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A espera de Godot

"A respeito de Beckett só posso dizer que gosto muito dele e o admiro
profundamente. Sua amizade inquebrantável me é muito cara. Ele é uma pessoa
realmente verdadeira, o que me surpreende sem cessar", declarou o jovem diretor
teatral Roger Blin, na revista francesa Arts, meio ano após a estreia de Esperando
Godot, de Samuel Beckett, no parisiense Théâtre de Babylone, em 5 de janeiro de
1953.
Embora a peça inicialmente tenha sido um sucesso apenas moderado de público,
logo tornou o irlandês Beckett um autor conhecido. Ainda no mesmo ano foi
encenada pela primeira vez na Alemanha, no Schlossparktheater de Berlim. Em
1954, o diretor Fritz Kortner a levou ao palco do Kammerspiele de Munique.
Em poucos anos, o público burguês aceitou a peça. Enigmática, aparentemente
"absurda", ela passou a integrar o repertório dos grandes teatros, como um clássico
moderno. Alguns dramaturgos, como Jean Anouilh, reconheceram desde o início o
significado da obra de Beckett. "Godot é uma das obras-primas que deixam sem
esperança as pessoas em geral e, especialmente, os dramaturgos. Não se pode fazer
outra coisa senão tirar o chapéu – um chapéu-como, como na peça, claro – e rogar
aos céus por um pouco de talento", disse.
Quem é Godot?
Quem, afinal, é Godot, por quem os vagabundos Estragon e Vladimir – ou Gogo e
Didi – esperam em vão à beira de uma estrada deserta? Os críticos literários já
lançaram uma série de hipóteses e especulações a esse respeito. Será que é apenas
uma corruptela da palavra inglesa God com o diminutivo francês ot? Trata-se de
um ciclista chamado Godeau, certa vez mencionado por Beckett, cujos heróis eram
fascinados por bicicletas? Será que é o Godeau do livro Mercadet, de Balzac, por
quem igualmente todos esperam? Ou trata-se da expressão anglo-irlandesa
"Waiting for Godda", empregada pelos andarilhos no sentido de "esperar por Deus
ou coisa assim"?
Beckett em 1987
Não se sabe, ao certo, quem é Godot, mas isso não importa. "Nada a fazer" é a
primeira fala da peça. A espera é o tema central da peça, a espera de duas pessoas
que matam o tempo com palhaçadas e conversa fiada sobre suicídio, comendo
nabos e brincando com seus chapéus. Dois vagabundos esperam, não se sabe por
quê. Esperar significa deixar o tempo passar, não fazer nada. A brincadeira infantil
do palco torna o tempo perceptível aos atores e espectadores.
Quando a peça estreou em Londres, em 1955, o crítico Kenneth Tynan fez a
seguinte observação: "Não tem trama, não tem clímax, não tem desfecho nem
começo, meio e fim." Exatamente por isso alguns críticos costumam definir Beckett
como modernista da segunda geração, ao lado de Vladimir Nabokov, William
Faulkner e Henry Miller.
Prêmio Nobel
Nascido em 1906, em Dublin, Samuel Beckett viveu a partir de 1937 na França, e lá
faleceu em 1989. Considerado o pai do chamado "teatro do absurdo", seus
personagens estão sempre procurando ou esperando alguma coisa, embora
imprecisos e indecisos quanto ao objeto desejado. Abordando a morte e o vazio da
vida, Beckett criou um humor amargo, sombrio, levemente absurdo na sua
disposição de ser irônico e zombeteiro.
Em 1969, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Ele próprio encenou Esperando
Godot diversas vezes, por exemplo, em 1975, no Schiller Theater de Berlim, onde
também fez diversas outras montagens. Obras como Dias felizes, Fim de jogo, A
última gravação de Krapp confirmaram a estatura de Beckett como dramaturgo da
morte, da falta de sentido da existência, do apagar-se. E isso, sem sentimentalismo,
sem ser sombrio; e sim com humor e ironia sutil. Suas peças são a matéria-prima
ideal para os grandes atores. Karl-Heinz Lummerich (gh/av)

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