode se tornar disruptivo quando de uma redução substancial de preços.
Já segundo Preskill e Calalway (2018), uma capacidade de armazena-
mento igual a cinco horas da capacidade do sistema anularia as oportuni-
dades de arbitragem. Os mesmos autores, no entanto, advertem que essa
estimativa depende de muitas variáveis. Por exemplo, os preços relativos
dos investimentos em baterias e o preço médio do spot, da intensidade da
intermitência e dos aspectos locacionais desses sistemas de estocagem.
De qualquer forma, para capacidades de produção acima de 10 GWh de
capacidade instalada, os bene ícios tenderiam a ser desprezíveis.
No plano dos impactos ambientais e das externalidades, existem
controvérsias sobre a redução das emissões, pelo menos no curto prazo.
Alguns autores apontam um risco de aumento de emissões, entre eles:
Goteti et al. (2017), Craig et al. (2018), Condon et al. (2018), Bustos et al.
(2018), Brook (2014) e Hittinger e Azevedo (2019). Existe, assim, uma
fronteira de conhecimento sobre o tema inserção de sistemas de armaze-
namento associados com sistemas elétricos de grande penetração de FRIs
na redução de emissões no curto prazo.
Goteti et al. (2017) chamam a atenção para o efeito reverso de
aumento das emissões por conta de armazenamento que irá depender
da situação inicial do sistema, da infraestrutura existente de geração de
base (ou de fontes must-take), dos preços relativos de combustíveis fós-
seis e da existência de obrigações regulatórias relacionadas a quotas e/
ou certi icação de baixo carbono. Seus estudos foram desenvolvidos em
dois sistemas interligados americanos, o Mid Continent ISO (com grande

67
Regulação de frequência, controle de tensão, reservas de capacidade e geração de emer-
gência, por exemplo.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 184


abundância de fontes de geração intensas em carbono) e o ISO de New
York (com baixa incidência de carbono em sua geração). Nessa compara-
ção, identi icou-se que as condições iniciais são determinantes para um
aumento das emissões.
As razões principais, segundo as fontes citadas, residem no fato de
que existe uma ine iciência no processo de estocagem pelas perdas téc-
nicas nos ciclos de carregamento e descarregamento das baterias, o que
provocaria um aumento de consumo. Outra justi icativa decorre do fato de
que as operações de arbitragem não precisam acontecer apenas quando
existirem excedentes de FRIs, mas sim quando ocorrerem preços spot bai-
xos, o que pode ser registrado em ocasiões fora da ponta, ou in luências de
transbordos de preços negativos em sistemas contíguos, como por exem-
plo entre Alemanha e França.
Marshall (2018) ainda destaca o regulamento do estado de
Massachusetts, conhecido como “ponta limpa”, que exige uma certa quan-
tidade de energia renovável no horário de ponta. Ele sugere que isso pode-
ria ser replicado para operações de carregamento de baterias, ou seja,
somente poderia ser feito em momentos em que houvesse, pelo menos,
uma parcela da geração sendo despachada com base em FRIs. O mesmo
poderia ser obtido com algum incentivo para que a recarga fosse feita nos
momentos de excedentes de FRIs. O autor, no entanto, não explora como
tornar o controle sobre essa alternativa possível à medida que, sendo
baterias equipamentos que podem ser isolados, seria di ícil a salvaguarda
desse regramento.
Brook (2014) apresenta o conceito denominado Energy Returned
Over Energy Investment (EROEI), ou seja, o indicador que identi ica a rela-
ção entre a energia a ser produzida durante a vida útil da usina e a energia
gasta para construir o empreendimento.

Energia líquida gerada na vida útil da usina


EROEI =
Energia gasta na construção e condicionantes da usina

A Figura 9.1 apresenta, de maneira didática, o conceito expresso na


fórmula acima. A igura é autoexplicativa nos conceitos relativos à energia
líquida (em que se desconta o autoconsumo) e nas condicionantes da usina
(em que se considera, por exemplo, o descomissionamento). A redução des-

185 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
ses índices energéticos com armazenamento representa o gasto energético
na fabricação das baterias (e/ou outra alternativa de armazenamento) e
suas condicionantes (por exemplo, perdas nos ciclos de carga e descarga).

Figura 9.1 Conceituação do EROEI

6HOIXVH

1HW
HQHUJ\
3RZHU 3RZHUWR
JHQHUDWLRQ FRQVXPHU
&XPXODWLYH
VWDUWV
HQHUJ\
SURGXFWLRQ
 7LPH

&XPXODWLYH
HQHUJ\ 6KXWGRZQ
FRVWV
&RQVWUXFWLRQ 2SHUDWLRQDOOLIHWLPH 'HFRPPLVVLRQLQJ

6WDUWRISURMHFW (QGRISURJHFW

Fonte: Brook, 2014.

Situação atual e perspectivas

O armazenamento de energia pode se dar de diversas formas, usando


variadas tecnologias e sob diferentes condições. O processo mais con-
vencional de armazenamento se dá nos reservatórios de acumulação das
hidrelétricas que, no caso do Brasil, tem sido fundamental para os gran-
des níveis de expansão das fontes intermitentes, sobretudo no Nordeste.
Por outro lado, nos anos de seca, essas fontes, particularmente a eólica,
têm garantido a operação do sistema sem risco de racionamento.
Outras formas de armazenamento podem ser químicas, elétricas, eletro-
químicas, mecânicas e térmicas. Entre essas, se destaca o bombeamento em
usinas reversíveis em um esquema em que se cria um segundo reservatório
de acumulação em um mesmo empreendimento hidrelétrico. O armazena-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 186


mento de energia através de usinas hidrelétricas reversíveis já é uma estra-
tégia convencional, sendo uma tecnologia dominada e consolidada, usada
normalmente na ponta do sistema. Quando grandes volumes de eletricidade
precisam ser deslocados de um determinado momento de abundância para
outro (por exemplo, mais tarde no dia, semana ou mês), a hidrelétrica rever-
sível tem sido historicamente a principal tecnologia para esse im. A Agência
Internacional de Energia ( IEA) registra que o armazenamento sob a forma
de usinas reversíveis era de 153 GW, em 2017, enquanto que, em baterias,
totalizava 5 GW. A Agência prevê que esses números aumentem para 179 GW
e 27 GW, respectivamente, em 2023, quando as baterias ainda representa-
riam 13% do total de energia armazenada (IEA, 2020a).
Ao contrário dos sistemas de armazenamento convencionais, men-
cionados acima, as baterias têm a vantagem da lexibilidade geográ ica
e de tamanho, podendo, portanto, serem implantadas mais próximas
do local onde é necessária a lexibilidade adicional e serem facilmente
dimensionadas. Duas dessas outras formas de armazenamento têm se
mostrado muito promissoras: o químico e o eletroquímico. No primeiro,
destacam-se a produção de hidrogênio e, no segundo, as baterias eletro-
químicas, em particular, de íons de lítio. No mecânico, o gás comprimido é
uma tecnologia bastante conhecida, mas de pouca aplicação no setor elé-
trico. Além disso, há os volantes ( lywheels). No caso da energia solar com
concentradores, o método térmico, usando o sal fundido, é a tecnologia
mais consolidada, o que já garante um status de fonte não tão intermitente
para essa forma de produção de energia elétrica. O armazenamento elé-
trico se dá em supercapacitores ou bobinas supercondutoras.
A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA), no relató-
rio Innovation Landscape for a Renewable-Powered Future: Solutions to
Integrate Variable Renewables (IRENA, 2019a), coloca o armazenamento
de energia como uma das tecnologias inovadoras que habilitam a integra-
ção das FRIs em grande escala, possibilitando um futuro renovável para
o setor elétrico global. A Figura 9.2 apresenta o conjunto dessas soluções
facilitadoras, a saber: armazenamento de energia elétrica, eletri icação de
setores inais (carros, elétricos, produção de calor e de hidrogênio), tec-
nologias digitais, novas redes e geração despachável. À medida que possi-
bilitam novas formas de operar e de otimizar os sistemas de potência, elas
viabilizam a integração de altos níveis de penetração das FRIs.

187 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
Figura 9.2 Inovações tecnológicas facilitadoras
 (OHFWULFLW\ ‡8WLOLW\VFDOHEDWWHULHV
 VWRUDJH ‡%HKLQGWKHPHWHUEDWWHULHV

  (OHFWULILFDWLRQRI ‡(OHFWULFYHKLFOHVPDUWFKDUJLQJ
 HQGXVHVHFWRUV ‡5HQHZDEOHSRZHUWRKHDW
‡5HQHZDEOHSRZHUWRKLGURJHQ

'LJLWDO ‡,QWHUQHWRIWKLQJV

 WHFKQRORJLHV ‡$UWLILFLDOLQWHOLJHQFHDQGELJGDWD
‡%ORFNFKDLQ

  1HWJULGV ‡5HQHZDEOHPLQLJULGV
(1$%/,1* ‡6XSHUJULGV
7(&+12/2*,(6
'LVSDWFKDEOH ‡)OH[LELOLW\LQFRQYHQWLRQDO

JHQHUDWLRQ SRZHUSODQWV

Fonte: IRENA, 2019a.

A Figura 9.2 deixa evidente que existem duas grandes abordagens


para o armazenamento de energia, as quais facilitam a massi icação das
fontes renováveis intermitentes: baterias ditas em escala de concessio-
nárias ou antes dos medidores e as baterias pós-medidores. Ainda repre-
sentando uma forma de armazenamento está a rubrica de eletri icação
de setores inais, com o carregamento inteligente de veículos elétricos, a
conversão de renováveis em calor e em hidrogênio.
Vários são os tipos de baterias em uso em um mercado quase total-
mente dominado pelas baterias de lítio, quer nas aplicações em nível de
concessionárias, quer pós-medidores ou nos veículos elétricos. Outras
tecnologias incluem baterias de chumbo-ácido, níquel-cádmio, sulfato de
sódio, além das baterias de luxo, incluindo o vanádio e o zinco-bromo. A
Figura 9.3 mostra como estava a participação das diferentes formas de
armazenamento ao longo do período de 2011 a 2016, sem levar em conta
as usinas reversíveis. As baterias de íons de lítio chegaram a 85% das
novas adições em 2016. Dados mais recentes da IEA (2020b) mostram
que, entre as aplicações destinadas a concessionárias, cerca de 60% das
baterias de íons de lítio são misturas de níquel-manganês-cobalto, que
têm se tornado a tecnologia preferida para os veículos elétricos. Na China,
maior fabricante das baterias de fosfato de ferro e lítio, ainda segundo a
IEA (2020b), essas baterias foram usadas para a maioria das instalações
em escala de concessionária em 2019, já a Coréia é o maior fabricante das
baterias de níquel-manganês-cobalto.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 188


Figura 9.3 Distribuição da participação das diferentes tecnologias de
armazenamento excluídas as usinas reversíveis
 
6KDUHRIFDSDFLW\DGGLWLRQVE\WHFKQRORJ\

 





&DSDFLW\DGGLWLRQV *:
























 
     
7RWDOLQVWDOOHGFDSDFLW\ *:
/LLRQ /HDGDFLG )O\ZKHHOV
)ORZEDWWHULHV 6RGLXPVXOSKXUEDWWHULHV &RPSUHVVHGDLU
6XSHUFDSDFLWRUV =LQFDLU 2WKHUV

Fonte: IRENA, 2019b.

Uma outra constatação do estudo da IEA é que o mercado das bate-


rias pós-medidor já supera o das instalações de baterias para o mercado
em escala de concessionária. O último teria tido uma queda de 20% em
2019, resultando em uma diminuição do mercado de baterias, pela pri-
meira vez, neste mesmo ano, ainda que o mercado pós-medidor tenha
dobrado no período 2017-2019. A Figura 9.4 apresenta esses resultados.
A queda resultou da crescente preocupação com vários incêndios em ins-
talações de armazenamento em escala de rede em 2018 que, mesmo com
grandes avanços das medidas de segurança, ainda foram registrados no
ano seguinte (IEA, 2020c).

189 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
Figura 9.4 Perfil do mercado de baterias entre 2013 e 2019 – Escala
concessionária X Pós-Medidor





*:






      
*ULG6FDOH *: %HKLQGWKHPHWHU
Fonte: IEA, 2020b.

Armazenamento e o setor elétrico

Dois estudos da IRENA, um de 2017 e outro de 2020, dão um excelente


cenário da situação do armazenamento e seu impacto no setor elétrico:
Electricity Storage and Renewables: Costs and Markets to 2030 (IRENA,
2017), que continua sendo uma das compilações mais completas sobre
o tema, e Electricity Storage Valuation Framework: Assessing system value
and ensuring project viability (IRENA, 2020), que traz para o momento o
estudo anterior, já que toda a discussão sobre armazenamento e baterias,
em particular, tem se constituído em um grande tema de pesquisa e avan-
ços tecnológicos.
Um terceiro estudo da IRENA (2019b), também muito relevante e já
mencionado anteriormente, trata das tecnologias facilitadoras à expansão
maciça das fontes renováveis (Enabling Tecnologies) e dedica um capítulo
às baterias em escala de concessionária e outro a baterias pós-medidor,
sempre apresentando breves estados-da-arte dessas duas tecnologias.
A Figura 9.5, reproduzida desse relatório, mostra os principais impactos
positivos das baterias nos sistemas de potência, a saber: na operação do
sistema, na geração das fontes renováveis intermitentes e na postergação
de investimentos.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 190


Na operação do sistema elétrico, os sistemas de armazenamento de
bateria podem fornecer serviços de rede, como regulação de frequência,
manutenção de reserva de regulação, controle da taxa de rampa (ram-
ping), quando da redução brusca dos recursos intermitentes – a já famosa
curva de pato da energia solar,68 e a restauração de usinas de geração que
requer energia para reiniciar, no caso de falta de rede (black start).
No que diz respeito às fontes intermitentes, além da arbitragem, já
citada várias vezes, as baterias possibilitam reduzir os desligamentos
das fontes solar e eólica (curtailment), quando a produção é muito maior
que a demanda. Isso ocorre também em razão de congestionamento dos
sistemas de transmissão, o que pode resultar em postergação de inves-
timentos na rede de transmissão e distribuição ao criar linhas de T&D
virtuais. A postergação pode ser também de investimentos em reserva de
capacidade, substituindo geradores de ponta e minimizando o eventual
despacho de fontes fósseis.

Figura 9.5 Serviços oferecidos por sistemas de armazenamento de


bateria em escala de concessionária

)UHTXHQF\UHJXODWLRQ
6\VWHP
RSHUDWLRQ )OH[LEOHUDPSLQJ

%ODFNVWDUWVHYLFHV

(QHUJ\VKLIWLQJDQG
FDSDFLW\LQYHVWLPHQW
,QYHVWLPHQW GHIHUUDO
GHIHUUDO
7UDQVPLVVLRQDQG
GLVWULEXWLRQFRQJHVWLRQ
UHOLHI
6(59,&(62))5('
%<87,/,7<6&6/( 6RODU39 5HGXFHG5(FXUWDLOPHQW
%$77(5,(6 DQGZLQG
JHQHUDWRUV &DSDFLW\ILUPLQJ

5HGXFHGUHOLDQFHRQ
0LQL*ULGV
GLHVHOJHQHUDWRV

Fonte: IRENA, 2019b.

68
Estudo feito em um alimentador de 3 MW, na Califórnia, em que o armazenamento permi-
tiria uma rampa lexível, reduzindo a taxa de rampa da ponta do sistema em quase 60%.

191 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
As baterias podem garantir a manutenção da estabilidade dos sis-
temas de potência em vários regimes temporais, variando de frações de
segundo a dias e meses, como apresentado na Figura 9.6 (IRENA, 2020).
Note-se que a provisão de inércia é garantida com sistemas bastante con-
vencionais, como as usinas reversíveis e o armazenamento de ar compri-
mido, este último muito pouco utilizado. As baterias e os volantes respon-
dem bem entre frações de segundos e minutos, com as baterias de luxo
podendo ir a horas. Para longas durações, volta-se às fontes convencionais
de usinas reversíveis e ar comprimido.

Figura 9.6 Serviços que o armazenamento pode oferecer ao sistema


elétrico em diferentes escalas de tempo

3URYLVLRQ )DVWIUHTXHQF\ 2SHUDWLRQDO /RDGIROORZLQJ /RQJGXUDWLRQ


RILQHUWLD UHVSRQVH UHVHUYHV DQGWLPHVKLIWLQJ VWRUDJH
‡3XPSHG ‡%DWWHULHV ‡%DWWHULHV ‡3XPSHGK\GUR ‡3XPSHG
K\GUR ‡)O\ZKHHOV ‡)O\ZKHHOV ‡&$(6 K\GUR
‡&$(6 ‡3XPSHG ‡)ORZEDWWHULHV ‡&$(6
K\GUR

5HDOWLPH 6XEVHFRQGV 6HFRQGV 0LQXWHV +RXUV 'D\V


ZHHNV
PRQWKV
Nota: Armazenamento de energia em ar comprimido (Compressed Air Energy Storage – CAES)
Fonte: IRENA, 2020.

Outros serviços relevantes do armazenamento de eletricidade para a


integração de energias renováveis, menos afeitos ao escopo deste traba-
lho, incluem a possibilidade de que o prossumidor faça o gerenciamento
de sua energia, além de permitir a integração da geração distribuída. No
caso das mini-redes ou sistemas isolados, além de aumentar a con iabili-
dade da oferta de energia, contribui para reduzir a dependência do die-
sel. O ciclo de carga e descarga dos veículos elétricos, através de carrega-
mentos inteligentes, também é um fator que pode reduzir o desligamento
(curtailment) de fontes intermitentes.
Outra forma de armazenamento, que pode contribuir para aumentar a
lexibilidade dos sistemas de potência ante aos altos níveis de produção das
FRIs, é a produção de hidrogênio, que pode evitar o desligamento das fontes
intermitentes. Contudo, nesse caso, o custo dos eletrolisadores deve cair
signi icativamente para justi icar sua viabilidade (IRENA, 2019c).

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 192


Em um estudo comparativo de 12 aplicações de nove diferentes tec-
nologias de armazenamento, Schmidt et al. (2019) mostram seus custos
ao longo de suas vidas úteis, concluindo que as baterias de íons de lítio
serão as mais competitivas na maioria das aplicações em 2030 e que, na
média, esses custos cairão 36% até 2030 e 53% até 2050. As tecnologias
de usinas reversíveis, ar comprimido e hidrogênio são melhores para apli-
cações com longos períodos de descarga.
De uma forma geral, as tecnologias de armazenamento ainda reque-
rem políticas de incentivos similares às que foram aplicadas no apoio às
FRIs no início de suas disseminações. Tais políticas deveriam incluir a redu-
ção nos custos iniciais de investimento, a criação de um arcabouço regula-
tório para valorar o armazenamento e o estabelecimento de projetos-pi-
loto e de disseminação das tecnologias, a exemplo do P&D Estratégico de
Armazenamento de Energia, lançado pela ANEEL, em 2016, que viabilizou
a realização de 21 projetos com prazo de execução inal em 2021. Uma
avaliação do andamento dos projetos foi feita em 2019 (ANEEL, 2019). Do
ponto de vista de mudanças regulatórias, mencionou-se, anteriormente, a
Resolução 841 da FERC. Mais recentemente, em março de 2020, uma coa-
lização de cinco procuradores gerais de seus respectivos estados nos EUA
solicitou um parecer de amicus curiae69 junto às cortes federais no sentido
de fazer valer a já mencionada Resolução da FERC, que exige que os admi-
nistradores dos mercados atacadistas regionais de eletricidade adotem
regras que permitam a participação total dos recursos de armazenamento
no competitivo mercado de eletricidade (PVBuzz, 2020).

Considerações ϐinais sobre sistemas de armazenamento


É inexorável o uso crescente de sistemas de armazenamento de energia,
sobretudo no contexto da alta penetração das FRIs nos sistemas de potência.

69
Amicus curiae ou amigo da corte ou também amigo do tribunal (amici curiae, no plural) é
uma expressão em latim utilizada para designar uma instituição que tem por inalidade
fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo-lhes melhor base para ques-
tões relevantes e de grande impacto. É importante destacar que o Amicus Curiae é amigo
da corte e não das partes. Seu desenvolvimento teve início na Inglaterra pela English
Common Law e, na atualidade, é frequentemente utilizado nos Estados Unidos. A função
histórica do Amicus curiae é chamar a atenção da corte para fatos ou circunstâncias que
poderiam não ser notados. O amigo da corte se faz necessário em casos atípicos, levando
informações relevantes à discussão do caso, ampliando a visão da corte de modo a bene-
iciar todos os envolvidos, pois pode tornar a decisão mais justa.

193 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
A literatura mostra extensas pesquisas nas áreas das diversas tecnologias,
ambiental, econômica, de políticas públicas, em particular, na regulação
da energia elétrica, entre outras. A experiência nesse segmento ainda se
encontra em fase inicial, como demonstrado pela contemporaneidade das
referências bibliográ icas apontadas.
É consensual que as baterias podem ser muito úteis quando implan-
tadas estrategicamente em redes de distribuição em que a expansão pode
ser muito cara e disruptiva, criando o que pode ser chamado de linhas
virtuais. Todavia, as melhores oportunidades comerciais para investi-
dores em sistemas provedores de armazenamento giram em torno da
chamada arbitragem de preços de curto prazo. No entanto, a ausência
de regulamentação em torno do despacho desses sistemas de armazena-
mento pode causar riscos a esses empreendedores, pois eles podem, em
tese, serem chamados a operar os sistemas em momentos de necessidade
operativa, mas de preços não necessariamente interessantes. Há que se
observar que, mesmo com margens aparentemente altas, existem perdas
nos ciclos de carga e descarga que reduzem os ganhos potenciais. Mas
apenas a arbitragem não re lete a real contribuição do armazenamento
para os sistemas de potência, sobretudo quando integrada a sistemas com
altos níveis de penetração das FRIs. Ademais, ela isoladamente não garan-
tiria a rentabilidade dos sistemas de armazenamento. Estima-se que, à
medida que as FRIs aumentem sua presença na rede e que a participação
de sistemas de armazenamento cresça, as oportunidades de arbitragem
tendem a diminuir.
A instalação de sistemas de armazenamento tem sido considerada
como alternativa a investimentos em infraestrutura, como Linhas de
Transmissão. No entanto, os RTOs e os ISOs tendem a considerar, no curto
prazo, com maior ênfase, os atributos dos sistemas de armazenamento
para fazer frente às di iculdades operativas, em especial, aquelas decor-
rentes de serviços ancilares. Mas já se reconhece a necessidade de valo-
rar não apenas os serviços tradicionais de fornecimento de capacidade,
energia e ancilares, mas também a postergação de reforços na T&D, for-
mas adicionais de lexibilidade da rede e bene ícios situados no lado do
cliente. Nesse sentido avança a Resolução 841 da FERC.
O armazenamento de energia elétrica não seria a única tecnologia
facilitadora para uma grande lexibilização para as FRIs nos sistemas de

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 194


potência, mas representaria um maior impacto na lexibilização dessas
fontes. Da mesma forma, o armazenamento deveria vir acoplado com
eletri icação de setores inais (carros, elétricos, produção de calor e de
hidrogênio), tecnologias digitais, novas redes e geração despachável. Os
principais impactos positivos das baterias nos sistemas de potência são,
assim, na operação do sistema, na geração das fontes renováveis intermi-
tentes e na postergação de investimentos.
O armazenamento de energia pode se dar de diversas formas, usando
variadas tecnologias e sob diferentes condições. Hoje, as tecnologias mais
consolidadas são as usinas reversíveis e as baterias de íons de lítio. Alguns
estudos sinalizam que, embora possa parecer paradoxal, nesse estágio ini-
cial, o aumento da presença de sistemas de armazenamento sob a forma
de baterias venha a provocar um aumento de emissões de gases de efeito
estufa, em especial, por conta do gasto de energia no ciclo de vida para
produzir os sistemas de armazenamento e pelas perdas que acontecem
nos ciclos de carga e descarga.
Pelo seu caráter novo e complexo, o armazenamento de energia elé-
trica ainda necessita de alterações nos regulamentos e regras de mercado
existentes. Se, por um lado, o armazenamento nem sempre é a melhor
solução, por outro, a monetização do valor de todos os seus serviços
resultará em uma maximização da lexibilidade e na e iciência da rede.

9.2 Novos materiais70

No Capítulo 5, discutiu-se a dimensão das tecnologias como uma das


razões da expansão massiva das fontes renováveis intermitentes – FRIs,
sendo uma das tecnologias facilitadoras dessa expansão o armazena-
mento de energia. Ainda no mesmo capítulo, foram apresentadas as dife-
rentes tecnologias que competem no mercado e na pesquisa de células
fotovoltaicas mais e icientes. Na base dessas duas grandes vertentes
– baterias e células fotovoltaicas, está o estudo de novos materiais, os
quais serão explorados ao longo dessa seção. Outra área em que os novos
materiais são pesquisados é ade pás de turbinas eólicas, na qual busca-se

70
Essa seção contou com a revisão e sugestões da Profa, Sueila Silva Araújo, Doutora em
Ciências e Engenharia de Materiais, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

195 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
aumentar a vida útil delas, sobretudo em condições mais adversas, como
no mar, com as usinas offshore, ou em áreas desérticas. Finalmente, novos
materiais, em particular, terras raras, são usados nos imãs permanentes
das turbinas com acionamento direto.
A pesquisa de novos materiais para aplicações energéticas é extre-
mamente atual e pro ícua, com artigos em muitos periódicos ligados à
energia, em particular, na publicação Solar Energy, que tem um capítulo
mensal dedicado a sistemas, células e materiais fotovoltaicos (Photovoltaic
materials, cells and systems), na Advanced Materials ou o periódico peer-
review Materials for Renewable and Sustainable Energy, que se propõe a
conectar materiais, energia e sustentabilidade.
Em março de 2020, o International Journal of Photoenergy dedicou
um número especial às tecnologias de armazenamento de energia e aos
materiais para energia solar (Energy Storage Technologies and Materials
for Solar Energy), chamando a atenção para a interdisciplinaridade desses
dois temas, permitindo uma maior e iciência, continuidade e estabilidade
dos sistemas fazendo uso da energia solar.
A Agência Internacional de Energia (IEA, 2020a), em junho de 2020,
em uma análise sobre o impacto da COVID-19 sobre o progresso das fon-
tes limpas de energia, levanta a questão de materiais (minerais) que são
fundamentais para esse avanço. Lítio, cobalto e níquel são componen-
tes-chave para as baterias. O cobre é essencial, devido à sua excelente
condutividade, para a expansão do uso da eletricidade em qualquer uso,
inclusive em carros elétricos. E o neodímio é vital imãs necessários tanto
nas turbinas eólicas como nos carros elétricos. A Figura 9.7, retirada da
mesma fonte, mostra os principais metais a serem usados na produção de
energia elétrica a partir de FRIs e nos carros elétricos, o que inclui, além
dos citados anteriormente, o silício, nos painéis solares; o molibdênio, nos
aerogeradores; e o manganês, nos carros elétricos. Em todos os casos, o
volume adicional de metal usado nunca é inferior a quatro vezes daquele
utilizado pelos equipamentos que fazem uso das fontes fósseis, como usi-
nas a gás, a carvão ou carros convencionais.
Mais extensivo foi o estudo desenvolvido por Watari et al. (2020), o
qual revisou 88 trabalhos que analisaram a criticalidade de 48 elemen-
tos químicos usados em tecnologias emergentes que propiciam a descar-
bonização da economia global: solar fotovoltaico, energia eólica e carros

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 196


elétricos, além de células combustíveis e concentradores de energia solar.
As três primeiras estão extremamente vinculadas às FRIs. O estudo foi
realizado no horizonte de 2030-2050 e identi icou que alguns elementos,
apesar de não necessariamente serem considerados críticos,71 são mais
pesquisados, a exemplo do lítio. Os resultados são sumarizados na Figura
9.8, que apresenta o número de publicações de pesquisas em relação à
criticalidade dos metais, tendo sido reproduzidos apenas os resultados
para as tecnologias de painéis fotovoltaicos, turbinas eólicas e baterias/
carros elétricos. No caso da energia solar fotovoltaica, dois materiais con-
siderados críticos são muito pesquisados: o índio e a prata. Com menor
criticalidade, mas também muito pesquisados, estão o selênio, o cádmio
e o telúrio. Já para a energia eólica, os elementos mais pesquisados não
apresentam uma grande criticalidade, como o disprósio e o neodímio,
além do cobre. Para os carros elétricos, o lítio é o material mais pesqui-
sado, embora pelo critério adotado, ele não seja um elemento crítico, além
dos já citados disprósio e neodímio.

Figura 9.7 Minerais usados na produção de energia elétrica e nos automóveis













NJ0: .J
 YHKLFOH         
2IIVKRUH
ZLQG
2QVKRUH
ZLQG (OHFWULF
FDU
6RODU39

&RSSHU /LWKLXP 1LFNHO 0DQJDQHVH &REDOW &KURPLXP


6LOLFRQ 2WKHU 5DUHHDUWKV 0RO\EGHQXP =LQF


Fonte: IEA, 2020d.

Leader et al. (2019) estudam três novos materiais que seriam críticos
para a competitividade das energias renováveis, dois deles ligados às FRIs:
ímãs permanentes de boro-ferro-neodímio (NdFeB) e baterias de íons de
lítio para carros elétricos. Os autores consideram materiais críticos aque-
les com importância tecnológica e algum risco associado à sua produção

71
O critério de avaliação de criticalidade em nível global utiliza uma metodologia desen-
volvida na Universidade de Yale (Graedel et al., 2015).

197 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
ou distribuição. Tais riscos estariam relacionados a um número limitado
de fornecedores, localizados em países geopoliticamente instáveis, e a
materiais que seriam subprodutos da mineração de outros materiais ou
que tenham pouca disponibilidade de reciclagem. Fatores como escala de
operação, altos custos de investimento e projetos com longos períodos
de maturação contribuiriam para tornar esses materiais inelásticos do
ponto de vista de mercado. Entre esses materiais, estariam os elementos
terras-raras, os quais os autores destacam: o neodímio; os elementos do
grupo da platina; o índio, o telúrio e o gálio, importantes como materiais
fotovoltaicos; o cobalto e o lítio, fundamentais na produção de baterias.
Assim, a desmaterialização, a substituição, a reciclagem, a melhoria de
rendimento, o aumento de vida útil de produtos contendo esses materiais,
entre outros métodos, reduziriam eventuais riscos de suprimento.
Em uma análise sobre os ciclos de materiais críticos para uma tran-
sição energética, baseada em renováveis, na China, no horizonte de 2050,
Wang et al. (2019) começam a irmando que as renováveis são muito
dependentes de materiais críticos. Os autores assumem que a expansão
da energia solar pode ser limitada pela não disponibilidade de materiais
críticos (cádmio, telúrio, índio, gálio, selênio e germânio) e a de energia
eólica pela di iculdade de criar escala para materiais como o neodímio e
o disprósio. Eles concluem ainda que a China deve ajustar sua política de
renováveis segundo sua disponibilidade de materiais críticos, advogando
mais eólica e menos solar. Sugerem, adicionalmente, um foco não apenas
em reciclagem, mas também na melhoria de e iciência dos materiais ao
longo de seus ciclos de vida.
Ao longo dessa seção, o foco será restrito aos materiais fotovoltaicos,
a aqueles usados na produção de baterias e a alguns componentes das
turbinas eólicas. Não serão considerados todos os materiais críticos nas
células combustíveis e utilização do hidrogênio e da energia solar com
concentradores. Esta última, por ser geralmente acoplada a grandes sis-
temas de armazenamento, normalmente o sal fundido, foge um pouco do
escopo das fontes renováveis intermitentes.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 198


199


6RODU39 



1XPEHU
RISXEOLFDWLRQ


Fonte: Watari et al., 2020.



$V ,Q 5H 6E ,U 6H 5X =U 7H 6F (U =Q '\ 7E 1G *G /D +I *D 9 6P 7D /L :
5K $J $X 3W 3G 3E &G &U (X 6Q 1E 0R 0Q 3U &R *H )H < &X &H 0J 1L $O 7L


:LQG




1XPEHU
RISXEOLFDWLRQ



$V ,Q 5H 6E ,U 6H 5X =U 7H 6F (U =Q '\ 7E 1G *G /D +I *D 9 6P 7D /L :
5K $J $X 3W 3G 3E &G &U (X 6Q 1E 0R 0Q 3U &R *H )H < &X &H 0J 1L $O 7L


tecnologias PV, eólica e carros elétricos

(YV 



1XPEHU
RISXEOLFDWLRQ



$V ,Q 5H 6E ,U 6H 5X =U 7H 6F (U =Q '\ 7E 1G *G /D +I *D 9 6P 7D /L :
5K $J $X 3W 3G 3E &G &U (X 6Q 1E 0R 0Q 3U &R *H )H < &X &H 0J 1L $O 7L
Figura 9.8 Número de publicações versus criticalidade de metais usados nas

O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...


Materiais fotovoltaicos

A Figura 9.9 mostra as e iciências das 25 melhores células fotovoltaicas


em nível de laboratório, apresentando tecnologias completamente conso-
lidadas e que, ainda assim, indicaram avanços na e iciência. Como exem-
plos, o silício mono e policristalino, com 26,2% e 22,8%, respectivamente;
as multijunções (tandem) que, com quatro delas, atingiram níveis de
47,1%, com concentradores, e de 39,2%, sem concentradores; as tecnolo-
gias emergentes, com destaque para a perovskita, que dobrou sua e iciên-
cia em pouco mais de cinco anos, atingindo 25,2%; além de tecnologias já
estabelecidas no mercado, como as células de teluredo de cádmio (CdTe)
e de disseleneto de cobre-índio-gálio (CIGS), que atingiram e iciências de
22,1% e 23,4%, respectivamente. A Figura 9.9 agrega as diferentes tecno-
logias em cinco estágios, indo da fase de P&D à maturidade do mercado,
passando por linhas-piloto, entrada e penetração no mercado. Note-se que
o silício é apresentado sob três diferentes arquiteturas: a célula conven-
cional, as multijunções (tandem) e as Passivated Emitter and Rear Cell ou
Contact (PERC), em que as células recebem ina camada de passivação na
sua parte traseira, permitindo o aumento de sua e iciência, à medida que
se reduz a velocidade de recombinação de elétrons na super ície do silício
e cria uma re lexividade no interior da célula, aumentando o número de
vezes em que os raios solares passam pelo silício.
Todas as arquiteturas acima são passíveis de aumentar suas e ici-
ências com o uso de concentradores. Como já mencionado, com quatro
junções, a e iciência registra um aumento de 8%; com três junções, um
crescimento de 7,5%; e o silício monocristalino um aumento de 1,5%.
Assim, células com concentradores, ao mesmo tempo em que reduzem
o material utilizado, resultam em altos ganhos de e iciência e continua-
rão sendo uma área de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvi-
mento. Tornaram-se comerciais os painéis com dupla face, o que também
resultou em ganhos de produtividade. Ainda em nível de pesquisa, estão
os dispositivos tandem bifaciais (bifacial tandem solar device). Uma expe-
riência com uma célula de perovskita sobre uma célula cristalina de silício
bifacial, industrialmente produzida, teria alcançado e iciência de 30,2%
(Bellini, 2019). A expectativa dos pesquisadores é atingir 35% nessa jun-
ção em um período de três a cinco anos.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 200


Figura 9.9 Situação da tecnologia solar fotovoltaica (PV)

6RODU397HFKQRORJ\6WDWXV

3,/27 0$5.(7 0$5.(7 0$5.(7


5 '
/,1(6 (175< 3(1(75$7,21 0$785$7,<

6,/,&21
)LUVWJHQHUDWLRQ
FRQYHQWLRQDO
PRQRDQGSRO\FU\VWDOOLQH
VRODUFHOO
DUFKLWHFWXUH
6,/,&21
3(5&
DGYDQFHG
VRODUFHOO 7DQGHP+\EULG
DUFKLWHFWXUH

7+,,),/06 3HURYVNLWH
&,*6 &G7H

Notas: CIGS = copper-indium-gallium-diselenide; CdTe = cádmium telluride; PERC = passivated emitter and
rear cell/contact.

Fonte: IRENA, 2019d.

À propósito, como mencionado acima, a perovskita é uma das tec-


nologias emergentes mais promissoras. Outras tecnologias emergentes
incluem as células sensibilizadas a corantes (dye-sensitized cells), cuja
maior e iciência atingiu 12,6%; as células orgânicas - OPV, com 17,4%;
as células de pontos quânticos (quantum dot cells), com 16,6%; além das
orgânicas tandem inorgânicas
Os materiais a perovskita têm propriedades optoeletrônicas muito
boas, resultando em grandes avanços na e iciência de conversão. Contudo,
a estabilidade face ao calor, humidade e luz ainda é um gargalo para as
células solares a perovskita e objeto de contínua pesquisa. Zhang, J. et al.
(2020) con irmam a alta e iciência de conversão energética (PCE) das
células solares a perovskita (PSC), em substratos rígidos e de 19,5% em
substratos lexíveis. Os autores a irmam que os avanços com os substratos
lexíveis têm sido muito mais lentos do que com os rígidos. Juarez-Perez
e Haro (2020) reconhecem que o ciclo de vida das células solares a pero-

201 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
vskita ainda precisa ser aumentado com a melhoria de estabilidade das
células para sua integração ao mercado. O principal problema reportado
é a degradação e, para sua solução, as técnicas de encapsulamento são um
grande desa io. Contudo, uma investigação criteriosa da estabilidade e da
durabilidade dos dispositivos é de interesse de toda a comunidade cientí-
ica, tendo em vista que a degradação do material ocasiona decréscimo na
e iciência do mesmo (Lima et al., 2020).
Shi, L. et al. (2020), apesar de terem conseguido grandes avanços
nos procedimentos de encapsulamento, fazendo com que se perdessem
menos de 5% da e iciência original da célula, ao cumprir as exigências
de stress ambiental da IEC para células, reportam limitações quando do
aumento da área ativa na produção dos módulos, além de uma perda de
estabilidade elevada para altas temperaturas. Outra área de pesquisa
para a perovskita é o seu uso em células solares semitransparentes (Shi,
B. et al., 2020). A busca da perovskita sem chumbo é uma outra fronteira
de pesquisa, já que a e iciência cai signi icativamente nas ligas sem esse
metal (Nishimura et al., 2020 e Madan et al., 2020).
Além da perovskita, outros ilmes inos continuam sendo objeto
de contínua busca por aumento de e iciência e redução de seus custos,
incluindo o CIGS e o CdTe. Zhang et al. (2018) fazem um estudo compara-
tivo de três tecnologias, o CdTe, o GaAs e a perovskita, identi icando gar-
galos e buscando projetos de dispositivos que otimizem essas tecnologias.
Diferentes técnicas de produção de CIGS são pesquisadas (Chandran et
al., 2018 e Oulmi et al., 2019). O primeiro analisa os avanços experimen-
tais na galvanoplastia do ternário CIS e do quaternário CIGS, enquanto o
segundo trabalha com deposição de vapor. Kuk et al. (2020) trabalham
com a técnica de produção do CIGS semitransparente. Ramanujam et al.
(2020) revisam células de ilmes inos lexíveis de CIGS, CdTe e de silício
amorfo (a-Si:H), enfatizando o progresso das películas lexíveis, as ques-
tões de fabricação e a estabilidade. Novamente, o encapsulamento é uma
preocupação central.
Uma outra tecnologia, que já se tornou comercial, com aproximada-
mente 25 GW comercializados, sobretudo para projetos de grande escala,
foi o CdTe, que durante muito tempo enfrentou o desa io ambiental do uso
do cádmio. Fthenakis et al. (2020), em uma revisão recente, concluem que
os painéis têm um baixo impacto ambiental no ciclo de vida e, mesmo em

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 202


condições extremas, os riscos de impacto ambiental são mínimos. Os auto-
res recomendam a reciclagem como melhor destino ao im da vida útil.
Ghosh et al. (2020) analisam os desa ios e os caminhos a seguir não apenas
para o CdTe, mas também para o mcSi. A tecnologia é estudada ainda em
várias fronteiras, incluindo o uso em módulos semitransparentes, na tecno-
logia de pontos quânticos, em heterojunções, entre outras áreas.
Yao et al. (2020) e Salim et al. (2020) revisam o status da tecnologia
fotovoltaica orgânica (OPV), reconhecendo que essa tecnologia já superou
a faixa de 17% de PCE. Os primeiros focam nas vantagens dos OPVs clora-
dos sobre os luorados. Eles analisam células fotovoltaicas desse material
em junção única, tandem, semitransparente e luz interna. Os segundos se
ixam em OPV tandem (TOPV), prevendo atingir 18,6% de e iciência em
um tipo de combinação entre células frontais e posteriores.
A maior parte das tecnologias, apresentadas na supramencionada
igura de melhores e iciências, continua em permanentes avanços, seja
em junção simples; em multijunções; silício cristalino, incluindo hetero-
estruturas (silício cristalino e amorfo); ilmes inos; tecnologias emergen-
tes, com destaque para a perovskita, OPV, inclusive em tandem; em arran-
jos com ou sem concentadores, bifaciais, painéis refrigerados com água,
em um universo inesgotável de possibilidades.

Materiais usados em baterias

Em outro capítulo desse livro, discutiu-se a importância do armazena-


mento de energia para a expansão das FRIs. Várias tecnologias foram apre-
sentadas, em particular, as baterias. Entre elas, um destaque foi dado para
as baseadas em íons de lítio, que dominam 85% do mercado de armazena-
mento, ao se excluírem as usinas reversíveis. Outras tecnologias incluem
baterias de chumbo-ácido, níquel-cádmio, sulfato de sódio, além das bate-
rias de luxo, incluindo o vanádio, o enxofre aquoso e o zinco-bromo. Ainda
recapitulando o que foi dito, as baterias de lítio utilizam majoritariamente
misturas de níquel-manganês-cobalto ou fosfato de ferro.
O Banco Mundial, em sua ferramenta Energy Technology Perspective
(ETP) Clean Energy Technology Guide, lista mais de 400 projetos/com-
ponentes tecnológicos que podem contribuir para emissões zero líqui-
das (net-zero) no setor energético. Para cada uma dessas tecnologias,
são incluídas informações sobre o seu nível de maturidade (Technology

203 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
Readiness Level – TRL), em uma escala que vai de 1 a 11, sendo 1 uma ideia
inicial e 11 prova de estabilidade alcançada. Ao se escolherem as pala-
vras-chave setor elétrico (power) e armazenamento por baterias (battery
storage), apenas duas tecnologias são selecionadas: baterias de íons de
lítio e baterias de luxo redução-oxidação (redox- low). A primeira aparece
com TRL 9 – operação comercial em ambiente relevante – e a segunda
com TRL 8 – fase inicial de comercialização.
Buscando-se, no banco de periódicos da CAPES, referências sobre
baterias, alguns números foram levantados. Procurando-se apenas as
palavras energy storage e batteries, para o ano de 2020, 8.271 citações
foram listadas. Ao se expandir a pesquisa e incluir a palavra Li-ion, foram
obtidas 2.274 citações. Substituindo-se Li-ion por cobalt, foram 1.241 cita-
ções. Uma nova pesquisa substituiu cobalt por vanadium, sendo encontra-
das 565 citações. O vanádio é o mais promissor elemento para as baterias
do tipo redox- low. Ao se usar nickel, o número de citações foi de 1.692
e, inalmente, para sodium sulphur, foram atingidas 690 citações e para
lead-acid apenas 481. É, portanto, evidente que a questão das baterias é
objeto de um grande interesse na área de pesquisa e com destaque para os
materiais íons de lítio, cobalto e níquel. A tecnologia chumbo-ácido, que
até pouco tempo era referência para as baterias, é objeto de um número
muito menor de citações.
Retomando o trabalho de Leader et al. (2019), citado anteriormente,
enfatiza-se que essas baterias têm um anodo de gra ite e um catodo con-
tendo lítio sob diferentes combinações. Recentemente, tem-se pesquisado
o uso do silício para substituir o gra ite no anodo (Jia et al., 2020), argu-
mentando-se que sua capacidade de armazenamento por g de material e
por cm3 é signi icativamente maior do que com gra ite. No que diz respeito
ao material usado no catodo, são sempre combinações do lítio com fosfato
de ferro (LFP) (LiFePO4), com níquel-cobalto-alumínio (NCA) (Li[NiCoAl]
O2), com manganês-níquel-cobalto (NMC) (Li[MnNiCo]O2) ou, ainda, óxido
de lítio e manganês (LMO) (LiMn2O4) ou o óxido de lítio-cobalto (LCO)
(LiCoO2), esse último usado em pequenas aplicações, como celulares, lap-
tops, etc. (Leader et al., 2019). Os autores analisam quatro materiais que
consideram críticos para a produção dos catodos das baterias de Li-ion:
lítio, cobalto, manganês e níquel, concluindo que preocupações devem
ser centradas nos dois primeiros, por questões de produção e geopolítica

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 204


principalmente. Ao inal, demonstram que esses dois materiais podem
ter impactos signi icativos nos preços das baterias, sendo crítico o caso
do cobalto que, em um aumento de 100% no seu custo, pode causar um
acréscimo de 27,2% nas baterias LCO e 11,4% nas NMC. Já um aumento de
100% nos custos do lítio resultaria em um acréscimo de 11,4% nas bate-
rias LPF. Essas conclusões foram alinhadas com o estudo produzido pela
BNEF (2017) para as baterias NMC, cujos resultados estão apresentados
na igura 9.10. O trabalho mostra o preço atual das commodities básicas
para as baterias NMC, as simulações para variações em torno desses pre-
ços e o impacto que causariam no preço inal das baterias.

Figura 9.10 Sensibilidade do preço da bateria NMC ao


preço de seus componentes

























&XUUHQWSULFH
         /LWKLXP

      


&XUUHQWSULFH
          FREDOW

         

&XUUHQWSULFH
       1LFNHO

Fonte: BNEF, 2017.

Apesar das baterias NMC e NCA, base da tecnologia de armazena-


mento da Tesla, dominarem mais de 90% do mercado das baterias para
carros elétricos, percebe-se uma contínua busca pela redução do uso do
cobalto. Els (2020) reporta um avanço das NCM com uma combinação de
8:1:1 e a introdução pela Tesla das LFP nos seus carros elétricos na China.
Outros materiais pesquisados incluem baterias de lítio livres de metais
ou com anodo de TiO2; baterias ar-metal, como a de zinco-ar; baterias de
íons de sódio, substituindo-se o lítio pelo sódio e metais de transição nos

205 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
anodos, em particular, sulfuretos e selenetos; baterias de luxo de enxofre
aquoso e o NiMnO3 na produção de supercapacitores (Patil et al., 2019;
Ali et al., 2020; Chen et al., 2020; Li et al., 2017; Caramia et al., 2014;).
Ademais, existe toda uma gama de materiais pesquisados visando a pro-
dução de hidrogênio como uma possibilidade de armazenamento, inclu-
sive fazendo uso do próprio lítio; ou materiais de mudança de fase (PCM)
para armazenamento de energia elétrica, os quais não foram contempla-
dos nesse item focado em baterias.

Materiais voltados para a energia eólica

Jacobson e Delucchi (2011), já em 2011, analisando os materiais neces-


sários e críticos para a expansão da energia eólica, identi icavam nos ele-
mentos terras-raras, particularmente no neodímio (Nd), usado nos ímãs
permanentes, o principal gargalo previsto para o futuro. Outros materiais
usados, como o aço e o concreto, não apresentavam limitações, sobretudo
devido à possibilidade de reciclagem, além de plásticos reforçados com
ibra de vidro (GFRP) ou com ilamento de carbono (CFRP) para as pás,
compósitos que podem ser sempre aperfeiçoados. A principal proposição,
na época, era a busca de geradores com ímãs permanentes que não usas-
sem o neodímio ou uma rápida transição para a reciclagem.
Seguindo uma crise de preços dos terras-raras, em 2010-2011, a busca
de soluções para a substituição se deu pelo ajuste na mistura de neodímio/
praseodímio, pela implementação da difusão de terras-raras pesados ou da
própria substituição da tecnologia de ímãs permanentes. Em alguns casos,
a única solução foi o repasse de custos (Smith e Eggert, 2016). Kallaste
et al. (2017) enxergam a possibilidade de substituição dos ímãs de NdFeB
pelo composto de samário-cobalto, embora, como se viu anteriormente, o
cobalto também é um elemento crítico.
Já passada a crise do início dos anos 2000, Pavel et al. (2017) seguem
a mesma linha e veem no ímã permanente a NdFeB uma crescente
demanda por terras-raras, incluindo o neodímio. Reconhecem que exis-
tem várias outras tecnologias de turbinas eólicas, com níveis similares
de e iciência, já rotineiramente adotadas. Contudo, cenários alternativos
seriam a melhoria da e iciência dos materiais terras-raras, em particu-
lar, do disprósio, reduzindo a pressão sobre a demanda desses materiais.
Três cenários são traçados a partir do nível de demanda dos terras-ra-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 206


ras neodímio, praseodímio e disprósio, em 2015. A Figura 9.11 apresenta
tais cenários, que cobrem o cenário de referência para 2020, sem subs-
tituição de materiais; o cenário de materiais com baixa e iciência e alto
conteúdo de substituição e o cenário intermediário com alta e iciência
dos materiais e baixa substituição. Ainda em nível de pesquisa, estaria a
possibilidade de se eliminar o uso do disprósio e do térbio em turbinas
de neodímio, com a utilização do césio e do cobalto. A melhoria na pro-
dução dos ímãs a NdFeB reduz as demandas dos quatro terras-raras. Os
autores concluem admitindo que a simples substituição de terras-raras
em ímãs permanentes ou o desenvolvimento de novos materiais com uma
funcionalidade semelhante ao ímã NdFeB ainda está em fase de pesquisa,
mas que a indústria da energia eólica tem se preparado para cenários nos
quais esses materiais possam sofrer com racionamentos, devido à diver-
sidade de tecnologias existentes hoje no mercado.

Figura 9.11 Estimativa da demanda global anual em 2015 e 2020 para Nd, Pr,
Dy em turbinas eólicas sob três diferentes cenários: referência, caso A – baixa
eficiência do material e alto conteúdo de substituição e caso B – alta eficiência
do material e baixo conteúdo de substituição



(VWLPDWHGJOREDODQQXDO
GHPDQG WRQQHV












1HRG\PLXP 3UDVHRG\PLXP '\VSURVLXP

UHIHUHQFHFDVH QRVXEVWLWXWLRQ
VXEVWLWXWLRQFDVH$ ORZPDWHULDOHIILFLHQF\KLJKFRPSRQHQW
VXEVWLWXWLRQ
VXEVWLWXWLRQFDVH% KLJKPDWHULDOHIILFLHQF\ORZFRPSRQHQW
VXEVWLWXWLRQ
Fonte Pavel et al., 2017.

207 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
O já citado estudo de Leader et al. (2019) também inclui o neodímio
entre os materiais críticos para disseminação da energia eólica, sempre
por seu uso nos ímãs permanentes de turbinas eólicas de acionamento
direto, através do composto de neodímio-ferro-boro (NdFeB). Segundo
eles, em 2015, aproximadamente 23% da capacidade eólica instalada
globalmente dependiam de geradores que faziam uso de ímãs permanen-
tes de NdFeB e que também conteriam outros elementos, além do neodí-
mio, a exemplo do disprósio (Dy), térbio (Tb), praseodímio (Pr), níquel e
molibdênio. Na análise dos autores, apenas os três primeiros foram con-
siderados, sendo que os resultados mostram pouco impacto no custo dos
geradores ao se dobrar o preço desses elementos: 3,5% para o caso do
neodímio e, para os demais, inferiores a 3%. Miyamoto et al. (2019) tam-
bém trabalham com o caráter crítico do neodímio e do disprósio.
Wang et al. (2019) consideram que a energia eólica na China pode ser
limitada, menos pela disponibilidade e muito mais pela escalabilidade da
produção dos terras-raras, sempre citando o neodímio e o disprósio. Seus
resultados sugerem que a demanda futura desses materiais, usados nas tur-
binas eólicas, aumentaria em ordens de magnitude signi icativas – de 230 a
312 vezes – em relação ao consumo histórico. Concluem que, entre outras
possibilidades, a prioridade da mitigação do risco de suprimento deve con-
tornada com a melhoria da e iciência do material por meio de pesquisa de
materiais, melhor design e melhor gerenciamento de infraestrutura.
Em uma revisão recente sobre a e iciência do material usado na indús-
tria de energia eólica na China, Yang et al. (2020) constatam que os elemen-
tos de neodímio e disprósio, usados no ímã permanente de geradores eólicos
com acionamento direto, são considerados recursos críticos em um futuro
próximo pelos Estados Unidos, o que gerou estudos sobre sua criticalidade
e estimativas sobre as demandas de terras-raras na Europa, particularmente
na Dinamarca, na América, na China e alguns estudos sobre a demanda glo-
bal. Concluem que a maioria desses trabalhos previu uma demanda signi i-
cativa de elementos de terras-raras nas próximas duas a três décadas, o que
passar a exigir um gerenciamento mais rigoroso do suprimento.
Assim, ainda que o potencial impacto de di iculdades de acesso aos ter-
ras-raras possa não ser muito signi icativo, o assunto da recuperação dos ter-
ras-raras – neodímio, praseodímio e disprósio, a partir de sucatas de ímãs
permanentes de NdFeB (Zhang, Y. et al., 2020), sua reciclagem (Nlebedim

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 208


e King, 2018; Ding et al., 2020; Nal et al., 2020) ou de sua substituição
(Smith e Eggert, 2016), é objeto de pesquisas e continua atual.
Luderer et al. (2019) se preocupam com o fato de que a descarboni-
zação pode ter como contrapartida um distanciamento dos combustíveis
fósseis, mas um redirecionamento para outros recursos minerais. Nesse
estudo, em que os efeitos colaterais e os bene ícios adicionais da descar-
bonização são avaliados, é ressaltado, no caso da eólica, o uso do dispró-
sio. Todavia, eles não analisam, na metodologia que utilizam, os eventuais
riscos de depleção de material.
Thomas e Ramachandra (2018), revisando os materiais avançados
para as pás das turbinas eólicas, que precisam ser leves, rígidas e resisten-
tes ao stress e à fadiga, advogam os compósitos reforçados com nano-ma-
teriais pelas suas propriedades mecânicas. As moléculas cilíndricas dos
nanotubos de carbonos, que seriam alótropos do carbono, têm proprie-
dades que são buscadas para as pás de turbinas. Os autores comparam os
materiais atualmente usados nas pás com nanotubos de carbono reforça-
dos com diferentes resinas potencialmente aplicáveis às pás.
Em uma outra linha, mais preocupados com o impacto ambiental do
material usado nas pás, Batu et al. (2020) concluem que alguns compósi-
tos de ibra naturais têm desempenho mecânico equivalente ou melhor
que os convencionalmente utilizados, com a vantagem de serem biode-
gradáveis. Obviamente, a questão da reciclagem do material das pás deve
ser outra alternativa para gerenciar os compósitos poliméricos reforçados
com ibra de vidro e carbono que são atualmente usados (Lichtenegger et
al., 2020). Karatairi e Bischler (2020), trabalhando com a mesma preo-
cupação, defendem como uma das opções o desenvolvimento de formu-
lações com aditivos apropriados e conceitos multimateriais, novamente
considerando matérias-primas baseadas em recursos naturais e recicla-
dos. Nessa perspectiva, a utilização da nanotecnologia empregando mate-
riais renováveis representa um desa io para reduzir o impacto desse pro-
duto no meio ambiente.

Considerações ϐinais sobre os novos materiais

A busca de um mundo mais sustentável, com a descarbonização da econo-


mia global, passa por uma transição energética fundamentada no uso das
fontes renováveis de energia e, em particular, das fontes renováveis inter-

209 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
mitentes (FRIs). Estas, por sua vez, em função da sua característica intrín-
seca de intermitência, passam a exigir estratégias de armazenamento.
Como citado por várias fontes, se, por um lado, o uso das renováveis faz
reduzir a utilização de combustíveis fósseis, por outro, pressiona o uso de
alguns materiais, sobretudo metais usados nos painéis fotovoltaicos, nos
ímãs permanentes das usinas eólicas e nas baterias. Alguns deles passa-
ram a ser considerados críticos no rumo à transição energética.
Esse capítulo abordou uma outra questão importante da pesquisa
para a expansão das FRIs, ou seja, a a busca contínua pela maior e iciência
e con iabilidade dessas fontes, buscando novos ou aperfeiçoando os mate-
riais usados nos painéis fotovoltaicos, nas baterias e nas turbinas eólicas.
Apesar de não exaustivo, buscou-se apresentar os principais problemas,
gargalos e desa ios, inclusive no sentido de manter ou aumentar a carac-
terística de pequeno impacto ambiental dessas fontes.
No caso da energia solar fotovoltaica, os materiais incluem o cádmio,
o telúrio, o selênio, o índio, entre outros. Em se tratando da energia eólica,
destacam-se o neodímio e o disprósio e, nas baterias, apesar do lítio não
ser considerado um material crítico, sua demanda deve crescer astrono-
micamente, além da demanda pelo cobalto e pelo níquel e pelos mesmos
materiais usados nos ímãs permanentes das eólicas.
Percebe-se, em todos os casos, uma preocupação com a redução do
uso dos materiais, buscando maior e iciência, a redução no custo inal ou
na rentabilidade (cost-effectiveness) das alternativas e também a eventual
substituição e reciclagem dos materiais usados.
Como ica evidente ao longo dessa revisão sobre o uso de materiais
nas três grandes frentes analisadas – energia solar fotovoltaica, baterias e,
sobretudo, ímãs permanentes para a energia eólica, haverá uma pressão
para o uso de novos materiais, alguns deles tornando-se críticos em fun-
ção da disponibilidade ou da necessidade de aumento de escala de pro-
dução, criando vulnerabilidades e riscos. Há, contudo, uma perseguição
contínua pelo uso mais e iciente ou pela substituição desses materiais,
assim como existem possibilidades alternativas de aperfeiçoamento das
técnicas de produção e uma visão dinâmica do desenvolvimento tecnoló-
gico. Corroborando essa prospecção, a utilização da nanotecnologia nos
estudos e o desenvolvimento de novos materiais podem ser um potencial
agregador nessa busca de inovações. Sobretudo, as novas tecnologias, que

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 210


se encontram em células com nanocristais, polímeros, corantes e pero-
vskitas, por apresentarem materiais alternativos, con igurações de dis-
positivos e técnicas de fabricação em fase de desenvolvimento, apontam
propriedades reduzidas quando comparadas às tecnologias anteriores.
No entanto, oferecem diversas vantagens, tais como lexibilidade mecâ-
nica, baixo custo e facilidade de processamento.

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215 O Papel dos Sistemas de Armazenamento Frente à Inserção Crescente das Fontes...
IMPACTOS DAS FONTES RENOVÁVEIS
INTERMITENTES NA FORMATAÇÃO DOS NEGÓCIOS
10
NA INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

10.1 Introdução

Em um dos livros mais icônicos dos primeiros tempos da Revolução


Energética, ainda na década dos anos 1990, Hunt e Shuttleworth (1996)
relatam um diálogo com um regulador da indústria elétrica:
Eu cresci em um mundo de planejamento e preços de inidos por cus-
tos marginais. Para esse referencial, eu sei calcular tarifas e taxas de
retorno (..) eu sei como escolher a próxima fonte de suprimento e como
estimar a demanda (..) eu memso posso fazer a alocação de custos. (..)
Mas, neste mundo da competição, eu precisaria entender a respeito de
mercados, contratos, alocação de riscos e como estruturar um sistema
de acesso livre aos sistemas de transmissão. Mais do que tudo, eu pre-
ciso realmente saber se eu quero apreender sobre a indústria que eu
regulo neste novo mundo (Hunt e Shuttleworth, 1996).

A angústia do interlocutor junto aos autores do livro citado se referia


às mudanças que se instalavam com a chegada dos mercados competiti-
vos. Mal podia ele saber naquele momento que, em pouco mais de 20, as
mudanças seriam radicalmente mais complexas, desa iantes e com hori-
zontes cujos limites ainda não podem ser descortinados.
A busca do entendimento das transformações da sociedade tem sido
alvo de muitas indagações da literatura com análises cada vez mais fre-
quentes sobre a transição da chamada Era da Modernidade para uma
que a suceda, a Pós Modernidade. Cada vez mais, os direcionadores da
Modernidade, que alicerçaram o progresso da sociedade, estão sendo
contestados, quer porque deixaram de ser relevantes, quer porque se
encontram em grau de saturação perante os anseios da sociedade.
A denominada Modernidade sempre se amparou na racionalidade
econômica, na busca constante do progresso, na valoração do emprego e
no papel coordenador do Estado. Ocorre que os cânones da racionalidade
econômica estão sendo cada vez mais contestados pelos economistas
comportamentais, que desnudam os critérios de decisão por razões outras
que não a racionalidade. Bons exemplos dessa contestação podem ser
encontrados nas publicações de Ariely (2010), Kahneman (2011), Thaler
e Sustein (2008) e Thaler (2015), para citar alguns poucos exemplos.
A busca do progresso vem sendo questionada pela questão ambien-
tal. Muitos advogam que já estamos em um patamar em que os limi-
tes do crescimento precisam ser reavaliados (Meadows et al., 2004 e
Mullainathan e Sha ir, 2013). As mudanças climáticas representam a face
mais emblemática desse limite ao progresso irrestrito.
O mundo do emprego seguro e de longa duração já se transformou,
sendo substituído por iniciativas que permitem o trabalho como serviço,
inclusive, com diretriz competitiva e de desintermediação, como bem
atestam o UBER, a Amazon e tantas outras plataformas. A ideia de um
mundo plano desenvolvida por Thomas Friedman (2007) a partir da difu-
são irrestrita de ideias, conceitos, valores e oportunidades democratiza-
das pela Internet consolida esse contexto de im dos empregos.
Finalmente, o papel dos Estados, que sempre foram os direcionado-
res das políticas que (eventualmente) protegeriam os cidadãos e esta-
beleceriam um ambiente de segurança e estabilidade, inclusive, jurídica,
tem se esgarçado indicando que essas relações estão exauridas. Exemplos
concretos são a Primavera Árabe, que levou de roldão muitos governos, e
outros eventos, como o Occupy Wall Street.
A proliferação de ideias (falsas ou verdadeiras) contribui para a cor-
rosão da con iança nas instituições. Estas representam a diferença entre
o sucesso e o fracasso das nações. Instituições fortes e governança são a
principal fonte de estabilidade econômica e política de um País (Nóbrega,
2005; Acemoglu e Robson, 2012). O que ocorre, no entanto, é uma des-
crença nas instituições em geral.

217 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


O mesmo autor do Mundo Plano (Friedman, 2016) tem recorrido ao
tema, ressaltando que crises políticas e econômicas têm sido mais fre-
quentes e que, apesar da democratização do acesso à informação, a maior
parte das pessoas não consegue se sintonizar ao acesso à compreensão
do que acontece e que ainda está por acontecer. Ainda segundo Friedman,
as crises globais de grande magnitude, cada vez mais frequentes, como
os ataques de 11 de setembro de 2001, a crise de créditos imobiliários de
2008 e a própria COVID-19 em 2020, estão permeadas pela presença cres-
cente de eventos climáticos extremos como pano de fundo do contexto.
Essa circunstância de enfraquecimento das instituições (com o des-
crédito da sociedade sobre elas, inclusive, sobre as empresas, em especial,
as grandes corporações) e a desintermediação dos negócios têm afetado
todos os segmentos da economia. Merece destaque também a evolução
tecnológica que dá suporte a plataformas que ajudam a reconstruir novos
paradigmas para o emprego/trabalho e para a competição, muitas vezes
impactando a lei e os regulamentos que não possuem a su iciente veloci-
dade para acompanhá-la. Por que razão todo esse contexto não afetaria o
setor de energia elétrica?
Cabe aqui uma observação de que a indústria de energia elétrica
foi gestada em um ambiente de monopólio natural e de grande estabi-
lidade. Ideia interessante apresentada por Paulo Pedrosa, presidente da
Associação dos Grandes Consumidores de Energia (ABRACE), em um
seminário promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP), em 2009, comparava a indústria de energia elétrica com a
de turismo de cruzeiros marítimos. Na oportunidade, o dirigente daquela
associação chamava a atenção que um navio de cruzeiro, com investi-
mento próximo de uma usina de médio porte (~100 MW de capacidade
instalada),72 não possui PPAs ou os conhecidos contratos de longo prazo.
Os cruzeiros futuros exigem que múltiplos roteiros sejam desenhados,
que portos sejam contratados com antecedência de vários anos, que um
complexo sistema de abastecimento seja estabelecido, quer de alimentos

72
Nossos cálculos.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 218


e bebidas, como de entretenimento. Tudo isso sem PPAs e sem a certeza
de que passageiros irão aderir às próximas viagens.73
Essa estabilidade está sendo rompida e, aparentemente, as conces-
sionárias não estão se dando conta desse processo. Esse capítulo analisa
as oportunidades e as ameaças que não estão sendo consideradas na sua
integridade pelas concessionárias de distribuição e devem constituir um
novo referencial da indústria de energia elétrica que vai se estabelecer
pela crescente presença das FRIs.

10.2 O modelo das Concessionárias – Antecedentes

Para que se possa ter uma ideia coerente dos impactos que as FRIs irão
produzir no modelo de negócios das utilities, é importante conhecer os
antecedentes que construíram as relações das empresas com seus negócios,
na maior parte das vezes, em ambientes de pouca competição, regulação
acirrada e ajuda governamental em cada crise. Esse conhecimento é desen-
volvido nessa seção através dos exemplos do Brasil e dos EUA.
Embora os fenômenos de correntes elétricas fossem conhecidos na
Grécia antiga,74 sua primeira aplicação comercial aconteceu em 1882
pela produção da Usina Pearl Street, em Nova Iorque, de propriedade de
Thomas Edison, utilizando-se de corrente contínua. A produção foi su i-
ciente para iluminar 106 lâmpadas no escritório do Banco J. P. Morgan e
52 lâmpadas no Jornal The New York Times (Munson, 2005). A produção
foi muito aquém da prometida por Edison, mas su icientemente come-
morada, pois já existia uma competição por opções de tecnologias para
geração e distribuição da eletricidade, em especial, com as empresas capi-
taneadas por George Westinghouse, adepto da corrente alternada, com a
eletricidade produzida a grandes distâncias do ponto de consumo.

73
A incerteza faz com que existam serviços de venda de viagens de cruzeiros com ele-
vados descontos para permitir a ocupação máxima do navio à medida que a data de
cada viagem se aproxima. Algo que lembra um preço spot dos mercados de energia.
Obviamente, viagens com sucesso de público têm suas tarifas reajustadas para fazer
frente à demanda.
74
Thales de Mileto, século VI A.C. (Mundo da Educação, 2019).

219 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


Em 1886, pela primeira vez, foram empregados transformadores
para adequar a tensão da energia produzida à rede de distribuição, na
cidade Great Barrington, no Estado de Massachusetts (ETWH, 2019).
As primeiras hidrelétricas a produzirem energia em corrente alter-
nada foram a Usina de Thorengerg, perto de Lucerna, na Suíça (1889), e
a Usina AMES, com 75kW, localizada em Ophir, no Colorado, EUA, sendo
esta a primeira a transmitir energia elétrica a grandes distâncias.75.
Essa disputa entre as tecnologias, de tão acirrada, foi apelidada de
“Guerra das Correntes”. Ambos os empreendedores, que entraram para
a história da indústria de energia elétrica, apoiaram-se em muitos enge-
nheiros e inventores, os quais foram fundamentais nesses primeiros tem-
pos. Por exemplo, Nikola Tesla (1856-1943), considerado por muitos o
grande gênio da indústria então nascente e a quem se reputa a vitória
da alternativa da corrente alternada, além, é claro, da invenção do motor
elétrico (Tesla Research, 2019). Outros grandes desenvolvedores tam-
bém merecem destaque, como William Stanley (1858-1916), inventor do
transformador, e Oliver Shallenberg (1860-1898), que criou o primeiro
medidor de energia elétrica.
A “Guerra das Correntes” foi cercada de grande disputa, em que a
agressividade inata de Edison levou a fatos inusitados, como o desenvol-
vimento da cadeira elétrica para execução de condenados à morte76 e a
eletrocussão pública de um elefante em 1903, que havia matado três pes-
soas em um circo,77 tudo para demonstrar os perigos da corrente alter-
nada. Apesar dessas artimanhas, prevaleceu a corrente alternada, espe-
cialmente depois do sucesso do projeto de Niágara Falls (1886), que con-
seguiu transmitir, por mais de 20 milhas, energia elétrica por apenas um
circuito, mas destinada a diferentes usos inais (McNerney et al., 1996).
No Brasil, a primeira usina de que se tem notícia foi a Hidrelétrica do
Ribeirão do Inferno, construída em 1883. Nesse mesmo ano, foi inaugu-
rado por D. Pedro II o primeiro serviço municipal de iluminação pública
da América do Sul, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), com 39 lâm-

75
Na época, uma grande distância representava 3 milhas, aproximadamente, 4,8 km
(Drew, 2014).
76
O primeiro executado em uma cadeira elétrica foi William Kemmler, em Nova Iorque, em
1890. Essa modalidade de execução foi utilizada até 2015, nos EUA (Ferreira, 2016).
77
O elefante Topsy foi eletrocutado em Coney Island, em 1903 (MDIG, 2008).

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 220


padas, alimentadas pela primeira usina termelétrica brasileira (52 kW),
movida à lenha. Vários outros empreendimentos de pequeno porte (para
a época nem tanto) foram instalados, muitos deles em Minas Gerais. Entre
1885 e 1887, foram instaladas, apenas para citar alguns poucos exemplos,
a Hidrelétrica da Companhia Fiação e Tecidos São Silvestre, no municí-
pio de Viçosa, a Usina Hidrelétrica Ribeirão dos Macacos e a Hidrelétrica
da Compagnie des Mines d’Or du Faria, em Nova Lima, todas em Minas
Gerais. Ainda em 1887, iniciou-se a operação da Usina Termelétrica Velha,
em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e foi criada a Companhia de Força
e Luz para fornecer iluminação pública a alguns pontos do Rio de Janeiro,
a partir de uma central termelétrica instalada no Largo de São Francisco.78
As primeiras empresas de maior porte foram a São Paulo Tramway
Light and Power Company Limited (1899) e a Rio de Janeiro Tramway
Light and Power Company Limited (1904), as quais também tinham uma
atuação na área de transporte público. Em 1912, foi criada a Companhia
Paulista de Força e Luz - CPFL.
Em 1923, foi constituída a American & Foreign Power Company
(AMFORP), subsidiária especí ica da Electric Bond & Share Co. (EBASCO)
para tratar dos investimentos e das companhias estrangeiras. Em 1927,
a AMFORP, através das Empresas Elétricas Brasileiras S.A. (EEB), iniciou
uma estratégia de aquisição de companhias regionais para estabelecer
seu crescimento. Além de empresas no Estado de São Paulo, notada-
mente no interior, a AMFORP adquiriu companhias em outros estados:
Companhia Força e Luz do Nordeste (Maceió, 1927), Companhia Energia
Elétrica da Bahia (Salvador, 1927), Companhia Linha Circular de Carris da
Bahia (Salvador, 1927), Pernambuco Tramway & Power Company (Recife,
1928), Companhia Central Brasileira de Força (Vitória, 1928), Companhia
Brasileira de Energia Elétrica (Niterói, 1928), Companhia Força e Luz do
Paraná (Curitiba, 1928), Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense
(Porto Alegre, 1928), Companhia Força e Luz do Nordeste do Brasil (Natal,
1929), Companhia Força e Luz de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1929),
Companhia Tração Luz e Força de Florianópolis (Florianópolis, 1929) e
The Rio Grandense Light & Power Syndicate (Pelotas, 1930) (CPFL, 2019).

78
Para uma cronologia mais detalhada, consultar a dissertação de mestrado de Jannuzzi
(2007).

221 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


O ciclo de expansão seguinte já foi baseado em investimento estatal a par-
tir da década dos anos 1940.
O auge do investimento estatal no Brasil se deu nas décadas dos
anos 1960 e 1970 no século passado com o advento das grandes hidrelé-
tricas, como Ilha Solteira, Itaipu, Tucuruí e tantas outras. No entanto, a
presença do Estado continuou com grande intensidade, in luenciando a
maneira como os negócios eram desenvolvidos, sempre com inúmeros
subsídios cruzados, como, por exemplo, as tarifas uni icadas que vigo-
raram entre 1974 e 1993, independentemente dos custos de cada con-
cessionária. Como parece óbvio, transferências de renda de intensidade
relevante foram registradas, em especial, das empresas do Sudeste e do
Sul para as empresas menos estruturadas, no Norte e no Nordeste. No
entanto, os choques do petróleo e o forte endividamento internacional
do Brasil, nos anos 80, levaram a uma inadimplência, saneada com o
aporte do tesouro decorrente da edição da Lei nº 8.631/1993, conhe-
cida como Lei “Eliseu Resende”.
Apesar do movimento na direção da modernização da indústria de
energia, nos anos 1990, a partir dessa lei e do projeto de reformulação da
indústria denominado Restruturação do Setor Elétrico Brasileiro RE-SEB
(Paixão, 2000 e Sauer et al., 2003), das privatizações e da criação da
Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS), a indústria nunca se desvencilhou totalmente do
amparo estatal.
A cada di iculdade e a cada crise, vários bilhões de R$ são transferi-
dos ou do Tesouro ou dos consumidores de energia elétrica para sanear
empresas ou questões mal resolvidas por leis ou regulamentos equivo-
cados. Na Tabela 10.1, alguns exemplos dos últimos 30 anos, em que são
apresentados os valores nominais e aqueles corrigidos pela in lação.
Ainda, evidencia que a necessidade de “socorros” ao setor elétrico, nos
últimos 30 anos, é equivalente a um valor da ordem de US$ 200/per capta
em valores atuais. Tudo se passa como se fosse criado um imposto de
energia elétrica que consumiria 2,2% da renda média de cada brasileiro
em um ano (base de dados da renda per capta 2018).
Se cada um dos itens acima fosse analisado, haveria explicações racio-
nais, históricas, econômicas, políticas e muito mais. A pergunta central é:
faz sentido socorrer todas essas crises?

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 222


Tabela 10.1 Suporte financeiro para cada crise da indústria de
energia elétrica no Brasil
Valor Corrigido pelo
R$ ou US$
Data Evento IGPM até 1/07/2020
Valor de face
Bilhões de R$
Fevereiro de 1993
(Fonte: Peter Greiner,
Reconhecimento das
ex Secretário do
CRCs79 e Saneamento US$ 30 bilhões 160,50
Ministério de Minas
da dívida acumulada
e Energia, 2004)
(Greiner, 2004)
Empréstimo
BNDES depois do
2,85 bilhões 7,4
racionamento de
2001/2002
Conta ACR I (CCEE,
Maio de 2014 11,20 bilhões 15,73
2020)
Conta ACR II (CCEE,
Agosto de 2014 6,57 bilhões 9,16
2020)
Conta ACR III (CCEE,
Março de 2015 3,98 bilhões 5,42
2020)
Conta COVID-19
Julho de 2020 14,8 bilhões 14,8
(ANEEL, 2020a)
Reajuste
Extraordinário da
Transmissão (Fonte: Julho de 2020 7,3 bilhões 7,3
ANEEL, 2020b e Lis,
2020)
Total 220,31
Fonte: Elaboração dos autores a partir das fontes citadas.

Para essa discussão, é interessante adotar os conceitos de Milton


Friedman (1966) em seu livro The Methodology of Positive Economics.
Neste, o famoso professor da Universidade de Chicago minimizou a impor-
tância de teorias para explicar fenômenos cientí icos. Milton Friedman
defendia que o que interessa, na verdade, são os resultados e a acurácia
de previsões que uma teoria possa trazer, criando jocosamente a imagem
mental que um jogador de bilhar poderia usar equações trigonométricas
para projetar suas jogadas, mas o que interessa mesmo é a precisão de

79
Conta de Resultados a Compensar – moeda contábil paralela para equacionar o des-
cumprimento da legislação brasileira quando os reajustes de energia não atendiam a
remuneração garantida em lei. Foi reconhecida pela Lei nº 8.631/1993.

223 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


suas tacadas. No caso do Brasil, o que interessa são R$ 220 bilhões e não
as justi icativas para a dimensão desses problemas ou porque era inevitá-
vel que a ajuda fosse necessária.
No mercado americano, a trajetória não foi diferente em relação à
presença do Estado na indústria, exceto no que tange à participação mais
intensa de capitais privados.
Em 1892, Samuel Insull assumiu a presidência da Chicago Edison
Company, uma das múltiplas empresas que operava eletricidade na cidade.
Com muita rapidez, entendeu que a competição era predatória para seus
negócios e trabalhou irmemente para adquirir as outras empresas da
maior parte na cidade. Mesmo tendo minimizado os problemas de sua
companhia pela via de aquisições, Insull ainda considerava haver muita
ine iciência, pois a maior carga do sistema elétrico era proveniente do
transporte público, enquanto o uso da eletricidade nos demais usos ainda
era restrito, inclusive pelo alto custo. Dessa forma, o executivo criou, pela
primeira vez nos EUA, uma preci icação variável com os horários do dia,
visando melhorar a curva de carga de seu sistema e, consequentemente,
reduzir custos e atingir novos consumidores pela redução das tarifas.
Mudou também o sistema de captação de recursos com a venda de títu-
los de investimento de sua empresa ao grande público, utilizando-se de
interessante texto publicitário: “(..) quando você vê luzes acessas, seu
dinheiro está seguro”. Essa estratégia reduziu o custo de captação de capi-
tal para novos investimentos (Munson, 2005).
Entre 1897 e 1909, as tarifas foram reduzidas de 20 centavos para 2,5
centavos de US$ por kWh. Consequentemente, o número de consumido-
res da Chicago Edison saltou de 5.000 clientes, em 1892, para 200 mil, em
1913 (Munson, 2005).
Insull, no entanto, ainda não estava satisfeito. Em seu discurso
de posse na Presidência da National Eletric Light Association (NELA)
(Cudahy e Henderson, 2005), em 1898, defendeu que os custos poderiam
ser reduzidos ainda mais se a competição fosse eliminada pela consi-
deração por parte do Governo de que a indústria de energia elétrica se
caracterizava como um monopólio natural e, portanto, deveria ser asse-
gurado que apenas uma empresa atuasse em cada área. Em contrapartida,
as concessionárias deveriam oferecer uma opção de venda de seus ativos
para as municipalidades para que abusos contra os consumidores fossem

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 224


evitados. Defendeu ainda que deveriam ser criadas Comissões de Serviço
Público que iscalizassem as atividades das utilities, visando garantir tari-
fas justas, e um sistema de contabilidade que fosse a base da garantia do
equilíbrio entre os interesses dos consumidores para o estabelecimento
das tarifas e o preço da opção de venda da empresa. Finalmente, sugeria
que os membros da citada Comissão deveriam ser apontados fora do raio
de in luência da política do local da concessão.
Em 1907, o Estado de Wisconsin alterou a legislação de sua agência
de serviços públicos de transporte de tal sorte que as atividades de energia
elétrica foram incluídas em suas atribuições. Em 1916, trinta e três Estados
já tinham atividades de regulamentação e iscalização nas atividades de ele-
tricidade e, em 1920, virtualmente todos os Estados possuíam algum tipo
de controle sobre a indústria de energia elétrica (Perkins, 1998).
Como já apontado no Capítulo 7, o presidente Roosevelt se valeu da
indústria de energia elétrica para combater o desemprego durante os
anos da grande recessão após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929.
Nixon, Carter e Reagan também interferiram fortemente na indústria de
energia, cada um com as características de seus mandatos presidenciais,
reforçando a ideia de que os confortos do monopólio natural sempre
teriam o conforto da defesa governamental.
O presidente Nixon foi o principal agente que editou leis ambien-
tais transformadoras da indústria de energia, criando a Environmental
Protection Agency (EPA,1970), as Clean Air Law Amendments (1970),
que introduziram o controle de fontes estacionárias, e a Clean Water
Law (1972). Carter editou o Public Utility Regulatory Policies Act (PURPA,
1978), cujo objetivo principal seria criar incentivos para e iciência ener-
gética e para o surgimento de produtores independentes de energia de
pequeno porte. Finalmente, Reagan, pela sua simpatia com as ideias libe-
ralizantes de Margareth Thatcher no Reino Unido, fomentou as condições
para favorecer a competição, implementada na prática pelos regulamen-
tos do livre acesso ao grid por terceiras partes – FERC Order 888/96
(Porter, 1996). Reagan, no entanto, incentivou um retrocesso nas ideias
modernizantes de Carter em relação às energias renováveis.
Mais recentemente, as políticas americanas de energia têm se concen-
trado em defender os combustíveis fósseis como atitude defensiva ao tema
das mudanças climáticas, registrando retrocessos na política norte-ame-

225 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


ricana, em especial, nos governos George W. Bush (2001-2009) e Donald
Trump (2017-2020), no que tange à defesa do meio ambiente. O papel do
gás de xisto (shale gas) tem tido in luência importante nessas posições,
havendo autores que consideram que a queda dos preços do petróleo inter-
nacional, nos últimos anos, foi fortemente in luenciada pelo crescimento da
oferta dessa modalidade de energia. A Figura 10.1 mostra o efeito de simi-
laridade de tendência dos preços desses dois energéticos. Na eleição ame-
ricana de 2020, o tema energético voltou a criar polêmicas, com o Partido
Democrata defendendo o Green New Deal com seu Clean Energy Revolution
and Environmental Justice, enquanto o Partido Republicano apostou na pre-
servação do fracking e da expansão da exploração dos fósseis.

Figura 10.1 Preços do barril do petróleo e do gás de xisto


'ROODUVSHUEDUUHO  'ROODUVSHUWKRXVDQGFXELFIHHW 
 
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Fonte: CEA, 2019.

Essa trajetória conservadora da indústria de eletricidade evidencia o


quão “dolorosos” podem vir a ser os próximos anos quando a concorrên-
cia se acirrar, como se evidencia nas próximas seções.

10.3 Os modelos competitivos e seus impactos nas


concessionárias do futuro – reformas liberalizantes

As transições registradas em mais de um século da indústria de energia


elétrica nunca foram tão drásticas como essas que aconteceram na última

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 226


década. Como já discutido em inúmeras oportunidades nos capítulos
anteriores, a questão ambiental permeia uma série de in luências, mas as
mudanças no setor não estão ocorrendo apenas nessas vertentes.
A urbanização nunca esteve tão presente na vida das pessoas e, com
ela, um processo de eletri icação cada vez mais intenso. Entre 2010 e 2025,
350 milhões de chineses sairão da área rural para as cidades (mais do
que a população dos EUA) e, em 2030, existirá nas cidades chinesas uma
população que ultrapassará o número de 1 bilhão de pessoas (Woetzel et
al., 2009). Esse fenômeno não é apenas asiático, mas global. Por exemplo,
80% da população americana vivem em cidades (Manyika et al., 2012).
Essa urbanização vem acompanhada do aumento da importância da ele-
tricidade nos sistemas de segurança e conforto dos polos urbanos e, sem
dúvida, na dimensão econômica que essa expansão produz.
A digitalização e a oferta de sistemas de geração de pequeno porte
com preços cada vez mais competitivos estarão presentes nessas trans-
formações. Vale destacar ainda a competição e a desregulamentação
estruturada (aquela que ocorre planejadamente com apoio regulatório)
ou mesmo movimentos que surgem de lacunas regulatórias e ou de avan-
ços tecnológicos.
As transformações iniciais da indústria, no entanto, foram muito
mais no sentido das reformas de desregulamentação liberal. As principais
mudanças ensejadas nessa onda liberalizante foram estudadas por Hunt
(2002) e podem ser resumidas em:
• Respostas da demanda atreladas à preci icação horária e a planos
de oferta diversos. Podem também ser citados complexos meca-
nismos de incentivos para direcionar o consumo conforme a pre-
ferência da concessionária.
• Comercialização de energia com separação da operação dos siste-
mas (despacho, transmissão e distribuição) e da energia propria-
mente dita, incluindo comercialização de varejo.

Respostas da Oferta, com processos de privatização de ativos ou em


projetos green ield, desinvestimentos de usinas velhas e remoção de barrei-
ras de entrada (concessões e licenças). Conceitualmente, as alterações na
direção da liberalização evoluíram do modelo tradicional de monopólio ver-
ticalizado ou parcialmente verticalizado para estruturas mais complexas. A
Figura 10.2, reproduzida de Hunt (2002), explicita o modelo tradicional.

227 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


Figura 10.2 Monopólio verticalizado

>$@9HUWLFDO,QWHJUDWLRQ >%@6HSDUDWH5HWDLOHU'LVWFR

*HQHUDWLRQ *HQHUDWLRQ

7UDQVPLVVLRQ 7UDQVPLVVLRQ
,QWHUXWLOLW\
6DOHV
'LVWULEXWLRQ 'LVWFR

&XVWRPHU &XVWRPHU

(QHUJ\VDOHVHQHUJ\IORZVLQVDPHFRPSDQ\

Fonte: (Hunt, 2002)

O modelo seguinte na escala da liberalização dos mercados pressu-


punha produtores independentes que surgiriam da privatização ou da
expansão privada green ield, sendo vital a participação de um comprador
único que garantiria o planejamento da demanda requerida pela socie-
dade. Os detalhes constam na Figura 10.3. Na versão estudada por Hunt
(2002) e dedicada aos EUA, já surgia a igura de autoprodutores ven-
dendo seus excedentes de forma competitiva com a geração tradicional.
Esse modelo chegou a ser considerado no Brasil durante os governos de
Fernando Collor de Melo (1990-1992) e de Itamar Franco (1992-1994),
mas acabou descartado. Há que se considerar que existia, na época, uma
forte inadimplência setorial (Tabela 10.1) e a igura de um único compra-
dor (estatal) ampliaria as possibilidades de problemas inanceiros.
A etapa seguinte na escala da complexidade de modelos que acaba-
ram sendo utilizados em muitos países representa a competição no ata-
cado, ou seja, os agentes de geração passam a competir para atender as
grandes cargas (distribuidoras e os grandes clientes), conforme detalhado
na Figura 10.4. Cabe o registro que, nos primeiros anos de Ambiente de
Contratação Livre (ACL) no Brasil, apenas consumidores com demanda
contratada acima de 10 MW eram elegíveis a esta opção de suprimento.
Posteriormente, esses limites foram sendo reduzidos, mas o principal
efeito para a popularização do ACL foi a possibilidade de inclusão de
clientes especiais, aqueles que compravam energia de fontes alternativas
de pequeno porte ambientalmente amigáveis.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 228


Figura 10.3 Comprador único

$ 'LVDJJUHJDWHG9HUVLRQ %@ ,QWHJUDWHG9HUVLRQ 86 3XUSD

2:1
,33 ,33 ,33 ,33 ,33
*HQHUDWRUV

6LQJOH%X\HU 6LQJOH%X\HU

'LVWFR 'LVWFR 'LVWFR 'LVWULEXWLRQ

&XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU

(QHUJ\6DOHV(QHUJ\)ORZVLQVDPHFRPSDQ\
Fonte: (Hunt, 2002)

Figura 10.4 Competição no Atacado

,33 ,33 ,33 ,33 ,33

75$160,66,21:,5(6
:+2/(6$/(
0$5.(73/$&(

'LVWFR /DUJH 'LVWFR /DUJH


&XVWRPHU &XVWRPHU

&XVWRPHU &XVWRPHU

(QHUJ\6DOHV
Fonte: Hunt, 2002.

Finalmente, o modelo seguinte (Figura 10.5) pressupunha uma con-


vivência entre a competição no atacado e no varejo. Vale registrar que, no
Brasil, esse modelo ganhou interessante concepção ao integrar a competi-
ção pelo mercado (empreendimentos competindo pelo direito da conces-
são e de contratos com o mercado regulado de longo prazo) à competição
no mercado (competição no ambiente de contratação livre por produto-
res independentes e comercializadoras).

229 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


Figura 10.5 Competição no atacado e no varejo

,33 ,33 ,33 ,33 ,33

75$160,66,21:,5(6
:+2/(6$/(
0$5.(73/$&(

5HWDLOHU 'LVWFR 5HWDLOHU 'LVWFR 5HWDLOHU


5HWDLOHU 5HWDLOHU

',675,%87,21:,5(6
5(7$,/
0$5.(73/$&(

&XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU &XVWRPHU

(QHUJ\6DOHV'LUHFW6DOHV
Fonte: Hunt, 2002.

No momento de sua concepção, Hunt (2002) ainda não considerava os


modelos de competição total, em que todos os consumidores de energia elé-
trica poderiam comprar suas necessidades energéticas de qualquer agente,
independentemente de seu porte. Cabe reparo que alguns países, ao imple-
mentarem um sistema de liberdade de competição plena, ainda preservaram
a possibilidade de um mercado regulado para atender aos consumidores
despreparados (ou que não se mostram interessados nessa iniciativa) para
enfrentar essa situação. Esta alternativa foi denominada de Supridor de Última
Instância. Em alguns países, permanece disponível sempre que um consumi-
dor assim desejar ter seu contrato com condições reguladas; em outros, tal
alternativa remanesce durante um certo período antes da competição total.

10.4 Os modelos competitivos e seus impactos nas


concessionárias do futuro – reformas decorrentes da
tecnologia e das FRIs

É nítido que, na maioria das vezes, os impactos tecnológicos promovem


a reestruturação dos mercados não imaginada pelos agentes tradicionais

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 230


e nem pelos legisladores e reguladores. No primeiro caso, pode-se citar o
exemplo da Kodak (tecnologia propriamente dita) e dos setores de trans-
portes e hospitalidade, representados pelo UBER e Airb&b (tecnologia e
desintermediação de serviços).
A segunda possibilidade de impacto na legislação e na regulamenta-
ção encontra uma série de exemplos nos mercados de energia e em outras
indústrias de rede. Serviços não imaginados antes e necessidades não
pensadas pelos seus usuários estão impactando os formuladores da regu-
lação no seu sentido mais amplo. As faces mais evidentes desses impactos
estão representadas na competição e na oferta de energias intermiten-
tes com baixíssimo custo operacional. A inspiração na desintermedia-
ção representa as maiores oportunidades de desenvolvimento de novos
modelos de negócios (muitas vezes, associados a serviços agregados).
Ocorre, no entanto, que a diversidade de alternativas parece ser tão ampla
que di icilmente será possível, à semelhança de Hunt (2002), que sejam
estabelecidos modelos referenciais.
As Figuras 10.6 até 10.9 apresentam a evolução de possibilidades do
uso de energia elétrica de uma residência conectada à rede, de uma resi-
dência com sistema de produção de energia a partir de painéis fotovol-
taicos, com a inclusão de baterias e, inalmente, com as possibilidades de
utilizar a bateria do veículo durante o período noturno.

Figura 10.6 Curva de carga típica residencial

K K K
&XUYDHFDUJDWtSLFDGHXPDUHVLGrQFLD
Fonte: Elaborado a partir de Orton et al., 2017.

231 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


Figura 10.7 Curva de carga típica residencial com sistema fotovoltaico
6XSULPHQWRGH
&RQVXPRGDUHGH DXWRSURGXomR

K K K

([SRUWDomRSDUDDUHGH
&XUYDGHFDUJDWtSLFDGHXPDUHVLGrQFLDFRPVLVWHPD)9
Fonte: Elaborado a partir de Orton et al., 2017.

Figura 10.8 Curva de carga típica residencial com sistema


fotovoltaico e baterias
6XSULPHQWRGH
&RQVXPRGHUHGH DXWRSURGXomR

K K K
'HVFDUJDGD
$UPD]HQDPHQWRQDEDWHULD EDWHULD
&XUYDGHFDUJDWtSFDGHXPDUHVLGrQFLDFRP
VLVWHPD)9HFRPVLVWHPDGHEDWHULD

Fonte: Elaborado a partir de Orton et al., 2017.

Figura 10.9 Curva de carga típica residencial com sistema fotovoltaico,


baterias e veículo elétrico com baterias

6XSULPHQWRGH
DXWRSURGXom
&RQVXPRGHUHGH

K K K
'HVFDUJD 'HVFDUJDGD
$UPD]HQDPHQWR
GDEDWHULD EDWHULD
QDEDWHULD
GRYHLFXOR
HOpWULFR
&XUYDGHFDUJDWtSLFDGHXPDUHVLGrQFLDFRPVLVWDPD)9
HFRPVLVWHPDGHGHEDWHULDHXVRGDEDWHULDGRYHLFXOR

Fonte: Elaborado a partir de Orton et al., 2017.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 232


É preciso notar que as combinações acima não esgotam todas as pos-
sibilidades e que a energia fornecida pelo grid durante as horas de baixa
carga (madrugada), por pressuposto mais baratas, poderiam ser utiliza-
das para usos que pudessem ser programados por meio de automação
(lava louças e máquinas de lavar e secar roupas, por exemplo). Essa ener-
gia mais barata ainda poderia servir para recarregar baterias e comple-
mentar a disponibilidade energética para uma operação off-grid nas horas
de maior carga. Cabe considerar ainda que os excedentes poderiam ser
“registrados” em nome de um terceiro que fosse detentor de grandes ati-
vos de baterias para um serviço de armazenagem energética na espera
do melhor momento de arbitragem. Qualquer semelhança com serviços
de armazenagem de arquivos em “nuvens” não é mera coincidência. Essa
estratégia permite que a energia, sendo estocada em um sistema privado,
evite que o sistema seja despachado quando as condições econômicas do
detentor do direito não sejam as desejáveis. O proprietário do banco de
baterias administra os estoques de terceiros e é remunerado pelo serviço
de estocagem e de acompanhamento dos preços relativos.
Alternativas de serviço podem ser bastante simpli icadas, como, por
exemplo, a venda de painéis fotovoltaicos em supermercados ou lojas de
materiais de construção80. Adicionalmente, podem ser fornecidos servi-
ços de suporte para a veri icação da engenharia da capacidade de infraes-
trutura dos telhados e para a representação junto à concessionaria para o
parecer de acesso, além da o icialização da conexão em um sistema feed-in
ou net metering.
Serviços de inanciamento ou de arrendamento desses sistemas tam-
bém podem estar presentes nesse rol. Alternativamente, o dono da pro-
priedade pode “alugar” seu telhado em troca de uma parcela da energia
produzida, sendo a energia excedente destinada a um determinado im
pelo proprietário real do sistema. Em algumas regiões, o sistema de pro-
dução de geração distribuída pode ser promovido com o inanciamento
habitacional. Essa opção tende a valorizar o imóvel para uma revenda.
Contudo, pode comprometer sua viabilidade quando um segundo pro-
prietário tem necessidade energética não compatível com o sistema ins-

80
No Brasil, a compra de um painel fotovoltaico já pode ser feita nas lojas da rede Leroy
Merlin.

233 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


talado. Além disso, ao comprar o imóvel, o novo proprietário tem que
adquirir juntamente o inanciamento residual do sistema.
Existem ainda possibilidades de serviços inanceiros de swaps de
contrato de proprietários de GD em residências, com o proprietário esco-
lhendo uma tarifa lat, enquanto o prestador de serviço administra os
valores de energia lutuantes hora a hora.
Tudo indica que essas vertentes de tecnologias, serviços inanceiros
e desintermediação irão promover alterações substanciais nos negócios
da indústria de energia elétrica. Podem ser citados, como exemplos na
vertente da tecnologia, as redes elétricas inteligentes, as microrredes e os
sistemas de pequeno porte para geração distribuída.
A Figura 10.10, de forma esquemática, mostra as possibilidades que
um condomínio residencial ou comercial pode ter para reduzir sua depen-
dência da concessionária ao combinar a geração distribuída (por pressu-
posto, renovável e intermitente), armazenamentos e microrredes.

Figura 10.10 Microrredes, GD e armazenamento

*HUDomR
0LFURUHGH FRPXQLWiULD $UPD]HQDPHQWR
FRPXQLWiULR

&RQVXPLGRU &RQVXPLGRU
FRPXQLWiULR FRPXQLWiULR1

&RQVXPLGRU
FRPXQLWiULR

Fonte: Elaborado a partir de Koirala e Hakvoort, 2017.

As possibilidades são praticamente ilimitadas. A consultoria PwC


(2014) listou inúmeros modelos de negócios e capacidades requeridas
pelos desenvolvedores dessas alternativas. A Tabela 10.2 apresenta alguns
desses modelos referenciados pela PwC (2014), selecionados entre aque-
les decorrentes da expansão das FRIs.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 234


Tabela 10.2 Modelos de negócios desenvolvidos com influência das FRIs
Modelo Descrição Capacidades Requeridas
Fornecimento de eletricidade
a partir de ativos próprios Habilidades para fidelizar o cliente.
ou de terceiros, serviços além Tarifas e preços combinados pelas facilidades
Inovador do medidor, instalação de ofertadas – pacotes.
equipamentos destinados ao Procurement de energia para o cliente.
consumidor, painéis, baterias, Portfólio de serviços diversos ao cliente.
automação.
Procurement de diferentes produtos e oferta
Oferece eletricidade, gás,
em pacotes.
água, TV a cabo, internet,
Financiamento de serviços que dependam de
Sócio segurança digital, cloud
algum ativo e/ou infraestrutura (automação,
computing e armazenamento
painéis, baterias, etc.).
energético.
Serviços além do medidor.
Fornece, a partir de tecnologias Gerenciamento de big data.
Provedor big data, otimizações no uso de Suporte para otimização de contratos.
de valor serviços que o consumidor não Promove a “educação do consumidor”.
agregado tinha identificado. Habilidades de “guiar” o consumidor entre
Consultoria com tecnologia. múltiplas opções.
Procurement de utilidades.
Otimização real time.
Eficiência de uso de utilidades e ajustes de
demanda.
Concessionária Atividades de
Atua do lado da oferta e do lado da
Virtual desintermediação.
demanda de forma simultânea.
Suprimento de ativos de fornecimento de
utilidades e de gerenciamento do uso a partir
de terceiras partes.
Fonte: elaborado a partir de (PwC, 2014)

A Figura 10.11 evidencia o posicionamento relativo entre esses dife-


rentes modelos de negócios segundo a visão da consultoria PwC (2014).

Figura 10.11 Posicionamento relativo dos modelos propostos pela PwC em


relação a sua evolução no arranjo evolutivo
,QWHJUDGR 1mRLQWHJUDGR

&RQFHVVLRQiULD
&RPHUFLDOL]DGRU 6yFLR YLUWXDO

8WLOLW\
3URYHGRUGH
,QRYDGRU YDORUDJUHJDGR

0RGHOREDVHDGRHPDWLYRV 0RGHOREDVHDGRHPVHUYLoRV

Fonte: Elaborado a partir de PwC, 2014.

235 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


As possibilidades podem ainda ser ampliadas na medida em que os regu-
lamentos levantem barreiras aos padrões de liberdade em relação a créditos.
Apenas para citar um exemplo no arcabouço regulatório brasileiro:
sabe-se que os créditos decorrentes do sistema de compensação líquido
podem ser armazenados por 60 meses, sendo utilizados na mesma área
de concessão por unidades com o mesmo CNPJ ou CPF. No entanto, há
que se perguntar por que razão o titular de um excedente não pode
comercializar com outro agente tal excedente? Por que razão o excedente
somente pode compensar créditos na mesma área de concessão onde ele
é gerado? Uma liberalização na modalidade de portabilidade (conceito
amplamente utilizado na telefonia celular, no mercado de previdência
privada, de seguros e no de créditos bancários) aumentaria a competiti-
vidade de inserção de fontes renováveis como um incentivo, não havendo
necessidade de nenhum subsídio.
Pode-se argumentar que essa possibilidade aumentaria a burocracia
das concessionárias e demandaria custos de gestão. Pode-se argumentar
ainda que os regulamentos do ACL permitem que os limites de elegibili-
dade para migração de um cliente sejam totalizados pela soma de diver-
sas unidades, eventualmente em diferentes áreas de concessão, ou seja,
uma liberdade tão complexa quanto a portabilidade. Ademais, o regulador
poderia estabelecer uma taxa de comissão administrativa pelo serviço de
gestão desses créditos. Para exempli icar a amplitude que um modelo de
portabilidade total poderia propiciar, pode-se considerar o titular de um
crédito que vai usufruir de férias alugando um apartamento no sistema
Airb&b e utiliza seus créditos de energia elétrica para fazer frente ao seu
consumo no período do aluguel81. Com isso, pode negociar uma tarifa
mais barata no seu aluguel.
A formatação dos negócios não pode deixar de analisar o comporta-
mento dos clientes (consumidores de energia). Lobbe e Hackbarth (2017),
analisando as transformações do mercado de eletricidade alemão, classi-
icaram os consumidores em cinco diferentes grupos com in luência no
mercado de serviços descentralizados. O primeiro grupo, constituído de

81
Como paradigma, vale pensar em um assinante da Net lix que, ao alugar um imóvel onde
exista uma televisão com conexão smart, pode usar sua senha para assistir a um ilme,
mesmo que em outro país

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 236


Conservadores, para os quais a responsabilidade do fornecedor e suas
características de liderança de mercado representam os principais atri-
butos de interesse que direcionam a opção por uma determinada contra-
tação. O segundo grupo, denominado de Liberais Intelectuais, representa
aqueles consumidores com nível de escolaridade mais elevado e para os
quais os condicionantes de autodeterminação nas relações comerciais
representam fator determinante. O terceiro grupo é representado pelos
Ativistas da informática, onde as conexões de prestação do serviço devem
ser atendidas pela vertente da tecnologia da informação. Essa disponibi-
lidade de apps é fundamental para a seleção do fornecedor para integran-
tes desse grupo. O conjunto seguinte, classi icado de Em movimento, é
representado pelos consumidores que, constantemente, optam por tro-
car seus fornecedores, com baixo nível de idelidade comercial. Por im, o
último e quinto grupo é constituído pelos Social-ambientalistas, que valo-
rizam aspectos da preservação ambiental nas mais diversas vertentes.
Não é de se estranhar que existam diferentes produtos oferecidos
com características de atratividade ambiental ou com algum viés de cer-
ti icação de redução de emissões, a maior parte delas de característica
voluntária, mas com variados níveis de so isticação para comprovação
perante a sociedade dos bene ícios auferidos de suas decisões de negó-
cios em energia. Entre outras iniciativas, podem ser listadas, no Brasil, as
certi icações da Comerc-Sinerconsult (Almeida Prado Jr. e Avila, 2018) e
dos certi icados I-RECs (Instituto Totum, 2020).
Outros exemplos dessa diversidade de oferta de produtos e servi-
ços com viés ambiental também são encontrados na literatura. A título
de exemplo, nos EUA, existem mais de 850 empresas que possuem alter-
nativas para consumidores optarem por energias provenientes de fontes
renováveis, sendo que, em 2013, esse mercado cresceu 25% em termos de
MWh comercializados (DOE, 2015).
Na Alemanha, destaca-se a comercializadora do Greenpeace, cujos
produtos se restringem à energia renovável de pequeno porte. Essa
comercializadora registra mais de 100 mil clientes, com vendas brutas de,
aproximadamente, 400 GWh/ano e faturamento anual superior a €100
milhões (Greenpeace Energy, 2014).
No Brasil, está em curso uma grande discussão sobre a modernização
do setor elétrico. Um dos pontos relevantes dessa discussão é a abertura

237 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


do mercado e a portabilidade, que se dá em duas linhas: no ACL, ainda
limitado a consumidores com cargas superiores a 500 kW, e na geração
distribuída, que pode bene iciar consumos de até 5 MW. Ambos os casos
podem contribuir para o que veio a ser chamado de espiral da morte para
as distribuidoras que, com menos consumidores, tenderiam a aumen-
tar as tarifas no Ambiente de Contratação Regulado (ACR), estimulando
novas fugas de consumidores (Castaneda et al., 2017).
Segundo o Canal Energia (2020), o número de migrações de consu-
midores do ACR para o ACL, entre 2016 e 2019, foi de 18.107, um cresci-
mento de mais de 150% em relação ao triênio anterior, com o consumo
subindo de 30% para 34 % do mercado. Conclui a irmando que 35% dos
projetos de geração foram viabilizados com alocação no mercado livre de
energia. No que diz respeito à GD, em outubro de 2020, atingiu-se a marca
de 400.000 consumidores, já chamados de prossumidores, arranjados em
quase 313.000 usinas, com quase 4 GW. No caso do ACL, a solar e a eólica
dominam o mercado e, na GD, a energia solar fotovoltaica é responsável
por mais de 92% dos projetos e quase 97% da potência instalada.
Em sua fala no Encontro Nacional do Setor Elétrico – ENASE 2020
(Canal Energia, 2020), Luiz Barroso, ex-presidente da EPE, a irma que o
custo marginal de expansão das FRIs e o custo marginal de expansão do
setor são menores do que no ACR, Além disso, Barroso advoga que as dis-
tribuidoras passariam a ser “um marketplace da comunidade energética
com modelos de negócios diferentes”. No mesmo evento, a presidente da
Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Ganoum, assu-
miu que o caminho para a eólica seria “o mercado livre e suas alternati-
vas”. Um caminho natural seria, portanto, a separação entre a distribuição
e a comercialização, o que se consolida com as próprias empresas holding
fazendo leilões de FRIs para comercialização no ACL, e, no mercado de GD,
a consolidação da igura do comercializador varejista.
Leilões de duas grandes corporações de setor elétrico para aquisi-
ção de FRIs para o ACL são emblemáticos. A Companhia Paranaense
de Energia Copel, 2020) – realizou, em setembro de 2020, um leilão de
compra de energia incentivada solar e eólica, no qual foram contratados
162 MW médios pelo prazo de 13 anos, com início de fornecimento em
janeiro de 2023. Os empreendimentos que venceram o certame totalizam
595 MW de capacidade instalada, sendo 184 MW de eólica e 411 MW de

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 238


solar. Uma primeira etapa desse edital foi realizada em fevereiro de 2020.
Segundo o diretor da Copel Mercado Livre, Franklin Miguel, somente o
mercado livre de energia está sendo responsável pela expansão de gera-
ção do setor elétrico nacional.
Na mesma linha da COPEL, a Companhia Energética de Minas Gerais
(CEMIG) contratou, em setembro de 2019, 196,98 MW médios para início
de fornecimento em janeiro de 2023 e duração de 19 anos, sendo toda a
energia oriunda de projetos solares e eólicos. No ano anterior, a empresa
realizou outros dois leilões, nos quais comprou mais de 1,6 GW de fontes
renováveis (PV Magazine, 2019).

10. 5 Comentários finais

Rupturas tecnológicas e sociais geralmente levam a mudanças nos hábi-


tos de consumo que alteram os mercados. A indústria de energia elétrica
representa um ótimo exemplo de uma estrutura estabelecida por muitas
décadas. Esse assunto foi, inclusive, avaliado em interessante editorial
do The Electricity Journal (2013). Inúmeras experiências indicam que
indústrias bem estabelecidas e que pareciam experimentar um ciclo de
crescimento e sucesso garantido foram surpreendidas por mudanças dis-
ruptivas que transformaram de forma radical e rápida o status de sucesso
anterior (Levitt, 1960).
Novas necessidades são adicionadas aos hábitos da população e novas
crenças em como administrar tais necessidades por parte do Estado aca-
bam por vir a reboque dessas mudanças.
Esse capítulo defende que as FRIs sejam atuantes nesse processo
de transformação e que a regulação (objeto de análise do capítulo 11 e
as companhias estabelecidas nos conceitos de business as usual prova-
velmente serão impactadas de forma radical pelas mudanças aceleradas
antevistas pelos analistas.

239 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Formatação dos Negócios...


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IMPACTOS DAS FONTES RENOVÁVEIS
INTERMITENTES NA REGULAÇÃO DA
11
INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA
Fernando A. de Almeida Prado Jr.
Osvaldo L. Soliano Pereira

11.1 Introdução

No dia 3 de dezembro de 1967, conforme relatado por Almeida Prado


Jr. (2020), foi realizado o primeiro transplante de coração na Cidade do
Cabo, África do Sul. O cirurgião líder, Christiaan Barnard, médico sul-afri-
cano de 44 anos, tinha sido treinado na Universidade de Minnesota nos
EUA, onde conseguira um título de PhD alguns anos antes.

Figura 11.1 Christiaan Barnard (1922–2001)

Fonte: Almeida Prado Jr., 2020.


O paciente Louis Washkansky, de 53 anos, recebeu o coração de uma
jovem de 25 anos, Denise Darvall, vitimada em um acidente de trânsito nas
proximidades do hospital. Ela e a mãe foram atropeladas por um carro na
Main Road, em frente ao hospital. Enquanto sua mãe, Myrtle, morreu ime-
diatamente, Denise sofreu lesões cerebrais que, pouco depois do acidente,
se mostrariam fatais. Apenas algumas horas depois de perder sua esposa e
a ilha, os médicos pediram permissão ao pai da vítima para que o coração
de Denise fosse transplantado para o peito de um paciente muito doente,
no caso Louis Waskansky. Embora a cirurgia tivesse sido bem-sucedida
para os padrões da época, Louis veio a falecer 18 dias depois de uma infec-
ção pulmonar.
A pergunta que cabe é como o Dr. Barnard, embora com uma carreira
brilhante, conseguiu suplantar os pesquisadores de países mais desenvol-
vidos, inclusive aqueles que tinham sido seus professores nos EUA? Por
exemplo, o Dr. Norman Shumway, considerado por todos como o “pai” dos
transplantes cardíacos, ou, ainda, os Drs. Walton Lillehei e James Hardy,
sendo que este último já havia realizado transplantes cardíacos envol-
vendo macacos na Universidade do Mississipi.
O pioneirismo de Barnard foi possível por conta de uma questão regu-
latória/legal. Nos EUA, na época, uma pessoa era considerada morta legal-
mente apenas quando seu coração parava de bater. O evento de uma morte
cerebral não podia ser considerado para propiciar a utilização do coração
ainda em condições isiológicas adequadas ao transplante.
A ausência de regras preestabelecidas na África do Sul, nessa ver-
tente, propiciou que o Dr. Barnard suplantasse aqueles cientistas, que, em
tese, estavam mais preparados, com hospitais mais bem equipados e que
vinham se preparando para esse avanço marcante da ciência.
Barnard, que veio a se tornar uma celebridade internacional e seguiu
uma carreira com muitos outros transplantes, além da divulgação de téc-
nicas que popularizaram os transplantes cardíacos, foi muito criticado
pelos seus pares por não ter respeitado uma certa hierarquia na ordem da
senioridade.82 O médico se defendeu dizendo que as técnicas tinham sido

82
Quando perguntado como se sentia por ter sido ultrapassado pelo seu aluno e ter feito
apenas o terceiro transplante da história (o segundo foi realizado pelo Dr. Kantrowitz, nos
EUA, três dias depois do realizado por Barnard, o paciente sobreviveu apenas seis horas),
o Dr. Shumway argumentou: Quem foi o segundo explorador a atingir o Polo Norte?

244 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


ensinadas em aulas e em vários artigos cientí icos publicados em revistas
especializadas. Barnard argumentou que, se fosse segredo, essas técnicas
não deveriam ter sido publicadas. O médico, no entanto, teve que enfren-
tar regras de restrição social. A África do Sul, na oportunidade, vivia um
regime de segregação social (Política do Apartheid) e o uso de um órgão de
um doador somente poderia ser aceitável (nas regras sociais da época) se
fossem da mesma etnia do receptador.
Quando efetivamente foram iniciados os transplantes nos EUA, o Dr.
Shumway foi acusado de assassinato por um legista no estado da Califórnia.
Embora essa acusação não tenha tido consequências objetivas de con-
denação, a ação somente terminou oito anos depois quando, em 1976, a
Califórnia aprovou uma lei que caracterizava a morte cerebral como evento
su iciente para que fossem autorizados os transplantes (SMNC, 2018).
Essa história real exempli ica as relações entre a tecnologia, a socie-
dade e o referencial regulatório.
Mostra ainda como a existência de regulamentos pode criar barreiras
para o avanço da tecnologia ou sua ausência pode propiciar mudanças
relevantes. As condições de preconceito racial vigentes na África do Sul, na
década de 1960, também evidenciam o papel das condicionantes sociais
na interface com aspectos tecnológicos e com a construção do edi ício
regulatório. O caso do primeiro transplante também evidencia um dos
principais pontos, objeto da análise neste capítulo, qual seja a capacidade
de resposta da regulação, usualmente muito lenta, perante a evolução tec-
nológica ou a demandas da sociedade, decorrentes de uma mudança dos
anseios e de sua capacidade de organização.
Diversas explicações podem ser ofertadas para esse descompasso
temporal entre os avanços da sociedade, a tecnologia importante incluída
em tais avanços e a formulação do regramento que vai incentivar ou criar
barreiras a essas transformações.

11.2 Razões do atraso ou lentidão do Regulador

O primeiro fator explicativo para esse descompasso é o do desconheci-


mento da transformação tecnológica em curso ou a ausência do pleno
entendimento do que essa mudança representa, ainda que, muitas vezes,
nem mesmo os implementadores da inovação podem descortinar os limi-

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 245


tes a serem alcançados. Mesmo que exista a disposição de “estudar e apre-
ender” sobre o que se transforma, esse processo pode demandar tempo e
a necessidade de recorrer a especialistas.
Amanhã (20 de abril de 2007), o Supremo Tribunal Federal (STF) vai
realizar a primeira audiência pública de sua história, no intuito de reunir
informações cientí icas para julgar um processo. Trata-se da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, proposta pela Procuradoria-Geral
da República (PGR), contra dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei nº
11.105/05).
A ADI contesta especi icamente o artigo 5º e parágrafos da lei. Esses dis-
positivos referem-se à utilização de células-tronco de embriões humanos
em pesquisas e terapias. A PGR quer a declaração de inconstitucionali-
dade dos dispositivos por entender que não há permissão legal para a
utilização dessas células.
..........................................................................................................
A decisão de fazer uma audiência pública para debater e reunir mais
informações sobre o assunto foi do relator da ADI, o ministro Carlos Ayres
Britto. Para o ministro, a audiência pública, além de subsidiar os minis-
tros que irão julgar a ação, também possibilitará maior participação da
sociedade civil no enfrentamento da controvérsia constitucional, o que
certamente legitimará ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário
da Corte. “Esse aporte em informações cientí icas contribuirá para o
melhor conhecimento da causa e incorpora à nossa decisão um teor de
legitimidade, uma vez que a sociedade – pelos seus setores cienti ica-
mente organizados - está nos subsidiando para uma tomada de decisão
mais consciente”, a irmou o ministro.
Foram convidados 17 especialistas na área para apresentar seus conhe-
cimentos e esclarecer aspectos sobre a matéria para os ministros do STF,
assim como para todos que quiserem assistir e ter mais informações
sobre o assunto. Entre os especialistas estão a geneticista Mayana Zatz,
professora da Universidade de São Paulo - USP, presidente da Associação
Brasileira de Distro ia Muscular. Ela atua com aconselhamento gené-
tico e estuda as células-tronco. Comparecerá também o médico Dráuzio
Varella, a antropóloga Débora Diniz, diretora do Instituto de Bioética,
Direitos Humanos e Gênero – Anis – e professora da Universidade de
Brasília - UnB, além de outros médicos, farmacêuticos, pesquisadores,
antropólogos, bio ísicos, advogados da área de direitos humanos, biólo-
gos e neurocientistas (STF, 2007).

O segundo aspecto diz respeito à própria consolidação de tecnologias


disruptivas que, ao se estabelecerem de forma relevante, produzem efei-
tos econômicos também importantes. Isso ocorre porque as transforma-

246 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


ções vão se processando de forma aparentemente lenta, mas subitamente
ocorre a disrupção. A surpresa dessa consolidação leva a um atraso até
que possam ocorrer as reações. A Figura 11.2 evidencia esse efeito dis-
ruptivo de forma grá ica.

Figura 11.2 Crescimentos exponenciais

&UHVFLPHQWR

'LVUXSomR

/LQKDGRWHPSR
Fonte: Elaborado a partir de (Ismail, 2014)

No livro Organizações Exponenciais (Ismail, 2014), o autor não apenas


ressalva o processo disruptivo, mas também o fato de que esse processo
tem sido cada vez mais acelerado nos efeitos da tecnologia em consolidar
a sua penetração. A Figura 11.3 evidencia essa dinâmica de aceleração
através do tempo necessário para que o faturamento atinja US$ 1 bilhão.

Figura 11.3 Tempo decorrido para o faturamento atingir US$ 1 bilhão (anos)









)RUWXQH *RRJOH )DFH 7HVOD 8EHU :KDW 6QDS 2FXOXV
 ERRN VDSS FKDW 5LII
Fonte: Elaborado a partir de Ismail, 2014.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 247


O terceiro fator está relacionado à estrutura legada com a qual o
Regulador tem que conviver e administrar. Para esse fator, é relevante a
referência à situação de mudanças que causam impactos em investimen-
tos de maturação de longo prazo ou contratos também de longo prazo,
provocando o surgimento dos chamados custos afundados (stranded
costs). Nesse sentido, um exemplo é a possibilidade de uma elegibilidade
ao mercado livre de energia para todos os consumidores, transformando
as empresas de distribuição de energia elétrica em empresas essencial-
mente de infraestrutura.83 Ocorre que tais empresas atualmente têm con-
tratos de suprimento de longa duração, com alguns suplantando o hori-
zonte de 2040. A inde inição de qual tratamento deve ser dispensado aos
contratos legados constitui um obstáculo a um cenário de liberdade total
ao Ambiente de Livre Contratação e o Regulador, nesse impasse, posterga
decisões no tema. Outro exemplo pode ser relacionado à opção pelo can-
celamento do uso de uma determinada tecnologia por razões políticas ou
ambientais, em geral. Por exemplo, a decisão da Alemanha de eliminar
usinas nucleares até 2022 irá impactar a recuperação de investimentos,
os quais o aparato regulatório terá que administrar (BBC News Brasil,
2011). Embora essa decisão tenha sido anunciada já há um longo tempo,
ainda não existem providências objetivas para resolver o problema dos
“custos afundados” na indústria nuclear alemã.
O quarto fator diz respeito à necessidade de se aguardar o resultado
do embate da correlação de forças entre os agentes econômicos e os polí-
ticos em torno dos impactos de longo prazo que a inserção de novo para-
digma tecnológico possa provocar. O caso das FRIs tem sido um exemplo
muito elucidativo desse fator que provoca um “atraso” no posicionamento
da regulação. Mesmo se observando impactos relevantes, como a deno-
minada “espiral da morte84”, o regulador acaba sendo compelido a pro-
mover uma ampla discussão envolvendo Audiências Públicas85 (Tomazini,
2020) e, em muitos momentos, aguardar o desenvolvimento de iniciati-
vas do Congresso. Essa dinâmica é também caracterizada pelos proces-

83
Empresas de io.
84
Tema tratado em detalhe no Capítulo 3.
85
Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019, a ANEEL realizou 1.077 eventos de audiên-
cias públicas e consultas públicas.

248 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


sos de advocacy. Essa tipologia de atuação dos agentes interessados pro-
cura, usualmente através de ações estruturadas (textos, artigos, websites,
eventos, palestras, entrevistas, entre outros mecanismos de interação
com o público-alvo), ganhar simpatia e suporte da sociedade com uma
crença, meta política pública ou projeto (Silva e Almeida Prado Jr., 2019).
Eventualmente, as estratégias de advocacy podem ser construídas para
ações de oposição a um determinado tema. Segundo Lackey (2007), advo-
cacy é o conjunto de ações de suporte ativo, encoberto ou inadvertido de
uma política ou de uma classe de políticas. A estruturação dessas ações é
iniciada com base em fatos relevantes que justificam o posicionamento
para o qual se busca apoio. Obviamente, uma ação coordenada dos Grupos
de Interesse leva a um cenário de pressões e contra pressões que provoca
morosidade no processo de tomada de decisão.

11.3 Aspectos conceituais da interferência no arcabouço


regulatório como decorrência da inserção das FRIs

A inserção de FRIs, em especial em larga escala, afeta aspectos econômi-


cos, ambientais, operacionais e riscos associados à prestação dos serviços
de energia elétrica. Embora suas características de impacto sejam muito
perceptíveis em toda a cadeia de valor da indústria de energia elétrica,
não se pode considerar que os temas fundamentais da regulação sejam
diferentes no sentido amplo de outras demandas regulatórias. Essa con-
clusão é válida mesmo considerando as fontes de energia tradicionais ou
aquelas de inovação disruptiva,86 como as fontes renováveis intermitentes.
Isso ocorre, especialmente, porque dentro de certos limites o serviço de
eletricidade irá continuar como um monopólio natural por longo prazo,
mesmo se admitindo a penetração agressiva das FRIs.
Como temas essenciais podem ser citadas as dimensões de: barreiras
de entrada e saída, incentivos econômicos, qualidade técnica, segurança,
remuneração dos investimentos, licenciamentos ambientais, práticas
comerciais e efeitos transversais (externalidades).

86
Cabe observar que as FRIs possuem esse traço disruptivo não apenas pelas suas dimen-
sões tecnológicas, mas também por razões do seu potencial de modelos de negócios
inovadores ligados, em especial, às soluções de pequeno porte distribuídas pela rede.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 249


Na regulação, as barreiras são utilizadas para promover maior com-
petição reduzindo os efeitos de excessiva concentração econômica ou
para restringir novos agentes como ferramental de proteção a um deter-
minado segmento já em atividade. Normalmente, são utilizadas múltiplas
estratégias. Podem ser citadas as iniciativas de privatizações, licencia-
mentos ou concessões de ativos já existentes ou de projetos a desenvolver
(concessões green ield). Além disso, vale mencionar tarifas preestabele-
cidas, sistemas de quotas, subsídios ou outros mecanismos de incentivo,
impostos (ou isenção temporal da aplicação dos mesmos), padrões técni-
cos regulados, zoneamentos industriais, novos referenciais ambientais e
regramentos envolvendo direitos de propriedade intelectual ou tecnoló-
gica (Kotsios, 2010 e Peters et al., 2017).
No quesito regulação da qualidade, as dimensões são usualmente multi-
facetadas, envolvendo desde o atendimento comercial até os aspectos da con-
iabilidade e da continuidade (Fumagalli e Lo Schiavo, 2009). A intermitência
das fontes renováveis pode ser emblemática em relação ao tema, inclusive
porque os consumidores deveriam poder fazer um juízo de valor de “quanta”
qualidade estariam dispostos a pagar (Yu et al., 2007). As práticas comerciais
relacionadas ao atendimento de consumidores com produção de geração dis-
tribuída também podem ser consideradas como pertencentes à dimensão de
qualidade no atendimento comercial. Cabe ainda destacar que a regulação de
preços, quando é um método determinante no processo de escolhas do regu-
lador, pode vir a restringir as possibilidades de uma trajetória de melhora
contínua da qualidade (Fumagalli e Lo Schiavo, 2009).
Essas dimensões conceituais, muitas vezes, possuem pontos de
atenção que resultam de superposição de objetivos. Parece ser o caso da
dimensão da segurança que tem evidentes coincidências de pontos focais
da regulação com qualidade e preços. Especial atenção a esses aspectos
pode ser encontrada no capítulo 4, no qual se discutiu a complexidade
crescente dos sistemas operativos com elevadas penetrações das FRIs.
A regulação ambiental, aparentemente adepta às FRIs, sendo fre-
quentemente citada como argumento favorável à difusão das mesmas,
começa a encontrar oposições a empreendimentos dessas tecnologias
(Almeida Prado Jr. et al., 2019).
No tocante à necessidade de regulação para resolver questões oriun-
das das externalidades (custos transversais), as demandas emergem de

250 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


eventos operacionais, tema também já avaliado no capítulo 4, à semelhança
da dimensão da segurança, em que constam inúmeras referências biblio-
grá icas sobre o assunto.
A regulação de preços e tarifas possui forte aderência às FRIs, posto
que, por serem tais fontes não despacháveis, sua produção não guarda
similaridade com a demanda. Seus efeitos também guardam superposi-
ção com a preci icação do mercado de curto prazo e efeitos de ordem de
mérito nos despachos3.
Finalmente, o campo de estudos da Regulação da indústria de eletri-
cidade, em especí ico das FRIs, tem elevada correlação com regulamen-
tos que visam desenvolver incentivos para que o desenvolvimento dessas
alternativas possa ocorrer de forma controlada e em um ciclo virtuoso
de expansão (Berg e Sotkiewicz, 2000 e Sappington, 2001). O campo da
Regulação por Incentivos é certamente um dos temas mais estudados
naquilo que modernamente tem sido denominado como Engenharia
Regulatória.
O endereço eletrônico do Public Utility Research Center (PURC, 2020)
indica que a regulação por incentivos trata de mecanismos que controlam
a renda das empresas. Normalmente, quatro principais estratégias são
empregadas na regulação por incentivos: taxa de retorno, preços tetos,
renda teto e regulação por benchmarking (Yardstick regulation).
Cabe ainda destacar que Stigler (1971) lançou as bases da chamada
Teoria da Captura. Por meio de tal teoria, o autor destacou que grupos
organizados usualmente desenvolvem esforços para criar demandas por
regulações que venham a atender seus interesses, muitas vezes, divergen-
tes dos interesses mais difusos da sociedade. Esta, por não possuir capaci-
dade de organização, acaba tendo seus representantes (reguladores) cap-
turados por interesses particulares. A teoria inicial de Stigler chamou a
atenção de pensadores importantes no campo da regulação, os quais con-
tribuíram decisivamente para complementações em tal teoria. Podem ser
citados, como contribuições relevantes, os trabalhos de Posner (1974),
Peltzman (1976) e Becker (1983). Esses estudos evidenciaram o papel
dos grupos de pressão na conformação dos regulamentos, tendo como
resultado a transferência de renda entre diferentes agentes. No trabalho
de Peltzman (1976), ressaltou-se também o papel do agente Governo por
ser o único que pode criar de forma discricionária regras que facilitem ou

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 251


restrinjam o papel das tecnologias que vão surgindo. Finalmente, Becker
chamou a atenção para o fato de que a competição entre grupos de inte-
resse pode ser mais e icaz na dependência do tamanho desses grupos e na
sua habilidade de se evitar o papel de free riders (Becker, 1983).
Considerando-se que as tecnologias per se já criam a demanda por
regulamentos pela inovação trazida nos planos técnicos e comerciais, faz
todo o sentido considerar que as FRIs irão representar importante espaço
para que grupos de interesse exerçam pressão por regulamentos que
favoreçam seu posicionamento, tanto técnico quanto comercial. Deve-se
destacar ainda que, pela complexidade trazida à baila pelas FRIs, mesmo
entidades que compõem o quadro institucional podem exercer in luências
junto ao regulador, como por exemplo a CCEE e o ONS. Embora tais enti-
dades sejam privadas, elas representam uma atividade regulada e, por-
tanto, submetidas ao mesmo contexto de pressões e contra pressões dos
agentes. Dessa forma, é natural que procurem encontrar um arcabouço de
referências regulatórias que represente um status de maior estabilidade e
de menor desgaste político.
A teoria do agente principal, aplicada a instituições o iciais, poderá
ser utilizada para desenvolver estudos na busca do entendimento de
como as FRIs irão in luenciar a regulação da indústria de energia elétrica.
Existem múltiplos estudos sobre tal teoria. Por essa razão, são referen-
ciados aqui o trabalho original de Jensen e Meckling (1976) e o estudo
de Zogning, que apresenta ampla revisão bibliográ ica sobre os achados
dessa teoria (Zogning, 2017).

11.4 Exemplos de demandas por regulação


decorrentes das FRIs

Utilizando o mesmo referencial teórico dos pontos focais em que a regu-


lação possa ser demandada pela existência das FRIs, essa seção apresenta
exemplos objetivos desse contexto.

Barreiras

No tocante ao estabelecimento de barreiras relacionadas às FRIs, existem


muitos exemplos a serem considerados. O primeiro, que se encontra na
pauta das discussões contemporâneas, diz respeito à manutenção dos des-

252 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


contos de tarifas de io que, embora não sejam exclusivos para as Fontes
Intermitentes, poderiam ser eliminados, visto que a competitividade des-
sas fontes já se encontra consolidada. Questões similares também foram
encontradas em outros países quando o custo de subsídios e incentivos em
tarifas feed in se mostraram em excesso, exigindo revisões dos incentivos.
Na legislação brasileira, o sistema de incentivo da geração de pequena
escala adotou a metodologia de Compensações Líquidas net metering).
Ocorre que a utilização de superávits está restrita apenas dentro de uma
mesma área de concessão. Isso reduz as possibilidades de portabilidade
desses créditos. Recursos de informática poderiam, com facilidade, pro-
mover as compensações dos excedentes produzidos em qualquer unidade
do sistema interligado.
Em outra vertente, as tecnologias de armazenamento e de micror-
redes irão pressionar o referencial regulatório no sentido de modelos de
negócios que privilegiem a desintermediação das comercializadoras e das
distribuidoras, especialmente em comunidades e condomínios.
Muitos outros exemplos poderiam ser elencados nas barreiras (cria-
das ou retiradas), que estariam relacionadas a um conceito ampliado de
regulação (considerando-se as possibilidades de Políticas Públicas e/ou
legislações, que possam ser de inidas como associadas à regulação em
seu sentido estrito). Pode-se citar também a concessão de inanciamen-
tos relacionados a critérios de Meta Regulação, em que o atendimento de
padrões prede inidos possa resultar em condições mais favoráveis nesses
empréstimos, sendo o contrário também aplicável.

Qualidade

A intermitência, como su icientemente analisada em capítulos anteriores,


produz complexidades operacionais que podem levar a interrupções. A
título de exemplo, pode-se imaginar que tais complexidades não icarão res-
tritas ao despacho de geração e transmissão, mas, à medida que se amplie a
expansão das FRIs (em especial, as de pequena escala de fonte fotovoltaica),
os Centros de Operação da Distribuição (CODs) serão impactados.
O papel de fontes renováveis de pequeno porte e de sistemas de
armazenamento, a depender de sua localização nos pontos críticos das
redes de distribuição, pode ser considerado na dimensão da qualidade.
Muitos especialistas avaliam que as linhas de baixa e média tensão não

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 253


foram dimensionadas para o luxo bidirecional de energia. Por conta
disso, é possível listar diversos pontos que podem afetar a qualidade
da energia distribuída aos consumidores e, eventualmente, colocar em
risco a segurança dos funcionários das Distribuidoras. Entre os aspectos
a serem considerados, destacam-se: (i) perda de sensibilidade da prote-
ção relacionada ao aumento da corrente de curto circuito; (ii) risco de
choques elétricos em caso de energização quando houver manutenção na
linha; (iii) di iculdades para controle de tensão e sobretensão em carga
leve; (iv) elevação das perdas onde a geração supera a carga; (v) aumento
das distorções harmônicas, lutuação e desequilíbrio de tensão; (vi) risco
de danos aos equipamentos do acessante, nos religamentos; (vii) neces-
sidade de alteração das proteções já instaladas nos transformadores e
demais pontos da rede; (viii) di iculdades para cumprimento da NR-10
(norma sobre segurança em instalações de eletricidade), que exige o
seccionamento visível do circuito e o aterramento dos lados adjacentes
ao local do serviço; (ix) revisão dos procedimentos de segurança e trei-
namento das equipes das distribuidoras; (x) impactos na qualidade, por
exemplo, cintilamento ( licker), desequilíbrio de tensão e contribuição
para corrente de falta (Almeida Prado Jr. et al., 2017).
Outros reclamos dos especialistas dizem respeito à ausência de cri-
térios que possam preci icar os bene ícios que, a depender da posição da
inserção dessas fontes intermitentes, possam trazer critérios de qualidades
ou a postergação de investimentos em rede. Deve-se, no entanto, ser regis-
trado que todos esses temas são de elevada complexidade. Aparentemente,
as ações nessa direção serão desenvolvidas a partir da inserção de baterias,
como a iniciativa do estado de Massachusetts, nos EUA, conhecida como
“ponta limpa” e que exige uma certa quantidade de energia renovável no
horário de ponta. Esse mecanismo sugere que tal iniciativa poderia ser
desenvolvida com baterias, desde que houvesse, pelo menos, uma parcela
da geração sendo despachada com base em FRIs. O mesmo poderia ser
obtido com algum incentivo para que a recarga fosse feita nos momentos de
excedentes de FRIs (Pereira e Almeida Prado Jr., 2020).

Aspectos Ambientais

No tocante ao estabelecimento de regulamentos ambientais, uma aparente


atratividade que as FRIs possuem no ideário dos ambientalista parece dar

254 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


sinais de alteração uma vez que di iculdades começam a se apresentar e
irão exigir respostas dos reguladores ambientais. Essa oposição nascente
pode ser relacionada à extensão de áreas ocupadas por fontes geradoras
de baixo fator de capacidade (especialmente as usinas fotovoltaicas), com
impactos relacionados à ecologia da paisagem, aos ruídos das usinas e aos
danos a pássaros e morcegos (especialmente as eólicas para esses dois
últimos aspectos). Uma revisão abrangente dessa não unanimidade pode
ser encontrada em Almeida Prado Jr. et al. (2019).

Externalidades e Custos transversais

Como muito difundido nas diferentes Escolas de Pensamento Regulatório,


ica claro que a Regulação e seus instrumentos produzem sempre a trans-
ferência de renda entre um grupo de agentes para outro grupo, qualquer
que seja o tema em questão.87 A variação da frequência de despacho de
usinas térmicas convencionais, em decorrência dos baixos custos opera-
cionais das FRI, produz efeitos econômicos negativos para esses empre-
endimentos tradicionais. A Figura 11.4 exempli ica isso a partir de usinas
que utilizam carvão como combustível, as quais têm sido duramente afe-
tadas no mercado americano.

Figura 11.4 Frequência de despacho de usinas térmicas a carvão


 

 

 

 

 

 





























&RDOJHQHUDWLRQ *DVUHQHZDEOHJHQHUDWLRQ &RDOFDSDFLW\IDFWRU

Fonte: Graeter e Schwartz, 2020.

87
Nessa análise, não se pretende desenvolver juízo de valor sobre a justiça da transferên-
cia de renda. O importante é a constatação de sua existência.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 255


Embora a igura evidencie um efeito de redução da produção das tér-
micas a carvão, que decorre provavelmente do efeito ordem de mérito,88
não mostra que, mesmo reduzindo-se a produção, ela ocorre com maior
frequência do despacho sempre em intervalos mais estreitos. Essa maior
frequência com uma intermitência complementar em relação às FRIs leva
a uma diminuição da e iciência econômica das usinas. Esse efeito preci-
sará ser equacionado pela regulação, posto que usinas tradicionais conti-
nuarão a ser necessárias para funcionarem como fornecedoras de servi-
ços ancilares e de capacidade de reserva.
A temática das externalidades, em muitos casos decorrentes de efei-
tos ambientais, indica a necessidade de reequilíbrio de alocação de cus-
tos, muitas vezes, por conta dos chamados custos afundados. O exemplo
claro é a obsolescência de usinas tradicionais que deixam de ter espaço
técnico-econômico pela crescente participação das fontes renováveis,
consideradas ambientalmente amigáveis.
O mesmo conceito de externalidade pode ser reconhecido nas usi-
nas de FRIs desenvolvidas sobre condições muito favoráveis quando
necessitavam de incentivos para sua viabilização. Em momentos de baixa
demanda e alta oferta dessas usinas intermitentes, podem ser requeridos
os desligamentos de algumas delas (curtailment). Resta a dúvida de quais
usinas devem ser priorizadas para esses desligamentos? As usinas pionei-
ras têm mais direitos? Mesmo que eventualmente sejam aquelas tecnolo-
gicamente menos desenvolvidas?

Incentivos econômicos

O exemplo da obsolescência das medidas incentivadoras ao passo que


estas deixam de ser necessárias por terem as fontes incentivadas alcan-
çado sua competitividade quanto a outras fontes torna sua produção
muito onerosa em relação ao novo patamar de mercado. Pode-se utilizar
o custo médio de usinas contratadas no PROINFA,89 valor de cerca de três
vezes superior aos últimos leilões de usinas eólicas destinadas ao mer-
cado regulado. Caberiam medidas regulatórias para equacionar desvios

88
Os autores não excluem a possibilidade de que parte dessa redução possa ser decor-
rente dos impactos de restrições ambientais contra as emissões poluidoras característi-
cas de usinas a carvão.
89
R$ 296,52/MWh, em 2020 (Canal Energia, 2019).

256 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


de custos de forma harmônica com o respeito aos contratos, como, por
exemplo, leilões de indenização para descontratação? Deve o Regulador,
na impossibilidade de medidas objetivas para evitar desvios de custo em
relação ao mercado, pelo menos documentar a experiência para registrar
o aprendizado em função de outros incentivos que venham a ser conside-
rados em transformações futuras?
Se, por um lado, a viabilidade econômica já se encontra consolidada,
por outro, a viabilidade dos serviços ambientais relacionados a iniciativas
voluntárias de emissões de GEE está distante de ocorrer. Quais as oportu-
nidades que a regulação tem de regulamentar as emissões evitadas atra-
vés dos chamados RECs90 sobre os quais existe grande desconhecimento e
nenhuma padronização regulatória?

Teoria da captura

Embora a captura possa ser associada à sua face mais perversa, como as
dimensões da corrupção, essa seção não trata dessa tipologia da in luên-
cia dos reguladores pelos regulados. O que in luencia a penetração das
FRIs é o processo de advocacy, exercido por grupos de pressão. Exemplo
emblemático pode ser identi icado na Consulta Pública-25/19,91 realizada
pela ANEEL, em que a exaltação dos ânimos entre os grupos interessa-
dos chegou a caracterizar um clima de torcida de eventos esportivos. Os
segmentos que tentavam impedir alterações nas regras vigentes desen-
volveram ampla campanha de mídia e criaram o mote de que a ANEEL
planejava “taxar o sol”, expressão que conquistou grande força midiática e
que envolveu um sem número de representantes do Congresso no evento.
A judicialização tem sido marcante no setor elétrico brasileiro. Não
podem ser ainda apontadas consequências mais drásticas relacionadas à
expansão das FRIs, mas o efeito ordem de mérito poderá agravar aspectos
relacionados ao risco hidrológico à medida que o operador do sistema,
em princípio, deverá priorizar sempre que possível as fontes não despa-
cháveis, o que poderá agravar o indicador de redução da capacidade de
energia assegurada de hidráulicas, o chamado efeito GSF.

90
REC – Reduction Emission Certi icate.
91
Esta CP tratava da discussão sobre a revisão dos critérios do sistema de compensação
líquida de excedentes produzidos por mini e microgeração distribuída.

Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 257


11.5 Considerações finais

Diferentes estudos evidenciam que a Regulação produz efeitos reativos


(eventualmente atrasados) ao desenvolvimento de tecnologias e de novas
formas de consolidação dos negócios. Os capítulos que trataram das
alternativas para mitigar os efeitos deletérios das FRIs e maximizar seus
efeitos virtuosos (Capítulos 8 e 9) e dos impactos nos modelos de negó-
cios (Capítulo 10) evidenciam o quão profunda pode ser a necessidade
de novos regulamentos. A acentuada curva de penetração das FRIs indica
que será criada a demanda por regulação em múltiplas dimensões. Assim,
os reguladores terão um desa io relevante de encontrar formas práticas e
ágeis para fazer a transição da teoria para a prática no desenho dos regu-
lamentos (Joskow, 2005).
Neste capítulo, foram analisados diferentes segmentos da indústria
de energia que podem requerer contribuições regulatórias para que o
equilíbrio entre os agentes de produção e consumo seja mantido. Este
capítulo ainda defende que as FRIs irão afetar o arcabouço regulatório
e provavelmente impactarão de forma radical as mudanças aceleradas
antevistas pelos analistas.

Referências
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rias de energia elétrica frente aos incentivos destinados à geração distribuída de pequena escala.
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258 Impactos das Fontes Renováveis Intermitentes na Regulação da Indústria...


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Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Osvaldo L. Soliano Pereira 259


CONCEPÇÃO DA PLATAFORMA IRIS
12 Marcos Leone Filho
João Rodolfo Pires
Glaucon Diniz Garcia

12.1 Introdução

O projeto IRIS tem como núcleo computacional um framework desenvolvido


com o objetivo de simular diferentes cenários de operação ou planejamento
da expansão. Para isso, sua proposta é simular a operação de maneira extre-
mamente iel ao que é experimentado no mundo real de tal forma que, dado
um conjunto de dados, premissas e políticas, ele é capaz de “imitar” uma ope-
ração em tempo real (também conhecida no Brasil como “pós-operativo”).
Portanto, ele conta com dois simuladores básicos. O primeiro deles tem como
objetivo “imitar” o processo de alocação dos geradores na programação
diária da operação da maneira como é feita tradicionalmente pelo ONS. Já
o segundo usa como insumo a programação diária da operação feita pelo pri-
meiro simulador para simular a operação em tempo real e, com isso, conse-
guir avaliar de maneira precisa (em intervalos de 5 em 5 minutos ou menos)
os impactos de diferentes cenários de penetração de FRIs. Também podem
ser utilizadas como insumo no segundo simulador uma programação real já
consolidada, uma programação da operação sugerida pelo software DESSEM
ou até uma programação feita por qualquer outro software.

12.2 Entendendo os procedimentos para a programação


da operação e operação em tempo real do SIN

Nessa seção, apresentam-se, de maneira resumida, os procedimentos de


programação da operação e operação em tempo real que serão objetos de
simulação do simulador IRIS. Dessa forma, são mostrados os procedimen-
tos realizados rotineiramente pelo ONS, órgão responsável pela coorde-
nação e pelo controle da operação das instalações de geração e transmis-
são de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN).
O ONS é uma pessoa jurídica de direito privado, sob a forma de asso-
ciação civil, sem ins lucrativos. É constituído por membros represen-
tantes de empresas de geração, transmissão, distribuição, consumidores
livres de grande porte, importadores e exportadores de energia, além do
MME. Nesse contexto, a Figura 12.1 mostra, de maneira esquemática e
resumida, a estrutura organizacional do ONS e, em destaque, as áreas do
Operador Nacional mais relacionadas ao projeto IRIS.

Figura 12.1 Diagrama – Organização ONS

$VVHPEOHLDJHUDO

3URGXomR 7UDQVPLVVmR &RQVXPR

&RQVHOKRGHDGPLQLVWUDomR

3URGXomR 7UDQVSRUWH &RQVXPR *RYHUQR00(

&RQVHOKRILVFDO

'LUHWRULDGR216

'LUHWRULDJHUDO

(TXLSHVGHHVWXGRVUHJLRQDLV
1~FOHRV6XOH1RUWH1RUGHVWH

'LUHWRULDGH 'LUHWRULDGH 'LUHWRULD 'LUHWRULDGH


DGPLQLVWUDomR SODQHMDPHQWRH GHRSHUDomR DVVXQWRV
GRVVHUYLoRVGH SURJUDPDomR FRUSRUDWLYRV
WUDQVPLVVmR GDRSHUDomR

‡&HQWUR1DFLRQDO
GHRSHUDomRGR
VLVWHPD &126
‡&HQWURUHJLRQDLV
GHRSHUDomR
‡6XGHVWH &2656(
‡6XO &2656 ÉUHDVGLUHWDPHQWH
‡1RUGHVWH &2651 OLJDGDVDRSURMHWR
‡1RUWHFHQWURRHVWH &2651&2

6XERUGLQDomRDGPLQLVWUDWLYD 6XERUGLQDomR7HFQLFRRSHUDFLRQDO

Fonte: ONS, 2020a.

261 Concepção da Plataforma IRIS


O processo de operação do SIN desenvolvido pelo ONS compreende
diversas etapas, desde o planejamento eletro-energético de mais longo
prazo, passando pelo planejamento de curto prazo, diário e semanal, até
a operação em tempo real. O ONS utiliza uma série de modelos de otimi-
zação eletro-energética para o encadeamento do planejamento da opera-
ção do sistema hidrotérmico brasileiro, desde o horizonte plurianual até o
despacho diário.Todas as ações do ONS são regidas pelos Procedimentos
de Rede, disponibilizados pelo órgão. Tais procedimentos são compostos
por 26 módulos, cada qual com diversos submódulos, que tratam do enca-
deamento de softwares utilizados, luxos de informações entre os agentes,
dados de usinas e regras de operação. Dentro dos Procedimentos de Rede,
destacam-se, para utilização na integração com o projeto IRIS, os seguin-
tes conteúdos e seus respectivos módulos:

Tabela 12.1 Resumo das informações relevantes dos Procedimentos de Rede


Encadeamento de Módulo 7, Planejamento da operação energética, no qual pode-se ver o
modelos eletro- encadeamento dos modelos de otimização para o planejamento eletro-
energéticos energético.
Módulo 10, “Manual de Procedimentos da Operação”, destacando-se o
Reservas
“Submódulo 10.6 - Controle da geração em operação normal”, no qual pode-
Operativas
se entender o procedimento para definição das reservas operativas do SIN.
Módulo 5, no qual o processo de consolidação da previsão de carga é
regido. Especificamente para a consolidação diária da carga, o processo é
Previsão de Carga
descrito no “Submódulo 5.4 - Consolidação da Previsão de Carga para a
Elaboração da Programação Diária da Operação”.
Planejamento e Módulo 6, Planejamento e programação da operação elétrica, no qual se
Programação da destaca o “Submódulo 6.4 - Diretrizes para operação elétrica com horizonte
Operação Elétrica mensal” e o “Submódulo 6.5 – Programação de Intervenções em instalações
Mensal da rede de operação”.
Programação
Módulo 8, Programação diária da operação eletro-energética, no qual
Diária da
pode-se ver o planejamento da operação para o horizonte de um dia à
Operação Eletro-
frente.
energética
Previsão de
Módulo 9, Recursos hídricos e meteorologia, o qual trata dos dados de
Vazão e dados
hidrologia e climáticos que afetam as vazões afluentes e séries de vento.
meteorológicos
Fonte: (ONS, 2009)

12.3 Encadeamento de modelos Eletro-energéticos

O Newave é um modelo com horizonte de cinco anos, com discretização


mensal, o qual gera as curvas de custo marginal de operação (CMO) por

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 262
mês patamar e por sub-mercado. Os dados de custo futuro do Newave são
passados para o DECOMP, que trabalha para o horizonte de alguns meses
à frente, com discretização semanal e por usina. Esse modelo gera o CMO
por semana patamar. A programação diária para o despacho é executada
com base nos dados semanais da etapa anterior e possuem discretização
de 30 minutos para o dia seguinte.
O processo de planejamento plurianual até a operação em tempo
real, detalhado no Módulo 7 dos Procedimentos de Rede, que estabelece o
luxo de informações no escopo do planejamento da operação energética,
pode ser visto esquematicamente na Figura 12.2 (ONS, 2015).

Figura 12.2 Módulo 7 do Procedimento de Rede – ONS


'H] -$1 )HY 0DU $EU 0$, -XQ -XO $JR 6(7 2XW 1RY 'H]

5HYLVmR 5HYLVmR 5HYLVmR


GDGRV GDGRV GDGRV

3ODQRDQXDO 1HZDYH
GDRSHUDomR
'HFRPS
HQHUJpWLFD

7RGRVRVPHVHV
3(1 )&)
)XQomRGHFXVWRIXWXUR
‡&RQGLo}HVGH 3URJUDPDPHQVDOGHRSHUDomR
VXSULPHQWR ULVFRV
302 2SHUDomR
GHGHILFLWH&02  3URJUDPDomR HPWHPSR
‡5HFRPHQGDomR ‡'HVSDFKRKLGURWpUPLFR GLiULD UHDO
GHHYHQWXDLV UHYLVDGRVHPDQDOPHQWH
DQWHFLSDo}HV 'HWHUPLQDomRGR
‡'HWHUPLQDomRGR&02
GHREUDV 3/'SHOD&&((

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Por outro lado, a Programação Diária da Operação Eletro-energética


(PDE) (ONS, 2009) estabelece, utilizando como base o PMO, as condi-
ções de operação para o dia seguinte, considerando a geração hidráulica,
térmica e eólica, intercâmbios e cargas em intervalos de 30 minutos.92 A
sequência dos procedimentos para a confecção da PDE pode ser vista na
Figura 12.3.

92
Submódulo 8.1 do Procedimento de rede do ONS.

263 Concepção da Plataforma IRIS


Figura 12.3 Sub-módulo 8.1 do Procedimento de Rede – ONS
K K K K K K

'HILQLomRSROtWLFD 9DOLGDomR 9DOLGDomR


(QYLRGH 3URSRVWD
(OHWURHQHUJpWLFD HOpWULFDH &126H
GDGRVJHUDLV GH3'(
EDVHQR302 HQHUJpWLFD3'( DJHQWHV

(QYLRGHGDGRVGH (QYLRGDSURSRVWD (QYLRGD3'(


FDUJD GH3'( 3',3') DSURYDGDDRV
3'3 DRVDJHQWHV DJHQWHV
H&126

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

12.4 Reservas Operativas

Reserva operativa é o nome dado à reserva de potência, sincronizada ou


não, que os operadores dispõem para manter o sistema operante na ocor-
rência de imprevistos:
• Variações na geração;
• Variações na carga;
• Variações no grid.

A nomenclatura e o modo de utilização não são homogêneos entre os


diversos Operadores de Sistema Elétricos. Às vezes, nem mesmo há uma
correspondência unívoca.
O ONS de ine quatro tipos de reservas, sendo três delas classi icadas
como reservas operativas e a quarta como reserva de prontidão, cuja fun-
ção é recompor as anteriores em caso de necessidade.
A nomenclatura utilizada pelo ONS é:
• R1: Reserva primária;
• R2: Reserva secundária;
• R3: Reserva terciária;
• R4: Reserva de Prontidão.

12.5 Fluxo de Decisões

No que diz respeito ao processo de programação da operação, o seguinte


luxo de decisões foi de inido pelo ONS:

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 264
• Cada Centro Regional de Operação do Sistema (COSR) faz pre-
visão de carga em intervalos de 30 minutos para o próximo dia
operativo (24h adiante), assim de inindo um script de geração
para atender a carga ativa prevista, que é uma parte do Programa
Diário de Operação (PDO);
• Os agentes tentam viabilizar a geração prevista, mas podem
retroalimentar o COSR, informando a necessidade de ajustes na
geração sugerida pelo ONS;
• A previsão da geração eólica se dá em horizonte de 48h à frente;
• Para de inir a programação de geração, além da carga ativa pre-
vista, o ONS segue diretrizes de inidas pelo Programa Mensal de
Operação (PMO), atualizado semanalmente, via nova rodada do
software DECOMP;
• Os dados mais utilizados para nortear a programação da opera-
ção, oriundos do PMO, são os níveis dos reservatórios. Tais níveis
são tratados, dentro do possível, como metas a serem atingidas
ao inal de uma semana, desde que não causem impactos em res-
trições de segurança da rede elétrica (sobrecarga de luxo em
linhas ou tensões de operação fora dos limites usuais);
• O critério operativo no horizonte diário (PDO) tem grande ênfase
na con iabilidade do sistema e utiliza como norte, na medida
do possível, os despachos de máquinas sugeridos pelo software
DESSEM (que tenta minimizar o custo de geração levando em
consideração as restrições elétricas, sistêmicas e operativas);
• Para orientar a previsão de carga em cada dia, utiliza-se a curva
de carga do mesmo dia da semana anterior, a qual, na ausência de
feriados ou outras anomalias, é bastante próxima ao realizado.

12.6 Consolidação Final e Pré-Despacho

O ONS de ine diretrizes do PMO semanal (DECOMP). O agente, baseado


em tais diretrizes, faz uma proposta inicial de geração (que é simples-
mente “energética”, ou seja, não considera as restrições da rede elétrica
do SIN), inclusive, sugerindo ajustes em relação às diretrizes do PMO.

265 Concepção da Plataforma IRIS


Com as propostas iniciais dos agentes (normalmente geração lat e
sem geração de reserva), o ONS faz a validação elétrica (veri icação da
viabilidade elétrica). Normalmente, essa validação faz com que a proposta
inicial seja revisada e enviada de volta para o agente dar um novo pare-
cer. Por sua vez, o agente retroalimenta o ONS com sua posição sobre o
despacho revisado pelo órgão. Esse processo é repetido até que o ONS e o
agente cheguem em um acordo sobre a programação da operação.
Finalmente, após revisadas e eletricamente viáveis, as programações
da operação são enviadas para o Centro de Operação do Sistema (COS),
que ica em Brasília, onde é feita a consolidação para todo o SIN, de inin-
do-se o pré-despacho que vai para a sala de controle. A partir daí, ocorre
a operação em tempo real. Nesta, as seguintes variáveis são monitoradas
constantemente:
1. Frequência (também variável de controle do CAG);
2. Tensão das barras;
3. Distância do ponto de operação atual em relação ao ponto de
colapso da rede (ponta da curva do nariz) através de realização
de luxos de potência dinâmicos e continuados (realizados pelo
pacote ORGANON);
4. Diferença entre a carga prevista e a carga atual (lembrando que a
previsão não é atualizada durante o dia de operação).

12.7 Operação em tempo real

O processo de operação em tempo real é uma fase muito importante e


vital para que o fornecimento de energia elétrica seja feito com bons
níveis de con iabilidade. Conforme pode ser visto na Figura 12.4, tal pro-
cesso acontece dentro de uma sala chamada de Sala de Operações, que
é equipada com toda a tecnologia para suportar os procedimentos de
operação em tempo real.
Dessa forma, a operação em tempo real pode ser resumida:
1. O Centro de Operação faz o controle da operação em tempo real,
monitorando variáveis críticas do sistema, em especial, a frequ-
ência e a tensão da rede operativa (rede básica + rede comple-
mentar – em geral, coincidentes com a rede de 138 kV);

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 266
2. A frequência padrão é de 60 Hz, admitindo-se oscilações no inter-
valo de 59,95 Hz até 60,05 Hz. Quando ocorrem desvios além des-
ses limites, o Controle Automático de Geração (CAG) faz o ajuste
necessário de geração em usinas para o retorno aos limites-meta.
Algumas usinas da região Sudeste, que têm o controle via CAG,
incluem Furnas, Estreito, Ilha Solteira e Água Vermelha. Entretanto,
é importante destacar que são revisadas constantemente as regras
de participação de determinadas usinas e como elas participam do
CAG (ligando automaticamente mais ou menos unidades gerado-
ras ou simplesmente fazendo um ajuste ino da geração). No caso
da região Sudeste, a frequência de referência (que aparece na tela
de controle do COSR-Rio) é a do barramento da Barra da Tijuca;
3. Para a avaliação de con iabilidade, é assumido o critério N−1 para
as contingências do SIN, mas, em alguns circuitos, devido à sua
importância, assume-se N−2 (como, por exemplo, o circuito das
três linhas de Itaipu que abastecem a região de São Paulo);
4. Quando da ocorrência de falhas na rede de operação (por exemplo,
queda de trecho de linha de transmissão), primeiramente, tenta-se
recuperar os níveis de tensão padrão em cada linha ajustando-se
taps/capacitores (ou seja, componentes de ação imediata) e, em
seguida, entram em ação os CAGs para ajustes na geração das usinas.

Figura 12.4 Sala de operações do COSR - Rio de Janeiro

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

267 Concepção da Plataforma IRIS


12.8 Verificado / Pós-Operativo

O ONS recebe dos agentes (geração, transmissão e distribuição) e arma-


zena cerca de 200.000 dados a cada quatro segundos – sistema PI da
OSISoft. O Operador do Sistema mantém o registro desse histórico totali-
zado em minutos para necessidade de rastreamento e auditoria da ANEEL.

12.9 O Centro de Operações

A Figura 12.5 mostra uma foto da sala de operações do ONS – COSR Rio de
Janeiro. Nessa foto, é possível ver, em destaque, o painel de acompanha-
mento da operação, sendo que alguns detalhes merecem ser esclarecidos:
• A parte central do painel (maior parte da tela) mostra uma igura
esquemática resumida da rede de operação do COSR Sudeste, na
qual alguns valores, como tensões e luxos, icam em destaque para
que sejam acompanhados pelos operadores. Como pode ser visto na
Figura 12.5, essa parte central do painel pode ser divida em quatro
quadrantes, nos quais predominam linhas de SP, MG, Itaipu e RJ/ES;
• Imediatamente à esquerda e à direita dessa igura esquemática da rede,
é mostrada a operação em tempo real das usinas conectadas ao CAG;
• À direita do painel de operação, são mostradas as curvas de
confiabilidade do sistema (geradas pelo software ORGANON).

Figura 12.5 Sala de operações do COS – Rio de Janeiro - Detalhes do Painel

5HDOL]DGRH
SURJUDPDGR
/LQKDV63 8VLQDV

)UHTXrQFLD
,QWHUFkPELR
,WDLSX /LQKDV
0*

&DUJDSUR
JUDPDGDH
UHDOL]DGD ÉUHDGH
'LD'LD HVWDELOLGDGH
H'LD

/LQKDV5-(6
/LQKDV,WDLSX +RUDHIUHTXrQFLD

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 268
Figura 12.6 Sala de operações do COS – Rio de Janeiro - Porção
direita do painel

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 12.7 Sala de operações do COS – Rio de Janeiro – Porção


esquerda do painel

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

269 Concepção da Plataforma IRIS


12.10 O Simulador IRIS: Concepção básica

Através do estudo aprofundado dos procedimentos de programação da


operação e operação em tempo real, realizados pelo ONS, e com base
nesse conhecimento adquirido, foi constatado que, no processo de pro-
gramação diária da operação, resumidamente, um dia antes da operação
real, o ONS programa a operação (despachos das unidades geradoras)
para as 48 meias-horas do dia seguinte da seguinte maneira:
1. Utilizando a cadeia de modelos do CEPEL (NEWAVE, DECOMP e,
eventualmente, o DESSEM), são de inidas métricas para tentar res-
peitar a meta de nível dos reservatórios no inal da semana operativa;
2. Utilizando modelos internos do ONS, são construídas previsões
de a luências, geração eólica e geração solar (eventualmente);
3. Para compor a programação de operação das unidades geradoras
para o dia seguinte, o ONS utiliza como ponto de partida o despa-
cho de máquinas obtido do software DESSEM e a disponibilidade
de geração enviada pelo agentes de geração ao ONS. Dessa forma,
o Operador avalia como esse ponto de partida se comporta no
cenário das previsões realizadas nos dois itens acima, utilizando,
principalmente, avaliações de luxo de potência realizadas com o
software ANAREDE.
4. Caso infactibilidades sejam detectadas ou determinadas linhas de
transmissão estratégicas (como o link Sudeste, Nordeste) este-
jam excessivamente carregadas, os especialistas do ONS testam
novas con igurações de despacho para minimizar tais violações.
Quando esse processo convergir, o ONS envia um novo plano de
operação das unidades geradoras aos agentes que tiveram seu
plano inicial alterado.
5. Ao inalizar esse processo de validação e interação com os agen-
tes, uma nova programação da operação é gerada para o dia
seguinte. Tal processo, normalmente, termina até às 17h do dia
que antecede a operação.

O simulador IRIS foi concebido para reproduzir todo esse processo


descrito acima para, assim, assegurar que os resultados da programa-
ção diária da operação gerada pelo simulador IRIS sejam realistas. Para

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 270
avaliar esse realismo, os valores da programação gerada pelo simulador
devem ser próximos (possuem comportamentos parecidos) à programa-
ção que foi efetivamente feita pelo ONS em uma determinada semana de
calibração. A programação, por sua vez, serve de insumo para a opera-
ção em tempo real e, dessa forma, a simulação em tempo real gerada pelo
simulador IRIS também deve ser razoavelmente próxima àquela regis-
trada pelo ONS (chamado de pós-operativo). Assim, a Figura 12.8 mostra,
de maneira esquemática, o processo descrito.

Figura 12.8 Diagrama das atividades do fluxo de programação


diária da operação

&DUJD3UHY
+LGURORJLD3UHY
9HQWR3UHY
,QVRODomR3UHY 3URJUDPDomR
GDRSHUDomR
7HPTXHVHU
SUy[LPRj
SURJUDPomR

'(6(0 PLQSRU
3$7 EDUUD
'HVSDFKR3UHY
&XVWRPDUJLQDO
1(:$9( '(&203
,5,6
$1$5('(

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Por outro lado, quando a operação em tempo real se inicia à meia


noite de cada dia, a partir do primeiro intervalo de tempo (das 00h às
00h30), os operadores iniciam a operação utilizando como insumo as
diretrizes provenientes da programação da operação feita no dia anterior.
Assim, durante a operação em tempo real, a programação da operação é
observada a cada meia hora, mas em tempo real. Variáveis elétricas (como
o carregamento das linhas, a tensão nos barramentos e a frequência de
operação do sistema) são constantemente monitoradas. Caso alguma vio-
lação seja detectada, as unidades geradoras que estão ligadas ao Controle

271 Concepção da Plataforma IRIS


Automático de Geração - CAG - são instantaneamente moduladas para
corrigir, principalmente, a frequência de operação do sistema. Se o pro-
blema persistir, o ONS ainda pode operar alguns equipamentos de rede
(como capacitores, compensadores, entre outros) e pode, em último caso,
ligar ou desligar uma determinada unidade geradora que esteja alocada
como reserva de potência operativa.
Dessa forma, o simulador IRIS precisa reproduzir esse procedimento
com o objetivo de conseguir gerar um “pós-operativo” próximo ao divul-
gado no website do ONS. A Figura 12.9 mostra, de maneira esquemática,
esse processo.

Figura 12.9 Diagrama das atividades do fluxo diário de


operação em tempo real

6LPXODomRGH
PLQSRUEDUUD
'HVSDFKRVLP
FXVWRPDUJLQDO
,5,6
6LWXDomRDWXDO
GDVFDUJDV
GDGRVGR
SyVRSHUDWLYR

7HPTXHVHU
SUy[LPRDRSyV
RSHUDWLYR
UHDO

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Para formalizar o processo de simulação da programação da opera-


ção, a Figura 12.10 mostra o processo de simulação da programação da
operação e as variáveis envolvidas. Como pode ser visto, a região hachu-
rada denota o dia no qual a programação da operação é concebida para
o dia seguinte, enquanto a área branca é o dia para o qual a programa-
ção da operação está sendo compilada (dia seguinte). Como é possível
ver, o simulador IRIS executa 48 FPOs ( luxos de potência ótimos) para
cada uma das 48 meias-horas do dia seguinte. Dessa forma, os 48 inter-

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 272
valos de tempo são denotados como t=0,...47, assim, FPO0 denota o luxo
de potência ótimo executado no primeiro intervalo de tempo, enquanto
FPO23 denota o FPO executado no vigésimo quarto intervalo de tempo.
Além disso, as variáveis da Figura 12.10 são as seguintes:
d j ,t : demanda prevista no barramento j no intervalo de tempo t

e j ,t : geração eólica/solar prevista no barramento j no intervalo de


tempo t
P   i ,t : potência especí ica (varia em função da queda líquida) do(s)
gerador(es) hidrelétrico(s) do barramento i no intervalo de
tempo t

, t : potência máxima do(s) gerador(es) hidrelétrico(s) do barra-


H imax
mento i no intervalo de tempo t

, t : potência mínima do(s) gerador(es) hidrelétrico(s) do barra-


H imin
mento i no intervalo de tempo t

t : potência máxima do(s) gerador(es) termelétrico(s) do barra-


Ti ,max
mento i no intervalo de tempo t

t : potência mínima do(s) gerador(es) termelétrico(s) do barra-


Ti ,min
mento i no intervalo de tempo t
H i ,t : potência despachada pelo FPO do(s) gerador(es) hidrelétrico(s)
do barramento i no intervalo de tempo t
Ti ,t : potência despachada pelo FPO do(s) gerador(es) termelétrico(s)
do barramento i no intervalo de tempo t
Onde:

j é um barramento de demanda ou geração intermitente, sendo que J


é o conjunto de barramentos de demanda e geração intermitente
e jJ
i é um barramento de geração hidrelétrica, sendo que I é o conjunto
de barramentos de geração hidrelétrica e
k é um barramento de geração termelétrica, sendo que K é o conjunto
de barramentos de geração termelétrica e

273 Concepção da Plataforma IRIS


Figura 12.10 Linha do tempo da programação diária da operação e
variáveis envolvidas

G G

   

a
+L
GM
a )32 )32 )32
HM 7N
3 S L )32
+PD[L
L Q8+(V
+PLQL N PWHUPHOHWULFD
7PD[N M RFDUJDHyOLFD
7PLQN 

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

Finalmente, o simulador IRIS terá que “supervisionar” o encadea-


mento entre cada um dos intervalos de tempo da Figura 12.10 de modo
que exista um acoplamento entre rodadas sucessivas do FPO. Assim, a
cada estágio t de simulação, o simulador IRIS desenvolve:
1. Análises e atividades antes da mudança de estado do sistema;
2. Identi ica quaisquer alterações do estado do sistema;
3. Realiza análises e atividades após a mudança de estado do
sistema.

Dependendo do estado do sistema avaliado pelo simulador, ele


mesmo deverá requisitar uma nova rodada do FPO para o mesmo inter-
valo de tempo t sob um novo conjunto de restrições. Esse processo é ilus-
trado na Figura 12.11.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 274
Figura 12.11 Encadeamento dos processos de tomada de
decisão do simulador IRIS
(VWiJLRGHVLPXODomRW

$QiOLVHVHDWLYLGDGHV
DQWHVGDPXGDQoD
GHHVWDGRGRVLVWHPD

$OWHUDomRGRHVWDGR
VLVWHPDHPW

$QiOLVHVHDWLYLGDGHV
DSyVDPXGDQoDGH
HVWDGRGRVLVWHPD

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

12.11 Requisitos de dados para o simulador IRIS

Para que o simulador possa alocar as unidades geradoras (tanto na pro-


gramação como na simulação da operação), as seguintes características
dos geradores são necessárias:
• Mapeamento de IDs (arquivo de rede / cadastro de geradores
ANEEL, ONS, etc.);
• Nível operacional mínimo;
• Nível operacional máximo;
• Mínimo tempo em operação;
• Mínimo tempo desligada;
• Taxa de aumento de produção (ramp-up);
• Taxa de decréscimo de produção (ramp-down);
• Custo marginal de operação (dentro do nível operacional);
• Custo de ligar a unidade;
• Custo de desligar a unidade;
• Tipo de “combustível” (água, nuclear, diesel, vento, etc.);
• Tempo de noti icação + tempo de atingir o nível operacional
mínimo;
• Taxa de emissão de CO2, NO2 e NOx;

275 Concepção da Plataforma IRIS


• Atributos especí icos de certas unidades de geração (por exem-
plo, das hidrelétricas).

Nesse caso, é importante destacar que os dados mais importantes


para o simulador IRIS são aqueles classi icados como Tipo I ou Tipo II
pelo módulo 26.2 dos “Procedimentos de Operação” do ONS (2009),
pois somente usinas classi icadas como I e II são, de fato, despachadas e
operadas de maneira centralizada pelo Operador do Sistema.
Nesse contexto, o grupo de pesquisa do P&D IRIS pode veri icar que
as usinas dos Tipos I e II são basicamente aquelas contidas nos arqui-
vos do NEWAVE e do DECOMP. Por esse motivo, como será visto mais à
frente, a estratégia de cruzamento dos dados sempre se concentrou no
melhor entendimento das usinas contidas no NEWAVE (ONS, 2016b) e no
DECOMP (ONS, 2016a).

12.12 Dados de Previsões

As previsões (de carga, de hidrologia ou de algum tipo de geração, como a


eólica) são insumos importantes no momento de realizar a programação
da operação e também vitais durante a operação em tempo real, pois elas
norteiam as decisões no tempo de planejamento. Dessa forma, os dados
de previsão utilizados pelo simulador IRIS foram, em suma, os seguintes
(em intervalos de cinco em cinco minutos ou menos):
• Carga;
• Hidrologia;
• Vento (geração/velocidade e direção do vento);
• Insolação (geração);
• Biomassa (geração).

12.13 Dados do planejamento e programação da operação

Além disso, para fazer a aferição dos resultados do simulador e ainda rea-
lizar algumas calibrações internas, os dados da programação da operação
realizada são extremamente importantes (em intervalos de uma em uma
hora ou de 30 em 30 minutos):

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 276
• Dados de entrada do NEWAVE;
• Dados de entrada e resultados do DECOMP;
• Programação da Operação de 30 em 30 min (geração por usina).

12.14 Dados da operação realizada


Finalmente, para fazer a aferição dos resultados do simulador e ainda
realizar algumas calibrações internas, os dados da operação realizada são
bastante importantes:
• Mapeamento dos IDs dos barramentos do ANAREDE Dados dos
geradores georreferência dos barramentos;
• Carga ativa/reativa;
• Geração ativa/reativa;
• Dados da Rede (ANAREDE);
• Medições por barra para aferir os cálculos de luxo;
• Hidrologia;
• Vento (Geração/Velocidade e direção do Vento por parque eólico);
• Insolação (Geração).

Apesar desses dados serem insumos mínimos para o desenvolvimento


de um simulado como o proposto, muitos deles não estavam disponíveis (pelo
menos, não de forma direta). Com tudo isso, a seguir, será mostrado resumi-
damente como os dados foram capturados e “trabalhados” internamente para
que fosse possível atender todos os requisitos de dados do simulador IRIS.

12.15 Despachos eletro-energéticos IRIS

Para a análise dos resultados do processo de simulação, a equipe do pro-


jeto investiu em uma visualização georreferenciada de tal processo. Nessa
fase, alguns resultados preliminares muito interessantes já foram obtidos.
Esses resultados são, então, apresentados aqui.
O resultado mostrado na Figura 12.12 apresenta um mapa de calor
da geração média simulada do dia 29 de junho de 2016. É importante
notar que, como esperado, a geração se concentra de forma pronunciada
no Sudeste, que também é o maior polo de consumo.

277 Concepção da Plataforma IRIS


Figura 12.12 Mapa de calor de geração no SIN

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Também é possível notar que a maior parte da geração provém das


hidrelétricas, como pode ser visto na Figura 12.13. Nesta, tais usinas estão
sobrepostas ao mapa de calor.

Figura 12.13 Mapa de calor no SIN e hidrelétricas

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação .

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 278
Finalmente, na Figura 12.14, as linhas são plotadas no mapa, sendo
possível notar também a coerência do resultado da simulação.

Figura 12.14 Geração no SIN e linhas de transmissão

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 12.15 Georreferenciamento das barras do ANAREDE no SIN

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Ainda é importante notar que a equipe do projeto IRIS fez um traba-


lho inédito no que diz respeito ao georreferenciamento das barras do deck

279 Concepção da Plataforma IRIS


ANAREDE. Foi utilizada inteligência de máquina para correlacionar os
nomes dados às barras do ANAREDE com diferentes nomenclaturas usa-
das em diversas bases de dados do setor elétrico. Esse trabalho foi muito
relevante, uma vez que o volume de resultados das simulações era muito
grande e, assim, icava muito di ícil analisar a coerência dos resultados
somente através de análises grá icas convencionais.
Dessa forma, as Figuras 12.15 e 12.16 mostram, respectivamente, de
maneira geral, como as barras do ANAREDE estão localizadas no territó-
rio nacional (as numerações dentro dos círculos mostram o número de
barras em cada região) e, ao clicar no círculo com 1.186 barras no SE,
indicam como estão dispersas as barras nessa região.

Figura 12.16 Georreferenciamento das barras do ANAREDE no SE

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação .

Finalmente, é importante frisar que esse trabalho viabilizou não


somente a visualização georreferenciada de qualquer resultado do simu-
lador IRIS como também dos modelos NEWAVE, SUISHI, DECOMP e
DESSEM. Além disso, sem essa relação, não seria possível levantar todos
os dados operativos de uma determinada barra da rede básica, elencados
nas seções 12.11 a 12.14.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 280
12.16 O simulador hidrológico

Como já analisado anteriormente, o simulador IRIS depende, a cada intervalo


de tempo t, do conhecimento da potência especí ica de cada unidade geradora
hidrelétrica. Por esse motivo, fez-se necessária a construção de um simulador
hidrológico para avaliar o estado do sistema a cada iteração para que, com
isso, seja possível avaliar a produtividade especí ica em cada uma delas.
Assim, inicialmente foi feito um estudo dos dados hidrológicos, forneci-
dos tanto pelo ONS como pela Agência Nacional de Águas - ANA, referentes
à Bacia do Tietê. O estudo foi conduzido em dois momentos. No primeiro,
foram utilizados somente os dados relacionados às hidrelétricas de Barra
Bonita, Bariri, Ibitinga e Promissão, no período de 1 de janeiro de 2017 a
30 de abril de 2018. A Bacia do Tietê está apresentada na Figura 12.17.
No segundo momento, foram utilizadas todas as unidades que compõem a
Bacia do Tietê, no período de 1 de janeiro de 1999 a 29 de outubro de 2018.

Figura 12.17 Bacia do Tietê


%DFLDGR7LHWr
1$YDQKDQGDYD ,ELWLQJD  %DUUD
&DQDO   ERQLWD  3RQWHQRYD
3%DUUHWR 0: 0: 0: 
 5LR7LHWr

5LR3LQKHLURV

7UrV,UPmRV  3URPLVVmR  %DULUL  (GJDUG6RX]D 


0: 0: 0:

7UDomR 
3HGUHLUD %LOOLQJV
/HJHQGD
 
8VLYDFRP5HVHUYDWyULR

8VLQDDILRG·iJXD
*XDUDSLUDQJD
5HVHUYDWyULR  
5LR*XDUDSLUDQJD

8VLQDGHERPEHDPHQWR 

Fonte: ONS, 2020a.

12.17 Dados

Os dados utilizados foram obtidos de duas fontes diferentes – ONS e ANA.


A principal diferença entre os dois é que, no ONS, estão disponíveis tam-
bém informações de geração de energia das usinas.

281 Concepção da Plataforma IRIS


A partir das informações do ONS, foram obtidos a geração de ener-
gia (em MWmed), as vazões a luente, vertida, turbinada, de luente,
transferida e de outras estruturas (em m3/s), o volume útil (em porcen-
tagem) e o nível de montante (em m). Na ANA, foram obtidos a cota (m),
a a luência e de luência (em m3/s), as vazões vertida, turbinada, natu-
ral e incremental (em m3/s) e o volume útil (em porcentagem). Há uma
diferença da nomenclatura de vazões adotadas entre o ONS e a ANA. No
entanto, os dados mais relevantes possuem nomes similares e represen-
tam a mesma grandeza.

12.18 Fundamentação Teórica

Como opção para visualizar os dados de energia, foram adotadas duas


grandezas diferentes: GWh (indica a energia diária) e MWmed (informa
a potência média horária). Quanto às vazões, no ONS e na ANA, algumas
delas com o mesmo signi icado ísico possuem nomes distintos, sendo
equivalentes a vazão a luente e a a luência, a vazão de luente e a de luên-
cia, a cota e o nível de montante.
A vazão natural, presente nos dados da ANA, indica qual seria a vazão
no caso em que não houvesse in luência humana no controle da vazão
através das comportas das usinas hidrelétricas a montante. Ainda na ANA,
a vazão incremental representa o ganho de carga hídrica por meio de toda
a vazão lateral captada. No caso do ONS, a vazão transferida indica se
houve o bombeamento de recursos hídricos entre usinas. O volume útil
é dado como uma porcentagem do volume útil total. O volume útil total
representa o volume de água em um reservatório, que pode ser utilizado
para a geração de energia elétrica.

12.19 Metodologia

Foram geradas planilhas com os dados do ONS, analisando as relações


entre as vazões da mesma usina, relacionando com a vazão a luente da
usina seguinte (#data_vazao_ONS), comparando as vazões tanto com
o volume útil como com a cota das usinas com reservatórios (#data_
volume_ONS) e relacionando com a quantidade de energia gerada (#data_
energia_ONS). Na última comparação, foi feita uma regressão linear com

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 282
o objetivo de encontrar as dependências com as variáveis. Uma análise
mais profunda dos melhores modelos dessas regressões foi feita separa-
damente (#data_regressao_ONS).
Com os dados provenientes da ANA, foram realizados os mesmos
estudos, icando a principal diferença na utilização dos dados do ONS
sobre geração, já que esses dados não estão disponíveis na base de dados
da ANA. Por im, elaborou-se uma planilha que compara os dados forne-
cidos tanto pelo ONS como pela ANA, buscando uma variação através da
diferença entre os dois valores em questão (#comparativo_ANA_ONS).
É possível verificar que a vazão de luente é composta pelas outras
vazões de saída, como vertida, turbinada e de outras estruturas. Em
usinas sem reservatório, é de se esperar que a vazão a luente seja pra-
ticamente igual à vazão de luente. Caso exista reservatório, a diferença
entre essas duas vazões representa uma variação positiva ou negativa no
volume armazenado. Ao se comparar a vazão de luente de uma usina com
a a luente da usina seguinte, é possível ver claramente que a primeira é o
principal componente da segunda, sendo irrelevantes, do ponto de vista
prático, diferenças decorrentes de captação de água para outros ins, eva-
poração e outras parcelas de vazão incremental, uma vez que a simulação
é de curtíssimo prazo.
Nas usinas com reservatório, veri icou-se que a diferença entre a vazão
de luente e a a luente são consistentes com as variações de volume e cota
observados. Primeiro, calculou-se o incremento de volume segundo essa
diferença no período de um dia, sendo possível veri icar que esse valor
estava de acordo com a variação observada no volume útil do reservatório.
O polinômio volume-cota evidenciou que, ao se relacionar essas duas infor-
mações, a cota variava de forma coerente com a diferença de vazões.
Tendo disponíveis as informações da vazão vertida e a cota, é possível
utilizar uma simples equação com o objetivo de obter um valor teórico
esperado de geração de energia, a saber:

Pg k E hm – h j – hp qt

Sendo que:
Pg: Potência gerada na usina [MW]
k: constante de ajuste de unidades

283 Concepção da Plataforma IRIS


 : produtividade especí ica da usina [MW / (m * (m3/s))]
hm: cota de montante absoluta da usina [m]
hj: cota de jusante absoluta da usina [m]
hp: perda de carga [m]
qt: vazão turbinada na usina [m3/s]

Assim, obteve-se um valor que se aproxima de forma relativamente


precisa do observado. Não foram levadas em consideração as diferenças
entre os conjuntos de máquinas com características distintas nas usinas.
Considerou-se a queda d’água como a diferença de altura entre o canal de
fuga e a cota.
Como foi observado que a energia é diretamente proporcional à
vazão turbinada e à queda d’água, foram elaborados alguns modelos
lineares e utilizada uma ferramenta de regressão com o objetivo de obter
uma representação mais próxima da realidade. Foram considerados
como fatores a vazão turbinada, a queda d’água, o produto entre esses
dois e cada um deles ao quadrado. Adotou-se como igura de mérito dos
modelos o valor de R² que, como se sabe, quanto mais próximo de 1,
melhor representa a realidade.
Os modelos analisados foram os seguintes:
1. Energia C  D1·Vazao  D2·Queda
1.
2. Energia C  D1·Vazao  D2·Queda  D3·Vazao·Queda
3. Energia C  D1·QuedaVazao
·

4. Energia D1·QuedaVazao
·

5. Energia C  D1·Vazao  D2 ·Queda  D3·Vazao·Queda  D4 ·Vazao2  D5·Queda2


6. ln(Energia) C  D1·ln(Vazao)  D2·ln(Queda)
7. Energia C  D1·Vazao·Queda  D2 ·Vazao2  D3·Queda 2
8.
8. Energia C  D1·Vazao·Queda  D 2 ·Vazao2

Foram selecionados os melhores modelos (3, 5, 7 e 8) para uma análise


mais detalhada. Com os coe icientes calibrados de tais modelos, compa-
rou-se a previsão para o período de 1 de maio de 2018 até 30 de setembro
de 2018 do modelo com os próprios dados observados. Também foram

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 284
comparados os respectivos coe icientes obtidos da primeira regressão
com a regressão desse novo conjunto de dados.
Ao se adicionarem as outras usinas presentes na Bacia do Tietê na
segunda etapa, incluiu-se um fator que aumentou a di iculdade de análise,
pois agora têm-se nós que unem diferentes usinas. Também há elementos
que não geram energia, como Billings, Guarapiranga, Pedreira e Traição.
Dado que a ordem de grandeza na quantidade de amostras de cada dado
aumentou, elaborou-se uma planilha onde foram consolidados os dados
fornecidos pelo ONS e pela ANA, os quais foram utilizados como base de
dados (#data_historico_ONS e #data_historico_ANA). Não há disponibili-
dade de dados sobre Pedreira e Traição. Foi feita uma análise das relações
entre as vazões da mesma usina com a vazão a luente da usina seguinte
(#data_vazao_ONS e #data_vazao_ANA). Também foram relacionadas as
vazões tanto com o volume útil como com a cota das usinas com reserva-
tórios (#data_volume_ONS e #data_volume_ANA).
Os procedimentos dessa etapa foram similares aos realizados na
etapa anterior. Em uma primeira implementação, os dados utilizados
eram oriundos de uma planilha de base de dados externa. Contudo, em
um segundo momento, tais dados passaram a ser providos pela plata-
forma Venidera Miran que, por sua vez, também garante que essas infor-
mações estejam atualizadas.
A análise dos dados do ONS é exatamente a mesma realizada na
etapa anterior. Para o conjunto de dados da ANA, foi incluída, na análise
de vazões, a vazão incremental para compreender melhor as diferen-
ças entre a vazão de luente de uma usina com a a luente da seguinte.
Também foi desenvolvido um estudo para compreender o luxo de água
entre Guarapiranga, Billings, Ponte Nova e Edgar Souza. Veri icou-se que
a vazão incremental é umas das principais componentes hídricas nesse
sistema. No entanto, não foram obtidas conclusões mais elaboradas.

12.20 Conexão dos reservatórios

Essa seção trata de como os reservatórios das principais usinas do SIN


estão sendo inseridos e cascateados no simulador hidráulico.
Como se pode ver nas Figuras 12.18 e 12.19, as vazões a luentes das
usinas a jusante dependem da simulação hidráulica prévia das usinas a

285 Concepção da Plataforma IRIS


montante. Por esse motivo, o simulador foi estruturado de forma a pre-
servar a ordem das simulações das usinas.

Figura 12.18 Esquemático de cascata de usinas hidráulicas


4LQF 4DIO4GHOPS4XVR4HYS

8VR (YDSRUDomR 9,QFUHPHQWDO

9'HIOXHQWH 97XUELQDGD
9$IOXHQWH 99HUWLGD
92XWUDV

8VLQD-XVDQWH 8VLQD0RQWDQWH
Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

Figura 12.19 Fluxograma do algoritmo iterativo


W W
T X

7UDQVLomRGHWSDUDW

W W W W
\NW TN \NW TN
W
\N TN
W
\NW TN \NW TN \N
W
TN
W

W W
W W W W W W W W W W
1N 1N
XN 1N XN 1N XN XN 1N XN 1N XN
W W W W W W
9N 9N 9N 9N 9N 9N

2EV$YD]mRLQFUHPHQWDOpFRQVLGHUDGDXPGDGRGRHVWDGRWHQmR
GHSHQGHGDVGHFLV}HV$SURGXWLYLGDGHVHUiFDOFXODGDVHPFRQVLGHUDU
DVGHFLV}HVGRHVWDGRW
Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Estados possíveis do simulador

Considerando um período t e o seu antecessor t-1, ambos genéricos, é


possível dizer que o simulador pode estar em um dos seguintes estados:
1. Período t-1: estado caracterizado pelo conhecimento de todas
as grandezas do período t−1. Essencialmente, o sistema está
em estado de espera para a transição para o período t, supondo

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 286
que exista. Explicitamente, as grandezas conhecidas do período
t−1 são: volume útil, cota montante, vazão incremental, vazão
a luente, vazão turbinada, vazão vertida, vazão de luente, cota
jusante, queda bruta, perda de carga, queda líquida, produtivi-
dade especí ica e produtividade. Esse estado termina quando a
função de preparação de transição de estado é acionada.
2. Transição do período t−1 para o período t: estado caracterizado
pelo conhecimento das decisões a respeito das potências médias
programadas e das vazões a luentes de cada uma das usinas simu-
ladas hidraulicamente pelo modelo. A partir desse estado, desde
que as informações estejam todas presentes, o modelo está apto
a acionar a transição para o próximo estado. Esse estado termina
quando a função de cálculo das grandezas do estado t é invocada,
estando todos os dados necessários disponíveis. Caso contrário, o
sistema permanece no estado de transição.
3. Período t: estado posterior à inalização dos cálculos decorren-
tes da invocação da função de transição de estado. Esse estado é
caracterizado pelo conhecimento de todas as grandezas do perí-
odo t. As grandezas do período t e como foram calculadas são:

• Volume útil médio do período t;


• Cota montante média do período t;
• Vazão incremental média do período t;
• Vazão de luente mínima do período t;
• Vazão turbinada média do período t;
• Vazão vertida média do período t;
• Vazão de luente média do período t;
• Cota jusante média do período t;
• Queda bruta média do período t;
• Perda de carga média do período t;
• Queda líquida média do período t;
• Produtividade especí ica média do período t;
• Produtividade média do período t;

287 Concepção da Plataforma IRIS


Algumas das grandezas apontadas acima são dados para o simulador
(potência, vazão incremental, vazão de luente mínima e vazões de luen-
tes das usinas de montante). Outras podem ser calculadas imediatamente
(volume útil inicial do período t e cota montante inicial do período t).
Outras ainda devem ser consideradas juntamente em decorrência de um
algoritmo iterativo, uma vez que as relações entre as grandezas são implí-
citas e não lineares (vazão turbinada, vazão vertida, vazão de luente, cota
jusante, queda bruta, perda de carga, queda líquida, produtividade espe-
cí ica e produtividade da usina).

12.21 Descrição dos processos básicos


utilizados no simulador

A inicialização do simulador

Quando o simulador é inicializado, os valores das grandezas do instante


t−1 devem ser carregados e o simulador deve ser posicionado, então, no
im do período t−1. Nesse estágio, o simulador deve esperar o comando
para a transição para o período t, juntamente com as decisões e dados
necessários para o período. No caso especial de t ser o primeiro período
de simulação, as informações sobre t−1 necessárias não estão disponíveis.
A função de inicialização tem como objetivo, a partir dos dados históricos,
estimar as informações necessárias do período t−1. Os dados necessários
para a função de inicialização obtidos para o período t−1 dos históricos
combinados do ONS e da ANA são:
1. Potência média do período (em MW);
2. Volume útil (em %). Caso seja usina a io d’água, esse dado não
existirá na base de dados e será considerado como sendo 100%
(vazão a luente deve ser igual à vazão de luente);
3. Cota montante (em m3/s). Caso seja usina a io d’água, a cota será
considerada constante e igual à cota correspondente ao volume
útil máximo do reservatório;
4. Vazão incremental média do período (em m3/s). Caso não haja
a vazão incremental na granularidade escolhida para o estudo,
deve-se interpolar o dado de vazão incremental utilizando

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 288
alguma métrica. Inicialmente, somente estará implementada a
persistência durante o período;
5. Vazão turbinada média do período (em m3/s);
6. Vazão vertida média do período (em m3/s);
7. Vazão de luente média do período (em m3/s). Na verdade, uma
decorrência da soma das outras duas, mas que, quando presente
no histórico, será consultada.

A partir desses dados e dos demais dados cadastrais das usinas do


estudo, outras grandezas necessárias para a simulação serão calculadas:
1. Cota do canal de fuga (em m): calculada a partir da curva cota-
vazão da usina e da vazão turbinada ou da vazão de luente total,
dependendo da característica de cada usina;
2. Queda bruta (em m): calculada como a diferença entre a cota do
nível da água a montante da usina e a cota do canal de fuga da usina;
3. Perda de carga (em m): calculada segundo o método indicado no
cadastro da usina. Tal método é um dos três tipos: perda de carga
constante, porcentagem da queda bruta ou diretamente propor-
cional ao quadrado da vazão turbinada (vazão que é conduzida
pelo duto forçado);
4. Queda líquida (em m): calculada como a diferença entre a queda
bruta e a perda de carga calculada da usina;
5. Produtividade especí ica (em MW/(m * (m3/s)): calculada reali-
zando-se interpolação nos dados fornecidos da curva colina da
usina em questão, caso existam dados con iáveis sobre a curva
colina da usina. Se a curva colina não estiver presente, a produti-
vidade especí ica será considerada constante;
6. Produtividade da usina (em MW/ (m3/s)): calculada pela divisão
da potência pela vazão turbinada líquida da usina.

Vale ressaltar que, por serem realizados cálculos sobre dados históri-
cos para inicializar a simulação, não haverá garantia de consistência cru-
zada entre os dados calculados e os dados históricos. Isso signi ica, por
exemplo, que não necessariamente o valor da produtividade da usina seja
igual à multiplicação entre a produtividade especí ica e a queda líquida.

289 Concepção da Plataforma IRIS


A transição de estado

Nesse estado, convém lembrar, inicialmente, as seguintes informações


que devem ser conhecidas:
• Vazão incremental média da usina no período t (em m3/s): como
se trata de curto intervalo de tempo, pode-se assumir que essa
grandeza é conhecida no início do período t sem grande perda de
generalidade;
• Vazão a luente média da usina no período t (em m3/s): como se
supõe conhecida a vazão incremental média de acordo com as
hipóteses de inidas no item imediatamente anterior e como se
tomará o cuidado de realizar a simulação hidrológica sempre
simulando as usinas mais próximas da cabeceira de cada cascata,
o que signi ica que as vazões de luentes das usinas a montante
da usina que se simula são conhecidas, então, a vazão a luente
média é conhecida em cada uma das usinas durante os cálculos
das grandezas do período t;
• Vazão de luente mínima da usina no período t (em m3/s): dado
decorrente do estado operativo da usina que pode ser assumido
como conhecido, uma vez que a simulação ocorre com curtos
intervalos de tempo.

A transição de estado se realiza por alguns cálculos de forma a se


conhecer o próximo estado hidrológico. As grandezas que devem ser cal-
culadas imediatamente são:
• Volume útil inicial do período t (em %): calculado em função
somente das grandezas do período t−1 e utilizado como estima-
tiva inicial nos cálculos iterativos das grandezas do novo período;
• Cota montante inicial do período t (em m): calculado em função
somente do volume inicial do período e do polinômio cota-vo-
lume do reservatório e utilizado como estimativa inicial nos cál-
culos iterativos das grandezas do novo período.

Tendo como ponto de partida esses dados e essas estimativas iniciais,


há algumas grandezas que devem ser calculadas de modo iterativo e que
devem sair em conjunto desse modo iterativo. O item seguinte descreve

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 290
essas grandezas e detalha o processo iterativo desenhado para obtê-las a
partir dos dados calculados ou históricos disponíveis.

12.22 Algoritmo iterativo de cálculo das grandezas


O método iterativo é necessário por haver relações implícitas e não line-
ares entre as decisões – potência média durante o período em cada usina
– e as grandezas necessárias para a simulação hidráulica. Dentro do algo-
ritmo de cálculo das grandezas do novo estado, esse método iterativo é
responsável por retornar as seguintes informações:
• Volume médio da usina no período t;
• Cota montante média da usina no período t;
• Vazão turbinada média da usina no período t;
• Cota jusante média da usina no período t;
• Queda bruta média do período t;
• Perda de carga média do período t;
• Queda líquida média do período t;
• Produtividade especí ica média da usina no período t;
• Produtividade média da usina no período t.

Com o cálculo dessas grandezas, completa-se o conjunto de simula-


ções necessárias para se conhecer o ponto operativo da usina e procede-
-se com o cálculo das demais usinas a jusante até que todas tenham sido
processadas. Então, inaliza-se a simulação do período t e procede-se para
períodos posteriores, se houver.

12.23 Ordem de cálculo das Usinas

Conforme pode ser visto na Figura 12.20, os dados de vazão a luente nas
usinas dependem das vazões de luentes nas usinas a montante da sua posi-
ção. Por isso, a ordem de simulação deve ser de montante para jusante.
Isso foi obtido no simulador pela construção de uma ila de processa-
mento de cada intervalo de tempo em que sempre se garante que dadas
duas usinas U1 e U2, se U2 está a montante de U1, garante-se que U2 apa-
recerá na ila à frente de U1, e, portanto, será processada primeiro.

291 Concepção da Plataforma IRIS


Dessa forma, quando se inicia a simulação de uma usina Ui, garante-
-se que todas as usinas a montante de Ui já foram simuladas e seus esta-
dos operativos são meros dados para a usina Ui.

Figura 12.20 Fluxograma do algoritmo iterativo

(VWLPDUSURGXWLYLGDGH ,QLFLDOL]DUFRQWDGRU
UNW UNW N 

(VWLPDUYD]mRWXUELQDGD
TNW 3WUNW

(VWLPDUYROXPHPpGLRFRWDPRQWDQWHPpGLD
SHUGDGHFDUJDFRWDMXVDQWHHTXHGDOtTXLGD
,QFUHPHQWDUFRQWDGRUH
YNW I TNW
FDOFXODUQRYDHVWLPDWLYD
FPNW I YNW N N
SFNW I TNW TNW 3WUNW
FMNW I TNW
KONW FPNWFMNWSFNW
1®2

(VWLPDUQRYDSURGXWLYLGDGH 1RYDHVWLPDWLYDHVWiSHUWR
GDXVLQD RVXILFLHQWH"
UNW I 3WTNWKONW OO3WUNWTNWOOWRO

6,0

&DOFXODUHVWLPDWLYDVILQDLV
UW UNW
TW 3WUW
YW I TW
FPW I YW
SFW I TW
FMW I TW
KOW FPWFMWSFW
UW I 3WTWKOW

),0

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 292
Resultados

As análises demonstraram que os resultados obtidos do simulador hidro-


lógico são coerentes e, portanto, con iáveis para serem utilizados no simu-
lador IRIS. Vale salientar que algumas análises feitas não obtiveram uma
precisão muito grande, devido aos modelos simples adotados. Contudo,
foram su icientes para veri icar que os dados são condizentes entre si. As
regressões feitas se mostraram adequadas, gerando funções que forne-
cem a energia gerada de forma razoável.
Os resultados foram similares aos observados na primeira etapa,
com algumas diferenças importantes. A mais relevante é o fato de que,
em alguns momentos de medição, os dados não são con iáveis ou estão
ausentes. Isso ocorre, principalmente, nos dados mais antigos. Outro
ponto a ser observado, já citado anteriormente, é que dada a presença de
nós no sistema, algumas análises feitas, especialmente no que se refere
aos estudos das vazões de uma usina com a usina seguinte, não foram
conclusivas.
Os conjuntos de dados fornecidos tanto pelo ONS como pela ANA
são muito similares, mantendo-se idênticos em alguns períodos. Para um
pequeno conjunto de datas, a ANA não apresenta dados ou apresenta com
alguma pequena diferença em relação aos obtidos do ONS.

12.24 Estrutura do Simulador IRIS

Visualização Georreferenciada

Como visto na seção 12.15, o framework do simulador IRIS contemplou


uma importante fase de desenvolvimento que foi o georreferenciamento
de todos os barramentos do SIN contidos no deck ANAREDE (Cepel,
2011). Esse processo foi identi icado como vital para que seja possível
determinar as injeções e cargas em pontos da rede conhecidos e em pon-
tos que ainda não existem (por exemplo, para simular a entrada de um
novo gerador eólico em qualquer geolocalização do território brasileiro).
O processo também foi importante para poder visualizar e avaliar os
resultados da simulação, uma vez que, no caso de várias análises, é muito
di ícil ou impossível realizar de forma analítica.

293 Concepção da Plataforma IRIS


Como apresentado na Figura 12.21, pode-se avaliar possíveis garga-
los regionais de transmissão através da visualização georreferenciada dos
luxos nas linhas de transmissão do SIN. Além disso, também é possível
avaliar os impactos regionais nas tensões das linhas de transmissão neste
mesmo intervalo da simulação, como também visto na Figura 12.22.

Figura 12.21 Visualização dos fluxos nas linhas de um intervalo de


tempo do simulador IRIS

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 294
Figura 12.22 Visualização dos fluxos nas linhas de um intervalo de
tempo do simulador IRIS

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

Como será evidenciado na Figura 12.23 adiante, o pacote responsável


pelo georreferenciamento da rede é o geogrid, enquanto o responsável
pela criação da visualização georreferenciada de cada estágio da simula-
ção é o gridviewer, como pode ser visto nas Figuras 12.25 e 12.26.

12.25 Processo de simulação


O processo de simulação provido pelo framework IRIS pode ser dividido
didaticamente em seis fases:
• Fase 1: carregamento, processamento e indexação dos dados
básicos do grid para a simulação;
• Fase 2: preparação para a simulação - carregamento dos dados já
processados e indexados para iniciar a simulação;
• Fase 3: de inição das condições iniciais para a simulação da pro-
gramação da operação;

295 Concepção da Plataforma IRIS


• Fase 4: simulação da programação da operação;
• Fase 5: de inição das condições iniciais para a simulação da ope-
ração em tempo real;
• Fase 6: simulação da operação em tempo real.

Cada uma dessas fases será descrita, em detalhes, a seguir.

12.26 Fase 1: dados básicos do grid para a simulação

Como pode ser visto no diagrama da Figura 12.23, essa fase começa pela
construção do insumo mais básico e fundamental para todo o processo de
simulação. Tal insumo (que é o resultado dessa fase) é o grid georreferen-
ciado equivalente ao grid o icial (formato ANAREDE) só que em formato
Pandapower (Thurner et al., 2018). Vale, antes de tudo, salientar que o
framework de estudos de sistema de potência Pandapower foi escolhido
por ser escrito em linguagem computacional Python, que é uma linguagem
muito poderosa e versátil e que vem sendo adotada com a linguagem das
executoras desse projeto de P&D, e por ter todos os recursos que foram pro-
jetados para o simulador IRIS. Assim, como mostra o diagrama da Figura
12.23, o processo dessa fase pode ser explicado da seguinte maneira:
1. Um deck ANAREDE (em formato PWF e que foi disponibilizado
pelo ONS à equipe do projeto IRIS) que representa o grid do
SIN e é processado pelo pacote anaparser, contido no pacote
deckgrid. O pacote anaparser processa o deck ANAREDE e faz
a primeira conversão para o formato de rede Pandapower. Em
seguida, o pacote deckgrid padroniza alguns aspectos dessa rede
e a salva em diversos formatos (Pandapower Grid, XLS e JSON)
na plataforma Venidera Miran. Dessa forma, caso um mesmo
deck ANAREDE venha a ser apresentado ao pacote deckgrid, ele
detectará que esse deck já foi processado e localizará a rede na
plataforma Miran, tornando desnecessário o reprocessamento
desse deck, a não ser que o usuário force tal reprocessamento;
2. Em seguida, o pacote geogrid consome uma rede Pandapower gerada
pelo pacote deckgrid e faz uma análise georreferenciada de cada um
dos barramentos dessa rede a partir da nomenclatura de cada um
dos barramentos. O pacote geogrid começa analisando nomes simi-

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 296
lares dos dois nós de uma dada linha de transmissão e checa se uma
linha similar está cadastrada em bases georreferenciadas da ANEEL
(BIG/SIGEL), do ONS (SINDAT) e da plataforma Miran (base estru-
turada e georreferenciada de usinas). Finalmente, o pacote geogrid
passa a analisar a aproximação léxica dos nomes de subestações e
outros barramentos do SIN. Todo esse processo usa algoritmos de
inteligência de máquina e processamento GIS para checar nomes,
níveis de tensão, regiões brasileiras, entre outros;
3. Ao inal dessa fase, o pacote geogrid padroniza os dados da
rede Pandapower, recém georreferenciada, e realiza um luxo
de potência AC para avaliar sua factibilidade. Assim, o resultado
desse processo é salvo na plataforma Venidera Miran novamente
em vários formatos (Pandapower Grid, XLS e JSON).

Com essa fase concluída, as próximas fases já dizem respeito ao pro-


cesso de simulação e podem ser executadas sucessivamente quantas
vezes se desejar, usando a rede Pandapower gerada fase.

Figura 12.23 Primeira fase do fluxo de simulação dos pacotes do simulador IRIS

)UDPHZRUN6LPXODGRU,5,6
)DVH'DGRVEiVLFRVGRJULGSDUDDVLPXODomR

'HFN$QDUHGH 3DQGDSRZHUJULG %DVH$1((/%,* 3DQGDSRZHU


9HQLGHUD0LUDQ

3:) 6,*(/ *HO*ULG


3DQGDSRZHU;/6 3DQGDSRZHU
%DVH2166,1'$7
*HR;/6
3DQGDSRZHU-621 ,QIRGHJHUDGRUHV
HVWDGRVHWF 3DQGDSRZHU
*HR-621
*HRUUHIrQFLDGR*ULG 3UHSDUDomRGRJULG

'HFNJULG
$QDSDUVHU SDGURQL]DomR
SRZHUIORZ

*HRJULG *HRJULG
DQiOLVHJLV SDGURQL]DomR
DQiOLVHWH[WXDO SRZHUIORZ

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação

297 Concepção da Plataforma IRIS


12.27 Fase 2: preparação para a simulação

Nessa fase, conforme detalhado na Figura 12.24, inicia-se o processo de


simulação através do carregamento da rede Pandapower georreferen-
ciada, gerada na fase anterior, e de todos os outros dados e condições de
contorno necessárias para o processo de simulação. Assim, esse processo
pode ser descrito da seguinte forma:
1. Essa fase começa com o principal pacote do simulador IRIS, o
gridsim, carregando a rede Pandapower georreferencia e, em
seguida, disparando os processos de carregamentos de dados
e restrições operativas dos geradores. Para isso, ele invoca o
pacote irissupervisor, que é o responsável pela gestão da rede
Pandapower frente aos dados;
2. O pacote irissupervisor inicia-se carregando todas as restrições
de geradores cadastradas na plataforma Venidera Miran;
3. Em seguida, o pacote irissupervisor invoca o pacote deckparser,
que lê informações atualizadas e complementares sobre as restri-
ções dos geradores publicadas nos decks do DESSEM;
4. Após essa leitura, o “irissupervisor” indexa os dados provenien-
tes do DESSEM na rede “Pandapower”;
5. Finalmente, o irissupervisor invoca o pacote geninfoparser, que é
extremamente so isticado e que usa técnicas de aprendizado de
máquina e visão computacional, para “ler” os procedimentos de
rede e outros documentos do ONS para complementar ainda mais
e fazer um ajuste inal dos dados operativos dos geradores;
6. Com isso, o irissupervisor volta a indexar a rede para prepará-la
para o início do processo iterativo da simulação;
7. Como o irissupervisor está embutido em tempo de execução no
pacote gridsim, este passa também a estar pronto para o início da
simulação iterativa da próxima fase.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 298
Figura 12.24 Segunda fase do fluxo de simulação dos pacotes do simulador IRIS
)UDPHZRUN6LPXODGRU,5,6
)DVHSUHSDUDomRSDUDDVLPXODomR

3DUGDSRZHU*HR*ULG
9HQLGHUD0LUDQ

3yVRSHUDWLYR216
'GDGRV
3DUGDSRZHU*HR;/6 '(66(0 3URJUDPDomR216
,QIRUPDo}HV
3DUGDSRZHU*HR-621 GRVJHUDGRUHV 3URFHG5HGH216
,QIRGRVJHUDGRUHV *HVWmRVLPXODomR,5,6

*ULGVLP ,ULVVXSHUYLVRU ,ULVVXSHUYLVRU ,ULVVXSHUYLVRU


FDUUHJDGDGRV JHUDGRUHV ! LQGH[DomRGDUHGH LQGH[DomRGDUHGH
GRJULGLQtFLR EDUUDPHQWRVJULG GHVLPXODomR GHVLPXODomR
GDVLPXODomR OLPLWHVGRVJHU

'HFNSDUVHU *HQLQIRSDUVHU
JHUDGRUHV ! OLPLWHVGRVJHU
EDUUDPHQWRVJULG
OLPLWHVGRVJHU

/HJHQGD
)OX[RGDVLPXODomR
3DFRWHSULQFLSDOGRVLPXODGRU,5,6

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

12.28 Fases 3 e 4: condições Iniciais / simulação da


programação da operação

A fase 3 do framework IRIS, conforme detalhado na Figura 12.25, dá início


ao processo de simulação da programação da operação. Para isso, as con-
dições iniciais devem ser passadas ao pacote gridsim:
• Data de início do período de simulação;
• Data de im do período de simulação;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os nós de carga. Padrão = 1;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores despacháveis (hidrelétricas e termelétricas)
após o despacho. Padrão = 1;

299 Concepção da Plataforma IRIS


• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores não despacháveis (solares, PCHs, CGHs, entre
outros). Padrão = 1;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores eólicos. Padrão = 1;
• Nome do deck ANAREDE que gerou a rede Pandapower e que se
deseja utilizar no processo de simulação;
• Escalonar a carga no processo de simulação (sim/não). Se não, o
valor que está ixo na rede é mantido em todos os intervalos de
tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores despacháveis no processo de simulação
(sim/não). Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos
em todos os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores não despacháveis no processo de simulação
(sim/não). Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos
em todos os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores eólicos no processo de simulação (sim/não).
Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos em todos
os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Nome (na plataforma Venidera Miran) da série temporal de pre-
visão de carga que será utilizada;
• Nome (na plataforma Venidera Miran) da série temporal de pre-
visão de geração eólica que será utilizada;
• Lista de geradores conectados ao CAG;
• Lista de geradores que devem obrigatoriamente ser ligados des-
pachando sua potência instalada;
• Lista de geradores que devem estar obrigatoriamente desligados;
• Formatos de arquivos para salvar durante e após a simulação.
Formatos suportados: Pickle, XLSX, JSON e HTML (visualização
georreferenciada no mapa, como o da Figura 12.22, por exemplo).

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 300
Figura 12.25 Terceira e quarta fases do fluxo de simulação dos
pacotes do simulador IRIS

)UDPHZRUN6LPXODGRU,5,6
)HVH&RQGLo}HV,QLFLDLV )DVH6LPXODomRGDSURJUDPDomRGDRSHUDomR
*HVWmRVLPODomR,5,6 9HQLGHUD0LUDQ

3yVRSHUDWLYR216
5HVXOWDGRV,5,6 'DGRVGD$1$
SURJUDP2SHUDomR 3URJUDPDomR216

3URFHG5HGH216

*ULGVLP *ULGVLP ,ULVVXSHUYLVRU *ULGVLP


LQtFLRGD
7L (
LQLFLDWRGRV FKHFDKLVWyULFRGD (3UHSDUD
VLPXODomR LQWHUYDORVGR VLPXO5HVSHLWDU ( ($ORFD
7Q >WBGQ GLDL OLPLWHVGRVJHU (3URJUDPD
BLQLWBGQBILP@

*ULGVLP *ULGORDG *ULGJHQ +LGURVLQ *ULGRSW


*HVWmRGHGDGRV

FRPSLODomR FDUUHJDH FDUUHJDHDSOLFD FKHFDYLDELOLGDGH ID]GHVSDFKR


GRVUHVXWDGRV DSOLFDQRJULG QRJULGDJHUDomR HVWDGRRSHUDWLYRV '&yWLPRH
DFDUJDSDUD HyOLFDSUHYLVWDSUD GDV8+(V DYDOLD$&
RSUy[GLD RSUy[GLD
*ULGYLHZHU
JHUDYLVXDOL]DomR
),0 6,0 1®2 ,!QBGLDV" , L JHRUUHIHUHQFLDGD

/HJHQGD
)OX[RGDVLPXODomR
5HWURDOLPHQWDomR/RRS)DFWLELOL]DomRKLGUROyJLFD
3DFRWHSULQFLSDOGRVLPXODGRU,5,6

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação .

Após con igurados os parâmetros básicos da simulação, é iniciada a


fase 4, na qual todas as condições de contorno do problema são de inidas,
principalmente no que diz respeito aos limites e condições operativas dos
geradores termelétricos e hidrelétricos. Assim, esse processo pode ser
descrito da seguinte maneira:
1. O pacote gridsim requisita a execução do pacote gridload. Este,
por sua vez, carrega da plataforma Venidera Miran a previsão de
carga para o período de simulação e aplica a previsão da primeira
hora (ou meia hora) do intervalo em todas as barras de carga em
uma cópia da rede Pandapower georreferenciada, a qual repre-
sentará a rede neste primeiro intervalo de tempo;

301 Concepção da Plataforma IRIS


2. Em seguida, o pacote gridgen também carrega as gerações eóli-
cas previstas da plataforma Venidera Miran e aplica as previsões
de geração eólica nos barramentos da rede que representam os
geradores eólicos. Finalmente, ele passa essa rede con igurada
para o pacote irissupervisor;
4. A partir desse ponto, o pacote gridsim começa um processo de
checagem da factibilidade operativa do intervalo de tempo atual
de simulação. Para isso, ele dispara a execução do pacote irissu-
pervisor, que é o responsável por fazer a gestão e supervisão do
estado da rede;
5. O pacote irissupervisor checa todo o histórico de simulação de
cada um dos geradores para avaliar se todos estão respeitando
suas respectivas condições operativas (geração mínima, máxima,
rampas, entre outros) e as condições hidrológicas através do
acionamento do pacote hidrosin. Após fazer essa checagem e
alterar a rede Pandapower para que todas essas condições sejam
rigorosamente atendidas, ele dispara o processo de despacho dos
geradores;
6. O pacote gridopt faz o despacho dos geradores objetivando mini-
mizar os luxos nas linhas de transmissão com maior capacidade
de transmissão para todos os intervalos de tempo do dia seguinte.
Esse processo está, implicitamente, minimizando também as per-
das de transmissão. Ao inal desse processo, são obtidas as redes
para todos os intervalos de tempo com os despachos ótimos dos
geradores para cada intervalo de tempo de maneira isolada. Esse
processo é chamado de preparação para a programação da ope-
ração e é denotado por E1 na Figura 12.25;
7. Em seguida, é iniciada a fase E2, na qual são analisados os des-
pachos da fase E1 para que seja possível de inir a alocação dos
geradores que são consistentemente necessários durante todo o
próximo dia operativo. Ao inal desse processo, os geradores são
inalmente alocados e a programação operativa é de inida para
o dia seguinte. Quando isso acontece, o pacote gridviewer pode
ser invocado para desenhar no mapa o grid georreferenciado que
representa a solução de despacho de cada intervalo de tempo;

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 302
8. Finalmente, o pacote gridsim checa se deve simular mais um
dia de simulação (se ). Se o processo de simulação deve conti-
nuar, então, volta-se ao passo 1. Caso contrário, o pacote gridsim
compila todos os resultados da simulação e envia à plataforma
Venidera Miran.

Após terminar a simulação da programação da operação para o pró-


ximo dia operativo, a simulação da operação em tempo real pode ser ini-
ciada (fase 5).

12.29 Fases 5 e 6: condições iniciais / simulação da


operação em tempo real

A fase 5, detalhada na Figura 12.26, tem como objetivo simular as con-


dições impostas aos geradores despacháveis de modo que eles ajudem a
promover o acompanhamento da carga aferida em tempo real, visto que
essa carga difere da carga prevista utilizada pela programação da opera-
ção. Dessa forma, pequenos ajustes devem ser feitos (redespacho) nesses
geradores em tempo de operação. Além disso, em tempo real, esse redes-
pacho pode ser feito sem o acompanhamento das condições hidrológicas,
pois tais condições não variam muito dentro de um dia operativo. Assim,
se a programação da operação respeitou as condições hidrológicas, a ope-
ração em tempo real atenderá por consequência.
Portanto, a despeito dessas duas nuances, citadas acima, e do passo
de simulação (que agora é feito na base de minutos e não mais de horas),
o processo de simulação em tempo real é descrito a seguir.
Inicialmente, da mesma maneira que na programação da operação, as
condições iniciais (fase 5) devem ser passadas ao pacote gridsim:
• Data de início do período de simulação;
• Data de im do período de simulação;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os nós de carga. Padrão = 1;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores despacháveis (hidrelétricas e termelétricas)
após o despacho. Padrão = 1;

303 Concepção da Plataforma IRIS


• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores não despacháveis (solares, PCHs, CGHs, entre
outros). Padrão = 1;
• Fator de ajuste (normalmente em torno de 1) a ser aplicado a
todos os geradores eólicos. Padrão = 1;
• Nome do deck ANAREDE que gerou a rede Pandapower e que se
deseja utilizar no processo de simulação;
• Escalonar a carga no processo de simulação (sim/não). Se não, o
valor que está ixo na rede é mantido em todos ao intervalos de
tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores despacháveis no processo de simulação
(sim/não). Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos
em todos os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores não despacháveis no processo de simulação
(sim/não). Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos
em todos os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Escalonar geradores eólicos no processo de simulação (sim/não).
Se não, o valores que estão ixos na rede são mantidos em todos
os intervalos de tempo. Padrão: sim;
• Nome (na plataforma Venidera Miran) da série temporal de carga
aferida que será utilizada;
• Nome (na plataforma Venidera Miran) da série temporal de gera-
ção eólica aferida que será utilizada;
• Lista de geradores conectados ao CAG;
• Lista de geradores que devem obrigatoriamente ser ligados des-
pachando sua potência instalada;
• Lista de geradores que devem estar obrigatoriamente desligados;
• Formatos de arquivos para salvar durante e após a simulação.
Formatos suportados: Pickle, XLSX, JSON e HTML (visualização
georreferenciada no mapa, como o da Figura 12.22, por exemplo)

Após con igurados os parâmetros básicos da simulação, é iniciada a


fase 6:
1. O pacote gridsim requisita a execução do pacote gridload. Este,
por sua vez, carrega da plataforma Venidera Miran a carga aferida

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 304
para o período de simulação e aplica a carga do primeiro minuto
do intervalo em todas as barras de carga em uma cópia da rede
Pandapower georreferenciada, que representará a rede neste pri-
meiro intervalo de tempo;
2. Em seguida, o pacote gridgen também carrega as gerações eólicas
aferidas da plataforma Venidera Miran e aplica as gerações eóli-
cas aferidas nos barramentos da rede que representam os gera-
dores eólicos;
4. A partir desse ponto, o pacote gridsim começa um processo de che-
cagem da factibilidade operativa do intervalo de tempo atual de
simulação. Para isso, ele dispara a execução do pacote irissupervisor,
responsável por fazer a gestão e supervisão do estado da rede;
5. O pacote irissupervisor checa todo o histórico de simulação de
cada um dos geradores para avaliar se todos estão respeitando
suas respectivas condições operativas (geração mínima, máxima,
rampas, entre outros). Após fazer essa checagem e alterar a rede
Pandapower para que todas essas condições sejam rigorosamente
atendidas, ele dispara o processo de redespacho dos geradores;
6. O pacote gridopt faz um pequeno redespacho dos geradores obje-
tivando minimizar novamente os luxos nas linhas de transmis-
são com maior capacidade de transmissão;
7. Com os geradores ajustados, o pacote hidrosin é acionado para
calcular os estados operativos das usinas hidrelétricas neste
intervalo de tempo e juntar esses estados com os outros resul-
tados deste intervalo de simulação. Em seguida, o pacote grid-
viewer é invocado;
8. Nesse momento, o pacote gridviewer usa a rede Pandapower,
que contém todos os resultados do estágio corrente da simula-
ção e cria uma visualização georreferenciada em formato HTML,
e salva na plataforma Venidera Miran;
9. Finalmente, o pacote gridsim checa se deve simular mais um
intervalo de simulação (se ). Se o processo de simulação deve
continuar, então, volta-se ao passo 1. Caso contrário, o pacote
gridsim compila todos os resultados da simulação e envia à plata-
forma Venidera Miran.

305 Concepção da Plataforma IRIS


Figura 12.26 Quinta e sexta fases do fluxo de simulação dos
pacotes do simulador IRIS

)UDPHZRUN6LPXODGRU,5,6
)DVH&RQGLo}HV,QLFLDLV )DVH6LPXODomRGDRSHUDomRHPWHPSRUHDO
*HVWmR6LPXODomR,5,6 9HQLGHUD0LUDP

3yVRSHUDWLYR216
5HVXOWDGRV,5,6RSHUDomRWHPSRUHDO
'DGRVGD$1$
3URJUDPDomR216
5HVXOWDGRV,5,63URJUDP2SHUDomR
3URFHG5HGH216

*ULGVLQ *ULGVLQ *ULGVLQ ,ULVVXSHUYLVRU *ULGRSW


LQtFLRGD 7L LQLFLDWRGRV FKHFD FKHFDKLVWyULFR ID]UHGHVSDFKR
VLPXODomR7Q LQWHUYDORVGR IDFWLELOLGDGH GDVLPXO GRVJHUDGRUHV
>WBGQBLQLWBGQB GLD RSHUDWLYD 5HVSHLWDOLPLWHV
ILP@ GRVJHU

*ULGVLQ *ULGORDG *ULGJHP +LGURVLQ


FDUUHJDHDSOLFD
*HVWmRGHGDGRV

FRPSLODomR FDUUHJDQRJULGDJHUDomR FDOFXODRHVWDGR


GRVUHVXOWDGRV QRJULGFDUJD HyOLFDDIHULGDHP RSHUDWLYRGDV
DIHULGDHP WHPSRUHDO 8+(V
WHPSRUHDO
*ULGYLHZHU
),0 6,0 1®2 L!QBGLDV" L L JHUDYLVXDOL]DomR
JHRUUHIHUHQFLDGD

/HJHQGD
)OX[RGDVLPXODomR
3DFRWH3ULQFLSDOGRVLPXODGRU,5,6

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

12.30 Comentários Finais

O leitor atento desse capítulo pode perceber toda a complexidade de análise


e programação de múltiplos procedimentos do despacho e com dados (que
servem de insumo para todo o luxo de simulação) em diferentes formatos, lin-
guagens, localizações, fornecedores (ANEEL, EPE, CCEE, ONS, entre outros) e
padrões de um sistema integrado como aquele existente no Brasil e, em muitos
outros exemplos, inclusive, em casos que ultrapassam as fronteiras das Nações.
A complexidade da operação e seu agravamento nas diferentes ver-
tentes da indústria de energia elétrica com a inserção crescente das FRIs
foi abordada em capítulos precedentes. O projeto IRIS, desenvolvido den-
tro da legislação brasileira e sob coordenação da ANEEL em seu programa
de P&D, apresentou importante contribuição para o enfrentamento dos
mais diferentes aspectos dessa complexidade crescente. Esse capítulo
apresenta de maneira resumida o núcleo mais importante do projeto no
que concerne ao desenvolvimento tecnológico gerado ao longo do projeto.

Marcos Leone Filho, João Rodolfo Pires e Glaucon Diniz Garcia 306
Referências
CENTRO DE PESQUISAS DE ENERGIA ELÉTRICA – CEPEL. ANAREDE – Programa de Análise de
Redes V09.07.02 – Manual do Usuário. 2011.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO – ONS. Procedimentos de Rede. 2009. Disponível
em: https://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-ons/procedimentos-de-rede/vigentes. Acesso
em: 16 nov. 2020. Publicado em 2009.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Procedimentos de Rede – Módulo 7. 2015.
Disponível em: https://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-ons/procedimentos-de-rede/vigen-
tes. Acesso em: 16 nov. 2020. Publicado em 2015.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Guia Prático de utilização – Modelo
DECOMP – VERSÃO 24. 2016a. Disponível em: http://www.ons.org.br/download/agentes/pmo/
treinamentoPMO/02-Guia-pratico-DECOMP_2016.pdf. Acesso em: 30 out. 2016. Publicado em
2016a.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Guia Prático de utilização – Modelo
NEWAVE – VERSÃO 22. 2016b. Disponível em: http://www.ons.org.br/download/agentes/pmo/
treinamentoPMO/03-Guia-pratico-NEWAVE_2016.pdf. Acesso em: 30 out. 2016. Publicado em
2016b.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Mapa dinâmico do SIN. 2020a. Disponível
em: http://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-sin/mapas. Acesso em: 16 nov. 2020. Publicado em
2020a.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Organização ONS. 2020b. Disponível em:
http://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-ons/governanca/visao-geral. Acesso em: 16 nov.2020.
Publicado em 2020b.
THURNER, L. et al. Pandapower – An Open-Source Python Tool for Convenient Modeling, Analysis,
and Optimization of Electric Power Systems. IEEE Trans. Power Syst., v. 33, n. 6, p. 6510–6521,
2018.

307 Concepção da Plataforma IRIS


RESULTADOS DA PLATAFORMA IRIS
13
Marcos Leone Filho
Manoel Henrique Marinho
Hugo Siqueira Valadares
Fabio Sandro dos Santos

13.1 Introdução

Neste capítulo, são abordados os resultados obtidos com a plataforma IRIS.


Nesse contexto, a seção 13.2 aborda os resultados obtidos no processo de
compilação de dados de entrada do simulador IRIS. Tais dados são essenciais
para contemplar os insumos requeridos pela plataforma IRIS para simular
cenários hipotéticos para os dois simuladores, detalhados no capítulo 12:
• Simulador IRIS de planejamento da operação:
 Previsão de carga para o dia seguinte;
 Previsão de geração eólica por subsistema para o dia seguinte.
• Simulador IRIS de operação em tempo real (podendo também ser
a representação de um dia no futuro também):
 Carga aferida por subsistema ou por barramento;
 Geração eólica aferida por subsistema ou por barramento.
A seção 13.3 apresenta, resumidamente, os resultados obtidos com a
plataforma IRIS, além de destacar alguns importantes resultados obtidos
no desenvolvimento do Projeto.

13.2 Desenvolvimentos relacionados a séries temporais

Uma série temporal pode ser considerada um conjunto de observações,


cada uma medida em um instante de tempo. A modelagem e a previsão
de séries temporais pertencem a um campo de investigação que tem por
objetivo de inir um modelo que se adéque às amostras conhecidas de um
determinado sistema para que seja possível representar o processo em
questão. De posse deste, é possível realizar inferências futuras, com vistas
a antecipar comportamentos e auxiliar etapas de planejamento e tomada
de decisão nas mais diversas áreas.
Nessa etapa do projeto IRIS, foram abordados estudos relativos à gera-
ção e à distribuição de energia elétrica. No primeiro caso, são discutidas
formas de realizar com mais acurácia a previsão de velocidade do vento
para geração eólica. Esses resultados foram detalhados em diferentes arti-
gos publicados em revistas especializadas. Para o leitor que tenha interesse
em um maior detalhamento, recomenda-se a leitura dessas publicações:
Ferreira et al. (2019), Camelo et al. (2018), Mattos Neto et al. (2020), Belotti
et al. (2020), Siqueira et al. (2020), Santos Junior et al. (2019).

Previsão de geração eólica

A geração eólica e, consequentemente, a previsão da velocidade do vento


representam um dos cernes do Projeto IRIS. Nessa etapa, foram realiza-
dos diversos experimentos com o intuito de alcançar resultados relevan-
tes no tocante a essas séries. Para tal, são apresentados os resultados de
dois ensaios: o primeiro trata da aplicação de técnicas de previsão hierár-
quica e o segundo relata a proposição e utilização de modelos híbridos.

Resultados da previsão hierárquica

Séries temporais de várias naturezas podem apresentar estrutura agre-


gada ou desagregada. Um exemplo é a amostragem de séries de veloci-
dade do vento, que podem ser medidas como o acumulado de horas ou de
dias. No último caso, a série diária nada mais é do que a agregação (soma-
tório) dos valores de velocidade medidos por 24 horas. Quando este é o
caso, pode-se dizer que as séries possuem uma estrutura hierárquica.
A previsão hierárquica é uma metodologia que procura se utilizar de
séries em diferentes níveis para incrementar as previsões dos modelos
realizadas com as séries únicas. No caso mencionado, isso signi ica que
podem ser realizadas previsões diárias com um modelo qualquer e estas
podem ser aproveitadas para elevar a acurácia das previsões horárias, fei-
tas com o mesmo modelo preditor. Observe que, apesar da natureza das

309 Resultados da Plataforma IRIS


amostras ter o mesmo gerador (vento), o comportamento estatístico de
ambas pode ser bastante diverso. Adicionalmente, com o distanciamento
do horizonte de previsão, a acurácia dos modelos de previsão tende a
diminuir. Para lidar com esse problema, 24 modelos foram treinados refe-
rentes aos valores medidos a cada hora do dia, visando gerar as previsões
para a mesma hora no dia seguinte.

Figura 13.1 Estrutura computacional do modelo preditor


'LD 'LD 'LD  'LD           
K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK
K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK
K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK
6pULH
WHPSRUDO K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK
FDUJD K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK
K K K K K K K K K K  K 3UHGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK

K
K K K K K K K K K  K 3UGLWRUSDUDK 3UHYLVmRWSDUDK

3DVVR$PDWUL]GRVGDGRVYHULILFDGRV 3DVVR%DVHDGRQRHVWXGRDQWHULRU 3DVVR8PPRGHOR 3DVVR$VSUHYLV}HV


GHFDUJDGD216GRVDQRVSDVVDGRV QRYDVVpULHVWHPSRUDLVVmRJHUDGDV pWUHLQDGRSDUDJHUDU VmRJHUDGDVVHPSUH
VmRDGTXLULGDVHDQDOLVDGDVXWLOL]DQGR &DGDVpULHSRVVXLRVYDORUHVYHULILFDGRV DSUHYLVmRGHXP XPGLDDQWHVGRGLDGD
IHUUDPHQWDVHVWDWtVWLFDV GD216SDUDXPGHWHUPLQDGRKRUiULR SDVVRjIUHQWHSDUD RSHUDomR
&RPRD216ID]DSUHYLVmRGHXPDHP FDGDGDVVpULHV
XPDKRUDVpULHVVmRJHUDGDV

Fonte: Elaboração dos autores.

A abordagem aqui utilizada é do tipo top-down, na qual a hipótese uti-


liza os padrões de comportamento da série agregada (diária) para incre-
mentar a desagregada (horária). A ideia é aplicar uma espécie de fator de
correção com base no comportamento histórico-temporal da série nível
superior. Foram abordados três métodos:
• Proporção média dos dados históricos em relação ao total;
• Média dos dados históricos em relação à média do total;
• Combinação ótima.

Para o conjunto de experimentos desenvolvidos, foi realizada a previ-


são com horizontes de P=1, 2 e 3 passos adiante, utilizando a rede neural
Máquina de Aprendizado Extremo - ELM. Foram usados dados de veloci-
dade do vento do Parque eólico em Emiliana (base wp2015), Geradora
EM01. O período considerado foi de 1 de janeiro de 2017 a 16 de setem-
bro de 2019, o qual apresenta 23.736 horas/989 dias.
A tarefa desenvolvida intencionava prever os dados reais. No caso
dos dados horários, as últimas 8.784 amostras são direcionadas ao teste e

Marcos Leone Filho et al. 310


as demais ao treinamento. No caso diário, o teste compreende os últimos
366 valores (1 ano).
Os resultados obtidos com a previsão direta da ELM estão apresen-
tados nas Tabelas 13.1 e 13.2, bem como os erros percentuais absoluto
médio (MAPE):

Tabela 13.1 Resultados para a Série Diária


Horizonte MAPE (%)
P=1 3,007
P=2 4,748
P=3 4,533
Fonte: Resultados dos experimentos.

Tabela 13.2 Resultados para a Série Horária


Horizonte MAPE (%)
P=1 3,211
P=2 7,537
P=3 7,512
Fonte: Resultados dos experimentos desenvolvidos pelos autores.

Como esperado, os resultados para 1 passo à frente, em geral, são os


mais acurados. Embora para P=3 tenha se alcançado menor erro que P=2,
os desempenhos são muito parecidos.
Na etapa seguinte, foram implementados os métodos de correção
da previsão hierárquica, com vistas à melhoria da série desagregada. Os
resultados computacionais estão sumarizados na Tabela 13.3, levando-se
em conta também o MAPE (em m/s).

Tabela 13.3 Resultados para a Aplicação do fator de correção (hierárquico)


Horizonte Prop. Média Média Comb. Ótima
P=1 15,6678 16,3468 6,4127
P=2 15,6784 16,6862 4,0322
P=3 15,8596 16,7269 3,8751
Fonte: Resultados dos experimentos desenvolvidos pelos autores.

Como é perceptível, os dois primeiros métodos não trouxeram ganhos


de desempenho. Apesar do fator de correção levar em conta o comporta-

311 Resultados da Plataforma IRIS


mento global da série agregada, nesses casos, a rede neural se apresentou
mais adequada. Entretanto, o método de combinação ótima que envolve
gerar os fatores de correção com base não nos dados históricos, mas
na própria previsão agregada, permitiu para o horizonte P1 encontrar
ganhos consistentes em termos do erro percentual.

Resultados do modelo híbrido

Os resultados obtidos com a aplicação do modelo híbrido são apresen-


tados nesta seção. Maiores detalhes também podem ser encontrados em
artigos publicados em importantes revistas especializadas: Ferreira et
al. (2019), Camelo et al. (2018), Mattos Neto et al. (2020). Os modelos
híbridos têm ganhado importante destaque na sua capacidade de realizar
previsões acuradas. Nessa metodologia, a série temporal é modelada por
um método linear e o respectivo resíduo é previsto com uma rede neural.
A hipótese desenvolvida indica que as séries podem ser decompostas em
padrões lineares e não-lineares. Modelos lineares são capazes de mapear
padrões lineares. No entanto, em séries de aplicações reais, frequente-
mente são encontrados tanto padrões lineares como não-lineares, sendo
necessária uma abordagem adicional para lidar com esse contexto. Sendo
assim, os resíduos produzidos por um modelo linear são considerados
por apresentarem apenas padrões não-lineares. Uma forma simples de
produzir a previsão inal é através da soma das previsões dos modelos,
cabendo a ressalva de que essa abordagem assume que a relação entre as
previsões seja linear, podendo reduzir a acurácia da previsão inal.
Outro fator importante na previsão de velocidade do vento é a uti-
lização de variáveis exógenas que podem contribuir para a construção
de um modelo de previsão mais preciso. Sendo assim, essa investigação
comparou o desempenho de modelos individuais (ARIMA e ARIMAX), da
abordagem de soma (ARIMA e ARIMAX com resíduos previstos pela MLP
e SVR) e a utilização de modelos não lineares como combinador (MLP e
SVR). Note que a diferença entre ARIMA e ARIMAX está no fato do último
permitir a utilização de variáveis exógenas.
As Figuras 13.2 e 13.3 mostram, de forma resumida, os processos de
treinamento (ajuste dos modelos) e teste (veri icação de desempenho).
Ressalta-se que essa metodologia com tais combinadores é inédita na lite-
ratura, sendo uma contribuição original da equipe.

Marcos Leone Filho et al. 312


Figura 13.2 Método proposto – Treinamento

7UDLQLQJ 7UDLQLQJGDWDDQG
GDWD H[RJHQRXVYDULDEOHV
'DWDEDVH

$5,0$PRGHO $5,0$;PRGHO
7UDLQLQJ
)D GDWD )[

(UURUFDOFXODWLRQ (UURUFDOFXODWLRQ

06$D(D)D 06([([)[

1R <HV
06(D!06([

(D ([
0DFKLQH/HDUQLQJPRGHO
)D )Q )[

1RQOLQHDUFRPELQDWLRQ

)]
Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.3 Método proposto – Teste


=T

1R \HV
$5,0$ 758(

([RJHQRXV
YDULDEOHV
$5,0$;PRGHO 'DWD $5,0$PRGHO
EDVH

(T

0DFKLQH/HDUQLQJPRGHO

)/ )1 )/

1RQOLQHDUFRPELQDWLRQ

)]T
Fonte: Elaboração dos autores.

313 Resultados da Plataforma IRIS


Os testes foram conduzidos utilizando-se a velocidade do vento (em
mps) de bases de dados de Recife e de Fortaleza. Os grá icos de tais dados
encontram-se nas Figuras 13.4 e 13.5. As variáveis pressão, temperatura
e precipitação são utilizadas como exógenas. Os dados são de amostragem
mensal totalizando 144 dados (12 anos).

Figura 13.4 Base Fortaleza – velocidade do vento (m/s)














       


Fonte: Elaboracão dos autores.

Figura 13.5 Base de Recife – velocidade do vento (m/s)










       
Fonte: Elaboracão dos autores.

O conjunto de dados foi separado com os 20 últimos pontos sendo


utilizados para teste e os demais para ajuste (treinamento). Os resulta-
dos para cada base para os dois conjuntos encontram-se sumarizados na
Tabela 13.4.

Marcos Leone Filho et al. 314


Tabela 13.4 Resultados para o subsistema Centro-Oeste/Sudeste (%)
Série Modelo Treinamento Teste
MSE MAPE MSE MAPE
Fortaleza ARIMA 0,0891 9,1537 0,1306 10,1046
ARIMAX 0,0543 7,0101 0,1097 9,7459
Recife ARIMA 0,2216 9,3301 0,0811 13,1563
ARIMAX 0,1656 8,0192 0,0579 11,1581
Fonte: Elaboracão dos autores.

Observa-se, nesses casos, que o modelo ARIMAX foi superior, tra-


zendo um importante indicativo de que a inclusão de variáveis exógenas
tem a capacidade de melhorar o desempenho dos modelos.
Nas Tabelas 13.5 e 13.6, são mostrados os resultados computacio-
nais relativos ao conjunto de testes das propostas apresentadas anterior-
mente. Os termos MSE (%) e MAPE (%) mostram qual foi o ganho percen-
tual em relação aos modelos individuais.

Tabela 13.5 Resultados para a base de Fortaleza


Abordagem Modelo MSE MAPE MSE (%) MAPE (%)
Modelo Individual ARIMA 0,1306 10,10 - -
ARIMAX 0,1097 9,75 - -
Combinação Linear ARIMA + SVR 0,1291 9,97 1,13 1,35
ARIMA + MLP 0,1327 9,78 -1,60 3,23
ARIMAX + MLP 0,0823 7,67 25,02 21,27
ARIMAX + SVR 0,0859 8,02 21,67 17,68
Combinação Não-Linear MLP (ARIMA, SVR) 0,1181 9,23 9,56 8,62
SVR (ARIMA, MLP) 0,1240 9,60 5,07 4,95
SVR (ARIMAX, MLP) 0,0710 7,57 35,25 22,29
MLP (ARIMAX, SVR) 0,0774 7,71 29,48 20,84
Fonte: Elaboracão dos autores.

Os resultados apresentados mostram comportamentos importantes.


Para o caso de Fortaleza, a proposta de se utilizar uma abordagem de com-
binação de resíduos mostrou-se superior para praticamente todos os casos,
exceto para ARIMA+MLP. Entretanto, como bem se observa, o uso de um
combinador não-linear levou a ganhos de desempenhos relevantes, sendo,
inclusive, melhor que o caso do somatório. O melhor de todos os resulta-

315 Resultados da Plataforma IRIS


dos foi alcançado pela combinação SVR (ARIMAX, MLP). Além disso, ica
evidente que o uso de variáveis exógenas leva a ganhos mais consistentes.

Tabela 13.6 Resultados para a base de Recife


Abordagem Modelo MSE MAPE MSE (%) MAPE (%)
Modelo Individual ARIMA 0,0811 13,16 - -
ARIMAX 0,0579 11,16 - -
Combinação Linear ARIMA + SVR 0,0578 10,78 28,78 18,09
ARIMA + MLP 0,0642 11,27 20,89 14,31
ARIMAX + MLP 0,0412 8,33 28,90 25,37
ARIMAX + SVR 0,0424 9,06 26,78 18,84
Combinação Não-Linear MLP (ARIMA, SVR) 0,0571 10,56 10,49 19,73
SVR (ARIMA, MLP) 0,0597 10,79 9,37 17,99
SVR (ARIMAX, MLP) 0,0387 8,61 33,13 22,87
MLP (ARIMAX, SVR) 0,0396 8,34 31,66 25,29
Fonte: Elaboracão dos autores.

No caso de Recife, percebe-se um comportamento mais diverso. As


combinações lineares sem variáveis exógenas reduziram o valor dos erros
mais fortemente que a combinação não-linear. Entretanto, os melhores
resultados, novamente, são favoráveis à base ARIMAX, sobretudo, SVR
(ARIMAX, MLP) e MLP (ARIMAX, SVR), que chegaram aos menores MSE e
MAPE, respectivamente.
As Figuras 13.6 e 13.7 apresentam o comportamento dos diversos
modelos, considerando o conjunto de testes observado, ARIMA, ARIMAX,
e o modelo proposto que alcançou menores valores de MSE.

Figura 13.6 Previsão da velocidade do vento na cidade de Fortaleza





9HORFLGDGHGRYHQWR










       
0rV
5HDO $ULPD $ULPD[ 3URSRVWR

Fonte: Elaboracão dos autores

Marcos Leone Filho et al. 316


Figura 13.7 Previsão da velocidade do vento na cidade de Recife


9HORFLGDGHGRYHQWR










       
0rV
5HDO $ULPD $ULPD[ 3URSRVWR

Fonte: Elaboracão dos autores.

Previsão de Carga

Como é largamente sabido, a previsão de demanda de carga é utilizada no


planejamento e operação do sistema elétrico. Outras etapas também são
dependentes de tal previsão, como análise do luxo de potência, despacho
econômico e estabilidade do sistema. Nessa seção, são descritos os resul-
tados obtidos para a solução desse problema, utilizando-se ensembles. À
semelhança de outros desenvolvimentos, estes também foram objeto de
publicações cientí icas, neste caso, o Congresso Brasileiro de Inteligência
Computacional de 2019 (CBIC 2019) (Santos Junior et al., 2019).
No caso geral da literatura, modelos individuais são utilizados em
previsão, com destaque para o modelo linear Autorregressivo, da família
Box & Jenkins (Mattos Neto et al. 2020). Entretanto, essa abordagem pode
alcançar uma con iguração que leve a um baixo desempenho na modela-
gem de séries temporais reais, devido a sua menor capacidade de mode-
lagem, diretamente ligada à sua capacidade de mapear padrões lineares.
Nesse contexto, foi utilizada a aplicação de um ensemble evolucionário
de preditores com o objetivo de maximizar o desempenho dos preditores
individuais. O método desenvolvido utilizou um Algoritmo Genético (AG)
para treinar automaticamente os componentes do ensemble, utilizando-
-se um processo de validação cruzada para geração de diversidade. Na
sequência, são discutidas duas versões que empregam, respectivamente,
redes neurais do tipo Perceptron de Múltiplas Camadas (MLP) e Máquina
de Vetores de Regressão (SVR – na aplicação de quatro séries temporais,
as quais correspondem à demanda de carga diária dos subsistemas brasi-
leiros (Norte, Nordeste, Centro-Oeste/Sudeste e Sul).

317 Resultados da Plataforma IRIS


Na Figura 13.8, é apresentada a arquitetura do ensemble evolucionário
proposto para a previsão de cargas. O desempenho de um ensemble depende
da acurácia individual dos modelos e também da sua diversidade. Assim,
tal método tem como objetivo otimizar os hiper-parâmetros dos modelos,
assim como incentivar a diversidade entre eles. A otimização de parâme-
tros está ligada à minimização dos erros de previsão e é realizada através
de um algoritmo genético (AG). Por outro lado, a diversidade é alcançada
através do treinamento de modelos em diferentes subconjuntos dos dados.
O método utilizado é dividido em duas fases: treinamento e teste. A
primeira pode ser dividida em dois passos: divisão em subconjuntos e
busca e treinamento dos parâmetros dos componentes do ensemble pelo
AG. A fase de teste é também dividida em duas etapas: previsão de novos
exemplos (conjunto de teste) utilizando os n modelos treinados e a poste-
rior combinação das saídas dos modelos, gerando a previsão inal.
Como já mencionado, um dos aspectos importantes no desenvolvi-
mento de sistemas de múltiplos preditores é a geração de modelos diver-
sos. Nesse sentido, o AG ajusta cada modelo componente do ensemble
utilizando um subconjunto único proveniente dos dados de treinamento.
Tais subconjuntos são gerados a partir da validação cruzada ordenada no
tempo, a qual usa quatro folds (n=4).

Figura 13.8 Melhor Previsão para P=1 - Centro-Oeste/Sudeste

6pULH
WHPSRUDO

'LYLVmRHP
&RQMXQWRGH VXEFRQMXQWRV
WUHLQDPHQWR

$OJRULWPR
)DVHGH JHQpWLFR
WUHLQDPHQWR

)DVHGHHVWH
&RQMXQWR (QVHPEOH &RPELQDomR 3UHYLVmR
GHWHVWH GHPRGHORV ILQDO

Fonte: Elaboração dos autores.

Marcos Leone Filho et al. 318


Nos estudos desenvolvidos ao longo do projeto IRIS, foram utilizados
dados de demandas de carga diária dos quatro subsistemas brasileiros:
Centro-Oeste/Sudeste, Nordeste, Norte e Sul. As amostras correspondem
aos registros diários de 1 de fevereiro de 2017 a 09 de julho de 2019, tota-
lizando 889 dados para cada subsistema. Na Tabela 13.7, estão descritos
os valores de média e desvio padrão para cada série.

Tabela 13.7 Média e desvio padrão da demanda de carga


para cada subsistema
Subsistema Média (MWh) Desvio padrão
Centro-Oeste/Sudeste 8,7745×105 9,0126×104
Norte 1,2927×105 6,6126×103
Nordeste 2,4677×105
1,7238×104
Sul 2,6659×105
3,5026×104
Fonte: Elaboracão dos autores.

Os primeiros 709 valores são usados para treinamento e validação


dos modelos, e os últimos 180 registros (aproximadamente seis meses)
na fase de teste. Os resultados das duas versões do método proposto
( MLPESB e SVRESB ) são comparados a modelos comumente utilizados na
literatura de previsão: ARIMA, ELM, MLP e SVR. Foram escolhidas as últi-
mas 180 amostras de treinamento para validação cruzada.
A seleção dos retardos temporais foi realizada por meio de uma busca
exaustiva de até 20 entradas. Destas, as 14 primeiras foram selecionadas
para todos os modelos e para os quatro subsistemas estudados. A avalia-
ção da acurácia dos modelos foi realizada utilizando-se o erro quadrático
médio (MSE) e o erro absoluto percentual médio (MAPE), (em MWh).
O ensemble evolucionário proposto é avaliado em três horizontes de
previsão distintos (P=1, 2 e 3 passos à frente), totalizando 12 casos de
estudo. A previsão de múltiplos passos é realizada pelo método direto.
A Tabela 13.8 apresenta os resultados para o Sudeste/Centro Oeste. Já o
sistema Nordeste tem seus resultados apresentados na Tabela 13.9. Nos
demais submercados, também foram realizadas as mesmas anàlises; no
entanto, deixam de ser apresentadas neste capítulo para evitar uma lei-
tura tediosa. Todos os resultados estão apresentados nos artigos publica-
dos nas revistas cientí icas.

319 Resultados da Plataforma IRIS


Tabela 13.8 Resultados para o subsistema Centro-Oeste/Sudeste (MWh)
Modelo P=1 P=2 P=3
MSE MAPE MSE MAPE MSE MAPE
ARIMA 1,4324×10 9
3,078 2,8163×10 9
4,631 3,5874×10 9
5,214
MLP 9,9351×108 2,510 2,2339×109 4,056 3,0814×109 4,848
SVR 1,1004×10 9
2,530 3,3286×10 9
4,740 3,6990×10 9
5,004
ELM 1,4907×109 3,016 2,7215×109 4,405 3,5705×109 5,085
MLP_ENSEMBLEESB 1,0802×109 2,558 2,9118×109 4,452 4,5885×109 5,403
SVR_ENSEMBLEESB 1,0749×10 9
2,499 2,5056×10 9
4,247 3,1124×10 9
4,836
Fonte: Elaboracão dos autores.

Tabela 13.9 Resultados para o subsistema Nordeste (MWh)


Modelo P=1 P=2 P=3
MSE MAPE MSE MAPE MSE MAPE
ARIMA 7,4513×107 2,424 1,2011×108 3,208 1,3845×108 3,507
MLP 6,8288×107 2,427 1,3576×108 3,548 1,3079×108 3,446
SVR 5,6070×10 7
2,097 1,3075×10 8
3,420 1,5937×108 3,816
ELM 7,1563×107 2,456 1,0841×108 3,125 1,2742×108 3,450
MLP_ENSEMBLEESB 5,2684×10 7
2,045 1,1806×10 8
3,245 1,2406×10 8
3,392
SVR_ENSEMBLEESB 5,3505×10 7
2,030 9,8329×10 7
2,847 1,1465×10 8
3,142
Fonte: Elaboracão dos autores.

Foi também construída a Tabela 13.10 como forma de comparar os


modelos preditores que alcançaram os melhores desempenhos.

Tabela 13.10 Ranking dos melhores desempenhos


Model P=1 P=2 P=3 Total
MLP – – 1 1
SVR 3 1 1 5
ELM 1 3 2 6
Fonte: Elaboração dos autores.

Como bem se observa na Tabela 13.10, praticamente a totalidade


dos melhores resultados (92%) para cada caso foi obtida com o uso dos
ensembles, atestando-se a capacidade da metodologia em realizar a tarefa
de forma mais acurada do que modelos tradicionais.

Marcos Leone Filho et al. 320


As Figuras 13.9 e 13.10 mostram, para o conjunto de testes no Centro
Oeste/Sudeste e Nordeste, como se comportaram as previsões para P=1,
considerando-se o modelo que alcançou a melhor performance. À seme-
lhança do comentário anterior, para a simplicidade dessa apresentação, aqui
também estão apresentados apenas os resultados de dois sub mercados.

Figura 13.9 Melhor previsão para P=1 – Centro-Oeste/Sudeste







0:K








     
'LDV
5HDO3UHYLVWR
Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.10 Melhor previsão para P=1 – Nordeste







0:K






     
'LDV
5HDO 3UHYLVWR
Fonte: Elaboração dos autores.

Séries sintéticas de geração eólica

Conforme detalhado no Capítulo 8, entre as alternativas para mitigar os


efeitos nocivos da intermitência e aproveitar as virtudes das FRIs, a lite-

321 Resultados da Plataforma IRIS


ratura tem destacado a necessidade da evolução dos sistemas de predição
dos recursos renováveis e intermitentes. Nos últimos anos, têm-se intensi i-
cado as investigações sobre os ventos na região Nordeste do Brasil, uma vez
que se trata de um recurso considerado limpo e inesgotável (Alsaad, 2013),
(Kaoga et al., 2014) e (Kisito et al., 2015). Sabendo que essa localidade apre-
senta escassez de chuvas em grande parte do ano, a instalação de parques
eólicos na região pode ser uma alternativa para a redução da necessidade
de utilização de fontes energéticas não renováveis, tais como a água usada
nas hidrelétricas para o abastecimento energético da população desse ter-
ritório. É importante mencionar que a região apresenta disponibilidade de
vento em todos os meses do ano, com uma frequência mais elevada entre
agosto e novembro (Santos et al., 2016), (Carneiro et al., 2016).
Como forma de entender o comportamento da velocidade do vento
na região Nordeste do Brasil, nessa etapa do projeto IRIS, foram aplica-
dos vários tipos de modelos de distribuições de probabilidade no estudo
das séries de velocidade do vento. Entre esses modelos, o que apresentou
melhores resultados foi a distribuição Weibull-5p. Tais modelos foram apli-
cados em séries horárias de velocidade do vento, obtidas junto ao Instituto
Nacional de Meteorologia (INMET), em um período de aproximadamente
10 anos de observações. Analisou-se também se as séries obtidas no INMET
eram persistentes ou não ao longo dos anos. Para veri icar essa informação,
utilizou-se o método Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MFDFA).
Com os resultados encontrados, também foram desenvolvidas publicações
cientí icas, inclusive um mestrado apresentado na Universidade Federal
Rural de Pernambuco (UFRPE) (Santos Junior, 2019).
A base de dados utilizada no presente estudo foi obtida junto ao
INMET, com medições horárias em m/s, no período compreendido entre
1 de janeiro de 2004 e 29 setembro de 2018, totalizando mais de 120 mil
horas de observações de velocidade do vento. Tais observações corres-
pondem às informações coletadas em 136 estações meteorológicas dis-
tribuídas em diferentes localidades da região Nordeste do Brasil, como
pode-se veri icar na Figura 13.11. A área geográ ica estudada abrange,
aproximadamente, 1.561.177,8 km, o que representa 18,3% do território
brasileiro, e possui um total de nove estados com uma população esti-
mada em 53.081.950 de habitantes. A velocidade do vento médio anual
dessa região, medida em uma altitude de 10 m, está entre 0,5 e 5,5 m/s
(Silva dos Santos e Santos e Silva, 2013).

Marcos Leone Filho et al. 322


Figura 13.11 Localização geográfica das estações distribuídas na
região Nordeste brasileira

Fonte: Elaboração dos autores.

Metodologias utilizadas

Modelo de distribuição Weibull-2p

A função densidade de probabilidade (FDP) da Weibull-2p vem sendo


usada repetidamente na veri icação do potencial eólico e da viabilidade de
instalação de parques eólicos, como nos trabalhos de Dokur et al. (2017),
Akgül et al. (2016), Rosa Filho et al. (2018). A FDP da Weibull-2p pode ser
de inida conforme a expressão matemática da Equação 1.

x
 1
  x  
fW  x; ,      exp      x; ,   0 , (1)
     

em que fW  x; ,   é a probabilidade calculada da velocidade do


vento x,  e  são parâmetros de forma e escala, respectivamente.

323 Resultados da Plataforma IRIS


Além disso, pode ser usada a Função de Distribuição Acumulada
(FDA) para denotar o potencial de velocidade do vento na região em
estudo. A FDA da distribuição Weibull-2p está de inida na Equação 2.

  x  
FW  x; ,    1  exp      x; ,   0 (2)
    

Modelo de distribuição Burr

As aplicações da distribuição Burr aos dados de velocidade de vento são


mais recentes em comparação às realizadas pela distribuição Weibull-2p.
Entretanto, os resultados obtidos têm-se mostrado bastante promissores
e seu modelo tem sido cada vez mais empregado no estudo dos potenciais
eólicos de regiões propícias à instalação de usinas que permitam o apro-
veitamento dos ventos para geração de energia (Allouhi et al., 2017).
As Equações 3 e 4 expressam, respectivamente, a FDP e a FDA da dis-
tribuição Burr.

x 1
f B  x; , , c   1 
x,  , , c  0

  x   (3)
c 1    
  c  

FB  x; , , c   1  1  x   x, , , c  0,

(4)

em que expressa a probabilidade da velocidade do vento , α e c são os


parâmetros de escala e γ o parâmetro de forma.

Mistura de duas distribuições Weibull


Em particular, propondo-se a combinação de dois modelos de distribuição
Weibull, uma com dois parâmetros e outra com três parâmetros, a expressão
que pode ser visualizada na Equação 5 é obtida de Bracale et al. (2017).

1  v 
1 1
 v
1
  v 
 2 1
  v 2 
ff 2.2  v   p   exp     1  p  2   exp      , (5)
1  1  
 1 2  2    2  
 

Marcos Leone Filho et al. 324


em que v é a velocidade do vento média horária (em m/s) maior que zero,
p e 1-p são os pesos dados à distribuição, 1 e  2 são parâmetros de
forma e 1 e 2 são parâmetros de escala. Esse modelo de distribuição é
conhecido como distribuição Weibull de cinco parâmetros (Weibull-5p).

Método de Máxima Verossimilhança (MMV)

Para a estimação dos parâmetros de forma e de escala dos modelos ado-


tados neste trabalho, existe uma variedade de métodos. Contudo, devido a
sua imensa aplicabilidade estatística e aos resultados encontrados na lite-
ratura, adotou-se o Método de Máxima Verossimilhança (Alavi et al., 2016).
Esse método é tido como um dos melhores para a estimação de parâ-
metros das distribuições de probabilidade. Em sua busca, o estimador de
máxima verossimilhança é o valor que maximiza a função de verossimi-
lhança. Matematicamente, pode-se expressá-la segundo a Equação 6.

n
L  ; x1 , , xn    f  xi ;   (6)
i 1

Critérios de seleção do ajuste das distribuições


Weibull-2p e Burr e medidas de acurácia

Na veri icação da bondade dos ajustes realizados pelos modelos de dis-


tribuições às bases de dados, foram utilizados o Critério de Informação
de Akaike (AIC), o Critério de Informação Bayesiano (BIC) e as estatísti-
cas Anderson-Darling (AD), Média Percentual Absoluta do Erro (MAPE) e
Desvio Padrão Absoluto da Média (MAD).
Na observação dos resultados dos critérios AIC e BIC, quanto meno-
res os valores encontrados para essas medidas, melhores são os ajustes
realizados pelas distribuições. O teste estatístico de Anderson-Darling
pode ser usado para de inir a melhor adequabilidade de uma determi-
nada distribuição de probabilidade em relação à outra distribuição em
um conjunto de dados (Yilmaz e Çelik, 2011). Para as medidas de acurácia
MAPE e MAD e avaliação dos erros associados aos ajustes, quanto mais
próximo de zero for o valor da estimativa encontrada, melhor é o ajuste da
distribuição à série histórica de velocidade do vento. A Tabela 13.11 exibe
as expressões matemáticas para cada uma dessas estatísticas.

325 Resultados da Plataforma IRIS


Tabela 13.11 Definições estatísticas dos critérios de seleção de
modelos e das medidas de acurácia
Estatística Fórmula Matemática

AIC AIC  2 log  L   2  p  1  1

BIC BIC  2 log  L    p  1  1 log  n 

AD AD 2   N  S

1 n yi  yˆ
MAPE MAPE   yˆ *100
n i 1

MAD 1 n  yi  yˆ 
MAD  
n i 1  yˆ 
 *100

Fonte: Elaboração dos autores.

 2i  1 
    ,
n
Sendo S   log F  yi   log 1  F y N 11 yi representa as
i 1 N
observações de velocidade do vento, ŷ é cada valor estimado, n é a quan-
tidade de observações de velocidade do vento, L é função de verossimi-
lhança do modelo e p é a quantidade de parâmetros.

Rosa dos Ventos

A Rosa dos Ventos exibe a predominância dos ventos em cada direção,


com suas respectivas velocidades. Em geral, encontra-se dividida em seto-
res (Pishgar-Komleh et al., 2015). Através do estudo adequado da Rosa
dos Ventos, é possível posicionar os aerogeradores de modo mais e iciente
para a captação dos ventos e, consequentemente, a geração de energia.

Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MFDFA)

Sendo xk , k 1, 2,, N , uma série temporal, o procedimento para a realiza-


ção do Multifractal Detrended Fluctuation Analysis (MFDFA) consiste nos
cinco passos listados a seguir (Kantelhardt et al., 2002):
ik
1. Integrar a série xk formando a série yk    xi   x  , com
i 1

k 1, 2,, N e x o valor médio da série temporal.

Marcos Leone Filho et al. 326


2. Dividir a série yk em ns  int  N / s  caixas não sobrepostas de
comprimentos iguais  s  . Já que o comprimento  N  da série,
em geral, não é um inteiro múltiplo da escala temporal conside-
rada, uma parte pequena no inal da série pode não ser examinada
no procedimento. Dessa maneira, é necessário realizar também a
subdivisão da série yk a partir da extremidade oposta. Com isso,
são obtidos 2Ns segmentos.
3. Calcular a tendência polinomial local yv através de um ajuste de
mínimos quadrados da série e de inir a variação correspondente
segundo as equações a seguir:

1 s
 
2
F 2  s, v   
s i 1
Y  v  1 s  i   yv  i  , v  1, 2,, N s (7)

e
1 s
 
2
F 2  s, v   
s i 1
Y  N   v  N s  s  i   yv  i  , para v  N  s 1 ,, 2 N s (8)

yv  i  é o polinômio de ajuste no seguimento v


4. Calcular a média de todos os segmentos e obter a função de lutu-
1
 1 2 Ns 2 
q q
ação segundo Fq  s      F  v, s   2  , em que, em geral, o
 2 N s v 1 
índice q pode assumir qualquer valor real, exceto zero.
5. Examinar grá icos log-log Fq  s  em relação à escala de tempo
 s  para cada valor de q e estabelecer o comportamento de
escala das funções de lutuação. Se a série xi for correlata à lei
de potência de longo alcance, Fq  s  aumenta como uma lei de
potência Fq  s   s  q  para grandes valores de s .
h

Em séries temporais estacionárias, h(2) é idêntico ao expoente de


Hurst (H). Por isso, a função h(q) é chamada de expoente de Hurst genera-
lizado. Para q=0, o valor de h(0) corresponde ao limite h(q) quando q  0
e deve ser determinado através da média logarítmica

 1 2 Ns

F0  s   exp  ln  F  s, v    s
2 h0
. (9)
 4Ns v 1 

327 Resultados da Plataforma IRIS


Dependendo da relação entre q e o expoente hq, a série pode ser clas-
si icada em monofractal ou multifractal. Assim,
• Se hqé dependente de q, monotonicamente diminui à medida que
q aumenta, diz-se que a série é multifractal;
• se hq é independente de q, conclui-se que a série é mono-fractal.

Aplicando-se a transformada de Legendre em séries multifractais,


obtem-se o espectro da singularidade f    representando a dimen-
são do subconjunto da série que caracteriza: basta relacionar o expo-
dt
ente de Rényi q da equação q  qhq  1 com   . Desse modo,
dq
f     q    q  , em que  é o expoente de Hölder. Os vários expoentes
fractais presentes na série são observados a partir do espectro multifrac-
tal, que indica o quanto eles são dominantes. O grau de multifractalidade
da série pode ser mensurado quantitativamente pelo intervalo do expo-
ente de Hurst generalizado, dado por max  hq   min  hq  , e pela largura do
espectro. As séries que apresentam maior espectro possuem mais multi-
fractalidade (Laib et al., 2018).

Inverse Distance Weighting (IDW)

Originalmente, o Inverse Distance Weighting foi proposto com o obje-


tivo de resolver problemas bidimensionais. Contudo, posteriormente, foi
adaptado à resolução de problemas multidimensionais (Ballarin et al.,
2019). Baseia-se no propósito de que quanto mais próximo estiver o valor
estimado do real, maior será a in luência sobre o valor previsto dos mais
distantes. A equação matemática do IDW pode ser expressa por:

1
Wk  (10)
dk p
em que d é a distância euclidiana entre os valores estimados das
k-ésimas estações e p é o parâmetro de potência exponencial. Em geral,
de ine-se p=2 (Ozelkan et al., 2016).

Estimativa da velocidade do vento para altura superior

No Brasil, o INMET disponibiliza séries de observações na altura de


10m, mas, no setor de geração eólica, é preciso saber a velocidade do vento

Marcos Leone Filho et al. 328


a uma altura superior a 10m, porque na atmosfera existe uma camada na
qual a velocidade do vento varia com a altura, denominada camada limite
atmosférica. Para determinar a velocidade em uma altura superior a 10m,
utilizou-se a equação de inida abaixo (de Araújo e Marinho, 2019):

h
vh  v1   , (11)
 h1 
em que h1 refere-se à altura na qual a velocidade dos ventos é conhe-
cida, v1corresponde à velocidade do vento na altura h1e  ao coe iciente
de rugosidade relativo à natureza do terreno no qual os dados foram
extraídos.

Densidade de Energia Eólica (DPE)

A densidade da energia eólica em um local é obtida levando-se em con-


sideração a velocidade do vento (m/s) ao cubo e a densidade do ar    ,
como de inido na equação abaixo (Faghani et al., 2018):
1
DPE  v 3W / m 2 (12)
2
A partir da obtenção dos parâmetros de forma e escala para a
Weibull-5p, mencionado anteriormente, o potencial de energia eólica
pode ser calculado da seguinte forma:

1 
DPE   f  v  v 3W / m 2 (13)
2 0
em que f(v) é função densidade de probabilidade Weibull-5p.

Resultados para toda a região Nordeste do Brasil

A Tabela 13.12 exibe a estatística descritiva da série temporal de Petrolina


(PE), na qual veri ica-se que o município apresenta valor médio de velo-
cidade do vento em torno de 8,4 m/s. Segundo a classi icação do National
Renewable Energy Laboratory (NREL) e conforme apresentado em Dos
Santos et al. (2018), esse valor encontrado para a velocidade média do
vento, a 10 m da super ície, possui classe de vento 7, apresentando descri-
ção “esplêndida” em sua classi icação para caracterização do potencial eólico
na região analisada. Observa-se ainda que o Coe iciente de Variação (CV) refe-

329 Resultados da Plataforma IRIS


rente à série examinada é de 0,41%, indicando, portanto, que os dados são
bastante dispersos em torno da sua média. Na Figura 13.12, é possível veri i-
car o comportamento da velocidade do vento ao longo dos anos.

Tabela 13.12 Estatística descritiva da série temporal de velocidade


do vento em Petrolina (PE)
Mín Q1 Med Méd Q3 Máx SD CV 3 4
0.4 5.7 8.3 8.4 10.9 19.8 3.4 0.41 0.21 2.38

Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.12 Série de velocidade do vento de três em três horas no


período de 01 jan. 2015 a 31 dez. 2016
3HWUROLQD3(

9HORFLGDGH PV






     
7HPSR KRUDV
Fonte: Elaboração dos autores.

Visualiza-se, na Figura 13.13, a direção predominante do vento no


município de Petrolina. O diagrama está dividido em parcelas de 12 seto-
res, compostos por ângulos de 15° cada, no sentido horário. Veri ica-se
que a direção predominante é a direção sudeste, com variação entre
~105° e ~135°.
Os parâmetros das distribuições Weibull-2p e Burr foram calcula-
dos e os resultados dos ajustes das FDPs e FDAs da Weibull-2p e da Burr
encontram-se na Figura 13.14. É possível veri icar que as curvas apresen-
taram resultados muito semelhantes entre si. Para validação dos resulta-
dos obtidos gra icamente e para análise quanto à distribuição com melhor
ajuste aos dados deste trabalho, foi feito o teste estatístico de Anderson-
Darling e calculados os critérios de seleção de modelos AIC e BIC e as
medidas de acurácia dos erros MAPE e MAD (Tabela 13.13).

Marcos Leone Filho et al. 330


Figura 13.13 Rosa dos Ventos indicando a variabilidade da direção
predominante do vento
3HWUROLQD3(

  

  


)UHTXrQFLD



  

 

 


9HORFLGDGH PV
        
Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.14 À esquerda, ajustes da função densidade de probabilidade da


Weibull-2p e da Burr e, à direita, função de distribuição acumulada dos
dados amostrais, das distribuições Weibull-2p e da Burr ajustadas
 3HWUROLQD3(



'HUVLGDGH





 

     

:HOEXOO  


%XUU 
    
$PRVWUD 9HORFLGDGH PV
9HORFLGDGH PV

Fonte: Elaboração dos autores.

Para validação dos resultados obtidos gra icamente e para análise


quanto à distribuição com melhor ajuste aos dados deste trabalho, foi feito
o teste estatístico de Anderson-Darling, apresentado na Tabela 13.13.

331 Resultados da Plataforma IRIS


Tabela 13.13 Estatística de Anderson-Darling, critérios de seleção e
acurácias para o ajuste das distribuições Weibull-2p e Burr no
estudo de velocidade do vento (m/s) em Petrolina (PE)
Distribuição AD p-value AIC BIC MAPE MAD
Weibull-2p 4.96 0.003 29611,0305 29624,3093 5,1803 0,0144
Burr 3.25 0.0206 29613,7014 29633,6196 5,2531 0,0144
Fonte: Elaboração dos autores.

No nível de signi icância de 0,05, pelo teste de Anderson-Darling,


observou-se que a distribuição Burr apresenta indícios de um melhor
ajuste à série de dados analisada, em comparação com a distribuição
Weibull-2p, em concordância com trabalhos anteriores (Abbas et al.,
2012). Porém, como os valores das estatísticas obtidas para ambos os tes-
tes são bem próximos, foram calculados os critérios de seleção e as acurá-
cias com o objetivo de fazer uma escolha mais acertada quanto ao modelo
que melhor se ajusta aos dados.
Assim, veri icou-se que o AIC, o BIC e o MAPE apresentaram meno-
res valores para a distribuição Weibull-2p, enquanto o MAD foi igual
para ambas as distribuições. Isso indica que, para o conjunto de dados
de Petrolina, no período analisado, a distribuição Weibull-2p consegue
melhor modelar as informações, em detrimento à distribuição Burr.
Em estudos recentes realizados em localidades do Brasil (Mert e
Karakuş, 2015), com destaque para os realizados no Nordeste brasileiro
(Grah et al., 2014), observa-se a utilização da distribuição Weibull com dois
parâmetros e seu bom ajuste aos dados de velocidade do vento analisados.
Dessa maneira, os resultados encontrados neste trabalho para o ajuste da
distribuição Weibull-2p têm se mostrado condizentes aos da literatura.
A partir da estatística descritiva de média e desvio padrão das 136
estações meteorológicas estudadas, foi realizada a espacialização das
informações para toda a região Nordeste brasileira utilizando o método
Inverse Distance Weighting. A Figura 13.15 exibe a representação grá ica
obtida. As maiores médias de velocidade do vento foram encontradas na
parte litorânea do estado do Rio Grande do Norte e nas estações Areia
(PB), Uauá (BA) e Guanambi (BA). Comparando-se os estados entre si,
observou-se que as velocidades médias dos ventos nos estados do Rio
do Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco foram superiores à

Marcos Leone Filho et al. 332


dos demais. No Piauí, quinto maior produtor de energia eólica no Brasil
no inal de 2018, as maiores médias de velocidade do vento estão distri-
buídas na parte Norte e Sudeste do estado. Para os estados de Sergipe e
Alagoas, as médias variaram, em grande parte, entre 2,0 m/s e 3,2 m/s.
Por outro lado, no Maranhão, as maiores médias de vento icaram
concentradas no litoral do nordeste do estado. Provavelmente, devido
à proximidade com a Floresta Amazônica, o restante da região mara-
nhense apresentou médias de velocidade abaixo de 3,0 m/s, insu iciente
para interligar os subsistemas de geração de energia. Constatou-se ainda
que, quanto mais próxima a localização de um estado à linha do equador,
maior a média horária de velocidade do vento na região, exceto para aque-
las que se situam muito próximas à região amazônica. Investigando-se
o desvio-padrão das séries, existem indícios de que a menor variabili-
dade dos dados ocorre no estado do Maranhão, na parte Sul da Bahia e
no Centro-Norte do Piauí (ver Figura 13.15). Nota-se que as velocidades
dos ventos estimadas com o auxílio dos parâmetros e são mais altas na
parte litorânea do estado do Rio Grande do Norte, conforme esperado dos
resultados observados com os valores reais de velocidade do vento vistos
na Figura 13.15.
Por outro lado, o estado do Maranhão, que ica muito próximo à
Floresta Amazônica, exibiu menores valores na estimativa da velocidade
horária dos ventos, comportamento esperado por conta dessa proximi-
dade entre as duas regiões. Veri ica-se, ainda, que o estado de Alagoas
apresenta velocidade máxima estimada em 3,64 m/s, con irmando que se
trata de uma localidade com baixo potencial esperado para a geração de
energia eólica.
Portanto, buscando-se as velocidades médias dos ventos somente na
região Nordeste brasileira com o auxílio das estimativas dos parâmetros da
Weibull-5p obtidas, percebe-se que existem indícios de que os estados com
maior potencial para produção de energia proveniente dos ventos são: Rio
Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí. Desses, Rio
Grande do Norte, Bahia e Ceará estão no topo do ranking de estados com
maior geração de energia eólica do Brasil, atualmente. É importante desta-
car que o nordeste da Bahia e de Pernambuco, o leste da Paraíba e o litoral
do Rio Grande do Norte exibem comportamento que favorece a possível
instalação de aerogeradores e redes de distribuição de energia.

333 Resultados da Plataforma IRIS


Figura 13.15 Média (a) e desvio padrão (b) das séries de velocidade do
vento do Nordeste brasileiro no período de 01-01-2004 a 29-09-2018

Fonte: Elaboração dos autores.

Foram gerados os histogramas para todas as séries estudadas e rea-


lizado o ajuste da distribuição Weibull-5p, resultante da mistura de uma
Weibull  1 1  e outra Weibull   2 2  , com um peso p. Um exemplo dos
resultados obtidos encontra-se na Figura 13.16 para os dados das esta-
ções meteorológicas de Petrolina (PE) e Recife (PE). Constatou-se que a
distribuição adotada para a realização do ajuste conseguiu alcançar êxito
na modelagem das séries unimodais e, também, das bimodais. Resultados
semelhantes com o modelo de distribuição Weibull-5p foram observados
em outros trabalhos. Os valores mínimos e máximos dos parâmetros de
forma  1   2  , de escala  1 2  e dos pesos w1 e w2 obtidos por estado
do Nordeste encontram-se na Tabela 13.14.

Figura 13.16 Ajuste da distribuição Weibull-5p às séries de velocidade do


vento em Petrolina e Recife no estado de Pernambuco
3HWUROLQD3( 5HFLIH3(






 

 


       
       :LQG6SHHG PV
:LQG6SHHG PV
:HLEXOO 6DPSOH

Fonte: Elaboração dos autores.

Marcos Leone Filho et al. 334


Tabela 13.14 Estimativas máximas e mínimas dos parâmetros da
Weibull-5p em todo o Nordeste
Estados Shape1 Scale1 Shape2 Scale2 w1 w2
min 1.504365 2.429077 1.207645 2.71571 0.100478 0.236674
Paraíba
max 4.793033 4.717773 2.891606 6.182441 0.763326 0.899522
min 0.559974 1.060098 0.965443 1.151371 0.063402 0.249601
Pernambuco
max 4.530332 4.498235 4.571154 3.502933 0.750399 0.936598
min 1.186569 1.360932 1.186569 1.360932 0.30000 0.515328
Alagoas
max 2.212482 3.637992 2.212482 3.637992 0.484672 0.70000
min 0.310714 1.522241 1.12348 1.259015 0.053154 0.320183
Bahia
max 6.898418 6.261342 4.274849 3.171728 0.679817 0.946846
min 0.322462 2.432078 1.219897 1.799703 0.123509 0.65512
Sergipe
max 3.155649 4.497847 2.873872 3.052092 0.34488 0.876491
min 0.131801 1.375159 1.076328 1.272949 0.056881 0.619862
Maranhão
max 2.851587 4.398315 3.07158 4.516304 0.502122 0.943119
min 0.497569 2.031887 1.150285 1.806629 0.155091 0.297632
Ceará
max 3.228893 5.634987 2.103365 5.223665 0.702368 0.844909
min 0.150473 1.376661 1.136813 1.323856 0.085073 0.425931
Piauí
max 3.185628 5.333431 2.411228 3.895098 0.574069 0.914927
Rio Grande do min 1.203313 2.231378 1.203313 2.231378 0.066031 0.631977
Norte max 4.047106 5.04857 4.047106 5.04857 0.368023 0.933969

Fonte: Elaboração dos autores.

Após a estimação dos parâmetros da distribuição no ajuste às bases


de dados das estações aqui estudadas, foi realizada uma espacialização
das informações para toda a região Nordeste, onde é possível a visualiza-
ção dos locais que apresentam menores e maiores estimativas para a velo-
cidade do vento com os parâmetros de escala  1 2  forma  1   2  e
peso na mistura do modelo de distribuição Weibull-5p  w1  w2  . Os resul-
tados grá icos das espacializações são exibidos na Figura 13.17.
Na sequência dos resultados, das 136 estações inicialmente estuda-
das, 17 delas não possuíam o mínimo de dois anos de observações neces-
sárias à aplicação do método MFDFA e à veri icação de persistência do
vento. Portanto, para investigar se o regime de ventos na região Nordeste
brasileira tem o mesmo comportamento ao longo do tempo, passou-se a
utilizar as informações das 119 estações meteorológicas com mais de dois
anos de observações. Para isso, foi utilizado o pacote MFDFA do software
estatístico R. Analisando as séries de vento, foi observada a presença de
oscilações. Para remoção das lutuações sazonais nas bases de dados, foi
feito o cálculo das anomalias pela Equação (14).

335 Resultados da Plataforma IRIS


 xi 
x  x 
t t
(14)
t
em que é o valor observado da série temporal, xt é o valor médio da
série temporal e t é o desvio padrão da série temporal.

Figura 13.17 Espacialização das estimativas dos parâmetros da


Weibull-5p em todo o Nordeste, usando o método IDW

Marcos Leone Filho et al. 336


A Figura 13.18 ilustra um exemplo de um plot de uma série original e
sua respectiva série de anomalias após a retirada da sazonalidade, neste
caso, para Petrolina (PE). A retirada do efeito da aleatoriedade é necessá-
ria, pois as séries de velocidade do vento são não-estacionárias e as carac-
terísticas do comportamento da velocidade média dos ventos podem ser
mais bem observadas, uma vez que as grandes lutuações encontradas
aparecem em diferentes momentos.

Figura 13.18 À esquerda, série de velocidade do vento (em m/s)


original e, à direita, série temporal das anomalias da velocidade
do vento (em m/s) de Petrolina (PE)


:LQGVSHHG PV


      
7LPH PLQ



$QRPDOLDV







      


7LPH PLQ
Fonte: Elaboração dos autores.

A partir da série de anomalias, foi de inido um polinômio de segundo


grau para aplicação do MFDFA, com escalas de tempo de 10 a 23020 horas
diárias ao longo dos onze anos de observações analisadas. As funções de
lutuação, mostradas na Figura 13.19 A, foram ajustadas em escala log-

337 Resultados da Plataforma IRIS


-log com q  10; 0 e 10, indicando o comportamento multifractal da série
horária de velocidade do vento, semelhante ao observado no trabalho de
Laib et al. (2018). A Figura 13.19 B exibe o grá ico para o expoente de
Hurst generalizado, o qual, neste caso, trata-se de uma função decres-
cente. Isso indica que existem lutuações multifractais ao longo do tempo.
A Figura 13.19 C mostra a medida multifractal q e con irma o comporta-
mento não-linear esperado para o processo. A forma côncava para baixo
com um ponto de máximo no espectro multifractal da Figura 13.19 D con-
irma a presença de multifractalidade na série de velocidade do vento. O
valor do expoente  encontrado é maior que 0,5, indicando propriedades
persistentes para a velocidade do vento.

Figura 13.19 Resultados do MFDFA nas séries de velocidade do vento (em


m/s) da estação meteorológica explorada: (a) Funções de fluutuação para
q  10, q  0, q  10 (b) Expoente de Hurst generalizado para cada q (c)
Expoente de Rènyi q (d) Espectro multifractal f   
)OXFWXDWLRQIXQFWLRQ)T +XUVWH[SRQHQW

%


/RJ )


 T

KT





         


T
T T T 
6 KRXUV
6SHFWUXP
0DVVH[SRQHQW 
'
&


) ?

 



         
,QGH[

Fonte: Elaboração dos autores.

Com base no modelo MFDFA aplicado às séries de anomalias de velo-


cidade do vento e aos valores dos parâmetros  0 , w, r e  w para as séries
originais e para as randomizadas, foi possível realizar a interpolação
das informações para todos os estados do Nordeste brasileiro e gerar os
mapas que podem ser visualizados nas Figuras 13.20 até 13.23, com os

Marcos Leone Filho et al. 338


valores estimados. Com esses mapas, torna-se possível informar sobre as
regiões que apresentam características de maiores persistências nos ven-
tos, exibindo graus mais elevados de complexidade nas séries, além de
veri icar as possíveis causas de multifractalidade presentes.

Figura 13.20 À esquerda, parâmetro  0 da série original e, à direita,  0 da


série randomizada para as 119 estações

Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.21 À esquerda, parâmetro w da série original e, à direita, w da


série randomizada para as 119 estações

Fonte: Elaboração dos autores.

339 Resultados da Plataforma IRIS


Figura 13.22 À esquerda, parâmetro r de assimetria da série original e, à
direita, r da série randomizada para as 119 estações

Fonte: Elaboração dos autores

Figura 13.23 Diferença dos parâmetros worig e wrand   w  para as 119


estações distribuídas em todo o Nordeste

Fonte: Elaboração dos autores.

Nas iguras imediatamente seguintes (13.24 a 13.26), é possível


observar as estimativas da velocidade do vento em cinco diferentes altu-

Marcos Leone Filho et al. 340


ras em toda a região Nordeste do Brasil. Pode-se veri icar que a maior
porcentagem de valores acima de 3,0 m/s se encontra em grande parte
do litoral do Rio Grande do Norte. Na Paraíba, a velocidade acima de
3,0 m/s se concentra do litoral ao cariri do estado, com destaque para
a localidade de Areia. Em Pernambuco, a velocidade do vento acima de
3,0 m/s se concentra na parte central e no sertão do estado. No Ceará,
o vento é mais forte na parte litorânea do estado, bem como no litoral
do Piauí. Já na Bahia, as velocidades maiores que 3,0 m/s estão na parte
Norte e Nordeste do estado e em algumas áreas ao Sul. Por outro lado, o
Maranhão apresentou valores mais baixos na velocidade do vento. Para
os estados de Alagoas e Sergipe, a velocidade do vento não foi nem muito
baixa e nem muito alta. Essas observações são importantes na identi ica-
ção das regiões mais indicadas à implantação de usinas eólicas, podendo
contribuir para o abastecimento do subsistema elétrico brasileiro. As esti-
mativas das velocidades de vento nas alturas 50 m, 75 m, 100 m e 120 m
podem ser visualizadas.

Figura 13.24 Porcentagens de valores de velocidade do vento nas


alturas de 25 m e 50 m em todo o Nordeste brasileiro

Fonte: Elaboração dos autores.

341 Resultados da Plataforma IRIS


Figura 13.25 Porcentagens de valores de velocidade do vento nas
alturas de 75 m e 100 m em todo o Nordeste brasileiro

Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.26 Porcentagens de valores de velocidade do vento nas


alturas de 75 m e 120 m em todo o Nordeste brasileiro

Fonte: Elaboração dos autores.

Na Figura 13.27, é apresentada a estimativa média de DPE em 10 m


de altura para o mês de abril no estado do Rio Grande do Norte. Veri ica-se
que a maior densidade de potência eólica se concentra em Calcanhar e
próximo a essa localidade, seguida de Natal e Apodi. A parte central apre-
sentou o menor DPE em relação às outras partes do estado. No entanto,
quando realizada a interpolação de DPE no estado, veri ica-se que o valor

Marcos Leone Filho et al. 342


de Calcanhar para DPE é bem maior que as demais localidades. Esse resul-
tado pode ser consequência da localização geográ ica de Calcanhar. Por
isso, foi retirada a estação de Calcanhar e interpolados novamente os valo-
res de DPE médios, como pode ser veri icado na Figura 13.28. Após isso,
observa-se um melhor espalhamento médio do valor de DPE no estado.

Figura 13.27 Resultados das estimativas médias de DPE em 10 m de


altura para o mês de abril no Rio Grande do Norte

Fonte: Elaboração dos autores.

Figura 13.28 Resultados das estimativas médias de DPE em 10 m de altura


para o mês de abril no Rio Grande do Norte – Retirando Calcanhar

Fonte: Elaboração dos autores.

343 Resultados da Plataforma IRIS


Na Tabela 13.15, podem ser veri icadas as estimativas de DPE em seis
diferentes alturas de velocidade do vento em todo o estado do Rio Grande
do Norte. Ao analisar as diferentes alturas de velocidade do vento, obser-
va-se que quanto maior a altura maior o potencial de geração de energia
eólica no estado. Calcanhar, como falado anteriormente, é a estação com
maior DPE, seguida de Natal e Apodi.

Tabela 13.15 Estimativa de DPE em seis alturas no mês de agosto de 2015 a


2019 no Rio Grande do Norte
DPE_ DPE_ DPE_ DPE_ DPE_ DPE_
Estação
vm_10m vm_25m vm_50m vm_75m vm_100m vm_120m
Apodi 46,809 106,777 199,254 287,004 371,820 438,123
Caicó 29,724 67,803 126,524 182,245 236,103 278,205
Calcanhar 244,238 557,135 1039,650 1497,509 1940,055 2286,006
Ipanguaçu 26,831 61,203 114,209 164,507 213,122 251,127
Macau 74,837 170,711 318,558 458,850 594,450 700,453
Mossoró 29,658 67,654 126,248 181,847 235,586 277,596
Natal 58,422 133,267 248,686 358,206 464,065 546,817
Santa Cruz 11,469 26,161 48,819 70,318 91,099 107,344
Fonte: Elaboração dos autores.

Conclusões dos desenvolvimentos do tema Séries Temporais

Com os resultados obtidos neste trabalho, veri icou-se que as distribui-


ções Weibull-2p e Burr apresentaram ajustes semelhantes à série de
velocidade do vento em Petrolina (PE), no período analisado. Entretanto,
pelos critérios de seleção aqui adotados, veri icou-se que a distribuição
Weibull-2p é mais indicada à modelagem dos dados estudados.
Além disso, constatou-se um valor médio de velocidade do vento com
classi icação que apresenta indícios de que a localidade possui potencial
para investigações mais aprofundadas e possível instalação de um par-
que eólico na região, tendo as pás dos aerogeradores voltadas à direção
sudeste, a qual foi observada como direção predominante dos ventos com
o auxílio da Rosa dos Ventos.
Com base nas informações de 14 anos de observações em estações
meteorológicas na região Nordeste brasileira, o comportamento do regime
dos ventos foi investigado. As principais conclusões deste estudo são:

Marcos Leone Filho et al. 344


• A parte litorânea do Rio Grande do Norte apresentou as maio-
res médias de velocidade dos ventos, seguida das médias obtidas
para o estado da Paraíba e de Pernambuco. A menor velocidade
média observada foi registrada no estado do Maranhão. Com
relação ao desvio padrão, os menores valores foram os do sul da
Bahia, centro-norte do Piauí e boa parte do estado do Maranhão;
• A espacialização dos parâmetros estimados da Weibull-5p permi-
tiu localizar áreas propícias à instalação de aerogeradores para
a geração de energia eólica, caracterizada por aquelas que apre-
sentam maiores médias de velocidade do vento, como o nordeste
da Bahia, o leste da Paraíba e o nordeste de Pernambuco, além do
litoral do Rio Grande do Norte;
• As séries de velocidade do vento das 119 estações examinadas
com o método Multifractal Detrended Fluctuation Analysis apre-
sentaram comportamento de persistência ao longo do tempo. Os
parâmetros de complexidade do processo multifractal evidencia-
ram que, exceto para as estações de Amargosa (BA), Jeremoabo
(BA), Lençóis (BA), Brejo Grande (SE) e Surubim (PE), as demais
possuem a função densidade de probabilidade e as correlações
de longo alcance como causas de multifractalidade nas séries;
• A espacialização nos mapas dos parâmetros obtidos expôs as per-
sistências dos ventos na região Nordeste;
• Com a espacialização geográ ica do potencial de valores de veloci-
dade do vento acima de 3,0 m/s, foi possível veri icar que quanto
maior a altura maior a porcentagem de valores acima de 3,0 m/s.
• Através da estimativa de DPE no estado do Rio Grande do Norte,
veri icou-se que, na localidade de Calcanhar, encontra-se o maior
potencial de geração de energia eólica.

Ao passo em que essas informações podem auxiliar na identi icação


de padrões de sazonalidade, previsões sobre o potencial eólico para ins
de produção de energia nas regiões caracterizadas como apropriadas a
esse tipo de aproveitamento podem ser realizadas, visando minimizar
os erros de instalação de parques eólicos em locais inadequados, contri-
buindo, assim, com os órgãos competentes nas tomadas de decisão.

13.3 Resultados das simulações IRIS

Para validar que ambos os simuladores de programação da operação e de


operação em tempo real estavam programados com políticas coerentes

345 Resultados da Plataforma IRIS


àquelas utilizadas pelo ONS (no capítulo 12, há uma discussão abrangente
desses aspectos), a maneira mais e icaz e assertiva é desenvolvida através
da comparação dos resultados obtidos do processo simulado e dos resul-
tados reais do próprio ONS.
Nesse contexto, vale destacar que o objetivo da plataforma IRIS não
é o de reproduzir exatamente os resultados reais do ONS (mesmo porque
isso seria impossível dado que os resultados operacionais do ONS resul-
tam do trabalho de centenas, senão milhares de pessoas, programas de
computador, entre outros), mas sim o de obter resultados operacionais
que se assemelhem em dimensão e padrões de comportamento. Por esse
motivo, a seguir, as análises serão focadas na exploração de resultados
grá icos e, portanto, não serão abordadas métricas comparativas (como
erros percentuais absolutos, por exemplo).

Calibração

Para validar a calibração da plataforma IRIS, inicialmente foram compara-


dos os resultados do simulador de programação da operação com a pro-
gramação da operação feita pelo ONS em um mesmo período. Para isso,
foi escolhida uma semana operativa (de domingo a domingo, o que repre-
senta, de fato, oito dias) de tal modo que a equipe executora do projeto
tivesse a maior quantidade de dados nesse período. Assim, foi selecionada
uma semana no inverno de 2016.
Dessa forma, para avaliar a coerência da programação da operação feita
pelo simulador IRIS, decidiu-se analisar os despachos de forma mais agre-
gada, uma vez que o simulador traz resultados até o nível de potência des-
pachada de uma máquina de uma dada usina. Entretanto, como seria muito
complexo analisar centenas de geradores, também seria desnecessário garan-
tir que todos os geradores estivessem despachando de forma parecida ao que
foi despachado pelo ONS para os objetivos da plataforma IRIS. É importante
lembrar que a plataforma IRIS visa reproduzir as lógicas básicas de alocação
e operação de máquinas para conseguir reproduzir luxos de corrente nas
linhas de transmissão do SIN que sejam compatíveis com a realidade.
A primeira etapa foi analisar a geração despachada por subsistema.
Como pode ser visto na Figura 13.29 (as datas estão ocultas nos grá icos
dessa seção para preservar o sigilo das informações), de maneira geral,
a programação da operação do simulador IRIS (linhas azuis) icou muito
coerente com a programação da operação do ONS (linhas pretas). É pos-
sível notar que os subsistemas SECO (Sudeste/Centro-Oeste) (Figura

Marcos Leone Filho et al. 346


13.29(a)), Sul (Figura 13.29(b)) e Norte (Figura 13.29(c)) tiveram simu-
lações bem aderentes ao que é feito pelo ONS. Por outro lado, é possível
perceber que o subsistema Nordeste (Figura 13.29(d)) foi razoavelmente
mais despachado pelo simulador IRIS quando comparado ao despacho
feito pelo ONS durante os dias de semana. Apesar disso, quando se analisa
o despacho por fonte (Figura 13.32), esse fato é explicado pelo maior des-
pacho termelétrico do simulador IRIS durante os dias de semana.

Figura 13.29 Calibração da simulação da Programação da


Operação Por Subsistema
 
 
 

0:PHG
 
0:PHG

 
 
 
 
'DWD
 &DOLEUDomRVHPDQDILQDO,5,6JHUDomRVXEVLVWHPD6 0:PHG

&DOLEUDomRVHPDQDILQDO216JHUDomRVXEVLVWHPD6 0:PHG

'DWD
&DOLEUDomRVHPDQDILQDO,5,6JHUDomRVXEVLVWHPD6(&2 0:PHG &DOLEUDomRVHPDQDILQDO216JHUDomRVXEVLVWHPD6(&2 0ZPHG

 
 
 
0:PHG

 
0:PHG

 
 
 
 
 
'DWD 'DWD

&DOLEUDomRVHPDQDILQDO,5,6JHUDomRVXEVLVWHPD1 0:PHG &DOLEUDomRVHPDQDILQDO,5,6JHUDomRVXEVLVWHPD1( 0:PHG

&DOLEUDomRVHPDQDILQDO216JHUDomRVXEVLVWHPD1 0:PHG &DOLEUDomRVHPDQDILQDO216JHUDomRVXEVLVWHPD1( 0:PHG

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Os grá icos da Figura 13.30 evidenciam algumas nuances do simula-


dor IRIS quando comparadas às políticas de despacho. É possível ver que o
simulador IRIS tem preferência por despachar mais geradores hidrelétricos
no subsistema SECO (Figura 13.30(a)) (possivelmente por conta da proxi-
midade com os centros de consumo) e despacha bem menos hidrelétricas
no Sul (Figura 13.30(b)). Assim, como existe apenas um pequeno intercâm-
bio hidrelétrico acontecendo entre esses subsistemas (SECO para Sul), além
daquilo que foi programado pelo ONS, é possível considerar os despachos
desses dois subsistemas como validados para os objetivos da plataforma
IRIS. Finalmente, ao analisar as simulações dos subsistemas Norte (Figura

347 Resultados da Plataforma IRIS


13.30c) e Nordeste (Figura 13.30a), nota-se que as gerações hidrelétricas
estão muito coerentes a despeito do fato de que o simulador IRIS tenta
acompanhar mais a curva de carga diária quando comparado à programação
feita pelo ONS. Contudo, o simulador IRIS despacha menos termelétricas no
Norte e mais nos dias de semana do Nordeste, o que pode evidenciar que tal
simulador está tentando criar uma base de geração termelétrica um pouco
maior no NE para que as hidrelétricas possam atuar mais fortemente acom-
panhando a carga e também mitigando a variabilidade das eólicas desse
subsistema. Como esse é um comportamento desejado para simulações
com grande penetração de eólica, foi considerado que os despachos feitos
pelo simulador IRIS são válidos para os objetivos de simulação em cenários
hipotéticos de diferentes penetrações de fontes intermitentes.

Figura 13.30 Calibração da simulação da Programação da


Operação Por Subsistema Por Fonte
 

 
0:PHG

 
0:PHG

 

 

 

 

 
'DWD
 &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD67pUPLFD 0:PHG
'DWD &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD6+LGUiXOLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD6(&27pUPLFD 0:PHG &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD67pUPLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD6(&2+LGUiXOLFD 0:PHG &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD6+LGUiXOLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD6(&27pUPLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD6(&2+LGUiXOLFD 0:PHG

 
 
 
0:PHG

 
0:PHG

 
 
 
'DWD

&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
'DWD
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD17pUPLFD 0:PHG &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1+LGUiXOLFD 0:PHG &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD17pUPLFD 0:PHG &DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
&DOLEUDomRBVHPDQDBILQDO216*HUDomR6XEVLVWHPD1+LGUiXOLFD 0:PHG

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Análise do limite de penetração de eólica

Para a análise do limite técnico de aumento de injeções de geração eólica


que o grid elétrico brasileiro suporta sem que sua infraestrutura seja

Marcos Leone Filho et al. 348


ampliada ou reforçada, foram feitas inúmeras simulações pela equipe de
pesquisadores que trabalhou no escopo do projeto IRIS. Entretanto, para
ilustrar de maneira mais clara, foi selecionado o caso de um dia especí-
ico, no qual ocorreu uma grande variação da geração eólica veri icada (de
tempo real de operação). Como pode ser visto na Figura 13.31, nesse dia
(um dia do inverno de 2020), houve uma rampa de diminuição de geração
eólica (com uma taxa de decréscimo da ordem de 600 MW/h), que come-
çou a acontecer às 9h e se estendeu até às 16h (linha verde do grá ico),
fazendo com que o SIN perdesse um total de 4,2 GW de potência em um
intervalo de apenas 5 horas. Como agravante, a previsão feita pelo ONS na
véspera desse dia acabou subestimando a geração eólica em vários perío-
dos do dia (linha azul do grá ico abaixo), sendo que essa diferença chegou
aos 2 GW às 9h. Além disso, nessa mesma faixa de horário, das 9h às 16h,
a carga do subsistema NE (linha laranja do grá ico) vinha crescendo.
Todo esse cenário, portanto, evidencia o enorme desa io de se integrar
grandes quantidades de geração eólica. Entretanto, apesar de todo esse
cenário, no dia de referência de 2020, não houve nenhum contratempo
no SIN e a energia fluiu normalmente até os lares e empresas de todo o
Brasil. Com isso, decidiu-se usar a plataforma IRIS para tentar entender
até que ponto o SIN suportaria uma quantidade ainda maior de energia
eólica instalada.
Para que a comparação entre o cenário da Figura 13.32 e os cenários
de aumento de geração eólica sejam coerentes com a hipótese de aumento
da capacidade instalada, foi decidido elevar a previsão de geração eólica
(utilizada na programação da operação) na mesma medida em que se
aumenta a geração eólica veri icada, assim se mantém o mesmo nível
de desvio percentual entre a geração eólica prevista e a veri icada. Essa
premissa faz com que a capacidade de serem feitas previsões mais ou
menos assertivas possa ajudar a mitigar o risco de colapso do sistema.
Dessa forma, a única variável que se analisa aqui e de maneira isolada é o
aumento da injeção eólica. Vale ressaltar que a assertividade da previsão
é uma métrica importante para analisar um sistema sujeito às FRIs, mas o
que é estudado neste trabalho não é a possibilidade de se fazer uma pre-
visão mais ou menos assertiva do que a realizada pelo ONS, pois o objetivo
é o de “inserir” no simulador uma previsão tão assertiva quanto a do ONS.
Caso contrário, a realidade não estaria sendo simulada.

349 Resultados da Plataforma IRIS


Figura 13.31 Dia crítico para ensaio de avaliação de limite de
integração de eólicas





0:PHG

































'DWD
BPLQXWR216JHUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0:PHG
BPLQXWR216FDUJD6XEVLVWHPD1( 0:PHG
BPLQXWR216JHUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0:PHG
BPLQXWR216FDUJD6XEVLVWHPD1( 0:PHG
Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Nesse contexto, foram criados cenários hipotéticos de aumento de


geração eólica que variam de 0% (caso base) a 50% de aumento em incre-
mentos de 10%. A Figura 13.32 mostra, de maneira condensada, todos
esses cenários. É importante notar que, nas legendas, o su ixo “XXp” (ex.:
10p) denota os cenários (de 10% a 50%), as linhas tracejadas denotam as
séries de previsão de geração eólica e as outras representam as gerações
eólicas veri icadas e as séries tracejada preta e contínua laranja, na parte
inferior da Figura 13.32, representam os cenários-base, equivalentes ao
cenário da Figura 13.31.
Após a simulação de todos os cenários, foram detectados problemas de
violações de limites de luxo em alguns deles, como mostra a Figura 13.33.
Nesta, é apresentado o número de linhas de transmissão em operação
acima do limite permitido. Como é possível perceber, nos cenários de 40%
e 50%, até mesmo a fase da programação da operação (linhas tracejadas
do grá ico) não pode ser inalizada sem problemas. Entretanto, no cená-

Marcos Leone Filho et al. 350


rio de 30%, em apenas alguns instantes da operação em tempo real foram
detectados problemas de luxo e, nos cenários de 10% e 20%, não houve
problemas tanto na programação como na operação em tempo real.

Figura 13.32 Cenários de expansão eólica simulados







0:PHG






          
'DWD
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1((yOLFD 0ZPHG

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 13.33 Número de violações de fluxo em cada cenário





1~PHUR9LRODo}HV


          
'DWD
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6FRQYHUJrQFLDYLRODo}HVIOX[R$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

351 Resultados da Plataforma IRIS


Adicionalmente, foi feito um estudo para veri icar mais precisamente
a viabilidade operativa de cada um dos cenários mediante uma análise
dos desvios-padrão das tensões da rede nos diferentes cenários. Foi pos-
sível perceber que o desvio padrão aumenta durante a queda de geração
eólica, mas o quadro é agravado em cenários com maior inserção de gera-
ção eólica, a tal ponto que o cenário de 50% já não conseguiu convergên-
cia às 18h. Por esse motivo, a série de desvio-padrão do cenário de 50%
não é mostrada no grá ico da Figura 13.34.

Figura 13.34 Desvio padrão das tensões do grid nos cenários de simulação
 

 
0:PHG

SX

 

 

 

 

 
         
'DWD
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 
BBKRUDBGLDBBS,5,6'HVY3DG7HQVmR SX 

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Finalmente, a Figura 13.35 mostra os perfis de geração hidráulica


e térmica resultantes dos cenários de simulação. Nessa figura, é pos-
sível perceber que, com o aumento da geração eólica, o subsistema NE
passa a usar cada vez menos o recurso hídrico, o que é positivo, pois
ajuda a manter e melhorar os níveis dos reservatórios das hidrelétri-
cas nesta região. Por outro lado, acaba também reservando uma base
termelétrica mínima possivelmente para garantir uma maior confiabi-
lidade de geração no NE.

Marcos Leone Filho et al. 352


Figura 13.35 Perfis de geração hidráulica e térmica nos cenários de simulação





0:PHG










          
'DWD
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0ZPHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(+LGUiXOLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG
BBKRUDBGLDBBS,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1(7pUPLFD 0:PHG

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Dimensionamento da Reserva de Potência Operativa (POR)

Nessa seção, serão mostrados os resultados de simulações realizadas


na plataforma IRIS com o intuito de determinar os níveis da Reserva de
Potência Operativa (por) para mitigar intercorrências devido a diferentes
níveis de penetração de renováveis intermitentes. Vale lembrar que a pla-
taforma IRIS foi concebida de tal forma que leve sempre em consideração
a simulação hidrológica do SIN. Por essa razão, nessa seção, serão aborda-
dos os temas de dimensionamento da RPO.

Sobre a Reserva de Potência Operativa

A avaliação da necessidade de dimensionamento ou redimensionamento


da RPO foi uma tarefa extremamente complexa no contexto das simula-
ções da plataforma IRIS. Uma vez que a plataforma representa ielmente as
políticas de despacho relacionadas aos geradores conectados ao Controle
Automático de Geração (CAG) do ONS, esse fato, por si só, já confere um

353 Resultados da Plataforma IRIS


volume de reserva de potência operativa considerável ao sistema. Nesse
contexto, mesmo que o simulador identi ique claramente os geradores
alocados no escopo do suprimento de reserva de potência operativa, eles
nunca seriam despachados (mesmo em contextos adversos), pois, após
realizadas várias simulações, percebeu-se que o CAG suportava inúmeros
diferentes cenários de penetração eólica.
Nesse contexto, passou a não fazer sentido alocar um segundo nível
de potência operativa já que o CAG conseguia cumprir todos os níveis
de resposta. Assim, para que as análises icassem mais aderentes a essa
realidade, foram con iguradas simulações da plataforma IRIS que tinham
o objetivo de identi icar, em um primeiro momento, os níveis atuais de
potência operativa e, em um segundo momento, de tentar quanti icar a
necessidade de expansão do CAG para que ele seja capaz de lidar com
cenários mais agressivos de penetração de FRIs.

Identiϐicação do nível atual de RPO implícita no CAG

Para que fosse possível identi icar o nível atual de RPO para atendimento
a situações de contingência ou aumento inesperado da carga sem que
as questões relacionas à intermitência da geração eólica fosse levada
em consideração (pois, em alguns instantes do dia, as injeções de eólica
podem ser bené icas para a segurança operativa enquanto, em outros,
pode ser malé ica), foram realizadas simulações considerando a perfeita
previsão de geração eólica na fase de programação. Com isso, é equiva-
lente dizer que o programador da operação conheceria com perfeição a
geração eólica um dia antes dela acontecer de fato. Esse arti ício foi utili-
zado para que as questões relacionadas à intermitência da geração eólica
fossem retiradas do processo de análise do nível atual de RPO.
Para que se tenha uma ideia das principais diferenças entre se pro-
gramar a operação com previsão perfeita da geração eólica e com uma
previsão de geração eólica padrão (com os mesmos níveis de desvio de
previsões utilizadas pelo ONS), a Figura 13.36 mostra tais diferenças.
Nesta, a curva verde indica como foi programada a geração do subsis-
tema NE com a utilização de previsão de geração eólica, enquanto a curva
azul denota a programação da operação com previsão perfeita de geração
eólica. Já as curvas preta e laranja mostram a operação em tempo real
com e sem previsão perfeita de geração eólica, respectivamente. Ficam,

Marcos Leone Filho et al. 354


portanto, evidentes as grandes diferenças que o conhecimento prévio da
geração eólica pode impactar nos procedimentos da programação da ope-
ração. Além disso, o recurso de reserva do CAG será empregado somente
para situações de contingência e desvios de previsão de carga, caso se uti-
lize a previsão perfeita de geração eólica.

Figura 13.36 Comparação entre a simulação com e sem previsão


perfeita da geração eólica







0:PHG














'DWD
6HPDQDBFHQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmR,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1( 0:PHG
6HPDQDBFHQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmR,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1( 0:PHG
6HPDQDBFHQiULRB2S,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1( 0:PHG
6HPDQDBFHQiULRB2S,5,6*HUDomR6XEVLVWHPD1( 0:PHG

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Assim, para que fosse possível focar na análise da detecção do nível


atual implícito de RPO, foi escolhido o dia mais crítico da semana anali-
sada para que fossem simulados múltiplos níveis de incremento de carga
na operação em tempo real. Nesse contexto, foram executadas simulações
com incrementos de carga em tempo de operação de 5%, 6%, 7%, 8% e
9% para o dia crítico. A Figura 13.37 mostra o número de linhas com vio-
lações de limite luxo em cada uma das simulações de aumento de carga.
É possível ver que mesmo a simulação de 5% apresenta violações, mas
como são poucas, é preciso fazer uma segunda análise para avaliar tam-
bém os possíveis problemas de luxo de potência AC.

355 Resultados da Plataforma IRIS


Figura 13.37 Identificando as violações na operação em tempo
real pelo aumento da carga
1~PHURGHYLRODo}HV 


      
'DWD
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HVIOX[R$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HVIOX[R$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HVIOX[R$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HVIOX[R$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HVIOX[R$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 13.38 Identificando problemas de convergência do fluxo de potência AC


na operação em tempo real pelo aumento da carga





SX






          
'DWD
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Assim, a Figura 13.38 mostra que o primeiro nível de aumento de


carga que apresenta problemas de convergência do luxo de potência AC
(1 signi ica que convergiu, 0 signi ica que não convergiu) acontece com

Marcos Leone Filho et al. 356


6% (às 22h), fazendo com que haja um indicativo de que o nível de RPO
possa ser deduzido como 5%, o que é razoável, visto que o próprio ONS
anuncia que a RPO é esta.

Quantiϐicação do dimensionamento da RPO

Para que fosse possível quanti icar o dimensionamento da RPO, foi


decido avaliar o impacto do aumento dos geradores conectados ao CAG
no aumento da RPO, já que a hipótese seguida aqui é que o próprio CAG
tem atuado como RPO. A análise realizada para a semana de calibração de
2016 também corroborou para essa interpretação, visto que foi calculada
uma RPO implícita no CAG de 5%.
Assim, a maneira mais precisa de avaliar o impacto do aumento
dos geradores conectados ao CAG foi analisar um dia crítico no inverno
de 2020 e também porque, neste ano, há um aumento do número de
geradores conectados ao CAG e um nível bem maior de geração eólica
na semana estudada: 7.822,03 MWmed em 2020 versus 4.541,21
MWmed na semana de calibração de 2016.
A Figura 13.39 mostra o número de linhas de transmissão com
violações de limites de fluxo. É possível ver que, de maneira similar à
Figura 13.37, há violações em todos os níveis de aumento de carga em
tempo real. Nesse caso, apenas o nível de 10% parece apresentar um
número de violações realmente signi icativo. De qualquer forma, aqui
também ica di ícil analisar as diferenças entre as simulações apenas
através da análise do número de violações de luxo e, por este motivo,
foram identi icados os problemas relacionados à convergência do luxo
de potência AC.
A Figura 13.40 mostra, em destaque, convergências dos luxos de
potência AC. Nela, é possível perceber que apenas a simulação de aumento
de 10% de carga apresenta um problema de convergência às 18h (1 indica
convergência realizada com sucesso e 0 indica que não houve convergên-
cia do luxo de potência AC). Com isso, se o mesmo critério utilizado no
estudo de referência em 2016 for utilizado para de inir a RPO em 2020, é
possível dizer que a RPO, em 2020, é de 9%.
Dessa forma, se tanto o ano de 2016 quanto o de 2020 tiverem os
mesmos níveis de resiliência em relação ao incremento de geração eólica,
é possível concluir que, para cada montante de 820,21 MW de potên-

357 Resultados da Plataforma IRIS


cia eólica adicionado à matriz brasileira, deve ser aumentada a RPO
em 1 ponto percentual, uma vez que a RPO apresentou uma elevação
de 4 pontos percentuais de 2016 para 2020 e a geração eólica registrou
um aumento de 3.280,82 MWmed nesse mesmo intervalo. Entretanto, é
importante destacar que essa aϐirmação somente é razoável se, em
ambos os anos, o SIN for igualmente capaz de lidar com o aumento
de geração eólica.

Figura 13.39 Identificando problemas de violações de fluxo na


operação em tempo real pelo aumento da carga



1~PHURGH9LRODo}HV


      
'DWD
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Por esse motivo, foram realizadas simulações de incremento de gera-


ção eólica (níveis de incremento iguais tanto para a programação da ope-
ração quanto para a operação em tempo real) para simular o comporta-
mento do SIN mediante uma potência instalada maior.

Marcos Leone Filho et al. 358


Figura 13.40 Identificando problemas de convergência do fluxo de
potência AC na operação em tempo real pelo aumento da carga



SX








          
'DWD
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B+RUDB2SBSHUIHLWDBSUHYLVmRBSBFDUJD,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 13.41 Violações de fluxo para diferentes cenários de


aumento de geração eólica



1~PHURGH9LRODomR


      
GDWD
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

359 Resultados da Plataforma IRIS


Dessa forma, a Figura 13.41 mostra cenários de aumento de geração
eólica que variam de 10% a 70% para o dia de referência de 2016. Nessa
igura, ica claro que há linhas com limites de luxo violados em pratica-
mente todos os cenários (a única exceção é o de 10%).
Analisando-se adicionalmente a viabilidade de convergência do luxo
de potência AC, o grá ico da Figura 13.42 mostra que apenas os cenários
de 60% e 70% apresentaram problemas quanto à convergência do luxo
de potência AC em determinados intervalos de tempo.

Figura 13.42 Convergência do fluxo de potência AC para diferentes


cenários de aumento de geração eólica



SX








          
'DWD
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
B&HQiULRBS,5,6&RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Por outro lado, a Figura 13.43 mostra cenários de aumento de gera-


ção eólica que variam de 10% a 70% para o dia de referência de 2020.
Nessa igura, ica claro que há linhas com limites de luxo violados em
praticamente todos os cenários (as únicas exceções são os cenários de
10% e 20%). Entretanto, de maneira geral, há um número maior de
linhas com limites de fluxo violados quando comparado ao dia de refe-
rência de 2016.

Marcos Leone Filho et al. 360


Figura 13.43 Violações de fluxo para diferentes cenários de
aumento de geração eólica

1~PHURGH9LRODo}HV










      
'DWD
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6&RQYHUJrQFLD9LRODo}HV)OX[R$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

Figura 13.44 Convergência do fluxo de potência AC para diferentes


cenários de aumento de geração eólica





SX






          
'DWD
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX
BBKRUDBGLDBBS,5,6RQYHUJrQFLD)OX[R3RWrQFLD$& SX

Fonte: Plataforma IRIS de Simulação.

361 Resultados da Plataforma IRIS


Mas uma vez, faz-se necessário avaliar a capacidade de convergência
do luxo de potência AC em todos os intervalos da simulação para todos os
cenários. Em 2020, entretanto, apesar de os resultados parecerem muito
similares aos obtidos para 2016, é possível notar que já há problemas
(poucos) de convergência no cenário de 50%, como apresentado no grá-
ico da Figura 13.44.
De uma maneira geral, apesar das diferenças detectadas nas avalia-
ções de aumento de geração eólica entre os anos de 2016 e 2020, não
seria totalmente equivocado dizer que, apesar do aumento da capacidade
instalada no SIN entre os anos analisados, o sistema manteve seu nível de
resiliência, uma vez que é preciso sempre levar em consideração a pos-
sibilidade de haver alguma imprecisão nos dados de simulação, os quais
podem levar a essas diferenças detectadas. Portanto, se essa premissa for
seguida, poderia ser inferido o racional de aumentar 1 ponto percen-
tual de RPO para cada montante de 820,21 MW de potência eólica
adicionado à matriz energética brasileira.
Entretanto, se for considerado que os dados utilizados são altamente
precisos e con iáveis, é possível dizer que, em 2016, o SIN suportava um
incremento de geração eólica de aproximadamente 50% enquanto, em
2020, passou a suportar 40%. O racional passaria a ser de um aumento
de um ponto percentual de RPO para cada montante de 429,10 MW
de geração eólica instalada (através da normalização da potência eólica
média de 2020 em base de 50% – que passaria a ser 6.247,62 MWmed
para poder suportar uma penetração de 50% de geração eólica).

Conclusões relacionadas ao simulador IRIS

Através de uma gama de simulações feitas com a plataforma IRIS, foi pos-
sível concluir que o SIN possui uma matriz energética muito favorável à
inserção de eólicas devido à predominância de hidrelétricas. Estas, ao que
tudo indica, parecem formar o par perfeito com as fontes renováveis vari-
áveis, como é o caso da geração eólica. Além disso, pelo fato do Controle
Automático de Geração (CAG) estar implementado dentro da plataforma
IRIS, foi possível perceber que esse recurso atua como uma enorme
reserva de potência operativa, capaz de responder imediatamente às osci-
lações de demanda e a fontes de geração variável.

Marcos Leone Filho et al. 362


Com tudo isso, foi possível concluir que o SIN, no estado em que se
encontra, é capaz de suportar incrementos de penetração de fontes variá-
veis da ordem de 30%, mas não mais que 50%. Entretanto, provavelmente
se forem mantidos os níveis de investimento, deve ser possível aumentar
um pouco mais a inserção de fontes renováveis variáveis na matriz elé-
trica brasileira, com a ressalva de que questões de avaliação dinâmica da
rede AC ainda não são suportadas pela plataforma IRIS e podem ter um
papel importantíssimo na determinação de limites mais precisos e segu-
ros para a inserção de fontes renováveis variáveis.
Além disso, a plataforma IRIS foi capaz de proporcionar meios para a
inferência da RPO utilizada implicitamente pelo SIN através da utilização
dos geradores conectados ao CAG. Foi, assim, possível detectar que o SIN
vinha utilizando, em 2016, aproximadamente 5% de RPO enquanto, em
2020, foi detectado o uso de 9%. Isso acabou proporcionando ao SIN, nesse
período de quatro anos, uma boa segurança operativa frente à inserção
de FRIs. Da mesma forma, através de várias simulações realizadas na
plataforma IRIS, foi possível chegar à conclusão de que, para se manter
um nível de segurança razoável do SIN quanto à penetração de FRIs,
deve-se aumentar um ponto percentual de RPO para cada montante
de 429,10 MW geração eólica instalada.

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365 Resultados da Plataforma IRIS


CONSTATAÇÕES E PERSPECTIVAS FUTURAS
14
Osvaldo L. Soliano Pereira
Fernando A. de Almeida Prado Jr.

Esse livro apresenta os resultados, as re lexões, os aprendizados e os


principais desenvolvimentos construídos com dezenas de pesquisadores
e representantes das empresas patrocinadoras do Projeto de Pesquisa
e Desenvolvimento “IRIS – Integração de Renováveis Intermitentes:
Um modelo de simulação da operação do sistema elétrico brasileiro
para apoio ao planejamento, operação, comercialização e regula-
ção”. Certamente, uma primeira e lagrante conclusão é que o título do
P&D hoje seria diferente. Em vez de fontes intermitentes, seriam denomi-
nadas de variáveis, o que já permeou todo esse livro. Algo que, no passado,
foram chamadas de fontes alternativas e que, no futuro próximo, serão
identi icadas como fontes convencionais.
A transformação pela qual passa o setor elétrico mundial e, ainda len-
tamente, o nacional enquadra-se numa revolução Schumpteriana com sua
conceituação de destruição criativa, a qual, evidentemente, em muito se
deve à inserção crescente das Fontes Renováveis Intermientes (FRIs). Sua
crescente presença na matriz elétrica vai alterar, de forma substantiva,
a operação da rede elétrica, as regras de segurança, os preços diretos e
indiretos do mercado de energia, além da maneira como os negócios são
realizados e das regras regulatórias.
Várias são as razões exaustivamente discutidas nessa publicação e
sumarizadas a seguir. Contudo, as mudanças climáticas e seus efeitos per-
versos à sociedade humana representam um dos mais importantes fato-
res que alicerçam essa transformação, os quais alguns ainda preferem ver
como transição, cujo curso já se encontra em andamento acelerado. Esse
pano de fundo vai pautar os avanços tecnológicos e a consequente queda
de preços que, com a implementação de políticas de apoio, formatam o
ciclo virtuoso que as FRIs vivem e continuarão a viver.
A consequência dessa revolução são impactos econômicos, em fun-
ção de novos modelos de negócios, dos custos decorrentes de riscos de
mercado e do aumento da complexidade da operação e seus re lexos nos
custos de longo e curto prazo, respectivamente. Ainda no que diz respeito
aos custos de curto prazo, tem-se a questão do chamado Efeito de Ordem
de Mérito (EOM). Neste, preços muito baixos, que até podem ser negati-
vos, afetam toda uma cadeia de infraestrutura convencional. Há impactos
operativos signi icativos, que têm repercutido nas estruturas dos opera-
dores independentes, nos tempos necessários de respostas, cada vez mais
restritos, e nas necessidades de reservas disponíveis. Esses impactos pas-
sam a exigir mudanças legais e regulatórias, sobretudo, quando as FRIs
se tornam muito competitivas, como no caso do Brasil. Apenas para citar
dois exemplos nacionais, tem-se a MP 998, que tenta retirar subsídios à
transmissão das fontes intermitentes ou a proposta de revisão do marco
da compensação de energia elétrica feita pela ANEEL.
Para mitigação desses impactos, várias são as estratégias possíveis,
tanto tecnológicas como na formatação dos negócios. Entre as tecnológi-
cas, podem ser citados os sistemas informatizados de operação que faci-
litam as alternativas de promoção de uma Resposta da Demanda (RD),
além dos sistemas de gestão com as Redes Elétricas Inteligentes (REIs) e
as Micro Grids (MGs), o aumento da robustez dos sistemas de transmissão
e, sobretudo, os sistemas de armazenamento. O estabelecimento de novas
formas de negócios e novas visões de como devem se formatar as conces-
sionárias são respostas aos impactos mencionados e à provável desinter-
mediação, que afetarão os negócios como são tratados atualmente.
O projeto IRIS, com seu modelo desenvolvido, contempla vários
pacotes de simulação, os quais permitem gerar diferentes cenários e
perspectivas futuras, etc. Ao longo desse capítulo conclusivo, além de
uma revisão geral do livro, apresenta-se uma visão do futuro das princi-
pais possibilidades e ajustes que possam vir a ser importantes no desen-
volvimento da tecnologia, dos negócios e das políticas públicas relacio-
nados às FRIs.

367 Constatações e Perspectivas Futuras


Status no Mundo e no Brasil

O mundo está vivendo uma grande transformação energética com uma taxa
de crescimento sem precedentes das FRIs, sempre superando as expecta-
tivas anteriores da Agência Internacional de Energia - AIE, ao se falar glo-
balmente, e da EPE, em nível nacional. Não sem razão, a AIE, em seu World
Energy Outlook 2020, incluiu um quarto cenário para 2050, chamado de
Emissões Líquidas Zero em 2050 (NZE2050), que avança muito no seu, até
então, cenário mais otimista de Desenvolvimento Sustentável. Não dife-
rente, a EPE, em seu Plano Nacional de Energia – PNE 2050, deixa de esta-
belecer cenários ou metas, mas apenas um elenco de possibilidades. Estas,
na mais otimista delas, pela ótica das renováveis, indica uma matriz elétrica
100% renovável, com 50 GW de energia eólica e solar, hidrelétrica e bio-
massa a 90% de fator de capacidade compondo o restante.
Globalmente, em 2019, as capacidades líquidas adicionadas foram de
117 GW para a fonte solar, 61 GW de eólica, 60 GW para o gás natural
e 18 GW para o carvão (SolarPower Europe, 2020), o que mostra como
as duas FRIs se tornaram as fontes mais importantes para a expansão
do uso da energia elétrica. A energia eólica acumulou, ao inal de 2019,
uma capacidade instalada de mais de 650 GW e a solar fotovoltaica se
aproximou de 630 GW. À fonte solar, poderiam ser somados mais 21 GW
dos concentradores solares. Entretanto, do ponto de vista deste livro, tais
concentradores perdem um pouco de interesse à medida que essas fontes
sempre estão acopladas a mecanismos de armazenamento de calor e têm
sua variabilidade reduzida.
No Brasil, em outubro de 2020, a ANEEL mostrava uma potência
outorgada de 27,4 GW de energia eólica e de 16,8 GW de energia solar
fotovoltaica. Nesse caso, estão incluídas as centrais em construção e com
construção ainda não iniciada, respectivamente, 16,3 GW e 3,1 GW, além
daquelas em operação. É importante ressaltar que a relação entre a potên-
cia das usinas eólicas para as usinas solares em operação é de 5,2 vezes,
mas, quando se olha a relação do total outorgado entre as duas fontes, esta
é de apenas 1,6 vezes. As duas fontes já somam 21% do total da potência
outorgada no País, estando excluída dessa totalidade a capacidade insta-
lada em sistemas de geração distribuída no âmbito da Resolução 482 da
ANEEL. Tais sistemas somavam, no mesmo mês, 3,9 GW em energia solar
fotovoltaica e 15 MW em eólica.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 368


Evidencia-se, portanto, um aumento vertiginoso das FRIs, cenário
que tende a ser ainda mais acelerado em prazos mediatos, con irmando
uma tendência de expansão crescente e inexorável. Esse crescimento
representa o ponto fundamental de justi icação da existência do projeto
IRIS, que procura identi icar e quali icar as principais complexidades
técnicas, econômicas e regulatórias, quem tendem a demandar, cada vez
mais, a atenção à medida que a crescente participação das FRIs na matriz
elétrica agrava a complexidade desse quadro.
Os principais direcionadores dessa expansão irresistível podem ser
listados e arranjados de diferentes formas, incluindo-se entre eles: (i) a
redução muito expressiva dos custos de produção, (ii) a lexibilidade e
a capacidade de adaptação e de resposta dessas fontes intermitentes a
políticas públicas de incentivo, (iii) a necessidade premente de redução
de GEE para enfrentamento das questões das mudanças climáticas, (iv)
o surgimento de novas tecnologias conexas com as FRIs, em especial,
aquelas de Geração Distribuída de Pequena Escala (GDPE) de armaze-
namento de energia e de automação elétrica, muitas vezes, associadas
às redes elétricas inteligentes (REIs), (v) as vantagens comparativas das
FRIs em relação a impactos ambientais de forma geral, (vi) a capacidade
de expansão da oferta de energia na forma de pequena escala e com uti-
lização de recursos renováveis e (vii) a capacidade de geração de valor
econômico com equipamentos de elevada tecnologia e surgimento de
novos negócios e empregos de alto valor agregado, associados a essas
alternativas tecnológicas.
Entendeu-se, nessa publicação, que, em um passado mais distante,
sobretudo, seguinte às crises do petróleo, a busca era por fontes alter-
nativas a uma eventual escassez ou manipulação dos preços do pro-
duto, situação que não se configurou nas décadas seguintes e que man-
teve as fontes alternativas em compasso de espera. Nos dias de hoje,
tais fontes foram alavancadas, primordialmente, pelas preocupações
ambientais e climáticas, ponto de partida para a definição de novas
políticas de incentivo, as quais estimularam extraordinários avan-
ços tecnológicos e consequentes reduções de preços, forjando novas
estruturas de mercado e de negócios e criando o ciclo virtuoso que se
observa atualmente e para o futuro.

369 Constatações e Perspectivas Futuras


Razões da expansão massiva

A expansão massiva do uso das fontes renováveis está diretamente imbri-


cada com a questão ambiental, na medida em que a produção e o uso da
energia elétrica são a principal fonte de emissão de dióxido de carbono, o
mais impactante gás de efeito estufa. Vale ressaltar também as emissões
dos poluentes do ar, com destaque para o dióxido de enxofre, primaria-
mente oriundo da combustão do carvão, mas também dos óxidos de nitro-
gênio e material particulado. E se existe um ciclo virtuoso entre a mitiga-
ção das emissões de CO2 e a massi icação das renováveis, particularmente
das renováveis intermitentes – solar e eólica, criando escala para a redu-
ção de seus custos e permitindo avançar nos esforços de mitigação, essa
mesma mitigação do CO2 pode resultar em melhoria signi icativa na quali-
dade do ar, ao se planejar de forma integrada as duas políticas ambientais.
Sete milhões de pessoas são mortas, anualmente, por conta da polui-
ção do ar. A se continuarem as políticas vigentes, o que incluiria o cum-
primento dos compromissos estabelecidos pelo Acordo de Paris, a tem-
peratura média do planeta poderia subir além de 2,6℃, fazendo violar o
outro objetivo do Acordo que indica que essa mesma temperatura icasse
bem abaixo de 2℃. Considerando que dois terços das emissões globais de
gases de efeito estufa são oriundos do setor de energia e que um terço das
emissões de dióxido de enxofre são provenientes da produção de energia
elétrica,93 o caminho para a solução desse duplo problema é inquestioná-
vel, passando pelo abandono do uso das fontes fósseis e pela expansão
cada vez maior das renováveis. Nesse sentido, como se deixou evidente ao
longo de diversos cenários apresentados, pode-se seguir uma transição
gradual ou rápida, mais baseada em políticas já vigentes ou perseguindo
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como preconizam
em seus cenários a AIE e a IRENA.
A disponibilidade do recurso renovável está razoavelmente bem dis-
tribuída pelo planeta, embora visivelmente menor na região das grandes
lorestas tropicais. Os países com grandes extensões terão sempre ener-
gia solar su iciente para atender suas demandas quando se atingir o nível
de viabilidade econômica. Nessas condições, mesmo países com menores

93
O relatório do Greenpeace com o ranking das piores fontes de SO2 do mundo atribui 31%
das emissões desse poluente nesses hotpots ao carvão, em 2018 (Greenpeace, 2019).

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 370


valores de radiação podem vir a ser grandes usuários da energia solar, como
o Japão e a Alemanha. O recurso eólico exige maior esforço de identi ica-
ção dos pontos de maior disponibilidade. Contudo, há vários exemplos de
regiões que, apesar de grandes potenciais de eólica, ainda não são usuárias
importantes do recurso, normalmente por disporem de outras fontes mais
economicamente viáveis, pela ausência de um mercado signi icativo ou por
incapacidade de investimento. Uma constatação relevante é que oito países
estão entre os maiores usuários de ambas as fontes de energia.
Na dimensão social, a participação mais democrática no compartilha-
mento dos custos e bene ícios de ambas as fontes será sempre um fator
de maior aceitação social. Na gênese do programa alemão, que se consti-
tuiu em um dos pioneiros globalmente, estava uma participação local nos
investimentos e receitas dos projetos eólicos. Essa questão, todavia, não
foi relevante para projetos nos Estados Unidos e na China, assim como
para países onde a capacidade de investimento local é muito baixa ou
onde os projetos já surgiram no escopo da sistemática de leilões, em que
os ganhos de escala são fatores preponderantes na expansão dos parques.
Outro fator da dimensão social, extremamente relevante, é a cria-
ção de empregos que pode ser signi icativa em países com um mercado
interno pujante, como o Brasil, os Estados Unidos, a China, entre outros,
ou países que se capacitem técnica e politicamente para a exportação, com
políticas industriais arrojadas, a exemplo da Dinamarca, da Alemanha, da
Espanha e da China, os três primeiros na energia eólica e o último na ener-
gia solar fotovoltaica.
Nos países emergentes, além da criação de empregos, a introdução de
medidas compensatórias de caráter social tende a criar um maior equilí-
brio no compartilhamento local de custos e bene ícios, embora a questão
da aceitação social ainda não seja um grande limitador, seja pela escala
ainda pequena ou pelo apelo do desenvolvimento tecnológico. No Brasil,
a questão do apoio à regularização fundiária tem sido vista como um
avanço social, ainda que haja eventuais con litos em algumas áreas.
As políticas de apoio às renováveis são diretamente in luenciadas
pela questão ambiental, mais particularmente na China, pelo objetivo
de descarbonizar o setor elétrico, assim como na Comunidade Europeia.
Entretanto, o fato de a energia elétrica de origem solar e eólica ter tido
seus custos de produção tão dramaticamente reduzidos passou a permitir

371 Constatações e Perspectivas Futuras


que o componente econômico sobrepujasse o ambiental. Como as fontes
solar e eólica são praticamente universais, as características especí icas
de cada uma delas também deixaram de ser um elemento preponderante
na formatação das políticas, que passaram a convergir globalmente para
o modelo de leilões reversos. Finalmente, a tendência, entre a maior parte
dos países, de adotar tais leilões, ainda que com pequenas variações,
sinaliza que as políticas também indam convergindo entre os países,
globalizando-se.
O dilema inicial entre incentivos via preço (FiTs), que estimulariam
mais o desenvolvimento tecnológico à medida que o empreendedor teria
o interesse de aumentar sua margem, e quotas (RPS), que in luenciariam
mais o preço no momento inicial, foi sendo desfeito. A crise econômica
fez reduzir o volume de subsídios disponíveis para as FiTs, e os leilões
reversos vêm se consolidando globalmente. Modelos híbridos, como no
caso chinês, em que as FiTs são disputadas em algumas províncias através
de leilões para cumprir metas, mostram que não existem políticas fecha-
das. No Brasil, apesar dos leilões terem estimulado um mercado extre-
mamente competitivo, referência internacional, revisões no seu modelo
também estão em curso para estabelecer um valor mais adequado para o
atributo das diferentes formas de energia.
No horizonte de médio prazo, o imposto sobre o carbono será o prin-
cipal instrumento que impulsionará a transformação energética para as
renováveis. Paralelamente, à medida que a paridade com as demais fon-
tes convencionais, como discutida para o caso chinês, for se consolidando
globalmente, outros instrumentos de política e de mercado se farão
necessários para aumentar a lexibilidades das redes à intermitência das
fontes solar e eólica. Deve ser incluída, na lista, a criação de um mercado
atacadista de energia que funcione para as renováveis, possibilitando a
comercialização dos excedentes de energia solar e eólica, minimizando
o risco de de icit dessas fontes e permitindo maior exposição dos consu-
midores ao preço do mercado e a maiores níveis de geração distribuída,
inclusive com armazenamento.
Vários são os desenvolvimentos tecnológicos que contribuirão para
acelerar as reduções de custos necessárias a uma penetração ainda maior
do uso da energia eólica, incluindo: turbinas eólicas mais e icientes, altura
mais elevada dos rotores, aumento do tamanho das pás, tecnologias de

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 372


fundação, incluindo turbinas lutuantes para o caso offshore, digitalização
e mecanismos de controle das turbinas, repotenciação, aprimoramento
das técnicas de manutenção, modelos de previsão dos ventos, facilitação
para controle, despacho e integração das fazendas eólicas, estratégias de
mercado, entre outros.
Tecnologias ditas facilitadoras são soluções e inovações tecnológicas
para promover e acelerar a integração de maiores níveis de penetração
das fontes renováveis intermitentes ao sistema elétrico. Tais tecnologias
são, geralmente, ligadas à digitalização e ao armazenamento de energia,
incluindo redes inteligentes, Internet das coisas, uso de mega-dados, inte-
ligência arti icial e Blockchain. Essas tecnologias devem ser acopladas a
mudanças não tecnológicas, como novos modelos de negócios, de designs
de mercado e de operação do sistema, resultando no que pode ser cha-
mada de inovação sistêmica.
O avanço tecnológico já alcançando e as políticas de incentivo dis-
cutidas anteriormente, sobretudo, baseadas na necessidade de reduzir
o impacto ambiental das fontes fósseis, resultaram em uma redução de
77% do custo da energia elétrica de origem solar fotovoltaica e 22% da
eólica, em menos de uma década, sendo as perspectivas para o futuro
ainda maiores.
Novos avanços tecnológicos são previstos, em particular, na e iciência
do aproveitamento do recurso solar e no crescimento dos diâmetros dos
rotores dos aerogeradores. Da mesma forma, a e iciência de equipamen-
tos de eletrônica de potência, a exemplo dos inversores, e a digitalização
incorporando IoT, mega-dados e inteligência arti icial. Tais avanços podem
solucionar um dos grandes desa ios para as fontes intermitentes, ou seja,
a previsão mais precisa e para intervalos de tempo cada vez maiores, pro-
vendo mais lexibilidade e reduzindo a incerteza na operação do sistema
elétrico, com crescentes níveis de penetração das fontes intermitentes.
Diversas são as inovações, ditas tecnológicas e não tecnológicas, que
produzem o que se chama de soluções sistêmicas. Uma das mais relevan-
tes, pelo seu baixo custo de infraestrutura e tecnologia, pelo moderado
desa io não tecnológico e pelo moderado potencial de aumentar a lexibi-
lidade do sistema, é a redução da incerteza da geração com FRIs através
da previsão avançada do tempo, fazendo uso de computação baseada em
nuvem e inteligência arti icial. Ainda segundo o estado da arte do conhe-

373 Constatações e Perspectivas Futuras


cimento, os níveis de erro de 3% a 6% da capacidade nominal, para uma
hora à frente, e de 6% a 8%, para um dia à frente, poderiam ser trabalha-
dos com mais precisão em um intervalo de duas a seis horas, impactando
as necessidades de lexibilidade em um horizonte de tempo de minutos a
uma semana. Nesse sentido, o projeto de pesquisa IRIS procura dar uma
contribuição para o caso do Brasil, que tem a peculiaridade de grandes
reservatórios hidrelétricos.

Impactos Econômicos e Operativos

Os efeitos econômicos da expansão das FRIs, conforme analisados nas


seções precedentes, são intensos e de alta complexidade. Efeitos bené i-
cos podem provocar ganhos no curto prazo para consumidores, mas tais
ganhos poderiam não ser su icientes para inanciar os incentivos desen-
volvidos para alavancar as FRIs, se os custos das externalidades ambien-
tais e climáticas não forem considerados. Ou seja, o conjunto de bene í-
cios produzidos para alguns poderia ser inferior ao que foi investido pela
sociedade como um todo.
A complexidade de todas essas análises torna a decisão sobre qual é
a expansão ótima de FRIs para um determinado país cada vez mais di í-
cil de ser alcançada. Ainda que essas condicionantes sejam mutantes no
tempo, a penetração ótima de FRIs dependerá da infraestrutura existente,
do marco regulatório instalado e dos custos relativos dos investimentos
em cada uma das alternativas de geração. Muitos desses custos são cen-
tralizados (por exemplo, repasses do Tesouro para incentivos a fontes
ambientalmente sadias) e os bene ícios são descentralizados entre os
agentes de comercialização, o que torna ainda mais di ícil seu estudo de
forma objetiva e que não dependa sempre de hipóteses que podem dire-
cionar as conclusões.
Resumidamente, os impactos econômicos das FRIs produzem muitos
efeitos, como por exemplo: (i) redução dos preços do mercado spot, (ii)
maior volatilidade nos preços do mercado spot, (iii) transferência de renda
de geradores para o mercado e (iv) criação de argumentos desfavoráveis
a políticas de incentivo a FRIs. Eventualmente, é preciso avaliar se a renda
perdida pelos geradores, efetivamente, chega aos consumidores inais.
Esses efeitos econômicos representam um excelente exemplo do
risco a que contratos muito longos, baseados em premissas cada vez mais

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 374


voláteis e instáveis, icam expostos. Pode-se antever que uma ampliação
de mercados desregulados permitirá um maior acesso dos consumidores
de pequeno porte a preços afetados pelo EOM. Existe a possibilidade do
efeito ordem de mérito se reduzir e mesmo se anular em prazos mais dila-
tados. Isso poderia ser explicado pela ótica de que preços de longo prazo
re litam mais as expectativas dos agentes de mercado sobre os fundamen-
tos da indústria de energia nessa perspectiva.
Finalmente, pode-se concluir que a penetração ideal das FRIs depende
de condições endógenas da indústria (infraestrutura instalada, preços de
equipamentos, mercado consumidor e regulação) e de fatores exógenos,
como a disponibilidade de recursos naturais, a existência de produtos
substitutos, além das condições climáticas (inclusive regulamentos de
preservação ambiental exigíveis).
Com a inserção das FRIs ultrapassando os limites, até então consi-
derados factíveis (20% a 30% da capacidade instalada, o que tem sido
observado no Nordeste), sem que existam transformações radicais nos
sistemas operativos ou alterações nos modelos comerciais, há a necessi-
dade de se enfrentar barreiras também técnicas, além das econômicas,
mencionadas acima.
As principais transformações, identi icadas para ocorrerem na indús-
tria de energia elétrica (mobilidade elétrica, redes elétricas inteligentes
e micro/minigeração distribuída), podem trazer alternativas de equacio-
namento da problemática apontada, embora não sejam esperadas solu-
ções de initivas e nem integrais, inclusive, porque parte das di iculdades
depende de características regionais e da disponibilidade de recursos
naturais.
Grandes esforços em pesquisas e aprimoramento dos sistemas de
previsibilidade climática e de operação dos sistemas devem ser incenti-
vados, a exemplo do projeto IRIS, objeto deste livro, em especial, porque
a demanda por recursos e/ou serviços ambientais tende a crescer, assim
como os esforços decorrentes de compromissos voluntários relacionados
às mudanças climáticas.
É possível antever o grande desenvolvimento tecnológico na ciência
e na regulação dos temas ligados à inserção massiva das FRIs, que requer
novos paradigmas na concepção ísica e de mercado dos sistemas de
potência com grande presença dessas fontes.

375 Constatações e Perspectivas Futuras


Impactos das FRIs na formatação dos negócios e na
regulação da indústria de energia elétrica

Rupturas tecnológicas e sociais podem e geralmente levam a mudanças


nos hábitos de consumo que alteram os mercados. A indústria de energia
elétrica representa um ótimo exemplo de uma estrutura estabelecida por
muitas décadas. Inúmeras experiências indicam que indústrias bem esta-
belecidas e que pareciam experimentar um ciclo de crescimento e sucesso
garantido foram surpreendidas por mudanças disruptivas que transfor-
maram de forma radical e rápida o status de sucesso anterior.
Novas necessidades são adicionadas aos hábitos da população e novas
crenças em como administrar tais necessidades por parte do Estado aca-
bam por vir a reboque dessas mudanças.
As FRIs fazem parte desse processo de transformação, em que a
regulação e as companhias estabelecidas nos conceitos de business as
usual podem e, provavelmente, serão impactadas de forma radical pelas
mudanças aceleradas antevistas pelos analistas.
A regulação produz efeitos reativos (eventualmente atrasados) ao
desenvolvimento de tecnologias e de novas formas de consolidação dos
negócios. As alternativas para mitigar os eventuais impactos negativos
das FRIs e maximizar seus efeitos virtuosos evidenciam o quão profunda
pode ser a necessidade de novos regulamentos. A acentuada curva de
penetração das FRIs indica a criação de demanda por regulação em múl-
tiplas dimensões. Assim, os reguladores terão um desa io relevante de
encontrar formas práticas e ágeis para fazer a transição da teoria para a
prática no desenho dos regulamentos.
Diferentes segmentos da indústria de energia podem requerer con-
tribuições regulatórias para que o equilíbrio entre os agentes de produ-
ção e consumo seja mantido. As FRIs irão afetar o arcabouço regulatório
e, provavelmente, impactarão enormemente as mudanças previstas pelos
analistas.

Estratégias de incentivos à expansão e de


mitigação dos impactos das FRIs

Como colocado acima, a expansão das FRIs possui vantagens e di iculda-


des de ordem técnica e econômica. Assim, dentro de uma visão pragmá-

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 376


tica, resta aos planejadores e reguladores identi icarem estratégias que
propiciem a expansão dando suporte às escolhas do mercado sobre as
FRIs pelas suas qualidades intrínsecas, além de desenvolverem alternati-
vas para mitigar os impactos que resultam desse crescimento.
Entre essas soluções, estão os sistemas de armazenamento, as alter-
nativas de promover ações de RD, os sistemas de gestão com as REIs e as
microgrids (MGs). A diversi icação de fontes renováveis e o planejamento
integrado desses recursos, incluídos os sistemas de previsão da capaci-
dade produtiva das fontes eólicas e solares, representam opções para o
gerenciamento do crescimento da oferta das FRIs. Merecem destaque o
fortalecimento dos sistemas de transmissão, permitindo mais e mais as
possibilidades de intercâmbios, e os estudos demográ icos para propor o
equilíbrio de fontes de geração cada vez mais integradas na proximidade
de seus mercados de consumo, os quais também estão entre essas opções.

O papel dos sistemas de armazenamento frente à


inserção crescente das FRIs e dos novos materiais

É inexorável o uso crescente de sistemas de armazenamento de energia no


contexto da alta penetração das FRIs nos sistemas de potência. A experi-
ência nesse segmento ainda se encontra em fase inicial; entretanto, é con-
sensual que as baterias podem ser muito úteis quando implantadas estra-
tegicamente em redes de distribuição em que a expansão pode ser muito
cara e disruptiva, criando o que pode ser chamado de linhas virtuais.
As melhores oportunidades comerciais para investidores em siste-
mas provedores de armazenamento giram em torno da chamada arbitra-
gem de preços de curto prazo. No entanto, a ausência de regulamentação
em torno do despacho desses sistemas de armazenamento pode causar
riscos a esses empreendedores, pois podem, em tese, serem chamados a
operar os sistemas em momentos de necessidade operativa, mas de pre-
ços não necessariamente interessantes. Há que se observar que, mesmo
com margens aparentemente altas, existem perdas nos ciclos de carga e
descarga que reduzem os ganhos potenciais. Mas apenas a arbitragem não
re lete a real contribuição do armazenamento para os sistemas de potên-
cia, sobretudo, quando integrada a sistemas com altos níveis de penetra-
ção das FRIs. Ademais, ela, isoladamente, não garantiria a rentabilidade
dos sistemas de armazenamento. Estima-se que, à medida que as FRIs

377 Constatações e Perspectivas Futuras


estejam mais presentes na rede e que cresça a participação de sistemas
de armazenamento, as oportunidades de arbitragem tendem a diminuir.
A instalação de sistemas de armazenamento tem sido considerada
como alternativa a investimentos em infraestrutura, como linhas de
transmissão. No entanto, os RTOs e ISOs tendem a considerar, no curto
prazo, com maior ênfase, os atributos dos sistemas de armazenamento
para fazer frente às di iculdades operativas, em especial, aquelas decor-
rentes de serviços ancilares. Mas já se reconhece que se deve valorar não
apenas os serviços tradicionais de fornecimento de capacidade, energia
e ancilares, mas também a postergação de reforços na T&D, formas adi-
cionais de lexibilidade da rede e bene ícios situados no lado do cliente.
Nesse sentido, avança a Resolução 841 da FERC americana.
O armazenamento de energia elétrica não seria a única tecnologia
facilitadora para uma grande lexibilização para as FRIs nos sistemas de
potência. Para um maior impacto na lexibilização dessas fontes, o arma-
zenamento deveria vir acoplado à eletri icação de setores inais (carros,
elétricos, produção de calor e de hidrogênio), tecnologias digitais, novas
redes e geração despachável. Os principais impactos positivos das baterias
nos sistemas de potência são, assim, na operação do sistema, na geração
das fontes renováveis intermitentes e na postergação de investimentos.
O armazenamento de energia pode se dar de diversas formas, usando
variadas tecnologias e sob diferentes condições, tendo hoje como tecnolo-
gias mais consolidadas as usinas reversíveis e as baterias de íons de lítio.
Todavia, avanços ainda precisam ser alcançados em relação ao gasto de
energia no ciclo de vida para produzir os sistemas de armazenamento e
às perdas que acontecem nos ciclos de carga e descarga.
Pelo caráter de algo ainda novo e complexo, o armazenamento de
energia elétrica ainda necessita de alterações nos regulamentos e regras
de mercado existentes. Se, por um lado, o armazenamento nem sempre é a
melhor solução, por outro, a monetização do valor de todos os seus servi-
ços resultará em uma maximização da lexibilidade e da e iciência da rede.
Uma outra questão importante para a expansão do uso das FRIs é a busca
contínua pela maior e iciência e con iabilidade dessas fontes, pesquisando
novos materiais ou aperfeiçoando os já utilizados nos painéis fotovoltaicos,
nas baterias e nas turbinas eólicas. Apesar de não exaustivo, busca-se trazer
os principais problemas, gargalos e desa ios, inclusive no sentido de manter
ou aumentar a característica de pequeno impacto ambiental dessas fontes.

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 378


No caso da energia solar fotovoltaica, os materiais incluem o cádmio,
o telúrio, o selênio, o índio, entre outros. Em se tratando da energia eólica,
destacam-se o neodímio e o disprósio. Nas baterias, apesar de o lítio não
ser considerado um material crítico, sua demanda deve crescer astrono-
micamente, além da do cobalto e do níquel e dos mesmos materiais usa-
dos nos ímãs permanentes das eólicas.
Percebe-se, em todos os casos, uma preocupação com a redução do
uso dos materiais, buscando maior e iciência, redução no custo inal ou
rentabilidade (cost-effectiveness) das alternativas e a eventual substitui-
ção e reciclagem dos materiais usados.
O uso intenso de materiais na energia solar fotovoltaica, nas baterias
e, sobretudo, na energia eólica com os ímãs permanentes pressionará a
busca por novos materiais, alguns deles podendo se tornar críticos em
função da disponibilidade ou da necessidade de aumento de escala de
produção, criando vulnerabilidades e riscos. Contudo, há uma persegui-
ção contínua pelo uso mais e iciente ou pela substituição desses mate-
riais, assim como existem possibilidades alternativas, em geral, compatí-
veis com o aperfeiçoamento das técnicas de produção, além de uma visão
dinâmica do desenvolvimento tecnológico, como se se dispusesse sempre
de um trunfo tecnológico. A utilização da nanotecnologia nos estudos e o
desenvolvimento de novos materiais podem ser um potencial agregador
nessa busca de inovações. Sobretudo, as novas tecnologias, que se encon-
tram em células com nanocristais, polímeros, corantes e perovskitas, por
apresentarem materiais alternativos, con igurações de dispositivos e téc-
nicas de fabricação em fase de desenvolvimento, apontam propriedades
reduzidas quando comparadas às tecnologias anteriores. No entanto, ofe-
recem diversas vantagens, tais como lexibilidade mecânica, baixo custo e
facilidade de processamento.

Concepção do simulador IRIS

O projeto IRIS tem como núcleo computacional um framework desenvol-


vido com o objetivo de simular diferentes cenários de operação ou pla-
nejamento da expansão. Para isso, sua proposta é simular a operação de
maneira extremamente iel ao que é experimentado no mundo real de tal
forma que, dado um conjunto de dados, premissas e políticas, ele é capaz
de emular uma operação em tempo real (também conhecida no Brasil

379 Constatações e Perspectivas Futuras


como “pós-operativo”). Portanto, ele conta com dois simuladores básicos.
O primeiro deles tem como objetivo emular o processo de alocação dos
geradores na programação diária da operação da maneira como é feito
tradicionalmente pelo ONS. Já o segundo usa como insumo a programação
diária da operação feita pelo primeiro simulador (mas também pode usar
uma programação real já consolidada ou uma programação da operação
sugerida pelo software DESSEM ou até uma programação feita por qual-
quer outro software) para simular a operação em tempo real para, com
isso, conseguir avaliar de maneira precisa (em intervalos de 5 em 5 min
ou menos) os impactos de diferentes cenários de penetração de FRIs.
O IRIS foi concebido para reproduzir o processo dos procedimentos de
programação da operação e operação em tempo real realizados pelo ONS
e assegurar que os resultados da programação diária da operação gerada
pelo simulador IRIS sejam realistas. Para avaliar esse realismo, os valores
da programação gerada pelo simulador devem ser próximos (possuem
comportamentos parecidos) à programação que foi efetivamente feita pelo
ONS em uma determinada semana de calibração. A programação, por sua
vez, serve de insumo para a operação em tempo real e, dessa forma, a simu-
lação em tempo real gerada pelo simulador IRIS também deve ser razoa-
velmente próxima àquela registrada pelo ONS (chamado de pós-operativo).
Uma importante fase de desenvolvimento do simulador IRIS foi o
georreferenciamento de todos os barramentos do SIN contidos no deck
ANAREDE. Esse processo foi identi icado como vital para que seja possí-
vel determinar as injeções e cargas em pontos da rede atualmente conhe-
cidos e em pontos que ainda não existem (por exemplo, para simular a
entrada de um novo gerador eólico em qualquer geolocalização do terri-
tório brasileiro). Além disso, para poder visualizar e avaliar os resultados
da simulação, uma vez que muitas análises são di íceis ou impossíveis de
serem realizadas de forma analítica.
O processo de simulação provido pelo framework IRIS pode ser divi-
dido didaticamente em seis fases:
• Fase 1: carregamento, processamento e indexação dos dados
básicos do grid para a simulação;
• Fase 2: preparação para a simulação – carregamento dos dados já
processados e indexados para iniciar a simulação;

Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 380


• Fase 3: de inição das condições iniciais para a simulação da pro-
gramação da operação;
• Fase 4: simulação da programação da operação;
• Fase 5: de inição das condições iniciais para a simulação da ope-
ração em tempo real;
• Fase 6: simulação da operação em tempo real.

Toda a complexidade de análise e programação de múltiplos procedi-


mentos do despacho de um sistema integrado, como o existente no Brasil
e em muitos outros países, inclusive em casos que ultrapassam as frontei-
ras das nações, foi contemplada no IRIS.
A complexidade da operação e seu agravamento nas diferentes ver-
tentes da indústria de energia elétrica com a inserção crescente das FRIs
foi abordada exaustivamente. O projeto IRIS, desenvolvido dentro da
legislação brasileira sob a coordenação da ANEEL em seu programa de
P&D, apresentou importante contribuição para o enfrentamento dos mais
diferentes aspectos dessa complexidade crescente.
A contribuição do projeto IRIS ainda permite antever novas oportu-
nidades para o desenvolvimento de pesquisas e inovação na perspectiva
desse crescimento acelerado das FRIs. Esses desenvolvimentos icarão
ainda mais importantes com os adventos dos preços horários na perspec-
tiva de curto prazo e com outras medidas do projeto de modernização da
indústria de eletricidade.
Os pesquisadores desse projeto e todos os colaboradores das empre-
sas patrocinadoras puderam, ao longo da pesquisa, ter uma concepção
clara do quão transformadora a inserção das FRIs será para a indústria
de energia elétrica em especi ico e para uma nova sociedade que será dis-
ruptiva na automação e nos temas relacionados ao meio ambiente. O
futuro irá permitir que essa percepção seja cada vez mais difundida na
sociedade em geral.

Referências:
GREENPEACE. Global So2 emission hotspot database. 2019. Disponível em: https://storage.
googleapis.com/planet4-international-stateless/2019/08/e40af3dd-global-hotspot-and-
emission-sources-for-so2_16_august-2019.pdf. Acesso em: out. 2020. Publicado em 2019.

381 Constatações e Perspectivas Futuras


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Osvaldo L. Soliano Pereira e Fernando A. de Almeida Prado Jr. 382

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