Você está na página 1de 52

ESCOLA DE TEOLOGIA

“Se não puder se destacar pelo talento, vença pelo esforço." Dave Weinbaum

Facilitadora: Cleonaide de Souza Pinto


Lorival Antunes Sobral

Candeias / 2021

1
Sumário
INTRODUÇÃO Á FILOSOFIA.........................................................................................................................4
A RAZÃO E A LÓGICA....................................................................................................................................8
O HOMEM NA ORIGEM DO FILOSOFAR...................................................................................................13
CONCEITOS GERAIS DE FILOSOFIA.........................................................................................................15
FILOSOFIA EM ATENAS...............................................................................................................................16
O MITO DA CAVERNA..................................................................................................................................17
O QUE É MITO................................................................................................................................................22
A FILOSOFIA...................................................................................................................................................24
O QUE É FILOSOFIA?....................................................................................................................................28
O HOMEM E A CRIATIVIDADE...................................................................................................................31
CONHECIMENTO...........................................................................................................................................32
REFLEXÃO FILOSÓFICA..............................................................................................................................34
A LINGUAGEM NOS ABRE A REALIDADE...............................................................................................42
CRITICIDADE, RADICALIDADE E TOTALIDADE...................................................................................43
A QUESTÃO DA VERDADE..........................................................................................................................49
MENSAGEM FINAL.......................................................................................................................................53

2
INTRODUÇÃO Á FILOSOFIA
Professora: Cleonaide de Souza Pinto

I. EMENTA

A Filosofia como ciência da totalidade. Origens de filosofar. O-estar-no-mundo do homem e suas relações existenciais. Visão do homem nos
grandes sistemas filosóficos da história.

II. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

1. O HOMEM NA ORIGEM DO FILOSOFAR.


1.1 Da experiência do EU a experiência do Ser, análise do processo cognitivo humano e
esferas de captação da realidade.
1.2 O despertar da reflexão, admiração, dúvida, curiosidade, situações existências-limite.

2. O HOMEM, PONTO DE ENCONTRO DO SER.


2.1 O ser humano contemplado em si mesmo.
* Sua constituição dualística. Ser imerso e emerso, em relação ao universo material. Ser situacional e ser em tensão.
* Suas experiências existenciais de superação, de equilíbrio, destruição.
2.2 O Ser Humano, na sua relação cósmica.
* Função mediatizadora, o Homem, situado como ser de relação, compreende, julga e transforma o mundo, do caos ao Cosmos,
pelo Homem.
*Função Teleológica. O Homem – microcosmos – protagonista da evolução física e psíquica. Problemática das origens,
aperfeiçoamento e finalidade do universo.
2.3 O ser humano, na sua relação interpessoal.
* O Homem, ser social, analise existencial, histórica e metafísica da sociabilidade. As grandes manifestações da sociedade.
* Problemática da sociabilidade, as fronteiras dos direitos, dimensão política, bem individual e bem comum, ética da comunicação,
individualidade e massificação.
2.4 O ser Humano na sua relação a um absoluto.
 Dinâmica natural de transcendência do Homem, transcendência do mundo (Liberdade, Historicidade, Ética), e transcendência
de si mesmos (tensões cognitivas e volitivas do infinito).Situações existenciais de transcendência.
 Da transcendência natural e existencial ao Absoluto religioso, apreendido como fonte do ser e dos valores.

III. MÉTODOS.

1. Aulas Expositivas. 2.Trabalhos individuais 3. Avaliações/Provas.

IV. OBJETIVOS
Levar os discentes ao conhecimento científico e filosófico, tendo princípios elementares baseados no saber. Levando-os a construírem suas
próprias idéias e a refletir usando a critica para melhor avaliar outras correntes Filosóficas.

V. RECURSOS

Livros, Apostilas, Filmes.

VI. BIBLIOGRAFIA
-Respostas corretas das atividades do módulo;
- Anélise de filmes;
-Presença e participação.

VII. BIBLIOGRAFIA

ARANHA, M.L E Martin, MH. Filosofando Introdução a Filosofia. São Paulo. Ed. Moderna, 1993.
BORNHEIM. G. A, Introdução ao Filosofar. Porto Alegre. Ed. Globo, 1989.
CHAUI, Ma tilena. Convite a Filosofia, São Paulo. Ed. Ática, 1994.
BUZZI, C. Introdução ao Pensar, Petropoles. Ed. Vozes, 1994.
FREIRE, O, Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro. Ed. Paz e Terra, 1981.
GILES, T.R. Introdução a Filosofia. São Paulo, Ed. EPU.
INIGO Ledo, E. A Filosofia Hoje. Rio de Janeiro. Ed. PUC-EMMA.
JASPERS. K. Introdução ao Pensamento Filosófico, São Paulo. Ed. Cultrix.
LIBANIO, J.B. Formação da consciência Critica. Petrópolis. Ed. Vozes, 1980
LUIJPEN. W. Introdução a Fenomenologia Existencial. São Paulo. Ed. EPU.
MONDI. B. Introdução a Filosofia. São Paulo. Ed. Paulinas.
OLSCAMP. P.J. Introdução a Filosofia. Rio de Janeiro. Ed. Livros Técnicos e Científicos.

3
MENSAGEM
BIGUÁS E GAIVOTAS

Muitos anos antes de sua morte, um notável rabino, Abraham. Joshua Heschel sofreu um ataque do coração
quase fatal. Seu melhor amigo estava ao lado de seu leito. Heschel estava tão fraco que só conseguiu
sussurrar:
- Sam, sou grato pela minha vida, por todos os momentos que vivi. Estou pronto para partir. Vi tantos
milagres na minha vida. O velho rabino ficou esgotado pelo seu esforço em falar. Depois de uma longa pausa
ele disse:
- Sam, nunca na minha vida pedi a Deus sucesso, sabedoria, poder ou fama. Pedi assombro, e ele me
concedeu.
Pedi assombro, e ele me concedeu. Um burguês sem imaginação irá cutucar o nariz diante de uma pintura de
Claude Monet; uma pessoa cheia de assombro ficará ali em pé tentando segurar as lágrimas.
De modo geral, o mundo perdeu o senso de assombro. Crescemos. Já não perdemos o fôlego diante de um
arco-íris ou do perfume de uma rosa, como acontecia antes. Ficamos maiores e todo o resto ficou menor,
menos impressionante. Tornamo-nos apáticos, sofisticados e cheios da sabedoria do mundo. Não deslizamos
mais os dedos sobre a água, não gritamos mais para as estrelas nem fazemos caretas para a lua. Água é H20,
as estrelas foram classificadas e a lua não é feita de queijo. Graças à televisão via satélite e aos aviões a jato,
podemos visitar lugares que no passado eram acessíveis apenas por Colombo, Balboa e outros exploradores
intrépidos.
Houve um tempo, não muito distante, em que uma tempestade fazia um homem adulto estremecer e sentir-se
pequeno. Deus, no entanto, está sendo deixado de lado pelo mundo da ciência. Quanto mais sabemos sobre
meteorologia menos inclinados nos tornamos a orar durante uma tempestade. Os aviões voam agora acima,
abaixo e entre elas. Os satélites reduzem-nas a fotografias. Que ignomínia - se é que uma tempestade pode
experimentar a ignomínia (Grande desonra; opróbrio, infâmia) reduzida de teofania (Manifestação de Deus
em algum lugar, acontecimento ou pessoa) a mero incômodo.
Heschel diz que hoje cremos que todos os mistérios podem ser resolvidos, e que todo o assombro não passa
do "efeito que o novo imprime sobre a ignorância". Certamente o novo é capaz de nos impressionar: um
ônibus espacial, o jogo mais recente de computador, a fralda mais macia. Até amanhã, até que o novo se
torne velho, até que a maravilha de ontem seja descartada ou tomada como coisa certa. Não é de admirar que
o rabino Heschel tenha concluído: "À medida que a civilização avança, o senso de assombro declina".
Ficamos tão preocupados conosco, com as palavras que falamos e com os planos e projetos que concebemos,
que nos tornamos imunes à glória da criação. Mal notamos a nuvem que passa sobre a lua ou as gotas de
orvalho nas folhas da roseira. O gelo cobrindo o lago vem e vai. As amoras silvestres amadurecem e
murcham. A graúna faz seu ninho do lado de fora da nossa janela e não a vemos. Evitamos o frio e o calor.
Refrigeramos a nós mesmos no verão e sepultamo-nos debaixo de plástico no inverno. Rastelamos cada folha
assim que ela cai. Estamos tão acostumados a comprar carne, aves e peixe preembalados no supermercado
que nunca paramos para pensar sobre a liberalidade da criação de Deus. Tornamo-nos complacentes, vivendo
vida prática. Perdemos a experiência do assombro, da reverência e da maravilha.
Nosso mundo é saturado com graça, e a presença furtiva de Deus é revelada não apenas no espírito, mas na
matéria - num gamo que atravessa aos saltos uma campina, no vôo de uma águia, no fogo e na água, num
arco-íris após uma tempestade, numa corsa gentil correndo pela floresta, na nona sinfonia de Beethoven,
numa criança lambendo um sorvete de chocolate, no cabelo ao vento de uma mulher. Deus queria que
descobríssemos sua presença amorosa no mundo a nosso redor.
Por muitos séculos a Igreja Celta da Irlanda foi poupada do dualismo grego entre matéria e espírito. Eles
olhavam o mundo com a visão límpida da fé. Quando um jovem monge celta via seu gato apanhando um
salmão que nadava em água rasa ele exclamava: "O poder do Senhor está na pata do gato". As crônicas celtas
contam dos errantes monges marinheiros do Atlântico, que viam os anjos de Deus e ouviam a canção que
entoavam enquanto erguiam-se e mergulhavam acima das ilhas ocidentais. Para a pessoa científica tratavam-
se meramente de gaivotas, pelicanos, papagaios-do-mar, cormorões (Designação de diversas aves marinhas)
e gaivotas-tridáctilas. Os monges, porém, viviam num mundo em que para eles tudo era uma palavra de
Deus, no qual o amor divino era manifesto a qualquer um com a menor capacidade criativa. De que outra
4
forma, pensavam eles, Deus falaria com eles? Abraçavam as Escrituras, mas abraçavam a revelação em
andamento de Deus em seu mundo de graça. "A natureza irrompe pelos olhos de um gato", diziam eles. Para
os olhos da fé, cada coisa criada manifesta a graça e a providência de Abba.
Com tanta freqüência nós religiosos andamos entre a beleza e a liberalidade da natureza, e o fazemos sem
pausar para refletir. Perdemos o panorama de cor e dom e cheiro. Faria pouca diferença se nos
mantivéssemos dentro de nossas enclausuradas e artificialmente iluminadas salas de estar. As lições da
natureza são perdidas e a oportunidade de mergulhar em silencioso assombro diante do Deus da criação
passa. Deixamos de ter nossos horizontes abertos pela magnificência de um mundo saturado de graça. A
criação não acalma nossos espíritos, não restaura nossa perspectiva e não provê deleite a cada porção do
nosso ser. Em vez disso, ela nos traz à lembrança as tarefas mais mundanas: mudar a página do calendário ou
mandar comprar pneus para a neve. Precisamos redescobrir o evangelho da graça e o mundo da graça.
Pois "a graça do nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo" abrem-nos para
o divino espalhado em todo lugar a nosso redor, especialmente na vida de uma pessoa afetuosa.
Estou pensando no mendigo no Don ]uan de Moliere. Ele está sentado numa esquina quando passa um nobre.
O estranho que está passando é Don Juan, um homem amargo que tem sua fortuna e seu caráter arruinados.
- Uma esmola pelo amor de Deus - pede o mendigo.
Don Juan pára, tira do bolso sua última moeda de ouro e estende-a sobre os braços estirados do mendigo.
- Blasfeme de Deus, e eu a darei a você.
- Ah! Não, meu senhor - diz o mendigo - Eu nunca faria isso.
Um gesto desses é mais cheio de graça do que um céu cheio de estrelas, do que mil sinfonias, do que uma
Torre Eiffel ou do que uma Mona Lisa. Tomás de Aquino dizia que o esplendor de uma alma em graça era
tão sedutor que superava em beleza todas as coisas criadas.
Conta-se uma história sobre Fiorello LaGuardia, que, quando era prefeito de Nova York durante os piores
dias da Depressão e durante toda a Segunda Guerra Mundial, era carinhosamente chamado de "Little Flower"
pelos seus admiradores nova-iorquinos, porque tinha apenas 1,65 m e trazia sempre um cravo na lapela. Era
um personagem pitoresco que costumava andar em caminhões do Corpo de Bombeiros, participar de batidas
em bares ilegais junto com o departamento de polícia, levar orfanatos inteiros para partidas de baseball e,
quando os jornais de Nova York estavam em greve, ia à rádio ler quadrinhos humorísticos para as crianças.
Numa noite terrivelmente fria de janeiro de 1935, o prefeito compareceu a um tribunal noturno que servia a
região mais pobre da cidade. LaGuardia dispensou o juiz por aquela noite e assumiu a tribuna ele mesmo.
Minutos depois, uma senhora esfarrapada foi trazida à presença dele, acusada de roubar um pão. Ela disse a
LaGuardia que o seu genro havia ido embora, que sua filha estava doente e que seus dois netos estavam
passando fome. Mas a pessoa de quem o pão havia sido roubado, recusava-se a retirar acusação.
- É uma vizinhança ruim, meritíssimo - o homem disse ao prefeito. - Ela deve ser punida para ensinar às
pessoas daqui uma lição.
LaGuardia suspirou, virou-se para a mulher e disse:
- Tenho de punir a senhora. A lei não abre exceções: são dez dólares ou dez dias na cadeia. Mas, ainda
enquanto falava, o prefeito já colocava a mão no bolso. Ele tirou uma nota para fora e arremessou-a no seu
famoso chapéu de abas largas, dizendo: Aqui está a multa de dez dólares, que eu agora perdôo. Alem disso
vou impor uma multa de cinqüenta centavos para cada um presente neste tribunal, por morarem numa cidade
em que uma pessoa tem de roubar pão para que seus netos tenha o que comer. Senhor Bailiff, recolha as
multas e entregue-as à ré.
Assim, no dia seguinte, os jornais de Nova York anunciaram 47,50 dólares haviam sido entregues a uma
perplexa senhora que havia roubado um pão para alimentar os netos famintos, cinqüenta centavos dos quais
haviam sido doados pelo ruborizado dono da mercearia, enquanto cerca de setenta pessoas, acusadas de
pequenos crimes e de violações de tráfego, lado a lado com policiais da cidade de Nova York, aplaudiam o
prefeito em pé.
Que tremendo momento de graça foi aquele para todos que estavam presentes naquele tribunal. A graça de
Deus opera num nível profundo na vida de uma pessoa afetuosa. Ah! Quem dera fôssemos capazes de
reconhecer a graça de Deus quando ela vem a nós.

Adaptado pela professora Cleonaide de Souza Pinto do autor Brennan Manning da obra O Evangelho Maltrapilho,
Editora Mundo Cristão. (Pg. 90-94)

5
INTRODUÇÃO

Em busca dos mistérios e do sentido da vida


Existir, por si só, é algo misterioso... Afinal, quem somos nós? Qual o sentido das nossas vidas? O que
significa dizer que somos livres? E até que ponto podemos conhecer a realidade? Eis, aqui, a nossa própria
existência em questão. Pois tais interrogações, dentre tantas outras, incidem sobre a compreensão que
possamos ter das nossas vidas, como das nossas relações com os outros, e afetam a nossa visão do mundo, se
paramos para pensar... Faz perguntas quem questiona a pretensa obviedade das coisas. Para tanto, precisamos
saber que não sabemos algo. E isso nos põe em condições de aprender. Pois o “óbvio” não será apenas aquilo
em que paramos de pensar, ou repetimos sem pensar? Por isso, dentre outras razões, o filósofo é amigo da
sabedoria. E aquele que é amigo, que ama a sabedoria, sabe que a cada encontro de uma idéia surge um novo
ponto de partida, e que ela não está nunca acabada. A Filosofia, desde as suas origens, na Grécia Antiga,
requer uma mutação do olhar e de nossas relações com a vida e com o conhecimento. Nesse caso, será
preciso exercitar um certo estranhamento frente à realidade, desde as coisas mais simples ou aparentemente
já sabidas. Há, aqui, uma atitude, onde o pensar é desafiado a ir além de si mesmo. Ante essa atitude, que
assume a própria perplexidade e admiração como ponto de partida, a Filosofia é um convite ao diálogo.
Dialogar envolve um aprendizado de escuta do outro e, dada essa condição, a cooperação em uma construção
conjunta do conhecimento. Em um diálogo não disputamos idéias, mas, em solidariedade investigativa,
acompanhamos o raciocínio do nosso interlocutor, testando hipóteses, observando contradições, construindo
novas formas de ver e de abordar um tema, conhecendo o nosso próprio processo de conhecer. Mais que isso,
dialogar é ouvir também o silêncio das vivências que impregnam as idéias e as interrogações do outro, para
que possamos partilhar um caminho. O filosofar tece, assim, a forma como cada um de nós se relaciona com
a sua existência e com o seu crescimento. Surge assim um convite a pensar naquilo que é, ainda, não
pensado, a ir ao encontro dos nossos próprios limites, condição de sua superação. Esse convite em direção ao
alargamento de nossos horizontes de sentido põe em jogo as nossas relações com os outros, com nós
mesmos, com o meio ambiente e com o conhecimento. O caminho, porém, é duplo, e um trabalho interior
interage com as relações educativas que mantemos com os demais. Pois a jornada de nossas vidas, a fazemos
simultaneamente sós e acompanhados, quando conjugamos a aventura de ser eu com essa outra, a de sermos
também nós, na gradativa descoberta e invenção do sentido de nossa condição humana. Se nos dispomos a
buscar o sentido de nossas vidas, não deveremos tocar de algum modo, em seus mistérios? E isso não poderá
tornar a vida ainda mais interessante? Sérgio A. Sardi, Professor do Departamento de Filosofia da PUCRS.
Doutor em Filosofia pela Unicamp, SP. Endereço eletrônico: sergioasardi@uol.com.br

6
A RAZÃO E A LÓGICA
Os vários sentidos da palavra razão
Em nossa vida cotidiana usamos a palavra razão em muitos sentidos. Dizemos, por exemplo, “eu estou com a
razão”, ou “ele não tem razão”, para significar que nos sentimos seguros de alguma coisa ou que sabemos
com certeza alguma coisa. Também dizemos que, num momento de fúria ou de desespero, “alguém perde a
razão”, como se a razão fosse alguma coisa que se pode ter ou não ter, possuir e perder, ou recuperar, como
na frase: “Agora ela está lúcida, recuperou a razão”.
Falamos também frases como: “Se você me disser suas razões, sou capaz de fazer o que você me pede”,
querendo dizer com isso que queremos ouvir os motivos que alguém tem para querer ou fazer alguma coisa.
Fazemos perguntas como: “Qual a razão disso?”, querendo saber qual a causa de alguma coisa e, nesse caso,
a razão parece ser alguma propriedade que as próprias coisas teriam, já que teriam uma causa.
Assim, usamos “razão” para nos referirmos a “motivos” de alguém, e também para nos referirmos a “causas”
de alguma coisa, de modo que tanto nós quanto as coisas parecemos dotados de “razão”, mas em sentido
diferente. Esses poucos exemplos já nos mostram quantos sentidos diferentes a palavra razão possui: certeza,
lucidez, motivo, causa. E todos esses sentidos encontram-se presentes na Filosofia.
Por identificar razão e certeza, a Filosofia afirma que a verdade é racional; por identificar razão e lucidez
(não ficar ou não estar louco), a Filosofia chama nossa razão de luz e luz natural; por identificar razão e
motivo, por considerar que sempre agimos e falamos movidos por motivos, a Filosofia afirma que somos
seres racionais e que nossa vontade é racional; por identificar razão e causa e por julgar que a realidade opera
de acordo com relações causais, a Filosofia afirma que a realidade é racional.
É muito conhecida a célebre frase de Pascal, filósofo francês do século XVII: “O coração tem razões que a
razão desconhece”. Nessa frase, as palavras razões e razão não têm o mesmo significado, indicando coisas
diversas. Razões são os motivos do coração, enquanto razão é algo diferente de coração; este é o nome que
damos para as emoções e paixões, enquanto “razão” é o nome que damos à consciência intelectual e moral.
Ao dizer que o coração tem suas próprias razões, Pascal está afirmando que as emoções, os sentimentos ou as
paixões são causas de muito do que fazemos, dizemos, queremos e pensamos. Ao dizer que a razão
desconhece “as razões do coração”, Pascal está afirmando que a consciência intelectual e moral é diferente
das paixões e dos sentimentos e que ela é capaz de uma atividade própria não motivada e causada pelas
emoções, mas possuindo seus motivos ou suas próprias razões.
Assim, a frase de Pascal pode ser traduzida da seguinte maneira: Nossa vida emocional possui causas e
motivos (as “razões do coração”), que são as paixões ou os sentimentos, e é diferente de nossa atividade
consciente, seja como atividade intelectual, seja como atividade moral. A consciência é a razão. Coração e
razão, paixão e consciência intelectual ou moral são diferentes. Se alguém “perde a razão” é porque está
sendo arrastado pelas “razões do coração”. Se alguém “recupera a razão” é porque o conhecimento
intelectual e a consciência moral se tornaram mais fortes do que as paixões. A razão, enquanto consciência
moral é a vontade racional livre que não se deixa dominar pelos impulsos passionais, mas realiza as ações
morais como atos de virtude e de dever, ditados pela inteligência ou pelo intelecto.
Além da frase de Pascal, também ouvimos outras que elogiam as ciências, dizendo que elas manifestam o
“progresso da razão”. Aqui, a razão é colocada como capacidade puramente intelectual para conseguir o
conhecimento verdadeiro da Natureza, da sociedade, da História e isto é considerado algo bom, positivo, um
“progresso”. Por ser considerado um “progresso”, o conhecimento científico é visto como se realizando no
tempo e como dotado de continuidade, de tal modo que a razão é concebida como temporal também, isto é,
como capaz de aumentar seus conteúdos e suas capacidades através dos tempos.
Algumas vezes ouvimos um professor dizer a outro: “Fulano trouxe um trabalho irracional; era um caos, uma
confusão. Incompreensível. Já o trabalho de beltrano era uma beleza: claro, compreensível, racional”. Aqui, a
razão, ou racional, significa clareza das idéias, ordem, resultado de esforço intelectual ou da inteligência,
seguindo normas e regras de pensamento e de linguagem. Todos esses sentidos constituem a nossa idéia de
razão. Nós a consideramos a consciência moral que observa as paixões, orienta a vontade e oferece
finalidades éticas para a ação. Nós a vemos como atividade intelectual de conhecimento da realidade natural,
7
social, psicológica, histórica. Nós a concebemos segundo o ideal da clareza, da ordenação e do rigor e
precisão dos pensamentos e das palavras.
Para muitos filósofos, porém, a razão não é apenas a capacidade moral e intelectual dos seres humanos, mas
também uma propriedade ou qualidade primordial das próprias coisas, existindo na própria realidade. Para
esses filósofos, nossa razão pode conhecer a realidade (Natureza, sociedade, História) porque ela é racional
em si mesma.
Fala-se, portanto, em razão objetiva (a realidade é racional em si mesma) e em razão subjetiva (a razão é
uma capacidade intelectual e moral dos seres humanos). A razão objetiva é a afirmação de que o objeto do
conhecimento ou a realidade é racional; a razão subjetiva é a afirmação de que o sujeito do conhecimento e
da ação é racional. Para muitos filósofos, a Filosofia é o momento do encontro, do acordo e da harmonia
entre as duas razões ou racionalidades.
Origem da palavra razão
Na cultura da chamada sociedade ocidental, a palavra razão origina-se de duas fontes: a palavra latina ratio e
a palavra grega logos. Essas duas palavras são substantivos derivados de dois verbos que têm um sentido
muito parecido em latim e em grego. Logos vem do verbo legein, que quer dizer: contar, reunir, juntar,
calcular. Ratio vem do verbo reor, que quer dizer: contar, reunir, medir, juntar, separar, calcular.
Que fazemos quando medimos, juntamos, separamos, contamos e calculamos? Pensamos de modo ordenado.
E de que meios usamos para essas ações? Usamos palavras (mesmo quando usamos números estamos usando
palavras, sobretudo os gregos e os romanos, que usavam letras para indicar números). Por isso, logos, ratio
ou razão significam pensar e falar ordenadamente, com medida e proporção, com clareza e de modo
compreensível para outros. Assim, na origem, razão é a capacidade intelectual para pensar e exprimir-se
correta e claramente, para pensar e dizer as coisas tais como são. A razão é uma maneira de organizar a
realidade pela qual esta se torna compreensível. É, também, a confiança de que podemos ordenar e organizar
as coisas porque são organizáveis, ordenáveis, compreensíveis nelas mesmas e por elas mesmas, isto é, as
próprias coisas são racionais.
Desde o começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela fosse considerada oposta a quatro
outras atitudes mentais:
1. ao conhecimento ilusório, isto é, ao conhecimento da mera aparência das coisas que não alcança a
realidade ou a verdade delas; para a razão, a ilusão provém de nossos costumes, de nossos preconceitos, da
aceitação imediata das coisas tais como aparecem e tais como parecem ser. As ilusões criam as opiniões que
variam de pessoa para pessoa e de sociedade para sociedade. A razão se opõe à mera opinião;
2. às emoções, aos sentimentos, às paixões, que são cegas, caóticas, desordenadas, contrárias umas às outras,
ora dizendo “sim” a alguma coisa, ora dizendo “não” a essa mesma coisa, como se não soubéssemos o que
queremos e o que as coisas são. A razão é vista como atividade ou ação (intelectual e da vontade) oposta à
paixão ou à passividade emocional;
3. à crença religiosa, pois, nesta, a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina, não dependendo do
trabalho de conhecimento realizado pela nossa inteligência ou pelo nosso intelecto. A razão é oposta à
revelação e por isso os filósofos cristãos distinguem a luz natural - a razão - da luz sobrenatural - a revelação;
4. ao êxtase místico, no qual o espírito mergulha nas profundezas do divino e participa dele, sem qualquer
intervenção do intelecto ou da inteligência, nem da vontade. Pelo contrário, o êxtase místico exige um estado
de abandono, de rompimento com a atividade intelectual e com a vontade, um rompimento com o estado
consciente, para entregar-se à fruição do abismo infinito. A razão ou consciência se opõe à inconsciência do
êxtase.
Os princípios racionais
Desde seus começos, a Filosofia considerou que a razão opera seguindo certos princípios que ela própria
estabelece e que estão em concordância com a própria realidade, mesmo quando os empregamos sem
conhecê-los explicitamente. Ou seja, o conhecimento racional obedece a certas regras ou leis fundamentais,
que respeitamos até mesmo quando não conhecemos diretamente quais são e o que são. Nós as respeitamos
8
porque somos seres racionais e porque são princípios que garantem que a realidade é racional. Que princípios
são esses? São eles:
Princípio da identidade, cujo enunciado pode parecer surpreendente: “A é A” ou “O que é, é”. O princípio
da identidade é a condição do pensamento e sem ele não podemos pensar. Ele afirma que uma coisa, seja ela
qual for (um ser da Natureza, uma figura geométrica, um ser humano, uma obra de arte, uma ação), só pode
ser conhecida e pensada se for percebida e conservada com sua identidade.
Por exemplo, depois que um matemático definir o triângulo como figura de três lados e de três ângulos, não
só nenhuma outra figura que não tenha esse número de lados e de ângulos poderá ser chamada de triângulo
como também todos os teoremas e problemas que o matemático demonstrar sobre o triângulo, só poderão ser
demonstrados se, a cada vez que ele disser “triângulo”, soubermos a qual ser ou a qual coisa ele está se
referindo. O princípio da identidade é a condição para que definamos as coisas e possamos conhecê-las a
partir de suas definições.
Princípio da não-contradição (também conhecido como princípio da contradição), cujo enunciado é: “A é A
e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-A”. Assim, é impossível que a árvore que
está diante de mim seja e não seja uma mangueira; que o cachorrinho de dona Filomena seja e não seja
branco; que o triângulo tenha e não tenha três lados e três ângulos; que o homem seja e não seja mortal; que o
vermelho seja e não seja vermelho, etc.
Sem o princípio da não-contradição, o princípio da identidade não poderia funcionar. O princípio da não-
contradição afirma que uma coisa ou uma idéia que se negam a si mesmas se autodestroem, desaparecem,
deixam de existir. Afirma, também, que as coisas e as idéias contraditórias são impensáveis e impossíveis.
Princípio do terceiro-excluído, cujo enunciado é: “Ou A é x ou é y e não há terceira possibilidade”. Por
exemplo: “Ou este homem é Sócrates ou não é Sócrates”; “Ou faremos a guerra ou faremos a paz”. Este
princípio define a decisão de um dilema - “ou isto ou aquilo” - e exige que apenas uma das alternativas seja
verdadeira. Mesmo quando temos, por exemplo, um teste de múltipla escolha, escolhemos na verdade apenas
entre duas opções - “ou está certo ou está errado” - e não há terceira possibilidade ou terceira alternativa,
pois, entre várias escolhas possíveis, só há realmente duas, a certa ou a errada.
Princípio da razão suficiente, que afirma que tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa
ou motivo) para existir ou para acontecer, e que tal razão (causa ou motivo) pode ser conhecida pela nossa
razão. O princípio da razão suficiente costuma ser chamado de princípio da causalidade para indicar que a
razão afirma a existência de relações ou conexões internas entre as coisas, entre fatos, ou entre ações e
acontecimentos.Pode ser enunciado da seguinte maneira: “Dado A, necessariamente se dará B”. E também:
“Dado B, necessariamente houve A”.
Isso não significa que a razão não admita o acaso ou ações e fatos acidentais, mas sim que ela procura,
mesmo para o acaso e para o acidente, uma causa. A diferença entre a causa, ou razão suficiente, e a causa
casual ou acidental está em que a primeira se realiza sempre, é universal e necessária, enquanto a causa
acidental ou casual só vale para aquele caso particular, para aquela situação específica, não podendo ser
generalizada e ser considerada válida para todos os casos ou situações iguais ou semelhantes, pois,
justamente, o caso ou a situação são únicos.
A morte, por exemplo, é um efeito necessário e universal (válido para todos os tempos e lugares) da guerra e
a guerra é a causa necessária e universal da morte de pessoas. Mas é imprevisível ou acidental que esta ou
aquela guerra aconteçam. Podem ou não podem acontecer. Nenhuma causa universal exige que aconteçam.
Mas, se uma guerra acontecer, terá necessariamente como efeito mortes. Mas as causas dessa guerra são
somente as dessa guerra e de nenhuma outra.
Diferentemente desse caso, o princípio da razão suficiente está vigorando plenamente quando, por exemplo,
Galileu demonstrou as leis universais do movimento dos corpos em queda livre, isto é, no vácuo.
Pelo que foi exposto, podemos observar que os princípios da razão apresentam algumas características
importantes:

9
● não possuem um conteúdo determinado, pois são formas: indicam como as coisas devem ser e como
devemos pensar, mas não nos dizem quais coisas são, nem quais os conteúdos que devemos ou vamos
pensar;
● possuem validade universal, isto é, onde houver razão (nos seres humanos e nas coisas, nos fatos e nos
acontecimentos), em todo o tempo e em todo lugar, tais princípios são verdadeiros e empregados por todos
(os humanos) e obedecidos por todos (coisas, fatos, acontecimentos);
● são necessários, isto é, indispensáveis para o pensamento e para a vontade, indispensáveis para as coisas,
os fatos e os acontecimentos. Indicam que algo é assim e não pode ser de outra maneira. Necessário significa:
é impossível que não seja dessa maneira e que pudesse ser de outra.
Ampliando nossa idéia de razão
A idéia de razão que apresentamos até aqui e que constitui o ideal de racionalidade criado pela sociedade
européia ocidental sofreu alguns abalos profundos desde o início do século XX. Aqui, vamos apenas oferecer
alguns exemplos dos problemas que a Filosofia precisou enfrentar e que levaram a uma ampliação da idéia da
razão.
Um primeiro abalo veio das ciências da Natureza ou, mais precisamente, da física e atingiu o princípio do
terceiro-excluído. A física da luz (ou óptica) descobriu que a luz tanto pode ser explicada por ondas
luminosas quanto por partículas descontínuas. Isso significou que já não se podia dizer: “ou a luz se propaga
por ondas contínuas ou se propaga por partículas descontínuas”, como exigiria o princípio do terceiro-
excluído, mas sim que a luz pode propagar-se tanto de uma maneira como de outra.
Por sua vez, a física atômica ou quântica abalou o princípio da razão suficiente. Vimos que esse princípio
afirma que, conhecido A, posso determinar como dele necessariamente resultará B, ou, conhecido B, posso
determinar necessariamente como era A que o causou. Em outras palavras, conhecido o estado E de um
fenômeno, posso deduzir como será o estado E2 ou E3 e vice-versa: conhecidos E3 e E2 posso dizer como era
o estado E. Ora, a física dos átomos revelou que isso não é possível, que não podemos saber as razões pelas
quais os átomos se movimentam, nem sua velocidade e direção, nem os efeitos que produzirão.
Esses dois problemas levaram a introduzir um novo princípio racional na Natureza: o princípio da
indeterminação. Assim, o princípio da razão suficiente é válido para os fenômenos macroscópicos, enquanto
o princípio da indeterminação é válido para os fenômenos em escala hipermicroscópica.
Um outro problema veio abalar o princípio da identidade e da não-contradição. A física sempre considerou
que a Natureza obedece às leis universais da razão objetiva sem depender da razão subjetiva. Em outras
palavras, as leis da Natureza existem por si mesmas, são necessárias e universais por si mesmas e não
dependem do sujeito do conhecimento.
Contudo, a teoria da relatividade mostrou que as leis da Natureza dependem da posição ocupada pelo
observador, isto é, pelo sujeito do conhecimento e, portanto, para um observador situado fora de nosso
sistema planetário, a Natureza poderá seguir leis completamente diferentes, de tal modo que, por exemplo, o
que é o espaço e o tempo para nós poderá não ser para outros seres (se existirem) da galáxia; a geometria que
seguimos pode não ser a que tenha sentido noutro sistema planetário; o que pode ser contraditório para nós
poderá não ser para habitantes de outra galáxia e assim por diante.
Um outro problema, também atingindo os princípios da razão, foi trazido pela lógica. O lógico alemão Frege
apresentou o seguinte problema: quando digo “a estrela da manhã é a estrela da tarde” estou caindo em
contradição e perdendo o princípio da identidade. No entanto, “estrela da manhã” é o planeta Vênus e
“estrela da tarde” também é o planeta Vênus; dessa perspectiva, não há contradição alguma no que digo. É
preciso, então, distinguir em nosso pensamento e em nossa linguagem três níveis: o objeto a que nós nos
referimos, os enunciados que empregamos e o sentido desses enunciados em sua relação com o objeto
referido. Somente dessa maneira podemos manter a racionalidade dos princípios da identidade, da não-
contradição e do terceiro-excluído.
Enfim, um outro tipo de problema foi trazido com o desenvolvimento dos estudos da antropologia, que
mostraram como outras culturas podem oferecer uma concepção muito diferente da que estamos
acostumados sobre o pensamento e a realidade. Isso não significa, como imaginaram durante séculos os
10
colonizadores, que tais culturas ou sociedades sejam irracionais ou pré-racionais, e sim que possuem uma
outra idéia do conhecimento e outros critérios para a explicação da realidade.
Como a palavra razão é européia e ocidental, parece difícil falarmos numa outra razão, que seria própria de
outros povos e culturas. No entanto, o que os estudos antropológicos mostraram é que precisamos reconhecer
a “nossa razão” e a “razão deles”, que se trata de uma outra razão e não da mesma razão em diferentes graus
de uma única evolução. Indeterminação da Natureza, pluralidade de enunciados para um mesmo objeto,
pluralidade e diferenciação das culturas foram alguns dos problemas que abalaram a razão, no século XX. A
esse abalo devemos acrescentar dois outros. O primeiro deles foi trazido por um não-filósofo, Marx, quando
introduziu a noção de ideologia; o segundo também foi trazido por um não-filósofo, Freud, quando
introduziu o conceito de inconsciente.
A noção de ideologia veio mostrar que as teorias e os sistemas filosóficos ou científicos, aparentemente
rigorosos e verdadeiros, escondiam a realidade social, econômica e política, e que a razão, em lugar de ser a
busca e o conhecimento da verdade, poderia ser um poderoso instrumento de dissimulação da realidade, a
serviço da exploração e da dominação dos homens sobre seus semelhantes. A razão seria um instrumento da
falsificação da realidade e de produção de ilusões pelas quais uma parte do gênero humano se deixa oprimir
pela outra.
A noção de inconsciente, por sua vez, revelou que a razão é muito menos poderosa do que a Filosofia
imaginava, pois nossa consciência é, em grande parte, dirigida e controlada por forças profundas e
desconhecidas que permanecem inconscientes e jamais se tornarão plenamente conscientes e racionais. A
razão e a loucura fazem parte de nossa estrutura mental e de nossas vidas e, muitas vezes, como por exemplo
no fenômeno do nazismo, a razão é louca e destrutiva.
Fatos como esses - as descobertas na física, na lógica, na antropologia, na história, na psicanálise - levaram o
filósofo francês Merleau-Ponty a dizer que uma das tarefas mais importantes da Filosofia contemporânea
deveria ser a de encontrar uma nova idéia da razão, uma razão alargada, na qual pudessem entrar os
princípios da racionalidade definidos por outras culturas e encontrados pelas descobertas científicas.
Esse alargamento é duplamente necessário e importante. Em primeiro lugar, porque ele exprime a luta contra
o colonialismo e contra o etnocentrismo - isto é, contra a visão de que a “nossa” razão e a “nossa” cultura são
superiores e melhores do que as dos outros povos. Em segundo lugar, porque a razão estaria destinada ao
fracasso se não fosse capaz de oferecer para si mesma novos princípios exigidos pelo seu próprio trabalho
racional de conhecimento.

11
O HOMEM NA ORIGEM DO FILOSOFAR
Homem: o ser que pergunta

Normalmente perguntamos sem refletir sobre o próprio perguntar, sem indagar pelo significado dessa
operação da inteligência que se acha na raiz de todo conhecimento e de toda ciência. E ao perguntar pelo
perguntar, convertemos essa operação, que nos parece tão banal, tão quotidiana, em tema filosófico, a partir
do momento em que passamos a considerá-la do ponto de vista da crítica radical.

Se compararmos, nesse aspecto, o comportamento humano com o do animal, verificaremos que o animal não
pergunta, não indaga, limitando-se a responder. Mas, por que o animal não pergunta? Não pergunta porque
não precisa perguntar. E por que não precisa perguntar? Porque, para viver e reproduzir-se, dispõe do
instinto que o torna capaz de fazer, embora inconsciente e sonambulicamente, tudo o que é necessário para
sobreviver e assegurar a sobrevivência de sua espécie. O animal não pergunta, limita-se a responder aos
estímulos e provocações do contexto em que se encontra, a responder imediatamente, fugindo do perigo,
quando é ameaçado, e atacando a presa quando está com fome.

Entre o animal e o contexto em que vive não há ruptura, não há solução de continuidade. Porque o animal é
natureza dentro da natureza, instinto, espontaneidade vital, inconsciência (...)

Em contraste, o homem pergunta. E, por que pergunta? Porque precisa perguntar. Mas, por que precisa
perguntar? Precisa perguntar porque não sabe e precisa saber, saber o que é o mundo em que se encontra e
no qual deve viver. Para poder viver, e viver é conviver, com as coisas e com os outros homens, precisa
saber como as coisas e os outros homens se comportam, pois sem esse conhecimento não poderia orientar
sua conduta em relação às coisas e aos homens. Para o ser humano o conhecimento não é facultativo, mas
indispensável, uma vez que sua sobrevivência dele depende. Mas, para que esse conhecimento lhe seja
realmente útil e lhe permita transformar a natureza, pondo-a a seu serviço, e lhe permita, também,
transformar sua própria natureza, pela educação e pela cultura, para que esse conhecimento possa tornar-se o
fundamento de uma técnica realmente eficaz, é indispensável que não seja meramente empírico, mas
científico, ou epistemológico, como diziam os gregos.

Ora, que está na origem do conhecimento, tanto filosófico quanto científico? Na origem desse conhecimento
está a capacidade, ou melhor, a necessidade de perguntar, de indagar, o que são as coisas e o que é o homem.
E qual é o pressuposto, ou a condição, de possibilidade da pergunta? Se pergunto e porque não sei, ou me
comporto como se não soubesse. A pergunta supõe, conseqüentemente, a ignorância em relação ao que se
pretende ou precisa saber, pressupondo também, e ao mesmo tempo, a consciência da ignorância e o
conhecimento, por assim dizer em oco, daquilo que se desconhece e precisa conhecer. A mola do processo é
a contradição. Não sei e sei que não sei, e essa consciência da ignorância, a ciência da insciência, é o que me
permite perguntar, quer a pergunta se dirija à natureza, quer se enderece aos outros homens.

ROLAND CORBISIER. Introdução à filosofia. p.125-27.

O sentido da filosofia: Eu tô te explicando pra te confundir.

TÔ  
     (Elton Medeiros - Tom Zé)

Tô bem de baixo prá poder subir


Tô bem de cima prá poder cair
Tô dividindo prá poder sobrar
Disperdiçando prá poder faltar
Devagarinho prá poder caber
Bem de leve prá não perdoar
12
Tô estudando prá saber ignorar
Eu tô aqui comendo para vomitar

Tô te explicando
Prá te confundir
Tô te confundindo
Prá te esclarecer
Tô iluminando
Prá poder cegar
Tô ficando cego
Prá poder guiar

Devagarinho prá poder rasgar


Olho fechado prá te ver melhor
Com alegria prá poder chorar
Desesperado prá ter paciência
Carinhoso prá poder ferir
Lentamente prá não atrasar
Atrás da vida prá poder morrer
Eu tô me despedindo prá poder voltar

A RACIONALIDADE

Às vezes apanhamo-nos a mudar de idéias sem nenhuma resistência emoção, mas, se alguém nos acusa de estarmos
errados, ressentimo-nos firmamo-nos na resistência. Somos incrivelmente descuriosos na formação das nossas crenças,
mas por elas nos enchemos de amor quando nô-las querem roubar. Toma-se óbvio que não são propriamente idéias
que nos são caras, sim o nosso amor próprio. A natureza os fez aferrados (Obstinado ou teimoso) a tudo que é nosso -
à nossa pessoa, à nossa família, nossa propriedade, à nossa opinião. Podemos dar-nos por vencidos, mas lá por dentro
não cedemos.Poucos homens dão-se ao trabalho de estudar a origem das suas mais queridas convicções; temos,
mesmo, uma natural repugnância (aversão, repulsa) para fazê-lo. Gostamos de continuar a crer no que nos
acostumamos a aceitar como verdade, e a revolta sentida quando duvidam das nossas verdades estimula-nos a ainda
mais nos apegarmos a elas. O resultado é que a maior parte do chamado raciocínio humano consiste em descobrirmos
argumentos para continuarmos a crer no que cremos.

Lembra-me ter assistido em moço a um debate sobre a imortalidade da alma, e não esqueço de como me ofendeu a dúvida
manifestada por um dos presentes. Olhando para trás vejo agora que naquele tempo eu tinha pouco interesse pelo assunto, e
nenhum argumento de valor em prol da crença que me haviam inoculado (Enxertar, inserir, introduzir). Mas, nem a minha
indiferença pele assunto, nem o fato de nunca lhe haver dado atenção foram bastantes para livrar-me da revolta que senti ao
ver minhas idéias postas em dúvida. Este espontâneo e leal apoio aos nossos preconceitos - este processo de descobrir "boas"
razões para justificá-Ios - recebe dos cientistas modernos o nome de "racionalização" palavra nova para coisa muito velha.
Nossas "boas" razões nada valem para o honesto esclarecimento de um assunto, porque, por mais solenemente que sejam
apresentadas, não passam, no fundo, de resultados de preferências pessoais, ou preconceitos, não refletindo nenhum sadio
desejo de acertar. Com freqüência em nossos devaneios nos mergulhamos em auto -justificação, por não podermos admitir a
idéia de estarmos errados, apesar da abundância de nossas fraquezas e erros.

(Adaptado pela professora Cleonaide Pinto da obra: A Formação da Mentalidade; págs, 21 a 24; James H. Robinson).

Atividade

1. O que você sente quando ouve: "Você está errado" ou "Você precisa mudar?"

2. Como são formadas as suas maiores convicções a respeito da vida?

3. No seu entendimento, o que significa preconceito?

13
CONCEITOS GERAIS DE FILOSOFIA
 A filosofia começa quando algo desperta nossa admiração (o que é isso? Por que é assim? Como é
possível que seja assim?), interroga-nos insistentemente, exige explicação (Antonio Rezende);
 Filosofar é amar a sabedoria; não é simplesmente dar uma opinião, mas fundamentar objetivamente e
universalmente as próprias teses;
 Filosofia é o uso do saber em proveito do homem. É a capacidade de explicar porque as coisas são
assim ou é a busca das causas primeiras;
 A tarefa da filosofia é introduzir a dúvida onde há somente certezas e mostrar a inconsistência onde
somente a consistência é visível (Hegel);
 É o estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade,
no sentido de aprendê-la na sua totalidade;
 A verdadeira filosofia não pode ensinar nada a um homem; você pode apenas ajudá-lo a encontrar a
resposta dentro dele mesmo (Galileu);
 A filosofia verdadeira é reaprender a ver o mundo (Merleau – Ponty);
 Filosofar é pensar além do fluxo acidental dos fenômenos (Aristóteles).

Realidade e verdade

 A realidade é efêmera, contingente e mutável. O ser humano vive na aparência da realidade. A


verdade se caracteriza pelo absoluto, pela imutabilidade, pela completude. A nossa tarefa é buscar à
essência, à substância das coisas, à verdade de base.
 O que se pensa é revelado por aquilo que se faz. A sabedoria é conhecer os muitos aspectos da
realidade e pôr-se em relação com a verdade.

14
FILOSOFIA EM ATENAS
(Atos 17. 16-31)
Mostrar biblicamente a importância de aprender os princípios filosóficos para entender a biblia.

1. Paulo decidiu convencer os atenienses da fé em Cristo, seduzindo os veneráveis homens de


pensamento, herdeiros das escolas platônica e aristotélica, com as proféticas mensagens de Cristo e sua
certeza no advento do Reino dos Céus.
2. O areópago ocupava um lugar especial na geografia da cidade e no coração dos atenienses. Era o local
original das reuniões e acreditavam que sua fundação foi divina. Ninguém menos do que a deusa Atena, a
deusa protetora da cidade. Inclusive possuía jurisdição especial sobre questões de moral e religiosa. Era
também o centro de negócios e de atividades cívicas.
3. Epicureus: Seguidores de Epícuro (341-270 a. C. Na ilha de Samos) que criou a filosofia ética que faz do
prazer o ideal da vida. Baseava-se na teoria atômica, admitindo que o universo é constituído de átomos
eternos, que não têm princípio nem fim, e que estão constantemente formando novas combinações. Portanto,
rejeitava a idéia da imortalidade da pessoa afirmando-se que a morte do corpo, a alma (a personalidade)
cessando de existir, tudo acaba. O maior prazer seria a paz, ausência de dores, paixões e temores. Que a
felicidade na vida só se consegue através do desprendimento de toda religiosidade que gera temor da
intervenção punitiva dos deuses. Os Epicuros criam nos deuses, mas achavam que estes eram inteiramente
transcendentes, não se interessando pelos destinos humanos. O objetivo da vida humana deve ser buscar ser
feliz e encontrar o prazer ainda que sejam vistos como egocêntricos.
4. Estóicos: Seguidores de Zenão que era natural de Chipre (335-263 a. C) criou a filosofia em que a vida
ideal se conformava com a natureza, da qual a maior expressa era a razão. O estoicismo ensinava que o
homem é feliz quando não deseja que as coisas sejam diferentes do que são. O ideal do estóico era “viver
conforme à natureza” e alcançar uma tal auto-suficiência que lhe permitisse viver acima das circunstâncias.
Ressaltavam a supremacia da razão e a ética da auto-suficiência individual e a obediência aos ditames do
dever.

Concluindo: O estoicismo é uma doutrina filosófica que propõe viver de acordo com a lei racional da natureza e
aconselha a indiferença em relação a tudo que é externo ao ser. O homem sábio obedece à lei natural
reconhecendo-se como uma peça na grande ordem e propósito do universo. Os Epicures e os Estóicos eram
materialistas em tudo quanto criam sobre as coisas divinas e sobre a realidade do espírito. Para eles, o espírito era
apenas matéria refinada (ou viva). Eram panteístas e achavam que uma razão universal, da qual fazemos parte,
pervade todo universo. Possuia a doutrina fatalista de que tudo o que acontece está conforme a ordem divina.

Perguntas

1. Qual era a condição espiritual do povo de Atenas que levou Paulo a ficar perplexo?

2. Os filósofos concordavam ou discutiam com Paulo?

3. Por que os filósofos convocaram Paulo para um debate?

4. Cite os itens da argumentação usada por Paulo para convencer o povo?

5. É verdade que Paulo disse que os ídolos são bons?

Faça um paralelo: evangelização atual e aquela praticada por Paulo

Bibliografia
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.
SHEDD, Russell P. Bíblia Shedd. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 1997.
STAGG, Frank. Atos: A luta dos cristãos por uma Igreja livre e sem fronteiras. 3 ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1994.

15
O MITO DA CAVERNA
(Platão)

Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão
aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer
sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os
lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-
obscuridade, enxergar o que se passa no interior.

A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior,
portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta (Muro baixo, em geral para
anteparo ou proteção), como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-
palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas.

Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da
caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens
que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as
próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de
coisas), nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam
porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na
caverna.

Que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em
primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira.
Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e,
deparando com o caminho ascendente, nele adentraria.

Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol, e ele ficaria
inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando-se com a claridade, veria os homens que transportam as
estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida,
não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente
agora está contemplando a própria realidade.

Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão,
contaria para os outros, o que viu e tentaria libertá-los.
Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas
palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo
assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-
lo.

Atividade:
1. De acordo com Platão, qual seria tarefa central da educação?
2. O que seria a luz exterior do sol?
3. Explique o que Platão pensava sobre a democracia.

Adaptado pela professora Cleonaide Pinto, de Marilena Chaui. Obra: Convite à Filosofia.

1.1 Uma interpretação da "Alegoria da Caverna" de Platão

FILOSOFIA É TAREFA DIFÍCIL


 
     Ideal, irreal, polis (cidade) perfeita, dentre tantos outros adjetivos - é dessa forma que a cidade socrático-
platônica perfila-se no horizonte filosófico: qual uma estrela distante. O filósofo Platão [428-348 a.C],

16
expressando o seu desencanto, ou melhor, a sua visão e o seu juízo sobre a decadência da pólis grega - no
conjunto de sua obra -, constrói, então, o projeto de uma cidade modelo, uma cidade paradigmática, na qual,
em especial, toda causa de corrupção estaria fadada à extinção.
   Consoante à visão platônica, existe, para além do plano dos fenômenos sensíveis, um outro mundo: uma
espécie de "planeta" povoado de realidades constituídas pelos mesmos atributos que existem em nosso
exterior ou interior. Estas "realidades" seriam as idéias perfeitas ("eidos"). Elas não representariam, apenas,
simples formas abstratas do pensamento, mas seriam realidades objetivas com atributo de eternidade (isto
significa realidade para Platão!). Nesse caso, as coisas terrenas não passariam de meras cópias dessas idéias
perfeitas. As coisas terrenas seriam cópias impregnadas de imperfeições e, sobretudo, passageiras; elas
habitam o "Mundo das Sombras", em contraponto ao "Mundo Inteligível" ou ao "Mundo das Idéias", donde
procede o foco luminoso e transcendente da idéia do Bem Supremo.
   Todavia, caso queiramos bem definir o que caracteriza tal atitude filosófica platônica, os obstáculos
multiplicam-se, pois, como pode o perfeito se perfazer no irreal? E como pode o irreal ser perfeito e ideal,
isto é, o "Mundo Inteligível" ou o "Mundo das Idéias"? De certo, nos confrontamos com um paradoxo! Com
uma visão fulgurante ou com um êxtase místico?
   Com efeito, nada mais que um dos nós do pensamento platônico... Entretanto, as possíveis respostas para
tais questões - que geralmente latejam informuladas na esfera da noção comum - devem ser iluminadas por
aquilo que se lê, de corpo inteiro, nas páginas de "A República", a obra que, sem sombra de dúvidas, é a mais
representativa de Platão, auxiliando-nos a esclarecer, sobretudo, o que se entende por cidade platônica.
   O que significa, exatamente, para Platão, o Estado? O Estado, para Platão, versa, em última instância, sobre
a alma do homem. A "Alegoria da Caverna" e, por extensão, toda a filosofia platônica, ambas tomam como
ponto de partida o conceito (idéia que expressa a essência das coisas), verdadeiro objeto da filosofia para
Sócrates [469-399 a.C], mestre de Platão - cujas lições Platão ouviu por muito tempo, e mais tarde as
transcreveu. Entretanto, o Sócrates de Platão (Sócrates nada deixou por escrito), apesar de colocar em ação os
princípios paradigmáticos socráticos, divergiu do mestre quando buscou relacionar o conceito com a
realidade.
   Já foi dito que a máxima confirmação do filósofo é o aluno que se tornou maior do que o mestre - com
efeito, sempre que o aluno seja guiado pelo amor ao verdadeiro e ao Bem. Bem a propósito, quanto a Platão
pois, diferentemente de Sócrates, que acreditava que o conhecimento intelectivo derivava do mundo sensível
mediante o diálogo, isto é, da e pela linguagem, para Platão, o conhecimento intelectivo não poderia derivar
do mundo sensível, haja vista o sentidos representarem um obstáculo rumo ao conhecimento da verdadeira
realidade. Tal diferença de perspectiva é considerável pois, Platão, nesse aspecto, ao se opor a Sócrates,
contradiz o mestre, porque Platão entende que a linguagem, um dos elementos constitutivos da realidade do
mundo sensível, é grávida de enganos, mentiras, ilusões, perigos e outros que tais.
   Compreenderemos melhor o alcance dessa diferença ao lançarmos vistas sobre a escritura da célebre
"Alegoria da Caverna" - inscrita num dos textos mais famosos de Platão, isto é, o "Livro VII" in "A
República".  Podemos dividir as passagens - quanto à ascese do humano rumo ao conhecimento perfeito - da
referida alegoria em quatro episódios:
   . Primeiro episódio = como numa morada subterrânea, em forma de caverna, os prisioneiros estão
acorrentados, imobilizados, sem poder mover a cabeça; eles apenas observam as sombras das marionetes que
desfilam em uma parede. Os prisioneiros as tomam por seres verdadeiros e crêem ouvi-las, quando, na
verdade (isto é, na realidade), ouvem as vozes de carregadores ou de titiriteiros (irritar-se, enfurecer-se,
encolerizar-se).
   . Segundo episódio = quando um dos cativos é libertado e obrigado, de súbito, a se erguer, andar e olhar
para a luz; deslumbrado pela luz do fogo, ele é forçado a olhar as marionetes, que passam por cima do muro.
   . Terceiro episódio = daí o arrastam à força pelo áspero e íngreme aclive, e não o soltam antes de o lançar
para a luz do verdadeiro fogo, isto é, o Sol; o cativo é, a princípio, cegado pela luz, tornando-se incapaz de
observar o que, agora, são os "seres reais". Contudo, aos poucos, ele vai se adaptando. Contempla as sombras
e os reflexos, depois os próprios seres que projetam essas sombras. Ele se encontra no "Mundo das Idéias".
   Quarto episódio: seu olhar eleva-se em direção ao Sol. Ele conclui que esse é que produz a vida, as
estações e os anos, e governa, também, o plano visível, e o último é tudo aquilo que antes via, de algum
modo, de maneira distorcida, quando se encontrava sentado lá no fundo da caverna. Desse modo,
relembrando da primeira morada e da falsa sabedoria ou não-sabedoria lá existente, além dos companheiros

17
de cárcere, ele se considera feliz pela mudança, porém sente dó dos outros. Assim, ele é forçado a retornar ao
fundo da caverna e comunicar aos companheiros a sua descoberta, com a finalidade de livrar das ilusões os
que estão acorrentados.
   Tarefa difícil! O amor à unidade de Verdade e de Bem. Risco de morte! Não foi isso que aconteceu a
Sócrates? Por quê? Porque a filosofia é amor pelo valor supremo, conduzido pela unidade do verdadeiro
saber e do bom comportamento do homem. Enfim: a filosofia desmistifica, porque o sujeito (dotado de
Razão), pleno de amor ao saber, contrasta com a ignorância, ou melhor, com a cegueira e a ingenuidade da
desrazão dos prisioneiros encerrados no fundo da caverna. Desse modo, o antigo prisioneiro, agora tornado
filósofo, faz valer (dirigido pela idéia do Verdadeiro e do Bem) a univocidade (Que só comporta uma forma
de interpretação) do discurso racional, para poder espantar-se e confessar o seu próprio espanto: "NADA
SEI!"; despertando assim do seu sono dogmático.
   Eis em Sócrates, consoante escritos de Platão, a verdadeira dramatização da ascese (Exercício prático que
leva à efetiva realização da virtude, à plenitude da vida moral) do conhecimento. Tal é a dimensão
pedagógica da filosofia platônica. De outra parte, se anteriormente afirmamos que a filosofia é tarefa difícil,
objetivando, no momento, contemporizar nossa reflexão, podemos asseverar (assegurar), em conjunto com a
filósofa do cotidiano Agnes Heller, que a filosofia tornou-se tarefa ainda mais difícil no mundo atual, haja
vista a filosofia encontrar-se inserida na divisão social do trabalho. Como se isto já não bastasse, um
agravante: do ponto de vista de Heller, desafortunadamente, em nossa modernidade, a filosofia, que não é
uma profissão, tornou-se uma profissão! Noutras palavras, a objetivação filosófica - ou seja, as perguntas
primeiras da autêntica filosofia, tais como: _ Que é isto? _ Como é isto? _ Por que deve ser assim? - eclipsou-
se diante do caráter de "profissão" que adquiriu o autêntico ato do filosofar, em última instância, do pensar.
Daqui, segue abaixo, em palavras textuais, a lúcida reflexão da filósofa húngara Agnes Heller sobre o exílio
imposto ao legítimo filósofo moderno, porque dissociado de sua verdadeira tarefa:

   "Com poucas exceções, o filósofo hoje só pode ser ‘mestre' se é ‘professor'. E, enquanto tal, tem de se
adaptar às exigências da divisão do trabalho encarnada na instituição, bem como às expectativas da
‘corporação profissional'. A sua tarefa filosófica consiste em formar a capacidade de sentir espanto, de
desenvolver automaticamente o pensamento; consiste em provocar a ‘elevação', no compromisso irônico com
o ‘não sei nada'. Por outro lado, essa tarefa contrasta com a instância ‘profissional' de ampliar o ‘saber
positivo' [isto é, técnico], exigência inteiramente incompatível com o irônico ponto de partida representado
pelo ‘não sei nada' (...)".   Entretanto, uma saída na trilha do pensamento de Heller:
  
   "O que é difícil não é, contudo, impossível. Dever do filósofo (...) é viver segundo a sua filosofia; ele deve
assumir o risco do conflito com a ‘profissão', com a divisão do trabalho que priva a filosofia de sua eficácia,
de sua função específica, de seu caráter democrático (...) Quem teme esse conflito melhor se escolhesse ser
sapateiro."
  
   Após tais considerações, reflitamos sobre a questão formulada pela professora Marilena Chauí: a filosofia
representa risco de morte? Desafortunadamente, podemos afirmar: _ SIM! Pois o perigo existe e é
permanente. A "Alegoria da Caverna" ou o "Livro VII" d' "A República", de Platão, possui múltiplas
dimensões; além da forte conotação pedagógica que nele perpassa, além de em toda "A República" (o título é
enganador, pois o referido texto é mais um tratado sobre a educação do que propriamente um tratado
político), a "Alegoria..." também pode ser apreciada como uma ascese (Exercício prático que leva à efetiva
realização da virtude, à plenitude da vida moral) religiosa, ou um tratado filosófico, científico ou político que,
consoante o contexto de "A República", certamente não permite que tais considerações venhamos a
negligenciar.
   Nesse sentido, aquele que se liberta do fundo da caverna, isto é, das ilusões, conhece a "Idéia Suprema do
Bem"), elevando-se à visão da autêntica realidade, e é, por fim, o rei-filósofo que pode e que deve governar a
pólis ideal, com a finalidade de libertar os outros prisioneiros das trevas ou da caverna. É nesse sentido que o
Estado, em Platão, versa, em última análise, sobre a alma do homem, como já afirmamos anteriormente.
Primeiro: porque existe a possibilidade de sair da prisão. Segundo: porque todo o vigor da "Alegoria da
Caverna" está justamente em mostrar que se trata de uma mudança essencial na vida humana. Ocorre, na
verdade, uma transfiguração da própria alma, pois o contato efetivo com a "Idéia do Bem" é fonte de

18
possibilidade de "alétheia", isto é, de desvelamento. Nas palavras de Platão:
  
   "(...) quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da
alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la (...). Pois,
segundo entendo, no limite do cognoscível (conhecível) é que se avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez
avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; (...) e que é preciso vê-la
para ser sensato na vida particular e pública (...).
  
   Em contrapartida, claro está que "a novidade" em Platão pretendia eliminar uma tradição anterior, ou os
"males do passado" (expulsão dos poetas) e do presente (expulsão, sobretudo dos sofistas) da pólis ideal. E
pretendia fazê-lo por intermédio de uma arte de ensinar constituída, nas palavras do historiador da filosofia
Châtelet, por "disciplinas despertadoras", as quais permitissem ao futuro governante, isto é, o rei-filósofo,
"praticar o inteligível". Platão busca a sistematização dos saberes (na verdade, a "Alegoria da Caverna" trata-
se do primeiro registro de confecção de um currículo de disciplinas, no mundo ocidental. Antes disso, ou de
Platão, os saberes encontravam-se diluídos tanto na mitologia quanto na filosofia) para formar aqueles que
querem sair da caverna. Daí a importância da aritmética, da geometria, da astronomia, da música, dentre
outros saberes, até que se alcance o "último saber" do currículo platônico, isto é, a dialética (na definição
socrático-platônica = a arte do discurso e do diálogo); o referido saber auxilia os indivíduos a elevarem-se
dos conhecimentos sensíveis (inscritos no mundo da caverna ou no mundo das ilusões ou no mundo das
"doxas", isto é, das meras opiniões) aos conhecimentos inteligíveis (inscritos no "Mundo Perfeito" ou no
"Mundo Inteligível" ou no "Mundo das Idéias") - alcançáveis pela atividade da contemplação, isto é, do
pensamento. Nesse caso, a dialética socrático-platônica auxilia o espírito a odiar a mentira e o erro. Assim,
consoante tal verdade, perigo de morte! Numa pólis regida por cidadãos corruptos. Por fim, a pedagogia,
segundo Platão, seria esse lado da filosofia, ou consoante as palavras da professora Marilena Chauí:

“ Pedagogia e filosofia, destinadas a liberar o espírito das sombras da caverna, pô-lo em contato com a luz
fulgurante do Bem, do belo. Ensinar era dividir a palavra-diálogo com aqueles que já sabem, embora ainda
não o saibam...", porque o verdadeiro conhecimento é uma reminiscência - a alma racional é livre. Em
punição por algum delito, contudo, guarda a lembrança (reminiscências) das idéias contempladas na
encarnação anterior (conceito de metempsicose em Platão!) e que, pela percepção, faz voltar à memória.
Isto esclarece a maiêutica (parto das idéias) socrática.

   Depois de tudo isso, esses homens perfeitos estão prontos para assumir as funções mais elevadas da vida
pública. São, afinal, os reis-filósofos, que irão governar a pólis ideal, libertando a espécie humana de toda
corrupção. Assim, o Estado Ideal de Platão deve ser entregue aos filósofos.

Atividade
1. Por que filosofia é tarefa difícil segundo o autor do texto?
2. Dê sua interpretação sobre a cidade platônica.
3. Escreva e discuta o processo dialético para se libertar das correntes, saindo assim da ignorância.

BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, Carlos R. (et al) "O Educador: Vida e Morte". 8 ed. Graal: Rio de Janeiro, 1988.*
CHÂTELET, François. "A Filosofia Pagã". Tradução José A.Furtado. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
CHAUÍ, Marilena. "O Educador: Vida e Morte". In BRANDÃO, Carlos R. (et al) (vide acima*).
HELLER, Agnes. "A Filosofia Radical". Tradução Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1983.
NOVAES, Adauto (et al) "O Olhar". São Paulo: Cia das Letras, 1988.
PLATÃO. "A República". 5 ed. Tradução Maria Helena da R. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1987.
     

19
PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

1.2 Análise do “mito da caverna” de Platão: Uma segunda abordagem

  A metáfora de Platão define a realidade como sendo composta de dois domínios, os quais são o
domínio das coisas sensíveis e o domínio das idéias. Para ele a maioria da humanidade vive na infeliz
condição da ignorância, ou seja, vive no mundo ilusório das coisas sensíveis as quais são mutáveis, não são
universais e nem necessárias e, por isso, não são objetos de conhecimento. Este mundo das idéias, percebido
pela razão, está acima do sensível (dominado pela subjetividade) que só existe na medida em que participa do
primeiro, sendo apenas sombra dele. Mais tarde Aristóteles criticaria Platão dizendo que ele não havia
questionado o que é participar.
O filósofo é aquele que, através de um processo dialético, se liberta das correntes, saindo assim da
ignorância para a opinião e, depois, para o conhecimento. Estabelece, portanto, etapas bem definidas e
dolorosas. É importante ressaltar que o autor faz uma analogia entre aptidão para ver e aptidão para conhecer,
exercício da visão e exercício da razão e entre faculdade da visão e faculdade da razão. Há aí, também, uma
relação entre o mundo visível e o mundo inteligível, sendo como já foi dito, o primeiro uma sombra do
segundo. Feito isto, pode-se afirmar que, durante a descrição do mito, as fases pelas quais a visão do sujeito
passa são as fases pelas quais passa a razão.
A primeira etapa é chegar à opinião (doxa), ilustrada pela subida do fundo da caverna até às imagens
exteriores, tentando superar a inércia da ignorância (agnosis). O sujeito é ofuscado pela luz da fogueira sendo
esta (a luz) a representação da verdade a qual lhe causa dor aos olhos que representam o órgão do
conhecimento. Neste primeiro instante, ele não consegue distinguir muito bem o que está a ver, mas com
persistência e olhar investigativo contempla as formas bem definidas dos objetos que geram as sombras do
fundo da caverna. Então ele atinge o conhecimento (episteme). Mas a investigação não acaba por aí. A busca
pelas idéias gerais, unas e imutáveis é ilustrada pela saída até à luz do Sol que simboliza o bem (alegoria do
Sol) que está no topo da hierarquia das idéias universais das quais também fazem parte o belo e a justiça.
Estas etapas são representadas também por outra metáfora em que o sujeito olha primeiro para a
sombra dos objetos, depois para a imagem deles refletida na água e, por último, para os próprios. Note-se aí,
a passagem da ignorância para a opinião e depois para o conhecimento. Então ele passa a ser capaz de
contemplar o que há no céu e o próprio céu à noite representando a contemplação das idéias imutáveis.
Finalmente ele torna-se apto a olhar para o Sol e o seu brilho de dia ilustrando o descobrimento da idéia do
bem. Então Platão pergunta o que aconteceria a esse homem se ele descesse novamente à caverna e tentasse
contar o que havia descoberto. Sua vista demoraria a acostumar-se às trevas novamente. Certamente ele
seria ridicularizado, hostilizado e até morto pelos demais. Esta descida à caverna representa o dever do
filósofo para com o Estado de compartilhar com os outros cidadãos o conhecimento a que chegou com o
apoio deste Estado. Por mais que seja dolorosa esta atitude, para o homem sábio, de conviver com os
demiurgos (o Deus que cria o Universo, organizando a matéria preexistente), o Estado deve preocupar-se
com a felicidade de toda a cidade e não apenas de uma parte dela. Por isso o filósofo teria a função de
orientador e educador nessa cidade, além da função de governante.
E porque a função de governante? Justamente por ele ter sido o único a ter contemplado o belo, o bem
e o justo. E, por ter o conhecimento do que é a justiça, governaria melhor a cidade. Também por ser mais
indiferente ao poder, não estaria brigando por ele contra rivais e não governaria por interesses próprios.
Agiria de acordo com o que é justo. Platão imaginou um estado ideal que é sustentado no conceito de justiça.
Mas por que Platão precisou usar esta alegoria? Ele termina o livro VI (511 a-e) ordenando os modos
de conhecimento da seguinte forma: o mais elevado, a inteligência; o segundo, o entendimento; o terceiro, a
crença e a opinião; e o último, a imaginação ou a suposição. O terceiro e o quarto baseiam-se no mundo
sensível e, portanto, não levam à verdade suprema. Os dois primeiros são do domínio do inteligível, mas o
entendimento diferencia-se da inteligência porque não vai até ao princípio, mas parte de hipóteses, o que o
torna um intermédio entre a doxa e a episteme.
O livro VII começa com o seguinte (514 a): “Em seguida – continuei - imagina a nossa natureza,
relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência”. Esta primeira fala de
Sócrates neste capítulo mostra a sua intenção de tratar da educação ao utilizar-se de tal alegoria. Ele estava
preocupado em ilustrar como deveria ser a formação dos habitantes da cidade, ou seja, eles deveriam ser

20
orientados a buscar as idéias e os valores mais elevados. A idéia principal da pedagogia de Platão é formar o
homem moral dentro do Estado justo. Para orientar os habitantes a tais idéias é necessário o filósofo como
educador, pois é ele quem tem o conhecimento das idéias unas e imutáveis.

Adaptado pela professora Cleonaide Pinto de Daniel Pires Nunes.

O QUE É MITO

Mito proporciona um conhecimento que é mágico porque ainda vem permeado pelo desejo de atrair o bem e
afastar o mal, dando segurança e conforto ao homem. Um mito é uma narrativa tradicional com caráter
explicativo ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. Pode-se dizer que o
mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade. O mito procura explicar os principais acontecimentos da
vida, os fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis
(todas elas são criaturas sobrenaturais).

A Filosofia procura, através de discussões, reflexões e argumentos, saber e explicar a realidade com razão e
lógica enquanto que o mito não explica racionalmente a realidade, procura interpretá-la a partir de lendas e de
histórias sagradas, não tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretação. Características do mito:
Pedagógico ( procura ensinar a Verdade ); Narrativo - descreve a relação entre fatos, pessoas, símbolos... com
forças desconhecidas); Fantasioso – apela para a imaginação; Pouco lógico – não tem coerência interna, é
contraditório. O mito é considerado como uma história sagrada, e portanto uma história verdadeira, porque se
refere sempre a realidades (Mircea Eliade). Os mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana,
daquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente.
Tipos de Mito:

Mitos cosmogônicos: 
A água é o elemento primordial mais frequente das cosmogonias, sobretudo nas mitologias asiáticas e da
América do Norte. A consolidação da terra faz-se pela ação de um intermédio (espirito ou animal) que a retira
do fundo da água e introduz no mundo um elemento de desordem ou mal. A criação a partir do nada, aparece
unicamente pela palavra de deus fato que aparece claramente no livro do Gênesis.

Mitos escatológicos:
Platão anunciava a reencarnação e a imortalidade da alma , acreditando, que as almas dos seres virtuosos iam
para junto dos deuses bons, e no momento da morte a alma separava-se do corpo, permanecendo imperecível.
O corpo simbolizava o cárcere da alma, e só a morte a poderia libertá-la desse cárcere, daí a serenidade de
Sócrates no momento da sua morte. O mito pode ser contraditório. A Filosofia não admite contradições.

Os modos de se conhecer o mundo:

Senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo resultante da herança do


grupo a que pertencemos e das experiências atuais que continuam sendo efetuadas.
Ciência, procurando descobrir o funcionamento da natureza através, principalmente, das relações de causa e
efeito, busca o conhecimento objetivo, lógico, através de métodos desenvolvidos para manter a coerência
interna de suas afirmações.
Filosofia, por sua vez, propõe-se oferecer um tipo de conhecimento que busca, com todo o rigor, a origem
dos problemas, relacionando-os a outros aspectos da vida humana, numa abordagem globalizante.
Arte nos dá não o conhecimento de um objeto, mas de um mundo, interpretado pela sensibilidade do artista e
traduzido numa obra individual.

21
Revelação divina Rejeitada pela maioria dos filósofos contemporâneos, trata-se de conhecimento por
experiência religiosa ou mística. "Aquilo que os homens de facto querem não é o conhecimento, mas a
certeza" (Bertrand Russell ).

Bibliografia:
 Csiksentmialyi, M. Novas Atitudes Mentais, Circulo de Leitores (1998)
  Eliade, M. Aspectos do Mito, Edições70, Lisboa
  Rivière, C. Introdução à Antropologia, Edições70, Lisboa (2000).

Mito e Filosofia (Marilena Chaui)

A autora propõe uma questão: A filosofia nasceu a partir dos mitos ou de uma ruptura com eles? Origem da
palavra mythos: mytheyo (contar, narrar, falar para outrem) e mytheo (conversar, anunciar, designar). Mito
envolve narração e veracidade da história baseada na confiança de quem narra por ter experenciado ou
conhecer quem experenciou. Quem narra o mito é o poeta-rapsodo. Um escolhido dos deuses, que tem a
capacidade de conhecer a origem dos seres e das coisas para que possa transmiti-la. Sua palavra – o mito – é
sagrada por advir da revelação divina. O mito narra a origem do mundo de três forma, sempre envolvendo as
forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens:

1. Encontrando pais e mães das coisas, tudo decorrendo da relação sexual entre dois seres divinos (Penúria +
Poros = Eros => faminto, sedento e miserável, porém astuto);
2. aliança ou rivalidade entre deuses, que faz surgir algo no mundo (Tróia);
3. através das recompensas ou castigos divinos (fogo - Prometeu).

Cosmogonias e teogonias. Gonia vem do verbo gennao (engendrar, gerar) e do substantivo genos
(nascimento, gênese). Geração. Cosmos = mundo organizado. Cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e
organização do mundo, a partir das suas forças geradoras (pai e mãe) divinas. Theos = deuses. A origem dos
deuses, a partir de antepassados. Nos final do século XIX veio uma resposta à pergunta inicial, a partir de um
grande otimismo na capacidade científica humana. Filosofia é ruptura, sendo a primeira explicação científica
da realidade realizada no ocidente. A segunda possível resposta é ulterior: os mitos estão intrincados no
modo de ser, pensar e construir cultura, de forma que o mito nasceu a partir dos mitos, como uma
racionalização deles.

Diferenças entre mito e filosofia:

1. O mito está relacionado ao passado e a filosofia se pretende atemporalidade.


2. A filosofia explica a produção das coisas por causas naturais, e não pelos três itens acima.
3. O mito pode ser contraditório. A Filosofia não admite contradições.

Quais foram as condições que permitiram o surgimento da filosofia no final do século VII e início do
século VI ac?

· As viagens marítimas (descoberta e humanização de lugares míticos)


· A invenção do calendário (cálculo do tempo, o tempo deixa de ser divino e incompreensível)
· A invenção da moeda (capacidade de abstração e raciocínio)
· O surgimento da vida urbana (tecnicismo)
· A invenção do alfabeto (capacidade de abstração e generalização)
· A invenção da política (expressão da vontade da coletividade, direitos, valorização do humano, público)

Características do pensamento filosófico:


· Tendência à racionalidade
· Respostas conclusivas
22
· Regras de funcionamento do pensamento (justificativa)
· Recusa de explicações preestabelecidas
· Tendência à generalização: Caras pintadas como exemplo? Faça-me o favor. Os primeiros também foram
um fenômeno imposto pela mídia.

A FILOSOFIA
(Arcangelo R. Buzzi)

"A filosofia significa, em sentido próprio, nostalgia do lar, impulso a estar, por toda parte, em casa"
(Novalis, 1772-1801).

"Que representa a filosofia? — é uma das raras possibilidades de existência criadora. Seu dever inicial é
tornar as coisas mais refletidas, mais profundas" (Heidegger, M.).

Conhecemos uma quantidade prodigiosa de coisas. Mas ignoramos que as conhecemos e persistimos em
nos comportar de maneira contrária ao saber que já temos. O filósofo Sócrates (469-399 a.C.) foi condenado
à morte não porque tivesse dito alguma coisa que os políticos de Atenas não soubessem. Foi condenado
precisamente por dizer de público o que todos já sabiam.
Para viver bem na terra valemo-nos de preciosos conhecimentos. Construímos casas e cidades, cultivamos
os campos com fertilizantes e adubos, fabricamos navios, trens, aeronaves, utensílios de uso, símbolos de
significação, estabelecemos leis, inventamos estados, organizamos a vida pública e privada. Quando em
todas essas tarefas fazemos bom uso do saber, que já é muito... vivemos bem, sentimo-nos em casa. A
filosofia pretende refletir o que já sabemos! Já sabemos morar na terra, já sabemos viver juntos, já sabemos
que nascemos, que duramos pouco tempo, que morremos. Da profundidade desse saber que sabemos, pouco
ou nada sabemos. Daí o dito de Sócrates:

"Eu sei que nada sei de tudo quanto sei".


A filosofia nasceu e nasce da aspiração de estar, por toda parte, em casa. A casa, que está por toda parte, à
qual aspiramos, mora no fundo do que já sabemos. Pudéssemos habitar ali, bem no coração daquela coisa que
sabemos! Por exemplo, bem no coração do tempo que sabemos que passa! Bem no coração do amor que
sabemos! Bem no coração da justiça que sabemos! No coração da paz que sabemos! No coração do que
sabemos está o não-saber, a pérola cor da noite.
A filosofia não é, pois, um saber acrescentado ao que já sabemos! Não acrescenta nem diminui. Apenas
sonda,seus abismos. Aspira morar no lar do que não sabemos! Por isso, não é uma ciência. É nostalgia do
próximo desconhecido ao nosso saber. Aqui, neste lar, gostaríamos de entrar e morar. Entrar e morar na noite
do que já sabemos: na família, na parentela, na lei, na pátria, na ciência, na técnica... Nós, porém, andamos
por ali, na casca, fora da profundidade de nosso saber. É difícil entrar na profundidade do saber em que já
estamos.
O livro do Ocidente que por primeiro descreveu a aspiração humana de morar bem no coração das coisas
que já sabemos, foi a Odisseia. Nesta obra, Homero (séc. IX a.C. mostrou na figura de Ulisses, em peripécias
múltiplas e des-concertantes, que o ser-humano luta com denodo e astúcia em muitos empreendimentos e
viagens planetárias, mas o que ele mais quer é chegar à pátria do saber mais simples: ao encontro de sua
gente conhecida, de sua terra natal, de seus animais e da porção do céu estrelado que o viu nascer e brincar.
Como achegar-se ao lar do que já sabemos? O método está contido na própria palavra "filosofia"! phileín
tò sophón! Phileín significa procurar, aspirar, amar. Sophón significa o coração do procurado, o lar do
encontro, a unidade que acolhe e protege todos os entes. Quando filosofamos, queremos com muito empenho
os entes que nosso saber mostra. Para querer mais os entes precisamos mergulhar fundo no saber que já
sabemos, pois só neste vemos aqueles. Sócrates deu esse mergulho no saber. Por isso, seus contemporâneos
diziam que era preciso ser um bom mergulhador, como os de Delos, para chegar à profundidade de seu
23
ensinamento. Com isso queriam também dizer que o filósofo está num constante exercício de vida, no
confronto diário com as águas de superfície do saber. Quando não há esse exercício e confronto, a filosofia
lida ou ensinada é inócua, presunçosa e condenável: "Seja a filosofia o que for, está presente em nosso
mundo e a ele necessariamente se refere. Certo é que eia rompe os quadros do mundo para lançar-se ao
infinito. Mas retor na ao finito para aí encontrar seu fundamento histórico sempre original" (Jaspers, C.,
Introdução ao Pensamento Filosófico, S. Paulo, 1971, p. 138).
Porque devemos procurar a sabedoria no confronto com o mundo e na insistência da sociedade, Cícero
disse do filósofo: "Sócrates chamou a filosofia do céu à terra" (Tusc. V, 44, 10). O saber que temos
mostra os entes, como a luz mostra os objetos à vista. Diante da mostração do saber, diante das coisas
mostradas na luz, nem sempre ficamos perplexos! A luz não aparece como luz, mas sim como presença óbvia
das coisas. Para que a luz apareça como combinação de possibilidade das coisas, é necessário um abalo na
crença cotidiana. Esse abalo acontece nas experiências onde se dá a atônita indagação: que é isso, a presença
dos entes? Que é isso, o estar ali presente? Por que em vez da presença dos entes não há antes o nada?
Nessas perguntas se torna evidente como é o saber que temos dos entes! É um saber que revela e nos
mostra os entes em presença, mas não mais nos deixa perplexos; porque não nos deixa perplexos, esse saber
é também um saber que esconde, um saber que não nos deixa ver quem são os entes! Há, pois, no nosso
saber, como na luz do sol, o enigma do mostrar-se e do esconder-se dos entes.
O enigma do mostrar-se e do esconder-se dos entes nos intriga. Pois há ali uma presença estranha, sóbria e
finita; um saber apoucado que não nos fascina no sentido de um espetáculo, mas sim no sentido do fosco e do
pobre. A filosofia ama esse pouco saber, aprofunda-o e nele medita a entidade dos entes, a presença!
Como esclarecer a presença, a entidade dos entes? Só há um caminho! Analisar o saber em que eles se
mostram e ao mesmo tempo se ocultam. O que é esse saber que realiza a revelação e a ocultação dos entes?
O saber é como a luz! Quando aumenta a luz cresce a luminosidade. E com isso, as coisas que estavam no
escuro ou semi-escuro aparecem... A luminosidade envolve as coisas, mostra-as na sua figura. Por isso os
olhos podem vê-las. Vê-las apenas no seu aspecto e jamais no seu enigma de pura presença. A vista, na
luminosidade, percorre fascinada os aspectos das coisas.
O saber tem uma pretensão maior que o ver! Quer transcender o aspecto e chegar ao enigma íntimo do que
aparece. Mas como pode ali chegar? por qual meio? Na luminosidade da luz a vista chega a ver o aspecto das
coisas, Na luminosidade da idéia, o pensamento chega ao enigma íntimo da realidade.
Que é então o saber? É idéia que mostra os entes. Esta palavra vem da língua grega ideín que significa
ver, perceber. Mas, e a idéia que mostra os entes, quem é? E aqui estamos frente a mais um enigma! Podemos
comparar a idéia ao sol que se derrama na luminosidade. Nesta, a vista e as coisas se reconhecem e se
encontram no acordo. Na luminosidade da idéia, o pensamento e a presença das coisas (a entidade dos entes)
se reconhecem e se encontram no acordo.
Mas qual é o acordo que a idéia promove entre o pensamento e as coisas? Logo poderíamos supor que o
pensamento conseguiu pela idéia explicar a presença das coisas! Nada disso! Pelo contrário! O acordo surge
porque o pensamento, na luminosidade da idéia, vem para a proximidade da presença das coisas e, nessa
proximidade, marca um encontro não de explicação, mas de mútuo reconhecimento e, consequentemente, de
mútua compreensão, de mútuo respeito e reverência. No saber viemos, assim, a perceber que estamos juntos
e moramos na companhia do que nada absolutamente sabemos. E morar ali, na proximidade de presenças
estranhas, é o lar a que aspiramos. Na incandescência da idéia nós e as coisas moramos no lar da afeição
(páthos) do estranho. A idéia não só mostra a presença, mas também recolhe as coisas junto a nós como a
casa nos recolhe sob o teto, estranhos moradores! Ao sentir esse prodígio da idéia que aproxima a infinidade
dos entes que vemos e tocamos, ouvimos simultaneamente o apelo, escutamos a convocação de vigiar e
proteger... Por exemplo, não só vemos as árvores umas ao lado das outras. A idéia árvore nos faz ver todas as
árvores, cada uma delas clara e distintamente junto de nós, e nos entusiasma a vigiar e proteger sua presença
e a compreendê-las diferentemente nos conjuntos de florestas, parques, jardins e alamedas. Que nome
daremos a esse fenômeno, a essa obra que recolhe, vigia, protege e guarda junto a nós a presença dos entes?
Os antigos gregos chamaram a essa obra de tò sophón. Platão deu-lhe o nome de idéia.
"Considero ideia tudo aquilo que o pensamento concebe imediatamente" (Descartes, R. Resposta à V
objeção ãe Hobbes). Na idéia dialogamos e conversamos com todos os entes. Começamos, assim, a
corresponder à entidade dos entes. Na correspondência à entidade dos entes, conseguimos realizar a tarefa do
pensamento, a filosofia.

24
"Assim, pois, é aquilo para o qual a filosofia está em marcha já desde os primórdios, e também agora e
para sempre, e para o qual sempre de novo não encontra acesso (e que é por isso questionado): que é o
ente? (ti tò ón)" (Aristóteles, In: Heidegger, M. Que é isto, a filosofia?, São Paulo, 1971, p. 28).

"O corresponder à entidade do ente é a filosofia. Ela o - é somente quando esta correspondência
se exerce propriamente e assim se desenvolve e alarga este desenvolvimento" (Heidegger, M. Ib., p. 34).

"A correspondência propriamente assumida e em processo de desenvolvimento, que corresponde ao


apelo da entidade do ser, é a filosofia. Que é isto, a filosofia? Somente aprendemos a conhecer e a saber
quando experimentamos de que modo a filosofia é. Ela é ao modo da correspondência que se harmoniza e
põe de acordo com a voz da entidade do ente" (ieZ., p. 40).

Para conquistar a correspondência à entidade dos entes, precisamos das idéias. Nelas e por elas chegamos
diretamen-te às coisas mesmas, à entidade dos entes, à sua estranha presença.
Platão descreveu o método de chegar à luminosidade das ideias no mito da caverna. Neste mito ensina o
quanto na luminosidade das ideias é possível chegar ao convívio de todos os entes, à correspondência e co-
pertença da entidade dos entes. Com isso, Platão se tornou mestre do Ocidente porque mostrou que na idéia
clara e distinta da entidade dos entes está o projeto fundamental da vida humana no mundo. Sem a
luminosidade da idéia, não há co-pertença do homem com os entes, não há correspondência, não há como
morar no mesmo lar. Para conhecer, o pensamento precisa adestrar-se. Ele mesmo deve tornar-se idéia. Pela
idéia representa em si a realidade, une se a ela como o verde às árvores da floresta, como o azul às águas do
mar. Isto significa que a idéia assinala o contato do pensamento com a realidade. Para que esse contato se
efetue, o pensamento deve pesquisar o real, que obscuro se dá e se subtrai em todas as nossas experiências.
O contacto mais fascinante que a idéia efetua entre o pensamento e a realidade está na experiência que
chamamos de sensação. Uma experiência fulgurante. Aqui a realidade se torna táctil, visível, audível. Por
causa disso, a tarefa primeira do filósofo se concentra no esvaziamento da sensibilidade. Vazia, ela se torna
espaço de acolhimento que atrai e deixa-vir o real. Esse deixar-vir o real, esse deixar que ele se revele na
sensibilidade do pensamento, é o ato fundante da filosofia. Nesse ato está presente o vigor da idéia. Por ela
percebemos o real na sensação. A sensação é, assim, obra promovida pelo pensamento para ter junto a si o
real da experiência. Esta obra se assemelha à concha que na areia da praia escuta e adivinha em si a
imensidão do mar. Para significar melhor o encontro do pensamento com a realidade, encontro que se
reconhece na sensação, demos um exemplo: Ponhamo-nos frente ao mar. Esvaziemos nossa sensibilidade.
Criemos em nós um espaço livre, uma clareira, um vazio, onde o mar possa fazer-se presença. Vamos então
comemorá-lo: seu murmúrio, sua brisa, seu encrespar de ondas, sua ressaca temível, sua imensidão a perder
de vista. Isso tudo nos envolve. Mergulhamos numa tal solidariedade com o mar que nos percebemos na
perdição da sua presença. Somos perdidos pelo mar. Moramos no marulho suave e retumbante de seu
mistério.
Nessa sensação aparece a idéia do mar. Idéia clara e distinta. Inconfundível. Nela encontramos e
conhecemos o mar. Antes desse conhecimento, o mar era uma coisa indistinta no quadro de nosso arranjo
existencial. Por esse encontro, ele se revelou diferente. Doravante convivemos com ele na transparência da
idéia-belo. Esta idéia, emergente do contato sensível do mar, da experiência-sensação, se torna luzeiro do
pensamento. Por onde quer que ande, acolherá a realidade na luz dessa idéia. No conhecimento por idéias há
de fato um íntimo e profundo contato com a realidade. Um contato transparente e lúcido. Um conhecimento.
Um nascimento do real junto ao pensamento. Este se delicia então em conhecer por idéias. Nelas e por elas
todo o real é representado e vivido intensamente junto a si.
Desenvolver o pensamento significa aprimorá-lo na capacidade de trazer o vinho da realidade junto a si na
taça das idéias. A infinidade das idéias dá conta da inesgotável riqueza de nossas sensações. Todas as idéias
promovem o encontro do pensamento com os diversos aspectos do real. Elas são fogo que causa a
incandescência das coisas, fazendo-as aparecer estranhas em si mesmas, no painel de nossas sensações.
Essas idéias exprimem a ordem em que o pensamento vive a realidade. Uma ordem clarividente.
Geralmente as idéias que temos na mente não são o verdadeiro fogo, a incandescência da realidade; são
impressões subjetivas. Daí a admoestação de Descartes:

25
"O principal erro e o mais comum que se pode encontrar consiste em que eu julgue que as idéias que
estão em mim são semelhantes ou conformes às coisas que estão fora de mim; pois, certamente, se eu consi-
derasse as idéias apenas como certos modos ou formas de meu pensamento, sem querer relacioná-las a algo
de exterior, mal poderiam elas dar-me ocasião de falhar" (Descartes, E. Meã. III, 9).

Quando pensamos evidencia-se a presença da idéia. Pensemos alguma coisa! Por exemplo, este livro ou
até mesmo um ser imaginário, o lobisomem. Este ato nos dá a conhecer o sujeito que pensa e o objeto
pensado e ainda a condição de possibilidade desse esquema, o fundamento que balança essa gangorra de
sujeito-e-objeto. A condição de possibilidade, presente em todo ato de pensar, Descartes chamou de ideia
infinita. Esta idéia, invisível mas sempre presente, possibilita o ato de conhecer, como a luz possibilita o ato
de ver. Ela é sol que ilumina o pensamento e o torna capaz de conhecer. O homem moderno vive no projeto
da ciência que nem sempre dá valor à filosofia e no mais das vezes a considera superada.

"Esquecemos que já na época da filosofia grega se manifesta um traço decisivo da filosofia: é o


desenvolvimento das ciências em meio ao horizonte aberto pela filosofia. O desenvolvimento das ciências
é, ao mesmo tempo, sua independência da filosofia e a inauguração de sua autonomia" (Heidegger, M.
O fim ãa filosofia ou a questão ão pensamento. S. Paulo, 1972, p. 22).

"Não pretendo convencer ninguém a amar a filosofia: é necessário, talvez até desejável, que o filósofa'
seja uma planta rara. Nada me é mais repugnante do que a propaganda valorativa e a louvação pedagógica da
filosofia, como o fazem Sêneca e Cícero. Filosofia tem muito pouco a ver com virtude. Seja-me também
permitido dizer que o homem de ciência é algo radicalmente diferente do filósofo. O que desejo é: que o
conceito autêntico do filósofo no mundo não vá à breca totalmente" (Nietzsche, P. Vontade de poder, n. 420).
Na ciência, o real é representado e operado no esquema de medidas. Neste caso, o real se desvela
inteligível porque é visto nas medidas do esquema, porque acolhe suas operações combinatórias. Tomem-se
quaisquer teorias científicas em astronomia, psicologia ou economia, em física, química era biologia; tais
teorias realizam a inteligibilidade do real porque o dizem nas medidas combinatórias do esquema. Com isso
se obtém uma operação parcial do real, mas a partir da totalidade do esquema de medidas que o
representam.
A ciência não compreende. A ciência mede. Por exemplo, a lei da gravitação universal, formulada por I.
Newton, oferece um conhecimento parcial do universo. Mas a partir do esquema de medidas mecânicas do
movimento. A lei não alcança ver a gênese, a manutenção variável e o término do movimento das coisas em
sua singularidade. A lei apenas pondera um período de movimento das coisas que em si mesmas são
imponderáveis. Imponderáveis porque a lei não profere a força originária de sua emergência e sustentação.
Por isso, a obra de arte, como a Capela Sistina de Miguel Ângelo, e a obra de fé, como a criação do mundo
narrada pela Bíblia, exprimem um conhecimento das coisas desconhecido à ciência. Outro exemplo. A
realidade social se compõe de elementos base, tais como o capital, o trabalho, os recursos naturais, a técnica.
A economia correlaciona esses elementos em si mesmos muito imponderáveis, num esquema operativo de
medidas. Conforme a correlação estabelecida, obtêm-se ciências diferentes, quer dizer, diferentes sistemas
econômicos, que, se aceitos pela sociedade, se tornam ciência útil e respeitável.
O filósofo pretende chegar à realidade de modo diferente do cientista. Na experiência do dado imediato,
sem visualizá-lo num esquema de medidas, não seria possível ver o que se experimenta? Para pensá-lo será
necessário o uso de medidas como faz o cientista?
Desarmado de medidas, não poderia o pensamento ver diretamente o dado imediato da experiência?
indicar esse ver, envolvente e participante, próprio da filosofia, a tradição diz que Pitágoras (580-500 a.C.)
comparava a vida com as grandes festas de Olímpia, aonde alguns se dirigiam a negócio, outros para
participar das competições, outros para divertir-se, e finalmente alguns apenas para ver o que acontecia; e
estes últimos eram os filósofos (cf. Cícero. Tusculanas, V, 9),
E Hegel (1770-1831), para significar o olhar penetrante da filosofia, comparava-a à coruja de Minerva,
que começa seu vôo de investigação ao cair da noite para ver o que o dia fez (cf. Hegel, G. W. F. Pref. aos
Princípios da filosofia do direito). À medida que o pensamento, astro de luz, aumenta seu poder de ver, ele se
torna idéia, cor e sabor das coisas. Ter idéia certa significa ter o conhecimento e o gosto conveniente da

26
realidade. Um tal pensamento de idéias certas é sábio porque se parece com o Sol que vê em sua luz as
trevas, como a águia alcandorada que enxerga em seu olhar os abismos da terra. A filosofia pensa a realidade
presente. A presença da realidade estimula o pensamento a pensar e a fazer filosofia. Não a presença
miraculosa nem extraordinária, mas a que vivemos e nos é conhecida no familiar dos costumes.
"Mas precisamente investigar aquilo que se supõe como conhecido e o que cada um pensa que sabe já
bastante, é o próprio da filosofia" (Hegel, G. W. F. Introdução à história ãa filosofia. S. Paulo, 1976, p.
32).
Por esse interesse de querer estar na realidade, como o verde está nas árvores, o conhecimento filosófico é
reflexão. Esta significa que no ato de conhecer o pensamento vê cada coisa na individualidade de si própria,
como o pintor vê as cores absolutamente novas de cada instante.

O QUE É FILOSOFIA?
(Pr Luiz Sayão – livro: cabeça feita)

Antes de encontrarmos uma boa definição de filosofia, será muito útil tentar abordar algumas idéias
incorretas muito difundidas a respeito do assunto para podermos esclarecer certas concepções populares e
comuns, que infelizmente, são bastante distorcidas. A verdade é que o assunto é pouco conhecido e,
portanto, mal interpretado. Por isso, procuraremos relacionar algumas ideias incorretas sobre o co-
nhecimento filosófico para o bem do leitor cristão.

Filosofia não é heresia


A palavra filosofia aparece no Novo Testamento, em Colossenses 2.8 (NVI), onde lemos "Tenham
cuidado para que ninguém os escravize, a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições
humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo." Essa é a única ocorrência da palavra
filosofia em toda a Bíblia.. Evidentemente o contexto onde o termo aparece é negativo. Todavia, torna-se
necessário compreender que um estudo sério e bem fundamentado mostrará que Paulo estava atacando um
determinado tipo de filosofia específica, a heresia gnóstica da cidade de Colossos. Ele usou o termo filosofia
para se referir àquele tipo de filosofia herética, contrária à fé cristã. Isso não significa, de modo nenhum, que
ele estivesse se referindo à filosofia no sentido geral do termo. De fato, Paulo nunca se refere à filosofia
propriamente dita em nenhuma parte do Novo Testamento. Seu único contato com filósofos gregos
registrado nas Escrituras aparece em Atos 17.18 (NVI): "Alguns filósofos epicureus e estóicos começaram a
discutir com ele. Alguns perguntavam: O que está tentando dizer esse tagarela?'". Nesse caso, em Atenas,
Paulo não condena a filosofia como essencialmente nociva, antes responde de maneira contextualizada,
demonstrando conhecimento e capacidade de lidar com a cultura especulativa dos antigos gregos.

Há uma outra razão porque geralmente se acredita que a filosofia é essencialmente anti-cristã. Trata-se da
idéia comum de que todos os filósofos, ou pelo menos a grande maioria deles, é hostil ao cristianis mo e nem
sequer acredita em Deus. Conhecimento teórico torna-se sinônimo de incredulidade. Tal argumento é ainda
muitas vezes estendido aos cientistas. Se, porém, refletirmos um pouco no assunto, não é muito difícil
entender que ainda que isso fosse verdade, a validade da filosofia não estaria necessariamente ameaçada, É
bem possível, por exemplo, que a maioria dos médicos brasileiros não seja cristã, e, apesar disso, a medicina
por eles praticada não merece descrédito por esse motivo. Cremos que Deus fez o homem com capacidades e
talentos que mostram a glória de Deus e a maravilha da criação, ainda que esse ser humano nao reconheça
que seus dons vêm de Deus. Todavia, não é bem verdade que filósofo é sinônimo de incredulidade. É fato
que alguns filósofos mais conhecidos como Ludwig Feuerbach, Sigmund Freud, Karl Marx, Friedrich
Nietzsche, Bertrand Russell, Jean Paul Sarlre e Voltaire foram incrédulos convictos, muito hostis para com a
religião, e especialmente para com o cristianismo. Mas, por outro lado, nomes destacados da filosofia
medieval como Agostinho, Alberto Magno, Anselmo e Tomás de Aquino acreditavam piamente nas
verdades cristãs; outros filósofos mais modernos mostraram um cristianismo também surpreendente. Blaise
Pascal, famoso filósofo e matemático do séc. XVII chegou a afirmar: "Sem Jesus Cristo o homem
permanece no vício e na miséria; com Jesus Cristo o homem está imune ao vício e à miséria. Nele está nossa
27
virtude e toda a nossa felicidade. Fora dele há apenas vício, miséria, erros, trevas, morte e desespero"; Hegel.
teólogo e filósofo idealista alemão, afirmou que o conteúdo da religião cristã corresponde ao mais alto grau
de desenvolvimento da religião e coincide perfeitamente com o conteúdo da verdadeira filosofia. Entre os
diversos filósofos de atitude positiva com relação à religião e à fé cristã estão os nomes famosos de John
Locke, empirista inglês, William James, pai do pragmatismo americano, Henri Bergson, filósofo judeu que
reconheceu no cristianismo a religião superior, Max Scheller, Maurice Blondel, Rudolph Otto,
fenomenólogo da religião, Martin Buber, judeu religioso, Sören Kierkegaard (teólogo e pastor luterano, pai
do existencialismo moderno, apaixonado pelo cristianismo).
Como podemos observar no que foi dito nas linhas acima, é fato indubitável que um bom filósofo pode
muito bem ser um cristão muito piedoso. Ao contrário do que muita gente possa pensar, o contato com a
Bíblia tem até mesmo permitido e provocado reflexão profunda e conhecimento perspicaz. Quem se der ao
trabalho de investigar a história da filosofia e da ciência ocidental vai ficar surpreso ao descobrir quantos
gênios da história da civilização ou foram cristãos convictos ou tiveram uma formação religiosa profunda
(judáica ou cristã). O conhecido pensador evangélico Francis Schaeffer chama a atenção para a importância
do cristianismo no desenvolvimento científico da Europa. Ele afirma que a idéia cristã de que o mundo é
criação de Deus, e portanto bom, abre espaço para uma avaliação mais objetiva da realidade que nos cerca.
Essa visão é bem diferente, por exemplo, da perspectiva hinduísta, que entende o mundo como ilusão, e, por
conseguinte, sem valor objetivo. Além disso, Schaeffer argumenta também que Deus deu inteligência e
razão ao homem, além de conceder-lhe uma revelação, a Bíblia, que, apesar de ser verídica e confiável, não
é exaustiva. O fato de não ser exaustiva, ou seja, não conter toda a verdade sobre o mundo e a natureza, abre
espaço para a investigação da realidade. Assim, o mundo é real e bom, e a mente humana é capaz de
investigá-lo e chegar a algum conhecimento válido; essa avaliação pode e deve redundar no reconhecimento
e até glorificação do Criador.

Filosofia não é inútil


Alguém já disse que o trabalho de um filósofo é semelhante ao esforço de um cego trancado em um
quarto escuro procurando um gato preto que nunca foi posto lá. Muitos, desconhecendo um "produto"
resultante da reflexão filosófica, entendem que se trata de uma paixão inútil de alguns indivíduos exóticos,
socialmente mal adaptados.
A verdade, no entanto, é que todos somos filósofos, pois temos todos uma maneira de entender a
realidade que nos cerca. A diferença fundamental é que alguns são conscientes de que é impossível não ter
uma visão de mundo, e estudam mais profundamente o assunto para melhor organizar os dados da realidade;
outros, porém, formam uma visão da realidade não sistemática, inconscientes de seus próprios valores. Mas,
todos são obrigados a desenvolver, ainda que intuitivamente, uma teoria interpretativa da realidade. Foi por
essa razão que o célebre filósofo e matemático francês Blaise Pascal disse: "Zombar da filosofia é, em
verdade, filosofar". É impossível fugir dessa realidade! É necessário um mínimo de reflexão filosófica para
se pensar que a filosofia é inútil e ridicularizá-la!
Para um mundo já imerso numa mentalidade pragmática como o nosso é um pouco difícil entender
animalidade da pura reflexão filosófica. Todavia, é preciso entender que o mundo e governado por idéias. As
idéias e os valores acabam tendo muito mais peso do que as coisas. Quando alguém compra um carro, por
exemplo, não está comprando apenas um veículo, mas sim um símbolo de status sociaí, um referencial
psicológico de auto-afirmação, um elemento de maior aceitação dentro da sociedade, ele. Portanto, a
propaganda mais "bem bolada" consegue às vezes vender mais do que a própria qualidade de um produto.
Isso comprova que os objetos não valem pelo que são física e materialmente, mas sim pelo que significam
dentro de uma sociedade; às vezes, tal significado é tremendamente artificial, como no caso de um chapéu de
um cantor famoso que é vendido por mais de 10.000 dólares. Para resumir a questão, pretendemos
demonstrar que a reflexão filosófica é muito útil pelo menos de três maneiras:
1) Filosofar permite que detectemos o nosso próprio sistema de valores; muitas vezes uma pessoa
converteu-se e tornou-se cristã, mas continua agindo por valores consumistas, hedonistas (doutrina que
considera que o prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral ),
individualistas, etc. e nunca se deu conta disso!
2) Adquirimos mais capacidade crítica para filtrar melhor o que nos é apresentado; não somos meros
absorvedores do que vemos e ouvimos: Rejeitamos conscientemente aquilo que não é aconselhável. Isso

28
significa que o estudo da filosofia nos dará mais defesa contra a manipulação de massas, fenômeno tão
comum em nossos dias. Quem "faz sua cabeça"? Você sabe?
3) Vamos nos tornar mais capazes de entender nossa própria época, descobrir as tendências da sociedade,
e poderemos até interpretar mais adequadamente o mundo que nos cerca, sendo mais capazes de argumentar
racionalmente em favor de nossa fé.

Filosofia, Ciência e Teologia


Devemos agora voltar à questão inicial: O que é filosofia? O que ela estuda especificamente? Como ela se
difere da ciência e da teologia? Como se relaciona com elas? Etimologicamente, o termo filosofia quer dizer
"amigo da sabedoria". Segundo a definição clássica de Aristóteles a filosofia é "o estudo da causas últimas
de todas as coisas isso quer dizer que ela pretende descobrir o fundamento último de todas as coisas, ou seja,
dar uma explicação adequada e sistemática da realidade. Assim, podemos concluir que a filosofia se
interessa por tudo, e o faz no sentido global, abrangente e não particularizado, utilizando-se unicamente da
razão humana. Enquanto a ciência delimita parte da realidade e pretende constatar fatos objetivos e mensu-
ráveis, a filosofia vê o todo e volta-se para questões que estão fora do âmbito da ciência, como por exemplo,
a ética, os valores da sociedade, a verdade, o problema do mal, a liberdade etc.
A filosofia distingue-se também da teologia. As duas utilizam-se da razão para abordar questões
semelhantes, mas a teologia parte da revelação bíblica e procura explicar a realidade a partir dos dados da
revelação entendidos pela luz da razão. A filosofia, por sua vez, parte unicamente dos dados da realidade e
da instrumentaíidade da razão para a explicação da realidade. Na verdade cada uma delas tem o seu lugar. A
Bíblia não foi escrita para nos revelar todas as coisas. Ela nos fala principalmente daquilo que Deus quis nos
revelar sobre seu piano de redenção para a humanidade. Deus não revelou tudo sobre si mesmo, nem sobre o
mundo criado, na Bíblia. Se assim fosse, não haveria espaço nem para a pesquisa científica. A Bíblia tem
propósitos específicos; ela nada nos diz sobre a alimentação dos cangurus australianos e nem sobre as regras
do raciocínio lógico. Nem deveria dizer, pois não é seu propósito.
Portanto, a verdade é que filosofia e teologia se complementam. Não posso escapar de usar métodos
lógicos, emprestados da filosofia, para analisar a revelação bíblica. Por que motivo temos tantas linhas
teológicas distintas? Não temos todos a mesma Bíblia? O fato é que o texto sagrado contém os dados da
revelação, mas a tarefa da interpretação e relação com nossa experiência e cultura cabe à teologia, que por
sua vez usará o instrumento da filosofia. Quando uma pessoa argumenta que se baseia, apenas na Bíblia para
defender suas idéias, ela sequer compreendeu a séria e dura tarefa de interpretar a Palavra de Deus com
coerência e responsabilidade. Todavia, como cristão, preciso também reconhecer que o conhecimento
humano é limitado, e que apesar de todos os esforços filosóficos eu nunca poderia conhecer a Deus
adequadamente apenas por meio da razão, do contrário não teria sido necessário que ele nos desse sua
revelação nas Escrituras. A absolutização da filosofia é um erro; a ignorância da mesma não é um erro
menor!

Exercício de Fixação: O que é Filosofia (Pr. Luiz Sayão – Cabeça feita).

1. Explique o sentido e o contexto em que foi escrito o texto de Colossenses 2.8 na Bíblia Sagrada.

2. A filosofia é inútil? Justifique a sua resposta.

3. Argumente a idéia do autor: “A teologia e a filosofia se completam”.

29
O HOMEM E A CRIATIVIDADE
(Rubem Alves)
Criar! A criatividade é manifestação de um impulso que mora na alma humana. É isso que nos distingue dos
animais. Os animais estão felizes no mundo, do jeito como ele é. Há milhares de anos as abelhas fazem
colméias do mesmo jeito, os pintassilgos cantam o mesmo canto, as aranhas fazem teias idênticas, os
caramujos produzem as mesmas conchas espiraladas. Não criam nada de novo. Não precisam. Estão felizes
com o que são. O que não acontece conosco. Somos essencialmente insatisfeitos e curiosos. 
Albert Camus disse que somos os únicos animais que se recusam a ser o que são. A gente quer mudar tudo.
Inventamos jardins, inventamos casas, inventamos culinária, inventamos música, inventamos brinquedos,
inventamos ferramentas e máquinas. Michelangelo inventou a Pietà, Rodin inventou o Beijo, Beethoven
inventou a 9ª Sinfonia.
Como é que a criatividade acontece? É preciso, em primeiro lugar, que haja algo que nos incomoda. Por que
é que a ostra faz pérola? Porque, por acidente, um grão de areia entrou dentro de sua carne mole. O grão de
areia incomoda. Aí, para acabar com o sofrimento, ela faz uma bolinha bem lisa em torno do grão de areia
áspero. Desta forma ela deixa de sofrer. Aprenda isso: "Ostra feliz não faz pérola". Isso vale para nós. As
pessoas felizes nunca criaram nada. Elas não precisam criar. Elas simplesmente gozam a sua felicidade. Bem
disse Octávio Paz: "Coisas e palavras sangram pela mesma ferida". Toda criatividade é um sangramento.
Como é que a criatividade se inicia? Já disse: inicia-se com um sofrimento. O sofrimento nos faz pensar.
Pensamento não é uma coisa. O pensamento se faz com algo que não existe: idéias. Idéias são entidades
espirituais. O espiritual é um espaço dentro do corpo onde coisas que não existem, existem. A Pietà, antes de
existir como escultura, existiu como pensamento, espírito, dentro do corpo do Michelangelo. O Beijo, antes
de existir como objeto de arte, existiu como espírito, dentro do corpo de Rodin. A 9ª Sinfonia, antes de existir
como peça musical que se pode ouvir, existiu como espírito, dentro da cabeça de Beethoven.
O espírito não se conforma em ser sempre espírito. Que mulher ficaria feliz com a idéia de um filho? Ela não
quer a idéia de um filho, coisa linda. É linda - mas enquanto espírito, só dá infelicidade. A mulher quer que a
idéia de um filho - sentida por ela como desejo e nostalgia - se transforme num filho de verdade. Por isso ela
quer ficar grávida. Quando o filho nasce, aí ela experimenta a felicidade. Uma idéia que deseja se transformar
em coisa tem o nome de "sonho". O sonho deseja transformar-se em matéria.
A "espiritualidade" do espírito está precisamente nisso: o desejo e o trabalho para fazer com que aquilo que
existe apenas dentro da gente (e que, portanto, só pode ser conhecido pela gente), se transforme numa coisa,
que pode então ser gozada por muitos. A espiritualidade busca comunhão. Hegel dava a esses objetos,
produtos da criatividade, o nome de "objetivações do espírito". O caminho do espírito é esse: da
espiritualidade pura e individual, para a coisa, objeto que existe no mundo, para deleite e uso de muitos. Os
objetos, assim, são o espírito tornado sensível, audível, visível, usável, gozável. Uma canção só existe quando
cantada. Um quadro só existe quando visto. Uma comida só existe quando comida. Um brinquedo só existe
quando brincado. Um filho só existe quando parido. O espírito tem nostalgia pela matéria. Ele deseja fazer
amor com a matéria. E quando espírito e matéria fazem amor, nasce a beleza.
Deus não se contentou um sonhar o Paraíso. Se o sonho do Paraiso lhe tivesse dado felicidade ele teria
continuado apenas sonhando o Paraíso. Deus não se contentou em sonhar o homem. Se o sonho do homem
lhe tivesse dado felicidade ele teria continuado sonhando o homem. Mas ele (ou ela) só se deu por completo
quando se transformou em homem: "... e o Verbo (sonho) se fez carne (corpo)". O espírito quer descer,
mergulhar...
Tão diferente daqueles que pensam que espiritualidade é o espírito se despegando da matéria, o corpo
morrendo para ser só espírito, sem carne e sem sentidos, como se o material fosse doença, coisa inferior.
Beethoven por acaso acharia que os instrumentos da orquestra são coisa inferior? Mas como? Sem eles a 9ª
sinfonia nunca seria ouvida! Nesse caso ele ficaria feliz com a sua surdez, porque então a 9ª sinfonia
permaneceria para sempre espírito puro! Michelangelo por acaso pensaria que o mármore é coisa inferior?
Mas como? Sem o mármore a Pietà nunca seria vista e amada! E ele ficaria feliz se não tivesse mãos, porque
assim a Pietà permaneceria para sempre espírito puro! Deus por acaso acharia que o corpo é coisa inferior?
Mas como? Sem o corpo o Verbo nunca viveria como carne e ele, Deus, amaria a morte. Porque com a morte
o homem permaneceria para sempre espírito puro...

30
Espiritual é o jardineiro que planta o jardim, o pintor que pinta o quadro, o cozinheiro que faz a comida, o
arquiteto que faz a casa, o casal que gera um filho, o poeta que escreve o poema, o marceneiro que faz a
cadeira. A criatividade deseja tornar-se sensível. E quando isso acontece eis a beleza!
Adaptado pela professora Cleonaide Pinto

CONHECIMENTO
(Professora Cleonaide de Souza Pinto)

Em nossa vida cotidiana, afirmamos, negamos, desejamos, aceitamos ou recusamos coisas, pessoas,
situações.

AMOR SEM CONHECIMENTO

A estória contada por Sandy Gregory da mãe ignorante, mas amorosa: Ela alimenta seus filhos com uma
dieta baseada em carne, porque ela acredita que carne é o melhor tipo de alimento. Um dia ela recebe
conhecimentos importantes, depois de ler um guia de nutrição, ela começa a comprar uma mistura de todos
os tipos de comida para seus filhos. Como resultado, seus filhos se tornam mais saudáveis. Pergunta: Esta
mãe amava mais seus filhos antes ou depois que ela recebeu esse conhecimento? Hummm ... Da mesma
forma! Contudo, até o conhecimento, seu amor era infrutífero, até mesmo contra produtivo. Conhecimento
que é verdadeiro permite que o amor desabroche em bons frutos.
Rm 10.2 . Pois posso testificar que eles são zelosos por Deus, mas seu zelo não é baseado no conhecimento.

Pv. 19.2 . Não é bom ter zelo sem conhecimento, nem ser apressado e perder o caminho.

Os 4.6 . Meu povo é destruído por falta de conhecimento.

O "TOLO" (Aqueles que são deliberadamente ignorantes e ativamente evitam a verdade).

* Há quem não queira alcançar o conhecimento: II Tm 3.7

* Iluminação do conhecimento: II Co 4. 6

* A fragrância do conhecimento: II Co 2.14

* Os gentios: Rm 1.28 “Desprezo pelo conhecimento”

* Nicodemos: Jó 7. 51 “Não julgar sem ter conhecimento”.

31
Afinal, o que é Conhecimento?

 É a elucidação da realidade (trazer à luz muito fortemente);

 Encontrar a essência das coisas que se manifestam pela aparência;

 É a relação que se estabelece entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido
ou que se dá a conhecer;
 É o saber acumulado pelo homem através das gerações;
 É o ato ou a atividade de conhecer, realizado por meio da razão e/ou da experiência (Wikiquote, a
coletânea de citações livre).

Elementos do conhecimento

Um sujeito que conhece, um objeto que é conhecido, um ato de conhecer e um resultado


que é a compreensão da realidade.

Tende cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a
tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo e não segundo Cristo… (Colossenses 2:8)

Conclusão
É a compreensão/ explicação sintética produzida pelo sujeito por meio de um esforço metodológico de
análise dos elementos da realidade, desvendando a sua lógica, tornando-a inteligível. Então, "Conhecimento é
saber que não podemos saber" Ralph Emerson
O desejo de conhecer a natureza das coisas é inato e se manifesta desde os primeiros momentos da vida
humana.

A ATITUDE CRITICA
 Dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às idéias da experiência
cotidiana, ao que “todo mundo diz e pensa”, ao estabelecido.

 Uma interrogação sobre o que são as coisas, os fatos, as situações, os comportamentos, os valores,
nós mesmos. É também uma interrogação sobre o porquê disso tudo e de nós, a uma interrogação
sobre como tudo isso é assim e não de outra maneira. O que é? Por que é? Como é? Essas são as
indagações fundamentais da atitude filosófica.

A CRÍTICA
Na primeira etapa de sua evolução, cada ser humano apropria-se de um acervo de informações mais
ou menos organizadas pela sua vivência e experiência pessoal; cada ser humano apropria-se de conceitos, de
soluções, de normas de conduta ditadas pela sociedade, pela religião ou mesmo pela ciência. Mas, assim
como a Humanidade, tomada como um todo, chegou à fase madura da crítica, o mesmo deve acontecer com
cada ser humano.
Criticar é, antes de mais nada, analisar, questionar, submeter a exame, a validade, a fundamentação
das soluções estabelecidas; com o espírito inicia-se a trajetória de toda renovação científica da Humanidade e
de ser humano em particular.
É necessário que se estabeleça a devida distinção entre espírito crítico e de crítica. Espírito crítico é a
32
atitude amadurecida do homem, que busca com seriedade a verdade, suprema virtude da mente; o espírito
crítico pondera razões, confronta motivos, busca o desvelamento da verdade, que tranqüiliza as exigências da
razão, dissipe as trevas da ignorância e promova o progresso da mente. Espírito de crítica é o espírito de
contradição, é o indício de desorganização mental, de superficialidade irresponsável, que conduz ao
ceticismo, à inanição; nasce do nada e não conduz a coisa alguma, ou nasce da inquietação pessoal e conduza
à inquietação de muitos. Da mesma forma que se deve cultivar, desenvolver e fundamentar solidamente o
espírito crítico, deve-se, por outro lado, banir do ambiente amadurecido da ciência o fútil espírito de crítica,
demolidor e pernicioso.
O espírito crítico evita os dois extremos perigosos representados, de um lado pela aceitação dócil e
passiva de conclusões baseadas no prestígio de respeitável tradição ou na autoridade de homens ilustres ou da
sociedade envolvente e, por outro lado, evita o extremo do ceticismo prático, que pode instalar-se após o
naufrágio da docilidade passiva às influências do meio.

Atividade
1. Separe a idéia central do texto.

2. Com base no texto, construa um parâmetro de como escrever sua critica na monografia

Adaptado pela professora Cleonaide Pinto, de João Álvaro Ruiz em sua obra: Metodologia científica: guia para
eficiência nos estudos. Editora Atlas.

REFLEXÃO FILOSÓFICA

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos o que fazemos? Isto é, quais
os motivos, as razões e as causas para pensarmos o que pensamos, dizermos o que dizemos, fazermos o que
fazemos?
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer quando falamos, o que queres
fazer quando agimos? Isto é, qual é o conteúdo ou o sentido do que pensamos, dizemos ou fazemos?
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que fazemos? Isto é, qual é
a intenção ou a finalidade do que pensamos, dizemos e fazemos?
Essas três questões podem ser resumidas em: O que é pensar, falar e agir? E elas pressupõem a
seguinte pergunta: Nossas crenças cotidianas são ou não um saber verdadeiro, um conhecimento?

Bibliografia
ARANHA, Maria Lúcia A., MARTINS, Maria H.P. Temas de filosofia. São Paulo: moderna,1992.
LUCKES, Cipriano Carlos. Introdução à Filosofia: aprendo a pensar. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1996.

O CONHECIMENTO: SIGNIFICADO, PROCESSO E APROPRIAÇÃO

No cotidiano, o conhecimento parece ser alguma coisa tão corriqueira que nós não nos perguntamos pelo
que ele é, pelo seu processo, pela sua origem, pela sua forma de apropriação. Aos poucos, ao longo
de nossa infância, adolescência, juventude, vamos adqui rindo entendimentos das coisas que compõem o
mundo que nos cerca, das relações com as pessoas, das normas morais e sociais que regem as relações entre
os seres humanos. Nós, por isso, nos acostumamos a esses entendimentos, a partir do momento em que
fomos adquirindo-os espontaneamente. Com eles e a partir deles, conversamos, discutimos, temos certezas e
dúvidas, formulamos juízos. Contudo, quase nunca, exceção feita aos especialistas, nos perguntamos sobre
o que é o conhecimento, seu significado, origem. Habituamo-nos a utilizar o entendimento, por isso não o
33
problematizamos.
Aqui, ao introduzirmo-nos no âmbito da filosofia como uma forma de conhecimento, bem cabem tais
perguntas. Não podemos, de forma alguma, adentrar no seio da reflexão filosófica, que é uma reflexão
crítica, sem nos questionarmos sobre esses elementos. Se a filosofia é uma forma de conhecimento, como
veremos à frente, cabe, em primeiro lugar, saber consciente e criticamente o que ele é. É este o objetivo
deste texto.
Vamos tentar estabelecer uma forma de entendimento sobre o conhecimento que abranja os elementos
acima indicados. Começamos pelo seu conceito, passando, sucessivamente, por seu processo, sua origem,
até chegar à questão de sua apropriação.

1. Uma aproximação conceituai do conhecimento

A pergunta para a qual vamos tentar dar uma resposta é: o que é o conhecimento?
Toda vez que perguntamos a alguém o que ele entende por conhecimento, a primeira resposta que nor-
malmente recebemos é a seguinte: "conhecimento é aquilo que aprendemos nos livros"; ou então:
"conhecimento é aquilo que aprendemos com nossos professores, com nossos pais".
De fato, essa resposta não está de todo inadequada, pois que, certamente, adquirimos conhecimentos
com nossos professores e nos livros que lemos e estudamos. Contudo, ela é insatisfatória na medida em
que nos diz de onde adquirimos conhecimento, mas não informa sobre o que é conhecimento. Para
encontrarmos uma resposta para a pergunta que colocamos, temos de dar atenção ao segundo aspecto e
não ao primeiro, ou seja, o que é e não onde adquirimos o conhecimento.
Assim sendo, a questão formulada está a merecer uma resposta. Há que se buscar uma resposta que
esclareça o sentido essencial do conhecimento. Por vezes, ouvimos dizer que o conhecimento é a elucidação
da realidade. Essa afirmação parece ser correta, pois, ainda que de forma sintética, expressa o sentido correto
do conhecimento. Vamos fazer algumas explicitações. Em primeiro lugar, podemos nos ater ao sentido
etimológico da palavra "elucidação", que é significativa para a compreensão da afirmativa feita.
A palavra elucidar tem sua origem no latim. Ela é composta pelo prefixo reforçativo "e" e pelo verbo
"lucere", que quer dizer "trazer à luz". Então, elucidar, do ponto de vista de sua origem vocabular, significa
"trazer à luz muito fortemente", "iluminar com intensidade". Deste modo, conhecer, entendido como elucidar
a realidade, quer dizer uma forma de "iluminar", de "trazer à luz" a realidade.
Mas, que luz é essa? Com certeza, não é a luz física, que ilumina e clareia os contornos externos dos
objetos. A luz do elucidar tem a ver com incidência da "luz da inteligência" sobre a realidade; tem a ver com
inteligibilidade. O conhecimento, como elucidação da realidade, é a forma de tornar a realidade inteligível,
transparente, clara, cristalina: É o meio pelo qual se descobre a essência das coisas que se manifesta por
meio de suas aparências.
Assim sendo, enquanto a realidade, por meio de suas manifestações aparentes, manifestar-se-ia como
misteriosa, impenetrável, opaca, oferecendo resistências ao seu desvendamento (desvendar/des-vendar =
tirar a venda) por parte do ser humano, a elucidação seria a sua iluminação, a sua compreensão, o seu
desvelamento (desvelar/des-velar = tirar o véu). O ato de conhecer, pois, como ato de elucidar, é o esforço
de enfrentar o desafio da realidade, buscando-lhe o sentido, a verdade. Essa realidade tanto pode ser um
único objeto, como pode ser uma rede deles formando um todo, mesmo porque nenhum objeto se dá isolado.
O que importa, para o conhecimento, é tornar essa realidade compreendida, clara, iluminada.
No que se refere ao conhecimento, há quatro elementos a serem destacados: um sujeito que conhece; um
objeto que é conhecido; um ato de conhecer, e, finalmente, um resultado, que é a compreensão da realidade
ou o conhecimento propriamente dito (a explicação produzida e exposta, tornada disponível às pessoas).
O sujeito, no caso que nos interessa aqui, é o ser humano que construiu a faculdade da inteligibilidade,
construiu um interior capaz de apropriar-se simbólica e representativamente do exterior, conseguindo, inclu-
sive, operar de forma abstrata com seus símbolos e representações. O objeto é o mundo exterior ao sujeito,
que é representado em seu pensamento a partir da manipulação que executa com eles. Os conceitos não
nascem de dentro do sujeito, mais sim da apropriação adequada que ele faz do exterior. Deste modo, a ilu -
minação da realidade não é um ato exclusivo do sujeito, mas um ato que se processa dialeticamente com e a
34
partir da realidade exterior. O sujeito ilumina a realidade com sua inteligência, mas a partir dos fragmentos
de "luz", dos sinais que a própria realidade lhe oferece. O sujeito, no nível da teoria, explica um objeto, não
porque ele voluntariamente queira que a explicação seja esta e não outra, mas sim porque os fragmentos da
realidade com os quais ele trabalha lhe oferecem uma lógica de compreensão, lhe permitem descobrir uma
inteligibilidade entre eles, formando, assim, um conceito que nada mais é do que a expressão pensada de um
objeto.
Além do sujeito e do objeto, no conhecimento, há o ato de conhecer e o resultado desse ato. O ato de
conhecer é o processo de interação que o sujeito efetua com o objeto, de tal forma que, por recursos
variados, vai tentando captar do objeto a sua lógica, a possibilidade de expressá-lo conceitualmente. Então, o
sujeito interage com o objeto para descobrir-lhe, teoricamente, a forma de ser. Por último, o resultado do ato
de conhecer é o conceito produzido, o conhecimento propriamente dito, a explicação ou a compreensão
estabelecidas, que podem ser expostas e comunicadas. Enquanto o ato de conhecer exige análise dos
elementos, dos fragmentos da realidade, enquanto o ato de conhecer é analítico, o conhecimento (a
explicação) é sintético. A exposição da explicação obtida não necessita reproduzir, passo por passo, todos os
fragmentos do processo de investigação, basta apresentar a lógica central dos dados da realidade que
sustentam o conceito formulado.
Em síntese, o conhecimento é a compreensão/explicação sintética produzida pelo sujeito por meio de um
esforço metodológico de análise dos elementos da realidade, desvendando a sua lógica, tornando-a
inteligível. Se retornarmos agora à resposta, mais ou menos ingênua, que as pessoas dão espontaneamente à
pergunta "o que é conhecimento?", veremos que ela não é, de todo, despropositada. Quando se diz que
conhecimento é aquilo que adquirimos nos livros, significa que nos apropriamos dos resultados do processo
do conhecer, nos apropriamos da explicação pronta e elaborada. No livro, na exposição, está a elucidação da
realidade obtida por alguém e da qual nós também nos apropriamos. Adquirir conhecimento é adquirir uma
compreensão da própria realidade. O que ocorre com a aquisição de conhecimentos a partir dos livros, es-
pecialmente na experiência escolar, é que ela tem sido normalmente um processo de decorar informações,
sem, torná-las uma compreensão efetiva da realidade. Saber de cor uma determinada quantidade de
informações não significa que se tenha uma determinada compreensão do mundo objetivo.
Por isso, aquela primeira resposta, em parte, é verdadeira e, em parte, não. Verdadeira, na medida em que
aquilo que está exposto, em princípio, é resultado de um ato de conhecer, um conceito formulado; falsa, na
medida em que reter informações, pelo processo de memorização, não significa conhecimento, pois que este
inplica Essencialmente compreensão, o que vai além da pura memorização. Além, evidentemente, de que o
exposto pode conter urna informação enganosa sobre o real.
Em síntese, o conhecimento, como elucidação da realidade, decorre de um esforço de investigação, de um
esforço para descobrir aquilo que está oculto, que não está compreendido ainda. Só depois de compreendido
em seu modo de ser é que um objeto pode ser considerado conhecido.

2. O processo de produção do conhecimento

O conceito explicativo da realidade nunca está pronto; ele é uma construção que o sujeito faz a partir da
lógica que encontra nos fragmentos da realidade. Para tanto, utiliza-se de recursos metodológicos, de meios
e processos de investigação. Ele se constrói por meio de longa busca, por meio de esforço de
desvendamento. A elucidação do mundo exterior exige imaginação investida, busca disciplinada e
metodológica, tendo em vista captar os meandros do real. Ao se deparar com um desafio, o sujeito do co-
nhecimento passa ao esforço de elucidá-lo. Ele trabalha para desvendar a trama de relações que constitui a
realidade.
Para conseguir isso, começa por produzir respostas (hipóteses) decorrentes dos esclarecimentos que já
possui, adquiridos pela experiência pessoal ou de estudos com outras pessoas ou com os livros. Caso essas
respostas não satisfaçam, importa inventar outras explicações, até que se encontra aquela que seja
satisfatória. Só após verificar a veracidade de sua hipótese é que o cientista expõe suas certezas.
Mas, como saber qual é a resposta satisfatória se a realidade não se expressa? Somente parece que a
realidade não se expressa. Grifamos o "parece" porque somente parece que a realidade não se expressa. De
fato, ela sempre se manifesta; então, torna-se necessário saber entender a sua expressão. É preciso saber "lê-

35
la" para se entender o que ela diz. É preciso ser "alfabetizado" na aprendizagem do desvendamento da
realidade para poder entendê-la. Daí a necessidade que o sujeito do conhecimento, tem de se utilizar de
recursos metodológicos para fazer a realidade "dizer" o que ela é. O investigador necessita utilizar-se de
"rodeios metodológicos", por meio dos quais capta o possível verdadeiro sentido da realidade.
Diante do desafio, o sujeito do conhecimento formula respostas plausíveis e procura ver nas
manifestações da realidade se a resposta que formulou é adequada ou não. Por vezes, essa resposta é
encontrada e confirmada rapidamente e outras vezes exige anos de trabalho.
Para ilustrar esse processo, vamos lembrar dois casos de pesquisa, um no âmbito da investigação das
ciências da saúde e outro no âmbito da investigação das ciências sociais. O primeiro refere-se à
descoberta da febre puerperal pelo médico suíço Iguaz Semelweiss3, e o outro exemplo refere-se à
construção do conceito de governo bonapartista, produzida por Karl Marx, na sua obra O dezoito
brumário de Luiz Bonaparte. 4
Em primeiro lugar, vamos ao exemplo de Semelweiss. Entre 1844 e 1848, ele se deparou com uma si-
tuação desafiadora e, após muito trabalho, encontrou sua explicação, seu desvelamento. Para apresentar
este exemplo, vamos nos utilizar do relato-síntese de sua descoberta, que se encontra no livro Filosofia da
ciência natural, de Cari G. Hempel. A citação que se segue é um tanto longa, mas necessária para se
poder apreender o caminho de um processo de pesquisa no seu todo, da situação problemática ao seu
desvelamento. A situação de investigação relatada deu-se no Hospital Geral de Viena, que possui dois
serviços de maternidade.
No Primeiro Serviço da Maternidade desse Hospital, em 1844, das 3.157 mulheres internadas para os
procedimentos do parto, 260 (ou seja, 8% delas) morriam de febre puerperal (doença infecciosa que
pode atacar as mulheres após o parto). Em 1845, esse percentual foi de 6% e, em 1846, ele chegou a
11,4%. Esse nível de mortalidade tornava-se mais alarmante com a constatação de que os índices de
mortalidade, pela mesma doença, no Segundo Serviço de Maternidade do Hospital, eram bem menores. No
caso, 2,3% para 1844; 2,9% para 1845 e 2,7% para 1846. Aí estava o desafio para Semelweiss. Aí estava a
realidade, o aspecto oculto da realidade que ele desconhecia: o que causa nível tão alto de mortalidade
nas parturientes do Primeiro Serviço, que não atinge as gestantes dop Segundo Serviço?
Atormentado pelo terrível problema, Semeiweiss esforçou-se para resolvê-lo seguindo um caminho que ele
mesmo veio a descrever mais tarde em livro que escreveu sobre a causa e a prevenção da febre puerperal.
Começou considerando várias explicações então em voga; algumas rejeitou logo por serem incompatíveis
com fatos bem estabelecidos; outras, passou a submeter a verificações específicas. Uma ideia amplamente
aceita na época atribuía as devastações da febre puerperal a "influências epidêmi-cas", vagamente descritas
como mudanças "cósmico-atmosféricas" espalhando-se sobre bairros inteiros e causando febre nas mulheres
internadas. Mas, raciocina Semelweiss, como poderiam tais influências afetar o Primeiro Serviço durante
anos e poupar o Segundo? E como poderia conciliar-se essa ideia com o fato de estar a febre grassando no
Hospital sem que praticamente ocorresse outro caso na cidade de Viena ou em seus arredores? Uma
epidemia genuína, como é a cólera, não poderia ser tão seletiva. Finalmente, Semelweiss nota que
algumas das mulheres admitidas no Primeiro Serviço, residindo longe do hospital, vencidas pelo trabalho
de parto ainda em caminho, tinham dado à luz em plena rua; pois, a despeito dessas condições des-
favoráveis, a taxa de morte por febre puerperal entre esses casos de "parto de rua" era menor que a média
no Primeiro Serviço.
Segundo outra opinião, a causa da mortalidade no Primeiro Serviço era o excesso de gente. Mas
Semelweiss observa que esse excesso era ainda maior no Segundo Serviço, o que em parte se explicava
como resultado dos esforços desesperados das pacientes para evitar o Primeiro Serviço, já mal-afamado.
Ele rejeita também duas conjeturas semelhantes, então correntes, observando que não havia diferença entre
os dois Serviços quanto à dieta e ao cuidado geral com as pacientes.
Em 1846, uma comissão nomeada para investigar o assunto atribuía a predominância da doença no
Primeiro Serviço a danos causados pelo exame grosseiro feito pelos estudantes de Medicina, que recebiam
seu treino em obstetrícia apenas no Primeiro Serviço. Semelweiss observa, refutando esta opinião, que: a)
os danos, resultantes naturalmente do processo de parto são muito mais extensos que os que poderiam
ser causados por um problema grosseiro; b) as parteiras que recebiam seu treino no Segundo Serviço
examinavam suas pacientes quase do mesmo modo, mas sem os mesmos efeitos nocivos; c) quando, em
36
consequência do relatório da comissão, o número dos estudantes de Medicina ficou diminuído à metade e
os seus exames nas mulheres foram reduzidos ao mínimo, a mortalidade, depois de breve declínio,
elevou-se a níveis ainda mais altos do que antes. Várias explicações psicológicas tinham sido tentadas. Uma
delas lembrava que o Primeiro Serviço estava disposto de tal modo que um padre, levando o último
sacramento a uma moribunda, tinha que passar por cinco enfermarias antes de alcançar o quarto da
doente: o aparecimento do padre, precedido por um auxiliar soando uma campainha, produziria um efeito
aterrador e debilitante nas pacientes dessas enfermarias e as transformava em vítimas prováveis da febre.
No Segundo Serviço, não havia esse fator prejudicial porque o padre tinha acesso direto ao quarto da
doente. Para verificar esta conjetura, Semelweiss convenceu o padre a tomar um outro caminho e não
soar a campainha, chegando ao quarto da doente silenciosamente e sem ser observado. Mas a mortalidade
no Primeiro Serviço não diminuiu. Observaram, ainda, a Semelweiss, que no Primeiro Serviço as mulheres,
no parto, ficavam deitadas de costas e, no Segundo Serviço, de lado. Mesmo achando a ideia inverossímil,
decidiu, "como um náufrago se agarra a uma palha", verificar se a diferença de posição poderia ser
significante. Introduzindo o uso da posição lateral no Primeiro Serviço, a mortalidade não se alterou. Fi-
nalmente, no começo de 1847, um acidente deu a Semelweiss a chave decisiva para a solução do problema.
Um colega, Kolletschka, feriu-se no dedo com o bisturi de um estudante que realizava uma autópsia e
morreu depois de uma agonia em que se revelaram os sintomas observados nas vítimas da febre puerperal.
Apesar de nessa época não estar ainda reconhecido o papel desempenhado nas infecções pelos
microorganismos, Semelweiss compreendeu que "a. matéria cadavérica", introduzida na corrente sanguínea
de Koi-letschka pelo bisturi é que causara a doença fatal do seu colega. As semelhanças entre o curso
da doença de Kolletschka e o das mulheres em sua clínica levaram Semelweiss à conclusão de que suas
pacientes morreram da mesma espécie de envenenamento do sangue: ele, seus colegas e os estudantes
tinham sido o veículo do material infeccioso, pois vinham às enfermarias logo após realizarem dissecações
na sala de autópsia e examinavam as mulheres em trabalho de parto depois de lavarem as mãos apenas
superficialmente, muitas vezes retendo o cheiro nauseante.
Novamente, Semelweiss submeteu sua ideia a um teste. Raciocinou que, se estivesse certo, então a febre
puerperal poderia ser prevenida pela destruição química do material infeccioso aderido às mãos. Ordenou,
então, que todos os estudantes lavassem suas mãos numa solução de cal clorada antes de procederem a
qualquer exame. A mortalidade pela febre logo começou a decrescer, caindo, em 1848, a 1,2,7% no
Primeiro Serviço, enquanto que no Segundo era de 1,33%.
Justificando ainda mais suas ideias ou sua hipótese, como também diremos, Semelweiss observou que ela
explicava o fato de ser a mortalidade do Segundo Serviço mais baixa: lá, as pacientes eram socorridas por
parteiras cujo treino não incluía instrução anatómica por dissecação dos cadáveres.
E a hipótese também explicava a menor mortalidade entre os casos de "parto de rua", pois as mulheres
que já chegavam trazendo seus bebés ao colo raramente eram examinadas após a admissão e tinham,
assim, melhor sorte de escapar à infecção.
Finalmente, a hipótese explicava o fato de serem vítimas de febre os recém-nascidos cujas mães tinham
contraído a doença durante o trabalho de parto, pois então a infecção podia ser transmitida à criança
antes do nascimento, através da corrente sanguínea comum à mãe e ao filho, o que era impossível quando
a mãe permanecera sadia.
A citação foi longa, porém cremos que suficientemente clara para demonstrar o processo do conheci-
mento, o processo pelo qual o sujeito vai construindo "explicação para a realidade desafiadora que tem
diante cie sI7 Semélweiss, sujeito do conhecimento, tinha diante de si uma situação problemática, ainda sem
inteligibilidade, opaca. O que ele fez? Trabalhou disciplinada e metodologicamente para construir sua
compreensão e sua explicação. Observou a realidade, juntou fragmentos e sobre eles tentou articular
relações teóricas (hipóteses); observou os fatos novamente; muitas vezes frustrou-se em suas possíveis
explicações, até que atingiu o nível verdadeiro de compreensão da realidade. Conseguiu, pois, "iluminá-
la", torná-la transparente. A realidade não é transparente por si, mas pode tornar-se por "meio da
investigação que constrói o conhecimento. Esse é um exemplo experimental, ou quase experimen tal, de
investigação. Um segundo exemplo que vamos lembrar é a construção do conceito de "governo
bonapartista" ou o "bo-napartismo", realizado por Marx em sua obra O dezoito brumário. Marx conceitua o
bonapartismo como a forma de governo que se dá no, mundo burguês-capitalista, onde o Executivo tem

37
predominância scbre o Legislativo, apoiado no exército como força de repressão, no clero, como força
ideológica e no campesinato como força popular. Esse governo parece estar desvinculado da sociedade,
autónomo sobre ela; no entanto, isso é só uma aparência, desde que está a serviço do segmento dominante.
De onde Marx retirou esse conceito de "governo bonapartista", que pode ser aplicado a muitos governos
de hoje, inclusive na América Latina? Ele o inventou de sua imaginação? Não. Certamente que não. Essa
"iluminação" da realidade política da sociedade bur-guesa-capitalista, ele a construiu a partir do estudo sis-
temático e disciplinado dos acontecimentos políticos que envolveram a França entre os anos de 1848 e
1852. Em 1848, a Revolução de Fevereiro colocou o proletariado no poder ao lado de outros segmentos da
sociedade. Em 1851, Luís Napoleão deu o golpe de Estado. Marx acompanha e estuda os acontecimentos
políticos entre uma e outra data, desvendando a trama da luta de classe que subjazia ao processo político
da sociedade francesa de então. Ele descreve e demonstra que, primeiro, o proletariado é eliminado da cena
política. A seguir, o próprio parlamento da República Francesa é apagado por sucessivas eliminações dos
representantes políticos dos diversos segmentos da sociedade: de início, os republicanos; depois, os sociaís-
democratas; e, por último, os próprios representantes da grande burguesia (o partido da ordem). Quem
ficou no poder? Bonaparte, apoiado nos camponeses, na força do exército e na ideologia dos padres. O que
foi que Marx fez? "Leu", por sob os fragmentos da realidade, um fio condutor dos acontecimentos que
permitiu construir a explicação de uma forma de governo, que foi o bona-partismo. Forma de governo
localizada na França de meados do século passado, porém, conceito generalizável para a compreensão de
muitos outros governos modernos e contemporâneos. Bismark, na Alemanha, foi urn bonapartista; os
governos ditatoriais latino-ame-ricanos são bonapartistas; muitas das democracias ocidentais
contemporâneas possuem traços bonapartistas.
Um e outro exemplo nos mostram que o conhecimento (o conceito explicativo da realidade) surge de
um esforço metodológico de investigação. Ele se manifesta como uma forma de compreensão universal dos
fatos e acontecimentos. Os dois exemplos citados são ilustrativos. É preciso submeter a realidade a um
"es-traçalhamento" analítico, para, a partir daí, descobrir a sua lógica e a sua inteligibilidade. Sob a
mortalidade das mulheres, Semeiweiss desvenda a "febre puerperal", e, sob o golpe de Estado de Luís
Napoleão, Marx desvenda o "bonapartismo". A tarefa de todos nós está posta: sob a aparência dos fatos
e dos fenómenos, descobrir a sua essência, o seu verdadeiro significado. Isto é, proceder à criação do
conhecimento como elucidação da realidade. Nenhum dos dois investigadores retirou suas explicações do
bolso das calças. Ambos detinham urna consulta prévia e ambos se debruçaram metodologicamente sobre
os seus respectivos objetos de estudo.
Esse exercício metodológico, criativo, inventivo, interessante, não é espontâneo, simples e fácil. Ele
exige disciplina e esforço. Lúcio Lombardo Radice em seu livro Eãucazione delia Mente, nos diz o
seguinte: O desenvolvimento intelectual, a aquisição de um patrimônio cultural sério e significativo
requerem um esforço sistemático: constituem urn trabalho. Qualquer trabalho sério, mesmo o que
amamos, que escolhemos livremente e que por nada do mundo deixaríamos, possui diversas fases e
exigências complexas. O trabalho não é uma sucessão ininterrupta de alegrias, conquistas, criações. A
alegria, a conquista e a criação são o resultado de um esforço cotidiano, humilde, obscuro, aborrecido. Em
qualquer trabalho... até no do poeta e no do cientista criador... existem problemas técnicos, a necessidade
de dedicar muito tempo à aquisição de noções, de conhecimentos sistemáticos, do domínio sobre os
instrumentos. Quer dizer: às premissas do trabalho propriamente criador. O domingo deve suceder aos
demais dias da semana, as férias vêm depois de um longo ano de rotina. O belo poema nasce após
prolongados e pacientes estudos linguísticos, literários, históricos. Os descobrimentos científicos resultam de
uma investigação infatigável e tenaz, do aprendizado daquilo que outros fatigosamente construíram. O
génio que surge magicamente é um mito romântico deseducativo: os poetas ou cientistas geniais são,
acima de tudo, infatigáveis trabalhadores. Portanto, a produção do conhecimento exige trabalho. Trabalho
gratificante, mas trabalho! Há que se dedicar com esforço, atenção e disciplina metodológica para se chegar
a resultados significativos. Os resultados do desenvolvimento dos segredos do mundo trazem ao
investigador satisfação e prazer. Porém, como vimos nos exemplos, exige dedicação disciplinada por meio
de uma proposta metodológica.

3. Á questão da apropriação do conhecimento

38
Diariamente, de algum modo, nos apropriamos de novos conhecimentos, seja no nível do senso
comum, seja no nível da ciência. Por isso, vale a pena abordar essa questão. Entendemos, aqui, por
apropriação do conhecimento, o modo pelo qual é possível ao sujeito humano tomar posse de um
entendimento da realidade. Apropriação não significa uma retenção de informações, mas sim a
compreensão do mundo exterior, utilizando-se das informações.
Assim sendo, entendemos que o sujeito se apropria do conhecimento de duas maneiras: a direta e a
indireta. Essas duas modalidades de apropriação na prática são inseparáveis, porém didaticamente
distintas. Diretamente, o sujeito se apropria cognitivamente da realidade que se dá a partir de
enfrentamento direto entre sujeito do conhecimento e mundo exterior. O sujeito é desafiado por alguma
coisa nova que se lhe apresenta e ele se esforça, metodicamente, para descobrir o seu sentido. Neste tipo de
apropriação cognitiva da realidade, não há alguém ou algum meio que ensine ao sujeito o que a coisa
é. Ele a desvenda. A título de exemplos, poderíamos dizer que Thomas Edison se apropriou diretamente
do modo de construção de uma lâmpada elétrica, visto que realizou inúmeros experimentos até chegar a
um bem-sucedido. Poderíamos dizer que a apropriação da compreensão da causa da febre puerperal,
que matava as mulheres no Primeiro Serviço de Maternidade no Hospital Gera! de Viena, por Ignaz
Semelweiss, foi direta. Podemos lembrar, ainda, o fato da descoberta da penicilina por Fleming. Ele se
apropriou de um entendimento novo da realidade, conseguindo, inclusive, criar um modo técnico de agir
em razão da sobrevivência de muitas pessoas. Poderíamos ainda, retomar a descoberta do bonapartismo
por Marx. E tantos outros...
A apropriação direta do entendimento da realidade seria, então, a aquisição de uma compreensão da rea-
lidade que nasce do esforço de entendê-la a partir de seus próprios elementos e relações, seja a partir de
uma intuição direta e imediata, seja a partir de longos esforços de testagem, como foi o caso da
construção da lâmpada.
A apropriação indireta da realidade é a compreensão inteligível da mesma que fazemos por meio de um
entendimento já produzido por outro. É a compreensão da realidade por meio do entendimento que outros
tiveram e nos relataram através de algum veículo de comunicação, qualquer que seja ele: oral, escrito, pic-
tórico, visual, auditivo etc. Ou seja, pela via indireta, a apropriação do conhecimento se dá por um
mediador que nos diz que a realidade é assim, porque ele a interpretou assim e, para tanto, apresenta
argumentos que devem nos convencer. É possível, mediado por uma comunicação, chegar a um
entendimento da realidade, a um entendimento verdadeiro.
Essa segunda forma de apropriação do conhecimento é a mais utilizada na prática escolar, especialmente
quando se usa o livro como mediador entre o sujeito cognoscente (educando) e a realidade. Indicar que
especialmente o livro é o meio utilizado na escola, não tem por intenção privilegiá-lo. Apenas constatamos
um fato que ocorre todo dia. Através do texto, que no caso serve como "lente de interpretação" da
realidade, o educando deveria apropriar-se de um entendimento dessa realidade, ainda que nem sempre o
consiga, devido ater-se mais ao texto que à realidade que ele espelha.
O que importa, na apropriação direta ou indireta do conhecimento, é a compreensão da realidade,
porque é ela que cada sujeito humano tem de enfrentar. Quanto mais competente for o entendimento do
mundo, mais satisfatória será a ação do sujeito que o detém.
Na escola é que, pela hipertrofia do uso do modo indireto de apropriação do conhecimento, muitas
vezes, o intermediário do conhecimento é transformado, mistificado, reificado como se fosse a própria
realidade a ser entendida. Existem professores que selecionam textos extremamente difíceis de
compreender. O texto passa a ser a dificuldade para o aluno, e não o mundo que o texto pretende
expressar. O que importa conhecer não é o texto em si, mas a realidade que ele veicula, a menos,
evidentemente, que se esteja estudando o texto como objeto de abordagem, como nos casos de literatura,
língua nacional, estilística etc. Nesse caso, a realidade a ser compreendida é o próprio texto; o
intermediário para esta situação seria o comentário analítico sobre o texto e suas qualidades ou
fragilidades.
Com essa hipertrofia do meio, a realidade a ser compreendida fica totalmente obscurecida; o objeto do
conhecimento fica supresso. O pensamento do educando, como manifestação do conhecimento
apropriado, não será um pensamento sobre o objeto do conhecimento, mas sobre o discurso feito sobre o
objeto. Disso decorre a chamada "razão ornamental", que nada mais é do que um possível discurso
39
brilhante sobre alguma coisa que se conhece, mas que não traduz uma verdadeira compreensão sobre
ela. A razão ornamental assemelha-se ao "verbalismo'', que nada mais é do que um belo discurso que
efetivamente nada expressa da realidade. O verbalismo é uma articulação de palavras lançadas ao vento,
sem qualquer amarra efetiva com o objeto ao qual deveria estar articulada.
Assim sendo, vale a pena o uso dos conhecimentos já acumulados pelo sujeito cognoscente? Claro que sim.
Mais que isso: para a efetiva apropriação do conhecimento como entendimento da realidade, hoje, não há
como fugir ao legado da humanidade. A apropriação do conhecimento acumulado, como forma de
entendimento da realidade, é elemento fundamental para o avanço do conhecimento novo.
Em nossa civilização atual, não há como produzir conhecimento novo, no sentido de fazer avançar o le-
gado da humanidade, sem que nos apropriemos dele. Roberto Gomes, falando a respeito do legado
filosófico, diz que "é tão grave esquecer-se no passado quanto esquecer-se dele".
Em termos de conhecimento, ocorre a mesma coisa. Não se pode suprimir o legado cognitivo da humani-
dade; ele é o nosso lastro de "saber" e de "saber fazer". É a partir dele e de suas lacunas que temos de
avançar. Semelweiss, Marx e todos os grandes pesquisadores utilizaram-se desse legado. Ele é necessário.
As apropriações diretas e indiretas do conhecimento estão profundamente inter-relacionadas e são
necessárias. Não há razão para desmerecer uma via e privilegiar a outra. Ambas as formas são
necessárias ao sujeito para que ele elucide o mundo em que vive.
Cabe à escola, que se quer comprometida com a preparação do educando para a conquista da
cidadania, possibilitar e criar condições para que o educando compreenda o mundo por meio dos
conhecimentos e habilidades necessários. Essa compreensão oferecer-lhe-á meios para transformar a
realidade em razão do bem-estar da sociedade.
O educando, apropriando-se por meio da escola, do conhecimento como forma de compreensão da
realidade, está se preparando não só para o enfrentamento dos desafios da natureza propriamente dita
(parte do mundo), mas também para enfrentar as mazelas sociais que o envolvem. O educando estará se
preparando para preencher os quadros de recursos que uma luta pela cidadania vai exigir e estará se
preparando para reivindicar socialmente os seus direitos. O conhecimento que se transforma em
consciência social é um instrumento básico na luta pela transformação.
Muitas vezes, os nossos educandos, além de não se apropriarem da realidade por meio dos
processos de conhecimento, também não se apropriam dos meios pelos quais podem reivindicar os seus
direitos. Certamente não será com o "espontaneísmo" na aprendizagem que conquistaremos a
compreensão da realidade e faremos o avanço do conhecimento. Ao contrário, a apropriação do
conhecimento, como instrumento de preparação para a conquista da cidadania, exigirá disciplina de
aprendizagem, de estudo, de criação, seja no processo prioritariamente díreto ou prioritariamente indireto
de conhecer.
4. Conclusão
Após esse exercício de reflexão podemos dizer que tomamos contato com três questões que envolvem
a discussão do sentido. do conhecimento. Estudamos o que ele é como iluminação da realidade, qual o seu
processo de construção como resultado da interação do sujeito com. o mundo exterior e os modos de sua
apropriação como mecanismos de compreensão da realidade. Se bem compreendidos e assimilados esses
elementos, temos um primeiro passo fundamental para avançarmos no aprofundamento da questão do
conhecimento com o próximo capítulo, que tem por objetivo tratar dos tipos de conhecimento e respectivos
significados para a vida humana.

Atividade de Fixação: O Conhecimento: Significado, processo e apropriação (Autor: Cipriano Carlos Luckes)

1. Fale livremente sobre a importância da filosofia no estudo teológico.


2. No seu entendimento qual é o significado da palavra conhecimento?
3. Selecione um personagem na Bíblia em que você possa relacionar com os quatro elementos que compõem o
conhecimento.

40
4. Usando o exemplo da apostila a respeito da mortalidade infantil no hospital de Viena, justifique por que o
filósofo deve ser um disciplinado investigador da verdade.
5. Reescreva o pensamento de Lúcio lombardo Radice sobre o desenvolvimento intelectual do individuo.

A LINGUAGEM NOS ABRE A REALIDADE

O pensar filosófico é a forma radical da liberdade humana (Urbano Zilles). Filosofar é pensar mais longe
do que aquilo que se sabe e do aquilo que se pode saber. O ensino de filosofia favorece a abertura do
espírito, a compreensão e a tolerância entre os indivíduos e entre os grupos. Formando espíritos reflexivos
- capazes de resistir às diversas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusão e de intolerância.
Nenhum jovem deve demorar a filosofar, e nenhum velho deve parar de filosofar, pois nunca é cedo
demais nem tarde demais para a saúde da alma. Afirmar que a hora de filosofar ainda não chegou ou já
passou é a mesma coisa que dizer que a hora da felicidade ainda não chegou ou já passou; devemos,
portanto, filosofar na juventude e na velhice para que enquanto envelhecemos continuemos a ser jovens
nas boas coisas mediante a agradável recordação do passado, e para que ainda jovens sejamos ao mesmo
tempo velhos, graças ao destemor diante do porvir. Devemos então meditar sobre tudo que possa
proporcionar a felicidade para que, se a temos, tenhamos tudo, e se não a temos, façamos tudo para tê-la
(Epicuro). Com a palavra se fundam as cidades, se fazem os portos, se comanda o exército e se governa o
Estado (Górgias. Elogio de Helena, 8,13).

A importância da linguagem
Linguagem: È um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicação entre
pessoas e para a expressão de idéias, valores e sentimentos.

Ela é um sistema de sinais ou de signos. Por exemplo, a fumaça é um signo ou sinal de fogo, a cicatriz é
signo ou sinal de uma ferida, manchas na pele de um determinado formato, tamanho e cor são signos de
sarampo.

Ela tem uma função comunicativa porque entramos em relação com os outros, dialogamos,
argumentamos, persuadimos, relatamos, discutimos, amamos e odiamos, ensinamos e aprendemos.

 Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque
somente ele é dotado de linguagem.

 Platão considerava que a linguagem pode ser um remédio para o conhecimento, pois, pelo diálogo e
pela comunicação, conseguimos descobrir nossa ignorância e aprender com os outros.

 Um veneno quando, pela sedução das palavras, nos faz aceitar, fascinados, o que vimos ou lemos,
sem que indaguemos se tais palavras são verdadeiras ou falsas.

 Enfim, a linguagem pode ser cosmético, maquiagem ou máscara para dissimular ou ocultar a verdade
sob as palavras. A quem procura, a realidade se apresenta e se mostra no painel da linguagem.

A força da linguagem: Mitos são maneiras pela qual, através das palavras, os seres humanos organizam a
realidade e a interpretam.

Rituais indígenas os deuses e heróis comparecem e se reúnem aos mortais quando invocados pelo
celebrante;

Linguagem nas liturgias: Babel [Gn 11.1-9]; Ceia [Lc 22.2.19-20] ; Deus como a palavra [Jo 1.1 e 14];
Zacarias [Lc 1, 59-63]. Aquele que retira tesouro do novo e do velho [ Mt 13.52].
41
Linguagem e Consciência: A linguagem é como o corpo do pensamento, no sentido de que linguagem e
pensamento estão em intrínseca unidade. O empobrecimento de linguagem corresponde a um
estreitamento de horizontes mentais.

Três tipos distintos de interação da linguagem: Transmitir informações; Expressar ou suscitar


sentimentos, emoções e atitudes e Transmitir ordens e pedidos.

A filosofia é uma escola de liberdade. Ela incita o pensamento a despertar-se sempre. "Exercita a julgar
por si mesmos, a confrontar argumentações diversas, a respeitar a palavra dos outros, a submeter-se
somente à autoridade da razão" (Federico MAYOR).

As palavras e a linguagem não constituem cápsulas, em que as coisas são empacotadas para o comércio
de quem fala e escreve. É na palavra, na linguagem, que as coisas chegam a ser e são (Heidegger).

ATIVIDADE DE FIXAÇÃO

1. Diga o que entendeu sobre a Linguagem em Filosofia;

2. Qual a importância do estudo da filosofia da linguagem para o teólogo?

3. Faça relação entre o assunto: Linguagem e o filme a questão do paradigma na comunicação.

Bibliografia para consulta


BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao Pensar. 23 ed, Petrópolis: Vozes, 1995.
CHAUI, marilena. Convite à filosofia. São Paulo: 4 ed , Editora Àtica, 1994. P. 136 a 144
Federico MAYOR. "Uma Escola de Liberdade". Livre-Filosofar, Ano VII, N.13, Curitiba, março de 1996, p.4 a 6.
SOUZA, Sônia. Um outro olhar. São Paulo: FTD, 1995. p. 99 a 110.

CRITICIDADE, RADICALIDADE E TOTALIDADE


(Emardo Serafim de oliveira)

A filosofia é uma atividaãe humana indispensável, visto que a essência da coisa, a estrutura da realidade.
não se manifesta direta e imediatamente. Neste sentido, a filosofia pode ser caracterizada como um esforço
sistemático e crítico que visa captar a coisa em si, a estrutura oculta da coisa, descobrir o modo de ser do
existente. Vemos, então, que é necessário um esforço sistemático para se chegar à estrutura da realidade, sem
o que torna-se ineficiente a nossa tarefa filosófica. Tarefa esta que não se encontra restrita à "missão" de
grandes sábios. O filosofar é próprio de todos, em níveis distintos, dos mais simples ("simplórios" no dizer de
Gramsci) aos mais elaborados intelectualmente. Por esse motivo, o esforço sistemático que é filosofar tem
um caminho. Ele parte, como sabemos, do "nosso-redor" cotidíano que é o senso comum e se dirige a uma
atitude polémica, crítica. Em outras palavras, todo filosofar, como processo, tem origem no senso comum e
se dirige a uma filosofia, e, contrariamente, toda filosofia "tende a se tomar senso comum de um ambiente,
ainda que restrito". Neste caminho dialético podemos distinguir algumas características desse pensar, que são
determinantes da possibilidade de se tornar crítica a reflexão filosófica.
Para que a reflexão filosófica seja crítica, é necessário que haja criticídade. E o que é isso? Tomemos a
palavra crítica. Os significados da palavra encontrados nos dicionários são, entre outros: a "arte de julgar o
valor"; "exame"; "discernimento"; "critério". Podemos inferir que a palavra crítica está vinculada g ideia de
"cuidado de abordagem". Esta ideia de analisar atenta minuciosamente o objeto nos dá ideia de crítica como
uma característica da reflexão filosófica mas, também, e antes disso, como uma postura do filósofo. Criticar,
então, é ter o cuidado de saber estabelecer critérios. Ter critério é possuir uma norma para "decidir o que é
verdadeiro ou falso, o que se deve fazer ou não fazer etc". Um cognato de crítica e critério é crise. E crise

42
significa alteração. Criticar seria, para nós, estabelecer critérios nos quais o objeto do conhecimento se
coloque em ponto de crise para, então, poder divisá-lo como afirmação e negação. Seria uma forma de
conhecer compreensivamente para decidir. Exemplifiquemos: a palavra crítica tem uma conotação, muitas
vezes, pejorativa. Criticar seria, neste sentido, falar mal de alguma coisa. Já vimos em livros professores
dizendo que o seu trabalho (um livro sobre educação) e é de "críticas construtivas". Mas voltemos ao
exemplo. Quando assistimos a um filme e queremos nos informar mais sobre ele, procuramos, depois, ler
algo nos jornais, escrito por críticos especializados. E, muitas vezes, com aquela visão oferecida pelo crítico,
trechos ou detalhes não-compreendidos encaixam-se num quadro referencial mais coerente. Outras vezes, a
leitura da crítica de um filme nos faz pensar em determinadas relações, dentro da trama, que não foram
sugeridas pelo especialista. Esta situação é uma ilustração da criticidade da reflexão filosófica. Vejamos
como.
Por que o crítico consegue fazer uma crítica de cinema e você não? Temos, como pessoas, potencialmente
as mesmas possibilidades, o filme é o mesmo e não somos (no caso, o crítico e você) culturalmente tão
diferentes. Vamos lembrar o que é crítica. Fazer crítica é estabelecer critérios para conhecer um objeto,
colocando-o sem ponto de crise. O nosso objeto de conhecimento é o filme. Entretanto, só poderemos
estabelecer esses critérios para criticá-lo quando, através de um prévio conhecimento do contexto, o anali-
sarmos, isto é, refletirmos sobre suas propostas, sua situação na história, sua relação com outras obras ou
artes, enfim, quando pudermos analisar o filme em profundidade e extensão. Com essas informações, com a
análise feita, temos como colocar o filme em um ponto de crise, conhecê-lo compreensivamente e aí,
segundo critérios pessoais, decidimos sobre o seu valor. Por este motivo é que o espectador "comum" não faz
uma elaborada. Ele tem a possibilidade e o instrumento para a crítica, mas falta-lhe um exercício de reflexão
apoiado por informações contextuais. Neste ponto podemos observar, por analogia, que o "senso comum" do
espectador se transforma na reflexão do crítico quando aquele busca informações e reflete criticamente sobre
cinema. Da mesma forma, o pensar filosófico tem origem no "senso comum" e se torna crítico com este tipo
de reflexão. Entretanto, além de crítica, a reflexão filosófica tem duas outras características. Vejamos quais
são.
A primeira é que além de crítica, e por isso mesmo, a reflexão filosófica tem de buscar as origens da
questão estudada. Em outras palavras, é necessário que essa reflexão seja radical, ou seja, que ela busque a
raiz, a origem, os fundamentos. A reflexão filosófica é como a raiz de uma planta que busca a origetn na
profundidade. Esta é a outra característica: a radicalidade. Lembramos que a palavra radical significa
"relativo a raiz" e, também, "cerne, origem, princípio". Portanto, o conhecimento que não é radical, isto é,
que não vai à raiz, à origem, é um conhecimento ingénuo ou, ainda, é a manifestação de uma consciência
ingénua. "Consciência ingénua é aquela que — por motivos que cabe à análise filosófica examinar — não
inclui em sua representação da realidade exterior e de si mesma a compreensão das condições e
determinantes que a fazem pensar tal como pensa. Não inclui a referência ao mundo objetivo como seu
determinante fundamental. Por isso julga-se um ponto de partida absoluto, uma origem incondicional,
acredita que suas ideias vêm dela mesma, não provêm da realidade, ou seja, que têm origem em ideias
anteriores.
Assim, as ideias se originam das ideias. A. realidade é apenas recebida ou enquadrada em ura sistema de
ideias que se cria por si mesmo." Este tipo de conhecimento é superficial, em que a polémica não inclui
esclarecimento nem possibilidades de negação. É um conhecimento polêmico por postura de exclusões, e não
por autenticidade dialética. É um saber que não incluí o diálogo. Ao passo que a postura radical busca
esclarecer, clarificar e não excluí, nessa procura, a atenção para a indagação dos contrários. Ser radical é
proceder como a raiz de uma árvore que penetra o solo com uma haste principal e robusta para se fixar à
terra, mas não abandona suas ramificações, pois estas são parte e, complemento daquela. Citemos um
exemplo. O universitário recém-saído do "crivo" dos exames vestibulares, talvez não tenha tido oportunidade
(por falta de tempo, às vezes) de se perguntar por que e para que existem estas provas (provações,
obstáculos). A partir do momento em que ele se posiciona criticamente, isto é, adquire uma postura crítica
com relação ao vestibular (estabelece critérios que lhe permitem tornar crítica, colocar em crise, aquela
questão) está iniciando uma reflexão filosófica. Ele deve, no segmento do problema, procurar compreender
radicalmente a questão, buscar a origem na profundidade. Uma das atitudes, e talvez a primeira, é a
compreensão histórica do problema (entendendo história como génese, cronologia crítica). Desta forma ele
estaria caminhando para um ponto de vista filosófico. Entretanto, esta reflexão ainda não estaria completa;

43
falta-lhe uma outra característica. Vejamos."Outra das ideias categóricas que distinguem a consciência su-
perior da realidade é o atributo da totalidade. Queremos com esta noção designar o caráter próprio dessa
consciência de considerar sempre o real como multiplicidade interiormente estruturada." Se o real deve ser
considerado estruturalmente como uma multiplicidade, não podemos abstrair aspectos da realidade, isto é,
não podemos fazer cortes no real para compreendê-lo, e sim devemos mantê-lo no contexto próprio que
possibilite a compreensão das reações ali existentes. As ciências explicam as partes e isso é característica de
sua atividade. A ciência não se preocupa em refletir sobre os seus postulados. A filosofia pergunta sobre o
porquê das ciências, sobre o porquê se faz ciência etc. A filosofia está interessada na reflexão sobre a
totalidade, e a abrangêncía de suas questões transcende o científico. No caso do aluno do nosso exemplo, ele
deveria dirigir sua reflexão, agora, para a compreensão do problema no âmbito da sua totalidade. O vestibular
não é fato isolado, e por mais que ele fosse estudado assim (como fato destacado do seu contexto) não se
chegaria a uma compreensão (visão total) do problema. Para haver esta compreensão é necessário incluir o
vestibular no todo (contexto) do qual ele faz parte. E este todo é o contexto sócio-politico, económico e
educacional. Aí será compreendida a ideologia que determina a sua existência, e a compreensão do problema
será uma fato.
Essas características da reflexão filosófica, entretanto, não são separadas a não ser numa exposição
didática. Elas se interpretram e constituem a própria reflexão. Ao pensar dialetícamente, o homem não
consegue ser somente crítico sem ser radical ou vice-versa. Da mesma forma não se consegue abordar um
problema em sua totalidade sem nisso incluir uma postura crítica e uma atitude radical. Então, quando é que
fazemos filosofia ou quando é que fazemos uma reflexão filosófica? Será quando a nossa reflexão for radical
(buscar a origem do problema), crítica (colocar o objeto do conhecimento em um ponto de crise) e total
(inserir o objeto da nossa reflexão no contexto do qual é conteúdo).

Filosofia e ideologia
No final do item anterior havíamos dito que o universitário que desejasse fazer uma reflexão filosófica
sobre o fato vestibular deveria compreendê-lo de uma forma crítica, radical e total. Dissemos, também, que
desta forma seria compreendida (apreendida) a ideologia, que determina a existência do vestibular. Para tanto
será importante, antes, que se estude o termo ideologia. É o que tentaremos fazer neste item. Antes, vejamos
como o termo ideologia apareceu.
Inicialmente devemos lembrar que a palavra ideologia tem várias acepções, isto é, a mesma palavra é
empregada para significar coisas diferentes. Historicamente costuma-se dizer que o criador desse termo foi o
francês Antônio Destutt de Tracy (séc. 18). Ele o entendia como "a ciência das idéias" ou "a análise das sen-
sações e das idéias" (Condiliac). "Parte da zoologia, a ideologia, é, assim, para Destutt de Tracy, o
verdadeiro, método de conhecimento do homem, limitando-se a indicar as origens, os limites e o grau de
exatidão desse conhecimento. Como o conhecimento se realiza por meio de ideias, a ciência fundamental
deverá ser a ciência das ideias. Sua proposta era conseguir para o conhecimento do homem o mesmo grau de
certeza das ciências físico-matemáticas" por julgar "que o pensamento correto é a condição da ação
política adequada ou justa". Entretanto, a ação política dos ideologistas (assim chamados por estarem, de
acordo com a proposta de Destutt de Tracy) encontrou oposição em Napoleão. empenhado em defender a
religião e a propriedade, criticadas pelos ideo-logístas. Estes, entáo, seriam denunciados como inimigos' do
Estado e da sociedade, carentes de senso político, isto é, "doutrinários".
A partir deste ponto ideologia vai se transformando em conceitos distintos do original. Para nós será
necessário fixarmos nosso escudo no conceito marxista de ideologia, por acreditar que ele é o mais
apropriado à nossa realidade, onde grande parte dos nossos pensadores (como na Alemanha à época da
Ideologia Alemã) desconhece a realidade histórica brasileira.
Gostaríamos de tentar aprofundar este conceito e verificar a importância do seu estudo a partir de um
exemplo que vem dos chamados índios .

Os Mbayá, grupo de guerreiros nómades, habitavam a região entre os nos Apa e Miranda, no atual Estado
do Mato Grosso do Sul, ao tempo do relato (fins do séc. 19) passamos a transcrever.

44
"Os Mbayá eram o terror das populações vizinhas, em prejuízo das quais empreendiam contínuas
expedições de guerra, devastando os campos cultivados, roubando o gado, matando de surpresa os homens
adultos e capturando mulheres e crianças. A posse dos cavalos e a habilidade no cavalgar, bem como a sua
audácia, lhes asseguravam notáveis vantagens sobre os outros índios, em relação aos quais haviam de tal
modo adquirido uma certa supremacia. Os índios mais prejudicados com as correrias desses nômades eram
os Guaná, uma população muito numerosa, sedentária e dedicada especialmente à agricultara. Não só as
suas plantações eram saqueadas, mas os trabalhadores eram capturados quando iam para os campos ou
voltavam para as aldeias e quando se encontravam em número menor que o dos assaltantes ou em condições
desfavoráveis eram mortos ou feitos prisioneiros. Para subtrair-se a estes males os Guaná pediram paz,
submetendo-se aos Mbayá, dos quais eram considerados escravos. Pagavam-lhes um tributo em panos e
em parte dos produtos agrícolas para salvar o restante e evitar as matanças a que anualmente eram
sujeitos." "Os senhores estimavam os escravos e os tratavam com doçura.
"Os escravos nunca se vendiam, embora fossem prisioneiros de guerra. Eram considerados membros da
casa do senhor, comiam junto com a família dele e tomavam parte com ela nas festas e jogos. Tamanho
eram o- apego e a confiança que os Mbayá sabiam obter dos seus súditos que não havia prisioneiro que os
quisesse abandonar. Àtê mesmo as mulheres espanholas capturadas, ainda que fossem adultas e mães,
preferiam ordinariamente permanecer com. os conquistadores".

Um outro aspecto que podemos observar no relato de Boggianí é que os Guaná, embora escravos, não
abandonavam os dominadores. Em outras palavras, os Mbayá manipulavam a "opinião" dos dominados sobre
a sua condição de escravo: era bom ser escravo. Conseguiram assim a manutenção da escravatura, chegando
a ponto de, num agrupamento, a maioria ser de escravos.

"... as hordas dos Mbayá não constituíam agregados sociais etnicamente homogéneos, mas faziam parte
delas muitos elementos tirados das populações vizinhas, os quais ou eram corn-pletamente assimilados, ou
iam sendo assimilados pelo orgulho de pertencer a tribos respeitadas e temidas, que possuíam cavalos,
muitos instrumentos de ferro, contas, ornatos de prata, etc., e para gozar as vantagens da superioridade
deles sobre os outros. Estes estrangeiros se fundiam de tal. forma com os Mbayá que chegavam a se tornar
os inimigos mais implacáveis das populações de que tiravam origem. Almeida Serra refere que em 1802
viviam nas dependências de Coimbra e nas montanhas de Albuquerque 2.600 índios, dos quais 600 eram
Guaná, que habitavam em estabelecimentos próprios, ao passo que outros 2.000 eram Mbayá, mas destes
500 podiam ser encarados corno Guaná ou filhos de Guaná, tidos originariamente como escravos ou
estabelecidos Voluntariamente entre os 'Mbayá, com os quais se haviam, desposado. Outros 500 eram
Chamacoco. Dos restantes, 200 apenas teriam podido ser considerados verdadeiros Mbayá; os outros 800
eram. uma mescla de Bororó, de C^hiquito, de Caiuá, de Caiapó, de negros e de descendentes das uniões se-
xuais entre esses elementos diversos, pois que tanto os Mbayá qimnío os índios que viviam entre eles
contraíam rnatrímônios recíprocos".

Como podemos observar, os Mbayá-Guaicuru erarn dominadores e usufruíam, do produto do trabalho


daqueles que dominavam (por exemplo, os Guaná). Tomavam, também, suas mulheres e crianças
principalmente porque, por serem nómades, tinham regras de comportamento coibindo a gravidez antes dos
25/30 anos; e favorecendo o aborto. Desta maneira incorporavam às suas hordas inúmeros índios de
diferentes tribos.
Para que se compreenda o que nos propomos neste item (o fenômeno ideologia) será interessante
destrinchar este relato sobre os Mbayá-Guaicuru.
Se tivéssemos vivido àquela época e perguntássemos aos índios sobre os seus costumes (o nomadismo, a
gravidez tardia, o aborto, a captura de escravos etc.) com toda certeza eles dariam uma resposta bem diferente
da interpretação que se segue.
Procuramos buscar respostas a estas questões no livro de Boggiani (a justificativa dos costumes) e
alinhavamos alguns comentários. Quando falam sobre as suas origens os Mbayá contam um mito onde vemos
uma resposta* para aquelas questões, isto é, para o fato de serem guerreiros, e não agricultores, de serem
nómades, de tomarem mulheres e crianças de outras tribos, de cobrarem tributos de outros índios etc. O mito
é o seguinte:

45
"Deus criou no princípio todas as nações, numerosas como são no dia de hoje, e não contente com a
criação de um só homem e uma só mulher, espalhou essa sua obra por toda a face da terra. Veio-lhe à
mente depois criar um Mbayá e a mulher deste; e já tendo concedido toda a terra às outras gentes, de
maneira a que nada lhe restava a dispor para as suas novas criaturas, encomendou ao pássaro chamado
caracará que fosse dizer em sen nome aos Mbayá que ele estava bem desgostoso de não poder lhes designar
um terreno e por esse motivo não havia criado mais de dois Mbayá, mas em compensação determinava à
geração dos mesmos andar sempre errante sobre território alheio, fazer sem cessar a guerra a todas as
nações, matar todos os machos adultos e conservar as mulheres e as crianças para aumentar o número da
própria gente".

Os Mbayá tinham na sua origem um referencial para sua ação. A "tradição", para eles, tinha criado aquele
modo de vida, ou, em outras palavras, eles podiam ser coerentes entre o que faziam e o que as suas origens
haviam lhes reservado, isto é, podiam legitimar a "desigualdade originária" e a dominação. Aqui podemos
iniciar a sistematização do conceito de ideologia. Na sociedade dos Mbayá havia uma nítida divisão1 social,
(dominados e dominadores), havia exploração (dos Mbayá sobre seus escravos), havia dominação e
repressão (dos Mbayá sobre os Guaná). Ora, uns e outros viam estes fatos de formas distintas. Os Mbayá
"justificavam" os fatos e os Guaná "aceitavam" aqueles mesmos fatos.
É em contexto semelhante que se pode compreender a ideologia. Embora Marx tenha falado em ideologia
referindo-se à burguesia europeia (onde as classes sociais eram bem delineadas) podemos. utilizando o relato
acima, iniciar a expiicitação do conceito.
A ideologia é, antes de mais nada, um instrumento de dominação que é utilizado para eme seja mantida a
dominação.) Portanto, só é possível existir dominação onde existam classes sociais antagónicas, onde classes
possuam, ou não possuam, os meios técnicos e coletivos de produção. A classe dominante utiliza os meios
possíveis e disponíveis (morais, jurídicos, pedagógicos, religiosos etc.) para que esta dominação aconteça e
permaneça. Entretanto, essa dominação se faz de forma "não-violenta", isto é, toda a violência da opressão de
uma classe sobre a outra não poderia aparecer, pois geraria revolta. Por esse motivo a ideologia carrega um
caráter dissimulador que impede que a classe oprimida identifique o aspecto violento da dominação. E para
que não seja percebido esse mascaramento das propostas dos dominadores, as ideias dominantes devem ser
assumidas pelos dominados como suas ou de sua classe. No exemplo dos índios, a ideia de escravidão
(dominante) era assumida como boa pelos dominados, que aceitavam essas ideias como universais. Estes
(universais) não são colocados em questão, não são criticados. A ideia de igualdade dos homens perante a
justiça é um universal ideológico, que permite à classe dominante manter a opressão sobre outra classe que
acredita na justiça que foi criada e serve os dominadores. Quando exercitamos a nossa reflexão crítica e nos
perguntamos sobre a origem e o valor desses universais estamos iniciando uma crítica à ideologia. É nessa
crítica à ideologia que vão aparecer os elos que, se aparentes, destoem a ideologia através da exibição de sua
gênese (a divisão social das classes). A ideologia necessita de "lacunas" para sobreviver. Essas lacunas são
espaços não-preenchidos entre a prática ideológica e a referência cultural (ideias) que a justifica. A partir do
momento que esses espaços são preenchidos a coerência entre a "ideia" e a prática desaparece. Quando se
pergunta pela lacuna entre a prática da justificativa (justiça da classe dominante) e os pressupostos dessa
prática está se iniciando o desmascaramento da ideologia do direito.
Possivelmente, se fizermos uma nova leitura do relato sobre os Mbayá veremos que se torna mais clara a
noção de ideologia. Em seguida passaremos a analisar um exemplo de ideologia se relaciona à nossa prática e
nos é mais próximo: a educação, mais explicitamente o vestibular.
A primeira pergunta que se deve fazer é se sempre existiram exames vestibulares. Evidente que não, uma
vez que nem sempre existiram os cursos superiores. Entretanto, os cursos superiores Existiram durante ura
certo tempo sem o chamado exame vestibular, isto é, uma prova que estabeleça "quem deve" cursar uma
carreira de 3º grau do Vestibular significa “átrio, portal, entrada” e é urna palavra de origem latina que
substantivada significa "espaço entre a porta e a principal escadaria interior". Se pensarmos numa casa com
várias escadarias interiores (uma casa nobre, por certo) teremos uma noção de como a palavra foi bem
empregada para explicar o acesso de alguns ao primeiro ciclo de estudos da graduação (é interessante ver a
origem e. os significados da palavra graduação). Aliás, como diz Alceu Amoroso Lima, "a história das
palavras é um dos índices mais seguros da história das ideias". O vestibular, portanto, é o exame ou prova a

46
partir do qual tomam posição no vestíbulo "aqueles que devem" alcançar uma profissionalização superior.
Ironicamente, átrio (ou adro) significa, também, cemitério (para muitos outros).
O vestibular foi criado pela Lei Orgânica, de Rivadávia Corrêa (1911), e sua preocura manter a "qualidade
do ensino" afetada pela entrada nas escolas superiores de vários alunos "que não tinham a formação prévia,
considerada adequada para um bom curso superior: a qualidade do ensino estava ameaçada pela queda de
qualidade dos estudantes". O ingresso nos cursos superiores íora facilitado com a república (bastava ser
"bacharel em letras") e '"quando os positivistas (e as corporações profissionais defensoras do controle
monopolista do mercado de trabalho) constataram a proliferação de escolas e de diplomados, apontando para
a perda de suas funções de conformação ideológica dos membros das futuras elites e de produção de um
diploma raro, capaz de reivindicar alto prestígio e altos honorários, imaginaram conter aquele processo pelos
exames vestibulares". Desta forma observamos que a prática (o vestibular) e a justificativa explícita da
prática (a perda da qualidade do ensino) estão separadas pela "lacuna" da justificativa implícita (restrição do
mercado de trabalho e permanência do "prestígio" nas profissões de nível superior). No artigo citado, Luiz
António Cunha mostra que na história dos exames vestibulares a abertura (o aumento do número de
matrículas e/ou as facilidades de ingresso em cursos superiores) e o fechamento (a diminuição do número de
matrículas e/ou as dificuldades de ingresso em cursos superiores) funcionam como movimento pendular de
acordo com as exigências ideológicas do momento e "têm seu motor nas contradições entre a função do
sistema de ensino (do superior, em particular) de discriminação social e a sua imagem (ideológica) de
mecanismo de ascensão social, de distribuição de renda". Em outras palavras, a instituição dos exames
vestibulares é uma prática ideológica que "justifica" a divisão social em classes com uma lógica coerente
(sem lacunas) no sentido de um exercício de dominação de classe e com a finalidade de produzir uma
"universalidade imaginária" através de um discurso dissimulador. Isso é a ideologia. Atualmente a posição
ocupada pelo ensino superior, de discriminação de ciasses, vem. sendo ocupada com mais eficiência pelo
ensino de "4º grau", os chamados cursos de pós-graduação.

Bibliografia
OLIVEIRA, emardo Serafim de. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Loyola, 2000.

Fixação de aprendizagem Reflexão Filosófica: criticidade, radicalidade e totalidade.


(Autor: Emardo Serafim de Oliveira)
1. Faça uma pesquisa em outras fontes das palavras básicas do texto: criticidade, radicalidade e totalidade;
2. Remova do texto as frases que mais lhe chamaram atenção e explique o que entendeu sobre ele;
3. Busque na Bíblia um exemplo que tenha relação com o assunto do texto;

O maior engano da história

Você já percebeu que nem sempre as coisas são o que aparentam ser? Durante séculos, os cientistas
acreditaram que a Terra era o centro fixo do Universo e que tudo, inclusive o Sol e as estrelas, orbitava ao
redor dela. Foi um livre-pensador polonês, Copérnico, quem determinou que a Terra estava em movimento e
girava em torno do Sol. Ele comparou esse fenômeno à maneira como os marinheiros, quando estão dentro
de um navio com o mar calmo, experimentam a ilusão de estarem perfeitamente parados enquanto tudo ao
redor se move. "Da mesma maneira", escreveu Copérnico, "o movimento da Terra pode produzir a impressão
inquestionável de que o Universo inteiro está em rotação." Simplesmente porque o Sol e as estrelas
aparentavam estar girando em torno da Terra não significava que isso era verdade. Apenas porque você
acredita em algo, não quer dizer que é verdade. Somente porque outros acreditam também não. Pense na
história das aranhas. Aristóteles classificou as aranhas como insetos. Os insetos, como se sabe, possuem seis
patas. Durante séculos ninguém questionou o grande Aristóteles. As pessoas presumiam que as aranhas eram
insetos e, portanto, tinham seis patas. Foi Jean-Baptiste Lamarck quem apresentou a classificação da aranha
como um aracnídeo, possuidor de oito patas. Somente porque as pessoas acreditam em algo por séculos, não
significa que seja verdade.

47
MARK, Finley. Tempo de esperança: 24 horas para voce renovar suas energias. São Paulo: Casa Publicadora
Brasileira, 2009.

A QUESTÃO DA VERDADE

A história do pensamento humano é uma constante busca da verdade. Cada pensador quer saber como é a
realidade. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espirito. O critério de verdade não é
suficiente que nossos juízos sejam verdadeiros, precisamos da certeza de que o são. Nesse aspecto, como
distinguimos um juízo verdadeiro de um falso? Assim, entra a questão do critério de verdade.
1. O critério da autoridade: Na Antigüidade e nas sociedades primitivas, a opinião da autoridade mantinha um
papel importante e decisivo na opinião das pessoas. Dessa forma, os adeptos de qualquer religião ou doutrina
filosófica dogmatizada, consideram a opinião dos fundadores e dos mestres como critério supremo da
verdade.
2. O critério da evidência: Aristóteles afirmava que o único e último critério da verdade é a evidência. A
palavra evidência deriva de ver, ato de visão direta e imediata, obtida pela intuição da evidência.
3. O critério da ausência da contradição: para o positivismo lógico, a verdade significa a concordância ou a
coerência do pensamento consigo mesmo. Essa concordância pode ser conhecida na ausência da contradição
entre os juízos ou enunciados. Por exemplo: “Todos os homens são mortais” (premissa maior).“Ora, Sócrates
é homem” (premissa maior). “Logo, Sócrates é mortal” (conclusão).
4. Critério da utilidade: a verdade é identificada com o êxito, com o útil, com o vantajoso, com o lucro etc.
As coisas não são verdadeiras em si, mas chegam a ser verdadeiras de acordo com sua utilidade. A idéia
verdadeira é aquela que é a mais eficaz, que rende mais, que paga mais e assim por diante.
5. O critério da prova: onde encontrar um critério eficiente da verdade? O mais eficiente e cientificamente
válido é o critério da prova. Todo indivíduo tem o direito de duvidar da verdade até o momento em que ela
for provada, verificada, demonstrada, explicada, fundamentada. A prova é um raciocínio ou uma
apresentação de fatos pela qual se constata ou se estabelece a verdade de uma proposição.

Ignorância, incerteza e insegurança.

Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância pode ser tão profunda que sequer a percebemos ou a
sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos, não sabemos que ignoramos. A incerteza é diferente da
ignorância porque, na incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem
não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, nos serviu
como referência para pensar e agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o que dizer ou o que fazer em
certas situações ou diante de certas coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios de
perplexidade e somos tomados pela insegurança. Outras vezes, estamos confiantes e seguros e, de repente,
vemos ou ouvimos alguma coisa que nos enche de espanto e de admiração, não sabemos o que pensar ou o
que fazer com a novidade do que vimos ou ouvimos porque as crenças, opiniões e idéias que possuímos não
dão conta do novo. O espanto e a admiração, assim como antes a dúvida e a perplexidade, nos fazem querer
saber o que não sabemos, nos fazem querer sair do estado de insegurança ou de encantamento, nos fazem
perceber nossa ignorância e criam o desejo de superar a incerteza. Quando isso acontece, estamos na
disposição de espírito chamada busca da verdade.

Verdade

Tipos de verdade: O que nasce da decepção, da incerteza e da insegurança e, por si mesmo, exige que
saiamos de tal situação readquirindo certezas. O segundo é o que nasce da deliberação ou decisão de não
aceitar as certezas e crenças estabelecidas, de ir além delas e de encontrar explicações, interpretações e
significados para a realidade que nos cerca. Esse segundo tipo é a busca da verdade na atitude filosófica.

As exigências fundamentais da verdade

48
1. Compreender as causas da diferença entre o parecer e o ser das coisas ou dos erros; 2. compreender as
causas da existência e das formas de existência dos seres; 3. compreender os princípios necessários e
universais do conhecimento racional; 4. compreender as causas e os princípios da transformação dos próprios
conhecimentos; 5. separar preconceitos e hábitos do senso comum e a atitude crítica do conhecimento; 6.
explicitar com todos os detalhes os procedimentos empregados para o conhecimento e os critérios de sua
realização; 7. liberdade de pensamento para investigar o sentido ou a significação da realidade que nos
circunda e da qual fazemos parte; 8. comunicabilidade, isto é, os critérios, os princípios, os procedimentos, os
percursos realizados, os resultados obtidos devem poder ser conhecidos e compreendidos por todos os seres
racionais. Como escreve o filósofo Espinosa, o Bem Verdadeiro é aquele capaz de comunicar-se a todos e ser
compartilhado por todos; 9. transmissibilidade, isto é, os critérios, princípios, procedimentos, percursos e
resultados do conhecimento devem poder ser ensinados e discutidos em público. Como diz Kant, temos o
direito ao uso público da razão; 10. Veracidade, isto é, o conhecimento não pode ser ideologia, ou, em outras
palavras, não pode ser máscara e véu para dissimular e ocultar a realidade servindo aos interesses da
exploração e da dominação entre os homens. Assim como a verdade exige a liberdade de pensamento para o
conhecimento, também exige que seus frutos propiciem a liberdade de todos e a emancipação de todos; 11. a
verdade deve ser objetiva, isto é, deve ser compreendida e aceita universal e necessariamente, sem que isso
signifique que ela seja “neutra” ou “imparcial”, pois o sujeito do conhecimento está vitalmente envolvido na
atividade do conhecimento e o conhecimento adquirido pode resultar em mudanças que afetem a realidade
natural, social e cultural. Como disseram os filósofos Sartre e Merleau-Ponty, somos “seres em situação” e a
verdade está sempre situada nas condições objetivas em que foi alcançada e está sempre voltada para
compreender e interpretar a situação na qual nasceu e à qual volta para trazer transformações. Não
escolhemos o país, a data, a família e a classe social em que nascemos – isso é nossa situação -, mas podemos
escolher o que fazer com isso, conhecendo nossa situação e indagando se merece ou não ser mantida. A
verdade é, ao mesmo tempo, frágil e poderosa. Frágil porque os poderes estabelecidos podem destruí-la,
assim como mudanças teóricas podem substituí-la por outra. Poderosa, porque a exigência do verdadeiro é o
que dá sentido à existência humana.

Professora Cleonaide Pinto / disciplina: Introdução à Filosofia

Bibliografia:
Livro: “O Problema da Verdade” de Jacob Bazarian 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega, (1994).
Marilena Chauí. Convite à filosofia.

A busca da verdade
OBJETIVOS
 Problematizar o conceito de verdade.
 Reconhecer que a busca da verdade é o fundamento da indagação filosófica.
 Compreender que a distinção entre a verdade e a falsidade é fundamental para podermos compreender
a realidade em que vivemos.
 Compreender a relação entre verdade e sentido.

A Filosofia não é um conjunto de idéias e de sistemas que possamos apreender automaticamente, não é um
passeio turístico pelas paisagens intelectuais, mas uma decisão ou deliberação orientada por um valor: a
verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofia e suscita filosofias. Afirmar que a verdade é um
valor significa: o verdadeiro confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que não teriam se
fossem considerados indiferentes à verdade e à falsidade.

O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos como desejo de confiar nas coisas e nas pessoas,
isto é, de acreditar que as coisas são exatamente tais como as percebemos e o que as pessoas nos dizem é
digno de confiança e crédito. Ao mesmo tempo, a nossa vida cotidiana é feita de pequenas e grandes

49
decepções e, por isso, desde cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se algo é “verdade ou a fingir”.
Quando uma criança ouve uma história, inventa uma brincadeira ou um brinquedo, quando joga, vê um filme
ou uma peça teatral, está sempre atenta para saber se “é de verdade ou de mentira”, está sempre atenta para a
diferença entre o “de mentira” e a mentira propriamente dita, isto é, para a diferença entre brincar, jogar,
fingir e faltar à confiança.

Por isso mesmo, a criança é muito sensível à mentira dos adultos, pois a mentira é diferente do “a fingir”, isto
é, a mentira é diferente da imaginação e a criança sente-se ferida, magoada, angustiada quando o adulto lhe
diz uma mentira, porque, ao fazê-lo, quebra a relação de confiança e a segurança infantis. A criança não se
decepciona nem se desilude com o “faz-de-conta” porque sabe que é um “faz-de-conta”. Ela decepciona-se
ou desilude-se quando descobre que querem que ela acredite como sendo “verdade” alguma coisa que ela
sabe ou que ela supunha que fosse “de faz-de-conta”, isto é, decepciona-se e desilude-se quando descobre a
mentira.

Os jovens decepcionam-se e desiludem-se quando descobrem que o que lhes foi ensinado e lhes foi exigido
oculta a realidade, reprime a sua liberdade, diminui a sua capacidade de compreensão e de ação. Os adultos
desiludem-se ou decepcionam-se quando enfrentam situações para as quais o saber adquirido, as opiniões
estabelecidas e as crenças enraizadas nas suas consciências não são suficientes para que compreendam o que
se passa nem para que possam agir ou fazer alguma coisa. Assim, seja na criança, seja nos jovens ou nos
adultos, a busca da verdade está sempre ligada a uma decepção, a uma desilusão, a uma dúvida, a uma
perplexidade, a uma insegurança ou, então, a um espanto e uma admiração diante de algo novo e insólito.

Na nossa sociedade, é muito difícil despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade. Pode parecer
paradoxal que assim seja, pois parecemos viver numa sociedade que acredita nas ciências, que luta por
escolas, que recebe durante 24 horas diárias informações vindas de jornais, rádios e televisões, que possui
editoras, livrarias, bibliotecas, museus, salas de cinema e de teatro, vídeos, fotografias e computadores. Ora, é
justamente essa enorme quantidade de veículos e formas de informação que acaba por tornar tão difícil a
busca da verdade, pois toda a gente acredita que está a receber, de modos variados e diferentes, informações
científicas, filosóficas, políticas, artísticas e que tais informações são verdadeiras, sobretudo porque tal
quantidade informativa ultrapassa a experiência vivida pelas pessoas, que, por isso, não têm meios para
avaliar o que recebem.
Bastaria, no entanto, que uma mesma pessoa, durante uma semana, lesse de manhã quatro jornais diferentes e
ouvisse três noticiários de rádio diferentes; à tarde, freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos
cursos estariam a ser ministrados; e, à noite, visse os noticiários de quatro canais diferentes de televisão, para
que, comparando todas as informações recebidas, descobrisse que elas “não batem” umas com as outras, que
há vários “mundos” e várias “sociedades” diferentes, dependendo da fonte de informação.

Uma experiência como essa criaria perplexidade, dúvida e incerteza. Mas as pessoas não fazem ou não
podem fazer tal experiência e por isso não percebem que, em lugar de receber informações, estão a ser
desinformadas. E, sobretudo, como há outras pessoas (o jornalista, o professor, o médico, o polícia, o
repórter) a dizer-lhes o que devem saber, o que podem saber, o que podem e devem fazer ou sentir, confiando
na palavra desses “emissores de mensagens”, as pessoas sentem-se seguras e confiantes, e não há incerteza
porque há ignorância. Uma outra dificuldade para fazer surgir o desejo da busca da verdade, na nossa
sociedade, vem da publicidade. A publicidade trata todas as pessoas – crianças, jovens, adultos, idosos –
como crianças extremamente ingênuas e crédulas. O mundo é sempre um mundo “de faz-de-conta”: nele a
margarina fresca torna a família bonita, alegre, unida e feliz; o automóvel torna o homem confiante,
inteligente, belo, sedutor, bem-sucedido nos negócios, cheio de namoradas lindas; o desodorizante torna a
mulher bonita, atraente, bem empregada, bem vestida, com um belo apartamento e lindos namorados; o
cigarro leva as pessoas para belíssimas paisagens exóticas, cheias de aventura e de negócios coroados de
sucesso que terminam com lindos jantares à luz de velas.

A publicidade nunca vende um produto dizendo o que ele é e para que serve. Ela vende o produto rodeando-o
de magias, belezas, dando-lhe qualidades que são de outras coisas (a criança saudável, o jovem bonito, o

50
adulto inteligente, o idoso feliz, a casa agradável, etc.), produzindo um eterno “faz-de-conta”. Uma outra
dificuldade para o desejo da busca da verdade vem da atitude dos políticos nos quais as pessoas confiam,
ouvindo os seus programas, as suas propostas, os seus projetos enfim, dando-lhes o voto e vendo-se, depois,
ludibriadas, não só porque não são cumpridas as promessas, mas também porque há corrupção, mau uso do
dinheiro público, crescimento das desigualdades e das injustiças, da miséria e da violência. Em vista disso, a
tendência das pessoas é julgar que é impossível a verdade na política, passando a desconfiar do valor e da
necessidade da democracia e aceitando “vender” o seu voto por alguma vantagem imediata e pessoal, ou
caem na descrença e no cepticismo.

No entanto, essas dificuldades podem ter o efeito oposto, isto é, suscitar em muitas pessoas dúvidas,
incertezas, desconfianças e desilusões que as façam desejar conhecer a realidade, a sociedade, a ciência, as
artes, a política. Muitos começam a não aceitar no que lhes é dito. Muitos começam a não acreditar no que
lhes é mostrado. E, como Sócrates em Atenas, começam a fazer perguntas, a indagar sobre fatos e pessoas,
coisas e situações, a exigir explicações, a exigir liberdade de pensamento e de conhecimento. Para essas
pessoas, surge o desejo e a necessidade da busca da verdade. Essa busca nasce não só da dúvida e da
incerteza, nasce também da ação deliberada contra os preconceitos, contra as idéias e as opiniões
estabelecidas, contra crenças que paralisam a capacidade de pensar e de agir livremente.

Podemos, dessa maneira, distinguir dois tipos de busca da verdade. O primeiro é o que nasce da decepção, da
incerteza e da insegurança e, por si mesmo, exige que saiamos de tal situação readquirindo certezas. O
segundo é o que nasce da deliberação ou decisão de não aceitar as certezas e crenças estabelecidas, de ir além
delas e de encontrar explicações, interpretações e significados para a realidade que nos cerca. Esse segundo
tipo é a busca da verdade na atitude filosófica. Podemos oferecer dois exemplos célebres dessa busca
filosófica. Já falamos do primeiro: Sócrates andando pelas ruas e praças de Atenas questionando os
atenienses sobre o que eram as coisas e idéias em que acreditavam. O segundo exemplo é o do filósofo
Descartes. Ele começa sua obra filosófica fazendo um balanço de tudo o que sabia: o que lhe fora ensinado
pelos preceptores e professores, pelos livros, pelas viagens, pelo convívio com outras pessoas. No fim,
conclui que tudo quanto aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela experiência era duvidoso
e incerto. Decide, então, não aceitar nenhum desses conhecimentos, a menos que pudesse provar
racionalmente que eram certos e dignos de confiança. Para isso, submete todos os conhecimentos existentes
na sua época, e os seus próprios, a um exame crítico conhecido como dúvida metódica, declarando que só
aceitará um conhecimento, uma idéia, um fato ou uma opinião se, passados pelo crivo da dúvida, se
revelarem indubitáveis para o pensamento puro. Ele os submete à análise, à dedução, à indução, ao raciocínio
e conclui que, até o momento, há uma única verdade indubitável que poderá ser aceite e que deverá ser o
ponto de partida para a reconstrução do edifício do saber. Essa única verdade é: “Penso, logo existo”, pois, se
eu duvidar de que estou a pensar, ainda estou a pensar, visto que duvidar é uma maneira de pensar. A
consciência do pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável que será o alicerce para
todos os conhecimentos futuros. A Filosofia não é um conjunto de idéias e de sistemas que possamos
apreender automaticamente, não é um passeio turístico pelas paisagens intelectuais, mas uma decisão ou
deliberação orientada por um valor: a verdade. É o desejo do verdadeiro que move a Filosofia e suscita
filosofias.

Marilena Chaui, Convite à Filosofia, Ed. Ática, São Paulo, 2000.

DEPOIS DE LER OS TEXTOS NO MÓDULO, DESENVOLVA A ATIVDIDADE ABAIXO:

Escreva uma redação com o tema: A filosofia e a questão da verdade.

51
MENSAGEM FINAL

Barulho da Carroça

Certa manhã, meu pai, muito sábio, convidou-me a dar um


passeio no bosque e eu aceitei com prazer. Ele se deteve numa
lareira e depois de um pequeno silêncio me perguntou:

- Além do cantar dos pássaros, você está ouvindo mais alguma


coisa?
Apurei os ouvidos alguns segundos e respondi:
- Estou ouvindo um barulho de carroça.
- Isso mesmo, disse meu pai, é uma carroça vazia.
Perguntei ao meu pai:
- Como pode saber que a carroça está vazia, se ainda não a
vimos?
- Ora, respondeu meu pai. É muito fácil saber que uma carroça
está vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia a carroça
maior é o barulho que faz.

Tornei-me adulto, e até hoje, quando vejo uma pessoa falando


demais, gritando (no sentido de intimidar), tratando o próximo
com grossura ,de forma inoportuna, prepotente, interrompendo a
conversa de todo mundo e, querendo demonstrar que é a dona da
razão tenho a impressão de ouvir a voz do meu pai dizendo:
"Quanto mais vazia a carroça, mais barulho ela faz..."

(Autor desconhecido)

52

Você também pode gostar