Você está na página 1de 16

"Como as folhas no chão da floresta ...••: Espaço e tempo no ritual Barasana.

(artigo. apresentada na simpósio.: "Tempo. saciaI nas saciedades das terras baixas
sulamericanas" XLII Cangressa Internacianal de Americanistas. Setembro., 2-9,
1976.
Stephen Hugh Janes, King's Callege, Cambridge, England.

o abjetiva deste artigo. é mastrar cama se pade abter uma visão. da estrutura
Barasana e de suas idéias relativas à descendência, a partir de um estuda da ritual
da he wi au casa de Juruparí. Argumenta-se inicialmente que a camunidade de cada
malaca é um micracasma da saciedade tatal, e, em seguida, que muitas aspectas da
estrutura sacial só são. tatalmente aperativas em um cantexta ritual. Na he wi, a
malaca se tarna a própria mundo., e as pessaas na seu interiar passam a representar
a saciedade cama um tado..

L EstrutUra So.cial

Os Barasana são. um das numero.sos grupo.s indigenas que habitam a região.


Pira-Parana do. Uaupés co.lo.mbiano..Do. mesmo. mo.do.que o.utro.sgrupo.s de fala
Tukano. das Uaupés, eles po.ssuem uma forma de arganização. so.cial para a qual a
nação.de descendênciap0.ge ser aplicada co.m muito. meno.s hesitação. do que para
muitas o.utras saciedades amerindiaS. Também, e talvez de modo. inco.mum para a
Amazônia, as ~aciedades n~staárea mo.stramuril.grau.relativame~te pro.~unciado.
de o.rganização.hierárquica.

No nível mais alto.,a saciedade indigena na região. Pira-Parana, co.nsiste em uma


série de grupo.s cama que. exagâmico.s, cada um das quais. fala uma língua
deferente, mantidas juntas par relações de c~samento.. Neste co.ntexto.,a nação..de
tribo. to.mo. um agrupamento. sacia I. fecl")ada não. tem vaiar, po..iscada unidade,
1
~aria~d(njgro.sso. mo.do.entre 200 a 000 i~dividUo.s: é ~artedeum sistema so.cial
aberto. caracterizado. par uma similaridade global de: cultura. A po.pulação.é muito.
dispersa, de tal mo.do.que, embo.ra regras de casamento. estejam expressas ao.nível
da unidade estrutural mais alta, as verdadeiras casamento.s, preferivelmente na
-~:fo.rma-detro.ca de irmãs:'sâo. arranjadas ao. -nível.das pequenas co.munldades Io.cais

,.
"-" .
..
.... . .. .
'
I
e a interação social cotidiana envolve apenas pequenos segmentos de cada
unidade.

Os Barasana, uma destas comunidades Iingüisticas exogãmicas, compreendem


um grupo de descendência patrilinear cujos membros se dizem descendentes
comuns da mesma sucuri ancestral e, no sentido mais amplo, consideram todos
estes descendentes como "irmãos". Internamente, o grupo está dividido em uma
série de sibs dispostos hierarquicamente, idealmente em número de 5, que são
modelados sobre uma série de 5 irmãos, diferenciados pela ordem de nascimento.
Estes irmãos, os filhos da sucuri ancestral, são os ancestrais dos ápices dos
diferentes sibs, e cada sib, como um todo, está em uma relação fixa de irmão mais
velho ou mais novo para aqueles abaixo ou acima. Além disso, cada sib é
idealmente associado a uma ocupação especializada ou papel ritual. Os do topo do
sib são chefes, os seguintes são dançarinos e cantores, os mantedores de tradição,
os seguintes são guerreiros, os seguintes são xamãs e os últimos são servos.

Idealmente, e até certo ponto na prática, este sistema se correlaciona com a


distribuição espacial dos sibs no chão. Todo o grupo ocupa uma área mais ou
,menos contígua de território, e está cercado por todos os lados de grupos afins.
Dentro do território, seccionado por um ou mais rios, os sibs do topo de escala
vivem, ou viveram, na boca do rio, enquanto os sibs inferiores na escala estão
arrarijados e'mordem descendente em direção às cab'eceiras.

Hoje, e provavelmente também no passado nem a disposição hierárquica dos


sibs nem suas respectivas ocupações especializadas tem qualquer papel
significativo na, vida diária. Nosso conhecimento dos sibs hierarquizados. e da
ocupação especializada se origina quase exclusivamente de afirmações feitas pelos
informantes, em grande parte em forma de, ou com referência aos mitos, e
dificilmente' a partir de~bservações de 'comportamento reaL ÓsBa~a~ana
contemporãneos negam que os sibs do topo da escala possam cas~r com seus
números opostos em grupos afins; a posição no sib não implica em diferença de ,
poder, riqueza ou estilo de vida; e a distribuição espacial dos sibs reflete apenas de
modo muito imperfeito sua ordem hierárquica (embora,isso se deva. em parte<,!os __.' '
efeitos ~e' ruptura, causad()s pelo contato com os brancos). A especialização

'"

.....
'2

'.'
ocupacional, ao nivel do sib como uma unidade, opera somente num nível
ideológico; na prática os individuos assumem ocupações especializadas de Xamã,
cantor ou dançarino, mas sua escolha de ocupação não é de modo algum
determinada pela filiação ao sib. Considerando o padrão de assentamento dos
Barasana, o fato da hierarquia e da especialização existirem amplamente no nivel da
ideologia é muito surpreendente, pois os grupos locais são muito dispersos e
geralmente consistem em no máximo 30 individuos. Os contatos sociais nunca
envolvem todos os membros de um grupo de descendência e mesmo as maiores
coletas cerimoniais envolvem no máximo 5 ou 6 comunidades locais. Os grupos
locais vivem em malocas, cada uma separada de seus vizinhos por 2 ou mais horas
de viagem de canoa ou a pé. Antes dos esforços dos missionários, dos coletores de
borracha e dos funcionários governamentais, não havia aldeias na região do Uaupés
e ainda não há nenhuma área do Pira-Parana. Idealmente, todos os membros de um
sib deviam viver juntos em uma maloca e há evidências de que isso realmente se
dava no passado. Hoje os membros de um sib estão geralmente dispersos em
numerosas malocas diferentes, consistindo a casa geralmente de um grupo de
irmãos ou primos paralelos patrilaterais, algumas vezes com um ou mais de seus
pais, juntamente com seus filhos e esposas. A residência após o casamento é
virilocal dé modo que as esposas vêm para as malocas e as filhas saem delas.

Internamente, a casa é dividida de numerosas maneiras diferentes. Os homens


como um grupo estão separados das mulheres pela divisão' de trabalho, por
comerém em horas diferentes, por usarem portas diferentes, etc. Internamente, os
homens que formam o núcleo da comunidade, como irmãos paralelos patrilaterais,
estão dispostos de acordo com a ordem dé nascimento. Os primos paralelos,
tratados como irmãos, são dispostos de acordo com a' ordem de nascimento de seus
pais de tal modo que o filho do irmão mais velho do pai de um homem é seu irmão
mais
. velho, a despeito
." de quem realmente
.. tenha nascido primeiró. Os Barasana
• dizem qúe os filhos de um homem deveriam assumir ocupações especializadas de
acordo com sua ordem de nascimento e as crianças ao receberem um nome são
tratadas diferentemente para assegurar que isso aconteça. O filho mais velho
deveria se tornar o chefe de sua maloca, o seguinte poderia ser um dançarino ou
cantor
. que'lidera os outros homens na recitação dos mitos, o seguinte
'.', . seria um ---'-

'.' . 3. ..
',' .....

.
"
..
guerreiro, um exemplar do ideal Barasana de bravura e força, e o último deveria ser
umXamã.

Os homens são divididos nas seguintes classes de idade: velhos, homens


casados com filhos, homens jovens, iniciados mas ainda não casados, e crianças,
não iniciadas, ainda vivendo com suas mães. A comunidade está também dividida
em famílias nucleares que a compõem, unidades primárias de produção econômica,
surgindo uma nova unidade cada vez que um homem jovem casa.

Do mesmo modo que os grupos de descendência e seus sibs, as várias divisões


da maloca recebem expressão espacial. Do ponto de vista de uma única maloca, ela
está circundada por comunidades afins, de tal modo que a casa e sua clareira, o
interior, representa o grupo patrilinear, oposto ao exterior e à floresta dos quais vêm
os afins e dos quais são obtidas as esposas. Há um claro paralelo entre a disposição
espacial de uma aldeia indigena no Brasil Central e a de uma maloca Barasana. Nos
dois casos as unidades domésticas familiares estão distribuidas na periferia da
habitação do grupo local, mas na maloca, além de localizadas em um círculo, as
familias nucleares (em oposição às familias extensas do Brasil Central) estão.
distribuídas em compartimentos separados ao longo de ambos os lados da casa em
direção a extremidade traseira. Ao invés de uma ou mais casas de homens, o
esp.aço central da maloca é reseNado aos home'ns, para a vida ritual, dominada por
eles '(V. figura 1).' Este p~drão reproduz em miniatura' aquele de uma maloca
circundada por malocas afins: nos dois casos, o interior, o meio; representa o núcleo
patrilinear unido enquanto a periferia, o exterior, representa as relações de afinidade
que dividem esse grupo.

A distribuição espacial dos sibs hierarquizados está também refletida' na


disposição dos irmãos dentro da casa: o mais velho, que deveria casar primeiro e
, ,

que deveria ser o chefe vive em um compartimento próximo '~o fundo da casa; seus
irmãos mais novo~ vivem em compartimentos que se estendem em direção à frente'
da casa; dispostos na ordem de nascimento e de casamento. Finalmente, as classes
de idade são também diferenciadas espacialmente: os mais velhos dormem nos

~-'-- --=;;." .--


cOrnpartill1~nt()~ ja~ familia_~U;orn_sua_s e~posa~ e ~1~9S~Il~Cl_iniciad.Qs,EWgullnto os_

..,'

". '.
,.;
.' "

4
, .. .. " .~.
.
homens solteiros dormem no meio da casa em direção a porta dos homens, uma
área na qual também dormem os homens visitantes.

Resumindo, pode-se ver que cada maloca Barasana, uma patrilinhagem rasa
com suas esposas, reproduz em microcosmo como um todo a estrutura de grupo de
descendência com suas ligações de afinidade a unidades equivalentes, e que há
uma correspondência tanto em termos de feições estruturais quanto em termos de
sua expressão espacial. E que isso é consistente com o fato de que a sociedade
contemporânea está ordenada de acordo com principios que foram estabelecidos no
passado mitico, quando a própria sociedade foi criada. Na escala mitica, só há uma
casa, o universo em si. Os Barasana afirmam explicitamente que a casa representa
o universo em miniatura: o teto é o céu, os esteios são as montanhas que o
suportam, e o piso é a terra. As casas são conceitualmente, embora nem sempre
realmente orientadas ao longo de um eixo leste-oeste de tal modo que a porta dos
homens na frente seja a porta da água no leste, e a porta das mulheres, o oeste; o
centro da casa é a região Pira-Parana, o centro da terra. As pessoas dentro da casa
são equivalentes aos he masa, os primeiros seres humanos, os filhos da sucuri
ancestral e ancestrais do ápice dos diferentes sibs. Os homens Barasana herdam o
nome de um parente masculinopatrilinear morto na segunda geração ascendente e
isso, juntamente com uma ideologia de "retorno da alma" (soul recycling), cria uma
- -~s-;ci~ade que,
" ".."
e~ termo~-ideológicos, tem ~ómente - a 'profundidade
, . . ..
d; duas
gerações. Os nomes herdados são aqueles dos primeiros ancestrais, os he masa.

De acordo com as tradições de origem, a sucuri ancestral, a filha do sol


primordial, entrou no mundo através da port" da água no leste e a partir dai nadou
rio acima em direção ao' oeste. Indiferenciada e ainda em forma pré-humana, a
cabeça era o sib do topo da escala e a cauda, o sib inferior. Chegando ao centro da
terra, o Pira-Parana, a sucuri se transformou e criou os. seres humanos, seus filhos,
hiera;qUizados
.
da cabeça pilr8'~ cauda, do mai~ veihp' ao mais..novo. Est~s, e' seus
'

descendentes, os sibs, foram. dispostos ao longo do rio em ordem descendente da .


boca para as cabeceiras. A casa, o próprio mundo, agora continha pessoas: o pai, a
sucuri ancestral, representando a unidade do grupo, e seus filhos, as partes
-.,- - --- -internamente ~segmentadas'- e~ hierarquizadas:-'"A"estrutura~ básica> é.-a" de- uma=--
• _. -_ ..- ~sociedade com a'profundidade de duas gerações.' -"'-- __ .• ,__ , ~ __ ,_
. . - - .. '

, 5.
Quando os Juruparí entram na casa, eles são tocados por uma coluna de
homens andando aos pares, a frente da coluna representando a cabeça da sucuri e
a parte de trás, sua cauda. Eles entram pela porta dos homens, equivalente à porta
da água, através da qual a sucuri ancestral entrou no mundo nos tempos míticos. A
terra é tida como sendo dividida por um rio correndo de oeste para leste e,
conceitualmente, a casa como um microcosmo do universo, está também dividida. A
coluna vem da porta dos homens em direção à porta das mulheres, do leste para o
oeste, do mesmo modo que a sucuri ancestral nadou rio acima vinda do leste. Uma
vez dentro, a coluna caminha pela periferia da casa e vem da parte de trás para o
meio, parando quando a cabeça alcança a porta dos homens. Então os homens
depõem seus instrumentos no chão em duas filas paralelas ficando extremidade
com extremidade no meio da casa, representando assim a sucuri deitada no meio da
terra. A cabeça da fila dos instrumentos está virada para o leste com sua cauda para
o oeste, do mesmo modo que os sibs estão distribuidos com o sib mais alto na boca
do rio e o mais baixo nas cabeceiras.

Cada par de instrumento tem um nome, o nome de um dos primeiros ancestrais


dos diferentes sibs Barasana; eles representam os mortos revividos, os ancestrais
trazidos de. volta à vida. Como instrumentos separados, eles representam a
diferenCiação interna do grupo de descendentes Barasana mas como um grupo, eles
representam sua unidade. Quando não estão em uso, os Juruparí estão dispersos
em diferentes locais sob a proteção de diferentes grupos de casas. Nos ritos de
iniciação, eles são todos reunidos, única ocasião em que isto ocorre. Ao mesmo
tempo, vários outros itens do equipamento sagrado são reunidos para o rito. De
àcordo com o mito, a sucuri. ancestral morreu no fogo e de suas cinzas surgiu a
palmeira paxiúba (Iriartea exorrhiza), a qual foi cortada em pedaços para fazer as
flautas e trombetas. Outras versões desse mito dizem que, sendo queimada, seus
.~~sos~e t~maram os instrumentos de Jurupari, emparelhados como os ossos
longos'do seu cOrpo; ~ partede cima de seu crânio, com o cérebro, se trànsform~u
na cabeça sagrada contendo inalantes; a parte do seu crânio, com a língua, numa
cabaça contendo cera de abelha, que desempenha papel proeminente nos ritos; seu
. p!,!nis se transformou efTl um longo cigarro cerimonial; seus testiculos n!3s ça~açªs

•..•- ,...
que contém substâncias mágic,as,etc.

8
Quando todos esses itens do equipamento cerimonial foram colocados juntos
e então reunido o corpo dos ancestrais, eles são tratados magicamente pelos
Xamãs oficiantes que trazem o ancestral de volta à vida. No climax do rito, dois
homens, com vestimentas fascinantes, caminham vagarosamente para cima e para
baixo no centro da casa tocando longas flautas. Os Barasana dizem que eles
representam o primeiro ancestral revivido mais uma vez, que vem para adotar os
iniciandos como seus filhos. Neste ponto, a casa é completamente identificada com
o universo e as pessoas que estão dentro, colocadas em contato direto com a sucuri
ancestral, assumem o status de he masa, os primeiros seres humanos e ancestrais
do ápice dos diferentes sibs. O tempo é revertido de tal modo que a segmentação da
sociedade Barasana é reduzida ao seu nível mais simples e mais alto, uma
sociedade de homens com apenas duas gerações de profundidade.

Logo após o começo do rito a coluna de instrumentos é desfeita, processo


que repete a divisão do corpo da sucuri em seus componentes, os ancestrais dos
sibs hierarquizados. As flautas longas, descritas como cantores e dançarinos e
representando os ancestrais do sib com a mesma ocupação, são colocadas
verticalmente em estacas no. centro da casa. As trombetas, descritas como

4.
guerreiras
_ •
e representando os ancestrais
_ • _
do sib guerreiro,
_ _
são colocadas
horizontalmente ao 'longo, dos lados do percurso, de' dança. Um par especial de ,
,trombetas, os' ancestrais' do sib dos Xamãse os pró~ricisxamãs são colocados e~,'
um compartimento especial situado além da porta dos homens e ocupado pelos
xamãs oficiantes, Deste modo, há uma correspondência parcial entre as
especializações rituais dos vários sibs e as especializações dos instrumentos que os
representam. Igualmente, a posição 'espacial dos diferentes instrumentos reflete a
distribuição espacial dos diferentes sibs na terra. Mas, ao invés de uma ordem linear

.
da boca
'. .'.
do, rio para as cabeceiras,
.. . '.
correspondendo
. .."' a uma ordem ."...
de leste 'para
,

: oeste"
. os . Jímiparí
. .
são colocados em ordem
-.
concêntrica com' os mais velhos,
-'. .
as'
flautas" mais próximos do centro e os mais novos progressivamente em direção à
periferia. Conforme dito acima esta correspondência é apenas parcial. Os Barasana
dizem que não há chefes entre os Juruparí do mesmo modo que não há verdadeiros
o.c.. chefe$'ná~sociedade 'humana,' mas élcrescentamque urn par dê flautas"sã'o "c6rno os,='O" , -. =~"

.
chefes'~,'
.
Não há instrumentos
~.'. . : "
que . possam'ser
.", . .
diretamente'
. ,. "
identificados
: - '. . '.
'
c0m.se~os.-.
. ...- '. ; ", .
. . __
o ' ••

. , ",";

~. :..," ': o', '. .~ .. '9.

'.

.
. '

. ,. ..': ...
o sib de servos é visto como equivalente, mas não igual, aos semi-nômades Maku
que agem como servos dos grupos Tukano em outras partes da região do Uaupés,
mas não estão presentes na área do Pira Parana. Um tipo especial de flauta muito
mais curta que as outras, e tocada somente pelos iniciados, é descrita como sendo
"as esposas dos outros instrumentos". Entre os Tukanos que têm os Maku como
servidores, as esposas dos outros instrumentos de Jurupari são consideradas como
sendo seus Maku (Bruzzi da Silva, 1962, p. 307). Se os servos ou Maku são
representados pelas esposas dos Jurupari em outras partes do Uaupés, então as
flautas curtas, também esposas, podem ser identificadas como servos.

Pode-se apenas esperar que haja uma correspondência entre a


hierarquização e especialização dos sibs e a dos instrumentos de Juruparí pois os
Barasana afirmam bem explicitamente que os Jurupari são os ancestrais mortos dos
sibs que retornaram ao mundo dos vivos. O fato de que a ordem espacial dos sibs é
refletida nas posições espaciais dos Juruparí também decorre do fato de que no he
wi a casa se torna o verso. Se durante o he wi, os homens participantes, através da
adoção pela sucuri ancestral como seus filhos, se tornam os he masa ou primeiros
ancestrais dos sibs, entãopoderiamos esperar que eles também refletissem a
ordem e a distribuição espacial do sib. Mais uma vez esta correspondência é apenas
parcial.
"- ~-,

. ' .. O he' wi e,nvolve quatro categorias principais de participantes que podem ser
identificadas de acordo com os diferentes papéis que desempenham durante o rito:
velhos, homens jovens, xamãs e iniciandos. Também poderia ser acrescido a essa
lista as mulheres e crianças não participantes. Os velhos e homens jovens são
diferenciados pela vestimenta, pela posição espacial e pelos instrumentos que
tocam. Durante ~. rito, pares de' velhos vestidos com todos os complementos do
ornamento ritual, tocam flautas longas, se revezando, para cima e para baixo no
meio
.
da casa.
' . ..
Os.
.."
homensjovens,usandococares
.. . - .'
simples de pena, tocam
trombetas fazendo o'percurso da dança. Os velhos, porsüa assOciação com as
flautas e como homens q~e,'nes;e contexto ritual, se tornaram os he masa, os
primeiros ancestrais, representam todo o sib dos dançarinos e cantores; são
precisamente os homens desta.categoria que desempenham os papéis de cantores
- • - - •• - • ," t _ + ~ , • - •• - - • - • ~ --....-- --- • ~- • -~. -

'e danQarinos especializados em todos os rituais Barasana. Do mesmo modo, os

10
homens jovens representam todo o sib guerreiro; eles são colocados como
guerreiros formando um anel protetor ao redor dos velhos que tocam as flautas
longas. Os xamãs oficiantes, sentados em seu compartimento com as trombetas de
xamã, representam o sib dos Xamãs. As posições espaciais desses atores é
também consistente com a ordem concêntrica dos instrumentos de Juruparí: os maís
velhos permanecem no meio da casa, os homens jovens no percurso de dança, e os
Xamãs fora do percurso de dança, próximo a frente da casa.

Durante os ritos, os inicíandos ocupam um status intermediário: por um lado


eles são identificados com as mulheres e crianças, de cujo mundo foram retirados;
por outro lado, são associados com os homens jovens, com quem se juntarão mais
tarde. Logo após o começo do rito eles são introduzidos na casa através da porta
dos homens e vêem os Juruparí pela primeira vez. Depois, passam parte do tempo
sentados em um grupo próximo ao compartimento dos xamãs fora do percurso de
dança, e parte do tempo caminhando atrás dos homens jovens com suas trombetas,
tocando as flautas curtas. O sib dos servos é em parte representado pelas mulheres
e crianças; confinados em uma seção isolada da casa e efetivamente fora do rito e,
em parte, pelos próprios iniciandos.

As categorias de participantes do he wi correspondem claramente às classes


de 'idade da sociedade Bara~ana. Os velhos que tocam as flautas longas são todos
homens idosos, casados e com filhos; os homens jovens são solteiros, 'mas iniciados
e as crianças não iniciadas confinadas ao fundo com suas mães são as crianças.
Embora os xamãs sejam na realidade homens casados, pertencentes à categoria de
idade dos velhos, durante o he wi eles são fortemente identificados com os iniciados.
Do mesmo modo que o,s iniciandos, em um status intermediário entre as crianças e
os hómens jovens e entre o mundo das mulheres e o mundo dos homens, os xamãs
.também. tem, caracteristicas intermediárias. São eles os medíadores entre os
participan,tes vivos e os ancestrais mortos, entre o 'mundo dos espiritos e o mundo
dos homens, ,e são eles que efetuam a transferêricia dos iniciandos do seu antigo
status para o novo. Embora não possa ser mostrado aqui, há também evidências de
que tanto os xamãs quanto os iniciandos sejam como mulheres menstruadas (Hugh
.- - . - -, Jories,'1964). Os iniciandos são os mais jovens dos participantes -masculinos e, ;;. ~.

idealmente,
.
são os mais -.jovens de um grupo ..
de"irmãos que se tornam xamãs. No
' '.

",

,";

,,' li, .
mito o primeiro xamã é representado como estando a meio caminho entre duas
gerações: seus irmãos mais velhos emprenharam sua mãe e então decidiram que
chamariam seu filho de seu irmão mais novo. É o he wi wue delimita cada geração
de homens e os iniciandos no he wi estão a meio caminho entre duas gerações.
Finalmente, a identidade é ainda mostrada pelo fato de que os xamãs e iniciandos
se vestem de modo semelhante e ambos estão confinados em compartimentos
especialmente construidos, situados simetricamente em cada lado da casa fora do
percurso da dança.
Há ainda uma correspondência entre os sibs hierarquizados, os papeis rituais
de dançarinos, guerreiros, xamãs e servos, as diferentes categorias dos
instrumentos de Jurupari,as categorias de atores no rito, e as classes de idade de
velho, homem jovem e criança, e uma correspondência que se reflete em termos
espaciais. Este conjunto de correspondências, mostrada baixo, é exatamente o que
se espera encontar se, como dizem os Barasana, a casa se torna o universo e as
pessoas do seu interior se tornam os he massa ou primeiro ancestral.
Ordem do sib: 1 2 3 4 5
Ocupação: Chefes Dançarinos Guerreiros Xamãs Servos
Flautas Flautas
Jurupari: Flauta longa Trombe.tas Trombeta
longas curtas
,

Mulheres,
Espiritos Homens,
Participantes ' Velhos xaniãs' crianças,
ancestrais. jovens,
.
- iniciados .'
--------------

Crescimento Não
Morto < Vivos <E
espiritual: nascidos

Por extensão disso, eu argumentaria que através, do ritual, do he wi, a


diferenciação lateral de ordem de nascimento e de ocUpação especi~lizada é tornaa
equivalente à diferenciação vertical de nivel de geração ou idade,l;ende> aS,sinalada
" uma'no~a geração cada \ret gLie'maiserianças são iniciadas: Mas o~u~dizer en'ião'
. . . . " - '. '-

dos chefe~, á hierarquia mais alta e sib mais velho? Os Barasana distinguem entre
nascimento material e nascimento espiritual. Somente os homens são considerados
verdadeiramente espirituais e somente através do re-nascimento pela iniciação os
homenscsão introduzidos no. culto_exclusivamente masculino ,de JuruparL _de~modo_..c_c
qu~ ,se moval)1 para .cada vez mais próximo do mundo espirjt\lal. Nessa :perspectiva,

.'
'.' ~ ...... ....
12
-.:' "
as mulheres e crianças são espiritualmente não nascidas, e portanto, os mais jovens
de todos. A medida que os homens ficam mais velhos, eles se movem cada vez
mais para perto do mundo espiritual, um mundo no qual eles finalmente entram com
a morte. As pessoas mortas são, portanto, os mais velhos espiritualmente e no he wi
os mortos, representados pelos Juruparí, estão presentes no mundo dos vivos. Os
mortos, os Juruparí, corresponderiam então ao síb mais velho, os chefes.

Nos termos do mito, o'envelhecimento do homem é apresentado como um


movimento da periferia do mundo para o seu centro, de leste para oeste. O
movimento da sucuri ancestral da porta da água no leste para o centro da terra e
sua subseqüente transformação em um conjunto de seres humanos é análogo a um
processo de gestação e nascimento. Ao nascer, os primeiros seres humanos sairam
do rio e vieram para terra onde foram distribuídos no espaço. Este movimento é
repetido no ritual pelos Jurupari. De seus locais escondidos nos rios eles são
trazidos para a terra e para dentro da casa. Eles se movem da água para a terra, de
fora para dentro, entrando na casa através da porta dos homens que está
conceitualmente no leste. Dentro da casa eles são distribuídos no espaço com os
mais velhos no centro e os mais velhos na periferia.

Para os homens Barasana, o nascimento e, crescimento espiritual estão


tarnbém ,refletidos em um m~~i;"ento da frente d:a casa para o seu' cent;o. 'Na
infci~ção, os rapazes são Si~bolicamente re-ha~cidos como adultos. No final do rito
. eles são levados para o rio em frente à casa onde são imersos juntamente com os
instrumentos de Jurupari. Os instrumentos são levados a vomitar, sendo enchidos
com água ,que é então derramada sobre as cabeças dos iniciandos. Os mitos
~ssociados:aohe wi descrevem como os primeiros iniciandos foram engolidos e
;egurgitad~s pela sucuriàncest~al;alguns dos mitos de origem também descrevem a
, sucuri ancestral vomitando os primeiros homens sobre a terra seta em ordem de .
,~a~dm~r]t6. ApÓ~ se~;;ascirne~t~~imbÓIiCOqo rio, os iniciand~s sãolevad~s para
casa e confinados. em um compartiment~ intern~ ~ p~rta dos homens. Os bebês
recém-nascidos são igualmente confinados nos fundos da casa. Depois de dois
meses o compartimento dos iniciandos é destruído e então, como homens solteiros,
- '-:-"'-':-=---=eleifejorrnemdo
,
meio para frente da 'casa.-Nos futuros rituais do. 'newi eles-fica"tão'
'.
-------.
.• ". .primeirono
.. .percursode dança
. -.
:
como homens, solteiros
" . e depois no centro. da casa"
". ".

....." .:
,': ,'
o', ."
'. . ~. ,.13 .. '

.....
......
como velhos. A roupa dos velhos no he wi é a dos primeiros ancestrais e o enfeite
de cabeça de plumas que eles usam os transformam os/em espíritos. Mas esses
mesmos enfeites têm também conotação de morte: diz-se que o rio subterrâneo
para onde os mortos vão quando enterrados está cheio deles. Finalmente ao morrer,
os velhos são enterrados bem no centro da casa, completada sua jornada.

o mito de Jurupari implica em que, para que os homens tenham filhos, eles
primeiro devem morrer. Somente quando a sucuri ancestral foi queimada para
morrer, seus filhos, os instrimentos de Jurupari, puderam ser feitos da palmeira que
nasceu de suas cinzas. No mito Barasana, a origem de Juruparí está estreitamente
ligada à origem da morte; porque Jurupari, o primeiro ancestral, foi morto todos os
homens devem morrer. A morte é o pré-requisito da continuidade. No mito, a morte e
destruição de uma única fonte leva à segmentação e continuidade de suas partes: o
corpo da sucuri ancestral deu origem a filhos ou a Jurupari. Esses mitos dizem
respeito ao processo de descendência, um processo de segmentação, a partir de
uma fonte comum, ao longo do tempo. Um homem dá origem a muitos filhos que por
sua vez darão origem a mais' descendentes. Em cada maloca quando a geração
mais velha e ponto focal se extingue, seus filhos se espalham e formam novas
comunidades. A medida que cada grupo de iniciandos vem do leste e' entra pela'
porta dos homens, os mais velhos se movem mais para o centro da casa e para a
morte: Descendência implica em profundidade de tempo não apenas para nós mas
•tambérnpaài osB<lrasan~: à medida que as gerações se empilham como f6lhas, as
pessoas vivas são elevadas maisé mais para longe dos ancestrais. O rito do he wi é
empreendido para encurtar o círculo deste processo. Os mitos sugerem que a morte
não é o final e que a imortalidade é adquirida através da morte. Os Jurupari estão
mortos neste mundo mas vivem no outro, eles são os mortos que vivem. Os mitos
de Jurupari também dizem respeito à origem da imortalidade e se supõe que o hé wi
faz os homens imortais. Pelo. he wi, a pilha de folhas é achatada,. o. tempo é
revertido, e os~ivos são adcit~dos como filhos dos mortos. A dada rito; 'asociedad~
de duas gerações .de' profundidade é recriada e modelada sobre a primeira
sociedade humana do mito. Subentendido neste esquema está uma metáfora tirada
da agricultura de coivara, uma metáfora de tempo repetitivo, reversível. Pela
.destruição e queima da floresta, morte de uma geração .de plantas, cria-se uma.nova .'
.. vida á mediçfaem qu.eas plantas nascem das cinzas ..
"

.. 14
I, j.

I .. I'
! .:.
, \.
.
I 1i' :
,','

,
I
..
.I I ... ,'
'1 ;
I:' .

JI
i.
I
I.....
!
!
:, .

!
, j',
I ,
I r I
I.
. . '.
I
, . ,I

I
I •
I
I•...
,
I
I
i."
';

:1
I
I'
'1
.1.
I
.'

" ,o. ,I 1, ".


....
I ..
,
I
1..
i. I
I.I . .
,
.
I
.
'. ..
J.
'. '.

", . ",

I .;.

• • ~E
~
o"'
.,.
J!lC: • "
I.
I

,
i
J
I
..
!

0- '. '.
:
'. •..
I I ..


o
-.:: j ..
L
i I
\
I ,!
,
,
'1
2~Geração ascendente
Passa o rlome

!~Geraç50 ascenden;e

Passa a idade

--------~---~---------------.--------------------------~--------------_.
Geração de Ego

Inu50 mais v~lhode-£:co Eco


i
~egel1da: Mo1isvclho

I1H~1~1
.... Prir~eironome
.:

:~~~~~ Segundo nome

~" '1 e.rceiro I\o~l'!e..

• Quarto norne

m' Quimo nome

Maisnolr'o

Est~tu.ra d~ parentesco Bara~ana.

.Bibliogriifia:
•. BRUZZI DA'SII.V~,A:À~ivilizaçãoindigena dos Uaupés, SãoPaulo, 1962..

HUGH-JONES, C.: Skin and Soul; The Round and lhe Slraigh!. Paper for
Symposium "Social Time and Social Space in Lowland Soulh America". XLII In!.
.---~-- --.-"- Cong.-Americanislas,Paris;4976;- -._- -

-
,
.- 16

-.
HUGH-JONES, S.P.: Male Initiation and Cosmology amongst the Barasana Indians
of the Uaupés Area of Colombia. Unpublished PhD. Thesis. Cambridge, 1974.

Tradução: Fernanda Araújo Costa


Revisão: Paula Morgado.
Digitação: Lilian Severo
Gráficos: Antonio Gouveia

._----.---~ " .'- '--o -'------:.,..


....
; "

" ,

- ..•..
. .
'

• ~--=:;;.;:;.;:;'.:;;' ...----.-. - -:- -:-='.-:- ._=----::;;=:;-~ --

--~.'-...-~.-. ",
~''''''::_-_'--':_'-'--~'
',. "
'----
.,.
----; '.-.'- '--:' .- .-'--''';'_ ......•... .__. .__ .__-..L-.-~~' _
" T";" , -".' .', _ •. - ~.-... ",. - ._. • __ '_. : '_,

.:~
, '.
".' " ..
. ,;. ; '. '" "'. '1'7'

. ,: ~
.'.
, '.

..
..

" ... ,I
.~ . " i " :
-~l .
,.

", ,"

:. '. I .

.~
"" ~ l'

f
~
I
j'
,:
I
i;

I
,i

,.

Você também pode gostar