Você está na página 1de 10

Riqueza, pobreza e política.

A riqueza das nações depende de uma diversidade infinita de causas. 


Alexander Hamilton1
Pode ser compreensível e de aplaudir que as pessoas que vivem hoje
nas nações mais prósperas fiquem muitas vezes chocadas com os
padrões de vida muitíssimo inferiores nos países do terceiro mundo, ou
com a maneira como vivem as pessoas menos afortunadas da sua
própria sociedade. Mas se o que pretendemos é compreender as suas
causas, não podemos proceder como se aquilo a que por acaso estamos
habituados a ver ao nosso redor fosse algo que podemos pressupor que
acontece tão natural ou automaticamente que se pode perguntar por
que razão as outras nações “fracassam” quando não têm os mesmos
altos padrões de vida, como sugere o título de um bem conhecido
estudo contemporâneo.2 O subtítulo de outro inclui “as origens da
desigualdade”,3 como se a igualdade económica fosse tão natural,
automática ou comum que é a sua ausência que precisa de explicação.
Por mais que este tipo de pressupostos implícitos sejam comuns
em muito do que se diz hoje, é questionável se podem sobreviver a um
exame histórico, ainda que modesto. Mesmo num país há muito
considerado um dos mais prósperos da Terra, os Estados Unidos da
América, no início do século XX só 10 % dos lares americanos tinham
quartos de banho com autoclismo e só 3 % tinham luz eléctrica. 4Nada
há de automático na prosperidade. Os padrões de vida que hoje damos
como garantidos só foram atingidos numa fracção muitíssimo
diminuta da história do género humano, e não são de modo algum a
norma hoje entre a maior parte das pessoas do mundo. Padrões de vida
muitíssimo abaixo do que consideraríamos pobreza foram a norma
durante inúmeros milhares de anos. Não é as origens da pobreza que
precisa de explicação, dado que a espécie humana começou na pobreza.
O que exige explicação são as coisas que criaram e alimentaram
padrões de vida mais elevados.
A igualdade dos resultados económicos tem sido ainda mais rara do
que a prosperidade. Como se explica as origens de algo como a
desigualdade, que tem sido omnipresente desde que temos registos
históricos?
Os gregos da antiguidade tinham geometria, filosofia, arquitectura
e literatura quando as ilhas britânicas eram terras de povos tribais
iletrados que viviam de maneira primitiva. Atenas tinha a Acrópole —
cujas ruínas são ainda hoje impressionantes, milhares de anos depois
— quando não havia um só edifício em todas as ilhas britânicas. Os
gregos antigos tinham Platão, Aristóteles, Euclides e outras figuras
marcantes que ajudaram a estabelecer as fundações intelectuais da
civilização ocidental, quando não havia um só britânico cujo nome
tenha entrado nas páginas da história.
Os estudiosos calcularam que na antiguidade havia partes da
Europa em que se vivia a um nível que a Grécia transcendera milhares
de anos antes.5 Houve outras civilizações complexas no mundo antigo
— no Egipto, na Índia e na China, por exemplo — quando os povos de
várias partes da Europa e não só estavam ainda a começar a descobrir
os rudimentos da agricultura.6
Imensas disparidades de riqueza, e de capacidade para criá-la,
foram comuns durante milénios. Mas apesar de as desigualdades
económicas terem persistido em toda a história registada do género
humano, o padrão particular dessas desigualdades mudou
drasticamente nos últimos séculos.
Os gregos eram muito mais avançados do que os britânicos nos
tempos antigos, mas os britânicos eram muito mais avançados do que
os gregos no século XIX, quando os britânicos conduziram o mundo à
era da industrialização. Só o Reino Unido produziu mais de 40 % das
invenções, descobertas e inovações mais importantes do mundo, de
meados do século XVIII ao primeiro quartel do XIX. 7 A sua
preeminência tecnológica andou a par da sua preeminência como
nação conquistadora. Um estudioso italiano do século XX perguntou
“Como foi exactamente que uma ilha periférica passou da miséria
primitiva à dominação mundial?”8 No seu auge, o império britânico
incluía um quarto dos territórios terrestres do mundo, e um quarto
também de todas as populações do mundo.
Mudanças históricas como estas nos papéis de povos e nações
particulares ocorreram noutros lados e noutras épocas. Os chineses
foram durante séculos mais avançados do que quaisquer europeus,
incluindo entre as suas descobertas e invenções o compasso, a
impressão, o papel, o leme e os pratos de porcelana que no ocidente
foram denominados chinaware ou china. O ferro fundido foi
produzido na China mil anos antes da Europa. 9 Um almirante chinês
fez uma viagem de descoberta mais longa do que a de Colombo, muitas
gerações antes, e em navios maiores e mais avançados. 10 Mas as
posições relativas da China e da Europa também se reverteram ao
longo dos séculos. Vários outros povos, em várias outras partes do
mundo, tiveram as suas próprias eras de liderança em campos
particulares ou em avanços em várias especialidades.
A agricultura, o avanço que mais afectou a vida na evolução das
sociedades humanas, chegou à Europa a partir do médio oriente nos
tempos antigos. A agricultura tornou as cidades possíveis, pois os
caçadores-recolectores precisavam de tanto território para se
sustentarem que não podiam estabelecer-se permanentemente nessas
comunidades compactas e densamente povoadas. Além disso, durante
séculos as cidades espalhadas pelo mundo produziram uma parte
completamente desproporcional de todos os avanços nas artes, ciências
e tecnologia, em comparação com os feitos de um número semelhante
de pessoas espalhadas nas províncias.11
Porque os gregos estavam mais perto do médio oriente do que os
povos da Europa do norte ou da ocidental, a agricultura chegou-lhes
mais cedo e puderam urbanizar-se primeiro — séculos antes — e
avançar em vários aspectos muito além das populações de outros
lugares que não haviam ainda recebido os muitos benefícios que a vida
urbana torna possíveis. O acidente da localização geográfica não podia
criar génios, mas tornou possível um contexto em que muitas pessoas
podiam desenvolver o seu próprio potencial mental muito além do que
era possível entre os bandos de caçadores-recolectores que percorriam
vastos territórios, preocupados com a necessidade urgente de procurar
comida. A geografia não predetermina o que as pessoas irão escolher
fazer, mas pode limitar ou alargar o número e o tipo de opções
disponíveis.
A geografia é apenas uma das influências por detrás das vastas
diferenças económicas entre as populações e os lugares. Além disso,
estas diferenças não dizem apenas respeito a padrões de vida, apesar
de estes serem importantes. Contextos geográficos diferentes também
alargam ou restringem o desenvolvimento do potencial mental próprio
das populações para dar origem ao que os economistas chamam o
seu capital humano, dando a diferentes populações um acesso a um
universo cultural mais alargado ou mais restrito. Estes contextos
geográficos não diferem apenas horizontalmente — como entre a
Europa, Ásia e África, por exemplo — mas também verticalmente,
como entre as populações que vivem nas planícies e as que vivem nas
montanhas. Como se lê num estudo geográfico:
As regiões montanhosas desencorajam o florescimento da genialidade porque são áreas
de isolamento, confinamento, afastadas das grandes correntes de homens e ideias que
percorrem os vales dos rios.12
Muitas regiões montanhosas do mundo — seja as montanhas
Apalaches nos EUA, as Rife de Marrocos, os montes Pindo da Grécia,
os Himalaias na Ásia ou outras montanhas alhures — exibem padrões
muito semelhantes de pobreza e atraso. Como escreveu o distinto
historiador francês Fernand Braudel, “A vida nas montanhas ficou
sistematicamente para trás relativamente à das planícies”. 13 Isto foi
ainda mais marcado nos milénios anteriores às revoluções nos
transportes e comunicações dos últimos dois séculos, que tardiamente
levaram algum do progresso do mundo exterior aos povoados
montanhosos isolados. O que estas revoluções não podiam levar às
montanhas, contudo, foram os séculos anteriores de desenvolvimento
cultural que as outras pessoas tiveram em ambientes mais favoráveis.
As pessoas que viviam nas montanhas podiam tentar apressar o passo,
mas é claro que o resto do mundo não ficou entretanto parado à espera.
As montanhas são apenas uma característica geográfica, e a
geografia é apenas uma influência sobre o desenvolvimento humano.
Mas quer se considere a geografia quer a cultura, o isolamento é um
facto recorrente na pobreza e no atraso por todo o mundo, seja físico
ou cultural, por várias razões particulares que serão exploradas nos
próximos capítulos.
Sejam quais forem as razões das disparidades económicas entre
povos e nações, estas têm sido tão comuns nos tempos modernos como
nos antigos. No século XXI, a Suíça, Dinamarca e Alemanha têm tido
cada uma mais de três vezes o produto interno bruto (PIB) per
capita da Albânia, Sérvia ou Ucrânia, e a Noruega tem tido mais de
cinco vezes o PIB per capita destes países da Europa de leste. 14Este tipo
de disparidades económicas não é exclusivo da Europa. Também na
Ásia o Japão tem mais de três vezes o PIB per capita da China e mais
de nove vezes o da Índia. 15 A África subsariana tem menos de um
décimo do PIB per capita dos países da zona Euro.16
No seio das nações, tal como entre elas, abundam as disparidades
de rendimento, seja entre classes, raças ou outras subdivisões da
espécie humana. As reacções a estas disparidades económicas vão
deste a resignação à revolução. Porque muitas pessoas consideram
estranhas estas disparidades no seu próprio país, ou até sinistras, é
necessário fazer notar que essas disparidades internas não são
exclusivas de um dado momento ou lugar. Logo, as explicações das
diferenças económicas não pode reduzir-se a factores específicos de um
dado momento ou lugar, como a era do capitalismo moderno ou a
revolução industrial,17 e ainda menos a factores que sejam
politicamente convenientes ou emocionalmente reconfortantes.
Não se pode automaticamente pressupor que factores que
levantam questões morais momentosas, como a conquista e a
escravatura, são igualmente momentosos como explicações causais das
disparidades económicas actuais. Podem sê-lo ou não, em casos
particulares. Os povos ou nações podem ser ricos ou pobres porque
1) produziram mais ou menos do que outros, ou 2) apropriaram-se do
que os outros produziram ou viram os outros apropriar-se do que
tinham. O que se pode preferir acreditar num dado lugar ou momento
não tem coisa alguma a ver com o que são os factos brutos.
Não há dúvida que as conquistas dos espanhóis no hemisfério
ocidental, por exemplo, não só brutalizaram e conquistaram povos e
destruíram civilizações viáveis, como também deslocaram vastas
quantidades de riqueza em ouro e prata desse hemisfério para Espanha
— 200 toneladas de ouro e mais de 18 mil toneladas de prata 18 — em
resultado do roubo de tesouros dos povos indígenas e dos trabalhos
forçados dessa mesma população nas minas de ouro e prata. Além
disso, a Espanha não foi a única a fazê-lo. Mas a questão aqui, contudo,
é a seguinte: em que medida as transferências de riqueza podem
explicar as diferenças económicas entre os povos e nações do mundo de
hoje?
A Espanha hoje é um dos países mais pobres da Europa,
ultrapassada economicamente por países como a Suíça e a Noruega,
que nunca tiveram impérios desses. A imensa quantidade de riqueza
que entrou em Espanha na sua “idade de ouro” poderia ter sido
investida na sua economia ou no seu povo. Mas não foi. Gastaram-na.
Os próprios espanhóis diziam que o ouro caía em Espanha como a
chuva num telhado, para logo desaparecer. 19 Nem foi incomum na
história que uma enorme quantidade de sofrimento humano — de
povos conquistados ou escravizados — tivesse produzido pouco mais
do que um enriquecimento transitório de uma elite governativa.
As depredações morais monumentais de Espanha no hemisfério
ocidental tiveram pouquíssimo efeito causal na prosperidade de longo
prazo da economia espanhola. Chegados a 1900, mais de metade da
população espanhola era ainda iletrada, 20 ao passo que os negros norte-
americanos eram na sua maior parte letrados, apesar de terem sido
libertos há menos de cinquenta anos. 21 Um século depois, em 2000, o
rendimento per capita real na Espanha era ligeiramente inferior ao dos
negros norte-americanos.22 Os descendentes de outros grandes
conquistadores, como os fundadores do império otomano ou as hordas
de Genghis Khan, não conseguiram também surgir entre as nações
mais prósperas do mundo de hoje.
Conversamente, alguns grupos expulsos das terras onde nasceram
e obrigados a deixar a maior parte dos recursos materiais que haviam
acumulado ao longo da vida, ou de gerações — certamente uma enorme
injustiça — tornaram-se apesar disso de novo prósperos depois de
chegarem sem coisa alguma às suas novas terras. Estes grupos incluem
desde os judeus expulsos de Espanha em 1492 aos gujaratis expulsos
do Uganda nos anos 70 do século XX, ao passo que os cubanos que
voluntariamente fugiram da sua terra natal depois de os comunistas
tomarem o poder em 1958, e os vietnamitas que fugiram também pela
mesma razão nos anos 70 do mesmo século, tiveram um percurso
semelhante da pobreza para a prosperidade nos seus novos países. As
questões moralmente importantes não são necessariamente factores
causais decisivos.
As questões morais e as causais são ambas importantes. Mas
confundir umas com as outras, ou imaginar que podem ser
simplesmente combinadas num pacote política ou ideologicamente
atraente, não é uma abordagem muito promissora para uma explicação
das diferenças económicas.
As disparidades económicas entre as nações são apenas parte da
história das desigualdades económicas. Grandes disparidades
económicas no seio das nações precisam também de ser enfrentadas.
Quando se considera as diferenças económicas entre as populações de
um dado país, há uma tendência para vê-las como questões acerca do
que se denomina “distribuição do rendimento”. 23 Mas o rendimento
real — isto é, o rendimento em dinheiro ajustado à inflação — consiste
nos bens e serviços produzidos na nação. Olhar para este resultado
apenas do ponto de vista de quem recebe dinheiro por ter produzido
esses bens e serviços arrisca-se a provocar confusões desnecessárias,
dando origem a problemas sociais sérios.
O padrão de vida de uma nação depende mais do resultado per
capita do que do dinheiro recebido como rendimento por produzir esse
resultado. De outro modo, o governo poderia tornar-nos ricos a todos
limitando-se a imprimir mais dinheiro. Mas ao centrarem-se no que
chamam “distribuição de rendimento”, muitas pessoas procedem como
se o governo pudesse rearranjar esses fluxos de dinheiro de maneira a
tornar os rendimentos mais “justos” — seja como for que isso se defina
— sem atender às repercussões que tal política poderia ter nos
processos fundamentais de produção de bens e serviços, dos quais
depende o padrão de vida de um país. Mas na perspectiva apresentada
nos meios de comunicação, e muitas vezes até na academia, é como se
o resultado ou riqueza se limitasse de algum modo a existir, restando a
questão realmente importante de saber como distribuí-la.
Por vezes esta preocupação com os rendimentos que as pessoas
recebem, negligenciando a produção do resultado por detrás disso,
pode levar a tentativas de explicar os rendimentos muitíssimo elevados
que elas recebem recorrendo à “ganância” — como se um desejo
insaciável por quantidades monstruosas de dinheiro fizesse de algum
modo os outros pagar essas quantidades monstruosas para comprar os
bens ou serviços do ganancioso.
Entre as muitas causas possíveis das diferenças de rendimento e
riqueza, seja entre populações, seja entre regiões ou nações, uma das
mais óbvias é frequentemente ignorada. Como o economista Henry
Hazlitt escreveu:
O verdadeiro problema da pobreza não é um problema de “distribuição” mas antes de
produção. Os pobres são-no não porque algo lhes é sonegado mas antes porque, por
alguma razão, não produzem o suficiente.24
O que parecia óbvio a Henry Hazlitt não era tão óbvio para muitos
outros que alimentaram perspectivas alternativas com planos
alternativos nelas baseados. A diferença entre ver as disparidades
económicas como algo que resulta de diferenças na produção de
riqueza e vê-las como algo que resulta da transferência de riqueza de
umas pessoas para outras é fundamental. A história mostra que tanto
uma como a outra das causas das disparidades económicas pode ser
dominante em momentos e lugares específicos.
Quando exploramos as influências dos factores geográficos,
culturais e outros que afectam a produção da riqueza, é imperativo
fazer uma distinção nítida entre influência e determinismo. Segundo o
determinismo geográfico, contextos especialmente favoráveis criam
mais ou menos directamente a prosperidade económica e o avanço
social, seja porque fornecem recursos naturais mais ricos seja porque
têm um clima mais propício ao trabalho, por exemplo.
Foi muito fácil aos críticos mostrar que isto não foi de modo algum
sempre assim, e que não é necessariamente verdadeiro na maior parte
dos casos, pois há países pobres como a Venezuela e a Nigéria com
recursos naturais ricos e países prósperos como o Japão e a Suíça com
recursos naturais paupérrimos. Apesar de alguns tipos de clima
poderem ter estado profundamente correlacionados com as sociedades
mais avançadas, como um geógrafo do início do século XX tentou
mostrar,25 uma classificação muitíssimo diferente das nações, usando
os mesmos critérios, teria existido mil ou dois mil anos antes, quando a
China era muito mais avançada do que o Japão, ao passo que este país
acabou por se tornar económica e tecnologicamente mais avançado do
que o outro mil anos depois — sem qualquer indício de que o clima
tenha mudado muito em qualquer dos países.
O alcance exacerbado das explicações geográficas levou não apenas
ao afastamento do determinismo geográfico, mas também a um
enfraquecimento da geografia como uma influência principal noutros
sentidos. Contudo, nem todos os geógrafos do início do século XX
foram descuidados ou exagerados. A distinta geógrafa Ellen Churchill
Semple escreveu em 1911: “Toda a ciência da antropogeografia é ainda
demasiado jovem para ter regras simples, e o seu objecto de estudo é
demasiado complexo para permitir fórmulas”. 26 Apesar do fracasso do
determinismo geográfico, a geografia pode influenciar os resultados
económicos de outras maneiras muito diferentes, como veremos. Além
disso, esta influência não se deve necessariamente a características
geográficas particulares consideradas isoladamente — como o clima ou
os recursos naturais — antes se devendo frequentemente
a interacções entre características geográficas particulares e outros
factores não-geográficos, nomeadamente culturais, demográficos e
políticos, entre outros.
Mesmo um facto geográfico tão simples e indisputado como o dos
lugares mais perto dos pólos terem temperaturas mais baixas, em
média, do que os mais próximos do equador nem sempre se sustenta
quando as interacções com outros factores geográficos são tidos em
consideração. Assim, Londres, que está centenas de milhas mais a
norte do que Boston, tem temperaturas médias no inverno mais
mornas do que as desta última cidade, sendo muito semelhantes às
temperaturas no inverno de algumas cidades americanas que ficam
centenas de milhas a sul de Boston.27 A temperatura mais alta média de
Dezembro em Londres é igual à de Washington, D.C., que fica a mais
de 850 milhas a sul de Londres. 28 A latitude é importante, mas o
mesmo acontece com as diferenças de temperatura das diferentes
correntes oceânicas,29 e a interacção das duas pode criar resultados
muito mais diferentes do que qualquer uma delas produziria por si.
Quando factores geográficos particulares interagem também com
factores não-geográficos, os resultados podem também ser muito
diferentes do que seriam se considerássemos isoladamente os factores
geográficos, culturais, demográficos ou políticos. É por isso
que influência não é o mesmo que determinismo. Dado que muitos
resultados económicos, se não a maior parte, dependem de mais de um
factor, a probabilidade de todos os factores se juntarem de modo a
produzir níveis iguais de prosperidade e progresso entre os povos e
nações em todo o mundo parece muito remota. Contextos geográficos
radicalmente diferentes são apenas um dos factores que tornam os
resultados económicos iguais improváveis.
As culturas estão entre os outros factores que diferem muitíssimo
entre povos e nações, tal como entre indivíduos e grupos numa dada
nação. Como os críticos das influências geográficas, os críticos das
influências culturais recorreram por vezes também a uma imagem
simplista dessas influências. Por exemplo, numa tentativa de
desacreditar a influência dos factores culturais nos resultados
económicos, um estudo bem conhecido — Why Nations Fail — rejeitou
a ideia de que a cultura herdada da Inglaterra explica por que razão as
antigas colónias deste país, como os EUA, Canadá e a Austrália são
prósperos:
O Canadá e os EUA foram colónias inglesas, mas também a Serra Leoa e a Nigéria o
foram. A variação de prosperidade entre as antigas colónias inglesas é tão grande
quanto a que encontramos no mundo em geral. O legado inglês não é a razão do
sucesso da América do Norte.30
Apesar de ser verdadeiro que todos estes países são antigas colónias da
Inglaterra, e portanto poder-se-ia considerar que foram influenciados
pela cultura inglesa, também é verdadeiro que as pessoas que
fundaram o Canadá e os EUA eram inglesas, descendentes de pessoas
mergulhadas na cultura da Inglaterra que se desenvolveu ao longo de
séculos — ao passo que as pessoas da Serra Leoa e da Nigéria eram
descendentes de pessoas mergulhadas por muitos séculos em culturas
muito diferentes de uma região da África subsariana, e
superficialmente expostas à cultura inglesa durante menos de um
século, durante o qual as suas próprias culturas indígenas não foram de
modo algum extintas no período historicamente curto em que
pertenceram ao império britânico. O historiador francês Fernand
Braudel falava da “tardia e efémera colonização da África negra pelas
potências europeias no século XIX”.31 Isto dificilmente foi suficiente
para transformar culturalmente africanos em europeus.
Muitas outras antigas colónias inglesas continuaram a observar
algum aspecto da cultura da Inglaterra depois de se tornarem
independentes — os advogados usam perucas no tribunal, por exemplo
— mas estas observâncias exteriores das tradições inglesas não
impediu que estas antigas colónias tivessem um legado cultural
fundamentalmente muito diferente do inglês, tendo por isso
experiências económicas e políticas muitíssimo diferentes ao percorrer
os seus caminhos depois da independência. A tentativa de desacreditar
a influência da cultura juntando antigas colónias de ingleses e antigas
colónias de africanos governados por ingleses não faz senão evidenciar
que se pode mostrar que praticamente qualquer crença está errada,
seja ela acerca do que for, se for formulada de maneira suficientemente
simplista.
Quem acredita no determinismo genético procura também
desacreditar os factores culturais, que são alternativas à sua
perspectiva de que são as diferenças inatas, genéticas, de inteligência
que explicam as diferenças de disparidades económicas entre as raças,
nações e civilizações. Mas o determinismo genético, baseado em
diferenças contemporâneas inegáveis de rendimento per capita entre
nações e as diferenças correspondentes nos resultados de testes de
inteligência,32 não pode explicar mudanças radicais igualmente
inegáveis nas quais raças, nações ou civilizações particulares ora estão
muito à frente ora muito atrasadas em diferentes períodos da história
— os chineses e europeus são apenas um exemplo entre muitos outros
de inversões históricas.
As nações que passaram da pobreza e do atraso e chegaram num
século à linha da frente dos feitos humanos — Escócia, por exemplo,
começando no século XVIII, e o Japão, começando no XIX — mudaram
mais rapidamente do que é provável que mudem as constituições
genéticas, e de facto sem qualquer indicação de mudanças genéticas,
apesar de haver muitas indicações de mudanças culturais nestes dois
casos. Os investigadores podem ficar frustrados pelo facto de as origens
de culturas particulares se perderem muitas vezes nas brumas do
tempo, apesar de as suas manifestações contemporâneas serem
visíveis. A cultura também não se presta à quantificação, como se
queixou um determinista genético,33 e consequentemente não pode
fornecer análises estatísticas, como as que mostram uma elevada
correlação entre os resultados dos testes de QI entre as nações e os seus
rendimentos per capita.34 Tais correlações podem dar um ar de
precisão científica, mas o mesmo aconteceu com as correlações
anteriores entre o clima e a prosperidade do determinista geográfico. 35
Tanto uma correlação como a outra são obtidas de dados que
dizem respeito a uma fatia extremamente magra do tempo, em
comparação com os muitos milénios da história humana, nos quais os
feitos relativos de várias populações e nações mudaram imensamente.
Além disso, como os estatísticos frequentemente fizeram notar, a
correlação não é causalidade — e, como se disse há anos, “Mais vale
estar aproximadamente certo do que precisamente errado”. 36
Quer consideremos factores culturais, geográficos, políticos ou
outros, é devido às suas interacçõesque compreender as influências é
muito diferente de afirmar o determinismo.
Thomas Sowell

Você também pode gostar