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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS – CESA

CURSO DE DIREITO

ATIVIDADE SOBRE O FILME: ABRIL DESPEDAÇADO


Trabalho apresentado na disciplina de
Antropologia Cultural e do Direito como requisito
avaliativo para a mencionada disciplina do Curso
de Direito da Universidade Regional do Cariri.

Prof. Antônia Ladislau de Sousa

CRATO – CE
2021
Abril Despedaçado é o nome tanto de um romance de Ismail Kadare,
quanto de uma obra cinematográfica que se baseia no livro. O filme é dirigido por
Walter Salles e ambientado no início do século XX, por volta de 1919, dentro do
cenário do sertão nordestino brasileiro. Esse é o período da República Velha, parte
de uma sociedade onde se estabelece as próprias lei, com diferentes e diversas
experiencias das do restante do país.

O filme parte de um enredo de disputa entre duas famílias. O contexto é


altamente patriarcal fundamentado no fraternalismo e na vingança. O ambiente é
precário, há uma dissolução das próprias identidades em função das tradições e
costumes, principalmente familiares.

A história inicial é a de Tonho e Pacu. Esses são as personagens principais


da trama, uma história de certa blusa ao vento. Com isso, se amplia para o enredo
central que é a briga entre as duas famílias. Essa é uma característica comum no
sertão e em zonas rurais pelo Brasil, ainda presente nos dias atuais (muitas vezes
visíveis em questões políticas e territoriais). No caso da história, a briga é por
questão de terra, pela posse da fazenda. A posse da fazenda varia entre as famílias
pela morte de um da família rival.

A estrutura familiar é estruturada de modo autossuficiente, sua base não


está na sociedade somente, mas nos parâmetros que são estabelecidos dentro de si
mesma. Dentro da sociedade brasileira, o laço familiar visto em supremacia tem
íntima relação com a precária ou inexistente força estatal. Assim, o poder estatal não
tem autoridade suficiente para gerir de modo justo e igualitário as relações, nesse
caso, familiares. Esse cenário tem um fator agravante, a grande extensão territorial
brasileira. Dessa forma, qualquer pequena rixa ou ofensa, mal-entendido, ou mesmo
atos mais graves, como a disputa territorial, é motivo para o desencadeamento de
“guerras” entre os grupos familiares.

O que rege as “leis” familiares são suas raízes na religiosidade, tradições,


nos códigos de honra construídos pelo tempo e no trabalho pesado. De modo que
todo o cotidiano é guiado por essa construção social que partem das relações
familiares: pessoas da mesma família que vivem e trabalham na zona rural, de modo
isolado das relações exteriores. Na grande maioria, somente os homens saem para
a cidade, visando o comércio do produto produzido em sua terra para o sustento
(rapadura).

A fazenda dos Breves abrigava o pai, mãe e dois filhos, todos


trabalhadores rurais. Fora da casa havia uma bolandeira, algo comum nos canaviais
do século XX, no Brasil. Muito comum do período colonial, presente ainda nesse
período como algo remanescente, o centro do trabalho eram os engenhos. Nos
engenhos as famílias trabalhavam e tiravam sustento. Essa subsistência familiar é
comum no ambiente patriarcal. Aqui é visível uma metáfora sobre o cotidiano das
personagens, os bois que giram e não saem do lugar, além do relógio onde o tempo
parece não passar, essa é a monotonia da vida ali.

As organizações familiares, assim, carregam a monocultura, o latifúndio e


até mesmo a escravidão (presente no diálogo do Pai com o filho, que relata que os
escravos eram os que cuidavam dos engenhos e agora são somente eles), e é
nesse contexto que os Breves lutam para defender a todo custo a sua honra, que é
o que lhes restou. “Não temos nada, somente a honra”.

Outra realidade presente no filme é a criação de gado, que vive de


pastagens rasteiras, característicos do agreste. Essa era a vertente dos Ferreiras, a
pecuária, que viviam perto dos Breves, sendo os Ferreiras mais bem providos. O
filme deixa claro que as condições de vida dos Ferreiras são bem melhores, uma
casa maior, mais móveis, eles tem empregados, roupas mais bem aparentadas,
além de uma estrutura de sustento (pelo gado) mais bem organizada e superior a da
vivida pelos Breves. O jogo de câmeras, ao passear pelas terras, que deixar essa
diferença visível aos espectador. Sendo, assim, os Ferreiras com melhores
condições de vida que seus inimigos.

Pode-se ressaltar a imagem retratada da mulher no filme. A visão é a do


patriarcado, um estereótipo maniqueísta da mulher é exposto de modo radical e
violente. A mulher não tem opções de vida, ou é tida por “direita”, para casar e ter
filhos, cuidando da casa e obedecendo as ordens do marido, ou é mulher “da vida”,
tida por prostituta, sem relação com família, rejeitada pela sociedade. Tem tanto a
figura da mãe, responsável por seus afazeres domésticos, como a da mulher que
vive no circo (Clara), uma nômade junto com seu amente.
A mãe é completamente submetida aos valores do marido, da honra e da
preocupação com a vida depois da morte, sem atentar a necessidade dos filhos
vivos. Seu filho, encantado com o livro presentado por Clara, é advertido pela mãe,
como se o livro fosse algo que fizesse mal a vista. Ela é a figura feminina
completamente subvertida dentro do sistema vigente, já que nunca lhe fora ensinado
outro modo de vida que fosse bem-sucedida. Por outro lado, Clara anda de modo
contrário a esse sistema, seu viver é instintivo, ao ponto de deixar seu companheiro
para ir atrás de uma nova paixão encontrada em Tonho. Ela é a figura clara da
reversão do quadro vigente no sistema ali representado.

O filme tem a maioria das cenas em escuridão, com uma trilha mais
melancólica, dentro da ambientação sertaneja. Isso, ressalta a vida triste das
personagens, bem como sua vida habituada com a presença da morte. A ideia do
filme é que vale a pena lutar pela vida. Ele trata sobre a pobreza relacionada a
grande falta de informação presente em pessoas marcadas pela força da tradição.

Reflete sobre o problema dos latifúndios no Brasil e a difícil condição de


vida do nordestino sertanejo, com uma cultura patriarcal presente no mundo rural e
nos seus costumes. Ressalta a força de vontade e a esperança mesmo em um
ambiente onde tudo ante de modo contrário a isso. Abril Despedaçado carrega em si
uma forte construção social de um trecho da história do Brasil que ainda repercute
pela atualidade.

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