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Entrevista

Há muito se vê o nome Lennart Wieslander estampado em periódicos ortodônticos. Felizmente,


tivemos o prazer de acolhê-lo no Brasil em novembro último. Firme e determinado como aqueles
que enveredam, por opção, pelo caminho da ciência, deixou-nos impregnado com a mensagem do
mestre e do clínico. A informação privilegiada da sua palestra foi pautada pela experiência de longos
anos, acumulada com critério e rigor, e pelo incomparável acompanhamento, sempre difícil, do pós-
tratamento.
Todos aqueles que fazem Ortodontia percebem que o verdadeiro conhecimento deriva de uma
análise retrospectiva, quase histórica, de casos tratados e acompanhados a longo prazo. Lennart
Wieslander é a prova viva desta teoria. Em suma, podemos descrevê-lo como uma demonstração
de vitalidade científica.

Omar Gabriel da Silva Filho

01 - Vários autores como inicial sobre a posição e crescimento da


McNamara, Vardimond, Voss, mandíbula diminui, e as alterações a lon-
Graber e Petrovic demonstram go prazo registradas não foram estatisti-
que grande parte do efeito do camente significantes. Entretanto, poderi-
aparelho de Herbst é muito mais am ter sido influenciadas pela amostra de
ortodôntico do que ortopédico, tamanho insuficiente e a grande variação
uma vez que há grande altera- individual na resposta ao tratamento. Seu
ção na posição de dentes e re- questionamento em relação às variações
modelação do processo alveolar em nível molecular segundo Petrovic é
(na maxila e mandíbula) e pe- muito interessante, mas temos muito pou-
queno efeito sobre o crescimen- ca experiência neste sentido.
to mandibular. A. Petrovic de-
monstrou isso inclusive em nível 02 - Conhecendo os seus expe-
molecular, com variações da rimentos clínicos com os apare-
atividade da fosfatase ácida, fos- lhos de Herbst na correção de
fatase alcalina e betaglucoroni- casos de Classe II numa idade
dase. Não seriam essas possíveis muito jovem-dentição decídua:
justificativas para suas observa- Lennart Wieslander • O senhor considera possível a
ções a longo prazo em pacientes (Professor e Chefe do Departamen-
correção de casos tão pronun-
tratados com esse aparelho as- to de Ortodontia da Universidade ciados de Classe II em apenas
sociado ao AEB? (AJODO 1993 de Basel, Suíça) 6-8 meses? Dr. Kurt Faltin Jr.
Oct 319-329: Long-term effect Sim, a resposta ao tratamento geral-
of treatment with headgear- produz um “efeito de ancoragem” com al- mente é excelente e, em alguns casos, este
Herbst appliance in early mixed terações dentoalveolares bem como um efei- tratamento precoce torna possível um de-
dentition - Wieslander) Dr. Mar- to esquelético sobre a base da maxila numa senvolvimento futuro normal. No entan-
cos Nadler Gribel direção posterior. As alterações dentoalve- to, alguns casos necessitam de tratamento
Você tem certa razão. Em nossos estu- olares na maxila são maiores que as alte- complementar durante a dentadura perma-
dos, o aparelho de Herbst a longo prazo rações esqueléticas. Por sua vez, o efeito nente para correção de detalhes.

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• Não seria recomendado inici- com ancoragem extrabucal de tração alta 09 - Existe diferença quanto ao
ar o tratamento destes casos parece apresentar uma possibilidade de ser efeito do aparelho extrabucal de
numa fase de maior velocidade evitada uma abertura do ângulo do plano tração cervical para a correção
de crescimento individual de mandibular e um movimento posterior da Classe II quando aplicada no
cada um dos pacientes? Dr. Kurt subseqüente do pogônio. Uma ancoragem início ou final da dentadura mis-
Faltin Jr. extrabucal de tração baixa possui um efei- ta? Qual seria a fase mais favo-
O tratamento dos casos Classe II seve- to favorável sobre a dimensão vertical nos rável e o tipo de caso mais apro-
ros com protrusão dos incisivos superiores casos de mordida profunda. priado para cada fase? Dr. Ary
não pode aguardar até o início do surto do dos Santos Pinto
crescimento puberal. O risco de trauma e 06 - Quais são os efeitos dos Teoricamente, o efeito esquelético da
as razões estéticas tornam necessário o tra- tratamentos precoce e tardio na ancoragem extrabucal cervical deve ser
tamento precoce. dentadura mista de pacientes maior durante o surto do crescimento
com má-oclusão Classe II de puberal ao final da dentadura mista. No
03 - Qual o seu protocolo de tra- Angle? Dr. José Fernando Casta- entanto, como precisamos de 2-3 anos para
tamento atual para as más- nha Henriques obtenção de um bom efeito, temos sempre
oclusões Classe II? Dr. Omar O tratamento precoce da dentadura de iniciar mais precocemente, em particu-
Gabriel da Silva Filho mista pode resultar em um intervalo antes lar se tivermos uma relação molar Classe II
- Casos de má-oclusão Classe II muito que as correções finais possam ser completa para tratar.
severa: início aos 6 anos, antes da erupção indicadas na dentadura permanente. No
dos molares dos 6 anos. Contenção até a entanto, na maioria das vezes, o tratamen- 10 - Qual a importância do cres-
erupção dos incisivos inferiores e incisivos to da dentadura mista deve ser prolongado cimento vertical na melhora do
centrais superiores. E, então, se necessário, até que os dentes permanentes tenham ir- relacionamento ântero-poste-
correção dos detalhes na dentadura rompido. Portanto, o tratamento tardio da rior entre a maxila e mandíbula
permanente. dentadura mista pode ser indicado se não durante a correção da Classe II
- Casos de má-oclusão Classe II menos houver trauma ou razão estética para a com aparelho extrabucal de tra-
severa: tratamento convencional com an- intervenção precoce. ção cervical? Dr. Ary dos Santos
coragem extrabucal e monobloco relacio- Pinto
nado ao surto do crescimento puberal. 07 - Qual é o efeito da ancora- Com maior crescimento vertical, há um
gem extrabucal cervical sobre a efeito melhor da ancoragem extrabucal
04 - O senhor acha que a rela- maxila e estruturas anatômicas cervical porque podemos contar com me-
ção custo/benefício justifica tra- circundantes em pacientes com nos rotação mandibular posterior desfavo-
tamentos precoces (antes da má-oclusão Classe II na denta- rável durante o movimento posterior infe-
adolescência) para a má-oclu- dura mista? Dr. José Fernando rior dos molares.
são Classe II? Dr. Omar Gabriel Castanha Henriques
da Silva Filho Uma média de 3mm de movimento 11 - Qual a vantagem de se as-
Sim, para casos de má-oclusão Classe distal dentoalveolar dos molares dos 6 anos sociar a tração extrabucal com
II severa. Casos de má-oclusão Classe II combinado com uma extrusão. Um efeito o aparelho de Herbst na corre-
menos severa (sem problemas de estética esquelético posterior de 2mm sobre a base ção da Classe II e qual é a ação
ou trauma) devem ser tratados no final da da maxila. Também temos verificado quan- maior desta associação de apa-
dentadura mista (se houver alguma chance to a um efeito adicional sobre as estrutu- relhos sobre a maxila ou man-
de ser desenvolvida uma boa oclusão sem ras anatômicas circundantes. O efeito so- díbula? Existe alguma ação do
a necessidade de outro tratamento) ou pri- bre a mandíbula já foi mencionado. aparelho de Herbst sobre o
meiramente no início da dentadura perma- crescimento condilar quando
nente se, através dos registros, você puder 08 - As alterações ortodônticas usado associado ao aparelho
prever a necessidade de um tratamento e ortopédicas conseguidas com extrabucal? Qual a estabilida-
posterior com aparelhos fixos. a ancoragem extrabucal são es- de dos resultados? Dr. Ary dos
táveis ou o restabelecimento fi- Santos Pinto
05 - Qual a influência da ancora- siológico tende a eliminar essas A ancoragem extrabucal com o apare-
gem extrabucal no desenvolvi- mudanças? Dr. José Fernando Cas- lho de Herbst é utilizada só para aumentar
mento do complexo craniofacial tanha Henriques o efeito esquelético sobre a maxila. Não
durante a dentadura mista? Dr. Sempre ocorre uma recuperação fisio- acho que as forças da ancoragem extrabu-
José Fernando Castanha Henriques lógica. Entretanto, as alterações ortodôn- cal nos casos Classe II possam desempe-
Somos da opinião de que o efeito é den- ticas e ortopédicas da maxila são signifi- nhar um papel sobre a quantidade de cres-
toalveolar e esquelético. Uma abordagem cantes a longo prazo. cimento condilar, no entanto, talvez em

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alguma extensão, sobre a direção do cres- considera importante a inter- po? Dr. Guilherme dos Reis Pereira
cimento condilar. Entretanto, todas as mu- venção precoce nos problemas Janson
danças apresentam uma certa quantidade moderados? Dr. Maurício Tatsuei Qualquer tipo de monobloco seria ade-
de recidiva após o tratamento. Sakima quado após o tratamento com o Herbst. O
Não, estes casos geralmente se benefi- tempo com esse tipo de aparelho varia de
12 - Quais são os efeitos co- ciam do tratamento no estágio do final da caso para caso e é testado por uma redução
laterais e qual tipo de contro- dentadura mista/início da dentadura per- gradual (uma ou outra noite, uma vez por
le deve ser feito no tratamen- manente. semana, etc.).
to da Classe II com o extrabu-
cal/Herbst? Dr. Ary dos Santos 16 - O tratamento com o apare- 20 - O senhor utiliza o Jones Jig,
Pinto lho de Herbst, além dos efeitos o Pêndulo ou outro aparelho in-
Os efeitos colaterais com o aparelho de favoráveis, gera também alguns trabucal semelhante para
Herbst são evidentes após 5-6 meses por- efeitos colaterais. Quais as ca- distalizar os segmentos poste-
que pode ocorrer muita distalização e in- racterísticas clínicas que devem riores superiores ou prefere uti-
trusão dos molares superiores. Portanto, ser observadas quando da indi- lizar um aparelho extrabucal?
raramente utilizamos o aparelho de Herbst cação deste aparelho? Dr. Mau- Os aparelhos intrabucais são
por mais de 6 meses. rício Tatsuei Sakima tão eficazes como os extrabu-
Os efeitos colaterais após 5-6 meses do cais? Qual é a estabilidade da
13 - O senhor usa o ativador tratamento com o Herbst já foram mencio- distalização de segmentos pos-
como contenção do tratamento nados. Características clínicas importantes teriores com o uso de aparelhos
da Classe II? Qual a vantagem antes de se recomendar o aparelho são: não de movimentação distal intrabu-
e quais os parâmetros clínicos e haver problema de ATM e uma oclusão acei- cal? Dr. Guilherme dos Reis Perei-
indicações de uso (quantidade tável em protrusão. ra Janson
de avanço mandibular, tipo de Temos utilizado o aparelho Pêndulo
cobertura oclusal e acrílico para 17 - O que devemos esperar somente no início da dentadura permanente
os dentes posteriores e/ou an- quanto à manutenção das alte- em alguns casos, mas temos pouquíssima
teriores e tempo de uso)? Dr. Ary rações ortopédicas obtidas com experiência para podermos julgar a estabi-
dos Santos Pinto o aparelho de Herbst? Dr. Maurí- lidade do efeito do tratamento. Ao invés
Após o tratamento com o Herbst é cio Tatsuei Sakima disso, utilizamos uma ancoragem extra-
necessário utilizar um ativador como re- As alterações ortopédicas na maxila bucal quando queremos uma combinação
tentor. Nós sempre “sobretratamos” com bem como na mandíbula após o tratamen- de efeito dentoalveolar distal sobre os mo-
uma protrusão gradualmente aumenta- to com o Herbst começam a recidivar e o lares superiores e um efeito esquelético so-
da da mandíbula e estas mudanças pre- ativador é necessário para minimizar esta bre a maxila. Como o Pêndulo tem um efei-
cisam de tempo para estabilizar. O ati- tendência. A posição anterior da mandíbu- to apenas dentoalveolar, as indicações para
vador é construído com um trespasse la também é causada pelo estiramento dos tratamento são diferentes. No entanto, em
vertical negativo de 2mm e geralmente é músculos e ligamentos. Com certa freqüên- uns poucos casos temos utilizado uma
desgastado para permitir a livre erupção cia, o ativador deve ser usado em tempo combinação dos dois aparelhos com a an-
dos dentes posteriores. É utilizado com parcial por diversos anos. coragem extrabucal adotada para evitar o
uma redução gradual do uso durante um movimento mesial dos dentes de ancora-
período de 2-3 anos. 18 - Qual é o tempo médio de gem em direção ao Pêndulo.
tratamento necessário para cor-
14 - Na sua opinião qual é a épo- rigir uma má-oclusão Classe II
ca mais oportuna para o trata- completa na dentadura mista
mento da Classe II severa? Dr. com a ancoragem extrabucal/
Maurício Tatsuei Sakima aparelho de Herbst? Dr. Guilher-
Para casos Classe II dentoalveolares e me dos Reis Pereira Janson
esqueléticos muito severos: O tratamento O tempo de tratamento necessário é
já se inicia antes da erupção dos molares de 5 a 6 meses com ancoragem extrabu- O Conselho Editorial da Revista
dos 6 anos. Para casos Classe II menos se- cal de Herbst seguido por um período de Dental Press agradece aos eméritos
veros: tratamento convencional. estabilização com ativador durante 2-3 doutores por esta participação na
anos. Seção Fórum, representando mais
15 - O tratamento da Classe II uma colaboração à ciência ortodôn-
na dentadura decídua ainda 19 - Qual tipo de contenção o tica e engrandecendo a qualidade da
gera muita polêmica. O senhor senhor utiliza e por quanto tem- informação para nossos leitores.

Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial - V.4, Nº 2 - MAR./ABR. - 1999 3


Dr. Ary dos Santos Dr. Guilherme Dr. José Fernando
Pinto Janson Castanha Henriques

- Professor Assistente - - Professor Associado da Dis- - Professor do Curso de


Doutor do Departamento ciplina de Ortodontia da Fa- Especialização em
de Clínica Infantil, culdade de Odontologia de Ortodontia da FUNBEO
Disciplina de Ortodontia Bauru – Universidade de (Fundação Bauruense de
Preventiva. São Paulo. Estudos Odontológicos).
- Desenvolve trabalhos de Pesquisa em - Pós-Doutorado na Universidade de Toron- - Coordenador do Curso de Especialização
nível de Pós-Doutorado, na Baylor to, Canadá. em Ortodontia promovido pela Faculdade
College of Dentistry, em Dallas, Texas, - Coordenador do Curso de Especialização de Odontologia de Bauru, entre os anos
USA. em Ortodontia da FUNBEO (Fundação de 1997 a 1999.
Bauruense de Estudos Odontológicos). - Mestre em Ortodontia pela Faculdade de
- Professor dos Cursos de Especialização em Odontologia de Bauru, da Universidade
Ortodontia da FOB, FUNBEO e APCD / Bauru. de São Paulo.
- Professor dos Cursos de Extensão da Socie- - Professor associado da Disciplina de
dade Paulista de Ortodontia. Ortodontia da Faculdade de Odontologia
- Membro do Royal College of Dentists of de Bauru, da Universidade de São Paulo.
Canadá – M.R.C.D.C.

Dr. Kurt Faltin Jr. Dr. Marcos Nadler Dr. Maurício Tatsuei
Gribel Sakima
- Pós-graduado em
Ortopedia Maxilar pela - Graduado em Odontologia - Professor Assistente do
Universidade de Bonn- pela Pontifícia Universida- Departamento de Clínica
Alemanha. de Católica de Minas Infantil, Disciplina de
- Doutorado (Doutor em Di. Gerais. Ortodontia Preventiva da
Med. Dent.) em Ortopedia - Especialista em Faculdade de Odontologia
pela Universidade de Bonn-Alemanha. Ortodontia pelo Conselho Federal de de Araraquara.
- Professor titular da disciplina de Odontologia em Belo Horizonte. Consultó- - Aluno do Curso de Pós-Graduação em
Ortodontia da UNIP - Universidade rio em Belo Horizonte -MG desde 1.979. Odontologia – Área de Ortodontia, nível
Paulista. - Professor assistente do curso de Residên- de Doutorado da Faculdade de Odontolo-
- Coordenador do curso de Especialização cia e Especialização em Ortopedia Fun- gia de Araraquara – UNESP.
em Ortodontia da UNIP - Universidade cional dos Maxilares da Universidade
Paulista. Camilo Castelo Branco - SP.

Dr. Omar Gabriel


da Silva Filho

- Coordenador do Curso de
Atualização em
Ortodontia Preventiva e
Interceptiva, promovido
pela PROFIS (Sociedade
de Promoção Social do Fissurado Lábio-
Palatal) - Bauru / SP.
- Professor do Curso de Especialização em
Ortodontia promovido pela PROFIS
(Sociedade de Promoção Social do
Fissurado Lábio-Palatal) - Bauru / SP.
- Ortodontista do Hospital de Pesquisa e
Reabilitação de Lesões Lábio-Palatais da
Universidade de São Paulo, em Bauru.

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