Tema: O Sistema dos Direitos Fundamentais na Constituição Moçambicana
Regime Comum dos Direitos Fundamentais
Bibliografia: VIEIRA DE ANDRADE , José Carlos, Os Direitos Fundamentais Na Constituição
Portuguesa de 1976, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2012. Jónatas Eduardo Mendes Machado e Paulo Nogueira da Costa, Direito Constitucional Angolano, Coimbra, Coimbra Editora, 2011. Tema Síntese Observações Neste resumo traremos em consideração a Segundo a peculiaridade e características dos direitos doutrina, “os fundamentais no nosso regímen constitucional, e princípios não abordar-se-á como estes direitos fundamentais proíbem, encontram-se sistematizados ou organizados, o permitem ou que nos levara a concluir que existe um regime exigem algo em autónomo dos direitos fundamentais dentro do termos de ‘tudo próprio direito constitucional. ou nada’; impõem O Sistema dos E nesta óptica de ideias a nossa constituição a optimização de Direitos contém um capítulo dedicado especialmente um direito ou de Fundamentai designado de Direitos, Deveres e Liberdades um bem jurídico, s na Fundamentais, que vimos organizada a partir dos tendo em conta Constituição artigos 35º a 95º que representa uma das partes da a “reserva do Moçambicana Constituição da República e ao longo dos artigos possível”, fáctica Regime supracitados podemos encontrar aquilo que viria a ou jurídica”. Comum dos ser o regime dos direitos fundamentais. Apesar das Direitos Embora a constituição não se refira de forma tentativas de Fundamentai expressa, pode dizer-se que o enquadramento de alguma doutrina s um regime geral dos direitos fundamentais no sentido de previstos no Titulo II, a constituição dá-nos conta, obter uma através da epigrafe da parte II, da existência da categorização de categoria genérica de direitos, deveres, liberdades todos os direitos e garantias fundamentais, que, por sua vez, se fundamentais, a dividem em direitos, liberdades e garantias verdade é que pessoais e em direitos e deveres económicos, essa sociais e culturais que encontraremos nos Títulos categorização II e III, respectivamente. não é hermética, Os Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais sendo que estão consagrados entre os artigos 35.º e 81.º, existem onde se encontram direitos, como por exemplo, o características direito à vida e o direito de sufrágio, nos artigos habitualmente 40.º e 81.º, respectivamente. Por sua vez, os atribuídas Direitos e Deveres Económicos, Sociais e aos direitos, Culturais encontram-se entre o artigo 82.º e o liberdades e artigo 94.º e, neste âmbito, estão consagrados, por garantias que, por exemplo, o direito à saúde (artigo 89.º) e o direito vezes, também o à educação (artigo 88.º). são dos direitos Com Vieira de Andrade, diremos que “toda a económicos, matéria dos direitos fundamentais visa, por sociais e culturais definição substancial, a prossecução de valores e vice-versa. Por ligados à dignidade humana dos indivíduos, valor exemplo, é esse consagrado de forma expressa. frequentemente O artigo 43.º que versa sobre a interpretação dos atribuída aos direitos fundamentais é o único artigo que, nesta direitos, secção, expressamente prevê a expressão “direitos liberdades e fundamentais”, e fá-lo precisamente dando-nos garantias a ideia orientações específicas sobre como estes direitos de que devem ser interpretados. Ora, tal facto vem representam para reforçar a ideia de que há algo inerente e o subjacente aos direitos fundamentais que, em Estado obrigações consonância com a própria sistematização contida negativas, ou seja, na Constituição, nos remete para a possibilidade o Estado deverá de existência de um regime de direitos abster-se de fundamentais. interferir no Gomes Canotilho, por referência à Constituição seu gozo e moçambicana, explica-nos que há um regime exercício. Mas, se geral dos direitos fundamentais e um regime por exemplo, específico dos direitos, liberdades e garantias. observarmos o Segundo aquele autor, o regime geral dos direitos direito de fundamentais será “um regime aplicável a todos sufrágio, os direitos fundamentais, quer sejam consagrados tradicionalmente como ‘direitos, liberdades e garantias’ ou como inserido na ‘direitos económicos, sociais e culturais’ e quer se categoria dos encontrem no ‘catálogo dos direitos direitos, fundamentais’ ou fora desse catálogo, dispersos liberdades e pela Constituição”. Já o regime específico dos garantias, direitos, liberdades e garantias será uma disciplina facilmente jurídica da natureza particular, consagrada nas compreenderemos normas constitucionais, e aplicável, em via de que o seu princípio, aos ‘direitos, liberdades e garantias’ e exercício não será aos direitos de ‘natureza análoga. possível sem a Contudo, e ainda na esteira daquele autor, “seria execução de incorrecto dizer que existem dois regimes obrigações distintos para dois grupos diversos de direitos positivas por fundamentais. O que existe é um regime geral (a parte do Estado, todos aplicável) e um regime especial (próprio nomeadamente, dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos manter o de natureza análoga) que se acrescenta àquele. registo eleitoral, Esta ideia de um regime específico é-nos aprovar uma lei fornecida pela Constituição moçambicana, com eleitoral, base no qual se pressupõe a distinção entre duas providenciar categorias de direitos fundamentais com regimes boletins e mesas próprios, nomeadamente os direitos, liberdades e de garantias e os direitos económicos, sociais e voto, destacar culturais. funcionários para Para concluir esta breve apresentação do regime todas essas de direitos fundamentais previsto na Constituição tarefas, entre e numa tentativa de o sistematizar, ainda que de outras, que forma simplista e consciente de que outras compreendem interpretações poderão surgir, poderá todo o processo entender-se que, na lei fundamental, o Título I, eleitoral. que encerra princípios gerais, corresponderá ao Outro critério de regime geral dos direitos fundamentais. Por sua distinção que, por vez, o Título II corresponderá à categoria de vezes, se oferece direitos, liberdades e garantias e, por fim, o Título é o de atribuir aos III, à outra grande categoria, a dos direitos direitos, económicos, sociais e culturais. liberdades e A obrigatoriedade de efectivação dos direitos garantias uma fundamentais decorre da própria natureza destes nobreza política e direitos, especialmente da sua relação intrínseca jurídica superior, com a dignidade humana e da sua forma de o que positivação no texto constitucional. Contudo, essa não deixa de ser efectivação tem por base um processo sistemático de um argumento análise. falacioso, pois, Este processo de carácter jurídico conceptual inclui a definição do âmbito de protecção do direito em bom rigor, de
fundamental, a identificação do seu titular e, ainda, a pouco servirá que
sua eventual densificação normativa. se tenham Segundo Jónatas Machado e Paulo Costa, a garantidas todas função objectiva dos direitos fundamentais revela- as liberdades, se se de várias formas. Entre algumas dessas formas, necessidades tão consideram que “a função objectiva dos direitos básicas do ser fundamentais impõe ao Estado um dever de humano, como o protecção de todos os bens jurídicos garantidos direito à pelas normas de direitos fundamentais”. Ainda, alimentação, à explicam que a função objectiva também se saúde e a água manifesta no facto de que os direitos potável, não fundamentais, através da sua “abertura principal” estiverem e “capacidade conformadora”, constituem minimamente “diretivas” que se dirigem à “ordem jurídica supridas. globalmente considerada” atravessando, portanto, “todos os ramos do direito e as correspondentes normas substantivas e processuais”. Estas directivas impõem, assim, aos “poderes públicos um dever geral de actuação política e legislativa orientada para a criação de condições institucionais, económicas, sociais e culturais favoráveis à efectividade dos direitos fundamentais.”. Assim, note-se que, em virtude da função objectiva dos direitos fundamentais, estes direitos são entendidos como um conjunto de valores objectivos de conformação do Estado democrático de Direito. É da reserva absoluta da competência exclusiva da Assembleia da Republica legislar sobre “direitos, liberdades e garantias” e sobre alguns dos principais direitos sociais, como as bases do sistema de ensino, da segurança social e da saúde. A universalidade dos direitos fundamentais, como uma das suas principais características, tem por base o reconhecimento segundo o qual “todos quantos fazem parte da comunidade política, fazem parte da comunidade jurídica, são titulares dos direitos e deveres aí consagrados; os direitos fundamentais têm ou podem ter por sujeitos todas as pessoas integradas na comunidade política, no povo”. Ainda segundo Jorge Miranda, não se pode separar o princípio da universalidade do princípio da igualdade, apesar de reflectirem realidades diferentes. Assim, o princípio da universalidade significa que “ todos têm todos os direitos e deveres” ao passo que o princípio da igualdade significa que “todos (ou, em certas condições ou situações, só alguns) têm os mesmos direitos e deveres”. Refira-se que a titularidade universal dos direitos fundamentais estende-se a todos os direitos, incluindo não só os direitos, liberdades e garantias, mas, também, os direitos económicos, sociais e culturais, este entendimento, que tem por base a universalidade como prevista na DUDH. Ao analisarmos o direito constitucional comparado, veremos que a vasta maioria das Constituições dos países da CPLP contem uma autonomização dos direitos económicos, sociais e culturais. A parte da Constituição moçambicana que é dedicada especificamente aos direitos fundamentais começa com um elenco de princípios que entendemos serem aplicáveis tanto aos direitos, liberdades e garantias, como aos direitos económicos, sociais e culturais, assunto este já abordado supra. Segundo Gomes Canotilho, “os princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas”. Ou seja, frequentemente, necessitamos dos princípios, quer em sede de interpretação, quer em sede de concretização da norma constitucional, como linhas de orientação que sempre terão como objectivo encontrarmos a melhor solução possível dentro do contexto nacional no qual operam.