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A MEUS PAIS.

SUMÁRIO

LINHA DO TEMPO

INTRODUÇÃO

PARTE 1: Mestres da Observação

Nicolau Copérnico

Galileu Galilei

Charles Darwin

Alfred Wegener

Edwin Hubble

PARTE 2: Mestres da Intuição

Leonardo da Vinci

Johannes Kepler

Sigmund Freud

Alberto Santos-Dumont

George Gamow

PARTE 3: Mestres da Superação

Michael Faraday

Roberto Landell de Moura

Konstantin Tsiolkovsky

Marie Curie

Stephen Hawking
PARTE 4: Mestres da Abstração

Isaac Newton

Max Planck

Albert Einstein

Werner Heisenberg

Linus Pauling

PARTE 5: Mestres da Visão

Thomas Edison

Nikola Tesla

Alan Turing

Steve Jobs

Elon Musk

O QUE LEVAMOS CONOSCO E O QUE DEIXAMOS PARA TRÁS

AGRADECIMENTO

LEITURA RECOMENDADA

FICHA TÉCNICA
UMA INTRODUÇÃO
para 25 gênios
E , . O que é a genialidade? Identificar em que
exatamente ela consiste é um desafio ainda longe de ser vencido.
Passaremos algumas centenas de páginas falando disso e não sairemos
daqui mais perto de entendê-la do que quando começamos. E só podemos
fazer isso por que, apesar de não compreendermos a genialidade, a maior
parte das pessoas não tem a menor dificuldade em reconhecer um gênio,
quando está diante dele.
Este livro parte de duas premissas, ambas bastante seguras. A primeira é
a de que as grandes mentes que ajudaram a formar e moldar os rumos da
civilização são, antes de mais nada, pessoas. Gente de carne e osso, como
eu e você. Ao longo de sua vida, tiveram de lidar com problemas – às vezes
bem cabeludos – e dilemas existenciais – idem –, superando as dificuldades
e desabrochando a ponto de exercer sua genialidade e transformar a
história do mundo. E a segunda premissa, quase uma consequência, é a de
que podemos aprender com a história dessas grandes pessoas e aplicar
essas lições em nossa própria vida, seja no âmbito pessoal, seja
profissional.
Ao explorar a vida desses 25 extraordinários, esperamos encontrar não só
a inspiração que os tornou o que foram (e como ela pode nos ajudar), mas
também algumas pistas sobre a própria evolução do conhecimento e da
tecnologia nos últimos 500 anos.
Acho importante, antes de começarmos nossa jornada, gastar dois
dedinhos de prosa contando como foram escolhidos os caras perfilados
aqui. Afinal, não é preciso ser gênio para saber que existiram muitas e
muitas pessoas geniais na história do mundo e que elas manifestaram sua
genialidade de muitas formas diferentes. Pelé, que, dizem as más linguas,
calado é um poeta, foi um jogador de futebol genial. John Lennon e Paul
McCartney certamente merecem um lugar na lista dos mais mais da
música, ao lado de colegas mais eruditos como Beethoven ou Mozart. E o
que dizer de Charlie Chaplin, Steven Spielberg e Stanley Kubrick? Gênios.
E quanto a Machado de Assis e William Shakespeare? Os exemplos são
intermináveis. Resta aí a necessidade de uma primeira camada de
delimitação.
Entre as artes e as ciências, optei por me concentrar na segunda categoria,
por uma razão muito simples, ainda que não totalmente justa: o impacto
na evolução das ideias é mais fácil de mensurar no ramo científico do
conhecimento, uma vez que ele tem em sua base a estrutura de
pensamento racional. Ou, colocando em termos mais simples, é mais fácil
confiar na avaliação que cientistas fazem do trabalho de seus colegas do
que no que dizem os críticos de cinema sobre os filmes a que assistem. (Ou
vai me dizer que você costuma concordar com os críticos de cinema?)
Fechado esse cerco, chegamos a uma segunda etapa. Quantos gênios o
pensamento racional já teve na história humana? Direi agora, sem medo de
errar: incontáveis. Sério. Muitos mesmo. Que critério então usar para
escolher os campeões dos campeões, os 25 eleitos?
Entra em cena um jogo de equilíbrio. Por um lado, temos de reconhecer
que os gênios são como os vinhos: quanto mais antigos, melhores. Por quê?
Bem, um gênio contemporâneo ainda não teve seu impacto nos rumos da
humanidade completamente apreciado, enquanto uma figura do passado
já revelou completamente, de forma transparente, seu poder
transformador.
Por outro lado, conforme vamos mergulhando mais e mais no passado, as
histórias vão se turvando numa névoa de mistério, lacunas e informações
desencontradas. Da Antiguidade, o grande Arquimedes quase entrou na
lista final – ele esteve entre os 29 gênios que fizeram parte de uma edição
especial da SUPER que escrevi e editei em 2012, revista que serviu de
inspiração inicial para este livro. Mas acabou ficando de fora por conta
disso. Há momentos de sua vida que são muito nebulosos, há lendas
misturadas a fatos (afinal, ele usou ou não espelhos côncavos combinados
à luz do Sol para incendiar os navios que sitiavam Siracusa? Ele realmente
saiu pelado pelas ruas gritanto “eureka”?), e essa “romantização” não
ajudaria a concretizar nosso objetivo central – investigar o que a vida
dessas figuras brilhantes têm a dizer a respeito da nossa.
Oprimido entre as brumas do passado e a incerteza do presente, preferi
concentrar meus esforços nos gênios dos últimos 5 séculos. Mesmo assim,
admito que corri alguns riscos, pelo menos com dois dos perfilados: Steve
Jobs e Elon Musk. Não resta dúvida quanto ao mérito deles em figurar em
nossa distinta lista, mas também é verdade que só o futuro dirá o real
tamanho de sua contribuição à civilização. (Podemos dizer que esse
impacto está em algum lugar entre “moda passageira” e “salvação da
humanidade”, o que dá uma medida do risco assumido.)
Por fim, numa tentativa de nos aproximar de uma compreensão, ainda
que intuitiva, do que define um gênio científico, dividimos nossos
personagens em 5 categorias, de acordo com o “poder” mais marcante de
cada um deles: temos, portanto, os mestres da observação, da intuição, da
superação, da abstração e da visão.
Esse recorte também colaborou no processo seletivo, uma vez que foi
preciso encontrar equilíbrio entre as diferentes características, para não
deixar nossa lista desequilibrada, por assim dizer – cada categoria ficou
com 5 mestres. Importante notar que não é porque o sujeito está na lista da
superação que ele não foi um grande observador ou um amante do
pensamento abstrato. É óbvio que, nos gênios, assim como em cada um de
nós, pobres mortais, todas essas qualidades se manifestam de forma
simultânea e com diferentes graus de ênfase.
O que esses recortes fazem é nos ajudar a entrever, em meio às histórias
de vida de cada um dos nossos perfilados, algo de essencial no caráter de
todo gênio – e, na real, também de todos nós, pobres mortais. Eles também
reforçam a ideia de que a decifração da genialidade, embora passível de
investigação, dificilmente será reduzida algum dia a uma definição simples
e inflexível (ou talvez seja preciso um gênio, ainda não descoberto, para
finalmente fazer essa síntese).
Após todo esse processo, terminamos com uma escalação digna de
reverência. Uma passagem rápida pelo nosso escrete de craques:
Copérnico, Galileu, Darwin, Wegener e Hubble; Leonardo da Vinci, Kepler,
Freud, Santos-Dumont e Gamow; Faraday, Landell de Moura, Tsiolkovsky,
Marie Curie e Stephen Hawking; Newton, Planck, Einstein, Heisenberg e
Pauling; Edison, Tesla, Turing, Steve Jobs e Elon Musk.
Um timaço. Mas não podemos deixar de notar que ele também revela
alguma das mazelas da nossa própria sociedade. Dos 25, apenas uma
mulher. Nenhum negro. A explicação é naturalmente histórica, uma vez
que só em meados do século passado o Ocidente começou a se apegar a
noções como a igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros e as
etnias. E essa é uma luta que, com certeza, ainda não terminou. Apesar de
reconhecer e compreender esses fatos, não posso me furtar a um
sentimento de tristeza ao pensar em todas as pessoas incríveis do passado
que não tiveram seu lugar ao sol por terem nascido com o sexo ou a cor de
pele “errados”. Espero que, em mais uns 100 ou 200 anos, quem revisitar
essa ideia de elencar uma coletânea de gênios num livro tenha a
possibilidade de, sem prejuízo de sua honestidade intelectual, formular
uma lista mais variada e representativa de todos os habitantes do planeta
Terra (e quem sabe até de colônias humanas espalhadas pelo espaço, se
Elon Musk, nosso último gênio, conseguir mesmo fazer tudo que está
querendo).
1
OS MESTRES DA
Observação
A capacidade de observar é a tão falada diferença entre olhar e ver. Como deixar de ser um
espectador involuntário da natureza e conseguir, ao perceber suas nuances, extrair uma verdade
subjacente? Uma das grandes características que marcam os gênios é a capacidade de ler as
entrelinhas do mundo.
Nicolau Copérnico
“O corpo maciço da Terra de fato encolhe à
insignificância em comparação ao tamanho dos céus.”

O , astrônomo, jurista, médico, tradutor, clérigo,


diplomata e político. Ainda assim, seu maior legado só foi aparecer no
último dia de vida. Foi no derradeiro suspiro, em 24 de maio de 1543, que
Nicolau Copérnico viu sua obra-prima, o livro As Revoluções dos Orbes
Celestes, finalmente publicada. E a humanidade nunca mais foi a mesma
depois dele.
Em última análise, a chamada “revolução copernicana” é uma lição de
humildade: pela primeira vez alguém argumentava com alguma segurança
que a Terra, e nós com ela, não estava no centro do Universo. Igualmente
humilde foi a postura do polonês, ao não publicar o livro até o último
momento possível. Ele sabia que havia problemas com a teoria.
Copérnico nasceu em 19 de fevereiro de 1473, em Torun, uma cidade que
então fazia parte da Prússia Real, província do Reino da Polônia. Seu pai
era um mercador da Cracóvia – um sujeito politicamente engajado que
havia apoiado o rei polonês contra a Ordem Teutônica, durante e depois da
Guerra dos Treze Anos, que engolfou aquela região entre 1454 e 1466. Já
sua mãe era a filha de um comerciante abastado de Torun. O mais jovem
dentre 4 crianças, Copérnico perdeu o pai quando tinha 10 anos e acabou
tutorado pelo tio materno, Lucas Wa enrode, o Mais Novo – um clérigo
influente e politizado.
Em 1491, tanto Nicolau quanto seu irmão mais velho, Andreas, se
matricularam na Universidade da Cracóvia, onde Wa enrode também
havia estudado. (Quanto às duas irmãs deles, uma se tornou freira, e a
outra se casou com um político e comerciante de Torun, com quem teve 5
filhos. Andreas acabaria se tornando cônego em Frombork. Nicolau jamais
se casaria ou teria filhos.)
Foi no Departamento de Artes daquela universidade que o jovem
Copérnico desenvolveria suas sofisticadas habilidades matemáticas. Lá, ele
se tornou pupilo do professor de filosofia aristotélica, Albert Brudzewski,
que também dava aulas particulares de astronomia fora da faculdade.
Autodidata, Copérnico também realizava muitas leituras extracurriculares
e começou a construir uma vasta biblioteca astronômica (que no século 17
seria levada pelos suecos numa invasão da Polônia e está hoje na Biblioteca
da Universidade de Uppsala, na Suécia).
Seu aprofundamento no tema o levou a uma insatisfação crescente com
os principais modelos astronômicos da época – a teoria segundo a qual os
astros estariam presos a esferas translúcidas concêntricas com a Terra no
centro, avançada pelo filósofo grego Aristóteles, no século 4 a.C., e o
mecanismo matemático dos deferentes e epiciclos criado pelo astrônomo
Ptolomeu de Alexandria no século 2 d.C. para explicar e prever os
movimentos celestes. Ptolomeu seguia a trilha aristotélica, ao colocar a
Terra no centro do Universo, mas descrevia os movimentos de astros
segundo órbitas menores que seguiam órbitas maiores. Por exemplo, para
Ptolomeu, Marte não girava em torno da Terra seguindo apenas uma
trajetória circular ao redor do nosso planeta, mas ele girava num círculo
menor que giravam em torno de um ponto que se deslocava ao longo de
sua órbita circular em torno da Terra. O mecanismo era uma
acochambrada mais ou menos eficiente para dar poder preditivo ao
modelo, mas era de uma feiúra ímpar. Podia estar certo? Copérnico estava
cada vez mais convencido de que a realidade não podia ser tão bizarra.
O polonês passou a achar que um modelo heliocêntrico – com o Sol no
meio – era mais belo, simples e convincente. Claro que, para ser
verdadeiro, seria necessário que a Terra, em vez de imóvel, fizesse dois
movimentos – de translação ao redor do Sol e de rotação em torno de si
mesma.
Havia fortes objeções a essa ideia. Todo mundo pensava que, se a Terra
estivesse rodando, ao jogar algo para cima, o objeto deveria cair para trás
ou para a frente, pois o chão abaixo teria se movido enquanto ele voava.
Ainda assim, Copérnico se convenceu de que isso deveria estar
acontecendo. Mas não de imediato. Sem se formar, Copérnico deixaria a
universidade em 1495 e se juntaria à corte de seu tio Wa enrode, que em
1489 havia sido elevado ao posto de príncipe-bispo de Warmia pelo papa
Inocêncio 8. Eventualmente Nicolau se tornaria cônego em Warmia e seria
despachado por seu tio para estudar na Itália, mais especificamente na
Universidade de Bolonha. O curso era de lei canônica, mas o jovem estava
mais preocupado em estudar humanidades e astronomia.
Suas dúvidas sobre o sistema ptolomaico só cresciam e, em Bolonha,
Copérnico chegou a fazer observações astronômicas que evidenciavam as
falhas da velha teoria ligadas ao movimento da Lua. Ao retornar a Warmia,
em 1501, recebeu nova licença, desta vez para estudar medicina, em Pádua.
Dois anos depois, ele retornaria a Warmia, onde passaria os 40 anos
seguintes de sua vida.
Copérnico se tornou secretário e médico de seu tio a partir de 1503 e
morava no castelo do bispo, onde finalmente começaria a trabalhar em sua
teoria heliocêntrica. Ironicamente, um grande empurrão para que ele
avançasse nessa direção provavelmente veio de suas próprias obrigações
eclesiásticas.
Para o Vaticano, o céu tinha importância fundamental na formulação dos
calendários, que permitiam determinar quando se comemoravam certas
datas festivas, como a Páscoa. O calendário juliano, em vigor desde o
tempo de Júlio César (100-44 a.C.), já estava mostrando sinais de
senilidade, na forma de desajustes cada vez maiores entre a data
estipulada para a comemoração da Páscoa e o equinócio de março
(momento do ano em que o dia e a noite têm aproximadamente a mesma
duração). Na média, os avanços para solstícios e equinócios eram de
apenas 11 minutos a cada ano no calendário juliano. Mas, depois de 1.500
anos em vigor, esse pequeno efeito deixa de ser desprezível. A diferença
acumulada já representava mais de 10 dias.
Copérnico, a essa altura reconhecido como um astrônomo de certa
estatura, foi procurado em 1513 pelo bispo Paul de Midelburgo, para que
desse sugestões de como ajustar a contagem dos dias (o que acabaria sendo
feito apenas em 1582, pelo papa Gregório 13, dando origem ao calendário
gregoriano, em vigor até hoje). Apesar de soterrado em obrigações
administrativas, Copérnico conduziu nessa época uma bateria de intensas
observações astronômicas, muitas delas presumivelmente em conexão com
o problema do calendário. Foi nesse mesmo período que ele desenvolveu a
primeira versão de sua teoria heliocêntrica, redigida num pequeno tratado
de 40 páginas – conhecido como Commentariolus – que fez circular primeiro
entre amigos e colegas, por volta de 1514.
Apesar de sua convicção pessoal e da boa recepção ao trabalho –
inclusive em círculos católicos –, ele sabia que o tema decerto despertaria
controvérsia. Mais que uma simples afronta a Aristóteles e a Ptolomeu, ele
parecia estar em flagrante contradição com trechos bíblicos, que descrevem
Deus fazendo o Sol parar no céu. Se o Sol está imóvel no centro do
Universo, como sugere Copérnico, o que fazer da palavra divina, que
sugeria que ele estava em movimento até que Deus ordenasse sua parada
momentânea, a fim de ajudar Josué e os israelitas em uma batalha?
Com efeito, Copérnico logo encontrou seus críticos, não entre os católicos,
mas entre os emergentes protestantes. Um de seus mais vocais opositores
foi Martinho Lutero (1483-1546), líder da reforma religiosa que deixou o
Vaticano em estado de alerta no século 16. Informações sobre as ideias do
astrônomo polonês chegaram aos ouvidos dele, que teria dito à mesa do
jantar: “Há conversas de um novo astrólogo [sic] que quer provar que a
Terra se move e gira, em vez do céu, do Sol, da Lua, como se alguém que
estivesse se movendo numa carruagem ou num navio pudesse argumentar
que estava parado e em repouso enquanto a Terra e as árvores andavam e
se moviam. Mas é assim que as coisas são hoje em dia: quando um homem
deseja ser esperto ele precisa inventar algo especial, e a forma que ele faz
precisa ser a melhor! O tolo quer virar toda a arte da astronomia de cabeça
para baixo. Entretanto, como as Sagradas Escrituras nos dizem, Josué
pediu que o Sol ficasse parado, e não a Terra”.
Apesar da boa receptividade ao tratado sumário de 1514, Copérnico sabia
que precisava fazer melhor. E nessa de “fazer melhor”, ele passou 3
décadas preparando um tratado sobre o tema – que, de início, se recusou a
publicar.
Por quê? Talvez por medo. Afinal, por suas próprias observações, ele
sabia que o heliocentrismo também não era perfeito para prever as
posições planetárias.
“Novas evidências apareceram recentemente de que Copérnico sabia de
grandes discrepâncias entre previsão e observação”, afirma Owen
Gingerich, da Universidade Harvard, comentando a decifração de
anotações do polonês que indicavam conhecimento de erros de mais de 2
graus na posição de Marte e de 1,5 grau para Saturno.
Copérnico só decidiu publicar sob intensa pressão de seu pupilo George
Rheticus e, diz a lenda, recebeu a primeira cópia do livro apenas em seu
leito de morte. Pior, sua grande obra acabaria recebendo a edição final de
Andreas Osiander, um teólogo luterano que incluiu um prefácio anônimo
ao livro dizendo que tudo não passava de um artefato matemático para
lidar com os movimentos planetários e nada tinha a ver com a realidade do
Universo. Em suma, tentava amenizar a mensagem copernicana. Não por
acaso, o livro passou um bom tempo depois disso longe do radar das
autoridades religiosas. Caberia a outros pensadores identificar os acertos
de Copérnico, corrigir seus erros, e elevar sua contribuição a ponto de
iniciar a chamada “revolução copernicana”, o momento transformador da
história da ciência que colocou definitivamente a Terra em seu devido
lugar no Universo.

Como a vida de Copérnico


pode inspirar a sua
HÁ MUITAS QUALIDADES admiráveis no pensador Copérnico, mas se existe uma que se sobressai e que
vale a pena termos em mente para tudo que fazemos é a da busca incansável por uma satisfação
estética.
Note que não estou falando de estética no sentido vulgar, da beleza física, da busca obsessiva por
atender a certos padrões ditados pela moda (muitas vezes como imposição cultural) e que mudam
de ano para ano com a mesma facilidade com que trocamos de blusa. Menciono aqui uma noção
mais abrangente e sutil de estética, que sugere em essência que existe uma graça, uma qualidade
inefável, que é inerente à natureza.
A teoria heliocêntrica de Copérnico tinha mais ou menos o mesmo nível de precisão que os
mecanismos ptolomaicos para predizer os movimentos celestes. Aliás, algo que pouca gente sabe é
que o polonês também lançou não de epiciclos – as órbitas que seguem órbitas – para tentar fazer
tudo se encaixar. O uso copernicano do recurso foi mais parcimonioso, mas não necessariamente
mais funcional – no fim das contas, o nível de precisão não era muito diferente.
Ainda assim, e a despeito de quaisquer dogmas que pudessem imperar na época, Copérnico
enxergava um valor inerente à simplificação que seu modelo heliocêntrico oferecia. Por quê? Era o
senso estético falando mais alto – a noção de que as coisas verdadeiras são, em algum nível
apreciável racionalmente, mais bonitas que as falsas. Ao mostrar que o heliocentrismo era uma
resposta ainda imperfeita, mas mais “bonita”, por assim dizer, para os movimentos celestes,
Copérnico reconhecia a importância do cultivo da simplicidade e das respostas mais prováveis na
ciência.
Sem dúvida, o astrônomo polonês só pôde cristalizar essa noção por sua formação multidisciplinar.
A capacidade de intercalar interesses políticos, sociais, religiosos, científicos, filosóficos e artísticos
numa visão humanista e integrada do cosmos foi o que impulsionou Copérnico a dar seu grande
salto intelectual.
E não podemos subestimar o efeito que sua ousadia teve sobre o futuro da ciência e da civilização,
ainda que suas ações trepidantes diante de suas convicções expusessem toda a sua humanidade. A
busca por um Universo elegante – essa noção implícita de uma estética cósmica – é uma que guia
até hoje o avanço da física, diante da encruzilhada a que chegamos em meados do século 20.
A física moderna se assenta sobre dois pilares distintos: a teoria da relatividade geral, que descreve
a ação da gravidade, perceptível apenas nas escalas cósmicas, e a mecânica quântica, que descreve o
mundo das partículas, governado por um conjunto completamente diverso de leis. Há casos em que
as duas teorias precisam trabalhar ao mesmo tempo – em fenômenos que vão desde o que acontece
no interior de buracos negros até o que pode ter dado origem ao nosso próprio Universo –, e nesses
casos descobrimos que os dois conjuntos de equações não dialogam entre si. É impossível aplicar as
duas teorias simultaneamente! Se partirmos de uma premissa estética, não podemos aceitar essa
situação. E os físicos de fato não aceitam. Eles buscam então uma teoria maior, que possa talvez
abarcar os dois pilares ao mesmo tempo, e assim dissipar as contradições. É, ao fim, a mesma busca
pela elegância nos alicerces do Universo que colocou Copérnico em sua jornada, 5 séculos atrás.
Se há algo a aprender com o velho astrônomo, é que a busca por verdades maiores, guiadas pela
racionalidade, por uma ambição de simplicidade e por um respeito à estética, é uma empreitada
inerentemente justificável. Mesmo que, no caminho, tenhamos de aceitar que o nosso próprio lugar
no Universo é muito menor do que sugeririam outras visões mais reconfortantes. É o contraste entre
a pequenez e a grandeza do homem: a pequenez diante de um cosmos muito mais vasto, em que o
nosso planeta não é mais que um grão de areia, e a grandeza de saber que o intelecto humano pode
abarcar e extrair uma medida de compreensão – e de apreciação – acerca do vastíssimo, quiçá do
infinito.
Galileu Galilei
“Eu não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos deu os sentidos, a razão e o
intelecto quis que abdicássemos de seu uso.”

S o “pai” da ciência moderna, teria de ser Galileu


Galilei. Suas contribuições vão desde a criação e adoção do formalismo do
método científico até o desenvolvimento de instrumentação, passando por
descobertas fantásticas e pela popularização do conhecimento.
Para começo de conversa, o gênio italiano foi o primeiro a identificar
crateras e montanhas na Lua, descobriu as 4 maiores luas de Júpiter e
constatou que a Via Láctea – faixa nebulosa que cruza o céu noturno, hoje
identificada com o disco espiral da nossa galáxia – é composta por
inúmeras estrelas, invisíveis a olho nu. De quebra, verificou que Vênus
possuía fases, como as lunares.
Galileu nascera em 15 de fevereiro de 1564, em Pisa, então parte do
ducado de Florença, primeiro filho de Vincenzo Galilei com Giulia
Ammannati. Seu pai era um famoso professor de música, construtor e
tocador de alaúde – talento que Galileu também demonstrou desde cedo,
tendo aprendido a tocar com seu pai. Também foi dele que o jovem
aprendera a adotar uma postura crítica com relação à autoridade
estabelecida. E a familiaridade com a música certamente o levou a apreciar
duas das disciplinas que seriam fundamentais em sua vida profissional: a
matemática e a experimentação.
Galileu teve outros 5 irmãos, dos quais apenas 3 sobreviveram à infância.
A família se mudou de Pisa para Florença (cidade natal de seu pai) quando
ele tinha 8 anos, mas ele permaneceu em Pisa por mais dois anos, tutelado
por um parente de sua mãe. Quando atingiu a idade para receber educação
formal, foi para o mosteiro de Camáldoli, próximo a Florença, e considerou
genuinamente se tornar padre, até ser convencido por seu pai a desistir e,
em vez disso, cursar medicina na Universidade de Pisa. Mas nunca foi o
que ele queria.
Em 1581, iniciando o curso para se formar médico, Galileu teve uma
experiência singular: ao notar um lustre que balançava ao sabor do vento,
fazendo arcos de tamanho variado, ele percebeu que o movimento de ida e
volta parecia sempre levar o mesmo tempo, não importando quão largo ou
curto era o movimento. Usou sua própria pulsação para verificar sua
percepção. E, quando chegou em casa, testou sua ideia ao criar dois
pêndulos de comprimentos iguais e fazer balançar um a partir de uma
distância curta e o outro com uma bem maior. Os dois, de fato, andavam
juntos. O espírito do experimentador – o inquiridor da natureza – já estava
ali.
Não demorou até que Galileu se desencantasse completamente da
medicina e convencesse seu pai de que deveria fazer matemática e filosofia
natural – a despeito de ser uma carreira muito menos lucrativa
(perspectiva que não mudou nada em mais de 4 séculos).
No melhor estilo renascentista, o jovem Galileu se tornaria inventor,
criando e aperfeiçoando diversas traquitanas, e também estudaria arte,
tornando-se instrutor da Accademia delle Arti del Disegno de Florença.
Em 1589, conquistou uma posição como professor de matemática na
Universidade de Pisa. Com a morte de seu pai, em 1591, Galileu ficou
encarregado de cuidar de seu irmão mais novo, Michelangelo, e no ano
seguinte ele se mudaria para a Universidade de Pádua, onde ficaria até
1610 e formaria família.
Galileu conhecera Marina di Andrea Gamba em uma de suas muitas
viagens a Veneza. Ele se apaixonou por ela e convidou-a para morar
consigo em sua casa em Pádua, onde tiveram 3 crianças: Virginia, nascida
em 1600; Livia, em 1601; e Vincenzo, em 1606. Curiosamente, apesar de
católico fervoroso, Galileu jamais se deu ao trabalho de oficializar o
casamento, e na certidão de batismo dos 3 filhos não constou o nome o pai.
(Especula-se que a omissão tenha sido um ato de cautela, para impedir que
uma admissão de filhos fora do casamento pudesse afetar sua posição
como professor em Pádua.)
Em 1610, com a família formada e o trabalho assegurado, Galileu iniciaria
uma revolução astronômica, logo após ter desenvolvido seu próprio
telescópio refrator. Mas, ao contrário do que se costuma dizer, Galileu não
inventou a luneta. Apenas recriou o dispositivo – de forma aperfeiçoada
–,após ouvir sobre uma invenção holandesa, criada por Hans Lippershey,
para enxergar mais longe.
De cara, descobriria incontáveis estrelas invisíveis a olho nu, observaria
as irregularidades no solo lunar e, o mais surpreendente de tudo, 4
“estrelas” orbitando ao redor de Júpiter – as 4 maiores luas jovianas, que
hoje chamamos apropriadamente de satélites galileanos. Mas Galileu,
malandro, preferiu dar a elas outro nome: “estrelas mediceanas”, em
homenagem a Cosimo 2 de’ Medici, grão-duque da Toscana, e seus 3
irmãos. A homenagem foi publicada em seu livro O Mensageiro das Estrelas
(Sidereus Nuncius), e agradou o poderoso nobre, que o nomeou matemático
oficial da corte, em Florença.
Ao descobrir as luas de Júpiter, Galileu havia encontrado a primeira
evidência observacional em favor da teoria de Nicolau Copérnico, segundo
a qual a Terra girava em torno do Sol – contrariando a noção, que vinha
desde Aristóteles, na Grécia Antiga, e que havia sido abraçada de forma
apaixonada pela Igreja Católica, de que a Terra deveria ser o centro do
Universo, em torno do qual tudo mais girava. Ali estava o astrônomo,
vendo pelo menos 4 objetos que com certeza não orbitavam a Terra, e sim
Júpiter.
E, se as descobertas de Galileu foram fantásticas, sua forma de comunicá-
las era tão impressionante quanto. Contrariando a sabedoria da época, em
que a língua oficial da academia era o latim, o cientista fez questão de
escrever quase todas as suas obras (à exceção justamente da primeira) em
italiano.
Não era falta de traquejo – Galileu tinha amplo domínio do latim.
Tratava-se de opção, como forma de popularizar suas descobertas. Com
isso, ele passou a incomodar ainda mais os círculos acadêmicos, que já se
ressentiam da forma ácida com que ele apresentava suas opiniões.
Conhecido como “polemista”, o italiano não fugia de tretas.
Uma das mais famosas aconteceu em 1619, quando Galileu se viu em
meio a uma controvérsia com o padre Orazio Grassi, professor de
matemática jesuíta, a respeito da natureza dos cometas. (Ironicamente,
naquele tema em particular, Galileu estava errado, ao interpretar os
cometas como uma miragem, em vez de um objeto real, e Grassi estava
bem mais perto da verdade.) Para dar sua resposta definitiva ao debate,
que se estendeu sobre a natureza da ciência, Galileu escreveu o livro O
Ensaiador (Il Saggiatore), publicado em 1623. É onde ele insiste, numa visão
científica absolutamente moderna, que a natureza só pode ser decifrada
por meio da linguagem matemática.
Ele diz: “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continua-
mente se abre perante nossos olhos (isto é, o Universo), que não se pode
compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os
quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são
triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é
impossível entender humanamente as palavras; sem eles, nós vagamos
perdidos dentro de um obscuro labirinto”.
O livro fora dedicado ao novo papa, Urbano 8, que teria apreciado
enormemente o trabalho de Galileu. Confiante com o apoio papal, o
cientista finalmente sentiu que poderia voltar a defender o
copernicanismo, proibido pela Igreja desde 1616, e reabilitá-lo diante das
autoridades eclesiásticas.
Àquela altura, o astrônomo já havia encontrado outras evidências do
heliocentrismo, como as fases de Vênus – que indicavam que ao menos
aquele planeta de fato orbitava o Sol –, e decidiu escrever um livro inteiro
para argumentar em favor da tese de Copérnico.
Foi essa famosa obra, Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo
Ptolomaico e Copernicano, publicada em 1632, que finalmente trouxe a ira da
Igreja sobre ele. A forma que Galileu encontrou para burlar a censura
prévia – que proibia uma defesa do heliocentrismo – foi escrever o livro na
forma de um diálogo entre sábios, cada qual defendendo um modelo. Só
que o advogado do sistema geocêntrico, um personagem chamado
Simplício, era bem mais tosco que sua contraparte copernicana. Houve até
quem pensasse que se tratava de uma caricatura do papa Urbano 8.
Furioso, o sumo pontífice convocou Galileu perante a Inquisição e fê-lo
abjurar as heresias e abandonar o heliocentrismo, em 1633. Todas as obras
dele foram banidas, e o italiano ainda foi condenado à prisão domiciliar
pelo resto da vida. O sábio passaria o resto de seus dias na vila de Arcetri,
até sua morte, em 1642.
Embora doente, idoso e enclausurado, Galileu continuou produzindo.
Seu último livro, Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas
Ciências, foi publicado na Holanda em 1638, onde a Inquisição não tinha
como censurar. No que é considerada a sua obra científica mais rica, o
italiano resume mais de 3 décadas de trabalho com experimentação nos
campos da ciência de materiais e do movimento. Aqui, Galileu quase
antecipa o trabalho de Isaac Newton com a gravidade, determinando como
se dá a queda de projéteis.
E com sua metodologia de trabalho – envolvendo experimentação
sistemática –, ele mudou a história do mundo. Ao estabelecer a
necessidade de testar hipóteses e confirmá-las por experimentos, o sábio
italiano mudou a forma como se produz conhecimento e permitiu que a
ciência evoluísse até ser a força poderosa que é hoje.

Como a vida de Galileu


pode inspirar a sua
POUCAS PESSOAS na história da ciência tiveram tamanho discernimento e espírito crítico quanto
Galileu. Ele nos ensina, em toda a sua plenitude, o valor de contestar a “sabedoria estabelecida” e
dar a devida atenção a nossas próprias convicções – contanto que elas sejam formadas a partir do
pensamento racional e se baseiem em informações que podemos verificar por nós mesmos.
Hoje, parece óbvio que a postura galileana era digna de admiração e aplausos. Contudo, temos de
enxergar a situação pela ótica da época. Galileu teve de enfrentar todo tipo de preconceito – desde o
acadêmico, escolástico, até o religioso, dogmático – para fazer prevalecer sua visão racionalista do
mundo.
Seu valor na formalização do método científico e na ambição de somente fazer afirmações sobre o
que se pudesse observar e medir com algum grau de precisão é inegável. Mas, noves fora o progresso
da ciência, o que levamos para a vida cotidiana é a ambição de Galileu por espalhar o conhecimento,
não limitando seus escritos aos acadêmicos da época, que apresentavam seus estudos em latim, em
vez de usar a língua corrente da maioria das pessoas. Galileu reconhecia, desde aquela época, a
importância de envolver o maior número possível de pessoas na aventura do conhecimento,
tentando criar nelas o valor de pensar com a própria cabeça e fazer seu próprio juízo de valor.
Naturalmente, eram ideias explosivas.
Também vale ressaltar o espírito rebelde de Galileu. Completamente avesso a argumentos de
autoridade, ele vivia por suas convicções e não se deixava intimidar por quem quisesse calá-lo. E
note que isso tem muito pouco a ver com estar certo ou errado. Galileu defendeu muitas noções
corretas – como o heliocentrismo e a premissa fundamental de que a ciência não era
necessariamente um impedimento ou um desafio à religião –, mas também apostou no cavalo
errado diversas vezes, como quando apostou que os cometas eram uma ilusão ou que as marés eram
causadas pelos movimentos da Terra.
A ciência, contudo, é feita de hipóteses verificáveis – estar certo ou errado faz parte do jogo, e não é
vergonha ter ideias que no fim não acabam se mostrando compatíveis com a realidade observável. O
mais importante é não aceitar os tabus culturais que impedem o progresso do conhecimento.
Sabemos, por exemplo, que no ambiente profissional ou acadêmico contemporâneo, é muito mais
comum ter uma postura de “vaquinha de presépio”, concordando e abraçando a autoridade
estabelecida, do que contestando e propondo caminhos alternativos. Galileu nos ensina que nossas
convicções têm valor, e que do conflito de ideias só pode nascer um entendimento superior. Se você
é chefe, deveria valorizar opiniões diversas de seus funcionários. Se você é funcionário, não deveria
se intimidar diante de instruções que lhe parecem equivocadas.
Isso quer dizer que a rebeldia deve ser um valor maior? Não. A grande sabedoria de Galileu foi
saber quais brigas comprar. É especialmente icônico que, depois de levado à Inquisição, o cientista
pôde salvar a própria vida, abjurando suas supostas heresias. Seu legado às gerações futuras já estava
construído, e morrer por suas convicções seria um desperdício. Se Galileu seguisse, por exemplo, os
passos de Giordano Bruno, um filósofo que não foi capaz de renegar formalmente suas ideias nem
mesmo sob tortura, certamente nós teríamos ficado sem uma de suas maiores obras e contribuições
ao progresso do conhecimento, seus Discursos e Demonstrações Matemáticas sobre Duas Novas
Ciências, de 1638.
Convicções são algo pelo que lutar, mas é preciso saber que lutas valem a pena ser compradas e
quais resultam apenas em desgaste desnecessário de energia. Enfrentamos diariamente dilemas
desse tipo. Normalmente eles não podem nos custar a vida, como foi o caso com Galileu, mas, por
vezes, cobram preços altos por uma decisão errada. Quando vemos um sujeito absolutamente genial
lidando com uma situação extrema, vale a pena prestar atenção e ver o que se pode aprender com
ele e o que pode ser aplicado em circunstâncias muito menos dramáticas.
Note que a imagem que temos de Galileu não foi em nada diminuída pelo fato de ele ter, esgotados
todos os argumentos racionais, cedido à autoridade eclesiástica e “renegado”, pró-forma, suas
convicções. No fim das contas, como defendia o cientista italiano, a Terra de fato se movia e, com o
passar do tempo, nenhuma postura reacionária, dogmática, seria capaz de contestar esse fato.
Confesso aqui que, de todas as personalidades brilhantes que abordaremos ao longo do livro, a
minha favorita é Galileu.
Charles Darwin
“Minha mente parece ter se tornado uma espécie de máquina de extrair leis gerais a partir de
grandes coleções de fatos.”

S C alvoroço ao colocar a Terra em seu


devido lugar – apenas mais um planeta, de vários –, imagine o impacto
que Darwin teve ao colocar a humanidade em sua real posição natural –
como mais um animal, na intrincada rede da evolução das espécies. Aliás,
nem é o caso de imaginar. Talvez essa seja a única teoria científica que,
mesmo depois de comprovada por inúmeras e incontestáveis evidências,
continua tendo rejeição entre não cientistas – mais de 150 anos depois de
ter sido proposta.
Nascido a 12 de fevereiro de 1809 na casa de sua família em Shrewsbury,
na Inglaterra, Charles Robert Darwin foi o 5º de 6 filhos de um médico e
financista abastado, Robert Darwin. O interesse e a curiosidade do jovem
Charles por história natural já vinham desde a infância, assim como o
prazer de colecionar coisas – traços que provavelmente herdara, por
genética, de seu avô paterno, Erasmus Darwin, aliás, um dos primeiros a
falar sobre evolução e o parentesco natural entre todas as formas de vida.
Grande abolicionista em seu tempo, o médico Erasmus não poderia chegar
a influenciar diretamente as opiniões de seu neto, tendo falecido 7 anos
antes do nascimento de Charles. Mas claramente o fez por meio de seus
escritos.
Formado em meio à nata da sociedade inglesa, Darwin estudou de início
para seguir a tradição familiar maior e ser médico, por insistência do pai.
Com esse intuito, partiu em 1825 para a Universidade de Edimburgo, então
considerada a melhor escola britânica de medicina. Contudo, enquanto o
interesse pela arte de curar se desfazia em meio às tediosas aulas na
Universidade de Edimburgo, a paixão pelo mundo natural crescia.
Em seu segundo ano na universidade, Darwin se juntou à Plinian Society,
um grupo de estudantes de história natural que promovia polêmicos
debates em que se confrontava a crescente visão materialista da ciência
com os conceitos religiosos ortodoxos mais comuns naquela época. Foi lá
que o jovem Charles fez as primeiras apresentações de suas descobertas
baseadas na observação do mundo natural e também lá que ele tomou
conhecimento das ideias de Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) acerca da
evolução. O naturalista francês Lamarck propôs, em 1809, pela primeira
vez um mecanismo claro para o processo evolutivo – a herança de
características herdadas, também conhecida como teoria do uso e desuso.
Ela sugeria que os organismos evoluíam de acordo com seu
comportamento, que induzia a transformações neles mesmos que então
eram passadas às gerações futuras. Exemplo clássico: a girafa que, ao
esticar o pescoço para alcançar as folhas mais altas das árvores, acaba
alongando-o e depois transmitindo a característica à próxima geração. Ao
ouvir essas ideias, Darwin lembrou-se imediatamente dos escritos de seu
avô Erasmus sobre evolução.
Quem não estava muito contente com esse novo rumo na carreira era o
pai dele. Frustrado pelo desinteresse de Charles pela medicina, Robert o
despachou para o Christ’s College, em Cambridge, para obter uma
formação de bacharel em artes, como um primeiro passo para se tornar
padre da Igreja Anglicana. Mas o jovem estudante não tinha planos de
abandonar o interesse pelo naturalismo. E, para esse fim, em 1831, uma
grande oportunidade se apresentou. Darwin foi convidado a participar de
uma expedição comandada pelo capitão Robert Fi Roy, a bordo do HMS
Beagle – uma emocionante viagem de 5 anos ao redor do globo, coletando
espécimes vegetais e animais.
Durante a circunavegação do mundo, o naturalista enfrentou enjoos
constantes ao mar e fez copiosas anotações da viagem. Na passagem pelas
ilhas Galápagos, chamaram-lhe a atenção os tentilhões – pássaros que, a
cada ilha, pareciam ter características ligeiramente diferentes. Esse foi o
germe da inspiração que levaria Darwin a conceber como realmente se deu
a origem de todas as espécies.
A despeito das inovações de Lamarck e de o naturalista adotar um
princípio fundamental correto – a busca de leis naturais que pudessem dar
forma à evolução –, a teoria de uso e desuso era obviamente falha. Para
citar um exemplo absurdo, mas eficaz, cortar uma perna da girafa não faria
com que seu descendente nascesse apenas com 3 delas.
Para contornar essa dificuldade, Darwin deu o grande e definitivo salto,
ao engendrar o conceito de seleção natural – a noção de que a evolução se
dá em meio a uma competição pela reprodução e a sobrevivência. Dentre a
variação natural existente em indivíduos de uma mesma população, o
ambiente favorecerá aqueles mais bem adaptados, que propagarão seus
traços específicos adiante, enquanto outros, menos convenientes,
desaparecem.
Quando o Beagle retornou à Inglaterra, Darwin foi cozinhando sua teoria
em banho-maria por longos anos. Primeiro, trabalhou na publicação de
seus diários de viagem, que se tornaram um imenso sucesso de público e
crítica. Em paralelo, começou a formular os primeiros registros escritos do
que viria a ser a teoria da evolução das espécies pela seleção natural. Esses
documentos remontam ao período logo após o retorno da viagem do
Beagle, entre 1837 e 1842. A partir daí, trocando ideias com colegas
cientistas, ele foi aperfeiçoando a ideia, tratando seu desenvolvimento
quase como um hobby.
“Em 1844 já tinha um manuscrito de mais de 200 páginas contendo
basicamente todos os pilares teóricos e conceituais [da teoria]”, conta o
geneticista Sandro de Souza, autor do livro A Goleada de Darwin.
O naturalista, contudo, era um perfeccionista. E o trabalho ia devagar em
parte por conta de suas crises crônicas de saúde – até hoje ninguém sabe ao
certo o que o afligia. Além disso, Darwin teria de lidar com sua
reintegração ao ambiente acadêmico, facilitada pelo sucesso de seus diários
de viagem. Apontado secretário da Geological Society em 1838 e eleito
membro da Royal Society em 1839, ele ao mesmo tempo precisava lidar
com um dilema pessoal: casar-se ou não com sua prima em primeiro grau,
Emma Wedgwood. Para decidir sobre sua vida pessoal, Darwin adotaria a
mesma abordagem sistemática que envolvia seu trabalho. Em pedaços de
papel, listou vantagens e desvantagens de se casar. Entre as boas coisas,
estavam “companheira constante e uma amiga na velhice ... melhor que
um cachorro de todo modo” e, entre as ruins, figuravam “menos dinheiro
para livros” e “terrível perda de tempo”. Acabou decidindo que valia a
pena, e Charles pediu a mão de Emma, que aceitou. Casaram-se em 29 de
janeiro de 1839. Um dos conflitos maiores entre os dois eram as
preocupações de sua esposa de que o afastamento do marido da religião
acabaria a separando dele após a morte. Apesar disso, mantiveram-se até o
fim como um casal apaixonado e geraram 10 filhos – dos quais 7
sobreviveram até a idade adulta. Darwin, contudo, nunca se recuperou
totalmente do sofrimento pela morte de sua primeira filha, Anne Elizabeth,
vitimada pela tuberculose aos 10 anos, em 1851.
O evento foi fundamental para sedimentar o ateísmo de Darwin, mas
obviamente atrapalhou o desenvolvimento de sua grande obra sobre a
evolução. Àquela altura, o naturalista já estava convencido da solidez de
sua teoria. Mas também sabia que se tratava de um tema polêmico,
potencialmente explosivo, e que seu trabalho seria alvo de críticas e
escrutínio ferrenhos. Diante disso, queria se cercar de todos os cuidados –
garantir que nenhuma observação ficasse faltando, nenhuma explicação
deixasse de ser dada, nenhum experimento que pudesse ser feito para
demonstrar os princípios básicos da evolução por seleção natural não fosse
descrito com toda a minúcia que se fazia necessária. Darwin queria
apresentar um trabalho exaustivo, à prova de bala.
Essa preparação quase eterna para a publicação durou até que ele visse
sua prioridade intelectual na descoberta concretamente ameaçada.
Em 1857, ele recebeu uma carta de um jovem naturalista chamado Alfred
Russel Wallace, perguntando se o livro em que ele tanto trabalhava iria
tratar especificamente da origem humana. Darwin disse que evitaria esse
assunto espinhoso, “tão cercado por preconceitos”, e encorajou o rapaz em
seu trabalho. Mas a atitude paternalista mudaria em junho de 1858,
quando, em nova correspondência, Wallace pedia sua opinião sobre um
artigo científico que ele acabara de produzir: uma descrição sumária, mas
precisa, da teoria da evolução pela seleção natural.
Darwin se apavorou, achando que ia perder o bonde da história. Estava
preparado para deixar Wallace tomar-lhe a dianteira, encaminhando o
trabalho para publicação, mas Charles Lyell, geólogo e amigo de Darwin,
insistiu em uma apresentação conjunta das ideias dos dois naturalistas,
compartilhando a prioridade, em 1º de julho de 1858. No ano seguinte,
seria publicado seminal livro de Darwin, A Origem das Espécies.
O naturalista sabia que estava pisando em ovos, principalmente no que
diz respeito à ancestralidade animal do ser humano. Por isso, procurou
abordar esse tema o mínimo possível na obra pioneira da seleção natural,
apenas dizendo que “luz seria jogada sobre a origem do homem”.
Ele acabaria saindo definitivamente do armário evolutivo a esse respeito
em outro livro, A Origem do Homem e a Seleção Sexual, publicado em 1871. E,
apesar de até hoje ser alvejado por fanáticos religiosos, Darwin foi
plenamente reconhecido em vida como um cientista revolucionário.
Quando de sua morte, em 19 de abril de 1882, foi enterrado na Abadia de
Westminster, em Londres, ao lado de Isaac Newton e John Herschel.

Como a vida de Darwin


pode inspirar a sua
ALGUNS TALVEZ INTERPRETASSEM o zelo de Darwin para com sua obra como um traço de
perfeccionismo. Tudo bem, teve isso, e a qualidade de A Origem das Espécies como trabalho
científico fala por si mesma. Mas o que mais salta aos olhos em Darwin é sua compreensão de qual
era sua obrigação moral, como cientista e como pensador.
Muitas vezes somos levados a trabalhar com a famosa (e infame) lei do mínimo esforço, ou mesmo
considerar razoável realizarmos nossas funções em prestações, dando uma pequena dose a cada dia.
Normalmente isso acontece quando somos pressionados ou quando não nos realizamos plenamente
com o que estamos fazendo.
Darwin era um apaixonado pelo naturalismo, de forma que não se poderia esperar menos que
dedicação intensa à sua produção intelectual. Em compensação, não podemos dizer que ele não
tenha lidado com pressões. Ele era pressionado pela esposa, pelos amigos cientistas e ainda sentia a
opressão social de estar a ponto de apresentar ideias que poderiam ser percebidas como uma
contestação às noções religiosas mais entranhadas na cultura ocidental do século 19.
Quando somos submetidos a esse tipo de pressão, muitas vezes refugamos. Não é raro desistirmos
de alguma coisa por nos sentirmos pressionados – e isso vale para coisas tão díspares quanto
empregos e relacionamentos amorosos. Mas Darwin soube transformar essa pressão numa
necessidade suprema de fazer a melhor e mais completa apresentação da teoria da evolução pelo
mecanismo da seleção natural. Seu livro, publicado em 1859, mantém um grau de atualidade poucas
vezes visto na história da ciência. E ressalve-se que Darwin não tinha acesso a nenhum dos
conhecimentos que temos hoje acerca da hereditariedade, da genética e da estrutura do DNA.
Qualquer descoberta que viesse depois dele poderia, em tese, incluir peças ao quebra-cabeça da
vida que fizesse ruir a torre de marfim darwiniana. Mas não foi o que aconteceu. Ao adotar uma
postura perfeccionista, o naturalista inglês se cercou de exemplos, observações e experimentos para
fundamentar sua teoria. (Sim, experimentos! Darwin promovia, entre outras coisas, cruzamentos de
pombos, para entender a transmissão de características nas gerações seguintes com uma precisão
que não seria possível apenas com a observação da natureza. Ironicamente, 150 anos depois
fundamentalistas religiosos ainda o acusam de não ter sustentação em evidências experimentais!)
Ele sabia que sofreria muitas críticas e agressões, mas não estava tão preocupado com reações
sociais quanto estava com possíveis falhas científicas no trabalho. Daí a obsessão que lhe custou 15
anos de aperfeiçoamento de suas ideias.
Ironicamente, Darwin também sofreu com a crise que muitos artistas têm com suas criações. Elas
nunca estão realmente terminadas. Sempre há o que melhorar. O mais que se pode fazer, num
determinado momento, é “abandoná-las”. No caso em questão, o evento que marcou a “desistência”
foi a apresentação, por Alfred Russel Wallace, dos princípios básicos da evolução por seleção
natural. A partir daí, ou Darwin publicava, ou abandonava a primazia.
Apesar de torturado pela frustração, o naturalista tinha um padrão de exigência tão alto que
cogitou deixar Wallace levar o crédito. Foi convencido pelos amigos, que sabiam de sua primazia, de
que deveria apresentar seu trabalho. E o resultado é uma das obras-primas da ciência.
O que a história nos conta é que a teoria da evolução por seleção natural seria formulada de
qualquer modo, com ou sem Darwin. Era uma constatação inevitável diante dos fatos da natureza.
Mas sem o cientista inglês, a ideia dificilmente ganharia o nível de sustentação e respeitabilidade
que adquiriu de forma quase instantânea – talvez por isso mesmo tenha produzido reações ainda
mais velozes e furiosas dos fundamentalistas religiosos.
Darwin nos ensina o valor de nos engajarmos de forma obstinada no que acreditamos – e também
o preço que, por vezes, temos de pagar por isso. Claramente, vale a pena.
Alfred Wegener
“Os cientistas ainda parecem não entender suficientemente que todas as ciências da Terra precisam
contribuir com evidências para o desvendar do estado do nosso planeta em épocas passadas, e que a
verdade da questão só pode ser atingida ao combinar todas essas evidências.”

D não faz milagre. Talvez por isso tenha sido


necessário um meteorologista para revolucionar a geologia. E o alemão
Alfred Wegener (1880-1930) estava tão convencido de sua descoberta que
apostava que, 10 anos depois de publicada, não haveria uma só alma
duvidando dela.
Ingênuo otimismo. Na verdade, levou mais de 4 décadas para que a
deriva continental – o fato de que os continentes já estiveram todos
reunidos no passado longínquo e vêm se separando desde então – fosse
aceita nos círculos acadêmicos.
E por muito tempo valeu o argumento de autoridade para a rejeição à
teoria: como poderia um meteorologista e astrônomo se meter nos assuntos
de um geólogo?
Alfred Lothar Wegener nasceu em Berlim, a 1º de novembro de 1880, o
mais jovem dos 5 filhos de Richard Wegener, um teólogo e professor de
línguas clássicas. Brilhante desde o início, Wegener passou pela escola
como o melhor de sua classe. Seguindo a tradição na universidade, o jovem
estudou física, meteorologia e astronomia em Berlim, Heidelberg e
Innsbruck e, durante a graduação, se tornou assistente num observatório
astronômico. Terminou o doutorado em astronomia, em 1905, mas
pretendia concentrar seus estudos em meteorologia e climatologia, onde
estavam seus interesses.
Seu irmão Kurt, dois anos mais velho, também havia se tornado cientista,
com interesse em meteorologia e pesquisa polar. Ambos passaram a
trabalhar juntos no Observatório Aeronáutico Lindenberg, onde se
tornaram pioneiros no uso de balões meteorológicos para acompanhar o
movimento de massas de ar. Num desses experimentos, bateram o recorde
de estada no ar a bordo de um balão, permanecendo por mais de 52 horas
suspensos, entre os dias 5 e 7 de abril de 1906.
Naquele mesmo ano, Alfred faria sua primeira expedição à Groenlândia,
episódio que ele descreveu como transformador em sua vida.
(Infelizmente, seria também o desencadeador de sua morte.) Ao retornar,
assumiria um posto na Universidade de Marburg.
Ao mesmo tempo, Wegener estava intrigado pela aparência dos
continentes, que num mapa mais se pareciam com um imenso quebra-
cabeça. Qualquer um que olha um planisfério mundial repara como a costa
leste da América do Sul se encaixa perfeitamente no oeste da África, não
fosse por um oceano inteiro no meio. O primeiro a comentar o fato foi
ninguém menos que Francis Bacon, em 1620.
O que o levou a formular a teoria, contudo, foi a leitura, em 1911, de um
artigo científico que listava fósseis idênticos de plantas e animais
encontrados em lados opostos do oceano Atlântico. É como se aquelas
regiões, no passado, fossem realmente contíguas – o quebra-cabeça já havia
sido montado antes de ser desmontado.
A ideia de continentes móveis, contudo, era tão bizarra para a época que
os contemporâneos de Wegener preferiam explicar o fenômeno ao postular
a existência de pontes naturais entre as massas de terra, que em tempos
antigos haviam permitido que flora e fauna similares se espalhassem em
lados opostos do oceano.
Claro, isso não explicava por que as costas africana e sul-americana
pareciam se encaixar quase à perfeição uma na outra. E então Wegener
ousou fazer a sugestão. Podia parecer meio óbvia, mas seu grande mérito
foi ter juntado o maior número de evidências que sustentassem essa
hipótese, convertendo-na numa teoria de respeito.
Nesse sentido, a formação de meteorologista veio bem a calhar. Foi
conduzindo um trabalho sobre paleoclima – extrapolando as características
climáticas passadas de um dado lugar a partir de fósseis animais e vegetais
– que ele percebeu similaridades incríveis entre regiões que hoje têm
ambientes bastante diversos, mas ficam mais próximas se você juntar todos
os continentes.
Wegener fez a primeira apresentação de sua teoria em 1912, em uma série
de artigos científicos, mas sabia que teria de fazer melhor se quisesse
convencer a comunidade acadêmica. Entretanto, foi obrigado a reduzir o
ritmo de trabalho por conta do início da Primeira Guerra Mundial, em
1914. Oficial da reserva da infantaria alemã, ele foi imediatamente
reconvocado e teve de deixar a esposa, Elsa Köppen (filha de seu ex-
professor e mentor, o meteorologista Wladimir Köppen), com quem ainda
teria duas filhas, para ser enviado para a frente de batalha na Bélgica.
Os meses seguintes não foram fáceis para Alfred, que se viu obrigado a
enfrentar combates violentos que o levaram a se ferir duas vezes. Depois
disso, ele foi classificado como inapto para lutar e realocado para o serviço
meteorológico do Exército. O trabalho exigia que ele viajasse
constantemente visitando várias estações de coleta de medições, mas ainda
assim Wegener conseguiu, em 1915, concluir seu livro A Origem dos
Continentes e Oceanos, que reunia toneladas de evidências paleoclimáticas e
geológicas (como cadeias de montanhas que começavam de um lado do
oceano e terminavam do outro) em favor da ideia.
“O otimismo dele o convenceu de que todas as crenças em continentes
fixos seriam abandonadas no máximo 10 anos depois que seu livro fosse
publicado”, diz Roger McCoy, geólogo da Universidade de Utah, nos EUA,
que escreveu um livro sobre o tema. “Alguns geólogos expressaram
fascínio pela ideia inovadora, mas não podiam aceitar as evidências
apresentadas por Wegener.”
A publicação não recebeu a devida atenção não só pelo fato de que fora
publicada durante a guerra, onde o foco do mundo estava em outra
direção, mas também por uma razão cientificamente justificável. Ainda
faltava uma peça crucial ao quebra-cabeça: como os continentes poderiam
se mover? As forças de movimento das rochas liquefeitas do manto ainda
não eram conhecidas, e ninguém imaginava um modo convincente de
mobilizar grandes massas de terra pelo globo.
Ao fim da guerra, Wegener conseguiu emprego como meteorologista no
Observatório Naval Alemão, mudando-se para Hamburgo com a família.
Entre 1919 e 1923, o cientista realizaria trabalhos pioneiros ao reconstruir o
clima do passado em diversas partes do globo. Mas foi em 1922, com a
publicação da terceira edição de A Origem dos Continentes e Oceanos,
revisada e expandida, que finalmente suas ideias começaram a ser
discutidas – embora a reação geral ainda fosse de escárnio. A quarta e
última edição viria a ser publicada em 1929.
Em 1930, ele realizaria sua quarta – e fatal – expedição à Groenlândia,
mais uma vez em companhia de seu irmão. O principal objetivo era
instalar 3 estações permanentes no gelo, a fim de medir sua profundidade
e realizar observações meteorológicas. Wegener era o líder e se sentia
pessoalmente responsável, em razão do investimento do governo alemão
no projeto.
Contudo, depois de levar suprimentos a colegas isolados no interior da
ilha, numa tentativa de retornar ao acampamento a oeste, Alfred Wegener
e seu colega Rasmus Villumsen ficaram sem alimentos para dar aos cães
que puxavam seus trens. Foram matando os animais um a um para dar de
comer aos demais. Mas os cães acabaram antes da viagem, e os dois
acabaram morrendo tragicamente em meio ao deserto de gelo.
Wegener foi o primeiro a colapsar. Ele estava a meio caminho do
acampamento, quando teve um ataque cardíaco, provavelmente causado
por exaustão. Seu corpo foi enterrado por Villumsen com cuidado, e um
par de esquis marcava o local, o que permitiu que fosse encontrado em 12
de maio de 1931, cerca de 6 meses depois de sua morte.
Após o sepultamento, o colega de Wegener, então com 23 anos, seguiu
em frente, levando consigo o diário do cientista. Mas Villumsen também
não conseguiu chegar ao acampamento. Seu corpo nunca foi encontrado, e
imagina-se que ele esteja hoje sob mais de 100 metros de gelo e neve
acumulados. Ao irmão de Wegener, Kurt, caberia a tarefa de concluir a
expedição com sucesso.
Com isso, Alfred Wegener ficou sem ver sua teoria aceita pela
comunidade de geologia. A deriva continental só foi reconhecida
formalmente na década de 1950.

Como a vida de Wegener


pode inspirar a sua
WEGENER NOS ENSINA, acima de tudo, o valor que podemos obter ao abordar um velho problema de
uma perspectiva nova. Ele sempre defendeu a noção de que a história da Terra não poderia ser
decifrada mantendo os compartimentos do conhecimento especializado firmemente separados
entre si, com cada especialista explorando o seu próprio quadradinho, e nada mais.
Em certo sentido, o triunfo da teoria da deriva continental é um prenúncio da importância da
multidisciplinaridade, algo que hoje é absolutamente cristalino não só nas ciências, como na vida
cotidiana e profissional de todos nós, aqui, no século 21.
(Um parêntese pessoal: poucos imaginariam que conquistei meu primeiro emprego no jornal Folha
de S.Paulo como jornalista de ciência em parte por ter colocado no meu currículo que eu desenhava
histórias em quadrinhos quando era moleque. A história, contada a mim anos depois pelo editor de
ciência da Folha na época, Marcelo Leite, era a de que ele buscava alguém que pudesse pensar em
termos das infografias, tão importantes no noticiário de ciência, e meu background como
quadrinista amador viria bem a calhar. É um exemplo pequeno, quase pueril, mas bastante eficaz, de
como às vezes fazemos coisas a que não damos muita importância no momento, movidos apenas
por nossos interesses e aspirações pessoais, para depois vermos essas mesmas coisas se tornando
relevantes em outros aspectos e épocas da vida, quando simplesmente as deixamos vazar para “fora
da sua caixinha”.)
Wegener, com sua formação em astronomia, meteorologia e climatologia, tinha referências
diferentes das dos geólogos e geógrafos de então para poder abordar um problema tão intratável
como gritante – o fato de que os continentes pareciam se encaixar num quebra-cabeça – a partir de
uma perspectiva nova. Concentrando-se em evidências paleontológicas e paleoclimáticas, ele
produziu um conjunto de fatos científicos que apontavam numa única direção: os continentes já
estiveram todos reunidos numa única massa de terra – que ele chamou de Urkontinent, mas hoje
conhecemos como Pangeia –, milhões de anos atrás.
Em retrospecto, o fato de não ter sua contribuição devidamente apreciada antes de sua morte
mostra como Wegener estava adiante de sua época. E não pense você que ele não sabia disso. Seu
irmão Kurt chegou a dizer que a motivação de Alfred para o livro A Origem dos Continentes e
Oceanos, de 1915, era “restabelecer a conexão entre a geofísica de um lado e a geografia e geologia de
outro, que haviam se rompido completamente por conta do desenvolvimento especializado desses
ramos da ciência”. Em retrospecto, a missão foi cumprida com brilhantismo. E era um
reconhecimento da importância da interdisciplinaridade, uma das qualidades fundamentais a gente
de todas as áreas de atuação hoje em dia, mas uma ideia quase alienígena apenas 100 anos atrás.
Claro que com isso não precisamos voltar atrás no tempo e esperar que todos se tornem polímatas,
abdicando assim da especialização. A essa altura, o desenvolvimento cultural, científico e
tecnológico é tão pujante que seria impossível ver emergir alguém capaz de comandar a imensa
maioria do conhecimento disponível – algo que seria viável para alguém no Renascimento, por
exemplo.
Contudo, podemos aprender a lição deixada por Wegener e aplicá-la em nosso dia a dia em toda a
sua plenitude quando promovemos trabalhos em conjunto. É importante, na formação de grupos e
equipes, valorizar diferentes características e qualidades, para que o todo saia enriquecido da
mistura. Se todo mundo tiver o mesmo perfil, esse valor é perdido, por mais que sejam todas pessoas
competentes e brilhantes. E nunca podemos perder de vista que não é só a formação acadêmica que
molda e influencia esses indivíduos. Tão importantes quanto são as inclinações, aspirações e
ambições pessoais. Repudiá-las, ou mesmo desprezá-las, seria destruir um enorme potencial para o
desenvolvimento criativo e eficiente de qualquer trabalho.
Edwin Hubble
“Equipado com seus 5 sentidos, o homem explora o Universo
ao redor dele e chama a aventura de ciência.”

Q , ele era mais reconhecido por seus dotes atléticos do que


pela capacidade intelectual. Mas estamos falando do cientista que fez
ninguém menos que Albert Einstein reconhecer o maior erro de sua vida.
Edwin Powell Hubble nasceu na cidade de Marshfield, no Missouri, em
20 de novembro de 1889. Filho de Virginia Lee Hubble com John Powell
Hubble, um executivo de uma empresa de seguros, ele cresceu sendo
admirado mais por suas capacidades atléticas do que por suas habilidades
intelectuais. Ele ia bem na escola, exceto por uma dificuldade com
ortografia, mas seus talentos pareciam brilhar ao praticar esportes.
Quando chegou à Universidade de Chicago, o jovem Hubble continuava
a se destacar nos esportes. A mãe dele se preocupava que se machucasse
jogando futebol americano, seu esporte favorito, e então seu pai o proibiu
de praticá-lo. Refletindo a rebeldia da juventude, Edwin então passou a
praticar pugilismo! Além disso, entrou para o time de basquete (ele tinha
1,88 m) e o levou a vencer, pela primeira vez, o título de sua conferência no
campeonato de basquete universitário, em 1907.
Nos estudos em Chicago, Hubble concentrou-se em matemática e
astronomia (tema pelo qual era apaixonado desde criança), que o
conduziram ao bacharelado em ciência em 1910. Depois disso, ele passou 3
anos na Inglaterra, estudando no The Queen’s College, em Oxford – onde
adquiriu maneirismos britânicos que irritariam seus colegas pelas décadas
seguintes. De início, fez o curso de direito – pagando uma promessa que
fez ao pai, cada vez mais doente, à beira da morte. John Powell Hubble
morreria no inverno de 1913, quando Edwin ainda estava na Inglaterra. O
estudante então retornou à casa da família para cuidar de sua mãe, suas
duas irmãs e seu irmão mais novo. Seu outro irmão crescido, William, fez o
mesmo.
De volta aos Estados Unidos, Edwin não se animou em exercer a
profissão de advogado e virou professor de espanhol, física e matemática
numa escola ginasial em New Albany, Indiana, onde também foi o
treinador do time de basquete. Durou um ano. E então, aos 25 anos,
Hubble decidiu que não podia se negar ao seu próprio destino e partiu
para uma carreira profissional em astronomia.
Para isso, contou com a ajuda de um ex-professor da Universidade de
Chicago, que o acolheu para um doutorado, concluído em 1917. Sua tese
versava sobre “Investigações Fotográficas de Nebulosas Tênues”. E então
os Estados Unidos declararam guerra à Alemanha, no fim da Primeira
Guerra Mundial. Hubble correu para defender sua dissertação e alistou-se
no Exército, mas jamais chegou a combater. Findo o conflito, o astrônomo
passou um ano em Cambridge e, em 1919, recebeu o convite de trabalhar
na equipe do Observatório de Monte Wilson, próximo a Pasadena, na
Califórnia. E foi lá que ele começaria a expandir as fronteiras do Universo.
Literalmente.
Até então, imaginava-se que tudo que existia era a Via Láctea, com
bilhões de estrelas. Mas, durante observações conduzidas no Monte Wilson
(então equipado com o maior telescópio do mundo), entre 1922 e 1923,
Hubble foi capaz de demonstrar que muitas das manchas conhecidas como
nebulosas eram na verdade galáxias, como a própria Via Láctea.
Num movimento curioso, Hubble publicou primeiro seu achado no jornal
americano The New York Times, em novembro de 1924, para só em janeiro
de 1925 comunicar formalmente a descoberta à comunidade científica,
numa reunião da Sociedade Astronômica Americana.
Até aí, ficou claro que o Universo era muito maior do que antes se
imaginava, com bilhões de galáxias similares em porte à nossa própria,
cada uma com bilhões de estrelas como o Sol, espalhadas por uma
imensidão inimaginável de espaço. Mas a verdadeira expansão cuja
identificação é atribuída a Hubble veio um pouco mais tarde, em 1929,
quando ele formulou a famosa “lei de Hubble”.
O astrônomo percebeu que, quanto mais distante estava uma galáxia
observada, mais avermelhada sua luz parecia ser. Nem ele, nem ninguém,
pensou que galáxias distantes pudessem ser mesmo vermelhas. O que
parecia estar acontecendo é que a própria luz estava se transformando, se
distorcendo, com as frequências desviando-se para o vermelho.
Isso era fácil de explicar se todas as galáxias estivessem se afastando
umas das outras. Quanto mais longe elas estavam, mais rápido se
distanciavam, aumentando o desvio para o vermelho.
Esse fenômeno em si já não era tão misterioso. Seria o equivalente
luminoso do que acontece com as ondas sonoras. Exemplo clássico: uma
ambulância em deslocamento. Quando ela se aproxima de você, o som da
sirene parece ter um certo tom. Ao ultrapassar e se distanciar, parece que o
tom muda. Essa mudança da sonoridade, conhecida como efeito Doppler, é
basicamente a mesma coisa que o “desvio para o vermelho”.
Só que os desvios observados na luz de galáxias distantes pareciam
indicar algo mais que só afastamento. Eles pareciam ser criados pelo fato
de que o próprio espaço entre as galáxias estava se esticando enquanto os
raios de luz o atravessavam.
O astrônomo concluiu que a razão para o desvio só podia ser o
esticamento dos comprimentos de onda luminosos, ao passar pelo espaço
em expansão. Como o próprio espaço se estica, as ondas ficam mais
compridas e deslocam-se para a porção vermelha do espectro. Hubble
então usou as observações para calcular a taxa de afastamento das galáxias.
Baseado nisso, fez a primeira estimativa de quando o Universo deveria ter
começado.
“O próprio Hubble foi surpreendido”, diz Augusto Damineli, astrônomo
da USP que escreveu um livro sobre o cientista americano.
A conclusão de que o espaço estava se expandindo, esparramando mais e
mais o conteúdo do Universo, se tornou a primeira evidência concreta de
que houve um Big Bang – um começo pequeno e explosivo para o
Universo. E consolidou a teoria da relatividade geral em sua formulação
clássica.
Quando Einstein aplicou sua teoria ao Universo inteiro, em 1917,
percebeu que ela só permitia a existência de um cosmos em expansão ou
em contração, mas não estático. Isso era um grande problema para ele,
uma vez que sugeriria que, no passado, todo o conteúdo do cosmos estaria
reunido num único ponto – o Universo, pelo menos tal qual o vemos hoje,
parecia ter tido um princípio. Einstein não via essa ideia com bons olhos:
para ele, o mundo deveria ser estático e eterno. Por isso, alterou suas
equações e introduziu uma “constante cosmológica”, a fim de estabilizar o
Universo.
Hubble, ao descobrir que o Universo estava em expansão, mostrou que a
alteração de Einstein era desnecessária. Reconhecendo a besteira, o físico
alemão assumiu a constante cosmológica como “o maior erro da minha
vida”. E foi visitar Hubble, em 1931, para agradecê-lo.
Ainda assim, não bastou para que o astrônomo americano ganhasse um
Prêmio Nobel. Edwin passou boa parte e sua vida advogando que a
astronomia era uma parte da física, e que seus praticantes seriam elegíveis
ao Nobel em Física. Mas esse não era, originalmente, o entendimento da
Academia Real de Ciências da Suécia, que julga e concede a premiação.
Pouco depois da morte de Hubble, ela mudaria essa política e permitiria
que astrônomos disputassem – mas aí já era tarde demais para o próprio
Edwin, uma vez que outra regra impede que o Nobel seja concedido
postumamente.
Criado nas tradições cristãs, Hubble imaginou, de início, que o estudo da
astronomia pudesse conduzi-lo a se aproximar da mente de Deus.
Contudo, ao confrontar a revelação da escala do Universo produzida por
seu próprio trabalho, com o passar dos anos, Hubble foi perdendo suas
convicções religiosas. “Nós não sabemos por que nós nascemos no mundo,
mas podemos tentar descobrir que tipo de mundo ele é – pelo menos em
seus aspectos físicos”, disse, cada vez mais certo de que a ciência jamais
poderia oferecer valores transcendentes, que iluminassem questões que
vão além da realidade física observável. A um amigo deprimido que
perguntara sobre suas crenças, Hubble respondeu: “A coisa toda é tão
maior do que eu sou, e não posso entendê-la, então eu simplesmente me
entrego a ela e não penso mais nisso”. O cientista estava caminhando na
direção do agnosticismo, que nem defende, nem nega a existência de um
“algo mais” que fosse além do mundo físico.
Em 1942, Hubble mais uma vez abandonou sua carreira para servir o
Exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. De início ele
esperava ir para o combate, mas já não tinha mais idade para isso e todos
consideraram que ele seria mais útil ao esforço de guerra como cientista.
Edwin trabalhou no Campo de Provas do Exército em Aberdeen,
Maryland, e foi condecorado pelas autoridades americanas. Ao fim da
guerra, retornou ao trabalho em Monte Wilson.
Em julho de 1949, durante as férias no Colorado, Hubble sofreu um
ataque cardíaco. Ele ficou aos cuidados de sua esposa, Grace, com quem
havia se casado 25 anos antes. Depois do episódio, continuou a trabalhar,
mas em ritmo reduzido, e acabaria vindo a falecer em 28 de setembro de
1953, vítima de uma trombose cerebral. Não houve cerimônia fúnebre, e o
local em que seu corpo foi sepultado jamais foi revelado. Edwin e Grace
não deixaram filhos.

Como a vida de Hubble


pode inspirar a sua
“ALARGAR OS HORIZONTES” nunca foi uma expressão tão literal quanto com Hubble. Ao apontar os
telescópios para as profundezas do cosmos, tentando enxergar tão longe quanto possível, o
astrônomo americano acabou revelando a natureza intrínseca do Universo, em meio a um processo
de expansão que teria começado 13,8 bilhões de anos atrás.
Ao mesmo tempo que expandiu o domínio do conhecimento, Hubble duelava com as reflexões que
dele advinham. E mantinha uma postura neutra, desapaixonada, evitando por completo possíveis
conflitos entre versões míticas da origem do cosmos e o que a ciência podia já dizer a esse respeito.
Nesse sentido, mostrou grande maturidade, e essa é uma lição que pode ser aplicada de forma geral.
Pensar e repensar seus próprios arredores, ampliando os horizontes, é um dos mecanismos mais
básicos que o ser humano tem para poder conviver com seus semelhantes, respeitando as diferenças
e a diversidade. Se nos fechamos no nosso quadradinho, a chance de criarmos vieses, preconceitos e
pré-julgamentos se torna naturalmente maior. Somente nos permitindo a exposição ao diferente – o
que, no caso de Hubble, correspondia precisamente ao longínquo – podemos adquirir uma nova
apreciação do todo e, por isso mesmo, renovar a apreciação por nós mesmos, colocando-nos num
contexto mais amplo da existência.
É uma reflexão que vale a pena fazer sempre que nos encontramos num aparente beco sem saída.
Será que estamos vendo tudo que há para ser visto? Não há algo que nos escapa, pelo simples fato
de que não levantamos os olhos? Não estamos fazendo um julgamento acerca do nosso mundo
baseado numa visão míope, incapaz de olhar além dos próprios arredores?
Além disso, vale lembrar com que disciplina Hubble se conduziu ao longo de sua vida. Longe de se
perder por caminhos sinuosos, ele sempre teve um forte senso de dever, o que se mostra claro
quando ele deixa Oxford para voltar aos Estados Unidos e cuidar da família, após a morte do pai, e
novamente durante as duas guerras mundiais, em que Edwin se dispõe a servir seu país tão
prontamente quanto possível.
Com efeito, foi esse mesmo senso de propósito que permitiu que ele realizasse seu intento e
desenvolvesse uma carreira bem-sucedida na astronomia. Hubble em nenhum momento se viu
perdendo tempo ao estudar direito ou ao aprender espanhol, mas sabia, no fundo, no fundo, que
cedo ou tarde teria de se dedicar ao que o fascinava: o espaço clamava, e ele teve de atender ao
chamado.
Essa também é uma lição importante: não devemos nos recusar a fazer aquilo que não nos realiza,
pois, em muitos momentos, isso é de fato absolutamente necessário. Apresentar recusas e
procrastinações constantes só nos leva à frustração, pois as tarefas indesejadas são tão constantes
quanto inevitáveis.
Contudo, isso não pode servir como argumento para que se abdique do sonho, sob pena de cair
num círculo de “coitadismo” e raiva da vida. Hubble sabia que seria feliz na astronomia e, mesmo
enquanto sua formação ainda estava inclinada ao direito, já publicava estudos a respeito.
O astrônomo americano entendeu como poucos a aventura da ciência, em que não se trata apenas
de apreender o Universo, mas sobretudo se encantar com o desconhecido. Ao falar de ambições, em
1948, Hubble dizia à BBC de Londres sobre a “esperança de achar algo que não esperamos”, o que
sintetiza bem a ideia. O charme da exploração não é confirmar uma visão de mundo previamente
estabelecida, mas justamente desafiá-la. Levá-la ao ponto em que ela não mais se sustenta, assim
induzindo o intelecto humano a se renovar e a buscar respostas diferentes e mais sofisticadas para
velhas perguntas.
2
OS MESTRES DA
Intuição
Método, experimentação e lógica são as peças fundamentais na construção do conhecimento. Mas
existem algumas pessoas que conseguem, por meio de processos pessoais e misteriosos, dar saltos
conceituais não precedidos por passos intermediários. Esses lampejos, nas mãos dos gênios,
mudam os rumos da humanidade.
Leonardo da Vinci
“É algo que desde então veio à minha atenção, que pessoas realizadas raramente se sentaram e
deixaram as coisas acontecerem a elas. Elas saíram e aconteceram às coisas.”

A têm dificuldade para categorizar e


compreender o tamanho da contribuição de Leonardo da Vinci à ciência e à
cultura modernas. E nem é pelo fato de o sujeito ter produzido todos os
seus escritos – são cerca de 6 mil páginas, só contando as que sobreviveram
– invertidos, só passíveis de leitura se colocados diante do espelho.
Sem dúvida é mais um dos muitos elementos que ajudam a criar uma
aura de mistério sobre o gênio renascentista. Mas, na verdade, era mera
questão de praticidade. Canhoto, Leonardo escrevia mais depressa e
preservava o papel limpo (sem borrar a tinta) escrevendo da direita para a
esquerda.
Nascido em 15 de abril de 1452, na pequena vila de Vinci, na Toscana,
Leonardo di Ser Piero da Vinci era filho ilegítimo (ou seja, sem casamento)
de um rico tabelião com uma camponesa. Ele não herdou o sobrenome do
pai, e seu nome completo meramente denotava sua origem: Leonardo, filho
do “ser” (como em “sir”, indicando a nobreza) Piero, da vila de Vinci.
Sua infância é obscura. Ao que tudo indica, ele viveu os 5 primeiros anos
de sua vida na casa da mãe e depois, em 1457, passou a viver com o pai, os
avós e um tio. Seu pai se casaria diversas vezes depois de seu nascimento,
mas só produziria herdeiros legítimos no terceiro e quarto casamentos.
Desde criança, Leonardo manifestou incrível talento para a arte. Giorgio
Vasari, que no século 16 escreveu a biografia de diversos artistas
renascentistas, conta como um camponês havia feito um escudo para si e
solicitado a Ser Piero que fosse pintado. Leonardo então produziu uma
pintura de um monstro cuspindo fogo que era tão assustadora que Ser
Piero vendeu a um negociante de arte de Florença. Com o lucro, comprou
outro escudo com a pintura de um coração perfurado por uma flecha, e o
deu ao camponês.
Aos 14 anos, Leonardo se tornou aprendiz do famoso artista Andrea di
Cione, conhecido como Verrocchio, principal pintor e escultor de seu
tempo. Lá, o jovem talento seria exposto a estudos de anatomia e adquirido
uma vasta coleção de habilidades técnicas, como o trabalho em metal,
gesso e couro, mecânica e carpintaria. Também aprimoraria seus dotes
naturais com desenho, pintura, escultura e modelagem.
Uma história famosa, descrita por Vasari, sugere que Leonardo colaborou
com Verrocchio no famoso quadro O Batismo do Cristo, feito entre 1472 e
1475. Diz-se que as contribuições do pupilo ao quadro foram tão
assombrosas que Verrocchio decidiu nunca mais pintar depois disso.
Foi nessa mesma época que Leonardo recebeu o título de mestre e agora
poderia voar por conta própria. Mas não sem antes se envolver num
episódio nebuloso. Ele e outros 3 jovens foram acusados de sodomia,
segundo registros da corte florentina de 1476. Aparentemente, foram
flagrados em atos homossexuais com um prostituto, o que era ilegal na
Florência renascentista. Sabemos que ele foi inocentado (provavelmente
porque um dos jovens com ele era parente de Lorenzo de’ Medici, uma
poderosa família da Toscana, com quem também travamos contato na
história de Galileu), mas, durante dois anos, sua biografia se tornou
completamente opaca aos esforços dos historiadores.
Leonardo só iria reemergir, em 1478, longe do ateliê de Verrocchio e fora
da casa de seu pai. Foi nessa época que o artista começou a receber suas
primeiras encomendas de arte. Ele tentou se juntar à corte de Lorenzo de’
Medici, mas não foi aceito. A razão? Ninguém sabe. Talvez o fato de não
ser um filho legítimo, com direito a título de nobreza? Talvez a falta de
instrução formal em grego e latim? Quando, em 1482, Leonardo construiu
uma lira de prata na forma de uma cabeça de cavalo para dar a Medici, ele,
com desdém, sugeriu que Leonardo a levasse para um rival, Ludovico
Sforza, o duque de Milão. Leonardo levou a sério a ideia, mas foi também
portando uma carta, em que oferecia seus serviços ao duque de Milão,
como projetista e construtor de instrumentos de guerra. Após apresentar
uma série de projetos de sua própria invenção, envolvendo pontes,
aquedutos e morteiros, Leonardo escreve: “E se alguma das coisas listadas
acima parece a alguém ser impossível ou não realizável, estou totalmente
pronto para fazer o experimento em seu parque, ou em qualquer lugar que
agrade Vossa Excelência – a quem eu me dedico com a máxima
humildade”. Aparecia aí o lado inventor do grande artista.
Com efeito, Leonardo permaneceu em Milão entre 1482 e 1499, onde
realizou diversos projetos para Ludovico Sforza e foi muito feliz. Era
respeitado como artista e pensador. Entre suas obras mais famosas do
período, está A Última Ceia (1498), que mostra Jesus e seus apóstolos na
última refeição que fizeram juntos. Mas, com o eclodir da Segunda Guerra
Italiana, em 1499, Sforza foi derrotado pelos franceses, o que obrigou
Leonardo a fugir para Veneza, onde se empregou como arquiteto militar e
engenheiro, desenvolvendo meios de defender a cidade de ataques navais.
Na época, havia temores de uma invasão turca. Leonardo chegou a criar
um submarino e, então, temendo as consequências de tal invento, destruiu
os planos e modelos, para impedir que fossem usados de forma
irresponsável.
Depois da passagem por Veneza, Leonardo foi a Florença, onde sua
amizade com Nicolau Maquiavel lhe valeu um contrato para pintar a
Batalha de Anghiari no Grande Salão do Conselho. Outro grande mestre da
época, Michelangelo, queria provar que podia fazer melhor e ganhou o
contrato para pintar a parede oposta. Virou uma competição. No fim,
ambas as obras terminaram inacabadas. Foi em Florença que Leonardo
recebeu a notícia da morte de seu pai. Usando o fato de ele ser bastardo, os
irmãos mais novos conseguiram deserdá-lo. Em compensação, também foi
lá que Leonardo produziu sua obra mais famosa: a Mona Lisa (1503), o
retrato mais famoso e parodiado do mundo.
Pouco depois, ele recebeu o convite para retornar a Milão, dessa vez pelos
franceses. Os florentinos não queriam permitir, em vista do afresco
inacabado, mas foram pressionados a ponto de o próprio rei francês enviar
uma carta solicitando a liberação do mestre. Ele se restabeleceria em Milão
em 1506.
Quando seu tio morreu, deixando suas posses a Leonardo, os irmãos
mais uma vez tentaram deserdá-lo, mas desta vez o mestre lutou e
conseguiu preservar seus direitos. (Apesar desse conflito, num gesto de
sabedoria, em seu testamento, o mestre deixaria suas propriedades aos
irmãos.)
Em 1512 os Sforza recuperaram Milão, e em seguida Leonardo foi
recrutado pelo papa Leão 10º para ir ao Vaticano, onde ficaria por 3 anos,
entre 1513 e 1516. Na mesma época, dois outros grandes mestres
renascentistas, Rafael e Michelangelo, estavam por lá. Em outubro de 1515,
o rei francês Francisco 1º retoma Milão e chama Leonardo a servi-lo
novamente, desta vez na França. É onde o mestre termina seus dias, sob a
admiração do soberano francês. Ele teria dito: “Não houve outro homem
nascido no mundo que sabia tanto quanto Leonardo, não muito sobre
pintura, escultura e arquitetura, mas que ele era um grande filósofo”.
Com efeito, as obras de arte de Leonardo lhe garantiram fama e sucesso
durante sua vida. Mas somente depois de sua morte foi possível apreciar a
grandeza de seu intelecto. Suas maiores demonstrações de genialidade
deixadas pelo renascentista foram os seus chamados “cadernos de notas”.
Leonardo jamais demonstrou o desejo de publicá-los, mas foram de tal
maneira organizados que permitiriam isso com facilidade.
A obra “oculta” de Leonardo abrangeu praticamente todos os campos do
conhecimento, não raro com grande propriedade – sobretudo se levarmos
em conta a época em que ele viveu, onde os alicerces da cultura científica
baseada na observação e na experimentação ainda não haviam sido
sedimentados.
Muitos estudiosos acham que o alcance difuso do trabalho do italiano
carecia de um princípio organizador. Mas Martin Kemp, da Universidade
de Oxford, no Reino Unido, defende que Leonardo chegou, por pura
intuição, a esse fio condutor. “A premissa global com que Da Vinci
trabalhava é que toda a aparente diversidade da natureza é sintoma de
uma unidade interna, dependente de algo, como uma ‘teoria de campo
unificado’, que consiga explicar o funcionamento de tudo que existe no
mundo observável.”
Trata-se de uma ideia que estava muito além do pensamento corrente,
mesmo entre os grandes expoentes renascentistas. Mas Leonardo sempre
se colocou muito além da própria vanguarda. Seus escritos continham
projetos para um tanque de guerra, meios de explorar energia solar e uma
calculadora, sem falar em máquinas voadoras.
Leonardo projetou, além do paraquedas, ao qual seu nome é associado,
diversos aeroplanos, planadores e helicópteros. Em 2003, uma rede de
televisão britânica executou vários desses projetos e alguns chegaram a
funcionar como pretendido – embora outros tenham tido desempenho
menos impressionante.
Representante máximo do humanismo, ele foi também um grande
estudioso da anatomia. Seus estudos profundos do tema, foram aplicados
de forma prática nas pinturas e esculturas que fez – quase como um
mágico excepcional que nunca revela seus truques. Com essa atitude,
Leonardo cultivou a imagem de um misterioso e sábio polímata, que ecoa
até hoje quando mencionamos seu nome.

Como a vida de Leonardo da Vinci


pode inspirar a sua
ELE FOI UM DOS caras mais geniais que a humanidade já viu – quiçá o mais genial. Sua intuição,
combinada à observação obsessiva do mundo ao seu redor, produziu incríveis obras de arte e
invenções avançadíssimas, como o paraquedas, o submarino e os primeiros protótipos de máquinas
voadoras. Aos homens daquele tempo pareceriam loucuras. Mas Leonardo intuiu o futuro como
poucos e, com isso, ajudou a construí-lo. Nós, com o benefício da vida no século 21, sabemos bem
disso. Mas a grande lição que ele nos deixa é que até mesmo as pessoas mais brilhantes precisam
correr atrás das coisas, se querem deixar sua marca no mundo.
Leonardo demonstrava talento inato para as artes e já tinha um olhar diferenciado para a natureza.
Por exemplo: naquela época, em pleno Renascimento, ele defendia o vegetarianismo como uma
postura ética diante da crueldade contra os animais, o que mostra uma sensibilidade muito além do
seu tempo. (Não acho que o vegetarianismo necessariamente seja uma solução para o dilema do
direito dos animais, um assunto que trato em mais detalhes em meu livro Ciência Proibida, mas é
inegável que a sensibilidade de Leonardo para o problema envolvido em explorar animais estava
deslocada de sua própria época e parece muito mais apropriada hoje, mais de 5 séculos depois.)
Embora tivesse uma mente completamente moderna, Leonardo teve de lutar contra os
preconceitos retrógrados de seu tempo. O fato de ser um filho que nasceu fora do casamento, entre
um nobre e uma camponesa, foi uma marca que o perseguiu. Primeiro, pela dificuldade de se firmar
e ganhar o respeito da aristocracia italiana. Segundo, pelas disputas de herança que a marca de
bastardo trouxeram a ele.
Quando foi humilhado e rejeitado pelos Medici, Leonardo poderia ter se resignado. Em vez disso,
acreditou plenamente em seu potencial e foi oferecer seus préstimos a Ludovico Sforza, duque de
Milão, levando consigo o que hoje basicamente seria visto como um currículo e uma carta de
recomendação. E lá ele teve seu valor reconhecido, tornando-se um dos grandes mestres e sábios de
seu tempo, cujos trabalhos eram disputados por apreciadores das artes e das ciências e invejados por
seus rivais.
Isso não caiu no colo dele; ele teve de correr atrás. É um ótimo exemplo para refutar aquela noção
de que, quando topamos com um sujeito extremamente inteligente e bem-sucedido, tendemos a
pensar naquela linha meio tacanha, dizendo “tudo é fácil para ele”. Não, dificilmente os gênios se
projetam com facilidade. Muito pelo contrário, uma das marcas de vida da inteligência superior, a
tomar pela maioria dos exemplos históricos, é o esforço e o duelo constantes contra forças contrárias
que querem manter o gênio no anonimato, longe das páginas da história. (Pode reparar: se o sujeito
subiu muito fácil na vida, a chance é muito maior de que ele seja, na verdade, medíocre, alavancado
por elementos alheios a ele mesmo, do que de fato uma pessoa brilhante.)
A paixão de Leonardo pelo novo sem dúvida o ajudou nisso. Ele viajou a Itália inteira, serviu a
muitos patronos e dava igual e singular atenção a tudo que via. Seus cadernos de notas incluem
desde coisas triviais como listas de mercado e anotações de compromissos até desenhos sofisticados
de observações da natureza e reflexões filosóficas complexas. Leonardo era o consumado homem da
Renascença, aquela figura que parecia saber tudo. Mas ninguém nasce sabendo tudo; seu grande
mérito foi abrir os olhos para o mundo lá fora e absorvê-lo como poucos. É uma dica que vale para
nós também: nunca presumir que já sabemos tudo de que precisamos. Temos de sempre estar
prontos para aprender mais, para conhecer algo novo.
Johannes Kepler
“A diversidade de fenômenos da natureza é tão grande, e os tesouros escondidos nos céus tão ricos,
precisamente para que a mente humana nunca sofra com a falta de alimento fresco.”

E cientistas modernos da história, não deve haver um


menos convencional que Johannes Kepler. Imagine um sujeito que, em
pleno século 17, estava escrevendo ficção científica, defendendo a mãe da
acusação de bruxaria e ao mesmo tempo desvendando os segredos mais
sutis das órbitas dos planetas. Era ele.
Johannes Kepler nasceu em 27 de dezembro de 1571, na cidade de Weil
der Stadt, hoje parte da região de Stu gart. Seu avô, Sebald Kepler, havia
sido prefeito da cidade, mas isso parecia ter sido há muito tempo – o
prestígio dos Kepler já não era mais o mesmo quando o quarto filho de
Heinrich Kepler com Katharina Guldenmann nascera. O pai de Johannes
ganhava a vida como mercenário e abandonou a família quando ele tinha 5
anos. Nunca mais tiveram notícias dele, e desconfia-se de que tenha
morrido na Guerra dos 80 Anos, na Holanda. A mãe de Johannes, filha de
um estalajadeiro, era curandeira e tinha farto conhecimento de ervas.
Na infância, Kepler foi um menino fraco e doente, mas que
rotineiramente encantava os viajantes que se instalavam na hospedaria do
avô materno com seus dotes matemáticos.
À astronomia, o jovem Johannes foi apresentado pela mãe. Segundo seu
próprio relato, quando ele tinha apenas 6 anos, Katharina o levara para um
lugar alto para ver o Grande Cometa de 1577. Aos 9, ele testemunhara um
eclipse lunar, e lembra-se de ter sido chamado à rua para ver que a lua
“parecia bem vermelha”.
A carreira de grande astrônomo observacional, contudo, estava fadada a
terminar. Ao contrair varíola na infância, Kepler acabou com a visão
prejudicada, assim como a coordenação motora. Restavam seus aspectos
teóricos e filosóficos. E o jovem Johannes mergulharia neles com imensa
voracidade.
Na Universidade de Tubinga, onde foi estudar em 1589, Kepler estudou
filosofia e teologia. Por lá, aprendeu sobre as ideias de Copérnico e se
tornou adepto do heliocentrismo, por razões teóricas – era um sistema
mais simples que o antigo geocentrismo ptolomaico – e teológicas – ele via
o Sol como a grande força motriz do cosmos, colocado por Deus no centro
do sistema planetário. Sua fama inicial veio das habilidades matemáticas e
de um sucesso surpreendente com a astrologia.
A primeira grande obra kepleriana surgiu depois de um lampejo que ele
teve dando uma aula de matemática a jovens estudantes. Ao desenhar dois
círculos, um dentro de um triângulo, outro por fora, contornando-o,
surgiu-lhe a ideia de que as órbitas dos planetas deviam se dispor
conforme fossem inseridas dentro dos chamados sólidos perfeitos –
aqueles que têm todas as faces iguais.
“Kepler via seu arranjo como a expressão do sonho pitagórico de obter
uma explicação geométrica para os mistérios do mundo. Para ele, essa era
a teoria final”, diz Marcelo Gleiser, físico do Dartmouth College, nos EUA,
que escreveu um romance sobre a vida do astrônomo.
Entretanto, a intuição nem sempre leva os cientistas aos lugares certos. A
hipótese de Kepler, risível nos dias atuais, estava errada. Contudo, foi o
suficiente para chamar a atenção de outros colegas e projetar algum
prestígio sobre ele. Uma das qualidades do trabalho, a despeito de seus
enganos, foi dar melhor acabamento à teoria copernicana. Kepler se livrou
dos resquícios ptolomaicos usados por Copérnico, como o uso de epiciclos
e deferentes, e tornou-a de fato mais simples e bela – mas ainda não
suficientemente precisa. Publicado no fim de 1596, o livro de Kepler,
Mysterium Cosmographicum, chegou em boa hora.
Um ano antes, Kepler havia conhecido Barbara Müller, uma jovem de 23
anos – duas vezes viúva, com uma filha – e começara a cortejá-la. Apesar
da linhagem nobre de Johannes, o pai de Barbara de início se opôs a um
casamento, em razão da pobreza da família Kepler. Mas a resistência
diminuiu com a publicação do Mysterium, e o prestígio que dele advinha, e
os dois acabaram se casando em 27 de abril de 1597. Ao todo, tiveram 5
filhos, dos quais 3 sobreviveram à infância.
E a boa sorte trazida por sua obra inaugural não terminaria por aí. Em
1600, o trabalho abriu as portas para que ele se tornasse assistente de
Tycho Brahe, o maior astrônomo observacional do mundo, antes da
invenção do telescópio.
Podre de rico, o dinamarquês Tycho construiu numa ilha o que viria a ser
o mais bem equipado e suntuoso observatório da Europa, Uraniborg. Lá,
durante muitos anos, o astrônomo fez as medições mais exatas jamais
vistas. E também criou seu próprio modelo de mundo, alternativo ao de
Ptolomeu e ao de Copérnico. Quase um meio-termo entre os dois, o
sistema colocava todos os planetas girando em torno do Sol, que, por sua
vez, com a Lua, girava em torno da Terra, que seguia sendo o centro do
Universo. O modelo híbrido obviamente não funcionava direito. Mas, num
mundo em que há 3 modelos diferentes do cosmos, e nenhum realmente
matador, Tycho não parecia muito atrás.
Kepler sabia dos dados de Tycho e queria usá-los para comprovar sua
hipótese sobre o movimento de Marte, conforme descrita no Mysterium
Cosmographicum. Mas o dinamarquês não era muito de colaborar. Os dois,
na verdade, eram ossos duros de roer. Brigavam constantemente. Quando
finalmente Kepler recebeu de Brahe a missão de determinar a órbita de
Marte, pouco antes da morte de seu chefe, em 1601, achou que mataria em
uma semana. Mas levou anos. E ele teve de sacrificar justamente a beleza
geométrica pela qual tanto prezava. Pois as órbitas planetárias não
deveriam ser círculos perfeitos, e sim elipses – formas ovais – tendo o Sol
em um de seus dois focos.
A partir dessa constatação, feita em 1605, Kepler foi capaz de usar seus
talentos matemáticos para ir ainda mais longe, decifrando algumas regras
que até hoje são usadas pelos astrônomos para cálculos orbitais. Ele
descobriu que os planetas, em suas trajetórias ao redor do Sol, varriam
áreas iguais da elipse em tempos iguais. Dito de outra maneira, eles
andavam mais depressa conforme estavam mais perto da estrela, e mais
devagar quando estavam mais longe.
Em paralelo, Kepler desenvolveria o que hoje é considerado com o
primeiro trabalho de ficção científica. Em 1608, ele escreveu um pequeno
livro chamado Somnium (sonho), que relata uma história curiosa. Um
jovem chamado Duracotus é expulso de casa por sua mãe e vaga pelo
mundo até conseguir um trabalho sob a tutela de Tycho Brahe. Após 5
anos de observações com o prestigiado astrônomo imperial, Duracotus
decide voltar para casa. Encontra sua mãe feliz em revê-lo e conta a ela
tudo o que aprendeu sobre a Lua e os corpos celestes. Fiolxhilde revela
então que sabia de tudo isso e muito mais, instruída por um ente benigno,
o “demônio da Lavania” – ninguém menos que o espírito da Lua. Ela diz
que a criatura tem o poder de transportá-los até a superfície lunar, oferta
que se torna irrecusável para Duracotus. Levados em uma jornada de 4
horas, filho e mãe são recebidos pelo “demônio” da Lua e então instruídos
sobre a astronomia e a biologia lunares, antes de voltar para casa.
Apesar dos elementos fantasiosos, era uma noção completamente
diferente: Kepler já via a Lua como um lugar a ser visitado! Mas, se o
Mysterium Cosmographicum havia lhe aberto portas, o Somnium só lhe traria
confusões. Antes de sequer tentar publicá-lo, Johannes havia distribuído o
manuscrito a colegas e amigos. Em 1611, o material caiu em mãos erradas,
foi interpretado como um relato autobiográfico e usado como evidência de
que sua mãe Katharina era uma bruxa.
Kepler colocou praticamente todo o trabalho de lado para tentar obter a
libertação da mãe, o que viria a acontecer somente 5 anos depois.
Debilitada, Katharina morreria em 1622, por causas diretamente ligadas
aos rigores de seu aprisionamento. E a publicação do Somnium passou a
ser, ao menos momentaneamente, carta fora do baralho.
Em razão de todas essa atribulações, somente em 1618 Kepler chegaria a
sua terceira e mais significativa descoberta – o fato de que uma equação
matemática simples podia descrever o movimento planetário. O tempo que
um planeta leva para completar sua órbita, ao quadrado, é proporcional ao
cubo da distância média do Sol.
Essa última revelação foi publicada em 1619 no livro A Harmonia do
Mundo, em que o astrônomo apresentava também sua concepção de como
Deus teria criado o Universo de acordo com certas regras que podiam ser
observadas, por exemplo, na música.
É incrível como grandes descobertas se misturam a especulações
desvairadas em todo o trabalho de Kepler – fruto do modus operandi
intuitivo com que abordava questões científicas.
Isso também dificultou a aceitação imediata de seus resultados. Galileu,
por exemplo, jamais abandonou os círculos em favor das elipses para as
órbitas planetárias, apesar de conhecer o trabalho de Kepler. De toda
forma, pela primeira vez na história, as posições dos astros no céu se
tornaram passíveis de previsões precisas.
E quanto ao Somnium? Kepler jamais chegou a desistir totalmente de sua
publicação. Depois da morte de sua mãe, nada mais o impediria. Ele
passou anos fazendo anotações sobre o manuscrito e estava quase
terminando quando sua própria morte, ocorrida de forma abrupta em 15
de novembro de 1630, poria fim ao trabalho. O livro seria publicado
postumamente, por iniciativa de seu filho Ludwig, em 1634.

Como a vida de Kepler


pode inspirar a sua
JÁ VIROU UM CHAVÃO aquela história de falar, “fulano precisa se reinventar”. O que poucos falam é o
que isso de fato significa, além do mero clichê. E a essência da reinvenção é a humildade intelectual.
É reconhecer que o que você pensava antes não vale mais e é preciso repensar. Não necessariamente
estava errado, mas a dinâmica exige que o sujeito jamais pare no tempo, jamais pare de refletir.
E se tem um sujeito que tinha uma mente inquieta e sem barreiras era Johannes Kepler. A
facilidade com que ele transitava entre a religião e a ciência, a teologia e o materialismo, a fantasia e
a realidade eram impressionantes. Parece uma colcha de retalhos? Não é. Na verdade, essa é uma
expressão bastante completa do que temos dentro de cada um de nós. As inquietações, as angústias,
as dúvidas e as convicções estão sempre lá. Kepler adicionava a elas a virtude da transparência, que
permitiu um vislumbre especial sobre seu modo peculiar de pensar.
O astrônomo (e astrólogo) alemão, a exemplo do polonês Copérnico (e bem diferente do
pragmático Galileu), também tinha a ambição de buscar uma estética no Universo. Não por acaso
Kepler começou trabalhando com as formas geométricas perfeitas, numa hipótese de como elas
ditariam as órbitas dos planetas, numa organização supostamente ditada por Deus. Ao buscar a
sublime simplicidade do arranjo cósmico, Kepler partiu do que ele supunha ser um arranjo
esteticamente atraente.
Contudo, a lição que ele foi capaz de absorver, e então transmitir a nós, é de que não basta buscar
uma estética para o Universo. É importante, acima de tudo, reconhecer que essa estética não é
nossa, não está em nossos olhos, e na verdade se encontra no cosmos. A estética é do Universo, não
dos seres que o observam.
Uma vez que viu que as observações de Tycho não corroboravam seu modelo da órbita marciana,
Kepler poderia perfeitamente ter vivido em negação, como fizeram seus predecessores, de Ptolomeu
a Copérnico. Todos conheciam as falhas e limitações de suas teorias, mas as abraçaram mesmo
assim. Já Kepler, seguindo a trilha dos bons filósofos, era um amante da verdade. Em vez de morrer
com suas ideias marginalmente melhores que as da geração anterior, expressas no Mysterium
Cosmographicum, Kepler estava decidido a matar a charada.
Para isso, teve de se reinventar, reinventando com isso a própria estética atribuída ao cosmos.
Saíam círculos e esferas, e entravam as elipses. E então Kepler enxergou como as duas visões se
conciliavam. Matematicamente, a circunferência é apenas uma solução específica (e mais simples)
da fórmula que descreve a elipse. Ou seja, ambas são a mesma coisa, com a diferença de que no
círculo os dois focos são coincidentes, no centro da figura geométrica. Quer um exemplo mais
bonito e singelo de reinvenção? É diferente, mas também é a mesma coisa.
Com a introdução das elipses, pela primeira vez os movimentos planetários se tornaram
completamente inteligíveis, com o triunfo definitivo da saga de Copérnico. O Sistema Solar
finalmente funcionava tal qual um relógio, colocando fim à controvérsia entre os diferentes modelos
da época. (Claro que a discussão perduraria para além do tempo de Kepler. Mesmo alguns de seus
contemporâneos, como Galileu, não estavam dispostos a também “se reinventar” e aceitar as elipses
no lugar dos círculos, por mais que fizessem sentido perfeito. Somente com Isaac Newton, e a lei da
gravidade, as elipses keplerianas ganharia inteligibilidade.
Kepler nos revela, pois, o segredo da reinvenção: o abraçar do livre pensar, a capacidade de pescar
ideias de todos os cantos, de agir como uma esponja, sem nunca se desconectar completamente da
realidade. Muito pelo contrário, norteado por ela. Se você mantiver um cordão umbilical com os
fatos, o intelecto pode voar solto e, inevitavelmente, encontrar uma nova perspectiva durante a
viagem.
Sigmund Freud
“Ser completamente honesto consigo mesmo é um bom exercício.”

N ser neurocientista no fim do século 19. Freud


bem que tentou, mas logo viu que não poderia obter resultados muito
satisfatórios naquelas circunstâncias. O que não o impediu, contudo, de
buscar verdades maiores sobre o maior dos mistérios: a mente humana.
A busca inicial pela rota científica mais concreta possível para
compreender os estados mentais fazia sentido para ele. Embora se
considerasse judeu, Freud jamais se viu atraído pela religião.
Curiosamente, mais tarde, ele fundou uma linha de pensamento que
beirava o dogmatismo.
Sigismund Schlomo Freud, ou Sigmund, como acabou adotando, nasceu
em 6 de maio de 1856, na cidade de Freiberg, então parte do Império
Austro-Húngaro (hoje parte da República Tcheca). Foi o primeiro de 8
filhos do terceiro casamento de Jakob Freud, um comerciante de lã. A mãe,
Amalia Nathansohn, era 20 anos mais nova e engravidou de Sigmund
praticamente na mesma época em que se casara. Embora criado no
judaísmo ortodoxo, Jakob acabou se afastando das tradições, embora fosse
reconhecido por seu estudo da Torá (a “bíblia” judaica). A grana era bem
curta. O casal vivia num quarto alugado na casa de um serralheiro quando
Sigmund nasceu.
Embora fosse o filho mais velho do novo casamento, o jovem Freud foi
criado em seus primeiros anos bem perto de dois meio-irmãos adultos,
fruto do primeiro casamento de Jakob. Quando eles imigraram para a
Inglaterra, Sigmund perdeu seu melhor amigo de infância, o filho pequeno
do mais velho dos irmãos. Em 1859, a família Freud se mudou para Leipzig
e depois para Viena. Nos estudos, Sigmund se mostrou brilhante, e entrou
na Universidade de Viena aos 17 anos, em princípio para estudar direito,
mas acabou seduzido pelo curso de medicina. Passou a praticar psiquiatria
por conta própria em 1886, depois de passar 5 anos na clínica do Hospital
Geral vienense.
No mesmo ano, ele se casou com Martha Bernays, a neta de um rabino de
Hamburgo. O casal teve 6 filhos, nascidos em rápida sucessão entre 1887 e
1895. No ano seguinte, Minna Bernays, irmã de Martha, iria morar com a
família, depois da morte de seu noivo. Rumores se espalharam de que ela
teria tido um caso com Freud, propagados de início por um dos seguidores
(e depois rivais) mais notórios de Freud, Carl Jung. Com efeito, um registro
de hotel suíço de 13 de agosto de 1898, assinado por Freud enquanto ele
viajava com a cunhada, parece corroborar a história.
Em busca de alguma medida de compreensão da mente humana, Freud
bebeu de muitas fontes. Era um leitor entusiasta do filósofo Friedrich
Nie sche e sempre leu William Shakespeare em inglês. Não há dúvida de
que essas foram duas fontes importantes a moldar o pensamento de
Sigmund.
Seria em seu consultório, observando seus pacientes, que Freud
desenvolveria o que ele chamou de psicanálise. Muitas ideias controversas
– algumas refutadas, muitas em disputa – formam o arcabouço da teoria
que ele formulou. Contudo, o fundamento mais básico foi um acerto
fantástico: a compreensão da mente passava necessariamente pela
existência do inconsciente.
As primeiras defesas de Freud do inconsciente apareceram em 1896,
quando ele discutiu um dos processos que ele julgava fundamentais na
formação da personalidade: a repressão de memórias traumáticas. O
conceito foi mais elaborado nos livros A Interpretação dos Sonhos (1899) e Os
Chistes e sua Relação com o Inconsciente (1905).
Hoje, finalmente a neurociência chegou ao ponto que Freud queria mais
de um século atrás, e alguns experimentos demonstraram conclusivamente
a existência da mente inconsciente. Graças à capacidade de monitorar a
atividade cerebral em tempo real, com aparelhos de ressonância magnética
funcional, pesquisadores conseguiram identificar o momento exato da
tomada de decisões motoras e constataram que ele acontece no cérebro
alguns instantes antes que o próprio voluntário tome ciência dela. Ou seja,
há uma parte de nós que decide as coisas antes que nós conscientemente
achemos que as decidimos.
Só o fato de Freud ter conseguido antecipar essa constatação em mais de
100 anos já é fantástico. Mas ele fez mais que isso: com suas ideias, ele
obteve uma legião de seguidores (até hoje há quem trate como simples
“negação” qualquer posição que divirja da ideologia freudiana) e
encorajou como ninguém as discussões sobre os mecanismos internos da
mente – embora tenha sido um inimigo implacável e intolerante de ideias
que divergissem da sua.
Em 1902, ele atingiu uma ambição antiga de se tornar professor
universitário, movida pelo reconhecimento e prestígio que a posição lhe
trazia. Daquele ano em diante, vários médicos vienenses que expressavam
interesse no trabalho de Freud eram convidados a encontrá-lo em seu
apartamento, nas tardes de quarta-feira, para discutir suas ideias. O grupo
de discussão podia quase ser visto como a construção de um culto à
psicanálise, embora, claro, revestido de um verniz racional. Em 1906, já
eram 16 os membros participantes, e Carl Jung tomaria parte nele no ano
seguinte, após troca de correspondência com Freud, e mais tarde replicaria
a iniciativa em Zurique, onde trabalhava e vivia. Em 1908, o grupo das
quartas-feiras ganharia um status mais formal, batizado como a Sociedade
Psicanalítica de Viena.
O movimento continuou a crescer. Um periódico científico voltado à
psicanálise seria lançado em 1909, editado por Jung, e no ano seguinte uma
Associação Psicanalítica Internacional (IPA) seria fundada. O primeiro
presidente seria Jung, com apoio de Freud.
E claro que, com o crescimento do movimento, começaram a surgir
dissidências. E brigas. Nem todo mundo abraçava, por exemplo, a noção
do famoso “complexo de Édipo”. A ideia central em torno do inconsciente,
para Freud, é que ele reprimia todo tipo de impulso não aceito pela
sociedade, e que o mais pungente desses impulsos seria o desejo de uma
criança de ter relações sexuais com o genitor do sexo oposto. Durma-se
com um barulho desses.
Em 1912, o então pupilo Jung já começava a publicar artigos sinalizando
que suas ideias e métodos divergiam bastante dos de Freud. Para
diferenciar-se ainda mais, ele decidiu abandonar o termo “psicanálise” e
abraçar “psicologia analítica”. Para evitar dissidências, Freud e seus
seguidores mais próximos criaram um comitê (do qual Jung não fazia
parte), supostamente para salvaguardar a coerência teórica e o legado do
movimento psicanalítico. Jung já não se sentia mais confortável com a
situação, a ponto de abandonar a edição do periódico e renunciar à
presidência da IPA.
Certo, mas de onde saiu a tal “coerência teórica” da psicanálise? Como
aceitar uma postura tão dura, dogmática, de quem supostamente deveria
ser um cientista?
“Freud tinha a rara capacidade de dizer o melhor que poderia ser dito no
momento sobre um assunto e então seguir em frente sem olhar para trás”,
diz Stanley Palombo, psiquiatra americano especialista em sonhos e no
processo criativo. “Ele nunca deixou as limitações da ciência ou da filosofia
de seu próprio tempo o impedirem de gerar ideias novas que as ajudasse a
compreender as coisas. Estamos todos cientes de que Freud cometeu erros,
mas seus erros foram motivados inteligentemente.”
Alguns nem tanto, como o entusiasmo por uma substância que, segundo
ele, tinha os mais diversos usos medicinais: cocaína. Freud defendeu
durante anos que ela podia servir como antidepressivo, analgésico e até
mesmo tratar a dependência em morfina. Foi um usuário constante
durante muitos anos e especula-se que muitas de suas ideias iniciais sobre
psicanálise tenham sido desenvolvidas sob efeito da droga. Mas logo
Freud se deu conta do engano e, antes mesmo da virada do século, parou
de recomendá-la e usá-la.
Em 1933, Freud podia até ser um psicanalista de renome no mundo todo,
mas, quando Adolf Hitler ascendeu ao poder na Alemanha, pelo menos
naquele país, o pensador se tornara apenas mais um judeu. Ironia que,
apenas 3 anos antes, ele tenha sido agraciado com o Prêmio Goethe por
suas contribuições à psicologia e à cultura literária alemã. Com o
crescimento do movimento nazista, nasciam aquelas grandes
manifestações em que se queimavam livros, e os de Freud estavam entre os
best-burners. Sobre isso, ele teria dito: “Que progresso estamos fazendo. Na
Idade Média, eles teriam me queimado. Agora, eles estão contentes em
queimar os meus livros”.
Sua frase representa um gesto de ingenuidade incomum para um
estudioso tenaz da natureza humana. Pois, em seu devido tempo, os
nazistas estariam matando judeus com a mesma desfaçatez com que
destruíam livros. Freud seguiu subestimando o poder da ameaça nazista
até mesmo quando a Áustria foi anexada, em 1938. Só foi convencido a
fugir de Viena e ir se refugiar na Inglaterra quando sua filha mais nova,
Anna, foi detida para interrogatório pela Gestapo.
A fuga para Londres, contudo, não pôde impedir o encontro de Freud
com a morte. O famoso psicanalista, sempre entusiasmado com os
charutos, foi vítima de um câncer de boca. Uma vez constatado que não
haveria mais o que fazer, em setembro de 1939, seu médico e amigo Max
Schur o ajudou a cometer eutanásia. Duas doses de morfina em dois dias.
No terceiro, Freud estava morto.

Como a vida de Freud


pode inspirar a sua
A TRAJETÓRIA DE FREUD é uma importante história de alerta. Ela mostra como a intuição pode
revelar alguns dos mais profundos segredos do âmago humano, mas também como temos de tomar
um cuidado extremo para não ficarmos enamorados dela a ponto de não enxergarmos outros sinais
que nos permitam avançar.
Não resta dúvida de que o desenvolvimento da psicanálise – com seus acertos e erros – foi
importante para o desenvolvimento do pensamento acerca do funcionamento intrínseco da mente.
E Freud teve pontos de partida científicos sólidos. Tanto que, de início, buscou na neurologia – e não
na psicologia – as respostas sobre o tema. Somente depois de constatar que o campo das
neurociências então era insipiente demais para destravar os segredos da nossa própria vida mental,
ele partiu para o campo da investigação por meio da terapia pela fala e, daí, formulou hipóteses
válidas.
O problema foi o que ele fez delas a seguir. Em ciência, hipóteses são proposições extraídas da
observação da realidade que precisam posteriormente ser corroboradas por experimentos. No caso
de Freud, seus testes eram feitos por meio das histórias de vida de seus pacientes submetidos à
psicanálise. Em alguns desses testes, suas ideias pareciam ser corroboradas; em outros,
parcialmente; em mais alguns, ele acochambrava; e no restante, simplesmente o mais completo
malabarismo era exigido. Em resumo, as hipóteses não justificavam o tanto de confiança que Freud
depositava nelas.
No entanto, sua retórica era tão hábil que, a despeito das falhas, a assim chamada teoria
psicanalítica ganhou rapidamente um sem-número de adeptos. Há quem diga que a principal
contribuição de Freud ao pensamento humano tenha sido na literatura, e não na psicologia! De toda
forma, alguns de seus seguidores, dentre eles notoriamente Carl Jung, não tardariam a enxergar
rachaduras na torre de marfim de Freud.
Sua resposta foi criar um grupo politizado em defesa da psicanálise. Que reação mais
anticientífica? Imagine se, diante da teoria da relatividade geral de Einstein, um grupo de físicos
conservadores tentasse criar um comitê para manter os rumos da pesquisa firmemente norteados
pelos conceitos newtonianos de espaço e tempo? Seria uma ação no mínimo retrógrada, para não
dizer desonesta.
Então Freud foi completamente desonesto para proteger sua teoria? Não, não foi. Note que, no
exemplo de Einstein e Newton, de fato apareceu uma nova teoria capaz de explicar mais fatos e
abarcar mais fenômenos. No caso da psicanálise, nunca houve uma tese claramente superior capaz
de “engoli-la”. Não por acaso, apesar de suas falhas (que hoje são reconhecidas e contornadas por
uma parcela significativa dos profissionais de psicologia a seguir a linha freudiana), a psicanálise
continua a prosperar – embora encontre resistências entre muitos neurocientistas.
O importante dessa história é: Freud, a exemplo de todos os gênios de todos os tempos, teve boas
ideias e más ideias. Nem sempre a intuição leva ao destino certo, mas em muitos casos isso
acontece. Ao apontar um novo caminho de investigação da mente, o pai da psicanálise já merece um
lugar no panteão dos grandes. Seu problema foi não ter aceito que talvez parte de suas ideias
merecessem mais reflexão. E ter tentado impor isso a outros, provavelmente numa batalha de egos
com colegas que ele preferia ter como meros seguidores.
O brilhantismo tem um enorme valor, mas não nos torna imunes ao erro. É preciso acima de tudo
humildade e flexibilidade para reconhecermos rapidamente quando estamos errados. Freud poderia
ter ido ainda mais longe se exercitasse mais essas qualidades.
Alberto

Santos-Dumont
“Aqueles que, como eu, foram os humildes pioneiros da conquista do ar, pensavam mais em criar
novos meios de expansão pacífica dos povos do que em lhes fornecer novas armas de combate.”

N ₂₀, ele era possivelmente o homem mais famoso do


mundo. Espalhafatoso em seus inventos, conceituado nos mais diversos
círculos sociais, Santos-Dumont era uma unanimidade global. Certamente
o primeiro cientista pop star. Mas foi nos céus, e não no chão, que se viu
sua influência mais duradoura.
Alberto Santos-Dumont nasceu na zona rural de Palmira (atual Santos
Dumont, MG) em 20 de julho de 1873, no mesmo dia em que, dali a 96
anos, um homem pela primeira vez pisaria na Lua. Ele era o sexto filho do
engenheiro Henrique Dumont, filho de imigrantes franceses, com
Francisca de Paula Santos. O casal ao todo teria 8 filhos, 3 homens e 5
mulheres.
Alberto nasceria na Fazenda de Cabangu, para onde sua família havia se
mudado naquele ano, adquirida da estação ferroviária de mesmo nome.
Desde menino já demonstrava uma certa misteriosa fixação com o voo e a
aeronáutica. Em 1879, os Dumont se estabeleceram no Sítio do Cascavel,
em Ribeirão Preto, e compraram a Fazenda Arindeúva, onde prosperaram
com o plantio e beneficiamento de café. Lá, aos 7 anos, Alberto se
familiarizou com os “locomóveis”, máquinas a vapor com rodas que
serviam para o transporte dos grãos e, aos 12, já tinha autorização para
dirigir a locomotiva que puxava um vagão carregado com café.
Na ficção, buscava inspiração em Júlio Verne, o autor de fantásticas
aventuras tecnológicas a descrever, dentre outras coisas, a realização de
uma volta ao mundo de balão. Alberto, que já parecia ter nascido com a
ambição do voo, se encantava.
Em seu livro autobiográfico, Dans l’air, publicado em 1904, o inventor se
lembra de brincar com as irmãs e os amigos de um jogo chamado
“Passarinho voa?”, em torno da mesa de jantar da fazenda. O líder fazia
perguntas como “Pombo voa?” ou “Abelha voa?” e os demais precisavam
levantar o dedo para indicar se sim ou não. E em meio a essas perguntas
apareciam algumas como “Cachorro voa?” e “Gato voa?”, para ver se
alguém caía. E eis que quando a pergunta “Homem voa?” aparecia,
Alberto levantava o dedo com convicção e se recusava a cumprir a pena
envolvida com o suposto erro. “Homem voa sim!”, ele declarava.
Em 1891, numa viagem à Europa, entreviu a possibilidade de pagar um
voo de balão, mas lhe pareceu caro demais. No ano seguinte, com a morte
do pai, Santos-Dumont se tornaria um dos herdeiros de uma imensa
fortuna. Continuaria a aperfeiçoar seus estudos em mecânica e partiria
definitivamente para morar em Paris em 1897, onde realizaria seus
experimentos aeronáuticos.
Depois de realizar alguns voos e projetar seu próprio balão, o Brasil, ele
estabeleceu como grande objetivo inicial a demonstração de que era
possível combinar um motor a um balão para conduzir o veículo mais leve
que o ar aonde se quisesse. Até então, os balões só voavam, via de regra, ao
sabor dos ventos.
Contrariando a sabedoria científica de seu tempo, entre 1898 e 1905,
Santos-Dumont construiu e testou 11 dirigíveis. Seu maior sucesso foi em
1901, quando partiu de Saint Cloud, nos arredores de Paris, contornou a
torre Eiffel e retornou ao ponto de partida em menos de 30 minutos. O
feito lhe assegurou o prêmio Deutsch de la Meurthe – e uma fama sem
precedentes na história da ciência.
O conhecimento de então dizia serem impossíveis muitas coisas que se
mostraram práticas mais tarde, graças a Santos-Dumont. Por exemplo,
dizia-se que combinar um motor a explosão movido a gasolina com um
balão de hidrogênio – gás altamente inflamável – era como encomendar
uma catástrofe.
Pois o inventor brasileiro contrariou o bom senso – muitas vezes
colocando sua vida em risco – e comprovou que era possível reunir as duas
coisas para dar dirigibilidade aos balões.
Isso só foi possível porque ele deu mais atenção a seus experimentos e à
intuição do que ao que diziam os chamados “especialistas”. Contudo, o
futuro da navegação aérea não estava nos veículos mais leves que o ar, e
sim nos aviões. Quando se apercebeu disso, ao ouvir rumores de que
aeronautas americanos estavam realizando proezas inacreditáveis com
veículos mais pesados que o ar, o brasileiro não hesitou em recomeçar do
zero.
Usando o mesmo método que lhe servira bem antes, Santos-Dumont
conquistou para si, em 1906, o primeiro voo homologado da história da
aviação, com o aeroplano 14bis. Mas o sucesso não veio sem alguns tiros
n’água. O inventor deu passos em falso, quando tentou, por exemplo, criar
um híbrido entre avião e balão – com asas e invólucro de gás.
E aí não há como não entrar naquela famosa discussão: quem afinal
inventou o avião, Santos-Dumont ou os irmãos Wright, de Dayton, nos
Estados Unidos?
Bem, a questão é tão controversa que, em 2006, dediquei um livro inteiro
a ela (caso você tenha interesse em procurá-lo, o título é Conexão Wright-
Santos-Dumont), de modo que seria tão improvável quanto improdutivo eu
reproduzir toda a discussão aqui. Mas cabe apresentarmos alguns fatos
elementares.
Depois de realizar uma série de experimentos com planadores, de forma
pública, entre os anos de 1900 e 1902, Wilbur e Orville Wright colocaram
um motor em sua máquina voadora de forma que ela pudesse se sustentar
no ar por meios próprios. Os dois irmãos então realizaram seus primeiros
voos em 17 de dezembro de 1903, com um punhado de testemunhas (fotos
e registros hoje confirmam o feito além de qualquer dúvida). Nesse
primeiro voo, a decolagem foi auxiliada pelos fortes ventos que sopravam
sobre o campo de provas, na praia de Ki y Hawk, na Carolina do Norte.
(Um detalhe saboroso é que o jornal da cidade natal dos irmãos, o Dayton
Daily News, ao divulgar o experimento, manchetou: “Irmãos de Dayton
emulam o famoso Santos-Dumont”. É uma boa medida da popularidade
mundial do brasileiro àquela época, como o grande aeronauta dos balões.)
Nos dois anos seguintes, adotando uma abordagem pragmática de
engenharia, eles foram aperfeiçoando ano a ano o invento e, em 1905,
chegaram a fazer um voo sustentado de 39 quilômetros. Para dar um termo
de comparação, o maior voo do 14bis, no ano seguinte, seria de 220 metros.
Apesar dessa discrepância, quem consulta os registros da Federação
Aeronáutica Internacional constata que o primeiro voo registrado e
reconhecido é o de Santos-Dumont, com o 14bis, em 12 de novembro de
1906. A principal razão para isso é que os irmãos americanos trabalhavam
em sigilo, com o objetivo de comercializar sua máquina a governos para
fins militares.
Outro senão é que a máquina dos Wright usava uma catapulta para
decolar. Isso faz com que alguns especialistas questionem a legitimidade
do pioneirismo americano. De todo modo, embora tenham sido os
primeiros, os irmãos sempre foram muito conservadores. Achavam que o
avião jamais poderia ser muito maior ou melhor que aquilo.
Pela falta de visão, foram rapidamente superados por inventores mais
arrojados – sobretudo na Europa, onde seus processos judiciais para fazer
valer a patente que haviam solicitado de seu invento atrapalharam menos
a evolução do campo. Dentre os que começaram atrás e terminaram na
frente, no processo que conduziu à criação do avião moderno, estava
Santos-Dumont.
Sua mente frenética trabalhava tão depressa e absorvia tão rapidamente o
conhecimento obtido com experimentos que ninguém conseguiu tomar-lhe
a dianteira na Europa, a despeito de haver muitos competidores.
Depois de realizado o primeiro voo homologado, Santos-Dumont
continuou trabalhando em novos projetos de avião e contribuiu
sobremaneira para modernizar a invenção. Entre suas inovações, estão a
instalação do leme na parte traseira da aeronave, o uso de um trem de
pouso com rodas e os precursores dos ailerons – pequenas asas auxiliares
que ajudam a controlar o voo.
As principais inovações foram incorporadas conceitualmente pela
primeira vez no Demoiselle, avião de Santos-Dumont projetado em 1907 e
aperfeiçoado até 1909. Há quem diga que é o primeiro invento a reunir o
conceito completo do avião moderno – e reconhecidamente é o precursor
dos ultraleves atuais.
Depois de 1909, o aeronauta se aposentou. Já começava a sofrer os
primeiros sintomas de uma doença que, hoje, acredita-se que tenha sido
esclerose múltipla. Aos poucos, Santos-Dumont também foi ficando mais
amargurado com a reversão de seu reconhecimento de pioneiro no mundo
inteiro em favor dos irmãos Wright. Também se incomodou, com o passar
dos anos, de ver a aviação se tornar um formidável instrumento de guerra
– algo que, diga-se de passagem, o inventor brasileiro já previa que viria a
acontecer. Ele claramente estava à frente de seu tempo, em todos os
sentidos.
Onde a ciência não chegava, ele avançava intuitivamente. O inventor viu
muito mais longe do que era possível com a tecnologia da época. Em seus
escritos, ele antecipa a existência futura dos aeroportos e sugere que os
aviões se tornariam máquinas gigantes, capazes de transportar centenas de
pessoas e promover a união entre os povos. Mas, ao ver aviões sendo
usados em um conflito de brasileiros contra brasileiros, durante a
Revolução Constitucionalista de 1932, Santos-Dumont atingiu o ápice de
sua depressão. No hotel em que estava hospedado em Guarujá, no dia 23
de julho de 1932, o “pai da aviação” cometeria suicídio. Alberto jamais se
casou ou teve filhos, exceto os inventos incríveis que legou à humanidade.
E engana-se quem vê o brasileiro apenas como um gênio intuitivo,
tateando às cegas. Um manuscrito dele de 1902 descoberto recentemente
mostra que havia muita ciência por trás de seu trabalho. “O grau de
informação científica que Santos-Dumont demonstra ter aqui mostra que
ele não estava trabalhando só por intuição, tateando às cegas – ele sabia
exatamente o que estava fazendo”, diz Henrique Lins de Barros, físico do
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, e
especialista na vida e obra do inventor.
Talvez até por isso – aliar o domínio da ciência da época a lampejos
criativos que iam além dela – Santos-Dumont mereça ser lembrado como o
maior gênio inventivo da história da aviação.
Como a vida de Santos-Dumont
pode inspirar a sua
O BRASILEIRO TIDO por essas bandas como o “pai da aviação” teve uma trajetória de vida tão rica que
fica até difícil eleger um ou dois tópicos para destacar. Sua capacidade de enxergar o futuro – à
moda de seu ídolo (e depois fã) Júlio Verne – transcendeu os limites da extrapolação de engenharia
possível em sua própria época. O que quero dizer com isso? Ele conseguia ver o futuro da aviação
antes mesmo que ela tivesse começado e seus limites tivessem sido estabelecidos. Ele teve a noção
exata da importância dos dirigíveis e, mais tarde, dos aeroplanos, de forma a enxergar o mundo
moderno de voos intercontinentais de passageiros e a transformação do mundo num lugar
“pequeno”, acessível. E então se pôs a trabalhar para tornar sua visão uma realidade. Pense um
pouco nas implicações que a aviação teve na humanidade, para o bem ou para o mal, nos últimos
100 anos: o transporte rápido de cartas e encomendas; a possibilidade de conhecer qualquer lugar do
mundo; o perigo de epidemias que se espalham a incríveis velocidades e distâncias; as armas de
guerra mais terríveis que o globo já conheceu. E essas são apenas algumas das implicações do
desenvolvimento da aviação. Não por acaso, depois de ver que todas as suas previsões – inclusive as
negativas – se confirmaram, Santos-Dumont começou a ter dúvidas sobre se teria valido a pena
investir tanto na missão de dar asas à humanidade. E aqui chegamos ao cerne do que considero ser
o traço mais valioso para a nossa vida no comportamento de Santos-Dumont: sua incrível
sensibilidade.
O inventor era conhecido por sua extrema generosidade. Jamais se apegou ao dinheiro. Quando
conquistou o Prêmio Deutsch, após contornar a torre Eiffel com um dirigível, em 1901, determinou
que metade da bolada fosse dividida entre seus mecânicos, e o restante, distribuído entre os pobres
de Paris. É bem verdade que Santos-Dumont fora criado com seu espírito: seu pai era rico e
transmitia-lhe a mensagem de que deveria aplicar seu esforço e sua dedicação onde realmente
acreditava poder fazer a diferença, em vez de se preocupar em ganhar dinheiro. Como bem
sabemos, nem todos os magnatas têm essa noção de qual é o valor de ter muito dinheiro – é
justamente permitir que nos libertemos dos grilhões que ele costuma nos impor, quando, por
necessidade ou ganância, vivemos em razão dele.
Santos-Dumont também tinha um profundo senso de ética profissional. Sabia que, a cada novo
experimento, a cada voo, estava arriscando sua vida, e não concebia que outra pessoa se colocasse
em perigo em lugar dele, em nome de uma invenção dele.
Por fim, mas não menos importante, o inventor brasileiro sabia o papel que lhe cabia na construção
do futuro da aviação. Mais do que criar algo novo, ele precisava consolidar a perspectiva que já tinha
desde criança: “Homem voa!”.
Para popularizar a aviação, chegou a publicar seus desenhos para o avião Demoiselle na revista
americana Popular Mechanics, em junho de 1910. O editor apresentava o material da seguinte
maneira: “Esta máquina é melhor que qualquer outra que já tenha sido construída, para aqueles que
desejam atingir resultados com o menor gasto possível e com um mínimo de experiência”, escreveu a
publicação. O grande aviador francês Roland Garros aprendeu a voar num Demoiselle.
Pouco antes da publicação nos Estados Unidos, Santos-Dumont teria declarado a um jornalista
francês: “Se quer prestar-me um grande obséquio, declare, pelo seu jornal, que, desejoso de
propagar a locomoção aérea, eu ponho à disposição do público as patentes de invenção do meu
aeroplano. Toda a gente tem o direito de construí-lo e, para isso, pode vir pedir-me os planos. O
aparelho não custa caro. Mesmo o motor, não chega a 5 mil francos.”
Ao mesmo tempo, o aviador começava a usar seu invento como meio de locomoção, e não apenas
como esporte. “O aeroplano é mais do que um aparelho esportivo, ele é um meio de locomoção
futuro, é o instrumento ideal do turismo. Se ninguém provar isso, como se pode esperar que essa
ideia entre no espírito do público?”
A atitude é um contraste severo com a dos irmãos Wright. Tudo bem, as diferenças sociais
importavam: o brasileiro era rico, os americanos, não. Mas os Wright não tiveram pudores de
patentear e processar cada aviador que, ao desenvolver sua própria máquina, realizasse o controle
do veículo nos 3 eixos – como se fosse possível ou justo patentear um movimento, mais que uma
técnica para atingi-lo. Não era um bom modo de propagar a aviação, e atrasou significativamente a
evolução da área nos Estados Unidos – até a Primeira Guerra Mundial, que levou o governo
americano, por medida de necessidade, a suspender a guerra de patentes.
Santos-Dumont achava que estava ajudando a construir uma era de prosperidade para a
humanidade ao tornar a aviação um elemento do dia a dia. A despeito dos usos bélicos dos
aeroplanos, não há dúvida de que ele conseguiu seu intento.
Mesmo assim, foi ficando cada vez mais angustiado. Contribuiu para isso sua “doença dos nervos”,
o crescente esquecimento de seus feitos e de seu papel na história da aviação – salvo no Brasil, onde
sempre foi reverenciado, e, em menor medida, na França, onde ocorreram suas grandes façanhas – e
até mesmo uma acusação, durante a Primeira Guerra Mundial, de que ele seria um espião a serviço
dos alemães. O que, francamente, não fazia o menor sentido. A mágoa foi se acumulando,
combinou-se a uma depressão profunda e culminou com o suicídio, em 1932.
Isso também é uma lição importante. Quando criamos algo para o mundo, é inevitável que
percamos o controle sobre nossa criação – e possível até que esqueçam nossa importância naquela
história em particular. É frustrante, mas aceitar esse fato inevitável com certa leveza é fundamental.
Sempre que nos envolvemos num projeto, o sentimento de paternidade é muito grande. Mas é
preciso uma hora deixar o legado ganhar vida própria, sem o seu regente inicial. O desapego que
Santos-Dumont tanto demonstrou com outras coisas materiais lhe faltou com relação à sua própria
obra. Culpou-se pelas mazelas alheias. Lamentava pela morte de cada piloto e passageiro de avião
como se a responsabilidade fosse dele, e sofreu por, pouco a pouco, ter sobrevivido à sua própria
relevância. Não é fácil lidar com a obsolescência. Ainda mais com uma contribuição tão crucial – e
ao mesmo tempo tão perigosa – à humanidade. Ao final, Santos-Dumont foi uma vítima da própria
sensibilidade apurada que ajudou a construir sua imensa obra.
George Gamow
“Então eu fico apenas sentado e esperando, ouvindo,
e se algo empolgante aparece, eu simplesmente mergulho.”

U consegue transitar com igual desenvoltura por


mistérios tão desencontrados quanto a origem do Universo e o código
genético não pode sobreviver sem uma percepção intuitiva sofisticada do
mundo. E George Gamow nunca negou esse aspecto de seu trabalho.
Georgiy Antonovich Gamov nasceu em 20 de fevereiro de 1904 em
Odessa, parte do Império Russo (hoje Ucrânia). Mas aquela região ainda
seguia o calendário juliano. Convertendo para o calendário gregoriano,
usado hoje no mundo inteiro, a data de nascimento seria 4 de março.
Seu pai era um professor de russo e de literatura de ensino médio, e sua
mãe ensinava geografia e história numa escola para meninas. Além de falar
russo, desde criança Gamow aprendeu a falar francês com sua mãe, e
alemão com um tutor. Na faculdade, aprendeu também inglês, que passou
a dominar com total fluência.
Seus estudos de nível superior em física começaram em 1922 na
Universidade Novorossiya, em Odessa, e prosseguiram na Universidade
de Leningrado (hoje São Petersburgo), a partir de 1923. Lá Gamow foi
aluno de Alexander Friedmann, um dos maiores especialistas na teoria da
relatividade de Einstein. Só não foi orientado pelo mestre em seu
doutorado em razão da morte de Friedmann, em 1925.
Seu doutorado, por sinal, acabou se concentrando em teoria quântica. Os
estudos o levaram a passar por Gö ingen e então por Copenhague, onde
se concentrava o mais avançado grupo a se especializar na área no mundo
todo. Entre 1928 e 1931, Gamow foi trabalhar com Ernest Rutherford no
Laboratório Cavendish, em Cambridge, no Reino Unido. Enquanto
estudava o núcleo atômico, o versátil físico russo também investigava física
estelar. Ele era um fenômeno.
Em 1931, Gamow foi eleito membro da Academia de Ciências da União
Soviética, aos 28 anos – um dos mais jovens a chegar lá – e nos 3 anos
seguintes ele trabalharia no Instituto de Rádio, em Leningrado, onde faria
muitos estudos de decaimento radioativo de elementos.
Com o aumento da visibilidade de seu trabalho, vinha o crescimento da
vigilância das autoridades soviéticas. Estamos falando de uma ditadura
impiedosa que controlava ao extremo os destinos de seus cidadãos, ainda
mais aqueles que representavam algum tipo de trunfo para o país – como
era o caso de Gamow, um cientista de renome com trânsito internacional.
Em 1931, ele teve negada a autorização para participar de uma conferência
científica na Itália, e ali começaram a se consolidar os planos do cientista
para fugir da União Soviética.
Naquele mesmo ano, ele se casaria com Lyubov Vokhmintseva, uma
colega física, e a vontade de deixar ou país, com ou sem permissão oficial,
atingia seu auge. Em 1932, os dois tentaram duas vezes sair do país de
caiaque. Na primeira tentativa, tentariam atravessar 250 quilômetros no
Mar Negro para chegar à Turquia, e na segunda, ir de Murmansk para a
Noruega pelo Mar de Barents. As duas fracassaram em razão de tempo
ruim.
Então, em 1933, de forma surpreendente, Gamow recebeu autorização do
governo para participar da 7a Conferência Solvay de física, em Bruxelas.
Naturalmente, os soviéticos queriam mostrar sua “melhor face” no evento.
E foi aí que o físico partiu para o xeque-mate: insistiu que concedessem
permissão para que a esposa o acompanhasse. Caso contrário, ele se
recusaria a ir. O governo soviético acabou cedendo e emitindo passaportes
para o casal. Eles jamais retornariam à União Soviética. Primeiro
estenderam sua estada no exterior, com a ajuda de diversos colegas
estrangeiros, dentre eles Marie Curie. E, por fim, no ano seguinte, eles
emigrariam para os Estados Unidos, onde Gamow se tornaria professor da
Universidade George Washington. Em 1935, ele e Vokhmintseva teriam um
filho – Igor Gamow – e, em 1940, o físico se naturalizaria americano.
Georgiy Gamov se tornaria George Gamow.
Foi na Universidade George Washington que o físico faria seu trabalho
mais memorável, em parceria com seu aluno Ralph Alpher, tornando-se o
mais importante dos desenvolvedores da teoria do Big Bang. Concebida
originalmente pelo padre belga Georges Lemaître, em 1927, ela teve sua
primeira vitória quando Edwin Hubble constatou que o Universo estava
em expansão, em 1929. Mas Gamow foi muito mais adiante.
Partindo do que se sabia a respeito dos átomos e as condições que dariam
origem à sua formação, Gamow demonstrou que a hipótese do Big Bang
ajudava a explicar as quantidades dos dois elementos químicos mais
abundantes do Universo.
Se o cosmos nasceu mesmo num ponto muito denso e quente, como
sugeria a teoria, sua evolução e expansão inicial permitiria o surgimento,
primeiro, dos núcleos mais simples, os de hidrogênio (com um único
próton). Em seguida, parte deles se fundiriam para gerar o hélio (dois
prótons), mas a expansão subsequente cortaria o processo de fusão,
deixando uma composição de cerca de 75% hidrogênio e 25% hélio –
basicamente o que se observa hoje, com quantidades bem menores dos
outros elementos (que se formariam apenas mais tarde, com as
supernovas).
Quando publicou esse clássico trabalho que deu contornos científicos à
ideia do Big Bang, em 1948, Gamow trabalhou somente com seu aluno
Ralph Alpher. Mas, para fazer uma brincadeira com as 3 primeiras letras
do alfabeto grego (alfa, beta, gama), o físico incluiu o nome do colega Hans
Bethe como coautor. Era o tipo de brincadeira que mostravam bem o
espírito positivo e inquebrantável de Gamow.
Uma das consequências importantes do processo descrito nesse trabalho
é que, caso ele estivesse correto, ele implicaria que o processo de expansão
inicial e resfriamento do Universo havia deixado uma radiação residual
que permearia todo o cosmos – a tal radiação cósmica de fundo, que foi
descoberta acidentalmente em 1964, por Arno Penzias e Robert Wilson (a
dupla ganhou o Prêmio Nobel pelo feito). A previsão da existência desse
“zunido” em micro-ondas emanado de todas as direções do Universo é até
hoje o maior trunfo da teoria do Big Bang.
E com certeza Gamow não era um físico de dar uma única contribuição
de monta, embora, claro essa do Big Bang fosse difícil de bater. Antes dela,
o russo-americano já havia trabalhado com o brasileiro Mario Schenberg,
tentando entender o que acontecia no momento da explosão de uma
supernova. Ao procederem com a análise, concluíram que o processo de
colapso da estrela envolvia uma rápida fuga de neutrinos. Ao discutirem o
assunto casualmente, no Rio de Janeiro, Gamow sugeriu que era
semelhante ao que acontecia com seu dinheiro na roleta do cassino da
Urca. Ato contínuo, em seu artigo, eles batizaram o fenômeno de “processo
Urca”, que é estudado até hoje e consiste em peça fundamental para
entendermos essas violentas explosões que acometem estrelas muito
maiores que o Sol ao final de suas vidas. Muitos de início acharam que a
palavra Urca fosse alguma sigla técnica, mas era uma simples referência ao
cassino carioca que serviu de inspiração ao trabalho. Esse era Gamow!
Um livre pensador, Gamow também não tinha muito respeito pelas
fronteiras entre as disciplinas científicas. Apesar de ser físico de formação,
ele não hesitou em enfiar o nariz onde não era chamado – na biologia, mais
especificamente – quando James Watson e Francis Crick decifraram a
estrutura da molécula de DNA, em 1953. O grande mistério adiante era:
como os pares de base, as letrinhas, que compunham a dupla hélice
descrita pela dupla podiam levar à produção das proteínas, feitas de tijolos
químicos chamados aminoácidos?
O físico naturalizado americano sugeriu que as bases codificavam, aos
trios, cada um dos 20 aminoácidos existentes – o que estava certo –, mas
sugeriu também que os códigos de diferentes aminoácidos podiam se
sobrepor e que a ordem do trio de bases não fazia diferença – duas ideias
equivocadas.
“A intuição de George Gamow sobre o código genético foi um feito
extraordinário que iniciou trabalhos teóricos numa nova área da pesquisa
biológica”, disse Marshall Nirenberg (1927-2010), pesquisador que no final
decifraria os detalhes do código.
Depois de dar o pontapé inicial na busca pelo código genético, Gamow
fundou, em parceria com James Watson, em 1954, o “clube da gravata do
RNA” (RNA Tie Club). Cada um dos 20 membros tinha uma gravata
personalizada com um trio de bases inscrita nela, representando um
aminoácido.
A capacidade de transcender sua esfera de conhecimento para
impulsionar teorias com pouco respaldo até então – como eram o Big Bang
e a ideia de um código genético – e transformá-las em conceitos
consolidados, sempre com humor, fez de Gamow uma figura singular na
história da ciência. O físico morreria em 19 de agosto de 1968, aos 64 anos,
em Boulder, no Colorado, por falência do fígado. Mas seu legado jamais
seria esquecido.

Como a vida de George Gamow


pode inspirar a sua
ESTAMOS FALANDO DE uma pessoa que considera a liberdade de pensamento e de ação o maior e
mais valioso atributo do ser humano. E calhou de essa pessoa, além de ser absolutamente brilhante,
ter de lidar com a opressão de um dos regimes mais autoritários que já se viu na história moderna: a
União Soviética.
As atitudes de Gamow ao longo de sua vida podem ter parecido radicais a alguns de seus colegas e
amigos. Tentar fugir do país num caiaque? Se meter num problema de biologia sabendo pouco ou
nada dele e correndo o risco de ser ridicularizado? Gamow era um homem de convicções, que sabia
agir a despeito de quaisquer temores – fossem eles o risco bastante real de aprisionamento ou
meramente ser objeto de piada de colegas.
Aliás, poucas vezes se viu um pesquisador equilibrar tão bem suas descobertas – em que estavam
em jogo coisas como a própria decifração da origem e evolução do Universo como o conhecemos
hoje ou a linguagem usada pelo DNA para construir toda a incrível diversidade da vida – com o bom
humor, uma pista de que nem sempre a brincadeira é um ato contraproducente. Muitas vezes, é
justamente o que falta para mostrar que, mesmo nos momentos mais sérios, é preciso um tempero
para que a vida valha a pena ser vivida.
Gamow venceu os opressores soviéticos, os céticos do Big Bang e os físicos e biólogos que achavam
que ele não tinha nada que dar palpite em uma disciplina da qual ele não era especialista – como se
na natureza existisse de fato a barreira que nossas separações estanques do conhecimento
produzem, apenas para fim de delimitação e facilitação do progresso científico.
O mais importante aí não é que Gamow tenha dado uma bola dentro em biologia molecular. A real
mensagem é que ele teve a ousadia de dar a cara a tapa, sem o medo, que muitas vezes se vê na
própria comunidade científica, de romper com a mediocridade, pelo simples risco de estar errado.
Aliás, dada a formação de Gamow como físico, não é surpreendente que ele quisesse dar pitacos em
outras ciências. Trabalho há vários anos prestando assessoria de comunicação à Sociedade Brasileira
de Física e sei que é uma brincadeira informal entre os profissionais da área aludir ao fato de que
eles “sabem de tudo”. De certa forma, é compreensível, visto que a física consiste a base mais
elementar do conhecimento, das minúcias das partículas subatômicas às mais vastas extensões do
Universo observável. Mas Gamow transcendia o achismo, e provava com trabalhos, publicações e
brincadeiras que não estava ali, no quintal do vizinho, a passeio. Tinha o enorme respeito da
comunidade científica por conta disso.
E outro valor importante do russo-americano é o da divulgação do conhecimento. Escritor
talentoso, Gamow não se contentava em produzir para o seu público natural – o acadêmico.
Produziu diversos livros de divulgação, em que combinava suas melhores qualidades para levar as
incríveis revelações do cosmos feitas pela ciência a todas as pessoas.
Claramente, sua vida e obra demonstram o valor inestimável do livre pensar, e nos faz refletir o
quanto nos podamos por meio de uma autocensura desnecessária, muitas vezes evitando nos
arriscarmos e tentarmos algo novo pelo simples medo de recriminação. Gamow não tinha esse
medo, e as coisas deram muito certo para ele. Fica a dica.
3
OS MESTRES DA
Superação
Muitas vezes, tão impressionantes quanto as próprias realizações são as circunstâncias adversas
em que elas foram gestadas. Alguns dos gênios que venceram a despeito de dificuldades
aparentemente incontornáveis parecem estar fora de sincronia com seu próprio tempo; outros,
com o lugar. A capacidade de vencer esses desafios é um dos maiores triunfos do espírito humano.
Michael Faraday
“A coisa importante é saber como levar todas as coisas em silêncio.”

N pelas divisões de classes, como era a Inglaterra


do início do século 19, o pobre Michael quase desistiu da carreira científica.
Seu primeiro emprego na área foi com o renomado químico Humphry
Davy. Mas, durante uma viagem com o patrão e a família, as humilhações
foram tantas que ele pensou em pedir as contas. A mulher de Davy, Jane,
obrigava-o, por exemplo, a viajar do lado de fora da carruagem e fazer as
refeições longe da “nobreza”. Felizmente, ele resistiu à babaquice, e o
mundo terminou ganhando o maior cientista experimental que já se viu.
Toda a tecnologia moderna veio com ele.
Michael Faraday nasceu em 22 de setembro de 1791, nos arredores de
Londres, de uma família pobre. Terceiro de 4 filhos de James Faraday, um
humilde aprendiz de ferreiro, com Margaret Hastwell Faraday, uma dona
de casa, o menino jamais teve vida fácil. Mais tarde, Michael chegou a
descrever a lembrança de receber um pedaço de pão, com que deveria se
alimentar por uma semana inteira.
Seus pais pertenciam a uma dissidência protestante do cristianismo
originária da Escócia, e Michael teve seu perfil formado por esse ambiente.
Ele se manteve fiel a essas crenças, sobretudo no que concernia à
falibilidade humana, o que o levou a jamais se apegar demais a sua
produção científica, a ponto de tomá-la como certeza absoluta. Pouco se
sabe da infância dele, mas está claro que o cientista cresceu para se tornar
uma pessoa gentil e simples, admirada pelos fenômenos da natureza.
Paradoxalmente, seus estudos produziriam revolução como poucas vezes
se viu na história de tecnologia.
Sua educação formal foi praticamente nula, mas aos 14 anos ele se tornou
aprendiz de um livreiro e encadernador – uma ótima oportunidade para
ler tudo ao qual não teve acesso pelo sistema educacional. Sua paixão pela
ciência foi despertada pela leitura de um artigo na Encyclopaedia Britannica
que ele reencadernava, sobre eletricidade. Ele ficou tão curioso que decidiu
construir um pequeno gerador eletrostático com garrafas velhas e lenha
descartada.
A chance de trabalhar para Davy apareceu em 1812, depois que Faraday
frequentou algumas palestras do ilustre químico e, mais tarde, enviou um
livro de 300 páginas com anotações sobre as apresentações. Envaidecido,
Davy levou-o no ano seguinte para ser seu auxiliar na Royal Institution,
organização devotada à pesquisa e educação científica no Reino Unido. Era
o passaporte para que Faraday começasse a revolucionar a ciência e a
tecnologia.
Trabalhando inicialmente como químico, o aspirante a cientista começou
sua carreira caracterizando substâncias. Nesse período, ele também criou
uma versão primitiva do bico de Bunsen (instrumento usado para aquecer
compostos em laboratório) e desenvolveu o processo de eletrólise (em que
eletricidade é usada para separar substâncias). Entre suas descobertas, está
o benzeno, um hidrocarboneto.
Trabalhando em química, Faraday se casou com Sarah Barnard, irmã de
um dos amigos dele. Tiveram um casamento muito feliz e, embora Michael
gostasse muito de crianças, não tiveram filhos. Barnard era o porto seguro
do cientista, longe dos desafios intelectuais que ele enfrentava diariamente.
Quando alguém perguntou a ela por que não estudava química, ela
respondeu: “Já o absorve tanto e o empolga tanto que muitas vezes tira-lhe
o sono, e estou muito satisfeita de ser o travesseiro de sua mente”. Faraday
preferia realizar seu trabalho na solidão de seus próprios pensamentos.
“Não acho que pudesse trabalhar em companhia, ou pensar em voz alta,
para explicar meus pensamentos”, chegou a dizer, no fim de sua vida.
Claramente, Michael não tinha vocação para professor. Não teve alunos ou
pupilos durante toda a sua carreira.
Com o tempo, seus estudos acabaram migrando da química para o
campo da eletricidade e do magnetismo, onde ele daria contribuições
ainda mais notáveis.
Sua técnica para desvendar os fenômenos era altamente incomum, visto
que Faraday jamais dominou mais que a álgebra básica. “Ele desenvolveu
sua própria metodologia para explorar experimentalmente e interpretar
fenômenos naturais de forma não matemática”, diz Frank James,
historiador da ciência da Royal Institution especializado na vida do
cientista.
Com esse tipo de mentalidade, Faraday conseguiu superar suas
dificuldades naturais e desenvolver conceitos sofisticados, como a noção
de que existe um campo eletromagnético que pode ser representado por
linhas de força.
O mais revolucionário achado do físico inglês foi a descoberta do
processo de indução eletromagnética, feita em 1831. Esse fenômeno está
por trás de praticamente todas as tecnologias modernas, pois viabiliza o
uso da eletricidade para alimentar dispositivos.
Faraday descobriu que podia induzir uma corrente elétrica num condutor
usando um ímã (ou um outro condutor submetido a uma corrente),
bastando para isso simples movimento. Em seu experimento, ele conectou
uma pilha a uma bobina de fio condutor menor e manteve fixa uma bobina
maior, conectada a um galvanômetro, dispositivo para medir corrente
elétrica. Enquanto a bobina menor estava parada, não havia registro no
galvanômetro. Mas, ao passá-la por dentro da maior, o movimento levava
a uma corrente detectável.
O princípio da indução eletromagnética é o que permite o funcionamento
de geradores e motores elétricos – e, com isso, toda a tecnologia moderna.
Enquanto no gerador se usa movimento para produzir corrente elétrica, no
motor o funcionamento é inverso: a eletricidade é que gera movimento.
Ao tentar explicar como o magnetismo e a eletricidade se entrelaçavam,
Faraday passou a se concentrar no conceito de linhas de força, pensamento
que se manteria com ele pelo resto da vida. Em 1838, ele estava em
condições de juntar todas as peças e formular, pela primeira vez, uma
teoria coerente da eletricidade – elegante, firmemente calcada em
experimentos e completa, embora em contradição com quase tudo que se
dizia até então sobre o assunto.
Sempre humilde, Faraday apresentava sem qualquer constrangimento
esses conflitos e, em respeito à sua própria falibilidade, jamais teve a
energia necessária para defender sua teoria. Mas ele acabaria tendo seu
valor plenamente reconhecido, quando seria aperfeiçoado e levado a termo
pelo escocês James Clerk Maxwell.
Hoje também há quem atribua a Faraday os primeiros estudos ligados à
nanotecnologia. No longínquo ano de 1847, ele foi o primeiro a reportar o
que hoje são chamadas de nanopartículas metálicas. Um nanômetro
equivale a um milionésimo de milímetro – é a medida usada quando se
fala em punhados de átomos. Nessa escala, os fenômenos observados são
ditados pela mecânica quântica.
Apesar de todo o prestígio que obteve por suas realizações, Faraday
jamais se deixou levar. Ele declinou inúmeros convites para jantares
formais com a nata da sociedade e recusou a presidência da Royal Society
(duas vezes). De tudo que lhe ofereceram em termos de regalias ao longo
de sua vida, quase nada ele aceitou, com base na crença de que ia contra a
Bíblia acumular riquezas e buscar ganhos materiais. Também optou por
não ser agraciado com o título de cavaleiro (sir). Chegou a dizer que
preferia ser “simplesmente o sr. Faraday até o final”. Prestou diversos
serviços para Sua Majestade, contudo, investigando acidentes em minas,
supervisionando a construção de faróis para navegação e desenvolvendo
técnicas para proteger navios de corrosão. Recusou-se a cooperar apenas
quando o governo britânico pediu que auxiliasse no desenvolvimento de
armas químicas para uso na Guerra da Crimeia.
Faraday morreu em casa, em 25 de agosto de 1867, aos 75 anos e foi
enterrado no Highgate Cemetery. Apesar de ter lhe sido oferecido, em
vida, um enterro na Abadia de Westminster, ele recusou.

Como a vida de Michael Faraday


pode inspirar a sua
POBRE E SEM JAMAIS ter recebido educação formal, tornou-se um dos mais influentes cientistas da
história da ciência. Entre os retratos que Albert Einstein conservava em seu escritório, estava o de
Faraday (os outros dois eram Maxwell, seguidor de Faraday que formulou as equações do
eletromagnetismo, e Newton, o gigante que subira sobre os ombros de outros gigantes para enxergar
mais longe que todos em seu tempo). O físico Ernest Rutherford chegou a dizer o seguinte de
Michael: “Quando consideramos a magnitude e a extensão de suas descobertas e sua influência no
progresso da ciência e da indústria, não há honra grande demais a pagar à memória de Faraday, um
dos maiores descobridores científicos de todos os tempos”.
É aquela história clássica, que todo mundo gosta de ver na televisão: menino pobre e oprimido se
esforça e, por suas próprias forças, vence na vida. O clichê é conhecido, e Faraday seria apenas talvez
o maior e mais grandioso exemplo dessa narrativa tão comum. Cabem, contudo, duas reflexões: por
que esse enredo básico é tão chamativo e satisfatório? E por que Faraday em particular conseguiu
chegar lá?
Começando pela primeira delas, temos de aceitar a premissa na qual ela se assenta: o mundo é
profundamente desigual e injusto. Talvez um dia consigamos ascender a uma utopia completamente
justa, mas desconfio que não faz parte do ser humano (infelizmente) abraçar a justiça social como
valor absoluto, embora da boca para fora poucos se digam contra ela. A verdade é que não houve
sociedade, sistema político ou econômico já criado pela humanidade que não tenha produzido
distorções e desigualdades. A velha balela da “meritocracia” cai por terra quando temos pessoas
partindo de situações desiguais para, supostamente, competir em igualdade. Então, o enredo
funciona justamente por nos dar uma medida de satisfação e esperança: mesmo em um mundo
profundamente injusto, é possível atingir alguma medida de justiça, ainda que “as estrelas precisem
se alinhar”, por assim dizer, para que as coisas aconteçam.
E então entramos na segunda pergunta: como Faraday chegou lá? É importante lembrar que em
seu tempo, ainda mais que em nosso, as diferenças sociais eram marcadas e difíceis de ignorar.
Faraday era desprezado meramente por ser quem era, num ambiente em que títulos de nobreza e
linhagens hereditárias supostamente respeitáveis eram tidos como valores. Mais do que uma
situação financeira difícil e impeditiva, ele tinha de lidar com um preconceito arraigado e
sedimentado na própria estrutura social britânica da época.
Como ele acabou dando certo? Sua maior arma foi justamente a profunda e inabalável humildade.
É o principal condutor do esforço que ele empreendeu para se criar sozinho, do ponto de vista
intelectual, encontrando principalmente na mãe uma referência segura de amor e afeto, que
pudesse permitir que tentasse transitar fora de seu “ambiente natural”, ainda que jamais se deixasse
seduzir por uma eventual conversão.
Da mesma maneira, sua humildade lhe serviu muito bem na observação dos fenômenos naturais.
Sem se apegar demais a ideias preconcebidas, sem deixar que a mentalidade se sobrepusesse às
experiências e mostrando um desapego incomum a ponto de cogitar o próprio erro mesmo diante
de evidências experimentais bastante sólidas, Faraday não deixou que a paixão e a euforia que
normalmente tomam conta da mente humana, quando diante de um segredo até então oculto (seja
ele natural, seja social), o contaminassem e criassem um viés em sua forma de encarar a natureza ou
a vida.
De certa forma, ao se questionar constantemente e admitir a própria falibilidade humana, Faraday
atingiu uma forma superior de convicção: a de que o importante é tentar, o mais relevante é não se
negar ao desafio intelectual de avançar no que quer que seja. E, mesmo depois do triunfo, jamais se
deixar levar pela aparente glória. Pois o sucesso de hoje é a provável dúvida de amanhã e
possivelmente a refutação do dia seguinte.
É a forma correta, pois, de encarar os desafios da injustiça social: com firmeza de caráter e de
propósito, mas sem atropelos ou uma necessidade de se vangloriar ou se autoafirmar, por meio da
própria estrutura social que até então só lhe negava oportunidades. Mais que um grande exemplo de
cientista, Faraday foi um ótimo representante do que de melhor pode ter o ser humano.
Roberto Landell

de Moura
“Sei bem o que é sentir como Galileu e exclamar como ele: E pur si muove. Quando todos eram
contra mim, eu contentava-me em conservar-me no meu terreno, e dizia: é assim; não pode ser de
outro modo.”

R L M , ou o Padre Landell, como gostava de ser


chamado, é o exemplo clássico do cientista que trabalha num país incapaz
de apreciar e apoiar seu trabalho. No caso, o Brasil do final do século 19.
A despeito de sua posição na Igreja Católica, Landell jamais enxergou
barreiras para o estudo das ciências. Para ele, não havia limites para onde a
razão humana pudesse chegar. O espírito arguto em alguns casos o levou a
ficar em rota de colisão com os líderes de sua fé, como quando mexeu com
hipnotismo e espiritismo (o que lhe valeu uma repreensão formal das
autoridades católicas).
Contudo, sua mais notável contribuição à ciência foi nas
telecomunicações, desenvolvendo diversos dispositivos devidamente
patenteados, como um transmissor de ondas, um telefone sem fio e um
telégrafo sem fio.
Landell nasceu em Porto Alegre, em 21 de janeiro de 1861, filho de um
grande comerciante de carvão (e capitão do Exército do Império
Brasileiro), Inácio José Ferreira de Moura, com Sara Mariana Landell.
Ambos pertenciam a famílias tradicionais, portuguesa pelo lado paterno e
escocesa pelo materno. Como não era incomum naquela época, teve outros
13 irmãos. Roberto foi o quarto filho do casal.
Teve seus primeiros estudos formais em Porto Alegre, e em 1872 foi
matriculado no Colégio Jesuíta de Nossa Senhora da Conceição, em São
Leopoldo. Lá estudou humanidades, e depois retornou a Porto Alegre para
estudar francês, alemão e gramática portuguesa. Ainda jovem, já
demonstrava seu poder inventivo. Em seus escritos, deixou registrado que
aos 16 anos havia inventado algo parecido com um telefone – apenas um
ano depois de Alexander Graham Bell –, embora nenhuma descrição
precisa do aparelho tenha sobrevivido, para que se soubesse se funcionava
de fato.
Em 1876, partiu para o Rio de Janeiro, e seu objetivo era seguir na
engenharia, ingressando na Escola Politécnica. Para se sustentar, arrumara
um emprego em uma mercearia. Mas esse arranjo não duraria muito. Seu
irmão Guilherme visitou-o no Rio antes de partir para Roma e convenceu
Roberto a seguir a mesma carreira, abraçando a vida religiosa.
Convencido, Roberto se matriculou no Colégio Pio Americano em 1878, e
lá estudou Direito Canônico. Ordenou-se padre em 1886 e teve uma breve
passagem pelo Vaticano antes de retornar ao Brasil e passar a residir no
Seminário São José, no Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. Chegou a
rezar missa para Dom Pedro 2º e sua corte. O imperador era notório
entusiasta das ciências e travou com Landell conversas a respeito.
Em 1892, foi deslocado para o estado de São Paulo, onde começaria
realizar prodigiosos experimentos. Nos dois anos seguintes, Landell teria
transmitido a voz humana por meio de ondas eletromagnéticas a partir do
Colégio das Irmãs de São José (hoje Colégio Santana), no alto do bairro de
Santana, em São Paulo, até a Avenida Paulista, por uma distância de 8
quilômetros.
Ué, mas isso não é o que chamamos de rádio? E a invenção do rádio não é
a atribuída a Guglielmo Marconi? Pois é. Landell estava à frente dele. O
então jovem inventor italiano, com apenas 20 anos, realizou seus primeiros
experimentos bem-sucedidos fazendo tocar um sino do outro lado de uma
sala pressionando um botão telegráfico na bancada. Isso aconteceu em
1894.
A essa altura, o padre Landell já estava transmitindo a voz humana a
uma distância de 8 quilômetros, em São Paulo. Marconi, por sua vez, se
concentrou mais no desenvolvimento da telegrafia sem fio, e só foi
transmitir a voz humana em 1914.
Uma grande diferença entre o inventor brasileiro e o italiano estava no
apoio recebido para prosseguir nas experiências. Enquanto Rodrigues
Alves se negou a oferecer navios para os experimentos de Landell, o
governo italiano ofereceu a esquadra inteira a Marconi e encorajou-o a
desenvolver um sistema completo de comunicação à distância.
Por levar seus experimentos a um estado prático e comercial, o italiano
ficou com todo o reconhecimento. Inclusive foi agraciado com o Prêmio
Nobel em 1909.
Ocasionalmente a imprensa deu destaque aos feitos do cientista
brasileiro, que obteve patentes no Brasil e nos Estados Unidos para seus
inventos. Contudo, faltou-lhe apoio institucional para ir além das
demonstrações mais básicas. Isso sem falar no preconceito do povo
ignorante, que passou a tratá-lo como “herege” e “feiticeiro” após ter seus
feitos divulgados. “No Brasil, um populacho supersticioso, afirmando que
eu tinha partes com o diabo, invadiu o meu gabinete e destruiu o meu
aparelho. Quase todos os meus amigos de educação e camaradas
intelectuais, seculares e leigos indiferentemente, consideravam as minhas
teorias contrárias à ciência”, escreveu Landell, claramente magoado.
Em 1900, constatada a falta de suporte no Brasil, Landell pretendeu doar
seus inventos ao governo britânico – o que acabou não acontecendo.
Depois de uma estadia de 3 anos nos EUA, em 1905, o inventor tentou
novamente chamar a atenção das autoridades de seu país. Enviou uma
carta ao Presidente da República, Rodrigues Alves, solicitando dois navios
da esquadra de guerra para demonstrar inventos que revolucionariam a
comunicação.
Em defesa do presidente, deve-se dizer que houve um interesse inicial.
Mas quando Landell foi questionado sobre a distância que deveria separar
os navios, o padre teria dito a um assessor presidencial que deveriam estar
tão longe quanto possível, uma vez que seu invento tinha um alcance que
se estendia pelo globo – e poderia até servir para comunicação
interplanetária.
Hoje a Nasa tem a sua Deep Space Network, rede de antenas espalhadas
pelo mundo que faz exatamente isso, mantendo contato com sondas
espalhadas por todo o Sistema Solar. Mas imagine falar de algo do tipo em
1905. Landell foi tido como “maluco”, e seu pedido foi negado.
Documentos de 1904 demonstram que o inventor brasileiro também
estudava formas de transmitir imagens sem fio – sem dúvida, um
precursor da televisão.
“Dotado de uma mente brilhante, o padre Landell foi um inventor
fantástico, não reconhecido e ofuscado pela ignorância em sua época”, diz
Hamilton Almeida, autor da biografia mais completa do inventor. Tanto
que hoje, apesar de demonstrações baseadas em suas patentes
confirmarem a eficácia de suas invenções, quase ninguém conhece o padre-
cientista. Ao fim, a despeito do brilhantismo, Landell de Moura acabou
praticamente relegado ao esquecimento. Morreu em Porto Alegre, no dia
30 de julho de 1928, aos 67 anos, cercado por familiares e amigos. Fora
vitimado pela tuberculose, agravado por uma vida de fumante.
Em vida, o padre Landell sempre sofreu com as dificuldades de tocar
seus inventos adiante. Num certo momento, escreveu: “É óbvio que
aqueles que não compreendem bem uma razão científica não possam
enquadrá-la em seu justo mérito, nem tampouco aplaudir-me e ajudar-me
com recursos para prosseguir no estudo e no trabalho. Com certeza,
supõem que vivo sonhando entre utopias científicas de utilidade aparente.
(...) Bem sei que, em coisas de ciência, o que avança em relação à sua época,
não deve esperar justiça dos contemporâneos”.
Depois da morte, um movimento aos poucos foi realizado por
pesquisadores para resgatar a história do padre Landell. Mas até hoje não
se trata de tarefa fácil. Nenhum de seus inventos sobreviveu. Já a
documentação que ele deixou – um total de 4.470 páginas, entre livros de
notas, esquemas, cartas e outros papéis – ainda foi escassamente
investigada. Ela está depositada em sua maioria no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS) e nem sempre é
suficientemente clara para que se entenda tudo quanto Landell esperava
realizar.

Como a vida de Landell de Moura


pode inspirar a sua
DUAS CARACTERÍSTICAS em particular chamam a atenção na fascinante – e pouco conhecida –
história desse grande inventor brasileiro. A primeira delas é a compatibilização entre ciência e fé,
algo que já havia sido demonstrado antes por muitos pesquisadores religiosos, fossem eles leigos ou
pertencentes a alguma estrutura eclesiástica. Landell, a exemplo de muitos de seus predecessores,
não via o menor conflito que fosse entre suas investigações da natureza e a religião que seguia.
Contudo, encontrou muita incompreensão pelo caminho por conta disso. Sofreu preconceito e teve
de travar uma dura e insistente batalha contra o obscurantismo, para demonstrar que não estava
praticando nenhuma heresia ou forma de feitiçaria. Mais uma vez, como costuma acontecer nesses
casos, ele acabaria tendo seu valor reconhecido – mas somente depois de seu próprio tempo.
Landell tinha profunda identificação com Galileu, com quem partilhava o valor do livre pensar. De
forma não muito surpreendente – e apesar de ser padre, coisa que Galileu não era –, ele também
teve problemas com a Igreja. Seu interesse por fenômenos parapsicológicos, envolvendo temas como
mediunidade e meditação, incomodavam muitos de seus pares eclesiásticos. E o padre jamais faltou
com a coragem de dizer o que pensava. Defendia, por exemplo, o fim do celibato para sacerdotes,
considerando os homens da Igreja tão humanos quanto quaisquer outros. Vez por outra, tomou um
pito de autoridades superiores, que o aconselharam a tratar somente da doutrina canônica, sem
enveredar por assuntos controversos. Mas Landell era acima de tudo um pensador. Chegou a
escrever uma obra sob pseudônimo justamente para evitar problemas.
A segunda característica – e sem dúvida a mais importante – que marcou a vida de Landell de
Moura foi sua persistência inabalável. Ela foi absolutamente necessária não só para evitar qualquer
esmorecimento diante da ignorância reinante, mas também para permitir que ele prosseguisse em
seus trabalhos mesmo num ambiente em que nada o favorecia.
Não fosse a queda do Império, talvez o padre Landell tivesse obtido melhor sorte. Afinal, Dom
Pedro 2º era um entusiasta da ciência e da tecnologia e provavelmente teria apresentado os meios
para que seus trabalhos pudessem prosseguir. Sob o recém-nascido regime republicano, o inventor
não encontrou o mesmo nível de apoio. E com isso o Brasil perdeu a oportunidade de se tornar o
berço, do ponto de vista prático, de algumas das invenções que marcaram profundamente a
trajetória do século 20: com certeza, o rádio e, se houvesse suficiente suporte, até mesmo a televisão
poderia ter sido levada a termo pela genialidade de Landell.
Coube a outros, com mais suporte de seus países e maior capacidade de arregimentar o interesse
popular, realizar esses feitos. Mas é importante lembrar que Landell não se resignou às más
condições. Fez tanto quanto pôde para desenvolver seus inventos e proteger sua propriedade
intelectual. Viajou aos Estados Unidos, e patenteou lá alguns de seus inventos, como um
“transmissor de ondas”, um “telefone sem fio” e um “telégrafo sem fio”, todas concedidas em 1904. No
mesmo ano começou a trabalhar num projeto para transmissão de imagens.
Landell teve reconhecimento em sua estada nos Estados Unidos, chegando a ser mencionado no
jornal New York Herald como o inventor do rádio e do telefone sem fio, e diz-se que houve ofertas de
milionários para que desenvolvesse seus inventos em solo americano, mas o padre teria dito que “os
inventos já não mais me pertencem”. E concluiu: “Por mercê de Deus, sou apenas o depositário deles.
Vou levá-los para minha pátria, o Brasil, a quem compete entregá-los à humanidade”.
Infelizmente, isso nunca aconteceu. Mas nem por isso o desprendimento de Landell deixa de ser
inspirador.
Konstantin

Tsiolkovsky
“Primeiro, inevitavelmente, a ideia, a fantasia, o conto de fadas. Então, cálculo científico. Ao fim, a
realização coroa o sonho.”

D ninguém ouve você gritar. Bem, isso certamente era


verdade para o pai das viagens espaciais, que desde criança era
praticamente surdo.
Konstantin Eduardovich Tsiolkovsky nasceu em 5 de setembro de 1857
(17 de setembro pelo calendário gregoriano), na pequena vila de Ijevskoe,
no Império Russo. E ele tinha tudo para ser ninguém, o quinto de 18 filhos
na família. Seu pai, Edward Ciołkowski, era polonês, mas havia sido
exilado na Rússia por suas atividades revolucionárias contra a dominação
de seu país natal; a mãe, Maria Yumasheva, era de origem tártara.
A infância não foi fácil. Ele contraiu escarlatina aos 9 anos. Recuperou-se
da doença, mas perdeu praticamente toda a audição. Por isso, não foi
aceito em nenhuma das escolas da região e acabou sendo educado em casa.
Recluso, passava a maior parte do tempo lendo livros, apaixonando-se por
física e matemática. Aos 13, perdeu a mãe. E, em 1873, aos 16 anos, foi
morar em Moscou, tornando-se praticamente um residente das bibliotecas
da metrópole. Seus estudos se concentravam em química, matemática,
astronomia e mecânica. Ouvia palestras sobre esses tópicos com a ajuda de
uma corneta de ouvido. Passou 3 anos por lá, antes que seu pai o trouxesse
de volta, temeroso de que seu filho não pudesse se sustentar e depois de
descobrir que o moleque estava passando fome. Mas a essa altura,
Konstantin já havia construído sua própria formação, sem preconceitos
que criassem uma divisa entre ideias que a sabedoria da época considerava
razoáveis e as que eram tidas como inconcebíveis.
Após o retorno à casa do pai, Konstantin arrumou um emprego como
professor numa escola na vila de Borovsk, a cerca de 100 quilômetros de
Moscou. Então conheceu e se casou com Varvara Yevgrafovna Sokolovaya,
a filha de um religioso de quem originalmente o jovem professor havia
alugado um quarto para morar. O casal teve 4 filhos: a menina Lubov
(1881) e os meninos Ignaty (1883), Alexander (1885) e Ivan (1888).
Isolado de outros cientistas, Tsiolkovsky continuou fazendo avanços
sozinho. Em Borovsk, fez estudos sobre a teoria cinética de gases. Ao
enviar o manuscrito da pesquisa à Sociedade Físico-Química Russa, em
São Petersburgo, Konstantin foi informado pelo químico Dmitri Mendeleev
(sim, o cara da tabela periódica!) de que aquilo já havia sido feito havia um
quarto de século. Contudo, o decano da ciência também encorajou
Tsiolkovsky a continuar estudando, impressionado pela independência
intelectual do jovem professor de escola. Foi convidado a se juntar à
Sociedade.
Inspirado em parte pela ficção de Júlio Verne, Tsiolkovsky decidiu
dedicar sua mente ao desenvolvimento dos transportes aeroespaciais. A
começar por um dirigível com uma estrutura metálica – um precursor do
zepelim. Seu primeiro plano para um veículo do tipo foi produzido em
1892, mesmo ano em que o Ministério da Educação o transferiu para
Kaluga, onde ele viveu numa casa de madeira construída nas cercanias da
cidade pelo resto de sua vida.
No projeto do dirigível, ninguém deu muita bola para ele ou se arriscou a
financiá-lo seriamente. Dois anos depois, Tsiolkovsky se voltou para os
aviões e desenvolveu um projeto de monoplano com fuselagem, não muito
diferente dos que apareceriam duas décadas depois. É bom lembrar que
isso foi em 1894, 9 anos antes que os irmãos Wright fizessem seu primeiro
voo motorizado. O governo russo, mais uma vez, não se interessou. Para
testar seus conceitos, em 1897, Tsiolkovsy construiu o primeiro túnel de
vento russo, a fim de estudar aerodinâmica. A essa altura, contudo, seus
interesses já estavam mais ligados ao espaço sideral.
Ao se voltar para o estudo e a aplicação de jatos produzidos por reações
químicas, o russo se deu conta de que essa era uma forma prática de
realizar voo espacial. Nascia a ciência da astronáutica, ou, como preferem
seus compatriotas, cosmonáutica.
Os primeiros 15 anos do século 20 foram de mais tragédias pessoais para
o batalhador Konstantin. Em 1902, seu filho Ignaty, então com 19 anos,
cometeu suicídio. Em 1908, uma enchente destruiu a maior parte de seus
papéis e estudos científicos. E em 1911 sua filha (e assistente de pesquisa)
Lubov foi presa por se envolver em atividades revolucionárias.
Paradoxalmente, foi essa também a época em que Tsiolkovsky produziu
seus maiores legados intelectuais. Em 1903, ele publicou seu trabalho mais
revolucionário, em que não só defendia o uso de foguetes para atingir o
espaço como calculava a velocidade necessária para que ele escapasse da
gravidade da Terra e entrasse em órbita e defendia o desenvolvimento de
veículos com múltiplos estágios, movidos, preferencialmente, a hidrogênio
e oxigênio líquidos.
De uma tacada só, ele resumiu os princípios que levariam à conquista do
espaço – mais de meio século depois.
Logo depois que ele publicou seu trabalho seminal, Tsiolkovsky ficou
decepcionado com a falta de interesse do meio acadêmico. Estava claro que
ele estava muito adiante de seu tempo. Foram necessárias décadas para
que suas contribuições fossem devidamente apreciadas. Mas elas foram,
tornando-se leituras obrigatórias para gente como o alemão (depois
naturalizado americano) Wernher von Braun e o russo Sergei Korolev, pais
dos dois principais programas espaciais do século 20.
Além do princípio dos foguetes, Tsiolkovsky também anteviu muitas das
necessidades da exploração espacial, como o desenvolvimento de
giroscópios para controlar a “atitude” (orientação que a nave tem no
espaço) de veículos, a criação de trajes espaciais para atividades
extraveiculares e até mesmo o conceito de um elevador espacial – uma
estrutura que ligasse a Terra ao espaço –, inspirado pela construção da
torre Eiffel, em Paris.
O cientista e pensador russo defendia que o futuro do ser humano estava
no espaço, como bem resumia sua clássica frase: “A Terra é o berço da
humanidade. Mas não se pode viver no berço para sempre”.
Tsiolkovsky acreditava na exploração do espaço como uma utopia, onde a
humanidade se realizaria plenamente e encontraria a paz e a felicidade.
Em 1926, ele publicou o seu “Plano de exploração do espaço”, composto
por 16 passos. Eram eles:
• Criar aviões-foguetes com asas.
• Aumentar progressivamente a velocidade e a altitude desses aviões.
• Produzir foguetes reais – sem asas.
• Desenvolver a habilidade de aterrissar na superfície do mar.
• Atingir a velocidade de escape e realizar o primeiro voo orbital.
• Ampliar o tempo de voo de foguetes no espaço.
• Fazer uso experimental de plantas para criar atmosfera artificial em naves espaciais.
• Conceber trajes espaciais pressurizados para atividade fora das naves.
• Fazer estufas orbitais para plantas.
• Construir grandes habitats orbitais em torno da Terra.
• Usar radiação solar para cultivar alimento, aquecer instalações espaciais e realizar transporte por todo
o Sistema Solar.
• Colonizar o cinturão de asteroides.
• Colonizar o Sistema Solar inteiro e além.
• Atingir a perfeição social e individual.
• Superpovoar o Sistema Solar e colonizar a Via Láctea.
• Transferir as pessoas remanescentes no Sistema Solar para outras partes quando o Sol esgotar seu
tempo de vida.

Se parte desse plano soa hoje um pouco fantasioso, não custa lembrar
que, quando ele foi concebido, ele era inteiramente especulativo. Mesmo os
aviões-foguetes, passo 1, ainda não existiam! Hoje, os 8 primeiros passos já
foram perseguidos e executados, o que nos faz pensar que talvez o resto da
visão de Tsiolkovsky, um dia, venha a se tornar realidade. Ele estava muito
adiante de seu tempo e, embora já possamos a essa altura admirar sua
genialidade, ele ainda está adiante do nosso tempo também.
Detalhe: até o momento de sua morte, vítima de câncer no estômago, em
19 de setembro de 1935, em termos acadêmicos, Tsiolkovsky jamais chegou
a ser mais do um professor de matemática do ensino médio.

Como a vida de Konstantin Tsiolkovsky


pode inspirar a sua
O SONHO. Nada é mais importante do que o sonho. A ambição de criar algo, de contribuir com
alguma coisa transformadora no mundo, a sensação de que temos uma visão a realizar. Todos temos
essa sensação, num momento ou outro da vida. A história de Tsiolkovsky nos mostra que vale a
pena nos orientarmos por esse tipo de sentimento. Não podemos desistir de um sonho porque ele
nos parece absurdo. Vale a pena lutar por ele.
O próprio Tsiolkovsky é hoje tido no mundo inteiro com o pai da astronáutica – uma das
revoluções tecnológicas mais extraordinárias do século 20, não tanto por seus aspectos mais
sonhadores, como a exploração e a colonização do espaço, mas por suas aplicações práticas, com os
satélites de telecomunicações e de monitoramento dos recursos naturais terrestres. E note que o
cientista russo jamais chegou a construir nada. Apenas projetou, mas com tamanha confiança e
precisão de cálculo que a ninguém que levou a sério a leitura de seus trabalhos pareceu que ele
estava só vendendo o seu peixe temperado com o mais puro “especulol”.
Konstantin sabia de antemão que esse seria o caso, que não poderia levar a termo sua visão.
Caberia a ele apenas entregá-la ao mundo e então permitir que ela adquirisse vida própria. Pouco
antes de sua morte, ele escreveu: “Minha vida toda eu sonhei que pelo meu trabalho a humanidade
pudesse ser avançada ao menos um pouco”. Também tinha ciência de que havia muito mais a fazer.
“Minha vida inteira consistiu em reflexões, cálculos, trabalhos práticos e testes. Muitas questões
permanecem sem resposta; muitos trabalhos estão incompletos ou não publicados. As coisas mais
importantes ainda estão à frente.”
Note que a necessidade de que a própria humanidade alcançasse seu sonho não desestimulou
Tsiolkovsky. Muito pelo contrário: sabedor de que seria difícil transformar sua visão em realidade,
ele considerou seu trabalho – ainda que preliminar – parte integrante da construção do futuro, um
futuro que só chegaria sem ele.
Outros beberam dessa mesma fonte para tornar a astronáutica um empreendimento viável.
Quando o americano Robert Goddard “redescobriu” algumas das descobertas de Tsiolkovsky e
sugeriu que um foguete poderia ser usado para visitas à Lua, em 1920, ele foi ridicularizado por um
editorial do jornal The New York Times. “Aquele professor Goddard, com sua ‘cátedra’ no Clark
College e o estímulo da Instituição Smithsonian, não sabe a relação de ação e reação, e da
necessidade de ter algo melhor do que um vácuo contra o que reagir – dizer isso seria absurdo.
Claro, ele apenas parece carecer o conhecimento apresentado diariamente no ensino médio.”
Foi preciso esperar 49 anos para que o The New York Times corrigisse sua injustiça. Ironicamente,
aconteceu em 17 de julho de 1969, um dia depois do lançamento da missão Apollo 11, que levaria a
primeira tripulação à superfície da Lua. Uma pequena nota de 3 parágrafos resumia o editorial de
1920 e concluía: “Mais investigação e experimentação confirmaram as descobertas de Isaac Newton
no século 17 e agora está definitivamente estabelecido que um foguete pode funcionar num vácuo
tão bem quanto na atmosfera. O Times lamenta o erro”.
Tsiolkovsky foi encarado com o mesmo tipo de ceticismo ignorante, mas, de certa forma, acabou
protegido pelo mesmo isolacionismo que permitiu o desenvolvimento de ideias tão arrojadas para
sua própria época.
É notável como o pensador russo teve de driblar seu isolamento usando seu próprio intelecto em
substituição à maioria das contribuições de outros cientistas para a compreensão da natureza. Ele
basicamente “redescobria” tudo quanto era necessário para seguir adiante com suas ideias. Foi
justamente essa característica que encantou Dmitri Mendeleev, um decano da ciência.
Além disso, Konstantin teve de lidar com a sua deficiência física – a perda da audição na infância –,
algo que não só dificultava seu desenvolvimento intelectual como prejudicou seu convívio social.
Apesar de sonhar com lugares distantes e grandes viagens espaciais, Tsiolkovsky passou a maior
parte da vida em seu casebre nas cercanias de Kaluga, onde era visto como uma figura estranha,
bizarra e reclusa.
Nenhuma das dificuldades – fossem elas financeiras, sociais, familiares ou físicas – conseguiu se
interpor entre Tsiolkovsky e seu sonho, hoje em grande parte uma realidade. Essa é uma eloquente
demonstração de como nunca devemos abdicar de nossas ambições e de como elas podem não só
nos trazer profunda satisfação pessoal como podem acabar ajudando a transformar o mundo.
Marie Curie
“A vida não é fácil para nenhum de nós. Mas e daí? Precisamos ter perseverança e acima de tudo
confiança em nós mesmos. Precisamos acreditar que temos talento para alguma coisa e que essa
coisa pode ser atingida.”

G P N é tido como um dos mais seguros termômetros


de brilhantismo. Pois Marie Curie ganhou dois. Em campos diferentes. Na
história da ciência, apenas mais uma pessoa atingiu glória similar – Linus
Pauling. Mas um dos que ele conquistou era o da Paz e nada tinha a ver
com seu trabalho como pesquisador. Já os dela eram ambos científicos:
Física e Química. E se hoje há quem denuncie que existe preconceito contra
mulheres nos meios acadêmicos, calcule-se como era no fim do século 19.
Parece que enfrentar – e superar – barreiras, com competência e
brilhantismo, foi a sina de Marie Curie durante toda a sua vida. Ela nasceu,
como Maria Salomea Skłodowska, em Varsóvia, na Polônia, em 7 de
novembro de 1867. Era a mais nova de 5 filhos de Bronisława Boguska e
Władysław Skłodowski, um casal de professores. Mas sua família esteve
muito ligada a movimentos que buscavam a independência polonesa e
sofreram represálias da Rússia, que dominava aquela parte do país.
O pai ensinava física e matemática, mas foi demitido por seus chefes
russos por manter sentimentos pró-poloneses. Isso o obrigou a aceitar
trabalhos com menor remuneração, e a família só pode se sustentar ao
alugar quartos de sua casa a rapazes. Maria perdeu a irmã mais velha
quando tinha 7 anos, vítima de tifo, e sua mãe morreria 3 anos depois, de
tuberculose. Apesar de ser ótima aluna, a menina entrou em depressão e
passou um tempo com parentes do pai no interior, antes de retornar a
Varsóvia. Também perdeu ali ao menos parte de sua fé religiosa. Seu pai
era ateu, sua mãe, católica fervorosa. Depois das mortes na família, Maria
se tornou agnóstica.
Ao buscar o ensino superior, um novo problema: nenhuma das
instituições universitárias de lá aceitava meninas na época.
Maria então fez um acordo com sua irmã Bronisława. Primeiro ela daria
ajuda financeira para que Bronisława pudesse realizar seus estudos
médicos, e dois anos depois a irmã faria o mesmo por ela. Maria então foi
trabalhar como governanta na casa de um casal aparentado do pai para
cumprir sua parte no trato. Namorou por um tempo o filho deles,
Kazimierz Żorawski, que futuramente se tornaria um grande matemático.
Mas o moleque era pobre, e os pais de Maria vetaram o casamento. Em
1890 foi convidada por Bronisława a ir a Paris, hospedando-se na casa dela
e de seu marido, mas Maria ainda não tinha a grana para poder estudar e
recusou. Somente no fim de 1891 ela conseguiu finalmente ir à Cidade-Luz,
para cursar física, química e matemática na Universidade de Paris. Na
mesma época, ela conheceu Pierre Curie, então instrutor da Escola de
Física e Química Industrial da Cidade de Paris. Os dois se apaixonaram, a
ponto de Pierre concordar em se mudar para a Polônia e virar professor de
francês, se isso permitisse que ficassem juntos.
Maria bem que tentou mesmo retornar para trabalhar como cientista em
seu próprio país, mas a Universidade da Cracóvia recusou-lhe um
emprego, por nenhuma outra razão além de ela ser mulher. Pierre então
convenceu-a a retornar a Paris e obter o doutorado. Acabaram se casando
nesse retorno, em 26 de julho de 1895. Maria Skłodowska se tornava Marie
Curie. O casal teria duas filhas, Irène (nascida em 1897) e Ève (nascida em
1904). Para cuidar das crianças, o casal contratou governantas polonesas, a
fim de ensinar às filhas a língua natal de Marie.
Juntos os Curie iniciaram as investigações sobre a radioatividade (termo
que ela inventou), recém-descoberta por Henri Becquerel em 1896. O
francês havia descoberto que minérios de urânio emitiam uma estranha
forma de radiação, e o casal Curie contribuiu imensamente para a
compreensão do fenômeno. Entre outras coisas, eles descobriram que a
radiação era emitida pelos próprios átomos individualmente, e não por
alguma interação molecular.
Pelo trabalho com a radioatividade, o trio (Becquerel, Marie e Pierre
Curie) recebeu o Prêmio Nobel em Física em 1903. Marie se tornava a
primeira mulher a ganhar a honraria.
Ao prosseguir na pesquisa com os minérios de urânio, Marie percebeu
(desta vez sem a participação de Becquerel ou de seu marido) que, se seus
cálculos estivessem corretos, deveria haver outro elemento ali com
capacidade radioativa ainda maior. Essa foi a trilha que levou à descoberta
dos elementos polônio (batizado em homenagem à sua terra natal) e rádio,
ambos descobertos em 1898. Os dois achados seriam a razão que levou a
Academia Real de Ciências da Suécia a conceder a ela um segundo Nobel,
em Química, em 1911.
Ela se tornou então a primeira pessoa a ganhar duas vezes a famosa
premiação. Demonstrando generosidade e lembrando-se de seus tempos
de dificuldade, Madame Marie, como era chamada, distribuiu o dinheiro
de ambas premiações entre conhecidos que passavam por aperto
financeiro, inclusive estudantes.
Apesar da fama e da reputação conquistadas, Curie ainda enfrentava o
preconceito. No mesmo ano em que receberia seu segundo Nobel, a
Academia Francesa de Ciências não a elegeu como membro por dois votos.
Não era o tipo de coisa que ela aceitava com naturalidade. “Como várias
cientistas mulheres de destaque, ela parecia desejosa de que seu sexo fosse
visto como irrelevante”, diz Philip Ball, químico, físico e escritor britânico.
“Infelizmente, não era.”
Mais do que desvendar os mistérios da radioatividade, Marie Curie
desenvolveu rapidamente aplicações médicas para suas descobertas.
Durante a Primeira Guerra Mundial, criou unidades móveis de radiografia,
que foram apelidadas de “petites Curies” (“pequenas Curies”, em francês).
Após a guerra, ela relatou suas experiências no livro Radiologia na Guerra,
publicado em 1919. E, depois do armistício, ela continuou mobilizada,
buscando recursos para fundar dois institutos de estudo do rádio, um em
Paris e outro em Varsóvia, na Polônia. Ambos continuam gerando
pesquisas médicas importantes até hoje.
Em 1920, no 25º aniversário da descoberta do rádio, o governo francês
deu a ela um estipêndio que antes havia sido concedido a Louis Pasteur.
No ano seguinte, Marie Curie fez uma visita muito proveitosa aos Estados
Unidos para colher fundos destinados à pesquisa com rádio. Foi recebida
na Casa Branca pelo presidente Warren G. Harding, que deu a ela 1 grama
de rádio colhido em solo americano. Marie Curie também faria visitas a
outros países, para aparições públicas e palestras. Entre as nações
visitadas, estavam a Bélgica, a Espanha, a Tchecoslováquia e o Brasil.
E a tradição familiar iniciada por Pierre e Marie continuou na geração
seguinte. Sua filha Irène Joliot-Curie e seu genro Frédéric Joliot-Curie
também viriam a conquistar o Nobel juntos. Infelizmente Pierre já não
estaria lá mais para comemorar. Ele morreu jovem, em 1906, vítima de um
atropelamento. Marie brilhou sozinha durante praticamente toda a
carreira, mas a solidão a atormentou durante longos anos. Em 1923, ela
escreveu uma biografia sobre seu marido.
E, a despeito de todo o sucesso angariado por décadas, sua pesquisa com
radioatividade, ao fim e ao cabo, cobraria seu preço. Os perigos desses
estudos eram desconhecidos, então Marie não tomava nenhuma
precaução. Ela carregava frequentemente tubos de ensaios com amostras
de rádio nos bolsos do jaleco, o que certamente a colocou sob risco maior.
Também se expôs a doses excessivas de raios X em seus trabalhos durante
a Primeira Guerra Mundial.
Após décadas disso, até seu livro de receitas se tornou altamente
radioativo e só pode ser manipulado hoje com roupas protetoras. Os
papéis em que documentava seus resultados científicos, então, nem se fala.
Ela morreu de anemia aplástica, causada pela manipulação constante de
material radioativo, aos 66 anos, em 4 de julho de 1934. Mas deixou um
exemplo que brilha até hoje no panteão dos heróis científicos da
humanidade.

Como a vida de Marie Curie


pode inspirar a sua
NUNCA DEUXE QUE NINGUÉM diga o que você pode ou não fazer, o que você deve ou não fazer. A
história de Marie Curie mostra como é importante buscar as suas ambições e manter-se firme no
curso, a despeito de tudo que aconteça para tentar tirar você dele. A palavra-chave é
empoderamento, e nada poderia definir melhor essa grande cientista. Mesmo sem dinheiro e
prestígio, num mundo que se recusava a deixá-la exercer seu papel como intelectual, ela batalhou,
até prosperar. E como prosperou.
Trata-se de uma grande heroína da causa feminista. Passou a vida inteira ouvindo que mulheres
não fazem isso, mulheres não podem aquilo, não devem aquilo outro, e terminou fazendo o que
homem nenhum até o momento havia feito: conquistar dois Prêmios Nobel.
Se você parar para pensar que muitos cientistas passam a vida inteira correndo atrás de um desses,
o fato de ela ter ganhado dois é estonteante. E demonstra a importância da fibra de Marie Curie,
algo que ela decerto adquiriu desde pequena, vivendo em meio a pais inquiridores e combativos. A
opressão que ela viu acontecer à Polônia nas mãos da Rússia ajudou a moldar seu caráter e fez com
que qualquer argumento de autoridade caísse por terra quando se interpunha em seu caminho.
E um aspecto importantíssimo é que Madame Curie jamais chegou aonde chegou tentando emular
o comportamento masculino. Não lançou mão de ser uma mulher-homem para vencer num mundo
que até então era província exclusiva dos homens. Mostrou que a força feminina é tão poderosa – ou
até mais – que a masculina, mas também é diferente.
Ela jamais abriu mão da feminilidade. Foi mãe com convicção, e criou as filhas com a mesma
mentalidade com que formou seu próprio caráter. “Eu fui frequentemente questionada,
especialmente por mulheres, sobre como eu podia reconciliar a vida familiar com uma carreira
científica”, ela disse, certa vez. “Bem, não foi fácil”, completou, reconhecendo os desafios que as
mulheres têm de fazer para equilibrar carreira e família.
Generosa e preocupada, ela tinha a empolgação pueril de revelar os segredos da natureza e a
convicção de que a ciência tinha muito mais a dar ao ser humano do que a tirar dele. Abraçou com
igual paixão seu amor pelo marido, Pierre Curie, que foi seu grande companheiro na vida e na
ciência, mostrando que uma mulher forte não precisa se ressentir da participação de homens em
sua vida. Num mundo em que os sexos parecem em constante estado de competição e confronto,
Marie sabia que essa condição não era necessária – nem mesmo desejável – para que ela atingisse
seus objetivos.
O que mais a irritava, na verdade, era ser o tempo todo rotulada pelo seu gênero – fosse para
recriminá-la ou para admirá-la. No fundo, ela queria apenas ser vista como mais um cientista, ou
melhor, mais um ser humano, buscando seu espaço e exercendo sua capacidade intelectual da
melhor maneira possível.
Marie Curie não ligava para títulos, não suportava falsidade e odiava fofocas – algo da qual,
naturalmente, fora vítima a vida toda. “Seja menos curioso sobre as pessoas e mais curioso sobre
ideias”, ela dizia.
Apesar da tristeza de ter morrido por conta dos riscos envolvidos no estudo da radioatividade, não
há dúvida de que Marie Curie morreu como viveu – de forma intensa e fazendo aquilo que gostava e
no que acreditava. Mais que isso: provou à sua geração e às gerações seguintes que as mulheres nada
tinham a dever aos homens na empolgante busca pelo conhecimento.
Stephen Hawking
“Inteligência é a habilidade de se adaptar à mudança.”

T . E quem demonstrou isso foi Stephen


Hawking. Ironia que a demonstração tenha partido de um sujeito que se
recusou a ver tudo terminar. E continua a se recusar até hoje.
O famoso físico britânico é uma das figuras científicas mais conhecidas da
atualidade. Enquanto debatem se ele é o digno sucessor de sir Isaac
Newton, fato é que ele passou 30 anos na cátedra que já pertenceu ao pai
da gravitação na Universidade de Cambridge, depois de obter resultados
revolucionários no campo da cosmologia.
A carreira dele já seria fantástica para uma pessoa qualquer. Mas
Hawking se agigantou ao contrariar a previsão dos médicos de que não
sobreviveria a uma doença degenerativa rápida e mortal.
Stephen William Hawking nasceu em 8 de janeiro de 1942, em Oxford, na
Inglaterra. Seu pai, Frank Hawking, era médico, e sua mãe, Isobel
Hawking, estudou filosofia, política e economia. Ambos se formaram pela
Universidade de Oxford. Ele inglês, ela escocesa, o casal se conheceu logo
após o início da Segunda Guerra Mundial, quando ela trabalhava como
secretária, e ele, médico.
Stephen foi o primeiro filho dos dois. Depois dele viriam duas irmãs,
Philippa e Mary, e um irmão adotado, Edward. Em 1950, quando o jovem
Hawking tinha 8 anos, Frank se tornou chefe da divisão de parasitologia
do Instituto Nacional para Pesquisa Médica, e a família se mudou para St.
Albans. Não tinham luxos e eram tidos pelos vizinhos e conhecidos como
muito inteligentes e excêntricos.
Curiosamente, Stephen demorou a engrenar nos estudos. Aprendeu a ler
tardiamente, aos 8 anos. Da infância, Hawking se lembra de sua paixão por
trens de brinquedo e, mais tarde, aeromodelos. “Meu objetivo sempre foi
construir modelos que funcionassem e que eu pudesse controlar”, contou o
cientista, em sua autobiografia Minha Breve História, publicada em 2013.
Esse desejo de compreender como as coisas funcionam e controlá-las seria
a motivação mais básica para perseguir uma carreira em física e
cosmologia, segundo ele. Partiu para estudar física na Universidade de
Oxford e estava namorando Jane Wilde, uma amiga de sua irmã, quando,
em 1962, começou a sentir os primeiros sintomas de sua doença. Recebeu
então o diagnóstico: esclerose lateral amiotrófica.
De progressão usualmente acelerada, ela é caracterizada pela crescente
paralisia dos músculos, culminando com a incapacidade de respirar e a
morte. O médico previu que Hawking não viveria mais 3 anos. Não
haveria tempo sequer para concluir seu doutorado em física.
Stephen e Jane discutiram aquela situação terrível e decidiram manter o
relacionamento. Tornaram-se noivos em 1964, o que, segundo o próprio
Hawking, lhe deu “algo pelo que viver”. Casaram-se em 14 de julho de
1965. Tiveram um filho, Robert, em 1967, uma filha, Lucy, em 1970, e um
terceiro filho, Timothy, em 1979.
Hawking seguia desafiando o prognóstico médico. De forma jamais vista,
a doença se estabilizou e entrou numa marcha lenta sem precedentes. Não
que Hawking não tenha pago um alto preço, com a crescente perda de
controle do corpo. Mas, surpreendendo a todos, o cientista conseguiu ter
uma carreira e uma vida plenas. Mas obviamente a vida da família se
tornava cada vez mais difícil. Os anos 1970 marcaram o auge da produção
científica de Stephen. Ao fim da década, ele assumiria a cátedra lucasiana
na Universidade de Cambridge – a mesma que havia sido ocupada por
Isaac Newton séculos antes –, onde permaneceria por mais de 3 décadas,
até se aposentar. E foi nessa mesma época que ele de fato encantou o
mundo com sua pesquisa. O maior feito científico do físico inglês foi
demonstrar que os buracos negros não são completamente negros, mas
emitem uma pequena quantidade de radiação.
Até então, pensava-se que esses objetos – normalmente fruto da implosão
de uma estrela de alta massa que esgotou seu combustível – fossem
literalmente imortais. Como nada consegue escapar de seu campo
gravitacional, inclusive a luz, o futuro do cosmos tenderia a ter somente
buracos negros gigantes, que permaneceriam para todo o sempre.
Contudo, ao combinar efeitos da mecânica quântica à relatividade geral,
Hawking descobriu que a energia do buraco negro poderia “vazar”
lentamente na forma de radiação. Com isso, ao longo de zilhões de anos,
até mesmo esses aparentemente indestrutíveis objetos tendem a deixar de
existir.
Se Hawking cativou os físicos com essa previsão surpreendente – que só
não lhe valeu um Prêmio Nobel pela dificuldade extrema de detectar a sutil
radiação emanada de um buraco negro –, ele conseguiu capturar com igual
habilidade a imaginação do público, com vários livros de divulgação
científica, a começar pelo best seller Uma Breve História do Tempo, de 1988.
A imagem do “gênio preso a uma cadeira de rodas que se comunica por
um sintetizador de voz” era irresistível demais para a mídia, e Hawking
soube usar sua fama em favor de causas importantes, como a defesa dos
direitos dos deficientes físicos ou a advocacia da exploração espacial. De
forma igualmente surpreendente, tornou-se um ícone da cultura pop.
Em 1992, Hawking participou, como ele mesmo, de um episódio da série
de TV Jornada nas Estrelas: A nova geração. Numa cena muito interessante,
ele aparece jogando pôquer com Isaac Newton, Albert Einstein e o
androide Data, um dos personagens principais do programa. Dois anos
depois, o grupo Pink Floyd inclui trechos de falas do sintetizador de
Hawking na música Keep talking. Em 2007, em comemoração aos seus 65
anos, o físico faz um voo parabólico em avião para experimentar a mesma
ausência de peso que se sente no espaço. E em 2012 ele fez uma ponta num
episódio da série de comédia americana The Big Bang Theory.
Essa cortina de fama, contudo, não conseguia esconder as dificuldades de
Hawking na vida pessoal. Ao final da década de 1970, Jane,
compreensivelmente, se apaixonou por um organista de igreja que se
tornara amigo da família, Jonathan Hellyer Jones. A relação passou muito
tempo num estágio platônico e acabou evoluindo com a aceitação de
Hawking. Diz Jane que ele concordou, “contanto que eu continuasse a
amá-lo”. No fim, o casamento acabou chegando ao fim depois que o
cientista acabou se apaixonando por Elaine Mason, uma das enfermeiras
que lhe prestavam cuidados. Hawking casou-se pela segunda vez em 1995,
e o novo relacionamento durou até 2006. Houve rumores de que Elaine o
agredia, mas Stephen jamais quis prestar queixa, deixando a situação no ar.
“Meu casamento com Elaine foi apaixonado e tempestuoso. Tivemos
nossos altos e baixos, mas o fato de Elaine ser enfermeira salvou minha
vida em diversas ocasiões”, resumiu, em sua autobiografia.
Apesar da fama, Hawking nunca gostou de discutir seus problemas
pessoais em público e, durante todo esse período, não houve exceção. Em
compensação, sua celebridade pode tê-lo levado a violar um dos mais
básicos princípios do comportamento acadêmico: não se deve fazer
afirmações extraordinárias sem evidências igualmente extraordinárias.
Em 2004, o pop star britânico anunciou ter solucionado um dos mais
intrigados problemas ligado à física de buracos negros, o chamado
“paradoxo da informação”.
É basicamente a ideia de que a informação codificada no interior das
partículas que caem no buraco negro é destruída e desaparece do Universo
para sempre. Os físicos consideram isso paradoxal porque as leis físicas
funcionam justamente em razão das condições anteriores do sistema. Se
você parte de um estado “desinformado”, não há como aplicar as teorias
sobre ele para saber o que acontece depois ou determinar o que ocorreu
antes.
Ao dizer que teria resolvido o dilema, Hawking chamou a atenção dos
físicos do mundo inteiro. Mas ele nunca apresentou cálculos que
demonstrassem isso.
Dez anos depois, em 2014, repetiu a dose, dizendo ter concluído que
buracos negros podem nem existir. Mais uma vez um choque: a imensa
maioria dos cientistas já estava convencida de que esses fenômenos são
reais, depois de estudá-los a fundo – embora só por meio de equações. Mas
Hawking de novo não apresentou o devido embasamento matemático para
demonstrar sua conclusão bombástica.
A situação é perfeitamente compreensível. Afinal, Hawking tem hoje
extrema dificuldade para comunicar-se. Só o faz por meio de um
computador, que traduz pequenos movimentos da bochecha em letras e
palavras, que então são expressas por meio de um sintetizador de voz.
Imagine a dificuldade do cientista em desenvolver suas ideias, altamente
matemáticas, valendo-se apenas de sua mente para proceder com os
cálculos. É natural que o pesquisador hoje só desenvolva artigos sumários,
na esperança de que outros fisguem as ideias e as desenvolvam mais
concretamente.
Fora do âmbito acadêmico, Hawking também soube usar muito bem sua
fama, ao alertar para riscos existenciais à humanidade ocasionados pelo
progresso tecnológico, em especial a inteligência artificial. “As formas
primitivas de inteligência artificial que temos agora se mostraram muito
úteis. Mas acho que o desenvolvimento de inteligência artificial completa
pode significar o fim da raça humana”, disse o cientista, em 2014.
Convencido de que a humanidade precisa colonizar outras partes do
Universo para sobreviver a esse e outros riscos à nossa existência,
Hawking é um dos primeiros passageiros na lista de espera da empresa
Virgin Galactic, que deve realizar voos espaciais suborbitais nos próximos
anos. Ele espera seguir usando sua imagem para promover a conquista do
espaço. E quem duvida do que Hawking ainda poderá fazer, mais de 5
décadas após ter recebido um diagnóstico fatal?

Como a vida de Stephen Hawking


pode inspirar a sua
QUE ELE É UM DOS FÍSICOS mais brilhantes da atualidade e merece um lugar de destaque entre os
maiores de todos os tempos não há muitas dúvidas. Mas o que nós, pobres mortais, podemos
aprender com Hawking? Bem, podemos entender que somos todos mortais, mas de “pobres” não
temos nada. Pois a vida tem valor inestimável e temos de ter sempre uma atitude positiva. Entre um
prognóstico fatalista e a esperança de algo novo, sempre devemos ficar com a segunda opção.
Não é fácil. No dia a dia, por vezes nos vemos desesperados, frustrados e convencidos de que
estamos numa situação para a qual não há solução. Mas é justamente esse derrotismo que torna
impossível enxergar qualquer saída. Modificando a nossa atitude, modificamos a própria
manifestação do mundo ao nosso redor.
Em seu livro autobiográfico, Hawking relembra o momento em que recebeu o diagnóstico de
esclerose lateral amiotrófica, em meio a seu doutorado. “A percepção de que eu tinha uma doença
incurável que provavelmente me mataria em poucos anos foi um tanto chocante. Como algo assim
poderia acontecer comigo?”
Familiar o sentimento? “Como assim isso foi acontecer justo comigo?” Vai me dizer que você nunca
pensou isso antes, por coisas muito mais banais? Eu confesso: já pensei. Várias vezes. Mas
prossigamos com Hawking.
“No entanto, enquanto estive no hospital, um menino que eu conhecia vagamente morreu de
leucemia na cama à minha frente, o que não foi algo bom de se ver. Era óbvio que havia pessoas em
situação pior do que a minha.”
Note que não é uma questão de se consolar por quem está em situação pior que a nossa. É, em vez
disso, compreender que nossos problemas, por piores que sejam, são contornáveis. Hawking
percebeu isso e optou pela vida. Casou-se duas vezes, teve 3 filhos, concluiu seu doutorado,
mergulhou na pesquisa e fez sua famosa previsão de que os buracos negros emitem radiação. “Acho
que a maioria dos físicos teóricos concordaria que a minha previsão de emissão quântica de buracos
negros está correta, embora ela ainda não tenha me valido um Prêmio Nobel, porque é muito difícil
de verificá-la experimentalmente.”
Sua história traz uma mensagem importante, que Hawking sabe resumir muito bem. “Tive e tenho
uma vida completa e prazerosa. Acredito que pessoas com deficiências devem se concentrar nas
coisas que a desvantagem não as impede de fazer, e não lamentar as que são incapazes de realizar.
No meu caso, consegui fazer quase tudo o que queria.”
É uma mensagem óbvia para aqueles que enfrentam algum tipo de deficiência física. Mas tem igual
valor para aqueles cuja deficiência é apenas de percepção. Não devemos deixar que o pensamento
negativo, que a sensação de que algo não pode ser feito, nos paralise e nos impeça de tentar. Imagine
se Hawking tivesse aceitado o prognóstico, deixado de se casar, abandonado os estudos, apenas
esperando a morte chegar?
A atitude lembra um pouco a do quase mitológico filósofo Sócrates, que lia à espera da própria
morte, após ser condenado pela autoridades atenienses e ter tomado o veneno. “Mestre, por que lês,
se sua morte está tão próxima?”, perguntou um discípulo. Ao que o sábio respondeu: “Para morrer
sabendo mais um pouco”. Um minuto a mais que seja vale a pena ser vivido, se soubermos o que
fazer com ele.
4
OS MESTRES DA
Abstração
Reduzir problemas da natureza em termos que podem ser descritos pela matemática e explicados
de maneira simplificada é essencial no avanço do conhecimento. Mas nem todo mundo consegue
fazer isso. Os que chegam lá naturalmente têm muito a nos ensinar.
Isaac Newton
“Eu posso calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas.”

H I N foi o homem mais inteligente que já


caminhou sobre a face da Terra. É uma afirmação difícil de confirmar, mas
uma coisa é certa: ao mostrar que as mesmas leis naturais que valiam no
chão se aplicavam também a todo o Universo, ele provocou uma revolução
conceitual sem precedentes na história da ciência.
Isaac Newton nasceu em 25 de dezembro de 1642, em Woolsthorpe,
Lincolnshire, na Inglaterra. Na época, os ingleses ainda adotavam o
calendário juliano. Ao converter a data para o gregoriano – o atual –, seu
nascimento seria em 4 de janeiro de 1643. Seu pai, também chamado Isaac
Newton, havia morrido apenas 3 meses antes de seu nascimento,
prematuro. Sua mãe, Hannah Ayscough, voltou a se casar quando ele tinha
apenas 3 anos, e aí deixou o jovem Isaac aos cuidados da avó, Margery
Ayscough.
Foi uma infância e adolescência muito amarga. Newton se ressentia da
mãe por ter se casado novamente e também não suportava o padrasto, o
reverendo Barnabas Smith. Do novo casamento, o jovem Newton ganharia
3 meio-irmãos. E, então, quando Isaac tinha 17 anos, a mãe ficou viúva
novamente e tentou converter seu filho mais velho a virar fazendeiro. Ele
odiava a ideia, e conseguiu persuadir sua mãe a permitir que ele concluísse
os estudos, primeiro no King’s School e mais tarde no Trinity College, da
Universidade de Cambridge, onde começou a estudar problemas
astronômicos e desenvolver suas prodigiosas técnicas matemáticas. De
início, descobriu a forma geral dos binômios (hoje ensinados na escola
como binômio de Newton) e começou a desenvolver o que viria a se tornar
o cálculo integral.
Então uma epidemia de peste bubônica na Inglaterra levou ao
fechamento da universidade e obrigou Newton a retornar a Lincolnshire. E
lá, distraidamente, ele teve a maior sacada de sua vida.
É a tal história da maçã, que foi relatada pelo próprio Newton, embora
ninguém saiba se aconteceu de verdade. Diz a lenda que estava tirando um
cochilo sob uma macieira, em Lincolnshire, em 1665, quando foi
despertado pela queda do fruto. O lampejo teria feito ele pensar, pela
primeira vez, na questão da gravitação, especulando que a mesma força
que levou a maçã ao solo é a que prende a Lua firmemente em sua órbita
ao redor da Terra.
Quando ele retornou ao campus, pôs-se a trabalhar com mais afinco na
questão da gravitação – que, para ser resolvida, exigia ferramentas
matemáticas que ainda não haviam sido inventadas.
Tudo bem, sem problemas. Em 1666, Newton já havia desenvolvido uma
técnica que ele chamou de “método dos fluxos e fluxos inversos” –
processo hoje conhecido como cálculo – para solucionar justamente essas
equações mais complicadas. Na verdade, nada em que Newton resolvesse
trabalhar parecia estar fora do alcance do seu intelecto. O que era
surpreendente para um aluno que, quando criança, nunca foi bem na
escola.
Embora tenha se tornado um cientista brilhante, o inglês sempre foi meio
esquisito. Casca de ferida mesmo. Ele costumava evitar a divulgação de
seus próprios trabalhos com medo de sofrer críticas. E quando acontecia, ai
de quem ousasse cruzar seu caminho. Newton era extremamente vingativo
e campeão em fazer inimigos.
Aliás, se fosse preciso eleger seu arqui-inimigo, teria de ser Robert
Hooke. Também cientista, ele promoveu grandes desenvolvimentos no
campo da óptica, que também seria explorado por Newton. (Em estudos
com prismas, Isaac percebeu que era possível decompor a luz branca nas
cores do arco-íris. Foi um dos experimentos que o levaram a conceber uma
teoria completa dos raios de luz, tratando-os como partículas. Newton
também é responsável pela criação dos telescópios refletores newtonianos,
que usam espelhos em vez de lentes para ampliar a imagem. Foi um salto
revolucionário no desenvolvimento da instrumentação astronômica.)
Contudo, em 1684, o assunto do momento era a gravitação.
Em um encontro entre Hooke, Edmond Halley e Christopher Wren
(nobres colegas da Royal Society), naquele ano, o primeiro afirmara que
havia finalmente demonstrado que a gravidade era uma força emanante e
explicava perfeitamente o movimento dos planetas ao redor do Sol. Mas
não mostraria aos colegas a solução até que estivesse pronta para
publicação.
Halley, que era amigo de Newton, foi imediatamente visitá-lo. Como
quem não quer nada, apresentou o problema supostamente resolvido por
Hooke: “Qual seria a forma da órbita de um planeta que se move ao redor
do Sol, se ele fosse atraído para o Sol por uma força que varia com o
inverso do quadrado da distância?”
Newton não titubeou. “Uma elipse”, respondeu, despretensiosamente.
Embasbacado, Halley perguntou como ele sabia, ao que o amigo revelou
que havia resolvido esse problema 4 anos antes, mas não sabia onde tinha
guardado.
Halley percebeu que estava diante de um achado revolucionário e
implorou que Newton refizesse o trabalho, melhorando-o, para publicação.
E foi o que o amigo fez, pelos 18 meses seguintes. Nascia o livro mais
importante já publicado na história da ciência: Philosophiae Naturalis
Principia Mathematica.
Também era um dos mais chatos. Árido e sistemático. Mas seus 3
volumes sistematizaram a física e consolidaram os conhecimentos
dispersos obtidos por Copérnico, Galileu e Kepler num único arcabouço
teórico. É lá que estão as bases de toda a chamada “mecânica newtoniana”,
ensinada até hoje nas escolas.
Quanto a Hooke, quando ele acusou Newton de roubar sua descoberta
sem lhe dar o devido crédito, tornou-se seu inimigo mortal. Rígido e
intolerante, Isaac jamais esqueceria o conflito. Em 1703, Hooke estava
morto, e Newton se tornara presidente da Royal Society. Desde então,
misteriosamente, o retrato de Hooke desapareceu da sede da instituição. Se
foi por ação de Newton, não sabemos. Fato é que a aparência do rival foi
apagada da história.
Outra das grandes disputas científicas em que Newton esteve envolvido
foi na criação das técnicas de cálculo integral e diferencial. Em 1666 ele já
usava seus “fluxos e fluxos inversos” para executar essas operações
matemáticas. Contudo, mais de uma década depois, o alemão Go fried
Leibniz apresentaria sua própria versão da técnica – a que prevaleceu até
hoje.
Furioso, Newton acusou Leibniz de plágio. Disse que o alemão havia tido
acesso a anotações dele anos antes que haviam permitido o
desenvolvimento. E não perdeu nenhuma ocasião para difamar o pobre
filósofo e matemático alemão, que morreu na miséria e em desgraça, em
1716.
Hoje, a maior parte dos historiadores entende que não houve trapaça.
Ambos teriam desenvolvido suas técnicas de cálculo independentemente.
Mas o episódio é um belo exemplo de como Newton tratava seus rivais.
Em paralelo à vida acadêmica, em 1696, Newton foi nomeado chefe da
Casa da Moeda real, onde implementou uma série de ações implacáveis.
Cruel, ele jamais hesitou em condenar à morte os falsificadores de
dinheiro.
Em 1705, a rainha Anne fez dele um sir, uma ação que, segundo os
historiadores, teve mais a ver com a política do que com o reconhecimento
ao trabalho científico de Newton ou mesmo seus serviços como chefe da
Casa da Moeda. De toda forma, tornou-se o segundo cientista a se tornar
cavaleiro real na Inglaterra, atrás apenas de sir Francis Bacon.
Considerado frio e calculista por colegas e amigos, ele nunca se casou.
Especula-se até que tenha morrido virgem. Sua frieza também se
manifestava nos estudos bíblicos que fazia e que se tornaram parte
importante de sua ocupação ao fim de sua vida. Chegou a escrever um
tratado em que questionava a fidelidade de trechos do Novo Testamento
com relação às supostas versões originais. Enviou o texto ao colega John
Locke, mas não se esforçou em publicá-lo, o que só veio acontecer,
postumamente, em 1785. De forma geral, contudo, Newton era um
anglicano que mantinha plenamente sua fé cristã.
Isso jamais o impediu, contudo, de exercitar seu vigor intelectual sobre
qualquer assunto que fosse. Um deles foi a alquimia, precursora da
química moderna. Depois de sua morte, análises do cabelo de Newton
sugeriam que ele havia sido fortemente intoxicado por mercúrio,
provavelmente em conexão com seus trabalhos em busca da lendária
“pedra filosofal”. Esse envenenamento gradual também é evocado por
alguns para explicar o comportamento particularmente excêntrico do
cientista em seus últimos anos.
Newton terminou seus dias morando na casa da meio-sobrinha, que vivia
com o marido em Londres. Ele morreu dormindo, em 31 de março de 1727
(pelo calendário gregoriano), aos 84 anos. Não deixou testamento. Seu
corpo foi enterrado na Abadia de Westminster.

Como a vida de Newton


pode inspirar a sua
NÃO HOUVE NESTE PLANETA maior poder de sistematização, imposição de uma ordem racional clara,
do que o de Isaac Newton. Pense comigo: esse foi o cara que enrijeceu o próprio cosmos,
traduzindo-o em conceitos absolutos e universais! Em sua necessidade de estabelecer princípios
básicos para a disciplina que viria mais tarde a ser conhecida como “física”, ele definiu entidades
como espaço e tempo e então usou essas definições inflexíveis como plataforma para investigar as
leis de movimento, a gravidade, a luz e outros fenômenos que até hoje encantam e desafiam a
compreensão dos físicos.
Newton claramente tinha um comportamento obsessivo, e sua necessidade de “enxergar” a ordem
subjacente ao mundo foi o que permitiu que ele avançasse tanto e criasse uma visão de mundo que
não seria alterada pelos 3 séculos seguintes – até que Einstein entrou no jogo e mudou essa história.
Em certo sentido, o trabalho de Newton foi de fato uma continuação do que já estava rolando
desde Copérnico, ensejando a famosa frase segundo a qual ele só teria enxergado mais longe por ter
se colocado “sobre os ombros de gigantes”. Sua teoria da gravitação, por exemplo, em muito
dependeu dos avanços feitos anteriormente por Galileu e Kepler.
Ainda assim, seu esforço reducionista pautou a ciência de tal modo que é difícil imaginar os
avanços que tivemos desde o tempo de Newton não tivesse ele lançado essas bases. Ele também foi o
primeiro a fazer avanços concretos na direção de seriamente compreendermos o “todo” que nos
cerca. Sua teoria se referia à gravitação universal não por acaso. Era uma lei que tinha validade em
todas as partes do cosmos.
Por outro lado, não consigo evitar pensar que essa mesma rigidez intelectual de Newton, que o
tornou essa figura maiúscula e extraordinária na história do conhecimento científico, também fez
dele uma criatura muito amarga e infeliz.
É fato que, desde praticamente o nascimento, o jovem Isaac não encontrou ambientes acolhedores,
nem teve uma infância fácil ou particularmente amorosa. Mas a combinação de sua estrutura de
pensamento sistemática com essa impressão pessoal de permanente desconfiança e conflito tornou-
o um homem impiedoso, implacável e, em última análise, rígido demais para seu próprio benefício.
O que é rígido, por definição, não tem resiliência. Ou seja, não consegue se conformar a uma
situação e então voltar à sua forma original, sem sofrer grandes danos. Diante de um impacto, um
objeto rígido pode ter dois desfechos: ou ele resiste por inteiro, ileso, ou se quebra de uma vez.
Todos nós sabemos que, ao longo da vida, necessariamente seremos expostos a uma grande
sequência de impactos (no sentido metafórico, claro). A rigidez absoluta, portanto, não é uma boa
característica sobre a qual construir nossa trajetória.
Com efeito, Newton passou a vida inteira brigando e – no mais das vezes – esmagando seus rivais.
Escrevia obras incríveis e tinha medo de expô-las, tão somente pela insegurança de submetê-las ao
escrutínio público. Pela rigidez, temia os impactos. E, ao sofrê-los, partia para um ataque feroz. Não
reagia bem a qualquer disputa de prioridade e nunca teve postura apaziguadora. Era sempre tão
rígido quanto seus próprios princípios, em tese, admiráveis.
Newton nos ensina o oposto do que viveu: não se leva uma boa vida partindo-se de absolutos. É
preciso ter jogo de cintura e saber não levar tudo a ferro e fogo, sob pena de terminarmos como ele:
brilhantes, reconhecidos, bem-sucedidos, mas ao mesmo tempo amargos, isolados e insatisfeitos.
Max Planck
“Não é a posse da verdade, mas o sucesso que acompanha a busca por ela, o que enriquece o
buscador e traz felicidade a ele.”

A tem grande valor entre os gênios. Max Planck


solucionou um dos grandes mistérios da física com um novo conceito – o
quantum. Mas, em vez de sentar-se sobre os louros e defender sua criação,
ele passou longos anos achando que estivesse equivocado e houvesse uma
solução melhor que a que engendrara. Não aconteceu, e a revolução
quântica tomou conta do mundo.
Karl Ernst Ludwig Max Planck nasceu em 23 de abril de 1858, em Kiel, na
Alemanha. Era filho de Johann Julius Wilhelm Planck com sua segunda
esposa, Emma Pa ig. Foi a sexta criança da família e a quarta do segundo
casamento. Apesar de ser Karl, pelo menos desde os 10 anos assinava seu
nome como Max, e foi esse o nome que usou pelo resto da vida.
Seu pai era professor de direito em Kiel e, mais tarde, em Munique, para
onde a família se mudou em 1867. Max vinha de uma família tradicional e
intelectual. O avô e o bisavô paternos haviam sido professores de teologia
em Gö ingen. Em Munique, o jovem passou a ser tutelado por Hermann
Müller, um matemático que lhe ensinou também astronomia e mecânica.
Max mostrou desde cedo grande talento para a música. Mas foi a física
que ele decidiu adotar como caminho, a despeito das recomendações de
seus professores, que diziam: “nesse campo, quase tudo já foi descoberto, e
tudo que resta é preencher alguns buracos”.
Em 1885, depois de concluir seus estudos na Universidade de Munique,
ele se tornaria professor de física teórica da Universidade de Kiel e, dois
anos mais tarde, se casaria com Marie Merck, a irmã de um colega de
escola. Eles teriam 4 filhos: Karl, as gêmeas Emma e Grete, e Erwin. Quis o
destino que nenhum deles sobrevivesse ao pai.
Quase dois anos após o casamento, Planck recebeu o convite para ser
professor da Universidade de Berlim, para onde se mudou com a família
no fim de 1888. Lá ele realizaria seus principais trabalhos e se tornaria uma
grande referência na física. De início, contudo, não foi moleza. “Naqueles
tempos eu era essencialmente o único físico teórico lá, razão pela qual as
coisas não eram tão fáceis para mim, porque comecei a falar de entropia, e
isso não estava muito na moda, já que era considerada como uma bizarrice
matemática”, escreveu Planck.
E, se os colegas achavam estranhos os temas do físico até então, nem
imaginavam o que estaria por vir. Em 1894, Planck voltou sua atenção para
um dos poucos “buracos” que supostamente restavam na física: a
compreensão de um problema conhecido como a radiação de corpo negro.
O palavrório sinistro em essência significava o seguinte: ninguém sabia
prever como a luz se comportava quando irradiada de um corpo negro, um
objeto que absorve toda a radiação que incide sobre ele (por isso mesmo
seria escuro).
Até então, a luz era compreendida apenas como uma onda
eletromagnética, que se comportava de acordo com as veneradas equações
estabelecidas por James Clerk Maxwell. E elas eram consideradas
literalmente a última palavra sobre o assunto. Contudo, nenhuma
aplicação delas permitia que se calculasse direito a tal da radiação do corpo
negro, conforme era observada experimentalmente.
Planck daria encaminhamento a essa questão, mas por meio de uma
abordagem que ele jamais gostaria de ter usado. Ele percebeu que era
possível resolver o problema se ele partisse do pressuposto de que a luz só
podia ser propagada em quantidades discretas e limitadas de energia – o
tal quantum.
Em essência é como se houvesse uma unidade mínima para a energia da
radiação luminosa. Ela não podia ter um valor qualquer, mas apenas
múltiplos dessa quantidade fundamental. Apesar de ter sido o pai da ideia,
Planck a odiava. “Foi um ato de desespero”, escreveu. “Eu estava pronto
para sacrificar qualquer uma das minhas convicções anteriores sobre a
física.”
O cientista apresentou sua solução em reunião da Sociedade Alemã de
Física em dezembro de 1900. Com a virada do século, chegaria a teoria
quântica, que colocaria o mundo dos físicos de pernas para o ar.
Enquanto Planck torcia para logo conseguirem uma solução ondulatória
para a radiação de corpo negro que colocaria tudo de volta em seu devido
lugar, outros cientistas começaram a perceber que o conceito de quantum
poderia resolver vários outros problemas. Albert Einstein o usou, em 1905,
para explicar o efeito fotoelétrico, descoberto 3 anos antes. A melhor
maneira de explicar como a luz podia deslocar elétrons e criar uma
corrente elétrica era tratá-la como uma entidade composta por partículas
discretas – quanta (plural de quantum).
Mais tarde, em 1913, Niels Bohr usaria o mesmo conceito para explicar a
estabilidade do átomo de hidrogênio. E aí o gênio estava fora da garrafa. A
física quântica tinha vindo para ficar.
Nesse meio tempo, Planck se tornou uma importante referência na
política científica alemã. Entre 1905 e 1909, ele foi presidente da recém-
fundada Sociedade Física Alemã. No mesmo ano em que ele deixou a
função, perdeu sua mulher, Marie, vítima de tuberculose. Planck se casaria
novamente, com a sobrinha dela, Marga von Hösslin, dois anos depois.
Teriam juntos um filho, Hermann (esse sim sobreviveria a Planck).
A alegria do novo casamento e de mais um filho duraria pouco. Em 1914,
começava a Primeira Guerra Mundial, e a Alemanha estava no centro do
conflito. Planck de início demonstrou uma atitude nacionalista, em favor
de seu país. Aos poucos, foi mudando de opinião, opondo-se à expansão
territorial alemã. E teve de ver seu filho mais velho, Karl, perder a vida na
guerra, em 1916. No ano seguinte, seria a vez da filha Grete, morta durante
o parto de seu primeiro filho.
Com o armistício, a paz voltou a reinar em 1918, e Planck recebeu o
Prêmio Nobel em Física por seu trabalho com a teoria quântica. Ele estava
revigorado para tentar reconstruir a ciência alemã, devastada pelo conflito.
Fazendo uso de seu prestígio e autoridade, ele lançou o slogan “persevere
e continue trabalhando” a seus colegas desacorçoados. E em 1920, ele e seu
colega Fri Haber criaram a Organização de Emergência para a Ciência
Alemã, com o objetivo de fornecer apoio financeiro à pesquisa. Uma parte
considerável do dinheiro distribuído pela organização foi obtido no
exterior.
Ao mesmo tempo, novas desgraças pareciam persegui-lo: em 1919,
perderia a outra gêmea, Emma, que havia se casado com o viúvo da irmã e
morreria do mesmo jeito que ela, durante o parto. Restara-lhe apenas
Erwin, que se tornaria seu assistente e amigo próximo, e o pequeno
Hermann.
Ironicamente, com o passar dos anos, em vez de ser celebrado na
Alemanha, o pesquisador começou a ser perseguido, principalmente com a
ascensão dos nazistas ao poder, em 1933. Acusado de defender a “ciência
judia” (na prática, a teoria da relatividade de Einstein), ele teve até sua
ancestralidade investigada.
Pior que isso, durante a Segunda Guerra Mundial, a casa de Planck foi
destruída completamente, e seu filho Erwin foi acusado de envolvimento
numa tentativa de assassinar Adolf Hitler em 20 de julho de 1944 (o
episódio narrado no filme Operação Valquíria, com Tom Cruise). Ele
acabaria morto nas mãos da Gestapo em 1945.
O físico sempre encarou todas essas desgraças com estoicismo
impressionante. Ao final da Segunda Guerra, ele já estava com 87 anos.
Ainda assim, sentia a necessidade de tentar colaborar com a reconstrução
da ciência alemã, devastada após o conflito – primeiro pela péssima e
preconceituosa gestão conduzida pelos nazistas, depois pelo
empobrecimento do país em razão do esforço de guerra. Então, tornou-se
mais uma vez presidente da Sociedade Kaiser Wilhelm, que controlava
uma série de institutos de pesquisa alemães. Permaneceu no cargo por dois
anos, e viria a falecer no ano seguinte, em 4 de outubro de 1947. Não por
acaso, a partir de 1948, os institutos seriam reunidos sob o comando de
outra organização, a Sociedade Max Planck.
Mais que isso, a revolução que a física quântica produziu na nossa
compreensão do Universo viceja até hoje.

Como a vida de Planck


pode inspirar a sua
É COMUM A PRECOCIDADE entre os gênios. Max Planck, porém, demonstrou que não existe lugar para
a pressa nos grandes feitos. Eles podem vir com naturalidade mesmo após algumas décadas de
trabalho, embora, claro, sejam mais raros pelo simples fato de que, quanto mais tempo você trabalha
sobre um paradigma, mais difícil se torna você abandoná-lo e promover uma revolução.
Com sua mentalidade metódica e sua precisão, Planck concedeu sua maior contribuição à ciência
em idade relativamente tardia, a despeito de qualquer reserva que pudesse ter às próprias ideias que
estava avançando. Quando ele divulgou sua hipótese sobre o quantum, já tinha lá 42 anos. Pode
nem parecer tanto assim, mas a maioria dos gênios tem seus maiores lampejos bem mais cedo: Isaac
Newton teve seu “ano miraculoso” em 1666, aos 23 anos. Einstein publicou a Teoria Especial da
Relatividade em 1905, aos 26. Planck mostrou, portanto, que nunca é tarde para começar uma
revolução científica.
Mesmo depois de produzir uma realização que poucas vezes se viu similar na história da ciência, o
cientista alemão não se sentia glorificado pela concepção do quantum. Muito pelo contrário. Depois
de ter libertado da garrafa o gênio da física quântica, tentou de todas as formas recondicioná-lo a
uma formulação clássica, como que tentando trazer de volta uma forma de pensar que estaria
condenada a desaparecer. “Minhas tentativas fúteis de colocar o quantum de volta na teoria clássica
continuaram por vários anos e me custaram grande esforço”, escreveu. Nunca houve um
revolucionário mais hesitante.
Isso era reflexo de sua cautela e também de uma vida acadêmica inteira conduzida sob outro
paradigma científico. Mas nenhuma ideologia ou forma de pensar vigente o impediu de propor o
impensável e literalmente granular o Universo, ao sugerir que ele fosse composto por pacotes
limitados e bem definidos de energia.
Note que Planck sempre se mostrou muito mais satisfeito com o caminho intelectual percorrido
para resolver os problemas físicos do que necessariamente com a solução que ele encontrou. Trata-
sede outra lição importante.
“É a jornada, não o destino”, costuma repetir meu amigo jornalista Reinaldo José Lopes, toda vez
que demonstro irritação pelo fato de que determinada coisa, a despeito do trabalho que dá, parece
não levar a lugar algum. E essa é basicamente a mensagem que Max Planck também nos deixa. Não
importa quão imensa seja a revolução conceitual que você deixa para trás ao final de sua viagem – e
a dele foi particularmente monstruosa –, o que de fato é relevante para nós é a jornada em si e a
capacidade de nos encantarmos com ela.
(É como escrever este livro. É óbvio que, desde a primeira página, eu já tinha certa ansiedade em
terminá-lo e vê-lo publicado tão rápido quanto possível. Esse era o objetivo, afinal de contas. Mas,
transcorrido todo o processo, isso não é nem de perto tão importante quanto o caminho que
estamos percorrendo juntos ao longo de cada uma das páginas. O prazer de compartilhar as
histórias pessoais desses grandes gênios e algumas das minhas reflexões pessoais sobre eles
sobrepuja qualquer recompensa imediatista que eu poderia obter ao concluir o livro.)
A trajetória de Planck, de qualquer forma, torna-se ainda mais significativa se levarmos em conta
as agruras pessoais e sociais pelas quais ele teve de passar. Sua história pessoal caminha lado a lado
com a trágica participação da Alemanha nos grandes conflitos internacionais do século 20. O físico
perdeu um filho na Primeira Guerra Mundial, outro na Segunda, mas jamais perdeu de vista a
necessidade de fomentar e proteger o desenvolvimento da ciência em seu país, navegando com
delicadeza pelas águas turvas do nazismo. Por ser um amante da verdade, acima de qualquer
ideologia, sofreu com a atitude anti-intelectual do jugo brutal de Adolf Hitler, que vitimaria tantos
de seus colegas judeus.
Seus esforços foram fundamentais para levantar a ciência de seu país após as duas grandes guerras.
E são um ótimo exemplo de como um profissional de sucesso pode usar sua própria influência de
forma a instigar e desenvolver ainda mais seu próprio campo – certamente lançando as bases para a
solução de problemas que ele mesmo jamais teria a chance de abordar em sua vida. Ao enxergar que
fazemos parte de uma engrenagem muito maior, que temos o compromisso com uma história maior
que nós mesmos, nos desapegamos da necessidade de recompensa imediata e somos capazes de
trabalhar em favor do bem comum. Cientes disso, ganhamos um prêmio muito maior: o da
compreensão de que não há maior realização pessoal do que vivenciar todas as dificuldades e
alegrias que se interpõem entre nós e nossos objetivos.
Albert Einstein
“O senso comum é a coleção de preconceitos adquiridos até os 18 anos.”

S de genialidade. As razões para isso são


muitas, mas talvez a principal seja sua capacidade de levar o Universo
inteiro dentro da cabeça.
Albert Einstein nasceu em Ulm, então parte do Império Alemão, em 14 de
março de 1879. Ele foi o primeiro filho de Hermann Einstein com Pauline
Koch. O pai tinha paixão pela matemática, mas, como sua família não se
encontrava em boa condição financeira, acabou se tornando comerciante. A
mãe era dona de casa. Ambos eram judeus, mas nenhum deles era
praticante da religião judaica. Tanto que o pequeno Einstein chegou a
estudar numa escola católica na infância. (Ao longo da vida, o cientista
tomaria uma postura agnóstica com relação à religião. Desprezando as
versões míticas de Deus, expressadas nas mais variadas narrativas
religiosas, que ele considerava “ingênuas”. Einstein tinha uma visão
cautelosa, algo que ele mesmo descrevia como “uma atitude de humildade
correspondente à fraqueza de nosso entendimento intelectual da natureza
e do nosso próprio ser”. Em outras palavras: sabemos muito pouco para
palpitar sobre Deus, que o próprio Einstein via como a harmonia da
natureza, e não como uma entidade preocupada com os destinos do
homem.)
Em 1880, o casal se mudou para Munique, onde Hermann abriria com
seu irmão Jakob uma companhia de equipamentos elétricos especializada
no sistema de corrente contínua (DC). No ano seguinte, nasceria Maria, a
irmã mais nova de Albert.
Os negócios começaram a ir de mal a pior em 1894, depois que a empresa
perdeu um contrato para fornecer equipamento à cidade de Munique
porque lhe faltava o dinheiro para converter tudo para a corrente alternada
(AC), que estava se tornando o padrão no mundo todo. Tiveram de vender
a fábrica, e a família de Einstein se mudou para Milão e, meses depois,
para Pavia, ambas cidades italianas. Albert permaneceu em Munique para
terminar seus estudos, mas estava tendo problemas na escola. O moleque
arrumava confusão com os professores, desafiava sua autoridade e descia a
lenha nos métodos de ensino. Criticava, veja você, a perda da criatividade
num esquema baseado somente em decoreba.
No ano seguinte, aos 16, o jovem Albert fez o teste de admissão para a
Politécnica Federal Suíça em Zurique. Mas ele ainda não era nenhum
Einstein, se é que você me entende. Embora tenha tido desempenho
excepcional em física e matemática, escorregou feio na prova de
conhecimentos gerais. Aconselhado pelo diretor da Politécnica, foi então à
cidade de Aarau para completar o ensino médio, onde ficou na casa do
professor Jost Winteler e acabou se apaixonando pela filha dele, Marie.
Em 1896, para evitar o serviço militar, Einstein renunciou à cidadania
alemã – já mostrando seus traços pacifistas que predominariam ao longo
de toda a vida. E aos 17, ele entrou na Politécnica de Zurique, onde
conheceria Mileva Marić, a única mulher dentre os estudantes de
matemática e física. O romance entre os dois logo floresceu. Einstein
formou-se em 1900, mas passou dois anos procurando trabalho, até
finalmente conseguir uma vaga no escritório de patentes de Berna, na
Suíça, como examinador-assistente. Marić por sua vez voltou ao seu país
de origem, a Sérvia, para ficar com sua família. Mas àquela altura ela
estava grávida de Einstein!
Acontece então o episódio mais obscuro da vida do famoso cientista.
Nada se sabia sobre a existência desse bebê até 1986, quando uma neta de
Einstein encontrou uma série de cartas trocadas entre Mileva e Albert
dando conta de sua existência. Aparentemente, Marić deu à luz uma
menina, Lieserl, em janeiro de 1902. Numa carta em fevereiro daquele ano,
Einstein escreve: “Ela é saudável e chora direitinho? [...] Eu a amo tanto e
nem a conheço ainda!”.
A última menção a Lieserl a aparecer na correspondência do casal data de
19 de setembro de 1903, em que Einstein menciona preocupação pelo fato
de o bebê estar sofrendo de escarlatina. Depois disso, nunca mais se ouviu
falar dela. É possível que ela tenha sido colocada para adoção ou que tenha
morrido após a crise de escarlatina.
Seja como for, entre seu nascimento e seu desaparecimento, Einstein e
Marić se casaram, em janeiro de 1903. Não sabemos sequer se Albert
chegou a conhecer sua bebê. Em maio de 1904, tiveram outro filho, Hans
Albert Einstein, em Berna.
E foi nessa mesma época que o gênio do físico começaria a brilhar.
Para chegar a suas descobertas, Einstein rotineiramente usava o que ele
chamou de gedankenexperiment – expressão alemã para “experimento
mental”. Eram testes que na realidade não teriam como ser executados,
mas podiam acontecer dentro da mente, se o imaginador tivesse um
sentido de abstração suficientemente aguçado.
Foi um desses que levou Einstein a desenvolver a versão restrita da sua
teoria da relatividade, em 1905. Tudo começou quando o físico imaginou
como seria se um observador apostasse corrida com um raio de luz,
acompanhando-o em sua velocidade assustadora.
Essa reflexão levou-o a conclusões aterradoras, que transformaram a
concepção do mundo e mostraram que tempo e espaço eram variáveis e
dependiam basicamente do referencial. Só havia uma coisa que se
mantinha sempre constante no Universo: a velocidade da luz no vácuo, 300
mil km/s.
Mesmo trabalhando no escritório de patentes – o que significa que seus
estudos científicos só podiam ser realizados nas horas vagas –, ele faria
muito mais naquele ano. Além da relatividade restrita (assim chamada
porque só dizia respeito a referenciais que não estivessem em movimento
acelerado), naquele mesmo ano, ele publicou outros 3 artigos.
Em um descrevia a mais famosa equação científica de todos os tempos,
E=mc2. Em outro, demonstrou a existência dos átomos (que ainda eram
postos em dúvida naquela época), ao explicar o movimento browniano
(aquela agitação aleatória que vemos, por exemplo, em partículas de poeira
suspensas no ar). E, no terceiro, explicou o efeito fotoelétrico fazendo uso
da teoria quântica recém-iniciada por Max Planck. Esse trabalho lhe valeu
o Prêmio Nobel, concedido em 1921.
Por tantas realizações em tão curto espaço de tempo, 1905 é comumente
mencionado como o annus mirabilis (ano miraculoso) de Einstein. Contudo,
o físico alemão sabia que ainda faltava desenvolver completamente a
relatividade, generalizá-la para todas as circunstâncias. Albert passou boa
parte da década seguinte buscando essa resposta.
Em 1909, Einstein se tornou professor da Universidade de Zurique. No
ano seguinte, teria mais um filho com Marić, Eduard, mas o novo rebento
não manteria o casamento de pé. Mileva e Albert se separaram em 1911. Os
filhos ficaram com a mãe, em Zurique, enquanto Albert foi morar em Praga
e, depois, em Berlim, onde se tornaria diretor do Instituto Kaiser Wilhelm
para Física e professor da Universidade Humboldt de Berlim.
Depois da separação, Einstein passou a namorar Elsa Löwenthal, prima
em primeiro grau por lado de mãe e prima em segundo grau por parte de
pai! Eles se casariam em 1919, mas àquela altura, Einstein já havia
concluído sua obra-prima científica: a teoria da relatividade geral. E a
chave para atingir isso também estava num gedankenexperiment.
Einstein pensou numa pessoa dentro de um elevador em duas condições.
Numa delas, o elevador está em queda livre, na direção da Terra – o
passageiro naturalmente flutua dentro dele. Na outra, o elevador está
parado, no espaço sideral, longe de qualquer força gravitacional. O
passageiro flutua do mesmo jeito.
Assim, Einstein percebeu que um campo gravitacional e uma aceleração
uniforme equivalente eram absolutamente indistinguíveis. Essa foi a chave
para identificar que a gravidade nada mais era do que uma curvatura, no
próprio tecido do espaço e do tempo. E a trajetória dos raios de luz é o que
permitia “mapear” a curvatura desse novo e elástico “espaço-tempo”.
Einstein demonstrou com sua relatividade geral, publicada em 1916, que
espaço e tempo não podem ser separados e fazem parte de um continuum
de 4 dimensões. A presença de objetos com massa no espaço-tempo gera
uma curvatura, como uma bola pesada curva um colchão em suas
proximidades. E a curvatura, por sua vez, explica porque objetos entram
em órbita (como a Lua ao redor da Terra) ou caem, se chegarem perto
demais do “poço gravitacional”.
Abandona-se o conceito newtoniano da gravidade, como uma força
exercida à distância por corpos com massa e, em vez dele, temos algo
muito mais orgânico – a geometria do próprio espaço – dizendo como
corpos devem se mover. Ou seja, a gravidade pode ser explicada como
uma distorção que tem efeitos em como o espaço e o tempo são percebidos
por um observador numa determinada localização. Quanto mais intenso é
o campo gravitacional, mais devagar o tempo passa. É muito louco isso.
Tanto que muita gente duvidou que essa nova teoria da gravitação – tão
poderosa que seria capaz de predizer até mesmo a origem e o futuro do
Universo – pudesse mesmo estar certa.
Aliás, o próprio Einstein teve essa dúvida, assim que aplicou suas
equações ao cosmos inteiro. Porque o que a teoria sugeria é que o Universo
não poderia estar num estado de estabilidade, que sugerisse uma
existência eterna na direção do passado e do futuro. Muito pelo contrário:
pelas equações, o cosmos só poderia estar num estado de contração ou de
expansão – sugerindo um princípio e um fim para tudo que existe. Tão
incomodado o físico ficou com essa perspectiva que decidiu incluir mais
um termo nas equações – a famosa “constante cosmológica” – para
restaurar a possibilidade de estabilidade cósmica. E foi essa a versão
modificada da teoria que Einstein bancou dali em diante. Isso até o
astrônomo Edwin Hubble fazer a estonteante descoberta de que o Universo
de fato estava em expansão, como sugeria a teoria! Einstein lamentou não
ter sido ele o primeiro a anunciar essa predição e renegou a constante
cosmológica, tratando-a como o maior embaraço de sua carreira.
(Ironicamente, nos anos 1990 astrônomos descobriram que a expansão
cósmica está em estado acelerado, sugerindo que existe uma força agindo
de forma contrária à gravidade. Deram a ela o apelido de energia escura e
chegaram até mesmo a ressuscitar a constante cosmológica que, em vez de
frear o Universo, o acelera, como possível explicação para ela! Até quando
Einstein erra, ele acerta!)
Agora, propor uma teoria revolucionária é uma coisa. Testá-la são outros
500. Logo que a relatividade foi apresentada, seus entusiasmados
apoiadores, dentre eles o astrofísico britânico Arthur Eddington, sentiram
a necessidade de promover uma verificação observacional. A oportunidade
apareceria durante um eclipse solar. Quando a Lua oculta o Sol, é possível
ver as estrelas ao fundo. E, se a luz segue a curvatura do espaço-tempo, a
posição das estrelas seria alterada quando seus raios passassem de raspão
do Sol.
Eddington organizou uma expedição para observar o eclipse solar que
aconteceria em 1919. Imagens da posição das estrelas foram feitas na Ilha
do Príncipe, na África, e em Sobral, no Ceará. Com o resultado positivo das
observações, Einstein já contava. Quando perguntado por um jornalista
sobre o que faria se o teste refutasse suas ideias, ele respondeu: “Eu teria
pena de nosso bom Deus. Porque a teoria estaria certa do mesmo jeito”.
Depois da corroboração da relatividade geral, o físico alemão se tornou
uma celebridade ainda maior. Em 1921, seria agraciado com o Prêmio
Nobel em Física (ironicamente, por sua descoberta do efeito fotoelétrico;
mesmo depois de sua primeira confirmação experimental, a relatividade
geral era ainda tida como muito controversa na época, o que intimidou a
Academia Real de Ciências da Suécia).
O sucesso faria com que Einstein viajasse o mundo inteiro nos anos
seguintes. Ele esteve inclusive no Brasil, em 1925. E, em 1933, ele estava nos
Estados Unidos quando Adolf Hitler se tornou chanceler da Alemanha.
Anunciou então que não retornaria a seu país de origem, pedindo asilo em
território americano. Tornou-se pesquisador do Instituto para Estudo
Avançado, em Princeton, onde permaneceria até o fim dos seus dias.
Apesar de pacifista, Einstein teve envolvimento fundamental no
desenvolvimento das primeiras bombas atômicas. Em 1939, ele escreveu
uma carta ao presidente americano, Franklin Roosevelt, alertando-o para
pesquisas recentes que demonstravam que armas nucleares eram uma
possibilidade real e que a Alemanha estava trabalhando para desenvolvê-
las. Pedia então que os Estados Unidos aplicassem recursos para chegar lá
antes dos nazistas. Einstein, contudo, jamais se envolveu diretamente com
o Projeto Manha an, que criou as bombas atômicas americanas.
Em 1952, o primeiro-ministro israelense, David Ben-Gurion, ofereceu a
Einstein o posto de presidente de Israel. Apesar de ter sido um forte
apoiador da causa sionista, o físico recusou.
Em 17 de abril de 1955, aos 76 anos, Einstein teve uma hemorragia interna
causada pela ruptura de um aneurisma. Levado ao hospital, foi informado
de que precisaria de cirurgia. Albert recusou. “Eu quero ir quando eu
quiser. É de mau gosto prolongar a vida artificialmente. Eu fiz a minha
parte, é hora de partir. Farei isso elegantemente.” Na manhã do dia
seguinte, ele estava morto. Seu cérebro foi extraído para estudos científicos
(sem a autorização da família), e os restos mortais, cremados.

Como a vida de Einstein


pode inspirar a sua
PUXA VIDA, TALVEZ NÃO EXISTA tarefa mais difícil neste livro do que tentar dizer o que podemos
aprender com Albert Einstein. Primeiro porque são muitas coisas. Segundo porque são profundas. E
terceiro porque tem tantas facetas que é difícil espremer a fruta até ficarmos somente com o suco –
que é, como talvez diria Einstein, a única coisa que o tempo e o espaço nos permitirão abordar aqui.
A vida e a obra de Einstein em essência demonstram quanto vale a reflexão cuidadosa e como
precisamos nos despir de preconceitos. Desde jovem até o fim de sua vida, o físico pregou a
necessidade de não tomarmos o discurso vigente pelo seu valor de face. É verdade que ele também
demonstrou certos compromissos ideológicos, ao, por exemplo, abraçar a constante cosmológica
apenas para conformar sua teoria ao que ele achava que ela deveria dizer sobre o mundo. Da mesma
maneira, e por motivos similares, ele passou praticamente a vida toda renegando as consequências
da mecânica quântica, que transformara o Universo numa série interminável de eventos
probabilísticos, não deterministas. Para ele, o mundo não poderia ser, em sua natureza mais
elementar, desse jeito.
Contudo, convicções como essa são inofensivas e até benignas. Um ser humano sem nenhuma
convicção também não serve para nada. O ideal é que ele tenha pelo menos a convicção de que
convém desconfiar de convicções. E Einstein seguramente tinha isso.
Sempre que estamos diante de uma situação que nos parece obviamente apontar numa dada
direção, rumo a uma certa interpretação, cabe lembramos disso e darmos um passo atrás. Será que
há espaço para desafiarmos nossas convicções? Será que há um ponto de vista alternativo? Será que
a verdade está nos olhos de quem vê? Seria ela relativa?
Esse é um ponto fundamental do pensamento de Einstein, que nos leva diretamente a algumas de
suas qualidades humanistas mais marcantes: o profundo pacifismo e a crença no internacionalismo.
A noção de que a guerra nunca é a resposta para nada e que estamos todos irmanados neste planeta
numa civilização só, ligados por laços que não podem ser desfeitos, por mais que tenhamos
costumes tribais enraizados de separar o mundo entre “nós e eles”.
Outra coisa que encanta na postura de Einstein tem a ver com sua capacidade de resolver
problemas e propor soluções, baseando-se nas premissas mais simples. Os famosos
gedankenexperimenten – os experimentos mentais que o físico fazia para explorar as questões que o
intrigavam – mostravam exatamente como ele procedia ao investigar a natureza: com os olhos de
uma criança, que tenta entender o que vê e o que a cerca, despida de preconceitos. É aquela
“ingenuidade do bem”, que permite enxergar através das camadas espessas de imposição cultural, e
para a qual, não importando a nossa idade, sempre deveríamos guardar um espacinho dentro de
nós.
Einstein acreditava que a mentalidade infantil representava o espírito científico em seu estado mais
puro, a capacidade de inquirir sem se sentir tolhido de maneira alguma. Acreditava também que
vamos perdendo ao longo da vida essa capacidade, justamente por nos afundarmos sob o mundo
adulto, cheio de ideias preconcebidas. Como forma de combater esse afundamento e manter
aflorado o poder de questionar, Einstein apostou no poder das respostas simples e ao mesmo tempo
profundas. “Se você não pode explicar de forma simples, você não entendeu”, ele dizia.
Ironicamente, a teoria da relatividade geral, em sua formulação matemática, é uma das coisas mais
difíceis que já se produziu em física. O que mais uma vez atesta o poder do gênio em enxergar o
simples em meio às complicações. Esse é um exercício salutar em todas as estradas da vida: buscar
entender a essência, o simples, de cada situação nos ajuda a nos posicionarmos melhor,
enfrentarmos com mais vigor as dificuldades e abraçarmos com mais facilidade os prazeres que elas
nos oferecem.
Por fim, não podemos deixar de destacar que essa capacidade emerge muito mais fácil quando
encontra genuíno respaldo em nosso mundo mental interno, quando faz parte do nosso próprio
modo de pensar. Para entender isso, basta ver em que circunstâncias Einstein se tornou a mais
poderosa força de transformação na física. Aconteceu em 1905, em seu “ano miraculoso”, quando o
cientista trabalhava no escritório de patentes em Berna, lidando com burocracia mais do que com
qualquer outra coisa. Note que sua produção científica não emergiu de seu emprego; partiu de sua
necessidade criativa de investigar os problemas da natureza, a despeito de não contribuírem em
nada para sua vida profissional naquele momento. Em resumo: Einstein praticava física porque
tinha paixão por ela, não porque isso fosse exigido dele profissionalmente.
É uma demonstração cabal de que devemos sempre abraçar nossas vocações e não desistirmos
delas mesmo quando as circunstâncias parecem apontar noutra direção. Note que não se trata de
abandonar o sistema quando ele não lhe favorece, simplesmente se rebelar e cair num niilismo.
Einstein, como todos nós, tinha contas a pagar no fim do mês e estava grato pelo emprego, ainda
que não lhe trouxesse a mínima satisfação pessoal. A sabedoria dele foi permanecer lá, mas não
permitir que aquilo o levasse a perder de vista onde estava o seu coração. O resultado foi uma das
carreiras mais brilhantes e bem-sucedidas já vistas na história da ciência. Até hoje, quando falamos
em gênio, pensamos em Einstein. Não por acaso.
Werner Heisenberg
“Temos de nos lembrar de que o que observamos não é a natureza em si, mas a natureza exposta ao
nosso método de questionamento.”

É que Werner Heisenberg, depois de ter ficado famoso nos


círculos científicos por sua descoberta do princípio da incerteza, tenha
tentado construir uma cortina de fumaça ao redor de seu próprio trabalho.
Bem, mas que opção restaria, depois da Segunda Guerra Mundial, ao
homem que ficou encarregado de comandar uma equipe de cientistas
destinada a construir uma bomba atômica para Hitler?
Werner Karl Heisenberg nasceu em Würzburg, na Alemanha, em 5 de
dezembro de 1901, segundo (e último) filho de Kaspar Ernst August
Heisenberg, um professor de línguas clássicas, e Annie Wecklein.
Quando menino, Werner aprendeu a tocar piano com incrível facilidade e
já dominava a execução de composições clássicas aos 13 anos. Encorajado
pelo pai, seguiu na carreira científica. Adolescente, ele aprendeu cálculo
sozinho e chegou a tentar publicar um artigo científico. Apesar de a ciência
ser sua maior paixão, nunca perdeu o gosto pela música.
A grana em casa nunca foi muita. Werner trabalhou por 3 anos numa
fazenda para juntar o dinheiro para pagar seu curso na Universidade de
Munique, onde seu pai August lecionava literatura e língua grega. Lá, teve
como mentor Arthur Sommerfeld, um dos mais proeminentes físicos
modernos da época na Alemanha. Heisenberg concluiu o doutorado em
1923 e, com uma bolsa da Fundação Rockefeller, foi estudar no Instituto de
Física Teórica da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, no ano
seguinte. Lá, o maior expoente era o físico Niels Bohr.
Heisenberg já era fã de Bohr desde o dia em que Sommerfeld o havia
levado a Gö ingen para participar de um evento que acabou ganhando o
apelido de “Festival Bohr”, em junho de 1922. Lá, Niels Bohr daria uma
série de palestras sobre a nascente teoria quântica e suas implicações para a
física atômica. Bohr e Heisenberg se tornaram amigos naquele evento.
A estadia de Werner na Dinamarca foi muito proveitosa. Quando
retornou a Gö ingen, Heisenberg basicamente erigiu – em parceria com
Max Born e Pascual Jordan – os alicerces da mecânica quântica, em 1925.
Essa teoria é o fundamento básico que explica todas as forças da natureza,
menos a gravidade, e parte, como o nome sugere, do conceito original de
Max Planck, que estabelecia que a energia das partículas só podia existir
em quantidades discretas. É como se ela viesse somente em pacotinhos
fechados. Nenhuma partícula poderia adquirir meio pacotinho. Ou pega
um inteiro, ou nada.
Ao avançar sobre esse terreno, Heisenberg descobriu uma série de regras
embasbacantes para o comportamento da matéria e da energia em suas
menores escalas.
Uma das mais surpreendentes leis identificadas por ele, publicada em
1927, é o chamado princípio da incerteza: a noção de que é impossível
saber todos os parâmetros de uma dada partícula, num momento
qualquer, com precisão. Então, se o sujeito sabe muito bem a velocidade de
um próton, ele pouco saberá sobre a posição, e vice-versa.
Não faz o menor sentido – em termos do cotidiano –, mas é assim que
funciona no mundo do muito pequeno. Certamente compreender as regras
do universo quântico exigiu um bocado de capacidade de abstração.
Seu trabalho foi tão revolucionário que não tardou a ser reconhecido pelo
comitê da Academia Real de Ciências da Suécia, e Heisenberg foi
agraciado com o Nobel em Física em 1932. No ano seguinte, Adolf Hitler
seria eleito chanceler da Alemanha. E, mesmo consagrado, o físico não
seria poupado do clima de perseguição que se instauraria.
O antissemitismo tomaria conta do ambiente acadêmico alemão, liderado
por um movimento rotulado como Deutsche Physik, ou “Física Alemã”.
Seria uma tentativa de varrer a ciência moderna para debaixo do tapete,
liderada pelos físicos Philipp Lenard e Johannes Stark. O segundo e mais
virulento dos dois parecia uma metralhadora giratória. Stark atacou Max
Planck, rotulando-o “amigo e patrocinador de Einstein”, e um de seus
alvos preferidos era justamente Heisenberg, a quem ele chamou, em 1937,
de “judeu branco”, em artigo publicado no jornal da SS, a polícia de elite
nazista.
A despeito desses ataques, o governo decidiu aliviar a barra para
Heisenberg, até porque, com a expulsão de todos os físicos judeus das
universidades e a alienação de outros tantos colegas deles, restariam
poucos cientistas suficientemente bons para defender o selo “ariano” de
qualidade. Werner foi protegido pelo regime e meramente alertado para
jamais mencionar Einstein ao falar sobre a relatividade.
O governo de Hitler tinha uma impressão meio ambivalente dele: por um
lado, Heisenberg nunca se filiou ao Partido Nazista ou manifestou
entusiasmo e apoio públicos ao Führer. Por outro lado, o físico era
ganhador do Prêmio Nobel e mantinha ótimas relações com pesquisadores
de outros países – o que podia ser útil para manter as aparências fora da
Alemanha. Além disso, ele já havia demonstrado seu patriotismo.
Recusou-se a emigrar para os Estados Unidos em 1936 e se voluntariou
para treinamento militar em 1937, permanecendo na reserva do Exército
alemão até a invasão da Polônia, que marcou o início da Segunda Guerra
Mundial, quando então foi convocado e colocado para trabalhar para os
militares nas pesquisas com urânio.
Foi nessa mesma época que Heisenberg se casou com Elisabeth
Schumacher, com quem teria 7 filhos.
E aí, com o início da guerra, os planos do Terceiro Reich para ele se
tornaram mais concretos, com os estudos para o desenvolvimento de
aplicações ligadas à fissão nuclear – desde a geração de energia até a
produção de uma bomba atômica. Conhecido informalmente como
Uranverein, ou Clube do Urânio, o programa tinha em Heisenberg um de
seus líderes mais importantes.
A guerra foi boa para a Alemanha em seu início. Hitler rapidamente
conquistou boa parte da Europa e parecia que o fim, com a vitória nazista,
estava próximo. Foi nesse clima que, em setembro de 1941, Heisenberg
visitou seu velho mestre Bohr, em Copenhague. Era costume do governo
alemão permitir e, às vezes, até encorajar palestras de Heisenberg em
territórios estrangeiros ou ocupados, como maneira de propagandear o
sucesso da “nova Alemanha” e obter a cooperação dos invadidos. O físico
alemão, por sua vez, sempre tentou se manter tão apolítico quanto
possível, e uma das motivações para ir à Dinamarca era ver se havia algo
que ele pudesse fazer para ajudar Bohr e seus colegas, naquela situação
dramática.
Ainda assim, a visão pragmática de Heisenberg incomodava seus
interlocutores estrangeiros. Ele costumava defender a ideia de que a guerra
era uma necessidade biológica e que a vitória da Alemanha, ainda que
fosse uma barbaridade para os povos invadidos, seria o mal menor, uma
vez que ela seria a única força capaz de conter um inevitável avanço
soviético no futuro.
A visita de Heisenberg a Bohr é um dos mais interessantes e misteriosos
encontros de cientistas durante a Segunda Guerra Mundial. Isso porque o
conteúdo da conversa dos dois jamais foi revelado de forma clara, e, depois
da guerra, Heisenberg fez o que pôde para disfarçar sua colaboração com o
regime alemão e suas reais intenções no programa nuclear nazista. Em
1956, o escritor austríaco Robert Jungk publicou o livro Brighter than a
Thousand Suns, recontando os esforços dos dois lados para a construção da
bomba atômica. Nele, o autor passa a impressão de que físicos alemães
como Heisenberg e Carl Friedrich von Weizsäcker estavam
deliberadamente evitando o desenvolvimento de uma arma nuclear,
supostamente por terem consciência das consequências devastadoras de tal
invento.
Essa ambiguidade com que o programa nazista foi apresentado durante
os primeiros anos do pós-guerra trouxe uma aura de mistério para o
encontro entre Heisenberg e Bohr. O alemão teria ido até lá para fazer
chegar ao Ocidente a informação de que não haveria uma bomba atômica
nazista? Na peça teatral Copenhagen, de 1998, o escritor Michael Frayn
transforma o mistério em drama de primeira linha, apresentando diversas
versões possíveis do encontro – de certa forma refletindo o próprio
princípio quântico da incerteza, descoberto por Heisenberg em tempos
menos turbulentos.
Contudo, tudo leva a crer que essa ambiguidade toda não existiu. Assim
que Niels Bohr leu o livro de Jungk, em 1957, ele ficou incomodado com as
informações que ele continha sobre a reunião dele com Heisenberg em
1941, transmitidas pelo alemão ao autor por carta. O incômodo foi tão
grande que o dinamarquês chegou a rascunhar uma carta para Heisenberg,
que acabou jamais enviando. Ela dava boas pistas do que de fato ocorrera
no encontro: “Pessoalmente, eu me lembro de cada palavra de nossas
conversas, que aconteceram sobre um fundo de extrema tristeza e tensão
para nós aqui na Dinamarca. Em particular, nos causou uma forte
impressão tanto em Margrethe como em mim, e em todos no Instituto com
quem vocês dois falaram. Você e Weizsäcker expressaram sua convicção
definitiva de que a Alemanha venceria e de que, portanto, era tolo de nossa
parte manter a esperança de um desfecho diferente para a guerra e ser
reticente quanto a todas as ofertas alemãs de cooperação. Eu também me
lembro muito claramente de nossa conversa na minha sala no Instituto,
onde em termos vagos você falou de uma forma que só poderia me dar a
firme impressão de que, sob sua liderança, tudo estava sendo feito na
Alemanha para desenvolver armas atômicas e de que você disse que não
havia necessidade de falar sobre detalhes, já que você estava
completamente familiarizado com eles e havia passado os últimos dois
anos trabalhando mais ou menos exclusivamente nessas preparações”.
Não deve ser difícil imaginar por que Bohr jamais chegou a enviá-la,
dados os eufemismos que ele usa para dizer que Heisenberg em essência
estava mentindo. Mas trata-se de documento precioso para mostrar com
que vigor os cientistas alemães perseguiram a bomba. E mais: Heisenberg
também tentou sensibilizar o governo nazista da importância de sua
pesquisa. Em 26 de fevereiro de 1942, em Berlim, ele deu uma palestra,
voltada a um público não científico, sobre fissão de urânio. Na plateia
havia basicamente representantes do Partido Nazista, do governo e da
indústria alemã.
Mas se Heisenberg estava decidido a ajudar a Alemanha, por que Hitler
não ganhou sua bomba? A principal razão era justamente o otimismo dos
nazistas com uma vitória rápida na Segunda Guerra Mundial. Se ela viesse,
não haveria tempo suficiente para desenvolver armas nucleares capazes de
decidir o conflito. Portanto, no esforço de guerra não valeria a pena dar
alta prioridade ao projeto.
Havia, contudo, outras razões. Segundo o historiador Paul Lawrence
Rose, da Universidade Estadual da Pensilvânia, uma delas é que os
cálculos iniciais – equivocados – de Heisenberg sugeriam a necessidade de
toneladas, em vez de quilos, de urânio para provocar uma detonação. Só
isso já tornava a perspectiva de uma bomba algo improvável.
O erro nos cálculos seria proposital? Estaria ele mesmo tentando impedir
o desenvolvimento de armas nucleares, como declararia mais tarde? Ou
seria esse apenas um tropeço na carreira científica fantástica de
Heisenberg? Ninguém jamais saberá com certeza, ilustrando de forma
fantasmagórica a descoberta do princípio quântico que o tornaria famoso.
Heisenberg morreu em 1º de fevereiro de 1976, em Munique, na
Alemanha, vítima de câncer de rim. Ele tinha 74 anos.

Como a vida de Werner Heisenberg


pode inspirar a sua
É UMA DAQUELAS COISAS que parece ficção, tamanha coincidência. Mas Heisenberg é uma figura que
gera incertezas tão grandes sobre o que devemos pensar dele como as que se vê no mundo
subatômico que ele ajudou a desvendar. Dessa maneira, vemos um casamento incrível entre vida e
obra do cientista para efeito de tentarmos dela extrair alguma lição para nós mesmos: em essência,
ambas dizem que a verdade depende essencialmente do seu ponto de vista.
A luz é uma partícula ou uma onda? Maxwell a elucidou como onda de forma perfeita, com todos
os fenômenos associados a ela testados e observados. Então Einstein ressuscita a noção de partícula,
explicando com isso o efeito fotoelétrico, razão pela qual ganhara o Prêmio Nobel. E esse dilema
passou a atormentar os físicos. Afinal, a luz é uma onda ou uma partícula? Com Heisenberg e o
desenvolvimento da mecânica quântica, teremos uma resposta que pareceria absurda, não fosse
verdadeira. Na natureza, conforme demonstraria Louis de Broglie, outro dos gigantes da área, a luz é
onda e também é partícula – ao mesmo tempo. E você vai observá-la de um jeito ou de outro
dependendo do experimento que realizar.
De forma ainda mais dramática, com a formulação do princípio da incerteza, em 1927, Heisenberg
coloca uma barreira intransponível entre o conhecimento da natureza e sua realidade ulterior. Ele
demonstra que, se você sabe a velocidade de uma partícula com absoluta precisão, não pode saber
sua posição. E vice-versa. Não é só mais uma questão de a natureza ser uma coisa ou outra, de
acordo com o que perguntamos a ela. Passa a ser o fato de que você não pode saber tudo sobre ela,
não importa o quanto queira. Você pode ter uma informação aproximada sobre a posição e sobre a
velocidade, mas se começar a tentar obter mais precisão num dos parâmetros, automaticamente
perderá no outro. E sabe por quê? Porque, ao realizar seu estudo, você necessariamente altera o
resultado, impedindo que se possa fazer uma determinação independente do seu procedimento. O
experimentador altera o resultado da experiência.
Isso é muito, muito louco. É a demonstração de que a realidade que observamos depende
fundamentalmente de como a questionamos. Em resumo: o mundo é uma coisa diferente da nossa
compreensão dele. A matemática da mecânica quântica nos diz o que devemos esperar de um
experimento, em termos de prováveis desfechos, mas não diz o que é a realidade fundamental que
antecede qualquer experimento. A natureza se torna probabilística, não determinística, e dá um nó
na cabeça dos físicos. Toda a ciência clássica se ancorava no fato de que era possível prever o estado
futuro de um sistema com base no conhecimento do estado passado. A mecânica quântica rompe
com esse preceito, dizendo que o melhor que se pode fazer é estabelecer a probabilidade com que
um sistema vá ter tal e tal desfecho.
Claro, um agregado de partículas quânticas acabam produzindo os efeitos clássicos que
observamos – podemos prever o futuro de um sistema com base em seu passado porque, embora
seus componentes mínimos ajam de forma probabilística, a soma deles pode ser tratada de forma
clássica.
Isso aí é pano para a manga. Dá livros e livros de filosofia. Mas aqui, para nós, no dia a dia, o que
isso nos diz?
Acredito que uma lição importante é a de que a solução de problemas depende intrinsecamente da
forma como eles são formulados. Por vezes tropeçamos numa situação que nos parece insolúvel ou
cujas soluções elencadas nos soam todas insatisfatórias. Mas será que não existe um vício de
raciocínio aí, que parte da formulação do próprio problema?
Heisenberg nos oferece um lampejo que pode ser útil. Se você não gosta das soluções possíveis, que
tal mudar o problema em si? Talvez uma maneira diferente de encará-lo permita enxergar uma saída
que de antemão, pelo vício da formulação, não podia ser vista.
Linus Pauling
“Ciência é a busca pela verdade, que é o esforço para entender o mundo: envolve a rejeição do viés,
do dogma, da revelação, mas não a rejeição da moralidade.”

O L P deu tantas contribuições


importantes à ciência e à sociedade que é difícil eleger a maior delas. Se
perguntássemos a ele mesmo, ele diria que foram seus trabalhos ligados à
decifração da disposição dos elétrons ao redor do núcleo atômico.
Convenhamos, faz todo sentido.
O mundo dos átomos é tão inacessível aos sentidos humanos que se torna
muito tentador tentar imaginá-lo à semelhança de outros modelos
macroscópicos que podemos observar. Assim, quando a estrutura atômica
começou a ser desvendada, foi natural pensar nela como uma réplica em
miniatura do Sistema Solar, com o núcleo no meio e os elétrons girando
ordenadamente ao redor. Mas o mundo quântico, que envolve matéria e
energia em suas menores escalas, não permite esse emparelhamento. As
regras que valem para as menores partículas são contraintuitivas, em forte
contraste com a lógica reconfortante da física clássica.
Para compreender a configuração do átomo – que por sua vez dita sua
capacidade de se ligar a outros, formando moléculas –, seria preciso uma
alta dose de abstração e um conhecimento profundo da então nascente
teoria quântica. Linus Pauling tinha as duas qualidades.
Linus Carl Pauling nasceu em 28 de fevereiro de 1901, em Portland, no
estado do Oregon, Estados Unidos. Foi o primeiro filho de Herman Henry
William Pauling, um vendedor de medicamentos, e Lucy Isabelle Darling.
Seu nome era uma homenagem dupla, ao avô materno, Linus, e ao paterno,
Carl.
Os primeiros anos da infância foram vividos em trânsito, pois os pais
buscavam um lugar mais barato e confortável para acomodar a família. No
fim de 1901, Linus ganharia uma irmã, Pauline. Em 1904, outra irmã:
Lucile. E, quando ele tinha 9 anos, o pai morreu, vítima de uma úlcera,
deixando a família desamparada.
Linus manifestou desde cedo ser um leitor voraz (o pai chegou a enviar
uma carta a um jornal local pedindo sugestões de leitura para o rapaz e,
aos 9, ele já tinha lido, entre outros, A Origem das Espécies, de Charles
Darwin). Seu interesse maior era por química, depois de ter demonstrado
fascínio por experimentos conduzidos por um amigo que tinha um
daqueles kits no estilo “o pequeno químico”. Ele descreveu assim seu
interesse: “Eu ficava simplesmente em transe com fenômenos químicos,
pelas reações em que substâncias, muitas vezes com propriedades
notavelmente diferentes, aparecem; e esperava aprender mais e mais sobre
esse aspecto do mundo”.
No ensino médio, Pauling explorou o quanto pôde esse interesse,
aproveitando material e equipamentos descartados por uma fábrica de aço
abandonada. Tentou montar com o amigo um negócio para laticínios
locais, focado em amostragem de butíricos (a parte gorda dos produtos
lácteos) a preços baratos, mas ninguém botou fé neles e o empreendimento
naufragou.
Aos 15, Pauling já tinha os créditos necessários para entrar na
Universidade Estadual do Oregon (na época, Oregon Agricultural
College), mas ainda carecia da conclusão dos cursos de história. O
estudante pediu autorização à escola que o deixassem seguir na faculdade
e concluir seus estudos secundários simultaneamente, mas não deixaram.
Ele então deixou o colégio sem diploma (45 anos depois, quando Linus já
havia conquistado dois prêmios Nobel, resolveram dar a ele o dito cujo).
Pauling teve de trabalhar para bancar suas despesas na faculdade, onde
finalmente foi aceito em setembro de 1917. Durante todo o período, teve de
ouvir da mãe que estava perdendo tempo e que uma educação
universitária não lhe valeria de nada. Ainda bem que ele não escutou.
Pauling se formou em 1922 e se casou com Ava Helen Miller no ano
seguinte. O casamento duraria até a morte da esposa, em 1981. Eles
tiveram 4 filhos juntos, justamente na época em que o cientista começava a
despontar como uma grande estrela do mundo acadêmico. Aos 26 anos,
tornou-se professor-assistente de química teórica no Caltech, o Instituto de
Tecnologia da Califórnia, e os 5 anos seguintes foram muito produtivos.
Geraram mais de 50 artigos relevantes, indo de estudos de cristais feitos
com raios X a cálculos de mecânica quântica aplicada a átomos e
moléculas. Com ele, os químicos começaram a entender o que levava certos
átomos e se ligar a outros, graças ao conceito de eletronegatividade, que
Pauling introduziu em 1932.
É o tipo da coisa que até hoje é ensinada nas escolas, assim como o
clássico “diagrama de Pauling”, que permite prever com facilidade a
distribuição eletrônica ao redor do núcleo de um átomo, baseado apenas
no número de prótons em seu interior. É difícil superestimar o impacto
dele para o estudo da química.
“Para todos os efeitos, seu livro The Nature of the Chemical Bond and the
Structure of Molecules and Crystals [“A natureza das ligações químicas e a
estrutura das moléculas e cristais”] lançou os fundamentos da química
moderna – que, para os químicos do seu tempo, se tornara uma verdadeira
Bíblia”, diz James Watson, biólogo codescobridor da estrutura do DNA.
No Caltech, Pauling ficou grande amigo de Robert Oppenheimer, que
viria a ser o principal líder científico do Projeto Manha an, desenvolvido
durante a Segunda Guerra Mundial para criar as primeiras bombas
atômicas. Mas, quando convidado para participar do projeto, o químico
recusou. Aliás, a relação entre os dois cientistas congelou depois que
Oppenheimer tentou dar em cima de Ava, mulher de Pauling, convidando-
a secretamente para viajar com ele para o México. Ela recusou e relatou o
caso ao marido, e aí o tempo fechou.
Amparado pelo prestígio de seu trabalho – que lhe valeu o Nobel em
Química, em 1954 –, Pauling decidiu devotar seus estudos numa nova
direção, investigando moléculas biológicas. E de novo com impacto
avassalador. Ele conseguiu prever, só com base na teoria, como os
aminoácidos se uniam para formar as proteínas, numa estrutura batizada
de alfa-hélice. “Não foi surpresa que ele tenha sido o autor dessa
descoberta. Afinal, ele era uma superestrela da ciência”, conta Watson, em
seu livro DNA.
Pauling também deu o pontapé inicial para o estudo da genética
molecular, ao identificar, em 1949, que a anemia falciforme era uma doença
que envolvia um defeito de fabricação em uma proteína – no caso, a
hemoglobina. Hoje, esse trabalho é a referência pioneira sobre esforços
para compreender como os genes podem causar doenças, uma vez que são
eles que codificam as receitas das proteínas. Francis Crick, um dos
descobridores da estrutura do DNA, em parceria com James Watson, em
1953, chegou a chamar Pauling de “o pai da biologia molecular”, título que
já se somava ao de “pai da química moderna”. Poucos pesquisadores
tiveram impacto semelhante na história da ciência.
Pauling, contudo, não se limitava a seu trabalho como um investigador
da natureza. Ciente do papel social dos cientistas, Pauling também se
tornou um ativista contra os testes nucleares durante a Guerra Fria. Por
suas insistentes manifestações contra as armas atômicas, foi agraciado com
um segundo Nobel – o da Paz – em 1962.
Durante décadas, Pauling se mostrou um grande defensor das
propriedades medicinais da vitamina C. Conduziu inclusive experimentos
para tentar provar sua eficácia contra o câncer. Mas, a despeito de seu
entusiasmo, foi justamente um tumor de próstata que deu fim à sua vida,
em 19 de agosto de 1994. Ele tinha 93 anos.

Como a vida de Linus Pauling


pode inspirar a sua
QUATRO CIENTISTAS ATÉ HOJE venceram duas vezes o Prêmio Nobel. A primeira dessa lista nós já
conhecemos: Marie Curie, que venceu em física em 1903 e em química em 1911. Além dela, também
levaram dois prêmios John Bardeen (que venceu duas vezes na categoria de física, em 1956 e 1972) e
Frederick Sanger (que venceu em química nos anos 1958 e 1980). Mas o único dessa lista a ter
conquistado um Nobel científico e um por suas contribuições sociais foi Linus Pauling.
Premiado com o Nobel da Paz em 1962, ele nos lembra uma lição essencial da ciência, muitas vezes
ignorada: por mais que o cientista desenvolva seu trabalho com base numa curiosidade fundamental
a respeito da natureza, ele não pode perder de vista a responsabilidade que advém das potenciais
ramificações de suas descobertas.
Em nenhum momento na história da ciência isso ficou tão claro quanto no fantástico e ao mesmo
trágico século 20, palco de duas guerras mundiais e da invenção das mais perigosas armas já
concebidas pela humanidade: as bombas atômicas.
Pauling foi provavelmente o mais enfático defensor da ideia de que os cientistas precisam perceber
as consequências dos avanços tecnológicos que propiciam e se posicionar a respeito delas – por
vezes até mesmo impondo restrições à própria prática científica, se é isso que as circunstâncias
exigem.
Linus não estava sozinho em seu ativismo. Muitos outros pesquisadores choraram o leite
derramado depois que o Projeto Manhattan havia sido concluído e as primeiras armas nucleares
foram usadas contra o Japão para colocar fim à Segunda Guerra Mundial. Os cientistas criaram até
mesmo uma organização e um boletim para promover o desarmamento e a contenção da ameaça
atômica.O Boletim dos Cientistas Atômicos é publicado até hoje e tem em sua capa o famoso “Relógio
do Juízo Final”, em que um grupo de pesquisadores avalia a situação geopolítica momentânea e quão
perto supostamente estamos de uma tragédia global. (Em 2016, com a ameaça da mudança climática
e o sempre perene perigo de uma guerra nuclear, principalmente com os recentes experimentos
atômicos norte-coreanos, o relógio marca 3 minutos para meia-noite. Desde 1947, quando foi
instituído, o único momento em que estivemos mais perto do fim, na avaliação do comitê, foi em
1953, quando o relógio chegou a marcar dois para meia-noite.)
Pauling não havia tomado parte diretamente na devastadora criação. Robert Oppenheimer, que
chefiava o Projeto Manhattan, ouviu de seu colega um “não” quando o convidou a se juntar à
iniciativa de guerra. >Sua objeção, contudo, não havia sido com base em princípios morais. Ele
meramente não queria ter de realocar sua família para Los Alamos, no Novo México, onde os
trabalhos seriam conduzidos.
Entretanto, logo depois do ataque nuclear a Hiroshima e Nagasaki que levou à rendição do Japão e
ao fim da Segunda Guerra Mundial, Pauling, que até então era apolítico e chegou a se envolver em
outros trabalhos militares em tempos de guerra, tornou-se um dos mais vocais ativistas contra o
perigo nuclear.
“O problema apresentado ao mundo pelo poder destrutivo da energia atômica se sobrepõe, claro, a
qualquer outro problema”, escreveu Pauling, apenas semanas após o bombardeio contra o Japão. “Eu
sinto que, além de nossas atividades profissionais no campo nuclear, nós deveríamos fazer nossas
vozes serem reconhecidas com respeito à significância política da ciência.”
Pauling foi brilhante como pesquisador, mas essa mensagem, de forma clara e sem rodeios, talvez
tenha sido sua mais importante contribuição ao mundo. E é algo que pode – e deve – ser aplicado à
nossa vivência cotidiana. Não podemos ignorar as implicações de nossas ações e agir apenas pelo
impulso ou simplesmente “porque podemos”. Temos de almejar sempre uma atuação responsável e
que leve em conta o bem-estar do mundo ao nosso redor. Nossas decisões sempre têm
consequências e faz parte de nossas obrigações refletir com clareza a respeito delas, antes de tomar
qualquer atitude. É o famoso “pensar antes de fazer”, essencial no dia a dia e cada vez mais
fundamental até mesmo na escala da sobrevivência da civilização, como a ameaça das armas
nucleares, contra a qual Pauling lutou durante boa parte de sua vida, demonstra de forma
eloquente.
5
OS MESTRES DA
Visão
Traduzir ideias, conceitos e teorias em inventos práticos não é uma tarefa trivial em hipótese
alguma. Lembrando que, no mundo em que vivemos, não basta meramente funcionar para ser
um sucesso. É preciso conquistar corações ao longo do caminho.
Thomas Edison
“Nossa maior fraqueza consiste em desistir. O jeito mais garantido de ter sucesso é sempre tentar só
mais uma vez.”

U do que é ser um gênio partiu dele


mesmo. À revista Harper’s Monthly, em 1932, disse modestamente:
“Genialidade é 1% inspiração, 99% transpiração”. Muita gente cita isso até
hoje sem saber sua origem – assim como, sem nos darmos conta, devemos
a maior parte do que chamamos de modernidade ao trabalho de Thomas
Alva Edison.
Reconhecido mundialmente por suas invenções, o americano tinha, como
uma de suas grandes virtudes, o empreendedorismo. Provavelmente foi
daí que veio a definição clássica dele. Porque, mais que um gênio, Edison
soube literalmente sistematizar a genialidade.
Thomas Alva Edison nasceu em Milan, Ohio, em 11 de fevereiro de 1847.
Sétimo (e último filho) de Samuel Ogden Edison Jr. com Nancy Ma hews
Ellio . A ancestralidade paterna remontava à Holanda. O sobrenome
original de família era Edeson, anglicizado na América.
Sua mãe lhe deu a formação básica, processo que dificultado pelo
surgimento de problemas de audição, provavelmente iniciados por uma
crise de escarlatina e depois agravados por recorrentes infecções de
ouvido.
Quando Edison tinha 7 anos, a família se mudou para Port Huron,
Michigan, onde permaneceriam por muitos anos. Com espírito
empreendedor, o jovem se iniciou nos negócios vendendo doces e jornais.
No fim das contas, conseguiu os direitos exclusivos para vender jornais nos
trens que viajavam entre Port Huron e Detroit e passou a imprimir seu
próprio periódico, o Grand Trunk Herald, que preparava e imprimia com a
ajuda de 4 assistentes.
Ao trabalhar na ferrovia, certa vez Edison salvou um garoto de 3 anos de
ser atingido por um trem desgovernado. O pai do menino ficou tão grato
que conseguiu para ele um emprego de operador de telégrafo. Isso o levou
para longe de Port Huron e de sua família.
Aos 19 anos, em 1866, Edison se mudou para Louisville, no Kentucky,
para trabalhar para a famosa companhia telegráfica Western Union. Por
opção, ele ficou com o turno da noite. A razão era ter algum tempo livre,
durante o período mais tranquilo de trabalho, para realizar leituras e
experimentos. Edison sonhava ser inventor. Mas o preço do sonho foi alto
quando, após um acidente em um de seus experimentos, ele derrubou
ácido sulfúrico no chão. Foi demitido no dia seguinte.
Em 1871, Edison conheceu a jovem Mary Stilwell, de apenas 16 anos, que
trabalhava em uma de suas oficinas. Dois meses depois, eles se casaram e
tiveram 3 filhos, Marion, Thomas Jr. e William. Mas Stilwell morreria
muito jovem, em 1884, de causa desconhecida: especula-se que possa ter
sido vítima de um tumor cerebral. Alguns dizem que sofrera uma
overdose de morfina.
De toda forma, naquele mesmo ano, Edison se casaria novamente, desta
vez com Mina Miller, de 20 anos, filha do inventor Lewis Miller. Também
tiveram 3 filhos, Madeleine, Charles e Theodore.
Àquela altura, estabelecido em New Jersey, Edison já tinha a imagem
completamente consolidada de grande inventor e empreendedor. Sob seu
comando, foi criado o que muitos consideram o primeiro laboratório de
pesquisa industrial da história. Ao aplicar ideias revolucionárias de
trabalho em equipe ao processo de invenção, suas instalações se tornaram
uma fonte interminável de maravilhas tecnológicas. Ele logo ficou
conhecido como o “mago de Menlo Park”, bairro que hoje em dia foi
rebatizado Edison, em New Jersey, e é comumente citado como o “berço
do mundo moderno”.
Foi lá que o inventor desenvolveu seu primeiro grande sucesso comercial:
o telégrafo quadruplex. Era um dispositivo que permitia a recepção de dois
sinais separados, assim como a transmissão de dois outros, tudo pelo
mesmo fio. Foi graças a essa tecnologia, rapidamente adquirida pela
Western Union, que ele pôde financiar a estrutura de Menlo Park e
transformá-la num laboratório de permanente inovação tecnológica.
O fonógrafo – dispositivo de 1877 que permitia a gravação e a execução
de áudio de forma prática – nasceu lá e se tornou outra febre doméstica.
Pela primeira vez, as pessoas podiam gravar e ouvir músicas por meio de
um dispositivo tecnológico. Não é exagerado dizer que se trata do
precursor do iPod.
Mas nada foi tão revolucionário quando a produção das primeiras
lâmpadas elétricas práticas, também pelas mãos de Edison, demonstradas
pela primeira vez em 31 de dezembro de 1879. Até então, embora seu
princípio de funcionamento já fosse conhecido, ninguém havia conseguido
produzir uma que operasse por um longo período e se prestasse, de fato, à
iluminação.
Edison demonstrou seu modelo em 31 de dezembro de 1879. Era
composto por um filamento de carbono com contatos de platina, dentro de
um bulbo de vidro mantido a vácuo. A corrente elétrica passa pelo
filamento, aquecendo-o. Com o calor, ele brilha, gerando luz.
O sucesso das lâmpadas dependia de um segundo fator, contudo: seria
preciso instalar uma rede de distribuição de energia elétrica. Edison foi
instrumental nisso também, ao instalar a primeira unidade privada de
geração de energia, na Perl Street, em Nova York, em 1882. Cinco anos
depois, ele já possuía 121 estações de força espalhadas pelos Estados
Unidos.
No desenvolvimento das redes de distribuição elétrica, surgiu o que pode
ser considerado o primeiro grande conflito de padrões da história da
tecnologia moderna. Edison defendia a distribuição de energia pelo
método de corrente contínua (DC).
Do outro lado, o empresário George Westinghouse defendia a invenção
de Nikola Tesla, a corrente alternada (AC). A diferença entre ambas é
simples. Na corrente contínua, os elétrons estão sempre fluindo na mesma
direção pelos cabos. Na alternada, como o nome sugere, eles ficam indo e
vindo por um curto espaço no cabo.
Em favor do sistema DC existia o fato de que só se trabalhava com
voltagens relativamente baixas (110 V) e, portanto, menos perigosas. Em
compensação, o sistema AC permitia a distribuição de energia de forma
mais eficiente e com alcance muito maior – ao preço de voltagens muito
maiores.
A chamada “guerra das correntes” foi feia. Edison se apresentou com o
maior inimigo do sistema AC. Chegou a acusar a tecnologia rival de ser
uma tragédia prestes a acontecer, promoveu demonstrações em que cães
eram eletrocutados pelo sistema DC e pelo sistema AC, a fim de provar
qual era mais segura, e conseguiu emplacar o uso de AC nas cadeiras
elétricas – método de execução da pena de morte então em vias de
substituir o enforcamento nos Estados Unidos.
(A despeito dessas referências horríveis, Edison era um pacifista e
abominava a violência. Quando contatado pela primeira vez pela comissão
designada para reavaliar os métodos de execução da pena de morte,
Edison declarou que era contra a punição capital e não queria ter nada a
ver com isso. Somente depois de ser consultado de forma insistente,
voluntariou a informação de que o melhor método seria pelo uso de
corrente gerada por “máquinas alternadoras”, fabricadas principalmente
no país por George Westinghouse.)
A despeito da guerra de mídia, ao fim e ao cabo, venceu o sistema de
Tesla capitaneado pelo rival Westinghouse. Mas ninguém deixa de creditar
Thomas Edison por estimular o desenvolvimento das redes elétricas e dar
uma razão para que elas existissem, com suas lâmpadas. E foi assim que se
fez a luz.
Difícil subestimar o impacto dessa invenção, por mais que hoje nos
pareça absolutamente trivial. Com a luz elétrica, o ser humano
basicamente ganhou 12 horas diárias. Agora era possível fazer
praticamente tudo a qualquer hora do dia. A invenção representou um
aumento de produtividade e de oportunidades de lazer sem precedentes,
com mais segurança que as velas.
As luzes elétricas também representaram um avanço na segurança
pública, com uma iluminação que permitisse o tráfego de veículos à noite
com menor risco de acidente, além de servir para desestimular o crime.
Por fim, mas certamente não menos importante, a invenção da lâmpada
estimulou a criação das redes de fornecimento de eletricidade. Sem elas,
muitos outros inventos eletroeletrônicos, como computadores, televisões,
máquinas de lavar e chuveiros elétricos, não teriam razão de existir.
Em seus últimos anos de vida, Edison alternou sua moradia entre em Fort
Myers, na Flórida, durante o inverno, e New Jersey, no verão. Na Flórida,
era vizinho quase de porta de Henry Ford, de quem se tornou amigo e
para quem contribuiu tecnologias destinadas à, então nascente, indústria
do automóvel. Edison morreu de complicações causadas por diabetes, em
18 de outubro de 1931, em sua casa em West Orange, New Jersey. Ele tinha
84 anos.

Como a vida de Thomas Edison


pode inspirar a sua
SUA HISTÓRIA É A MAIS perfeita demonstração de que o gênio, sem o esforço, vale de muito pouco. A
despeito de sua formação acadêmica nula e das dificuldades da vida, Edison se consolidou como um
dos maiores inventores – se não o maior – da história humana. E por quê? Porque ele sabia que boas
ideias são só o começo da realização. De nada adianta uma sacada genial, se você não tem a mais
vaga ideia de como usá-las para transformar a realidade ao seu redor.
Ao longo de sua vasta carreira nos negócios, o “mago de Menlo Park” fundou nada menos que 14
companhias. Todas elas foram um sucesso estonteante? Claro que não. Mas tem uma delas que
certamente você conhece: General Electric. Originalmente fundada como Edison General Electric,
ela foi resultado da fusão de várias empresinhas de lâmpadas e maquinário do inventor. Quando o
índice Dow Jones de atividade industrial foi criado, em 1896, a General Electric foi uma das 12
companhias originalmente listadas. Se você olhar o Dow Jones hoje, uma das companhias que
compõem o índice é a General Electric. Das 12 originais, ela é a única que permanece com esse nível
de relevância. Numa era em que o sucesso e o declínio das companhias se sucedem com velocidade
estonteante, essa é uma boa medida do tamanho do impacto de Thomas Edison na economia
americana e mundial.
Pois bem. Qual foi o segredo de Edison? Em essência, não desistir nunca. Autodidata, ele foi criado
na melhor escola de pensamento de inventores, naquele caldo efervescente que marcou o fim do
século 19, início do 20: a noção de que a tecnologia não tinha limites. A compreensão da natureza,
que poderia elevar a humanidade a um outro patamar, estava impregnada no espírito da época, e
Edison foi um de seus mais notórios e dignos representantes.
Ele sabia que não seria reconhecido por sua genialidade da mesma forma que os cientistas
costumam ser, pois suas conquistas não seriam abstratas, teóricas. Não se trata tão somente de
entender a natureza, mas de fazê-la jogar no seu time. E isso não se faz com lampejos de
genialidade. O principal ingrediente, como o próprio Edison definiu, é o suor do trabalho.
E uma nuance importante é que não se trata meramente de esforço ou de quantidade de energia
despendida num projeto. É também questão de estratégia. Onde gastar sua energia? Como gastar
sua energia? Essas são perguntas básicas que Edison sabia instintivamente responder e que o
conduziam ao sucesso por meio do trabalho duro.
Ele sacou muito depressa, por exemplo, de que nada valia a lâmpada elétrica sem uma rede
elétrica. Ele poderia ter apostado em baterias individuais, que fariam uma lâmpada funcionar, mas
isso tornaria a ideia muito mais tímida do que se a iluminação pública e doméstica ensejasse uma
transformação completa no modo de vida, graças ao fornecimento de energia elétrica. Trabalhou
então para tornar a distribuição de eletricidade uma realidade. A lâmpada, no fim, a despeito de
todo o seu potencial transformador, era só a garota-propaganda de uma revolução muito, muito
maior.
Além das 14 empresas que fundou ao longo da vida, Edison também teve mais de 1.000 patentes em
seu nome nos Estados Unidos, a começar por um registrador de voto elétrico, registrado em 1869,
quando ele tinha apenas 22 anos. Eis um sujeito que não só não parava de ter ideias como tinha toda
a habilidade e estratégia para colocá-las em prática com a maior chance de sucesso possível.
Edison nos ensina que precisamos sempre dedicar o nosso máximo esforço e desistir não pode
fazer parte dos planos. Mas também nos lembra de que o trabalho só rende se estiver apontado,
desde o início, na direção do sucesso. Nem sempre dá para saber de antemão se sim ou se não.
Fazemos nossas apostas. E aí entra o fator insistência: mesmo que não tenhamos um senso de
direção tão aguçado quanto o de Edison, se tentarmos um número suficientemente grande de vezes,
vamos acabar acertando o alvo.
Nikola Tesla
“Deixe o futuro dizer a verdade e avaliar cada um de acordo com seu trabalho e realizações. O
presente é deles; o futuro, pelo qual eu realmente trabalhei, é meu.”

costuma morar muito perto da loucura. Não há


evidência conclusiva, mas o preceito certamente se aplicava a Nikola Tesla.
Seu feito mais concreto, de tantos, foi ter desbancado o sistema de
corrente contínua (DC) de distribuição de eletricidade advogado por
Thomas Edison com a corrente alternada (AC), que sairia vencedora na
disputa de padrão, viabilizando o fornecimento de energia a partir de
fontes remotas – seria extremamente complicado, por exemplo, levar
energia de Itaipu para a costa brasileira se não fosse a corrente alternada.
“Seu nome se tornou sinônimo de magia nos mundos intelectual,
científico, social e de engenharia, e ele foi reconhecido como um inventor e
descobridor de grandeza sem paralelo”, disse James J. O’Neill, amigo e
biógrafo de Tesla.
Nikola Tesla nasceu em 28 de junho de 1856 (10 de julho no calendário
gregoriano), na vila de Smiljan, então parte do Império Austríaco, hoje
Croácia. Sua família era sérvia, da região de Montenegro. O pai, Milutin
Tesla, era um padre ortodoxo. A mãe, Đuka Mandić, nunca recebera
educação formal, mas tinha incríveis talentos, dentre eles a habilidade de
construir artefatos mecânicos e memorizar poemas épicos inteiros. Nikola
foi o quarto de 5 filhos do casal.
Diferentemente de sua mãe, Tesla frequentou a escola desde pequeno,
mesmo com as mudanças de casa frequentes da família. Em 1870, aos 14
anos, enquanto cursava o ensino médio, ele tinha como mentor intelectual
um professor de matemática. O potencial de Nikola era impressionante.
Ele fazia cálculo integral de cabeça! Tão prodigiosa era sua capacidade que
os mestres achavam que ele colava nas provas.
Em 1873, a família voltou à cidade natal de Smiljan, e Nikola quase
morreu, vítima de cólera. Seu pai ficou tão desesperado que fez uma
promessa: abdicaria dos planos de fazê-lo padre e enviaria seu filho à
melhor escola de engenharia se ele se recuperasse.
Dois anos depois, após se evadir para escapar do recrutamento militar do
Exército Austro-Húngaro, o jovem se matriculou na Politécnica Austríaca,
em Graz. No início, seu desempenho foi espetacular, e Tesla era
obsessivamente dedicado, trabalhando praticamente todos os dias sem
descanso. Mas ao fim do segundo ano, após desentendimentos com um
professor sobre uma questão técnica, Nikola perdeu sua bolsa. Para piorar,
ficou viciado em jogos de aposta. Gastou todo o dinheiro que o pai
mandava e passou por maus bocados. Até que, em 1878, surtou de vez.
Abandonou a escola e cortou laços com a família e os amigos. Seu pai foi
atrás dele em Maribor, hoje na Eslovênia, para tentar convencê-lo a voltar
para casa, sem sucesso. Nikola retornaria alguns dias depois, sob escolta
policial. Milutin morreria 3 semanas depois.
Depois de ganhar apoio financeiro de dois tios, Tesla tentou retomar os
estudos em 1880, mas não rolou. Em vez disso, passou a trabalhar com
uma companhia de telégrafos em Budapeste, o que o acabou levando, no
ano seguinte, a trabalhar para uma certa Continental Edison Company, na
França. Com seu talento para mecânica e elétrica, em 1884, ele foi
realocado para Nova York.
Nos Estados Unidos, ele desenvolveu suas ideias mais fabulosas. Chegou
ao país para trabalhar sob o comando direto de Thomas Edison. E foi lá
que nasceram os desentendimentos entre ambos que levaram à “guerra das
correntes” e uma inimizade para o resto da vida.
Em 1885, Tesla disse a Edison que podia redesenhar seus motores e
geradores ineficientes, melhorando o desempenho. O patrão teria
respondido: “Há 50 mil dólares nisso para você – se conseguir”. A empresa
nem tinha um montante desses para pagar, mas Tesla levou a sério.
Quando concluiu o trabalho e foi cobrar, o chefe disse que estava
brincando. “Tesla, você não entende nosso humor americano.” Deu um
pequeno aumento a ele e tocou a vida. O sérvio ficou fulo e pediu
demissão.
Ao sair, desenvolveu o sistema de corrente alternada e se emparceirou
com George Westinghouse para popularizá-lo. E foi aí que o empregado
superou o patrão. Edison mais tarde admitiria que seu único erro na
carreira foi ter favorecido o sistema DC em vez do AC.
Se para Edison a genialidade era 99% transpiração e 1% inspiração, para
Tesla era o contrário. Extremamente hábil com a ciência por trás dos
fenômenos, ele dependia menos da prática para produzir invenções. Por
isso até ganhou a fama de futurista.
O inventor sérvio, naturalizado americano em 30 de julho de 1891,
desenvolveu meios de transmitir eletricidade sem fio a dispositivos. Em
seus laboratórios, na Quinta Avenida e na Rua Houston, em Nova York, ele
demonstraria essa tecnologia, ao acender lâmpadas sem fio. No mesmo
ano ele patentearia a chamada bobina de Tesla, um transformador que
servia à transmissão de energia sem fio, entre outras possíveis aplicações.
Mas a imaginação de Nikola tinha muito mais asas que seu talento para
os negócios. O inventor chegou a propor um avião que decolasse
verticalmente, pensou num veículo aéreo movido a propulsão iônica e foi
precursor do rádio e da robótica, entre outros feitos incríveis – ainda que
impraticáveis em seu tempo.
A sorte de Tesla começou a mudar para pior a partir de 1901, quando ele
estava desenvolvendo o projeto da Torre Wardenclyffe, também conhecida
como Torre de Tesla, em Long Island, Nova York. O objetivo da instalação
era servir como estação de transmissão sem fio capaz de enviar mensagens,
sinais de telefone e até imagens através do Atlântico. Só que àquela altura,
o rádio, desenvolvido principalmente pelo italiano Guglielmo Marconi, já
se mostrava um competidor à altura da cara instalação. Tesla tentou dar a
volta por cima reprojetando a instalação para incorporar a ideia de
transmissão de eletricidade sem fio, mas o principal financiador da obra, o
banqueiro J. P. Morgan, recusou-se a bancar os custos adicionais. Sem
financiamento, o projeto acabou completamente abandonado em 1906, sem
jamais ter se tornado operacional.
Famoso e excêntrico, Tesla oscilava entre momentos de brilhantismo e
loucura. Em 1906, demonstrou com sucesso uma nova invenção: uma
turbina sem lâminas. Em 1912, em compensação, começou a defender que
a aplicação de eletricidade ao cérebro aumentava a inteligência e chegou a
bolar um plano para tornar “maus estudantes brilhantes ao saturá-los
inconscientemente”, ao eletrificar as paredes das salas de aula. Pior: ele era
levado a sério a ponto de o plano ter sido aprovado, ao menos em caráter
provisório, pelas autoridades nova-iorquinas. (Felizmente, nunca chegou
às vias de fato.)
Houve um rumor de que Thomas Edison e Nikola Tesla ganhariam
conjuntamente o Prêmio Nobel em 1915. Nunca aconteceu. E a rusga entre
os dois, iniciada quando Tesla se sentiu passado para trás e em seguida
acirrada à última potência na “guerra das correntes”, jamais seria curada.
Quando Edison morreu, em 1931, o único a fazer uma declaração pública
ofensiva à memória do inventor para o jornal The New York Times foi
justamente Tesla. Não poupou “elogios”: “Seu método era ineficiente ao
extremo, pois um terreno imenso precisava ser coberto para se conseguir
qualquer coisa, salvo por intervenção da sorte cega, e, de início, eu fui
quase uma pobre testemunha de suas ações, sabendo que apenas um
pouquinho de teoria e cálculo teria poupado a ele 90% do trabalho. Mas ele
tinha um enorme desprezo pelo aprendizado dos livros e pelo
conhecimento matemático, confiando inteiramente em seu instinto de
inventor e no senso prático americano”.
A amargura de Tesla não passaria. O inventor jamais se casou, sob o
argumento de que isso atrapalharia seu esforço científico (embora tenha
chegado a manifestar arrependimento e descrever essa decisão como um
sacrifício possivelmente grande demais em nome do trabalho). Cada vez
mais piradão, ele se tornou obcecado pelo número 3 e vivia recluso boa
parte do tempo. Os relatos dão toda pinta de que ele sofria de distúrbio
obsessivo-compulsivo, o que certamente contribuiu para sua fama de
“cientista maluco”. Ele viveu os últimos 10 anos de sua vida num quarto
de hotel em Nova York. Morreu em 7 de janeiro de 1943, aos 86 anos. Seu
corpo só foi descoberto dois dias depois.
Sem o espírito prático de Edison, Tesla, embora muito mais brilhante que
sua contraparte americana, não conseguiu converter em revoluções
concretas muitas de suas criações. Ainda assim, será lembrado como um
dos maiores inventores de todos os tempos.
Como a vida de Tesla
pode inspirar a sua
BRILHANTISMO É UMA DAS MARCAS da genialidade. Mas ele acaba sendo ofuscado quando não temos
conta de uma qualidade tão importante quanto, senão maior: o equilíbrio. Nikola Tesla é
possivelmente o exemplo mais eloquente disso.
Não resta dúvida de que se tratava de um dos mais visionários inventores de que já se teve notícia.
Tinha uma compreensão refinada dos fenômenos físicos que o levava a conceber aparatos
tecnológicos que estavam muito adiante de seu tempo e que, hoje sabemos, são absolutamente
viáveis. Não era uma questão de imaginação. Tesla compreendia a natureza e sabia, de antemão, o
que podia ser realizado. Nesse sentido, como ele mesmo, de forma muito amarga, declarou, seu
proceder era muito diferente do de seu principal rival, Thomas Edison.
Contudo, Tesla nunca teve suficiente equilíbrio para separar o que estava ao alcance no momento e
o que só poderia vir com o futuro. Seu desenvolvimento inicial da corrente alternada – que hoje
sustenta a nossa civilização ávida por energia elétrica, algo que não pode de modo algum ser
menosprezado – só chegou a termo porque resultou de um equilíbrio entre a defesa da corrente
contínua por Edison, de um lado, e sua apaixonada convicção a respeito de seu próprio sistema,
financiado pelo poderoso magnata George Westinghouse. Ironicamente, foi a presença de Edison do
outro lado da gangorra que fez com que a atitude em geral desequilibrada de Tesla produzisse um
resultado concreto. O inventor sérvio-americano nunca teve postura contemporizadora, mas o
sistema como um todo estava em equilíbrio.
Uma vez vencida a “guerra das correntes”, o resto da carreira de Tesla – diferentemente da de
Edison – se resumiu a ideias. Algumas até demonstradas, mas nenhuma efetivamente concretizada.
Por quê? Provavelmente porque faltou a capacidade de “ler” as situações e planejar com inteligência
a evolução de seus conceitos rumo à aplicação prática. Em resumo, faltou equilíbrio.
Tesla sempre foi afoito e tinha uma postura megalomaníaca – provavelmente fruto do
conhecimento, nunca muito saudável, de que ele era de fato genial. Convencido disso, não sabia
temperar suas próprias ideias, fazer a distinção entre o que sabia e o que achava, entre o que era
possível e o que era provável. Faltou equilíbrio. Não adianta ser a mente mais poderosa da face da
Terra se você não entende que o mundo lá fora não é feito de gênios, nem é para gênios (ainda
bem!).
O contraste entre o que o mundo lhe oferecia e o que ele acreditava incutiu a noção de que Tesla
foi um gênio incompreendido, que poderia ter realizado muito mais se houvesse outros visionários a
apoiá-lo. Submeto a essa noção a crítica de que foi justamente Tesla quem não soube moldar o
mundo às suas ideias. Note que Edison teve o mesmo ponto de partida, senão pior: situação de
pouco dinheiro, com o agravante de não ter tido nenhum tipo de educação formal, enquanto Tesla
estudou, pelo menos por um tempo, como manda o figurino. Mas o que o primeiro teve e o segundo
não foi um plano de ação que o permitisse ir construindo aos poucos, de forma sustentável e segura,
sua visão.
Ambos realizaram notáveis transformações na sociedade. Mas certamente Tesla não teria
conseguido emplacar sozinho o conceito de corrente alternada, se antes Edison não tivesse
demonstrado que ter eletricidade distribuída em lares e nas ruas era importante e desejável. Tesla
era o gênio, Edison o realizador. Juntos, teriam sido imbatíveis. Quis o destino que se tornassem
rapidamente rivais amargos. E, entre o realizador e o gênio incompreendido, todos sabemos quem o
mundo escolhe.
É razão para reflexão: estamos tendo equilíbrio em nossos projetos de vida? Cada peça faz parte de
um plano mais amplo? Todas elas se encaixam com exatidão ou, pelo menos, parecem caminhar na
direção de construir um único quadro? Ou, em vez disso, queremos montar o quebra-cabeça todo
de uma vez, encaminhar todos nossos objetivos o mais rápido possível, se possível num passe de
mágica, e crescer explosivamente, seja em termos financeiros, pessoais, seja profissionais? Essa
segunda abordagem está quase certamente fadada ao fracasso, salvo por um golpe de sorte que
acontece uma vez a cada milhão de anos. Para não contar com probabilidades tão baixa de sucesso,
temos de ter equilíbrio. Saber que nossa trajetória sempre será feita de vitórias e derrotas, e que
ambas têm seu valor no nosso eterno aprendizado em busca de uma vida feliz, plena e repleta de
realizações.
Alan Turing
“Acredito que ao final do século o uso das palavras e a opinião geral das pessoas educadas terão
mudado tanto que alguém poderá falar de máquinas pensando sem esperar ser contrariado.”

É a era da informação sem passar pelo nome de Alan


Turing. Coube ao matemático britânico lançar as bases do que hoje
chamamos de ciências da computação. Foi com base nelas que os
computadores se tornaram realidade.
Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, em Londres. Seu
pai, Julius, trabalhava para o Serviço Indiano Civil, em Chhatarpur, na
Índia Britânica, e estava de licença na Inglaterra quando o menino nasceu.
A mãe, Ethel Sara, era filha do engenheiro-chefe da Madras Railways,
empresa de ferrovias instalada na Índia. Embora tivesse feito vida na
colônia, o casal decidiu retornar à metrópole justamente para que seus
filhos fossem criados em meio à sociedade britânica. Primeiro nasceu John,
depois Alan.
Apesar do restabelecimento em Londres, nos primeiros anos, os pais
ainda tinham de viajar rotineiramente para a Índia, e nesses momentos de
ausência os irmãos Turing ficavam aos cuidados de um casal aposentado
que era amigo da família.
Desde muito cedo, o pequeno Alan já demonstrava sinais de incrível
inteligência. Passou a frequentar a escola aos 6 anos e, apesar do
brilhantismo, não tinha o reconhecimento de muitos de seus professores,
que valorizavam menos o talento para matemática e ciência e mais a
inclinação para os estudos clássicos. Isso não o dissuadiu, contudo, e ele
continuou se dedicando ao que mais lhe interessava. Segundo um biógrafo
de Turing, Andrew Hodges, o jovem teria descoberto o trabalho de
Einstein aos 16 anos. Não só teria compreendido a intrincada teoria da
relatividade, como deduziria o questionamento feito por Einstein das leis
de movimento de Newton a partir de um texto que nunca disse isso de
forma explícita. O talento de Turing era evidente.
Na escola Sherborne, onde estudou durante a adolescência, Turing se
apaixonou pela primeira vez, por Christopher Morcom, um
relacionamento que iria inspirá-lo em seus estudos, mas acabaria
abreviado pela morte do rapaz, em 1930, por tuberculose bovina. Alan
sofreu demais com a perda, mas reverteu seu sofrimento em favor do
trabalho, dedicando-se ainda mais aos interesses que compartilhava com
Morcom, sobre ciência e matemática.
Importante lembrar que a homossexualidade era inaceitável na sociedade
britânica daquele tempo, a ponto de ser criminalizada em lei. Turing tinha
de ser absolutamente discreto.
Alan cursou a faculdade entre 1931 e 1934, no King’s College, em
Cambridge, onde se formou com honra em matemática. Foi nessa época
que Turing concebeu uma máquina hipotética que pudesse realizar
qualquer tipo de computação e, para isso, criou o conceito de algoritmo –
trata-se da essência por trás de toda e qualquer tentativa de programar um
computador. Em essência, era o marco inaugural das ciências da
computação tal qual são entendidas.
E a carreira de Turing continuou em sua trajetória brilhante. Para chegar a
seus maiores feitos por meio de estudos matemáticos, ele contava com
basicamente duas qualidades. Ou, pelo menos, foi o que o próprio Turing
sugeriu, em sua tese de doutorado, publicada em 1938. “O raciocínio
matemático pode ser considerado, esquematicamente, como o exercício da
combinação de duas faculdades, que podemos chamar de intuição e
engenhosidade”, escreveu.
Em 1939, ele se voluntariou para trabalhar em favor dos Aliados durante
a Segunda Guerra Mundial. Seu papel foi instrumental no
desenvolvimento de técnicas capazes de decifrar mensagens codificadas
usadas pelos alemães.
Na época, os nazistas usavam uma máquina automatizada de criptografia
conhecida como Enigma. Turing desenvolveu o “antídoto”: outra máquina,
capaz de testar rapidamente combinações para obter a chave de decifração
das mensagens geradas pelo dispositivo alemão.
Após o fim da guerra, o matemático foi condecorado pelo rei George 6º
com a Ordem do Império Britânico por seus serviços, embora seu trabalho
permanecesse sob sigilo. Depois disso, ele continuaria a prestar consultoria
ocasional ao governo em assuntos de criptografia, mas voltaria a maior
parte de suas atenções para o nascente campo da computação. E foi aí que
ele brilhou, literalmente fechando o vão entre a teoria e a prática, ao
projetar o primeiro computador programável. Sua proposta para o
dispositivo, chamado ACE (sigla para Automatic Computing Engine),
apresentada em 1945, incluía diagramas de circuitos lógicos e uma
estimativa de custo – 11 mil libras.
Turing sabia que o projeto era exequível, pois conhecia o computador
Colossus, secreto, usado militarmente para decifrar mensagens codificadas.
Seus colegas no Laboratório Nacional de Física britânico, contudo,
acharam o ACE ambicioso demais e optaram por uma versão simplificada.
Mesmo em sua versão mais simples, o dispositivo se tornou de imediato
o computador mais veloz do mundo, quando rodou seu primeiro
programa, em 10 de maio de 1950, com frequência de 1 Mhz.
Na mesma época, o matemático também produziu seus trabalhos mais
famosos com um conceito que hoje parece absolutamente natural, mas era
ficção científica na época: inteligência artificial. Alan foi o responsável pela
criação do famoso “teste de Turing”, em que uma máquina poderia ser
considerada inteligente se pudesse emitir reações que seriam
indistinguíveis das de um humano. Até hoje, nenhuma máquina conseguiu
um resultado positivo convincente no teste, mas alguns programadores
alegam já ter tido sucesso e ninguém duvida de que as primeiras máquinas
capazes de emular de forma convincente respostas humanas aparecerão
em breve – uma demonstração de quão visionário e adiante de seu tempo
estava o pensamento de Turing.
Porém, se, na década de 1950, a revolução da informática iniciada pelo
brilhante matemático britânico estava apenas começando, sua vida se
aproximava de um trágico fim.
Em janeiro de 1952, Turing, então com 39 anos, começou a se relacionar
com um jovem desempregado de 19 anos, Arnold Murray. Eles tinham se
conhecido no fim do ano anterior, na rua, e passaram a se ver com
frequência. Então, no dia 23, a casa de Turing foi roubada. O jovem
namorado contou que o assaltante era um conhecido dele, e o matemático
imediatamente comunicou o crime à polícia. Durante a investigação,
Turing admitiu ter uma relação de natureza sexual com Murray, e aí o
roubo passou a ser questão menor. Turing e Murray foram acusados de
“indecência”, de acordo com uma lei de 1885. Foram levados a julgamento,
e Alan se declarou culpado, seguindo os conselhos de seu advogado e de
seu irmão, John. Condenado, podia escolher entre ir para a prisão ou sofrer
um tratamento hormonal destinado a reduzir a libido – a famigerada
“castração química”. Turing fez a segunda opção e, como resultado, ficou
impotente e teve ginecomastia (ganhou “peitinhos”).
Claro que a “condenação” não parou por aí. Ele perdeu seu trabalho de
consultoria de criptografia para o governo (embora tenha mantido seu
cargo acadêmico), foi proibido de entrar nos Estados Unidos e tratado em
toda parte como um risco à segurança nacional pelo conhecimento que
tinha sobre decifração de mensagens e o desenvolvimento de
computadores.
Turing se tornou mais reservado do que nunca depois de tudo isso, de
forma que uma aura de mistério ainda paira sobre seus últimos dias. Fato é
que, em 8 de julho de 1954, Turing foi encontrado morto em sua casa.
Aparentemente, suicidou-se. A causa da morte foi envenenamento, e uma
maçã mordida foi encontrada ao lado do corpo. Biógrafos especulam que
ele tenha feito de seu suicídio uma reencenação da clássica cena de Branca
de Neve os Sete Anões, seu conto de fadas favorito. Ele tinha 41 anos.
Em 2009, após uma campanha realizada pela internet – que indiretamente
Turing ajudou a nascer –, o primeiro-ministro Gordon Brown apresentou
um pedido público de desculpas em nome do governo britânico pela
“forma horrível com que foi tratado”. A rainha Elizabeth 2ª concedeu a
Turing um “perdão póstumo” em 2013.

Como a vida de Turing


pode inspirar a sua
É POSSIVELMENTE A MAIS TRÁGICA das histórias contidas neste livro. Alan Turing era um pensador
absolutamente brilhante, que caminhava como poucos entre a visão do futuro e a realização do
presente, produzindo conceitos e abordando problemas matemáticos que intrigam e fascinam até
hoje, quase um século depois.
Mais que isso, foi um herói de guerra. Sim, isso mesmo. Ou herói é só aquele que pega em armas e
vai para as trincheiras? Turing se apresentou para trabalhar em Bletchley Park, a estação de trabalho
da organização de quebra de códigos britânica, no dia seguinte à declaração de guerra do Reino
Unido à Alemanha. No dia seguinte. E seus resultados – ao lado de outros matemáticos brilhantes, é
verdade – certamente ajudaram e muito na vitória contra o nazismo. Alguns estudiosos estimam
que o trabalho dele pode ter encurtado a guerra em 2 a 3 anos!
E então, depois de ser condecorado, Turing sofre todo tipo de humilhação por ser gay? Não
estamos falando da Idade Média, estamos falando de 1952!
O preconceito é um mal que envenena a humanidade desde sempre. É bem verdade que cada
época produz seus próprios preconceitos, que costumam ser diferentes entre si, e há épocas de
maior ou menor acirramento, mas o fato é que até hoje não conseguimos em nenhum momento
libertar a sociedade da presença perene dos pré-julgamentos e da ignorância contra o diferente.
Enquanto era a vítima – primeiro silenciosamente, depois de maneira escancarada – de um certo
conjunto de preconceitos, no caso, contra homossexuais, Alan Turing estava já nos prevenindo
contra um outro conjunto de preconceitos, que ainda nem pudemos manifestar com tanta clareza:
aquele direcionado contra as máquinas pensantes.
É charmoso pensar que, enquanto duelava para fazer valer seu direito a ser diferente do que o
padrão social vigente deveria ser, o matemático especulava sobre como tratar – e avaliar – máquinas
que atingissem capacidade cognitiva similar à nossa.
Não está nos propósitos deste livro discutir a possibilidade ou a viabilidade de máquinas
inteligentes (embora, como o próprio Turing sugeriu que aconteceria, todo mundo já concorda a
essa altura que essa discussão existe; não se trata mais de um delírio projetado sobre um futuro
incerto). Mas é notável que o próprio matemático já estivesse preocupado em formular um teste que
nos ajudasse a determinar em que ponto uma máquina pode ser considerada inteligente, pré-
requisito fundamental para então entrarmos na discussão de que direitos ela pode vir a ter, nessas
circunstâncias.
Absurdo? Bem, se você teve essa reação, aí é que está o problema! Se partirmos do pressuposto de
que estranhamento é justificativa para um pré-julgamento, estamos repetindo os erros do passado –
os mesmos erros que muito provavelmente levaram Turing ao suicídio. Temos de aprender a
conviver com o diferente – ideias, comportamentos, opiniões, valores. Calcados no pressuposto de
que as liberdades individuais são um valor maior e universal, deveríamos nos esforçar
conscientemente para evitar pré-julgamentos – sejam eles motivados por uma discussão sobre
opção sexual, sejam por cérebros de silício.
Steve Jobs
“Inovação distingue um líder de um seguidor.”

Q começaram a ser construídos, nos


anos 1940 e 1950, estava claro que seriam bem úteis em aplicações militares
e científicas. Mas, mesmo que seu tamanho pudesse ser reduzido
(costumavam ocupar salas inteiras), ninguém imaginava que pudessem se
tornar um item indispensável no ambiente doméstico.
Essa revolução caberia à geração geek do Vale do Silício, Califórnia, que
teve em Steve Jobs seu máximo expoente. A história da fundação da Apple,
na garagem do pai dele, em 1976, se tornou lendária. Em parceria com
Steve Wozniak, ele criou a empresa que hoje se tornaria sinônimo de
inovação no campo da informática.
A história, entretanto, começa bem antes disso, em 1931, na Síria. Foi lá,
na cidade de Homs, que nasceu Abdulfa ah Jandali, filho de um novo rico
que sequer havia cursado faculdade e uma dona de casa tradicional
muçulmana. Calma, esse não era Steve Jobs. Era o pai dele. Na verdade, o
pai biológico dele.
Diferentemente de seu pai, Jandali foi à faculdade e se tornou líder de
movimento estudantil – chegou a ser preso por seu ativismo. Estudando
economia e ciência política, foi fazer doutorado na Universidade de
Wisconsin, nos Estados Unidos, e lá conheceu Joanne Carole Schieble,
americana com ascendência suíço-alemã, criada na tradição católica.
Começaram a namorar, mas os pais de Joanne não gostaram de saber que o
pretendente era muçulmano. Forçaram, portanto, o rompimento. Mas não
a tempo de impedir que a moça ficasse grávida, em 1954. Jandali queria se
casar com Joanne, mas os pais dela impediram. Resultado: sem contar para
o pai, a moça decidiu colocar o filho para adoção.
Então, em 24 de fevereiro de 1955, em São Francisco, nascia Steven Paul –
que em breve se tornaria Jobs, ao ser adotado por Paul e Clara Jobs.
Curiosamente, Joanne de início havia mexido os pauzinhos para que o
casal adotivo de Steve fosse “católico, bem-educado e rico”. Só que aí esses
dois, depois do acerto, decidiram que preferiam ter uma menina, não um
menino. O que levou a Paul e Clara, nada ricos e sem educação
universitária. Uma batalha legal foi travada, pois Joanne não queria que
seu bebê ficasse com eles. Só concordou, a contragosto, depois que eles se
comprometeram a mandar o menino à universidade quando crescesse.
Dois anos depois do nascimento de Steve, Paul e Clara adotaram outra
criança, Patricia, e a família se mudou para Mountain View em 1961. Um
dos passatempos do pai era desmontar e montar carros, e Steve se
encantava com as habilidades de seu pai, embora não tivesse grande
interesse em mecânica.
A mãe ensinou Jobs a ler e escrever muito cedo, o que o deixou entediado
na escola. Ele arrumava encrenca constantemente e resistia à autoridade
dos professores. Foi suspenso um punhado de vezes.
Em 1967, a família se mudou para Los Altos, também na Califórnia, numa
vizinhança ainda mais cercada por engenheiros que a de Mountain View.
No ano seguinte, demonstrando iniciativa singular, Steve Jobs, com apenas
13 anos, ligou para Bill Hewle (da Hewle Packard, mais conhecida hoje
como HP), pedindo, na cara dura, peças para um projeto de eletrônica.
Ganhou um emprego para o período das férias, na linha de montagem da
empresa de eletrônicos.
Foi no ensino médio que Jobs conheceu Steve Wozniak e começou a
namorar Chrisann Brennan. A essa altura, ele combinava de forma singular
as qualidades de um nerd (fissura por eletrônica, games e computadores)
com as de um hippie (cabelo comprido, contracultura, LSD y otras cositas
más). Em 1971, Wozniak foi estudar na Universidade da Califórnia em
Berkeley, e, no ano seguinte, Jobs foi para o Reed College, em Portland, no
Oregon.
Os amigos se reencontraram em 1975, e em 1976 Wozniak inventou o
computador Apple I. Juntos, ele e Jobs decidiram formar a empresa Apple.
“Entre ambos, eles criaram, e lançaram com sucesso, o primeiro
computador pessoal pronto para uso”, diz John Middleton, pesquisador da
Universidade de Bristol.
Até então, para ter um computador, normalmente você tinha de comprar
as peças separadas e montá-lo. Era algo útil apenas para técnicos e
engenheiros. Mas Jobs percebeu que essas máquinas podiam se tornar
parte integrante da vida das pessoas.
Para tanto, ele desenvolveu um sistema operacional intuitivo, operado
por mouse e cheio de ícones, que tornava o manuseio do computador
muito mais amigável. O modelo, inspirado por uma criação da empresa
Xerox, mais tarde seria copiado pela Microsoft (no mundo corporativo da
informática, quase nada se cria, e tudo se copia).
Enquanto a Apple se tornava um fenômeno corporativo, Steve Jobs e
Chrisann Brennan reataram e tiveram uma filha: Lisa Brennan, nascida em
17 de maio de 1978. Como o sobrenome indica, a aceitação da paternidade
foi difícil para Steve, então com 23 anos. Teve até teste de DNA. Décadas
depois, ele pediu desculpas por seu comportamento vergonhoso.
Nos anos 1980, deu-se a grande guerra de padrões nos computadores. De
um lado, a Apple com seus Macintosh, que implementavam o
revolucionário sistema operacional amigável. De outro, a poderosa IBM,
tentando impor sua própria arquitetura. Em meio ao conflito, Jobs
começou a antagonizar com John Sculley, que ele mesmo havia tirado da
Pepsi para ser o CEO da Apple, em 1983. Resultado: acabou demitido da
empresa que havia fundado.
Em 1986, Jobs passou ao ramo das produções cinematográficas e fundou
a Pixar, estúdio de computação gráfica que teve como seu primeiro filme o
bombástico Toy Story, em 1995. As produções eram distribuídas pela
Disney, que acabou comprando a companhia em 2006.
Enquanto isso, na ausência do executivo e criador, a Apple começou a
definhar e perder a guerra contra a IBM. Quase falida, a empresa trouxe
Jobs de volta, como CEO interino, em 1997. Mostrando que não havia
perdido o jeito, ele lançou o iMac, que imediatamente elevou a empresa a
novas alturas.
Mas foi na primeira década do século 21 que a companhia corporificou
definitivamente o espírito da inovação. Com sua percepção intuitiva sobre
o que é “legal” num dispositivo tecnológico, Jobs lançou sucesso atrás de
sucesso. O iPod e o iPhone se tornaram sonhos de consumo instantâneos.
Já o iPad revolucionou a noção de computador portátil.
Também foi na primeira década do século 21 que a saúde de Jobs
começou a fraquejar. Em outubro de 2003, ele foi diagnosticado com câncer
no pâncreas – um tipo raro e menos agressivo do que costuma ser, mas um
tumor mortal mesmo assim.
Apesar de recomendações insistentes de médicos para o início imediato
de um tratamento, Jobs apostou numa dieta pseudomedicinal que buscava
uma cura natural contra a doença – o hippie falou mais alto que o nerd.
Vendo que a tentativa estava dando no que dão as pseudociências – em
nada –, Steve finalmente concordou em passar por uma cirurgia, em julho
de 2004. De início tudo pareceu ter corrido bem, e Jobs voltou às atividades
em 2006, mas aparentando muita fragilidade. Seguiu capengando – e
negando os rumores de sua morte iminente até 2009 –, quando, num
memorando interno da Apple, escreveu que descobrira que suas “questões
ligadas à saúde são mais complexas do que eu originalmente pensava”. Em
2009, ele passou por um transplante de fígado.
As coisas não melhoraram muito, e Jobs teve de abandonar a Apple em
24 de agosto de 2011. Steve morreria em sua casa em Palo Alto, na
Califórnia, no dia 5 de outubro daquele ano, por complicações de seu
câncer pancreá-tico. Ele tinha 56 anos.

Como a vida de Steve Jobs


pode inspirar a sua
MUITOS TECNÓLOGOS E INVENTORES trabalham com a premissa de que precisam criar produtos que
resolvam necessidades identificadas e presentes no dia a dia das pessoas. Mas os grandes
revolucionários tecnológicos são aqueles que resolvem necessidades que nem você sabia que tinha,
até deparar com a solução.
Essa foi a máxima em toda a carreira de Steve Jobs, uma das principais forças na revolução da
informática. Quando ele começou nesse jogo, computadores já eram tidos como úteis, mas apenas
para intrincados problemas matemáticos, como decifrar códigos de mensagens inimigas, calcular a
trajetória de mísseis balísticos intercontinentais e levar o homem à Lua. O que alguém poderia
querer com um computador em casa?
Steve Jobs e seu amigo Steve Wozniak não só desenvolveram a resposta teórica a essa pergunta
como também a colocaram na prática, ao criar o primeiro computador pessoal pronto para uso, ou
seja, não voltado para técnicos em informática.
Por mais que tenha sido um momento absolutamente revolucionário na história da computação,
poderíamos considerar esse um episódio fortuito, fruto de uma inspiração súbita e singular. Quem
sabe um acidente?
Seria uma versão plausível se Steve Jobs não tivesse feito a mesma coisa de novo, de novo e de novo.
Quando criou a Pixar, ninguém apostava seriamente em animação por computação gráfica. Mesmo
depois que Toy Story se tornou um sucesso incontestável de bilheteria, muitos se negavam a ver o
valor da inovação e achavam que as animações digitais seriam uma moda passageira. Hoje, raros são
os filmes de animação tradicional.
E quanto ao iPod? E o iPhone? E o iPad? Todos eles, criações que aparentemente não tinham lugar
claro no mundo até que Steve Jobs as apresentou, uma após a outra, e hoje nos perguntamos como
poderíamos sobreviver sem nossos celulares-computadores, nossos dispositivos portáteis de música
e nossos tablets. Claramente, ao longo de toda a sua – lamentavelmente curta – vida, Jobs estava à
frente de todos nós. Ele percebia e criava nossas necessidades antes que nos déssemos conta delas. E
isso tornou a Apple uma referência absoluta em “desejo de consumo”.
A grande questão é: o que dava a Jobs essa vantagem de ser uma espécie de “profeta que realiza a
própria profecia”?
Há várias razões, mas algumas muito claras são o desapreço pela autoridade estabelecida (pré-
requisito para todos os que querem mudar o mundo) e a capacidade de combinar elementos
nascidos da cultura digital com outros que estavam completamente à margem dela, como o
movimento hippie e a busca de uma filosofia simples de vida. Em essência, os produtos Apple têm
um design e um hardware que fazem os amantes da tecnologia amarem e, ao mesmo tempo, uma
interface que permite a qualquer um, mesmo sem saber o que é um transistor ou ter ouvido falar em
BASIC, dominar completamente o uso da máquina.
Como podemos traduzir isso para o dia a dia? No trato com as pessoas, sejam elas seus colegas,
funcionários, clientes, sejam consumidores, temos de ir além da pergunta clássica, “o que posso
fazer por você?”. Precisamos tentar entender o que se passa na cabeça delas e descobrir como
surpreendê-las com alguma coisa que vá satisfazê-las antes que elas mesmas se dessem conta disso.
metaforicamente criar a onda, em vez de surfar nela, algo que não é fácil de se conseguir, nem tem
uma fórmula pronta, mas que Jobs fez ao longo de toda a sua vida.
Elon Musk
“Quando alguma coisa é suficientemente importante, você faz mesmo que as chances não estejam
em seu favor.”

D pode mudar o mundo. Se você não acredita


nisso, é porque ainda não conheceu Elon Musk.
Quem? Bem, Elon Musk é o cara que vai salvar a Terra do aquecimento
global, nos proteger das grandes ameaças existenciais à civilização no
século 21 e viabilizar a colonização de Marte. Ahn? Peraí. Vai fazer isso, vai
fazer aquilo? Então ele não fez nada ainda? O cara é o quê? Um gênio do
marketing?
Bem, talvez tenham dito isso também quando Santos-Dumont fez a
primeira demonstração pública de um avião, ou Thomas Edison começou a
criar uma modesta rede de distribuição de energia elétrica. Hoje, não há
dúvida de que eles mudaram o mundo, e para melhor. Mas poderiam ter
sido apreciados no exato momento em que estavam fazendo isso?
Provavelmente sim, mas não por todo mundo.
A mesma coisa se dá agora com Musk. Muita gente já sacou que ele está
transformando radicalmente a civilização e moldando o futuro da
humanidade, mas um número ainda maior de pessoas não faz a mais vaga
ideia de quem ele seja. Em 100 anos, todo mundo vai saber. Por ora,
algumas pessoas já sacaram isso. E, não muito tempo atrás, nem ele sabia.
Elon Reeve Musk nasceu em 28 de junho de 1971, em Pretoria, na África
do Sul. Seu pai, Errol, era engenheiro eletromecânico, descendente de
britânicos, mas nascido na África. Sua mãe, Maye, era modelo, nascida no
Canadá. Elon foi o primeiro filho do casal, que teve outros dois, o menino
Kimbal e a menina Tosca.
Na infância, ele já mostrava tanto os sinais de inteligência aguda como
aquele desprezo pelas autoridades escolares que caracterizam muitos dos
biografados neste livro. Elon sabia que aprendia muito mais e mais rápido
lendo, sozinho, do que na sala de aula, ouvindo os professores falarem sem
parar. O irmão Kimbal chegou a dizer que Elon muitas vezes lia até 10
horas por dia – principalmente livros de ficção científica.
Tímido e quieto, ele sofria muito bullying na escola. Chegou a ser
hospitalizado quando um grupo de moleques o fez rolar por um lance de
escada e depois espancou Elon até ele desmaiar.
Aos 9 anos, os pais dele se separaram, e Elon passou a morar a maior
parte do tempo com o pai. Era 1980, e os computadores pessoais
começavam a ganhar fora. O menino ganhou um computador e aprendeu a
programá-lo. Aos 12 anos, desenvolveu um jogo de computador em
linguagem BASIC e o vendeu a uma revista por 500 dólares. Foi a primeira
bolada que ele ganharia, mas não a última.
Elon tinha ambições e sabia que a África do Sul não era o melhor lugar
para realizá-las. Aos 17 anos, decidiu emigrar – primeiro para o Canadá,
aproveitando-se da nacionalidade da mãe, depois para os Estados Unidos.
Estudou física na Queen’s University, em Ontario, e na Universidade da
Pensilvânia, onde se formou aos 24 anos. Em seguida, mudou-se para a
Califórnia para fazer o doutorado, mas permaneceu apenas dois dias no
curso, antes de decidir abandoná-lo para perseguir seus objetivos como
empreendedor.
Diz a lenda que Musk se perguntou quais as áreas que poderiam ter
maior impacto no futuro da humanidade e chegou à seguinte lista: a
internet, sustentabilidade energética, exploração espacial, inteligência
artificial e a reprogramação do código genético humano.
Dos cinco itens, Elon olhava desconfiado para os dois últimos – na
opinião dele, eram mais perigosos do que benéficos –, então decidiu se
concentrar nos 3 primeiros. E em 1995 não havia nada mais promissor do
que a internet. Ele então convenceu seu pai Errol a investir 28 mil dólares
numa empresa a ser formada por ele e pelo irmão Kimbal, chamada Zip2.
Era basicamente um catálogo de empresas e serviços, nos moldes do que
depois viria a ser o Yahoo!.
A companhia cresceu meteoricamente até ser vendida à Compaq por 341
milhões de dólares, dos quais Elon saiu com 22 milhões. Nada mau para
um rapaz de 28 anos.
O que a maioria das pessoas faz depois de ganhar uma fortuna é
distribuí-la entre vários investimentos que deem algum nível de segurança
financeira e viver confortavelmente o resto dos seus dias. Mas não Elon
Musk. O que ele fez em seguida foi reinvestir o seu dinheiro em uma nova
companhia. De novo na internet. O raio cairia duas vezes no mesmo lugar?
Esse era o X da questão. Ou melhor, o X.com, nome dado à nova startup de
Elon. Ela tinha a pretensão de ser um banco on-line, em que pessoas
pudessem realizar transações financeiras com segurança na internet.
A empresa começou a crescer, na mesma época em que a vida pessoal de
Musk começou se alinhar. Em 2000, a X.com se fundiu com outra
companhia oferecendo serviços similares, a Confinity, e nasceu o PayPal.
Elon então se casou com sua namorada de vários anos, Justine. Eles
tiveram 6 filhos, o primeiro dos quais morreu depois de 10 semanas de
vida, e os outros 5 por fertilização in vitro.
Em 2002, o eBay apareceu querendo comprar o PayPal, pela bagatela de
1,5 bilhão de dólares. Musk saiu do negócio com 165 milhões, que ele não
deixaria nem esquentar o cofre no banco. Depois de dar uma olhadinha no
extrato bancário e outra na sua antiga lista de “coisas a fazer”, Elon
começou o seu primeiro empreendimento realmente improvável: montou
uma empresa para fabricar foguetes, a SpaceX, a um custo inicial de 100
milhões de dólares.
Outra olhadinha no extrato, ainda tinha uma grana no banco. Então, em
2003, Musk resolve iniciar, ao mesmo tempo, outro empreendimento
improvável: uma fabricante de automóveis elétricos. Para que se tenha
uma ideia da chance de sucesso, a mais nova companhia americana a ter
sucesso no mercado automobilístico havia sido criada em 1925. E a mais
nova companhia americana de carros elétricos a ter sucesso... bem, nunca
houve uma dessas.
Como se pode imaginar, com duas iniciativas caríssimas e de alto risco, as
coisas andaram de forma trepidante nos anos seguintes. Musk estava
convencido de que as práticas de engenharia e administração típicas da
revolução da informática poderiam mudar todas as regras do jogo. Mas,
em 2008, tudo parecia estar desabando. Seu casamento com Justine estava
chegando ao fim, após muita turbulência. E o dinheiro para a SpaceX
estava acabando. Elon havia financiado o projeto de um foguete de
pequeno porte, o Falcon 1, e três tentativas de lançamento – todas
fracassadas. (O Falcon 1 tinha mais ou menos a mesma capacidade do VLS-
1, foguete brasileiro lançador de satélites que até hoje não vingou.) Restava
grana para uma quarta e última tentativa – era vida ou morte. E então,
sucesso! No lançamento de 28 de setembro de 2008, o Falcon 1 se tornou o
primeiro foguete de combustível líquido desenvolvido com verbas
privadas a colocar um satélite em órbita!
Com a demonstração, a SpaceX conseguiu um contrato com a Nasa,
agência espacial americana, para transportar carga até a Estação Espacial
Internacional com uma cápsula, a Dragon, e um foguete, o Falcon 9, ainda
a serem desenvolvidos e testados. A assinatura rendeu 1,6 bilhão para a
SpaceX, salva no último instante da falência.
Enquanto isso, a Tesla também trepidava. O mercado previa seu fracasso
iminente, mas, com o lançamento de seu primeiro carro, o Roadster, em
2008, os investidores começaram a aparecer.
Sozinho, Musk tentava quebrar dois oligopólios poderosíssimos – o dos
foguetes, mantidos caros e ineficientes pelas gordas verbas governamentais
que os financiavam, e o dos carros a gasolina, sustentados pelas
montadoras tradicionais e a indústria do petróleo.
Hoje, já podemos ver o resultado dessas lutas aparentemente quixotescas.
A SpaceX tem os preços mais competitivos para lançamento de satélites no
mercado – a ponto de nem os chineses conseguirem batê-los, mesmo com
mão de obra muito mais barata –, e o plano de Musk para a Tesla – ir
lançando carros de luxo, com demanda menor e custo maior, para
financiar o desenvolvimento de veículos mais baratos e acessíveis –
também já se revelou acertado.
No começo de 2016, a empresa apresentou seu primeiro carro “popular”,
o Model 3, vendido a 35 mil dólares. Pessoas chegaram a acampar em
frente às lojas para fazer a encomenda do carro, que só seria entregue no
fim do ano seguinte! A pré-venda levou à reserva, só na primeira semana,
de cerca de 325 mil carros, o equivalente a 14 bilhões de dólares!
Aí você pensa: o cara está apenas trocando um oligopólio por um
monopólio só dele. E então você descobre que pensou errado. A fim de
popularizar os carros elétricos – uma medida muito importante no
combate à mudança climática, causada pela emissão de gases de efeito
estufa na queima de combustíveis fósseis – a Tesla liberou o uso de todas
as suas patentes ligadas a baterias para automóveis. Elon Musk claramente
não quer apenas ficar rico; ele quer salvar a humanidade ficando rico.
Um leitor mais atento também lembrará que boa parte da queima de
combustíveis fósseis não se dá pelos veículos automotores, mas para a
geração de energia em usinas termelétricas. Musk sabe disso também. Por
isso, em 2006, ele fundou a SolarCity, uma empresa que instala painéis
solares em qualquer lugar dos Estados Unidos e distribui a energia gerada
à rede.
E você pensa que ele acabou? Musk sabe que há muitos riscos para a
sobrevivência da civilização que vão além do aquecimento global. Uma
guerra nuclear? Inteligência artificial malévola? Superarmas biológicas na
mão de terroristas? Um asteroide? Nenhum desses riscos pode ser
facilmente descartado, de forma que a única maneira de proteger a
humanidade da extinção é torná-la multiplanetária. Com uma colônia em
Marte, haverá um “backup” da civilização desconectado da Terra, que
poderá recomeçar tudo rapidamente se a coisa ficar feia demais por aqui.
Por isso, Musk não esconde que o objetivo final da SpaceX é fazer baixar
os preços do transporte espacial a ponto de viabilizar o estabelecimento de
uma colônia no planeta vermelho. Seus foguetes já fazem o que até outro
dia era tido como impossível, ao decolar, levar sua carga ao espaço, e então
voltar à Terra e fazer um pouso suave, para serem reutilizados. E a
empresa está em vias de apresentar sua arquitetura própria para levar até
100 pessoas de cada vez até Marte. Elon espera que, em 2040, possam
existir cerca de 80 mil pessoas morando no planeta vizinho. Será?
Enquanto isso não acontece, ele vai lidando com seus problemas bem
terrenos. Em 2008, após seu divórcio, Musk começou a namorar a atriz
inglesa Talulah Riley, com quem se casou em 2010. Uma relação cheia de
paixão e confusão. Em 2012, divorciaram-se. Em 2013, reataram. Em 2014,
Musk pediu novo divórcio, e depois recuou. Em 2016, novo pedido, desta
vez por parte de Riley.
E essa é a única história deste livro que vai ficar sem final. O que Elon
Musk ainda será capaz de fazer nos (provavelmente) muitos anos que lhe
restam? Não dá para dizer. Mas se tem uma coisa que ele já nos ensinou é
que nunca devemos subestimar o futuro.

Como a vida de Elon Musk


pode inspirar a sua
NORMALMENTE, HISTÓRIAS DE PERSONAGENS vencem probabilidades extremamente desfavoráveis são
desprezadas até na ficção, muitas vezes tidas como inverossímeis. Mas poucas coisas seriam mais
improváveis que a vida e os resultados obti dos por Elon Musk.
Ele não é só um empreendedor de muito sucesso e visão. Estamos falando de um visionário
altruísta, que não hesita em colocar seu próprio patrimônio em risco por valores que ele considera
maiores. E dificilmente a humanidade vai sobreviver se não houver pessoas como ele. Musk hoje é
nossa melhor aposta na compra de uma passagem para o século 22.
Por quê? Não é só porque ele tem uma visão panorâmica privilegiada dos problemas que a
humanidade enfrenta. É também porque ele decidiu que ia atacar esses problemas ao mesmo tempo
em que alavancava sua própria vida. É uma harmonia entre o coletivo e o pessoal difícil de atingir.
Muitos magnatas, uma vez aposentados e podres de ricos, decidem investir parte significativa de
suas vastas fortunas em fundações dedicadas a causas humanitárias. E isso, claro, é absolutamente
legítimo e digno de nota. Mas pegue o Bill Gates, por exemplo. O sujeito construiu seu imenso
patrimônio ao tentar impor um monopólio no mercado da informática com o seu sistema
operacional, o famoso (e por vezes famigerado) Windows. Depois que se aposentou, resolveu criar a
Fundação Bill & Melinda Gates, maior organização filantrópica do tipo no mundo. Vamos e
venhamos que há uma certa ironia em passar uma vida explorando o mundo para depois devolver. E
não é isso que Elon Musk está fazendo.
A atitude dele é de ficar rico enquanto alavanca a humanidade. Ele quebrou monopólios e
oligopólios, em vez de criá-los. E óbvio que deseja ver suas empresas sempre em vantagem
competitiva, pegando as maiores fatias do mercado. Mas sempre tendo em vista que o objetivo
maior é outro e mais nobre: viabilizar a existência humana no século 21 e além.
Isso exige duas das melhores características do bicho homem: o espírito de bem coletivo e a
inabalável crença num futuro melhor. São dois traços que, é lamentável dizer, sentimos falta em
muita gente. Sinto-me tentado a incluir um “atualmente” ao fim da frase anterior, mas resistirei:
pode muito bem ser uma inclinação derivada do viés de viver em meu próprio tempo. Na verdade, é
bem provável que ao longo de toda a história as mesmas proporções de egoístas e altruístas, de
malandros e explorados, de manipuladores e manipulados tenham existido. O importante aqui é
que Musk nos lembra que não é preciso se prender à noção tradicional de que sempre se trata de
um jogo com ganhadores e perdedores. Ele mostra que também há grandes benefícios à espera
daquele que tiver a coragem de pensar diferente, de inovar pensando no bem comum, sem nunca
perder de vista uma dose saudável de amor próprio e de preservação da qualidade de vida, claro.
As principais apostas de Musk para o futuro da humanidade ainda estão no ar. Será que podemos
mesmo nos tornar uma civilização multiplanetária? Não seria tarde demais para reverter efeitos
potencialmente catastróficos da mudança climática? Não sabemos. Mas a essa altura ele já nos
mostrou que há recompensa para aqueles que preferem se manter otimistas e apostar no sucesso e
no amanhã, a despeito de quaisquer probabilidades.
O QUE LEVAMOS CONOSCO E O QUE
deixamos para trás
T pela vida e obra dos 25 gênios e tenho
certeza de que você tem muitas perguntas, sobre vários deles –
possivelmente todos. E isso é ótimo! São todas histórias de vida fascinantes
e eu jamais teria a pretensão de explorá-las aqui com o nível de
detalhamento que elas merecem.
Na verdade, este livro é apenas um começo. Como se eu estivesse
apresentando a você alguns dos meus melhores amigos – com a diferença
(importante) de que jamais conheci pessoalmente nenhum deles. Ou
conheci? É aquela sensação estranha de familiaridade, depois de tantos
anos lendo sobre essas pessoas e o que elas mesmas escreveram. Os livros
têm esse poder mágico de imortalizar, tornar próximas figuras que jamais
teremos a chance de conhecer. Espero, de forma bastante modesta, que
você tenha chegado a esta página tendo feito pelo menos alguns novos
amigos.
Também fica aquela mensagem importante de que o ser humano pode – e
deve – aprender pelo exemplo. Os 25 gênios não apenas nos ensinaram
muito sobre a natureza e nos propiciaram novas eras de prosperidade e
desenvolvimento tecnológico. Eles também nos trazem mensagens
positivas sobre conduta, postura, ética, criatividade, desenvolvimento
pessoal e profissional, respeito e amor. Às vezes, claro, também nos
ensinam pelo contraexemplo. São humanos, passíveis de erros, como todos
nós.
No fim das contas, a grandeza deles nos eleva a todos. E, ao travar
contato com suas histórias, ganhamos renovada confiança na humanidade
como um experimento que vale a pena.
O ser humano aprende por histórias. Não por acaso, as narrativas são
parte tão importante de nossa cultura. Desde as mitologias das antigas
religiões até a narrativa moderna do mundo natural produzida pela
ciência, passando por todas as obras literárias, o objetivo é sempre o
mesmo: usar todas essas referências como espelhos para a própria
condição humana. Nós procuramos nos entender pelas histórias que
contamos, uma maneira de referenciar o que vivemos.
E, num encantador processo de retroalimentação, uma vida pode se
tornar uma história. Foi o exercício que fizemos 25 vezes. E com isso
abordamos temas como estética, espírito crítico, perfeccionismo,
versatilidade, persistência, reinvenção, convicções, sensibilidade, livre
pensar, humildade, obscurantismo, preconceito, rigidez, curiosidade,
ambiguidade, responsabilidade, equilíbrio, respeito e confiança. Agora
levaremos essas histórias conosco e faremos com que elas façam parte da
nossa. E um dia contaremos a nossa própria história, para o benefício das
próximas gerações, e o ciclo continua. Dá um frio na barriga pensar que
esse é um processo contínuo de aprendizado e amadurecimento pelo qual
passa a humanidade desde seu surgimento, em meio ao ambiente inóspito
das savanas africanas, 200 mil anos atrás. E não vai parar por aqui.
Seguiremos adiante, tentando equilibrar o progresso técnico com a tão
almejada sabedoria, aquela mesma que em vários momentos ainda
(perigosamente) nos falta.
Perdidos em reflexões, encontramos no fundo da mente as vozes da
genialidade, que nos inspiram a sempre melhorar, seguir adiante e
progredir, valorizando a diversidade e o espírito crítico, calcados na razão
e apostando no futuro.
Agradecimentos
F ₄ para conseguir colocar esse livro em pé. Por
“loucos”, entenda-se, momentos em que você se alterna entre ler e escrever
dia e noite, sem enxergar nada que não seja a tela do computador e nem
sabe direito quando é sábado, domingo ou feriado. Difícil até descrever a
boa sensação que dá chegar a digitar essas derradeiras palavras. O doce
sabor do dever cumprido.
Agora, difícil mesmo deve ter sido conviver comigo nesse período,
motivo pelo qual preciso agradecer em primeiro lugar à minha esposa,
Eliane, e ao meu filhinho querido, Salvador. Pessoal, desculpem por todos
os “não posso ver série agora” e “papai não pode brincar porque tem que
de trabalhar”.
Outras vítimas colaterais do meu mau humor recorrente foram minha
sobrinha Isabele e minha cunhada Marcia, a quem também devo um
sonoro “foi mal!”. Também não me esqueço daquele misto de desabafo e
protesto, ao telefone, quando disse à minha mãe que não podia falar
naquele momento. “Também, você nunca pode, está sempre ocupado!”
Pode ligar agora, mã!
E o bacana de escrever para a SUPER é que eles só deixam você fazer
coisas muito legais. Preciso, portanto, agradecer a Alexandre Versignassi,
caro amigo e editor, por mais essa oportunidade.
Também preciso deixar um enorme obrigado aos meus amigos Cassio
Leandro Barbosa e Estevam Santiago, que tiveram a pachorra de ler cada
pedacinho do livro praticamente por sobre o meu ombro, oferecendo
sugestões valiosas e um saudável olhar crítico. Valeu demais. E,
naturalmente, se algum erro ou confusão passou despercebido e chegou
até você, a responsabilidade é inteiramente minha.
Por fim, queria agradecer a você, leitor, por me permitir ser sua
companhia por algumas horas. É um privilégio e uma honra.

Salvador Nogueira
S P , 10 2016
Leitura recomendada
A QUEM QUISER SE APROFUNDAR na biografia de alguns dos personagens elencados ao longo do livro,
deixo uma lista de obras com esse enfoque mais específico. Na seleção, priorizei edições em português
sempre que foi possível.

Alan Turing
Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges (Vintage, 2012)

Albert Einstein
Einstein Apaixonado, de Dennis Overbye (Globo, 2012)
Einstein, uma biografia, de Jürgen Neffe (Novo Século, 2012)
Alberto Santos-Dumont
Santos-Dumont e a Invenção do Voo, de Henrique Lins de Barros (Zahar,
2003)
Alberto Santos-Dumont, Novas Revelações, de Cosme Degenar Drumond
(Cultura, 2009)
Conexão Wright-Santos-Dumont, de Salvador Nogueira (Record, 2006)
Alfred Wegener
Ending in Ice, de Roger M. McCoy (Oxford University Press, 2006)

Charles Darwin
Darwin, o Retrato de um Gênio, de Paul Johnson (Nova Fronteira, 2013)
A Origem das Espécies, de Charles Darwin
Edwin Hubble
Hubble, A Expansão do Universo, de Augusto Damineli (Odysseus, 2003)
Elon Musk
Elon Musk, de Ashlee Vance (Intrínseca, 2015)
Galileu Galilei
Galileu Galileu, um Revolucionário e Seu Tempo, de Atle Naess (Zahar,
2015)
A Filha de Galileu, de Dava Sobel (Companhia das Letras, 2000)
George Gamow
George Gamow: The Whimsical Mind Behind the Big Bang, por Beverly
Orndorff (autopublicação, 2014)
The Creation of the Universe, de George Gamow (Dover, 2012)
Isaac Newton
Isaac Newton, de James Gleick (Companhia das Letras, 2004)
Johannes Kepler
Konstantin Tsiolkovsky
Konstantin Tsiolkovsky, His Life and Work, de A. Kosmodemyansky
(Minerva, 2000)
Leonardo da Vinci
Leonardo da Vinci, de Sophie Chauveau (L&PM Pocket, 2010)

Linus Pauling
Force of Nature: The Life of Linus Pauling, de Thomas Hager (Monroe,
2011)

Marie Curie
Madame Curie, de Eve Curie (Doubleday, 2013)
Max Planck
Autobiografia Científica e Outros Ensaios, de Max Planck (Contraponto,
2012)
Michael Faraday
Faraday, Maxwell, and the Electromagnetic Field, de Nancy Forbes e Basil
Mahon (Prometheus, 2014)
Nicolau Copérnico
Um Céu Mais Perfeito, de Dava Sobel (Companhia das Letras, 2015)
Nikola Tesla
My Inventions,de Nikola Tesla
Roberto Landell de Moura
Padre Landell de Moura, um Herói Sem Glória, de Hamilton Almeida
(Record, 2006)
Sigmund Freud
Dossiê Freud, de Elizabeth Mednicoff (Universo dos Livros, 2013)
Stephen Hawking
A Teoria de Tudo, de Jane Hawking (Única, 2014)
Minha Breve História, de Stephen Hawking (Intrínseca, 2013)
Stephen Hawking, uma Biografia, de Kristine Larsen (A Girafa, 2005)
Stephen Hawking, uma Vida para a Ciência, de Michael White e John
Gribbin (Record, 2005)
Steve Jobs
Steve Jobs, por Walter Isaacson (Companhia das Letras, 2011)
Thomas Edison
Thomas Edison, o Feiticeiro de Menlo Park, de Randall Stross
(Novo Século, 2013)
Werner Heisenberg
Heisenberg, de Francisco Caruso (Livraria da Física, 2014)
A Parte e o Todo, de Werner Heisenberg (Contraponto, 1996)
© ₂₀₁₆, S N
D E A Alecsandra Zapparolli
D E –E V Sérgio Gwercman
D Denis Russo Burgierman
D Fabricio Miranda
R - Alexandre Versignassi
C Nik Neves
P Bruna Lora
Cássio Bi encourt e Rodrigo Didier
R Kátia Shimabukuro
P Anderson C. S. de Faria

N778v Nogueira, Salvador


Os 25 maiores gênios da humanidade e como
a vida deles pode inspirar a sua./Salvador Nogueira.
São Paulo: Abril, 2016.
232 p; il.; 23 cm.

(Superinteressante, ISBN 978-85-69522-10-2)

1. Biografia. 2. Biografia - Cientistas. 3. Cientistas - História.


I. Título. II. Nogueira, Salvador. III. Série.

2016
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA ABRIL S.A.
Av. das Nações Unidas, 7221
05425-902 – Pinheiros – São Paulo – SP - Brasil

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