CAZENEUVE, Jean. Situação do Rito na Vida Social; Natureza e Funções do Rito. In: Sociologia do Rito. Porto: Rés, s/d, p. 7-14; 23-33.
As ciências sociais permitem a análise dos fenômenos mais corriqueiros e
circunstanciais da coletividade. Neste intento, o pesquisador observa aqueles fatos cujo sentido parece estar oculto e carecer de significado, parte em busca de explicações e se debruça sobre o problema de compreender os comportamentos da vida social revestidos de uma irracionalidade para o senso comum a fim de verificar se há um fundamento coerente na existência dos mesmos; ele não utiliza só as ferramentas perceptíveis mas também as de análise científica (p.7). O rito se sobressai nesse aspecto como fenômeno de pesquisa por três aspectos inerentes a seus atos: 1) contêm uma espécie de linguagem escondida, de aparência irracional, que convida à decifração pela inquirição lógica da causa primeira, a qual até pode estar num mito; 2) representam uma ação coletiva com desfechos na vida social, ao que se chamam consequências reais; e 3) estão imbuídos de um intuito, que é um objetivo de levar ao acatamento do ato cumprido (p.8). Os ritos aparecem em todas as culturas, dentro das quais os crentes encontram uma fundamentação e uma finalidade para suas práticas, ora julgados sem justificação pelo descrente ora fúteis e inúteis para o homem moderno positivista. Podem indicar o resquício de um culto primordial ou a tentativa de alcançar a luz na busca da salvação ao revelar o misterioso da humanidade (p.9). Como ato individual ou coletivo, é constituído por ações (palavras e gestos) repetitivos segundo regras invariáveis, que em certas ocasiões comportam improvisos, embasadas no costume religioso e garantidas pela efeitos úteis (p.13). Repetição e eficácia são as virtudes do rito (p.11), continuidade é o seu princípio (p.12), por isso, para não perder seu valor, ele evolui de forma lenta e imperceptível resguardando-se de mudanças bruscas, as quais só ocorrem em uma revolução religiosa (p.10). O rito surge da premência do homem em aceitar sua condição humana, que é o conjunto das determinantes que se lhe impõem como condicionamento de suas ações, limitando o campo de seu livre arbítrio ou de sua indeterminação (p.23). Neste conflito, o homem oscila em dois movimentos, ainda sem encontrar uma via de transposição que será exposta abaixo: tentativa de se libertar das condicionantes ou, DISCIPLINA: FENOMENOLOGIA DA RELIGIÃO PROFESSOR: Me. Hébert Vieira Barros ACADÊMICO: José Arnóbio Almeida Leite ao contrário, posição de se encerrar nelas. Em cerimônias rituais complexas, as quais englobam ritos elementares e atualização do mito, é representado um episódio mítico (p.24). Os ritos podem ser classificados de várias formas: de acordo com a espécie, em ritos de controle (para interdições e receitas mágicas sobre os fenômenos naturais) e ritos comemorativos (para recriações da atmosfera sagrada ou conversão de mortos em ancestrais); de acordo com os comportamentos, em positivos ou negativos (p.25); de acordo com o caráter sincrônico/diacrônico em constitutivos ou sintéticos (p. 26). Os ritos nasceram entre os primitivos da necessidade de superar a angústia gerada ao mesmo tempo pela liberdade e pela consciência individual de sua humanidade e superioridade animal, tentando se preservar de todo o perigo e alcançar uma vida sem imprevisto e uma condição humana estabilizada, e de apaziguar uma realidade que era “outra coisa” desconhecida, irredutível, sobrenatural, que seria o numinoso (p.27/28). Dito isso, a angústia surge do contato com o numinoso através do rito e da conveniência de o afastar para preservar de toda ameaça uma condição humana compreensível, ordenada, regulada (p.30). Neste ponto de tentação de definir sua condição humana, o homem precisou se valer dos ritos por três vias caracterizadas pelos dois movimentos acima relatados e por uma terceira solução: 10) ao abandonar o poder para se fechar na sua condição estável, o numinoso é afastado como impureza (superstição); 2 0) ao retomar o poder para renunciar àquela condição estável e sem angústia, o numinoso é manejado como poder sobrenatural (ritos mágicos) ; e 3 0) a via do excesso, da transposição, da sublimação, ao fundar a condição humana definida e estável numa realidade transcendente, o numinoso é apresentado como o caráter supra-humano do sagrado, vigente no cerne das religiões (p.32/33).